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DEDIREITO
ROMANO
No mundo concemporô.-
neo, são dois os maiores e tn;Üs
importantes sistemas jurídicos: o
"Co111monLaw", da Inglaterra e
dos países de colonização inglesa,
como os Esrados Unidos, e o Siste-
ma Romano-Germânico, rambém
chamado "CiL1i/ Lml'", do qual
fazem parte os países da Europa
con rinen cal (Alemanha, Ir.ilia,
França ecc.), da América Latina
(quase rodos, dentre os quais, o
Brasil) e aré mesmo da Ásia. como
o Japão e a Coréia do Sul. O Siste-
ma Romano-Germànico encontra
seus fundamentos no direico
romano, com as acualizações trazi-
das pela doutrina medieval, pelo
chamado direico comum e, princi-
palmente. pelos pandecciscas
alenües do séc. XIX.
O direito romano é, reco-
nhecidamente, a base do nosso
direico, especialmente do direito
civil. Como apontam os estudio-
sos, aproximadamente dois terços
dos arrigos de nosso Código Civil
(excluída a parre do Direito de
Empresa) foram coligidos, direta
ou indiretamente, das fontes
jurídicas romanas.
O escudo da experiência US - Acervo - FD - Fac. de Direito
jurídica romana não se traduz,
como poderiam pensar alguns li
li llil Ilillllll
ll111111111111111
2972068-10
principiantes, em exame arqueoló- Curso elementar de direito romano
L
1 T -
CURSOELEMENTAR
DEDIREITO
ROMANO
_ 9ªedição .
revista
eatualizada
2019
Marky, Thomas .
Curso Elementar de Direito Romano / Marky, Thomas . 9ª ed. - São Paulo : YK
Editora, 2019.
CDU - 34(82)
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r
Duas Palavras 5
DUAS PALAVRAS
Alexandre A. CoRRÊA
Professor catedrático da Faculdade
de Direito da Universidade de São Paulo
(1965-1996)
r
1homasMARKY
Prefácio à Nona Edição 9
Eduardo C. SILVEIRAMARCHI
Professor Titular de Direito Romano da Faculdade
de Direito do Largo de São Francisco - Universidade
de São Paulo (USP), discípulo e "filho acadêmico" do
autor,
Dá rcio R. MARTINSRODRIGUES ,
HélcioM. FRANÇAMADEIRAe
Bernardo B. QUEIROZ DEMORAES,
Docentes de Direito Romano da mesma Instituição
e "netos acadêmicos" do autor.
fndice Sistemático 11
DUAS PALAVRAS...............................................................................................
.................
.........5
PREFÁCIOÀ PRIMEIRAEDIÇÃO...................................................................................
7
PREFÁCIOÀ NONA EDIÇÃO ...................................................................................
......9
UTILIDADE DO ESTUDODO DIREITOROMANO ....................................................
21
INTRODUÇÃOHISTÓRICA .........................................................................................
25
PARTE1:PARTEGERAL.......................................................... 33
CAPÍTULO1 - CONCEITODE DIREITO ......................................................................
35
DIREITOOBJETIVO: CONCEITO E CLASSIFICAÇÕES.....................
..............................................
35
DIREITOSUBJETIVO: CONCEITO E CLASSIFICAÇÕES........................
........................................38
CAPÍTULO6- NEGÓCIOJURÍDICO............................................................................
71
CONCEITO................
..............................................................
..................................................
................
71
REPRESENTAÇÃO
..............
............................
............
..................
..................
....................
....................
. 73
CLASSIFICAÇÃODOS NEGÓCIOSJURÍDICOS.................................
.............................................
75
VÍCIOSDO NEGÓCIO JURÍDICO.................................................
.....................................
..................
76
i) Simulação e reserva mental .......................................................
.........................................
77
ii) Erro ................
.......................................
....................
.....................
...........................
..................
78
iii) Dolo ..................................................
.........................................................................................79
iv) Coação ................................................................ .... 80
..................................................................
ELEMENTOSDOS NEGÓCIOSJURÍDICOS ................
............................
...........
.................
...........
.. 80
i) Condição .......................................
...............................................
.............................................
82
ii) Termo ............................................
......................................
................................... 85
......................
iii) Modo .....................................................................................................
.....................................
86
PARTEli: DIREITOSREAIS..................................................... 89
CAPÍTULO7 - DIREITOSREAIS...................................................................................
91
CONCEITODE DIREITOSREAIS................
.....................................
.............................
....................... 91
ESPÉC
IESDE DIREITOSREAIS..........................................
.............................
........................
.............93
CAPÍTULO8 - PROPRIEDADE.....................................................................................
95
CONCEITO........................
...........................
.............................................................
........................
........ 95
LIMITAÇÕESLEGAISÀ PROPRIEDADE..................................
...........
....................
.................
..........96
COPROPRIEDADE............................
...........................
...................................
........................................
97
l
1 Índice Sistemático 13
CAPÍTULO1O - POSSE..............................................................................................
107
CONCEITO...........................................................................
......................
.........................................
....107
HISTÓRIA DA POSSE.................
..............................................................
............................................109
AQUISIÇÃO E PERDADA POSSE...................
.................................................................................. 11O
CAPÍTULO17 - CONTRATOS.............................................................
...................... 155
CONCEITO............................................
......................
..........................................
.................................. 155
CONTRATOSFORMAIS.................................................
............................
..........................................155
CONTRATOSDO DIREITOCLÁSSICO...............................................................................
..............156
CONTRATOSREAIS ........................
...............
.................
......................................................................
157
i) Mútuo (Mfd.tuum)..................................................
....................................................
............157
ii) Depósito (DepQsitum) .........................................................
................................................
158
iii) Comodato (Commodªtum) .........................
..................................................................... 159
iv) Penhor (Contrºctus pignoraticius) ...............................
..................
................
.................. 160
CONTRATOSINOMINADOS ..............................................................................
....................
........... 160
CONTRATOSCONSENSUAIS....................................
.............................................
...........
................ 161
i) Compra e venda (f_mptio venditio) ...........................................
.......................................161
ii) Locação (LocQtio condfd.ctio) ........................
.....................................................................163
iii) Sociedade (Societas) ............................................
......................................................
......... 163
iv) Mandato (Mandºtum) ...................
.............................................................
........................
164
PACTOS(Pt\,CTA)......................... .....................................................................165
.....................................
DOAÇÃO ........................
....................................................
.....................................................................165
CAPÍTULO18 - QUASE-CONTRATOS......................................................
...............167
CONCEITO.................
.................
.............................................
................................................
...............167
i) Gestão de negócios (NegotiQrum ggstio) .........................
..............................................167
ii) Enriquecimento sem causa ...........................................................................
.....................168
DOAÇÕESENTRECÔNJUGES............................
.................
.......................
..............................
........204
CAPÍTULO30 - COLAÇÃO(COLL!!TIO
) ..................................................................235
18 Curso Elementar de Direito Romano
CONCEITO E HISTÓRICO...........
........................................................
.......................
........................
. 235
7, 4 (Ulpiano).
Util idade do Estudo do Direit o Romano 23
INTRODUÇÃO HISTÓRICA
l
Introdução Histórica 29
CURSO
ELEMENTAR
DE
DIREITO
ROMANO
-
l
PARTE
GERAL
Capít ulo 1 • Conceito De Direito 35
CAPÍTULO1
CONCEITO DE DIREITO
histórico e sistemático.
Historicamente, temos que distinguir o direito civil (iJ:1;s
civile, literalmente,
"direito do cidadão [romano]") do direito das gentes (íHsgfntíum), isto é, direito
dos povos.
Na verdade, a distinção baseia-se na diversidade dos destinatários das
respectivas regras. O antigo ius civi/e, também denominado nas fontes como ÍJ±S
Quiritium, destinava-se, exclusivamente, aos cidadãos romanos (Quirites). Por
outro lado, as normas consuetudinárias romanas, consideradas como comuns a
todos os povos e por isso aplicáveis não só aos cidadãos romanos (Quirites), como
também aos estrangeiros em Roma, constituíam o ius gfntium.
Para os juristas romanos da época clássica, o ius gfntium era um direito
universal, baseado na razão natural (natur4lis rr:1.tio). Por outro lado , encontramos
na codificação justinianéia outra distinção que contrapóe o ius gfntium ao ius
natur4le (Inst . 1, 2, 2) . Esse seria constituído de regras da natureza, comuns a
todos os seres vivos, como as relativas ao matrimônio, procriação e educação dos
filhos.
Também havia distinção entre i11:.s civile, de um lado, e iJ:1;s
honorr:1.rium, de
outro. A distinção baseava-se na diversidade de origem das respectivas regras. O
iY:.
s honor4rium era o direito elabor ado e introduzido pelo pretor que, com base
no seu impfrium (poder de mando) , introduzia novidades, criava novas regras
e modificava substancialmente as antigas do ius civile. Essas regras, contidas no
edito, eram as do ÍY:.S honorg_rium,do direito pretório.
Em contraposição, as regras do iy_scivile provinham do costume, das
leis, dos plebiscitos e, mais tarde, também dos senatusconsultos e constituições
imperiais.
Assim, nesse contexto, o termo iy_scivile abrangia não só o amigo direito
quiritário, como , também , o mais novo i11:.s gfntium .
Ainda a respeito da divisão de regras, quanto à sua origem, pode-se falar
de i1:1sextraording_rium,que era o direito elaborado na época imperial, mediante
a atividade jurisdicional (quase legiferante) do imperador e de seus funcionários,
que então tinham substituído o pretor nesse mister.
Por outro lado, examinando as classificações dogmáticas, encontramo s a
distinção entre direito público e direito privado. O primeiro regula a atividade
do Estado e suas relações com particulares e outros Estados . O direito privado,
por sua vez, trata das relações entre particulares (Inst. 1, 1, 4 e Pompônio, D. 1,
1, 1, 2).
Relacionada ainda com essa distinção é aquela de direito cogente (i1:1s
cggens)e de direito dispositivo (iH.sdispositivum). Cogente é a regra absoluta, de
38 Curso Elementar de Direito Romano
grande interesse público e social, cuja aplicação não pode depender da vontade
das partes interessadas. Tem que ser obedecida fielmente; as partes não podem
excluí-la , nem modificá-la . Nesse sentido os romanos diziam: "o direito público
não pode ser mudado pelo acordo entre particulares" (" il!.SpY.blicumprivatQrum
p4ctis mut4ri non pQtesi' - Papiniano D. 2 , 14, 38). Assim, por exemplo, a
responsabilidade por dolo ou má-fé não pode ser afastada pelas partes em um
contrato; qualquer cláusula nesse sentido será nu la.
O direito dispositivo, por sua vez, admitia uma autonomia de vontade dos
particulares: suas regras podiam ser postas de lado ou modificadas pela vontade das
partes, em razão de terem menor relevância social, interessando essencialmen te
às partes. Assim, na compra e venda, o vendedor respondia pelos defeitos da
coisa vendida. Essa era uma regra dispositiva, pois, por acordo expresso, as partes
podiam excluir essa responsab ilidade do vendedor.
Havia, ainda, a distinção entre direito comum (igs commgne) e direito
singular (igs singul4re). O direito comum referia-se às regras que estavam em
conformidade com os princípios gerais do direito, e, portanto, destinadas a
valer universalmente, para todas as pessoas. Por outro lado, o direito singular
era aquele que se desviava de tais princípios, isto é, era contra a lógica jurídica
(cQntraratiQnemigris), destinado a valer somente para determinada categoria de
pessoas ou siruaçóes. Esse último comportava, portanto, exceções às regras gerais
e comuns. Por exemplo, a regra "ninguém pode alegar a ignorância da lei" é regra
de direito comum; em contrapartida, era norma de direito singular conceder -se
exceção às categorias dos camponeses, menores de vinte e cinco anos, mulheres e
soldados em campanha.
Outra classificação do direito objetivo baseava-se em sua forma de criação.
É aquela feita de acordo com as fontes do direito, de que trataremos no próximo
capítulo.
Os direitos subjetivos, por sua vez, não têm todos as mesmas características.
Podem ser classificados conforme o tipo do poder que representam e, por
outro lado, de acordo com o dever jurídico que geram. Com essa classificação,
na realidade, fazemos a divisão da matéria do direito privado romano em
conformidade com os conceitos da dogmática moderna, e traçamos os planos de
nosso estudo.
Em grandes linhas, os direitos subjetivos (e os deveres jurídicos) são de
dois tipos, decorrentes de relações familiares ou patrimoniais. Os primeiros
incluem os relativos ao casamento, ao poder familiar e à tutela e curatela .
Os direitos subjetivos (e os deveres jurídicos) patrimoniais dividem-se em
dois grupos: os direitos reais e as obrigações.
Os direitos reais são direitos que conferem um poder amplo,
potencialmente absoluto, sobre coisas. Sua característica essencial é valerem
"contra todos" (frga Qmnes). O comportamento alheio que o titular do direito
subjetivo pode exigir é o de todos, que são obrigados a respeitar o exercício de
seu direito (poder) absoluto sobre a coisa .
Os direitos obrigacionais, por sua vez, existem tão somente entre pessoas
determinadas e vinculam uma (o devedor) à outra (o credor).
Por exemplo, o proprietário tem um direito real sobre o imóvel em que
mora. Todos devem respeitá-lo. Por outro lado, o locatário de um imóvel só tem
direito obrigacional contra a pessoa que o alugou a ele. Pode exigir dessa pessoa
que o deixe morar no imóvel, mas não tem direito nenhum contra outros, entre
os quais pode estar o verdadeiro proprietário também.
Naturalmente, também há direitos patrimoniais relacionados com as
relações jurídicas familiares ou delas decorrentes.
fu relações e modificações patrimoniais decorrentes do falecimento de
uma pessoa, intimamente ligadas também ao direito de família, são tratadas pelo
direito das sucessões.
Nosso plano é, por razões didáticas, começar pelo estudo dos direitos
patrimoniais e continuar com os de família e das sucessões.
Antes de examiná-los, porém, é necessário explicar os conceitos e
princípios gerais de nossa ciência, cujo conhecimento é pressuposto necessário
para o bom entendimento da matéria. Assim, estudaremos, como parte geral
introdutória, o sujeito de direito, depois os objetos de relações jurídicas e, por
fim, os fatos jurídicos, que criam, modificam ou extinguem direitos subjetivos.
A defesa dos direitos subjetivos, que é feita por via de processo judicial,
não será tratada especificamente, mas seus princípios gerais serão mencionados
sempre que necessários ou úteis para a melhor compreensão do assunto.
Capítulo 2 • Fontes Do Direito 41
CAPÍTULO2
FONTES DO DIREITO
COSTUME
Entre as fontes do direito romano, no segundo sentido, está o costume
(direito não escrito), que, no período arcaico, foi quase exclusivamente a
sua única fonte. O costume (chamado em latim de consuetgdo, mos ou, mais
especificamente, mQres maiQrum - isto é, "costumes dos antepassados") é a
observância constante e espontânea de determinadas normas de comportamento
humano na sociedade. Cícero o definiu como regra de conduta aprovada, sem
lei, pelo decurso de longuíssimo tempo e pela vontade de todos: "aquilo que a
vetustez (ou longo espaço de tempo) aprovou, sem lei, pela vontade de todos"
(quod volunt4te Qmnium si_neÍfge vety_stascomprobgyit-De inv. 2, 22, 67). Juliano
o caracterizava como "uso arraigado" (invete1r1ta consuetgdo - D. 1, 3, 32, 1) e
Ulpiano como "uso diuturno" (diutgrna consuety_do- D. 1, 3, 3, 3). De qualquer
modo, a observância da regra consuetudinária deve ser constante e universal.
42 Curso Elementar de Direito Romano
i) Leise plebiscitos
As leis e plebiscitos eram manifestações coletivas do povo. As primeiras,
"leis propostas" (/t?gesrog4tae) por um magistrado, discutidas e aprovadas nas
assembleias populares (comitia) por ele convocadas, de que só participavam
cidadãos romanos (isto é, o povo romano - pQpulus Rom4 nus) . Os segundos,
plebi scitos (plebiscita), forma anômala de fonte de direito, eram decisões da
plebe, reunida sem os patrícios. Essas delibera ções passaram a ser obrigatórias
para a comunidade toda desde que a Lei Hortênsia (!ex Ho rtfnsia), de 286 a.C.,
assim determinou, equiparando-as, portanto , às leis.
Interessante observar que são pouquíssimas as leis romanas de grande
import ância para o direito privado: não mais de vinte e cinco. Conservou-se o
nome de aproximadamente oitocentas leis nos quinhentos anos em que tais fontes
produziram direito.
ii) Senatusconsultos
Os senatu scons ultos (senatusconsyJta) eram deliberações do Senado. Na
República, eram dirigidos mormente aos administradores públicos, dando-lhes
instruções sobre o exercício de suas funções. O Senado era, portanto, um órgão
consultivo da administração pública. No início do Principado (final do séc. I a.C.),
os senatusconsultos passaram. a ser propostos pelos imperadores para votação
e, a princípio, consistiam., também, em instruções aos administradores. Com o
passar do tempo, porém , foram absorvendo as funções das assembleias populares
e passaram a comer normas gerais, semelhantes às leis. A partir de então, foi
reconhecida sua função legiferame. Mai s tarde , a partir do imperador Adriano
(117 - 138 d.C.), passou-se a aprovar simplesmente, por aclamação , a proposta
do imperador (or4tío p rincipis), transformando-se, destarte , o senatusconsulto
em uma forma indireta de legislação imperial.
l
Capítulo 2 • Fontes Do Direito 43
como era chamado aquele programa. Com o edito, na realidade, o pretor criava
novas normas jurídicas, ao lado das do direito quiritário. Essas novas normas
pretórias não podiam derrogar o direito quiritário, mas existiam paralelamente
a ele.
Embora houvesse a mudança anual dos magistrados, o edito passava a
conter um texto estratificado, fruto da experiência acumulada dos antecessores,
formando o chamado "edito cranslatício" (edj_ctum translaticium). Inovações
também podiam ser introduzidas pelo novo pretor, medi ;rnte o edito chamado
"repentino" (repentinum), no curso do mandato (depois proibido para evitar
casuísmos, isto é, decisões diferentes para casos essencialmente idênticos).
A redação definitiva do edito do pretor foi obra do jurista Sálvio Juliano,
por ordem do Imperador Adriano, por volta do ano 130 d.C., conhecido como
"Edito Perpétuo de Sálvio Juliano" (Edictum Perpftuum S4.lvii juli4ni). Tal
compilação representou o fim da evolução dessa fonte de direito.
confiança. Esse o libertava imediatamente após cada venda, com o que o filho
voltava automaticamente para o poder do pai. Após a terceira venda, porém, o
filho libertado já não retornava à sujeição do pai, cujo poder sobre ele assim se
extinguia.
A "interpretação dos jurisconsultos " (interpret4tioprudfntium), entretanto,
não foi enquadrada entre as fontes do direito na época republicana, que somente
conheceu uma influência de fato dos juristas de renome.
O papel oficial dos jurisconsultos na atividade produtora de normas
jurídicas começou com o imperador Augusto (27 a.C. - 14 d.C.), que conferiu
aos mais conhecidos e apreciados o privilégio de darem pareceres sobre questões
de direito. Nesse mister, eles eram expressamente autorizados pelo imperador:
tinham o "direito de responder por autoridade do imperador" (iy,_srespondfndi
ex auctorit4te pri_ncipis).Por isso mesmo , esses pareceres vinculavam o juiz que
decidia a causa, a não ser que houvesse pareceres contraditórios de igual valor.
Posteriormente, os pareceres (respQnsa)dos jurisconsultos, versando sobre
a aplicação das regras jurídicas aos mais variados fatos da vida, concorreram
para a elaboração dos princípios fundamentais do direito e representaram, desse
modo, a manifestação mais original do gênio criador dos romanos nesse campo.
Durante o Principado, nos primeiros séculos de nossa era, uma plêiade de ilustres
jurisconsultos deu sua contribuição grandiosa à elaboração do direito de Roma.
CAPÍTULO3
NORMAJURÍDICA
APLICAÇÃODA NORMAJURÍDICA
A norma jurídica contém disposições abstratas a serem aplicadas aos casos
concretos que a vida apresenta. Por isso, sua aplicação pressupõe o conhecimento
perfeito, seguro e completo da norma jurídica abstrata e dos fatos concretos.
i) Norma jurídica abstrata
O aplicador do direito (advogado, juiz etc.), diante do fato concreto, deve,
em primeiro lugar, procurar identificar e conhecer a norma jurídica aplicável. No
caso do juiz, pressupóe-se que a saiba ("o tribunal conhece o direito" - igra nQvit
Para esse conhecimento da norma jurídica, o aplicador tem de proceder,
c!:!:_ria).
de início, a um trabalho de "crítica", para verificar se a norma é válida e se o texto
é autêntico.
"Conhecer as leis", dizia o jurista Celso (D. l, 3, 17), "náo significa saber
as suas palavras, mas compreender sua força e poder" (scire Lggesnon hoc est Vfrba
e{lrum tengre, sed vim ac potest{ltem) , vale dizer, procurar estabelecer o verdadeiro
sentido e alcance do seu texto.
Essa atividade chama-se interpretação da norma jurídica: é o procedimento
técnico pelo qual, partindo-se das palavras da lei, e levando-se em consideração
variados elementos (gramatica l, histórico, cultural, sociológico, lógico-
sistemárico), chega-se a colher o pleno e exato significado, ou seja, reconstrói -se
o pensamento ou vontade efetiva do legislador.
A interpretação pode ser autêntica ou doutrinal. A primeira é a que se faz
mediante uma nova norma jurídica expedida pelo órgão legiferante compete nte.
A segunda, por meio do trabalho dos cultores do direito . Quanto aos resultados
da interpretaçáo, pode ela simplesmente confirmar o sentido (interpret4tio
declarativa), estendê-lo (ínterpret4tio extensiva) ou restringi-lo (interpret4tío
48 Curso Elementar de Direito Romano
restrictiva).
Às vezes não bastam os métodos de cnuca e interpretação para o
conhecimento do direito aplicável, porque pode acontecer que não exista preceito
abstrato para um determinado caso concreto. Verificando-se tal hipótese, o
aplicador do direito tem que suprir a lacuna da norma jurídica. Essa atividade se
chama "analogià': por semelhança, presume-se a vontade do legislador.
Chama-se anal!2gi,a/r:gisquando se estende a aplicação de determinada
regra a fatos nela não previstos. Chama-se analggia Í!::!:,ris,
por sua vez, o processo
de se criar uma nova norma para ser aplicada a um caso concreto, com base nos
princípios gerais do sistema jurídico vigente.
ii) Fatos concretos
Voltando, agora, ao segundo aspecto da aplicação da norma jurídica,
pode-se dizer que ela pressupõe o conhecimento objetivo dos fatos em discussão
no caso concreto.
Isso se dá pela prova. Os fatos são comprovados por todos os meios de
prova em direito permitidos, especialmente por documentos, testemunhas,
depoimentos das partes, perícias etc .
Em um processo judicial, o chamado "ânus da prova", ou seja, o encargo
ou peso de se provar, cabe, como regra geral, ao autor da ação (que é quem
"acusa"), e não ao réu ("na dúvida, em favor do réu" - in d!::!:.bio
pro reo- brocardo
jurídico; cf. Gaio, D. 50, 17 , 125). Na prática, essa regra do ânus da prova pode,
muitas vezes, ser decisiva para o resultado de uma lide processual.
Ainda quanto à prova, o direito, às vezes, contenta-se com um
acontecimento provável, mas não provado e, até, com fatos inverídicos.
No primeiro caso, fala-se de presunção e no segundo, de ficção.
Presunção (praes!::!:,mptio)
é a aceitação, pelo direito, como verdadeiro
de um fato provável. Em outras palavras, é a admissão dos fatos alegados sem
necessidade de prova, por serem muito verossímeis. Por exemplo, presumem-se
legítimos os filhos nascidos desde 180 dias, contados do início da convivência
conjugal, até 300 dias subsequentes à sua dissolução.
