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CURSOELEMENTAR

DEDIREITO
ROMANO
No mundo concemporô.-
neo, são dois os maiores e tn;Üs
importantes sistemas jurídicos: o
"Co111monLaw", da Inglaterra e
dos países de colonização inglesa,
como os Esrados Unidos, e o Siste-
ma Romano-Germânico, rambém
chamado "CiL1i/ Lml'", do qual
fazem parte os países da Europa
con rinen cal (Alemanha, Ir.ilia,
França ecc.), da América Latina
(quase rodos, dentre os quais, o
Brasil) e aré mesmo da Ásia. como
o Japão e a Coréia do Sul. O Siste-
ma Romano-Germànico encontra
seus fundamentos no direico
romano, com as acualizações trazi-
das pela doutrina medieval, pelo
chamado direico comum e, princi-
palmente. pelos pandecciscas
alenües do séc. XIX.
O direito romano é, reco-
nhecidamente, a base do nosso
direico, especialmente do direito
civil. Como apontam os estudio-
sos, aproximadamente dois terços
dos arrigos de nosso Código Civil
(excluída a parre do Direito de
Empresa) foram coligidos, direta
ou indiretamente, das fontes
jurídicas romanas.
O escudo da experiência US - Acervo - FD - Fac. de Direito
jurídica romana não se traduz,
como poderiam pensar alguns li
li llil Ilillllll
ll111111111111111
2972068-10
principiantes, em exame arqueoló- Curso elementar de direito romano

gico de curiosidades históricas ou 34(37) M297c 9.ed. 1.tir, e.1 BCI


1mtiq11it1tt
es iuris. O objeto da
disciplina é o direito privado
romano, construção lógica e siste-
m:irica do direito, uma ciência
prárica, enfim, que, por meio de
seus princípios gerais, classifica-
ções e categorias jurídicas, conri-

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CURSOELEMENTAR
DEDIREITO
ROMANO
_ 9ªedição .
revista
eatualizada
2019

9ª Edição: out/2019; 1ª tiragem - São Paulo - SP


3 L.(( 3 -:f-J
tJ\ 0-cr'+c
9 . Jl.,<:Jl A.~ ,
.JJ-. ~
Copyright© 20 19 YK Editora e,c.:r ISBN : 978-85-68215-51-7

D ireção de Arte e D iagramação: 111iagoMarchecci Holanda


Capa e Produção Gráfica: Joint Design e Tecnologia
Assistente de Produção: Fernando Gomez
Impressão e Acabamento: Expressão e Arte

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro. SP. Brasil)

Marky, Thomas .
Curso Elementar de Direito Romano / Marky, Thomas . 9ª ed. - São Paulo : YK
Editora, 2019.

1. Curso Elementar de Direito Romano. 2. Direito. I. Títu lo: Curso Elementar de


Direito Romano . II. Autor: Marky, 111omas.

CDU - 34(82)

Índice para catálogo sistemático:


1. Brasil : Direito. Jurisprudência 34(82)

Data de fechamento da edição: 02/10/2019

Nenhuma pane desta publicaçáo poderá ser repro-


duzida por gualquer meio ou forma sem a prévia
Av. Liberdade nº 21, 3° andar autorizaçáo da YK Editora. A violação dos direitos
Liberdade - Sáo Paulo - SP aurorais é crime estabelecido na Lei nº 9.6 10/98 e
(11) 3105-5895 punido pelo artigo 184 do Código Penal.

L
r

Duas Palavras 5

DUAS PALAVRAS

Distinto especialista em Direito Romano, tendo convivido na ltdlia com


sumidades como Riccobono, Arangi.o-Ruiz e De Francisci, para mencionarmos alguns
dentre os luminares que conheceu, vem o Professor 1homas Marky lecionando, com
invejdvel êxito, a tão drdua e proveitosa ciência de Papiniano, tanto na Faculdade
de Direito da PUC como em nossa Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.
Além do saber notório, possui o ProfessorMarky inegdveis qualidades diddticas,
tendo conseguidoformar um grupo de jovens discípulos voltados, como ele e graças ao
seu exemplo, para os estudos romanísticos em suas relaçõescom o direito atual
Oferece, agora, o eminente professor à juventude estudiosa brasileira o ftuto
de seu tirocínio, iniciando-a no "conhecimento do justo e do injusto" {igsti -ªrque
inigsti scirntia).
Trata-se de curso de instituições de Direito Romano, destinado aos
principiantes, sem dúvida, mas revelando em suas linhas sóbrias e claras os sinais
nítidos do trabalho orientado por inteligente intuito pedagógico.
Só um professor, com efeito, experiente e animado pelo vivo amor ao ensino,
ao cabo de vdrios anos de trabalho e de observaçãopaciente da psicologia estudantil
consegueelaborar manual digno do nome, servindo o objetivo de iniciar as inteligências
nos elementos de uma ciência, dando-Lhes o essencial e eliminando o supérfluo.
"Nada em excesso"jd diziam os Sete Sdbios. Como tudo, também a ciência se
adquire por graus. E saber proporcioná-la ao nível do discente é a marca distintiva
do verdadeiro professor.
Por essa razão, temos o prazer de recomendar o curso do Professor Marky à
"juventude desejosa <pelo estudo> das Leis" {cgpida kgum iuvfntus), certos, por
outro lado, de ver corroboradopelos doutos nossojulgamento a respeito de seus méritos
diddticos.

São Paulo, 15 de março de 1971.

Alexandre A. CoRRÊA
Professor catedrático da Faculdade
de Direito da Universidade de São Paulo
(1965-1996)
r

Prefácio à Primeira Edição 7

PREFÁCIOÀ PRIMEIRA EDIÇÃO

Aqui está o fruto de experiências de dois decênio s de magistério.


Ao entregá-lo aos acadêmicos de direito, não posso deixar de expressar
a minha profunda gratidão aos amigos Amonio Mercado Júnior e José Fraga
Teixeira de Carvalho, que, com tanta generosidade e compe tência, me ajudaram
a imprimir-lhe não só forma vernacular aceitável, como, também, a dar-lhe
conteúdo condizente com os propó sitos que nos guiaram.

São Paulo, nos idos de março de 1971.

1homasMARKY
Prefácio à Nona Edição 9

PREFÁCIOÀ NONA EDIÇÃO

É com satisfação redobrada que, no centenário de nascimento do saudoso


e inesquecível Prof. Thomas MArua (1919-2019), lança-se, agora sob os auspícios
da YKEditora, a 9.ª edição, revista e atualizada, do seu notório CursoElementar de
Direito Romano, o mais importante manua l da disciplina, no tocan t e à qualidade
didática, em língua portuguesa.
Além da especial, árdua e minuciosa revisão, atualização e complementação
da obra - limitada, nesta nova edição, à introdução, parte geral e direitos reais -
procedeu-se à tradução detalhada de todas as expressões latinas (com a inversão da
apresentação, optando-se, primeiro, pela palavra ou frase em português , seguidas,
entre parêntesis, pelo latim), incluindo a completa referência às respectivas fontes,
além da novidade constante da indicação, por meio de sinal gráfico sublinhado
no texto, da sílaba tônica de cada uma das palavras ou termos técnicos no idioma
latino, de modo a facilitar ao leitor a sua correta pronúncia .

Arcadas, 16 de outubro de 2019,


no centenário de nascimento do Professor Thomas
MARICY.

Eduardo C. SILVEIRAMARCHI
Professor Titular de Direito Romano da Faculdade
de Direito do Largo de São Francisco - Universidade
de São Paulo (USP), discípulo e "filho acadêmico" do
autor,

Dá rcio R. MARTINSRODRIGUES ,
HélcioM. FRANÇAMADEIRAe
Bernardo B. QUEIROZ DEMORAES,
Docentes de Direito Romano da mesma Instituição
e "netos acadêmicos" do autor.
fndice Sistemático 11

DUAS PALAVRAS...............................................................................................
.................
.........5
PREFÁCIOÀ PRIMEIRAEDIÇÃO...................................................................................
7
PREFÁCIOÀ NONA EDIÇÃO ...................................................................................
......9
UTILIDADE DO ESTUDODO DIREITOROMANO ....................................................
21
INTRODUÇÃOHISTÓRICA .........................................................................................
25

PARTE1:PARTEGERAL.......................................................... 33
CAPÍTULO1 - CONCEITODE DIREITO ......................................................................
35
DIREITOOBJETIVO: CONCEITO E CLASSIFICAÇÕES.....................
..............................................
35
DIREITOSUBJETIVO: CONCEITO E CLASSIFICAÇÕES........................
........................................38

CAPÍTULO2 - FONTESDO DIREITO.......................................


...................................
41
COSTUME...............................................................
..................................................................................41
OUTRASFONTESDO DIREITO .....................................................................................
.....................42
i) Leis e plebiscitos .......................................................................................................
...............42
ii) Senatusconsu/tos .................................................................................................................... 42
iii) Constituições imperiais ...................................
...............................................
.......................43
iv) Editos dos magistrados ......................................................................................................... 43
v) Jurisprudência (ciência do direito) ....................
..................................................................
44
EVOLUÇÃOHISTÓRICA DAS FONTESDO DIREITO .......................................................
.............45

CAPÍTULO3 - NORMA JURÍDICA...............................................................................


47
APLICAÇÃODA NORMAJURÍDICA ................................................
.............................
....................47
EFICÁCIADA NORMA JURÍDICA NO TEMPO E NO ESPAÇO....................................
................49

CAPÍTULO4- SUJEITOSDE DIREITO.........................................................................


51
PESSOAFÍSICA ..............................................
...................................................................................
......51
CAPACIDADEDE DIREITO.......................................
.....................
...............
..........................
...............52
i) Estado de liberdade (stQtus libertQtis) .........................................................................
......52
ii) Estado de cidadania (stQtus civitQtis) ......................................
......................................... 54
iii) Situação familiar (stQtus fami/iae) ............................ ................55
.........................................
MUDANÇA DA CAPACIDADE DE DIREITO (CflPIT/5DEMINJl.TIO)........................................... 56
OUTRASCAUSASRESTRIT
IVAS DA CAPACIDADE.........................................
.............................
57
CAPACIDADE DE AGIR .............
............................................................................................................
58
PESSOAJURÍDICA ...........
........................
.................................................................
............................. 60
12 Curso Elementar de Direito Romano

CAPÍTULO5 -OBJETOSDE DIREITO.........................................................................


63
CONCEITO.............
........................
..............
.................
.................................
.................................
.......... 63
COISASCORPÓREASE INCORPÓREAS....................
........................................
...............................
64
RESM~NC/PIE RESNECM~NC/PI......................................................................................................
64
COISASMÓVEISE IMÓVEIS ..............
..............................................................................
....................65
COISASFUNGÍVEISE INFUNGÍVEIS.................................................................................................
65
COISASCONSUMÍVEISE INCONSUMÍVEIS....................................................................................
66
COISASDIVISÍVEISE INDIVISÍVEIS.............
.......................................................................................
66
COISASSIMPLES,COMPOSTAS,COLETIVASOU UNIVERSAIS................................................
67
COISASACESSÓRIAS............................................................................................................................
67
FRUTOS....................................
...........................................................................................
...................... 68
BENFEITORIAS................................
...........................................
..............................
.....................
..........69

CAPÍTULO6- NEGÓCIOJURÍDICO............................................................................
71
CONCEITO................
..............................................................
..................................................
................
71
REPRESENTAÇÃO
..............
............................
............
..................
..................
....................
....................
. 73
CLASSIFICAÇÃODOS NEGÓCIOSJURÍDICOS.................................
.............................................
75
VÍCIOSDO NEGÓCIO JURÍDICO.................................................
.....................................
..................
76
i) Simulação e reserva mental .......................................................
.........................................
77
ii) Erro ................
.......................................
....................
.....................
...........................
..................
78
iii) Dolo ..................................................
.........................................................................................79
iv) Coação ................................................................ .... 80
..................................................................
ELEMENTOSDOS NEGÓCIOSJURÍDICOS ................
............................
...........
.................
...........
.. 80
i) Condição .......................................
...............................................
.............................................
82
ii) Termo ............................................
......................................
................................... 85
......................
iii) Modo .....................................................................................................
.....................................
86

PARTEli: DIREITOSREAIS..................................................... 89
CAPÍTULO7 - DIREITOSREAIS...................................................................................
91
CONCEITODE DIREITOSREAIS................
.....................................
.............................
....................... 91
ESPÉC
IESDE DIREITOSREAIS..........................................
.............................
........................
.............93

CAPÍTULO8 - PROPRIEDADE.....................................................................................
95
CONCEITO........................
...........................
.............................................................
........................
........ 95
LIMITAÇÕESLEGAISÀ PROPRIEDADE..................................
...........
....................
.................
..........96
COPROPRIEDADE............................
...........................
...................................
........................................
97

l
1 Índice Sistemático 13

HISTÓRIADA PROPRIEDADEROMANA ..............................................................


...........................98
i) Propriedade Quiritária ........................................................................................................... 99
ii) Propriedade Pretória .............................................................................................................. 99
.............7O7
iii) Propriedade de Terrenos Provinciais ...................................................................
iv) Propriedade de Peregrinos .................................................................................................. 7o7

CAPÍTULO9 - PROTEÇÃODA PROPRIEDADE.......................................................


103
AÇÃO REIVINDICATÓRIA (REIVINDIC/3.TIO
) ................................
................................................. 103
AÇÃO NEGATÓRIA(ACTIONEGATQRIA)....................
..............................
.....................................
105

CAPÍTULO1O - POSSE..............................................................................................
107
CONCEITO...........................................................................
......................
.........................................
....107
HISTÓRIA DA POSSE.................
..............................................................
............................................109
AQUISIÇÃO E PERDADA POSSE...................
.................................................................................. 11O

CAPÍTULO11 - PROTEÇÃODA POSSE..................................................................


111
INTERDITO"ASSIMCOMO VÓS POSSUÍS"(l.lTIPOSSIDfTIS)................................................
...112
INTERDITO "EM UM OU OUTRODOS DOIS LUGARES"(Jl.TRUBI)
.................................
......... 112
INTERDITO"DE ONDE <A COISAFOI ESBULHADA> COM VIOLÊNCIA" (Jj_NDE
VI). ........113
INTERDITO"ACERCADA VIOLÊNCIA À MÃO ARMADA" (DE VIARMt\TA)..........................
. 113
INTERDITO"ACERCA<DA POSSEA TÍTULO> PRECÁRIO"(DEPREC!lR
IO) ................... 113
INTERDITO"ACERCADA POSSECLANDESTINA"(DECLANDEST{NA
POSSESSIQNE)
...... 114

CAPÍTULO12 - AQUISIÇÃODA PROPRIEDADE...................................................115


CONCEITO................................................................................
.....................................
.......................
.. 115
MODOS ORIGINARIOSDE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE...................................................116
i) OCUPAÇÃO...............................
.......................
......................................................................116
ii) INVENÇÃODE TESOURO
...................................................
..................................
................ 116
iii) UNIÃO DE COISASOU ACESSÃO
............................................................
............................117
iv) ESPECIFICAÇÃO
.......................
.............................................................................................. 117
v} AQUISIÇÃODE FRUTOS.................
.............
...................
..................................
....................
118
MODOS DERIVADOS DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE ................
.........................
.............118
i) MANC/PAÇÃO(MANCIP!J.T/0)
........................
.....................................................................118
ii) "CESSÃO
EM JUÍZO <PORSIMULAÇÃO>" (IN 111.RE
CESS/0)..........................
..............119
iii) TRADIÇÃO(TRADLT/0
) ........................
..................................................................
...............119
USUCAPIÃO(USUC!lPIO) ............................
......................................
................................................120
"PRESCRIÇÃO
<AQUISITIVA> DE LONGO PRAZO"(PRAESCRlPTIO
LQNGITEMPORIS)
...122
"PRESCRIÇÃO
<AQUISITIVA> DE LONGUÍSSIMO PRAZO"(PRAESCRlPTIO
LONGLSSIMI
TEMPORIS
).............................
..........................................................
......................................
.................. 123
14 Curso Elementar de Direito Romano

REFORMADA USUCAPIÃOPORJUSTINIANO ...........................................................................123


PERDADA PROPR
IEDADE ............
...............
........................
.........................................
.................... 124
CAPÍTULO13 - DIREITOSREAISSOBRECOISAALHEIA .................................
.... 125
CONCEITO ..............................................
........................
...........................
..............
..........
...........
..........125
SERVIDÕES ............................................................................................
........................
........................126
SERVIDÕES
PREDIAIS...........
........................
.................
....................
..........................................
.......126
SERVIDÕES
PESSOAIS................
....................................
..........................
............
.....................
.........127
i) Usufruto .................................................. .......................728
.........................................................
ii) ..........................................729
Uso .................................................................................................
iii) Habitação e trabalho de escravos e de animais ........................................................... 730
CONSTITUIÇÃO,
EXTINÇÃOE PROTEÇÃODASSERVIDÕES........................
..........................130
SUPERF
ÍCIE E ENFITEUSE..............
..............................
...............
....................
....................................
13 l

CAPÍTULO14 - DIREITOSREAISDE GARANTIA................................................... 133


CONCEITO ...............
................
................
.......................
.......................
.............................
..................
.. 133
"FIDÚCIACOM RELAÇÃOAO CREDOR
" (FIDJJ_CIA
CUM CREDITQRE)
...................
...............133
PENHOR(PLGNUS)............................................
....................
.......................... .....................134
................
HIPOTECA(HYPOTHI_CA)..................................................................................................................
134
EFEITOSDOSDIREITOSREAIS DE GARANTIA.....................
.................................
......................135

PARTEIli: DIREITOSDAS OBRIGAÇÕES............................. 139


CAPÍTULO15 - OBRIGAÇÕES.................................................................................
141
CONCEITO ............................
............................................
....................
......................
.............
...............
141
PARTESNA OBRIGAÇÃO..............
.........................
.....................
.............................
..........................142
i) Obrigações parciais e solidárias ........................................................................................ 142
OBJETODASOBRIGAÇÕES.........................................
.............
.......................
................
.................143
Classificações das obrigações quanto ao objeto ..............................................................
........ 144
i) Obrigações de dar, de fazer e de prestar ......................................................................... 144
ii) Obrigaçõe s específicas e genéricas ..........................................................
........................144
iii) Obrigações alternativas e facultativas ...........................
.................................................144
iv) Obrigações divis íveis e indivisíveis .......................................................
............................. 145
EFEITOSJURÍDICOSDA OBRIGAÇÃOE RESPONSABILIDAD
E PELOINADIMPLEMENTO
.....145
MORA ......................
..............................................
.............................................................
..................... 148
i) Mora do devedor .................................................................................................................. 748
ií) Mora do credor ......................................................................................................................149
índi ce Sistemático 15

iii) Purgação da mora ...............................................................................................................150


OBRIGAÇÕESNATURAIS................
...................................................................................................
150

CAPÍTULO 16 - FONTESDAS OBRIGAÇÕES........................................................


. 153
CONCEITOE EVOLUÇÃOHISTÓRICA..............................................
...................
..................
.........153

CAPÍTULO17 - CONTRATOS.............................................................
...................... 155
CONCEITO............................................
......................
..........................................
.................................. 155
CONTRATOSFORMAIS.................................................
............................
..........................................155
CONTRATOSDO DIREITOCLÁSSICO...............................................................................
..............156
CONTRATOSREAIS ........................
...............
.................
......................................................................
157
i) Mútuo (Mfd.tuum)..................................................
....................................................
............157
ii) Depósito (DepQsitum) .........................................................
................................................
158
iii) Comodato (Commodªtum) .........................
..................................................................... 159
iv) Penhor (Contrºctus pignoraticius) ...............................
..................
................
.................. 160
CONTRATOSINOMINADOS ..............................................................................
....................
........... 160
CONTRATOSCONSENSUAIS....................................
.............................................
...........
................ 161
i) Compra e venda (f_mptio venditio) ...........................................
.......................................161
ii) Locação (LocQtio condfd.ctio) ........................
.....................................................................163
iii) Sociedade (Societas) ............................................
......................................................
......... 163
iv) Mandato (Mandºtum) ...................
.............................................................
........................
164
PACTOS(Pt\,CTA)......................... .....................................................................165
.....................................
DOAÇÃO ........................
....................................................
.....................................................................165

CAPÍTULO18 - QUASE-CONTRATOS......................................................
...............167
CONCEITO.................
.................
.............................................
................................................
...............167
i) Gestão de negócios (NegotiQrum ggstio) .........................
..............................................167
ii) Enriquecimento sem causa ...........................................................................
.....................168

CAPÍTULO19 - DELITOSE QUASE-DELITOS.........................................................


169
CONCEITOE EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DELITOS.........................
....................................... 169
i) Furto (Fy_rtum)....................................................................................................
................... 177
ii) Roubo (Rapina) .....................................
.....................................................
...........................171
iii) Dano (Dªmnum iniuria dºtum) ........................................................
....................
........... 172
iv) Injúria (lniuria) ..........................................
..................................................................
.......... 173
v) Dolo (DQlus mºlus) ....................................
.....................
..................................................... 173
vi) Coação (Mgtus) .......................................................................................................
.............. 173
Quase-Delitos .............................
...................
............
..........................................................................
..173
16 Curso Elementar de Direito Romano

CAPÍTULO20 - GARANTIADAS OBRIGAÇÕES.................................................... 175


CONCEITO.....................
.............................................................................................................
............175
Arras (!irrha) ........................
.......................................................................................................... 175
Multa contratual (Poena conventionQlis) ................................................
.............................. 176
OUTRASGARANTIAS.................................................
........................................................................176
Fiança ................................
......................................
..................
.................................................
............. 176

CAPÍTULO21 - TRANSMISSÃODAS OBRIGAÇÕES ..........................


................... 179
CONCEITO.....................................................
................................................
.........................................179
DELEGAÇÃO(DelegQtio) .................................................................................................................... 179
PROCURAÇÃOEM CAUSAPRÓPRIA(ProcurQtio in rem S!l.am) .......................
.....................180
SISTEMADAS"AÇÕES ÚTEIS"(ActiQnes !l.tiles) ..........................................
.................................181

CAPÍTULO 22 - EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES ..................................................... 183


CONCEITO.........................
........................
................................................
.............................................183
i) Pagamento ...........................................
................................................................................. 183
ii) Compensa ção ....................................................................................................................... 185
iii) Novação ................................................................................................................................. 185
iv) Extinção da obrigação por acordo das partes .............................................................. 186
v) Fatos extinti vos das obrigações , independent es da vontade das partes ...............186

PARTEIV: DIREITO DE FAMÍLIA .......................................... 189


CAPÍTULO 23 - FAMÍLIA .......................................................................................... 191
A FAMÍLIAROMANA:CONCEITO E HISTÓRICO....................................
...........................
.......... 191
PÁTRIOPODER......................................................
........................................
........................................ 193
Aquisição e perda do pátrio poder .....................................
...........................................................
195

CAPÍTULO 24 - CASAMENTO .................................................................................. 197


CONCEITO DO MATRIMÔNIO ROMANO ...................................................................................... 197
ESPONSAIS..................................................................................................................
.......................... 199
REQUISITOS E IMPEDIMENTOSPARACONTRAIRMATRIMÔNIO("justo matrimônio " -
i!l.stum matrimQnium ) ......................................................................................................................... 199
EFEITOSDO MATRIMÔNIO .............................
...................................................................................200
DISSOLUÇÃODO MATRIMÔNIO ............................................
........................................................202
DOTE ......................
......................
.............................................................
...................................
............ 20 2
i) Constituição do dote ...............................
............................................................................203
ii) Restituição do dote ...............................................................................................................203
fndice Sistemático 17

DOAÇÕESENTRECÔNJUGES............................
.................
.......................
..............................
........204

CAPÍTULO25 - TUTELAE CURATELA....................................................................


207
CONCEITOE HISTÓRICO..................................
...............................
..................................................
207
ESPÉCIES
DETUTELA.......................................................
....................................
...............................
207
PODERESE OBRIGAÇÕESDO TUTOR ........................
............................
............................
...........208
CURATELA ..............
.............................................
.......................................
.........................
...................209

PARTEV: DIREITO DAS SUCESSÕES................................... 211


CAPÍTULO26 - SUCESSÃOUNIVERSAL(SUCCfSS/0 IN UN/VfRSUMJUS) ..... 213
CONCEITOE BREVEHISTÓRICO.............................................
..........................
............
.............
......213
HERANÇA................
......................
...............
................
.............................
............
..................................215
ABERTURADA SUCESSÃO........................
......................................
.....................
.............................215
AQUISIÇÃODA HERANÇA........................
..............................
.........................................................
. 216
HERANÇAJACENTE....................
..............................
....................
........................................
..............218
HERANÇAE BONQRUMPOSSf_SS/0
...........
...................................... .....219
.........................................

