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3° ATO

A HISTÓRIA CONSTRÓI A CENA


3º ATO
A HISTÓRIA CONSTRÓI A CENA

Nenhum progresso é mais difícil do que aquele que


conduz de volta ao que é certo.

Brecht

A_arte e seu ensino numa retrospectiva histórica em nove cenas

O objetivo deste ato é refletir sobre a arte e seu ensino ao longo


de uma trajetória histórica. Para tal, proponho que essa trajetória _seja
cenicamente refletida.
A construção de uma cena pressupõe a existência de uma história,
isto é, de uma narrativa dividida em partes. Essas partes são etapas em
que se subdivide a ação - ou as ações - de uma cena.
Assim sendo, as ações, os acontecimentos que ocorrem ou que
ocorreram ao longo do tempo são importantes para a compreensão do
que se passa em cena. Isso porque uma ação se desenvolve numa

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progressão de causa e efeito, que motiva ou justifica uma determinada A colonização propriamente dita inicia-se a partir de 1530 com 0
situação, ou melhor, uma cena. sistema de capitanias hereditárias e a monocultura da cana-de-açúcar. A
Mas nada acontece sem a existência dos personagens. São eles que ação dos portugueses, a princípio, restringe-se à extração de pau-brasil
atuam para a concretização dos pensamentos e dos sentimentos de uma e a algumas expediçõ�s exploratórias.
época, de um determinado momento histórico. Esses personagens são A econoll!ia col�nial, �ntão, desenvolve-se em tori:io do engenho
cuidadosamente trabalhados e ensaiados pela figura do diretor, que, de açúcar, e os grandes proprietários .de terra recorrem ao trabalho
como elemento harmonizador do processo de criação, procura concreti­ · escravo de índios e depois de negros. Daí o poder centrado no senhor do
zar a cena. engenho, que origina o caráter patriarcal da sociedade.
Entretanto, para que tudo dê certo, é preciso alguém que, de certa Num �smtexto como esse, em que o Brasil é uma colônia e o lucro
forma, administre o "palco" durante os ensaios e as apresentações. É pertence aos co1.nerciantes, ª educação não é pri01idade para o coloniza-
preciso alguém encarregado de fazer com que tudo funcione na mais dor, uma vez que ..9_trabal�o agrícola não exige forl_!lação e�eci�l.
perfeita ordem, mesmo que aparentemente. Essa pessoa é o contra-regra, Porém, comª chegada de religioso�é desenvolvido um trabalho
- '
um ser indispensável ao funcionamento de uma cena. missionário e pedagó�ico que visa, por um lado, à propagação da fé católica
É nessa concepção, então, que apresento a arte e seu ensino numa e, por outro, à gara11tia da unidade política. Nessas circunstâncias, a_educa-
- -
. ' - \

retrospectiva de nove cenas, em que a narrativa histórica constrói uma ção passa a ter o papel de agente ,colonizador e a arte é uni instrumento
encenação protagonizada pela Arte, que tem como coadjuvante o Ensino dessa educação,-
está·a serviço da doutrinação da religião cristã.
-
e cuja direção está a cargo ora do Fator Político, ora do Fator Conceitua!. Entreta�to, a presença da arte na vida do povo indígena não
Essa encenação acontece num cenário tipicamente Nacional, que, pode ser esquecida. Um povo que, com sua nudez emplumada, utiliza
no entanto, é musicalizado por um Vocal Internacional, bem distante da ·a arte como expressão de valores, crenças, concepções de mundo,
sonoridade brasileira. vida, morte e amor.
E o sucesso ou não dessa cena depende, em parte, da existência de Ribeiro (1995) diz que:
um contra-regra, o Professor de Arte.
Uma mulher tecia uma rede ou trançava um cesto com a perfeição de que
era capaz, pelo gosto de expressar-se em sua obra, como um fruto maduro
de sua ingente vontade de beleza. Jovens, adornados de plumas sobre
• Cena 1: O início da construção da cena '>
seus corpos escarlates de urucu, ou verde-azulados de jenipapo, engalfi­
nhavam-se em lutas desportivas de corpo a corpo, em que punham a
A concepção de arte e de ensino da arte, no país, é fruto de um energia de batalhas na guerra para viver seu vigor e sua alegria. (p. 47)
processo histórico cuja origem data de nossa colonização.
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Mas, diante da invasão européia, a verdade mais veemente é que Assim, o trabalho manual_é para escravos e índios� saber
os índios defendem até o limite possível seu modo de ser e de viver. E a formação da elite intelectual, distanciada do trato de
un1. versal, para
sobretudo, como diz Ribeiro (1995), depois que perdem, nos primeiros imediata, fato que já evidencia a
assuntos e problemas da realidade
contatos pacíficos com os colonizadores, suas ilusões e, ainda, o viço e
concePça~0 da arte como trabalho manual e a caracterização da arte como
0 brilho da rotina da vida tribal. A arte é, para esse povo, a mais pura outros fins e não como atividade em si mesma.
instrumento para
expressão de seu modo de ser e de viver, conseqüentemente ensinar essa
arte é ensinar a forma de viver a própria cultura. A expulsão dos jesuítas (1759) peJo Marquês de Pombal é, até
virtude do
certo ponto, desastrosa para a educação brasileira. Isso em
Já a arte compreendida ela classe dominante brasileira é acessório da
�e etig!:!_et� refinamento da própria classe ou trabalho manual da desmantelamento da estrutura educacional montada pelos padres \

Companhia e de sua substituição não imediata por outra organização


classe trabalhadora da época, formada por índios, escravos e negros, e, nesse
escolar, reconstrução que só se inicia uma década mais tarde pelo
sentido, com vistas à obtenção de lucros e à propagação da fé cristã.·
próprio Marquês de Pombal.
Essa dicotomia é inculcada pelos jesuítas na intenção de fortalecer
a hegemonia da Companhia de Jesus. Esses jesuítas viera_!!}y�a !! Brasil Em Portugal, o Marquês de Pombal (responsável pela perseguição dos
(1549) sob a ordem da classe dominante portuguesa para 12_acificar e jesuítas) planejou e fez executar uma reforma educacional que se con­
catequizar os índios, a fim de transformá-los numa possível classe centrou na exploração do.§...aspectos edl!fl!fionais nos quais fora Q.mi�c::­
trabalhadora da épocil. a ação jesuítica e numa renova ão metodológica que abrangia as ciências,
as artes manuais e a técnica. (Barbosa 1978, p. 22)
Da ação dos jesuítas surge, sem dúvida, a rimeira manifestação
do ensino de arte no Brasil. O trabalho atinge, além dos adultos, as
Essa reforma permitiu uma abertura pa�a que se esboçasse uma
crianças indígenas, com o objetivo de estabelecer os padrões de compor­
nova colocação para o ensino da arte, mais especificamente, para o
tamento determinados pela Igreja Católica. Os jesuítas, para atrair a
ensino do desenho e para a criação das "aulas públicas:_de geometria.
atenção das crianças, usam teatro, música, dança e diálogos em versos.
Elas representam, dançam e, aos poucos, vão aprendendo bons costumes Quanto à criação das aulas públicas de geometria ( 1771) e a
e a religião cristã. posterior criação de cadejras de geometria (1799), em São Paulo -e

