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A ética e sua aplicação ao Ministério Público e ao promotor de Justiça: algumas considerações

introdutórias

Felipe Schmidt1

Resumo: O estudo trata da Ética e de sua aplicação ao Ministério Público e ao Promotor de


Justiça. Tece considerações gerais e introdutórias acerca de aspectos conceituais da Ética, da
Moral e da Deontologia Jurídica (Ética Profissional) e de suas semelhanças e distinções.
Procura delinear uma Ética institucional do Ministério Público após a Constituição de 1988
(atribuições mais amplas, autonomia institucional, legitimidade de sua prática social) e uma
Deontologia Jurídica (Ética Profissional) aplicável especificamente aos Promotores de Justiça
(independência funcional, garantias e vedações, conduta pública e privada, imparcialidade,
produtividade e atualização, contenção da vaidade, relações com imprensa, partes, juiz, polícia
e advogados).

1 Introdução O estudo tece considerações introdutórias sobre a Ética e sua aplicação ao


Ministério Público e ao Promotor de Justiça. São abordados inicialmente alguns aspectos
gerais acerca de Ética, Moral e Deontologia Jurídica (Ética Profissional), com ênfase em sua
concepção, etimologia, aproximação e distinção. Em seguida, procura-se delinear uma Ética do
Ministério Público enquanto instituição, a partir de seu novo perfil traçado na Constituição de
1988. A partir de então, propõe-se uma Ética profissional (Deontologia Jurídica) específica do
Promotor de Justiça, à luz de preceitos constitucionais e legais vigentes e de experiências
hauridas do próprio cotidiano do exercício funcional. A discussão dessa temática decorre da
necessidade de se formular uma Ética do Ministério Público que seja apta a pautar e inspirar,
de modo uniforme, consolidando assim uma cultura comum, a atuação institucional de todos
os seus órgãos em face da coletividade. Quanto à Ética Profissional (Deontologia Jurídica) dos
Promotores de Justiça, busca-se nortear sua atuação para que ocorra de forma mais
adequada, máxime como decorrência dos ataques que lhes vêm sendo reiteradamente
dirigidos quando, em seu regular exercício funcional, expõem diversas ilicitudes e imoralidades
praticadas por figuras proeminentes do país. A pesquisa é baseada em fontes bibliográficas e
legislativas e também em alguns aspectos concretos da experiência profissional do autor. 2
Ética, Moral e Deontologia Jurídica: concepção, aproximação e distinção A fim de tratar da
matéria que constitui o objeto deste estudo de maneira mais exata, convém inicialmente
conceituar, relacionar, diferenciar e classificar, ainda que sucintamente e de modo geral, Ética,
Moral e Deontologia Jurídica. Ética e Moral são vocábulos que estão envolvidos em certa
ambiguidade. (CARDOSO; CORREA, 1998, p. 25). Quanto à etimologia, Ética e Moral têm igual
significado, qual seja, costume ou costumes. Aquela vem do grego ethos, e esta do latim
mores, e ambas designam as regras de comportamento aceitas por determinada comunidade.
(CARDOSO; CORREA, 1998, p. 26). Mas “apesar de equivalentes semanticamente, ética e moral
não são a mesma coisa” (CARDOSO; CORREA, 1998, p. 27): Isto porque representam faces
diferentes da normatividade de que depende o costume. A moral é a face subjetiva, nela a
norma é regra da ação reconhecida interiormente pelo sujeito. A ética é a face objetiva, já que
a norma constitui-se em principio norteador dos costumes do grupo social. A moral representa
o ponto de vista do individuo, e a ética o ponto de vista da cultura. Outra distinção diz respeito
à coerção. A moral possui caráter determinado, traduz um sentimento de dever, enquanto a
ética constitui um apelo orientador da ação de maneira global sem explicitar o que fazer
concretamente. (CARDOSO, CORREA, 1998, p. 28). Quanto à conceituação de Deontologia e de
Deontologia Jurídica, que designa a Ética profissional dos operadores do Direito, colhe-se do
magistério de Langaro (1992, p. 3): Deontologia é a “ciência dos deveres” ou simplesmente
“tratado dos deveres”. Deontologia jurídica é a disciplina que trata dos deveres e dos direitos
dos agentes que lidam com o direito, isto é, dos advogados, dos juízes e dos promotores de
justiça, e de seus fundamentos éticos e legais. No que toca à origem etimológica da palavra
deontologia, deontos designa o que é obrigatório, o que “deve ser”, ao passo que logos
significa ciência ou estudo. (CARLIN, 2005, p. 32). Desse modo, Deontologia Jurídica é o estudo
do que “deve ser”, em termos de conduta profissional dos operadores do Direito em geral.
Nessa linha, a fim de disciplinar adequadamente seu objeto, a Deontologia Jurídica “requer
normas reagrupadas em textos, estatutos ou códigos, exigindo, em seu estudo, noções de
disciplina, falta e sanção, entendidas, coletivamente, posto que destinadas ao conjunto da
profissão” (CARLIN, 2005, p. 33). Assim é que as normas de conduta dos membros do
Ministério Público, bem como as sanções aplicáveis em caso de sua transgressão, estão
vertidas na Constituição da República (especificamente as garantias que lhes são asseguradas e
as vedações que lhes são impostas) e nas leis orgânicas nacional e estaduais da instituição.
Quanto à violação de regras deontológicas, esta pode ser direta ou indireta, conforme seu
vínculo mediato ou imediato com a profissão, como se colhe da seguinte lição doutrinária:
Para que haja uma falta disciplinar, os códigos de deontologia exigem que esta possua uma
ligação com a profissão: este liame será direto (falta profissional propriamente dita) ou
indireto (quando há uma repercussão sobre a função, por exemplo, por faltas na ordem
privada). Estas duas categorias de infrações disciplinares devem se encontrar inseridas nos
diferentes textos deontológicos.

