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Traduçã o Dominic Scott – Meno’s

Capítulo 11 – Pá gina 129

O método da hipó tese: 86c-87c

Introduçã o

Em 86c, Só crates parece ter removido os obstá culos colocados em seu caminho
em 80b-e. Meno aprova a lembrança e certamente aceita que ele tem o dever de
indagar. Se Só crates pudesse seguir o seu caminho a partir de agora, eles
retomariam imediatamente sua busca pela definiçã o de virtude.
Antes de prosseguirmos, vale a pena fazer uma pausa para considerar como seria
essa investigaçã o à luz das afirmaçõ es metodoló gicas e epistemoló gicas feitas
entre 81b e 86c. O problema da descoberta exigia que começá ssemos com uma
especificaçã o conhecida do objeto de investigaçã o. No caso de uma investigaçã o
de definiçã o, no entanto, nã o há nada que possamos saber sobre virtude sem
conhecer a pró pria definiçã o. A soluçã o de Só crates é dizer que temos
conhecimento inconscientemente, mas, no nível consciente, temos que começar
da mera conjectura. Nã o haverá 'rochas duras da certeza' a partir da qual
trabalhar, 1 e as suposiçõ es feitas no início ou ao longo do caminho estarã o
sujeitas a revisã o. Mas aparências à parte, essa investigaçã o está na verdade
sendo guiada pelo conhecimento latente gradualmente retornando à consciência.
Como em mais detalhes esse processo funcionará ? Podemos seguir nossa
sugestã o de uma observaçã o feita em 81c9 – d3:
Como toda a natureza é semelhante, e a alma aprendeu tudo, nada impede que
alguém se lembre de apenas uma coisa (que as pessoas chamam de
"aprendizado") e, assim, descobre tudo o mais. . .
A realidade é estruturada, assim como nossa consciência prévia. A presença
contínua dessa estrutura em nossa memó ria nos permite usar cada item recém-
registrado para avançar para o pró ximo. Portanto, pode haver um ato de
lembrança no início da investigaçã o, que resulta na formaçã o de uma crença
verdadeira².

A sustentaçã o dessa crença nã o é experimentada atomisticamente: esse é o


ponto 81c9 – d3, em que cada crença lembrada vem com um vínculo associativo
(por mais indistintamente sentido) que nos leva ao pró ximo está gio do processo
de redescoberta. Gradualmente, estendemos nossa rede de crenças verdadeiras,
aumentando o nú mero de interconexõ es explicativas.
Essa interpretaçã o é amplamente correta, exceto em um aspecto importante,
onde simplifica demais a concepçã o de descoberta de Só crates. Pressupõ e um
processo no qual a rede de crenças se estende de maneira suave e consistente ao
conhecimento. Mas as crenças verdadeiras carecem de estabilidade (97d9–
98a8), o que torna muito mais prová vel que, depois de recordar uma sequência
de crenças verdadeiras, mais cedo ou mais tarde renunciá mos a algumas delas
(por exemplo, sob pressã o de contra-argumento). Mais tarde ainda, podemos
esperar recuperá -los depois de reconsiderar os argumentos que nos levaram a
renunciá -los mais cedo.3 Em outras palavras, seguiremos um padrã o de parada e
início zetético - aporia e euporia - enquanto obtemos cada vez mais sofisticaçã o
no nosso tratamento dos argumentos. Portanto, embora nã o exista um simples
acú mulo de crenças verdadeiras no decorrer da investigaçã o, ainda pode haver
um aumento, embora errá tico, da estabilidade cognitiva ao longo do tempo.4
Em tudo isso, Só crates está avançando em um modelo de investigaçã o no qual a
especificaçã o verdadeira só pode surgir de forma incremental no decorrer da
investigaçã o. Nã o é como se começá ssemos desenhando o mapa e depois
seguíssemos para o nosso destino. Em vez disso, como alguém que esqueceu a
rota, mas ainda a tem latentemente dentro dela, somos capazes de desenhar o
mapa apenas no decorrer da jornada. Nó s o reconstruímos hesitantemente,
gravando e apagando o tempo todo. Mas, embora possamos dar muitas voltas
erradas, ainda há algo em nossa mente que pode agir para garantir o sucesso.
Portanto, este é o processo no qual Só crates espera que Meno embarque em 86c.
Uma vez concluída, e eles tiverem recuperado o conhecimento sobre o que é a
virtude, só entã o eles se voltarã o para a questã o de como é - ou seja, como é
adquirida.
Mas nã o é bem assim que o diá logo prossegue. Quando solicitado a retomar a
investigaçã o sobre a natureza da virtude (86c5-6), Meno mostra-se menos
flexível e, em vez disso, deseja retornar à sua pergunta original sobre a aquisiçã o
da virtude. Isso leva Só crates a protestar:

Se eu tivesse o controle nã o apenas de mim, mas também de você, Meno, nã o saberíamos se a


virtude é ou nã o ensiná vel antes de examinarmos o que é. Mas como você nem tenta se controlar
(pelo bem da sua pró pria liberdade, presumivelmente), mas tenta me controlar - e ter sucesso -
eu vou ceder a você: o que mais devo fazer? Parece que precisamos investigar como é uma coisa
quando ainda nã o sabemos o que é. Mas pelo menos relaxe um pouco o seu domínio sobre mim e
concorde em investigar se é ensiná vel ou o que for, por meio de uma hipó tese.
(86d3-e4)

