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História do Direito Português

Período do direito português


de inspiração romano-canónica

Época das Ordenações


Época das Ordenações

 Legislação extravagante
 Noção – diplomas legais avulsos (isto é, de leis) – como vimos a
propósito da Colecção das Leis Extravagantes de Duarte Nunes do
Lião – que foram sendo aprovados e promulgados depois das
Ordenações Filipinas e que alteravam ou complementavam esta
colectânea oficial.
Conceito de lei – Nessa época, tinha um sentido muito mais
amplo do que no direito moderno, uma vez que não havia
separação de poderes (legislativo, executivo e judicial): lei era
toda e qualquer manifestação da vontade soberana destinada a
introduzir alterações na ordem jurídica estabelecida (sem
necessidade dos requisitos da generalidade e da permanência).
Época das Ordenações

 Conteúdo dessa legislação extravagante


 Legislação respeitante à manutenção da ordem
pública, como as disposições de natureza penal e as
relativas ao uso e porte de armas;
 Legislação referente à administração da justiça, como
aquela que resolvia conflitos de competência entre
órgãos jurisdicionais e a que procurava velar pela
actuação correcta dos auxiliares da justiça
(advogados, notários, etc.);
 Legislação sobre a cobrança dos impostos.
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 O direito privado ocupava um plano secundário, recorrendo-


se ao direito subsidiário (no que assumiam papel
fundamental a doutrina e a jurisprudência, pois não faltavam
juristas de mérito).
 Espécies de diplomas legais – Apesar de a lei ser expressão
da vontade do monarca, nem sempre as providências
legislativas se exteriorizavam na mesma forma de diploma,
havendo vários tipos destes
 As cartas de lei e os alvarás (que eram os mais importantes)
 Tinham em comum a passagem pela chancelaria régia;
 Havia, contudo, diferenças formais e de duração [Continua]
Época das Ordenações

• Quanto ao formulário, as cartas de lei começavam pelo


nome próprio do monarca (por ex., «Dom João….»),
seguido da intitulação; e os alvarás iniciavam-se com a
expressão «Eu ElRei»;
• Na prática, adoptou-se uma forma diferente de assinatura:
as cartas de lei eram assinadas com «ElRei»; e os alvarás
com «Rei».
• Quanto à duração, deviam ser promulgadas em carta de
lei as disposições destinadas a vigorar mais do que um
ano e através de alvará as que tivessem vigência inferior
(ou seja, até um ano).
Época das Ordenações

• Contudo, havia excepções frequentes em relação a


essas diferenças ou verificava-se o seu desrespeito
na prática; os dois tipos de diplomas passaram a
confundir-se, surgindo os chamados alvarás de lei,
alvarás com força de lei ou em forma de lei.
• Por vezes, ainda havia o cuidado de dizer que tais
alvarás tinham força de lei, mas depois passou a
entender-se que o seu valor era igual ao das cartas
de lei, mesmo na falta dessa referência.
Época das Ordenações

 Os decretos (que tinham muito menos relevância).


 Não começavam pelo nome do monarca e, uma vez que se
dirigiam normalmente a um ministro ou tribunal,
terminavam geralmente com uma expressão endereçada
ao destinatário («F…o tenha assim entendido e faça
executar»);
 O âmbito próprio dos decretos limitava-se a
determinações respeitantes a casos particulares; todavia,
com o decurso do tempo, acabaram por ser utilizados
também para introduzir preceitos gerais inovadores.
[Matéria não leccionada e, por isso, não exigível]
Época das Ordenações

 As cartas régias, que eram verdadeiras cartas, epístolas


dirigidas a pessoas determinadas, que começavam pela
indicação do destinatário e com uma saudação, mas cujo
formulário variava consoante a sua categoria social (F… Eu El-
Rei vos envio muito saudar»); a assinatura era feita com
«Rei».
 As resoluções – diplomas em que o monarca respondia às
consultas que os tribunais lhe apresentavam, normalmente
acompanhadas dos pareceres dos juízes respectivos; embora
visassem casos concretos, a tendência era para a sua
aplicação analógica, tornando-se leis gerais. [Matéria não
leccionada e, por isso, não exigível]
Época das Ordenações
Provisões – diplomas que os tribunais expediam em nome e
por determinação do monarca (e por isso eram leis).
• Frequentemente surgiam na sequência de um decreto ou
resolução régia e destinavam-se a difundir o seu conteúdo.
• Em regra, apenas levavam a assinatura dos secretários de
Estado de que dimanavam.
• Mas por vezes eram subscritas pelo soberano, à maneira
dos alvarás, tendo o mesmo valor legislativo destes – eram
designadas então como provisões reais ou provisões em
forma de lei. [Matéria não leccionada e, por isso, não
exigível]
Época das Ordenações

