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(Publicado em 08/07/2016)
Eu queria dizer uma coisa para os jovens (entre 25 a 35 anos) que estão
enfrentando sua primeira grande crise econômica no país: não desesperem nem
desanimem. O Brasil, acreditem, já enfrentou coisa pior. E nem faz muito tempo.
Eu vou contar aqui como foi (não se impressione com o tamanho do texto) e depois
vou dar algumas sugestões de como lidar com as crises econômicas. Não apenas
com esta crise. Mas com todas as que ainda estão por vir.
Este artigo foi publicado no TRÊS MINUTOS Ano 17 Número 19 de 07/07/2016
Pois bem: no dia 28 de fevereiro de 1986 (uma sextafeira, há 30 anos) o Brasil acordou em
polvorosa. Os bancos não abriram. O presidente José Sarney anunciou um Plano audacioso de
Estabilização Econômica, que logo recebeu o nome de "Plano Cruzado" (porque a moeda mudou de
nome de Cruzeiro para Cruzado e perdeu três zeros).
A economia não vinha bem. Havia uma certa instabilidade política. O país recém saíra de um regime
militar que durara 20 anos. Eram novos tempos.
Com o plano econômico daquele 28 de fevereiro, os preços, o câmbio e os salários foram
congelados, foi instituído o gatilho salarial e a população foi chamada para defender os novos
paradigmas econômicos. Surgiram os "Fiscais do Sarney" (pergunte para o seu pai ou sua mãe. Eles
vão lembrar dos Fiscais do Sarney).
O plano foi um sucesso! A inflação (que no ano anterior foi de 235%) recuou e os salários ganharam
fôlego... parecia que os problemas do Brasil, finalmente, haviam sido resolvidos. Mas a calmaria
durou pouco. Depois de alguns meses os produtos desapareceram do mercado. O país passou a
enfrentar o desabastecimento e o Plano Cruzado começou a fazer água.
Eu me formei engenheiro (na UFSC) em julho de 1986. Bem no meio disso tudo. Abri meu escritório
de Engenharia, em Rio do Sul, exatamente quando o Plano Cruzado estava afundando e o governo
Sarney anunciava o Plano Cruzado 2, em novembro (alguns dias depois das eleições, claro). O novo
Plano trazia o fim do congelamento e a elevação dos preços das tarifas públicas.
E assim, naquele ano de 1987, a inflação atingiu 415,87%.
No Brasil daquela época já estava instituída a cultura dos pacotes econômicos. A sociedade (a
população, a imprensa e, principalmente, os empresários) ficavam especulando sobre o próximo
plano econômico, enquanto isso a economia estagnava. Ninguém investia, ninguém fazia projetos.
Os escritórios de Arquitetura e de Engenharia quebravam um atrás do outro. A década perdida
estava fechando com chave de ouro.
A inflação de 1988 ultrapassou a barreira dos quatro dígitos: bateu em 1.037,53%. Por isso, em
janeiro de 1989 houve uma nova tentativa: foi lançado o "Plano Verão", capitaneado pelo então
ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega. Preços foram congelados, o cruzado perdeu três zeros e
passou a se chamar Cruzado Novo.
Novamente, deu tudo errado. E a inflação de 1989 chegou a 1.782.85%. Você leu certo! é isso
mesmo: 1.782.85% de inflação num único ano!
UMA ESPERANÇA NO HORIZONTE
Mas em 1989 o Brasil estava cheio de esperanças. Haveria uma eleição para presidente da
república. Da disputa entre vários candidatos resultou um segundo turno entre Lula e Fernando
Collor. Collor levou a melhor e foi eleito. Tomou posse no dia 15 de março de 1990.
Um dia depois da sua posse Fernando Collor de Mello declarou feriado bancário de dois dias e
anunciou seu Plano de Estabilização Econômica. Foi um choque! Estabeleceuse um pânico na
sociedade (especialmente aquela parte da sociedade que produzia riquezas para o país).
