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UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

GEOVANNA LYSSA SOUZA SILVA


QUEREM DANIELE DO NASCIMENTO

“Que horas ela volta?” Afinal, do que se trata?

TRÊS MARIAS
2022
1. INTRODUÇÃO

O trabalho compõe um dos principais mecanismos para designar a existência dos seres
humanos no mundo e apresenta as relações que entre eles se estabelecem. Podendo ser
definido como produtivo, revolucionário e apto para produzir recompensas. Todavia, também
existe o trabalho doméstico. Ambos se assemelham ao indivíduo que executa, entretanto, se
distanciam quanto a valorização social e o reconhecimento jurídico.

Ao olharmos para períodos históricos anteriores ao nosso – o período escravista, por


exemplo – observamos que, essas tarefas domésticas e os cuidados com as crianças dos
senhores eram executados exclusivamente pelas escravas e supervisionados pelas “sinhás”, as
donas da casa.

O tempo decorreu e o fim da escravidão foi decretado, entretanto, essa hierarquização


entre " sinhás" e " empregadas" se manteve camuflada, através do uso de expressões como:
“Você é praticamente da família”, fato que efetivamente está longe da realidade vivenciada
por essas mulheres.

O filme " Que horas ela volta? " (Anna Muylaert, 2015), retrata essa relação de classes,
existente entre a empregada Pernambucana Val (Regina Casé) e a família abastada da " Dona
" Bárbara (Karine Teles), que é desestabilizada após a chegada da filha da funcionária
nordestina. E, nos faz refletir sobre certos pontos, “Existe um nexo de continuidade entre
trabalho escravo e serviços domésticos?". Afinal, qual o percurso das políticas sociais atuais?

As domésticas em posição desprivilegiada há 200 anos no país. Quadro “Um Jantar Brasileiro”, de Jean-Baptiste
Debret. Fonte: Wikipédia/Reprodução
2. O FILME

Precipuamente, é importante citar que o filme “Que horas ela volta” é um importante
material de estudo sociológico e retratação da realidade de muitos brasileiros. Ademais,
segundo dados do IBGE (2019), ainda existem cerca 71,6% trabalhadores domésticos que
trabalham sem a carteira assinada, no contexto nacional, comprovando que ainda hoje, o
trabalho doméstico é considerado por muitos, informal, como exemplo, verifica-se a vivência
da personagem “Val” no filme. Sob esse viés, é possível investigar o motivo de o trabalho
doméstico ser considerado informal e relacionar tal fato ao passado escravista e
discriminatório do país.

Gráfico 1: Fonte IBGE


O início da colonização portuguesa ao território brasileiro até o século XIX foi
marcado pela atividade escravista, ao trazer em navios negreiros indivíduos imigrantes para
serem vendidos e forçados a trabalharem até a exaustão. Tais atividades hierarquizaram a
sociedade brasileira e seus frutos como o preconceito e a desigualdade social se perpetuam até
os dias de hoje.

Outrossim, conforme observado na obra de Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do


Brasil, a construção da sociedade brasileira foi pautada na hierarquização com base na
condição social e na origem de cada indivíduo. Diante disso, muitos cidadãos brasileiros que
não tiveram a oportunidade de um estudo completo ou por consequência de suas origens, são
obrigados pelas demandas diárias a buscarem trabalhos informais, os quais ressaltam a
desigualdade social presente no país. A saber, na forma de tratar, as limitações impostas pelos
patrões aos trabalhadores informais exemplificam a desigualdade econômica enfrentada hoje
no país.

O filme protagonizado pela atriz Regina Casé, documenta de forma fictícia o dia a dia
de uma empregada doméstica em uma casa de luxo, a qual comporta moradores bem
sucedidos, aparentemente educados e de origens diferentes da doméstica. O objetivo da
protagonista de origem pernambucana de ir para São Paulo era claramente conseguir melhores
condições de vida e de trabalho para ela e para sua filha, a qual permanece no nordeste com o
pai.

Na trama, nota-se o quanto a desigualdade social está presente nos mínimos detalhes
da convivência da empregada e de seus patrões. Cita-se, como exemplo, a presença de uma
piscina na casa de luxo, totalmente restrita à doméstica e de uso exclusivo da família
proprietária. Ademais, o quarto de empregada de uso exclusivo de Val apresenta condições
limitadas e desproporcionais se comparado aos outros cômodos da mansão, a saber, nele
possui uma pequena janela responsável por ventilar o pequeno cômodo tão contrastante com o
conforto da casa de luxo.

No entanto, a chegada inesperada da filha da protagonista Val, traz à tona a


hierarquização extrema imposta à empregada e as limitações por ela passadas devido a sua
profissão desvalorizada. Inicialmente, a família de proprietários recebe a menina de braços
abertos e receptivos, uma máscara a qual esconde o verdadeiro sentimento de sobreposição
quanto à posição economicamente inferior de Val e da filha. Em certo momento do filme,
quando a filha de Val, Jéssica, se atreve a entrar na piscina, a patroa da empregada tenta
impedir de todas as formas que Jéssica usufrua deste bem material, mas não consegue impedir
o total acesso da jovem à piscina. Após o episódio, a empresária decide “desinfetar” e
interditar a piscina, alegando que viu um “rato” na água.