A falta de disciplina, ensina Bonnard, “consiste em toda falta que atente contra, direta ou
indiretamente, uma função”. Corresponde à inconduta a certa obrigação (deontas = deveres) e
pode ser de ordem privada (A) e de ordem profissional (B). (CARLIN, 2005, p. 126-127).
Ademais, a Deontologia Jurídica, quanto à sua sistematização, possui aspectos interno e
externo, aquele voltado às relações com os profissionais da mesma carreira e este com
pessoas alheias à profissão, como se infere do magistério de Carlin (2005, p. 36): Mais
precisamente, quanto ao seu objeto, o direito profissional, assim compreendidos os códigos de
deontologia, podem ser divididos em direito interno e externo. Do ponto de vista interno,
estas complicações constituem, antes de tudo, uma regulamentação da concorrência entre
indivíduos que exerçam a mesma profissão (por exemplo: advogados). Os deveres do
profissional concernem à ordem e aos colegas. Sob o aspecto externo, a deontologia visa a
repercussões a respeito de pessoas estranhas à profissão e cujo destino assegure o bom
funcionamento de um serviço de interesse geral, dando ao público garantias. Feitas essas
breves considerações gerais acerca de Ética, Moral e Deontologia Jurídica (Ética Profissional),
que permitem compreender de modo mais preciso as distinções e semelhanças entre seus
âmbitos, passa-se neste ensejo ao exame da ética institucional do Ministério Público, à luz de
seu novo perfil delineado pela Constituição de 1988. 3 Ética institucional do Ministério Público
a partir da Constituição de 1988 A Constituição da República de 1988 não apenas deu novos
contornos ao Ministério Público, mas praticamente o refundou, ao concebê-lo, nos termos de
seu art. 127, caput, como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, à
qual incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis. Acerca da atual conformação do Ministério Público, leciona Sanches
(2013, p. 106): O novo perfil institucional que corresponde à relevante missão constitucional
que foi atribuída ao Ministério Público, transformou a instituição em guardiã da legalidade
democrática, depositária das expectativas da sociedade, que passou a ter no Parquet um
verdadeiro aliado, redefinindo o sentido e o caráter de sua atuação, como instrumento de
concretização da cidadania. Quanto às atribuições gerais cometidas pela Constituição da
República ao Parquet, há que se aduzir inicialmente que “a defesa da ordem jurídica é o
objetivo da atuação do Ministério Público” (MAZZILLI, 2007, p. 69), que deve promovê-la com
imparcialidade e destemor. Já a defesa do regime democrático se dá não apenas pela
obrigatória atuação da instituição na matéria eleitoral, mas também na sua procura pela
afirmação dos princípios e pela busca dos objetivos do Estado Democrático de Direito no Brasil
(art. 1º e art. 3º da Constituição da República), por seu funcionamento como ombudsman e
mesmo pela fiscalização da constitucionalidade de leis e outros atos normativos do poder
público. No que tange aos interesses sociais, podem ser identificados como interesse público
primário, bem comum ou geral, cuja guarda e promoção competem por excelência ao
Ministério Público em face de sua destinação institucional, ao passo que, quanto aos
interesses individuais indisponíveis, tem-se que a indisponibilidade que enseja sua defesa pelo
Ministério Público pode decorrer de seu próprio objeto (natureza da lide) ou da condição da
pessoa que o titulariza (qualidade da parte), o que deve ser avaliado em cada caso que lhe seja
submetido a exame. Outrossim, é expressamente vedada ao Ministério Público a
representação judicial e a consultoria jurídica a entidades públicas (art. 129, IX, da Constituição
da República).

Assim, vê-se que a Constituição da República ampliou sobremaneira o alcance das atribuições
do Ministério Público na tutela dos direitos, circunstância que é essencial para a compreensão
de sua Ética institucional, voltada à plena consecução de seus misteres constitucionais, no
âmbito da Democracia e em favor da sociedade que representa. Agregada à ampliação das
funções do Ministério Público, veio a previsão de sua autonomia institucional, compreendida
como liberdade que tem cada ramo do Ministério Público de tomar as decisões que lhe são
próprias, sob os aspectos funcional, administrativo e financeiro (VASCONCELOS, 2009, p. 22),
sem subordinação a outros órgãos do Estado, observadas apenas a Constituição e as leis
vigentes (MAZZILLI, 2007, p. 72). Nessa linha, pelo art. 127, §2º, da Constituição da República,
ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo propor ao
Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por
meio de concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os
planos de carreira, cabendo à lei dispor sobre sua organização e funcionamento. No que tange
à autonomia financeira, a Constituição prevê em seu art. 127, §§ 3º a 6º, em suma, que o
Ministério Público elaborará sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei
de diretrizes orçamentárias. A autonomia institucional, projetada especificamente nesses três
âmbitos (funcional, administrativo e financeiro), permite ao Ministério Público o adequado
exercício de suas atribuições constitucionais e legais, sendo de vital importância para seu
pleno e independente funcionamento, mesmo porque não raro a instituição está em
confrontação com os detentores do poder (VASCONCELOS, 2009, p. 22), a cujos interesses não
deve e não pode se curvar. Dessa nova concepção constitucional do Ministério Público, com
atribuições ampliadas e voltadas exclusivamente para a sociedade e autonomia assegurada,
decorre uma Ética institucional. Segundo Brüning (2002, p. 157-158) “a ética de uma
instituição se manifesta nos usos e costumes, nas tradições, na lei estatal que a define e
organiza e, sobretudo, na legitimidade de sua prática social”, inteligência que é em tudo
aplicável ao Ministério Público. No que tange pontualmente à legitimidade de sua prática
social, há que se repisar que o Ministério Público serve exclusivamente à sociedade, e não ao
Estado ou aos governos. O Ministério Público é, na dicção de Lyra (2001, p. 70), “o curador do
interesse geral, o patrono do interesse coletivo”. Nessa mesma linha, já se reconheceu que “os
interesses mais relevantes e emergentes numa sociedade em transformação passaram a ser
titularizados pelos Promotores” (NALINI, 2015, p. 662). Em face de tais circunstâncias, a
proximidade do Ministério Público (instituição e membros) com a sociedade a que serve se
mostra fundamental para legitimar, junto a esta, suas práticas. Assim, conclui Brüning (2002, p.