Normalmente, a presunção não é absoluta; quer dizer, o contrário pode ser
provado. Em tal hipótese falamos da presunção simples ou relativa ("presunção
apenas de direito" - praes!::!:,mptio
i!::!:.rÍS
t4ntum), pois, no exemplo, pode o marido
apresentar contraprova.
Às vezes, porém, a contraprova não é permitida. É o caso da presunção de
direito ou absoluta ("presunção de direito e pelo direito" - praes!::!:,mptio
Í!::!:.ris
et de
Í!::!:,re)
. Por exemplo, a presunção de veracidade da coisa julgada e a de ilegitimidade
do filho nascido além de 300 dias após a dissolução da sociedade conjugal pela
Capítulo 3 • Norma Jurídica 49
morte do pai.
Note-se que, na realidade, a presunção simples (praesl:f:.mptio i!:f:.ris)
nada mais é que a inversão do ônus da prova: aceita-se uma situação provável
como verdadeira, dispensando-se a comprovação. Daí decorre que cabe à parte
interessada a produção de prova contrária para derrubar a presunção. Assim, em
um processo judicial, sendo o auto r da ação o beneficiado pela presunção, o ônus
da prova, como exceção àquela regra geral, caberá ao réu.
Dada a enorme relevância do ânus da prova e da sua inversáo, o legislador
moderno cosruma também recorrer à "velha e sempre nova" presunção simples
do direito romano para restabelecer o equilíbrio contratual em certas relações
jurídicas, protegendo a parte hipossuficiente , ou seja, a mais fraca. Por exemplo,
presumem-se verdadeiras as alegações do consumidor em face do fornecedor de
produtos ou serviços.
A ficção é diferente da presunção, pois nela o direito considera verdadeiro
um fato que já se sabe inverídico: fecha conscientemente os olhos diante da
realidade. Assim era, no direito romano, a ficção de considerar o nascituro como
já nascido, sempre que se tratava de seus interesses ("o nascituro é tido como
já nascido toda vez que se tratar de vantagens do próprio feto" - nascitl:f:.ruspro
ia.mn11.tohabftur, quQtiensde cQmmodisipsi.usp11.rtusag4.tur- brocardo jurídico,
cf Paulo, D. 1, 5, 7) ou a "ficção da Lei Cornélia" (fictio lggis Cornfliae), que
considerava o cidadão romano que caía prisioneiro do inimigo e em seu poder
falecia escravo, como se tivesse morrido antes de ser capturado, de modo a salvar-
se seu testamento.
CAPÍTULO4
SUJEITOS DE DIREITO
Sujeito s de direito são as pessoas que podem ser parte em relaçóes jurídicas,
tanto do lado ativo (correspondente ao poder de exigir certa conduta alheia),
como do lado pas sivo (correspondente ao dever jurídico de prestar tal conduta).
Pessoa física é a pessoa humana. O direito, contudo, reconhece também a
personalidade civil, isto é, a qualidade de sujeito de direito, a entidades artificiais,
que são chamadas pessoas jurídicas.
PESSOA FÍSICA
A pessoa física, também chamada pessoa natural, é o ser humano dotado
de persona lidade civil. Sua existência se inicia com o nascimento.
O nascituro não é ainda pessoa, mas é protegido desde a concepçáo e
durante toda a gestação, que o direito presume durar o prazo mínimo de 180
dias e o máximo de 300 dias (praesy_mptioiy_riset de iy_re,ou seja, uma presunção
absoluta) . Já o direito romano conheceu essa proteção: considerava o nascituro
como já nascido (ficção), para fins de reservar-lhe vantagens : "o nascituro é tido
por já nascido toda vez que se tratar de vantagens dele mesmo " (nascit!:f:.rus pro
ig_mnato habftur, quQtiensde cQmmodis ipsj_uspg_rtusag4tur - Gai. 1, 147 e Paulo,
D. 1, 5, 7).
O feto tem de nascer com vida e com forma humana. Não é pessoa
o natimorto . Por isso, havia discussóes entre os jurisconsultos romanos sobre
o que significava sinal de vida do parto: seria necessário o primeiro choro do
neonato (vagido) ou bastaria qualquer movimento do corpo? Considerava -se
que os recém -nascidos não tinham forma humana somente em casos acentuados
de teratogenia, isto é, de deformação física gravíssima. Esses eram chamados de
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52 Curso Elementar de Direito Romano
CAPACIDADE DE DIREITO
A capacidade de direito, também chamada capacidade jurídica de
gozo, significa a aptidão da pessoa para ser sujeito de direitos e obrigações.
Modernamente, todos têm capacidade de direito, desde o nascimento. Não era
assim no direito romano, pois nele se distinguiam diversas categorias de pessoas.
Para ter capacidade de direito plena, era necessário, no direito romano ,
que a pessoa fosse: (i) livre; (ii) cidadã romana; e (iii) independente do pátrio
poder (que se chamava syj i!::!:.ris).
Verifiquemos, pois, esses três requisitos, examinando o estado de liberdade
(stg_tuslibertg_tis),o de cidadania (stg_tuscivit4tis) e a situação familiar (st4tus
Ja.mi_liae),pressupostos da capacidade de direito em Roma.
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Capítulo 4 • Sujeitos De Direito 53
estrangeiros que pertencessem a um país que não fosse reconhecido por Roma,
ainda que não estivesse em estado de guerra, eram considerados escravos, se
caíssem no poder dos romanos. O mesmo se dava com o romano que caísse em
mãos do inimigo. Mas o cidadão romano que se tornava prisioneiro de guerra
do inimigo, ao voltar à pátria , recuperava automaticamente a liberdade e todos
os direitos que tinha antes de ser capturado (Pompônio, D. 49, 15, 5, 2 e Gaio,
D. 41, 1, 7 pr.). Isso se chamava "direito de poslimínio" (iy_spostlimi.nii), isto é,
o conjunto dos direitos decorrentes da volta à pátria.
Outra fonte da escravidão era o nascimento. Era escravo o filho de escrava,
independentemente do estado de liberdade do pai (livre ou escravo). Foi somente
o direito justinianeu que concedeu o favor da liberdade ao filho de escrava que
tivesse estado em liberdade em qualquer momento da gestação. Isso com base
na ficção estabelecida pela regra já mencionada, isto é, a de que o nascituro era
considerado como já nascido (Inst. 1, 4 pr. e Marciano, D. 1, 5, 5, 2).
Quanto ao conteúdo da escravidão, escravo não podia ser sujeito de
direitos, por lhe faltar a capacidade jurídica. Não podia ter direitos privados nem
públicos. Sua união conjugal, denominada "con cubérnio" (contubf.rnium) não
era casamento no sentido jurídico romano. Não havia, assim, entre ele, a mulher
e os filhos, relações jurídicas de parentesco, para fins de sucessão e outros. Não
tinha patrimônio e tudo que adquiria pertencia ao dono (Gai . 1, 52). Esse tinha
sobre ele poderes tão amplos como sobre as demais coisas de sua propriedade .
Podia aliená-lo; em princípio, até matá-lo. Entretanto, mesmo assim, a condição
humana do escravo o distinguia das outras coisas do patrimônio do dono.
O direito romano reconheceu sempre a personalidade humana do escravo,
que era chamado de "pessoa servil" (persQnaservi_lis).Ele também participava,
desde as origens, do culto religioso da família. Seu túmulo era lugar sagrado,
à semelhança daquele dos livres. Matar um escravo era crime, a que, já na
República, correspondia a pena pública do homicídio, pela "Lei Cornélia acerca
dos homicidas" (/ex Corndia de sicariis).
No período imperial, foi proibido ao dono torturar os escravos. Podiam
esses recorrer à proteção dos magistrados (Gai. 1, 53). Do ponto de vista
patrimonial, verificou-se, também, uma evolução favorável ao escravo. Já na
República , o escravo podia possuir um pequeno pecúlio, cedido pelo seu dono,
que ele geria livremente. Legalmente, o pecúlio continuava a pertencer ao dono,
mas na prática estava sendo administrado pelo escravo, como se fosse dele.
Além disso, o escravo podia ser incubido de gerir empreendimentos
comerciais de seu proprietário, sendo, por isso, chamado pela doutrina moderna
d e ((escravo manager)).
54 Curso Elementar de Direito Romano
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Capítulo 4 • Sujeitos De Direito 55
falecido antes de ter caído prisioneiro, isto é, como se houvesse falecido no estado
de livre. Isso para o efeito de abertura da sucessão por sua morte. É que não
se podia abrir sucessão de pessoa morta na condição de escravo, tornando-se
ineficaz o testamento eventualmente deixado por ela ("testamento feito nulo" -
testamfntum irri tum fg,_ctum).
Perdia-se, também, a liberdade a título de punição, como, por exemplo,
no caso do ladrão pego em flagrante (./iir manife.stus). No direito arcaico, o
devedor executado judicialmente, que não conseguisse pagar sua dívida, também
podia ser vendido como escravo, fora de Roma, ou seja, "além do Rio Tibre"
(tr4ns Tiberim), já em território estrangeiro (Etrúria).
A perda da liberdade acarretava a perda da cidadania e da situação na
família romana também, pois a liberdade era pressuposto da cidadania e do st4tus
familiae.
Na c4pitis deminyJio mfdia, o cidadão passava à condição de estrangeiro
pelo exílio voluntário ou imposto por punição . A pena de deportação foi
instituída por Tibério (14-37 d.C.). Podia alguém voluntariamente transferir-se
para uma colônia latina, o que implicava renúncia à cidadania romana e também
representava cgpitis deminy_tiomfdia (Gai . 1, 131).
A alteração no estado familiar constituía a c4pitis deminY:.tiominima.
Nesse caso, o c4pite deminl!:,tus(ou seja, aquele que sofreu a mudança) perde
todas as relações jurídicas (mas não as de consanguinidade) com a família
anterio1~ adquirindo novo estado familiar. Pode-se verificar pela passagem de
uma pessoa alit;,niiY:.ris
de sua família de origem para uma nova família (por meio
de adoção ou sujeição ao poder marital) ou para o estado de Slf:.i iuris (por meio de
emancipação) . Vice-versa, um Slf:.Í iY:.rispodia passar, na qualidade de alifni ÍY:.ris,
para a família do adotante (adrogr1.tor).
CAPACIDADE DE AGIR
Pressuposto para que a manifestação da vontade fosse válida era a
capacidade de agir da pessoa que praticava o negócio jurídico . Essa capacidade
de agir tem também outras denominações: capacidade de fato, capacidade de
exercício ou capacidade de praticar negócios jurídicos.
Ela se distingue da outra capacidade acima estudada, isto é, da capacidade
de direito.
Nem toda e qualquer pessoa tinha capacidade de agir. Essa dependia
da idade, do sexo e de sanidade mental perfeita. Como regra geral, as pessoas
púberes, do sexo masculino e perfeitamente sãs tinham plena capacidade de agir.
Por outro lado, as limitações à capacidade de agir decorriam desses mesmos três
fatores.
Quanto à idade, a SJ::f:.mma divi.sioera a puberdade, que, segundo opinião
de jurisconsultos clássicos, acolhida por Justiniano, era adquirida aos quatorze
anos pelos homens e aos doze anos pelas mulheres. Os púberes, em princípio,
tinham plena capacidade de agir; os impúberes, não. Esses se dividiam em:
1) lnfg_ntes: "aqueles que não podem falar" (quifg_rinon pQssunt- Ulpiano,
D. 26, 7, 1, 2), isto é, menores de sete anos, os quais eram absolutamente
incapazes de agir. Em razão disso, eram os tutores que agiam por eles, praticando
os respectivos negócios jurídicos. Os negócios jurídicos eram praticados em
nome do próprio tutor, mas no interesse do i.nfans.No fim do exercício do cargo,
o tutor, naturalmente, tinha de prestar contas.
2) Infg_ntiamaiQres,ou seja, dos sete anos até a puberdade, que tinham
uma capacidade restrita de agir. Esses último s podiam praticar atos que os
favorecessem, mas não podiam obrigar-se sem a intervenção de um tutor, que
devia tomar parte no negócio jurídico, conferindo a sua autorização ("interposição
da sua autoridade" - auctoritfl_tisinterposi.tio).
Quanto aos púberes, como já foi dito, eram eles plenamente capazes de
agir, ao menos em princípio . Ressalte-se, todavia, que essa regra era originária
de tempos primitivos , em que a expectativa de vida era bastante baixa. Com a
evolução da sociedade romana, esse reduzido limite de idade tornou-se obsoleto.
Em razão disso, houve uma alteração, introduzida pela Lei Letória (/ex Laetoria)
do séc. II a.C. Essa lei conferiu ao menor de vinte e cinco anos uma ação contra
Capítulo 4 • Sujeitos De Direito 59
quem o tivesse enredado em um negócio a ele prejudicial. Tal ação tinha caráter
de uma ação popular (q_ctiopopulq_ris),pois poderia ser proposta por qualquer
pessoa que quisesse demandar por ele em juízo.
A razão dessa regra foi procurar proteger os ado lescentes púberes e já
capazes de agir, mas na realidade ainda inexperientes. Recorde-se que, no direito
moderno , ainda há poucas décadas, havia ordenamentos jurídicos em que a plena
capacidade de agir se adquiria aos vinte e três (Espanha e Holanda), vinte e
quatro (Áustria) ou mesmo vinte e cinco (Chile) anos de idade.
Posteriormente, o pretor estendeu essa proteção a todos os casos em que
um menor tivesse sido prejudicado. Para isso, concedeu meios processuais para
anulação dos negócios praticados pelo menor púbere, o qual , como já observamos,
era, em princípio, plenamente capaz de agir.
Esses meios não valiam, entretanto, quando o menor púbere tivesse agido
com a anuência de um curador (note-se bem: curador e náo tutor), especiaLnente
nomeado para assisti-lo na prática de negócios jurídicos. Assim, no caso de
menores de vinte e cinco anos, tornou-se costume pedir a um curador que os
assistisse no ato. Daí teve origem a regra, desenvolvida no direito pós-clássico ,
de que os menores de vinte e cinco anos, tendo um curador, tinham capacidade
restrita, semelhante à dos impúberes infentia maiQres- isto é, só podiam praticar
negócios jurídicos que os favorecessem, mas para obrigar-se precisavam sempre
da assistência do curador.
Dessa equiparação pós-clássica nasceu a necessidade de se oferecer a
menores de vinte e cinco anos a oportunidade de conseguirem, antes dessa idade,
a plena capacidade de agir. Por isso, os imperadores concediam, em casos especiais ,
um favor legal, chamado Vfnia aetq_tis,conferindo a pessoas individualmente
determinadas a capacidade de agir. Essa concessão só seria possível , no caso de
varão , se tivesse pelo menos 20 anos, e no caso de mulher, se tivesse pelo menos
18 anos .
E de se notar que as regras acima se referiam tanto aos SY:.iiY:.riscomo aos
alifni iY:.
ris. A única diferença é que os primeiros passariam a fazer aquisições
para si e os segundos adquiriam sempre para o pq_terfami/iasa quem estivessem
sujeitos. No que se refere às obrigações, os na condição de alimi i11risnão as
podiam assumir; nem por elas, em princípio, responderiam os respectivos pq_ter
Jamilias. Entretanto, o pretor introduziu meios visando a responsabilizar cada vez
mais o pq_terfamilias.Eram as chamadas actiQnesadiectitiae qua/itq_tis,que foram
admitidas pelo pretor contra o pq_terfamilias. Este responderia pelas obrigações
contraídas pelos alifni iY:.risna esfera da atividade econômica da família e na
medida do enriquecimento desta.
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60 Curso Elementar de Direito Romano
PESSOA JURÍDICA
Como já mencionamos, além da pessoa física, o direito reconhece
personalidade também às pessoas chamadas jurídicas, que são entidades artificiais.
Trata-se de organizações destinadas a uma finalidade duradoura, que são
consideradas sujeitos de direito, isto é, dotadas de capacidade para ter direitos e
deveres jurídicos.
Pela doutrina moderna, a pessoa jurídica pode ser de duas espec1es:
corporação, que é a associação de pessoas ("universalidade de pessoas" - univfrsitas
person(lrum), e fundação, que é um conjunto de bens ("universalidade de coisas"
- univfrsitas rfrum) destinados a uma determinada finalidade.
Parece que o direito romano clássico somente conheceu as corporações.
As origens das fundações, nós as encontramos somente no direito pós-clássico.
A característica essencial das pessoas jurídicas é terem elas personalidade
distinta da de seus componentes, bem como patrimônio e relações jurídicas
distintas das de seus membros: "se algo é devido à universalidade, não é devido
aos indivíduos, nem aquilo que a universalidade deve os indivíduos devem" (Si
quid universit(lti debftur, singulis non debftur: nec quod dfbet univfrsitas singuli
dfbent- Ulpiano, D. 3, 4, 7, 1).
No direito romano, as corporações incluíam o Estado romano (pQpulus
Rom(lnus) e seu erário, as organizações municipais e as colônias, todas essas
predominantemente de caráter público. Além delas, havia corporações de caráter
privado, chamadas agremiações (sodalit(ltes), associações (collfgia) ou sociedades
(societ(ltes), as quais tinham fins religiosos, como os colégios de sacerdotes da era
Capítulo 4 • Sujeitos De Dire ito 61
CAPÍTULO5
OBJETOS DE DIREITO
CONCEITO
"Coisa" (res)é um termo de significado muito amplo. Usa-se para designar
todo e qualquer objeto do nosso pensamento . Isso significa que a noção vulgar
de coisa vale tanto para o que existe no mundo das ideias, como no da realidade
sensível.
Na linguagem jurídica, porém, coisa é o objeto de relações jurídicas que
tenha valor econômico . Não o é, portanto, aquilo que não possa ser objeto de
tais relações. Assim, não são res os corpos celestes. Podem sê-la, contudo, no
direito moderno, certas coisas incorpóreas que representem valor econômico :
invenções (protegidas por patentes), obras literárias e musicais (protegidas por
direitos autorais) etc.
Os romanos faziam distinção entre coisas em comércio (res in commfrcio)
e fora dele (res fxtra commfrcium). As primeiras eram aquelas que podiam ser
apropriadas por particulares. As segundas não podiam ser objeto de relações
jurídicas entre particulares, pela sua natureza física ou por sua destinação jurídica.
Assim, estavam excluídas do comércio as coisas dedicadas aos deuses
("coisas de direito divino fora do comércio" - resfxtra commfrcium divi_niiHris),
e outras por razões profanas ("coisas de direito humano fora do comércio" - res
fxtra commfrcium hum4ni iHris).
Na primeira categoria, encontramos as coisas sagradas (res s4.crae),
dedicadas diretamente ao culto religioso, como os templos, as coisas santas (res
s4.nctae),que eram as consideradas sob a proteção dos deuses, como as portas e os
muros da cidade, e as coisas religiosas (res religiQsae),que eram os túmulos.
64 Curso Elementar de Direito Romano
assumem feições inteiramente diferentes conforme o seu objeto seja coisa fungível
(e, nesse caso, o contrato recebe o nome de mútuo) ou infungível (nesse caso, o
contrato é denominado comodato).
As coisas divisíveis podem ser facilmente repartidas entre eles; já no caso das
indivisíveis, só há duas soluções possíveis: ou uma só pessoa fica com a coisa toda
para si, compensando-se os demais com outros bens do mesmo valor, ou com
dinheiro, ou então a coisa é vendida, repartindo-se entre todos o preço obtido.
COISAS ACESSÓRIAS
Ligado ao conceito de coisa composta, temos de examinar o dos acessórios
e pertenças.
A reunião de várias coisas simples pode criar uma coisa comp letamente
nova, que absorva todos os seus componentes. Exemplo: um carro , que é composto
de centenas de elementos. Contudo, pode verificar-se uma união diferente, na
68 Curso Elementar de Direito Romano
qual uma coisa principal absorva uma outra coisa, considerada acessória. Por
exemplo: o solo é sempre principal e tudo o que a ele se incorpore é acessório.
Assim, as construções, as plantações nele feitas.
O acessório, em regra, segue a sorte da coisa principal: accfssio cfdit
principg_li (Ulpiano, D. 34, 2, 19, 13). Assim, por exemplo, quem adquire a
propriedade de uma coisa principal torna-se automaticamente proprietário
de todos os seus acessórios, mesmo que isso não tenha sido explicitamente
mencionado no negócio.
As pertenças (instrumfnta), por sua vez, constituem uma espécie de coisa
acessória que tem um liame menos íntimo com a coisa principal. Por esse motivo,
excepcionalmente, não acompanham a sorte da coisa principal. As pertenças
conservam certa autonomia, mas seu uso está ligado à coisa principal. Por exemplo,
os instrumentos de trabalho destinados ao cultivo da terra (instrumfnta filndi),
os quais estão ligados a ela, embora conservem certa independ ência. Do mesmo
modo, uma vassoura, um móvel, um quadro (ou outro objeto de decoração)
destinados ao uso ou aformoseamento de uma casa (instrumfnta dQmus).
FRUTOS
Frutos são coisas novas produzidas natural e periodicamente por outra
que, por isso mesmo, se chama coisa frugífera. Por exemplo: os frutos do solo,
da árvore, o leite, as ovelhas do rebanho (assim consideradas, no direito romano,
aquelas excedentes após a compensação das ovelhas mortas pelas novas). Todas
essas coisas são chamadas frutos naturais .
As rendas obtidas com a locação ou o arrendamento de coisas são também,
por extensão, consideradas frutos. Denominam -se frutos civis. Por razões
filosóficas, ou talvez econômicas, o filho de uma escrava, excepcionalmente, não
era considerado fruto pelos romanos. Ele passava a pertencer ao dono da escrava
mãe pelo nascimento.
Enquanto faz parte da coisa frugífera, o fruto, por isso chamado pendente,
não tem individualidade própria, seguindo, assim, a sorte da coisa principal.
Destacado o fruto da coisa frugífera (fruto separado), ele passa a ter individualidade
própria e pode, então, ser objeto de relações jurídicas separadamente da coisa
produtora.
Nesse último aspecto, do ponto de vista jurídico, os frutos separados
podem ser considerados como colhidos (percffti), a serem colhidos (percipifndi),
já consumidos (consumpti) e também extg_ntes,que são os colhidos e existentes no
patrimônio de alguém, aguardando o consumo oportuno e posterior.
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Capítulo 5 • Objetos De Direito 69
BENFEITORIAS
Benfeitorias são os gastos ou despesas (imps:.nsae)com as coisas acessórias
ou pertenças acrescidas à coisa principal, para melhorar e aumentar a sua utilidade .
Podem ser elas n ecessárias, quando imprescindíveis para garantir a existência e
subsistência da coisa principal . Por exemplo, os gastos com um telhado novo.
São Úteis quando aumentam a ut ilidade da coisa principal, que, porém, pode
subsistir sem elas. Por exemp lo, as despesas com a construçáo de um côrnodo
novo em uma casa. Voluptuárias são as de mero luxo, como os custos de urna
piscina em uma residência.
Um exemplo da importância prática dessa classificação é o do possu idor
de boa-fé, que tem direito a reembolso pelas benfeitorias necessárias ou úteis
agregadas a coisa alheia, mas não pelas voluptuárias.
Capítulo 6 • Negócio Jurídico 71
1 1
CAPÍTULO6
NEGÓCIO JURÍDICO
CONCEITO
A doutrina do negócio jurídico é uma construção dogmática moderna,
desenvolvida, porém, sobre bases romanísticas . Expô-la-emos de forma
simplificada, a fim de servir como fundamento aos estudos posteriores.
Os eventos, acontecimentos de toda espécie, são chamados fatos. Entre
esses, há fatos que têm consequências jurídicas e há outros que não as têm. Por
consequências jurídicas entende-se a aquisição, modificação ou extinção de um
direito .
Chove, por exemplo. Normalmente não decorre nenhum efeito jurídico
de tal fenómeno natutal. Trata-se, nesse caso, de um fato simples. A chuva pode,
entretanto, estragar uma colheita, acabando com os frutos a serem colhidos
(percipífndi). Nessa hipótese, trata-se de um fato jurídico, isto é, de um evento
que tem consequências jurídicas.
Entre os fatos jurídicos distinguimos os fatos causados pela vontade de
alguém dos fatos que se verificam independentemente dessa vontade. Os primeiros
são os fatos jurídicos voluntários, os segundos os fatos jurídicos involuntários.