CAPÍTULO27 - SUCESSÃOTESTAMENTARIA(SUCCfSSJOSEC!J..NDUM T!lBULAS )


......................................................................................................................................
221
TESTAMENTO...............
.........................
........................................................
.....................
...................221
CAPACIDADEDETESTAR(Testamg_nti fqctio activa) .................................................................221
CAPACIDADEDE HERDAR(Testamg_nti fqctio passiva) ............................................................222
FORMASDETESTAMENTO.............................................................
.................
............
..................
...222
CONTEÚDODO TESTAMENTO........................................................................
.......................
.........223
TESTAMENTOS
INVÁLIDOS ................................
.......................................................
.......................225

CAPÍTULO28 - SUCESSÃOLEGÍTIMA (SUCCfSS/0 AB INTESTfjTO)................. 227


CONCEITOE HISTÓRICO .....................
..................................................................
............................227
SUCESSÃOLEGÍTIMANO DIREITOQUIRITÁRIO..................
.............................
.........................227
SUCESSÃOLEGÍTIMANO DIREITOPRETÓRIO...........................
.........................................
.......229
SUCESSÃOLEGÍTIMANO DIREITOJUSTINIANEU....................................
.................................
230

CAPÍTULO29- SUCESSÃONECESSÁRIA(SUCCfSS/0 CONTRAT!lBULAS


) .... 231
SUCESSÃONECESSÁRIA
FORMALNO DIREITOQUIRITÁRIO ................................................231
SUCESSÃONECESSÁRIA
FORMALNO DIREITOPRETÓRIO................................
................
...232
SUCESSÃONECESSÁRIA
MATERIAL..............................
...........
......................................
...............232
REFORMASDEJUSTINIANONA SUCESSÃONECESSÁRIA.............................................
.......233

CAPÍTULO30 - COLAÇÃO(COLL!!TIO
) ..................................................................235
18 Curso Elementar de Direito Romano

CONCEITO E HISTÓRICO...........
........................................................
.......................
........................
. 235

CAPÍTULO31 - SUCESSÃOSINGULAR(SUCCfSS/OSINGUL/1RISMºRTIS CAUSA)


...................................................................................................................................... 237
CONCEITO ..............................................................................................................................................237
LEGADO (LegQtum) .............................................................................................................................237
FIDEICOMISSO(Fideicomm{ssum ) ................................................................................................. 238
r -

Utilidade do Estudo do Direito Romano 21

UTILIDADE DO ESTUDO DO DIREITO ROMANO

No mundo contemporâneo, são dois os maiores e mais importantes


sistemas jurídicos: o "Common Law", da Inglaterra e dos países de colonização
inglesa, como os Estados Unidos, ~ o Sistema Romano-Germânico, também
chamado " Civil Law ", do qual fazem parte os países da Europa continental, da
América Latina (quase todos, dentre os quais, o Brasil) e até mesmo da Ásia,
como o Japão e a Coréia do Sul.
O Sistema Romano-Germânico encontra seus fundamentos no direito
romano, com as acualizaçóes trazidas pela doutrina medieval, pelo chamado
direito comum e, principalmente, pelos pandectistas alemães do séc. XIX .
Mas qual foi o ramo do direito romano a servir de fundamento para o
"Civil Law"? Como essa própria denominação indica, não foi o direito público
ou constitucional romano, nem tampouco o direito penal romano.
Tratou -se do direito privado romano, ou seja, direito civil, o direito do
dia-a-dia dos cidadãos ("cives") ou particulares ("privi"). Dele fazem parte: direito
de família (filiação, matrimônio, adoção etc.); direito das sucessões (herança,
testamento, legado etc.); direito reais ou das coisas (posse, propriedade, usufruto
etc.), e, principalmente, direito das obrigações (compra e venda, locação,
indenizações por danos extracontratuais etc.).
A experiência jurídica dos romanos que serviu de base para o direito
moderno deu-se, fundamentalmente, nos campos do direito das coisas e (de
modo especial) no do direito das obrigações. Foram nessas duas áreas que
o gênio romano manifestou-se, com a criação de uma ciência do direito, por
obra de juristas e magistrados romanos: um fenômeno único dentre os povos
da antiguidade, a ponto de ser considerado, por alguns historiadores, a maior
herança cultural dos romanos para o mundo moderno.
Qual, então, ainda hoj e, seria a utilidade de estudar o direito privado
romano? Em outras palavras, teria tal estudo ainda relevância na formação dos
atuais operadores do direito (advogados, juízes, promotores etc.), vale dizer, do
jurista contemporâneo?
Sim, sem dúvida. Justi.fiquemo-nos.
A ciência do direito romano não é um estudo puramente histórico,
envolvendo questões e fenômenos que não mais se manifestam no mundo atual.
Não se trata de "archeolggia iH.ris",ou seja, de uma arqueologia do direito, voltada
para o exame de ruínas e restos de monumentos ou construções antigas não mais
22 Curso Elementar de Direito Romano

existentes. Nem tampouco de mera "perfumaria jurídicà', isto é, de um estudo


apenas "cosmético", dirigido a meras curiosidades históricas que não afetam a
substância do direito.
Ao contrário. A experiência jurídica romana serve, ainda hoje, para resolver
casos práticos de grande atualidade, os quais apresentam, com frequência, os
mesmos problemas enfrentados pelos romanos da Roma clássica. Consideremos
alguns exemplos:
i) Em certa ladeira , um veículo, por culpa do condutor, retrocede,
abalroando outro que vinha atrás. Esse último, conduzido também
culposamente pelo dono, atinge um terceiro, causando-lhe graves
danos: contra quem poderá esse terceiro pleiteai- a indenização?
ii) Um empresário, dono de uma fábrica de defumação de queijos,
importuna os vizinhos com a fumaça gerada por sua produção: terão
os vizinhos algum tipo de ação judicial para impedir a invasão da
fumaça?
iii) Um boxeador, ao desferir um golpe mais forte e certeiro conu-a seu
adversário, provoca a sua morte: caberá indenização aos familiares
da vítima?
iv) Esses casos, aparentemente tão corriqueiros, que até parecem saídos
de notícias de jornal, na verdade encontram-se nas fontes jurídicas
romanas e ocorreram mais de dois mil anos atrás 1•
Isso não deve surpreender os principiantes no estudo do direito romano:
praticamente 2/3 (dois terços) dos artigos do atual Código Civil brasileiro, como
já ocorria com o anterior e à semelhança também dos Códigos Civis alemão
(BGB), francês ( CodeNapoléon) e italiano ( CodiceCivile), foram coligidos, direta
ou indiretamente, das fontes jurídicas romanas .
O direito privado romano é uma construção lógica e sistemática do
fenômeno jurídico, constituindo uma ciência prática que , por meio de suas
regras, princípios gerais, classificações e categorias, continua, ainda hoje, viva e
atual. Muda o direito, entendido como norma positiva, mas o jurista moderno,
em última análise, continua raciocinando com base nos mesmos conceitos a
partir dos quais os jurisconsultos romanos desenvolviam sua lógica jurídica. De
fato, muitos hoje em dia são romanistas e não o sabem .
Nesses termos, a experiência jurídica dos antigos romanos revela-se, ainda
em nossos dias, de incontestável utilidade na formação do jurista moderno, já

1 Cf., respeccivameme, O. 9, 2, 52, 3 (Alfeno), D. 8, 5, 8, 5 (Paulo, Arisráo e Alfeno) e D. 9, 2,

7, 4 (Ulpiano).
Util idade do Estudo do Direit o Romano 23

que fornece a técnica do raciocínio e da mentalidade jurídica, permitindo -lhe


enfrentar os desafios do dia-a-dia, notadamente de direito civil ou privado. O
direito mm.ano continua oferecendo boas e velhas soluções para problemas novos.
Ensinado no início dos cursos jurídicos, o direito romano apresenta, assim,
uma função propedêutica, introduzindo os novos estudantes na ciência do direito
e preparando-os para enfrentar, de modo especial , a fundamental disciplina do
direito civil moderno, alicerce de qualquer formação jurídico-acadêmica .
Náo se cuida, por fim, como querem alguns, de ape nas enaltecer o direito
romano, evocando -o sempre no exame de qualquer questáo de direito privado,
por mera reverência histórica. Importa, isso sim, recon hec ê-lo como um dos mais
notáveis instrumentos da dogmática jurídica moderna . Ou seja: o direito romano
é um excelente modelo de comparação, por conta de sua perfeição técnico-
jurídica , não um mero argumento de autoridade para a interpretação de nossos
textos legais.
Do quanto exposto, não é de se espan tar que o direito romano tenha
assumido um outro papel: modelo de construção para um direito comum
(mundia l ou regiona l) bastante útil nas tarefas de unificação legislativa (a
exemplo da União Europeia). Assim, o direito romano contribui tanto para o
aperfeiçoamento do direito vigente, quanto para a formação do direito do porvir.
Introdução Histórica 25

INTRODUÇÃO HISTÓRICA

O direito romano é o complexo de normas vigentes em Roma, desde


a sua fundação (lendária, no século VIII a.C.) até a compilação de Justiniano
(século VI d.C.). A evolução posterior não será objeto de nossos estudos, porque
a compilação justinianeia foi conclusiva: foram recolhidos os resultados das
experiências anteriores e considerada a obra como definitiva e imutável.
Realmente, a evolução posterior dos direitos europeus e latino-americanos
- e até mesmo de alguns países asiáticos, como Japão, Coreia do Sul e China -
baseou-se nessa obra. Tanto assim que os códigos modernos, quase todos, trazem
a marca de Justiniano.
Nos mais de treze séculos da história romana (de 754 a.C. a 565 d.C.),
assistimos, naturalmente , a uma mudança contínua no caráter do direito, de
acordo com a evolução da civilização romana, com as alterações políticas,
econômicas e sociais que a caracterizavam.
Para melhor compreender essa evolução, costuma-se fazer uma divisão
em períodos.
Tal divisão pode basear-se nas mudanças da organização política do
Estado Romano, distinguindo-se , então , a Monarquia (da fundação de Roma,
em 754 a.C. , até a expulsão dos reis, em 510 a.C.), a República (até 27 a.C.), o
Principado (de Augusto até Diocleciano, que iniciou seu governo em 284 d .C.)
e o Dominara (iniciada por esse último imperador, perdurando até o fim do
período por nós estudado, ou seja, até Justiniano, falecido em 565 d.C.).
Outra divisão, talvez preferível didaticamente, distingue as várias fases do
direito romano de acordo com sua evolução interna: o período pré -clássico (da
fundação de Roma no século VIII a.C. até o século II a.C.), o período clássico
(até o século III d.C.) e o período pós-clássico (até o século VI d.C.).
O direito do período pré-clássico caracterizava-se pela sua primitividade,
religiosidade, ritualismo , rigidez e formalismo. Assim, por exemplo, o jurista
Gaio (Gai. 4, 30) relata o antigo caso de um agricultor que, tendo algumas
videiras indevidamente cortadas por um vizinho, perdeu a ação indenizatória
por não pronunciar as palavras solenes prescritas em lei ("árvores cortadas") e sim
outras ("videiras cortadas").
O Estado tinha funções limitadas a questões essenciais para sua
sobrevivência: guerra, punição dos delitos mais graves e, naturalmente, a
observância das regras religiosas. Os cidadãos romanos eram considerados mais
26 Curso Elementar de Direito Romano

como membros de uma comunidade familiar do que como indivíduos. A defesa


privada tinha larga utilização: a segurança dos cidadãos depend ia mais do grupo
a que pertenciam do que do Estado.
A evoluçáo posterior caracterizou-se por acentuar e desenvolver o poder
central do Estado e, consequentemente, pela progressiva criação de regras jurídicas
que visavam a reforçar sempre mais a autonomia do cidadão como indivíduo.
O marco mais importante e característico desse período é a codificação
do direito vigente na Lei das XII Tábuas, realizada em 451 e 450 a.C. por um
decenvirat o especialmen te nomeado para esse fim.
A Lei das XII Tábuas, chamada pelo hi stor iador romano Tito Lívio (Ab
UrbecQndita3, 34, 6), que viveu na época do primeiro imperador, Augusto (de 27
a.C. a 14 d. C.), de "fonte de todo o direito público e privado" (fg,nsQmnispy,_blici
privati.que íy,_ris),nada mais foi do que uma codificação de regras costumeiras,
primitiva s e, às vezes, até crué is. A tábua VIII, por exemp lo, previa a pena de
taliáo - "olho por olho, dente por dente" - para os casos de lesão corpor al grave.
Esse direito primitivo, intimamente ligado às regras religiosas, fixado e
promul gado pela Lei das XII Tábuas, já representava um avanço na sua época.
Com o passar do tempo, porém, e pela mudança de condições, tornou-se
antiquado, superado e impeditivo de ulterior progr esso.
Mesmo assim, o uadicionalismo dos romanos fez com que esse direito
arcaico nunca fosse considerado formalmente revogado: o próprio Justiniano,
dez séculos depois, fala dele com respeito.
O intenso desenvolvimento comercial decorrente da conquista de todo o
Mediterrâneo pelos romanos exigia uma evolução equivalente no campo do direito.
Foi emáo que o gênio romano atuou de maneira inovadora e surpreendente . Por
exemplo, introduzindo contratos que se celebravam por simples acordo (contratos
consensuais), tais como a compra e venda, sem necessidade de documento escrito
ou de ouu ·as formalidades. Um segundo exemplo, a possibilidade de transferência
de propriedade de quaisquer ben s pela simpl es entrega manual (tradj_tio),sem a
prática de atos solenes.
A partir do século II a.C. assistimos a uma evoluçáo e renovação constante
do direito romano, dmante todo o período clássico, que vai até o século III d.C.
Essa revolução se fez, porém, por meios indireto s, característicos dos romanos e
diferentes do s métodos modernamente usados .
A maior parte das inovações e aperfeiçoamentos do direito, no período
clássico, foi fruto da atividade dos jurisconsultos e magistrados que, em princípio,
não podiam modificar as regras antigas, mas qu e, de faro, introduziram as mais
revolucionári as modificações para atender às exigências práticas de seu tempo.
Introdução Histórica 27

Entre os magistrados republicanos, o pretor tinha por incumbência


funções relacionadas com a administração da Justiça. Nesse mister, cuidava da
primeira fase do processo entre particulares, verificando as alegações das partes
e fixando os limites da lide, para depois remeter o caso a um árbitro particular
escolhido de comum acordo pelas partes. Incumbia, então, a esse árbitro, verificar
a procedência das alegações diante das provas apresentadas e, com base nelas,
sentenciar dentro dos limites estabelecidos pelo magistrado . Havia um pretor
para os casos entre cidadãos romanos (pretor urbano) e também, a partir de 242
a.C., um para os casos em que figuravam estrangeiros (pretor peregrino).
O pretor, como magistrado, tinha amplo poder de mando, denominado
impt:.rium. Utilizou-se dele, especialmente, a partir da Lei Ebúcia (lex AebY.tia),
do século II a.C., que, modificando o processo, deu a ele ainda maiores poderes
discricionários. Por essas modificações processuais, o pretor, ao fixar os limites da
lide, podia dar instruções ao árbitro particular sobre como esse deveria apreciar
as questões de direito. Fazia isso por escrito, pela fe.rmula, instrumento processual
por meio do qual podia incluir novidades até então desconhecidas no direito
antigo.
Não só. Com esses poderes discricionários, podia deixar de admitir
ações propostas perante ele, embora contempladas no düeito arcaico - o que se
chamava de "denegação da ação" (deneg4tio actiQnis)- ou, ainda, admitir ações
não previstas no período pré-clássico . Nas palavras de Pompônio (D. 1, 1, 7, 1),
"o direito pretório é aquele que os pretores introduziram para auxiliar, suprir ou
corrigir o direito civil" (iY.spraetQrium est, quod praetQresintroduxt:_runtadiuv4ndi
vel supplfndi vel corrigfndi ÍY.ríscivi.lísgr4tia).
As diretrizes que o pretor iria observar eram publicadas no seu edito ao
entrar no exercício de suas funções. Como o cargo de pretor era anual, os editos
sucediam um ao outro, dando oportunidade a experiências valiosíssimas.
O resultado dessas experiências foi um corpo estratificado de regras, aceitas
e copiadas pelos pretores que se sucediam. Finalmente, por volta de 130 d.C.,
foram codificadas pelo jurista Sálvio Juliano, por ordem do imperador Adriano.
Note-se bem, entretanto, que esse direito pretório nunca foi equiparado
ao direito antigo (iJ!:.Scivi.le).A regra antiga, pela qual "o pretor náo pode criar
direito" (praetor ius fecere non pQtest), continuou em vigor . Assim, esse direito
pretório, constante do edito e chamado ius honor4rium, foi sempre considerado
diferente do direito antigo (iJ!:.scivi.le)mesmo quando, na prática, o substituiu.
A essa característica peculiar da evolução do direito romano , temos que
acrescentar uma outra, de igual relevância.
A interpretação das regras do direito antigo era tarefa importante dos
28 Curso Elementar de Direito Romano

juristas. Originariamente só os sacerdotes conheciam as normas jurídicas. A eles


incumbia, então, a tarefa de interpretá-las. Depois, a partir do fim do século IV
a.C., esse monopólio sacerdotal da interpretação cessou, passando ela a ser feita
também por juristas leigos. Nesse aspecto, saliente-se que a experiência jurídica
romana foi única na Antiguidade. De fato, a existência de uma classe de juristas
leigos é um fenômeno característico do sistema romano.
A atividade interpretativa dos juristas não consistia somente na adaptação
das regras jurídicas às novas exigências, mas importava também na criação de
novas normas. Isso contribuiu grandemente para o desenvolvimento do direito
romano, especialmente pela importância político-social que os juristas tinham
em Roma. Eles eram considerados pertencentes a uma elevada classe intelectual,
distinção essa devida aos seus dotes de inteligência e aos seus conhecimentos
técnicos.
Suas atividades consistiam em emitir pareceres jurídicos sobre questões
práticas a eles apresentadas (respondfre), instruir as partes sobre como agir em juízo
(11gere) e orientar os leigos na realização de negócios jurídicos (cavfre). Exerciam
essa atividade gratuitamente, pela fama e, evidentemente, para obter um destaque
social, que os ajudava a galgar os cargos públicos eletivos da República romana.
Foi Augusto que, procurando utilizar, na nova forma de governo por
ele instalada, os préstimos desses juristas, instituiu um privilégio consistente no
"direito de dar pareceres em nome do imperador " (íus respondfndí ex auctorítg,_te
princípis). Esse direito era concedido a certos juristas chamados jurisconsultos
(Inst. 1, 2, 8). Seus pareceres tinham força obrigatória em juízo. Havendo
pareceres contrastantes, o juiz estava livre para decidir.
O método dos jurisconsultos romanos era casuístico. Examinavam,
explicavam e solucionavam casos concretos. Nesse trabalho não procuravam
exposições sistemáticas: eram avessos às abstrações dogmáticas e às especulações
e exposições teóricas. Isso não impediu, entretanto, que o gênio criador dos
romanos construísse um sistema de princípios e conceitos por intermédio dessa
obra casuística dos jurisconsultos clássicos.
O último período, o pós-clássico, é a época da decadência em quase todos
os setores. Assim, também no campo do direito. Vivia-se do legado dos clássicos,
que, porém, teve de sofrer uma vulgarização para poder ser utilizado na nova
situação, caracterizada pelo rebaixamento de nível em todos os campos.
Nesse período, pela ausência do gênio criativo, sentiu-se a necessidade
da fixação definitiva das regras vigentes, por meio de uma codificação que os
romanos, em princípio, desprezavam. Não é por acaso que, excetuada aquela
codificação das XII Tábuas do século V a.C., nenhuma outra foi empreendida

l
Introdução Histórica 29

pelos romanos até o período decadente da era pós-clássica.


Após algumas codificações d e partes restritas do direito vigente ( CQdex
Gregori4nus,CQdexHermogenia.nus,CQdex Iheodosia.nus),foi Justiniano (527 a
565 d.C.) quem empreendeu uma grandiosa obra legislativa, mandando compilar
oficialmente as regras de direito em vigor na época. Encarregou uma comissão
de juristas de organizar uma coleção completa das constituições imperiais (leis
emanadas dos imperadores), que foi completada em 529 d .C. e publicada sob a
denominação de CQdex(de que não temos texto nenhwn).
No ano seguinte, em 530, determinou Justiniano que se fizesse a seleção
de trechos de obras dos jurisconsultos clássicos, encarregando dessa tarefa
Triboniano, que convocou uma comissão para proceder ao ingente trabalho. A
comissão conseguiu, no prazo surpreendente de três anos, confeccionar o Digesto
(ou Pandectas), composto de cinquenta livros, no qual foram reunidos trechos
escolhidos de dois mil livros de jurisconsultos clássicos, totalizando cerca de três
milhões de linhas.
Os compiladores tiveram autorização de alterar os textos escolhidos,
para harmonizá-los com os novos princípios vigentes . Essas alterações tiveram o
nome de "inserções de Triboniano" (emb/g_mataTriboni4ni) e hoje são chamadas
"interpolações". A descoberta de tais interpolações e a reconstituição dos textos
originais clássicos foi uma das preocupações da ciência romanística nos tempos
modernos, sobretudo durante a primeira metade do século XX.
Paralelamente à compilação do Digesto, Justiniano mandou preparar uma
nova edição do CQdex,isso por causa da vasta obra legislativa por ele empreendida
naqueles últ imos anos. Em 534 foi publicado, então, o Código revisado (CQdex
repetitaepraefectiQnis),cujo conteúdo foi harmonizado com as novas normas
expedidas no curso dos trabalhos. Somente temos o texto dessa segunda edição
do Código J usrinianeu.
Além dessas obras legislativas, Triboniano, Teófilo e Dororeu - esses
últimos professores das escolas de Constantinopla (atual Istambul) e de Berito
(atual Beirute) - , elaboraram, por ordem de Justiniano, um manual de direito
para estudantes, que foi modelado na obra clássica de Gaio, do século II a.C. Esse
manual foi intitulado Institutas (InstitutiQnes),como o de Gaio, e foi publicado
em 533.
Depois de terminada essa codificação, a qual, especialmente o CQdex,
cont inha a proibição de invocar qualquer regra que nela não estivesse prevista,
Justin iano reservou-se a faculdade de baixar novas leis. Nos anos subsequentes
a 535, até sua morte em 565 d.C., Justiniano, de fato, publicou um grande
número de novas leis, chamadas "novas constituições" (novdfae constitutiQnes) .
T

30 Curso Elementar de Direito Romano

A coleção dessas, intitulada "Novelas" (Novdlae), constitui o quarto volume da


codificação justinianeia.
O CQdex,o Digesto, as lnstitutas e as Novf_Í/a,e formam, então, o "Corpo
do Direito Civil" ( CQrpusÍ"H.ris
Civi_lis),título esse dado por Dionísio Godofredo,
no fim do século XVI d.C.
Foi mérito dessa codificação a preservação do direito romano para a
posteridade.
-::::-r

CURSO
ELEMENTAR
DE
DIREITO
ROMANO
-

l
PARTE
GERAL
Capít ulo 1 • Conceito De Direito 35

CAPÍTULO1
CONCEITO DE DIREITO

DIREITO OBJETIVO: CONCEITO E CLASSIFICAÇÕES


O termo "direito " tem, entre outros, dois sentidos técnicos. Significa,
primeiramente, a regra jurídica (nQrma agtndí, ou seja, literalmente, "norma de
agir") , vale dizer, lei em sentido amplo. Assim, dizemos "direito romano ", "direito
civil", como complexo de normas. Por exemplo, na seguinte frase: "testamento
feito de acordo com o direito". Em outra acepçáo, a palavra significa a faculdade
concedida a alguém, pelo direito objetivo, de exigir certa conduta alheia (facJd.ltas
agtndi, isto é, "faculdade de agir"). Assim a entendemos quando falamos do
"direito do locador de exigir o aluguel do inquilino ", "direito do proprietário de
exigir de todos que não interfiram no uso de seus bens", "direito do trabalhador
de exigir do empregador a justa remuneração de seu trabalho ".
No primeiro sentido trata-se do direito objetivo e, no segundo , do direito
subjetivo. Todo direito subjetivo pressupõe um direito objetivo, pois a faculdade
de agir é concedida pela norma jurídica. Contudo , nem todo direito objetivo
implica um direito subjetivo, como amiúde ocorre no direito penal, pois a
punição do infrator, em geral, não depende da vontade da vítima.
No momento interessa-nos apenas o direito no sentido objetivo, que é o
preceito hipotético e abstrato, cuja finalidade é regulamentar o comportamento
humano na sociedade e cuja característica essencial é a força coercitiva que
a própria sociedade lhe atribui. A famosa definição romana , pela qual os
mandamentos do direito são "viver honestamente, não lesar a ninguém e dar
a cada um o seu" (" honfste vivere, g/terum non laedere, SJd.Um cuíque trib11:.ere",
Ulpiano, D. 1, 1, 1O), não faz referência a essa importante característica. Nós,
entretanto, ao escudarmos o conceito, não podemos prescindir da análise dessa
sua característica e de sua explicação.
36 Curso Elementar de Direito Romano

