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Deo Auctore

O Imperador César Flávio Justiniano, Pio Feliz, Ínclito, Vencedor e Triunfador,


sempre Augusto, a Triboniano, seu Questor

Governando com a ajuda de Deus este império a nós confiado


pela celeste majestade, felizmente conduzimos a termo campanhas
militares, conseguimos com honra a paz e consolidamos as
estruturas do Estado: nos dirigimos assim à ajuda de Deus
onipotente, sem depositar a nossa confiança nas armas, nos nossos
soldados, nos generais, no nosso engenho, mas tão somente na
providência da santíssima Trindade, da qual tiveram origem os elementos
do universo e foi estabelecida a sua posição no mundo.

1. De todas as coisas, nada parece mais importante que a autoridade da lei,


que regula as coisas divinas e aquelas humanas e elimina toda a
injustiça; nos demos conta, todavia, de como a série de leis que
ressaem à fundação de Roma e aos tempos de Rômulo se apresenta
confusa, de modo a parecer quase ilimitada e a superar as
normais capacidades de compreensão da natureza humana. A nossa
primeira preocupação foi aquela de tomar em exame as
constituições emanadas por nossos predecessores, de corrigi-las e
torná-las claras e compreensíveis, de modo que reunidas em um só código,
liberadas de todo o supérfluo e das discordâncias, ofereçam a
todos os homens o eficaz auxílio da sua veracidade.

2. Uma vez concluída e publicada tal obra em um só volume,


intitulado com o nosso ilustre nome e liberados assim da tarefa de
menor porte e de menor esforço, voltamo-nos solicitamente à revisão
completa de todo o direito, à recolha e elaboração de todo o direito
romano, a fim de apresentar, reunido em um único código, tudo o que
estava disseminado nos volumes de tantos autores, resultado que
ninguém havia jamais ousado esperar ou mesmo só desejar: até a
nós a tarefa parecia extremamente difícil, até mesmo impossível,
mas, erguidas as mãos ao céu e invocado o auxílio divino,
decidimos afrontar também esta tarefa, confiando em Deus que
pode, em virtude do seu imenso poder, permitir-nos levar adiante tarefas
de fato desesperadas.

3. E, erguendo os olhos a o alto ofício da tua sinceridade,


decidimos confiar a ti este trabalho, recebendo claras provas do teu
engenho no curso da compilação do nosso código, e estabelecemos
que tu escolhesses como colaboradores pessoas de tua confiança,
seja entre os mais qualificados professores de direito que entre os
mais eloquentes advogados do tribunal de Constantinopla. Após o
que estes colaboradores foram convocados e introduzidos no nosso
palácio e a sua nomeação, sobre a tua palavra, foi por nós
ratificada, confiamos a execução da obra sob a tua experiente guia
e iluminada direção.
4. Ordenamos a vós, então, que examineis e reelaboreis as obras
de direito romano dos antigos juristas, aos quais os sacros
imperadores concederam o poder de redigir e interpretar o direito, a fim
de que, deste complexo de escritos, uma vez eliminada toda repetição e
discordância, obtenha-se a obra que sozinha, possa substituí-los todos.
Na verdade, também outros juristas escreveram obras de direito, mas
tais escritos não foram citados por nenhum autor, nem foram
utilizados: não julgamos portanto oportuno tornar pesada a nossa
compilação com a inserção daqueles.

5. Uma vez que todo o material terá sido recolhido com o apoio
da bondade divina, é necessário que este seja elaborado e
organizado muito cuidadosamente e que seja erguido quase que um
venerável templo, consagrado à justiça; todo o material recolhido
deverá ser distribuído em 50 livros e sob títulos determinados,
seguindo como modelo seja a estrutura do nosso código, seja
aquela do edito perpétuo, conforme quanto a vós parecerá mais
oportuno, deste modo nada poderá ser deixado de fora da mencionada
recolha, mas todo o antigo direito, que depositou-se como que por aluvião
no curso de quase 1400 anos e foi por nós selecionado, será
encerrado nestes 50 livros como protegido por um sulco, sem
deixar de lado nada. Todos os juristas gozem da mesma
consideração, sem que a qualquer um sejam reconhecidas
prerrogativas ou preferências: de fato, cada um pode resultar
superior aos outros sob determinados aspectos, mas nenhum é superior
aos demais em absoluto.

6. Não deveis necessariamente seguir, como mais justa e equitativa,


a opinião compartilhada por numerosos autores, considerando que, às
vezes, a tese de um único autor pode resultar mais exata que aquela
condividida por muitos ou mesmo pelos de maior autoridade. Não
deveis, por isso, afastar a priori as observações contidas nas notas
de Paulo, Ulpiano e Marciano a Papiniano, às quais, anteriormente
não era reconhecida nenhuma eficácia, por causa do respeito tributado ao
ilustre Papiniano; ao contrário, se ao vosso juízo qualquer nota vier a
ser útil a integrar ou a interpretar o pensamento do sumo
Papiniano, não indugiais em reconhecer também a esta valor de lei. A
todos os juristas, cujas obras resultarão inscritas neste código, seja
reconhecida autoridade, como se as suas afirmações proviessem de
constituições imperiais ou tivessem sido pronunciadas pela nossa
divina majestade. E por bom direito tudo se transformará em obra
nossa, do momento que toda a autoridade emana de nós: de fato,
aquele que aperfeiçoa o que foi feito com pouco cuidado é digno de
louvor mais do que o autor da obra emendada.

