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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA "JÚLIO DE MESQUITA FILHO”

FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS DE ARARAQUARA

FRANCIELE BENTO DOS SANTOS


TANIA MARA SOUZA PEREIRA

EVOÉ CIA DE TEATRO “QUARTO DE DESPEJO”


Diário de uma favelada

ARARAQUARA - SP
2022
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 3
Sobre a autora 4
Elenco e performance 5
Enredo 6
O tempo cênico 7
O papel do cenário na narrativa 7
Movimentos corporais, gestuais, atitudes 8

CONCLUSÃO 9

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 10
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INTRODUÇÃO

O espetáculo aqui analisado foi escrito com base no texto original do best
seller “Quarto de despejo, o diário de uma favelada” de Carolina Maria de Jesus. A
peça encena de maneira fiel os relatos do diário, porém complementa-se com alguns
elementos que auxiliam na narrativa.
A peça foi produzida e encenada pela companhia de teatro Evoé, e a
apresentação se encontra no Youtube no canal do Sesc São Paulo, portanto a
estrutura em sessões que podem ter ocorrido presencialmente talvez seja diferente
das analisadas na transmissão online. O grupo buscou contar a história de Carolina
em uma apresentação recheada de música, poesia e arte.
Apesar dos relatos encontrados no texto original terem cinquenta anos de
publicação, os assuntos são extremamente atuais, a exemplo tem-se os políticos
que lembram do povo pobre apenas quando convém, a violência policial, a miséria e
a fome, perda da infância, assuntos esses que serão discorridos ao longo deste
trabalho. O grupo de teatro usou desses assuntos para contar que a narrativa atual
não é diferente da que foi contada décadas atrás. Em vista disso, em certas cenas é
possível notar que eles trazem questões que assolam nossa sociedade no presente.
Isto é a arte, surgindo da necessidade de dizer algo, nem sempre é algo favorável e
doce de se ouvir, porém faz-se necessário.
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Sobre a autora

Sacramento, Minas Gerais, 14 de março de 1914, data que nasceu Maria


Carolina de Jesus a autora e protagonista da história aqui citada, ela e a família
tinham uma vida simplista, moravam e trabalhavam num sítio. A proprietária do sítio
na época teve que interferir nos estudos de Carolina e por isso ela estudou apenas
por dois anos. Exerceu trabalhos como diarista em várias fazendas, porém
engravidou do seu primeiro filho e por esse motivo foi expulsa do trabalho. Em 1937
mudou-se para São Paulo e foi morar na favela do Canindé, onde trabalhou duro
para construir seu próprio barraco. Carolina e seus filhos viviam da venda de papel,
mas em alguns momentos ela também coletava sucata, madeira, vidro ou tudo que
lhe traria dinheiro ou formas de sobreviver, até mesmo como pegar alimento
encontrado no lixo.
Apesar da sua rotina pesada Carolina ainda achava tempo para fazer o que
mais gostava, que era escrever, ela chegou redigir um diário sobre fatos do seu
cotidiano e sentimentos, mas tarde este diário fora descoberto pelo jornalista Audálio
Dantas, e eis que surgiu “O quarto de despejo”. A obra chegou a vender milhares de
exemplares, passou em televisão, imprensa e até foi traduzida em várias línguas.
Carolina Maria de Jesus influenciou a vida na periferia através do seu
exemplo de coragem, resistência e dureza, e podemos ver tais traços em cada
página do seu diário, pois elas refletem e mostram a forte personalidade que ela
tinha.
Não parou por aí, Carolina chegou a ter um grande repertório de publicações,
pois outras obras suas foram publicadas como Casa de alvenaria, diário de uma
ex-favelada em 1961, coleção de provérbios de 1963 e outros (sete romances,
sessenta textos curtos, quatro obras de teatro e numerosos poemas). No entanto,
tempos depois foi sendo esquecida e chegou a retornar à pobreza. Morreu aos
sessenta e três anos em 1977 em decorrência de uma insuficiência respiratória.

(Mesa, 2017)
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In: https://www.blogletras.com/2017/11/carolina-maria-de-jesus-escritora-que.html. Acesso em 05/03/2022

Elenco e performance

O elenco é formado por Arce Correia, Lucas Barbugiani, Luana Tonetti,


Maggie Abbreu, Wesley Salatiel e Shanny Segade. Na apresentação apenas Maggie
Abbreu que interpreta Carolina permanece no personagem, os outros atores se
revezam para representar os moradores da favela que Carolina menciona no diário e
também seus filhos.
Os personagens constantes que irão aparecer além de Carolina serão, seus
filhos João José, José Carlos e Vera Eunice. Na performance os principais
agitadores que aparecem ao longo da história não recebem nome, mas personagens
como Leila, que vivia arrumando briga na favela está presente, assim como Manoel
um senhor que tinha interesse em Carolina, e o Cigano pelo qual ela se apaixona,
no qual ela escreve sobre ele nos últimos meses de 1959.
Ao longo do diário Carolina solta algumas falas que na peça viram conteúdo
musical, pois a peça contém uma trilha musical composta e produzida pelo também
ator Arce Correia, este que além de interpretar personagens da favela, faz também o
papel de puxar as rodas de música, como se fosse um narrador, tanto que é ele que
começa a apresentação da cena cantando sobre o nascimento de Carolina, sua
história que será encenada e sua morte.
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Enredo

