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Por onde começar em Magia

Por Frater Barrabas

Tradução de Diego Vilaça

Original em http://fraterbarrabbas.blogspot.com/2018/12/where-to-start-out-with-
magic.html

O professor é um idiota

Há um antigo provérbio que diz que “todo mundo tem que começar por algum
lugar” e isso é muito bem aplicado à arte e maestria da magia ritual. Toda vez que leio
sobre alguém que faz pouco sobre a metodologia de outro mago nas redes sociais,
principalmente se é alguém que acabou de começar no caminho mágico, isso me irrita.
Não há um caminho único correto para praticar e estudar magia, mas há algumas
abordagens básicas que podem ser tomadas para garantir um progresso balanceado e
proposital.

De qualquer forma, creio que envergonhar ou ridicularizar alguém por praticar


magia de determinado jeito ou por possuir certas crenças supostamente não
esclarecidas sobre assuntos técnicos é desprezível, digno de quem possui a cabeça
fechada e é algo desdenhoso. Deixo os argumentos para os problemas maiores, como a
crença de que o mundo e seu lugar é inclusivo ou exclusivo, se alguém é espiritualmente
igualitário ou espiritualmente fascista. Isso faz uma grande diferença na magia que a
pessoa performa, mas isso é para outros artigos e considerações – este aqui é sobre
aquele humilde lugar em que todos os magos começam e onde eles devem parar se
persistirem.

Eu advogo que aqueles de nós que praticam magia por muitos anos precisam
usar de certa compaixão quando interagir com aqueles que acabaram de começar seu
caminho. Como eu disse, todos precisam começar por algum lugar, e tenho provas de
que algumas das ideias que eu mesmo segui e promovi, dos meus primeiros dias até
hoje, ficaram na espera ou até mesmo simplesmente deram errado. Sim, eu admito isso,
eu cometi alguns erros. Eu mantive ideias e opiniões que, mais tarde, se revelaram
erradas. Quando confrontado com esse conhecimento, eu decidi mudar minhas ideias
ou opiniões ao invés de perpetuar meus erros.
Descobrir erros e descartar perspectivas ultrapassadas é só uma parte da
progressão natural do crescimento mágico; mas a pior coisa que um praticante
experiente pode fazer é zombar ou fazer descaso das crenças ou metodologias de
alguém. Isso se dá porque fazer pouco de alguém não só machuca quem está sendo
corrigido como também deixa os outros menos dispostos a ouvir aquilo que esse
suposto professor possa ter a dizer no futuro.

Quem quer confiar em alguém que trata os buscadores menos experientes que
ele conhece em redes sociais como idiotas ou os humilha e traumatiza reprimindo,
assim, seu espírito de investigação? Eu digo ao estudante iniciante que, quando um
praticante experiente tratar você com desprezo e agir como um idiota, siga em frente e
ignore-o. Quaisquer coisas construtivas que eles possam ter ensinado, você estará
perdido, não por alguma falha sua, mas porque o dito “professor” é egoísta e narcisista
demais para se ter confiança de transmitir conhecimento imparcial ou saber.

Deixe-me dar um exemplo. Se eu estou falando com alguém que tenha usado ou
continua usando a versão de Simon do “Necronomicon” como seu grimório de escolha,
eu não iria ridicularizá-lo nem zombaria dele por fazer essa escolha. Eu entenderia isso
somente como uma ferramenta facilmente acessível no caminho para uma prática
evolutiva de magia. Independente do fato de o Necronomicon ser um grimório
recentemente fabricado, promovido como o livro mágico mais terrivelmente potente
pelo escritor de ficção e horror H. P. Lovecraft, eu me absteria de zombar dessa pessoa
ou ridicularizá-la por sua suposta má escolha em fontes mágicas.

Eu tenho observado, ao longo do tempo, outros usando o Necronomicon de


Simon e obtendo bons resultados, e eu até brinquei com isso um pouco quando surgiu
pela primeira vez, anos atrás. Se magos jovens viessem perguntar minha opinião sobre
o uso desse grimório, eu diria a eles que há melhores fontes de conhecimento, mas eu
não os insultaria por perseguir essa linha de trabalho. O mero fato de eles estarem
tentando descobrir seus próprios caminhos e desenvolver suas próprias práticas na
magia ritual têm o meu maior respeito e admiração – ainda mais se eles continuarem
com esse caminho e evoluírem a ponto de usarem conhecimentos mais sofisticados.
Esse é um caminho que eu mesmo trilhei décadas atrás.

Eu tento tratar qualquer um que eu conheça no caminho da magia com certo


respeito e dignidade pelo seu trabalho pessoal, por seus sentimentos e percepções,
sabendo que eles estão tentando fazer essa grande e ancestral forma de arte funcionar
para eles mesmos, e que esse trabalho é tanto honrável quanto uma importante parte
do seu próprio caminho espiritual. Isso me faz ouvir e pensar antes de tentar me
intrometer no negócio mágico de alguém para corrigir metodologias que me pareçam
serem baseadas em ideias espúrias e ilusórias sobre magia.
Qualquer um que pratique sua arte por muito tempo aprende sobre essas coisas
e descarta formas pobres ou fracas por formas mais fortes ou melhores. No entanto, há
aqueles que parecem persistir por muito tempo em perseguir suas tolices e quem sou
eu para impedi-los? O que eu tento evitar é agir como um idiota e julgar o meio de
trabalhar magicamente dos outros. Eu cheguei a essa perspectiva, infelizmente, muito
recentemente, já que, como outros autores, sentia a necessidade de corrigir os vícios e
as percepções errôneas dos outros sem antes ter feito esse trabalho comigo mesmo.
Sim, eu já agi como um idiota com estudantes iniciantes no passado, mas felizmente eu
remendei meus caminhos há muito tempo.

Agora que eu fui profundamente exposto ao Budismo Zen, eu sou menos


propenso a ser julgador e mais aberto a aceitar as opiniões de outras pessoas,
concordando com elas ou não. A atenção plena me ajudou a refrear algumas das minhas
arrogâncias e certezas e me tornou mais pensativo a observador. Isso é algo que deveria
acontecer a todos os praticantes experientes e conhecedores, na minha opinião. Ainda
assim, há fatos e verdades por aí, e nem todas as opiniões são ouro.

