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HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS 2º PERÍODO

 
A lei no 2º período da História do Direito Português 
 
O primeiro período é pluralista: há uma pluralidade de fontes do direito e de regras
aplicáveis até início do século XV (Descobrimentos).

A lei. Fundamentação e teorização


1415 - 1820
A lei tem uma importância crescente no quadro das fontes do direito neste período. A
atividade legislativa, cujo incremento a partir de Afonso II já se assinalou, desenvolve-se
sempre progressivamente e de modo a ser possível assinalar uma ​tendência da lei para se
impor a todas as demais fontes jurídicas​.
Tal está de acordo com o alargamento da esfera de ação régia e com o fortalecimento
do seu poder.

O conceito de ​Estado​, introduzido por Maquiavel, surge como realidade e


consequência lógica de ideias e instituições que vinham de trás. O aparecimento deste termo
para designar uma ​entidade política​, juridicamente construída e diversa da pessoa do
monarca em substituição progressiva das expressões anteriores, evidencia bem a ​emergência
de algo específico​. As palavras aparecem depois das instituições que designam.
No século XVI e no século XVII firma-se uma terminologia relativa ao estado - razão
de Estado, secretários de Estado, Conselho de Estado - e à política. ​O Direito e a política são
conceitos interconversíveis​.

Soberania​: poder máximo, integrador e englobador de todas as faculdades em que o


fenómeno político se desdobra. Jean Bodin: tendência unitária.

A ​lei passará, neste período, a ser definida essencialmente como ​norma ou regra
obrigatória imposta pela vontade do superior ​- ​preceito autoritário​. ​Não é a generalidade e
abstração que a caracteriza, antes a expressão da vontade do rei. É fonte primacial face às
demais, o que não significa que a vontade do rei seja arbitrária, visto que a lei está sujeita a
requisitos.
Esta identificação entre a lei e a vontade do príncipe (que vai ser concebido como
cabeça ou membro principal do corpo político ou do Estado - conceito que começa a emergir
no Renascimento) ​não deve, levar à conclusão apressada de que a lei, como emanação da
vontade do governante, é um ato arbitrário.

- necessidade da sua ​conformação a conjuntos normativos superiores ao direito


positivo (nomeadamente ao direito divino e ao direito natural)
- ideia de que o poder do príncipe se deve orientar para o ​bem comum

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- separação no príncipe de duas pessoas: a​ pessoa privada​ e a ​pessoa pública

Espécies de leis
Sob a designação de lei, podem cair preceitos jurídicos de diversa espécie. A vontade
imperativa do superior assume pela origem, pela matéria ou pelo modo como é reduzida a
escrito aspetos diversos. ​Todas expressam vontade do rei. Por isso, traduzem lei.

★ quanto à ​origem​: conceito de Lei Fundamental

★ quanto à ​matéria​: nem todas as leis continham regras gerais e abstratas

★ quanto à ​redação​: cartas, alvarás, provisões, decretos, cartas régias, resoluções, avisos
e portarias

→ ​formas mais solenes ​(Paulo Merêa):


- carta de lei​: lei mais solene deste período; caracteriza-se pelo nome do rei e título
régio; os seus efeitos destinam-se a prolongar pelo prazo de para além de 1 ano (prazo
de vigência)
- alvarás​: está presente o título régio, mas não está presente o nome do rei; destinam-se
a produzir efeitos aquém de 1 ano (inferior a 1 ano)


- decretos​: não tem o nome do rei, nem o seu título; dirigem-se a alguns ministros ou a
algum tribunal, no final
- cartas régias​: em regra, começam pelo nome da pessoa a quem o rei as dirigia;
dirige-se a uma pessoa certa e determinada (expressa a vontade do rei e, por isso, pode
traduzir uma lei)
- provisões​: não tem o rei como autor; tem origem nos tribunais; vem expressa uma
resolução/ decreto do monarca; essas provisões são expedidas em consequência de
decreto ou de resolução do rei
- resoluções do rei​: determinação de um monarca a uma questão que lhe era
submetida; expressa a sua vontade, ainda que sem a solenidade
- portarias​: avisos dos secretários de Estado expedidos em nome do soberano

Elaboração da lei
A elaboração das leis devia revestir a maior cautela e em particular entendia-se que
ela devia obedecer a vários requisitos.
1. observância do ​bem comum​: indispensável para a justiça da norma. A lei
injusta não tinha valor, pelo que não coagia em consciência e se lhe podia
resistir.

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Para ser válida, a lei deveria obedecer a certos ​requisitos​, cuja enumeração varia
segundo os autores. Mas havia um consenso doutrinador comum. ​Se a lei não cumprir estes
requisitos, estamos perante lei injusta.
- Diogo Lopes de Rebelo (século XV)
- Diogo de Sá (século XVI)
- Dom Rodrigo

★ matéria​: a lei não pode preceituar o vício e proibir a virtude; tem de ser conforme ao
direito divino e ao direito natural.
★ fim​: conforme bem comum, não pode impor o bem próprio arbitrário; a lei deve
ordenar-se para o ​bem comum​.
★ agente​: deve ser emanada de autoridade competente (rei); não pode esceder a
autoridade do legislador.
★ forma​: proporcionada; terá de fazer-se de modo a que na concessão das honras e na
imposição dos encargos a lei guarde aquela proporção que se observa nos súbditos em
ordem à república.

Se as leis humanas forem ​injustas em relação à matéria - porque contrárias ao


direito divino, quer ao direito natural, quer positivo, não só não obrigam, como de modo
algum se devem guardar. (ACTOS DE ACÚRSIO: ‘’mais vale obedecer à lei de Deus do que
dos homens’’) Se for contrária à matéria, a lei deve ser repudiada, não deve ser obedecida →
resistência passiva​.
Se as leis forem ​injustas pelo fim​, ​pelo agente ​ou ​quanto à forma​, embora não
sejam obrigatórias em consciência, ​não são verdadeiramente leis​.

→ Luís Cerqueiro: pode deduzir-se o modo como o povo se há de haver com a lei dos
tiranos. Distinção clássica de ​tirano ​quod titulum ​(1) e ​tirano ​quod dominum - tirano pelo
exercício​ ​(2)​.

(1)
Na hipótese de as leis serem ditadas por um tirado ​quod titulum​, apesar de justas no restante,
não obrigam em consciência, a não ser, alguma vez, por acaso, em razão do escândalo ou
detrimento da república.
- ascende ao poder, sem ter a ele direito: usurpa o poder
- as leis nunca obrigam em consciência
- mesmo que a lei venha de um tirano pelo título, ainda que não obriga em consciência
porque o rei é usurpador, se ela for mais bondosa e se a sua observância causar menos
perturbação, melhor fora suportar essa lei
(2)
Se as leis forem ordenadas pelo tirano neste sentido e, todavia, forem justas, obrigam de si
em consciência, do mesmo modo que as de um bom príncipe.