Já discutimos essas linhas ao avaliar o cará ter de Meno acima (pp. 63-4). Mas a
mesma passagem também é de importâ ncia central para a compreensã o do
método filosó fico do Meno. Só crates começa repetindo algumas restriçõ es
metodoló gicas do início do diá logo, mas depois anuncia que está preparado para
fazer uma concessã o a Meno, que por sua vez anuncia a introduçã o de um novo
método, o 'método de hipó tese'.
Este é um tó pico que exerceu duplamente os comentadores. Primeiro, nas linhas
imediatamente apó s a citaçã o, Só crates 'ilustra' o método com um exemplo
geométrico cuja opacidade confunde estudiosos modernos há mais de um século.
Segundo, ele rapidamente aplica o método em um contexto distintamente
filosó fico, usando-o para responder à pergunta sobre a aquisiçã o da virtude. Ao
fazer isso, ele envia sinais conflitantes sobre como o método deve ser aplicado e
até sobre o que realmente é. Novamente, o resultado foi um prolongado debate
acadêmico.
Na minha opiniã o, fizemos o má ximo de progresso possível na primeira ediçã o.
Entre todas as diferentes soluçõ es para o enigma do exemplo geométrico de
Só crates, descreverei o que me parece o melhor disponível nas pá ginas 133–7
abaixo. No que diz respeito ao segundo, podemos avançar bastante se
esclarecermos exatamente qual concessã o metodoló gica Só crates está fazendo a
Meno nas linhas citadas.
O método
Hipó tese como compromisso

Só crates expressa seu método preferido com as palavras "nã o perguntaríamos se


a virtude é ou nã o ensiná vel antes de examinarmos primeiro o que é" (86d4-6).
Algumas linhas depois, quando ele começa a sugerir um método de
compromisso, ele acrescenta: "parece que temos que investigar como é uma
coisa quando ainda nã o sabemos o que é" (86d8-e1). Portanto, seu método
preferido envolve a exigência de que eles devem saber o que é a virtude antes de
investigar como ela é adquirida.
Nã o há dú vida de que esse requisito está em funcionamento desde o início do
diá logo: entre 71a e 79e Só crates aceitará nada menos que o conhecimento da
definiçã o de Meno antes de permitir que ele prossiga para a questã o de como a
virtude é adquirida. Isso se aproxima da superfície com o colapso da terceira
definiçã o em 79a7 – e3. Nesse ponto, eles alteraram a definiçã o na alegaçã o de
que virtude é açã o acompanhada por uma parte da virtude. O que chama a
atençã o é a razã o declarada por Só crates para rejeitar esta resposta. Ele nã o diz
que é falso. O problema é que nem ele nem Meno sabem que isso é verdade.
Como ele imediatamente pede a Meno que tente novamente, é inquestioná vel
que ele exige uma especificaçã o conhecida da virtude para preceder sua
investigaçã o sobre a questã o de sua aquisiçã o.
É importante perceber que esse requisito metodoló gico incorpora dois
componentes distintos. Uma delas é a prioridade da definiçã o sobre os atributos
(PDA): nã o podemos saber se a virtude é ensiná vel sem saber o que é. Mas tem
outro. Por si só , o PDA simplesmente nos diz que nã o podemos saber uma coisa
sem conhecer outra. Nã o diz que precisamos conhecer a definiçã o antes dos
atributos; deixa aberta a possibilidade de que possamos descobri-los juntos.
(Tudo o que descarta nesse contexto é a possibilidade de conhecer os atributos
antes da definiçã o.) Portanto, quando Só crates diz que eles devem começar com
o conhecimento da definiçã o, ele está acrescentando uma suposiçã o adicional
além do PDA. De fato, essa é uma aplicaçã o específica do princípio de que o
conhecimento deve derivar de um conhecimento preexistente, o "princípio da
presciência", como eu o chamei acima. Nossa investigaçã o sobre os atributos da
virtude deve ter um ponto de partida, cuja especificaçã o temos conhecimento.
Só crates acredita que o ponto de partida apropriado é a definiçã o.5 Em outras
palavras, o PDA é um princípio sobre prioridade ló gica, nã o cronoló gica. Somente
quando o combinamos com o princípio da presciência é que obtemos uma
reivindicaçã o de prioridade cronoló gica, viz. esse conhecimento da definiçã o
deve preceder temporariamente o dos atributos.
Se esse é o método preferido dele, qual é o compromisso que ele oferece? 6 O
ponto exato em que ele levanta as mã os em desespero é 86d8– e1: 'entã o parece
que precisamos investigar como é quando algo acontece. ainda nã o sei o que é '.
Isso indica que ele cederá ao princípio de que a investigaçã o deles sobre a
questã o da aquisiçã o parte do conhecimento. Mas, ao pedir a Meno que relaxe
um pouco o controle, ele deve estar esperando que ele aceite algum elemento do
método preferido. O compromisso é que eles investigarã o a questã o do atributo,
se a virtude é passível de ensino, mas ainda o farã o consultando sua natureza. A
diferença com o método preferido é que eles baseiam sua investigaçã o apenas
em uma conjectura sobre a natureza da virtude e nã o no conhecimento. É este
ponto que será crucial para entender como o método de hipó tese é aplicado em
um contexto filosó fico e qual é realmente o método.
Só crates oferece a Meno esse compromisso é surpreendente. No que se refere à
descoberta da descoberta, eles nã o têm escolha senã o prosseguir com base em
conjecturas ou crenças: como enfatizei, no nível consciente, nã o pode haver
conhecimento sobre a virtude sem a definiçã o. Mas no que diz respeito à
descoberta de atributos, a posiçã o deve ser bem diferente. Uma vez adquiridos o
conhecimento da definiçã o, eles terã o uma base só lida para prosseguir.7 Por que
Só crates deveria desistir disso?
Essa questã o se torna mais premente se pensarmos no que Só crates dirá
posteriormente sobre a instabilidade da crença verdadeira. Em 97d9–98a8, ele
afirma que as verdadeiras crenças fogem da mente, a menos que sejam
explicadas, pelo que ele quer dizer que alguém que apenas tem uma crença
verdadeira é sempre suscetível de desistir em favor de uma falsa. O que ele tem
em mente é a maneira pela qual alguém pode ser persuadido a renunciar a uma
crença sob a influência de vá rios fatores, por exemplo, novas consideraçõ es que
surgem no processo de investigaçã o, contra-argumentos ou simplesmente
retó rica. Portanto, o perigo de seguir o método de compromisso da 86d – e é que
nã o podemos confiar em que nossas crenças sobre a virtude sejam está veis,
mesmo que elas estejam corretas. (O mesmo vale para quaisquer crenças
verdadeiras que possamos adquirir no processo da investigaçã o.) O ú nico estado
cognitivo que teria estabilidade para guiar nossa pesquisa com segurança é o
conhecimento - daí a afirmaçã o do método preferido. Entã o, por que Só crates se
compromete com Meno? Aparentemente, é apenas porque Meno nã o pode
controlar sua impaciência para voltar à questã o de saber se a virtude é ensiná vel.
Se isso é de fato, toda a histó ria é algo a que voltarei abaixo.

