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A química entre Regina Casé, que passa com maestria as emoções e dificuldades de sua

Resenha - "Que horas ela volta?" personagem sem perder seu toque de humor característico, e Camila Márdila, atriz
jovem, mas que soube representar bem a inquietação de Jéssica diante a situação de
opressão vivenciada por ela e sua mãe, impressiona, argumento este que diverge da
"Que horas ela volta?" é um filme de drama brasileiro lançado em 2015, em plena resenha "Resenha - Que horas ela volta?" que diz que, “Em resumo, o filme deixa a
divisão política-social no país, momento em que se contrapõem ideais e literalmente desejar nas cenas e interpretações". O roteiro não possui muitos acontecimentos, porém
estruturas no Palácio do Planalto, quando se dá início ao processo de impeachment da as artistas conseguiram inserir o espectador na relação entre as mulheres que
Ex-Presidente Dilma e observamos um embate direto entre a esquerda e direita interpretam e prendê-lo ao enredo sensível do filme, tornando-o muito interessante.
brasileira. Além disso tudo, a economia foi intensamente marcada pela volta da inflação Relacionados a aspectos técnicos, o filme, por se tratar da rotina de uma doméstica traz
e pelo tsunami de desempregos. O longa-metragem é dirigido por Anna Muylaert, um ar mais monótono através de sua fotografia, que foi alvo de ótimas críticas e até
nascida em São Paulo no ano de 1964, e assim como os filmes anteriores da diretora, mesmo de um prêmio pelo festival do Cinema Brasileiro (2017). Sua montagem simples
"É proibido fumar" (2009) e "Durval Discos" (2003), a obra possui uma forte crítica dá ao espectador a noção de rotina e cotidiano que envolve a vida de Val.
social, construída de maneira sólida durante o enredo, porém sem abrir mão da
comicidade, sendo auxiliada por momentos de grande ironia, confrontando os papéis do
Apesar de deixar alguns conflitos entre os componentes da casa muito abertos, sem
rico e do pobre. Possui também a teoria do preconceito racial, que é aplicada durante o
desenvolvimento ou
filme e retratada de maneira simplista porém eficiente ao decorrer da trama.
Vencedor de diversas categorias do Prêmio do Cinema Brasileiro (2016) e de melhor
filme Ibero-americano do Prêmio Ariel (2017), ele conta a história de Val (Regina Casé),
uma empregada doméstica pernambucana que trabalha há anos na casa do casal de
classe média-alta, Bárbara ( Karine Teles) e Carlos (Lourenço Mutarelli) em São Paulo.
Depois de um longo tempo sem ver sua filha Jéssica (Camila Márdila[), Val a recebe na
casa de seus patrões, onde também vive, na capital paulista por alguns dias para que a
garota possa prestar vestibular na cidade. Inicialmente, os donos da casa a recebem
tranquilamente, porém ao longo da trama vários conflitos são gerados entre eles e
conclusão, somente soltos ao longo da obra, "Que horas ela volta?" é cativante de se
Jéssica, muito associados a preconceitos de classe e regionais, questionando as
ver, transcendendo idade, etnia e escolaridade. Em meio às comédias clichês do cinema
posições, socialmente falando, ocupadas por Bárbara, Carlos e seu filho, Fabinho (Michel
brasileiro, ele tenta ser um ponto fora da curva com um humor sublime, recheado de
Joelsas), que é criado por Val como se fosse o seu próprio. Jéssica sonda a casa e vai
reflexões importantes, profundas e muito atuais em nossa sociedade, como a
conquistando seu espaço na mesma, revelando aos olhos do expectador a situação em
desigualdade social, tornando possível a idealização e consequente identificação do
que se encontra sua mãe e mais para frente, a própria. Ao longo do filme também
público com o filme, que muito provavelmente irá reconhecer no longa pessoas e
podemos notar uma forte presença irônica entre Val e Jéssica, que fica implícita durante
atitudes muito presentes em seu cotidiano.
o enredo e só é plenamente desvendada nos últimos minutos do filme, trazendo maior
clareza ao telespectador sobre o porquê de algumas ações realizadas por determinadas
personagens e posteriormente, maior sentido à história. A diferença de condições de O longa-metragem “Que horas ela volta?”, dirigido e roteirizado por Anna Muylaert. , foi
criação e de vida entre as personagens é bem explorada para realizar a crítica do filme lançado em 2015, período pós-eleitoral e de contestação da estrutura do sistema
e fica clara com a comparação entre o filho do casal e a filha de Val. Os dois possuem o político brasileiro. O filme chega para realizar uma crítica à divisão social e regional
mesmo objetivo: passar no vestibular. Porém, a vida toda teve diferentes oportunidades vivida no país, nas quais as desigualdades sociais podem ser consideradas atemporais,
de educação. O garoto sempre estudou em São Paulo e possuiu pais com boas condições levando em consideração a história do Brasil.
financeiras. Já a garota viveu todo seu percurso em Pernambuco, ficando anos sem ver
A estreia do filme aconteceu no Sundance Festival, em Utah, nos Estados Unidos, e o
a mãe, que lutava para trabalhar e enviar dinheiro a ela.
mesmo estreou nos cinemas de sete países europeus, antes de chegar ao Brasil em 27
de agosto de 2015. Com 14 indicações, o longa foi o grande vencedor da 15ª edição
do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, levando sete troféus Grande Otelo.