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- ascende ao poder de acordo com a regras de sucessão, mas transforma-se tirano pelo
exercício
- se a lei for materialmente justa, ela deve ser acatada
- ela obriga como se fosse boa lei

Publicação da lei. Registos de leis. Introdução da imprensa


Uma nova lei não devia ser publicada exceto quando estritamente necessário - a fim
de nãos e afetar a estabilidade do sistema jurídico - e ​a sua publicação fazia-se através do
registo nos livros da Chancelaria Régia e notificação a certas autoridades​.

Nas Ordenações Manuelinas dispõe-se a obrigação do chanceler-mor publicar as leis e


nas Ordenações Filipinas determina-se que o chanceler-mor publique as leis no próprio dia de
emissão e que sejam enviadas aos corregedores.

Os principais tribunais possuiam registos próprios, da ​Casa da Suplicação​, além do


chamado ​Livro de Posses ou ​Livrinho da Relaçam​, onde se contêm, além de várias posses e
assentos, algumas providências régias, chegaram até hoje os seguintes livros de registos: o
Livro Velho​, o ​Livro roxo​, o ​Livro novo​, o ​Livro amarelo​, o ​Livro amarelo​.

Com o aparecimento da imprensa, muitas normas passaram a ser difundidas por tal
meio.

Vigência da lei
O sistema era o da efetividade em todo o país decorridos ​três meses sobre a
publicação na Chancelaria da Corte e independentemente da publicação nas comarcas. Foi
o que se dispôs no alvará de 10 de dezembro de 1516, de D. Manuel.
Na Corte, essas leis entravam em vigor​ 8 dias após a referida publicação​.

- 3 meses para o reino


- 8 dias para a corte: os que estavam junto do rei precisavam de menos tempo para
interiorizar disciplina da lei, tinham conhecimento mais próximo

Dispensa da lei
Se a lei é uma manifestação de vontade do rei com força vinculante, este,
naturalmente, pode isentar ou dispensar do seu cumprimento certa ou certas pessoas. De
facto, quem pode revogar totalmente a lei, pode evidentemente derrogá-la ou limitá-la.

- dispensa​: possibilidade que o autor da lei - rei - tem de isentar alguém da observância
dos preceitos de uma determinada disciplina legal; legítima desde que existisse uma
justa causa - não pode ser por simpatia; a justa causa ra um requisito necessário, que

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se traduzia na racionalidade e na realização do bem comum; se a justa causa não fosse


cumprida, este ato seria inválido
- subreção/ obreção - poderia ser conseguida uma dipensa em justiça, ou por ser
contada uma mentira, ou porque se omitia o facto que conduzia à verdade; contra a
dispensa se podia atacar com estes institutos

Compilações de leis
O rei vai legislando cada vez com mais abundância. Criam-se compilações de leis para tornar
mais fácil o seu conhecimento pelos destinatários.

● 1º período
○ primeira compilação de lei anterior: ​1415​, ​Livro de Leis e Posturas
○ D. Duarte (1433 - 1438) - ​Ordenações de D. Duarte (esforço compilatório; faz
juntar a esta compilação os requisitos que um rei deveria ter - estatuto de um
bom julgador)

→ Alexandre Herculano: sustenta que estes dois constituiram ​trabalhos preparatórios


relativamente às Ordenações Afonsinas. Esta opinião não é, porém, líquida. Foi D. João I que
decidiu que se procedesse a uma sistematização legislativa.

○ Regimento da Casa Quatrocentista​: texto elaborado depois de 1433,


atribuído ao rei D. Duarte; escrito particular para a regulamentação interna do
mais alto tribunal do país ou lei em sentido próprio

Ordenações Afonsinas 
 
São um exercício compilatório com um relevo especial.

Elaboração
(Ideia de realização de um grande e novo esforço de sistematização.)
D. João I encarregou da ordenação das leis o corregedor de Cortes João Mendes.
Falecido João Mendes no reinado de D. Duarte, incumbiu este da prossecução dos trabalhos o
Doutor Rui Fernandes​, que veio a ​concluir a obra em Julho de ​1446​, sendo regente do
reino o infante D. Pedro.
Torna-se hoje difícil determinar a parte da Ordenação que coube a João Mendes da
que competiu ao Doutor Rui Fernandes. Atendendo à diferença da redação, certos autores têm
defendido que a João Mendes cabe a redação do ​Livro 1​. De facto, este acha-se redigido em
estilo direto e decretório. ​O mesmo já não sucede com os demais, em que as leis anteriores
são referidas como tal, transcritas na íntegra e seguidas de uma especificação quanto à sua
vigência, alteração, revogação ou derrogação.

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Sistematização
As Ordenações Afonsinas estão repartidas por ​cinco livros que se subdividem em
títulos, os quais geralmente se desdobram em parágrafos.
● 1º Livro:​ ocupa-se dos ​cargos públicos
● 2º Livro: ​ocupa-se do que concerne à ​Igreja, clérigos, direitos do rei, fisco,
donatarias, nobreza, judeus e mouros​ (direito público)
● 3º Livro: ​dedica-se ao ​processo civil
● 4º Livro: ​aborda o ​direito civil
● 5º Livro: ​integra o ​direito penal

Apreciação das Ordenações Afonsinas


As Ordenações Afonsinas ocupam na galeria das fontes do direito português um lugar
importantíssimo. Apesar das dificuldades associadas à disseminação (dificuldade de
reprodução múltipla, numa época em que não existia ainda a imprensa) e ao autor da própria
obra, ​as Ordenações foram fonte de direito no nosso país​.

Fontes subsidiárias
(as que devem ser aplicadas caso não tenha lugar às fontes primárias, caso fontes primárias
não ofereçam solução)

O direito português não abarcava todos os casos possíveis e todas as matérias


jurídicas. → ​necessidade de utilizar​, para preencher as lacunas do ordenamento nacional,
uma forma de integração
Fez-se isso através do recurso a outras ordens jurídicas.

O grosso direito subsidiário era constituído pelo direito canónico e pelo direito
romano, os quais, por vezes, lograram mesmo impor-se com postergação um prejuízo do
direito pátrio.
A partir de D. João I, ​o sistema de fontes subsidiário vai sofrer todo um processo de
redefinição​ que começa pela valorização da opinião de Bártolo.