O exemplo geométrico

A maneira como Só crates desenvolve o método de compromisso - o método da


hipó tese - é caracterizá -lo como uma questã o de "reduzir" um problema para
outro.8 Diante da questã o de saber se uma proposiçã o, p, é verdadeira, evitamos
abordar p diretamente, mas encontramos outra q que é equivalente a ela. Isso
nos permite argumentar que se q é verdadeiro, p é verdadeiro e se q é falso, p é
falso. O que Só crates está fazendo nesta passagem é emprestar um método
preexistente da geometria e adaptá -lo à s suas pró prias preocupaçõ es no diá logo:
p é uma proposiçã o sobre um atributo da virtude; q é um sobre sua natureza.
Como já indicado, a apresentaçã o de Só crates do método de hipó tese levantou
problemas difíceis, dos quais o mais notó rio diz respeito ao seu exemplo
geométrico:
Por "a partir de uma hipó tese", quero dizer a maneira pela qual os geô metros
frequentemente investigam quando alguém pergunta sobre uma á rea, por
exemplo, se ela pode ser inscrita neste círculo como um triâ ngulo. Pode-se
responder: ainda nã o sei se é possível, mas acho que tenho que apresentar uma
hipó tese para lidar com o problema, do seguinte tipo: se a á rea é tal que, quando
colocada ao longo de uma determinada linha, cai curto por uma á rea como a
colocada ao lado, um resultado se segue e outro se isso nã o acontecer. Usando
essa hipó tese, estou disposto a falar sobre o resultado da inscriçã o da á rea neste
círculo, seja impossível ou nã o. (86e4-87b2)
Essa passagem é uma das mais desconcertantes de todas as obras de Platã o. A
linguagem é tã o opaca, o exemplo tã o sub-determinado, que os estudiosos há
muito lutam para encontrar o problema geométrico ao qual Só crates faz alusã o.
Há pelo menos três pontos em que é difícil estabelecer a que expressã o específica
se refere: 'esta á rea' (87a3-4), 'sua linha dada' (87a4) e 'fica aquém de uma á rea
como a colocada ao lado (87a5-6). Apesar de mais de um século de debate, ainda
nã o há uma interpretaçã o acordada dessa passagem. A seguir, descreverei o que
me parece o menos problemá tico disponível, embora nã o esteja livre de
dificuldades.
Essa interpretaçã o foi defendida por Cook Wilson e Heath e adotada por muitos
estudiosos, embora de modo algum todos posteriormente.9 Um questioná rio
inicial é feito a um geô metro sobre uma á rea, X (veja o diagrama na p. 135), que
poderia ser qualquer figura retilínea. A questã o é se X pode ser inscrito como um
triâ ngulo em um determinado círculo (86e5-87a1). Em resposta, o geô metro faz
a seguinte afirmaçã o: se a á rea X puder ser colocada como um retâ ngulo ABCD
no diâ metro do círculo BH, de modo que "fique aquém" 10 do comprimento do