O Plano Collor foi, sem dúvida, o mais traumático de todos os planos econômicos, pois promoveu o
confisco das poupanças e das contas correntes, além do tabelamento dos preços e da extinção de 24
órgãos do governo. A moeda voltou a se chamar Cruzeiro.
A economia doméstica foi dizimada. Da noite para o dia simplesmente não havia mais dinheiro em
circulação pois quem tinha dinheiro em banco (conta corrente ou poupança) simplesmente não
poderia utilizálo. Foi uma coisa triste demais. Gente que tinha, por exemplo, vendido uma casa
para comprar um apartamento, ficou, da noite pro dia, sem a casa e sem o apartamento. Simples
assim.
Muita gente sofreu. Casamentos se desfizeram, Pessoas ficaram doentes. Outros, no limite,
cometeram suicídio. Era uma coisa terrível!
O Plano Collor, não deu certo. Não venceu a inflação, que, em 1990, chegou a 1.476,71%.
Em janeiro de 1991, a ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Mello, anunciava na TV novas medidas
econômicas que congelaram preços, salários e serviços. Era o novo plano econômico do governo
Collor. O Plano Collor 2.
O fracasso desse novo plano custou o cargo da ministra que deu lugar a Marcílio Marques Moreira
(em maio de 1991). O Brasil inteiro entrou em novo compasso de espera. E vieram novos ajustes na
economia. A sucessão de medidas de impacto na economia não foram suficientes: a inflação em
1991 baixou, mas ainda estava em absurdos 480,17%.
O governo Collor começou a afundar com denúncias de corrupção e uma oposição ferrenha exercida
principalmente pelo PT, que resultou no pedido de impeachment do presidente. Assim, o programa
econômico de Marcílio Marques Moreira, que previa a redução drástica da hiperinflação, foi
prejudicado e por fim, suspenso.
Collor acabou caindo, no segundo semestre de 1992. Itamar Franco assumiu o governo e nomeou
Gustavo Krause Gonçalves Sobrinho para o Ministério da Fazenda. Krause foi substituído depois por
Paulo Roberto Haddad, que logo depois foi substituído por Eliseu Resende. O Brasil trocava mais de
Ministro da Fazenda do que os brasileiros trocavam de roupa. E cada ministro novo significava um
novo pacote de medidas para a economia. Nada funcionava. Era uma coisa horrorosa ser
empresário no Brasil daquela época.
A inflação acumulada de 1992 foi de 1158,0%. Não havia esperanças. Só os loucos empreendiam.
Só ganhava dinheiro quem conseguia especular no mercado financeiro, ou seja: quem já tinha
dinheiro. Os pobres e os pequenos empresários eram os que mais sofriam.
ITAMAR FRANCO E SEU PLANO FHC
Em maio de 1993 Fernando Henrique Cardoso assumiu o ministério da Fazenda. Logo em seguida,
novo pacote de medidas em que o Cruzeiro Real (CR$) substitui o Cruzeiro, que perdeu três
zeros (isso era muito comum em tempos de inflação exorbitante).
As primeiras medidas contra a inflação do novo ministro não surtiram grandes resultados. A inflação
acumulada do ano de 1993 foi de 2.780,6%. O Brasil bateu no fundo do poço!
A virada começou quando, em fevereiro de 1994 foi lançado um novo programa de estabilização
econômica, chamado Plano FHC. O plano criava a URV (Unidade Real de Valor), indexador que seria
base para uma nova moeda que seria lançada mais tarde.
Ninguém mais tinha esperança. Por isso ninguém deu muita importância para um plano econômico
que não foi apresentado de forma espetacular. Não houve choque econômico, nem congelamento de
preços, nem feriado bancário nem surpresas de nenhuma natureza. Haveria apenas uma transição
na qual a sociedade haveria de se reacostumar com preços ancorados e redescobrir o real valor das
coisas, até estar pronta para a entrada em cena da tal nova moeda (cuja transição seria, também,
sem sobressaltos).