Interessam-nos, naturalmente, mais os primeiros do que os segundos.
Os fatos jurídicos voluntários, por sua vez, podem ser lícitos ou ilícitos,
dependendo da sua conformidade ou não à norma jurídica.
Os fatos jurídicos voluntários ilícitos são os delitos. Os fatos jurídicos
voluntários lícitos, por sua vez, são denominados atos jurídicos em sentido amplo
(/ato sfnsu). Entre esses se destacam os negócios jurídicos, que são manifestações
de vontade que visam à realização de determinadas consequências jurídicas. Por
exemplo, os contratos. Os demais, pouco numerosos, ou seja, atos que dependem
de ação humana, mas que não implicam expressa manifestação de vontade,
72 Curso Elementar de Direito Romano
REPRESENTAÇÃO
A manifestação da vontade em um negócio jurídico podia ser feita, já no
direito roma.i10, por intermédio de outra pessoa. Nesse caso, o intermediário,
chamado núncio (ny_ntius), apenas transmitia a vontade de outrem. Por isso, era
preciso que o manifestante tivesse capacidade de agir, enquanto o núncio podia
ser até uma pessoa incapaz, como uma criança. É que o núncio não ma.iufestava
vontade própria ; era apenas um mensageiro da vontade do ma.i1ifestante. É
natural que os efeitos do ato assim praticado recaíssem na esfera jmídica da
pessoa do manifes ta nte e não naquela do núncio. Não se tratava aqui, porém, de
representaçáo.
Naturalmente, sentiam os romano s a necessidade de ter um instituto que
possibilitasse a substituição de uma p essoa por outra na prática de atos jurídicos.
Nesse campo, porém, a própria organizaçáo familiar romana, na qual os filhos
e escravos adquiriam sempre para o p4ter}àmi.lias, já atendia praticamente a essa
finalidade. Não era isso propriamente representaçáo. A grande falha desse sistema
foi a de que as pessoa s sujeitas ao poder do paterfami.lias não podiam assumir
obrigações por ele.
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74 Curso Elementar de Direito Romano
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Capítulo 6 • Negócio Jur ídico 77
entende que o negócio jurícüco, desde que existente, pode ser nulo (não tendo
efeito jurídico algum), ou anulável (o que significa que ele pode ser tornado sem
efeito, mas tem validade enquanto não for anulado judicialmente, a pedido do
interessado).
No direito romano, todavia, os negócios do ÍJd.Scivj_leeram ou válidos, ou
nulos. Foi o direito pretório que gradativamente introduziu, pelos seus meios
indiretos, a anulabilidade dos negócios jurídicos. Mais tarde, o direito justinianeu
alargou e generalizou esse último conceito.
Note-se que um negócio inicialmente inválido não se convalida com o
decurso do tempo: "aquilo que no início é vicioso não pode convalescer por
decurso de tempo" (quQd ini.tio vitiQsum est non pQtest tr4ctu tfmporis convaÍfscere
- Paulo, D. 50, 17, 29).
ii) Erro
No negócio jurídico, como já dissemos, distinguem-se a vontade interna e
a sua manifestação externa. Além disso, tratando-se de negócio bilateral, que é um
acordo entre duas partes, exigindo duas manifestações de vontade congruentes ,
pressupõe a concordância de vontade de ambas.
Pode acontecer que haja divergência entre a vontade interna e a sua
manifestação externa, como pode haver, também, discrepância entre as
duas declarações de vontade em um negócio jurídico bilateral. Quando essas
divergências não são conhecidas das partes, trata-se do erro .
Em termos gerais, erro é o falso conhecimento de um fato. Por exemp lo,
compro um anel de cobre, pensando que se trata de anel de ouro.
É evidente, e os romanos pensavam assim também, que o erro impede a
validade do negócio. Mas nem sempre e, também, nem em todos os casos.
Para que o erro tenha o efeito de invalidar um negócio jurídico, é preciso
que se refira a um elemento essencial desse negócio, ou seja, que se trate de erro
essencial (frror essentig_lis).
Além disso , é necessário que o erro seja oriundo de uma
conduta escusável do agente (erro provável- g_rror probg_bilis);em outras palavras,
que se afigure perdoável ter o agente cometido aquele erro , considerando -se o
padrão de diligência normal de um cidadão comum na prática de seus negócios.
Os erros qu e acarretavam a nulidade do ato no dire ito romano eram:
i) O erro quanto ao negócio (g_r ror in negQtio),quando se referia à própria
essência do ato. Exemplo: alguém, pensando alugar a casa de sua propriedade, na
verdade a vende.
ii) O erro de pessoa (frror in persQna), quando se referia à identidade ou
qualidade essencial de uma pessoa, desde que isso fosse elemento essencial do ato.
Exemp lo: Fulano empresta dinheiro a Caio, sem lastro patrimonial, pensando
que ele fosse Tício, pessoa dotada de amplo patrimônio. Ressalte-se, entretanto,
que o frror in pe rsQna não in valid a o negócio quando a pessoa não é elemento
essencial do negócio . Exemplo: vender à vista a Caio, pensando que seja Tício,
uma mercadoria exposta na minha loja. Nesse caso, a pessoa do comprador
nenhuma relevância tem no negócio.
iii) O erro quanto ao objeto (frror in cQrpore), qu ando se referia à identidade
física do objeto do negócio. Exemplo: comprar o lote n. 0 12, pensando tratar -se
do lote vizinho, de n. 0 13.
iv) O erro referente à substância (qror in substa_ntia),quando se referia
às qualidades essenciais do objeto do negócio. Exemplo: comprar um cavalo
comum, pensando tratar-se de um cavalo de corrida.
Capítulo 6 • Negócio Jurídico 79
iii) Dolo
A divergência entre a vontade interna e a sua manifestação externa podia
ser provocada também por uma das partes do negócio jurídico, a fim de levar a
outra a incidir em erro.
O comportamento malicioso de alguém, com o fito de enganar a outra
parte, falsificando a verdade, para tirar disso vantagem própria, é o que o direito
romano chamou de dolo (pronuncia-se com o primeiro "o" aberto): "toda
malícia, falácia ou maquinação empregada para enganar, iludir, ou ludibriar o
outro" (Qmnis calli.ditas,faLL!l:_cia,machin4tio ad circumvenigndum, fallfndum,
decipigndum !1:_Lterum adhi.bita - Ulpiano, D. 4, 3, l, 2).
O pretor Aquílio Galo, em 68 a.C., introduziu uma ação penal - a 4ctio
de dQ!o-, pela qual quem agisse com dolo podia ser obrigado a pagar à vítima o
valor do prejuízo por ela sofrido em consequência do dolo. Além disso, o pretor
concedeu outros meios processuais, tais como a "exceção de dolo" (excfjJtiodQli)
e a "restituição integral por causa de dolo" (in i.ntegrum restitH.tioob dQ!um), para
a reparação de injustiças provocadas por comportamento doloso.
É de se notar que só era possível recorrer à !1:_ctio
de dQlo- ação penal de
suma gravidade, que acarretava a pena de "infâmia" (infemia) para o condenado
- quando não houvesse outros remédios jurídicos cabíveis.
80 Curso Elementar de Direito Romano
iv) Coação
A divergência entre a vontade interna e a manifestação externa pode advir
da coação por parte de alguém: "por causa de violência ou de medo" (vi met11:.sque
causa - Ulpiano D. 4, 2, 1). Trata-se de pressão física ou psíquica, ilegal, exercida
por alguém contra o agente , a fim de que este pratiqu e, contra sua vontade, um
negócio jurídico.
O direito antigo, o iy_s civile, formalístico e rígido, não levou em
consideração essa circunstância determinante daquela manife stação. Para aquele
direito importava mais a forma externa do negócio do que a vontade int erna da
parte : "embora coagido, quis" (tg_mencog._ctusVQÍuit- Paulo D. 4, 2, 21, 5).
Foi um pretor de nome Otávio que, em 80 a.C., introduziu essa regra,
com o fito de invalidar os negócios jurídicos praticados em con sequ ência de
coação. Previu ele tanto a coação física ("força" - vis) quanto a moral ("medo" -
mt:.tus).A primeira consiste em forçar fisicamente alguém a praticar um negócio
contra a sua vontade . A segunda é a ameaça, causadora de temo r no sujeito,
impelindo-o, assim, à prática do negócio contra a sua vontade: "aquilo que for
praticado por causa de medo, eu <o pretor> não terei por válido" (quod mftus
causagfstum frit, rg._tumnon habt:.bo- Ulpiano, D. 4, 2, 1).
Com base nessa regra, o pretor concedeu um meio processual (a
"restitu ição int egral" - in integrum restity_tio) para anular os efeitos de tais
negócios e restabelecer a situação anterior. Co ncedeu, também, uma defesa
processual ("exceção" - excfptio) conua aquele que pretendesse fazer valer um
direito decorrente do negócio coagido.
Outra disposição edital do pretor considerou a coação como delito,
punindo-a com o quádruplo do valor do negócio. A ação penal chamava-se "ação
por causa de ameaça" (g._ctio quod mftus cg_usa).
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Capítulo 6 • Negócio Jurídico 81
quanto ao conteúdo dos negócios jurídicos eram as de que ele fosse possível física
e juridicamente, lícito e determinado.
Portanto, não teria validade um negócio de compra e venda cujo objeto
fosse uma coisa que jamais poderia existir, porque seu conteúdo seria fisicamente
impossível de se realizar.
Do mesmo modo , teria sido inválido um negócio cujo conteúdo fosse
juridicamente impossível (por exemplo, a venda, como escravo, de um cidadão
romano em Roma, ou ilícito (por exemplo, a contratação de um sicário para
matar alguém).
A determinação do conteúdo do negócio deve ser objetiva , mas pode ser
feita por terceiros também, se as partes assim o quiserem. Por exemplo, vender
um cavalo pelo preço que Tício, amigo comum das partes, arbitrar.
Ainda em matéria referente ao conteúdo do negócio jurídico, podemos
fazer distinçóes a respeito de seus elementos. Esses podem ser essenciais, naturais
e acidentais.
i) Essenciais.
São os elementos necessários para a existência jurídica, em geral, de
qualquer negócio, ou , em especial, de algum negócio em particular. Assim,
por exemplo, no primeiro caso, a manifestação de vontade; no segundo, a
determinação do preço na compra e venda.
ii) Naturais.
Trata -se de elementos naturalmente incluídos em um negócio jurídico,
porque o ordenamento jurídico os considera inerentes à sua estrutura, conforme
seu tipo. Assim, a responsabilidade do vendedor pelos vícios ou defeitos ocultos
da coisa vendida - ou seja, aqueles não perceptíveis no momento da celebração
- é parte integrante da compra e venda, sem necessidade de estipulação expressa
a respeito.
Por outro lado, tais elementos naturais podem ser livremente excluídos
ou modificados pela s partes interessada s, desde que o façam expressamente.
São, portanto , exemplos de direito dispositivo. Destarte, é possível excluir
a responsabilidade pelos vícios ocultos da coisa vendida, se isso constar
categoricamente em uma cláusu la do respectivo contrato.
iii) Acidentais.
Além dos elementos acima mencionados , podem ser incluídos outros,
eventuais e secundários, que as partes livremente acrescentem ao negócio, por
meio da inserção de uma cláusula. Por exemplo, a inclusão de disposiçóes sobre
a forma de pagamento. Como tais cláusulas não são necessárias para a realização
do negócio jurídico, são elas chamadas acidentais.
82 Curso Elementar de Direito Romano
i) Condição
A condição (condicio - e não condi_ctio)é uma cláusula acidental por
meio da qual a vontade das partes subordina os efeitos do negócio jurídico a um
evento futuro e incerto. Por exemplo, "dar-lhe-ei cem moedas se o navio chegar
da Ásia".
Há três requisitos essenciais sem os quais não se caracteriza uma condição
propriamente dita. As condições que não preenchem esses requisitos são chamadas
"condições impróprias".
Os requisitos são os seguintes:
i) Em primeiro lugar, é mister que seja realmente o arbítrío das partes
que subordine os efeitos jurídicos da manifestação da vontade à ocorrência
de determinada circunstância. Por isso, não é condição propriamente dita a
chamada "condição de direito" (condi_cioiy_ris).Nessa última hipótese, é o próprio
ordenamento jurídico que faz depender os efeitos do negócio jurídico de outra
circunstância, sendo irrelevante que as partes também tenham incluído cláusula
cogitando do mesmo assunto. Por exemplo: "Que Tício seja meu herdeiro, se eu
morrer antes dele". A regra jurídica já prevê, como pressuposto da nomeação de
herdeiro o faro de esse sobreviver ao testador. A repetição da regra jurídica não
dá ao negócio o caráter de condicionado, pois a inclusão daquele elemento não
depende da vontade das partes.
ii) Em segundo lugar, o evento de que dependem os efeitos do negócio
jurídico deve ser futuro, isto é, deve verificar-se após a estipulação da condição
pelas partes. Portanto, não se considera condição aquela "relativa ao presente
ou ao passado" (condi_cioin praesens vel in praetfritum coll4ta), ou seja, a que
faz a eficácia do negócio depender de evento concomitante ou anterior à sua
estipulação. Isso porque, em tais casos, não há pendência. O negócio é válido
ou nulo desde o início, embora as partes possam não ter conhecimento daquele
Capítulo 6 • Negócio Jurídico 83
ii)Termo
A cláusula que subordina os efeitos de um negócio jurídico a um evento
futuro e certo denomina-se termo ("dia" - dies).
A diferença, pois, entre termo e condição, reside na certeza da ocorrência
do evento. Essa ocorrência pode verificar-se em data certa ou em data incerta :
"dia certo quanto à ocorrência e também certo com relação a quando" (dies cfrtus
an, cfrtus qu4ndo) ou "dia certo quanto à sua ocorrência, mas incerto com relação
a quando" (dies cfrtus an, incfrtus qu4ndo). Exemplo de data incerta de um evento
certo é a da morte (cf. Ulpiano, D . 12, 6, 17), porque não há dúvida de que se
verificará, apenas sua data não é certa.
A cláusula de termo pode determinar que os efeitos do negócio se iniciem
a partir da verificação do evento futuro e certo, ou cessem naquele momento.
Distingue-se, então, também aqui, o termo suspensivo ("dia a partir do qual" -
dies a quo) do termo resolutivo ("dia até o qual" - dies ad quem). Por exemplo,
respectivamente: "dar-te-ei doze mil sestércios no final do ano" e "dar-te-ei mil
sestércios por mês até o final do ano" .
No termo não há incerteza. Portanto, não há pendência do negócio
jurídico estipulado sob termo . O negócio é válido desde o princípio; somente
sua eficácia, seus efeitos jurídicos, ficam suspensos até o advento do termo, se
suspensivo . Já no caso de termo resolutivo, o negócio é perfeito e, ao mesmo
tempo, eficaz desde o início, cessando os seus efeitos com o advento do termo
resolutivo.
Como o negócio jurídico sob termo existe desde o momento inicial e
ames da verificação do evento (Paulo, D. 45 , 1, 46 pr.), tratando-se de uma
relação obrigacional, ela passa aos herdeiros, se o titular morrer antes.
Os negócios formais não podem ser praticados sob termo, como também
não podem ser praticados sob condição, conforme, aliás, já foi visto: "atos
legítimos, que não admitem termo ou condição, tais como a emancipação, a
quitação, a aceitação de herança, escolha de escravo, nomeação de tutor, viciam-
se completamente pelo acréscimo de prazo ou condição" (4.ctuslegitimi, qui non
recipiunt diem vel condiciQnem, vduti emancipgJio, acceptil4tio, heredit4tis aditio,
sfrvi Qptio, d4tio tutQris, in tQtum viti4ntur per tfmporis vel condiciQnis adiectiQnem
- Papiniano, D. 50, 17, 77).
É de se notar que várias relações jurídicas, como a propriedade, os direitos
de servidão, a qualidade de herdeiro, eram consideradas, no direito romano,
permanentes, não podendo ser constituídas a termo resolutivo .
86 Curso Elementar de Direito Romano
iii) Modo
Chama -se encargo ou modo (mQdus)a cláusula acessória que se acrescenta
a negócios jurídicos gratuitos para impor ao destinatário da liberalidade
uma obrigação, sem, contudo, influir na eficácia do negócio . Por exemplo, o
testador que pede ao herdeiro para construir um monumento em memória dele
(Modestino, D. 40, 4, 44).
Os efeitos jurídicos do negócio de liberalidade independem do
cumprimento ou não da obrigação modal. O negócio é juridicamente válido e
eficaz desde o início (ab initio). No exemplo dado, o herdeiro adquire esse título
imediatamente, com a morte do testador. A diferença, portanto, do que ocorre
com a condição é que, no negócio modal, seus efeitos não se subordinam ao
cumprimento da obrigação .
Mesmo assim, o encargo não é um simples pedido destituído de eficácia
jurídica. Já no direito romano clássico havia meios legais indiretos para constranger
o favorecido pela liberalidade a cumprir a incumbência a ele imposta. O pretor
impunha a esse último que assumisse expressamente tal dever por meio de uma
promessa solene e verbal (stipu/4.tio),a qual transformava esse dever em uma
obrigação aucônoma.
Também quando havia interesse público envolvido, intervinha a autoridade
pública para constranger o favorecido a cumprir a obrigação (Papiniano, D . 5,
3, 50, 1). Finalmente, o direito justinianeu garantiu diretamente a execução dos
encargos (Ulpiano, D. 23, 3, 9 pr.; Diocleciano e Maximiano, C. 8, 54 (55), 3,
1).
l
CURSO
ELEMENTAR
DE
DIREITO
ROMANO
DIREITOS
REAIS
Capítulo 7 • Direitos Reais 91
CAPÍTULO7
DIREITOS REAIS
seu titular.
Por conta desse último aspecto, costuma-se dizer que eles são "direitos
de sequela", isto é, atribuem ao seu titular o poder de seguir a coisa aonde ela se
encontrar, não importando nas mãos de quem ela esteja.
Contrariamente, os direitos obrigacionais valem apenas contra pessoas
determinadas - ou seja, os específicos devedores de cada relação obrígacional,
como , por exemplo, no caso dos contratos - e não admitem direito de sequela.
iii) Os direitos reais costumam exigir publicidade. Tal se impõe pelo fato
de valerem contra todos (frga Qmnes) e, portanto, devem ser de conhecimento
geral e público. Isso explica, no direito romano, a exigência da cerimônia pública
da mancipt1:.tio para transferência de propriedade de imóveis itálicos, e, no direito
moderno, do registro de escritura no cartório de imóveis.
Os direitos obrigacionais, em contrapartida, normalmente não exigem
publicidade.
iv) Os direitos reais só existem em número limitado (ny_merusclausus).
Em razão de serem oponíveis a todos, afetando toda a sociedade, não podem ser
criados por vontade dos particulares, só sendo admitidos aqueles previstos pelo
ordenamento.
Diversamente, em relação aos direitos obrigacionais, não obstante o
princípio romano da tipicidade dos contratos, os particulares têm liberdade
para estabelecer o conteúdo de seus acordos de vontade (como nos contratos
inominados e, principalmente, nas stipulationes), já que esses só vinculam os
contratantes .
v) Os direitos reais tendem a valer por longo prazo ou perpetuamente.
Costumam permanecer válidos por prazo indeterminado, enquanto não ocorrer
nenhuma causa extintiva.
Em oposição, os direitos obrigacionais tendem sempre a extinguir-se em
tempo, no mais das vezes, breve . Em regra, toda obrigação extingue-se quando
cumprida, ou se não for exigida tempestivamente (estando sujeita à prescrição e
decadência).
Ressalte-se, por fim, diante de tais características, e na relação entre esses
direitos e a coisa que eles têm por objeto, que, no caso dos direitos reais, diz-se
que temos um "direito sobre a coisa" (i1!:.s in re), enquanto nos obrigacionais,
um "direito à coisa" (iy_sad rem). Em outras palavras, no primeiro caso o titular
tem um direito imediato sobre a coisa, enquanto, no segundo, tem o direito a
exigir que a coisa lhe seja transferida (ou seja, o seu direito à coisa é mediato ou
indireto, pois depende do cumprimento de uma conduta por parte do devedor).
Capítulo 7 • Direitos Reais 93
CAPÍTULO8
PROPRIEDADE
CONCEITO
A propriedade (domi.nium ou propri_etas)é um poder jurídico exclusivo e
potencialmente absoluto sobre uma coisa corpórea.
Nesse conceito, que é da jurisprudência clássica, a propriedade é
considerada uma relação direta e imediata entre a pessoa, titular do direito, e
a coisa. Explica-se tal acepçáo pela preponderância do aspecto do poder nas
relações de senhorio no direito romano primitivo, quer seja seu objeto uma
coisa pertencente à família, quer sejam as pessoas livres sujeitas ao poder de um
pa.terfami.lias(pa.triapott_stas).Não é por acaso que as Institutas de Justiniano
ainda definem o domínio como um "poder pleno sobre a coisa" (in re plt_na
pott_stas- Insc. 2, 4, 4).
As faculdades ou poderes do proprietário são três:
i) direito de usar (iY:.sutt_ndi), a faculdade de servir-se da coisa como lhe
aprouver, respeitadas as limitações legais;
ii) direito de fruir (iusfrut_ndi), a faculdade de colher os frutos, naturais e
civis, da coisa que lhe pertence; e
iii) direito de dispor (ius dispont_ndi),a faculdad e de alienar, ou seja, de
tornar coisa própria alheia, transferindo-a a um adquirente, a título gratuito ou
oneroso.
Além de, em sentido positivo, conferir essas três faculdades ao proprietário,
em sentido negativo, o direito de propriedade exclui toda e qualquer ingerência
alheia, protegendo-o, no exercício de seus direitos, contra turbação por parte de
terceiros.
96 Curso Elementar de Direito Romano
proprietário;
e)havia proibições de demolição de prédios sem autorização administrativa;
d) o descobridor de jazida tinha o direito de explorar a mina em terreno
alheio, mediante indenização a ser paga ao proprietário;
e) o dono de um terreno devia tolerar que o vizinho ali entrasse dia sim,
dia não, para recolher os frutos nele caídos, provenientes de árvores desse último;
f) o vizinho devia suportar a inclinação dos ramos em altura superior a
quinze pés (pouco menos de quatro metros e meio), podendo, entretanto, cortá-
los até essa altura;
g) o fluxo normal das águas pluviais devia ser suportado também pelos
donos de terrenos, sendo vedadas obras que o alterassem artificialmente;
h) era proibida a emissão de fumaça, calor, umidade e mau cheiro sobre
imóveis próximos;
i) o direito de construir era condicionado a não prejudicar a iluminação
e a vista dos prédios vizinhos, sendo também restrita, no tocante à distância e à
altura, a abertura de janelas voltadas para imóveis contíguos; e
j) era limitada a altura máxima permitida dos prédios de apartamento (as
chamadas insulae), de início, a setenta pés de altura (aproximadamente vinte e um
metros, o que corresponderia, nos dias de hoje, a um edifício de sete pavimentos,
incluído o térreo) .
Eram limitações legais, ainda, as regras de inalienabilidade, que proíbem
ao proprietário transferir ou onerar seu direito. Tal inalienabilidade existia no
terreno datal, sobre os bens do pupilo, nas coisas em litígio, e visava a proteger
os interesses da mulher, do incapa z ou da outra parte na lide, respectivamente.
Cumpre-nos mencionar, ainda, a proibição dos atos emulativos, que,
modernamente, é considerada limitação da amplitude do exercício da propriedade.
A teoria foi elaborada na Idade Média, com base nos textos da codificação de
Justiniano. São considerados atos emulativos aqueles que o proprietário pratica
não para sua utilidade, mas para prejudicar o vizinho.