--
Pernambuco, pode-se dizer que tiveram pouca repercussão, em virtude
Sobre a influência jesuítica na educação, Aranha (1989) diz o
do apelo e das_fonnas coercitivas utilizadas para obrigar a participação
seguinte:
do público nessas aulas.
A influência mais marcante da educação jesuítica é, sem dúvida, a que Sobre isso, Barbosa (1978) diz o seguinte:
exerceu na formação da burguesia e das classes dirigentes. A estrutura
do ensino, predominantemente "clássica", valoriza a literatura e a retó­ Em 23 de janeiro de 1771, foi publicado um edital "convidando" os
rica e despreza o estudo das ciências e a atividade manual. (p. 123) interessados a se inscrever na aula recém-criada no convento de São
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Francisco; mas, em outubro do mesmo ano, há um outro edital que s na luta contra estrangeiros invasores, criando o clima que
dos engenho
"ordena" que todos os estudantes e pessoas conhecidamente curiosas ovimento de independência de 1822.
prepar a O m
entrem na aula que se havia de abrir para o ensino de geometria, com a
ocorrem algumas transformações culturais com a implantação da
pena de sentar praça de soldado pago para os que não cumprissem essa
ensa Régia (1808), pois, até então, as publicações eram
determinação. (p. 24) irnpr ensa: a Impr
oteca pública (1810), futura Biblioteca Nacional, cons­
proibidas; a bibli
O ensino de desenho é incluído no currículo do Seminário Epis­ tituída por livros trazidos por D. João VI e franqueada ao público em
copal de Olinda, assim como uma aula régia de desenho e figura em 1800. !814; a criação do Jardim Botânico do Rio (1810), que incentiva o
Conforme Briquet (1949): leva ntamento das variedades de plantas e animais para estimular expe­
dições científicas; e, ainda, o Museu Real (1818), depois Museu Imperial,
As aulas régias que se constituíam no primeiro tipo de ensino público
que, segundo Aranha (1989):
eram classes esparsas e avulsas dadas por professores pagos pelo Gover­
no e não obedeciam a nenhum plano estabelecido. (p. 15) ... começa com material fornecido pelo rei, depois, recebe a coleção de
mineralogia de José Bonifácio e várias coleções de zoologia ofertadas

É assim introduzido no Brasil o desenho de modelo vivo, por meio por naturalistas estrangeiros em viagem pelo Brasil. (p. 190)

de aulas régias. Cabe aqui ressaltar que, nessas-aulas, a figura era apenas
apoio para a observação; a imagem desenhada obedecia rigorosamente Em relação à educação, de modo geral, pode-se dizer que não há
aos padrões de beleza estabelecidos pelo código neoclássico, com_g_qual ainda uma política educacional sistematizada e planejada; o que acontece,
o professor regente entrara em contato durante seus cursos na Itália. na verdade, são ações isoladas para atender� problemas i�iatos surgidos
A tão esperada reforma, no entanto, só atinge mais intensa e das novas necessidades. Isso porque o objetivo do recém-criado reinado
extensamente a sociedade brasileira algum tempo depois. centraliza-se no desenvolvimento de profissões técnicas e científicas.
Dois são os aspectos que dificultam a aceitação e a incoq�oração
dessa nova proposta, frustrando as primeiras tentativas de implantação
• Cena 2: A arte do rei do ensino técnico na primeira metade do século XIX.
O primeiro aspecto diz respeito à tradição já enraizada !}Q_Sistema
A vinda de D. João VI para o Brasil em 1808 ocasiona mudanças '
- - e re1óric.o -,
de ensino colonial - o sistema jesuítico de ensino literário
significativas no cenário nacional. As iniciativas por ele tomadas, como que trazia consigo uma certa aversão ao trabalho manual, serviço secun­
a abertura dos portos e, conforme Aranha (1989, p. 189), a revogação do dário reservado aos escravos. O outro é a ausência quase completa de
alvará que proibia a instalação de manufaturas, representam, em parte, indústrias, o que contribui para a desvalorização das profis�ões e dos
a ruptura do pacto colonial, o que, de certa forma, fortalece o patriarcado estudos ligados às atividades de tipo manual ou técnico, visto que não
50 Sl
_ . profissional nem exigências
sao cnadas necess1·dades de especialização reira e mercantilista
que assume a direção da sociedade européia com a
mais alto.
de trabalho tecnológico de nível Revolução Francesa e o império de Napoleão.
Na tentativa de superar a propensão discursiva e intelectual do A denominação de neoclassicismo, segundo Cavalcanti (1968, p.
· pe· 10 1·ncremento das profissões liberais e técnicas, D. João VI
bras1-1eiro
• l22), deve-se ao fato de que esse novo estilo retoma as artes da antigüi­
ena escolas te'cnicas e científicas, que, contudo, não alcançam grande
dade clá ssica greco-romana. E a denominação de academismo
sucesso. No Caso, os cursos de desenho técnico de 1818, no Rio de
representa, na verdade, a retomada dos princípios estéticos das formas
Janeiro, ou os de 1817, em Vila Rica e na Bahia, e mesmo mais tarde, do classicismo greco-romano, transformados em métodos e processos
em 1856, o Liceu de Artes e Ofícios de Bethencourt da Silva - que
didáticos para serem adotados nas academias de artes oficiais da Europa,
atravessa grandes dificuldades por seus objetivos primordialmente téc­
exatamente como acontece aqui no Brasil.
nicos-, criado segundo os moldes da experiência parisiense, voltado para
o ensino de ofícios artísticos e mecânicos. Para Cavalcanti, 2 neo_classicismo ou academismo representa o
A sistematização do ensino da arte no Brasil é, sem dúvida,
determinada por dois momentos históricos: o primeiro é o que se refere
convencionalismo, tornando�se uma arte dirigida não por princípios
religiosos, mas_ por princípios estéticos, reflexo da mentalidade racional
),
e científica da época. Cavalcanti diz ainda:
à vinda da corte de D. João VI, fugida das ameaças bonapartistas, e o
outro advém da queda de Napoleão, que leva bonapartistas convictos a
As artes do neoclassicismo ou academismo se definem pela imitação ou
deixar o país, entre eles, artistas famosos da época.
adaptação na arquitetura, escultura e pintura, e mesmo nas chamadas
artes menores, dos modelos greco-romanos clássicos e renascentistas
italianos. (p. 123)
• Cena 3: A arte dos amigos do rei
, Restam à arte o acesso de uma minoria - o símbolo de distinção
E assim chega ao Brasil, em 1816, a Missão Francesa, trazendo e refinamento - e um ensino destinado a desenvolver os símbolos desse /
um estilo estético europeu - o estilo neoclássico - que serve satisfatoria­ refinamento nos jovens da sociedade.
/
mente às necessidades da classe dominante brasileira, marcando seus /

ensinamentos e suas atividades na Corte. Sua contribuição para a laicização da arte foi importante, mas não o foi )
A medida mais importante para incrementar a vida cultural da para a sua democratização. Baseando-se no culto à beleza, na crença
Colônia é a vinda dessa missão, pois, até então, o Brasil não tinha uma acerca do dom e em árduos exercícios de cópia, tornou a arte acessível

escola de arte. somente a alguns "poucos felizes". Os aristocratas eram incumbidos de


apenas apreciar e comprar, deixando aos artistas estrangeiros o monopó­
O novo estilo, isto é, o neoclassicismo ou academismo,_e.xpressa lio da criação e a conquista do artista nativo. (Barbosa 1978, p. 41)
os interesses' a mentalidade e os hábitos da classe dominante manufatu-
--=-=----
52 53
Mas, aqui chegando, a Missão Francesa encontra uma arte com ... a essas condições eram submetidos os artistas nativos, com uma
traços originais_ o barroco brasileiro-, realizada por artistas de origem formação profissional mínima, que não lhes facultava recursos de apren­