The geometrical example at Meno 86e6–87a2


diâ metro por outro retâ ngulo DCHG proporcionalmente semelhante ao ABCD, a
resposta para a pergunta original é "sim"; caso contrá rio, a resposta é "nã o".
Nesta interpretaçã o, as vá rias indeterminaçõ es do texto devem ser preenchidas
da seguinte maneira:
1 "Esta á rea" (87a3-4) refere-se à á rea retilínea X.
2 "Sua linha especificada" (87a4) deve ser lida como o diâ metro do círculo, BH -
ou seja, "seu" significa "do círculo".
3 Na expressã o "falta uma á rea como a colocada ao lado" (87a5-6), o termo
"curtir" é usado aqui para significar "semelhante", nã o "idêntico". (A semelhança
em questã o é a proporçã o geométrica: BC: CD = CD: CH.)
4 Temos que expandir o texto de 87a3-5, que se traduz literalmente como: ‘se
essa á rea for tal que, quando colocada em sua linha especificada. . . '. Nesta
interpretaçã o, devemos acrescentar que a á rea é colocada na linha como um
retâ ngulo.
É preciso admitir que, no que diz respeito a 2 e 3, há muito
há espaço para debate sobre se essas leituras sã o filologicamente as mais
plausíveis.11 A vantagem dessa interpretaçã o, no entanto, é que ela se encaixa
bem no argumento que se segue sobre se a virtude é ensiná vel. Só crates
argumentará em breve que, se a virtude é conhecimento, é ensiná vel. Ele entã o
argumenta para mostrar que virtude é conhecimento. Seguindo esse
procedimento, ele substituiu a pergunta original de Meno, se a virtude é
ensiná vel, pela questã o de saber se é conhecimento. Nã o é difícil ver como isso
corresponde ao exemplo geométrico, conforme interpretado acima:
A virtude é ensiná vel = a á rea X pode ser inscrita como um triâ ngulo no círculo
especificado.
Virtude é conhecimento = A á rea X pode ser colocada como um retâ ngulo ABCD
no diâ metro do círculo BH, de forma que fique aquém do comprimento do
diâ metro por outro retâ ngulo DCHG que seja proporcionalmente semelhante ao
ABCD.
Uma vantagem intimamente relacionada à interpretaçã o é que ela faz jus ao
recurso a seguir do método. Ao reduzir o exame de p ao de q, estamos dizendo
que, se q, entã o p, e se nã o-q, entã o nã o-p (isto é, que p e q sã o logicamente
equivalentes). Esse recurso está claramente presente nos argumentos
geométricos e éticos (87a6-7 e b5-c9). Algumas interpretaçõ es anteriores à de
Cook Wilson se deterioraram nesse ponto. Eles apenas mostraram o que
aconteceria se q fosse verdadeiro e nã o disseram nada sobre o caso em que q é
falso: p pode ou nã o seguir.12
Mesmo que possamos encontrar uma interpretaçã o satisfató ria do exemplo
geométrico, há uma outra pergunta: o que torna tã o difícil de entender? Uma
resposta é que o pró prio Platã o nã o entendeu completamente o exemplo que
estava descrevendo, talvez porque os matemá ticos de sua época nã o estivessem
suficientemente avançados. Como alternativa, ele pode ser criticado apenas por
nã o descrever claramente o exemplo.13 Aqui é importante notar que, embora a
descriçã o do problema geométrico seja indeterminada e imprecisa, é muito
difícil provar que Platã o realmente nã o entendeu nada.
Se essa é a explicaçã o correta, pode-se tentar embotar a crítica dizendo que
Platã o estava escrevendo para um pú blico familiarizado com o problema
geométrico em questã o e é alusivo porque pode esperar que seus leitores na
Academia preencham os detalhes. Essa sugestã o, no entanto, ainda nos deixaria
com um problema sobre a relaçã o entre Só crates e Meno: mesmo que Platã o
estivesse se comunicando com um leitor bem informado e esotérico, Só crates
realmente espera que Meno entenda o que está dizendo? Talvez Meno sabia o
suficiente sobre geometria para seguir as referências opacas no exemplo, mas
parece imprová vel. Platã o, ao que parece, sofreu um raro lapso de realismo
dramá tico, transportando Meno momentaneamente para as fileiras de sua
pró pria Academia.
No entanto, com um pouco mais de criatividade, mesmo essa queixa pode ser
respondida. Embora o exemplo possa ter feito sentido para a Academia, Platã o
pode deliberadamente fazer Só crates falar em termos que Meno nã o pode
entender completamente. Talvez Só crates esteja tentando satisfazer - e também
zombar - o desejo de Meno pelo exó tico e técnico.14 Afinal, ele está no processo
de negociar com ele. Já vimos um exemplo claro disso quando ele deu a definiçã o
empédea de cor (76d4-5): aqui Meno também foi presenteado com algo que, no
fundo, ele realmente nã o entendia. Em 86e, essa combinaçã o de barganha e
zombaria se tornou uma parte familiar da alegria de viver do diá logo. Portanto,
embora seja possível que a dificuldade dessa passagem se deva ao fato de Platã o
nã o explicar (ou até entender) a geometria em questã o, há uma explicaçã o
perfeitamente plausível que permite um veredicto mais favorá vel.15