COPROPRIEDADE
O caráter absoluto e exclusivo da propriedade incompatibiliza -se com a
existência de duas propriedades ao mesmo tempo sobre a mesma coisa: "não pode
haver propriedade de duas pessoas sobre a totalidade <de uma coisa>" (duQrum
in sQ!idum dominium fsse non pQtest - Ulpiano, D. 13, 6, 5, 15). É possível,
entretanto, que o direito de propriedade pertença a mais de uma pessoa, dividido
entre elas. Trata-se da copropriedade (condomi_nium), que se caracteriza pelo fato
98 Curso Elementar de Direito Romano
i) Propriedade Quiritária
O conceito abstrato de propriedade, distinto do poder do p[!:_te1fami_lias
(p[ltriapotfstas), e sua denominação de domi_niume propri_etas,datam da segunda
metade da República. O instituto faz parte do ÍH:scivi_le;chama-se propriedade
quiritária ("propriedade pelo direito dos cidadãos romanos" - domi_nium ex ÍH:re
Quiri_tium).
Pressupõe, naturalmente, que seu titular seja cidadão romano. Outro
requisito é que a coisa, sobre a qual recaia a propriedade quiritária, possa ser
objeto dela. Estão nessa situação todas as coisas corpóreas in commg_rcio, exceto os
terrenos provinciais. Terceira exigência é que a coisa tenha sido adquirida, pelo
seu titular, por meio reconhecido pelo iH:scivi_le.Tais meios eram: i) os modos de
aquisição originários; ii) a usucapião; e iii) para as resm{lncipi, a mancip[ltio e a in
iw-e cg_ssio,e, para as res nec m[lncipi, a simples tradi_tio.Os detalhes desses vários
modos de aquisição serão tratados oportunamente.
Cumpre ainda adiantar que a usucapião - modo de aquisição da
propriedade pelo simples fato de alguém ter a coisa em seu poder por certo
tempo e sob certas condições - gerava propriedade quiritária, tanto no caso das
res m[lncipi como no das res nec m[lncipi.
Assim, se alguém comprasse uma res mf!:_ncipi,sem que o vendedor
transferisse a propriedade dessa coisa pelos atos jurídicos solenes acima
mencionados, mas apenas pela simples tradição da coisa, o comprador não
adquiria a propriedade quiritária. Só a usucapião, após decurso do prazo prescrito,
gerava tal domínio. Assim, a usucapião, como modo de aquisição da propriedade
reconhecido pelo iH:scivi_le,supria nesses casos a falta da mancipf!:.tioou da in ÍH:re
Cf.SSÍO.
Se, por exemplo, uma res m4ncipi fosse transferida pela simples tradição
(que, naturalmente, atende muito mais às necessidades do comércio do que as
formalidades complicadas da mancip4tio e da in iY:.recfssio), o vendedor ainda
era proprietário perante o iY:.scivile, enquanto não se completasse o prazo da
usucapião. Isso era uma injustiça contra o comprador, que pagara o preço ao
vendedor.
O pretor, em obediência aos princípios que nortearam sua atividade,
socorreu os prejudicados com tais situações. Considerando que o comprador,
no exemplo acima descrito, aliás muito comum, estava em vias de usucapir,
protegeu -o con tra o antigo proprietário qu e lhe vendera a coisa e que, depois ,
baseando-se no formalismo do Íli.S civile, de má-fé exigisse a devolução daquela.
O meio de defesa era uma "exceção <processual> de coisa vendida e entregue"
(excgptiorei vtnditae et tr4ditae), concedida pelo pretor , que paralisava a pretensão
do antigo proprietário. Por esse meio , o comprador ficava protegido contra esse
último.
Depois, tal defesa foi estendida pelo pretor para os casos em que a coisa,
que havia sido entregue ao comprador pela simple s tradição, caísse em mãos de
terc eiros . Nesse caso, o comprador não tinha dir eito reconhecido pelo iy_scivile em
que pudesse basear sua pretensão e reaver a coisa. Entretanto, um pretor de nome
Publício, considerando a usucapião em curso, instituiu uma ação, chamada "ação
publicianà' (4ctio Publici4na), pela qua l o comprador podia exigir a devolução
da coisa de qualquer pessoa que a tivesse em seu poder. Processualmente, a 4ctio
Publici4na baseou-se na ficção de que o prazo da usucapião já tivesse decorrido.
Os remédios processuais acima expos to s foram utilizados em outros casos
semelhantes, como na aquisição de uma coisa não pertencente ao alienante,
na doação, bem como nos casos da "imissão na posse" (missio in possessiQnem).
Nessas hipóteses, o pretor conferia a posse definitiva da coisa, com base no seu
poder de mando (imptrium), a pessoa outra que não o proprietário quiritário .
Exemplos desses casos encontramos na execução ("venda <process ual > dos bens"
- bonQrum venditío) do devedor insolvente, na sucessão hereditária pelo direito
pretório ("<atr ibuição da> posse dos bens <pelo pretor>" - bonQrumpossfssio)de
pessoa falecida, concedida aos seus herd eiros etc.
Assim, o pretor construiu um novo tipo de propriedade , diferente e até
contraposta à propriedade quiritária. Formalmente, o pretor não podia derrogar
o iY:.scívile. Por isso, o proprietário quiritário, nos específicos casos regulados pelo
pretor, continuava nominalmente dono, mas seu direito ficava reduzido só ao
nome ("direito <de propriedade> quiritária despido <de proteção>" - n11:.dum iy_s
Quiritium). Do ponto de vista prático, não tinha nenhum valor, porque o pretor
Capítulo 8 • Propriedade 101
BIBLIOTECA
CIRCULANTE
Capítulo 9 • Proteção Da Propriedade 103
CAPÍTULO9
PROTEÇÃO DA PROPRIEDADE
"ninguém pode transferir a outrem mais direitos do que ele próprio tiver" (ng_mo
plus iy,_risad gjium transfe_rre JQtest, quam ipse habg_ret- Ulpiano, D. 50, 17, 54).
Era tão difícil, na prática, essa prova, que os medievais apelidaram-na de diabólica
(probg:_tio
diabQlica).Em razão disso, a usucapião era de grande utilidade, por ser
um modo de aquisição que não dependia do direito do antecessor.
A finalidade da rei vindic4tio era a de obter a restituição da coisa. A
propriedade, como direito absoluto e exclusivo sobre uma coisa corpórea, incluí
o exercício do poder de fato (posse) sobre ela. Consequentemente, o autor
pleiteava pela rei vindic4tio a entrega da coisa, com seus frutos, pelo ilegítimo
possuidor . Tratando-se de réu que possuía de boa-fé, só deviam ser restituídos os
frutos separados a partir da "instauração do processo" (litiscontest4tio).
Após esse momento, o possuidor não mais podia alegar a sua boa-fé, poi s,
pela impugnaçáo feita pelo autor na fase inicia l do processo , passava a ter ciência
de que a coisa não lhe pertencia de direito.
Quanto aos frutos percebidos pelo possuidor de boa-fé antes da
instauração, pertenciam-lhe pelo direito clássico, mas Justiniano impôs a ele
a restituição daquele s, enquanto não consumidos ("frutos estante s" - fry,_ct us
ext4ntes).
No que se refere às benfeitorias , as feitas pelo possuidor de boa-fé
deviam ser indenizadas pelo proprietário, se necessárias ou úteis. As primeira s
integralmente, de acordo com o que foi desembolsado por quem as fez; as
segundas, pelo real aumento de valor proporcionado à coisa.
O possuidor de boa-fé podia reter a coisa até receber a indenização
("direito de retenção " - iy,_sretentiQnis). Advirta-se que o possuidor de má-fé não
tinha direito a indenização alguma .
O sistema do direito clássico, que acabamos de expor, foi modificado
por Justiniano, que permitiu, em determinados casos, retirar a coisa acessória
acrescida a título de benfeitoria, caso isso se pudesse fazer sem deteriorar a coisa
principal ("direito de retirar" - iy,_s tollg_ndi)
.
A propriedade pretória era protegida pela ação publiciana (4.ctio
Publici4na). Tratava-se, na realidade, de uma rei vindic4tio baseada, como
já vimos, numa ficção: considerava-se o prazo da usucapião em curso como
se já tivesse decorrido. Outros detalhes foram expostos no ponto referente à
propriedade pretória.
Capítulo 9 • Proteção Da Propriedade 105
CAPÍTULO10
POSSE
CONCEITO
A posse é um poder de fato sobre uma coisa corpórea: a efetiva
subordinação física da coisa a alguém. Distingue-se da propriedade , que é poder
jurídico absoluco sobre a coisa. O primeiro é um fato, o segundo é um direito.
Os dois conceitos são nitidamente distintos: "nada tem em comum a
propriedade com a pos se" (nihil commgne h4bet proprietas cum possessiQne-
Ulpiano, D. 41, 2, 12, 1).
A linguagem vulgar não faz tão clara distinção. Usam- se como equivalentes
as expressões posse e propriedade. E, realment e, a propriedade inclui o direito
de exercer o poder de fato. Mas inclui, além disso, muito mais , sendo um direito
absoluto. O pod er de fato faz no rma lm ente parte do exercício do direito da
propriedade, mas não sempre: empresto o meu cavalo; alugo a minha casa; perco
a minha carteira; um ladrão rouba minha jóia. Nesses casos, citados a título
exemplificativo, o direito de propriedade fica inalterado, mas a coisa passou a estar
efetivamente subordinada ao pod er de fato de alguém diferente do proprietário.
Para que haja efetiva subordinação física da coisa a alguém, não é pr eciso
direito algum. O ladrão não tem direito à coisa, ma s a tem em seu poder de fato.
De outro lado, a propried ade pode existir sem a posse. Por exem plo: quando
empenho a minha jóia.
A posse compõe-se de dois elementos: um material, outro intencional.
O primeiro é o fato mat erial de a coisa estar subordinada fisicamente a
alguém. Chama-se cQrpus. Os limites de tal submissão de fato dependem das
circunstâncias. O meu carro estacionado na rua, frente à minha casa, considera-
se na minha posse. Mas não assim a carteira que o seu proprietário deixou cair
na rua.
108 Curso Elementa r de Direito Romano
1
l
Capítulo 1O• Posse 109
HISTÓRIA DA POSSE
O conceito de posse é bem mais recente do que o de propriedade. Embora
a época da Lei das XII Tábuas já conhecesse a distinção entre o direito e seu
exercício (esse último chamado "uso", 11:.sus, que era a base da usucapião), não
conhecia a consequência primacial da posse: a sua proteção judicial contra a
interferência de terceiros (turbação).
Tal proteção foi introduzida pelo pretor, por meio de um meio judicial
chamado interdito, que, na origem protegia o gozo das terras públicas (gger
p11:.blicus).
Depois, tal proteção foi estendida, pelo pretor, a outros casos em que
110 Curso Elementar de Direito Romano
CAPÍTULO11
PROTEÇÃO DA POSSE
(DE PRECAR/O)
Visava a recuperar a posse de imóveis de quem a recebera a título
temporário , por liberalidade, para ser restituída a pedido do proprietário.
No direito romano, denomina-se posse a título precário aquela que
alguém concedia temporariamente a um terceiro, reservando-se porém o direito
de exigi-la de volta a qualquer momento (com um simples "aceno de cabeçà' -
ad ny,_tum- ou seja, por uma mera manifestação de vontade, mesmo informal).
Assemelhava-se a um empréstimo (isto é, um contrato de comodato) , com
a diferença que era concedido por tempo lon guíssimo, e não se extinguia com a
morte do concedente ou do concessionário (chamado precarista), transmitindo-
se aos herdeiros de ambas as partes. Por essa razão, os jurisconsultos passaram a
admitir que o precarista fosse considerado possuidor (e não mero detentor, como
o comodatário), gozando de proteção possessória contra terceiros, mas nunca
contra o concedente.
Esse último, em contrapartida, por meio, justamente, do interdito de
prec4rio, podia conseguir a reintegração de posse freme ao precarista que se
recusasse a restituir a coisa quando solicitado.
114 Curso Elementar de Direito Romano
CAPÍTULO 12
AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE
CONCEITO
O direito de propriedade, como os direitos em geral, adquire-se em
consequência de determinados fatos jurídicos. Esses são os modos de aquisição
da propriedade, que podem ser classificados conforme vários critérios.
Os romanos distinguiam entre os modos do Í'f1.Scivi.lee os do Í'Jd.Sgg_ntium.
Não há base dogmática para tal distinção, que se justifica só por considerações
históricas.
Distinguem-se, ainda, os modos de aquisição "entre vivos" (inter vi.vos)
dos "por causa de morte" (mQrtiscg,usa).
Nesses últimos, a aquisição da propriedade depende do evento da morte
de alguém. Só cuidaremos agora dos modos de aquisição entre vivos, deixando
os da segunda categoria para o capítulo das sucessões.
A classificação dos modos de aquisição em originários e derivados é da
dogmática moderna e servirá como base de nossa exposição.
Adquire-se a propriedade por modo originário quando não há relação
entre o adquirente e o proprietário precedente. Do mesmo modo, inexistia tal
relação quando a coisa não era de propriedade de ninguém ao ser-lhe adquirido
o domínio.
Os modos de aquisição derivados são os que se fundam na transferência
do direito de propriedade pelo alienante ao adquirente. Vige aqui o princípio
pelo qual "ninguém pode transferir a outrem mais direitos do que ele próprio
tiver" (ng_moplus iHrisad gJium transfirrepQtest,quam i.psehabg_ret - U lpiano, D .
50, 17, 54). Assim, o direito do adquirente dependerá do direito do proprietário
precedente. Continuará a existir com todas as limitações que eventualmente tiver.
MODOS ORIGINARIOS DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE
Os romanos consideraram os modos originários fundados na "razão
natural" (natur4lis r4tio) e provenientes do igs gç_ntium. Consequentemente,
podem ser praticados também por estrangeiros .
i)OCUPAÇÃO
A ocupação (occup4tio) consiste na tomada de posse de uma coisa em
comércio (in commç_rcio),que não está sob domínio de ninguém ("coisa de
ninguém" - res nulli_us),e gera o direito de propriedade sobre ela. Basta que se
estabeleça o poder de fato com a intenção de ter a coisa como própria: a posse
com "intenção de proprietário" (r1nimusdQmini).
Assim, podem ser apropriados pela ocupação: os animais selvagens,
as ilhas nascidas no mar, as "coisas dos inimigos" (res hQstium) de Roma, bem
como as "coisas abandonadas" (res dereli_ctae)pelo seu dono. Em relação a esse
último caso, cumpre observar que, juridicamente , o abandono de uma coisa não
se presume, exigindo-se sempre manifestação expressa ou conduta inequívoca
nesse sentido (por exemplo, colocar a coisa no lixo). Portanto, a simples falta de
cuidado com uma coisa não se confunde, perante o direito, em termos técnicos,
com o seu abandono ou derrelição.
Ressalte-se, por fim, que tanto na praxe romana quanto moderna, quase
sempre, a ocupação só aplica a coisas móveis (com a única exceção das acima
referidas ilhas nascidas no mar), pois, na prática, dificilmente existirá algum
imóvel do qual ninguém se declare proprietário.
ii) INVENÇÃODETESOURO
Tesouro (thesr1urus)é coisa preciosa enterrada ou oculta por tanto tempo
que seu dono tornou-se desconhecido. Conforme uma constituição do Imperador
Adriano (século II d.C.), pertencerá em partes iguais ao descobridor (invç_ntor)e
ao proprietário do terreno onde foi achado.
Excetuam-se os casos em que o inventor foi mandado à procura do
tesouro pelo próprio dono do terreno, ou em que o tesouro foi procurado e
achado contra expressa proibição desse último. Nesses casos, o tesouro pertencerá
integralmente ao proprietário do terreno.
Capítulo 12 • Aquisição Da Propriedade 117
iv) ESPECIFICAÇÃO
Especificação (specific4tio) é a confecção de coisa nova com material
alheio, como, por exemplo, um balde feito de metal pertencente a outrem. Os
jurisconsultos da escola sabiniana atribuíam a nova coisa ao proprietário da
matéria-prima, os proculianos ao realizador da obra (especificador). Prevaleceu
a opinião intermediária, pela qual a nova coisa só pertencerá ao especificador se
não for mais possível reduzi-la à sua forma primitiva. Naturalmente, tal aquisição
de propriedade não exclui a obrigação do adquirente de indenizar o proprietário
da matéria "especificada".
118 Curso Elementar de Direito Romano
v) AQUISIÇÃODE FRUTOS
Os frutos, em regra, pertencem ao proprietário da coisa que os produz
(chamada coisa frugífera) . Há casos, porém , em que os frutos são de propriedade
de pessoa diversa. Assim, no caso do enfiteuta, no do possuidor de boa-fé, no do
usufrutuário.
A propriedade do fruto é adquirida por meio da sua separação da coisa
frugífera, exceto no caso do usufrutuário, que só adquire a propriedade pela
percepção, isto é, pela apreensão material.
Temos de mencionar que também o locatário pode adquirir a propriedade
dos frutos pela sua percepção, se assim for convencionado no contrato de
locação. Sua aquisição, entretanto, difere da dos outros acima mencionados, pois
se funda em uma concessão do proprietário, ao passo que os outros adquirem
independentemente de autorização contratual.
i) MANCIPAÇÃO(MANCIP/1TIO)
A mancipatio, como vimos, era um negócio formal, abstrato e verbal.
Consistia na solenidade em que - na presença das partes (alienante e adquirente),
do obj eto (ou de algo que o representasse, como a chave de uma casa), de cinco
testemunhas, e, por fim , do portador de uma balança (denominado libripens) -,
pronunciavam-se certas fórmulas verbais e pratica vam -se outros atos simbólicos,
como bater em um dos pratos da balança com uma moeda ou peça de bronze.
Destinava-se, como já foi dito antes, à transferência da propriedade das
res mancipi , como os imóvei s itálicos. Sendo , no início , uma compra e venda
real, no período clássico adquire caráter abstrato: praticando-a, transfere -se a
propriedade, independentemente da natureza ou validade do negócio jurídico
em que se funda. Por exemplo: a mancipatio de um imóvel seria válida, embora
a venda em que ela se baseasse fosse viciada por dolo praticado pelo comprador.
Em comparação com algun s ordenamentos jurídicos modernos, a
mancip4tio corresponde , de modo semelhante, à solenidade e formalidade da
lavratura da escritura pública e seu registro no cartório de imóveis.
Capítulo 12 • Aquisição Da Propriedade 119
iii) TRADIÇÃO(TRADlT/O)
A tradição (tradi_tio)é a simples entrega sem formalidades. É o modo mais
natural de transferência . Sendo negócio jurídico do iy_sgfntium, não serviu, em
todo o período clássico, para transferir a propriedade das res m4ncipi, mas só a
das res nec m4ncipi.
Na realidade , trata-se de transferência da posse, qualificada pela intenção
das partes de transferir também o respectivo domínio. Daí se segue que não basta
o simples acordo entre as partes no que se refere à transferência. Essa tem de se
materializar nos fatos , pela entrega física da coisa: "por meio de tradição, e não
de simples acordos, transfere-se a propriedade das coisas" (traditiQnibus domi.nia
rfrum, non ny_disp4ctis transfery_ntur- Diocleciano e Maximiano, C. 2, 3, 20).
Verifica-se a entrega real pela apreensão física no que se refere aos móveis,
e pelo ingresso e percurso no caso dos imóveis ("circular pelos lotes de terra" -
glfbas circumambul4re).
Basta, às vezes, uma entrega simbólica, como, por exemplo, a entrega das
chaves do armazém onde está a mercadoria a ser transferida para a propriedade
do adquirente. Semelhante é a "entrega de mão longà' (tradi_tio!Qngam4nu), que
também consiste na entrega simbólica da coisa, como, por exemplo, indicando
do alto de um morro os limites de um terreno, que se transfere. Tais modos
representam sempre uma entrega real, pois os atos praticados a simbolizam.
Há casos excepcionais, também, que são considerados de entrega real,
embora essa efetivamente não exista. Tais são os da entrega fictícia ("tradição
ficta" - tradi_tioficta). O primeiro é a "entrega de mão curtà' (tradi_tiobrtvi
mªnu). O detentor converte-se em possuidor só pela intenção (sQ!o4.nimo) das
partes. Exemplificando: Tício detém, a título de locação, uma casa, que pertence
a Caio . Esse vende a casa a Tício. Para efetuar a transferência, isto é, para praticar
a tradi_tio,basta o acordo entre as partes.
Outro caso da tradi.tioficta é o do constituto possessório (constity_tum
possessQrum).Trata-se do inverso da tradi_tiobrtvi m4nu. O possuidor converte-se
120 Curso Elementar de Direito Romano
USUCAPIÃO(USUCAP/0)
É um modo especial de aquisição da propriedade (pois há dúvida quanto
a tratar-se de modo originário ou derivado) que se funda, essencialmente, na
posse, por tempo prolongado. Por meio dela, transforma-se uma situação de
fato em direito. Justifica-se pela natural preocupação de eliminar a incerteza nas
relações jurídicas fundamentais, como a propriedade: "para que os direitos de
propriedade das coisas não fiquem na incertezà' (ne rt:.rumdomi_nia in ínct:.rto
fssent- Gaio, D. 41, 3, 1).
Trata-se de um instituto jurídico antigo. O uso ininterrupto de
um terreno durante dois anos, e o de outra coisa qualquer durante um ano,
independentemente de outros requisitos, gera propriedade, já desde a Lei das XII
Tábuas: "o poder de uso de imóvel <é de> um biênio ... e das demais coisas é de
um ano" (Y:.sus auctQrítasfy_ndi bit:.nnium ... ceterf1::_rum
rfrurn fl::.nnuus
est l:f:.Stts).Daí
o seu nome usucfl::.pio.
Quem adquire por esse modo fica dispensado de justificar a sua posse,
uma vez decorrido o prazo prescrito, e o direito de propriedade, que adquire,
independe, por sua vez, do direito de seu antecessor.
Em origem, esse instituto aplicava-se a todas as relações de senhoria,
inclusive às do poder do pf!:.terfami_lias. Por isso, foi possível a usucapião do poder
marital (mfl::.nus). Mais tarde, porém, ficou restrito à propriedade.
Desse primitivo instituto do direito quiritário, a jurisprudência, no fim
da República, elaborou o novo conceito de usucapiáo, estabelecendo os requisitos
necessários para sua verificação, que eram até então desconhecidos.
i) Res h!!:.bilis
A usucapião do direito clássico pressupõe uma "coisa suscetível" (res
de propriedade quiritária (domi.nium ex ÍY:.reQuiritium). É natural tal
hfl::.bílis)
exigência, pois a usucapiáo gera tal tipo de domínio. Por consequência, excluem-
se desse modo de aquisição as res t;,xtra commt:.rcium, bem como os terrenos
Capítulo 12 • Aquisição Da Propriedade 121
provinciais. São, ainda, excluídas da usucapião, por uma regra da Lei das XII
Tábuas, as coisas furtadas (resfurti_vae), enquanto não voltarem às mãos de seu
legítimo dono. Outras leis estabeleceram regra idêntica quanto às coisas cuja
posse fora obtida por violência (res vi posst:_s
sae).
ii) Posst:_ssio
O segundo requisito da usucapião clássica é a "posse" da coisa, qualificada
pela intenção de tê-la como própria (chamada posst:_ssío civi_lis).O mero detentor
(como, por exemplo, o inquilino) não pode, portanto, usucapir.
iii) Í!d_stus
ti_tulus
O terceiro requisito é um "justo título " (i!d.stusti.tu!us) ou "justa causa de
usucapião" (i!d_sta c4usa usucapiQnis). Esse título ou causa nada mais é do que o
negócio jurídi co precedente (por exemplo, um contrato de compra e venda, uma
doação, ou um testamento) no qual a posse se baseia e que, por si só, teria levado
à aquisição da propriedade, mas não levou , em razão de um defeito no direito
do alienante (por exemplo, não se tratar do legítimo proprietário ) ou no ato da
aquisição (por exemplo, se for nulo por qualquer irregularidade).
Temos de recordai~ aqui , que para a transfer ência da propriedade não basta
o simples acordo entre as partes: é preciso, ainda, a prática de um dos atos de
transferênc ia. Tais atos foram estudados no parágrafo relativo aos modos derivados
de aquisição da propriedade.