→ ​Regimento Quatrocentista da Casa de Suplicação​: nele distingue-se, como numa


carta de abril de 1426, o dito de Bártolo da declaração - e antepõe-se o direito romano e o
direito pátrio. Com prevalência da opinião de Bártolo e com posição secundária de Acúrsio
em relação ao chefe dos comentadores.
Face a este Regimento, ​compreende-se a preocupação do legislador em acentuar
no proémio das Ordenações Afonsinas a prioridade do direito nacional sobre o direito
romano e a autoridade dos seus cultores​, como em ordenar o valor das opiniões de Acúrsio
e Bártolo.

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D. João I conferiu valor autêntico e carácter normativo a parte da obra de Bártolo.

As Ordenações Afonsinas versam o problema das fontes de direito​, incluindo o


direito subsidiário.

Distinguia-se como ​fontes imediatas​ do direito:


- a lei do reino, o estilo da corte (costume judiciário) e o costume antigo (costume da
sociedade);

Como​ ​fontes subsidiárias​:


- o direito imperial, o direito canónico, a Glosa de Acúrsio, a opinião de Bártolo e a
resolução régia, de acordo com o seguinte escalonamento hierárquico:

1. direito romano ​nas ​questões temporais (excepto se, contrariando o direito


canónico, fizesse incorrer em pecado)
2. direito canónico em ​matéria espiritual e matéria temporal de pecado, e nos
casos em que o direito romano não previsse solução, desde que não fosse
contrariado pelas opiniões contidas nas Glosas
3. Glosa de Acúrsio
4. opinião de Bártolo - valeria mesmo que contra ele tivesse a dos demais
doutores; vincularia se tivesse contra ela apenas alguns doutores, isto é,
quando não fosse contrariada pela opinião geral ou comum dos mesmos
5. resolução do rei

O direito foraleiro não está previsto, mas permanece como direito aplicável deste
período.
Não há qualquer alusão a direito foraleiro.

Ordenações Manuelinas 
 
A ​invenção da imprensa constituiu ​meio de comunicação ​das leis de extraordinária
importância. Por isso, era natural que fosse utilizada para ​difusão das leis​, nomeadamente das
Ordenações. Por isso, reconheceu-se a necessidade de revisão da compilação afonsina: D.
Manuel confiou, em 1505, a vários jurisconsultos o encargo de as reformar e ampliar.
Esforço compilatório de aperfeiçoamento das primeiras Ordenações.

A questão das edições. Autores


Em ​dezembro de 1512 e ​novembro de 1513 aparecem impressos por Valentim
Fernandes, respetivamente, o ​livro primeiro​ e o ​livro segundo​ das Ordenações Manuelinas.

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João Alves descobriu na biblioteca do Vaticano cinco livros publicados da edição de


1512 - 1513 das Ordenações Manuelinas. Foram objeto de uma primeira impressão por um
dos maiores editores da obra - Valentim Fernandes (editou todos os 5 livros das ordenações).
O primeiro livro a ser impresso foi o livro 5º - dedicado ao direito penal; seguiu-se o livro 4;
depois o livro 3, o livro 1 e o livro 2 (publicado em 1513),

No ano de ​1514​, foram estampados por João Paulo de Bonhomini todos os cinco
livros. Discute-se qual a articulação dos exemplares de 1512 - 1513, se houve uma edição
integral antes de 1514, não tendo chegado até hoje exemplares dos livros terceiro, quarto e
quinto dessa primeira edição, ou se a edição de 1512 - 1513 foi parcial e os livros terceiro,
quarto e quinto viram a luz pela primeira vez em 1514.
De qualquer forma, os textos de 1512 - 1513 e de 1514 ficaram a desejar e D. Manuel
ordenou uma ​revisão definitiva que foi impressa em ​1521​, mandando que se destruíssem os
exemplares da ​impressam velha.​

Persistiram até hoje exemplares das edições anteriores, as pretensões do rei não foram
seguidas. Não será a última edição, já que em 1538, houve outra revisão.

Autores das Ordenações Manuelinas​: ​Rui Boto, Rui da Grã e Cristovão Esteves
Colaboradores​: João de Faria, João Cotrim e Pedro Jorge

Sistematização das Ordenações Manuelinas


A sistematização das Ordenações Manuelinas é semelhante à da anterior compilação.
A divisão interna das duas é idêntica. A principal diferença de ​forma reside no ​estilo
diretório ou legislativo das Ordenações Manuelinas (apenas o primeiro livro das Afonsinas
ostentava semelhante estilo).
Relativamente ao ​conteúdo ou ​matéria​, houve alterações no tríplice sentido de
eliminações, acrescentos e mudanças. Um dos cortes mais relevantes é o que respeita Às
normas concernentes aos judeus​, o que se compreende dada a sua ​expulsão​, verificada no
séc. XV.

5 livros:
1º: ​cargos públicos
2º: ​direito público
3º: ​processo civil
4º: ​direito civil
5º: ​direito penal

Apreciação das Ordenações Manuelinas

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José Anastácio de Figueiredo - Não se pode entender as Ordenações Manuelinas


como um código. Foram um progresso no ângulo da técnica jurídica, um passo em frente,
mas perdem interesse como fonte histórica no ordenamento jurídico precedente.
Fontes subsidiárias
Quis-se já ver nesta inovação um compromisso com o humanismo jurídico, frente ao
bartolismo, opinião, todavia, de todo em todo improcedente.
A ​adoção da opinião comum com critério recetor subsidiário, se representava uma
limitação da ​opinio Bartoli,​ representava também a vénia devida à escola de que ele era
cabeça e figura principal, pois traduzia um pensamento ou solução dessa mesma escola.
Em rigor, a limitação apresentava-se menor do que poderia julgar-se. Fez depender-se
a opinião jurista apenas da opinião comum dos doutores. Quer dizer, ​de toda a literatura
jurídica medieval precedente a Bártolo só poderia antepor-se-lhe a opinião de Acúrsio​.
Este facto foi frequentemente esquecido pelos intérpretes, o que significa que com exclusão
da Glosa de Acúrsio, se fez tábua rasa de tudo o que ficava para trás de Bártolo, admitindo-se
contra ele apenas a opinião comum dos juristas posteriores. ​Rejeitava-se o passado em
benefício de Bártolo​, mas sem se fechar a porta ao futuro.

Ordenações Filipinas 
 
Durante o reinado de D. Filipe I verificou-se uma ​larga atividade renovadora no
campo do Direito​, de que são símbolos a criação da ​Relação do Porto (a que foi outorgado
regimento por este monarca), a lei da ​reformação da Justiça​ e a ​reforma das Ordenações.
Desta última tarefa, incumbiram-se vários juristas: Jorge Cabedo, Afonso Vaz
Tenreiro e Duarte Nunes de Leão.
As Ordenações estavam ​terminadas em 1595​, pois uma lei desse ano (5 de junho)
manda observá-las. A lei de referência não chegou a vigorar e já só com Filipe II de Portugal
em ​1603 se iniciou a ​vigência das Ordenações Filipinas (lei de 11 de janeiro), que
mandavam cessar todas as leis extravagantes​, com exceção das Ordenações da Fazenda e dos
Artigos dos Sisas, bem como das leis que se encontrassem transcritas em livro da Casa da
Suplicação.