popular, mestiços em sua maioria, considerados s�1_:1ples artesãos pelas dizado capazes de prescindir dos esforços individuais que consistiam seu
autodidatismo. (p. 19)
camadas superiores - sua arte é rechaçada pela classe dominante.
Há, com isso, um processo de interrupção no desenvolvimento da Já o centro ge atração para to.9os os jovens brasileir.9s u_e sentem
arte barroca, que já era uma arte brasileira e popular pelo fato de que a
vocação para a arte é a Academia de Belas Artes, sob a égide dos artistas
"emotividade e o sensualismo do mestiço brasileiro encontram no bar­
da Missão Francesa.
roco formas mais próprias de expressão, suscetíveis de autenticidade" .
1
E assim, a classe dirigente impõe o estilo neoclássico, oficializando-o
É exatamente a impulsividade do sentimento, mais a emoção do que a
como a base do ensino de Belas-Artes, o que acarreta o distanciamento
reflexão intelectual do barroco, que conquista a alma do artista brasileiro. entre arte acadêmica e arte popular. Isso, por sua vez, aumenta as
O estilo barroco tem origem na Itália onde se define histórica e dificuldades da Academia Imperial de Belas Artes, criada pela Missão
estilísticamente, irradiando-se para os demais países europeus e para suas Francesa, que encontra seus poucos alunos na aristocracia.
colônias. Esse estilo está intimamente ligado à Companhia de Jesus nos Resumindo, o barroco brasileiro, até então ensinado em oficinas de
. -
países que se mantêm fiéis ao catolicismo. As formas barrocas, por serem artesãos, é substituído p�l� neo_classicismo, ensinado nas academias, e a
contemporâneas na época, são suscetíveis de maior receptividade e .concepção popular de arte é substituída por �a ��ncepção mais elitizada.
comunicação social, por isso mesmo, utilizadas pela Igreja Católica. O 3prendizado .da arte.._por. meict do trabalho em oficinas é substi:
No caso do Brasil, o estilo barroco é transplantado, em parte, pelos tuído por exercícios formais na educação primária e secundária, nos )
portugueses, não chegando a produzir formas novas; o novo espírito não .quais p�edomin�vam· o retrato e a cópia de estam as.
penetra a arquitetura da Igreja, que conserva_ sua forma clássica. O O ensino da arte, incluído nas _escolas públicas e_Q�ticulares de
barroco só transforma o frontispício (fachada principal e portada) e a �grau, está resente- nas escolas eleméntares - o _ç..9rrespon_dent� da
decoração interior. épocà \\
� ao ensino d;-i Q gr�u
---
- - só· que, aí, apertas ·nas
� escolas
-- particulares,
-
.
não nas públicas. A arte ensinada é o-árduo exercício da cóP.ia. Esse fato
A tradição decorativa portuguesa barroca destaca-se, aqui no -
aponta para o eritendim�nto da arte como um símbolo de status social e
Brasil, principalmente na escultura em madeira, pedra, mármore e bron­
ze, ensinada em ateliês criados à sombra dos conventos. Çampofiorito
----
.....,_.__ -----===-
para o ensino da arte como umá prfitica reprodutivistá e autoritári_a.

(1983a) diz:
• Cena 4: Um qüiproquó na República

As transformações sociais ocorridas no Brasil, provocadas pela


1. Carlos Cavalcanti. "O predomínio do academismo neoclássico". /11: Roberto Pontual. Dicionário das
w1es plásticas 110 Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969. Abolição (1888), pela República e, no início do século XX, pela Primeira
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Guerra Mundial, refletem-se nos objetivos do ensino da arte. Esse reflexo A mentalidade positivista instala-se no Brasil e concretiza-se na
é decorrência do prolongamento das idéias filosóficas, políticas, peda­ figura de Benjamin C_o�, que, seg_und� Azevedo (1944, p. 120), é
gógicas e estéticas que embasam o movimento republicano de 1889. "proclamado, em virtude de seuJ serviços pela Asse_!!lbléia Constitu.inte,
Antes, porém, é preciso lembrar que a Repjblica começa em_1889 0 fundador da República". Como ministro de Instrução, Correio e Telé­
com a queda da monarquia e que, com a Constituição de 18� é g ra fo s, elabora a primeira reforma educacional republican a�
instaurado o governo representativo, federal e presid�ncial. _Esse fato -- -----------=--
denomin ada Reforma Benjilmin Constant, aprovada em 22/11/1890 pelo
Decreto-Lei n 1.075 (�arbosa 1978, P:.. �6).
º
muda o contexto social, econômico e olítico brasileiro, ois o federa­
lismo dá autonomia aos estados, criando pro�l_emas decorrentes do . Se, de um lado, as idéias dos pfitivistas iqfluenciam a revolu ão

--
crescimento desigual, principalmente de São Paulo, Minas Gerais e Rio do ensino médio centrado num cyrrículo que enfatiza o ensino _das
de Janeiro, estados onde prevalecem os interesses dos fazendeiros de · ciências, por_s,utro lado, as idéias d,ds liberais voltam-se para a revolução

- �industrial, por acharem que o �rogresso econômico do país está ligado à


café. Reflete-se na política a alternância no poder da influência de
coronéis paulistas e mineiros. É a chamada política do café-com-leite.
Em relação à educação, a Constituição de 1891 reafirma o rocesso
- capacitação profissional de seú\povo. Os liberais lutam por reformas
-
educacionais para incrementar - __...
a instrução pública.
·-
..:.-
de desc�ntralizª-ção do ensino, ---
--.passando para a União a resp�e Tanto o positivismo quanto o liberalismo não descartam o ensino
pelo ensino superior e médio e, para os estados, o ensino fundamental e da arte e sua importância na formação do cidadão, porém, mantêm
profissional. posturas e �isões diferentes, decorrendo daí o C@iproquó na República.
Isso, sem dúvida, reforça o caráter elitista da educação, em que o
ensino fundamental recebe menos atenção e o ensino médio segue
- - -
O movimento histórico marca o início da luta pefa'implantação
e mesmo pela obri atoriedade-dp ensino das ar�es nas �scolas primárias
-

voltado para a preparação do ensino superior restrito às elites1 incenti­ e secundárias. Uma luta liderada pelo conflito entre os ideais positivistas
vando o estudo das ciências da natureza e das matemáticas, decorrente e liberais. (! ') > ' J ) ) )
da influência positivista; Aranha (1989) diz:
Os positivistas enfatizam o ensino da arte como forma de regeneração
do povo por meio de um instrumento que lhes eduque a mente. Na
As reformas não se implantam, de fato, em vittude da falta de infra-estrutura
e apoio das elites (oligarquia do café), que se recusam a qualquer renovação
concepção positivista, a arte é considerada um oderoso veículo para
cultural. (p. 242) d�senvolver o raciocínio e, se ensinada elo métQ.do Qâitiy_o, subordina a
imaginação à observação, possibilitando a identificação das leis que regem
Entretanto, uma vez proclamada a República, os positivistas pre­ as formas. O ensino de desenho e o de aritmética, seguidos pelo de geometria
tendem reformas para consolidar o novo regi�e pelo qual se sentem ---
prática, são os ideais,--por suas contribuições ao estudo da_çjência.
----,

responsáveis. Já os liberais, deslumbrados com a. indústria norte-americana,


�utam a favor d�revolução industrial no país e da conseqüente capacita-
56 57
ção profissional de seus cidadãos, enfatizando o ensino artístico técnico 0 objetivo primordial do ensino seja a preparação do povo para o trabalho.
voltado para o desenho geométrico. 0 ponto de contato entre positivistas e liberais é, sem dúvida, o ensino de

-
Cabe aqui destacar a intenção de Rui Barbosa, um dos mais fiéis desenho. Ambos concebe1!1 o desenho como um_ª-._forma de linguag�m; :!
iqtérpretes da C.Qm!-�.Jib_eral brasileira, de seguir as mesmas linhas _ que difere é a interpretaç_ão da natureza dessa lin_guagefi!_:
- o desenho, do ponto de vista dos positivistas, tem a conotação de
traçadas pelos Estados Unidos para o ensino de desenho e de "importar"
professores capazes de organizar no país esse ensino. prep<l!ação para a linguagem científica e, do ponto de vista dos liberais,
Esse fato é comprovado pelo artigo 79 do capítulo I, Título, que de preparação p��linguagem técnica.
trata do regulamento do Imperial Liceu Pedr_o 1� modelo que deveria ser Como resultado da simbiose entre propostas positivistas e liberais,
seguido por todo o ensino secundário no Brasil: é implantado nas escolas primárias e secundárias o de,senho geométrico,

----- - --
que, juntamente com a cópia, permanece no cenário artístico escolar até
Art. 79 - As cadeiras de Desenho, Ginástica e Música serão providas
mediante contrato por quatro anos no máximo, renovável no fim deles,
os primeiros 20 anos do século XX.
-
Entretanto, o ensino de desenho, �m 1911, após a simbiose entre
se convier. Para as duas primeiras, o governo, mediante os nossos agentes
as correntes positivista e liberal que o orientam, afasta-se da área de
no estrangeiro, fará contratar homens de merecimento superior nessas
influência liberal para acentuar a influência p_psitivista.
especialidades e capazes de organizar no país este ensino; preferindo
quanto ao Desenho, os Estados Unidos, a Inglaterra e a Áustria; quanto U�a_nova Reforma Educacional, designada Lei Rivadávia Corr<E_a
à Ginástica, a Suécia, a Saxônia e a Suíça. (1941, p. 259) (Decreto nº 8.659 de 5 de abril de' 1911), toma vitoriosa a tese da descen­
tralização completa do ensino, uma política defendida pelos positivistas_que
Nas justificativas, Rui Barbosa refere-se à qualidade das escolas determina autonomia didática e administrativa. Essa lei restringe a interven­
de desenho e ao sucesso dos produtos industriais desses países, apresen­ ção do governo na educação, cabendo-lhe fornecer �pena� auxílios
tados em feiras mundiais eritre os anos de 1862 e 1876. \ materi�is às corporações de ensino superior e fundamental.