Aprender Magia é como uma árvore viva

Eu discuti previamente o que eu acho que é provavelmente a progressão mais


básica para a realização e domínio da magia, mas acho que isso exige repetição de
tempos em tempos. Você pode achar meus artigos mais antigos aqui¹ e aqui², mas eu
me esforçarei para não me repetir e não me referir a qualquer tradição ou organização
mágica específica, incluindo a minha própria – algo que não fiz em meus artigos
anteriores. Você pode encarar o caminho da maestria em magia como uma árvore viva
que possui cinco ramos principais, e eu chamaria essa árvore de “Processo”. Os cinco
ramos representam as cinco áreas básicas de estudo e prática. Eu estou dividindo isso
em cinco ramos para simplificar nossa discussão, mas uma avaliação mais realista da
adoção de um regime mágico é que ele acaba afetando tudo o que uma pessoa faz, seja
mágico ou mundano.

Aqui estão os cinco ramos:

1. Autocontrole: meditação, yoga, concentração, contemplação,


atenção plena, estudos ocultos, dieta e exercícios regulares (corpo e
mente);
2. Divinação: Tarô, Astrologia, I-Ching, Geomancia, clarividência
(scrying), dados ou moedas (ossos de juntas), pêndulos, radiestesia;
3. Práticas religiosas ou espirituais: ritos e práticas de calendário,
oferendas, jejum, festas/banquetes, sacralização (feitura de
sacramentos), invocação, assunção de formas-deus, comunhão;
4. Performance estratégica de rituais mágicos e cerimônias/práxis:
este ramo pode ser quebrado em várias práticas diferentes e similares
– mais sobre isso abaixo;
5. Disciplina mágica: práticas periódicas e repetitivas e trabalho regular
e consistente.

Além desses cinco ramos, há também a consideração de se envolver em magia


usando um regime tradicional (tipicamente associado com alguma organização mágica),
um regime eclético (ou caótico) ou um regime reconstrucionista. Cada metodologia é
um pouco diferente e tem sua própria abordagem, treinamento e expectativas – cada
uma possui suas próprias virtudes e limitações. Eu vou discutir brevemente sobre isso
também.

Antes de tudo, vamos olhar mais de perto para estes cinco ramos e procurar
defini-los cuidadosamente, já que eles serão repetidos (esperançosamente), em
qualquer regime ou caminho que a pessoa escolher.

Autocontrole

O autocontrole é um dos mais importantes ramos, já que é nele que o trabalho


mágico tem seu cerne e sua linha de base. Um mago deve ser capaz de disciplinar sua
mente, então praticar exercícios regulares para chegar a esse fim é mandatório. Isso
inclui as variações de meditações, concentração, contemplação, exercícios físicos, como
alongamentos de yoga e remoção de estresse, a varredura do corpo e a prática da
atenção plena, mas isso também inclui estudos, disciplinas e exercícios que possam
fortalecer a habilidade de pensar de uma maneira lógica e criteriosa. Pensamento crítico
é tão importante para a prática mágica quanto para a prática científica. Além disso, é
importante para o mago estudante ler, estudar e também escrever. Manter algum tipo
de registro ou diário mágico se tornará cada vez mais importante à medida que o mago
se envolver em um estilo mais complicado e técnico de trabalho mágico.

Adicionalmente, estudar uma ampla gama de tópicos também é importante,


como história, antropologia psicologia, biologia, neurociência, astronomia, filosofia,
arte, religião, vários tópicos ocultos como Cabala, astrologia, mitologia ocidental e
oriental, simbologia, as artes divinatórias, misticismo ocidental e oriental, e a prática de
magia através do mundo e através da história. Também poderia estudar química,
alquimia, física, matemática, e um certo número de línguas mortas e vivas, como latim,
grego, hebreu, cóptico ou italiano, francês e alemão. Não há limites para o treinamento
e educação de um mago. Não deixar pedra sobre pedra é um bom provérbio.

Práticas Divinatórias

Incluídos nos estudos e práticas da mente estão as técnicas e exercícios que


ajudam o estudante a ampliar seu mundo, aprimorando as habilidades psíquicas nativas
da clarividência e clariaudiência. Ser capaz de ver visões de mundos escondidos e ouvir
as palavras ditas por seres incorpóreos assim como de deidades é um talento muito
importante que o mago deve desenvolver de alguma maneira ou em algum grau. Para
ajudar nesse desenvolvimento, há várias técnicas, como espelhos mágicos e pedras
scrying, cartas de Tarô, moedas I-Ching, varas radiestésicas e pêndulos, pedras rúnicas,
varas geomânticas, dados (ossos de juntas ou mesmo dados de vários lados) e
numerosos outros métodos obscuros para canalizar comunicações sutis e psíquicas.

A divinação ajuda o mago a determinar a natureza dos mundos invisíveis do


espírito, para se comunicar com espíritos e deidades e para intuir coisas secretas ou
escondidas do passado, presente ou futuro. Ela ajuda o mago a projetar seus sentidos
além do mundo ordinário, para dentro do domínio da consciência espiritual. Esta é uma
forma da visão espiritual do mago, ou até mesmo uma espécie de projeção astral, que
um mago treinado e experiente desenvolverá como um sexto sentido para ajuda-lo a se
envolver com entidades e domínios topológicos que existem dentro do espaço quase
ilimitado de consciência. A divinação é uma chave importante para este mundo.

Em adição aos métodos psíquicos de divinação estão a prática da astrologia e da


astronomia, que são bem importantes à prática da magia. Considerando que a divinação
procura propositalmente espiar através do véu e se engajar com entidades invisíveis no
mundo delas e entender a conexão de ligação entre o espírito e os mundos materiais
(passado, presente e futuro), a astrologia revela o meio simbólico e as forças internas
que estão em jogo em ambos os mundos. A astrologia diz ao mago sobre sua natureza
simbólica básica, o porquê de algo ter ocorrido no passado e também o que pode
potencialmente ocorrer no futuro. Ela diz ao mago quando agir e o que o mago pode
esperar de qualquer ação mágica ou mundana. A divinação psíquica funciona como os
olhos e ouvidos do mago e a astrologia é seu relógio e calendário.
Práticas Religiosas ou Espirituais

O mago funciona, acima de tudo, como um sacerdote do seu próprio culto


religioso. Esse culto religioso pode estar totalmente imerso em uma religião tradicional
ou pode estar completamente separado e distinto – algo em si. As práticas religiosas ou
espirituais são uma atividade importante na prática da magia ritual porque ela
estabelece uma relação profunda e forte entre o operador e o domínio dos espíritos e
da magia. Elas também estabelecem a base da crença e a expectativa para o trabalho
ritual mágico, além de elevarem a dimensão espiritual dos praticantes individualmente,
fazendo-os capazes de trabalhar efetivamente rituais mágicos que podem realmente
muda-los internamente e alterar suas circunstâncias materiais. Sem esse tipo de
condição e capacidade, um indivíduo acharia difícil performar rituais mágicos com
qualquer sinal de sucesso.