A aplicaçã o ética do método

Eu mencionei acima que o método da hipó tese é um dos 'redutores de


problemas'. Substituímos uma pergunta sobre p por uma sobre seu equivalente
ló gico, q. A seguir, p é 'virtude é ensiná vel', q 'virtude é conhecimento'. Em outras
palavras, a afirmaçã o de que virtude é conhecimento serve como base a partir da
qual podemos deduzir a verdade da afirmaçã o de que virtude é ensiná vel.
Estabelecido, Só crates começa a argumentar que a virtude é realmente
conhecimento (87d-89a) e, portanto, coloca-se em posiçã o de deduzir que a
virtude é ensiná vel em 89c.
A aplicaçã o do método por Só crates à s questõ es éticas do Meno também tem sido
objeto de intenso interesse acadêmico pelos ú ltimas décadas.16 Nesta literatura,
existem duas visõ es principais sobre a natureza e o significado do método de
hipó tese. A seguir, endossarei um deles e depois discutirei o outro no Apêndice 2
(pp. 000–00).
Há duas coisas sobre as quais a maioria dos estudiosos concorda: uma é que uma
hipó tese é uma proposiçã o colocada como base para tirar uma conclusã o; a outra
é que, ao usar o método hipotético, Só crates usa um padrã o de argumento no
qual uma proposiçã o específica conta como a hipó tese.17 Dado o que eu disse
sobre o contexto em que o método da hipó tese é introduzido em 86d-e, eu
adicione mais dois pontos, que mencionei brevemente acima. Primeiro, uma
hipó tese é algo que se entretém provisoriamente, e nã o algo do qual temos
conhecimento.18 Isso é uma consequência de dizer que Só crates está
renunciando temporariamente à prioridade cronoló gica da definiçã o em
concessã o a Meno em 86d8-e1. Segundo, um dos principais pontos de disputa na
literatura acadêmica é a identidade da hipó tese 'the' no argumento ético de 87-9.
Um lado pensa que é a proposiçã o "virtude é conhecimento"; 19 o outro é que é
bi-condicional "se virtude é conhecimento, é passível de ensino e, se nã o é
conhecimento, nã o é passível de ensino" .20 Na minha opiniã o, o O contexto em
que o método é introduzido aponta fortemente a favor da primeira
interpretaçã o. Só crates está tentando se comprometer com Meno. Ele está
desistindo da prioridade cronoló gica da definiçã o (a exigência de que eles
investigem a questã o da aquisiçã o com base no conhecimento explícito da
definiçã o), mas ainda insiste em partir de uma hipó tese sobre a natureza da
virtude. Isso torna natural considerar "virtude é conhecimento" como hipó tese.
Com efeito, nos é dado o gênero da virtude e, portanto, o início de uma definiçã o.
Um apoio adicional a essa visã o sobre o que constitui 'a' hipó tese pode ser
encontrada em 89c2–4, onde Meno expressa sua concordâ ncia com todo o
argumento dizendo: 'está claro, Só crates, de acordo com a hipó tese, se a virtude é
conhecimento, que é ensiná vel '. A leitura mais plausível desta frase é usar as
palavras "se a virtude é conhecimento" em oposiçã o à (e, portanto, explicar) "a
hipó tese".
Em resumo, entã o, o que Só crates está fazendo em 87b-89a é tratar "virtude é
conhecimento" como "a" hipó tese, uma afirmaçã o da qual ele nã o pode ter
certeza, mas a partir da qual ele está preparado para inferir uma resposta à
pergunta original. de como a virtude é adquirida.
Há uma complicaçã o para essa visã o. Em 87d2–3, logo no início de seu
argumento de que virtude é conhecimento, Só crates estabelece a premissa de
que a virtude é boa e a chama de hipó tese. Se existe apenas uma hipó tese
dominante por argumento, e se já atribuímos esse papel à proposiçã o de que
virtude é conhecimento, como devemos acomodar a referência a outra hipó tese
em 87d3?
Cherniss deu uma soluçã o elegante para esse quebra-cabeça.21 O método,
devemos lembrar, é o de reduçã o de problemas: encontramos uma proposiçã o
equivalente a p, q e investigamos isso. Essa proposiçã o, q, é a hipó tese 'the'.
Portanto, no primeiro está gio breve e breve do argumento de Só crates,
hipotetizamos "virtude é conhecimento" e concordamos que "virtude é
ensiná vel" segue-se a ela. No entanto, precisamos determinar a verdade de q e,
neste ponto, porque estamos embarcando em um novo argumento, aplicamos o
método novamente. Entã o, postulamos outra proposiçã o, r, (aparentemente)
equivalente a q, da qual derivamos q.22 Essa proposiçã o é 'a virtude é boa'.
Assim, em um nível de argumento, postulamos uma hipó tese e dela derivamos
conclusõ es; mas quando se trata de determinar a verdade da hipó tese em si,
postulamos uma "mais alta", da qual a primeira pode ser derivada. Portanto,
desde que separemos 87b-89a em dois níveis de argumento, podemos tratar
tanto "a virtude é conhecimento" quanto "a virtude é boa" como hipó teses
dominantes.
Conforme descrito, esse método antecipa o que encontramos no Fédon (100a3 a
102a2). Aqui, Só crates tenta responder a um conjunto de perguntas, sobre causa
(ou explicaçã o) e detalhes, fazendo a hipó tese de que as formas existem como
causas. Ele postula essa hipó tese como algo prová vel, usando-a como premissa a
partir da qual deduzir respostas para as perguntas que originalmente o deixaram
perplexo. Se alguém o desafiar sobre as formas, ele formularia uma nova
hipó tese, escolhendo a mais prová vel dentre as 'acima' (101d7). Parece um
desenvolvimento (em certos aspectos) do Meno, pelo menos na interpretaçã o de
87d3 de Cherniss. Uma antecipaçã o adicional é que, no Phaedo, verificamos a
viabilidade de nossa hipó tese, verificando se há alguma inconsistência entre suas
conseqü ências; no que se segue no Meno, Só crates encontrará uma aparente
inconsistência entre a conseqü ência da hipó tese, viz. essa virtude é ensiná vel e o
fato de nã o haver professores e aprendizes da virtude.