161-162): Como se pode ver, é possível identificar a ética do Ministério Público com uma ética
social, humanitária, voltada para a defesa dos interesses das pessoas humildes, incapazes e,
mais recentemente, identificadas com a defesa de diversificados interesses coletivos e difusos,
como o meio ambiente, por exemplo. Deste amplo e relevante compromisso podemos dizer
que a ética do Ministério Público consiste numa ética humanitária ou mesmo holística,
comprometida com a defesa da ecologia, dos consumidores, dos hipossuficientes; uma ética
universal e democrática, de humanização da justiça e da lei, regida por princípios que
fornecem uma visão de integridade, de justiça real e não apenas formal. Mas a despeito desses
princípios, funções e objetivos de estatura constitucional que conformam a ética institucional
do Parquet, “a cultura jurídica do Ministério Público, fruto da formação da grande maioria de
seus membros, está fortemente marcada pelo paradigma do normativismo jurídico” (AREND;
BRANDÃO, 2002, p. 49). Segundo Arend e Brandão (2002 p. 49), “comprovam tal afirmativa a
atuação preponderantemente estatística que a instituição fomenta na atividade dos
Promotores e Procuradores de Justiça e o perfil da formação cultural selecionado nos
concursos públicos para ingresso na carreira”. E concluem: Com certeza, o domínio da
dogmática - também uma ansiedade cartesiana - não é atributo exclusivo e suficiente para
modelar um promotor de justiça, até porque muitos dos compromissos da dogmática jurídica
para com a humanidade ainda continuam solenemente banalizados, sem contar outros perfis
de conflitos para os quais ela ainda silencia. A apreensão de outros saberes das ciências
humanas e também das ciências da natureza são fundamentais para operar a transformação e
manter a legitimidade do Ministério Público perante a sociedade, afinal nestes tempos em que
fronteiras entre a ciência e a humanidade estão cada vez mais tênues, imprescindível manter-
se atento às novas formas do poder já ditadas pelo biopoder e pela biopolítica. (AREND;
BRANDÃO, 2002, p. 51). Desse modo, é preciso dar efetiva consecução à ética institucional do
Ministério Público delineada a partir da Constituição da República de 1988, a fim de contribuir
para solucionar a crise de sua cultura jurídica e de manter e reforçar sua legitimação social,
tarefa que cabe precipuamente aos membros da instituição. Assim, delineada, mesmo em
linhas gerais, a ética institucional do Ministério Público, é relevante, neste passo, examinar a
ética profissional (Deontologia Jurídica) do Promotor de Justiça. 4 Ética do Promotor de Justiça
(sua Deontologia Jurídica) A ética do Promotor de Justiça, tal qual a dos titulares de funções
públicas em geral, mas notadamente a daqueles cujos misteres envolvem o exercício de
parcela da soberania do Estado, de modo que podem ser qualificados de agentes políticos,
como são os membros do Ministério Público (SANCHES, 2013, p. 107), tem despertado
interesse desde a Antiguidade.

Assim é que Platão, no livro A República, discorre acerca dos predicados que devem ter os
juízes e magistrados (estes identificados pelo filósofo como agentes públicos em geral) na
cidade, concepção que em tudo é aplicável, ainda atualmente, aos integrantes do Ministério
Público, como se infere dos seguintes excertos daquela obra: o juiz, meu amigo, ainda que
tenha de governar a alma de outrem pela sua, não tem necessidade de andar na companhia
das almas perversas, nem que tenha percorrido a série de todos os crimes, com o único fim de
poder, com acuidade, conjeturar por si mesmo os crimes dos outros, como o médico conjetura
as doenças do corpo; ao contrário, é preciso que se tenha mantido ignorante e pura do vício,
se se quer que julgue corretamente o que é justo. Eis por que motivo as pessoas honradas se
mostram simples na sua juventude e são facilmente enganadas pelos maus, visto que não há
nelas modelos de sentimentos semelhantes aos dos perversos. (PLATÃO, 1997, p. 104). [...]
não convém que um juiz seja jovem, mas velho; é preciso que tenha aprendido tarde o que é a
injustiça, que a tenha conhecido sem alojála em sua alma, mas estudando-a longamente, como
uma estranha, na alma dos outros, e que a ciência, e não a sua própria experiência, lhe faça
sentir claramente o mal que ela constitui. (PLATÃO, 1997, p. 104). [...] devemos escolher para
magistrados aqueles que nos parecerem capazes de zelar pelas leis e as instituições da cidade.
(PLATÃO, 1997, p. 191). [...] tomaremos magistrados preferivelmente os que, conhecendo a
essência de cada coisa, não são inferiores aos outros nem em experiência nem em nenhuma
espécie de mérito”; “seria absurdo não escolhê-los, se, quanto ao resto, em nada são
inferiores aos outros”; “é necessário que homens que devem ser como acabamos de dizer
possuam, além disso, uma outra qualidade […], a sinceridade, uma tendência natural para não
admitirem voluntariamente a mentira, mas odiá-la e amar a verdade. (PLATÃO, 1997, p. 192).
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Projetando as lições do filósofo grego à atualidade, e considerando o Ministério Público
brasileiro pós-1988, no contexto de sua Ética institucional acima delineada, tem-se
inicialmente que, na forma do art. 127, §1º, da Constituição da República, figura entre os
princípios institucionais do Ministério Público a independência funcional, “princípio segundo o
qual cada membro e cada órgão do Ministério Público gozam de independência para exercer
suas funções, em face de outros membros e órgãos da mesma instituição” (MAZZILLI, 2007, p.