Se o mago usa uma religião tradicional como sua base espiritual, então ele deve
aderir, com razão, aos princípios dessa tradição. Se um mago cerimonial pratica o
Cristianismo, ou até mesmo o Catolicismo, então ele deve lidar com a dissonância
cognitiva que acompanha a realização do que seriam consideradas práticas ou crenças
prescritas ou mesmo proibidas (um caso pior seria o mago secretamente atuar como um
apóstata ativo daquela tradição religiosa, nesse caso, um satanista).

Adotar uma tradição religiosa faz mais sentido quando se pratica magia dentro
de uma religião, ou se escolhe uma religião mais esotérica, ocultista ou
progressivamente inclinada. Nas épocas anteriores, magos incorporavam os serviços de
um sacerdote para consagrar ferramentas mágicas, talismãs e vestimentas, ou eles eram
capazes de fornecer essa habilidade, porque eles tinham autoridade para sacralizar
objetos. Contudo, um mago que opera fora de uma religião tradicional ou que organizou
seu próprio culto religioso e que funciona como um prelado dentro dessa seita tem a
melhor de todas as opções na prática da magia ritual. Eles podem fazer isso sozinhos
baseados em sua própria autoridade religiosa.

As práticas religiosas e espirituais têm alguns objetivos que se tornam repertório


de uma prática básica de magia ritual.

O primeiro objetivo é elevar a autoimagem para que a pessoa seja capaz de


estabelecer a crença crível e a confiança de que ela pode realizar rituais mágicos que
produzam resultados efetivos. Desse modo, a pessoa assume e se torna a persona de
um mago com todas as práticas associadas e expectativas. Isso significa que o indivíduo
sofre de alguma mudança ou transformação básica que permite que o fenômeno
paranormal ocorra, e isso colore a maneira como ele percebe a si mesmo e o mundo a
seu redor. Autodesenvolvimento de um tipo particular, como práticas meditativas, yoga
e controle da respiração podem ajudar a construir uma base; mas em algum ponto o
antigo mago deve adotar a persona de um mago praticante.

O segundo objetivo é estabelecer uma fronteira artificial entre um mundo que é


definido pela magia e outro que é definido como lugar-comum ou mundano. No mundo
material, que é efetivamente definido pela ciência, a magia não tem nenhuma base
factual, mas no mundo definido pela magia, há poderes e forças subjetivas que podem,
de fato, fazer com que o mago e seu mundo mudem, no entanto, modesta ou
profundamente, de acordo com sua vontade. Esta fronteira começa com o eu como
definido pela magia e continua, definindo suas práticas, crenças e o equipamento
mágico como sendo separados do mundo material para fazer parte da visão de mundo
mágica.

O terceiro objetivo é definir o eu como um ser espiritual residindo em mundo


definido por espíritos, energias mágicas e exemplares de consciência não definidos pela
ciência ou pela visão de mundo material. Este é, claro, um processo interno que também
causa uma transformação contínua da consciência, onde a definição mágica alternativa
de eu se torna parte essencial do funcionamento desse mundo. Esse processo também
dá ao mago um tipo de autoridade e apoio espiritual para praticar magia, desencadear
poderes metafóricos (que podem ser poderes sutis mas reais, associados à consciência)
e permite a ele se engajar com entidades não corpóreas de variadas definições, como
míticas, simbólicas e metafísicas. O eu também assume uma mítica, simbólica e
metafísica existência, por isso, pode ele pode envolver-se com essas entidades e adquirir
e projetar forças sobrenaturais e poderes simbólicos.

A magia enquanto fenômeno ocupa um lugar na mente definido pela frase


“Como Se” que representa um tipo de operação mental baseada em metafísica e
fantasia. Isso pode ser qualificado como um processo interno de uso de símbolos,
metáforas, mitos e predicados ocultos para causar fenômeno físico real em adição à
expansão e amplificação do indivíduo e da consciência coletiva. O metafórico “como se”
é a base de todas as humanidades, as qualidades e elementos da cultura humana, e até
mesmo as definições, expectativas, crenças e operações de indivíduos, grupos coletivos
e organizações. É, como uma frase, a base para o que significa ser um ser humano
funcional e consciente. Esse fulcro da consciência humana, a suposição da realidade que
existe como a essência do nosso ser, é algo que é usualmente aceito e não tipicamente
desafiado pelos indivíduos dentro das culturas e coletivos humanos. Isso é desafiado e
até mesmo superado pelos esforços de artistas, músicos, poetas, teólogos, magos e
loucos. Os magos usam essa premissa fundamental para construírem suas práticas e
sistema de crença da magia, e as práticas religiosas e espirituais que eles empregam
fazem isso subjetivamente realizados.

Há cinco rotinas básicas que o mago pratica para incorporar práticas e crenças
religiosas na sua prática mágica. Elas são devoção, invocação, assunção de formas-deus,
comunhão (sacralização) e adotar uma rotina quase religiosa. Essas práticas auxiliam o
mago a alcançar os três objetivos básicos e a construir uma prática mágica baseada na
imersão total do mago no mundo do espírito e da magia. Esse trabalho, com o tempo,
faz dele um canal efetivo e árbitro desses dois mundos, quando eles se fundem em um.

Todas essas operações são praticadas não somente pelo benefício de entidades
incorpóreas residentes no contínuo consciente do espírito, mas também para o
benefício do self do mago como um exemplar desse domínio. No culto do mago, é o
próprio mago que é a face e a incorporação do espírito proeminente, transformando-o,
assim, em uma divindade. Assim, essas práticas não só estabelecem uma profunda
relação entre o mago e várias entidades e poderes de dentro do domínio do espírito,
mas elas também estabelecem uma poderosa relação entre o mago e o seu próprio self,
definido como um espírito. É uma forma de auto-adoração ou amor-próprio que age
como o coração ou o centro do culto religioso do mago. Contudo, um self definido como
deidade não é uma amplificação do ego mundano do mago. Através do poder do “como
se”, torna-se um self alternativo que é totalmente espiritual e que reside totalmente
dentro do mundo do espírito e da magia.

Esse self mágico e espiritual alternativo tem uma longa história na prática da
magia, e isso pode ser considerado um tipo de fac-símile do mago, com a ressalva de
que é um ser totalmente espiritual. Alguns dos nomes para tal entidade tem sido
Sagrado Anjo Guardião, espírito familiar, eu superior, sem-cabeça ou inascido, gênio etc.
Alguns, sem dúvida, contestam essa comparação como sendo uma simplificação
excessiva, mas na prática da magia moderna, o espírito mais íntimo é o self (eu) definido
como divindade, independentemente de outras possíveis comparações (eu tenho
debatido isso intensamente em meu livro “Conjuração de Espíritos para Bruxas” [Spirit
Conjuring for Witches, no original], que eu recomendo).