Só crates em julgamento (iv)

À luz disso, o método da hipó tese surge como uma inovaçã o importante e, como
a teoria da lembrança, deveria ser adotado, desenvolvido e modificado em
diá logos posteriores. Mas isso apenas exacerba um problema que levantei acima.
Abertamente, Só crates apresenta o método como o segundo melhor, e o faz
puramente porque Meno é muito impaciente para seguir o método preferido. No
entanto, se tudo isso estava acontecendo, por que Platã o refinaria o método e o
reintroduziria em trabalhos posteriores? Existe uma razã o mais séria para
introduzi-lo além de acomodar a impaciência de um interlocutor em particular?
Há sim. A real importâ ncia do método no Meno é que ele representa um
compromisso entre o que eram para Platã o duas forças muito poderosas. Por um
lado, havia uma necessidade premente de obter uma resposta para uma questã o
de importâ ncia prá tica - como a virtude é adquirida. A urgência dessa pergunta
para Platã o é clara pelo nú mero de seus diá logos em que ela aparece: Alcibíades
I, Laches, Protá goras, Eutidemo, Repú blica e Leis. Por outro lado, eu sugeriria
que Platã o é fortemente atraído por um certo purismo metodoló gico: sempre
que possível, uma investigaçã o deve prosseguir com base em uma especificaçã o
explicitamente conhecida ou conjunto de premissas. Mas seguir a rota purista
nesse caso corre o risco de adiar perguntas prá ticas indefinidamente em favor de
investigaçõ es mais abstratas - indefinidamente, porque a busca por definiçõ es
morais se mostrou tã o ilusó ria. No entanto, lançar-se cedo demais para a questã o
prá tica corre o risco de cair em suposiçõ es - possivelmente errô neas - sem
sequer ter consciência do que sã o. Seguir o método da hipó tese nos permite
construir argumentos dedutivos rigorosos, o tempo todo cientes do que estamos
dando como certo. Isso pode ser concedido à antiga metodologia purista. Ao
mesmo tempo, podemos começar a abordar questõ es prá ticas importantes,
tendo reconhecido que estamos fazendo isso com base em uma suposiçã o
provisó ria de que precisamos revisitar em algum momento posterior e
possivelmente derrubar.
Um bom paralelo para isso pode ser encontrado na Repú blica, cuja pró pria
pergunta premente é se a justiça beneficia o agente, uma questã o intimamente
ligada à questã o de como se deve levar a vida de alguém (344e1–3). Para
responder à pergunta, no entanto, precisamos descobrir o que é justiça. Mas
acontece que uma resposta realmente adequada a essa pergunta envolveria uma
investigaçã o muito longa sobre a Forma do Bem (cf. 504b1–4 com 435d1–5). Os
puristas metodoló gicos adiariam a pergunta original até que concluíssem o
inquérito ao Bem, um processo que pode levar muitos anos (trinta, no caso dos
governantes do estado ideal: cf. 540a4-9). Mas, para Platã o, a pergunta original é
muito urgente e precisa ser respondida, mesmo que apenas de maneira
provisó ria. Nesse sentido, ele faz Só crates seguir uma rota mais curta. Eles
definirã o a justiça no indivíduo, verificando se ele tem a mesma estrutura que o
estado, que eles concordaram em ser apenas em virtude da harmonia entre suas
três partes. Se eles podem mostrar que a alma também tem três partes, entã o
podem definir provisoriamente sua justiça nas mesmas linhas. O que é
particularmente interessante para nossos propó sitos é que o principal
argumento para dividir a alma se baseia em uma mera hipó tese (437a6): nada
pode experimentar estados contrá rios (por exemplo, desejos) no mesmo
respeito ao mesmo tempo. Como a alma pode ser atraída e repelida pela mesma
coisa, deve ter partes diferentes. Essa é a base sobre a qual o argumento
prossegue, e Só crates reconhece explicitamente que ele ainda pode ser
derrubado.
É no mesmo espírito que eu argumentaria que o método de hipó teses é avançado
no Meno - como uma maneira de progredir em um tó pico de preocupaçã o
urgente e de olhos claros sobre a falibilidade do raciocínio de alguém. Nesse
caso, mostra que Platã o construiu esta seçã o do Meno para operar em dois
níveis, da mesma maneira que encontramos nas partes anteriores do diá logo,
especialmente na passagem das lembranças. Nos anos 80d e 86c-d, Meno solicita
que Só crates introduza uma importante inovaçã o epistemoló gica ou
metodoló gica. Em um nível, Só crates dá sua resposta apenas como uma maneira
de se engajar com as motivaçõ es rebeldes de Meno - na maneira de se lembrar de
