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Faculdade de Direito do Largo São Francisco

Departamento de Teoria Geral e Filosofia do Direito


DFD 0212 - Lógica e Metodologia Jurídica (Estudos Supervisionados)
Prof. Dr. Lucas Fucci Amato

Vitor Alessandro Silva Pereira (nº USP 8015032)

Fichamento 5 - Capítulo 5: “Universais e Particulares”

No capítulo 5 de Retórica e Estado de Direito, Neil MacCormick investiga as razões


que fundamentam a tomada de decisões judiciais, especificamente no que elas têm de
“particular”, “geral” e “generalizável”. De acordo com as teorias particularistas, a tomada de
decisões exige que sejam sopesadas as razões particulares, encontradas entre as
circunstâncias do caso concreto, sendo que proposições universais podem ser induzidas
dessas razões particulares, de maneira que possam ser aplicadas a outros casos, mas em
qualquer julgamento deve prevalecer uma abordagem focada nas razões particulares do caso.
O autor se declara avesso às teorias particularistas, na medida que considera a
universalização das razões particulares como algo fundamental para a argumentação prática
(retórica). Essa visão, de acordo com MacCormick, está em consonância com o princípio do
Estado Democrático de Direito (que, de fato, tem caráter universalista e igualitário). Não
obstante, não nega que as razões particulares também desempenham um papel importante na
tomada de decisões.
Toma-se como exemplo paradigmático para o desenvolvimento da tese de
MacCormick o causo bíblico em que o Rei Salomão é chamado a decidir sobre o direito de
guarda de um bebê que é disputado por duas mulheres, sendo que ambas alegam ser a mãe da
criança. Salomão então saca uma espada e aponta para o bebê, dizendo que a criança deve ser
repartida ao meio e cada parte entregue a cada uma das mulheres. Uma das mulheres, “com
suas entranhas clamando pelo filho”, roga então para que o Rei não reparta a criança ao meio,
e que a entregue à outra mulher. O julgador então determina que a criança seja entregue para
a que clama, pois ela seria a mãe, fato evidenciado por sua súplica fervorosa e priorização da
vida do bebê.
MacCormick argumenta que o Rei foi “sábio”, na medida em que foi capaz de
solucionar o caso de maneira justa e verdadeira. Trataria-se de uma “intuição”, “sexto
sentido” ou “sentido moral” que revelam a decisão certa a ser tomada, quando não há regras
que sejam capazes de fazê-lo. Conclui-se que as regras não são capazes de resolver todas as
diversas e complexas realidades se colocam diante de uma juiz, como o caso Re A (children)
(conjoined twins), decidido pela Court of Appeal of England and Wales, em que os
magistrados são invocados a julgar sobre a legalidade de uma cirurgia que separaria duas
irmãs gêmeas siamesas, causando a morte de uma delas. Acrescente-se que, sem a cirurgia,
ambas pereceriam em pouco tempo. A corte decide então que a cirurgia deveria ser realizada,
com vistas a salvar a vida de pelo menos uma delas, em que pese se estivesse efetivamente,
com essa decisão, condenando a outra menina à morte. Nas justificações da decisão, é
ressaltado o caráter excepcionalíssimo do caso, de maneira que ele não deveria servir como
paradigma que autorizasse médicos a tirar a vida de uma pessoa em favor da vida de outra,
mas apenas e tão somente em circunstâncias - raríssimas - como as que se apresentaram no
caso.
Para tomar essa decisão, foi necessário ir além das normas postas e buscar no caso
particular as razões particulares que pudessem iluminar o caminho para a decisão certa1.
Assim, um outro precedente poderia eventualmente até dar uma solução para o caso em tela,
mas o novo julgamento deveria ser necessariamente tão adequado ao caso concreto quanto o
precedente foi em relação às circunstâncias da situação a que se referira.
MacCormick também analisa como, em alguns casos, temos um certo “desconforto”
com a solução que a regra nos impõe (como se a solução fosse injusta) e buscamos outros
elementos para fundamentar uma decisão diversa, ou mesmo uma interpretação diferente da
mesma regra que viabilize uma decisão mais justa. Esse desconforto leva os juristas do
common-law a afastar a aplicabilidade de um precedente quando sua aplicação causa esse
“desconforto”, passando então a se tratar o caso novo como um que demanda uma visão
“nova e intuitiva”, referindo-se aos próprios elementos particulares do caso; “Cada juiz,
afinal de contas, para estar à altura do cargo, precisa possuir ao menos uma pequena parte
da sabedoria de Salomão”.
Buscando fazer uma análise original, o pensamento de MacCormick me remeteu a
uma noção que tenho há tempos: para determinar a aplicabilidade de uma norma a um caso
concreto, devemos antes investigar a “razão de ser” dessa norma, ou seu “espírito”, para
então entendermos se ela se aplica razoavelmente. Isso porque sua aplicação deve estar em
harmonia com as razões que levaram à criação daquela norma, em primeiro lugar. Ou seja, a

1
“De toda forma, os precedentes podem funcionar apenas como analogias para novas decisões, já que nenhum
conjunto de eventos no mundo pode ser exatamente igual a outro”.
aplicação não deve ser mecânica e “fria”, como entendo que querem os positivistas, mas sim
uma aplicação derivada de uma técnica complexa que leva em consideração não só as “razões
de ser” da norma, mas também a própria moral e a ética, ou mesmo esse “sentido moral” a
que se refere MacCormick, como uma espécie de bom-sendo que otimiza a aplicação do
direito (algo análogo aos próprios princípios, que no entanto são normas). De fato, casos
difíceis/problemáticos sempre exigirão uma intuição ou prudentia que vai além da simples
aplicação de uma norma posta.

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