Devoção: essas são as práticas que identificam e estabelecem um


relacionamento entre várias entidades, sejam elas deuses, semideuses, anjos,
demônios, espíritos aéreos, terrestres ou ctônios. Elas consistem em fazer ofertas e
mantendo um tipo de relação atenta e próxima com aquelas entidades que formam uma
parte integral do mundo religioso e espiritual do mago. As ofertas podem consistir de
qualquer combinação de comidas e bebidas, incensos, velas, poemas, sons e músicas.
Essas ofertas são oferecidas exclusivamente aos espíritos e não são compartilhadas com
outros humanos. Incluídas nessas práticas estão as devoções que focam no mago
enquanto divindade, que naturalmente recebe uma parcela um pouco maior de
atenção, como parte do amor-próprio, da auto-adoração e da auto-devoção associada
ao culto. A razão da auto-devoção é que o self [eu] como divindade representa o pino
de lincha para a prática da magia ritual.

Invocação: essa é a conjuração ou chamada de espíritos aliados para aparecerem


e assistirem o mago. A invocação pode incluir tocar um sino ou bater um gongo, tocar
uma flauta, cantar, bater as mãos ou usar tipos específicos de músicas gravadas para
chamar a atenção da entidade a ser invocada. A invocação pode ser dita em línguas
apropriadas (preferencialmente as mortas) ou em várias palavras bárbaras de poder e
mistério (verba ignota). A invocação pode ser feita a qualquer entidade ou grupo de
entidades, divindades ou espíritos locais, e serve para objetificar verbalmente a relação
entre o invocador e o ser invocado, assim como estabelecer as autoridades e credenciais
do mago que está fazendo o chamado. Uma invocação apropriada é usada em base
regular e periódica para manter reflexivamente as conexões entre o mago e seus
espíritos aliados escolhidos.

Assunção de formas-deus: esse é um dos mais importantes ritos que um mago


cerimonial pode praticar. Ela é usada para manter a tão importante conexão entre o
mago e o seu self enquanto divindade. A partir do momento em que defino a magia
cerimonial como o mecanismo de realizar operações mágicas sob a suposição de uma
divindade, se seguiria que praticar regularmente a assunção de formas-deus do self
enquanto divindade é uma prática espiritual preeminente. Esse rito representa um grau
variado de imersão divina, da completa imersão de consciência e assunção aos graus
menores de imersão, onde o mago ainda está funcionando como um eu mágico distinto
do seu eu divino. Se o mago não é religiosamente politeísta, então este rito seria
substituído por imersões periódicas em uma prática religiosa piedosa e devoção
profunda a uma única Divindade, no caso da fé monoteísta. A assunção de formas-deus
seria uma variação reduzida da operação de Abramelin, e muitos grimórios antigos
discutem um período de devoção piedosa e profunda que é requerida antes de praticar
qualquer operação mágica (acredita-se que os sacerdotes católicos assumem a persona
espiritual de Cristo enquanto realização a consagração da hóstia e do vinho na missa,
portanto, é possível realizar um grau dessa assunção dentro da prática cristã).

Comunhão (sacralização): uma vez que a assunção da divindade é estabelecida,


então os objetos que são usados na magia podem ser abençoados e carregados com o
poder e autoridade daquela divindade, um processo chamado consagração. É o método
de materializar o poder e o ser daquele espírito através da operação mágica de contágio.
Essa é uma prática muito antiga onde um sacerdote devidamente eleito ou um
representante da deidade abençoe e separa um objeto material para propósitos
estritamente espirituais. A comunhão é primariamente usada para estabelecer uma
conexão material entre o celebrante, os congregados (se tiver algum) e a divindade
focalizada, seja essa divindade uma tradicional ou uma representação híbrida do mago.
É aqui que o sal, a água, o vinho ou a cerveja, o pão ou a carne são consagrados para
consumo compartilhado. É aqui que, também, onde as vestimentas, as ferramentas, e
os talismãs são carregados, óleos, perfumes e pomadas são carregados de poderes, e
locais e indivíduos são santificados e abençoados.

Enquanto a assunção da divindade e a invocação são usadas para contatar e


assumir uma entidade espiritual, o rito de comunhão é onde a entidade assumida usa
seus poderes e autoridade para transformar objetos materiais simples em substâncias
sagradas e em relíquias mágicas. A variação mais elaborada desse rito é a missa mágica,
que é usada para facilitar a assunção da divindade, para produzir substâncias
sacramentais, para capacitar e sacralizar um local para a prática da magia, e para
carregar e abençoar instrumentos mágicos. Também pode ser usado para abençoar e
curar indivíduos ou grupos de certas doenças físicas ou psicológicas. No sistema de
magia cerimonial que eu pratico, a missa mágica é o rito fundamental e o cerne que é
usado para trabalhos maiores.

Disciplina religiosa: essa é a prática ordenada e regulamentada das quatro


atividades acima (bem como as outras práticas que o mago adota) para formar um
calendário cíclico de atividades religiosas, uma parte importante do culto pessoal do
mago. Um calendário religioso e mágico sobrepõe-se ao calendário mundano com
definições espirituais e mágicas, qualificando, assim, as horas e os dias seculares do ano.
Isso marca alguns dias como sendo intrinsecamente mais importantes do que outros
para o trabalho mágico.

Esse calendário cíclico é tipicamente baseado no ciclo diurno do dia e da noite


definido pelas horas planetárias, a passagem mensal da lua pelas suas fases e a
passagem anual do sol pelas suas mudanças sazonais. Os dias da semana também são
baseados nos sete planetas dos antigos (como as horas planetárias) e mede a progressão
da lua através de suas fases infinitas. O ciclo lunar é melhor representado pelo que é
conhecido na astrologia como o ciclo de lunação, onde as fases da lua são quebradas em
oito divisões. Um ciclo lunar é muito importante para a maioria das formas de trabalho
mágico, e esse trabalho é melhor programado se baseado nos estágios lunares do ciclo
de lunação. O ciclo solar é melhor representado pelos solstícios e equinócios e também
pelos pontos médios entre cada estação representando o ponto maior para cada uma
das quatro estações (primavera, verão, outono e inverno). O ciclo solar pode ser
conceituado como uma roda giratória do ano com oito raios, que foi a base dos antigos
calendários litúrgicos-religiosos dos antigos politeístas na antiguidade e depois
apropriados (e muito simplificados) para os modernos bruxos e pagãos.