7. Mas, sobretudo, desejamos que vos preocupais do seguinte: caso


encontreis nas obras dos antigos juristas qualquer parte não
perfeitamente colocada, supérfluos ou imperfeições, eliminada toda a
prolixidade, completeis quanto resulta imperfeito e torneis a obra
ordenada e bem estruturada. Ainda uma coisa deveis ter presente, caso
encontrem nas antigas leis ou constituições , que os antigos
inseriram nas suas obras, qualquer parte não transcrita exatamente,
modifiquem e reordenem, de modo que pareça verdadeiro, ótimo e
assim escrito desde o início tudo o que tiverem escolhido e inserido na
presente recolha. E ninguém, fazendo um confronto com os textos antigos,
ouse acusar de falsidade esta redação. Porque em virtude de uma
antiga lei, a assim chamada lex regia, todo o direito e toda a potestas do
povo romano foram transferidos ao imperador, e, de outra parte, nós
não pretendemos dividir este poder com outros legisladores, mas
antes o consideramos exclusivamente nosso, como poderia o antigo
direito revogar as nossas leis? Todas as disposições, uma vez
formuladas e ordenadas, tenham eficácia, ao ponto que, mesmo que
os antigos tenham formulado diversas opiniões com respeito ao que
consta na compilação, não se fale de falsidade, mas se impute isso
a nossa escolha.

8. Portanto, em nenhuma parte do presente código deverá ser


encontrada qualquer antinomia (assim se diz em grego desde a
antiguidade), mas sim uma constante harmonia, uma sucessão lógica tal
que ninguém possa encontrar nele defeitos.

9. Como já afirmado, desejamos que em uma recolha tão completa


não se vejam repetições, e, especialmente, que não se repitam,
quase como se fossem parte do antigo direito, as disposições
contidas nas constituições imperiais recolhidas no nosso código, uma
vez que a autoridade delas deriva da qualidade dos sujeitos que
a emanaram; isso sempre que tal repetição não resulte oportuna
por causa de alguma subdivisão, ou por completude ou maior
clareza. A tal expediente deveis recorrer apenas excepcionalmente, a
fim de evitar dificuldades de outro gênero.

10. Em nenhum caso deveis inserir leis mencionadas nos antigos


textos que já caíram em desuso, mas apenas aquelas aplicadas
constantemente nos juízos e confirmadas pelo longo costume nesta
alma-cidade, tendo presente o que escreveu Juliano, isso é, que
todas as cidades devem aplicar os costumes de Roma, capital do
mundo, e não Roma aquelas de outras cidades. Falando de Roma,
deve entender-se não apenas a antiga, mas também esta nossa
sede imperial, que, agradecendo a Deus, foi fundada sob os
auspícios mais favoráveis.

11. Ordenamos por isso que estes dois códigos sejam considerados
fontes do direito: um contendo as constituições, o outro, todo o
direito extraído e ordenado no código atualmente em preparação; a
este acrescente-se eventualmente, um outro texto que poderá ser
por nós promulgado na forma de Instituições, a fim de que a
mente ainda em estado bruto dos estudantes, introduzida aos
primeiros elementos, possa mais facilmente ser conduzida a um
conhecimento mais aprofundado do direito.
12. Estabelecemos que se atribua o nome Digesto ou Pandectas à
nossa recolha que vós comporeis com a ajuda de Deus: de agora em
diante, a nenhum jurista será concedido de fazer comentários e de
aportar confusão, com a sua verbosidade, à síntese da obra, como
ocorreu em épocas precedentes, quando todo o direito era
constantemente convulsionado devido às opiniões contrastantes dos
intérpretes: poder-se-á apenas fazer advertências mediante sumários e
especificações dos títulos, enquanto a atividade interpretativa não deverá
vir a gerar incertezas.

13. Além disso, a fim de que no futuro não surjam dúvidas e


incertezas por causa da grafia, dispomos que o texto do mesmo
código seja transcrito sem fazer uso das armadilhas que consistem
nas siglas e abreviações misteriosas, que geram em si e por si e
pela sua errada interpretação, muitas antinomias; isto, ainda que se
limitem a indicar o número dos livros ou qualquer coisa de análogo,
não permitimos que se faça uso de siglas especiais, mas desejamos que
qualquer indicação seja feita por inteiro

14. Todas estas coisas se proponha pois a realizar, com o favor


divino, a tua sapiência, junto a dos demais ilustres colaboradores, e de
levá-las a termo solicitamente e com o maior cuidado, a fim de que
este código, uma vez compilado e ordenado em 50 livros, constitua o
monumento grandioso e imperecível de tal tarefa, o testemunho da
onipotência divina e a glória do nosso império e do vosso trabalho.

Dada em 15 de dezembro em Constantinopla, sob o consulado


dos ilustríssimos Lampádio e Orestes (ano 530)

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