É determinante, nesse artigo, a influência do modelo americano Com a aprovação dessa lei, desaparecem a interferência fiscaliza­
de educação artística, que determina a obrigatoriedade do ensino de dora do governo e a uniformidade dos programas de ensino. Estes passam
desenho em todos os anos do currículo secundário, e das idéias de Walter a ser organizados pelos professores e sua aprovação fica a critério
Smith2-sobre a importância do ensino da arte. exclusivo de cada instituição de ensino.
Assim, o ensino de desenho, para educar a inteligência, é o objetivo Sobre o ensino de desenho e o ensino secundário, Barbosa (1978)
principal dos positivistas, não tão distantes dos liberais, embora, para estes, diz o seguinte:

2. Art education, scholastic and industrial, Boston, 1873. Fonte de consulta utilizada por Rui Barbosa.

58 59
o desenho deveria constar do currículo das quatro primeiras séries das As conseqüências acabam sendo de certa forma benéficas, pois a crise
seis que compunham o curso secundário. Havia provas gráficas de provoca uma reação dinâmica, com o crescimento do mercado interno e
desenho para promoção e exame final. Sem escolas destinadas à forma­ a queda das exportações, dando maior ênfase ainda ao desenvolvimento
ção uniforme do professor secundário, quase todos autodidatas industrial brasileiro. (p. 241)
recrutados nos quadros das profissões liberais, como no Império, o
ensino secundário não resistiu à carga de responsabilidade que a desofi­
cialização lhe jogou sobre os ombros. Não tínhamos educadores que Isso porque, após a Primeira Guen-a Mundial (1914-19�, há um
ambiente propício êrª-ª- nacionalização da economia, em virtude da
pudessem tirar proveito da autonomia e da liberdade didática que a lei

redução de importações, e para o surgimento da sociedade industrial


estabelecia. Como vimos, até então, eram os políticos os orientadores de
nossa vida educacional. (p. 87)
1 UI·bana , decorrente da mudança do modelo econômico
, -
agrário expmtador.
\ Na educação, também há mudanças, um clima de efervescência,
Apesar da autonomia e da liberdade propostas pela reforma edu­
período caracterizado por Nagle (1974) como de entusiasmo pela edu­

I
/ cacional, o ensino de desenho não sofre nenhuma variação, nenhuma
mudança metodológica. cação e de otimismo pedagógico, graças à ação de intelectuais e
/ educadores para recuperar a eduéàção brnsileira.
A chegada ao Brasil, nessa década, de padrões europeus e norte-
airiericanos, que traziam em seu bojo uma filosofia humanista moderna
Cena 5: Na arte, aqui, sempre cabe mais
um... dois... três... e uma ditadura que preconizava a formação do hom�m pela interferência em suas
,@
�ondições de existência, dá novo impulso�enovador ao ensino da arte
A década de 1920 é marcada por diversos movimentos políticos e , no nível primário.
culturais, tais como: as greves operárias, o tenentismo, a Coluna Prestes,
a fundação do Partido Comunista do Brasil e a contestação cultural da
O marco desse momento -
- histórico é a psicoloêa experimental --
aplicada à educação no Brasil, cujas idéias já vêm sendo utilizadas na
Semana de Arte Moderna de 1922.
aplicação de novos métodos de ensino da arte nas escolas americanas.
Os conflitos emergentes nesses movimentos vão ao encontro dos
Esse novo caminho enfatiza a relação existente entre o processo
anseios de mudanças políticas e econômicas da sociedade urbana que
afetivo e cognitivo, apontando pàra a concepção da arte como produto
luta contra a oligarquia agrária. Daí o porquê de alguns desses movimen­
interno que reflete uma organização mental. Surgem as primeiras con­
tos serem vistos com bons olhos pela sociedade.
denações aos modelos que impõem a observação como forma- até então,
Outro agravante é a crise decorrente da quebra da Bolsa de Valores ideal - de ensinar arte. A crença agora é de que a arte não é ensinada,
de Nova York em 1929, que afeta o mundo inteiro e provoca aqui a crise mas expressada, assim, a criança é quem procura seus próprios modelos,
\/
do café. Sobre isso, Aranha (1989) diz: com base em sua própria imaginação.
60 61

de Azevedo, Osório César, Flávio de Carvalho, interes­


A polêmica em torno do ensino da arte tem, agora, um outro foco corno Fernando
ução artística das crianças, em seus processos mentais e
de atenção. Educadores, psicól_ogos e artistas in_iciam um novo movimen­ sados na prod
ti
to de inclusãÕ da arte na escola ·primária como atividade integrativa - ern seu rnundo imagina vo.
uma segunda linguagem - _para expressar e fixar conteúdos de_ outras Repercutem aqui as idéias dos autores americ�nos John Dewey
áreas de conhecimento. Os métodos, contudo, continuam os mesmos; as (a part ir de 1900), e Viktor Lowenfeld (1939), e do autor inglês
crianças, lamentavelmente, seguem desenhando, ou melhor, copiando Herbert Read (1943), que influenciam mudanças no trabalho dos (
materiais visuais usados como "motivação". professores de arte brasileiros.
Na realidade, a primeira grande renovação metodológica no cam­ Dewey contribui com o princípio da fun ão educa.!!va _da exee­
po do ensino da arte se deve ao movimento de ar� moderna de 1922.
riência, cujo centro não é o conteúdo de ensino nem o professor, mas sim r
pecorre daí a valorização da arte infantil co_m asjçléias de Mário de
0 aluno em constante crescimento. Lowenfeld e Britt�n (1977) referem-
Andrade e de Anita Malfatti sobre a livre expressão d
se à arte como meio para compreender o d_y�envolvimento da criança em
Repercutem os artigos e as atividades sob a direção de Mário suas diferentes fases, como forma de dese�volyimento de sua consciên-

-
de Andrade, que conduz investigações sobre a arte da criança no cia estética e criadora. Já Read (1977), em sua teoria de uma �ducação
Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo e introduz em pela arte,_di�u�� questão do objetivo da educação, cüja-ba�deve
seu curso de História da Arte, na Universídade do Rio de Janeiro,
estudos sobre a arte da criança.
residir na liberdade individual e na integração do· cfu:íduo na sociedade.-
O pensamento de Read, quando aqui difundido, valoriza a arte
Já a pintora Anita Malfatti, na condição de professora de arte de infantil e a concepção de arte baseada na expressão e na liberdade
crianças e jovens, em seu ateliê e na Escola Americana, em São Paulo, criadora. Essa concepção é aceita e divu_lgada mais tarde por Augusto
inova métodos e concepções de arte infantil, por intermédio do professor Rodrigues (1948), servindo de inspiração para a criação da Escolinha
como espectador da arte da criança, responsável pela preservação de sua de Arte do Brasil.
\ ingênua e autêntica expressão. Há uma difusão dessas novas idéias. �ntretanto, as experiências não
A Semana de Arte Moderna de 1922, que reúne representantes da
são amplamente realizadas no país, fi��do restritas a alguns lugares. Por outro
pintura, da escultura, da música, da arquitetura e da literatura, em busca
lado, acentua-se a preocupação mais com os aspectos técnicos da educação
de renovação dos valores artísticos naciQnais, até então marcados exces­
do que com a tão almejada e discutida democratização da educação.
sivamente pela concepção européia, sobretudo francesa, ab<:1,la, sem
dúvida, os alicerces da intelectualid�de tradicional brasileira. Após a Revolução de 30, começa a era Vargas (1937 a 1945),
estado político ditatorial implantado no Brasil que marca o afasta­
Na educação, essa efervescência . também rypercute, surgindo
mento dos educadores de ação renovadora e o conseqüente entrave
intelectuais e educadores que empreendem debates e planos de reforma
na dinâmica educacional.
para a recuperação do "atraso" brasileiro. Destacam-se intelectuais
62 63
o Brasil nesse período passa pelo Estado Novo, quando o governo, Assim, tem início a Escolinha de Arte do Brasil, como experiência
influenciado por doutrinas totalitárias, imprime um forte controle estatal pioneira, como movimento integrador das atividades artísticas, oferecen­
no país. E, como se não bastasse, a Constituição de 1937 atenua o impacto do à criança possibilidades de expressão global por todos os meios sem

de algumas conquistas, principalmente aquela que diz respeito ao dever hierarquia de preferências; o que caracterizou o início da experiência foi
a simplicidade, sem a afirmação de maiores pressupostos que não os de
do Estado como educador e enfatiza a liberdade de iniciativa privada.
respeito à personalidade da criança e a valorização da arte como expres-
Já no que se refere ao panorama geral da arte, Amaral (1984) diz . são da própria vida. (Rodrigues 1973, p. 252)
o seguinte:
Aos poucos, a Escolinha começa a firmar sua identidade, sendo