Muitos calendários religiosos são vagamente baseados nesta estrutura básica,


embora as religiões tradicionais também ofereçam celebrações comemorativas e outros
dias sagrados com estilo histórico. Magos tem usado esses dias em seus calendários
cíclicos para representar dias que são especiais e considerados auspiciosos para
operações mágicas, e o calendário cíclico é ainda muito importante para o trabalho
mágico porque ele busca sacralizar o próprio tempo. De fato, o calendário litúrgico
católico, assim como o serviço litúrgico por hora, foi usado pelos magos da Idade Média
e da Renascença como parte da disciplina religiosa mágica incorporada pelos magos
cerimoniais.

Performance estratégica de rituais e cerimônias

Tendo adotado uma disciplina religiosa, o mago também deve praticar a magia
ritual de maneira periódica e regular, desenvolvendo ao longo do tempo uma disciplina
mágica. Um mago deve praticar as categorias de autodesenvolvimento (particularmente
o trabalho meditativo), de divinação e de práticas mágicas para construir uma base para
o trabalho mágico. Contudo, esse trabalho se torna um processo em evolução de
adquirir conhecimentos rituais cada vez mais complexos, profundos e envolventes. Isso
também é válido para as outras práticas. Um mago começa com trabalhos mágicos
simples e evolui para operações mágicas cada vez maiores. O foco e o objetivo dessas
operações mágicas também mudam e evoluem com o passar do tempo. Um mago
iniciante tipicamente foca em suas necessidades básicas, como objetivos materiais e
sociais como dinheiro, carreira, auxiliar o processo de cura (ou curar os outros), começar
ou construir novos relacionamentos, expandir a sua influência pessoal, ganhar valioso
autoconhecimento e, finalmente, completar sua auto-maestria.

Um mago aprende através da acumulação de sucessos e fracassos, ambos


mágicos e mundanos. Ele também descobre que algumas coisas não podem ser
mudadas ou evitadas, e que acidentes podem ocorrer e ocorrem. Magia é algo que o
mago só pode aprender através da prática, e, como qualquer habilidade, quanto mais
ele pratica, mais habilidoso e capaz ele será. Vários livros e materiais podem ajudar e
tornar-se fontes de apropriação criativa ou adoção tradicional. Praticar muito magia ao
longo do tempo começa a mudar o mago de várias maneiras. Embora sutil a princípio, o
poder da magia impacta profundamente o ser interior do mago e o seu ego, fazendo
com que ele se torne cada vez mais mágico e espiritual enquanto mantêm um domínio
do mundo material, o caminho da verdadeira auto-maestria.

Os passos que o mago toma rumo à maestria da arte mágica pode variar, e
também pode depender se o mago pertence a alguma tradição mágica ou se é um
praticante autodeterminado e eclético. Contudo, esses são os passos que eu creio
representar o processo pelo qual um mago domina sua arte.
1. Magia básica (também conhecida como Baixa Magia): encantamento (para
objetivos simples ou complexos), desenvolvendo uma prática mágica,
usando tropos básicos para adquirir bens materiais e expandir suas
oportunidades materiais, magia de sigilos, hoodoo, encantamentos mágicos
folclóricos (bonecos, compostos de ervas, minerais, pedras, artefatos
humanos/animais etc.), divinação baseada em insights, probabilidades
causais de desdobramento e dobra. Curiosamente, a magia básica nunca é
completamente descartada até que se alcancem níveis mais elevados de
consciência e ela não seja mais relevante.
2. Magia Elemental: trabalhar com as estruturas energéticas da magia,
projeção de energia mágica, conjuração básica de espíritos, trabalhos básicos
com deidades, estruturas mágicas quádruplas, óctuplas etc. Trabalhar com
espíritos da terra e espíritos locais. Magia de sigilos avançada (conectada ao
trabalho energético elemental) e o uso de ferramentas
carregadas/consagradas, talismãs, ervas, elixires, relíquias, medicinas e
pedras (lapidaria mágica). A magia elemental é uma extensão da magia
básica, e elas compartilham muitas das mesmas crenças básicas e práticas.
3. Magia Planetária e Astrológica: trabalhar com os signos planetários e
astrológicos, símbolos, qualidades, inteligências planetárias e espíritos,
anjos, arcanjos, espíritos olimpianos e divindades planetárias. Magia
talismânica é um dos primeiros focos desse tipo de magia, e construir,
carregar e consagrar relíquias planetárias nessa prática. O mago usa técnicas
passivas ou ativas para, astrologicamente, carregar talismãs planetários ou
astrológicos. O mago também pode empregar vários espíritos como agentes
para fazer o mesmo tipo de trabalho, ou usar uma combinação de talismãs e
espíritos. Ao adicionar os 7 planetas, os 12 signos zodiacais e os 4 elementos
(juntamente com um signo unitário) para produzir os 22/24 caminhos
mágicos do modelo da Árvore da Vida, é realizado um abrangente sistema de
trabalho mágico que liga esta magia ao coletivo unificado conhecido como
Qabalah. O mago também pode unir o simbolismo elementar, planetário e
zodiacal com o do Tarô, produzindo assim um sistema abrangente de magia
baseado na extensa simbologia dos arcanos maiores e menores do Tarô. Essa
metodologia une a adivinhação e a magia em um todo perfeito.
4. Magia Evocatória: trabalhar com as várias hierarquias de espíritos para
envolver, convocar e projetar no mundo material as inteligências,
autoridades e poderes dos vários espíritos. Métodos tradicionais, como
aqueles descritos nos grimórios de épocas anteriores, bem como a
apropriação e até a invenção de novos sistemas e métodos para conjurar
espíritos e estabelecer um mecanismo para eles impactarem diretamente o
mundo material para cumprir os objetivos postos em movimento pelo mago
cerimonial é o foco desse trabalho.
Incluída nessa prática está uma escatologia baseada na concepção xamânica
de três mundos espirituais conectados ao mundo material através de uma
série de portais de entrada protegidos e elevados (protegidos por um
guardião do portal) e caminhos espirituais (caminhos fantasmas) que cruzam
os níveis dos mundos do espírito e os mundos correspondentes da
humanidade. O mago se esforça para aprender a sentir, ver e ouvir os
fenômenos sutis do domínio dos espíritos e das entidades que nele residem.
O foco desse trabalho é combinar o culto religioso do mago com o seu
trabalho mágico para construir um santuário interno consistindo de espíritos
evocados e ativados que emanam do núcleo sacro do mago (complexo do
templo) e projetados através do mundo material em geral. Essa é a base do
trabalho mágico conhecido como a Arte de Armadel.
Esse tipo de magia também requer do mago a habilidade de mudar de nível
de consciência, de modo a permitir que ele entre e retorne de viagens
conscientes dentro do domínio do espírito, a fim de ele se envolver, negociar
e estabelecer relações com todos os vários espíritos ativos nesse mundo. As
práticas religiosas são a chave para construir uma hierarquia de
alinhamentos espirituais e para mantê-los durante toda a prática dessa
magia.