Sistematização das Ordenações Filipinas


A sistematização é idêntica à das anteriores. Trata-se de uma simples atualização e
adaptação da compilação de D. Manuel, pelo acrescento das leis posteriores.

1º: ​cargos públicos


2º: ​direito público
3º: ​processo civil
4º: ​direito civil
5º: ​direito penal

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Fontes subsidiárias
As Ordenações Filipinas conservaram na íntegra o sistema de fontes de direito
subsidiário estabelecido nas Ordenações anteriores, embora deslocando a matéria para outra
sede. Passa da parte consagrada às relações da Igreja com o Estado e aos privilégios
eclesiásticos, onde se inseria, para o livro dedicado ao ​direito processual​.

Devem ser aplicadas as fontes subsidiárias, se as primárias não oferecerem


solução.
→ ​f​ontes primárias​: 1. lei do rei; 2. estilo da corte (costume judiciário, que teria de ter
determinados requisitos para valer como fonte de direito); 3. costume.

→ Face à edição de 1521


1. direito romano​ em ​questões temporais
2. direito canônico​ em ​questões espirituais​ e ​temporais de pecado
3. Glosa de Acúrsio​, exceto se for contrariada por opinião de doutores
4. opinião de Bártolo​, exceto se for contrariada por opinião de doutores
5. resolução do rei

Apesar da delimitação da ​autoridade de Bártolo pela opinião comum dos doutores,


que persiste nas Ordenações Filipinas, pode dizer-se que o bartolismo atinge no período da
História do Direito Português ​um dos momentos de maior intensidade​. Imperará não
apenas nos tribunais, no foro e na jurisprudência e até com prejuízo de opinião comum, como
também no ensino, onde se institucionalizará.

Qual a diferença em relação às Ordenações anteriores?


● inclusão sistemática de matéria
● conflito entre fontes de direito
- se nem as Ordenações, nem lei do rei determinarem como se resolver os casos, o
legislador integra este tipo no livro II - na matéria dos direitos da Igreja, mais
concretamente nas relações entre Estado e Igreja
- nas Ordenações Filipinas, a matéria deixa de estar trabalhada no livro II e passa a
estar no livro III, dedicado ao processo civil; tendência para fortalecimento do poder
do rei; deixa de ser vista como um litígio entre ordens jurídicas e centros promanantes
de regras - seja Estado ou Igreja - e passa a ser vista como questão técnica que
determinava estritamente a aplicação do direito no nosso país

Leis extravagantes

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O aparecimento de compilações ou sistematizações oficiais de fontes de direito, como


é o caso das várias Ordenações, não impedia que se continuasse legislando.
As diversas ​leis que não ficaram incluídas nos grandes corpos legais eram as ​leis
extravagantes​.

Compilações de extravagantes. A Coleção de Duarte Nunes de Leão


Deste núcleo de leis, procederam-se a várias recolhas, das quais ​apenas uma teve
valor oficial​. Foi a que foi levada a cabo por ​Duarte Nunes de Leão​, por ​ordem do Cardeal
D. Henrique​, regente do reino na menoridade de D. Sebastião. → ​1569
Trata-se de uma compilação ​sui generis pela metodologia seguida. Na verdade, não se
transcreveram as leis ​ipsis verbis,​ mas ​procedeu-se a um resumo ou relatório de cada uma
- reduziram-se ao essencial -, sendo ​a esse resumo que se conferiu valor ou força de lei​.
Além das leis, extratou também Duarte Nunes de Leão nesse conjunto o essencial dos
assentos da Relação.

A compilação divide-se em ​seis partes​:


- ofícios régios
- jurisdições e privilégios
- causas (transcreve-se uma ordem de juízo do rei D. João III sobre matéria
processual)
- delitos
- fazenda real
- outros assuntos

Antecedendo esta coleção oficial, há uma outra manuscrita - não oficial -, que se
chamará ​I Compilação (designação atribuída por José Anastácio de Figueiredo) - ​1566​, para a
distinguir da​ II Compilação​ (impressa).
Duarte Nunes de Leão procedeu inicialmente a uma recolha de textos segundo certa
ordem e só mais tarde realizou o trabalho de abreviatura das leis.

Esta versão manuscrita está dividida em ​quatro partes​:


1. ofícios, jurisdições e privilégios [compreende os títulos seguintes - ​do que
pertence ao rei e a sua jurisdição e a seus reinos;​ ​do Regedor do
Chanceler-mor​; ​do chanceler da Casa da Suplicação​(...)]
2. causas judiciais ​[​da ordem do juízo e dos atos judiciais das causas civis;​ ​das
suspeições;​ ​das fianças​ (...)]
3. delitos e penas ​[​da ordem do juízo e dos autos judiciais das causas crimes;​
das cartas de seguro​, ​e dos que per ellas se livram​ (...)]
4. causas extraordinárias ​(​título de leis extraordinárias;​ ​título de revogação de
algumas lei e declaração de outras;​ ​das sucessões e heranças)​

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Outras coleções
Ainda no século XVI se encontram outras compilações de leis extravagantes.
- Sistema ou Coleção dos Regimentos Régios​, de que há duas edições: uma de
Manescal (1718 a 1724), outra de Monteiro de Campos (1783 a 1791)
- Coleção da Legislação Antiga e Moderna do Reino de Portugal por resolução de
Sua Magestade de 2 de setembro de 1786 ​(1790)
- Coleção de Legislação Portuguesa desde a última Compilação das Ordenações​,
por António Delgado da Silva (1830)
- …

★ filipismos​: erros identificados pelos juristas no texto das Ordenações Filipinas


Foi a compilação que vigorou mais tempo em Portugal, tendo sido revogada apenas no século
XIX, até à codificação.

1. Reforma dos forais


Nem todas as fontes estão aqui integradas, designadamente os ​forais: fonte de direito
local.
Quando se chega ao século XV/ XVI, os forais permanecem como fonte de direito em
Portugal? ​Ainda que não estejam nem expressa nem implicitamente nas Ordenações, sim.

No séc XV, foi-se agravando, pedido aos reis em cortes, a ​natureza desatualizada
dos forais​.
D. João II foi sensível à reivindicação dos povos e respondeu, em 1481, de forma
favorável aos agravos que lhe foram feitos no sentido de mandar recolher os forais à corte
para que esse direito local pudesse ser atualizado. Mas os forais não chegaram à corte.
1497​: D. Manuel I vai responder de forma favorável aos agravos e manda recolher os
forais. Encomenda esse trabalho reformatório a um corpo de juristas: Rui Boto, João
Façanha, Fernão de Pina, João Pires.