 As portarias e os avisos – eram ordens expedidas


pelos secretários de Estado em nome do monarca
 Distinguiam-se entre si pelo facto de as portarias
serem diplomas de aplicação geral, enquanto os
avisos se destinavam a um tribunal, a um magistrado,
a uma corporação ou até a um simples particular;
 Também através destes diplomas chegaram a ser
promulgados autênticos preceitos legislativos.
[Matéria não leccionada e, por isso, não exigível]
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 Publicação da lei
 Nas Ordenações Afonsinas não há uma norma expressa sobre o
sistema de publicação das leis, nem mesmo ao disciplinar-se o
cargo de chanceler-mor (embora essa uma das suas
atribuições).
 As Ordenações Manuelinas (Liv. I, Tít. II, § 9) disciplinaram
directamente a matéria e atribuíram ao chanceler-mor tanto a
publicação das leis na chancelaria da Corte como o envio dos
traslados respectivos aos corregedores das comarcas.
 As Ordenações Filipinas (Liv. I, Tít. II, § 10) limitaram-se a repetir
o que as Ordenações Manuelinas haviam determinado.
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 Início da vigência da lei


 Por alvará de 10 de Dezembro de 1518 foi disciplinado o início da vigência das
leis: estas teriam eficácia, em todo o País, decorridos três meses sobre a sua
publicação na chancelaria (só as cartas de lei e os alvarás) e
independentemente de serem publicadas nas comarcas (ou em qualquer outra
parte) – porque isso era estabelecido para «se milhor saberem», e não como
requisito de eficácia.
 Esta disposição legal transitou para as Ordenações Manuelinas (Liv. I, Tít. II, §
9), mas o prazo de vacatio legis foi reduzido a oito dias quanto à Corte (devido
à maior facilidade de conhecimento dos diplomas legais publicados).
 Quanto aos diplomas que não tinham de ser publicados na chancelaria régia, a
vigência começava na data de publicação.
 Não estava assegurado um conhecimento efectivo das leis em todo o território
nacional, nem sequer a possibilidade de ele se verificar.
Época das Ordenações
 Interpretação da lei através dos assentos
 A disciplina legal da interpretação da lei com força vinculativa para futuro foi igualmente
disciplinada por alvará de 10 de Dezembro de 1518, cujas disposições foram depois
incorporadas nas Ordenações Manuelinas (Liv. V, Tít. LVIII, § 1) e passaram às
Ordenações Filipinas (Liv. I, Tít. V, § 5).
 Determinou-se que, surgindo dúvidas aos desembargadores da Casa da Suplicação
sobre o entendimento de algum preceito, tais dúvidas deveriam ser levadas ao regedor
do mesmo tribunal: este convocaria os desembargadores que entendesse e, com eles,
fixaria a interpretação que se considerasse mais adequada.
 Se subsistissem dificuldades interpretativas, o regedor da Casa da Suplicação poderia
submeter a dúvida à resolução do monarca (que, assim, na maior parte dos casos,
deixou se resolver pessoalmente essas dúvidas pessoalmente, ao contrário do que antes
acontecia).
 As soluções definidas ficavam registadas no Livro dos Assentos e tinham força
imperativa para futuros casos idênticos; surgiram assim os assentos da Casa da
Suplicação como jurisprudência obrigatória.
Época das Ordenações

 Justificação da competência atribuída à Casa da Suplicação


 Era o tribunal superior do Reino – inicialmente acompanhava a Corte;
depois foi fixado em Lisboa (em 1582, por alvará de 27 de Julho).
 Em Lisboa funcionava ainda a Casa do Cível, que era um tribunal de 2.ª
instância (de recurso, portanto), com competência para conhecer dos
recursos interpostos das sentenças proferidas em causas de natureza
cível de todo o país, excepto daquelas que fossem proferidas no lugar
onde se encontrava a Corte e cinco léguas à volta (cujo conhecimento
cabia ao tribunal da Corte), e dos recursos das causas criminais
decididas em Lisboa e no seu termo.
 A Casa do Civel foi transferida para o Porto por alvará de 27 de Julho
de 1582 (Filipe I), com a designação de Casa da Relação do Porto
[Continua]
Época das Ordenações

 Quanto às comarcas do Norte, a Casa da Relação do Porto funcionava como tribunal de