A força coercitiva atribuída à norma jurídica significa que a organização


social, o Estado, interfere para que o preceito seja obedecido. Para esse fim, a
regra jurídica contém, normalmente, além do mandamento regulamentador
da conduta humana (nQrma agr:_ndi),outra disposição: a de estabelecer as
consequências para o caso de transgressão da norma. Essa outra disposição da
regra jurídica chama-se sanção (s4.nctio).
A sanção pode ser de dois tipos: de nulidade ou de penalidade.
Pela primeira, a inobservância do preceito legal gera, como consequência,
a invalidade do ato. Por exemplo, o impúbere não tem capacidade para vender,
sozinho, seus bens. Vendendo nessas condições sua casa, o negócio será nulo. Por
isso mesmo, tal sanção se denomina restitutiva, pois visa ao restabelecimento da
situação anterior à transgressão. O outro tipo de sanção é a punitiva, que prevê
uma pena para o transgressor.
Comumente, a norma jurídica estabelece a sanção de nulidade: a tal
espécie de norma as fontes romanas chamavam lei perfeita (!experficta). A Lei
Élia Sência (!ex Aeiia Sfntia), por exemplo, do ano IV d.C., declarava nulas as
manumissões feitas contrariamente às suas disposições (Gai. 1, 37 e 47).
A lei menos que perfeita (!ex mi.nus quam perficta) era, conforme as
mesmas fontes romanas, a regra cuja sanção não previa a anulação dos efeitos
do ato transgressor, mas cominava uma punição. Era o que se dava no caso
do casamento de viúva antes de decorridos dez meses da morte do marido; o
casamento seria válido, mas os cônjuges sofriam certas restrições no campo do
direito (Juliano, D. 3, 2, 1).
Por outro lado, a falta de sanção caracterizava a lei imperfeita (!ex
imperficta), que não cominava nem a nulidade do ato infringente, nem qualquer
penalidade. Por exemplo, a Lei Cíncia (!ex Ci_ncia),que, em 204 a.C. - a fim de,
dentre outras razões, evitar a fragmentação do património familiar - proibiu a
doação além de certo valor, sem estipular sanção alguma para os transgressores.
Logicamente, a regra de direito pode prever sanção de nulidade e, também,
ao mesmo tempo, de punição. À lei desse tipo dá-se hoje a denominação de lei
mais que perfeita. Outros, contudo, enquadram essa modalidade entre as leis
perfeitas. Assim eram as disposições da Lei Júlia acerca da violência privada (!ex
Jyjia de vi priv4.ta), de 17 a. C., que, proibindo o uso da força, mesmo no exercício
de um direito, declarava nulo o ato e, além disso, aplicava penalidade: um credor
que, fazendo justiça com as próprias mãos, tomasse pela força, em pagamento
de seu crédito, um objeto pertencente ao seu devedor, perdia o crédito e tinha
também que devolver o objeto.
O direito, no sentido objetivo, pode ser classificado do ponto de vista
Capítulo 1 • Conceito De Direito 37

histórico e sistemático.
Historicamente, temos que distinguir o direito civil (iJ:1;s
civile, literalmente,
"direito do cidadão [romano]") do direito das gentes (íHsgfntíum), isto é, direito
dos povos.
Na verdade, a distinção baseia-se na diversidade dos destinatários das
respectivas regras. O antigo ius civi/e, também denominado nas fontes como ÍJ±S
Quiritium, destinava-se, exclusivamente, aos cidadãos romanos (Quirites). Por
outro lado, as normas consuetudinárias romanas, consideradas como comuns a
todos os povos e por isso aplicáveis não só aos cidadãos romanos (Quirites), como
também aos estrangeiros em Roma, constituíam o ius gfntium.
Para os juristas romanos da época clássica, o ius gfntium era um direito
universal, baseado na razão natural (natur4lis rr:1.tio). Por outro lado , encontramos
na codificação justinianéia outra distinção que contrapóe o ius gfntium ao ius
natur4le (Inst . 1, 2, 2) . Esse seria constituído de regras da natureza, comuns a
todos os seres vivos, como as relativas ao matrimônio, procriação e educação dos
filhos.
Também havia distinção entre i11:.s civile, de um lado, e iJ:1;s
honorr:1.rium, de
outro. A distinção baseava-se na diversidade de origem das respectivas regras. O
iY:.
s honor4rium era o direito elabor ado e introduzido pelo pretor que, com base
no seu impfrium (poder de mando) , introduzia novidades, criava novas regras
e modificava substancialmente as antigas do ius civile. Essas regras, contidas no
edito, eram as do ÍY:.S honorg_rium,do direito pretório.
Em contraposição, as regras do iy_scivile provinham do costume, das
leis, dos plebiscitos e, mais tarde, também dos senatusconsultos e constituições
imperiais.
Assim, nesse contexto, o termo iy_scivile abrangia não só o amigo direito
quiritário, como , também , o mais novo i11:.s gfntium .
Ainda a respeito da divisão de regras, quanto à sua origem, pode-se falar
de i1:1sextraording_rium,que era o direito elaborado na época imperial, mediante
a atividade jurisdicional (quase legiferante) do imperador e de seus funcionários,
que então tinham substituído o pretor nesse mister.
Por outro lado, examinando as classificações dogmáticas, encontramo s a
distinção entre direito público e direito privado. O primeiro regula a atividade
do Estado e suas relações com particulares e outros Estados . O direito privado,
por sua vez, trata das relações entre particulares (Inst. 1, 1, 4 e Pompônio, D. 1,
1, 1, 2).
Relacionada ainda com essa distinção é aquela de direito cogente (i1:1s
cggens)e de direito dispositivo (iH.sdispositivum). Cogente é a regra absoluta, de
38 Curso Elementar de Direito Romano

grande interesse público e social, cuja aplicação não pode depender da vontade
das partes interessadas. Tem que ser obedecida fielmente; as partes não podem
excluí-la , nem modificá-la . Nesse sentido os romanos diziam: "o direito público
não pode ser mudado pelo acordo entre particulares" (" il!.SpY.blicumprivatQrum
p4ctis mut4ri non pQtesi' - Papiniano D. 2 , 14, 38). Assim, por exemplo, a
responsabilidade por dolo ou má-fé não pode ser afastada pelas partes em um
contrato; qualquer cláusula nesse sentido será nu la.
O direito dispositivo, por sua vez, admitia uma autonomia de vontade dos
particulares: suas regras podiam ser postas de lado ou modificadas pela vontade das
partes, em razão de terem menor relevância social, interessando essencialmen te
às partes. Assim, na compra e venda, o vendedor respondia pelos defeitos da
coisa vendida. Essa era uma regra dispositiva, pois, por acordo expresso, as partes
podiam excluir essa responsab ilidade do vendedor.
Havia, ainda, a distinção entre direito comum (igs commgne) e direito
singular (igs singul4re). O direito comum referia-se às regras que estavam em
conformidade com os princípios gerais do direito, e, portanto, destinadas a
valer universalmente, para todas as pessoas. Por outro lado, o direito singular
era aquele que se desviava de tais princípios, isto é, era contra a lógica jurídica
(cQntraratiQnemigris), destinado a valer somente para determinada categoria de
pessoas ou siruaçóes. Esse último comportava, portanto, exceções às regras gerais
e comuns. Por exemplo, a regra "ninguém pode alegar a ignorância da lei" é regra
de direito comum; em contrapartida, era norma de direito singular conceder -se
exceção às categorias dos camponeses, menores de vinte e cinco anos, mulheres e
soldados em campanha.
Outra classificação do direito objetivo baseava-se em sua forma de criação.
É aquela feita de acordo com as fontes do direito, de que trataremos no próximo
capítulo.

DIREITO SUBJETIVO: CONCEITO E CLASSIFICAÇÕES


Direito, no sentido subjetivo, como dito acima, significa a faculdade
de agir (faCJJ:.ltas
agfndi), em outras palavras, o poder de exigir determinado
comportamento de outrem, poder esse conferido pelo direito objetivo (nQrma
agfndi). Assim, o dire ito subjetivo é o lado ativo de uma relação jurídica,
cujo lado passivo é o dever jurídico. Por exemplo, a regra que responsabiliza
o vendedor pelos vícios ocultos da coisa vendida constitui direito em sentido
objetivo. Já a faculdade, concedida por essa regra, de pedir rescisão da venda pelo
vício descoberto na coisa recém-comprada é um direito subjetivo do comprador .
Capítulo 1 • Conceito De Direito 39

Os direitos subjetivos, por sua vez, não têm todos as mesmas características.
Podem ser classificados conforme o tipo do poder que representam e, por
outro lado, de acordo com o dever jurídico que geram. Com essa classificação,
na realidade, fazemos a divisão da matéria do direito privado romano em
conformidade com os conceitos da dogmática moderna, e traçamos os planos de
nosso estudo.
Em grandes linhas, os direitos subjetivos (e os deveres jurídicos) são de
dois tipos, decorrentes de relações familiares ou patrimoniais. Os primeiros
incluem os relativos ao casamento, ao poder familiar e à tutela e curatela .
Os direitos subjetivos (e os deveres jurídicos) patrimoniais dividem-se em
dois grupos: os direitos reais e as obrigações.
Os direitos reais são direitos que conferem um poder amplo,
potencialmente absoluto, sobre coisas. Sua característica essencial é valerem
"contra todos" (frga Qmnes). O comportamento alheio que o titular do direito
subjetivo pode exigir é o de todos, que são obrigados a respeitar o exercício de
seu direito (poder) absoluto sobre a coisa .
Os direitos obrigacionais, por sua vez, existem tão somente entre pessoas
determinadas e vinculam uma (o devedor) à outra (o credor).
Por exemplo, o proprietário tem um direito real sobre o imóvel em que
mora. Todos devem respeitá-lo. Por outro lado, o locatário de um imóvel só tem
direito obrigacional contra a pessoa que o alugou a ele. Pode exigir dessa pessoa
que o deixe morar no imóvel, mas não tem direito nenhum contra outros, entre
os quais pode estar o verdadeiro proprietário também.
Naturalmente, também há direitos patrimoniais relacionados com as
relações jurídicas familiares ou delas decorrentes.
fu relações e modificações patrimoniais decorrentes do falecimento de
uma pessoa, intimamente ligadas também ao direito de família, são tratadas pelo
direito das sucessões.
Nosso plano é, por razões didáticas, começar pelo estudo dos direitos
patrimoniais e continuar com os de família e das sucessões.
Antes de examiná-los, porém, é necessário explicar os conceitos e
princípios gerais de nossa ciência, cujo conhecimento é pressuposto necessário
para o bom entendimento da matéria. Assim, estudaremos, como parte geral
introdutória, o sujeito de direito, depois os objetos de relações jurídicas e, por
fim, os fatos jurídicos, que criam, modificam ou extinguem direitos subjetivos.
A defesa dos direitos subjetivos, que é feita por via de processo judicial,
não será tratada especificamente, mas seus princípios gerais serão mencionados
sempre que necessários ou úteis para a melhor compreensão do assunto.
Capítulo 2 • Fontes Do Direito 41

CAPÍTULO2
FONTES DO DIREITO

A produção das regras jurídicas faz-se pelas fontes do direito. A expressão


"fontes do direito" admite ao menos dois significados. Pode ser entendida, em
primeiro lugar, como os órgãos que têm a função ou poder de criar normas
jurídicas. Nesse sentido, são chamadas "fontes de produção". Exemplo: as
assembleias populares (comi.tia), que votavam as leis em Roma. Por outro lado,
pode também entender-se como o produto da atividade desses órgãos que têm
poder ou função de legislar. Nesse outro sentido, são denominadas "fontes de
revelação". Exemplo: a lei (!ex rog4ta) resultante de uma proposta feita pelos
magistrados e votada nas assembleias populares em Roma.

COSTUME
Entre as fontes do direito romano, no segundo sentido, está o costume
(direito não escrito), que, no período arcaico, foi quase exclusivamente a
sua única fonte. O costume (chamado em latim de consuetgdo, mos ou, mais
especificamente, mQres maiQrum - isto é, "costumes dos antepassados") é a
observância constante e espontânea de determinadas normas de comportamento
humano na sociedade. Cícero o definiu como regra de conduta aprovada, sem
lei, pelo decurso de longuíssimo tempo e pela vontade de todos: "aquilo que a
vetustez (ou longo espaço de tempo) aprovou, sem lei, pela vontade de todos"
(quod volunt4te Qmnium si_neÍfge vety_stascomprobgyit-De inv. 2, 22, 67). Juliano
o caracterizava como "uso arraigado" (invete1r1ta consuetgdo - D. 1, 3, 32, 1) e
Ulpiano como "uso diuturno" (diutgrna consuety_do- D. 1, 3, 3, 3). De qualquer
modo, a observância da regra consuetudinária deve ser constante e universal.
42 Curso Elementar de Direito Romano

OUTRAS FONTES DO DIREITO


Ao tratar das fonte s do direito na época clássica, Gaio, jurista do séc.
II d.C., em suas Institutas (Gai. 1, 2), menciona apenas as fontes do direito
escrito: a lei (!ex), os plebiscitos (plebiscita), os senatusconsultos (senatusconsyJta),
as constituições imperiais (constítutiQnes principum), os editos dos magistrados
(edicta magistr4tuum) e a jurisprudência (respQnsaprudfntíum).

i) Leise plebiscitos
As leis e plebiscitos eram manifestações coletivas do povo. As primeiras,
"leis propostas" (/t?gesrog4tae) por um magistrado, discutidas e aprovadas nas
assembleias populares (comitia) por ele convocadas, de que só participavam
cidadãos romanos (isto é, o povo romano - pQpulus Rom4 nus) . Os segundos,
plebi scitos (plebiscita), forma anômala de fonte de direito, eram decisões da
plebe, reunida sem os patrícios. Essas delibera ções passaram a ser obrigatórias
para a comunidade toda desde que a Lei Hortênsia (!ex Ho rtfnsia), de 286 a.C.,
assim determinou, equiparando-as, portanto , às leis.
Interessante observar que são pouquíssimas as leis romanas de grande
import ância para o direito privado: não mais de vinte e cinco. Conservou-se o
nome de aproximadamente oitocentas leis nos quinhentos anos em que tais fontes
produziram direito.

ii) Senatusconsultos
Os senatu scons ultos (senatusconsyJta) eram deliberações do Senado. Na
República, eram dirigidos mormente aos administradores públicos, dando-lhes
instruções sobre o exercício de suas funções. O Senado era, portanto, um órgão
consultivo da administração pública. No início do Principado (final do séc. I a.C.),
os senatusconsultos passaram. a ser propostos pelos imperadores para votação
e, a princípio, consistiam., também, em instruções aos administradores. Com o
passar do tempo, porém , foram absorvendo as funções das assembleias populares
e passaram a comer normas gerais, semelhantes às leis. A partir de então, foi
reconhecida sua função legiferame. Mai s tarde , a partir do imperador Adriano
(117 - 138 d.C.), passou-se a aprovar simplesmente, por aclamação , a proposta
do imperador (or4tío p rincipis), transformando-se, destarte , o senatusconsulto
em uma forma indireta de legislação imperial.

l
Capítulo 2 • Fontes Do Direito 43

iii) Constituições imperiais


O termo "constit uição", no contexto das fontes de direito rom ano, tem
um sentido completamente diferente daquele do direito moderno. Nesse último,
indica a lei fund ame ntal ou carta magna de um país. Já na linguagem jurídi ca
romana, as cons tituições im periais eram deliberações do imp erador qu e não só
in terpr etavam a lei, mas, também, a esten diam ou inovavam . As denominações
variavam, con forme o conteúdo ou natureza delas: editos (edi_cta),que eram
nor mas de carát er geral, semelhantes aos editos dos magistrados republicanos,
de que trataremos logo a seguir; decisões (decrfta) do imperador, proferida s
em um processo judicial; respostas escritas (rescripta) dadas pelo imp erador a
questões juríd icas a ele proposta s por particulare s em litígio ou por magistrados;
e ordens (mand4ta) dadas pelo im perador, na qualidade de chefe sup remo, aos
funcionários subalternos.

iv) Editos dos magistrados


Os editos dos magistrados são fom e de direi to importantís sima na
Repú blica (5 10 - 27 a.C.) e no início do Império. A criação de regras jurídicas
para as diversas ativ idades do cotidi ano cabia aos adminisuadores públicos
(genericame n te chamados, n a linguagem romana , de "magistrados"), cada um
em sua esfera de competência: por exemplo, a organiza ção dos merca dos e feiras
ficava a cargo do edil curul (aedi!is curyJis); o uso das ruas era regulado pelo
adm inistrad or das vias públicas (magi.stervi4rum); a auditoria da Fazenda Públi ca
competia ao questor (quaestor).
Dentre esses, o pretor (praetor) tinha a função específica de cuida r da
admin istração da justiça. Essa função chamava-se jmi sdição (iw di_cere- "dizer
o direito " no litígio proc essual) e, no desempenho dela , os pr etores tiveram
prerro gat ivas bastan te ampla s, baseadas no poder de mando , denominado
"im pério " (impfrium). Podiam eles, quando julg avam necessário ou oportuno,
denegar a tutela jurídi ca, mesmo contra as regras do direito quiritário; ou,
inversamente, conce der ações judicia is e outro s meios process uais a pretensõe s
que não tinham amparo legal no mesmo direito. Assim , dependia de seu pod er
discricioná rio a aplicação ou não daquelas regras do direito quirit ário. Tinham
eles outros meios processuais també m p ara introduzir inovações , a fim de ajudar ,
suprir e até corrigir as regras do direito quirirário.
Nesse mister, o pretor, tal qual os outros magistrados , promu lgava seu
programa ao assumir o cargo, revelando como pr etendia agir durante o ano de seu
exercício. Essa atividade normativa manifestav a-se através do "edito" (edi.ctum),
44 Curso Elementar de Direito Romano

como era chamado aquele programa. Com o edito, na realidade, o pretor criava
novas normas jurídicas, ao lado das do direito quiritário. Essas novas normas
pretórias não podiam derrogar o direito quiritário, mas existiam paralelamente
a ele.
Embora houvesse a mudança anual dos magistrados, o edito passava a
conter um texto estratificado, fruto da experiência acumulada dos antecessores,
formando o chamado "edito cranslatício" (edj_ctum translaticium). Inovações
também podiam ser introduzidas pelo novo pretor, medi ;rnte o edito chamado
"repentino" (repentinum), no curso do mandato (depois proibido para evitar
casuísmos, isto é, decisões diferentes para casos essencialmente idênticos).
A redação definitiva do edito do pretor foi obra do jurista Sálvio Juliano,
por ordem do Imperador Adriano, por volta do ano 130 d.C., conhecido como
"Edito Perpétuo de Sálvio Juliano" (Edictum Perpftuum S4.lvii juli4ni). Tal
compilação representou o fim da evolução dessa fonte de direito.

v)Jurisprudência (ciência do direito)


O termo "jurisprudêncià' tem dois sentidos técnicos: o mais comum,
na linguagem jurídica corrente, é o de conjunto uniforme de decisões reiteradas
de tribunais. Não é esse o sentido que aqui nos interessa. Já na terminologia
romana, em seu sentido original e etimológico, significava a "ciência do direito",
isto é, a atividade intelectual dos cultores do direito; esses juristas eram chamados
"jurisconsultos" (iurisconsyJti) ou "sábios do direito " (iurisprudfntes).
Os jurisconsultos recebiam esse nome porque eram consultados acerca de
questões controversas do direito, e emitiam pareceres (respQnsa). Tais pareceres
exerceram papel importante na evolução do direito romano desde os tempos
antigos. As regras consuetudinárias do direito primitivo, bem como as da Lei das
XII Tábuas e outras, todas bastante simples e rígidas, tinham de ser interpretadas
para que pudessem servir às exigências de uma vida social e econômica cada vez
mais evoluída.
Essa interpretação, nas origens remotas do direito romano, estava afeta aos
pontífices, que eram chefes religiosos. Mais tarde, porém, passou a ser obra de
juristas leigos. Eles inovavam, criavam novas normas, partindo das existentes: isso
por meio da interpretação extensiva destas. Por exemplo: a Lei das XII Tábuas,
ainda nos primórdios do direito romano, continha uma regra que punia, com
a perda do pátrio poder, o pai de família que vendesse três vezes o filho. Dessa
regra, a interpretação jurisprudencial criou o instituto da emancipação. Para isso,
o pai deveria vender, formal e ficticiamente, três vezes seu filho a um amigo de
Capítulo 2 • Fontes Do Direito 45

confiança. Esse o libertava imediatamente após cada venda, com o que o filho
voltava automaticamente para o poder do pai. Após a terceira venda, porém, o
filho libertado já não retornava à sujeição do pai, cujo poder sobre ele assim se
extinguia.
A "interpretação dos jurisconsultos " (interpret4tioprudfntium), entretanto,
não foi enquadrada entre as fontes do direito na época republicana, que somente
conheceu uma influência de fato dos juristas de renome.
O papel oficial dos jurisconsultos na atividade produtora de normas
jurídicas começou com o imperador Augusto (27 a.C. - 14 d.C.), que conferiu
aos mais conhecidos e apreciados o privilégio de darem pareceres sobre questões
de direito. Nesse mister, eles eram expressamente autorizados pelo imperador:
tinham o "direito de responder por autoridade do imperador" (iy,_srespondfndi
ex auctorit4te pri_ncipis).Por isso mesmo , esses pareceres vinculavam o juiz que
decidia a causa, a não ser que houvesse pareceres contraditórios de igual valor.
Posteriormente, os pareceres (respQnsa)dos jurisconsultos, versando sobre
a aplicação das regras jurídicas aos mais variados fatos da vida, concorreram
para a elaboração dos princípios fundamentais do direito e representaram, desse
modo, a manifestação mais original do gênio criador dos romanos nesse campo.
Durante o Principado, nos primeiros séculos de nossa era, uma plêiade de ilustres
jurisconsultos deu sua contribuição grandiosa à elaboração do direito de Roma.

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS FONTES DO DIREITO


Do ponto de vista histórico, o costume, as leis e os plebiscitos, com a
respectiva interpretação jurisprudencial, representaram as fontes do direito
quiritário (iy,_scivi_le)na República (510 a.C. - 27 a.C.) e o edito do pretor, a
fonte do direito pretório (iy,_shonor4rium) na mesma época.
Essas fontes continuaram formalmente no período do Principado (27
a.C. - 284 d.C.). Entretanto, decaindo a importância das assembleias populares
e estratificando-se o edito pretório com o Edito Perpétuo de Sálvio Juliano, a
atividade legislativa passou à alçada do imperador. Ele a exercia, primeiramente,
pelos senatusconsultos por ele propostos e simplesmente aclamados pelos
senadores . Depois, cada vez com menor disfarce, o imperador legislava por meio
das constituições imperiais, que eram as normas jurídicas por ele expedidas.
Na época pós-clássica, de organização política monárquica absoluta
(284 d.C. - 565 d .C.), a única fonte de direito era, praticamente, a vontade
do imperador, expressa em suas constituições. O conjunto de regras de direito
por ele editadas chamou-se lt:ges,em contraposição ao direito elaborado pelos
46 Curso Elementar de Direito Romano

pareceres dos jurisconsultos da época clássica, cuja importância jurídica e validade


os imperadores reconheceram e que se denominou ÍJj_ra.
As compilações pós-clássicas, culminando com a de Justiniano (527 d.C.
- 565 d.C.,), continham justamente /fges e ÍJ!:.ra.
O Código de Justiniano compõe-
se das constituições imperiais (/fges). O Digesto é uma coleção de fragmentos das
obras e pareceres dos jurisconsultos clássicos (iw-a).
Capítulo 3 • Norma Jurídica 47

CAPÍTULO3
NORMAJURÍDICA

APLICAÇÃODA NORMAJURÍDICA
A norma jurídica contém disposições abstratas a serem aplicadas aos casos
concretos que a vida apresenta. Por isso, sua aplicação pressupõe o conhecimento
perfeito, seguro e completo da norma jurídica abstrata e dos fatos concretos.
i) Norma jurídica abstrata
O aplicador do direito (advogado, juiz etc.), diante do fato concreto, deve,
em primeiro lugar, procurar identificar e conhecer a norma jurídica aplicável. No
caso do juiz, pressupóe-se que a saiba ("o tribunal conhece o direito" - igra nQvit
Para esse conhecimento da norma jurídica, o aplicador tem de proceder,
c!:!:_ria).
de início, a um trabalho de "crítica", para verificar se a norma é válida e se o texto
é autêntico.
"Conhecer as leis", dizia o jurista Celso (D. l, 3, 17), "náo significa saber
as suas palavras, mas compreender sua força e poder" (scire Lggesnon hoc est Vfrba
e{lrum tengre, sed vim ac potest{ltem) , vale dizer, procurar estabelecer o verdadeiro
sentido e alcance do seu texto.
Essa atividade chama-se interpretação da norma jurídica: é o procedimento
técnico pelo qual, partindo-se das palavras da lei, e levando-se em consideração
variados elementos (gramatica l, histórico, cultural, sociológico, lógico-
sistemárico), chega-se a colher o pleno e exato significado, ou seja, reconstrói -se
o pensamento ou vontade efetiva do legislador.
A interpretação pode ser autêntica ou doutrinal. A primeira é a que se faz
mediante uma nova norma jurídica expedida pelo órgão legiferante compete nte.
A segunda, por meio do trabalho dos cultores do direito . Quanto aos resultados
da interpretaçáo, pode ela simplesmente confirmar o sentido (interpret4tio
declarativa), estendê-lo (ínterpret4tio extensiva) ou restringi-lo (interpret4tío
48 Curso Elementar de Direito Romano

restrictiva).
Às vezes não bastam os métodos de cnuca e interpretação para o
conhecimento do direito aplicável, porque pode acontecer que não exista preceito
abstrato para um determinado caso concreto. Verificando-se tal hipótese, o
aplicador do direito tem que suprir a lacuna da norma jurídica. Essa atividade se
chama "analogià': por semelhança, presume-se a vontade do legislador.
Chama-se anal!2gi,a/r:gisquando se estende a aplicação de determinada
regra a fatos nela não previstos. Chama-se analggia Í!::!:,ris,
por sua vez, o processo
de se criar uma nova norma para ser aplicada a um caso concreto, com base nos
princípios gerais do sistema jurídico vigente.
ii) Fatos concretos
Voltando, agora, ao segundo aspecto da aplicação da norma jurídica,
pode-se dizer que ela pressupõe o conhecimento objetivo dos fatos em discussão
no caso concreto.
Isso se dá pela prova. Os fatos são comprovados por todos os meios de
prova em direito permitidos, especialmente por documentos, testemunhas,
depoimentos das partes, perícias etc .
Em um processo judicial, o chamado "ânus da prova", ou seja, o encargo
ou peso de se provar, cabe, como regra geral, ao autor da ação (que é quem
"acusa"), e não ao réu ("na dúvida, em favor do réu" - in d!::!:.bio
pro reo- brocardo
jurídico; cf. Gaio, D. 50, 17 , 125). Na prática, essa regra do ânus da prova pode,
muitas vezes, ser decisiva para o resultado de uma lide processual.
Ainda quanto à prova, o direito, às vezes, contenta-se com um
acontecimento provável, mas não provado e, até, com fatos inverídicos.
No primeiro caso, fala-se de presunção e no segundo, de ficção.
Presunção (praes!::!:,mptio)
é a aceitação, pelo direito, como verdadeiro
de um fato provável. Em outras palavras, é a admissão dos fatos alegados sem
necessidade de prova, por serem muito verossímeis. Por exemplo, presumem-se
legítimos os filhos nascidos desde 180 dias, contados do início da convivência
conjugal, até 300 dias subsequentes à sua dissolução.
Normalmente, a presunção não é absoluta; quer dizer, o contrário pode ser
provado. Em tal hipótese falamos da presunção simples ou relativa ("presunção
apenas de direito" - praes!::!:,mptio
i!::!:.rÍS
t4ntum), pois, no exemplo, pode o marido
apresentar contraprova.
Às vezes, porém, a contraprova não é permitida. É o caso da presunção de
direito ou absoluta ("presunção de direito e pelo direito" - praes!::!:,mptio
Í!::!:.ris
et de
Í!::!:,re)
. Por exemplo, a presunção de veracidade da coisa julgada e a de ilegitimidade
do filho nascido além de 300 dias após a dissolução da sociedade conjugal pela
Capítulo 3 • Norma Jurídica 49

morte do pai.
Note-se que, na realidade, a presunção simples (praesl:f:.mptio i!:f:.ris)
nada mais é que a inversão do ônus da prova: aceita-se uma situação provável
como verdadeira, dispensando-se a comprovação. Daí decorre que cabe à parte
interessada a produção de prova contrária para derrubar a presunção. Assim, em
um processo judicial, sendo o auto r da ação o beneficiado pela presunção, o ônus
da prova, como exceção àquela regra geral, caberá ao réu.
Dada a enorme relevância do ânus da prova e da sua inversáo, o legislador
moderno cosruma também recorrer à "velha e sempre nova" presunção simples
do direito romano para restabelecer o equilíbrio contratual em certas relações
jurídicas, protegendo a parte hipossuficiente , ou seja, a mais fraca. Por exemplo,
presumem-se verdadeiras as alegações do consumidor em face do fornecedor de
produtos ou serviços.
A ficção é diferente da presunção, pois nela o direito considera verdadeiro
um fato que já se sabe inverídico: fecha conscientemente os olhos diante da
realidade. Assim era, no direito romano, a ficção de considerar o nascituro como
já nascido, sempre que se tratava de seus interesses ("o nascituro é tido como
já nascido toda vez que se tratar de vantagens do próprio feto" - nascitl:f:.ruspro
ia.mn11.tohabftur, quQtiensde cQmmodisipsi.usp11.rtusag4.tur- brocardo jurídico,
cf Paulo, D. 1, 5, 7) ou a "ficção da Lei Cornélia" (fictio lggis Cornfliae), que
considerava o cidadão romano que caía prisioneiro do inimigo e em seu poder
falecia escravo, como se tivesse morrido antes de ser capturado, de modo a salvar-
se seu testamento.