Os forais servem não os direitos dos povos, mas também o rei. O rei retirava dos
forais matéria que já estava prevista em lei geral.
1502 - 1504​: os forais quando reformados, foram associados a legislação relevante
1520​: foram devolvidos às terras os textos reformados - ​forais novos / forais antigos ​- forais
objeto de revisão
Depois de 1520, temos notícia da outorga de novos forais em municípios, que são
conhecidos como ​forais novíssimos​.
Conteúdo que resulta de reforma dos forais (1497 - 1520): o rei utilizou como
pretexto para fortalecimento do seu poder - ​centralização​. O que se mantém: as prestações,
os serviços a que estava sujeita a comunidade perante o rei e perante os senhores; transcrição
de algumas leis gerais relevantes para as localidades (lei da vizinhança - quem pode ter

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estatuto de vizinho); expressam a liberdade das povoações (os seus direitos face ao rei e face
ao que era a lei geral - que não derroga a lei especial).

2. Assentos
Especial interesse no quadro das fontes do direito deste período têm os ​assentos​. Os
monarcas, assim como tinham o direito de legislar, possuíam o direito de interpretar
as suas leis. Faziam-no, muitas vezes, em ​Relação dos tribunais superiores - ​Casa da
Suplicação​ e a ​Casa do Cível​.

O papel dos assentos, de acordo com lei pombalina, era ​meramente interpretativo e,
por isso, não constituiam via adequada para resolução dos casos omissos, que deviam
ser levados ao conhecimento soberano, para este os integrar.
Conforme os assentos tivessem por objeto:
→ a decisão particular de dúvida em certa causa, sem dele se originar regra autêntica
para outras causas - ​ASSENTOS DOS AUTOS
→ os seus efeitos passassem a ser genéricos - ​ASSENTOS LEGAIS

Apenas os assentos legais eram considerados leis.

No ​Livro de Posses da Casa do Cível​, como anota João Pedro Ribeiro, acham-se 12
assentos assinados pelo rei e no ​Livrinho da Casa da Suplicação​, aparecem assentos tomados
na presença do Regente do Reino Infante D. Pedro, bem como de D. Afonso V e monarcas
posteriores.
De 1488, aparece um assento tomado sem a presença do monarca. Foi D. Manuel,
todavia, quem pela lei de ​10 de dezembro de 1518 delegou na Casa da Suplicação o ​poder
de resolver por assento e com autoridade legal os casos duvidosos​.
Porém, ​o valor dos assentos é restrito ao processo em que a dúvida se suscita​.
Com a extinção da Casa do Cível e a criação substitutiva de uma ​Relação do Porto
(​1502​) as dúvidas passaram também a ser competência desta. E o estabelecimento de
Relações Ultramarinas (duas no Brasil e uma no Oriente) deu origem a que estas se
arrogassem, por igual, a faculdade de produzir assentos.
Contudo, dos assentos das Relações ditas subalternas (Porto e Ultramar) cabia, no
domínio da ​Lei da Boa Razão​, recurso para a Casa da Suplicação. No caso dos assentos da
Suplicação ficava sempre aberto o recurso para o monarca.

3. Estilos da corte
Nas Ordenações Afonsinas, como nas Ordenações Manuelinas e nas Filipinas
menciona-se, entre outras fontes do direito, o ​estilo da corte​.
Tratava-se um ​costume de origem judiciária​ - aparecido em tribunal.
Não estavam os autores de acordo quanto à sua génese (costume derivado da prática
de um ou de mais de um juiz?) como quanto à matéria.

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HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS 2º PERÍODO

O estilo, que se formava nos tribunais de última instância (superiores), ​devia


obedecer a certos requisitos​: não devia contrariar a lei (como qualquer ato judicial); devia
ser ​prescrito (existir há ​mais de dez anos​); e devia ser plural (não bastava um ato judicial
para se ter um estilo, antes se impunha a multiplicidade de atos).
Depois do ​Assento de 20 de dezembro de 1757​, achou-se também que o estilo devia
ser ​conforme à ​boa razão​.

De acordo com as Ordenações, os estilos da corte legitimamente estabelecidos


constituíam lei e deviam ser observados como ta (uma vez que eram aprovados por
assentos). Os da Casa do porto quando aplicáveis eram mandados guardar na Suplicação que
a ele se devia conformar na medida do possível. Estes estilos foram ​redigidos pelo
Governador Henrique de Sousa​ (9 de março de 1612) e ​reformados​ em 6 de junho de 1614.

Cultura jurídica dos séculos XVI e XVII 


século XVI - século do Renascimento
Que impacto vai ter o Renascimento no Direito?

No período medieval há um facto determinante de recuperação do ​direito romano​. O


direito romano é, do ponto e vista da sua tecnicidade, um direito evoluído. Chega até nós
porque foi objeto de sucessivas recuperações:
- a primeira recuperação face ao direito romano clássico é a iniciativa de
Justiniano corporizado no ​Corpus Iuris Civilis​; esse fator de receção, no século VI,
aproxima de nós o direito romano

O século XII teve a relevância de fundar em Bolonha o ensino autónomo do Direito.


O direito romano é recuperado no Ocidente. A partir do século XII, temos o direito romano a
ser estudado, na sua forma justinianeia, pela escola dos glosadores e pela escola dos
comentadores.

● Ordenações​: chega-se à conclusão que o direito romano (não só justinianeu, mas


também o trabalho feito pelas escolas prudenciais) está consagrado no elenco das
fontes subsidiárias.
● Opinião dos doutores​: passa a estar consagrada nas Ordenações Manuelinas,
limitando a aplicação da Glosa de Acúrsio e de Bártolo.

1. Opinião comum dos doutores


- ​critério quantitativo (devem contar-se as opiniões dos doutores num determinado
sentido); mas nem todos os doutores e as suas opiniões terem ou deverem ter o

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HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS 2º PERÍODO

mesmo valor; logo, ​as opiniões deveriam ser hierarquizadas e deveria fazer-se
prevalecer a qualidade sobre a quantidade → ​critério da qualidade
- critério misto (devem hierarquizar os autores que têm maior ​auctoritas e depois
proceder a uma contagem)

Em Portugal, no contexto das Ordenações Manuelinas, a opinião comum dos doutores


surge consagrada. Bártolo permanece como fonte subsidiária do direito. Acúrsio permanece
também como fonte nas Ordenações Manuelinas.