72). Dessa forma, em sua atividade-fim, “os membros do Ministério Público devem obediência
à Constituição, às leis, e à sua consciência, possuindo liberdade de convicção, não estando
submetidos à vontade de quem quer que seja” (VASCONCELOS, 2009, p. 107)..Quanto ao
ponto, a lição de Carlin (2005, p. 107) quanto ao Poder Judiciário é em tudo aplicável ao
Ministério Público: A total independência da função do Judiciário, em relação a todos, é
inerente a um princípio essencial, traduzido no fato de o juiz decidir em consciência e em
respeito ao direito, sem nenhuma pressão, direta ou indireta (influências externas e internas),
vertical (dos superiores hierárquicos) ou horizontal (outros julgadores). Certo, observe-se, que
a independência é, antes de tudo, uma questão de caráter, de liberdade íntima do juiz, de sua
forma moral, sendo que ela deve ser material e intelectual e dominada por um postulado
chave do Judiciário que resume todos os outros: o princípio da inamovibilidade, garantidor de
seus direitos profissionais e extraprofissionais, assegurando-lhe independência e
imparcialidade. Dessa forma, mais do que propriamente um princípio institucional do
Ministério Público, a independência funcional é uma questão de consciência, caráter e postura
do próprio Promotor de Justiça, que deve ser exercida e revelada cotidianamente em sua
atuação funcional junto à comunidade, que assim por certo reconhecerá, mesmo
espontaneamente, aquele predicado no órgão ministerial que a serve. A Constituição da
República também dispõe sobre as garantias asseguradas aos membros do Ministério Público,
entre Para verificar a autenticidade, acesse o site do MPE/TO e use a chave: 1ba73dd9 -
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2018 143 as quais, nos termos de seu art. 128, §5º, I, a vitaliciedade, após dois anos de
exercício, não podendo perder o cargo senão por sentença judicial transitada em julgado
(alínea a), a inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão
colegiado competente do Ministério Público, pelo voto da maioria absoluta de seus membros,
assegurada ampla defesa (alínea b), e a irredutibilidade de subsídio, fixado na forma do art. 39,
§ 4º, e ressalvado o disposto em seus arts. 37, X e XI, 150, II, 153, III, 153, § 2º, I (alínea c).
Como já sabido, tais garantias protegem propriamente não a pessoa natural do membro do
Ministério Público (pois se assim fosse representariam verdadeiro privilégio, incompatível com
a igualdade de todos perante a lei), mas sua figura enquanto órgão de execução da instituição
e principalmente o exercício de suas atribuições funcionais. Tais garantias também consistem,
ainda que de modo indireto, em segurança conferida a toda a sociedade quanto à atividade
desempenhada pelo Promotor de Justiça. Também as vedações aos membros do Ministério
Público são disciplinadas em sede constitucional, entre as quais, nos termos do art. 128, §5º, II,
da Constituição da República, receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários,
percentagens ou custas processuais (alínea a), exercer a advocacia (alínea b), participar de
sociedade comercial, na forma da lei (alínea c), exercer, ainda que em disponibilidade,
qualquer outra função pública, salvo uma de magistério (alínea d), exercer atividade político-
partidária (alínea e) e receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de
pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei (alínea
f). Na forma do art. 128, §6º, c/c art. 95, parágrafo único, V, da Constituição da República, é
vedado aos membros do Ministério Público exercer a advocacia no juízo ou tribunal perante o
qual oficiavam, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou
exoneração. Para verificar a autenticidade, acesse o site do MPE/TO e use a chave: 1ba73dd9 -
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de 2018 As referidas vedações, tais quais as garantias antes abordadas, visam a garantir o
pleno desempenho das funções institucionais dos membros do Ministério Público,
assegurando que suas atribuições sejam exercidas de modo isento e correto. Essas as bases
constitucionais expressas da Ética Profissional (Deontologia Jurídica) do Promotor de Justiça,
que vai pormenorizada em dispositivos das leis orgânicas nacional e estaduais de regência da
instituição. Passando a aspectos mais concretos da Deontologia Jurídica dos membros do
Ministério Público, a conduta do Promotor de Justiça, tanto em sua vida pública quanto
privada, é questão de relevância, que atrai a atenção de tantos quantos com ele se relacionam
profissionalmente e de sua atuação dependem. Aliás, a preocupação com a conduta se inicia
mesmo antes do ingresso na carreira, como leciona Langaro (1992, p. 87): […] exigem-se do
candidato ao Ministério Público requisitos pessoais, marcantes de sua personalidade na alta
missão, de relevância pública e social. Assim, indispensável se faz que o desempenho da
função reúna no candidato atributos, como de uma inteligência arguta, de uma memória fiel,
de uma personalidade com consciência moral reta e acentuada independência pessoal e
moral. Além de tudo, deve exibir, em seu comportamento privado e funcional, uma segura
maturidade psíquica e segura estabilidade emocional. Na sua imparcial função deve mostrar
lúcida percepção da realidade dos fatos e perfeito equilíbrio na valorização ética das partes e
na interpretação justa da lei. Por fim, e acima dos referidos requisitos pessoais, que o membro
do Ministério Público, como riqueza inatingível, seja um homem de caráter bem formado e de
profunda consciência dos deveres e direitos da função pública. (grifos no original) No mesmo
sentido, quanto à seleção de candidatos à carreira ministerial, vai a posição de Lyra (2001, p.