reenergizá -lo, na passagem de hipó teses para acomodar sua impaciência. No
nível mais profundo, no entanto, Platã o está usando cada episó dio para trazer à
atençã o do leitor uma séria dificuldade, como é evidenciado pela importâ ncia das
soluçõ es, as quais continuam sendo destaque em outros trabalhos.
Visto sob esse prisma, a passagem de hipó teses se une à s outras três que discuti
como exemplo em que Platã o coloca o histó rico Só crates em julgamento. O
padrã o, como vimos emergir, é que Meno (apesar de si mesmo) lança um desafio
a uma suposiçã o especificamente socrá tica. Nesse caso, a suposiçã o é de que
devemos obter conhecimento da definiçã o de virtude antes de examinarmos se
ela é ensiná vel.
Há boas razõ es para acreditar que essa suposiçã o é socrá tica, pelo menos na
evidência de Laches e Protá goras. No Laches, Só crates afirma que, para saber
como a virtude é melhor adquirida, é preciso primeiro saber o que é.23 A
passagem relevante de Protá goras chega logo ao final. Na 360e, Só crates mostra
o estranho estado de coisas que alcançaram. Protá goras acha que virtude nã o é
conhecimento, mas é ensiná vel; Só crates pensa que é conhecimento, mas nã o é
ensiná vel. No entanto, se é conhecimento, é ensiná vel,
e se nã o é conhecimento, nã o é ensiná vel. Ele entã o acrescenta:
E eu gostaria de trabalhar nesse assunto até que finalmente alcancemos o que é a
virtude e depois voltemos e consideremos se é ensiná vel ou nã o, para que,
porventura, o seu Epimeteu nã o nos engane e nos tropeçar em nossa
investigaçã o, enquanto ele nos ignorava. conta de sua distribuiçã o. Gosto mais do
Prometeu da sua fá bula que do Epimeteu; pois ele é ú til para mim, e tomo o
pensamento de Promethean continuamente para minha pró pria vida quando
estou ocupado com todas essas perguntas.24
Poder-se-ia pensar que isso apenas torna suficiente o conhecimento da definiçã o
para saber se a quantidade é possível. 25 Mas isso falha em explicar a urgência
com que Só crates busca a definiçã o. Se existe outra maneira de determinar se a
virtude é ensiná vel, por que ele nem a menciona? Também nã o devemos ignorar
a referência a Epimeteu e Prometeu. Isso remonta ao mito de Protá goras na
parte anterior do diá logo, onde Zeus ordenou que os dois distribuíssem
qualidades diferentes entre todos os animais que lhes permitiriam sobreviver.
Porém, quando Epimeteu chegou à raça humana, ele nã o tinha mais nada a dar,
deixando Prometeu intervir e roubar para a humanidade o dom do fogo. O ponto
da referência posterior é que Epimeteu omitiu o que era necessá rio para a
sobrevivência humana (321c1–3), que Prometeu, por outro lado, procura
fornecer. Da mesma forma, Só crates leva em consideraçã o o que é necessá rio
para resolver sua pergunta.
As outras características que fazem dessa passagem no Meno uma instâ ncia de
Só crates em julgamento se encaixam prontamente. A posiçã o socrá tica está
claramente sendo contestada, mas novamente Meno o faz apesar de si:
aprendemos através dele, e nã o dele. Certamente, seus motivos e atitudes sã o
questioná veis, pois o episó dio é desencadeado porque ele é indisciplinado, assim
como foi obtuso no primeiro episó dio, ressentido no segundo e obstrutivo no
terceiro. Por fim, Platã o apresenta uma emenda à visã o socrá tica - embora desta
vez dentro do pró prio diá logo (assim como na Repú blica). A esse respeito, 86d-
87b está mais pró ximo do episó dio da lembrança do que da passagem da arraia,
onde Só crates se recusa a admitir que o elenchus pode ser outra coisa senã o
benéfico.
em que sentido o conhecimento pode ser aprendido?
Antes de prosseguir, precisamos fazer uma pausa sobre a afirmaçã o de que o
conhecimento pode ser ensinado (87c1–3). Claramente, isso é central no
argumento do diá logo como um todo; pois combinado com a tese de que virtude
é conhecimento, ornece uma resposta à pergunta original de Meno sobre a
aquisiçã o da virtude.
Mas há algo intrigante sobre a reivindicaçã o e a maneira como ela é introduzida:
. . . se [a virtude] é semelhante ou diferente do conhecimento, é ensiná vel ou nã o
- ou, como dizíamos agora, é recordá vel? Nã o vamos discutir sobre qual palavra
usar. Mas é ensiná vel? Ou nã o está claro para todos que apenas o conhecimento
pode ser ensinado a alguém? (87b6-c3)
Ao comentar o exame do garoto escravo apenas algumas pá ginas antes, Só crates