Ensino do Direito em Portugal


A universidade, que na Idade Média estava fortemente assente no ensino do direito
romano, com a reforma de ​1537​ (D. João III) recebe novas instalações,
D. João III procura reformar a universidade​: procura mestres, juristas. Foi bem
sucedido no que respeita ao direito canónico. Esta reforma permite à universidade ganhar um
novo alento.
Mas continuam a existir duas escolas:
❏ a ​faculdade de leis (onde se ensina, no 1º ano, as ​Institutas de Justiniano; 2
anos de Código que recolhia constituições imperiais - natureza legal; no final
vinha o estudo do ​Digesto;​ ​ao direito nacional não era consagrada
qualquer disciplina​; ​estuda-se estritamente o direito romano na sua
configuração justinianeia​; ​o método de ensino continua a ser o método
escolástico tradicional (a matéria era exposta através da enunciação de casos
práticos, acompanhada de opiniões a favor e contra, depois a sentença)
❏ a ​faculdade de cânones

Reforma filipina
Nova reforma do Direito: ​atribuição de estatutos (regras que ditam o funcionamento
a universidade).
- ​Estatutos Velhos - ​1591​; foram ​publicados em 1593​, objeto de ligeira ​revisão em
1597​, voltam a entrar em vigor em 1598 → ​influência marcante de Bártolo

A faculdade de leis passa a integrar 8 cadeiras​: na primeira, lia-se o ​Esforçado;​


depois, seguia-se o comentário do ​Digesto Novo​; depois, lia-se o ​Digesto Velho;​ a seguir, os
três livros; eram consagradas duas cadeiras de menor relevância ao Código e às Instituições.

Humanismo jurídico
século XVI
Em Portugal foi um efémero momento.
O movimento humanista teve, como era natural, também a sua projeção no campo do
Direito. Traduziu-se numa ​contestação de metodologia medieval​, nomeadamente da lição
de Bártolo e da escola por ele encabeçada, ​em nome de critérios de filologia​.

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HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS 2º PERÍODO

É determinante na cultura: recuperação nos domínios da ciência e da cultura


greco-romana. ​Renascimento​ significa voltar atrás.
Do ponto de vista político,​ é marcado pela centralização do poder do rei​.
→ Aparecimento das grandes monarquias europeias. Absolutismo real.
→ Desenvolvimento da técnica: da utensilagem técnica
→ Os descobrimentos são produto do Renascimento. Vão trazer o conhecimento de novos
mundos que vão pôr em causa de forma absoluta aquilo que era a mentalidade menos
científica da época. O Homem não pode continuar a crer que tudo o que nos advém tem por
causa imediata Deus. ​Deus deixa de ser a entidade em nome de quem tudo se faz. ​No lugar
de Deus, o Homem passa a ser o ponto de partida e o ponto de chegada do
conhecimento​. Esta dimensão está presente em todas as dimensões. Centro do universo:
Homem.
→ Revolução na forma de pensar a política.

O latim que se escreve na Idade Média não é o mesmo do século XVI. É preciso fazer
uma tábua rasa de todos os ensinamentos dos juristas medieves sobre o Direito Romano; é
preciso regressar ao Direito Romano na sua pureza.
Não nos devemos basear no dogma da opinião. ​O jurista deve afastar as opiniões
que deturpam os textos latinos, os textos romanos e recuperar esses mesmos textos.
→ ​novo movimento de recuperação do velho Direito clássico, do Direito Romano

● Corpus Iuris Civilis​: o que Triboniano fez quando coligiu as opiniões de


Gaius, Ulpianus, já é um trabalho de deturpação, porque é uma recolha feita de
acordo com critérios subjetivos.

Pretende-se terminar com o trabalho das escolas prudenciais. O que importa é que os
juristas no século XVI retornem à Antiguidade Clássica e interpretem, de acordo com a sua
Razão, livremente os textos. → ​forma de pensar o Direito completamente nova
É preciso demolir o saber do Direito, deixar de considerar a opinião comum.

O Humanismo e o Renascimento trazem ​consequências do ponto de vista do


direito​:
- o humanismo jurídico surge mencionado muitas vezes como mos gallicus
(​centro: França; muitos dos seus precursores são franceses); também surge
designado como ​escola culta/ escola elegante​; representante: André de
Alciato

O Humanismo teve, desde cedo, ​reflexo nos juristas portugueses​. Foi um movimento
de crítica a todo o ensinamento do direito efetuado pelas escolas medievais​, designadamente
pelas escola dos comentadores. O principal alvo foi Bártolo.

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HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS 2º PERÍODO

Houve juristas portugueses que integraram o humanismo jurídico, porque foram


estudantes em França ou discípulos de outros. Apresentaram ​trabalhos de crítica ao
Bartolismo​:
- Luís Teixeira (assume o papel de pioneiro desta orientação)
- Henrique Caiado
- Martinho de Figueiredo
Alguns destes juristas portugueses não regressaram a Portugal. Ou uma vez
regressados, dedicaram-se a outras tarefas, não desenvolvendo a atividade jurídica.

Racionalismo e Lei da Boa Razão


século XIX: momento de racionalismo jurídico
O Humanismo atinge em Portugal plena expressão.
Depois da Antiguidade Clássica e da influência que o Cristianismo terá na Idade
Média, não haverá outro período mais agitado em ideias do que o século XVIII - século das
Luzes

Depois do breve surto humanístico, ​o ensino e a cultura jurídica em Portugal


caíram num período progressivo de decadência contra o qual apenas iria reagir o século
XVIII.​ Nesta centúria, confluiram várias linhas de pensamento importantes:
❖ a escola racionalista do direito natural​: Hugo Grócio e outros juristas -
defendia a ​existência de um direito natural eterno e imutável, baseado na
razão humana (na ​recta ratio​), e que era a forma que se deveria moldar ao
direito positivo; O século XVIII do continente europeu não será assimilável ao
século XVIII de Inglaterra. Produz-se uma enorme valorização da Razão
Humana​; S. Tomás de Aquino era racionalista por entender que a lei natural
era a participação da lei eterna na criatura. Só através do esforço racional era
possível atingir os preceitos. O Direito era algo próprio do homem; século
XV: ​neo-escolástica - escola peninsular do direito natural (atribui uma
importância enorme ao direito natural, concebendo a ideia de que ele se mede
racionalmente); nenhuma ideia consegue ser inquestionavelmente defendida se
não passar pelo método das ciências naturais. Essa relevância atribuída ao
método​, e particularmente à experimentação, significa que não pode atingir a
ciência aquilo que não tenha o método; o século XVIII vai definir uma nova
forma de direito natural: Homem hiperbolicamente como ponto de partida e
como ponto de chegada (o Homem entra na sociedade para salvaguardar um
corpo de direitos -liberdade, segurança e propriedade); os direitos naturais são
os direitos que o homem já disporia num estado de natureza; o direito natural
seculariza-se, prescinde de Deus, centra-se no Homem.
❖ o ​usus modernus pandectarum:​ partia da ideia de que ​o direito dos ​Pandectas
(o direito romano) ​devia ser utilizado naquilo que tivesse de essencial à luz do
direito natural, de válido face ao direito estatutário ou nacional (separava entre