Assim, questões como o decorativo, o nacional, regional, erudito e recebida com entusiasmo não só por artistas de v_�nguarda da época, mas
também por educadores interessados em prom-9ver uma revitalização
popular, arte pura é "arte interessada", e meio' intelectual e artístico
educacional. Todos sentem a necessidade de criar uma nova forma de
versus "os donos da vida" (classe dominante) reaparecem com freqüên­
cia nesses anos tumultuados da guerra. (p. 101)
ensino, e acreditam que faltam à educação formal de então liberdade,
espontaneidade e criatividade.
\ O ensino da arte, nesse período, fica reduzido a uma atividade de E assim a Escolinha abre suas p__Qrtas para professores interessados
liberação emocional. Há uma sensível redução do interesse pelo ensino da em co� a uilg_ que lhes earec�ais adequado à aplicação em seu
\arte, comprovada pela diminuição de artigos e informações sobre o assunto. próprio trabalho. Sobre isso, �odrigues (1972) diz o seguinte:

I Houve um impacto entre os educadores: modificando suas atitudes, eles


próprios incorporaram experiências significativas e passaram a sentir a
• Cena 6: Tem brasileiro na arte necessidade de reformulação de conceitos e ampliação de estudos no
camp�ducaç�. Esses-professores, além da observação e do
treinamento, começaram ,,a particjpar de cursos regulares na Escolinha,
,
Somente em 1948, com a criação da Escolinha de Arte do Brasil, destinados especialmente a educadores, a partir de 1_ 951. Não se fez uma
no Rio de Janeiro, é que surge uma nova concepção de ensino de arte no escola como se costuma proceder; criou-se, antes, o espírito de uma
panorama nacional. Só que, agora, na perspectiva do desenvolvimento escola. O que se pretendeu e pretende atingir é fazer dela uma obra de
criador em geral. arte. E, na dinâmica de seus cursos, a presença do artista se tornou
fundamental, trazendo sua experiência aos professores-alunos que leva­
Numa experiência pioneira no setor, Augusto Rodrigues, fundador da
riam da Escolinha a perspectiva de uma educação mais criado!"ª· (p. 5)
Écolinha, cria uma espécie de ateliê onde crianças e a�lescentes desenham
e pintam livremente, desenvolvendo a auto-expressão. É uma fonte alternativa Logo, a Escolinha, além de continuar com suas classes de arte,
de ensino da arte ou da experiência da arte como implemento das atividades tornou-se um centro de treinamento p-�fessore� de arte, estimulando
escolares, descritas, como se segue, por seu fundador: também a criação de similares em diversos estados. -
64 6:"i
A idéia de trabalhar fora do sistema educacional público, tentando E mais, a formação cultural do país advém de um transplante da
ao mesmo tempo influenciá-lo, é um dos princípios de todas as escoli­ cultura européia de
elites intelectuais, fazendo da arte um luxo de acordo
nhas. É graças à maneira não competitiva e mesmo cooperativa de atuar corn cânones
europeus, destinada à forma ão e ao lazer das classes mais
. ' . . _-
que elas·contam com a ajuda e o suporte da comunidade intelectual dos classes - d mgentes e dommantes - nao veem com "bons
A

.
OVI. 1egiadas ' Tais
JJ , .- ,
locais em que são implantadas. es art1sycas P.2 ulares. O ovo, sem acesso a aite da
olhos" as�
�ido e dJ;.S.eUCQ�ajado em sua�manifestaçõ�s est�tif_as._

Como afirma Rodrigues, "os princípios básicos, pelos quais nos


'\ norteamos, são imutáveis: o profundo respeito ao outro, a criatividade A cultura brasileira vem se ressentindo de sentido e valores genuina-
como elemento essencial à vida e à paz entre os homens como o mais
rnente nacionais. Entretanto, algumas tendências culturais mais vivas no
elevado pressuposto da educação" (ibidem, p. 3).
país de hoje têm s,11a origem no p�ríodo de 1958 a 1963, o que torna sua
A repercussão das--p áticas desenvolvidas leva o Governo Federal com.preensão necessária ao entendimento do ensino da arte no Brasil hoje.
a permitir, depois de f 958 a criação de classes experimentais de �te� Entre 1958 e 1963) a educação dá um passo decisivo em direção
escolas primária e secundária. Até alguns convênios são firmados com
a sua emancipação, fato esse relacionado com a abertura poÍítica, social
instituições de ensino privado para preparar professores interessados e econômica da sociedade da época. Para Bowies (1967), "a liberação
numa educação mais criativa. de períodos significativos de mudança educacional representa respostas
Apesar de tudo - e mais uma vez -, vê-se a existência de uma e alternativas na estrutura da vida econômica associada com o processo
dicotomia: a arte considerada fundamental para a educação formal e, de acúmulo de capital" (p. 199).
ao mesmo tempo, fonte de ensino alternativo como complemento às A expansão econômica e a modernização das instituições são a
atividades escolares. preocupação prioritária do governo. Q então presidente Juscelino Ku­
O ensino da arte continua a ocupar um lugar subalterno no bitschek (1955-1960) dá eontinuidade à política de desenvolvimento
chamado ensino primário e secundário, apesar das reformas e renovações iniciada por Getúlio Vargas em 1950. O nacionalism fuui.co de
propostas ao longo do tempo. Vargas faz dura �posição ao capitalismo internacion�l e, no saber tradi­
cional da sociedade brasileira, o modelo Kubitschek, destinado à
internacionalização da economia, é apoiado pelos mais diferentes grupos
• Cena 7: Tem arte no Brasil políticos. O partido trabalhista, os_ nacionalistas_, os comunistas e os
pró-americanistas apóiam o avanço de Juscelino em direção à industria 0

Perc01Tendo a trajetória do ensino da arte, percebe-se que a heran­ lização como forma de se colocar contra a tese da vocação agrícola do
ça do século XIX ainda persiste. A arte - trabalho rechaçado pela classe Brasil. Além do apoio da maioria, o alívio da repressão que se faz sentir
dominante - encontra hoje lugar no lazer, e o ensino dessa arte, no no mundo ocidental com o fim do estalinismo torna possível uma
complemento do processo de educação. abertura política durante o governo Kubitschek.
66 67
A industrialização acarreta o desenvolvimento de outros setores rtamento de Arte-Educação. E, na realidade, a primeiraº entidade
um Depa ·
da economia, gerando novas formas de emprego, novas mercadorias, e a educação orgamzada na U mvers1 · ºdade de Bras1'lia e, uma )
a estu dar . -
expandindo a capacidade de consumo da população. Porém, a incapaci. a d e arte para crianças e adolesce�. Sua orgamzaçao envolve
escol .
dade estatal de eliminar desigualdades e distorções estruturais ocasiona te q uase um ano .
o trabalho de diferentes . 1·1stas (ps1co'logos,
especrn
dura n .
uma ampla campanha voltada para as reformas de base (1961-1964).
ist as , ar quit etos, educadores etc.). A proposta e, começar pesqmsas e
art
É nesse período de politização intensa, mobilização de estudantes, cação por meio da "arte-educação", refletindo uma abor-
estu dos de edu , ·, ,
união de trabalhadores e ligas camponesas que a cultura e a educação de "educação pela arte".
dagem fiel à idéia _ - ,
e '