5. Magia Qabalística: esse sistema de magia é focado em construir um arranjo


organizado e estruturado para todos os símbolos e elementos da magia,
produzindo, assim, uma série unificada de tabelas (correspondências) e listas
hierárquicas, relacionando tudo a tudo mais. Adicionando a simbologia dos
elementos, dos planetas, o zodíaco e o Tarô, visa amarrá-los à enumeração
de um alfabeto, onde as letras são associadas a números e, quando elas são
adicionadas, correspondem a símbolos ocultos e mágicos, produzindo um
sistema onde o texto sagrado se torna uma poderosa expressão mágica
simbólica.
O fundamento da magia Qabalística e de suas práticas ocultas associadas é o
poder e a potência dos textos sagrados, representando a base literária
sagrada de uma tradição mágica religiosa em que as palavras originam a
matéria – o pensamento se torna forma, e a forma estabelece a substância.
Essa relação entre as palavras (pensamentos) e as formas (matéria) é descrita
como um modelo onde uma topologia hierárquica baseada em números
representa ondas de emanações criativas, começando com a mais unitária
essência e produzindo, finalmente, as várias camadas de evolução,
resultando na formulação grosseira de todas as formas físicas. Isso é
representado por um modelo simbólico compreensivo (como a Árvore da
Vida) que constrói um sistema unificado de metafísica e simbolismo. Como
escatologia, contém todos os elementos religiosos, místicos e mágicos e dá-
lhe uma causa, uma localização estrutural e uma resolução final ou destino.
A fonte de todas as estruturas mágicas e simbologias pode ser encontrada
nos escritos sagrados associados à tradição religiosa básica (hebraica:
Tanakh; grega: Novo Testamento; arábica: Alcorão; sânscrita: Vedas; cóptica:
escritos gnósticos; inglesa: Livro da Lei etc.) e as diferentes formas de
correspondências entre letras e números produzem a teia e a trama de um
mundo material espiritualizado. Perceber e operar magicamente e
misticamente através de uma visão de mundo sacralizada é o principal
objetivo da magia Qabalística. Uma vez plenamente realizado e atualizado, o
mago pode manipular simbolicamente qualquer elemento material ou
espiritual dentro dele para causar mudanças no mundo material. Tal modelo
atualizado permite uma correspondência direta entre representações
simbólicas e até físicas através do poder deste sistema e de seu mapeamento
associado.
6. Magia Teúrgica: esse sistema de magia se concentra na transformação do ser
individual, onde a pessoa se torna o receptáculo e o instrumento do foco da
divindade intrínseca que tudo permeia, infundindo o mundo da consciência,
que também está totalmente imbuído de matéria. O propósito da teurgia é
reparar a divisão corpo-mente e eliminar a dualidade dentro da existência
consciente normal, fazendo disso um estado permanente. O trabalho da
teurgia é elevar a mente para que formas superiores de consciência (como
vários estados de unidade e místicos) sejam fundidas no estado mundano do
ser. Isso faz com que todas as diferenças entre a divindade e a consciência
individual sejam lentamente apagadas.
A magia teúrgica consiste em trabalhos mágicos que mudam a definição
essencial de self, de modo que ela possa ser expandida para incluir o estado
não-dual da consciência divina; é onde o transcendental se materializa na
realidade existencial do mago. Esses são os tipos de trabalho em que o
adepto se envolve completamente, mas somente após as outras cinco áreas
de maestria mágica são preenchidas de alguma maneira ou forma. Portanto,
o mago já passou pelos cinco elementos de uma prática mágica e dominou
os domínios materiais e religiosos de sua existência e alcançou o pleno
despertar do seu ser consciente.
Os trabalhos mágicos práticos que tipicamente fazem parte da magia
teúrgica são provas intensas e transformadoras, que mudam sua vida, e que
alteram e remodelam permanentemente o ser consciente do indivíduo.
Provações representativas que podem ser usadas nessa metodologia mágica
podem consistir nos ritos e práticas associados ao trabalho de Abramelin, o
trabalho de Invocação do Inascido, o trabalho do Portae Lucis, e muitos
outros tipos de trabalhos que se esforçam em realizar o self transformado
em divindade. Tais trabalhos, quando praticados seriamente em graus cada
vez maiores de evolução consciente, juntamente com rigorosas práticas
religiosas e místicas, produziriam, em última instância, um indivíduo
completamente desperto ou esclarecido, que possuiria um estado elevado
de percepção consciente não-dual. Enquanto os outros cinco níveis poderiam
demorar anos ou décadas para alcançar a maestria, a teurgia leva uma vida
inteira para se dominar, isto é, se alguém é capaz de dominá-la ao longa de
sua vida. Poucos conseguiram atingir esse objetivo.
7. Magia taumatúrgica: se alguém assumiu completamente a divindade e
reside naquela encruzilhada unitária da consciência divina e mundana
completamente desperta, então toda e qualquer ação ou mudança material
afetada por esse ser seria, em essência, uma ocorrência paranormal de
profundas transformações que mudam o mundo. Isso também pode ser algo
que está além da percepção consciente dos seres humanos normais. Aqueles
que alcançaram a iluminação total disseram que ela é fundamentalmente
importante e também sem importância. O fato de ter mudado a pessoa que
passou por ela é indiscutível, mas ela normalmente não altera as
circunstâncias imediatas da vida, nem altera os telespectadores que não são
capazes de testemunhá-la ou percebe-la. Aquele que atingiu esse nível de
autodomínio ainda é um ser humano vivendo uma simples, mas exemplar,
vida mortal no mundo material, mas quando um indivíduo iluminado procura
mudar o mundo, ele se transforma para sempre.
Possivelmente, a decisão mais significativa que um ser totalmente iluminado
pode tomar é decidir se deve fazer mudanças no mundo ou não. Aquele que
atingiu esse nível de consciência terá que determinar se o mundo precisa
mesmo mudar. Um ser iluminado pode decidir comunicar esse conhecimento
a um pequeno grupo eleito para preservar sua mensagem integral, e esse
grupo comunica-la, então, ao mundo. Ele também pode decidir, por
quaisquer motivos, não tentar tal comunicação e decidir viver uma vida
reclusa. Enquanto muitas formas de magia, da mais simples à mais avançada,
procuram mudar o mundo em conformidade com a vontade do mago, só o
impacto de uma consciência unificada à divindade que pode mudar
completamente o mundo em que vivemos. Nossa história tem dentro de si
muitos indivíduos singulares, grandes e humildes, que alcançaram uma
consciência mais elevada e procuraram usar essa percepção exaltada para
mudar o mundo para o bem. Todos os mestres espirituais, avatares, ou
arhats, alcançaram esse estado, e muitos, como Buda, o usaram como um
ponto de apoio para mudar o mundo. Esse tipo de ato compassivo, altruísta
e abnegado de mudar o mundo para aliviar seu sofrimento e unir as pessoas
seria considerado a forma mais verdadeira de taumaturgia. Eu também
acredito que nossa nação poderia usar alguns dos ensinamentos iluminados
(dharma) e da magia taumatúrgica para limpar as feridas da nossa aparente
divisão política e nos curar das doenças da ilusão e da dissolução.