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HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS 2º PERÍODO

o vivo e o morto do direito romano, o perene e o caduco; ajustava-se aos


tempos modernos); o direito romano, que era a matriz do ensino em Portugal,
era visto essencialmente através da opinião comum, arredado do espírito
crítico que o século XVIII vai impingir - ​esta corrente impõe que o direito
romano deve ser objeto de análise crítica (ser entendido como atual, vivo,
expurgando o que é obsuleto, antigo); ​corrente que tem origem na Alemanha​;
o direito romano deve ser lido cirticamente e expurgado aquilo que é
historicamente datado, devendo ser objeto de um uso moderno.
❖ o Iluminismo​: reconduzia-se genericamente à ​luz da Razão

Como expoente desta renovação intelectual costuma ser apontado o nome de ​Verney​,
cuja crítica ao ensino do Direito em Portugal, para além de repetir todo o receituário de
acusações dos humanistas contra Bártolo e a opinião comum, contra a silogística jurídica,
revela o novo ideário do Racionalismo e do Iluminismo.

★ Lei da Boa Razão


Vigorava ainda o elenco das fontes de direito, herdado das Ordenações Manuelinas: lei do rei,
estilo da corte e costume. Em termos subsidiários: direito romano, direito canónico, Glosa de
Acúrsio, opinião de Bártolo, resolução do rei.

18 de agosto de 1769
devida ao Rei D. José I, sob o consulado de Marquês de Pombal
Percebeu-se, com a Lei da Boa Razão, que não se poderia alterar as mentalidades,
nomeadamente relativamente à aplicação do Direito. ​Tem como objeto disciplinar as fontes
de Direito, revogando o preceito do livro III das Ordenações Filipinas. José Homem Correia
Teles (quantidade de vezes que aparece ‘’boa razão’’)

1. A primeira fonte - principal - é a ​lei do rei​.

2. O ​estilo permanece como fonte de Direito à luz da Lei da Boa Razão, mas, para ter
essa natureza de fonte de direito, tem de ser confirmado pelos Assentos da Casa da
Suplicação. [*restringido*]

2.1. ​Assentos​: fontes de interpretação das leis (serviam para interpretar, dando sequência ao
que já vinha dos finais do século XV, a lei em casos duvidosos), mas não de integração. Não
deviam integrar lacunas. Deveriam ser presentes ao monarca, para que ele as pudesse
integrar. Poderia haver recurso para a Casa da Suplicação, se fossem produzidos pela Relação
do Porto. Os que fossem produzidos pela Casa da Suplicação, poderiam ter recurso para o
monarca.
1448​: aparece um assento sem a presença do rei (quem interpretou a lei foram os
juízes sem a presença do monarca)

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HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS 2º PERÍODO

10 de dezembro de 1518​: o rei vai delegar, na Casa da Suplicação, o poder de


interpretar através de assento os casos que fossem duvidosos.
O papel dos Assentos era meramente interpretativo. Por isso, não deveriam ser fonte
para resolver casos omissos (que não encontrassem solução na lei do rei, porque só o
monarca os podia integrar) - segundo Marquês de Pombal.

3. Costume permanece como fonte de direito de forma residual e limitada.


[*restringido*]
- tinha de ser conforme à Boa Razão
- teria de ser antigo (mais de 100 anos)
- não podia valer se contrariasse a lei - ​contra legem

4. O ​direito romano ​passa a estar absolutamente submetido ao crivo do ​usus modernus


pandectarum.​ O exercício que os juristas deveriam fazer passou a estar consagrado na
Lei da Boa Razão. [*restringido*]
- tinha de estar conforme à reta razão (tem de se verificar no direito romano o
que é datado, o que pertence à história e não faz sentido aplicar no tempo em
presença; afastar o que é caduco, perceber o que é perene)

5. O ​direito canónico deve ser relegado estritamente para as questões do foro espiritual.
Desaplicável nos tribunais civis. [*restringido*]
Passa a poder ser aplicado em quatro situações limitadas:
- se a lei do rei remetesse para ele;
- nos casos em que os seus preceitos fossem aplicáveis pelo uso das nações civilizadas
em correção do direito romano;
- nos casos em que os ministros tenham necessidade de conhecer o direito canónico
para evitar os abusos dos tribunais eclesiásticos;
- quando não há lugar ao critério do pecado.

São revogadas a opinião de Bártolo e todo o trabalho jurisprudencial. Desaparece o labor


jurisprudencial

6. Usos ou direito das nações civilizadas e polidas da Europa​: Marquês de Pombal foi
embaixador na Áustria, São Petersburgo - diplomata, o que o permitiu olhar para o
que, numa experiência comparatística, os outros países estão a fazer - conhecer para
disciplinar (olhar para outros ordenamentos jurídicos e procurar influência nesses
direitos).

A ​Boa Razão é o que consiste nos primitivos princípios essenciais que a época dos
romano nos legara​. O que o direito das gentes nos lega; resulta do direito que está acima do
direito criado pelos Homens - divino e natural.

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HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS 2º PERÍODO

Não era possível alterar a forma de fazer o direito, se não se alterasse o ensino do
Direito.
Luís António Verney critica o ensino do Direito em Portugal - que estava assente
num método baseado numa orientação silogística. E também havia total e absoluto
conhecimento da história - os textos não eram vistos nos seus contextos; excessiva
dependência do direito romano por parte dos juristas; era preciso reformar o ensino do
Direito.

Reforma dos estudos do Direito


O século XVIII é um século reformador: de desenvolvimento do comércio, da
indústria (companhias pombalinas criadas com o propósito de salvaguardar o comércio).
Período de prosperidade e de riqueza. O rei é visto como o sol, o rosto, o guia dessa
renovação. Tempo dos déspotas esclarecidos que reproduzem a conceção do rei sol.
● D. João V - Rei Sol

1770​: foi criada a ​Junta de Providência Literária


1771​: aparece o ​Compêndio Histórico do Estado da Universidade de Coimbra
1772​: ​Estatutos da Universidade

O Marquês de Pombal percebeu que a crítica vai ser consequente: ​não era possível
alterar a aplicação à vida de todos os dias do Direito, fazer relevar a lei quanto ao direito
romano, se na universidade se continuasse a estudar direito romano​. Estudava-se estritamente
Direito Romano. A faculdade permanece dividida em leis e cânones: ​na faculdade de leis,
estudava-se só Direito Romano.
A ciência carece de método. A razão era o critério retor. Não era possível mudar sem
monitorização. ​A reforma pombalina orienta-se pelo jusnaturalismo racionalista, dando
lugar às cadeiras de Direito Natural e das Gentes, ao ensino do direito pátrio, à história
do direito; ostenta a marca do ​usus modernus pandectarum​.
É necessário levantamento rigoroso daquilo que seria o estado do ensino universitário
em Portugal.