73): “Alselme Petetin preconiza para a investidura do Ministério Público a escolha severa de
pessoas, que mais se recomendem pela gravidade e pela probidade do caráter do que pelo
talento e eloquência”, predicados Para verificar a autenticidade, acesse o site do MPE/TO e
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Nº 16 2º semestre de 2018 145 esses imprescindíveis ao correto e fiel desempenho das
atribuições conferidas pela Constituição da República ao órgão ministerial. Além disso, dado o
crescente número de diplomados em Direito interessados no ingresso na carreira, “para um
concurso que avalia memorização, o risco de se admitir pessoa inapta ao desempenho das
funções ministeriais é cada vez mais presente” (NALINI, 2015, p. 668). Após o ingresso na
carreira, o Promotor de Justiça, tal qual o Juiz, “deve ter a convicção de que está ao serviço da
sociedade em que vive, fundamento suficiente de seu equilíbrio e estabilidade. Possuir,
claramente, consciência da imprescindibilidade do bom trabalho e da confiança daqueles que
se apresentam diante dele” (CARLIN, 2005, p. 82). Mas, diferentemente do Magistrado, que
obedece ao princípio da inércia, o Promotor de Justiça é órgão agente, que provoca a atuação
do Poder Judiciário, sendo, no magistério de Nalini (2015, p. 665) “o juiz ético do cabimento da
iniciativa ou intervenção” do Ministério Público, mesmo porque “quase sempre depende de
sua consciência perseguir a realização de alguns valores, interessar-se efetivamente pela
concretização da justiça e exaurir o imenso rol de suas incumbências, para o que se pede
considerável esforço e disposição ao sacrifício”. Ainda, há que se ter em conta que “a
vinculação do Promotor a grupos ou a expressões de força na comunidade pode tolher sua
independência para a persecução em termos penais e de improbidade” (NALINI, 2015, p. 665).
Desse modo, deve o Promotor de Justiça evitar relações e contatos de natureza não
institucional com quem quer que seja que possa ser atingido, direta ou indiretamente, por sua
atuação funcional. Acerca desse ponto, veja-se novamente a lição de Nalini (2015, p. 666): Os
prejudicados com a atuação ministerial sabem que é impossível a sua remoção, como se fora
um funcionário subalterno. Por isso mesmo, investem num assédio sutil, na exploração da
vaidade, no Para verificar a autenticidade, acesse o site do MPE/TO e use a chave: 1ba73dd9 -
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de 2018 envolvimento aparentemente afetivo. Até que o Promotor fique enredado e não
enxergue o que acontece naqueles ambientes por ele frequentados, mas que reclamariam sua
atuação mais firme, liberta de quaisquer laços de dependência. Nessa linha, é necessário ao
Promotor de Justiça, além de independência funcional, já examinada, ter imparcialidade. Vale
dizer, deve ele defender o interesse de todos, e não o de alguns poucos, não sendo admissível
que se utilize de seu cargo para promover perseguições ou desfavorecimentos em face de
quem quer que seja. Acerca da imparcialidade, veja-se o ensinamento de Lyra (2001, p. 75):
Imparcialidade não quer dizer, porém, displicência, negligência, indiferença. O Promotor
Público precisa conhecer, compreender e interpretar todas as realidades, todas as lutas em
que se chocam os homens, todos os problemas que se debatem na sociedade, para
corresponder aos seus deveres, na polêmica judicial. Como homem público, na sua mais bela
modalidade, renunciará, no exercício do cargo, a qualquer reserva mental, a qualquer
preconceito, a qualquer facciosismo. Ainda no âmbito da imparcialidade, no que tange às
relações do Promotor de Justiça com o poder político, há que se fazer outra vez referência à
lição de Lyra (2001, p. 109) para o qual “o homem da lei não pode transformar-se em agente
dócil do homem do poder”, de modo que o membro do Ministério Público “pondo em
movimento a máquina judiciária, não age em nome do Poder Executivo ou sob a sua
orientação, e sim em nome da sociedade, sob a orientação da lei” (LYRA, 2001, p. 117). Nessa
linha, o Promotor de Justiça, tal qual o Juiz, “deve distanciar-se daquelas ações de natureza
partidária, que ensejariam motivos bastantes para acreditar-se estar ele envolvido em
atividades interditas” (CARLIN, 2005, p. 55). No que tange à produtividade em seu exercício
funcional, desdobramento da eficiência que pauta a atuação de toda a Administração Pública
(art. 37, caput, da Constituição da Para verificar a autenticidade, acesse o site do MPE/TO e
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Nº 16 2º semestre de 2018 147 República), deve o Promotor de Justiça envidar todos os
esforços para cumprir (e, se possível, superar) as metas de trabalho fixadas pela Corregedoria-
Geral do Ministério Público. Todavia, cabe anotar que a quantidade de trabalho apresentada
não pode vir em prejuízo de sua qualidade. Conforme Carlin (2005, p. 80), “a confrontação
diária do binômio quantidade-qualidade e as pressões cotidianas e afetivas, onde a ética,
muitas vezes, opõe-se à estatística, são o problema da produtividade. A ética se situa na
escolha da solução da melhor justiça”. Por isso, a fim de buscar sempre o aprimoramento dos
serviços, o Promotor de Justiça tem também a obrigação de atualização, ou seja, de
desenvolver estudos constantes, principalmente no(s) ramo(s) da Ciência do Direito em que
desempenha suas atribuições, mas não apenas nele(s), tendo em vista a possibilidade de
substituição ou colaboração com outros órgãos ministeriais atuantes em matérias por vezes
distintas, além da perspectiva de movimentação na carreira, que pode conduzir o órgão do
Ministério Público a atuar em searas diversas das da lotação de origem. Os estudos contínuos,
além de garantirem a eficiência da atuação institucional, levam ao refinamento do próprio
Promotor de Justiça, o que acaba por favorecer seu desempenho funcional, como leciona
Carlin (2005, p. 62-63): A vida é um processo continuo de superação. Os estudos servem,
eficazmente, para cultivar a personalidade, aperfeiçoar a convivência social, disciplinar a
inteligência, despertar o espírito crítico, a objetividade e a metodologia, indispensáveis à
interpretação das leis, fomentar a prudência e a humildade, suficientes para ensinar o caminho
da verdade, exaltando o seu sentido moral e, por último, incendiar a ânsia da liberdade, do
respeito às pessoas e da solidariedade humana, fazendo compreender que são o melhor
instrumento da convivência do império do direito, da ordem, da paz e da Justiça. Todavia, os
estudos e outras atividades similares, como lecionar em instituições de ensino superior ou
cursos preparatórios Para verificar a autenticidade, acesse o site do MPE/TO e use a chave:
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semestre de 2018 para carreiras jurídicas, não podem se sobrepor, em importância, ao
trabalho pelo qual o Promotor de Justiça é responsável, o que viria, ao contrário do que se
pretende, resultar em prejuízo da atuação institucional. Veja-se a advertência de Lyra (2001, p.