EFICÁCIA DA NORMA JURÍDICA NO TEMPO E NO ESPAÇO


O direito romano destinava-se aos cidadãos romanos, pois ele se baseava
no princípio da personalidade, em contraposição ao da territorialidade, pelo
qual o direito se aplica a todos os que residem no respectivo território. Note -se,
entretanto, que os estrangeiros também podiam estar em relações jurídicas com
cidadãos romanos, ou entre si, no território romano, caso em que o direito a eles
gfntium.
aplicável seria o Í!:!:.S
A eficácia da regra jurídica inicia-se comumente com a promulgação, a
não ser que ela disponha de modo diverso a respeito da data em que deva entrar
em vigor.
A regra geral no direito romano era a da irretroatividade da norma
jurídica, que assim se aplicava apenas aos acontecimentos e fatos posteriores à
sua entrada em vigor (Teodósio e Valentiniano, C. l, 14, 7) .
50 Curso Elementar de Direito Romano

Esse princ1p10 náo era, contudo, absoluto. Admitia-se, também, a


possibilidade de ter a norma efeito retroativo, desde que o legislador assim o
determinasse. Entretanto, os casos já findos, com sentença ou por acordo entre
as partes, náo podiam estar sujeitos a normas retroativas, pois nessas hipóteses a
lei que retroagisse estaria ferindo direitos adquiridos (Justiniano, C. 1, 17, 2, 23).
A regra jurídica em vigor é aplicável a todos. A ignorância dela náo isenta
ninguém de suas sanções : "a regra é, de fato, que a ignorância do direito prejudica
a todos" (rfgula est iH.risqui_demignor4ntiam CH.iquenocfre - Paulo, D. 22, 6, 9
pr.). Não se aplicava, porém, essa norma rigorosa, no direito romano, aos menores
de 25 anos, às mulheres, aos soldados em campanha e aos camponeses (r11.stici).
A norma jurídica deixa de produzir seus efeitos quando termina sua
vigência, se o prazo estiver nela estipulado. Não havendo estipulação de prazo,
revoga-se a norma por uma que lhe seja contrária: "a lei posterior revoga a
anterior" (!ex postfrior der!lgatpriQri - brocardo jurídico). A revogação pode
dar-se também pelo costume: quer por regra contrária por ele introduzida, quer
pela simples inaplicação constante da norma ("desuso" - desuetli_do) . Essa última
forma foi a característica da evolução do direito em Roma. As regras antiquadas,
caindo em desuso, eram praticamente abolidas, ainda que não de modo expresso.
Capítulo 4, Sujeitos De Direito 51

CAPÍTULO4
SUJEITOS DE DIREITO

Sujeito s de direito são as pessoas que podem ser parte em relaçóes jurídicas,
tanto do lado ativo (correspondente ao poder de exigir certa conduta alheia),
como do lado pas sivo (correspondente ao dever jurídico de prestar tal conduta).
Pessoa física é a pessoa humana. O direito, contudo, reconhece também a
personalidade civil, isto é, a qualidade de sujeito de direito, a entidades artificiais,
que são chamadas pessoas jurídicas.

PESSOA FÍSICA
A pessoa física, também chamada pessoa natural, é o ser humano dotado
de persona lidade civil. Sua existência se inicia com o nascimento.
O nascituro não é ainda pessoa, mas é protegido desde a concepçáo e
durante toda a gestação, que o direito presume durar o prazo mínimo de 180
dias e o máximo de 300 dias (praesy_mptioiy_riset de iy_re,ou seja, uma presunção
absoluta) . Já o direito romano conheceu essa proteção: considerava o nascituro
como já nascido (ficção), para fins de reservar-lhe vantagens : "o nascituro é tido
por já nascido toda vez que se tratar de vantagens dele mesmo " (nascit!:f:.rus pro
ig_mnato habftur, quQtiensde cQmmodis ipsj_uspg_rtusag4tur - Gai. 1, 147 e Paulo,
D. 1, 5, 7).
O feto tem de nascer com vida e com forma humana. Não é pessoa
o natimorto . Por isso, havia discussóes entre os jurisconsultos romanos sobre
o que significava sinal de vida do parto: seria necessário o primeiro choro do
neonato (vagido) ou bastaria qualquer movimento do corpo? Considerava -se
que os recém -nascidos não tinham forma humana somente em casos acentuados
de teratogenia, isto é, de deformação física gravíssima. Esses eram chamados de

L
52 Curso Elementar de Direito Romano

"monstros" (mQnstra).O natimorto e o mQnstrum não eram considerados pessoas


para fins de direito.
Extingue-se a pessoa física com a morte do indivíduo. Sua verificação
não dependia de formalidades no direito romano, que não conhecia o registro
civil como nossa época . O direito romano desconhecia, também, a declaração e
a presunção de morte pelo desaparecimento durante longo tempo. Quem tivesse
interesse relacionado com o falecimento de alguma pessoa teria de produzir a
respectiva prova.
No direito justinianeu, estabeleceram-se regras para o caso de várias
pessoas, principalmente da mesma família, perecerem em um mesmo acidente
(comoriência). Presumia-se que o filho impúbere morrera antes do pai e o filho
púbere depois (Trifonino, D. 34, 5, 9 pr.-4 e Gaio, D. 34, 5, 23). Essa presunção
era simples (praesy_mptioi!::f:.ris
tg_ntum,ou seja, uma presunção relativa), admitindo
prova em contrário.

CAPACIDADE DE DIREITO
A capacidade de direito, também chamada capacidade jurídica de
gozo, significa a aptidão da pessoa para ser sujeito de direitos e obrigações.
Modernamente, todos têm capacidade de direito, desde o nascimento. Não era
assim no direito romano, pois nele se distinguiam diversas categorias de pessoas.
Para ter capacidade de direito plena, era necessário, no direito romano ,
que a pessoa fosse: (i) livre; (ii) cidadã romana; e (iii) independente do pátrio
poder (que se chamava syj i!::!:.ris).
Verifiquemos, pois, esses três requisitos, examinando o estado de liberdade
(stg_tuslibertg_tis),o de cidadania (stg_tuscivit4tis) e a situação familiar (st4tus
Ja.mi_liae),pressupostos da capacidade de direito em Roma.

i) Estado de liberdade (stºtus libertºtis)


As pessoas podiam ser livres ou escravos, conforme as regras do direito
romano.
Eram livres aqueles que não eram escravos. Esses últimos não podiam
ser sujeitos de direito; eram apenas objeto de relações jurídicas. Não podiam ter
direitos ou deveres, nem, tampouco, relações familiares no campo do direito.
A escravidão era um instituto reconhecido por todos os povos da
antiguidade. Sua origem vem da guerra: os inimigos capturados passavam
a ser escravos dos vencedores. Mas não só os prisioneiros de guerra. Todos os

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Capítulo 4 • Sujeitos De Direito 53

estrangeiros que pertencessem a um país que não fosse reconhecido por Roma,
ainda que não estivesse em estado de guerra, eram considerados escravos, se
caíssem no poder dos romanos. O mesmo se dava com o romano que caísse em
mãos do inimigo. Mas o cidadão romano que se tornava prisioneiro de guerra
do inimigo, ao voltar à pátria , recuperava automaticamente a liberdade e todos
os direitos que tinha antes de ser capturado (Pompônio, D. 49, 15, 5, 2 e Gaio,
D. 41, 1, 7 pr.). Isso se chamava "direito de poslimínio" (iy_spostlimi.nii), isto é,
o conjunto dos direitos decorrentes da volta à pátria.
Outra fonte da escravidão era o nascimento. Era escravo o filho de escrava,
independentemente do estado de liberdade do pai (livre ou escravo). Foi somente
o direito justinianeu que concedeu o favor da liberdade ao filho de escrava que
tivesse estado em liberdade em qualquer momento da gestação. Isso com base
na ficção estabelecida pela regra já mencionada, isto é, a de que o nascituro era
considerado como já nascido (Inst. 1, 4 pr. e Marciano, D. 1, 5, 5, 2).
Quanto ao conteúdo da escravidão, escravo não podia ser sujeito de
direitos, por lhe faltar a capacidade jurídica. Não podia ter direitos privados nem
públicos. Sua união conjugal, denominada "con cubérnio" (contubf.rnium) não
era casamento no sentido jurídico romano. Não havia, assim, entre ele, a mulher
e os filhos, relações jurídicas de parentesco, para fins de sucessão e outros. Não
tinha patrimônio e tudo que adquiria pertencia ao dono (Gai . 1, 52). Esse tinha
sobre ele poderes tão amplos como sobre as demais coisas de sua propriedade .
Podia aliená-lo; em princípio, até matá-lo. Entretanto, mesmo assim, a condição
humana do escravo o distinguia das outras coisas do patrimônio do dono.
O direito romano reconheceu sempre a personalidade humana do escravo,
que era chamado de "pessoa servil" (persQnaservi_lis).Ele também participava,
desde as origens, do culto religioso da família. Seu túmulo era lugar sagrado,
à semelhança daquele dos livres. Matar um escravo era crime, a que, já na
República, correspondia a pena pública do homicídio, pela "Lei Cornélia acerca
dos homicidas" (/ex Corndia de sicariis).
No período imperial, foi proibido ao dono torturar os escravos. Podiam
esses recorrer à proteção dos magistrados (Gai. 1, 53). Do ponto de vista
patrimonial, verificou-se, também, uma evolução favorável ao escravo. Já na
República , o escravo podia possuir um pequeno pecúlio, cedido pelo seu dono,
que ele geria livremente. Legalmente, o pecúlio continuava a pertencer ao dono,
mas na prática estava sendo administrado pelo escravo, como se fosse dele.
Além disso, o escravo podia ser incubido de gerir empreendimentos
comerciais de seu proprietário, sendo, por isso, chamado pela doutrina moderna
d e ((escravo manager)).
54 Curso Elementar de Direito Romano

A condição de escravo era permanente. O escravo que ficasse sem dono,


por qualquer razão que fosse (por exemp lo, por ter sido abandonado), não se
tornava livre. Continuava escravo, sendo considerado "coisa sem dono" (res
nullius).
A atribuição da liberdade ao escravo fazia-se, ordinariamente , por
meio de um ato voluntário do dono chamado manumissão. Havia, contudo, a
possibilidade de o escravo obter a liberdade por direta disposição de lei.
O direito quiritário (í11.scivile) conheceu três formas de manumissão ,
pelas quais o dono conferia a liberdade a seu escravo: a manumissio vindicta
(por meio de um processo judicial), a manumissio cg_nsu(pela sua inscrição no
recenseamento) e a manumissio testamt_nto(por meio de testamento).
O escravo libertado se chamava liberto (libertinus ou libt_rtus). Seus direitos
políticos eram limitados. No campo do direito privado, enconuava-se sob o
patronato do ex-dono. O patronato implicava uma relação de interdependência
entre o ex-dono, chamado patrono, e o escravo liberto , e até uma espécie de
sujeição desse àquele.
Ficavam livres por lei: a título de punição do dono , por força de um edito
do imperador Cláudio (Modestino, D. 40, 8, 2), os escravos velhos e doentes
por ele abandonados; a título de recompensa, o escravo que delatasse o assassino
de seu amo, por força do Senatusconsulto Silaniano (do ano 10 d.C.). Também
ficavam livres por lei os escravos que vivessem em liberdade por mais de vinte
anos.
Os nascidos livres e que nunca deixaram de sê-lo, desde o nascimento,
eram denominados "ingênuos". Não sofriam, destarte, nenhuma restrição
decorrente de seu estado de liberdade.

ii) Estadode cidadania (stºtus civitºtis)


Em princípio, o direito romano, tanto público como privado, valia só
para os cidadãos romanos (Quirites).
Os estrange iros (peregrini) não tinham a capacidade de direito no que
concerne aos direitos e obrigações do i11.s civi/e. Entretanto, a eles se aplicavam as
regras do i11.s
gg_ntium.
Entre os estrangeiros, os latinos tinham uma posição especial. Os latinos,
vizinhos de Roma (/atini prisci), tinham capacidade de direito semelhante à dos
cidadãos romanos.
A cidadania romana adquiria-se por nascimento de justas núpcias
ou mesmo fora delas, se a mãe fosse cidadã no momento do parto. Os filhos

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Capítulo 4 • Sujeitos De Direito 55

nascidos de matrimônio misto (isto é, em que um dos cônjuges fosse estrangeiro)


seguiam a condição de estrangeiro, de acordo com as disposições da Lei Minícia
(/ex Minicia), cf. Gai. 1, 78.
Adquiria-se a cidadania também pela manumissão quiritária, em qualquer
dos três modos já indicados acima. Além disso, a cidadania podia ser confer ida
pelas assembleias populares mediante proposta dos magistrados e, mais tarde, dos
imperadores. A concessão podia ser feita a estrangeiro, quer em caráter individual,
quer como medida de ordem geral. Por exemplo, a extensão da cidadania a toda
Itália, em 89 a.C., e a todos os habitantes livres do império, em 212 d.C., pelo
imperador Antonino Caracala, por meio da Constituição Imperial Antoniniana
(constity_tioAntoninig_na).
O cidadão romano, desde que preenchesse também o requisito da
independência do poder familiar, tinha plena capacidade de direito. Assim, ele
podia ter a totalidade dos direitos públicos e privados e os respectivos deveres.
Perdia-se a cidadania em caso de perda da liberdade. Podia-se, contudo,
perder a cidadania sem perder a liberdade, como no caso do exílio, da deportação
ou da renúncia.

iii) Situação familiar (status familiae)


Para ter a completa capacidade de direito, era preciso que o sujeito, além
de ser livre e cidadão romano, fosse também independente do pátrio poder.
A organização familiar romana distinguia entre pessoas syj i!f:.ris
(literalmente, "de direito seu"), isto é, independentes do pátrio poder, e pessoas
alir:_niÍ!f:.ris(literalmente, "de direito alheio"), sujeitas ao poder de um chefe de
família, o ascendente masculino mais velho, que recebia o nome de pg_terfamilias.
A independência do pátrio poder não tinha relação com a idade. Um recém-
nascido, não tendo ascendente masculino vivo, era independente do pátrio
poder, ao passo que um cidadão de setenta anos, com o pai ainda vivo, era alir:_ni
Í!f:.ris,
isto é, sujeito, na qualidade de filiusfami.lias, ao poder de seu pai.
Os alir:_nii!f:.risnão eram absolutamente incapazes. Tinham plena
capacidade no campo dos direitos públicos: podiam votar e ser votados para as
magistraturas e, também, servir nas legiões do exército romano.
No campo dos direitos privados, podiam casar-se, desde que obtivessem
o consentimento do seu pg_terfamilias,o qual, aliás, exercia o pátrio poder
também sobre os netos e demais descendentes. Nas relações patrimoniais, tudo
o que o alir:_niÍJ1:.ris adquirisse, tornava-se propriedade do pg_terfamilias;nas
obrigações assumidas pelos alit:_niÍ!f:.risa situação era diferente: o pg_terfamilias
56 Curso Elementar de Direito Romano

somente respondia excepcionalmente por elas. A evolução do direito romano


se caracterizou pela responsabilização sempre crescente do p4terfamilias no
respeitante às obrigações contraídas pelos seus familiares. Por outro lado, foi
conferida cada vez maior independência patrimonial aos alig_niÍ!::!:.rispor meio
do desenvolvimento do instituto do pecúlio (pec!::f:.lium).
Esse era uma parte do
patrimônio da família entregue à administração direta dos aligni Í!::!:.ris.

MUDANÇA DA CAPACIDADE DE DIREITO (CAP/TIS


DEMINUT/O)
A situação da pessoa, quanto à capacidade de direito, era determinada
pelos três estados: o de liberdade, o de cidadania e o de família. Mudando-se
qualquer um desses requisitos, alterava-se também a situação jurídica da pessoa,
alteração essa que se chamava cg,pitisdemin!::f:.tio(literalmente, "diminuição da
cabeça").
Embora representasse principalmente a perda de determinados direitos
(sendo equiparada à morte civil- Gai. 3, 153), a ideia básica da c4pitis demin!::!:.tio
não é essa, mas a de extinção da personalidade do ponto de vista jurídico, para
ser substituída por uma nova. Isso podia significar, também, uma mudança para
melhor, como a passagem da situação de alig_niÍ!::!:.ris
para S!::f:.Í
Í!::!:.ris.
Assim, podia-
se falar de c4pitis demin!::!:.tio
no caso da emancipação.
Tendo em vista os três estados (de liberdade, de cidadania e de família),
requisitos da capacidade de direito, três podiam ser as alterações sofridas por
(i) a perda da liberdade, que acarretava a cg,_pitis
c4pitis demin!::f:.tio: demin!::f:.tio
m4xima; (ii) a da cidadania, a c4pitis demin!::!:.tiomg_dia;e (iii) a mudança no
estado familiar, a c4pitis demin!::f:.tio
minima.
A perda da liberdade verificava-se quando o cidadão romano caía
prisioneiro e se tornava "escravo dos inimigos" (sgrvus hQstium - Gai . 1, 129).
Embora o prisioneiro tivesse perdido sua capacidade de ter direitos e deveres,
enquanto ele ficasse em poder do inimigo, sua situação era a de pendência, pois,
pelo já mencionado "direito de poslimínio" (i!::f:.s
postliminii), quando retornasse
à pátria, Roma, recuperaria todos os direitos que anteriormente tivesse, como se
nunca os houvesse perdido . Note-se, entretanto, que o Í!::!:.S
postliminii se aplicava
tão somente aos direitos e não às situações de fato. Essas últimas tinham de
ser restabelecidas. Essa distinção tinha aplicação, por exemplo, em relação ao
matrimônio e à posse, institutos que estudaremos mais adiante.
Por outro lado, se o prisioneiro morresse nas mãos do inimigo, pela
ficção introduzida pelà Lei Cornélia (fictio ltgis Corndiae), ele seria considerado
Capítulo 4 • Sujeitos De Direito 57

falecido antes de ter caído prisioneiro, isto é, como se houvesse falecido no estado
de livre. Isso para o efeito de abertura da sucessão por sua morte. É que não
se podia abrir sucessão de pessoa morta na condição de escravo, tornando-se
ineficaz o testamento eventualmente deixado por ela ("testamento feito nulo" -
testamfntum irri tum fg,_ctum).
Perdia-se, também, a liberdade a título de punição, como, por exemplo,
no caso do ladrão pego em flagrante (./iir manife.stus). No direito arcaico, o
devedor executado judicialmente, que não conseguisse pagar sua dívida, também
podia ser vendido como escravo, fora de Roma, ou seja, "além do Rio Tibre"
(tr4ns Tiberim), já em território estrangeiro (Etrúria).
A perda da liberdade acarretava a perda da cidadania e da situação na
família romana também, pois a liberdade era pressuposto da cidadania e do st4tus
familiae.
Na c4pitis deminyJio mfdia, o cidadão passava à condição de estrangeiro
pelo exílio voluntário ou imposto por punição . A pena de deportação foi
instituída por Tibério (14-37 d.C.). Podia alguém voluntariamente transferir-se
para uma colônia latina, o que implicava renúncia à cidadania romana e também
representava cgpitis deminy_tiomfdia (Gai . 1, 131).
A alteração no estado familiar constituía a c4pitis deminY:.tiominima.
Nesse caso, o c4pite deminl!:,tus(ou seja, aquele que sofreu a mudança) perde
todas as relações jurídicas (mas não as de consanguinidade) com a família
anterio1~ adquirindo novo estado familiar. Pode-se verificar pela passagem de
uma pessoa alit;,niiY:.ris
de sua família de origem para uma nova família (por meio
de adoção ou sujeição ao poder marital) ou para o estado de Slf:.i iuris (por meio de
emancipação) . Vice-versa, um Slf:.Í iY:.rispodia passar, na qualidade de alifni ÍY:.ris,
para a família do adotante (adrogr1.tor).

OUTRAS CAUSAS RESTRITIVAS DA CAPACIDADE


Havia outras circunstâncias que tinham influência na capacidade de
direito.
As mulheres não tinham capacidade para direitos públicos. Já no direito
privado, tinham capacidade ampla e quase igual à do homem, sofrendo poucas
restrições no âmbito do direito privado: não tinham direito ao pátrio poder, não
podiam ser tutoras, e não podiam participar dos atos solenes na qualidade de
testemunhas .
Restringiam a capacidade de direito a intestabilidade (intestabi_litas),a
infâmia (infg,_mia)e a torpeza (turpitY:.do),que eram penalidades impostas em
58 Curso Elementar de Direito Romano

consequência de atos ilícitos, as quais acarretavam a falta de honorabilidade.


A religião também concorria para certas restrições da capacidade de
direito, como os imped imentos matrimoniais , incapacidade de testar e de herdar.

CAPACIDADE DE AGIR
Pressuposto para que a manifestação da vontade fosse válida era a
capacidade de agir da pessoa que praticava o negócio jurídico . Essa capacidade
de agir tem também outras denominações: capacidade de fato, capacidade de
exercício ou capacidade de praticar negócios jurídicos.
Ela se distingue da outra capacidade acima estudada, isto é, da capacidade
de direito.
Nem toda e qualquer pessoa tinha capacidade de agir. Essa dependia
da idade, do sexo e de sanidade mental perfeita. Como regra geral, as pessoas
púberes, do sexo masculino e perfeitamente sãs tinham plena capacidade de agir.
Por outro lado, as limitações à capacidade de agir decorriam desses mesmos três
fatores.
Quanto à idade, a SJ::f:.mma divi.sioera a puberdade, que, segundo opinião
de jurisconsultos clássicos, acolhida por Justiniano, era adquirida aos quatorze
anos pelos homens e aos doze anos pelas mulheres. Os púberes, em princípio,
tinham plena capacidade de agir; os impúberes, não. Esses se dividiam em:
1) lnfg_ntes: "aqueles que não podem falar" (quifg_rinon pQssunt- Ulpiano,
D. 26, 7, 1, 2), isto é, menores de sete anos, os quais eram absolutamente
incapazes de agir. Em razão disso, eram os tutores que agiam por eles, praticando
os respectivos negócios jurídicos. Os negócios jurídicos eram praticados em
nome do próprio tutor, mas no interesse do i.nfans.No fim do exercício do cargo,
o tutor, naturalmente, tinha de prestar contas.
2) Infg_ntiamaiQres,ou seja, dos sete anos até a puberdade, que tinham
uma capacidade restrita de agir. Esses último s podiam praticar atos que os
favorecessem, mas não podiam obrigar-se sem a intervenção de um tutor, que
devia tomar parte no negócio jurídico, conferindo a sua autorização ("interposição
da sua autoridade" - auctoritfl_tisinterposi.tio).
Quanto aos púberes, como já foi dito, eram eles plenamente capazes de
agir, ao menos em princípio . Ressalte-se, todavia, que essa regra era originária
de tempos primitivos , em que a expectativa de vida era bastante baixa. Com a
evolução da sociedade romana, esse reduzido limite de idade tornou-se obsoleto.
Em razão disso, houve uma alteração, introduzida pela Lei Letória (/ex Laetoria)
do séc. II a.C. Essa lei conferiu ao menor de vinte e cinco anos uma ação contra
Capítulo 4 • Sujeitos De Direito 59

quem o tivesse enredado em um negócio a ele prejudicial. Tal ação tinha caráter
de uma ação popular (q_ctiopopulq_ris),pois poderia ser proposta por qualquer
pessoa que quisesse demandar por ele em juízo.
A razão dessa regra foi procurar proteger os ado lescentes púberes e já
capazes de agir, mas na realidade ainda inexperientes. Recorde-se que, no direito
moderno , ainda há poucas décadas, havia ordenamentos jurídicos em que a plena
capacidade de agir se adquiria aos vinte e três (Espanha e Holanda), vinte e
quatro (Áustria) ou mesmo vinte e cinco (Chile) anos de idade.
Posteriormente, o pretor estendeu essa proteção a todos os casos em que
um menor tivesse sido prejudicado. Para isso, concedeu meios processuais para
anulação dos negócios praticados pelo menor púbere, o qual , como já observamos,
era, em princípio, plenamente capaz de agir.
Esses meios não valiam, entretanto, quando o menor púbere tivesse agido
com a anuência de um curador (note-se bem: curador e náo tutor), especiaLnente
nomeado para assisti-lo na prática de negócios jurídicos. Assim, no caso de
menores de vinte e cinco anos, tornou-se costume pedir a um curador que os
assistisse no ato. Daí teve origem a regra, desenvolvida no direito pós-clássico ,
de que os menores de vinte e cinco anos, tendo um curador, tinham capacidade
restrita, semelhante à dos impúberes infentia maiQres- isto é, só podiam praticar
negócios jurídicos que os favorecessem, mas para obrigar-se precisavam sempre
da assistência do curador.
Dessa equiparação pós-clássica nasceu a necessidade de se oferecer a
menores de vinte e cinco anos a oportunidade de conseguirem, antes dessa idade,
a plena capacidade de agir. Por isso, os imperadores concediam, em casos especiais ,
um favor legal, chamado Vfnia aetq_tis,conferindo a pessoas individualmente
determinadas a capacidade de agir. Essa concessão só seria possível , no caso de
varão , se tivesse pelo menos 20 anos, e no caso de mulher, se tivesse pelo menos
18 anos .
E de se notar que as regras acima se referiam tanto aos SY:.iiY:.riscomo aos
alifni iY:.
ris. A única diferença é que os primeiros passariam a fazer aquisições
para si e os segundos adquiriam sempre para o pq_terfami/iasa quem estivessem
sujeitos. No que se refere às obrigações, os na condição de alimi i11risnão as
podiam assumir; nem por elas, em princípio, responderiam os respectivos pq_ter
Jamilias. Entretanto, o pretor introduziu meios visando a responsabilizar cada vez
mais o pq_terfamilias.Eram as chamadas actiQnesadiectitiae qua/itq_tis,que foram
admitidas pelo pretor contra o pq_terfamilias. Este responderia pelas obrigações
contraídas pelos alifni iY:.risna esfera da atividade econômica da família e na
medida do enriquecimento desta.