A reforma da universidade, vai ser precedida em 1770, da criação de uma ​Junta de


Providência Literária​. Era importante verificar o estado da universidade, para que depois
fosse possível fazer um diagnóstico. A Junta procede a essa avaliação: a responsabilidade
pelo estado em que se encontra o estudo em Direito é atribuída aos ​jesuítas​. Estes são os
culpados.
O diagnóstico a que se chega é calamitoso. Em 1771, a Junta produz o compêndio ao
tempo da invasão dos jesuítas.

Ana Maria Varela 20


HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS 2º PERÍODO

D. José I refere no título I do livro II dos estatutos que ​a preparação anterior daqueles
que iam entrar no esforço do Direito era determinante​. Faz crítica ao estado do ensino que
conduzia à universidade, precipitação pela entrada nos cursos jurídicos, falta de preparação.

➢ nos estatutos: ​estabelecer idade mínima para se ingressar nos estudos jurídicos
(16 anos completos criteriosamente demonstrados)
➢ o que seria necessário para que os candidatos fossem previamente bem instruídos​,
considerando que as disciplinas de letras eram necessárias
➢ definição das disciplinas que se deveria ter no curso: diz D. José, nos estatutos de
1762 da universidade de Coimbra, que ​era necessário cessar os estatutos antigos​; era
necessário dimensionar o curso às necessidades: os 8 anos, depois dos estatutos de
1762 sob o consulado de Marquês de Pombal, o curso de Direito passa a ser
lecionado em 5 anos ​- a reforma pombalina, orientando-se pela concepção
racionalista, dá relevo às cadeiras de direito natural e das gentes; direito pátrio; leis do
rei
→ entre direito romano e direito pátrio, diz o rei nos seus estatutos, ​prevalece o pátrio​; o
romano é subsidiário; era necessário criar uma cadeira dedicada ao direito pátrio; outra
cadeira criada com estes estatutos é a disciplina de História do Direito

Os Estatutos da Universidade de Coimbra reformam o ensino do Direito em


1762​, orientados pelas correntes filosóficas deste período: ​usus modernus pandectarum,​
racionalismo (o ensino deve ser revisto em termos metodológicos, o método escolástico deve
ser substituído por um método analítico. Devem existir manuais sintéticos, que expliquem de
forma simples → cai-se num ensino de basea em diálogo, para um de leitura.

A questão do novo Código


década de 80; século XVIII

Um ano após a morte de D. José I e do consequente afastamento de Pombal, D. Maria


I, por ​decreto de 31 de março de 1778​, nomeava um conjunto de ministros - uma ‘’Junta de
Ministros’’ - com a ​missão de proceder à reforma geral da legislação vigente ​(Ordenações
FIlipinas). O que se pretende não é a criação de um código, antes uma reforma das
Ordenações Filipinas.
- verificar quais são as leis antiquadas - obsuletas
- verificar leis expressa ou tacitamente, no todo ou em parte, revogadas
- identificar quais as leis que na ​praxis forense - atuação dos tribunais - são
duvidosas e levam a julgamentos díspares
- quais são as leis que devem ser reformadas porque já não cumprem utilidade
comum

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HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS 2º PERÍODO

A comissão era presidida pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do reino
- Visconde de Vila Nova de Cerveira, D. Tomás Teles da Silva.
● Participação de Melo Freire nos trabalhos da reforma
A comissão não produziu os esperados frutos. Entra em cena Pascoal José de Melo
Freire dos Reis que, por ​resolução régia de 10 de fevereiro de 1783​, passa a integrar
a comissão revisora. Seis anos depois, Melo Freire apresenta os projetos de que fora
incumbido dos Livros II (Direito Público) e V (Direito Criminal) das Ordenações.

A rainha incumbe um professor da Faculdade de Leis de desenvolver uns trabalhos,


perante decreto. melo Freire apresenta a reforma de dois livros das Ordenações Filipinas .
Depois da apresentação do trabalho, olhando para a natureza técnica, nomeia uma ​Junta de
Censura e Revisão dos trabalhos em ​1789​, integrada por Ribeiro dos Santos (Faculdade de
Cânones). Tem a tarefa de revisitar o trabalho produzido por Melo Freire. Perante esta
censura, a rainha poderia aprovar as Ordenações aprovadas num sentido ou noutro.

● Melo Freire e Ribeiro dos Santos


Querela Doutrinária: Faculdade de Leis VS. Faculdade de Cânones
➢ Ribeiro dos Santos
O despotismo esclarecido está a chegar ao fim. Não é liberal antes de tempo, é um
consensualista​. Quando Ribeiro dos Santos ​apela a um pacto entre o rei e os súbditos​,
olha saudosamente para o passado, pretende que o reino seja governado em consenso
entre o rei e os povos. Atribui um papel determinante à convocação das cortes.
Radical legalista - primazia da lei. Monista: ​a fonte de direito deveria ser apenas a lei​.
Entende que deveria existir uma codificação do Direito; essa codificação deveria ser
fundada sobre os mesmos princípios e edificada sobre a mesma base.
➢ Melo Freire
Defensor do despotismo​. Orienta a sua reforma do Livro II em torno de alguns
princípios essenciais, que traduzem a sua ​filiação ao direito divino dos reis e do
despotismo esclarecido​: 1) ​o poder régio é derivação imediata de Deus​, o povo não
é medianeiro, os príncipes estão em lugar cimeiro, não devem o seu poder ao povo (o
rei tem direitos, que ele deve exercer, está limitado pelas Atas das Cortes de Lamego,
se ultrapassar esses limites - afastando possibilidades de resistência, ao povo mais não
resta do que orar). Propõe que os Assentos da Casa de Suplicação - certas fontes de
direito deveriam continuar a existir - interpretem a lei em casos duvidosos.

Quanto ao ​papel reservado ao direito romano​: ​ambos estão de acordo, em considerar que o
direito romano não deve ser considerado como direito romano​. ​Ribeiro dos Santos vai mais
longe, criticando o ensino do Direito após a reforma pombalina - entende que o ensino do
direito deveria limitar mais ainda o conceito do direito romano e refere que as próprias
Ordenações estão assentes no direito romano. Entende Melo Freire que o trabalho que se
está a pedir fica aquém das necessidades do novo sistema.

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