Como já foi dito, se o ato de transferência, entretanto, for viciado, não se
transfere a propriedade. Assim , nos casos de:
a) transfer ênc ia "por quem não é dono" (a non dQmino) ou por pessoa
incapaz de agir;
b) vício formal do ato de transferência; por exemplo, a prática da tradi_tio
ao invés da mancip4tio, na hipótese de se tratar de um imóvel, ou qualquer outra
falha cometida nas formalidades prescritas na mancip4tio ou na in Í!d_re cfssio.
Nesses casos, embora nulo o ato de transferência da propriedade, adquire-
se o domínio pela usucapião , se for justo o titulo em que se fundou o ato de
transferência viciado.
iv) BQnajides
Quarto requisito é a boa-fé (bQnajides) do possuidor. Essa é a convicção
do agente de que a coisa legitimamente lhe pertence. Trata-se, é evidente , de um
erro de fato de sua parte.
A boa-fé é exigida apenas no momento inicial da posse. No direito
romano, "a má-fé superveniente não prejudica" (m4la jides supervfniens non nQcet)
a usucapião. De outra parte, a boa-fé sempre se presume, só deixando de ser
admitida ante prova em contrário.
122 Curso Elementar de Direito Romano
v) Tempus
O quinto requ1S1to é o decurso do prazo (tfmpus) necessano para a
aquisição da propriedade pela usucapião. Era, pela Lei das XII Tábuas, de dois
anos, ou de um ano, conforme se tratar de terreno ou de outra coisa qualquer,
respectivamente.
Com o herdeiro continua a correr o prazo iniciado pelo defunto
("sucessão da posse" - succfssiopossessiQnis).O mesmo não se dava, porém, com
quem adquirira a coisa a título particular, como por compra, doação etc. Mais
tarde, a partir da época dos Imperadores Severo e Caracala (século III d. C.), tais
adquirentes foram equiparados aos herdeiros, autorizando-se-lhes a contagem
do prazo da usucapião a partir do iní cio da posse do seu antecessor ("acessão da
posse" - accfssiopossessiQnis).
A perda da posse interrompe o prazo da usucapião (usurpg_tio).
Recuperando-se a posse, inicia-se novo prazo. O direito clássico não conhece
ainda a interrupção causada pelo exercício do direito de ação reivindicatória, nem
a suspensão do prazo em favor dos incapazes ou ausentes. Esses, porém, podiam
ser socorri dos pelo pretor, por meio de uma medida judicial que cons ider ava não
realizado um negócio jurídico ou formalidade processual, visando à "recomposição
integral " (restitY:.tioin i_ntegrum)da situação jurídico-patrimonial anterior.
11
PRESCRIÇÃO <AQUIS ITIVA> DE LONGUÍSSIMO PRAZO"
(PRAESCRlPT/OLONGlSSIMITE.MPORIS)
Considerando a evidente negligência do proprietário que, durante tempo
excessivo, não usasse do seu direito contra o possuidor, os imperadores do último
período entendiam que tal proprietário deixava de merecer a proteção judicial.
O imperador Constantino foi o primeiro que estabeleceu a extinção da ação
reivindicatória depois de decorridos quarenta anos. Mais tarde, Teodósio, no
século V d.C., reduziu o prazo a trinta anos. Tal extinção da ação reivindicatória
opera-se sem exigência de boa -fé, nem de justo título por parte do possuidor.
Esse, porém, nunca será proprietário; terá , apenas, contra o proprietário, um
meio de defesa processual, fundado na alegação da "prescrição <aquisitiva> de
longuíssimo prazo " (praescriptiolongissimi tg_mporis).
l _ ~ =--
124 Curso Elementar de Direito Romano
PERDA DA PROPRIEDADE
Perde-se a propriedade:
i) pela extinção;
ii) pelo perecimento da coisa;
iii) pelo "abandono" (derelj_ctio)
da coisa, com a intenção de não mais ser
proprietário; e
iv) pela transferência do domínio a outrem ou aquisição originária
feita por pessoa diversa, como, por exemplo, a especificação de material alheio,
aquisição de fruto por possuidor de boa-fé, usucapião etc.
Capítul o 13 • Direitos Reais So b re Coisa Alh eia 125
CAPÍTULO 13
DIREITOS REAIS SOBRECOISA ALHEIA
CONCEITO
Os direito s reais sobre coisa alheia nada mais são do que parcelas do
direito de propri edade (ou seja, das faculdades de usar, fruir e dispor) con cedid as,
voluntariam ente, a terceiro pelo proprietário. Tais parcelas podem ser mais amplas ,
como no usufruto , ou mais restritas, como nas servidóes prediais, e conservam
a m esm a característica da propriedade , de valerem "contra todos " (frg a Qmnes).
A propriedade é um direito absoluto e exclusivo, a ser respeit ado por todos.
Chama-se "direito sobre a coisa" (i!::1.
s in re) pelo fato de os romanos considerarem
que a relação entre o propriet ário e a coisa é direta e imediata .
Evidencia va-se tal conceito também na construção da fórmu la dos meios
processuais de proteção da propriedade que fazem parte das ações reais (actiQnes
in rem). Nessas, a primeira parte da fórmula, chamada "pretensão " (intfntio ),
incluía apenas o nome do autor e o direito que ele alegava ter sobre a coisa, sem
mencionar o réu que o teria violado. Desse modo, as actiQnes in rem traduziam
perfeitamente o conceito de que o direito de propriedade, protegido por elas,
valia "contra todos" (f rga Qmnes). Por causa dessa característica o direito de
propriedade é chamado de um direito real.
Aliás, a propriedade é o direito real por excelência. Há, porém , outros
direitos reais, que também têm a mesma característica de valerem contra todos,
mas que são restritos quanto à sua amplitude. Esses são os direito s reais que,
conforme dissemos, atribuem uma parcela do poder jurídico sobre a coisa,
normalmente pertencente ao proprietário, a outra pessoa que não ele, limitando,
assim, a plenitude da propriedade.
Os direitos reais sobre a coisa alheia (iJ::1.ra
in re alifna) compreendem :
a) os direitos reais de gozo, que são as servidóes prediais e pessoais, a
126 Curso Elementar de Direito Romano
enfiteuse e a superfície;
b) os direitos reais de garantia, que são a fidúcia , o penhor e a hipoteca.
SERVIDÕES
As servidóes são direitos reais que têm por fim proporcionar uma
participação na utilidade da coisa a quem não é seu proprietário . São chamadas
servidóes (servit!:f:_tes),
porque a coisa onerada serve, ou seja, presta utilidade ao
titu lar desse direito.
A servidão pode existir em favor de um terreno ou em favor de determinada
pessoa . No primeiro caso, são as servidóes prediais (servit!:f:_tes
praediQrum), no
segundo, as servidóes pessoais (servit!:f:.tes
persong_rum).
Há que se salientar que o período clássico não conheceu o conceito amplo
de servidão como acima exposto. Esse é fruto do direito justinianeu.
SERVIDÕES PREDIAIS
As servidóes prediais consistem em parcelas menores do direito de
propriedade (como a passagem ou o acesso à agua, contidas na faculdade de uso)
que são cedidas, no mais das vezes onerosamente, pelo proprietário de um prédio
ao dono de um prédio vizinho . Saliente-se que, na terminologia técnico-jurídica,
"prédio" é sinônimo de imóvel em geral, construído ou não; assim, mesmo um
simples terreno também é chamado de prédio.
As servidóes prediais existem sempre entre dois prédios. Um, o prédio
dominante, em cujo favor a servidão subsiste, outro, o prédio serviente, gravado
pelo ânus da servidão.
O titular do direito de servidão é o dono do prédio dominante .
Naturalmente, mudando o dono, mudará, ao mesmo tempo, o titular da servidão.
Assim, o direito do titular da servidão não está ligado a sua pessoa, mas só
existe em virtude da relação de propriedade que ele tem com o prédio dominante,
enquanto subsistir essa relação .
O dono do prédio serviente é gravado pela servidão pelo só fato da sua
relação de domínio com esse prédio, aplicando-se-lhe, "mudadas as coisas que
devem ser mudadas" (mutg_tismutg_ndis), o que foi dito sobre o proprietário do
prédio dominante.
Quanto ao seu objetivo, ou seja, seu conteúdo positivo, as servidões
prediais são inúmeras. Para dar alguns exemp los: servidão de passagem de
pessoas, de trânsito de veículos, de aqueduto, de extração de água, de condução
Capítulo 13 • Direitos Reais Sobre Coisa Alheia 127
SERVIDÕES PESSOAIS
São direitos reais sobre coisa alheia, estabelecidos em favor de determinada
pessoa . Tais eram o usufruto, o uso, a habitação e o trabalho de escravos. Todos
são direitos de gozo sobre coisa pertencente a outrem. Diferem, quanto ao seu
caráter, das servidóes prediais, pois as servidóes pessoais proporcionam um direito
128 Curso Elementar de Direito Romano
mais amplo ao seu titular do que as prediais. Por isso, as servidóes pessoais são
limitadas no tempo e não são perpétuas.
É, assim, contrabalançada nelas a maior amplitude no uso, pela duração
limitada . Já as servidóes prediais conferem um direito bastante restrito ao seu
titular, mas esse fica perpetuamente ligado aos prédios vincu lados pela servidão.
i} Usufruto
É o direito real inalienável, lin1itado no tempo , que atribui ao seu titular
(o usufrutuário) as faculdades de usar coisa alheia inconsumível e de perceber-lhe
os frutos, mantida inalterada a sua destinação econômico-social .
Seu titular é individualmente determinado e, por isso, o direito extingue-
se, o mais tardar, com a morte do usufrutuário (usufruto vitalício). Pode ser
constituído por certo prazo também (usufruto temporário), mas a morte do
titular extingue-o mesmo antes do vencimento do prazo estabelecido. Caso o
titular fosse pessoa jurídica, o usufruto extinguia-se depois de decorridos cem
anos, pois esse era considerado o último limite da vida humana .
O usufruto é um ônus gravíssimo que pesa sobre o direito de propriedade.
O uso da coisa e a percepção de seus frutos representam, na prática, as vantag ens
reais do gozo da coisa, normalmente reservadas ao dono. A coisa objeto de
usufruto fica pertencendo a seu proprietário, mas esse quase não tirará proveito
real dela, enquanto subsistir o usufruto. O seu direito é chamado pelos romanos,
acertadamente , de "nua propriedade " (nY:.dap ropri.etas- Gai. 2, 30) , que significa
um direito despido de suas consequências normais. Entretanto, o proprietário,
chamado nu-proprietário , conserva a expectativa de recuperar a plenitude desse
direito. A cemporariedade do usufruto dá um cunho de certeza a essa expectativa.
Outrossim, para salvaguardar os interesses do proprietário privado do uso
e gozo de sua coisa durante a existência do usufruto, deve esse ser exercido dentro
de certos limites legais. A definição romana do usufruto contém essa limitação:
"o direito de usar e fruir coisas alheias, preservada a sua substâncià ' (iY:.salit.nis
rt.busutç_ndifruç_ndi,s4.lvarç_rumsubst4ntia - Inst. 2, 4 pr .).
Entretanto, o significado das palavras "preservada a sua substância" (s4.lva
rfrum subst4ntia) está longe de ser claro. Exprime, com efeito, de modo imp lícito,
várias idéias, tais como: a de que o usufrutuário, no exercício de seu direito, não
deve modificar substancialmente a coisa; a de que o usufruto se extingue se a
coisa perecer ou se transformar de maneira a mudar seu caráter; e, ainda, essa
outra , que constituí princíp io fundamental, a de que o usufruto .só pode existir
sobre coisa inconsumível.
Capítulo 13 • Direitos Reais Sobre Coisa Alheia 129
ii) Uso
Outro direito real sobre coisa alheia, enquadrado na categoria das servi dões
pessoais, é o uso (y_sus)- o direito de usar de uma coisa, originariamente
não podendo perceber seus frutos. Mais tarde, porém, passou-se a admitir tal
percepção apenas para a satisfação das necessidades do titular e na medida delas.
O usuário pode servir-se da coisa para seu uso pessoal e para o de sua família.
Aplicam -se ao uso as regras do usufruto, com a única diferença de que o exercício
do uso não pode ser cedido.
130 Curso Elementar de Direito Romano
SUPERFÍCIEE ENFITEUSE
O direito romano conheceu mais dois tipos de direitos reais de gozo sobre
coisa alheia : a superfície (superficies) e a enfiteuse (emphytfusis). Os institutos
eram excepcionais, pois conferiam ao seu titular parcelas tão amplas do direito
de propriedade que, na realidade, suprimia, quase totalmente, o direito do dono
da coisa - a tal ponto de alguns autores os considerarem modalidades especiais
do direito de propriedade, mais do que meros direitos reais sobre coisa alheia.
Superfície
A superfície, no entender da opm1ao comum (comm11.nisopinio) ou
doutrina dominante, era o direito real de usar e gozar, por longuíssimo prazo, de
um terreno urbano alheio, para fins de construção, contra o pagamento de um
foro anual ao proprietáüo do terreno.
Originou-se do arrendamento, a particulares, de terrenos pertencentes
aos Municípios. Devido à regra "a superfície acede ao solo" (superfíciessQ!ocfdit),
tudo o que fosse definitivamente ligado ao terreno pertencia ao proprietário desse,
por acessão (accfssio).Assim, a construção feita pelo arrendatário pertencia ao
Município. Nesses casos, entretanto, para fins práticos, o pretor concedeu uma
proteção possessória ao arrendatário construtor sobre a sua construção: o "interdito
de superfície" (interdictum de superficifbus). Tal praxe logo se estendeu a terrenos
pertencentes a particulares. No direito justinianeu, por fim, foi concedida uma ação
real. (4ctio in rem) e criou-se um novo instituto de direito real sobre coisa alheia.
Naturalmente , a construção pertencia sempre ao proprietário do terreno,
mas o superficiário tinha um direito real, oponível a todos, autorizando-lhe usar,
gozar e dispor daquela construção pertencente a outrem. Por isso era. um direito
sobre coisa alheia.
A superficiesera alienável a título gratuito e oneroso e transferia-se aos
herdeiros.
Ressalte-se, por fim, que parte minoritária da doutrina, todavia, entende
que o direito de superfície, na experiência jurídica dos romanos, constituiu-se, na
verdade, em um tipo especial de direito de propriedade - a chamada "propriedade
superficiária " (correspondente, em linhas gerais, ao denomi nado "direito de laje"
132 Curso Elementar de Direito Romano
do direito brasileiro).
Enfiteuse
A enfiteuseera o direito de usar e gozar, por tempo ilimitado, de um prédio
rústico alheio, para cultivo, contra pagamento de um foro anual ao proprietário
do terreno.
Suas origens remontam ao arrendamento, por prazo longo ou para sempre
(in perpftuum), das terras públicas a particulares, contra pagamento de um foro
anual chamado vectjgal. Daí o nome de tais terras arrendadas: "campos vetigais"
(4-grivectigr1les).
O pretor concedeu a tais arrendatários, para proteção dos direitos
destes, uma "ação real vetigal" (4ctio in rem vectiggJis)elevando, assim, o instituto
a direito real, oponível a todos, que sobreviveu, até difundindo-se muito, em
todo o período imperial.
Separadamente e bem distinto dos 4-grivectig4les,a partir do século III
d. C. , os imperadores costumavam conceder a particulares, contra um foro
anual (cg_non),terras incultas, pertencentes à família imperial, para cultivo. Tal
concessão era feita, porém , por prazo determinado e não muito longo. Esse
instituto é de origem grega, observado e copiado pelos romanos no Egito e em
Cartago, e chamou-se enfiteuse (emphyteusis).
A partir do século IV d.C., os dois institutos, o 4-gervectig4.lis,também
chamado "direito perpétuo" (ius perpftuum), e a emphyteusisfundiram-se e assim
apareceu o novo instituto, sob o nome do último, na codificação justinianéia.
Os direitos do enfireuta são bem amplos, ma.is do que os do usufrutuário:
são quase iguais aos do proprietário. Pode transformar o terreno, modificando-o
substancialmente, mas não deteriorando-o; adquire os frutos pela separação;
seu direito é alienável e transfere-se aos herdeiros; pode gravá-lo de servidão, ou
empenhá-lo; e tem a posse, protegida por interditos (possfssioad interdi.cta).
O direito do proprietário do terreno restringe-se à percepção do foro
anual e à expectativa de recuperar a inteireza de seu domínio, caso a enfiteuse se
extinguir. Tem ele direito também ao chamado "laudêmio" (laudfmium), que era
a percentagem de dois por cento do preço de alienação do direito da enfireuse,
devida pelo alienante ao proprietário .
Extinguia-se a enfireuse: pela destruição da coisa; consolidação
(consolid4tio), isto é, reunião, na mesma pessoa, das qualidades de titular da
enfiteuse e do domínio; renúncia; ou, com_o pena, por não pagar o enfiteuta
durante três anos o foro anual, ou não avisar o proprietário para que ele pudesse
exercer o seu direito de preferência em caso de venda da enficeuse. As regras
acima aplicam-se também à superfície, com ligeiras modificações.
Capítulo 14 • Direitos Reais De Garantia 133
CAPÍTULO14
DIREITOS REAIS DE GARANTIA
CONCEITO
O pagamento de uma dívida pod e ser garantido de dois modos: com
garantia pessoal ou com garantia real. No primeiro, uma pessoa responsabiliza -
se a pagar ao credor, caso o devedor não o faça; no segundo, uma coisa fica
vinculada a tal fim.
O direito real de garantia, portanto, é o que o credor, eventualm ente ,
tem sobre uma coisa alheia para assegurar-lhe o recebimento do seu crédito. Tal
direito é acessório: pressupõe uma relação obrigacional principal que garante e
da qual depende sua existência. Cessando a obrigação principal, extingue-se a
garantia também.
No direito romano, havia três formas diferentes de direito s reais de
garant ia, cada uma tendo construção jurídica diferente:
PENHOR (PlGNUS)
Coexistindo com a fidy_cia, havia outro modo de garantia real de uma
obrigação: o penhor (pignus) - e, note bem, não "penhorà'. Consistia na
transferência da poss e da coisa dada em garantia ao credor, que tinha, nessa
qualidade, a proteção possessória contra qualquer turbação alheia, inclusiv e por
parte do dono.
O credor - chamado nesse caso "credor pignoratício" - não podia dispor
juridicamente da coisa, mas a tinha em seu poder de fato , assegurando -se a
possibilidade de, por meio dela, obter o pagamento da dívida, caso o devedor
não o fizesse. Instituía-se por um acordo sem formalidades, seguido pela entrega
da coisa ao credor.
Quando o acordo previa que os frutos da coisa empenhada - e, note
bem, não "penhoradà' - pertencessem ao credor pignoratício , chamava-se isso
anticrese (antichrfsis). Se esse usasse a coisa empenhada sem expressa autorização,
cometia furto.
HIPOTECA (HYPOTHE_CA)
Tanto na fidy_cia, como no penhor , o dono perdia a posse da coisa em
favor do credor. Economicamente, isso representava grave ônus para o dono .
A hipoteca , forma mais recente que as outras, eliminava tais inconvenientes.
Tratava-se de uma garantia real, esta belecida pelo simples acordo, sem
que a respectiva propriedade ou posse da coisa passasse ao credor (chamado,
nesse caso, "credor hipotecário"). A coisa dada em garantia ficava vinculada
simplesmente pelo acordo , tendo o credor um direito oponível contra todos (f.rga
Qmnes) de, por meio dela, obter satisfação do seu crédito, se não liquidado pelo
devedor.
O nome hypothfca é grego, mas o instituto é romano, tendo o nome grego
aparecido só no período pós -clássico. Originou-se do arrendamento de terras para
cultivo, em que o arrendatário rural, dito "colono" (colQnus),vincu lava utensílios
e insuumentos (invfcta et ill4ta) para garantir sua obrigação perante o dono da
terra. Tendo necessidade deles para poder trabalhar e pagar a dívida principal,
Capítulo 14 • Direitos Reais De Garantia 135
esses ficavam na sua posse. Era, pois, uma espécie de penhor excep cional.
No fim da República, um pretor, de nome Salviano, conc edeu um
interdito possessório ao dono da cerra para, em caso de não-pagamento da dívida
principal, adqu irir a posse de tais coisas vin culadas como garantia. Chamava-se
"In terdito Salvian o" (interdictum SaLvi{lnum) e era um "interdito para aquis ição
de posse" (interdictum adipiscfndae possessiQ1ús causa), pois fazia adquirir a po sse,
nunca tida antes.
Por essa forma de garanti a, criou-se um instituto di tinto . Mais tard e,
por ém ant es da codi ficação do Ed ito , na época de Adriano, Lun p retor, de nome
Sérvio, concedeu uma ação real (gctio in rem) ao dono do terreno, cham ada
"Ação Serviana" (4.ctioServiana), elevando, assim, o instituto a um direito real
sobre coisa alheia, oponível a todos. Foi o célebre ju risconSLtlto Sálvio Juliano
quem estendeu a 4.ctioServia.naa todos os casos de hipoteca e tamb ém ao penhor.
Percebe-se,portanto, que penhor e hipoteca eram institutos muito semelhantes,
com a diferença de que, no segundo, o devedor não perdia a posse da coisa para o
credor; além disso, o penhor passou a ser, na praxe, muito mais usado para coisas
móveis do que a hipoteca.
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136 Curso Elementar de Direito Romano
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Capítulo 15 • Obrigações 141
CAPÍTULO15
OBRIGAÇÕES
CONCEITO
A obrigação (oblig{!.tio)é um liame jurídico entre o credor e o devedor,
pelo qual o primeiro tem direito a exigir determinada prestação do segundo, que,
por sua vez, é obrigado a efetuá-la. Essa ideia é expressa na famosa definição das
Institutas de Justiniano:
"Obrigação é um vínculo jurídico por meio do qual nós ficamos
necessariamente adstritos a prestar alguma coisa, segundo o direito da nossa
cidade" ( Oblig{!.tioest iuris vj_nculum,quo necessit{!.te
adstrj_ngimuralicuius solvfndae
rei sec11.ndumnQstraecivit{!.tisiura. - Inst. 3, 13 pr.).
Analisando o sentido da palavra obrigação verificamos que é bem ampla e
não fica restrito ao conceito acima indicado. Em sentido lato, a palavra obrigação ,
como contraposto a direito, inclui todos os deveres jurídicos. Nesse sentido
amplo já a encontramos ao tratar do direito de família e também dos direitos
reais. O filho é obrigado a respeitar seu pai e todos são obrigados a respeitar e não
perturbar o exercício de um direito real pelo seu titular. Tal obrigação, porém ,
difere da obrigação no sentido técnico da palavra.
Os direitos reais implicam um dever negativo: não perturbar o direito
do titular deles. Tal dever é geral e de todos: vale "contra todos" (f.rgaQmnes).
Nas obrigações, entretanto, a relação existe só entre determinadas pessoas e o
dever pode ser tanto negativo como positivo. Outrossim, os direitos reais são
normalmente duradouros , até muitas vezes perpétuos; ao passo que a obrigação
é, em princípio, temporária, tende sempre para seu cumprimento e extingue-se
por meio dele.
Isso é expresso em outra famosa definição dos textos romanos: "A essência
das obrigações não consiste em fazer que algum objeto se torne nosso, ou que
142 Curso Elementar de Direito Romano
uma servidão se torne nossa, mas em obrigar outra pessoa a nos dar, fazer ou
prestar alguma coisà' ( ObligatiQnum subst4ntia non in eo consi_stít,ut f:!:.líquod
cQrpusnQstrum aut servity_temnQstram/4ciat, sed ut f:!:.Íium nQbis adstringat ad
df:!:_ndum
f:!:.liquid
velfacifndum velpraestf:!:_ndum - Paulo, D . 44,7,3 pr.).
A obrigação, no sentido técnico da palavra , difere ainda dos deveres do
direito da família. Nas relações familiares há sempre uma subordinação, que se
baseia no poder do p4terfamilias. Não se dá tal subordinação entre o credor e o
devedor; eles são partes, em pé de igualdade, na mesma obrigação.