94): Enquanto isso, o crime espera punição, os prazos decorrem, aproxima-se a prescrição,
desaparecem ou se tornam deficientes as provas, quase sempre confiadas à memória das
testemunhas. A ciência não pode ser cúmplice ou instrumento da impunidade ou da
iniquidade, pois a sua única finalidade é o aperfeiçoamento da civilização e o bem da
humanidade. Deve ainda o Promotor de Justiça conter a vaidade que acaso tenha, que por
certo vem em prejuízo de sua atuação funcional. Acerca da matéria, leciona Nalini (2015, p.
667): A vaidade é uma companhia indesejável, mas muito próxima a determinada espécie de
pessoa. O promotor pode ser atingido por ela. Compreende-se que, detentor de bandeiras as
mais simpáticas – a defesa do meio ambiente, da cidadania, do patrimônio público, dos
consumidores, das minorias indígenas e de todas as outras minorias –, dispensem-lhe
privilegiado tratamento os profissionais da comunicação. Isso não pode converter-se em
estímulo para um atuar às vezes temerário, mas garantidor da fama transitória reservada aos
heróis descartáveis. Sobre esse aspecto, também se manifestou Lyra (2001, 93): Na sua
função, o Promotor Público não pode visar a prosperidade ou a glória. Essa não se conquistaria
com a remuneração com que se retribui a inteira atividade na audiência, no foro, no gabinete,
nas repartições, dentro e fora de légua, na anacrônica expressão do regimento de custas. A
glória ainda é mais longínqua e imprópria. Aliás, nada mais aberrante do que a vaidade do
Promotor Público pelos resultados dos julgamentos. Ora, o Promotor Público não é
responsável pelas absolvições nem autor das condenações, mas o processo, a lei e o critério do
julgador. Não é por sua vontade ou diretamente, por seu esforço, que se condena ou absolve.
Há ainda que se tratar sobre o impedimento e a suspeição do órgão ministerial nos casos
previstos na legislação (arts. 252 a 256 e 258 do Código de Processo Penal e arts. 144, 145 e
148, I, do Código Para verificar a autenticidade, acesse o site do MPE/TO e use a chave:
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semestre de 2018 149 de Processo Civil). Aqui, mais do que examinar cada hipótese de
suspeição ou impedimento, cabe considerar, de maneira geral, que é dever do Promotor de
Justiça declarar-se suspeito ou impedido nas hipóteses legais (art. 43, VII, da Lei n. 8.625/93) e
anotar que, caso não o faça, poderá ser responsabilizado pelos prejuízos que causar, e não
apenas na seara funcional (administrativa), mas também cível e criminal. No que tange ao
âmbito particular, ao Promotor de Justiça “é facultado exercer todos os direitos de cidadão em
sua vida privada, nos limites em que ela não interfira nas suas atividades profissionais”
(CARLIN, 20052, p. 81). Assim, não deve o Promotor de Justiça descuidar de seu
comportamento privado (v.g. consumo excessivo de álcool, uso inadequado de documentos de
identificação funcional, forma como se apresenta em público, lugares que frequenta, pessoas
com quem se relaciona), que por certo, notadamente em pequenas cidades do interior, tem
grande influência sobre a credibilidade e respeitabilidade da imagem e do trabalho, não só do
Promotor de Justiça, mas do próprio Ministério Público. Também as relações do Promotor de
Justiça com a imprensa devem ser marcadas pela moderação, de modo que não seja “acusado
de se aliar à mídia para divulgar informações temerárias” (NALINI, 2015, p. 668), de ter violado
seu sigilo funcional, cometido lesão à honra de terceiros ou ainda de ser inclinado ao
espetáculo. É lição de Lyra (2001, 105): Já nos referimos aos prejuízos que traz o amor à
publicidade por parte do Promotor Público. Além disso, daí resultam inconveniências à tática
funcional, quando se desvendam as armas e os rumos, às vezes previamente, para não falar no
péssimo efeito da apresentação parcial ou artificial ou problema em apreço. Ocorrem, assim,
desvirtuações profundamente nocivas, facilitando-se, com os debates jornalísticos, a
penetração, nas causas, dos interesses e das paixões, quando não a exploração industriosa
dessas tendências exibicionistas. Quase sempre fica enfraquecida a ação dos membros do
Ministério Público ou dos juízes, pelas competições, pelos constrangimentos, pelos atritos,
pelas rivalidades estimuladas aos olhos da opinião pública. Para verificar a autenticidade,
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Revista Jurídica do MPE-TO / Ano 11 Nº 16 2º semestre de 2018 As entrevistas, mesmo sob o
aspecto doutrinário, podem envolver compromissos, prevenir os adversários, que aproveitam
as opiniões externadas, quando as mesmas teses se agitam nos casos concretos. Assim, por
cautela, deve o Promotor de Justiça, a título de informação à comunidade em que atua,
apenas falar ao público sobre as providências que eventualmente já tomou quanto a dada
matéria, nada referindo acerca daquelas que ainda adotará. Ademais, mesmo quanto às ações
que já promoveu, por vezes deve cogitar da conveniência de aguardar a emissão de
pronunciamento judicial (v.g. liminar ou sentença) acerca delas, para só depois se manifestar,
ainda que a decisão venha a desafiar recurso, circunstância que deve igualmente ser
informada ao público. Também não deve o Promotor de Justiça se posicionar publicamente
sobre temas que não estejam sob sua responsabilidade, mas a cargo de outro órgão
ministerial. As relações do Promotor de Justiça com a vítima e o réu, bem assim com as partes,
devem se pautar por postulados elementares de certos valores absolutos, como o respeito à
vida, à dignidade e à honra da pessoa, além de cortesia e probidade. Quanto à postura do
Promotor de Justiça diante do réu e da vítima no processo criminal, escreveu Lyra (2001, p.