L
60 Curso Elementar de Direito Romano

O sexo era outro aspecto da limitação da capacidade de agir. As mulheres,


mesmo púberes, estavam sob tutela perpétua, necessitando sempre, sem limite
de idade, da assistência do tY:.tormulierum na prática de atos jurídicos que as
obrigassem. Assim, a situação delas era semelhante à dos impúberes infentia
maiQres.
Essa limitação foi decaindo com o passar dos tempos, desaparecendo
completamente no período pós-clássico. Já no direito justinianeu a mulher teria
plena capacidade de agir, quando sua idade o permitisse.
A insanidade mental tornava absolutamente incapazes os loucos de todo
gênero, que eram, então, representados por um curador . Os surdos-mudos
tinham capacidade limitada, já que não podiam praticar atos verbais, e os
pródigos sofriam restrições semelhantes às dos iu;ipúberes infentia maiQres. Esses
últimos também eram assistidos por um curador.

PESSOA JURÍDICA
Como já mencionamos, além da pessoa física, o direito reconhece
personalidade também às pessoas chamadas jurídicas, que são entidades artificiais.
Trata-se de organizações destinadas a uma finalidade duradoura, que são
consideradas sujeitos de direito, isto é, dotadas de capacidade para ter direitos e
deveres jurídicos.
Pela doutrina moderna, a pessoa jurídica pode ser de duas espec1es:
corporação, que é a associação de pessoas ("universalidade de pessoas" - univfrsitas
person(lrum), e fundação, que é um conjunto de bens ("universalidade de coisas"
- univfrsitas rfrum) destinados a uma determinada finalidade.
Parece que o direito romano clássico somente conheceu as corporações.
As origens das fundações, nós as encontramos somente no direito pós-clássico.
A característica essencial das pessoas jurídicas é terem elas personalidade
distinta da de seus componentes, bem como patrimônio e relações jurídicas
distintas das de seus membros: "se algo é devido à universalidade, não é devido
aos indivíduos, nem aquilo que a universalidade deve os indivíduos devem" (Si
quid universit(lti debftur, singulis non debftur: nec quod dfbet univfrsitas singuli
dfbent- Ulpiano, D. 3, 4, 7, 1).
No direito romano, as corporações incluíam o Estado romano (pQpulus
Rom(lnus) e seu erário, as organizações municipais e as colônias, todas essas
predominantemente de caráter público. Além delas, havia corporações de caráter
privado, chamadas agremiações (sodalit(ltes), associações (collfgia) ou sociedades
(societ(ltes), as quais tinham fins religiosos, como os colégios de sacerdotes da era
Capítulo 4 • Sujeitos De Dire ito 61

pagã, ou fins econômicos, como as corporações profissionais de artesãos e de


comércio, as sociedades dos coletores de impostos ("sociedade dos publicanos"
- societaspublicanQrum) e também as associações visando a garantir funerais
decentes a seus membros .
As fundações começaram a surgir somente na época cristã. Considerou-
se, então, sujeito de direito um determinado patrimônio, vinculado a certas
finalidades, especialmente para fins de beneficência ou fins religiosos ("causas
piedosas" - piae c4usae).O ato constitutivo, prevendo a finalidade e regulando a
sua organização interna, bastava para constituir a fundação .
Quanto às corporações privadas, exigia-se, para seu funcionamento,
autorização do Senado e, posteriormente, do imperador. Para sua constituição,
era necessário o mínimo de três membros: "três fazem uma associação" (" ... tres
fecere... collt:gium"- Marcelo, D. 50, 16, 85).
Tais corporações eram reguladas pelos seus estatutos (/ex collt:gii),que
tinham de determinar, além do fim social, também os órgãos representativos
("agentes" e "síndicos" - actQrese sindici) da pessoa jurídica.
Extinguia-se a pessoa jurídica quando sua finalidade era preenchida ou
quando o Senado, e mais tarde o imperador, revogava a respectiva autorização
para funcionar . Nas corporações privadas, o motivo de extinção era a morte de
todos os seus membros. A fundação extinguia-se pela perda da totalidade do
patrimônio.
Capítulo 5 • Objetos De Direito 63

CAPÍTULO5
OBJETOS DE DIREITO

CONCEITO
"Coisa" (res)é um termo de significado muito amplo. Usa-se para designar
todo e qualquer objeto do nosso pensamento . Isso significa que a noção vulgar
de coisa vale tanto para o que existe no mundo das ideias, como no da realidade
sensível.
Na linguagem jurídica, porém, coisa é o objeto de relações jurídicas que
tenha valor econômico . Não o é, portanto, aquilo que não possa ser objeto de
tais relações. Assim, não são res os corpos celestes. Podem sê-la, contudo, no
direito moderno, certas coisas incorpóreas que representem valor econômico :
invenções (protegidas por patentes), obras literárias e musicais (protegidas por
direitos autorais) etc.
Os romanos faziam distinção entre coisas em comércio (res in commfrcio)
e fora dele (res fxtra commfrcium). As primeiras eram aquelas que podiam ser
apropriadas por particulares. As segundas não podiam ser objeto de relações
jurídicas entre particulares, pela sua natureza física ou por sua destinação jurídica.
Assim, estavam excluídas do comércio as coisas dedicadas aos deuses
("coisas de direito divino fora do comércio" - resfxtra commfrcium divi_niiHris),
e outras por razões profanas ("coisas de direito humano fora do comércio" - res
fxtra commfrcium hum4ni iHris).
Na primeira categoria, encontramos as coisas sagradas (res s4.crae),
dedicadas diretamente ao culto religioso, como os templos, as coisas santas (res
s4.nctae),que eram as consideradas sob a proteção dos deuses, como as portas e os
muros da cidade, e as coisas religiosas (res religiQsae),que eram os túmulos.
64 Curso Elementar de Direito Romano

Por razões de ordem profana, eram consideradas fora do comerc10 as


coisas comuns de todos (res commJ1,nes omnium), isto é, as indispensáveis à vida
coletiva ou úteis a ela, como o ar, a água corrente, o mar e as praias. Além dessas,
eram consideradas fora do comércio as coisas públicas (respHblicae),pertencentes
ao Estado romano, como as estradas e as praças públicas.
Res in commfrcio podiam estar realmente no patrimônio de alguém, ou
encontrar-se fora de qualquer relação patrimonial . As expressões romanas res
in patrimQnio e res fxtra patrimQnium são usadas nas fontes em dois sentidos.
Às vezes, indicam a mesma distinção que já fizemos entre coisas in commfrcio,
suscetíveis de serem objeto de relações jurídicas, e coisas fxtra commfrcium. Outras
vezes, servem para distinguir aquelas que se situam efetivamente no patrimônio
de alguém das que não estão no patrimônio de ninguém. Por razões didáticas,
adotamos a segunda interpretação.
Portanto, as coisas fxtra patrimQnium eram as que, em dado momento,
não se encontravam no patrimônio de ninguém, mas que poderiam ser
apropriadas. Assim, as coisas sem dono ("coisas de ninguém" - res nullius) e os
bens pertencentes aos inimigos de Roma ("coisas dos inimigos" - reshQstium).
No que se refere às coisas in commfrcio e ao mesmo tempo in patrimQnio,
há várias outras classificações feitas pelos romanos que até hoje sobrevivem.

COISAS CORPÓREAS E INCORPÓREAS


Já Gaio (2, 12-14) distinguia entre coisas corpóreas e incorpóreas (res
corporgJeset incorporg_les). A diferença para ele reside na tangibilidade , sendo
corpóreas aquelas que podem ser tocadas e existem corporalmente. As outras,
isto é, as incorpóreas, somente existem intelectualmente . Na realidade , essa
classificação jurídica servia para distinguir entre coisas e direitos, pois as primeiras
são corpóreas e os segundos incorpóreas . Para os romanos, somente os direitos
eram coisas incorpóreas. A importância prática dessa classificação é a de que
existem cercos institutos jurídicos que só se aplicam às coisas corpóreas, como,
por exemplo, a posse e a transferência de propriedade pela mera entrega manual
(traditio).

RESMANCIPI E RESNEC MANCIPI


A distinção entre res mg_ncipie res nec mg_ncipitem bases históricas. As
primeiras, para se lhes transferir a respectiva propriedade, requeriam a prática das
formalidades da mancipg_tio,ato solene do direito arcaico. As segundas podiam
Capítulo 5 • Objetos De Direito 65

ser transferidas pela simples entrega ou tradição (tradi_tio),sem formalidades.


Faziam parte da categoria das res mªncipi os imóveis itálicos (não os
provinciais), os animais de tração e carga (como o cavalo, o boi e o burro), os
escravos e as quatro servidões prediais rústicas mais antigas, que eram a passagem
a pé (i.ter),passagem a pé e com animais (4.ctus),passagem a pé, com animais e
com veículos (vi.a) e aqueduto (aquaed11.ctus) . Todas as demais coisas eram nec
mªncipi.

COISAS MÓVEIS E IMÓVEIS


O solo e tudo o que se lhe incorporar em caráter permanente (por
exemplo, construções, plantações etc.) distinguiam-se das coisas transportáveis e
semoventes (escravos e animais). Já a Lei das XII Tábuas (450 a.C.) conheceu essa
distinção ao estabelecer prazo diferente para a usucapião delas. A terminologia
coisas imóveis e móveis (res immg_bileset res mg_biles)é mais recente. Ela data do
período pós-clássico, quando modos especiais de aquisição de propriedade foram
exigidos para as primeiras.

COISAS FUNGÍVEIS E INFUNGÍVEIS


O termo "fungível" não é romano. Foi criado no século XVI por Ulrich
Zasius, com base na definição romana de Paulo, que procurava precisar o
princípio da substituibilidade das coisas: "coisas cuja função consiste em serem
determinadas pelo seu gênero" (resquae in gfnere suofunctig_nemrecipiunt- Paulo,
D. 12, 1, 2, 1).
Fungíveis são as coisas substituíveis por outras do mesmo gênero, qualidade
e quantidade. Aparecem normalmente no comércio como "determinadas pelo
seu peso, quantidade e medida" (quae pg_nderen11.meromens11.ra cg_nstant- Gai. 2,
196). São elas caracterizadas por pertencerem a um gênero extenso, para o qual
a individualidade de cada unidade componente não tem relevância jurídica. Por
isso, são coisas facilmente substituíveis entre si. Assim, o dinheiro, o arroz, a
farinha etc.
Infungíveis são as coisas especificamente consideradas, cujas características
individuais impedem que sejam substituídas por outras do mesmo gênero. Assim
um quadro, um a estátua.
Essa distinção tem relevância para diversos efeitos práticos, sobretudo
no campo dos contratos. H á, de fato, contratos que só são aplicáveis a coisas
infungíveis (como o depósito regular); outros, como os contratos de empréstimo,
66 Curso Elementar de Direito Romano

assumem feições inteiramente diferentes conforme o seu objeto seja coisa fungível
(e, nesse caso, o contrato recebe o nome de mútuo) ou infungível (nesse caso, o
contrato é denominado comodato).

COISAS CONSUMÍVEIS E INCONSUMÍVEIS


Há coisas que podem ser usadas uma só vez e outras que permitem uso
repetido. As primeiras se exaurem com o seu uso normal e são chamadas coisas
consumíveis: "que são consumidas pelo uso" (quae H.SU consumli_ntur), porque
quem as usa fica privado de utilizá-las mais de uma vez. É o caso dos alimentos
e das bebidas, que desaparecem com o uso normal; do dinheiro, que se gasta;
da lenha ou do óleo de lamparina, que se queimam. Inconsumíveis sáo as coisas
suscetíveis de utilização constante, sem que sejam destruídas. Conservam, assim,
mesmo quando usadas, sua utilidade económico-social anterior. Exemplo: uma
casa, um carro, um vestido.
A importância prática dessa distinção é a de que alguns institutos só se
aplicam a coisas inconsumíveis, como, por exemplo, o usufruto.
Entre as coisas inconsumíveis, os romanos da época pós-clássica propuseram
uma subdassificação, distinguindo as coisas realmente inconsumíveis das que
perdem lentamente seu valor pelo uso repetido: "que se desgastam com o uso"
(quae J:!.SUmínu1::t:.ntur-D. 7, 5). Assim, um sapato, um carro, em contraposição a
um quadro, a uma estátua. Tratava-se, pois, de uma categoria intermediária entre
as coisas consumíveis e inconsumíveis.

COISAS DIVISÍVEIS E INDIVISÍVEIS


O conceito jurídico da divisibilidade está intimamente ligado ao do
valor económico-social das coisas. Fisicamente, toda e qualquer coisa pode ser
dividida. Juridicamente, porém, a divisibilidade depende da circunstância de a
coisa repartida conservar ou não o valor proporcional ao do todo.
Divisíveis são as coisas que podem ser repartidas sem perder esse valor
proporcional, como um imóvel, uma determinada quantidade de grãos de trigo.
Indivisíveis são aquelas cujo valor sócio-económico se reduz ou se perde com a
divisão. É o caso de uma estátua, de um carro.
A divisibilidade de um objeto torna-se importante nas várias situações em
que surge a necessidade prática de dividir bens entre duas ou mais pessoas, para
pôr fim à copropriedade. É o caso, por exemplo, dos sócios na extinção de uma
sociedade, ou dos coerdeiros em um processo de inventário e partilha de bens.
Capítulo 5 • Objetos De Direito 67

As coisas divisíveis podem ser facilmente repartidas entre eles; já no caso das
indivisíveis, só há duas soluções possíveis: ou uma só pessoa fica com a coisa toda
para si, compensando-se os demais com outros bens do mesmo valor, ou com
dinheiro, ou então a coisa é vendida, repartindo-se entre todos o preço obtido.

COISAS SIMPLES, COMPOSTAS, COLETIVAS OU


UNIVERSAIS
A distinção entre coisas simples, compostas e coletivas ou universais é
romana. Coisa simples é "a que consiste em wn todo único" (quQd continftur
spiritu - Pompônio, D. 41, 3, 30 pr. e, no mesmo sentido, Paulo, D. 6,
!:f:.nO
1, 23, 5) -, representando uma unidade orgânica, natural ou artificial. Coisa
composta é a formada da união artificial de várias coisas simples, representando
uma unidade mecânica; vale dizer, é aquela "que se compõe de coisas unidas, isto
é, de várias coisas ligadas entre si" (quQd ex contingfntibus, hoc est plY.ribus inter se
cohaerfntibus cQnstat- Pompônio, D. 41, 3, 30 pr.).
Assim, são simples um bloco ou uma estátua de mármore, um escravo, e
são compostas um edifício, um carro.
A terceira categoria, ou seja, a das coisas coletivas ou universais, abrange
um aglomerado de coisas simples ou compostas, que só juridicamente estão
ligadas entre si, representando uma unidade intelectual. Assim, um rebanho,
uma biblioteca, constituídos respectivamente de várias ovelhas ou de vários
livros, cujo único liame é a sua destinação jurídica comum.
A utilidade prática dessa última classificação é que as coisas coletivas ou
universais, embora formadas por várias partes ou unidades, podem ser tratadas
como uma só coisa para efeitos jurídicos. Por conseguinte, é possível negociar
todo um rebanho por meio de um único contrato de compra e venda, e todas as
reses que fizerem parte dele - mesmo que não tenham sido ainda individualmente
identificadas e contadas - estão automaticamente (ipso iwe - "pelo próprio
direito ") incluídas no negócio.

COISAS ACESSÓRIAS
Ligado ao conceito de coisa composta, temos de examinar o dos acessórios
e pertenças.
A reunião de várias coisas simples pode criar uma coisa comp letamente
nova, que absorva todos os seus componentes. Exemplo: um carro , que é composto
de centenas de elementos. Contudo, pode verificar-se uma união diferente, na
68 Curso Elementar de Direito Romano

qual uma coisa principal absorva uma outra coisa, considerada acessória. Por
exemplo: o solo é sempre principal e tudo o que a ele se incorpore é acessório.
Assim, as construções, as plantações nele feitas.
O acessório, em regra, segue a sorte da coisa principal: accfssio cfdit
principg_li (Ulpiano, D. 34, 2, 19, 13). Assim, por exemplo, quem adquire a
propriedade de uma coisa principal torna-se automaticamente proprietário
de todos os seus acessórios, mesmo que isso não tenha sido explicitamente
mencionado no negócio.
As pertenças (instrumfnta), por sua vez, constituem uma espécie de coisa
acessória que tem um liame menos íntimo com a coisa principal. Por esse motivo,
excepcionalmente, não acompanham a sorte da coisa principal. As pertenças
conservam certa autonomia, mas seu uso está ligado à coisa principal. Por exemplo,
os instrumentos de trabalho destinados ao cultivo da terra (instrumfnta filndi),
os quais estão ligados a ela, embora conservem certa independ ência. Do mesmo
modo, uma vassoura, um móvel, um quadro (ou outro objeto de decoração)
destinados ao uso ou aformoseamento de uma casa (instrumfnta dQmus).

FRUTOS
Frutos são coisas novas produzidas natural e periodicamente por outra
que, por isso mesmo, se chama coisa frugífera. Por exemplo: os frutos do solo,
da árvore, o leite, as ovelhas do rebanho (assim consideradas, no direito romano,
aquelas excedentes após a compensação das ovelhas mortas pelas novas). Todas
essas coisas são chamadas frutos naturais .
As rendas obtidas com a locação ou o arrendamento de coisas são também,
por extensão, consideradas frutos. Denominam -se frutos civis. Por razões
filosóficas, ou talvez econômicas, o filho de uma escrava, excepcionalmente, não
era considerado fruto pelos romanos. Ele passava a pertencer ao dono da escrava
mãe pelo nascimento.
Enquanto faz parte da coisa frugífera, o fruto, por isso chamado pendente,
não tem individualidade própria, seguindo, assim, a sorte da coisa principal.
Destacado o fruto da coisa frugífera (fruto separado), ele passa a ter individualidade
própria e pode, então, ser objeto de relações jurídicas separadamente da coisa
produtora.
Nesse último aspecto, do ponto de vista jurídico, os frutos separados
podem ser considerados como colhidos (percffti), a serem colhidos (percipifndi),
já consumidos (consumpti) e também extg_ntes,que são os colhidos e existentes no
patrimônio de alguém, aguardando o consumo oportuno e posterior.

l
Capítulo 5 • Objetos De Direito 69

BENFEITORIAS
Benfeitorias são os gastos ou despesas (imps:.nsae)com as coisas acessórias
ou pertenças acrescidas à coisa principal, para melhorar e aumentar a sua utilidade .
Podem ser elas n ecessárias, quando imprescindíveis para garantir a existência e
subsistência da coisa principal . Por exemplo, os gastos com um telhado novo.
São Úteis quando aumentam a ut ilidade da coisa principal, que, porém, pode
subsistir sem elas. Por exemp lo, as despesas com a construçáo de um côrnodo
novo em uma casa. Voluptuárias são as de mero luxo, como os custos de urna
piscina em uma residência.
Um exemplo da importância prática dessa classificação é o do possu idor
de boa-fé, que tem direito a reembolso pelas benfeitorias necessárias ou úteis
agregadas a coisa alheia, mas não pelas voluptuárias.
Capítulo 6 • Negócio Jurídico 71

1 1

CAPÍTULO6
NEGÓCIO JURÍDICO

CONCEITO
A doutrina do negócio jurídico é uma construção dogmática moderna,
desenvolvida, porém, sobre bases romanísticas . Expô-la-emos de forma
simplificada, a fim de servir como fundamento aos estudos posteriores.
Os eventos, acontecimentos de toda espécie, são chamados fatos. Entre
esses, há fatos que têm consequências jurídicas e há outros que não as têm. Por
consequências jurídicas entende-se a aquisição, modificação ou extinção de um
direito .
Chove, por exemplo. Normalmente não decorre nenhum efeito jurídico
de tal fenómeno natutal. Trata-se, nesse caso, de um fato simples. A chuva pode,
entretanto, estragar uma colheita, acabando com os frutos a serem colhidos
(percipífndi). Nessa hipótese, trata-se de um fato jurídico, isto é, de um evento
que tem consequências jurídicas.
Entre os fatos jurídicos distinguimos os fatos causados pela vontade de
alguém dos fatos que se verificam independentemente dessa vontade. Os primeiros
são os fatos jurídicos voluntários, os segundos os fatos jurídicos involuntários.
Interessam-nos, naturalmente, mais os primeiros do que os segundos.
Os fatos jurídicos voluntários, por sua vez, podem ser lícitos ou ilícitos,
dependendo da sua conformidade ou não à norma jurídica.
Os fatos jurídicos voluntários ilícitos são os delitos. Os fatos jurídicos
voluntários lícitos, por sua vez, são denominados atos jurídicos em sentido amplo
(/ato sfnsu). Entre esses se destacam os negócios jurídicos, que são manifestações
de vontade que visam à realização de determinadas consequências jurídicas. Por
exemplo, os contratos. Os demais, pouco numerosos, ou seja, atos que dependem
de ação humana, mas que não implicam expressa manifestação de vontade,
72 Curso Elementar de Direito Romano

denominam-se atos jurídicos simples ou em sentido estrito (stri.ctosfnsu). Por


exemplo, a apreensão física de coisa sem dono, que leva à aquisição do direito de
propriedade sobre ela; ou, ainda, a edificação em solo alheio, que gera a perda da
propriedade da construção para o dono do terreno.
Analisando, então, o negócio jurídico, verificamos que ele nada mais é
que uma declaração de vontade. Com referência a ela, logo se pergunta, qual
deve ser a sua forma?
O direito antigo era formalista, deu mais importância à forma do que
ao fundo. Por isso, os negócios jurídicos do direito quiritário (iY:.scivile) exigiam
formalidades complicadas, de cuja observância dependia a validade do negócio e
o seu consequente efeito jurídico.
Era o caso, por exemplo, dos negócios celebrados "por meio de <moeda
de> bronze e de balançà' (per aes et libram), isto é, negócios em que, na presença
de uma balança e seu portador, pronunciavam-se certas fórmulas verbais e
praticavam-se outros atos simbólicos. Eram eles a mancip4;tio (modo solene de
transferência de direitos) , o nf.)(ttm (espécie de empréstimo) e a soly_tioper aes et
libram (modo solene de quitação).
Esses negócios requeriam as formalidades de uma compra e venda real,
uma troca efetiva de mercadoria contra preço, o qual, nos tempos primitivos,
consistia em um pedaço de metal não cunhado e, por isso, tinha de ser pesado.
Daí a necessidade de um porta-balança e das formalidades extrínsecas de pesagem
(mesmo que simbólicas). Além disso, exigiam-se as formalidades da presença das
partes, do objeto, de cinco testemunhas idôneas e do pronunciamento de certas
fórmulas verbais, quase sacramenta is.
O direito quiritário também previa os negócios celebrados por meio de
"cessão em juízo <por simulação> "" (in iY:.re cfssio),ou de "promessa verbal solene"
(stipulg;tio)e semelhantes . Os negócios celebrados pela in iY:.recfssio consistiam
em um processo simulado, e os por stipul4tio requeriam uma fórmula verbal,
com pergunta e resposta, gerando efeitos jurídicos, desde que pronunciadas as
palavras sacramentais da maneira prescrita.
A evolução posterior acentuou cada vez mais o valor do elemento
intencional do ato jurídico, em detrimento do externo e formal. Marco, nesse
sentido, foi o famoso processo denominado C4usa Curi4na (93 a.C.), no qual
se decidiu que, na interpretação de um testamento, fosse dada mais atenção à
vontade do testador do que à literalidade das palavras. Isso não significa que
a vontade não devesse ser devidamente declarada, mas apenas que bastaria
manifestá-la de maneira clara, sem tanta prevalência das formas solenes.
Assim, no direito evoluído, o negócio jurídico nada mais era que uma
Capítulo 6 • Negócio Jurídico 73

inequívoca manifestação de vontade. Além dela, somente em casos espec1a.is


era exigido algum ato suplementar, como, por exemplo, a entrega da coisa na
"tradição" (traditio), que é um dos modos de transferência da propriedade.
A manifestação de vontade pode ser expressa, quando se empreguem os
meios usuais para declarar aquilo a que a vontade visa. Por exemplo, palavras,
gestos ou redaçáo e assinatura de documentos.
De outro lado, a manifestaçáo também pode ser tácita, mediante um
comportamento de significado ihequívoco, podendo-se deduzir dele a vontade,
tal como se fosse expressamente declarada. Assim, se um herdeiro toma conta
dos negócios deixados pelo falecido, conclui-se que aceitou a herança, sem
necessidade da declaraçáo expressa e formal de aceitá-la.
O silêncio náo é propriamente manifestaçáo de vontade, mas pode ser
considerado como tal: "quem cala, certamente não confessa: porém, é verdade
que náo nega" (qui tgcet, non Mtíquefatr_tur: sed tgmen vrrum est rum non negare
- Paulo, D. 50, 17, 142). No caso de o pai dar a filha em casamento, o silêncio
dela era cons iderado como consentimento: "aquela que não se opõe à vontade
do pai entende-se que consente" (quae p4tris volunt4ti non rep1!:gilat,consenti.re
intellfgitur- Ulpiano, O. 23, 1, 12 pr.).