------- -
� brasileiras atingem seu mais alto grau de auto-identificação.
Debates intensos a respeito do papel e da natureza da universidade
-
A temporária abertura
- política e econômica da sociedade brasile,·.
ra ocasiona uma renovação cultural que alcança.Jilll s campos. O Iseb
no ·Brasil precedem a organização das diferentes escolas e dos distintos
departamentos da Universidade de Brasília. As discussões são freqüen­
(Irístituto Superior de Estudos Brasileiros) labora novas abordagens temente discursos filosóficos a respeito do trabalho anterior de
--
sociais e fÍlosóficas para o desenvolvimento brasileiro. Movimentos de educadores europeus e americanos e a respeito de questões relacionadas
)

valorização da cultura popular afloram em todo o país. com O que deve constituir a universidade brasileira.
�a liter�:mento concretista, qu;;xplode em�57,
Seguindo as mudanças políticas de março d�1964, a niversidade
recebe reconhecimento internacional. A "obra principal de Guimar�
de Brasília sofre várias demissões e renúncias entre os membros do corpo
' f

------=-- Rosa, Grande Sertão Veredas, estabelece novos parâmetros para o


v docente e da administração diante das pressões do novo governo. Quan­
romance brasileiro. O Cinema Novo apresenta uma visão crítica da
do, em 1965, aproximadamente 230 professores demitem-se de seus
�idade brasileir�nt ã-!3oss� Nova significa uma reorientação
cargos num ato de protesto contra a perseguição despótica e a ocupação
o

. da música popu ar. É reforçado o movimento de deselitização do teatro.


' militar, numa demonstração inequívoca de ação libertadora, chega ao
A educação participa dessa mudança social e desse revigoramento
-

· fim o primeiro capítulo da Universidade de Brasília. Dessa maneira, o


-'v 1
cultural. Em 1961,�a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
espírito de inovação é sustado temporariamente, muito embora fique
Nacional, exigida desde o-começo da República. Sua generalidade, criticada
claro que os planos da reforma universitária de 1968, decretada pelo

---
1 por muitos analistas da educação, permite a flexibilidade n�cessária à Governo Federal, são influenciados, em parte, pela experiência da Ul}i­
continuação efetiva de experimentação que emerge da lei de 1958. versidade de Brasília.
A Universidade de Brasília é c� nesse período. Destaca-se na
A ação e a elaboração teórica de Paulo Freire são, contudo, o
_his ória da cultura brasileira como um exemplo de model�
é instrumento educacional mais poderoso para a intervenção crítica _da
- ensino superior.
realidade alcançida na época. A abordagem antropológica de Freire,
j. O ensLno da arte ocupa um lugar relevante na Universidade de consolidada no movimento de hbert�ção pela conscientização, constitui
_
Brasília. A idéia inicial é começ;ar a Escola de Educação com base em
68
uma conquista objetiva em direção
- à independência
- da educação. -69
• Cena 8: Uma visita inesperada, o Tio Sam Sobre essa situação, Mário Pedrosa (apud Amaral 1984, p. 331)
. m a importância das-rq_uas mostras de intura do Gru o Opinião
define assi .
Çom o golpe militar de 1964, a classe dirigente busca alcançar a
' (1965-1966):
"modernização" do país pelo investimento estrangeiro - métodos e proce- ... foi um grande respiradouro dos cidadãos abafados pelo clima de terror
dimentos de outras culturas, especialmente a norte-americana. A classe e de opressão cultural do regime militar implantado em 1964 e definido
dominante, que ainda se apóia em sistemas europeus, passa a se valer dos moral, política e culturalmente pelas incursões de uma i;_nJidade anônima
valores técnicos e pragmáticos da moderna tecnologia americana. e irresponsável dita linha dura.
A ditadura instaurada em 1964 incentiva os interesses estrangei­
Em relação ao ensino da arte, temos, de um lado, a supervaloriza­
ros, principalmente os norte-americanos, acentuando o processo de
desnacionalização da economia. Isso acan-eta recessão, an-ocho salarial, ção da arte como livre expressã� e seu ensino como atividade
extracurricular e até extraclasse; por outro lado, mesmo com a organiza­

- \
inflação e alguns prejuízos para as pequenas e médias empresas. Toda e
ção de classes experimentais - sancionada pela Lei de Diretrizes e Bases
-- política, cultural e artística é violentamente
qualquer manifestação
da Educação de 1961 -, continua como uma atividade voltada para a
_reprimida pelo advento do golpe militar. Q p?vo se cala, perde seu oder experimentação em arte nas escolas públicas.
de participação e de crítica.
O ensino da arte _recebe alguma influência das concepções de
No campo da educação, há a preocupação de adaptar idéias e educação de Paulo Freire e, ainda - como não poderia deixar de ser -,
modelos estrangeiros às condições nacionais. O movimento de emanci­ influências de estudos e métodos que norteiam esse ensinà nas escolas
pação educacional, como todas as medidas induzidas pelo sistema, americanas. A ausência de uma política de formação inicial e continuada
conforme Berger (1976), de recursos humanos impede todo e qualquer tipo de renovação; o que
acontece é apenas uma mudança de "rótulos" no ensino da arte.
sofre certa ruptura de continuidade com a Revolução de 1964. (...) O Depois de 1964, instala-se o modelo tecnocrático e predomina a
governo militar que assume o poder, entretanto, afasta-se ideologica­ preocupação com a qualificação como sistema de controle e expansão.
mente de todas as tentativas e projetos anteriores, fazendo mesmo, em
alguns casos, uso da força, conduzindo o sistema educacional para um A Reforma Universitária de 1968 consagrou a militarização do ensino
novo caminho, dando-lhe novos rumos. (p. 178) superior e o Parecer nº 252 do Conselho Federal de Educação, do ano
seguinte, regulamentando a Reforma Universitária no que se referia à
formação dos educadores, institucionalizou essa tendência. Passou a formar
O rigor da censura abate-se especialmente na produção artística policiais da educação em vez de formar educadores. Convém acrescentar
nacional. Impede-se que artistas dos mais v'ariados campos possam que essa concepção trazida ao Brasil pelos especialistas noite-americanos
concretizar seus ideais - os sentimentos da época - e exprimirasituação em 1965, além de militarista, é também burguesa, isto é, tendente à
cultural para a compreensão do momento histórico vivido. reprodução dos privilégios dessa classe. (Gadotti 1980, p. 105)

70
---=- - 71
Pode-se dizer que "o Estado, em vez de agir como educador ern Será obrigatória a inclusão de Edt!cação Moral e Cívica, Educação
todo o sentido humanístico dessa função, assumiu o papel de construtor' Física, Educação Artística e Programas de Saúde nos currículos plenos
administrador e fiscalizador da escola" (Fernandes 1966, p. 4). dos estabelecimentos de 12 e 22 graus, observado quanto à primeira o
dispositivo no decreto-lei n2 869, de 12 de setembro de 1969.
A reforma da educação proposta pela LDB/61, n 4.024, é anteci-
º

pada por amplo debate do qual participa a sociedade civil, fato que não L ei que, em seu artigo 30,_ do capítulo V, sobre a Formação do
acontece com a Lei nº 5.540/68, que propõe a reforma uni�ersitária, e a que a exigência de formaç�o
professor de Educaçã_2 Artística, determina
Lei nº 5.692/71, que propõe a reforma de 1º e 2º graus. Estas últimas são
rnínirna para o exercício d� magis�é!:_io d�ve: a) no ensino de 1 grau, da
º

impostas, de forma autoritária, por militares e tecnocratas que imprimem de 2º grau; b)