80): Faltará, no entanto, à ética, numa de suas regras essenciais, o Promotor Público que
injuriar o réu, ou, mesmo, vexá-lo sem estrita necessidade. Mais do que violação da ética, isso
constitui covardia, na rigorosa expressão da palavra. É, também, impolítico, desastrado,
contraproducente esse procedimento pelo péssimo efeito, pelo desprestígio da função, pelo
descrédito do orador judiciário. Não se deve esquecer, no entanto, que, pelo menos, tão
sagrada quanto a do réu é a pessoa da vítima. Ainda, não pode o Promotor de Justiça dar
aconselhamento jurídico às partes, uma vez que lhe é vedado exercer a advocacia (art. 128, II,
b, da Constituição da República), sob pena de sua suspeição, quebra da imparcialidade e da
igualdade entre os litigantes e até de responsabilização. Tampouco pode, como visto, dar
orientação jurídica a agentes públicos (v.g. Prefeito, Vereadores, Secretários e Para verificar a
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37fb8d4a Revista Jurídica do MPE-TO / Ano 11 Nº 16 2º semestre de 2018 151 Procuradores
Municipais), uma vez que lhe é vedada a consultoria jurídica a entidades e órgãos públicos (art.
129, IX, da Constituição da República), o que pode comprometer sua atuação, embora, em
especial em pequenas cidades do interior, seja por aqueles comumente instado a fazê-lo.
Quanto às relações do Promotor de Justiça com os Magistrados, há que se ter em conta,
novamente, a lição de Lyra (2001, p. 131), para o qual “o Promotor Público e o Juiz participam,
por igual, da entidade Justiça Pública”, de modo que, em suma, “no convívio saudável entre
ambos, o melhor proveito é o da justiça” (NALINI, 2015, p. 678). Quanto às relações com a
Polícia, “no trato com as autoridades policiais, cumpre ao Promotor Público, além do respeito
devido às prerrogativas daqueles colaboradores e não subordinados, pugnar pelo prestígio que
advém da sua correção” (LYRA, 2001, p. 121). Com efeito, não há subordinação funcional entre
Delegado de Polícia e Promotor de Justiça, competindo a este, todavia, o controle externo da
atividade-fim (investigação) desenvolvida por aquele (art. 129, VII, da Constituição da
República). Ainda segundo Lyra (2001, p. 116), “o que ao Promotor Público não cabe é,
arbitrariamente, anular ou comprometer as legítimas iniciativas policiais. Mas, então, será
frouxo ou prevaricador, sofrendo as consequências disso, como qualquer outro funcionário”.
No que tange às relações dos Promotores de Justiça com os advogados, há que se ter sempre
presentes as recomendações de Lyra (2001, p. 192): Perdoem-me os meus queridos amigos os
advogados criminais. Mas, quando os veja na tribuna, fulgurantes de audácia e de hipocrisia,
negando a luz do sol, fazendo do preto branco e do quadrado redondo, acusando a vítima que
morreu e não o réu que matou, incriminando o Promotor Público que, se o réu não tivesse
cometido um crime, nada teria a ver com ele, fulminando as testemunhas porque cumpriram
um dever legal, que é, também, um dever cívico, estigmatizando a autoridade policial, que
investigou, que reuniu, afanosa e Para verificar a autenticidade, acesse o site do MPE/TO e use
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Nº 16 2º semestre de 2018 perigosamente, os elementos de prova, lembro-me de um
estelionato contra a sociedade. Com essas mistificações geniais, obtém lucro e proveito, além
da glória e da popularidade (os grandes advogados criminais de hoje, em regra, serão os
deputados de amanhã). Nosso lema para com os advogados, mesmo quando nos procuram
para antecipar argumentos ou diretrizes, para trocar impressões sinceras sobre a causa, há de
ser a de Floriano: confiar, desconfiando sempre... O conceito de lealdade e de sinceridade
assume, às vezes, elasticidade imprevista para gritar da tribuna confidências ou reservas,
dúvidas ou intenções íntimas que a boa fé ou a ingenuidade revelaram... Sejamos
intransigentes no terreno em que qualquer conciliação raia pela prevaricação, em que
qualquer concessão se equipara à frouxidão. No trato diário, nos incidentes que a marcha do
processo provoca, permitindo ou, mesmo, exigindo entendimentos ou esclarecimentos, sem
ultrapassar as fronteiras do dever, tratemos a todos, cordial e cortesmente, como colegas,
como auxiliares da Justiça, nunca, porém, como amigos, pois, mesmo esses, costumam separar
a amizade do negócio... Isso é que é prudente e útil. Com efeito, é comum que advogados
venham demandar do Promotor de Justiça, às vezes até de modo velado ou indireto, atividade
de consultoria jurídica (v.g. indagando que medida devem adotar em face de determinado
caso concreto) e/ou a antecipação de seu entendimento (v.g. questionando qual sua posição
acerca da dada matéria), que em nenhuma hipótese devem ser prestadas, sob pena de
suspeição e consequente necessidade de afastamento do Promotor de Justiça do processo
judicial ou procedimento extrajudicial e de quebra de imparcialidade do Ministério Público e
rompimento do equilíbrio processual entre as partes (uma vez que o patrono de uma das
partes teria obtido acesso privilegiado à informação de gênese do órgão ministerial), o que de
modo algum interessa à instituição. Quanto a essa postura, cabe referência a Nalini (2015, p.