Nesse momento, a “máscara” de boa vizinhança da patroa de Val cai e, como


consequência, gradativamente a empregada doméstica reconhece que ela não está sendo
tratada com a dignidade que todo ser humano merece. Com o apoio da filha que teve a
oportunidade de estudar e compreender a desestrutura social do país, Val abre os olhos e
decide sair do emprego e buscar condições trabalhistas que a dignifiquem como cidadã.

Em síntese, “Que horas ela volta?”, retrata de maneira crua e fiel como a desigualdade
social originada no passado escravista e desumano está presente no dia a dia de muitos
trabalhadores honestos, os quais se esforçam para dar o seu melhor, todavia não são
reconhecidos com a dignidade necessária.

Fonte: Cena do filme “Que horas ela volta?” (2015)


3. CONCLUSÃO

É inquestionável, o filme “Que horas ela volta?", de Anna Muylaert, se impõe como
uma arte capaz de emocionar e, ao mesmo tempo, refletir. Um filme sobre ideologia. Com um
conjunto de metáforas e efeitos cinematográficos que servem para legitimar as ações de
determinado grupo.

Um vez que, o filme carrega uma crítica categórica à relação de desigualdade entre
empregadas e patrões que não servem sequer o próprio alimento. Vivenciando assim,
situações análogas à escravidão.

O emprego doméstico, elemento principal do filme, evidencia a exploração do


trabalho feminino socialmente desqualificado, se tratando de relações de submissão que
encontramos na atualidade, entretanto, enraizado no período escravista.

Ademais, observa-se uma nova perspectiva com a chegada da filha e sua forma de
viver. Val passa a questionar o seu papel frente a sociedade. E, cria consciência de sua
condição de mãe ausente. Até que ponto vale a pena se distanciar do seio familiar? Assim,
chega à conclusão que existem novas possibilidades de vida e que nada está perdido.

A consciência construída por Val, mostra uma necessidade de reduzir essas


desigualdades e preconceitos historicamente construídos. A necessidade de superar essa
categoria de sujeição, a opressão do patriarcado e o trato social abusivo, a fim de constituir
um novo panorama social.

Diante disso, é necessário assegurar não só que políticas públicas sociais sejam fixadas
de forma a criar uma real equidade e não igualdade imaginária, no intuito de promover a
superação dessas desigualdades de gênero, raça, classe social, que ainda modelam o perfil da
doméstica brasileira.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

RODRIGUES, Márcia. Acompanhe a evolução do trabalho doméstico no Brasil. R7, 2019.


Disponível em:
<https://www.google.com/amp/s/www.mixvale.com.br/2019/09/23/acompanhe-a-evolucao-
do-trabalho-domestico-no-brasil/>. Acesso em: 25 de Jun. 2022.

DEBRET, Jean-Baptiste. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. 1816-1831, São Paulo:


Melhoramentos, 1971.

DOMINGUES, Joelza Ester. Debret e os hábitos alimentares na corte brasileira. Blog


Ensinar história, 2016. Disponível em: <https://ensinarhistoria.com.br/debret-e-os-habitos-
alimentares-na-corte-brasileira/>. Acesso em: 24 de Jun. 2022.

FERNANDES, Vandré. Que horas? Ou “A sua piscina está cheia de ratos”. União da
juventude socialista, 2016. Disponível em: <https://ujs.org.br/blog/noticias/que-horas-ou-a-
sua-piscina-esta-cheia-de-ratos-por-vandre-fernandes/>. Acesso em: 26 de Jun. 2022.

Trabalho doméstico no Brasil: a origem escravocrata, a lenta evolução legislativa e a


atual situação da categoria. Esquerda Diário, 2020. Disponível em:
<https://www.esquerdadiario.com.br/Trabalho-domestico-no-Brasil-a-origem-escravocrata-a-
lenta-evolucao-legislativa-e-a-atual-situacao>. Acesso em 27 de Jun. 2022.

Que horas ela volta? Direção de Anna Muylaert. Rio de Janeiro, RJ: Globo Filmes, 2015. 1
DVD (114 Min), color
PEREIRA, Bergman de Paula. De escravas a empregadas domésticas – A dimensão social
e o “lugar” das mulheres negras no pós-abolição. In: XXVI Simpósio Nacional De
História, 2011, São Paulo. Anais… São Paulo: ANPUH, 2011. P. 1-7.

MONTOVANI, Denise. Emblema do país colonial, domésticas vão à luta. Outras Palavras,
2021. Disponível em: <https://outraspalavras.net/trabalhoeprecariado/emblema-do-pais-
colonial-domesticas-vao-a-luta/>. Acesso em 26 de Jun. 2022.

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