O universo inflacionário no qual o Brasil vivia era insano. Havíamos perdido a noção do valor dos
produtos. Com a entrada em cena da URV conseguimos perceber que alguns produtos tinham preços
que eram simplesmente absurdos. Uma calça jeans, por exemplo, poderia ter o preço de uma TV
das grandes. Um cafezinho poderia custar o preço de um corte de cabelo. Um jantar poderia custar
o preço de um equipamento de som. Vivíamos em um mundo sem referências.
A nova moeda, o Real, entrou em circulação em julho de 1994, mantendo a paridade de 1 pra 1 com
a URV, o que tornou o processo muito transparente e tranquilo. Com o Real, o país finalmente
passou a ter crescimento sem inflação.
ENFIM, NOVOS TEMPOS
Com uma moeda forte e com a inflação finalmente sob controle, o Brasil passou a viver um tempo
de estabilidade econômica e de prosperidade. A segunda metade da década de 1990 foi marcada
pelo desenvolvimento das empresas e pela introdução de novas tecnologias de produção, que levou
alguns escritórios de Arquitetura e de Engenharia a experimentar algumas turbulência (leia mais a
respeito disso no artigo A DÉCADA EM QUE ESTÁVAMOS PERDIDOS que eu escrevi em 2013).
Essas turbulências levaram muita gente a achar (equivocadamente) que a tal crise da década de
1980 ainda não havia acabado.
Mas o Brasil havia vencido a crise, definitivamente. E, no início dos anos 2000 todos os índices
econômicos navegavam em mar de almirante. Essa estabilidade só foi quebrada em 2002 com a
crescente possibilidade de o PT vencer as eleições. Os mercados, ficaram apreensivos e houve uma
forte valorização do dólar e até mesmo algum avanço da inflação. Tudo voltou ao normal logo
depois da eleição, quando se viu que Lula manteria os principais pilares da economia estabelecidos
no governo anterior. No primeiro governo do presidente Lula a economia do Brasil continuou sua
viagem em mar de almirante e céu de brigadeiro.
TEMPESTADE NO HORIZONTE
Se Lula teve um governo repleto de crises políticas (especialmente por conta do processo do
chamado Mensalão), pelo menos restavalhe o desempenho da economia. A política ia mal, mas a
economia ia bem. No fim o resultado foi bom e Lula conseguiu eleger seu sucessor: Dilma Roussef
No início dos anos 2000, enquanto usufruia de uma economia em ordem e de uma moeda forte, o
presidente Lula e seus aliados não cansavam de reclamar da "herança maldita" deixada pelo
governo anterior. Dilma Roussef não teve a mesma sorte. Infelizmente (para ela) o seu antecessor
não foi Fernando Henrique Cardoso. Ela teria de lidar com a herança deixada por Lula. A herança
econômica era ruim, mas a herança política era ainda pior: uma bomba relógio. Uma bomba
atômica!
Enfim... deu no que deu. Os números falam por si: (a) o Brasil está mergulhado numa recessão
profunda; (b) o rombo nas contas públicas passa dos 70 bilhões (isto é quase dez vezes o que o
governo brasileiro gastou com a Copa do mundo); (c) A taxa de juros está acima de 14%; (d) o
Brasil teve sua avaliação rebaixada sistematicamente por diversas agências de risco
internacionais (está com o nome no Serasa internacional) e (e) o número mais cruel de todos: 11
milhões de desempregados no país!
RESUMINDO: o Brasil enfrenta hoje uma crise quase do tamanho da que enfrentamos na década de
1980.
Muitos jovens não sabem como lidar com isso. Muitos dos veteranos já esqueceram como foi lidar
com aquilo (alguns, inclusive, tentaram, durante muitos anos, apagar da memória aqueles anos
horrorosos!).
Mas é importante tentar lembrar o que aprendemos naquela crise e que podemos utilizar na
travessia da atual?