664): O advogado é um profissional liberal que, na busca pela subsistência, muita vez se vê na
contingência de patrocinar causas em que não acredita. Por isso é que a ambiguidade ética
está à mostra. É muito tênue a barreira entre uma postura exemplar e a defesa a todo custo
do patrocinado. O repertório de questões práticas em que o tema Para verificar a
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37fb8d4a Revista Jurídica do MPE-TO / Ano 11 Nº 16 2º semestre de 2018 153 transparece
avoluma-se e se presta a um saudável exercício de reflexão sobre a ética no processo. Desse
modo, cabe ao Promotor de Justiça atentar para esses e outros aspectos de Deontologia
Jurídica (Ética profissional) quando de sua atividade funcional, a fim de dar consecução à Ética
que deve pautar a atuação institucional do Ministério Público. 5 Considerações finais Ao final
deste estudo, observou-se que a Ética, a Moral e a Deontologia Jurídica são matérias distintas,
porém correlatas. A Ética e a Moral designam regras de comportamento adotadas por
determinada comunidade. A Deontologia Jurídica trata das regras de conduta dos profissionais
do Direito, sendo seu aspecto interno voltado à relação com integrantes da mesma carreira e
seu aspecto externo às relações com pessoas alheias à profissão. As normas de conduta
profissional dos membros do Ministério Público estão previstas na Constituição, bem assim nas
leis orgânicas da instituição. A Ética do Ministério Público decorre de seu novo perfil
institucional traçado pela Constituição de 1988, que o estruturou como instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado à qual incumbe a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. A
Constituição de 1988 ampliou sobremaneira as atribuições do Ministério Público quanto à
tutela dos direitos, previu entre seus princípios institucionais a independência funcional e
conferiu ao órgão autonomia institucional nos âmbitos funcional, administrativo e financeiro.
Ainda, a instituição tem que atuar com os olhos voltados à sociedade, em face da legitimidade
de sua prática social. A Ética dos membros do Ministério Público, tal qual a dos agentes
públicos em geral, é objeto de preocupação desde Para verificar a autenticidade, acesse o site
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MPE-TO / Ano 11 Nº 16 2º semestre de 2018 a Antiguidade e continua sendo questão
relevante, exigindo-se predicados pessoais já do candidato ao ingresso na carreira. O Promotor
de Justiça, em suma, deve ter consciência de que atua para a coletividade e fazê-lo com
independência e imparcialidade. Assim, deve se distanciar de questões políticopartidárias, se
empenhar para cumprir as metas de produtividade fixadas por seu órgão correcional, zelando
ainda pela qualidade do trabalho, buscar constante aperfeiçoamento, conter sua vaidade
pessoal, se declarar suspeito ou impedido quando necessário e manter ilibada vida pública e
privada. No que tange à relação com entidades, órgãos e pessoas alheias ao Ministério Público,
o Promotor de Justiça deve, em síntese, se pautar com moderação quanto à imprensa, com
respeito ao réu e à vítima e cortesia quanto às partes, às quais não pode dar aconselhamento
jurídico, ter boa relação com a autoridade judiciária, colaborar com a Polícia e ter prudência
quanto aos advogados. Enfim, a matéria ora abordada, além de relevante e atual, é
extremamente vasta e controvertida, de modo que estas considerações não exaurem o tema,
sendo apenas breves apontamentos acerca dele. Referências AREND, Márcia & BRANDÃO,
Paulo de Tarso. Holismo e Cultura Jurídica no Ministério Público. In: MONDARDO, Dilsa &
FAGÚNDEZ, Paulo Roney Ávila (orgs.). Ética holística aplicada ao Direito. 2. ed. Florianópolis:
OAB/SC, 2002. BRÜNING, Raulino Jacó. Ética Humanitária do Ministério Público. In:
MONDARDO, Dilsa & FAGÚNDEZ, Paulo Roney Ávila (orgs.). Ética holística aplicada ao Direito.
2. ed. Florianópolis: OAB/SC, 2002. CARDOSO, Sérgio Eduardo & CORREA, Joseane Aparecida.
Direito, Moral e Ética. In: CARLIN, Volnei Ivo (org. e coautor). Para verificar a autenticidade,
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Jurídica do MPE-TO / Ano 11 Nº 16 2º semestre de 2018 155 Ética e bioética. Novo Direito e
Ciências Médicas. Florianópolis: Terceiro Milênio, 1998. CARLIN, Volnei Ivo. Deontologia
jurídica: ética e justiça. 3. ed. Florianópolis: OAB/SC, 2005. LANGARO, Luiz Lima. Curso de
deontologia jurídica. São Paulo: Saraiva, 1992. LYRA, Roberto. Teoria e prática da Promotoria
Pública. Porto Alegre: SAFE, 1989; Reimpressão, 2001. MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao
Ministério Público. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. NALINI, José Renato. Ética geral e
profissional. 12. ed. São Paulo: RT, 2015. PLATÃO. A República. Tradução de Enrico Corvisieri.
Coleção Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1997. SANCHES, Helen Crystine Corrêa. A
atuação do Ministério Público e a fraternidade. In: VERONESE, Josiane Rose Petry & OLIVEIRA,
Olga Maria B. Aguiar de. (orgs.) Direito e Fraternidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.
VASCONCELOS, Clever Rodolfo Carvalho. Ministério Público na Constituição Federal. Doutrina
esquematizada e jurisprudência. Comentários aos artigos 127 a 130 da Constituição Federal.
São Paulo: Atlas, 2009.

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