insistira em que ele nã o estava ensinando o garoto, apenas fazendo perguntas
(82e4 e 85d3; cf. 82b6-7). Embora este ponto diga respeito à recuperaçã o da
crença verdadeira do menino, também se aplica à recuperaçã o do conhecimento,
que é uma continuaçã o do mesmo processo (85c9-d4). Portanto, pode ser uma
surpresa que Só crates logo depois anuncie que o conhecimento, e somente o
conhecimento, é capaz de ser ensinado. O que ele também diz, quase como
parêntese, é que a expressã o 'lembrá vel' pode ser usada de forma intercambiá vel
com 'ensiná vel' - a diferença é apenas uma terminologia (87b8 – c1).
Para remover qualquer inconsistência em suas vá rias observaçõ es sobre ensino
e conhecimento, precisamos distinguir diferentes concepçõ es de ensino. Entendo
que em 87b-c 'ensiná vel' significa algo bastante específico: o conhecimento pode
ser recuperado com a ajuda do questionamento. É somente nesse sentido, onde o
professor atua como um catalisador que trabalha com os recursos inatos do
aprendiz, que o conhecimento é passível de aprendizado.26
Esse senso de ensino deve ser contrastado com a abordagem resumida nas
relaçõ es de Gorgias com Meno. Embora Gó rgias nã o tenha afirmado ensinar a
virtude, ele (aos olhos de Meno) ensinou a ele o que é virtude. Mas a maneira
como ele fez isso foi transferindo informaçõ es. No Simpó sio (175c7– e2), o
orador Agathon, que também pode estar sob a influência de Gó rgias (cf. 198c1–
2), acredita na possibilidade de aprender por transmissã o simples, como se o
conhecimento pudesse ser transmitido por uma pessoa para outro líquido como
em um recipiente. É nesse sentido que Só crates nega que está ensinando o
escravo. Se interpretamos seu argumento corretamente, ele está fazendo uma
afirmaçã o plausível de que a percepçã o de relacionamentos ló gicos nunca pode
ser transmitida por boatos. Pode-se dizer que o tipo de ensino em que Só crates
está interessado é 'maieutic' - ou seja, o professor atua como parteira, ajudando o
aluno a extrair conhecimento de dentro. Isso, no entanto, levanta uma questã o
adicional. Quando Só crates reivindica o papel de parteira no Theaetetus 149a-
151d, ele fica claro que ele pró prio nã o tem conhecimento. Se quisermos falar
sobre ensinar no sentido maiêutico no Meno, precisamos perguntar se alguém
pode ensinar (ou seja, tornar alguém mais informado) sem ter conhecimento
pró prio.
No modelo de transmissã o do ensino, o professor deve ter conhecimento, pois o
que está fazendo é transmitir algo que já possui a outra pessoa. Mas, quando
Só crates se move para um novo modelo de ensino, ele preserva esse aspecto do
antigo? Em princípio, ele nã o precisa. Pois se o aluno já tem o conhecimento
recentemente, tudo o que o professor precisa fazer é fazer as perguntas certas
para despertá -lo. Pode-se argumentar que fazer as perguntas certas nã o requer
conhecimento por parte do professor. A crença verdadeira pode ser suficiente.
De fato, pode-se levar o aluno a se lembrar, fazendo-lhe perguntas baseadas em
falsas crenças.
No entanto, existem dificuldades com a sugestã o de que o professor de mecâ nica
nã o exija conhecimento. Eles devem fazer as perguntas certas na ordem certa. Se
eles tiverem apenas crença verdadeira, poderã o começar fazendo as perguntas
apropriadas, mas, como a crença verdadeira é instá vel, mais cedo ou mais tarde
sairã o do caminho. Por sua vez, isso prejudicará o processo de lembrança. Isso
nã o significa negar que o aprendiz possa finalmente recuperar seu
conhecimento. Mas o que aconteceria no cená rio que acabamos de imaginar é
que o professor e o aluno se tornariam co-inquiridores. Nã o haveria mais
assimetria entre eles para justificar chamar um de professor e o outro de aluno.
Em vez disso, os dois se instigariam a se lembrar.
Nesse caso, Só crates no Meno deve insistir em que mesmo o professor de
'mecâ nica' precisa de conhecimento. Se, nos está gios iniciais da lembrança, o
aluno se apó ia em perguntas feitas por alguém mais avançado, essa pessoa ainda
nã o é professora no sentido estrito. Um verdadeiro professor é alguém capaz de
tornar o outro como ele, ou seja, conhecedor ou, no contexto do Meno, virtuoso.
Este ponto será importante quando considerarmos um dos argumentos de
Só crates abaixo que a virtude nã o é ensiná vel (p. 175).

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