Voltando, agora, ao conceito de obrigação (obligf:!:.tio): se o devedor
deixar de solver sua obrigação, o credor tem uma ação obrigacional (4ctio in
persQnam) contra ele para forçá-lo à execução. Tal execução, nas suas origens,
era pessoal: o devedor respondia com sua pessoa, até com seu corpo (podia ser
recalhado em pedaços pelos credores, conforme disposição das XII Tábuas). Mais
tarde, por força da Lei Petélia Papíria (!ex Poetf_fíaPapiria), do séc. Na. C., a
responsabilidade do devedor passou a ser patrimonial, respondendo ele com seus
bens.
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Podemos distinguir, pois, no conceito da obrigação, dois elementos: a
PARTESNA OBRIGAÇÃO
As partes essenciais na obrigação são o credor e o devedor. Sem os dois
não há obrigação.
Além das partes essenciais, isto é, credor e devedor, podem ser incluídas
outras pessoas na obrigação, como o fiador, ao lado do devedor, ou uma terceira
pessoa autorizada a receber ou a acionar em nome do credor. Escudá-las-emos
nos devidos lugares.
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Capítulo 15 • Obrigações 143
inadimplemento.
Já mencionamos que o não cumprimento pode advir da vontade do
devedor ou da impossibilidade da prestação.
No primeiro caso a atitude do devedor é claramente condenável e
acarretará a sua responsabilidade pelo inadimplemento.
Mais delicado é, porém, o problema da impossibilidade da execução
da prestação. Quando tal impossibilidade se verifica em consequência do
comportamento do devedor, ele é responsável pelo inadimplememo. Não
assim quando a impossibilidade se verifica independentemente do devedor, isto
é, quando a impossibilidade não for imputável a ele. Nesse caso, a obrigação
simplesmente se extingue.
Em vista do acima exposto, temos de examinar as possíveis condutas do
devedor com relação à impossibilidade da solução da obrigação.
Quanto ao seu comportamento, o devedor pode ser culpado ou não.
A culpabilidade, em sentido lato, tem duas formas bem distintas: o dolo
(dQlus)e a culpa em sentido estrito (cy_lpa).
Dolo é a intenção de agir contra a lei ou contrariamente às obrigações
assumidas, agir de má-fé, com pleno conhecimento do caráter ilícito do próprio
comportamento.
Culpa é a negligência, a falta da diligência necessária, isto é, não prever
o que é previsível, porém sem intenção de agir ilicitamente e sem conhecimento
do caráter ilícito da própria ação. Tal negligência pode-se verificar em um ato
positivo ("culpa em fazer" - cy_lpain facifndo), como, por exemplo, guiar com
velocidade excessiva, ou em uma omissão ("culpa em não fazer" - cy_lpain non
facifndo). Por exemplo: a enfermeira que não dispensa ao doente os devidos
cuidados.
O dolo não tem graduações, mas a culpa as tem: distingue-se a culpa
leve (cY:.lpaÍfvis) da culpa lata (cy_lpa!11.t a). A primeira é a negligência leve, em
comparação à diligência e cuidado do homem médio ("o bom pai de famílià ',
bQnusp11.teifàmilias). A segunda é a negligência exorbitante: não agir com o
cuidado que todos têm ("não entender o que todos entendem " - non íntelligere,
quod Qmnesintf!ligunt).
A Cll:./paÍfvis é referida normalmente a uma medida objetiva: ao cuidado
do já mencionado bQnusp11.teifàmilias . Em-certas relações contratuais, entretanto,
a medida da C!f:.lpa Ífvis é diferente; é comparada à diligência e cuidado costumeiro
do próprio devedor, "a diligência que ele costuma aplicar às suas coisas" (diligfntia
quams!f:.isrfbus adhibfre sQlet- Gaio, D. 17,2,72). Talmedida será mais favorável
ao devedor quando ele for habitualmente desleixado. A culpa leve, cuja medida
Capítulo 15 • Obrigações 147
MORA
A responsabilidade do devedor pelo inadimplemento é modificada por
urna circunstância que merece especial tratamento: trata-se da mora, que é a
delonga, o atraso no cumprimento da obrigação. Pode haver mora tanto por
parte do devedor, como por parte do credor. A primeira é o atraso do pagamento
ou solução da prestação por parte do devedor. A segunda é o atraso na aceitação
da prestação pelo seu credor. As duas têm consequências bem diferentes.
i) Mora do devedor
A mora do devedor (mQra debitQris) - ou "demora em pagar" (mQra
so!vfndi) - verifica-se quando o devedor, por motivo que lhe é imputável , não
paga sua dívida vencida. Tal motivo pode ser apenas a sua vontade (como quando
se recusa a cumprir sua obrigação), ou a impossibilidade da execução decorrente
do seu próprio comportamento, pela qual é responsável ("por causa do devedor
aconteceu que ele não desse <o que era devido> " - per debitQremstftit quo mi.nus
dfl_ret- cf. Africano , O. 17, 1,37). No direito justinianeu, não basta o mero
vencimento da dívida, mas é preciso, além disso, um ato do credor (denominado
"interpelação" - interpellfl.tio), reclamando o pagamento, para que o devedor
fique constituído em mora . Estudos recentes demonstraram que o direito clássico
não conheceu tal exigência, que constitui uma inovação dos compiladores da
codificação justinianeia.
A consequ ência da mora do devedor é dupla:
a) Aumenta a responsabilidade do devedor. Ele, independentemente do
grau de sua responsabilidade originária em virtude do tipo de sua obrigação,
responderá não só pelo próprio dolo ou pela própria negligência, mas também
por caso fortuito , inclusive a vis maior. Por exemplo: o depositário, via de
regra, só responde por seu comportamento doloso; todavia, depois de atrasar
o cumprimento de sua obrigação, consistente na devolução da coisa, passará
Capítulo 15 • Obrigações 149
a responder pelo perecimento dessa últim a, causado por sua negligência, e até
mesmo por caso fortuito, inclusive a força maior, como raio, enchente etc.
No período imperial admiti u- se que o devedor pudesse provar que a coisa
teria perecido, igualmente, se estivesse com o credor, ficando nesse caso o devedor
isento de responsabilidade. Por exemplo, se o cavalo guardado na cocheira do
devedor depositário perecesse em uma enchente, que invadiu igualmente os
estábulos do credor depositante.
O aumento da responsabilidade do devedor nesse caso de mora era
expresso pelos romanos como uma perpetuação da obrigação: "a obrigação se
perpetug_tur,cf. Paulo, D. 45,1,91,3). Essa expressão significa
perpetuà ' (obligg_tio
que a obrigação continuará, independentemente da eventual impossibilidade
subseq uente da execução da prestação. Por exemplo, se o raio mata o cavalo
depositado, não há mais obrigação a cumprir: extinguiu-se o dever da devolução
por causa do perecimento do cavalo em consequência da vis maior. Entretanto, se
o raio matar um cavalo que já devia ter sido devolvido pelo depositário devedor,
e não foi restituído por culpa desse, ele é responsável, devendo pagar o valor que
o cavalo representar para o credor.
b) Nas obrigações baseadas na boa fé (bQnafides), o devedor em mora
tinha de pagar os juros da dívida e entregar os frutos adquiridos durante a mora.
A finalidade dessas duas consequências da mora do devedor era colocar o
credor na situação em que ele estaria caso não tivesse havido mora na solução da
obrigação: o devedor deve pagar-lhe "o valor em que importar ao credor que a
mora não tivesse ocorrido" (qug_ntii.nterestcreditQrismQramfectam non t_sse- cf
Africano D. 7,1,36,2) .
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credor, de aceitar o pagamento do devedor, indenizando a esse último, ao mesmo
1 tempo, pelas despesas e pelos danos que sofreu em consequência da mora.
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OBRIGAÇÕES-NATURAIS
1 Neste capítulo, relativo aos efeitos das obrigações, temos de falar das
obrigações naturais. Como já vimos, o efeito do inadimplemento da obrigação é
que o credor pode constranger o devedor, por meio de uma 4.ctio in persQnam, à
execução da prestação . Há obrigações, porém, em que a prestação não é exigível
por meio de ação, embora a obrigação tenha formalmente o aspecto de uma
obrigação perfeita.
Essas obrigações em que o devedor não pode ser compelido à prestação,
por faltar ao credor tutela jurídica processual, são chamadas obrigações naturais.
O principal caso de obrigação natural era, no direito romano, o da
obrigação contraída por pessoa alit_ni iuris, que não tinha capacidade de direito,
e que, consequentemente, não podia, pelo iy,s civiie, obrigar-se juridicamente
(civiliter). Pelo mesmo motivo, as obrigações contraídas por escravos, ou
1 1
as decorrentes de mútuo feito a /ilius familiae (ao qual as disposições do
senatusconsulto Macedoniano proibiam tomar empréstimo de dinheiro) eram
1 obrigações naturais. Semelhante era o caso do impúbere in.fentia maior que
contraísse obrigação sem a assistência do tutor, bem como as obrigações de um
devedor que houvesse sofrido c11pitisdeminy,tio, ou a de um menor de vinte e
cinco anos que, após contrair uma obrigação, obtivesse a "restituição integral"
(in integrum restitY:.tio)do pretor (a in integrum restitH.tioera um meio processual
para anular os efeitos dos negócios jurídicos e restabelecer a situação anterior das
partes).
Tais obrigações, então, não podiam ser objeto de ação do credor, mas
tinham outros efeitos secundários: o mais importante deles é que a prestação,
objeto da obrigação, podia ser validamente cumprida pelo devedor. Assim, a
Capítulo 15 • Obrigações 151
CAPÍTULO16
FONTES DAS OBRIGAÇÕES
CAPÍTULO 17
CONTRATOS
CONCEITO
Modernamente, o contrato é o ato jurídico bilateral (acordo das partes
e sua manifestação externa) que tem por finalidade produzir consequências
jurídicas. Todo acordo de ·vontades gera obrigações no direito moderno. Não
era assim no direito romano. Nesse, desde o início até o fim de sua evolução , o
simples acordo não gerava obrigação: "o mero acordo não dá à luz uma obrigação"
(nY.dap4ctio obligatiQnemnon p4rit- Ulpiano , D. 2, 14, 7, 4). Para que haja
liame jurídico, chamado oblig4tio, era preciso, além do acordo , um fundamento
jurídico: a "causa civil" (cg_usacivilis). Essa c4usacivilis é que elevava o ato jurídico
bilateral a um contrg_ctus e só o credor de um tal contrato tinha à sua disposição
uma ação (4ctio) reconhecida pelo direito quiritário para constranger o devedor
a efetuar a prestação.
CONTRATOS FORMAIS
O direito romano primitivo só conheceu os contratos formais. Nesses, a
c4usa civilis, que conferia força obrigatória e consequências jurídicas ao ato, era a
prática das formalidades prescritas. Dois eram os contratos formais: o nr;_xume a
stipul4tio. O primeiro era um empréstimo, realizado em um ato formal praticado
"por meio de <moeda de> bronze e de balançà' (per aes et libram), isto é, ato em
que, na presença das partes, do objeto, de cinco testemunhas, de uma balança
e seu portador, pronunciavam-se certas fórmulas verbais e se praticavam outros
atos simbólicos (entre eles a percussão de um dos pratos da balança com uma
moeda de bronze).
O ato é semelhante à mancipg_tio.Dela difere porque o ng_xum,além da
156 Curso Elementar de Direito Romano
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Capítulo 17 • Contratos 157
CONTRATOS REAIS
i) Mútuo (Mutuum)
A entrega, com a consequente transferência da propriedade, de uma
coisa fungível, especialmente dinheiro, com a obrigação para aquele que a recebe
de restituir igual quantidade de coisa fungível do mesmo gênero e qualidade,
1
158 Curso Elementar de Direito Romano
chama -se mútuo. O credor que empresta chama-se mutuante; o devedor que
toma emprestado chama-se mutuário.
Economicamente, o mútuo visa a proporcionar ao devedor o gozo
completo do dinheiro ou de outra coisa fungível emprestada . Consequentemente,
é preciso que o devedor possa dispor dessa coisa de maneira absoluta. Por isso, no
mútuo se transfere a propriedade da coisa. Tratando-se de coisas fungíveis, que
são res nec m4ncipi, a transferência opera-se pela tradi.tio.
A característica do mútuo é que gera uma só e única obrigação: a da
devolução de outro tanto recebido. Por isso, ele é um contrato unilateral. Sendo
o mútuo gratuito, não admite cláusula referente à contraprestação do devedor,
que seriam os juros. Eventualmente, juros podem ser convencionados, mas em
contrato separado, por meio de stipu/4.tio.
A ação do credor contra o devedor, para compeli-lo à devolução, era a
rebanho do comodatário.
Como no depósito, também no comodato as obrigações do comodatário
são essenciais, e as do comodante só eventuais, e as duas não são equivalentes.
Consequentemente, é um contrato imperfeitamente bilateral ("contrato bilateral
desigual "~ contrg_ctus bilaterg_lisinaequa.lis).
1 CONTRATOS INOMINADOS
Ao lado dos contratos reais anteriormente expostos, há no direito
justinianeu uma vasta categoria de contratos , que, não se enquadrando nos
moldes dos contratos tradicionais, foram chamados, desde a época bizantina ,
de contratos inominado s (contrg_ctus innoming_ti).Trata-se, na maioria dos casos,
de acordos em que ambas as partes se obrigam a prestações equivalentes. Eles
são contratos bilaterais perfeitos, chamados também contratos sinalagmáticos.
Tais contratos adquiriam força jurídica, e a consequente tutela processual,
quando uma das partes executava a sua prestação. Com isso, a outra parte ficava
automaticamente obrigada a efetuar a contraprestaçáo.
Como o nascimento de tais contratos dependia da realização, por uma
das partes, da sua prestação, incluíam -se eles entre os contratos reais . É exemplo
de contrato inominado a troca ou permuta (permut11tio).A categoria, porém,
como concebida no direito justinianeu, abrangia todos os contratos referentes a
prestações recíprocas e equivalentes, quando realizada uma delas.
Era permitido, de outro lado, à parte que cumpria sua obrigação, rescindir
o contrato, pedindo a devolução de sua prestação a título de enriquecimento sem
causa, em vez de exigir a contraprestaçáo respectiva da outra parte.
Capítu lo 17 • Contratos 161
CONTRATOSCONSENSUAIS
i) Compra e venda (fmptio venditio)
Contrato em que as partes se obr igam a trocat mercadoria contra dinh eiro.
Difere da compra e venda real, como representada nas formalidades da
mancip4tio. Nessa há efetiva e imediata troca de mercadoria contra dinheiro
(nas origens, contra metal não cunhado). Na compra e venda consensual, de
que ora tratamos, só há o acordo entre as partes, que as obriga à prestação e
contrap restaçáo.
A prestação é a entrega da mercadoria, que pode ser coisa de qualquer
espécie . A contraprestaçáo é o pagamento do preço . Assim, a transferência da
propriedade relativa à mercadoria ou ao preço é a consequência do contrato
de compra e venda. O vendedor é obrigado a entregar a coisa ao comprador,
em virtude do contrato, mas o comprador não adquire a propriedade dela pelo
contrato; ele só tem um direito obrigacional contra o vendedor, para exigir a
entrega da coisa como lhe foi prometida. A propriedade somente se transfere
com a efetiva entrega da coisa, na forma da m4ncipatio, da in iure cc_ssio ou da
tradi.tio.
O objeto da compra e venda é a mercadoria (mfrx), que pode ser qualquer
coisa in commfrcio. A conti-aprestação é o preço (prftium), que deve ser em
dinheiro, porque em caso contrário tratar-se-ia de troca (permut4tio) e não de
compra e venda.
Pois que a prestação e contraprestaçáo são equivalentes na compra e
venda, é ela um contrato bilateral perfeito ("contrato bilateral igual" - contr11.ctus
bilatergjisaequalis).
As obrigações do vendedor são as seguintes:
a) Sua principal obrigação é a de entregar a coisa. A finalidade da entrega
é proporcionar, ao comprador, todas as vantagens, sejam econômicas, sejam
jurídicas, que a coisa representar . Isso, logicamente, implicaria a obrigação de o
vende dor transferir a propriedade da coisa ven dida ao comprador. Entretanto,
o direito romano não chegou a esse resultado. Nele o vendedor é obrigado
apenas a "transferir a mera posse" (v4.cuampossessiQnemtr11.dere) da coisa vendida
e assegurar ao comprador a posse mansa e pacífica até esse último usucapi.r o
direito da propriedade ("garantir que lhe seja lícito ter a coisa'' -praest4re rem
habc_relicfre).
b) Consequentemente, o vendedor é responsável pela turbação que, ao
comprador, no gozo da coisa, for causada por terceiro que tenha direito real
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162 Curso Elementar de Direito Romano
iii) Sociedade(Societas)
Contrato que obriga as partes a cooperar em uma atividade lícita , visando
a fins lucrativos. A cooperação das partes normalmente cons istia em cont ribui ção
pecuniár ia; mas podia ser um a det erminada atividade também, a ser exercida
para obt er o fim comum.
Originou -se, evidenteme nt e, da pr imitiva comun ida de dos coerdeiros -
dit a "con sórcio" (consg_rtium)ou 'sociedade pela herança não dividid a" (soci,etas
freto non ci,to)- que se conservavam unido s, após a morte do pai, para enfrentar
a v ida em comum. Con serva, pois, nas fases de sua ulterior evolução , lembranças
dessa comunidade fraternal: a relação entre os sócios da socieda de, no período
164 Curso Elementar de Direito Romano
lo pelos danos sofridos nessa execução, exigíveis pela "ação contrária de mandato"
(t±ctiomandt±ticontrt±ria).
Extingue-se o mandato pela satisfação da incumbência ou pelo distrato,
isto é, acordo entre as partes visando à rescisão do contrato. Além desses casos,
sendo o mandato um contrato que se baseia na mútua confiança pessoal, cessa
pela morte de qualquer das partes, ou quando qualquer delas o declara rescindido.
A rescisão por vontade unilateral, porém, só é possível enq uanto não for iniciada
a execução do mandato.
PACTOS(PACTA)
Já mencionamos que simples acordo não gerava obrigação no direito
romano; só a gerando aquele que tinha uma C{±ttsa civilis.A convenção em geral foi
chamada de "pacto" (pt±ctum)no direito romano, em contraposição ao contrato
como fonte de obrigação. Mencionamos também que, excepcionalmeme,
determinados pacta obtiveram a tutela jurídica. Esses eram os "pactos ajuntados
<a um contrato>" (pt±ctaadir;_cta),os "pactos pretórios" (pt±ctapraetQria) e os
"pactos legítimos", (pt±ctalegitima). Explicá-los-emos sucintamente .
Pt±ctaadir;_ctaeram as convenções acessórias que acompanhavam um
contrato, modificando-lhe ou ampliando-lhe os termos. Por exemplo: na compra
e venda, a cláusula que exclui a responsabilidade do vendedor pela evicção ou
pelos vícios redibitórios.
Pt±ctapraetQria eram aqueles que encontravam tutela jurídica pela
atividade do pretor.
Pt±ctalegitima eram aqueles não compreendidos nas classes anteriores, aos
quais foi concedida tutela jurídica por constituições imperiais.
DOAÇÃO
A doação não era um contrato no direito romano; era simplesmente uma
causa, que justificava um ato jurídico qualquer. Os atos jurídicos que podiam
servir para doação eram inúmeros: por exemplo a constituição, transferência ou
extinção de direitos reais; qualquer ato obrigacional, como astipttlt±tio;o contrato
literal; a remissão de dívida etc.
Assim, um ato jurídico qualquer, que tinha a finalidade, por acordo das
partes, de enriquecer uma delas à custa da outra, era considerado como doação
no direito romano.
Temos de mencionar que no direito justinianeu a simp les convenção entre
766 Curso Elementar de Direito Romano
CAPÍTULO 18
QUASE-CONTRATOS
CONCEITO
Há fatos jurídicos voluntários lícitos que criam relação obrigaciona l entre
as partes sem que elas tenham convencionado criá-las. Tais fatos, por gerarem
obrigações semelhantes às obrigações contratuais, são enquadrados na categoria
dos quase-contratos. Tais eram a gestão de negócios, a tutela (de que trataremos na
parte de direito de família), as relações entre o herdeiro e o legatário (que veremos
na parte de direito das sucessões) a comunhão incidental, o enriquecimento sem
causa, etc. Destacaremos aqui só o primeiro e o último.
CAPÍTULO19
DELITOS E QUASE-DELITOS
i) Furto (Furtum)
Furto é a subtração fraudulenta de coisa alheia contra a vontade de seu
dono. Tal era o conceito inicial do furto no p eríodo repubLcano. Mais carde,
porém , a subtração, expressa pela palavra latina contrect4tio, passou a significar,
além da subtração material de coisa alheia, tamb ém o uso indevido dela,
ampliando-se , dessa forma , o conceito do furto. Assim, por exemplo , com ete
furto o depo sitário que usa da coisa a ele confiada.
Além do elemento material da subtração (contrect4tio),é preciso, porém,
que o ladrão tenha conh ecim ent o de que age ilicitamente: "não se comete furto
sem a inten ção de furtar" (fa-rtumsi_neaffictu fur4ndi non commi_ttitur- Gai. 2,5 0
= D ,41 ,3,37 pr.; cf. Gai. 3,197).
Quanto às sanções conc.ra o aut or do furto, eraru elas bem diferentes nas
diversas épocas da evolução do direito romano. No início , quem tinha sofrido
o furto ficava com o direito de vin gar-se na pessoa física do ladrão colhido em
flagrant e ("ladrão manifesto" - fo r manife.stus), matando-o em determinadas
hipótes es, ou reduzindo-o à situa ção de escravo. Mais tarde, tal direito do
ofendido foi transfo rmado no de exigir uma multa pecuni ária do ladrão, a qual,
segundo o caso, era o quádrup lo, o triplo ou o dobro do valor da coisa furtada .
Essas multas podiam ser exigidas por meio da ação de furto (4.ctiofo-rti),
que é uma ação penal (4ctio poengJis).
Além dessa ação penal, o dono natur alment e podia agir pelos outros
meios processuais que a sua qualidade de proprietário lhe conferia . Por exemplo,
podia exigir a coisa pela ação reivindicatória (rg_ivindic4tio). Podia , tamb ém,
utilizar-se da "ação de restituiç ão de coisa furtada" (condi_ctio
furtiva), baseada no
enriquecimento ilícito do ladrão em prejuízo do legítimo propriet ário. Essas duas
ações, porém, não eram penais, mas sim reipersecutórias : visavam simplesmente
a recup erar a coisa. Con sequentem ent e, n essas o ladrão era cond enado somente
no "valor simples" (si_mplum)da coisa furtada.
QUASE-DELITOS
As obrigações "como se fosse de delito" (ex quf!:.si
delicto) são obrigações
decorrentes de fatos que náo implicavam a culpa do devedor. Ele ficava obrigado
mesmo sem ter causado , voluntária ou involuntariamente, o fato.
Esses casos, conhecidos como "quase-delitos", eram previstos nas seguintes
ações concedidas pelo pretor:
CAPÍTULO20
GARANTIA DAS OBRIGAÇÕES
CONCEITO
Do ponto de vista subjetivo, o cumprimento da obrigação pelo devedor
depende, inteiramente, de sua vontade, e, do ponto de vista objetivo, de sua
capacidade econômica ou física de cumpri-la . Pode acontecer que o devedor não
queira ou, mesmo querendo, não possa cumprir sua obrigação.
Por conseguinte, o interesse do credor é de assegurar o cumprimento da
obrigação contra ambos os tipos de inadimplemento.
Para assegurar-se contra o inadimplemento voluntário do devedor, o
credor pode concluir com ele vários acordos acessórios e secundários para reforçar
a obrigação principal . Tais são:
Arras (Arrha)
A entrega, pelo devedor ao credor, de uma coisa ou de uma quantia, com
o fim de que ela sirva para confirmar a conclusão de um acordo e para garant ir o
seu cumprimento.
O direito romano clássico só conhecia as arras no primeiro sentido,
chamadas "arras confirmatór ias" (4rrha confirmatQria), que tinham a única
finalidade de confirmar e provar, de maneira visível, a existência de um contrato
consensual. Consequenremence, es as anas confirmatórias eram um meio de
prova da conclusão do contrato .