REPRESENTAÇÃO
A manifestação da vontade em um negócio jurídico podia ser feita, já no
direito roma.i10, por intermédio de outra pessoa. Nesse caso, o intermediário,
chamado núncio (ny_ntius), apenas transmitia a vontade de outrem. Por isso, era
preciso que o manifestante tivesse capacidade de agir, enquanto o núncio podia
ser até uma pessoa incapaz, como uma criança. É que o núncio não ma.iufestava
vontade própria ; era apenas um mensageiro da vontade do ma.i1ifestante. É
natural que os efeitos do ato assim praticado recaíssem na esfera jmídica da
pessoa do manifes ta nte e não naquela do núncio. Não se tratava aqui, porém, de
representaçáo.
Naturalmente, sentiam os romano s a necessidade de ter um instituto que
possibilitasse a substituição de uma p essoa por outra na prática de atos jurídicos.
Nesse campo, porém, a própria organizaçáo familiar romana, na qual os filhos
e escravos adquiriam sempre para o p4ter}àmi.lias, já atendia praticamente a essa
finalidade. Não era isso propriamente representaçáo. A grande falha desse sistema
foi a de que as pessoa s sujeitas ao poder do paterfami.lias não podiam assumir
obrigações por ele.

l
74 Curso Elementar de Direito Romano

Tal situação foi remediada posteriormente. O pretor procurou


responsabilizar o p4terfamilias pelas obrigações contraídas, mediante ordem sua,
por seus escravos e alifni iY:.ris.Concedeu contra o p4terfamilias a assim chamada
"ação em razão de uma ordem" (4ctio quQd ÍY:.ssu).
Mais tarde, essa regra foi estendida a todos os negócios praticados por
escravo ou alifni iY:.risque atuasse na condição de seu preposto . Ressalte-se que,
nas grandes empresas romanas, os administradores, no mais das vezes, eram
escravos "managers" (os quais, apesar de não dotados de capacidade de direito,
tinham capacidade de fato).
Assim, o pretor concedeu ações para tornar o p4terfamilias responsável
por obrigações contraídas por escravo ou alifni iY:.risque exercesse, no seu
interesse e na condição de preposto, a gestão de comércio marítimo ("ação de
frete marítimo" - 4ctio exercitQria),ou de um empreendimento comercial ou
industrial ("ação de gerência comercial" - 4ctio institQria).
Essas ações - já mencionadas acima ao tratarmos da capacidade de agir
- faziam parte das chamadas "ações de caráter adicional " (actiQnesadiectitiae
qualit4tis), as quais receberam esse nome em razão da responsabilidade adicional
do pg,terfamilias, que se agregava à obrigação natural do escravo ou alifni iy_ris.
No período pós-clássico, essas regras foram estendidas aos prepostos
estranhos à família . Mesmo assim, a responsabilidade do representante e a do
representado coexistiam.
Diferente disso é a representação, na qual uma pessoa, o representante,
manifesta sua própria vontade com a finalidade de substituir outra , a do
representado, mas visando a que as consequências da sua manifestação recaiam
na esfera jurídica da pessoa representada e não na do representante.
O representante age, em tal caso, por conta e em nome de outrem. Esse
modo de representação, chamada representação direta ou perfeita, era estranho ao
direito romano: "por meio de pessoa estranha <àfamília> nada pode ser adquirido
para nós" (per extr4neampersQnamnQbisadquiri non pQtest- Gai. 2, 95).
Os romanos, para a prática dos atos jurídicos em geral, só conheciam
a representação indireta ou imperfeita, pela qual o representante agia em seu
próprio nome, mas no interesse do representado. Nesse caso, o ato produzia
efeitos para o representante, que, por sua vez, tinha a obrigação de transferi-los
ao representado, com base na relação jurídica entre eles existente.
O direito romano conhecia a representação direta unicamente no campo
da aquisição da posse : tanto o procurador - pessoa que cuidava de negócios
alheios, normalmente sem representação - como o tutor podiam adquirir a posse
e, consequentemente, a propriedade como representantes diretos. O princípio

l
L

Capítulo 6 • Negócio Jurídico 75

geral da representação direta foi elaborado somente no direito moderno, com


base nessa regra excepciona l romana.
A representação, em geral, seja direta, seja indireta, pode basear-se na
norma jurídica, na vontade das partes, ou então decorrer da vontade unilatera l
do representante.
Na primeira hipótese, a representação cabe, por lei, aos que têm a
incumbência de tratar dos interesses alheios, como o tutor, o curador, o gestor
(sy_ndicus)de uma pessoa jurídica.
Na segunda, a representação decorre de um acordo entre as partes. Daí
a figura do procurador, incumbido de tratar de interesses da outra parte. Figura
especial era a do chamado "procurador de todos os bens" (procumtor Qmnium
bonQrum - Ulpiano, D. 3, 3, 1, 1), encarregado de cuidar de todos os negócios
de alguém.
Por outro lado, alguém pode encarregar-se espontaneamente de tratar
de negócios alheios, o se chama gestão de negócios (negotiQrumgt:_stio) . Nessa
relação, o gestor representa a pessoa de cujos interesses ele, espontaneamente, se
prontificou a cuidar.

CLASSIFICAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS


Os negócios jurídicos costumam ser classificados de acordo com os
seguintes critérios:
i) Unilateraisou bilaterais.
Sendo os negócios jurídicos manifestações de vontade com o escopo de
produzir determinadas consequências jurídicas, a primeira classificação que se faz
é entre negócios unilaterais e bilaterais.
Examinando a declaração de vontade, verificamos que ela pode partir de
uma só pessoa ou depender de duas ou mais pessoas. No primeiro caso temos,
por exemplo, a manumissão do escravo, a nomeação do tutor, o testamento, a
aceitação ou renúncia da herança etc. Por outro lado, a maioria dos negócios
jurídicos exige declarações de vontade de duas partes, fundindo-se em um só
acordo. Tais negócios jurídicos bilaterais são também chamados contratos. Assim,
por exemplo, a compra e venda, a locação, e mesmo a doação, que requer, além
da declaração do doador, também a aceitação da doação pelo donatário .
ii) "Inter vi.vos"e "mQrtisc4usa'~
Os romanos já distinguiam os negócios jurídicos mQrtis c4usa ("por
causa da morte") dos demais, isto é, dos inter vi.vos("entre vivos"). Os primeiros
são os praticados para ter efeitos quando do falecimento de uma das partes. A
76 Curso Elementar de Direito Romano

eficácia dos segundos náo depende disso . Servem de exemplo, respectivamente, o


testamento e os contratos em geral.
iii) Onerosose gratuitos.
Costuma-se distinguir, também, entre negoc10s jurídicos onerosos e
gratuitos, conforme tenham, ou náo, como objeto, uma contraprestaçáo de valor
igual à prestação. Assim, era onerosa a compra e venda e gratuita a doaçáo.
iv) Causaise abstratos.
A distinção entre negócios causais e abstratos já é mais sutil. Os primeiros
são aqueles cuja causa ou finalidade prática pode ser facilmente identificada, por
estar intimamente ligada ao negócio, aparecendo claramente na própria essência
do negócio. Nos segundos, prevalece a forma externa do negócio, sendo irrelevante
a causa ou finalidade prática a que se destina. Desse modo, por exemplo, a compra
e venda é causal, pois é evidente e imediatamente reconhecível sua finalidade
prática (a troca de mercadoria por dinheiro). Já a mancip4tio, típico negócio
jurídico abstrato no direito romano, poderia ser utilizada para transferência de
propriedade com as mais variadas finalidades (compra e venda, permuta, doação,
remuneração por um serviço etc.).
v) Negóciosdo "iY:.s
civi./e"e do "iY:.s
honor4rium".
No direito romano, fazia-se distinçáo entre os negócios do iY:.scivile e os
do iY:.s
honor4rium, dependendo da origem dos institutos. Pertenciam ao primeiro
grupo a mancip4tio, a in iY:.recfssio (institutos típicos do direito quiritário), e ao
segundo os p4cta praetQria ("pactos pretórios", ou seja, acordos sancionados pelo
pretor).
vi) Negóciosdo "iY:.s
civile" e do "iY:.s
gfntium".
Semelhante classificação havia entre negócios do iY:.s
civile e do ÍY:.S
gfntium.
Entre esses últimos, podemos citar os contratos consensuais em geral, como a
compra e venda, praticável náo só pelos cidadãos romanos, como também por
estrangeiros em Roma. Por outro lado, a mancip4tio, com suas formalidades, era
negócio que só cidadáos romanos podiam praticar.

VÍCIOS DO NEGÓCIO JURÍDICO


Já foi explicado, reiteradamente, que o negócio jurídico é uma manifestação
de vontade, visando a determinadas consequências jurídicas. Pressupõem-se,
pois, a vontade interna e sua exteriorizaçáo clara e perfeita .
Pode, entretanto, acontecer que haja discrepância entre a vontade interna
e sua manifestação. Surge, então, o problema da validade ou invalidade do
negócio jurídico. Com relaçáo a esse problema, o direito civil contemporâneo

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Capítulo 6 • Negócio Jur ídico 77

entende que o negócio jurícüco, desde que existente, pode ser nulo (não tendo
efeito jurídico algum), ou anulável (o que significa que ele pode ser tornado sem
efeito, mas tem validade enquanto não for anulado judicialmente, a pedido do
interessado).
No direito romano, todavia, os negócios do ÍJd.Scivj_leeram ou válidos, ou
nulos. Foi o direito pretório que gradativamente introduziu, pelos seus meios
indiretos, a anulabilidade dos negócios jurídicos. Mais tarde, o direito justinianeu
alargou e generalizou esse último conceito.
Note-se que um negócio inicialmente inválido não se convalida com o
decurso do tempo: "aquilo que no início é vicioso não pode convalescer por
decurso de tempo" (quQd ini.tio vitiQsum est non pQtest tr4ctu tfmporis convaÍfscere
- Paulo, D. 50, 17, 29).

i) Simulação e reserva mental


A discrepância entre a vontade interna e a sua manifestação externa
pode ser deliberada, isto é, querida pelo agente. É o caso de alguém que finge
querer praticar uma compra e venda, quando, no Íntimo , não quer praticá-la, ou
pretende realizar outro negócio, como, por exemplo, uma doação.
Se as partes são concordes nesse fingimento, sendo então as declaraçóes
de vontade divergentes das vontades internas, chama-se a isso simulação. Essa
pode ser absoluta, quando as partes não querem negócio algum, mas declaram
externamente querê-lo. Chama-se relativa a simulação quando as partes concordes
praticam um determinado negócio, querendo realmente negócio cüverso do
praticado.
Como princípio geral, o negócio simulado, ou seja, o praticado e declarado ,
é válido frente a terceiros, mas entre as partes prevalecerá o ato dissimulado , isto
é, aquele que a vontade interna realmente tinha por objeto: "mais vale o que se
pratica do que aquilo que se concebe simuladamente" (plus valtre quQd agitut
quam quod simulg/e conci.pitur - C. 4, 22 rubr.). Só no caso de ser evidente a
simulação, como quando era praticada por atores no palco, ou como exemplo
em uma sala de aula , é que ela acarretava a nulidade do ato. Modernamente, a
simulação é motivo de nulidade.
A reserva mental ocorre, quando somente uma das partes faz declaração
divergente de sua vontade interna , sem a conivência da outra. Como essa
divergência não pode ser conhecida pelos outros, a restrição mental não influi na
eficácia do ato, que permanece válido (Celso , D. 2, 15, 12).
78 Curso Elementar de Direito Romano

ii) Erro
No negócio jurídico, como já dissemos, distinguem-se a vontade interna e
a sua manifestação externa. Além disso, tratando-se de negócio bilateral, que é um
acordo entre duas partes, exigindo duas manifestações de vontade congruentes ,
pressupõe a concordância de vontade de ambas.
Pode acontecer que haja divergência entre a vontade interna e a sua
manifestação externa, como pode haver, também, discrepância entre as
duas declarações de vontade em um negócio jurídico bilateral. Quando essas
divergências não são conhecidas das partes, trata-se do erro .
Em termos gerais, erro é o falso conhecimento de um fato. Por exemp lo,
compro um anel de cobre, pensando que se trata de anel de ouro.
É evidente, e os romanos pensavam assim também, que o erro impede a
validade do negócio. Mas nem sempre e, também, nem em todos os casos.
Para que o erro tenha o efeito de invalidar um negócio jurídico, é preciso
que se refira a um elemento essencial desse negócio, ou seja, que se trate de erro
essencial (frror essentig_lis).
Além disso , é necessário que o erro seja oriundo de uma
conduta escusável do agente (erro provável- g_rror probg_bilis);em outras palavras,
que se afigure perdoável ter o agente cometido aquele erro , considerando -se o
padrão de diligência normal de um cidadão comum na prática de seus negócios.
Os erros qu e acarretavam a nulidade do ato no dire ito romano eram:
i) O erro quanto ao negócio (g_r ror in negQtio),quando se referia à própria
essência do ato. Exemplo: alguém, pensando alugar a casa de sua propriedade, na
verdade a vende.
ii) O erro de pessoa (frror in persQna), quando se referia à identidade ou
qualidade essencial de uma pessoa, desde que isso fosse elemento essencial do ato.
Exemp lo: Fulano empresta dinheiro a Caio, sem lastro patrimonial, pensando
que ele fosse Tício, pessoa dotada de amplo patrimônio. Ressalte-se, entretanto,
que o frror in pe rsQna não in valid a o negócio quando a pessoa não é elemento
essencial do negócio . Exemplo: vender à vista a Caio, pensando que seja Tício,
uma mercadoria exposta na minha loja. Nesse caso, a pessoa do comprador
nenhuma relevância tem no negócio.
iii) O erro quanto ao objeto (frror in cQrpore), qu ando se referia à identidade
física do objeto do negócio. Exemplo: comprar o lote n. 0 12, pensando tratar -se
do lote vizinho, de n. 0 13.
iv) O erro referente à substância (qror in substa_ntia),quando se referia
às qualidades essenciais do objeto do negócio. Exemplo: comprar um cavalo
comum, pensando tratar-se de um cavalo de corrida.
Capítulo 6 • Negócio Jurídico 79

Ocorrendo qualquer desses erros, referentes a elementos essenciais do


negócio, esse era nulo.
O erro podia existir com relação a outros elementos do negócio, que os
romanos não consideravam essenciais. Em tais casos, o respectivo negócio era
considerado válido.
Assim, o erro quanto à qualidade (grrorin qualit!l:_te)
e à quantidade (grror
in quantit!l:_te)não invalidavam o negócio. Exemplo: comprar vinho inferior
pensando tratar-se de vinho fino, ou, querendo adquirir cem litros de vinho,
comprar mil (nesse último caso, o negócio é válido, mas reduzido à quantidade
menor).
O erro ainda pode consistir em uma ignorância da regra do direito (grror
i11.ris).Normalmente ninguém pode ignorar a lei: "a ignorância do direito não
excusa ninguém" (ignor4ntia i11.risngminem exc11.sat).As exceções do direito
romano nesse particular já foram mencionadas. As mulheres, os menores de vinte
e cinco a.nos, os soldados em campanha, os camponeses (rH.stici)podiam escusar-
se por ignorar a lei.

iii) Dolo
A divergência entre a vontade interna e a sua manifestação externa podia
ser provocada também por uma das partes do negócio jurídico, a fim de levar a
outra a incidir em erro.
O comportamento malicioso de alguém, com o fito de enganar a outra
parte, falsificando a verdade, para tirar disso vantagem própria, é o que o direito
romano chamou de dolo (pronuncia-se com o primeiro "o" aberto): "toda
malícia, falácia ou maquinação empregada para enganar, iludir, ou ludibriar o
outro" (Qmnis calli.ditas,faLL!l:_cia,machin4tio ad circumvenigndum, fallfndum,
decipigndum !1:_Lterum adhi.bita - Ulpiano, D. 4, 3, l, 2).
O pretor Aquílio Galo, em 68 a.C., introduziu uma ação penal - a 4ctio
de dQ!o-, pela qual quem agisse com dolo podia ser obrigado a pagar à vítima o
valor do prejuízo por ela sofrido em consequência do dolo. Além disso, o pretor
concedeu outros meios processuais, tais como a "exceção de dolo" (excfjJtiodQli)
e a "restituição integral por causa de dolo" (in i.ntegrum restitH.tioob dQ!um), para
a reparação de injustiças provocadas por comportamento doloso.
É de se notar que só era possível recorrer à !1:_ctio
de dQlo- ação penal de
suma gravidade, que acarretava a pena de "infâmia" (infemia) para o condenado
- quando não houvesse outros remédios jurídicos cabíveis.
80 Curso Elementar de Direito Romano

iv) Coação
A divergência entre a vontade interna e a manifestação externa pode advir
da coação por parte de alguém: "por causa de violência ou de medo" (vi met11:.sque
causa - Ulpiano D. 4, 2, 1). Trata-se de pressão física ou psíquica, ilegal, exercida
por alguém contra o agente , a fim de que este pratiqu e, contra sua vontade, um
negócio jurídico.
O direito antigo, o iy_s civile, formalístico e rígido, não levou em
consideração essa circunstância determinante daquela manife stação. Para aquele
direito importava mais a forma externa do negócio do que a vontade int erna da
parte : "embora coagido, quis" (tg_mencog._ctusVQÍuit- Paulo D. 4, 2, 21, 5).
Foi um pretor de nome Otávio que, em 80 a.C., introduziu essa regra,
com o fito de invalidar os negócios jurídicos praticados em con sequ ência de
coação. Previu ele tanto a coação física ("força" - vis) quanto a moral ("medo" -
mt:.tus).A primeira consiste em forçar fisicamente alguém a praticar um negócio
contra a sua vontade . A segunda é a ameaça, causadora de temo r no sujeito,
impelindo-o, assim, à prática do negócio contra a sua vontade: "aquilo que for
praticado por causa de medo, eu <o pretor> não terei por válido" (quod mftus
causagfstum frit, rg._tumnon habt:.bo- Ulpiano, D. 4, 2, 1).
Com base nessa regra, o pretor concedeu um meio processual (a
"restitu ição int egral" - in integrum restity_tio) para anular os efeitos de tais
negócios e restabelecer a situação anterior. Co ncedeu, também, uma defesa
processual ("exceção" - excfptio) conua aquele que pretendesse fazer valer um
direito decorrente do negócio coagido.
Outra disposição edital do pretor considerou a coação como delito,
punindo-a com o quádruplo do valor do negócio. A ação penal chamava-se "ação
por causa de ameaça" (g._ctio quod mftus cg_usa).

ELEMENTOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS


Há negócios jurídicos que têm conteúdo predeterminado pelo direito.
Assim a manumissão, a mancipg._tioetc. Por outro lado, existem outros negócios
cujo conteúdo pode ser estabelecido pela s partes. No direito romano antigo a
stipulg_tio,negócio jurídico abstrato, servindo às mais variadas finalidades práticas,
seria um exemplo.
O direito romano evoluído elaborou os demais negócios jurídicos
bilaterais, chamados contratos, que, além de seu conteúdo essencial, podiam
conter outras cláusulas livremente escolhidas pelas partes. As únicas limitaçóe s

l
Capítulo 6 • Negócio Jurídico 81

quanto ao conteúdo dos negócios jurídicos eram as de que ele fosse possível física
e juridicamente, lícito e determinado.
Portanto, não teria validade um negócio de compra e venda cujo objeto
fosse uma coisa que jamais poderia existir, porque seu conteúdo seria fisicamente
impossível de se realizar.
Do mesmo modo , teria sido inválido um negócio cujo conteúdo fosse
juridicamente impossível (por exemplo, a venda, como escravo, de um cidadão
romano em Roma, ou ilícito (por exemplo, a contratação de um sicário para
matar alguém).
A determinação do conteúdo do negócio deve ser objetiva , mas pode ser
feita por terceiros também, se as partes assim o quiserem. Por exemplo, vender
um cavalo pelo preço que Tício, amigo comum das partes, arbitrar.
Ainda em matéria referente ao conteúdo do negócio jurídico, podemos
fazer distinçóes a respeito de seus elementos. Esses podem ser essenciais, naturais
e acidentais.
i) Essenciais.
São os elementos necessários para a existência jurídica, em geral, de
qualquer negócio, ou , em especial, de algum negócio em particular. Assim,
por exemplo, no primeiro caso, a manifestação de vontade; no segundo, a
determinação do preço na compra e venda.
ii) Naturais.
Trata -se de elementos naturalmente incluídos em um negócio jurídico,
porque o ordenamento jurídico os considera inerentes à sua estrutura, conforme
seu tipo. Assim, a responsabilidade do vendedor pelos vícios ou defeitos ocultos
da coisa vendida - ou seja, aqueles não perceptíveis no momento da celebração
- é parte integrante da compra e venda, sem necessidade de estipulação expressa
a respeito.
Por outro lado, tais elementos naturais podem ser livremente excluídos
ou modificados pela s partes interessada s, desde que o façam expressamente.
São, portanto , exemplos de direito dispositivo. Destarte, é possível excluir
a responsabilidade pelos vícios ocultos da coisa vendida, se isso constar
categoricamente em uma cláusu la do respectivo contrato.
iii) Acidentais.
Além dos elementos acima mencionados , podem ser incluídos outros,
eventuais e secundários, que as partes livremente acrescentem ao negócio, por
meio da inserção de uma cláusula. Por exemplo, a inclusão de disposiçóes sobre
a forma de pagamento. Como tais cláusulas não são necessárias para a realização
do negócio jurídico, são elas chamadas acidentais.
82 Curso Elementar de Direito Romano

O número de tais elementos acidentais dos negoc10s jurídicos é


amplíssimo, pois eles dependem da vontade das partes. Toda e qualquer cláusula
secundária de um negócio jurídico é elemento acidental e a vida apresenta uma
variedade imensa de tais cláusulas.
Ora, entre esses inúmeros elementos acidentais, a doutrina e a legislação
costumam salientar três, amplamente tratados pelos romanos e também pelos
modernos: a condição, o termo e o modo (ou encargo).
São esses três, pois, os principais e mais conhecidos exemplos de elementos
ou cláusulas acidentais.

i) Condição
A condição (condicio - e não condi_ctio)é uma cláusula acidental por
meio da qual a vontade das partes subordina os efeitos do negócio jurídico a um
evento futuro e incerto. Por exemplo, "dar-lhe-ei cem moedas se o navio chegar
da Ásia".
Há três requisitos essenciais sem os quais não se caracteriza uma condição
propriamente dita. As condições que não preenchem esses requisitos são chamadas
"condições impróprias".
Os requisitos são os seguintes:
i) Em primeiro lugar, é mister que seja realmente o arbítrío das partes
que subordine os efeitos jurídicos da manifestação da vontade à ocorrência
de determinada circunstância. Por isso, não é condição propriamente dita a
chamada "condição de direito" (condi_cioiy_ris).Nessa última hipótese, é o próprio
ordenamento jurídico que faz depender os efeitos do negócio jurídico de outra
circunstância, sendo irrelevante que as partes também tenham incluído cláusula
cogitando do mesmo assunto. Por exemplo: "Que Tício seja meu herdeiro, se eu
morrer antes dele". A regra jurídica já prevê, como pressuposto da nomeação de
herdeiro o faro de esse sobreviver ao testador. A repetição da regra jurídica não
dá ao negócio o caráter de condicionado, pois a inclusão daquele elemento não
depende da vontade das partes.
ii) Em segundo lugar, o evento de que dependem os efeitos do negócio
jurídico deve ser futuro, isto é, deve verificar-se após a estipulação da condição
pelas partes. Portanto, não se considera condição aquela "relativa ao presente
ou ao passado" (condi_cioin praesens vel in praetfritum coll4ta), ou seja, a que
faz a eficácia do negócio depender de evento concomitante ou anterior à sua
estipulação. Isso porque, em tais casos, não há pendência. O negócio é válido
ou nulo desde o início, embora as partes possam não ter conhecimento daquele
Capítulo 6 • Negócio Jurídico 83

pormenor no momento da celebração.


iii) Em terceiro lugar, é característica da condição a incerteza quanto à
verificação do evento de que dependem os efeitos jurídicos do negócio. Havendo
certeza na veri.Ecação, mesmo que a data seja incerta, não se trata de condição,
mas sim de termo, como trataremos adiante.
O evento de que dependerem os efeitos jurídicos do negócio não deve
ser impossível, proibido jurídica e moralmente, ou indeterminado - requisitos
esses relativos, aliás, a todos os elementos constitutivos dos negócios jurídicos em
geral. Além dessa limitação, o evento não pode ser cogitado de maneira confusa
("condição perplexa" - condi.cioperpltxa), isto é, por meio de uma disposição
ilógica e contraditória, como, por exemplo: "se Tício for meu herdeiro, seja Caio
meu herdeiro, e se for Caio meu herdeiro, seja Tício meu herdeiro" (cf. Marciano,
D. 28, 7, 16).
As condições que contrariam tais regras são nulas e anulam todo o negócio
jurídico a que se referem. Somente no campo das disposições de última vontade
(testamentos) é que os romanos consideravam inválida apenas a condição e
válido o restante do negócio. Nesse caso, a condição "é tida por não escrita" (pro
non scri.ptohabftur - Inst. 2, 14, 10 e Gai. 3, 98). Isso para preservar a última
vontade do testador, consoante o princípio de interpretar o negócio "a favor do
testamento" (fi!:.vortestamtnti).
O evento previsto na cláusula condicional pode ser um acontecimento
ou um não-acontecimento. Assim, distinguimos a condição positiva da condição
negativa, como, por exemplo, respectiva .mente , "se o navio chegar", ou "se o
navio não chegar".
Outrossim, o evento pode depender da vontade de uma das partes
("condição potestativa - condi.cio potestati.va), ou exclusivamente do acaso
("condição casual" - condi.ciocasuglis),ou, também, de ambos ("condição mistà '
- condi.ciomi.xta). Exemplo: se você casar (potestativa); se chover (casual); se você
casar com Tícia (mista), porque depende, além da vontade da parte, também da
de Tícia.
Quanto aos efeitos jurídicos, as condições podem ser constituídas de duas
maneiras: ou elas podem suspender o efeito do negócio, para que ele só tenha
eficácia quando o evento se verificar, ou podem rescindir o efeito do negócio.
Nesse último caso, o negócio tem eficácia imediatamente, cessando ela, porém ,
com a verificação do evento. Distinguimos, pois, a condição suspensiva da
condição resolutiva. Por exemplo, respectivamente: "dar-te-ei cem sestércios por
mês se o navio chegar da Ásia" e "dar-te-ei cem sestércios por mês, cessando se o
navio chegar da Ásià' .
84 Curso Elementar de Direito Romano