2.ª e última instância em matéria crime;
 Todavia, em matéria cível só era tribunal de última instância se o valor da causa não
excedesse a alçada desse tribunal (que era de 80.000 réis para as causas respeitantes a
bens de raiz e de 100.000 réis para as causas referentes a bens mobiliários); se o valor da
causa fosse superior havia possibilidade de recurso para a Casa da Suplicação;
 Apesar dessa subalternidade da Relação do Porto, os seus desembargadores arrogaram-se
o direito de proferir assentos, o que originou confusões e contradições interpretativas;
 Depois: as Relações de Goa (1544), da Bahia (1609) e do Rio de Janeiro (1751) seguiram o
exemplo;
 Só a «Lei da Boa Razão» (Carta de Lei de 18 de Agosto de 1769) pôs termo a esses abusos,
reafirmando que só os assentos da Casa da Suplicação (ou que por ela fossem
confirmados) tinham força vinculativa (remissão);
N.B. A partir de 1926, Supremo Tribunal de Justiça (Decreto n.º 12 353, de 22 de Setembro,
art. 66.º).
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 Estilos da Corte
 A inclusão dos estilos da Corte no elenco das fontes do direito
pátrio pelas sucessivas Ordenações (a par da lei e do costume).
 Os estilos da Corte e o costume eram fontes de natureza não
legislativa, baseadas no uso (ainda que em planos diferentes),
havendo divergências quanto à distinção entre os estilos da
Corte e o costume:
 Segundo uns – o costume resultava de uma conduta dos
membros da comunidade (em geral), enquanto os estilos da
Corte eram introduzidos por actos de entidades públicas,
sobretudo por certos tribunais; [Continua]
Época das Ordenações

Segundo outros – os estilos da Corte diziam respeito somente aos


aspectos processuais, à praxe de julgar, distinguindo-se dos
costumes de direito substantivo (material) que pudessem surgir por
via da decisão judicial (o conteúdo desta).
Conceito (mais corrente) de estilos da Corte: jurisprudência
uniforme e constante dos tribunais superiores.
Requisitos a que devia obedecer o estilo da Corte (segundo a
opinião dominante):
Não ser contrário à lei;
Ter prescrito, ou seja, possuir uma antiguidade de dez anos ou mais;
Ser introduzido, pelo menos, através de dois actos conformes de
tribunal superior.
Época das Ordenações

 Costume (aspectos gerais)


 Como vimos, o costume constituiu a principal fonte de direito
(sobretudo quanto ao direito privado) desde a fundação da
nacionalidade até meados do séc. XIII; a partir daí começou a
ceder essa posição à lei, no que se refere à criação do direito novo
(que passou então a ser criado, em regra, por via legislativa).
 As Ordenações (todas elas) consagram expressamente o costume
como fonte do direito português (fonte imediata de direito), a par
da lei e dos estilos da Corte; o costume mantinha a eficácia de
fonte de direito, em qualquer das suas modalidades – costume
conforme à lei (secundum legem), costume para além da lei
(praeter legem) e costume contra a lei (contra legem).
Época das Ordenações

 O costume segundo as Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas


 As Ordenações Afonsinas limitam-se a consagrar a vigência do «costume
dos nossos Reinos antigamente usado» (Liv. II, Tít. IX, pr.).
 As Ordenações Manuelinas (Liv. II, Tít. V, pr.), além de aludirem a
«costume longamente usado», estabelecem já alguma especificação:
 por um lado, referiam tanto a validade do costume (longamente) usado
em todos os «nossos Reinos» – costume geral – como em «cada uma
parte deles» – costume local (talvez com o objetivo de evitar dúvidas
surgidas a propósito da formulação das Ordenações Afonsinas);
 por outro lado, exigia-se que esse costume longamente usado, geral ou
local fosse tal que «por Dereito se deva guardar», limitando-se a sua a
observância, como fonte imediata, aos casos em que a doutrina
romanística e canonística admitisse a sua vigência.
Época das Ordenações

 As Ordenações Filipinas (Liv. III, Tít. LXIV, pr.) mantiveram o disposto nas
Ordenações anteriores, apenas com a modernização da linguagem.
 Requisitos de validade do costume que a ciência jurídica da época
estabelecia (e para a qual remetiam as Ordenações Manuelinas e
Filipinas), a respeito dos quais haviam muitas divergências entre os
autores do direito comum (romano-canónico)
 Como vimos, o fundamento da obrigatoriedade do costume, dotado da
mesma força da lei, geralmente reconhecida, resultava da harmonização
da sua génese – o consenso colectivo exteriorizado numa certa conduta
reiterada – com o princípio de que a vontade do monarca representava a
fonte básica ou única da criação do direito positivo; não sendo possível
fazer prova do conhecimento efectivo do costume pelo monarca,
sustentava-se que o costume correspondia à vontade tácita do rei.
Época das Ordenações

 Quanto aos pressupostos da força vinculativa do costume,


recordem-se os principais defendidos pela doutrina (alguns
dos quais lograram acolhimento na legislação, em
Portugal):
 A exigência de prescrição (pluralidade de manifestações),
isto é, de um certo número de actos (entre um e dez,
bastando dois se fossem de natureza judicial);
 A antiguidade – em matéria cível, de acordo com a
doutrina dos glosadores, 10/20 anos; alguns canonistas
exigiam 40 anos para o costume contrário à lei (que não
ofendesse normas de ordem pública); [Continua]
Época das Ordenações

 A conformidade com a lei de Deus e/ou com o


direito natural;
 A conformidade com a utilidade pública;
 A conformidade à razão (racionalidade) e ao
Direito;
 A conformidade ao bem comum (exigida por
certos canonistas). 

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