A melhor coisa a se fazer, em relação a uma crise econômica, é não ser atingido por ela. O
problema é que isso não pode ser feito se a crise já está esmurrando a sua porta. Aí já é tarde
demais. É importante não deixar a crise chegar nem perto da sua porta. Isso é uma coisa que se
faz, principalmente, em tempos de vacas gordas, através da adoção de estratégias de crescimento,
estabilidade e segurança (formação profissional, aperfeiçoamento técnico, domínio de técnicas de
administração, crescimento profissional, etc, etc, etc).
Observe que em todas as crises econômicas, e em todos os segmentos, existem aquelas empresas
que ou não são atingidas pela crise, que sofrem menos o impacto de sua onda de maldades ou ainda
que demoram muito mais do que outras até sofrer alguma consequência da crise. Essas empresas
são justamente aquelas que estão melhor posicionadas. As que possuem diferenciais competitivos.
São aquelas que estão disputando o campeonato da primeira divisão, como eu falei neste
artigo AQUI (vale a pena ler). São as empresas mais criativas e com mais recursos (desenvolvidos
ou cultivados durante os tempos bons) e que conseguem encontrar oportunidades na crise (e
algumas vezes até se beneficiam dela)
Mas, e se a crise já entrou e já abraçou todo mundo? E se a crise já está na sala e você já está
sentindo os seus efeitos? o que fazer?
Duas coisas: primeiro, NÃO SUBESTIME A CRISE. A gente tem, muitas vezes, a esperança de que a
coisa vai passar. Que é só uma marolinha. Que não vai fazer estrago considerável. E, no fim,
transformamos essa esperança em crença. E acreditamos que está tudo bem.
Não faça isso! Acredite na crise. Se ela já chegou ou se ela já está rondando a casa, fique atento.
Comece a fazer ajustes, cortes, adaptações. E comece a tomar cuidados. Coloque em ação o seu
plano de contingência (O que? você não tem um plano de contingência? Não tem um "Plano B"?
Hmmmm.... Bom, já vamos falar nisso, daqui a pouco).
Segundo, durante a crise, além de sobreviver, você precisa se preparar para emergir. Fique certo
de que, durante a crise muitos dos seus concorrentes desaparecerão. Quando a crise passar (crises
sempre passam) o mercado estará à disposição dos sobreviventes que estiverem melhor
preparados. Portanto, estude, leia os livros que estavam atrasados, faça cursos, leia aqueles artigos
nas revistas técnicas que você assina e que estão empilhadas na estande... não desperdice o
período da crise apenas com lamentações e queixas. Plante. Cultive seus recursos valiosos.
Preparese para o que vier depois da crise.
Aproveite o tempo para organizar os processos produtivos, para reescrever os modelos de
propostas comerciais, os modelos de contratos. Aproveite para atualizar o cadastro de clientes,
fornecedores e parceiros. Reorganize e coloque em dia os controles financeiros, Organize
treinamentos para a sua equipe, faça uma lista de tarefas atrasadas, reforme ou reorganize os
depósitos, coloque a biblioteca em ordem, enfim... preparese para quando chegar o tempo das
vacas gordas.
Quando as coisas melhorarem, inclua um objetivo nos seu planejamento estratégico: distanciarse
o máximo possível da zona de risco da próxima crise econômica (a próxima crise econômica é uma
certeza. Não é uma questão de "se" e sim uma questão de "quando").
Faça reservas de contingência. E tente desenvolver diferenciais competitivos. São eles que levam
seu escritório para longe da zona do epicentro da próxima crise econômica. Se a crise não for muito
forte, é provável que o seu escritório nem chegue a ser atingido. Se for muito violenta, pelo menos
vai demorar mais tempo até que a tempestade o alcance. E, mesmo que ela seja devastadora...
com um bom plano de contingência, o seu escritório será, ainda assim, um dos sobreviventes.
E, no fim das contas, o mundo é dos sobreviventes.
Boa sorte.
ÊNIO PADILHA
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