Justiniano modificou esse caráter das arras do período clássico e, com as
modificaçóes, voltou aos princípios pelos quais o instituto era regulado no direiro
grego, de onde fora copiado p elos romanos . Justiniano cons iderou nas arras,
além do caráter confirmatório, também a facu ldade das partes de rescindirem,
176 Curso Elementar de Direito Romano
OUTRAS GARANTIAS
Muito mais importante que os institutos até agora expostos são os meios
que visavam a garantir o adimplemento da obriga ção contra a superveniente
incapacidade econômica ou física do devedor para executar a sua prestação. Para
essa finalidade servem as garantias pessoais e as garantias reais. Das últimas já
falamos no capítulo sobre os direitos reais de garantia. Resta-nos, portanto, expor
as pnmeuas.
Enquadram-se na categoria de garantias pessoais todas aquelas que
aumentam o número das pessoas responsáveis pelo adimplemento da obrigação;
assim, a solidariedade dos devedores principais, de que já falamos, e a inclusão no
contrato, ao lado do devedor principal, de outros devedores acessórios, chamados
fiadores.
FIANÇA
É um contrato pelo qual um devedor acessório junta-se a um devedor
principal, a fim de garantir o adimplemento da obrigação por este assumida. Por
isso, o fiador é um devedor acessório, que se obriga a cumprir uma obrigação,
caso o devedor principal não o faça.
A forma desse contrato era a verbal e solene stipul!l:_tio
e, historicamente,
Capít ulo 20 • Garantia Das Obrigações 177
o direito romano nele distinguia três tipos diferentes, que são a spQnsio,a
fidepromi.ssioe a fideiussio.
As dua s primeiras são antigas e diferem entre si sobretudo na forma.
A spQnsiose realizava pelo uso do verbo spondrre, que significa "prometer
solenemente" . Assim, após celebrar-se um contrato de stipulg;tiocom o devedor
principal , perguntava -se ao fiador: "Prome tes solenemente a mesma coisa?"
(Idem spondfsne.~. Ao que ele respond ia: "Prometo" (SpQndeo).Jánafidepro mj_ssio
utilizava- se outro verbo: "Prometes, .fielmente, o mesmo?" (Idemfidepromitti.sne?)
- "Prometo" (Promi.tto).
A spQnsiosó podia ser usada por cidadãos romanos e por latinos , a
fidepromissio tam bém pelos estrangeiros (peregri.ni) .
A obrigação do fiador por spQnsio(chamad o "spQnsor")e do fiador por
fidepromjssio(chamado ''fidepromissor)não passava a seus herdeiro s: com sua morte
extingu ia-se. Outrossim, havia várias leis no período republicano que limitavam
a responsabilidade dos fiadores em diversos senti dos, o que, n atur alm ente,
diminuiu bastante o valor prático do instituto que, em primeiro lugar, visava a
garantir os inter esses dos credores.
Em consequência disso, ainda no fim da República, às duas primitivas
formas acima descritas juntou-se uma terceira figura de fiança, chamada fideiussío.
Suas regras divergiam bastante das anteriores. Na forma externa, a diferença
montava em pouc o, no uso de palavras diferentes no formulário: "Garantes o
mesmo , por tua fé?" (Idem fide tH.aiubfsne?) "Garanto" (JH.beo).Mas quanto às
suas con sequências jurídicas, a diferença era notável. A fideiH.ssioaplicava-se a
todos os tipos de contrato, e náo somente aos contratos verbais; a obrigaç ão dela
proveniente passava aos herdeiros do fid eiH.s sor; e, ainda, não era afetada pelas
limitações da legislação republicana, acim a mencionadas . Com essa nova forma,
a fiança obteve uma regulamentação condigna com a importância econômica do
in stituto em uma sociedade evoluíd a como a de Roma nessa época.
Quanto às consequências jurídicas da fiança, é comum a todas as três
formas a regra de qu e ela não pode exceder a obrigação principal, embora possa
ser de valor menor que o dela. Tam bém ao fiador cabiam todas as exceções
processuai s qu e o devedor principal tinha contra o credor. Outrossim, a partir da
época de Adriano, século II d. C., em caso de vários fiadores, eles podiam pleitear
uma responsabilidade parcial, dividindo-se o valor da obrigação garantida entre
os .fiadores solventes, cada um respondendo na propor ção de sua parte ("benefício
de divisão" - beneficium divisiQnis).
Note-se que, em regra, o fiador sempre respondia acessoriamente, isto
é, só qu ando o devedor principal fosse insolvente . Como consequência desse
178 Curso Elementar de Direito Romano
CAPÍTULO21
TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES
CONCEITO
O conceito de considerar os devedores e os credores como substituíveis
em suas pessoas, ficando inalterada porém a própria obrigação como relação
jurídica, é moderno e contrário ao pensamento dos romanos. Eles consideravam
as relações obrigacionais intransmissíveis, o que era consequência, evidentemente,
da antiga ideia da responsabilidade pessoal e corpórea do devedor pela prestação.
Por isso, o princípio vigente era o da intransmissibilidade das obrigações .
Entretanto, as exigências do comércio forçaram a praxe a encontrar meios
legais para atingir a transmissibilidade das obrigações entre vivos. Esses meios
eram a "delegação" (deleg4tio),depois a "procuração em causa própria" (procur4tio
in rem s11.am)e finalmente o sistema das "ações úteis" actiQnes11.tiles,tendo esse
último, na prática, os mesmos resultados econômicos e jurídicos da cessão das
obrigações na sua acepção moderna. Vejamos, então, a evolução histórica.
DELEGAÇÃO (DELEGAT/O)
As Institutas de Gaio salientam que os modos de transferência dos direitos
reais não se aplicam às obrigações. Caso o credor desejasse que a prestação que
lhe era devida passasse a ser devida a outrem , só poderia obter esse resultado
por meio de novação da obrigação, que estudaremos em maiores detalhes no
próximo capítulo. Essa se verificava com nova stipul4tio ("delegação ativa" -
deleg4tio acti_va),cujo objeto era prestação idêntica à da obrigação originária, e
que, por ordem do primitivo credor , era feita entre o devedor e o novo credor.
Esse último, na moderna terminologia, se chama cessionário. Com a nova
stipu/4.tio, cessavam os efeitos da obrigação originária, verificando-se, destarte,
: _::}(:
_
dessa obrigação.
CAPÍTULO22
EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES
CONCEITO
Cria -se a obrigação para ser cumprida. O cumprimento (soly_tio)é seu
fim natural e com ele a obrigação se extingue. Mas há outros atos jurídicos que
igualmente acarretam a extinção da obrigação. Assim, podem as panes compensar
as obrigações que reciprocamente tenham, ao invés de solver cada urria a sua
("compensação" - compens4.tio).Da mesma forma, a transformação da obrigação
em uma out ra (novação - nov4.tio) acarreta a extinção da obrigação anterior .
Podem, ainda, as partes extinguir a obrigação por comum acordo.
Todos esses meios de extinção dependem da vontade das partes. Há, além
deles, outros fatos que, independentemente dessa von tad e, produzem os mesmos
resultados.
Est udar emos, então, cada um dos meios de extinção, separadamente.
i) Pagamento
O pagamento (soÍ'Jl,tio)é o modo natural da extinção das obrigações .
O adim plemento da obrigação extingue o liam.e entre o credor e o devedor.
Recebendo o credor a prestação, objeto da obrigação, o devedor fica libertado do
víncu lo obrigacional.
No período clássico, bastava o fato do cumprimento fiel da obrigação
para qu e se verificasse a sua extinção. No direito primitivo não era assim. Esse era
formalísrico e rígido. Jáconhecemos as formalidades exigidas para a constituição
do liam e obrigacional. Logicamente, esse direito primitivo não exigia o
cumprimento de formalidades apenas para a constituição das obrigações, ma
tam bém para a sua extin ção. Por isso, cada contrato formal tinha o seu contrário,
184 Curso Elementar de Direito Romano
ii) Compensação
A compensação (compens4tio) pressupõe a existência de mais de uma
obrigação entre as mesmas pessoas, sendo elas ao mesmo tempo credor e devedor
uma da outra . Tais obrigações recíprocas entre as mesmas partes extinguem-se
pela compensação enquanto equivalentes, continuando devido o excedente não
compensado .
No direito clássico, a compensação se operava só em três casos: nas
"ações baseadas na boa-fé" (bg_nae fidei iudicia), nas obrigações entre banqueiros
e no concurso de credores . Parece que, já no fim desse período, o campo da
compensação foi estendido além dos casos acima mencionados. No período pós-
clássico, por sua vez, aplicou-se em geral aos créditos, sem restrições, contanto
que do mesmo gênero (dinheiro contra dinheiro, trigo contra trigo, etc.), certos
quanto a seu montante e vencidos (líquidos).
No direito romano, a compensação não se operava automaticamente, "pelo
próprio direito" (ipsoiure). Era sempre necessário que as partes a convencionassem
ou que uma delas a pedisse em uma ação que lhe fosse intentada pela outra parte.
Operava, portanto, "por força de exceção processual " (exceptiQnis!!_pe), isto é, por
meio de defesa processual.
iii) Novação
Novação (novg:_tio) é a extinção de uma obrigação pela sua substituição
por uma nova , com o mesmo conteúdo da anterior: "novação é a transformação
e o transplante de um débito anterior em outra obrigação" (nov4tio est prig_ris
dfbiti in aliam obligatiQnemtransfo-sio4tque trans/4.tio- Ulpiano , D. 46 ,2.,1 pr.).
A prestação, objeto da obrigação antiga e da nova, devem ser idênticas
("o mesmo débito" - idem dfbitum); do contrário haveria constituição de outra
obrigação ao lado da antiga, ambas coexistentes. Entretanto , malgrado a exigência
de identidade de prestação em ambas as obrigações, a nova tinha que trazer um
elemento novo ("algo de novo" - 4/iquid nQvi), que justificasse a novação. O
elemento novo podia concernir à prestação (novas condições, novo prazo, novo
lugar para pagamento), às partes (substituição da pessoa do credor - delegação
ativa [deleggfioactiva]-, ou do devedor- delegação passiva [deleg4tiopassiva]),
ou ainda à causa da obrigação (por exemplo, a transformação de uma obrigação
"decorrente de uma comprá' [ex fmpto] em uma obrigação "decorrente do
contrato solene e verbal de stipulatio" [ex stipul4tu]) .
No direito justinianeu, como no moderno , exigia-se, ainda, a "intenção
de fazer novação" (4.nimusnov4ndi) das partes.
186 Curso Elementar de Direito Romano
seu credor;
e) pelo "concurso de duas causas lucrativas" (concJj_rsus
du4rum caus4rum
fucrativ4rum), isto é, pelo cumprimento de uma de duas obrigações a título
gratuito, com o mesmo objeto. Nesse caso, como o objeto é o mesmo, o
cumprimento de uma das obrigações extingue a outra. Por exemplo: Caio
determina em testamento que seu herdeiro entregue determinada coisa a Tício, e
posteriormente faz doação, para entrega futura, da mesma coisa a Tício . Morrendo
Caio ante s de venc ido o prazo para entrega da coisa doada, se o herdeiro de Caio
entregar a coisa a Tício, em cumprimento do testamento, extingue-se a doação;
fi pelo decurso do prazo de vigência convencionado pelas partes ou
estabelecido pela lei;
g) pela verificação da condição resolutiva nas obrigações sujeitas a essa
espécie de condição;
h) pela extinção da obrigação principal, no caso da obrigação acessória;
i) por ordem legal, em determinados casos, a tíntlo de penalidade. E o
que se dá com o crédito de quem, para haver o que lhe é devido, se apossa de
ben s do devedor. A extinção do crédito nesse caso foi determinada por decreto
do imperador Marco Aurélio (decrftum dj_viM4rci).
1
l ~ --=----
CURSO
ELEMENTAR
DE
DIREITO
ROMANO
DIREITO
,
DEFAMILIA
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1
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Capítulo 23 • Família 191
CAPÍTULO23
FAMÍLIA
. -·-::\\
PÁTRIO PODER
O caráter arcaico do poder que o paterfarni:_líastinha sobre seus descendentes
era revelado pela total, comp leta e duradoura sujeição destes àquele, sujeição essa
que tornava a situação dos descendentes semelhante à dos escravos, enquanto o
paterfarni:_lías
vivesse.
A organização familiar romana repousava na autoridade incontestada do
paterfami:_líasem sua casa e na disciplina férrea que nela existia.
Assim o paterfarni:_Lías exercia um "poder de vida e de morte" (íus vi:_tae ac
nr:_cis)
sobre seus descendentes, o que já era reconhecido pelas XII Tábuas (450-451
a. C.). Esse poder vigorou em toda sua plenitude até Constantino (324-337 d.
C.) (CQdex Theodosi_ª)1US,4,8,6 pr.). O paterfami:_lias podia matar o filho recém-
nascido, expondo-o (abandono), até que uma constituição dos imperadores
Valentiniano I e Valência (em 374 d. C.) proibisse tal prática (C. 8,51(52),2) . A
venda de filho era também possível. O filho vendido encontrava-se na situação
especial de pessoa in mancipio, pela qual ele conservava seus direitos públicos.
Continuava cidadão romano . Quanto aos seus direitos privados, todavia, ele os
perdia .
No direito clássico tal venda só se praticava para fins de emancipação ou para
entregar à vítima o filho que cometera um delito (nQxaedg_tio). Originariamente
o pat erfami:_liaspodia casar seus filhos, mesmo sem o consentimento destes. No
direito clássico, porém, exigia-se o consentimento dos nubentes. Por outro lado,
o pátrio poder, tão amp lo originariamente, incluía o direito de o pai desfazer o
matrimônio de filhos a ele sujeitos. O imperador Antonino Pio (138-161 d. C.)
aboliu expressamente essa faculdade com relação às filhas. Para os filhos, o direito
em questão desapareceu mais cedo (Pauli Sem. 2,19,2).
Do ponto de vista patrimonial, o pátrio poder implicava a centralização
de todos os direitos patrimoniais na pessoa do paterfami:_lias. No direito clássico,
ele era a única pessoa capaz de ter direitos e obrigações. As pessoas sujeitas ao
pátrio poder não tinham plena capacidade de direito; assim, não podiam ser
os alir:.nii11:.ris
sujeitos de direito: "o filho nada pode ter como próprio " (filius
nihil s11:.umhabt:_re
pQtest-Gaio, D. 41, 1,10 , 1). Semelhantemente aos escravos, os
filhos, adquirindo qualquer direito , o adquiririam para o paterfami:.lias .
194 Curso Elementar de Direito Romano
D. 49,1 7,2).
Depois do imperador Constantino (324 a 337 d. C.), esses princípios
se estenderam ao patrimônio adquirido pelo filho no serviço público , o que
os modernos chamam de pecúlio quase-castrense (pec'fd.liumqur1:sicastrfnse).
Outrossim, semelhante separação de patrimônio teve lugar com relação aos
bens do filiusfami.lias, provenientes de sua _mãe ou de ascendentes pela linha
materna. Eram os bens denominados "bens maternos" bg_namatfrna. Assim, a
independência patrimonial do filho foi cada vez se acentuando mais com o passar
do tempo.
Por fim, Justiniano qualificou de desumano o sistema de pertencer ao pai
o que o filho adquirisse (lnst. 2,9,1) e determinou que somente o usufruto dos
bens do filho coubesse ao pai. Com isto, o sistema quiritário foi basicamente
modificado.
CAPÍTULO24
CASAMENTO
realizar uma série de atos rituais, culminando numa oferenda do referido pão a
Júpiter.
O mesmo objetivo (o estabelecimento do poder marital) tinha a coempção
(cofmptio), que era a venda formal da nubente pelo seu pateifami./ias ao nubente,
venda essa que se fazia através da mancipg._tio.
A terceira forma de aquisição do poder marital se dava pelo JJ.SUS.Ele se
baseava na idéia da aquisição do poder jurídico absoluto pela posse prolongada.
A Lei das XII Tábuas conferia ao marido a mg._nussobre a mulher com quem
convivesse em matrimónio por mais de um ano. Entretanto, a mesma lei previa
a possibilidade de se evitar tal sujeição, bastando para tanto, para interromper a
usucapião em curso, que a mulher se ausentasse de casa, por três noites seguidas:
a chamada "usurpação das três noites consecutivas" (trinQctii usurpg,tio).
Observa-se, pois, que o poder jurídico do marido sobre a mulher era um
reflexo eventual, mas não absoluto, do matrimónio. Desde os tempos antigos
podia existir matrimónio sem poder marital. Era o casamento sine mg._nu.
Conclui-se, portanto, que a idéia de matrimónio, na concepção romana,
era distinta da do poder marital (mr1nus).
A distinção que fazemos entre o matrimónio e a mg._nusainda mais se
reforça pela observação de que, na época clássica, a forma de matrimónio que
prevaleceu foi, precisamente, a do matrimónio si.nemgnu.
Assim sendo, examinaremos o matrimónio, deixando de lado o instituto
da mg._nus,que é o poder jurídico do marido sobre a mulher.
O matrimónio, no direito romano, era um ato consensual contínuo de
convivência. Era uma matéria de fato (resfecti) e não uma matéria de direito (res
iJJ.ris),como se vê nas regras do ius postlimi.nii, onde os romanos enquadravam a
relação matrimonial entre aquelas que tinham que ser restabelecidas pelas partes.
A regra romana "o consentimento faz as núpcias" (consfnsusfecit nJJ.ptias
(Ulpiano, O. 35,1,15) deve entender -se como um acordo contínuo entre os
cônjuges para viverem em comum, com a finalidade de realizar uma união
duradoura entre eles. Exigiam-se, naturalmente, além desse acordo, também
fatos positivos de convivência.
Assim é que se costuma · distinguir dois elementos constitutivos do
matrimónio romano, que são a afeição conjugal (affe_ctiomaritgJis, intenção de
ser marido e mulher) e a honra do matrimónio (o hQnormatrimQnii), a realização
condigna dessa convivência conjugal.
Desse conceito do mauimônio romano seguem-se a possibilidade do
divórcio e, até a grande facilidade dele.
Tratando-se de um ato contínuo de consentimento entre os cônjuges,
Capítulo 24 • Casamento 199
ESPONSAIS
A promessa de contrair matrimônio fazia-se no direito romano antigo ,
por uma estipul ação em que se utilizava o verbo spQndeo("eu prometo"). Daí o
nome esponsais (spons4/ia).
Fortalecendo-se cada vez mais, com o correr do tempo, a idéia de liberdade
no campo matrimonial, no direito clássico chegou-se a considerar tal promessa
como destituída de efeito jurídico no que diz respeito à obrigação de contrair o
matrimônio prometido, ou à obrigação de pagar a multa contratual estipulada
para o caso de não cumprimento do avençado. Assim mesmo, os esponsais tiveram
certos efeitos jurídico s secundários, como o de acarretarem a pena de infâmia na
hipótese de serem celebrados com mais de uma pessoa concomitantemente, além
de outro s efeitos de ordem patrimonial.
EFEITOS DO MATRIMÔNIO
O casamento gera efeitos ou consequências jurídicas quer quanto às
pessoas quer quanto aos bens.
Quanto aos da primeira categoria, podiam referir-se, no direito romano,
à pessoa dos cônjuges ou à pessoa dos filhos.
O filho, quando nascido de matrimônio justo (matrimQnium iy_stum),
Capítulo 24 • Casamento 201
ficava sob o poder do pai (patria potfstas). A situação dele era, então, a de
filiusfamilias. Os filhos nascidos na constância do casamento eram presumidos
(presunção relativa - praes11:.mptio
i11:.ris
tg_ntum)como sendo legícimos : "o pai é,
na verdade, aquele que as núpcias demonstram" (pg_tervfro is est quem n11:.ptiae
demQnstrant- Paulo, D. 2,4,5). Presumia-se que a gestação durava de 180 a 300
dias após a concepção (presunção absoluta -praes11:.mptioi11:.ris et de iY:.re)
.
Quanto à pessoa da mulher, no casamento cum mg_nuficava ela sujeita ao
poder do marido, na qualidade de alifni iY:.ris.Por outro lado, no matrimônio
si_nem4nu, aliás a forma que prevaleceu no direito clássico, a mulher conservava
sua independência com relação ao marido . Continuava, mesmo depois do
casamento, na situação anterior, isto é, se estava sob o poder de seu paterfami.lias,
permanecia naquele estado, e se era s11:.ii11:.ris,
continuava nessa mesma condição,
ou seja, s11:.i
i11:.ris.
Mesmo assim, o marido exercia certa autoridade sobre a mulher, cabendo-
lhe a chefia na direção da vida familiar. Era ele quem estabelecia o domicílio
da família e a ele cabia, também, a obrigação de prover o sustento dos seus.
Tinha o marido meios judiciais para defender a mulher contra atos injuriosos
de outrem e podia, por outro lado, exigir o retorno da mulher ao lar conjugal,
mesmo se o paterfami.lias dela a retivesse: os interditos com o fim de obrigar a
exibição e a condução da esposa ao lar (interdito acerca de a mulher ser exibida e
conduzida - interdi_ctumde uxQreexhibfnda et ducfnda). O adultério da mulher
era considerado crime previsto pela lei Júlia dos adultérios (/ex 111:.lia
de adultfriis),
da época de Augusto.
Do ponto de vista patrimonial, no casamento si_nem4nu os bens que
a mulher tivesse eram dela. Chamavam-se bens parafernais. Em vista dessas
regras é importante o preceito da presunção Muciana (praes11:.mptio Muci4na),
que considerava todos os acréscimos verificados no patrimônio da mulher como
provenientes do marido. Tratava-se de uma presunção simples (praes11:.mptio
iY:.rist4ntum), admitindo, portanto, contraprova. A administração não cabia ao
marido, a menos que a mulher o determinasse.
A doação entre os cônjuges foi proibida, sendo tais atos nulos, com
exceção daqueles praticados em virtude da morte (mQrtis causa). A estes foram,
posteriormente, equiparadas as doações feitas pelo cônjuge pré-morto quando não
as tivesse revogado em vida.
Os cônjuges não podiam propor ações penais e infamantes um contra o
outro, por contrariarem o caráter Íntimo da união familiar.
Assim, o regime patrimonial do casamento si_nemgnu era o da separação
de bens, modificado, em parte, pelo sistema do dote que adiante estudaremos.
T
DISSOLUÇÃO DO MATRIMÕNIO
Dissolvia-se o liame matrimon ial pela mo rte ou pela cgpitis demin!!:_tio
m(lXima de um dos cônju ges.
É de e notar que o prisioneiro de guerra também sofria ca:pitisdeminY:.tio
m(lXima. Entre tant o sabemos qu e, ao voltar a Roma, recupe rava ele, pelo ius
postliminii, todos os seus direitos. Era como se nunca tivesse sofrido perda de
sua liberdade. Sabemos, cont udo , que nessa recuperação de direitos não se
enquadravam as situações de fato, como a posse e também o matrimônio. Esse
último tinh a que ser restabelecido nov amente.
Por outro lado, o matrimônio rom ano podia ser dissolvido também por
vont ade dos cônjuges. Já o direito romano arcaico previa o divórc io. Ele era
praticado através de formas solenes : a dijfarreg_tio(para desfazer o matrimôn io
contraí do pela confarre4tio) e a remancipgfio (para desfazer o mauimônio
contraído por coempçáo).
No casamento sjne manu, essa dissol ução era ainda mais fácil. Podia
ocorrer por acordo entre as partes : divórcio por con sent imento comum (divQrtium
commH:.niconsfnsu), ou mesm o por vontade un ilateral: repúdio (repli_dium).
Somente na época dos imperadores cristãos foram intro duzidas limitações nesse
campo, sem se abolir, contudo , o instituto do divórcio.
DOTE
O instituto característico do regime patrimonial da ociedade conjugal no
direito rom ano era o dot e.