A peça relata a história de Carolina, uma negra semianalfabeta que


trabalhava catando papel, e vivia na favela do Canindé juntamente com seus três
filhos, esses que no decorrer são vistos sendo maltratados pelos vizinhos.
Inicia-se a apresentação musicalmente contando sobre o nascimento de
Carolina, em seguida a mesma entra em cena citando o ano e começa relatando
sobre o dia do aniversário de sua filha Vera Eunice, o espetáculo vai seguindo
adiante e vai se desenrolando conforme vai sendo contado pela protagonista os
acontecimentos de sua vida diária e também de quem a rodeia. Narra brigas,
histórias trágicas, e discorre sobre as dificuldades que passa na favela, “A favela é o
Ministério do Diabo” afirma, tudo corrompe ou apodrece. Ela vai contando e
encenando o fato de ser mãe solteira e sobre o fato de não se submeter às
condições que o casamento impõe, assim como ela vê na vida de suas vizinhas que
são casadas- afirma “Não invejo as mulheres casadas da favela que levam vida de
escravas indianas”. Discorre sobre amores vividos, sobre males que a cercam,
vemos sobre a fé que tem em suas crenças, e também até fala sobre os políticos e
suas atitudes em épocas de eleições,
Como protagonista tem-se não somente os personagens comentados, mas
também tem como foco principal a presença da fome, essa que assola a família ao
longo de toda a história, “Como é horrível ver um filho comer e perguntar: Tem mais?
Esta palavra ‘tem mais’ fica oscilando dentro do cérebro de uma mãe que olha as
panela e não tem mais”. Carolina vive um dia de cada vez tentando sobreviver e
providenciar às crianças o que comer, mas apesar de tudo ela sonha em mudar-se
do local que mora e espera conseguir uma vida melhor para si e seus filhos.
Algo importante a se comentar é o fato de Carolina gostar de ler e escrever,
tal fato esse que a levou a redigir relatos da sua vida corriqueira em um diário, e
após ser descoberta por um jornalista que fazia uma matéria sobre favela, ela pôde
publicar seu diário, que ao qual resultou na peça teatral aqui analisada.
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O tempo cênico

Algo que se deve notar é que a peça curta como é com a duração de uma
hora e dezesseis minutos, não poderia abranger todos os acontecimentos de um
diário que começa a ser escrito em 1955 e termina em 1960, com um hiato entre
1956 e 1957. Também em certos períodos como do ano 1959, Carolina interrompeu
seu diário, por doença e também desgosto, ocorreu do dia 23 de fevereiro ao dia 29
de abril, eis o que ela escreveu: “Eu parei de escrever o Diario [sic] porque fiquei
desiludida. E por falta de tempo.” (JESUS, 2014, p.162). Em 1960 Carolina deixou
apenas uma citação “1 de janeiro de 1960: Levantei as 5 horas e fui carregar agua.”
(p. 167)
Na peça as narrações dos primeiros anos não são tão longas, apenas
algumas cenas. As cenas vão sendo apresentadas conforme a data que ocorre os
fatos descritos no diário, então o que define o final de um ato por assim dizer é o
início de um novo dia pelo diário.

O papel do cenário na narrativa

O cenário é simples e necessita da criatividade do espectador e do ator para


construírem as cenas. Caixotes dispostos através do palco quando não são
assentos, viram baldes e também podem fazer mesa, tudo depende do que se narra
e como eles são arrumados. Os atores também carregam um lenço, este representa
Carolina.
Sapatos delimitam o fim do cenário, inicialmente podem não parecer ter
ligação com a peça, contudo no final da peça, logo após o monólogo de desespero
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que Carolina estava passando no final do diário, quando cogitou até convidar seus
filhos para cometerem suicídio, nessa cena os atores se juntam e proclamam as
palavras que Carolina escrevera com raiva e a força que só alguém que passou a
vida lutando para viver. “Eu classifico São Paulo assim: O Palácio é a sala de visita.
A Prefeitura é a sala de jantar e a cidade é o jardim. E a favela é o quintal onde
jogam os lixos. Devo incluir-me porque também sou favela, sou rebotalho, estou no
quarto de despejo, e o que está no quarto de despejo ou queima-se ou joga-se no
lixo”, nessa hora os atores não estão mais em personagens específicos da peça,
agora eles cantam a história de Carolina na música escrita por Arce Correia para a
peça. Um pedaço dela abaixo:

Levanta povo, cativeiro não acabou não


Cheio de gratiluz quarto da empregada é o velho porão,
E na quebrada continua a perseguição
Do navio foi ao mato, hoje é da polícia o velho capitão.
E na noite estrelada a guerreira empunhava caneta e papel,
Apontava os pesares que um dia a deixará com gosto de fel
Era seu respiro e por ser exótica
Para fazer um vestido queria usar um pedaço do céu…

Também um aspecto importante que compõe o cenário é o painel onde os


atores ao longo da apresentação vão colocando cartazes com frases de Carolina, e
que em uma cena em específico acaba tornando-se um protesto, levando de volta a
questão abordada na introdução sobre o grupo Evoé deixar explícito que o enredo é
mais atual do que nunca.

Movimentos corporais, gestuais, atitudes

Os diálogos acontecem muitas vezes como uma conversa com o público,


quase como uma quebra da quarta parede, isso acontece porque Carolina planejava
um dia publicar seu diário, então a construção do texto é como se ela estivesse já
falando com os seus leitores e isso foi captado na peça. O discurso por se tratar de
um povo marginalizado contém um palavreado muitas vezes vulgar, não por parte de
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Carolina, já que a autora afirma ao longo de seu diário repudiar tal vocabulário. Aliás,
devido ao seu hábito de leitura algumas coisas ditas por Carolina soam de maneira
poética e lírica, como a seguinte frase escrita no dia 15 de maio: "A noite está tépida.
O céu já está salpicado de estrelas. Eu que sou exótica gostaria de recortar um
pedaço do céu para fazer um vestido.” (p. 28). As falas dos personagens em alguns
momentos são em grupo (uníssono) e em outras é feito uma encenação entre dois
personagens que estão alheios ao resto apenas com a personagem Carolina como
espectadora, geralmente nas brigas que a autora narra em seu diário. A peça pode
ser considerada como um musical, pois a trilha sonora ajuda também a narrar a
história. Durante as partes musicais é possível perceber aspectos da cultura
afro-brasileira, como as rodas de samba.
Sobre os gestos, as atitudes que os personagens assumem, ao primeiro ver
pode parecer exagerado de maneira proposital, mas ao realizar a leitura do texto
original, as maneiras que eles agem estão fiéis ao relato de Carolina.

CONCLUSÃO

Apesar da obra ter se tornado um fenômeno naquela época, não deixa de


continuar passando o mesmo efeito na atualidade, logo possui uma compilação de
vários assuntos importantes ao qual vivemos rodeados como, temas ligados a
assuntos raciais, a desigualdade e assuntos ligados a política.
Tanto o livro em si quanto o teatro espetáculo aqui analisado é um exemplo de
obra que faz parte da literatura afro-brasileira, encontrado seja através da
enunciação da história que a protagonista faz, nos estilos musicais, ou até mesmo
na poesia lírica escrita e encenada- “A noite está tépida. O céu está salpicado de
estrelas. Eu que sou exótica gostaria de recortar um pedaço do céu para fazer um
vestido”. Essa representação afro é até mais reforçada quando notamos momentos
em que a protagonista cita contextos que envolvem a escravidão, essa que continua
enraizada entre nós “[...]e assim no dia 13 de maio de 1958 eu lutava contra a
escravatura atual – a fome!” (JESUS, 1976, p. 29)
A obra não é somente um registro ou encenação que conta a história de uma
mulher, mas representa a vida de um povo. Logo, são obras como essas, autênticas,
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simples, porém marcantes que auxiliam em nossa formação e ajudam voltarmos na


compreensão de nossas origens.
Assim como o livro, o espetáculo serve como forma de denúncia e causa
sentimentos que levam a refletir e comover a quem lê ou assiste. “[...] eu classifico
São Paulo assim: O Palácio é a sala de visita. A prefeitura é a sala de jantar e a
cidade é o jardim. E a favela é o quintal onde jogam os lixos”. (JESUS, 1976, p. 30)
Vale ressaltar também que através dos elementos multissemióticos
analisados percebemos que a peça consegue transmitir os sentimentos expressos
pela própria autora do livro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Evoé Cia de Teatro em “Quarto de Despejo”, do Sesc Santo André para o Teatro
#EmCasaComSesc Disponível em
:https://www.youtube.com/watch?v=Zz4CBYfO2z4&t=450s. Acesso em: 14 dez. 2021.

JESUS, C. M. de. Quarto de despejo: Diário de uma favelada. 10.ed. São Paulo: Atlas,
2014 [1960].

JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
1976.

MESA, Sara. Carolina Maria de Jesus, a escritora que catava papel numa favela. Blog
Letras in.verso e re.verso. 26 de nov. 2017. Disponível em:
https://www.blogletras.com/2017/11/carolina-maria-de-jesus-escritora-que.html. Acesso
em: 05 mar. 2022.

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