Disciplina Mágica e o Processo Místico

Uma disciplina mágica não é nada mais, nada menos que uma prática consistente
e regular de autodomínio (meditação), divinação, práticas religiosas e práticas mágicas,
trazendo todas essas atividades para um todo transparente que representa a base das
atividades com as quais o mago cerimonial se envolve. Uma disciplina mágica muda com
o passar do tempo, e, às vezes, é um regime muito ocupado, principalmente quando ele
é estabelecido pela primeira vez. Com o tempo, contudo, devido à natureza das
mudanças na vida de alguém e a uma complexa existência no mundo pós-moderno, uma
disciplina mágica pode se tornar menos ativa, ou até mesmo temporariamente inativa.
Isso é particularmente verdade quando um mago pratica há muitos anos e construí uma
disciplina mágica bem ajustada e então ele experimenta alguma mudança importante
na vida que sobrecarrega, temporariamente, aquelas práticas regulares e periódicas. A
vida é complexa e maioria das pessoas têm carreiras e família que eles têm que
equilibrar com seus trabalhos mágicos. É raro que um mago viva apenas para praticar
magia, e, em alguns casos, eu consideraria isso pouco saudável. Sem uma vida social e
uma presença na comunidade em geral, um mago teria pouco ou nenhum efeito no
mundo ao seu redor, e suas mudanças internas poderiam ser facilmente formas de
ilusão, em vez de qualquer tipo de evolução consciente.

Portanto, é importante construir uma disciplina mágica cedo na prática mágica,


e desenvolver hábitos positivos e construtivos para que os vários níveis da disciplina
sejam trabalhados de forma balanceada. Todavia, com o tempo, uma disciplina mudará,
às vezes tornando-se profundamente internalizada, de modo que seja um processo
contínuo, porém silencioso, sem quaisquer ações ou manifestações externas.

É nessa hora que algo está ocupando o tempo do mago, como trabalho, família,
relacionamentos, lidar com nascimentos, doenças ou com a morte de alguém próximo
a ele. Esses acontecimentos acabam absorvendo todo o tempo disponível e os recursos
emocionais que o mago tem que poupar. A vida acontece, mas também é dever do mago
encontrar tempo e lugar para restabelecer a disciplina mágica, mesmo que isso
signifique fazer apenas algumas coisas esporadicamente por um tempo. Uma disciplina
estabelecida e internalizada tem uma vida própria, e a psique do mago continuará a se
engajar em um processo mágico mesmo quando ele não estiver envolvido. Se um mago
pratica avidamente ou se tem um período de dormência, o estabelecimento de uma
disciplina, desde cedo, ajudará o mago a enxergar durante esse tempo de ocupação ou
de quietude.

Isso nos leva a discutir aquele outro fenômeno na magia que eu chamei de
“processo”. Isso é, na verdade, um tipo de ocorrência mágica pois isso representa a base
psíquica do mago. Este é o ser consciente do mago como ocorre em um momento e em
um lugar específicos. Uma vez afetado pelo estabelecimento de uma disciplina mágica,
o ser psíquico interno de uma pessoa começa a passar por um processo de evolução
consciente. Pode até perceber sem que a pessoa perceba, mas, com o tempo, o
“processo”, como eu o chamo, começa a impactar o self [eu], levando o mago cerimonial
praticante a experimentar um maior grau de estados transcendentais e um gradual
auto-despertar.

Visões e sonhos podem ocupar a pessoa por um período, mas com o tempo,
estes se esclarecem para revelar o mundo como ele realmente é, ao invés de como a
pessoa imagina que ele seja. Em outras palavras, nós começamos a acordar do nosso
estado onírico ilusório e constante. Nós começamos a ver nós mesmos como nós
realmente somos e o mundo a nossa volta como ele realmente é. Nós vemos aqueles ao
nosso redor e as circunstâncias de suas vidas e nós entendemos completamente o que
está realmente acontecendo. Nada é embelezado para o mago desperto, e toda ilusão
está finalmente morta.

Esse evento, se ocorrer, é parte de um processo muito longo; mas à medida que
o eu se torna cada vez mais desperto, ele guia a pessoa a ter muitos mais momentos de
autoconhecimento e de realização profunda. Na verdade, essas descobertas começam
a guiar as ambições do mago, determinando ativamente sua direção para a pesquisa e
o tipo de magia que ele empregará.

Os buscadores são guiados por suas próprias descobertas e realizações, que, por
sua vez, os levam a pesquisar, construir e realizar novos trabalhos mágicos, que
desencadeiam descobertas e realizações ainda maiores. Esse é um processo circular, ou,
de fato, uma espiral em evolução que começa no nível mais básico de existência e se
ramifica para o mais abstrato e transcendental. É o “processo” que nos leva
conscientemente a evoluir, a procurar, a conhecer, a ousar e então tentar comunicar o
que foi descoberto. O processo místico é o coração da magia, então eu dei a ele o lugar
metafórico como o verdadeiro tronco da árvore mágica que é a prática do mago.
Tradição x Ecletismo

Há muitas tradições mágicas no mundo atualmente, e algumas delas bastante


válidas, outras nem tanto. Uma tradição mágica supostamente terá todo o
conhecimento e todas as respostas para as perguntas que qualquer estudante possa ter
para que, em última análise, atinja o grau mais alto possível dentro dessa organização.
Esse é o ideal declarado de uma tradição. Contudo, minha experiência diz que até
mesmo a mais compreensiva tradição só ajudará a pessoa a alcançar a maestria
associada aos cinco níveis da prática mágica. Para alcançar a maestria nos dois níveis
mais altos é requerido do mago trabalhar fora de qualquer tradição, visto que esses
caminhos são obscuros e altamente individuais.