Sua origem remonta , precisamente, à época do casamento cum m{lnu,
qu ando a mulher ficava na sujeição do mar ido também do ponto de vista
patrimonial. Se era syj iy._ris,isto é, independente de um pátrio pod er, todos os
seus bens passavam a pertencer ao marido. No caso mais comum de se tratar
de uma filha sob o pod er de seu pai, ela, ao se casar cum manu, saía de sua
família para entra r na do m arido. Perdia, assim, os laços de parentesco agnacício
com a família de origem. Decorria disto, naturalmente, a perda de seus direitos
hereditários na sucessão do pai, direitos estes qu e naquela époc a se baseavam
no parent esco agna tício. Para remed iar tal inj ustiça, costumava-se dar à filha,
ao se casar cum m{lnu, o equivalente de sua parte hereditária, qu e, pelas regras
desse tipo de ma trimônio, passava a pertencer ao marido dela, ou ao paterfamilias
deste.
Foi essa pr axe, provavelm ent e, a origem do instituto do dote, que p ersistiu
Capítulo 24 • Casamento 203
i) Constituição do dote
O dote, que podia constar tanto de coisa corpórea quanto incorpórea,
constituía-se por mancip4tio, in iy_recfssioou traditio. Falava-se, então, em "dação
em dote" (dQtisd4tio). Quando o constituinte do dote apenas o prometia, por ato
unilateral, falava-se em "constituição de dote" (dQtisdi_ctio) . Essa requeria forma
solene especial. Quando a promessa d e dote se fazia pela stipul4tio, falava-se em
dQtisp romissio.
_, A constituição do dote podia ser feita antes ou na constância do
casamento. Na primeira hipótese, entretanto, os efeitos dependiam da realização
do casamento, ou seja, de uma condição de direito (condj_cioiy_ris).
DOAÇÕES
ENTRE
CÔNJUGES
Como já vimos, ao tratar do s efeitos patrimoniais do matrimônio , a
doação era proibida entr e cônjuges .
Em vista disso, e con siderando a situação desfavorável da mulher na
relação sucessória, costumava-se garant ir a subsistênci a dela, quando a dissolu ção
do casamento se dava sem culpa sua, por meio de uma doação feita pelo maTido
Capítulo 24 • Casamento 205
à mulher.
Essa doação , logicamente, tinha que ser feita antes do casamento. Daí sua
denominação "doação antes das núpcias" (donatio ante nuptias).
Na época pós-clássica ela ganhou importância e Justiniano permitiu
que se fizesse mesmo durante o casam ento, chamando-a "doação em razão das
núpcias " (donr1.tiop rgpter nH,ptias).
Os bens não eram propriamente entregues à mulher , apenas prometidos
a ela e ficavam gravados durante o casamento com a cláusula de inalienabilidade,
se se tratasse de imóvel.
Capítulo 25 • Tutela E Curatela 207
CAPÍTULO25
TUTELA E CURATELA
CONCEITO E HISTÓRICO
A finalidade principal desses institutos é a de cuidar dos interesses de
uma pessoa que sozinha não possa tomar conta dos seus negócios. Assim, tanto
a tutela como a curacela se relacionam com o problema da capacidade para a
prática de atos jurídicos.
A tutela tinha como fim precípuo proteger o interesse da família, isto é,
dos herdeiros, e aplicava-se aos casos normais de incapazes (pela idade e sexo).
A curatela, por sua vez, visava a acautelar interesses patrimoniais, mas
em casos excepcionais de incapacidade, como a loucura, a prodigalidade e,
posteriormente, em alguns outros.
Com o decorrer do tempo, revelou-se e acentuou-se cada vez mais o caráter
de proteçáo do interesse do incapaz, caráter esse que os institutos da tutela e da
curatela náo tinham primitivamente, quando apenas visavam à proteçáo da família.
Por isso mesmo é que se diz que, a princípio, esses institutos representavam
mais um direito de "força e poder" (vis ac potfstas) do que um ofício ou múnus
público (mH_nusp!d.blicum). Nos últimos tempos foi esse último caráter o que
prevaleceu.
ESPÉCIES DE TUTELA
Estavam sob tutela os impúberes e as mulheres SH:.Í Í!d_ris.
Os alifni ÍH:.ris
não, pois eles se encontravam sujeiros ao poder de seu paterfamiíias, que cuidava,
também, de sua proteção.
A tutela dos impúberes era conferi da pela Lei das XII Tábuas ao parente
agnatício mais próximo: chamava-se tutela legítima (tutfla legitima).
208 Curso Elementar de Direito Romano
CURATELA
A curatela (cJd,ra),
dotada de características semelhantes às da tutela, era
um instituto paralelo a esta, aplicando-se-lhe, praticamente , as mesmas regras.
Tinha lugar a curatela em casos de proteção de incapazes outros que os impúberes
e as mulheres.
Suas espécies eram as seguintes:
i) Curatela do furioso (cfd.rafuriQsi): era a curatela do louco furioso e
consistia na administração de seus bens. Já a Lei das XII Tábuas a conhecera,
determinando que coubesse aos parentes agnados mais próximos. Na falta destes,
o pretor nomeava curador.
ii) Curatela do pródigo (cfd.raprQdigi): também provém das XII
Tábuas. Por essa lei, o pretor podia proibir, por meio de uma "interdição dos
bens" (bonQrum interdi.ctio), que o indivíduo que esbanjasse seu patrimônio
continuasse a administrá-lo ou viesse a dispor dele. O pródigo ficava, assim, com
sua capacidade de agir restrita, precisando sempre da autorização do seu curador
para assumir obrigações. A nomeação do curador ao pródigo era feita conforme
as mesmas regras por que se fazia a dos loucos.
iii) Curatela dos menores (cJd,raminQrum): era a curatela eventual dos
púberes menores de 25 anos, que pediam um curador, por exigência das pessoas
que receavam contratar com eles, em vista das disposições da lei Letória (/ex
LaetQria). O menor, nessas condições, tinha sua capacidade de fato restrita; sua
situação era semelhante à do impúbere infe_ntiamgjor.
Casos especiais de curatela foram o do nascituro, o dos surdos-mudos, o
dos ausentes etc.
O curador tinha por função, de um modo geral, ou representar curatelado
absolutamente incapaz, gerindo seus negócios, ou assistir relativamente incapaz,
dando-lhe o consentimento para a prática de atos jurídicos .
CURSO
ELEMENTAR
DE
DIREITO
ROMANO
DIREITO
DAS
...
SUCESSOES
Capítulo 26 • Sucessão Universal (successio ln Universum lus) 213
CAPÍTULO26
SUCESSÃOUNIVERSAL
(SUCCESS/OIN UNIVERSUM IUS)
l
Capít ulo 26 • Sucessão Univ ersal (successio ln Universum lus) 215
HERANÇA
Como já explicamos, heranç a (herfditas) significava, além do pro cesso de
ucessáo, p rincip almente o objeto dela : os direitos e ob rigaçóes transmissíveis.
Não eram consideradas transmissíveis as servidões pessoais, como o usufruto, o
uso; a posse; alguma s relaçóes obrigacionais, como o mandato, a ociedade; as
obrigações delitua is; as "ações que aspiram a uma vingança " (actiQnes vindictam
spirg_ntes),que visavam obter uma satisfação pessoal pelo próprio ofendido, como
em caso de injúria etc.
Os demais direito e obrigações cons tinií am o patrimônio transmissível.
Con forme o balanç o entre o ativo e o passivo patrimonia l, a herança podia
ser, também, ativa ou passiva (nesse último caso se chamava "herança danosa "
[damn Qsa herfditas]), poi s o herdeiro, substituindo a pessoa do defunto também
nas suas obrigações, arcava com as dívidas deste.
Todo o pacrimônio passava universalment e (per universitgtem) ao herdeiro
ou aos h erde iros, que sucediam em todos os seus direitos e obrigaçóes ao defumo:
"aquele de cuja herança se tratà' (is de cuius hereditgte 4gitur). Daí a denominação
moderna do defunto: de cuius.
No caso de pluralidade de herd eiros, cada um sucedia ao de cuius no
patrimônio todo, sendo os direitos e obrigações de cada herdeiro limitados
apenas pelo concurso dos demais , cabendo a todos alíquotas ideais, sem divisão
real: "dividem-se as part es em concurso " (conc!l_rsupgrtes fiunt).
As dívidas eram transmitidas tot almen te aos herdeiro s nessa hipótese.
Quanto às obrig ações divisíveis, eram dividi das ent re eles; em caso contrário
ficavam os herd eiros devendo em comum .
A respon sabilidad e do herdeiro, no direito romano clássico, era pessoal
e ia além do ativo da herança. Respondia com seu próprio patrimônio, como se
tivesse ele próprio contraído o débito.
ABERTURADA SUCESSÃO
Distinguiam -se, no direito romano , a fase da abertura da sucessão (delgtio
hereditgtis), em que ela era deferid a, oferecida ao sucessor, e a fase da aquisição
daquela (acquisitio hereditgtis).
Abria-se a sucessão pela morte do de cuius. Oferecia-se, então, a
possibilidade ao sucessor de adquirir a herança: "considera-se deferida a herança
216 Curso Elementar de Direito Romano
que alguém possa obter, aceitando-a" (defgfa herfditas intelligitur, quam quis pQssit
adey_ndoconsfqui - Clemente, D . 50, 16, 151).
Duas eram, e ainda hoje são, as formas de sucessão : sucessão legítima e
testamentária, segundo se baseasse na lei ou na última vontade do de cy_ius.
Como já mencionamos, a sucessão legítima era a originária e a sucessão
testamentária se juntou a ela posteriormente. Entretanto, no direito clássico, o
costume fez grandemente prevalecer essa última forma , como nos provam os
textos e as informações epigráficas .
A liberdade de testar, princípio básico da sucessão testamentária , que,
porém, podia prejudicar os descendentes (considerado o seu direito à herança
como decorrente da ordem natural das relações familiares), foi-se restringindo
no direito romano mais evoluído. Primeiro exigia-se que o testador incluísse
seus parentes mais próximos no testamento. A inclusão era, inicialmente , uma
exigência formal, porque significava que o testador tinha de mencioná-los no
testamento . nomeando-os herdeiros ou deserdando-os. Só depois , em uma
segunda fase, foram introduzidas regras com a finalidade de assegurar, a esses
parentes próximos, uma participação real na sucessão, que o testador não podia
desrespeitar.
Daí uma terceira forma de sucessão: a "sucessão contra o testamento"
(succfssiocQntratg}ulas).
Característica dpica da sucessão romana era que a legítima e a testamentária
se excluíam uma à outra: "ninguém pode morrer em parte testado e em parte
intestado" (nt;,mopro pg,_rtetest4tus pro parte intest11,tusdecfdere pQtest, cf. lnst.
2, 14,5). Nomeado herdeiro, embora o fosse para uma part e da herança ou para
determinados bens , a sucessão se abria com base no testamento: consequentemente
era ele o único herdeiro e seu direito se estendia a todo o património do de cuius;
os herdeiros legítimos não podiam concorrer com ele, a não ser em obediência às
regras da "sucessão contra o testamento" (succfssiocQntrat11,bulas).
A mesma exclusividade se aplicava, também, aos testamentos entre si:
valia só o último. Testamento poster ior derrogava o anterior. mesmo quando
dispunha apenas sobre parte da herança.
AQUISIÇÃO DA HERANÇA
A aquis ição da herança (acquisi.tio hereditg_tis)se fazia automaticamente ,
pelo próprio direito (ipso iure) ou por expressa manifestação da vontade,
dependendo da qua lidade do herdeiro, que poderia ser ou um "herdeiro seu"
hfres) ou um "herdeiro estran ho à família" (hfres extr4neus).
(s!:f:.US
Capítulo 26 • Sucessão Universal (successio ln Universum lus) 217
nHda voluntg_te).
Naturalmente, o hfres extn1neuspodia renu nciar expressamente à sucessão,
o que se fazia sem qua isquer formalidades; bastava que a manifestação de vontade
fosse evidente e clara. Não podia ser retratada, a não ser que se tratasse de menor
de vinte e cinco anos, que podia pleicear a "restituição integra l por causa da
menoridade" (in j_ntegrumrestity_tioprQpter minQrem aetg_tem),que era um meio
processual usado para anular os efeitos de um negócio jurídico de um púbere
com menos de vinte e cinco anos e restabelece r a situação anterior.
HERANÇA
JACENTE
Das regras referentes à abertura da sucessão e aquisiçáo da herança segue-se
que po dia facilmente decorrer algum tempo entre as duas. Nesse ínterim, aberta
a sucessão, mas ainda não aceita a herança, o que, naturalmente, só podia ocorrer
no caso de herdeiro estranho à família (hfres extrg_neus),o patrimônio do de cuius
ficava sem dono, porque já não era dele - embora representasse a sua pessoa:
"a herança sustém a pessoa do falecido" (herfditas persQnam defe_nctisusti_net-
Ulpiano, D.41,1,34) ~ e ainda não era do her deiro .
Chamava-se "herança jacente" (herfditas iacens) e tratava-se de wn
património em situação toda especial: a de pendência, de trans ição.
Com relação à herança jacente há que mencionar um instituto curioso,
controvertido e bastante antigo, a chamada "usucapiáo em lugar de herdeiro"
(usuc4pio pro herfde). A posse, durante um ano , de uma coisa pertencente à
herança, gerava propriedade (embora hou vesse imóveis na herança, pois essa
era uma das "demais coisas" [cfterae res], na linguagem da Lei das XII Tábuas).
Por ela, adquiria-se, também, a po sição de herdeiro e, em consequênc ia, toda a
herança. Essa usucapiáo não exigia nem ju sto títu lo (iustus tj_tulus)nem boa fé
(bQnafides).
O direito mais evoluído con deno u esse instituto. Os jurisconsultos
clássicos o apelidaram de "usucapião desonestà' (improba usuc4Pio). Por
fim, Marco Aurélio aboliu-o, sendo por ele a ocupação de coisas hereditárias
considerada um "crime de pilhagem à herança" (crj_menexpi!{ltaehereditg_tis) .
Capítulo 26 • Sucessão Universal (successio ln Universum lus) 219
CAPÍTULO27
SUCESSÃOTESTAMENTARIA
(SUCCESS/OSECUNDUM TABULAS)
TESTAMENTO
O testamento é um negoc10 jurídico unilateral, formal, para o caso
de morte do testador, pelo qual esse nomeia seu sucessor, chamado herdeiro:
"testamento é a justa determinação de nossa vontade acerca daquilo que alguém
quer que seja feito após a sua morte" (Testamfntum est volunt4tis nQstrae iusta
fieri vdit- Modestino, D. 28,1, 1).
sentfntia de fO, quod quis post mQrtem s'fd_am
Característica essencial do testamento era sua revogabilidade "até o
extremo término da vidà' (Y:.squead suprfmum vi.taefxitum - Ulpiano, D. 34,4,4),
isto é, até o momento da morte do testador . Por esse motivo eram inadmissíveis
os pactos sucessórias e o testamento conjuntivo, que tomariam irrevogáveis as
disposições de última vontade.
CAPACIDADEDETESTAR{TESTAMENTIFACTIOACTlVA)
Para poder testar, era necessária a "capacidade testamentária ativa"
(testamfnti fectio acti.va), isto é, a capacidade jurídica para esse mister.
O direito de realizar contratos (ius commfrcii) não implicava forçosamente
essa outra capacidade.
Não tinham capacidade de fazer testamento:
a) Os alitni iuris, por não terem patrimônio próprio, exceto com relação
ao peculium castrense e, posteriormente, ao pecúlio quase-castrense (pecY:.lium
qu4si castrfnse).
b) Os latinos Junianos (lati.ni Iuni4ní), que morriam como escravos,
passando seu patrimônio ao patrono, como pecúlio.
222 Curso Elementar de Direito Romano
FORMASDETESTAMENTO
i) Testamento público (testamfntum py_blicum).
Duas eram as formas de testamento no período mais antigo. Pela primeira,
o testamento se fazia perante as assembleias curiais (comi.tia curi11:.ta),
que se
reuniam, para essa finalidade, duas vezes por ano, e chamava-se "testamento
mediante convocação de assembleias" (testamfntum ca/11:.tiscomi.tiis).Tratava-se
de processo semelhante à ad-rogação (adrog11:.tio).Pela segunda, o testamento
era feito perante o exército, pronto para o combate, que, na prática, era a
mesma assembleia popular do comício acima mencionado, reunido em uma
oportunidade diferente .
ii) Testamento privado (Testamfntum priv11:.tum).
Capítulo 27 • Sucessão Testamentaria(successio Secundum Tabulas) 223
CONTEÚDODO TESTAMENTO
O conteúdo primacial do testamento era a designação do herdeiro:
"entende-se que a instituição de herdeiro é, por assim dizer, a cabeça e o
fundamento de todo o testamento" (vdut c4Put et fundamfntum intelligitur
toti.us testamfnti herfdis instít11:_tío- Gai. 2,229). Sem isso, não havia testamento.
Tratava-se, pois, de seu elemento essencial, necessário.
A nomeação do herdeiro era considerada fundamental para o testamento.
Esse tinha de se iniciar com essa formalidade. Qualquer disposição testamentária
que precedesse à nomeação do herd eiro era considerada nula: "antes da instituição
224 Curso Elementar de Direito Romano
TESTAMENTOS INVÁLIDOS
O testamento era nulo desde o início (ab initio):
a) quando o testador não tinha a capacidade para fazer testamento
(testamt:_nti
fa.ctio activa) - diz-se então que "o testamento é írrito" (testamt:_ntum
i.rritum);
b) quando lhe faltava alguma formalidade essencial - diz-se então que "o
testamento não foi feito conforme o direito" (testamt:_ntumnon iure fa.ctum);
e) quando o testador desrespeitava a legítima de seus descendentes - diz-
se então "nulo" o testamento (testamt:_ntumnH.llum).
O testamento se tornava ineficaz:
a) quando nascesse um filho ao testador, após feito o testamento em
que não fora mencionado esse filho superveniente - nesse caso, diz-se "rupto" o
testamento (testamt:_ntumr1:!:_ptum);
b) quando o testador perdia, após feito o testamento, sua capacidade de
testar por cg_pitisdeminutio ou por ad-rogação (adrogg_tio)- diz-se então que "o
testamento se tornou írrito" (testamt:_ntumirritum fa.ctum);
e) quando os herdeiros não aceitavam a herança - diz-se "destituído" o
testamento (testamt:_ntumdestitH.tum);
d) quando o testamento era rescindido pela "querela de testamento
inoficioso" (querda inojficiQsi testamt:_nti),de que trataremos no capítulo da
sucessão necessária - diz-se então "inoficioso" o testamento (testamt:_ntum
inojficiQsum).
Revogava-se o testamento:
a) por ato contrário (contr4.rius4.ctus), nos testamentos formais;
b) quando um novo era feito pelo testador;
e) pela destruição voluntária do documento do testamento, porém não
pela sua perda ou danificação involuntária.
Capítulo 28 • Sucessão Legítima (successio Ab lnt est ato) 227
CAPÍTULO28
SUCESSÃO LEGÍTIMA
(SUCCESSIOAB INTESTATO)
CONCEITO E HISTÓRICO
Na falta, invalidade ou revogação do testamento, op erava-se a "sucessão
legítima ", isto é, a sucessão disposta pela lei.
No direito romano havia três sistemas de vocação hereditária: o do direito
quiritário, baseado exclusivamente no princípio agnatício; o do direito pretório ,
que corrigiu o sistema quiritário pela introdu ção de novas regras em favor dos
parentes cognatícios; e o do direito imperial da época pós-clássica, culmi nando
com a legislação justinianéia, que fez prevalecer, com exclusividade, o parentesco
cognatício.
CAPÍTULO29
SUCESSÃONECESSÁRIA
(SUCCESS/0CONTRA TABULAS)
CAPÍTULO30
COLAÇÃO (COLLAT/0)
CONCEITO E HISTÓRICO
Ao se partilhar a herança entre vanos herdeiros com direito a uma
quota na sucessão legítima (succfssioab intestçJJo),havia de se considerar os bens
patrimoniais por eles adquiridos antes da abertura da sucessão. Para esse fim
servia o instituto da colação, cuja finalidade consistia em assegurar igualdade na
participação dos descendentes no patrimônio familiar.
O primeiro caso foi o da "colação dos bens ou do dote" (coL!atiobonorum
vel dotis) na bonQrumpossfssio dos liberi. Na classe dos liberi, como já vimos,
foram incluídos, além dos sui, também os filhos emancipados e filhas casadas.
Os filhos emancipados, entretanto, levavam uma vantagem económica sobre os
sy_i,porque ainda na vida do genitor que os emancipou (p4.rensmanumissQr)eles
podiam adquirir patrimônio próprio, ao passo que os sy_i , sujeitos ao poder do
pai, adquiriam não para si, mas para seu pai, aumentando, destarte, com sua
atividade, o património familiar, objeto da herança.
Para igualar as partes dos filhos, o pretor exigia do filho emancipado que
trouxesse à colação o patrimônio por ele adquirido após a emancipação e antes
da abertura da sucessão.
Esse primeiro tipo de colação foi desaparecendo com o reconhecimento,
sempre mais amplo, da capacidade dos alifni iy_risde adquirir patrimônio próprio.
No lugar da colação descrita, surgiu uma nova, chamada "colação dos
descendentes" (coll4.tio descendfntium), no período imperial, consistente na
obrigação de conferir tudo o que fora recebido a título gratuito, em vida do de
cyjus, como, por exemplo, dote, doação por motivo de núpcias (don4.tioprQpter
nyptias), etc.
Justiniano, por sua vez, estendeu a colação, além da sucessão legítima,
236 Curso Elementar de Direito Romano
CAPÍTULO31
SUCESSÃOSINGULAR
(SUCCESS/OS/NGULARISMO/:lTISCAUSA)
CONCEITO
Da sucessão universal, distinguiam-se as disposições de última vontade
pelas quais o testador deixava determinados bens de sua herança. Tratava-se,
nestes casos, de sucessão "a título singular" (ti.tufosingul4ri).
A diferença entre a sucessão universal e a singular consistia no seguinte:
na primeira, transmitia-se a herança, no todo ou em parte, contendo sempre,
porém, um complexo de direitos e obrigações relativas à herança ; na segunda,
transferiam-se ao sucessor designado pelo testador somente determinados direitos
destacados da herança. Era o caso dos legados e, eventualmente, do fideicomisso.
LEGADO {LEGATUM)
A disposição testamentária a favor de pessoa individualmente designada,
referente a determinado bem da herança, chamava-se legado. Por esse diminuía-
se a parte ativa da herança deixada ao herdeiro.
As Institutas e o Digesto justinianeus o chamavam, também, de "doação
deixada por testamento" (don4tio testamfnto reli.cta,cf lnst. 2,20, 1 e Modestino,
D. 31,36), que bem caracterizava a essência e finalidade do instituto.
O legado devia ser feito em forma solene, de maneira imperativa ("com
palavras imperativas" - Vfrbis imperati.vis),ficando seu cumprimento a cargo
de um herdeiro testamentário. Originariamente, só no testamento podia ser
estipulado; mais tarde , admitiu-se, também, sua constituição em codicilo, isto é,
em um apêndice do testamento, devidamente confirmado.
Suas regras básicas são:
a) o legado não podia subsistir por si só; dependia, sempre, da nomeação
de herdeiro;
b) o legado representava, sempre, uma diminuição da herança dos
herdeiros testamentários;
e) o legado era recebido, sempre, por intermédio de um dos herdeiros;
j_ -
FIDEICOMISSO (FIDEICOMMlSSUM)
A disposição de última vontade, a título universal ou singular, expressa
sob a forma de solicitação ou pedido feito ao sucessor, se chamava fideicomisso
(fideicommissum), Podia ser feita em testamento, separadamente, ou em um
codicilo (codicillus),isto é, um negócio jurídico contendo disposições para o caso
de morte, sem, porém, nomear herdeiro.
Originariamente, a execução do fideicomisso dependia exclusivamente
da boa-fé do onerado, constituindo, assim, uma obrigação moral, referente,
na maioria dos casos, à entrega da quota hereditária ou bem de um legado, ao
fideicomissário.
A partir da época de Augusto, foi admitida a possibilidade de o
fideicomissário propor ação para obter o que lhe fora deixado em fideicomisso,
o que deu grande impulso à evolução do instituto, o qual passou a ser uma das
Capít ulo 31 • Sucessã o Singular(success io Sing ular is Mortis Causa) 239