Os efeitos da condição suspensiva encontram-se em situação de pendência


("a condição está pendente" - condiciopfndet), enquanto não se verificar o evento.
Trata-se de fase de incerteza e, ao mesmo tempo, de expectativa, caracterizada
pela esperança (spes). O direito pré-clássico reputava o negócio nessa fase não
só ineficaz, mas, também, inexistente. Já no direito clássico surgiu dúvida a esse
respeito e, finalmente, o direito pós-clássico considerou como já existente o
negócio nessa fase de pendência. A consequência disso foi a de admitir que tal
negócio fazia parte do patrimônio de seu titular e, sendo assim, era transmissível
por negócios entre vivos ou mQrtiscg_usa.
Quando o evento da cláusula condicional verifica-se ("a condição ocorre"
- condicio existit), o negócio passa a ser considerado puro, como se nunca se
tivesse sujeitado à condição.
Uma vez verificada a condição, surge o problema da retroatividade ou
não dos efeitos do negócio. Em outras palavras , trata-se de saber quando começa
a eficácia do negócio condicionado: se no momento inicial em que é praticado
("desde então" - ex tunc) ou no momento da verificação do evento ("desde agorà'
- ex nunc). Assim, por exemplo, no seguinte negócio: "dar-te-ei minha fazenda
se Caio for eleito Tribuno da Plebe" . Uma vez eleito Caio, dever-se-á entregar
apenas o imóvel rural ou também os frutos nele produzido s desde a celebração
do negócio?
No direito romano clássico predominou a solução, salvo alguns casos
esparsos, de considerar os efeitos do negócio condicionado como produzidos ex
nunc; já no direito justinianeu manifestou-se a tendência em admitir-se, de modo
mais amplo, a concessão de eficácia retroativa. Por fim, no direito moderno,
como resultado dessa tendência, prevalece a regra geral de reputar tal eficácia
produzida ex tunc, tornando-se a irretroatividade a exceção.
Quando o evento previsto na cláusula definitivamente não se verifica ("a
condição falha" - condicio d!l._ficit),
considerava-se que o negócio nunca tinha
existido.
Temos de mencionar ainda que, no direito romano , alguns negócios,
como o acordo pelo qual a mulher submetia-se ao poder do marido (convfntio in
mg_num),a designação de herdeiro, a mancipg_tio,a in iy_reCfssioe outros negócios
formais, chamados "atos legfrimos" (g_ctuslegitimi), não admitiam cláusula de
condição, sob pena de nulidade de todo o negócio.
Capítulo 6 • Negócio Jurídico 85

ii)Termo
A cláusula que subordina os efeitos de um negócio jurídico a um evento
futuro e certo denomina-se termo ("dia" - dies).
A diferença, pois, entre termo e condição, reside na certeza da ocorrência
do evento. Essa ocorrência pode verificar-se em data certa ou em data incerta :
"dia certo quanto à ocorrência e também certo com relação a quando" (dies cfrtus
an, cfrtus qu4ndo) ou "dia certo quanto à sua ocorrência, mas incerto com relação
a quando" (dies cfrtus an, incfrtus qu4ndo). Exemplo de data incerta de um evento
certo é a da morte (cf. Ulpiano, D . 12, 6, 17), porque não há dúvida de que se
verificará, apenas sua data não é certa.
A cláusula de termo pode determinar que os efeitos do negócio se iniciem
a partir da verificação do evento futuro e certo, ou cessem naquele momento.
Distingue-se, então, também aqui, o termo suspensivo ("dia a partir do qual" -
dies a quo) do termo resolutivo ("dia até o qual" - dies ad quem). Por exemplo,
respectivamente: "dar-te-ei doze mil sestércios no final do ano" e "dar-te-ei mil
sestércios por mês até o final do ano" .
No termo não há incerteza. Portanto, não há pendência do negócio
jurídico estipulado sob termo . O negócio é válido desde o princípio; somente
sua eficácia, seus efeitos jurídicos, ficam suspensos até o advento do termo, se
suspensivo . Já no caso de termo resolutivo, o negócio é perfeito e, ao mesmo
tempo, eficaz desde o início, cessando os seus efeitos com o advento do termo
resolutivo.
Como o negócio jurídico sob termo existe desde o momento inicial e
ames da verificação do evento (Paulo, D. 45 , 1, 46 pr.), tratando-se de uma
relação obrigacional, ela passa aos herdeiros, se o titular morrer antes.
Os negócios formais não podem ser praticados sob termo, como também
não podem ser praticados sob condição, conforme, aliás, já foi visto: "atos
legítimos, que não admitem termo ou condição, tais como a emancipação, a
quitação, a aceitação de herança, escolha de escravo, nomeação de tutor, viciam-
se completamente pelo acréscimo de prazo ou condição" (4.ctuslegitimi, qui non
recipiunt diem vel condiciQnem, vduti emancipgJio, acceptil4tio, heredit4tis aditio,
sfrvi Qptio, d4tio tutQris, in tQtum viti4ntur per tfmporis vel condiciQnis adiectiQnem
- Papiniano, D. 50, 17, 77).
É de se notar que várias relações jurídicas, como a propriedade, os direitos
de servidão, a qualidade de herdeiro, eram consideradas, no direito romano,
permanentes, não podendo ser constituídas a termo resolutivo .
86 Curso Elementar de Direito Romano

iii) Modo
Chama -se encargo ou modo (mQdus)a cláusula acessória que se acrescenta
a negócios jurídicos gratuitos para impor ao destinatário da liberalidade
uma obrigação, sem, contudo, influir na eficácia do negócio . Por exemplo, o
testador que pede ao herdeiro para construir um monumento em memória dele
(Modestino, D. 40, 4, 44).
Os efeitos jurídicos do negócio de liberalidade independem do
cumprimento ou não da obrigação modal. O negócio é juridicamente válido e
eficaz desde o início (ab initio). No exemplo dado, o herdeiro adquire esse título
imediatamente, com a morte do testador. A diferença, portanto, do que ocorre
com a condição é que, no negócio modal, seus efeitos não se subordinam ao
cumprimento da obrigação .
Mesmo assim, o encargo não é um simples pedido destituído de eficácia
jurídica. Já no direito romano clássico havia meios legais indiretos para constranger
o favorecido pela liberalidade a cumprir a incumbência a ele imposta. O pretor
impunha a esse último que assumisse expressamente tal dever por meio de uma
promessa solene e verbal (stipu/4.tio),a qual transformava esse dever em uma
obrigação aucônoma.
Também quando havia interesse público envolvido, intervinha a autoridade
pública para constranger o favorecido a cumprir a obrigação (Papiniano, D . 5,
3, 50, 1). Finalmente, o direito justinianeu garantiu diretamente a execução dos
encargos (Ulpiano, D. 23, 3, 9 pr.; Diocleciano e Maximiano, C. 8, 54 (55), 3,
1).

l
CURSO
ELEMENTAR
DE
DIREITO
ROMANO
DIREITOS
REAIS
Capítulo 7 • Direitos Reais 91

CAPÍTULO7
DIREITOS REAIS

CONCEITO DE DIREITOS REAIS


Direitos reais são aqueles que afetam a coisa direta e imediatamente, sob
todos ou sob certos aspectos, e a seguem em poder de quem a detenha. Opõem-
se aos direitos obrigacionais, que, por sua vez, afetam a coisa indiretamente,
vinculando tão somente pessoas determinadas (credor e devedor) uma à outra.
Suas características são as seguintes:
i) A conduta do sujeito passivo é sempre negativa. Como já visto, o direito
em sentido subjetivo consiste na faculdade, concedida a alguém (sujeito ativo),
de exigir certa conduta de outrem (sujeito passivo). No caso dos direitos reais, a
conduta do sujeito passivo consiste ou na abstenção da prática de determinada
atividade em relação a uma coisa alheia (como no caso do direito de propriedade)
ou na tolerância de que outros pratiquem certa atividade sobre uma coisa sua
(como nos chamados direitos reais sobre coisa alheia, a serem examinados mais
adiante).
Já nos direitos obrigacionais, a conduta do sujeito passivo (devedor) é, em
geral, positiva, ou seja, consiste no dever de praticar determinada atividade (por
exemplo, pagar uma importância ou prestar um serviço).
ii) O sujeito passivo é sempre pessoa indeterminada. Isso significa que ou é
um número indefinido de pessoas (como em relação ao direito de propriedade) ou
são pessoas indeterminadas, porém determináveis com base em uma relação com
a coisa objeto do direito (como no caso das servidóes prediais, que estudaremos
oportunamente).
A característica essencial, portanto, dos direitos reais, é a de valerem
"contra todos" (trga Qmnes), podendo ser invocados contra toda e qualquer
pessoa que, mesmo de boa fé, oponha-se ao exercício desses direitos por parte de
92 Curso Elementar de Direito Romano

seu titular.
Por conta desse último aspecto, costuma-se dizer que eles são "direitos
de sequela", isto é, atribuem ao seu titular o poder de seguir a coisa aonde ela se
encontrar, não importando nas mãos de quem ela esteja.
Contrariamente, os direitos obrigacionais valem apenas contra pessoas
determinadas - ou seja, os específicos devedores de cada relação obrígacional,
como , por exemplo, no caso dos contratos - e não admitem direito de sequela.
iii) Os direitos reais costumam exigir publicidade. Tal se impõe pelo fato
de valerem contra todos (frga Qmnes) e, portanto, devem ser de conhecimento
geral e público. Isso explica, no direito romano, a exigência da cerimônia pública
da mancipt1:.tio para transferência de propriedade de imóveis itálicos, e, no direito
moderno, do registro de escritura no cartório de imóveis.
Os direitos obrigacionais, em contrapartida, normalmente não exigem
publicidade.
iv) Os direitos reais só existem em número limitado (ny_merusclausus).
Em razão de serem oponíveis a todos, afetando toda a sociedade, não podem ser
criados por vontade dos particulares, só sendo admitidos aqueles previstos pelo
ordenamento.
Diversamente, em relação aos direitos obrigacionais, não obstante o
princípio romano da tipicidade dos contratos, os particulares têm liberdade
para estabelecer o conteúdo de seus acordos de vontade (como nos contratos
inominados e, principalmente, nas stipulationes), já que esses só vinculam os
contratantes .
v) Os direitos reais tendem a valer por longo prazo ou perpetuamente.
Costumam permanecer válidos por prazo indeterminado, enquanto não ocorrer
nenhuma causa extintiva.
Em oposição, os direitos obrigacionais tendem sempre a extinguir-se em
tempo, no mais das vezes, breve . Em regra, toda obrigação extingue-se quando
cumprida, ou se não for exigida tempestivamente (estando sujeita à prescrição e
decadência).
Ressalte-se, por fim, diante de tais características, e na relação entre esses
direitos e a coisa que eles têm por objeto, que, no caso dos direitos reais, diz-se
que temos um "direito sobre a coisa" (i1!:.s in re), enquanto nos obrigacionais,
um "direito à coisa" (iy_sad rem). Em outras palavras, no primeiro caso o titular
tem um direito imediato sobre a coisa, enquanto, no segundo, tem o direito a
exigir que a coisa lhe seja transferida (ou seja, o seu direito à coisa é mediato ou
indireto, pois depende do cumprimento de uma conduta por parte do devedor).
Capítulo 7 • Direitos Reais 93

ESPÉCIES DE DIREITOS REAIS


Os direitos reais, sempre em número limitado, conforme vimos acima,
são, na experiência jurídica dos romanos, os seguintes:
i) O direito de propriedade (proprietas) , também chamado domínio
(domi_nium), figura primogênita e precípua, por ser o mais amplo e abrangente
dos direitos reais.
ii) Os direitos reais sobre coisa alheia (iy,ra in re a/ig_na),sempre limitados ,
abrang endo apenas algumas das faculdades contidas no direito de propriedade.
Esses últimos subdividem-se em direitos reais de gozo (ou fruição) e
direitos reais de garantia. Os prime iros têm por objeto o uso ou fruição de uma
coisa alheia, enquanto os segundos visam a servil-de garantia pa ra o cumprimento
de uma obrigaç ão.
Os direitos reais de gozo são: as servidões pessoais (usufruto, uso e
habitação), as servidões prediais , a superfície e a enfiteuse.
Os direitos reais de garantia, por sua vez, com p reendem: a fidúcia, o
penhor e a hipot eca.
Capítulo 8 • Propriedade 95

CAPÍTULO8
PROPRIEDADE

CONCEITO
A propriedade (domi.nium ou propri_etas)é um poder jurídico exclusivo e
potencialmente absoluto sobre uma coisa corpórea.
Nesse conceito, que é da jurisprudência clássica, a propriedade é
considerada uma relação direta e imediata entre a pessoa, titular do direito, e
a coisa. Explica-se tal acepçáo pela preponderância do aspecto do poder nas
relações de senhorio no direito romano primitivo, quer seja seu objeto uma
coisa pertencente à família, quer sejam as pessoas livres sujeitas ao poder de um
pa.terfami.lias(pa.triapott_stas).Não é por acaso que as Institutas de Justiniano
ainda definem o domínio como um "poder pleno sobre a coisa" (in re plt_na
pott_stas- Insc. 2, 4, 4).
As faculdades ou poderes do proprietário são três:
i) direito de usar (iY:.sutt_ndi), a faculdade de servir-se da coisa como lhe
aprouver, respeitadas as limitações legais;
ii) direito de fruir (iusfrut_ndi), a faculdade de colher os frutos, naturais e
civis, da coisa que lhe pertence; e
iii) direito de dispor (ius dispont_ndi),a faculdad e de alienar, ou seja, de
tornar coisa própria alheia, transferindo-a a um adquirente, a título gratuito ou
oneroso.
Além de, em sentido positivo, conferir essas três faculdades ao proprietário,
em sentido negativo, o direito de propriedade exclui toda e qualquer ingerência
alheia, protegendo-o, no exercício de seus direitos, contra turbação por parte de
terceiros.
96 Curso Elementar de Direito Romano

LIMITAÇÕES LEGAIS À PROPRIEDADE


O poder jurídico do proprietário sobre a coisa é, em princípio, ilimitado ,
mas limitável. O poder completo pode ser limitado voluntariamente, pelo
próprio dono, ou pela lei.
Por ser um direito absoluto, não havia, nos tempos mais antigos, limites
que não os que fossem derivados da vontade do proprietário. Esse podia,
voluntariamente, restringir a amplitude de seu direito, destacando e concedendo
a outrem certa parcela dele . Essa é a maneira da constituição de direitos reais
sobre coisa alheia (po r exemplo, o usufruto), por meio de negócio jurídico.
Deles trataremos no lugar próprio . Note-se, porém, que, uma vez cessada tal
limitação, a propriedade automaticamente recupera a sua inteireza, seja qual for
a razão da cessação. Esse fenômeno chama-se, modernamente, "elasticidade da
propriedade".
Posteriormente , por exigências sociais diversas (agrícolas, religiosas,
higiênicas, edilícias, de saúde pública etc.), o direito romano passou a introduzir
limitações às faculdades do proprietário, especialmente em relação aos imóveis,
sempre mais numerosas e importantes do que as voluntárias. São as chamadas
limitações legais da propriedade, isto é, todas aquelas restrições estabelecidas por
lei ao direito potencialmente absoluto do proprietário.
Houve, pois, na experiência jurídica dos romano s, uma progressiva
atenuação do elemento individualístico, em correspondência a uma maior
penetração do elemento social, por obra de uma continuada legislação. Essas
limitações impõem uma nova configuração ao instituto: passa-se a falar,
modernamente, de função social da propriedade .
Assim, o proprietário pode exercitar livremente o seu poder sobre a coisa,
desde que não encontre uma limitação legal. Ern outros termos, o proprietário
pode fazer com a coisa tudo aquilo que não lhe for vedado. Desse modo, o
conteúdo do direito de propriedade passa a ser determinado negativamente, pelo -
que não se pode fazer.
As limitações impostas pela lei visam a proteger o interesse público ou
interesses de particulares. A distinção entre tais inte resses, porém, nem sempre é
tão clara.
As principais limitações legais ao direito de propriedade na experiência
jurídica romana são, entre outras, as seguintes:
a) o proprietário de um terreno ribeirinho devia tolerar o uso público da
margem;
b) a manutenção de estradas marginais ao terreno ficava a cargo do
Capítulo 8 • Propriedade 97

proprietário;
e)havia proibições de demolição de prédios sem autorização administrativa;
d) o descobridor de jazida tinha o direito de explorar a mina em terreno
alheio, mediante indenização a ser paga ao proprietário;
e) o dono de um terreno devia tolerar que o vizinho ali entrasse dia sim,
dia não, para recolher os frutos nele caídos, provenientes de árvores desse último;
f) o vizinho devia suportar a inclinação dos ramos em altura superior a
quinze pés (pouco menos de quatro metros e meio), podendo, entretanto, cortá-
los até essa altura;
g) o fluxo normal das águas pluviais devia ser suportado também pelos
donos de terrenos, sendo vedadas obras que o alterassem artificialmente;
h) era proibida a emissão de fumaça, calor, umidade e mau cheiro sobre
imóveis próximos;
i) o direito de construir era condicionado a não prejudicar a iluminação
e a vista dos prédios vizinhos, sendo também restrita, no tocante à distância e à
altura, a abertura de janelas voltadas para imóveis contíguos; e
j) era limitada a altura máxima permitida dos prédios de apartamento (as
chamadas insulae), de início, a setenta pés de altura (aproximadamente vinte e um
metros, o que corresponderia, nos dias de hoje, a um edifício de sete pavimentos,
incluído o térreo) .
Eram limitações legais, ainda, as regras de inalienabilidade, que proíbem
ao proprietário transferir ou onerar seu direito. Tal inalienabilidade existia no
terreno datal, sobre os bens do pupilo, nas coisas em litígio, e visava a proteger
os interesses da mulher, do incapa z ou da outra parte na lide, respectivamente.
Cumpre-nos mencionar, ainda, a proibição dos atos emulativos, que,
modernamente, é considerada limitação da amplitude do exercício da propriedade.
A teoria foi elaborada na Idade Média, com base nos textos da codificação de
Justiniano. São considerados atos emulativos aqueles que o proprietário pratica
não para sua utilidade, mas para prejudicar o vizinho.

COPROPRIEDADE
O caráter absoluto e exclusivo da propriedade incompatibiliza -se com a
existência de duas propriedades ao mesmo tempo sobre a mesma coisa: "não pode
haver propriedade de duas pessoas sobre a totalidade <de uma coisa>" (duQrum
in sQ!idum dominium fsse non pQtest - Ulpiano, D. 13, 6, 5, 15). É possível,
entretanto, que o direito de propriedade pertença a mais de uma pessoa, dividido
entre elas. Trata-se da copropriedade (condomi_nium), que se caracteriza pelo fato
98 Curso Elementar de Direito Romano

de uma mesma coisa pertencer, a título de propriedade, a duas ou mais pessoas.


Cada coproprietário tem direito a uma porção ou quinhão ideal da coisa.
Isso significa "ter a propriedade de toda uma coisa por partes <ideais>" (totius
cQrporispro parte dominium habt:.re- Ulpiano, D. 13, 6, 5, 15).
A copropriedade pode originar-se por vontade das partes (adquirindo,
por exemplo, uma coisa em comum) ou incidentalmente (herdando em comum,
por exemplo). A coisa não é dividida espacialmente entre os coproprietários, mas
cada um deles tem direito, na proporção de sua parte, a cada uma das parcelas
componentes da coisa inteira. Assim, o direito de propriedade de cada um, em
princípio completo, está limitado pelo direito do outro coproprietário.
Uma vez, porém, que a propriedade de um dos coproprietários se extinga
(por exemplo, por meio de renúncia), a sua porção passará a pertencer aos demais
("direito de acrescer" - ÍY:Saccresct:.ndi).
Do mesmo princípio, segue-se que o coproprietário tem poder ilimitado
sobre a parte do direito que a ele pertence; pode aliená-la, doá-la etc., mas o seu
direito de disposição sobre a coisa inteira está limitado pela concorrência do
direito dos outros coproprietários. Disposição relativa à coisa inteira exige o acordo
unânime, ou, ao menos, tolerância passiva de todos os outros coproprietários.
Em outras palavras, qualquer um deles pode vetar disposição dos outros ("direito
de proibir" - iY:sprohibt:.ndi), não prevalecendo a vontade da maioria contra a
minoria: "nenhum dos proprietários pode, de <pleno> direito, fazer nada sobre a
coisa comum contra a vontade de outro <proprietário>" (in re commY:nint:.mínem
fecere quicquam invito altero pQsse- Papiniano, O. 10, 3, 28).
dominQrum i1:J,.re
Naturalmente, tal estado de copropriedade não podia ser imposto às
partes, pois suas regras possibilitariam a obstrução completa por qualquer delas
ao desejo das outras. Havia, realmente, um meio judicial para conseguir a divisão:
a "ação de divisão da <coisa> comum'' (4ctio commY:nidívid1:J,.ndo). Essa podia ser
proposta a todo tempo, por qualquer dos coproprietários .
A divisão verificava-se pela fragmentação real da coisa, se essa era divisível,
ou, em caso contrário, pela sua adjudicação a quem oferecesse maior lance. O
adjudicatário ficava com a obrigação de pagar a cada um dos coproprietários a
parte que lhe coubesse.

HISTÓRIA DA PROPRIEDADE ROMANA


Nos parágrafos acima, tratamos a propriedade como um instituto
unitário. Sua evolução histórica, porém, apresenta diversas formas e fases, que
devem ser explicadas.
Capítulo 8 • Propriedade 99

No direito primitivo, o pátrio poder do p[!:_terfami_lias


abrangia, além das
pessoas livres e dos escravos pertencentes à família, também os bens patrimoniais
desta. Assim, o poder jurídico sobre coisas, na origem, estava incluído na p[ltria
potfstas e a propriedade não tinha nome distinto.

i) Propriedade Quiritária
O conceito abstrato de propriedade, distinto do poder do p[!:_te1fami_lias
(p[ltriapotfstas), e sua denominação de domi_niume propri_etas,datam da segunda
metade da República. O instituto faz parte do ÍH:scivi_le;chama-se propriedade
quiritária ("propriedade pelo direito dos cidadãos romanos" - domi_nium ex ÍH:re
Quiri_tium).
Pressupõe, naturalmente, que seu titular seja cidadão romano. Outro
requisito é que a coisa, sobre a qual recaia a propriedade quiritária, possa ser
objeto dela. Estão nessa situação todas as coisas corpóreas in commg_rcio, exceto os
terrenos provinciais. Terceira exigência é que a coisa tenha sido adquirida, pelo
seu titular, por meio reconhecido pelo iH:scivi_le.Tais meios eram: i) os modos de
aquisição originários; ii) a usucapião; e iii) para as resm{lncipi, a mancip[ltio e a in
iw-e cg_ssio,e, para as res nec m[lncipi, a simples tradi_tio.Os detalhes desses vários
modos de aquisição serão tratados oportunamente.
Cumpre ainda adiantar que a usucapião - modo de aquisição da
propriedade pelo simples fato de alguém ter a coisa em seu poder por certo
tempo e sob certas condições - gerava propriedade quiritária, tanto no caso das
res m[lncipi como no das res nec m[lncipi.
Assim, se alguém comprasse uma res mf!:_ncipi,sem que o vendedor
transferisse a propriedade dessa coisa pelos atos jurídicos solenes acima
mencionados, mas apenas pela simples tradição da coisa, o comprador não
adquiria a propriedade quiritária. Só a usucapião, após decurso do prazo prescrito,
gerava tal domínio. Assim, a usucapião, como modo de aquisição da propriedade
reconhecido pelo iH:scivi_le,supria nesses casos a falta da mancipf!:.tioou da in ÍH:re
Cf.SSÍO.

ii) Propriedade Pretória


O sistema do ÍH:S civi_leacima exposto era rígido e complicado demais para
o rápido desenvolvimento dos negócios, exigência natural do comércio. Além
disso, a aplicação das regras acima atentou, em muitos casos, contra a equidade,
princípio que foi ganhando vulto na segunda metade da República.
100 Curso Elementar de Direito Romano

Se, por exemplo, uma res m4ncipi fosse transferida pela simples tradição
(que, naturalmente, atende muito mais às necessidades do comércio do que as
formalidades complicadas da mancip4tio e da in iY:.recfssio), o vendedor ainda
era proprietário perante o iY:.scivile, enquanto não se completasse o prazo da
usucapião. Isso era uma injustiça contra o comprador, que pagara o preço ao
vendedor.
O pretor, em obediência aos princípios que nortearam sua atividade,
socorreu os prejudicados com tais situações. Considerando que o comprador,
no exemplo acima descrito, aliás muito comum, estava em vias de usucapir,
protegeu -o con tra o antigo proprietário qu e lhe vendera a coisa e que, depois ,
baseando-se no formalismo do Íli.S civile, de má-fé exigisse a devolução daquela.
O meio de defesa era uma "exceção <processual> de coisa vendida e entregue"
(excgptiorei vtnditae et tr4ditae), concedida pelo pretor , que paralisava a pretensão
do antigo proprietário. Por esse meio , o comprador ficava protegido contra esse
último.
Depois, tal defesa foi estendida pelo pretor para os casos em que a coisa,
que havia sido entregue ao comprador pela simple s tradição, caísse em mãos de
terc eiros . Nesse caso, o comprador não tinha dir eito reconhecido pelo iy_scivile em
que pudesse basear sua pretensão e reaver a coisa. Entretanto, um pretor de nome
Publício, considerando a usucapião em curso, instituiu uma ação, chamada "ação
publicianà' (4ctio Publici4na), pela qua l o comprador podia exigir a devolução
da coisa de qualquer pessoa que a tivesse em seu poder. Processualmente, a 4ctio
Publici4na baseou-se na ficção de que o prazo da usucapião já tivesse decorrido.
Os remédios processuais acima expos to s foram utilizados em outros casos
semelhantes, como na aquisição de uma coisa não pertencente ao alienante,
na doação, bem como nos casos da "imissão na posse" (missio in possessiQnem).
Nessas hipóteses, o pretor conferia a posse definitiva da coisa, com base no seu
poder de mando (imptrium), a pessoa outra que não o proprietário quiritário .
Exemplos desses casos encontramos na execução ("venda <process ual > dos bens"
- bonQrum venditío) do devedor insolvente, na sucessão hereditária pelo direito
pretório ("<atr ibuição da> posse dos bens <pelo pretor>" - bonQrumpossfssio)de
pessoa falecida, concedida aos seus herd eiros etc.
Assim, o pretor construiu um novo tipo de propriedade , diferente e até
contraposta à propriedade quiritária. Formalmente, o pretor não podia derrogar
o iY:.scívile. Por isso, o proprietário quiritário, nos específicos casos regulados pelo
pretor, continuava nominalmente dono, mas seu direito ficava reduzido só ao
nome ("direito <de propriedade> quiritária despido <de proteção>" - n11:.dum iy_s
Quiritium). Do ponto de vista prático, não tinha nenhum valor, porque o pretor
Capítulo 8 • Propriedade 101

assegurava o poder definitivo sobre a coisa a quem julgasse mais justo.


Essa propriedade pretória chamava-se também propriedade bonitária,
por terem os romanos usado sempre a expressão "constar no <conjunto de> bens
<do patrimônio>" (in bQnisfsse) para indicar o domínio concedido pelo pretor,
em contraposição à propriedade quiritária.

iii) Propriedade de Terrenos Provinciais


Conforme já mencionamos, os terrenos situados nas províncias, fora
da península itálica , não podiam ser objeto de propriedade quiritária, pois
pertenciam ao Estado romano. Entretanto, esse podia conceder, e realmente
concedeu, o gozo deles a particulares, concessão semelhante , mas não idêntica ,
à propriedade. Os textos indicam-na com a expressão "ter, possuir e fruir <um
terreno provincial>" (habfre possidfre frui) e Gaio a chama "posse ou usufruto"
(possfssiovel ususfrlf.ctus- Gai. 2, 7) . Na prática , aplicam-se-lhe todas as regras
referentes ao domínio em geral.

iv) Propriedade de Peregrinos


Por falta do requisito da cidadania, o estrangeiro não podia adquirir
propriedade pelo iy_scivile.Os romanos reconheciam-lhe , entretanto, a propriedade
pelo seu próprio direito estrangeiro, chamando essa de simples dominium, em
contraposição à propriedade quiritária (dominium ex iy_reQuiritium). Admitiam
para ela meios processuais de defesa que imitavam os da propriedade quiritária.
Justiniano aboliu a diversidade de propriedade, unificando o instituto,
uma vez que as causas da distinção já haviam desaparecido em sua época.