1n à 4n série, ter um professor com habilitação específica
à educação uma tendência fortemente tecnicista. de
da 5n à 8 n série do 1º grau, um professor com habilitação específica
É assim que se concreti�a, em parte, a luta pela obrigatoriedade da grau superior, no nível de graduação, representada por uma licenciatura
de 1º grau obtida em curso de curta duração; c) em todo ensino de 1 e
2
arte na escol�, começãda lá na década de 1920, regulamentada agora pela
Lei de Diretrizés e Bases da Educação Nacional, nº 5.692/71, implantada 2º graus, um professor com habilitação específica, obtida em curso
pelo governo militar. E pelo acordo oficial MEC-Usaid (Ministério da superior de graduação correspondente a licenciatura plena. _
Educação e Cultura, United States Agency for Intemational Development) É preciso cumprir a lei, mas sem cursos universitários para formação
o Brasil passa a receber assistência técnica é cooperação financeira para a d� professores de arte, co�o fazê�loTE�iste uma lacuna êntre a obrigat?­
implantação da reforma da educação brasileira. riedade da lei e a situação real: é grande o número de alunos e pequeno ·o
É realmente uma situação irônica aquela em que se encontram a arte número de professores de arte capazes de responder ao grande desafio
e seu ensino. De um lado, uma lei que obriga o ensino da arte nas escolas e, trazido pela lei.
de outro, um país em regime ditatorial desde 1964, onde a censura reprime Os primeiros especialistas na área são os formados pela Escolinha de
toda e qualquer atividade aitística. Isso gera uma contradição: a utilização Arte do Brasil. A lei federal que tomou obrigatório o ensino da artes nas
da arte como instrumento de construção da consciência popular - até então escolas
. --- , c_pmo
dificulta a assimilação � 2rofessores de -- arte, dos artistas
desvalorizada como tal - é agora valorizada (mesmo que desviada de suas preparados pelas escolinhas, pois é exigido como condição para l�ar, a
funções) e obrigada a colaborar com um sistema voltado à industrialização partir da 5ª série, o grau universitário, que a grande maioria não tem.
e à tecnologia que orientam o ensino e a própria arte para garantir a Outra questão que se coloca é se estão os professores existentes em
produção e o consumidor. É como Ragon (1968) afirma: "essa postura do c_ondições de trabalho, uma vez que, pela mesma legislação, a educação
capitalismo, que não leva a arte a sério" (p. 33). artística deve compreender as áreas de músic!!.. artes plásticas e teatro.
O ensino da arte, em 1971, g ssa, então, a fazer parte do currículo Diante da situação existente, o governo federal decide, em 1973,
,escolar. É a Lei nº 5.692 que, em seu àrtigo 7º, determina a obrigatorie­ criar u� curso com a finalidade específica de preparar professores de
---
dade da educação artística nas escolas de 1º e 2 ºgr� educação artística.
72 73
artística, com duração de quatro anos, seguindo um currículo
A Resolução nº 23, de 23 de outubro de 1973, do Conselho Federa) em educação
abelecido por lei, apenas com o acréscimo de novas disciplinas
rnínim o já est
º
de Educação, diz, em seu artigo 1 , que o curso de Licenciatura em
antiga proposta de polivalência.
Educaçã_o Artística tem por objetivo formar professores para as ativida­ e a mesma
des, áreas de estudo e disciplinas do ensino de 1file 2 graus relaciÕnadas
fil
com base nos resultados do projeto piloto de uma pesquisa
alunos do curso de artes plásticas da ECA-USP em 1977-
realizada por
º
com o setor da arte. Já o artigo 2 define que o curso de educação artística
é estruturado como licenciatura de 1º grau, de curta duração, ou como 1978, sobre o ensino da educação artística nas escolas públicas de Sã�
licenciatura plena, ou, ainda, que abrange simultaneamente ambas as paulo, Barbosa (1985) diz o seguinte:
modalidades, de acordo com os planos das instituições que o ministrem.
os professores estavam totalmente confusos acerca da metodologia e
Há, entretanto, o Parágrafo Único, que aponta para uma diferenciação envolvidos na tarefa de entender seu papel de agentes da polivalência;
entre as licenciaturas, uma vez que a licenciatura de 1º grau, no caso a preocupados em obedecer à legislação, ensinavam - sem saber como -
de curta duração, deve proporcionar habilitação geral em educação música, teatro e artes plásticas ao mesmo tempo. Na melhor das hipóte­
artística, e a licenciatura plena, além dessa habilitação geral, deve ses, o resultado das aulas era um show de variedades, onde se ouvia disco,
conduzir a habilitações específicas em artes plásticas, artes cênicas, gesticulava e desenhava o que se querja. O professor cumpria sua tarefa
música e desenho. de animador ��_ditório, mas continuava ignorando a finalidade da
animação. Destacamos, também, uma atitude inversa de submissão
O citado documento ainda afirma:

-
absoluta aos livros _gidáticos, seguidos preguiçosamente d�omeço ao

_fim do 'ano. (p. 24)


O professor do ensino de 1 2 grau não tem de ser um especialista em
determinadas divisões de arte. Conquanto, sem desconhecer essas divi­
O ensino da arte chega ao final da década de 1970 sem ter os
sões, cabe-lhe apresentar globalmente os recursos artísticos de expressão' .,
mecanismos precisos e necessários de implantação e sustentação, repe­
e comunicação, dentre os quais venham os estudantes a selecionar os que
mais se ajustem às variáveis do seu mundo interior. O processo, no caso,
tindo, em parte, o fenômeno ocorrido em relação à LDB/61: ênfase no
é incomparavelmente mais importante que os resultados estéticos a obter. aspecto técnico dos instrumentos artísticos e importância à arte apenas
quando considerada área de iniciação ao trabalho no 1º grau e habilitação
Surgem, assim, cursos de licenciatura curta na área, com duração profissional no 2º grau.
de dois anos, que compreendem um currículo básico � ser aplicado em Só que, agora, o ensino da arte, além de ser considerado apenas
todo o país, pretendendo preparar, em_ypenas dois_!nos, um professor de uma atividade, possibilita a continuidade do antigo preconceito contra a
arte capaz de lecionar música, artes plásticas e teatro, tudo <!º mesmo própria arte - o do entendimento da criação artística como fator afetivo,
tempo, da 5ª à 8ª série do 1º grau e, em alguns casos, até no 2º grau. emocional -, sem considerar a existência do pensamento reflexivo na
Ainda na década de 1970, mais precisamente em 1978,_Qelo Parecer produção artística. A síntese dessa situação é a concepção do ensino da
o -------
n- 781/78 do CFE, começam a surgir no país os cursos de licenciatu�lena arte como expressão pessoal por meio do fazer artístico.

74 75
-

Durante essa década, as tendências educacionais dominantes' ulho de 1983 com 2.500 professores de educação artísti,ca
de rnarço a j
,-

icas de São Paulo - demonstra que há um outro problema:


impostas pela ditadura militar, continuam sua trajetória. No entanto, no de escolas públ
da arte. Todos os profes- 1
interior do próprio processo educativo - bem como em todo processo aquele relacionado com a concepção de ensino 1
cultural, social e político - gestam-se a resistência e as críticas que, pouco
a pouco, começam a explicitar-se.
Esse processo tem sua expressão no engajamento dos intelectuais
sores investiga
primeiro objet
dos mencionaf!!..Qjesenvolvimento da criatividad o.m 1
ivo do ensino. Para eles, o conceito de cri · �dade l
espontaneidade; autoliberação e originalid�d�.
1, 1,X

nas lutas pela democracia e pelo fim da ditadura, dos políticos pela Isso aponta para a identificação de criatividade com espontanei­
reivindicação de sua independência e auto-suficiência em relação ao dade, 0 que, para a autora, não_ surpreende, por ser essa yma compreensão
Estado, dos artistas pelos seus direitos de expressão e pela valorização · do senso comu�-�arbosa apenas menciona a limitação dos �ur�ículos
da cultura brasileira, dos educadores pela manifestação da necessidade · rnínimos de artes �as universidades - 11_ universidades estudadas·-, qu
de uma teoria crítica da educação. ·não dão op?rtunidade aos alunos de estudar �ri_as da cri�tividade u
disciplinas simila�
Na opinião de Barbosa (ibidem):
fiJ • Cena 9: Enfim, em cena um produto nacional:
·� O professor de arte
Em 1983, nós estávamos sendo libertados de 19 anos de uma ditadura

A década de 1980 é identificada como a década da críticll_ da


militar que reprimiu a expressão individual por uma severa censura. Não

.., - educação imposta pela ditad,ura militar. É o período de luta pelo prestígio
é totalmente incomum que após regimes políticos repressores a ansieda­