Uma tradição tem seus benefícios na organização social e no coletivo de


indivíduos praticando em todos os níveis de seus ensinamentos. Um grupo social de
iniciantes, iniciados e adeptos que pratiquem sua arte juntos regularmente pode ser um
tremendo presente ao estudante iniciante, uma vez que isso o ajudaria a estabelecer
sua disciplina mágica e iniciar rapidamente o processo místico em sua psique.
Estabelecer hábitos arraigados dentro das práticas de autodomínio, adivinhação,
práticas religiosas e práticas mágicas seria um objetivo ideal para um grupo de magos
praticantes operando dentro de uma tradição. No entanto, existem outras armadilhas
em potencial que poderiam tornar tal solidez uma barreira para realizações mais
elevadas.

Existem tradições mágicas tradicionais que são comandadas por uma hierarquia
rígida baseada em membros com um currículo estático, e algumas delas podem
reivindicar um pedigree de décadas, se não séculos. Outros tipos de organizações são
reconstruções de tradições antigas, como a kemética (Egito Antigo), grega, romana,
helenística (neoplatônica), celta ou similares. Todas essas tradições foram, em algum
momento, criadas por um indivíduo ou grupo, reconstruídas usando vários textos
arqueológicos ou artefatos (e preenchendo de forma criativa as partes questionáveis),
mas o ponto é que não existe uma única organização que possa se gabar com precisão
de ter um pedigree ininterrupto que remonte à antiguidade. Elas foram todas
construídas em algum ponto, e a maioria delas bem recentemente.

Minha opinião é que qualquer organização, seja qual for sua fonte ou história,
desde que seja administrada de maneira democrática, com posições de liderança
rotativas, será um ótimo lugar para começar. Aquelas organizações que são menos
democráticas ainda podem ajudar e ser úteis, desde que haja verificações e balanças de
algum tipo no estatuto operacional. No outro extremo do espectro existem alguns
grupos que são comandados por uma espécie de ditadura de chifre de estanho (benigna
ou não) com uma hierarquia endurecida e fixa, sem freios e contrapesos e um
conhecimento estático, e estas devem ser evitadas a todo custo. Qualquer que seja o
valor do seu suposto conhecimento ou a impressionante linhagem histórica que eles
clamam possuir, uma rígida e inflexível hierarquia é uma estrutura organizacional ruim.
Eu também aconselharia o estudante a evitar qualquer grupo que afirma ser dirigido por
alguma organização interna secreta, como mestres ascensionados ou mestres
avançados, pois é muito mais provável que eles sejam fraudulentos e obscurecem sua
exploração feia por trás de algum elevado edifício místico. Qualquer organização que
não pode funcionar como uma democracia com pesos e contrapesos em seus estatutos
sociais deve ser evitada, uma vez que é provável que eles estejam envolvidos em
negligência social que não beneficiará o iniciante ou o recém-iniciado.

Grupos de magos, sejam avançados ou iniciantes, são, antes de tudo, apenas


pessoas. Eles trazem duas virtudes e falhas para suportar dentro grupo, e se qualquer
um dos mais falhos entre eles se tornar líder ou professor, todo o grupo sofrerá ou
mesmo entrará em colapso. Embora seja bom ter um grupo de iguais para examinar suas
ideias, ler seus diários mágicos, inspecionar seus ritos e ferramentas e fazer críticas
construtivas sobre o que você está fazendo, isso também pode se tornar uma situação
em que você está vulnerável a ser explorado por outros cujas motivações e propósitos
não são objetivos nem compassivos.

Tenho experimentado com demasiada frequência a crítica de outros magos cujas


ações passivo-agressivas ocultavam o seu verdadeiro desejo de me ferir ou frustrar de
alguma maneira. Aprendi com o tempo a me certificar de que o árbitro final de qualquer
crítica ou instrução que eu receba seja eu mesmo. Como eu não estou muito aberto a
ser colocado em um papel de subserviência por adivinhos ou falsos mestres, eu me
tornei um candidato pobre para qualquer organização tradicional que opere dentro de
uma hierarquia estática. É provavelmente por isso que eu tenho sido principalmente um
mago que se fez sozinho, embora tenha sido influenciado por opiniões, descobertas e
percepções partilhadas por outros, seja por outros autores, familiares, amigos ou
colegas magos.

Isso me leva a discutir a outra direção possível, e esta é abordar o estudo da


magia sem recorrer a uma organização mágica tradicional. Este é um caminho mais difícil
de ser seguido, e mesmo quando se está sozinho, é importante cultivar outros no
caminho mágico e conseguir uma certa quantidade de revisão pelos seus pares.
Socializar com outros magos é algo bom a se fazer, mas isso não significa que você tem
que se unir a um grupo e, em seguida, passar pelos obstáculos que eles determinaram
serem importantes, para que você descubra depois que o que eles estavam fazendo não
era o lugar para onde você queria ir. Autodeterminação tem muitas recompensas, mas
também muitas armadilhas. Ainda assim, enquanto você mantiver contato com outros
magos para evitar os obstáculos de trilhar um caminho insular, então seguir sozinho não
o deixará perdido nem o levará à ilusão. Magia só deixa as pessoas loucas que já eram
loucas para começar.

Eu escrevi esse artigo baseado no que eu mesmo fiz. Concorda, mais ou menos,
com o que outros grupos mágicos tradicionais determinaram ser o regime básico de
estudo e prática. Adicionalmente, há uma riqueza massiva de informação sobre a prática
de magia, tanto nos livros quanto na internet. Nós vivemos em um tempo de enorme
volume de informações sobre a teoria e prática de magia ritual, e tudo o que é requerido
é desejo e vontade de buscar essas informações e aplicá-las de maneira estruturada,
ordenada, racional e regular. A expectativa seria que você fizesse isso por um período
de vários anos apenas para desenvolver uma disciplina mágica e energizar seu próprio
processo místico. Se você seguir sua disciplina mágica e seu processo místico,
encontrará seu próprio caminho dentro da miríade de trajetórias de vida possíveis, sem
ter que abrir mão de sua integridade e autodeterminação para alguma organização ou
grupo.

Frater Barrabas.

Notas:

¹ https://fraterbarrabbas.blogspot.com/2013/09/basic-elements-of-ritual-magick.html

² https://fraterbarrabbas.blogspot.com/2013/07/further-thoughts-about-astral.html

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