O filme conta a história de Val (Regina Casé), uma empregada doméstica nordestina que
mora, há mais de uma década, em São Paulo na casa de seus patrões de classe média
alta (interpretados por Karine Teles e Lourenço Mutarelli). Val, habituada a ser tratada
de uma maneira diferente dos demais integrantes da casa, não questiona o porquê de
ter que comer em uma mesa diferente, de viver no quarto mais desconfortável e não
poder usufruir da piscina. Seus patrões, aparentemente modernos, mas conservadores
em seus costumes sociais, sempre disseram que ela fazia parte da família, mas nunca a
trataram como tal, mesmo ela cuidando do filho deles como se fora seu próprio.

O enredo muda quando Val recebe uma ligação de sua filha Jéssica (Camila Márdila), a
qual deixou em Recife ao se mudar para São Paulo, procurando melhores condições de
vida. Interessada em estreitar o relacionamento com a filha que não vê a mais de dez
anos, Val a acolhe na capital paulista onde irá prestar vestibular, que, por coincidência,
é o mesmo que Fabinho (Michel Joelsas),o filho dos patrões, fará.

Jéssica vai morar com a mãe em seu ambiente de trabalho e gera uma tensão na casa
por não agir da maneira esperada por Val e, principalmente, por seus patrões. Ela é uma
garota inteligente, questionadora e faz com que sua chegada, como a do visitante do
filme Teorema, abale a forma de pensar e agir dos integrantes da casa, principalmente
de sua mãe, que sempre cumpria ordens sem reclamar.

A crítica social presente no filme instiga o público a reavaliar a sociedade na qual está
inserido. Isso é exatamente o que a diretora procura retratar nessa e em outras de suas
obras: a diferença social vivida no Brasil.

"Que horas ela volta?” traz uma crítica com uma pincelada de humor, recurso que Anna
Muylaert gosta de utilizar, como em sua obra “Durval discos”. Por se tratar de uma
crônica, a história do filme não se aprofunda nos assuntos abordados, deixando diversas
pontas soltas. Além disso, possui a presença de símbolos, como o sorvete e a as xícaras
de café, que recebem uma importância maior do que normalmente teriam, para que os
simples preconceitos cotidianos façam os espectadores refletirem.

Regina Casé surpreende pela sua atuação com feições mais simples e lentas, o que não
é comum para quem já assistiu seu finado programa "Esquenta!". O humor presente em
suas falas, que é um claro estereótipo de pessoas pobres, traz um tom de crônica social.

Dessa forma, o ótimo roteiro, os atores preparados com personagens bem construídos
e uma narrativa que explora a boa dramaturgia, o filme "Que horas ela volta?" faz com
que muitos espectadores possam se identificar com seu enredo e suas questões sociais
bem retratadas, fazendo críticas aos diversos assuntos presentes, que muitas vezes
passam despercebidos aos olhares das pessoas.

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