· educacional,_ pela reconquista do "espaço perdido", expressão do entã�


de pela autoliberação domine as artes, a arte-educação e os seus

· ministro da Educação Eduardo Portela.


conceitos. (p. 11)

Nesse quadro, insere-se o ensino da arte. Nesse panorama, surgem Na primeira metade da década de 1980, instala-se a Nova Repú­
profissionais da área preocupados com a própria ·prática pedagógica, o blica, com a pro!ll�s�e uma nova fase na vida do país.
isolamento da arte no contexto educacional, a necessidade de uma _ditadura militar e o primeiro governo
política educacional para o ensino da arte e da reflexão sobre a formação , civil, ainda_qu poi:.__ciri ão indireta, começa a Nova República.
profissional. A década de 1980 marca o início de uma série de associa- Entretanto, a herança da ditadura deixa sua marca e as soluções para
ções, congressos, seminários, simpósios - nacionais e internacionais - a crise estão, ainda, longe de ser alcançadas: permanecem a inflação,
-----

,sobre arte, ensin� arte e história da arte para discutir, ·propor renova- o arrocho_salari e uma enon�ívida externa sob o controle do
-
ções e inovações na área. Fundo Monetário Internacional (FMI).
Apesar do descontentamento dos professores pelo desca_§Q___das Esse período, apesar dos resquícios do autoritarismo, como a
- autoridades educacionais, a pesquisa de Barbosa (1991, p. 10)- realizada eleição indireta para presidente da República, à revelia dos movimentos
76 77
populares, no caso, a campanha das Diretas-Já, representa uma abertura as que lhe são transmitidas, na crítica da arte que lhe possibilita
hl. stóric , .
política por meio da qual partidos políticos até então marginalizados voltam ver- e n~ao sim
plesmente olhar - e interpretar
-o que vê- estettca que
e na-
a se organizar. A censura, por sua vez, é abrandada em parte, permitindo a Jhe permite julgar as _gualidades daquilo que vê.
pru.ticipação do povo nas manifestações políticas, culturais e ru.tísticas.
A educação entra na década de 1990 com a possibilidade de
Há uma esperança para a educação pela ação de professores na o ensino. E qual a perspectiva pru.·a o
resgatar sua função primordial,
busca de soluções para a educação em geral e, principalmente, na ensino da arte ne:ta décad�?
reconquista do prestígio da área educacional. O mesmo não acontece em
De acordo com a pesquisa realizada por Susana Vieira da Cunha
relação ao ensino da arte. Isso porque a arte é condenada ao "ost�o"
(apud Barbosa 1991, p. 18) com professores de arte em novembro de
pelo Conselho Federal de Educação, pela Resolução nº 6, de novembro

(
l988 no Rio Grande do Sul,� significado da arte para eles é: intuição
de 1986, que reformula o núcleo comum dos currículos das escolas de
...._ emoção e, como resultado, pensam eles que "arte-educadores não
1º e 2º graus. Ficam determinadas em seu artigo 1º as seguintes matérias
precisam pensar" e que "arte é só fazer", excluindo toda e qualquer
• 1 básicas: português, estudos sociais, ciências e matemática. É assim
possibilidade de observação, reflexão e compreensão da arte.
eliminada do currículo a área de comunicação e expressão, e a educação
artística - que pertence a essa área - deixa de ser matéria básica, mas Isso significa que, apesar de a concepção de ensino de arte estar
passa a constar do Parágrafo 2º nos seguintes termos: "Exigem-se

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mudando para muitos profissionais da área, "aquela" indicada pelos inter­
também Educação Física, Educação Artíst�ca, Educação Moral e Cívica, locutores da pesquisa parece ser, ainda, a concepção da maioria dos
Programas de Saúde e Ensino Religioso, este obrigatório para os estabe-
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professores de hoje. Fato comprovado pelos dados obtidos em um diagnós­
lecimentos oficiais_e facultativo para os alunos." tico exploratório das condições dos docentes e da docência em arte nas_
. -
Mais uma das tantas contradições que envolvem a arte e seu ensino: escolas públicas da cidade de Pelotas, RS, � 1991. Tais dados também
a arte não é básica na educação, mas é exigida. E assim, mais uma vez, a apontam para a concepção do ensino da arte como expressão pessoal por
arte é desvalorizada no contexto educacional pela classe dirigente. A Nova meio do fazer artístico e para o desenvolvimento da criatividade e da

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República não opera nenhum avanço na área de artes. Apesar de toda essa autoliberação, seus principais objetivos (Biasoli 1994, pp. 28-68).
situação contraditória que envolve a arte e do questionamento de ela ser ou
-- É numa situação contraditória que o ensino da arte inicia a
não básica na educação, surge em cena a DBAE - discipline-based
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década de 1990. essas contradições são assim resumidas.: a) a obriga­
art-education (arte-educação como disciplina).
toriedade da arte no currículo das escolas� 1º_e 2º_gra�s, mesmo ela
A DBAE trabalha com a construção do conhecimento em artes não sendo considerada, por lei, básica na educação e mesmo com o
com base na produção ru.tística do indivíduo, nas informações culturais e descaso da classe dirigente Qara com o ensino nessa área; b) a super­
valorização da � como livre expressão; c) o entendimento da
3. A concepção de um ensino da ru1e baseado na epistemologia da ru1e e no modo como se aprende ru1e
é defendida por vários teóricos, ru1istas, professores. Dentre eles, Elliot Eisner, Ralph Smith, Edmund criação artística como fator afetivo e emocional, sem a existência do
Feldman e Brendt Wilson. pensamento reflexivo.
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Apesa r de todas as contradições existentes no ensino da arte, uma z "o ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório '\ , /
22, di que
nova concepção vem surgindo e se concretizando nesta década. Ela é s níveis da educação básica, de forma a promover o desenvol- f
005 diverso
assim resumida por Barbosa (1991, p. XIV): "Na pós-modernidade, o
. VI·menta
cultural dos alunos".
conceito de arte está ligado à cognição; o fQ_!l.ceitó de faz�arte está Encerrado o conflito sobre a tão esperada permanência da arte na
ligado à construção_e o conceito de pensamento visual está ligado à
-- educação brasileira e, conseqüentemente, sobre sua importância na forma­
construção do-pensamento
-----=---a partir da imagem."
- ção básica do cidadão, cabe agora voltar ao presente.
Isso significa que a arte, como qualquer outra área do conheci- A história fez sua parte, os homens que a construíram deixaram suas
mento, tem um domínio, uma linguagem e uma história. É, por isso
marcas e, sejam elas quais forem, o que realmente une passado e presente
mesmo, um campo de estudo específico e não apenas uma mer� at�vidade é a existência da arte.
auxiliar e/ou recreativa.
As etapas a seguir prometem repensar conceitualmente a arte não
Isso aponta para a tão esperada mudança na concepção da arte e do só na educação, mas na vida de cada um e de todos os personagens que
ensino da arte. O ensino da arte vai, aos poucos, deixando de ser uma mera atuarão nos atos subseqüentes desta encenação.
atividade auxiliar e/ou recreativa, para ser compreendido como um rocesso
de construção de conhecimento; e a arte, uma área do conhecimento
humano, um campo de estudo específico c�m história e conteúdos próprios.
Ao longo de sua trajetória histórica- e ainda hoje-, a arte e seu ensino
sofrem a ação de dois fatores distintos: o político e o conceitua!.
- O político,
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gela determinação � _gela orientação da vida educacional e pelo descaso e
pelo preconceito da classe dirigente em relação ao ensino da arte nas escolas.
E o conceitua!, pela desvalorização da arte como área de domínio específico
do conhecimento humano por parte da classe dominante e, talvez, por uma
fração dominada da classe dominante - a dos próprios professores d�e.
A marca mais significativa dos anos 90 no ensino da arte é, sem
dúvida, o entendimento do fator conceitua! por parte dos professores �ua
posterior aplicação numa práxis que realmente vá além da forma trad�cional.
O discurso político atual é veemente na ênfase de sua responsabili­
dade para com a melhoria da educação básica e, finalmente, entra em vigor
a nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB) - Lei Darcy Ribeiro -, que, no
capítulo II, Da educação básica, seção I, Das disciplinas gerais, artigo 26, §
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