BIBLIOTECA
CIRCULANTE
Capítulo 9 • Proteção Da Propriedade 103

CAPÍTULO9
PROTEÇÃO DA PROPRIEDADE

A propriedade é um direito absoluto e exclusivo. Consequentemente,


o dono é protegido contra toda e qualquer interferência alheia que turbar o
exercício de seu direito. A proteção efetua-se por meio de determinadas ações
reais (actiQnesin rem), que são assim chamadas pois, na sua fórmula, têm como
objeto um direito sobre a coisa (res).
A turbação pode consistir na violação dos direitos dominicais na sua
totalidade ou em parte. Os meios processuais de proteção no primeiro caso são
distintos dos usados no segundo.

AÇÃO REIVINDICATÓRIA (REI VINDICAT/O)


O meio processual de proteção contra a lesão ao direito de propriedade na
sua totalidade é a ação reivindicatória (rei vindic[l_tio)
. Era a ação do proprietário
quiritário que não possuía a coisa contra aquele que a possuía, mas não era
proprietário.
O autor na reivindicação alegava que o seu direito de propriedade quiritária
tinha sido violado pelo réu, o qual exercia a posse, situação incompatível com
o pleno exercício daquele direito. O réu, por sua vez, ao defender-se, negava a
alegação do autor, que ficava obrigado a provar o seu direito. Seria relativamente
fácil prová-lo se o tivesse adquirido de modo originário. Essa prova, entretanto,
ficaria muito mais difícil nos casos de aquisição por modo derivado, porque
nesses não bastava provar a existência e validade do ato de aquisição, mas era
necessário ainda provar o direito do alienante, bem como o de seus antecessores.
Era natural tal exigência, pois, nos atos traslativos de propriedade, o
direito do adquirente depende do direito do alienante, de acordo com a regra
104 Curso Elementar de Direito Romano

"ninguém pode transferir a outrem mais direitos do que ele próprio tiver" (ng_mo
plus iy,_risad gjium transfe_rre JQtest, quam ipse habg_ret- Ulpiano, D. 50, 17, 54).
Era tão difícil, na prática, essa prova, que os medievais apelidaram-na de diabólica
(probg:_tio
diabQlica).Em razão disso, a usucapião era de grande utilidade, por ser
um modo de aquisição que não dependia do direito do antecessor.
A finalidade da rei vindic4tio era a de obter a restituição da coisa. A
propriedade, como direito absoluto e exclusivo sobre uma coisa corpórea, incluí
o exercício do poder de fato (posse) sobre ela. Consequentemente, o autor
pleiteava pela rei vindic4tio a entrega da coisa, com seus frutos, pelo ilegítimo
possuidor . Tratando-se de réu que possuía de boa-fé, só deviam ser restituídos os
frutos separados a partir da "instauração do processo" (litiscontest4tio).
Após esse momento, o possuidor não mais podia alegar a sua boa-fé, poi s,
pela impugnaçáo feita pelo autor na fase inicia l do processo , passava a ter ciência
de que a coisa não lhe pertencia de direito.
Quanto aos frutos percebidos pelo possuidor de boa-fé antes da
instauração, pertenciam-lhe pelo direito clássico, mas Justiniano impôs a ele
a restituição daquele s, enquanto não consumidos ("frutos estante s" - fry,_ct us
ext4ntes).
No que se refere às benfeitorias , as feitas pelo possuidor de boa-fé
deviam ser indenizadas pelo proprietário, se necessárias ou úteis. As primeira s
integralmente, de acordo com o que foi desembolsado por quem as fez; as
segundas, pelo real aumento de valor proporcionado à coisa.
O possuidor de boa-fé podia reter a coisa até receber a indenização
("direito de retenção " - iy,_sretentiQnis). Advirta-se que o possuidor de má-fé não
tinha direito a indenização alguma .
O sistema do direito clássico, que acabamos de expor, foi modificado
por Justiniano, que permitiu, em determinados casos, retirar a coisa acessória
acrescida a título de benfeitoria, caso isso se pudesse fazer sem deteriorar a coisa
principal ("direito de retirar" - iy,_s tollg_ndi)
.
A propriedade pretória era protegida pela ação publiciana (4.ctio
Publici4na). Tratava-se, na realidade, de uma rei vindic4tio baseada, como
já vimos, numa ficção: considerava-se o prazo da usucapião em curso como
se já tivesse decorrido. Outros detalhes foram expostos no ponto referente à
propriedade pretória.
Capítulo 9 • Proteção Da Propriedade 105

AÇÃO NEGATÓRIA(ACT/0 NEGATORIA)


O meio processual de defesa contra a lesão parcial do direito de
propriedade era a ação real negatória (negatQria in rem gctio). Tratava-se de ação
do proprietário possuidor contra quem, alegando ter um direito real sobre a
coisa, violava, parcialmente, o exercício do direito de propriedade daquele. Tome-
se, por exemplo, o caso do vizinho que atravessasse diariamente um terreno ,
alegando ter direito de servidão de passagem. Nessa ação, o autor teria de provar
seu domínio; o réu, por sua vez, o seu dire ito real que limitasse o do proprietário.
Capítulo 1O• Posse 107

CAPÍTULO10
POSSE

CONCEITO
A posse é um poder de fato sobre uma coisa corpórea: a efetiva
subordinação física da coisa a alguém. Distingue-se da propriedade , que é poder
jurídico absoluco sobre a coisa. O primeiro é um fato, o segundo é um direito.
Os dois conceitos são nitidamente distintos: "nada tem em comum a
propriedade com a pos se" (nihil commgne h4bet proprietas cum possessiQne-
Ulpiano, D. 41, 2, 12, 1).
A linguagem vulgar não faz tão clara distinção. Usam- se como equivalentes
as expressões posse e propriedade. E, realment e, a propriedade inclui o direito
de exercer o poder de fato. Mas inclui, além disso, muito mais , sendo um direito
absoluto. O pod er de fato faz no rma lm ente parte do exercício do direito da
propriedade, mas não sempre: empresto o meu cavalo; alugo a minha casa; perco
a minha carteira; um ladrão rouba minha jóia. Nesses casos, citados a título
exemplificativo, o direito de propriedade fica inalterado, mas a coisa passou a estar
efetivamente subordinada ao pod er de fato de alguém diferente do proprietário.
Para que haja efetiva subordinação física da coisa a alguém, não é pr eciso
direito algum. O ladrão não tem direito à coisa, ma s a tem em seu poder de fato.
De outro lado, a propried ade pode existir sem a posse. Por exem plo: quando
empenho a minha jóia.
A posse compõe-se de dois elementos: um material, outro intencional.
O primeiro é o fato mat erial de a coisa estar subordinada fisicamente a
alguém. Chama-se cQrpus. Os limites de tal submissão de fato dependem das
circunstâncias. O meu carro estacionado na rua, frente à minha casa, considera-
se na minha posse. Mas não assim a carteira que o seu proprietário deixou cair
na rua.
108 Curso Elementa r de Direito Romano

O segundo elemento da posse é o intencional, chamado {1nimus. É


preciso, em primeiro lugar, além da simples proximidade física, a "disposição
de ter" (affictio tenfndi) a coisa no próprio poder. Assim, não possuo a carteira
que um ladrão colocou no meu bolso, em razão de estar sendo perseguido pela
polícia, nem possuo a galinha que, do terreno vizinho , entrou no meu galinheiro.
Não basta , porém, a simples vontade de estar com a coisa. Para ser possuidor ,
é necessária a. "intenção de ter a coisa para si" (fl:.nimusrem si_bihabg_ndi)como
se proprietário fosse. Por isso, esse elemento da posse é também chamado de
"intenção de <ser> propri etário" (fl:.nimusdQmini).
No direito romano, tiveram posse todos os que possuíam uma coisa com
a intenção de tê-la como própria, isto é, com o já mencionado fl:_nimusrem si_bi
habfndi. Tal comportamento independe de o possuidor realmente ter ou não
direito de se comportar como dono. O ladrão , por exemplo, é pos suidor, embora
não tenha direito algum sobre a coisa. Sendo, assim, possuidor, terá proteção
judicial contra turbação indevida. Naturalmente, tal prot eção será ineficaz contra
o proprietário da coisa roubada , como veremos mais adiante, mas valerá contra
qualquer terceiro.
De outro lado, os que exercem o poder de fato reconhecendo a propriedad e
de outr a pessoa não possuem , mas detêm a coisa. A sua intenção é simplesmente a
"de ter a coisa para outrem" (rem g,_lterihabfre), não vai além de ter a coisa em seu
próprio poder (a já mencionada affictio tenfndi), sem se considerar proprietário.
Distinguimos , pois , entre o poder de fato chamado "detenção", que não
gera consequências jurídicas , e o poder de fato chamado "posse", que as tem. A
essa distinção terminológica, correspondem, respectivamente , os termos técnicos
"posse [não em sentido técnico] natural" (possg_ssio naturg,_lis)e "posse <apta> a
<proteção por meio de> interditos" (possfssioad interdi_cta).
Os de tentores não têm proteção jurídica. O seu pod er de fato é destituído
de consequências jurídicas. Nessa situação estavam, no direito romano, o
loca tário, o depositário e o comodatário, por exem plo.
Assim, em conclusão, o inquilino, ainda que tenha vontade de ser
proprietário, recebe a coisa com intenção apenas de ser detentor, reconhecendo a
posse do locador. Já o ladrão , ao contrário, toma a posse da coisa com a intenção
de ser proprietário. Por isso, o primeiro é mero detentor enquanto o segundo é,
em sentido técnico, possuidor.
Entretanto, houve exceçóes a essas regras gerais . Poucos casos isolados,
entre eles o do enfiteuta e do credor pignoratício, receberam tratamento diferente.
Embora se trate de poder de faro exercido sem a intenção de ter a coisa como
própria-pois esses todos reconhecem o direito do proprietário-, o direito romano

1
l
Capítulo 1O• Posse 109

estendeu a proteção possessória a eles. Essas exceções, provavelmente motivadas


por razões práticas, criaram muitas dificuldades à dogmática moderna, elaborada
com base nas fontes jurídicas romanas, constituindo casos enigmáticos.
Há que se esclarecer ainda ser a posse caracterizada pela intenção inicial
de possuir: "ninguém pode mudar, para si mesmo, a causa da posse" (nfmo si.bi
i.pse c4usam possessiQnismutg_repQtest - Paulo, D. 41, 2, 3, 19). Assim, caso o
locatário, no curso da locação, passe a ter vontade de ser proprietário, nenhum
efeito terá essa nova intenção no tocante ao tipo de poder que ele tem sobre a
coisa, o qual continuará sempre sendo mera detenção.
Os dois elementos têm de existir simultaneamente. Não basta só a
intenção, sem o fato material do exercício do poder. Perseguindo um animal
ferido na caça, só adquirirei a posse pela sua apreensão material. Dependerá da
praxe e das circunstâncias estabelecer em quais situações de fato consideram-se
compreendidos ambos os elementos. Assim, conservo a posse do meu gato que
passeia pela vizinhança, mas não a do meu canário que fugiu da gaiola. Para os
juristas romanos a diferença fundava-se na chamada "intenção <do animal> de
voltar <para casa>" (4.nimus revertfndi) .
A posse, como efetivo poder de fato, tem grande importância jurídica:
a) Em certos casos, requer-se a posse para a aquisição da propriedade,
como no caso da ocupação, da usucapião, da tradição, institutos que estudaremos
no capítulo sobre os modos de aquisição da propriedade.
b) Na ação reivindicatória, que é o meio judicial para proteção do direito
de propriedade, o réu é o possuidor. Isso significa que o ânus de provar o seu
direito incumbe a quem não está na posse, ficando o réu na cômoda posição de
simplesmente negar o direito alegado pelo autor.
e) A posse, quando reconhecida pelo ordenamento jurídico, é protegida
contra turbação; essa proteção é a primordial consequência jurídica da posse.

HISTÓRIA DA POSSE
O conceito de posse é bem mais recente do que o de propriedade. Embora
a época da Lei das XII Tábuas já conhecesse a distinção entre o direito e seu
exercício (esse último chamado "uso", 11:.sus, que era a base da usucapião), não
conhecia a consequência primacial da posse: a sua proteção judicial contra a
interferência de terceiros (turbação).
Tal proteção foi introduzida pelo pretor, por meio de um meio judicial
chamado interdito, que, na origem protegia o gozo das terras públicas (gger
p11:.blicus).
Depois, tal proteção foi estendida, pelo pretor, a outros casos em que
110 Curso Elementar de Direito Romano

defendeu a preexistente situação de fato contra turbação arbitrária.


Tal proteção não era definitiva, como nunca será. É sempre provisória e
serve apenas para preparar a questão jurídica sobre a propriedade. A finalidade
do pretor era estabelecer a posição processual das partes. Na questão sobre a
propriedade , quem tem a posse da coisa terá a posição mais favorável de réu
na ação reivindicatória. A outra parte, o autor, ao atacar, terá que provar o seu
direito, problema sempre gravíssimo, não só no s tempos antigos, como também
hoje.
A jurisprudência romana elaborou o conceito de posse com base na
proteção pretória, que, por sua vez, data de época anterio r à Lei ·Ebúcia (lex
Aebg_tia),no início do século II a.C.

AQUISIÇÃO E PERDA DA POSSE


Adquire-se a posse pela detenção da coisa com a intenção de possuí-
la (ou seja, adquiri-la "com o corpo e a intenção" - cQrporeet 4nimo) . O que
estudaremos mais adiante sobre a tradição (traditio) aplica-se plenamente à
aquisição material da posse. No que se refere ao elemento intencional, é preciso
haver capacidade de agir para que possa existir uma intenção reconhecida pelo
direito. Loucos e infantes, por exemplo, não podem, por si, adquirir a posse, por
falta de capacidade de agir. Todavia, podem adquiri-la por intermédio de seus
representantes.
Perde-se a posse também cQrporeet animo . Em certos casos excepcionais,
entretanto, cons idera-se que a posse subsiste apenas com o elemento intencional ,
como no caso das pastagens hibernais (usadas pelos pastores apenas em parte
do ano) e no do escravo fugitivo; em ambas as situações, o possuidor conserva a
posse ainda que tenha perdido o cQrpus.
Capítulo 11 • Proteção Da Posse 111

CAPÍTULO11
PROTEÇÃO DA POSSE

Explicamos que a consequ ência jurídica primordial da posse (possfssio ad


interdicta) é a sua proteção contra turba ção indevida e arbitrária. Salientamos
também que, na questão da posse, não se toma va em consideração o direito em
qu e ela, eventualmente, se baseasse.
Assim, a justa posse que se baseava em um direito de exercer ·o poder de
fato (como o do proprietário ) era equiparada à posse injusta , que era exercida
sem dire ito (como, por exem plo, a de um ladrão ) . A posse inju sta era protegida
do mesmo modo que a justa posse, porque o fundamento de direito era estranho
à questão da posse.
Tal proteção indiscriminada da posse tinha, entr etanto, uma lim itação
no que se refere à posse viciosa (vitiQsapossosio). A posse era viciosa quando
adquirida po r violência (vi), clandestinam ent e (clam) ou a título precário
(prec4rio).Todavia , o vício existia apenas com relação à pessoa desapossada por
esses modos. Contra essa, o atual po ssuidor não gozava de proteção judicial.
Contra terc eiros, entretanto, tinha tal proteç ão. Assim, por exemplo, quem
perdeu a posse po r violência poder ia recuperá -la do autor de tal ato, mesmo
violentamente (embora não com armas). Mas só ele podia agir de tal maneira,
terceiros não. Para terceiros, a posse não era viciosa, porqu e o vício existia só com
relação à pessoa de quem foi ob tida por violência, clandestinamente ou a dtulo
precário.
A proteção da poss e foi elaborada pelo pretor. O meio judicial utilizado
para esse fim era o interdito (interdictum) : um pro cesso especial baseado no
poder de mando do pretor, caracterizado pela maior rapidez e simplicidade em
comparação com as ações do pro cesso formular.
A finalidad e do s interditos possessório s era proteger o possuidor contra
112 Curso Elementar de Direito Romano

turbação (vale dizer, perturbação) ou esbulho (espoliação ou desapossamento) .


Dividem-se, consequentemente, em interditos contra turbação da posse
("interditos para ser mantida a posse" - interdj_ctaretinfndae possessiQnisc4usa) e
interditos para reintegração de posse ("interditos para ser recuperada a posse" -
interdi.cta recuper4ndaepossessiQnisc4usa).
Passemos agora a examinar, um a um, os interditos. Ressalte-se que o
nome de cada um deles corresponde às primeiras palavras da sua enunciação no
texto do edito do pretor.

INTERDITO "ASSIM COMO VÓS POSSUÍS" (UT/ POSSIDE_TIS)


Aplica-se em casos de turbação duradoura da posse de um imóvel. Por
exemplo, alguém abriu indevidamente os alicerces de sua construção em um
terreno que estava na posse de outrem. O pretor garantia a manutenção da posse
a esse último, que, de fato, era possuidor.
Caso, porém, a posse desse último fosse viciosa, o efeito do interdito
"assim como vós possuís" (Y:.tipossidftis) era inverso. Nessa hipótese, o feitiço
virava contra o feiticeiro: o possuidor perdia sua posse para o turbador, caso a
tivesse obtido desse por violência, clandestinamente ou a título precário. Então,
o interdito servia não apenas para a manutenção da posse não viciosa do autor,
como também para a reintegração da posse anteriormente perdida de modo
vicioso pelo réu .
Por esse motivo, diz-se que se trata de um "interdito dúplice" (interdi_ctum
dyplex).

INTERDITO "EM UM OU OUTRO DOS DOIS LUGARES"


(UTRUBI)
Meio processual de proteção da posse de uma coisa móvel contra
turbação. Por esse interdito, o pretor ordenava que a coisa permanecesse "em um
ou outro dos dois lugares" (Y:.trubi)no qual ela tivesse estado durante mais tempo
no período de um ano imediatamente anterior - ou seja, em poder do possuidor
atual ou do precedente.
Em contraposição ao interdito y_tipossidftis, esse interdito protegia não
necessariamente o possuidor atual, mas sim o que tivesse tido a posse por tempo
mais prolongado naquele período.
Podia, portanto, servir também para recuperar a posse, conforme o caso.
O que acima foi dito da posse viciosa, aplica-se igualmente a esse interdito.
Capítulo 11 • Proteção Da Posse 113

INTERDITO "DE ONDE <A COISA FOI ESBULHADA> COM


VIOLÊNCIA" (UNDE VI).
Protegia a posse não viciosa de um imóvel contra o esbulho violento. Só
podia ser int entado dentro de um ano a contar do esbulho. Para coisas móveis
não era necessário tal meio processual de proteção, pois o interdito "em um
ou outro dos dois lugares" (interdj_ctumy,_trubi)servia também para recuperar a
posse. Além disso, para as coisas móveis havia ainda a proteção dispensada com
base na existência de furto ou de roubo.

INTERDITO "ACERCA DA VIOLÊNCIA À MÃO ARMADA" (DE


VIARMATA)
Proteção em defesa de qualquer tipo de posse de imóveis, inclusive a
viciosa, contra esbulho violento à mão armada ou por meio de bandos de grileiros .

INTERDITO ACERCA <DA POSSE A TÍTULO> PRECÁRIO"


11

(DE PRECAR/O)
Visava a recuperar a posse de imóveis de quem a recebera a título
temporário , por liberalidade, para ser restituída a pedido do proprietário.
No direito romano, denomina-se posse a título precário aquela que
alguém concedia temporariamente a um terceiro, reservando-se porém o direito
de exigi-la de volta a qualquer momento (com um simples "aceno de cabeçà' -
ad ny,_tum- ou seja, por uma mera manifestação de vontade, mesmo informal).
Assemelhava-se a um empréstimo (isto é, um contrato de comodato) , com
a diferença que era concedido por tempo lon guíssimo, e não se extinguia com a
morte do concedente ou do concessionário (chamado precarista), transmitindo-
se aos herdeiros de ambas as partes. Por essa razão, os jurisconsultos passaram a
admitir que o precarista fosse considerado possuidor (e não mero detentor, como
o comodatário), gozando de proteção possessória contra terceiros, mas nunca
contra o concedente.
Esse último, em contrapartida, por meio, justamente, do interdito de
prec4rio, podia conseguir a reintegração de posse freme ao precarista que se
recusasse a restituir a coisa quando solicitado.
114 Curso Elementar de Direito Romano

INTERDITO "ACERCA DA POSSE CLANDESTINA" (DE


CLANDESTINAPOSSESSIONE)
Saliente-se, por fim, haver alusão nas fontes a um interdito acerca da
posse clandestina (de clandestinapossessiQne),havendo dúvida, todavia, entre os
estudiosos, acerca da sua real existência.
Capítulo 12 • Aquis ição Da Propriedade 115

CAPÍTULO 12
AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE

CONCEITO
O direito de propriedade, como os direitos em geral, adquire-se em
consequência de determinados fatos jurídicos. Esses são os modos de aquisição
da propriedade, que podem ser classificados conforme vários critérios.
Os romanos distinguiam entre os modos do Í'f1.Scivi.lee os do Í'Jd.Sgg_ntium.
Não há base dogmática para tal distinção, que se justifica só por considerações
históricas.
Distinguem-se, ainda, os modos de aquisição "entre vivos" (inter vi.vos)
dos "por causa de morte" (mQrtiscg,usa).
Nesses últimos, a aquisição da propriedade depende do evento da morte
de alguém. Só cuidaremos agora dos modos de aquisição entre vivos, deixando
os da segunda categoria para o capítulo das sucessões.
A classificação dos modos de aquisição em originários e derivados é da
dogmática moderna e servirá como base de nossa exposição.
Adquire-se a propriedade por modo originário quando não há relação
entre o adquirente e o proprietário precedente. Do mesmo modo, inexistia tal
relação quando a coisa não era de propriedade de ninguém ao ser-lhe adquirido
o domínio.
Os modos de aquisição derivados são os que se fundam na transferência
do direito de propriedade pelo alienante ao adquirente. Vige aqui o princípio
pelo qual "ninguém pode transferir a outrem mais direitos do que ele próprio
tiver" (ng_moplus iHrisad gJium transfirrepQtest,quam i.psehabg_ret - U lpiano, D .
50, 17, 54). Assim, o direito do adquirente dependerá do direito do proprietário
precedente. Continuará a existir com todas as limitações que eventualmente tiver.
MODOS ORIGINARIOS DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE
Os romanos consideraram os modos originários fundados na "razão
natural" (natur4lis r4tio) e provenientes do igs gç_ntium. Consequentemente,
podem ser praticados também por estrangeiros .

i)OCUPAÇÃO
A ocupação (occup4tio) consiste na tomada de posse de uma coisa em
comércio (in commç_rcio),que não está sob domínio de ninguém ("coisa de
ninguém" - res nulli_us),e gera o direito de propriedade sobre ela. Basta que se
estabeleça o poder de fato com a intenção de ter a coisa como própria: a posse
com "intenção de proprietário" (r1nimusdQmini).
Assim, podem ser apropriados pela ocupação: os animais selvagens,
as ilhas nascidas no mar, as "coisas dos inimigos" (res hQstium) de Roma, bem
como as "coisas abandonadas" (res dereli_ctae)pelo seu dono. Em relação a esse
último caso, cumpre observar que, juridicamente , o abandono de uma coisa não
se presume, exigindo-se sempre manifestação expressa ou conduta inequívoca
nesse sentido (por exemplo, colocar a coisa no lixo). Portanto, a simples falta de
cuidado com uma coisa não se confunde, perante o direito, em termos técnicos,
com o seu abandono ou derrelição.
Ressalte-se, por fim, que tanto na praxe romana quanto moderna, quase
sempre, a ocupação só aplica a coisas móveis (com a única exceção das acima
referidas ilhas nascidas no mar), pois, na prática, dificilmente existirá algum
imóvel do qual ninguém se declare proprietário.

ii) INVENÇÃODETESOURO
Tesouro (thesr1urus)é coisa preciosa enterrada ou oculta por tanto tempo
que seu dono tornou-se desconhecido. Conforme uma constituição do Imperador
Adriano (século II d.C.), pertencerá em partes iguais ao descobridor (invç_ntor)e
ao proprietário do terreno onde foi achado.
Excetuam-se os casos em que o inventor foi mandado à procura do
tesouro pelo próprio dono do terreno, ou em que o tesouro foi procurado e
achado contra expressa proibição desse último. Nesses casos, o tesouro pertencerá
integralmente ao proprietário do terreno.
Capítulo 12 • Aquisição Da Propriedade 117

iii) UNIÃO DE COISASOU ACESSÃO


A união de coisas, também chamada acessão (accr:.ssio),consiste na junção
material de duas ou mais coisas; nesse caso, o direito do proprietário da coisa
principal estende-se ao todo. Trata-se, naturalmente, de junção em que a coisa
principal absorve a acessória, perdendo essa última a sua individualidade.
O terreno é sempre principal e incorpora tudo que lhe estiver ligado
definitivamente. É o que ocorre nos casos de edificação (inaedificgJio) de
construções, semeadura (s4tio) e plantio (inplant4tio) de árvores.
De modo semelhante, os acréscimos naturais do terreno: o aumento do
terreno pelo depósito de cascalho ("aluvião" - allHvio); a junção, ao terreno, de
uma porção de terra arrancada de outro terreno por força natural ("avulsão" -
avl:!:_lsio);
o leito seco de um rio desviado, que acresce aos terrenos ribeirinhos,
dividindo-se no meio ("álveo abandonado" - 4/veus derelictus);a ilha formada no
rio (insula in fl1±minen4ta), que se divide da mesma forma entre os proprietários
ribeirinhos.
A mesma regra aplica-se nos casos em que uma coisa principal móvel
absorve um acessório móvel, como na solda de metais (ferrumin{ltio), na tecedura
(textl:!:_ra),
na escritura (scriptHra),na pintura (pictH_ra)
etc.
Outro tipo de união é a mistura de líquidos ("confusão" - confo-sio)ou
de sólidos homogêneos ("comistão" - commi.xtio), que resulta em uma coisa
nova, não havendo, a rigor, coisa principal ou acessória. Sendo essa nova coisa
divisível em seus componentes, a união não modifica os respectivos direitos de
propriedade. Se, ao contrário, os componentes da mistura não forem separáveis,
haverá copropriedade na proporção dos respectivos valores.

iv) ESPECIFICAÇÃO
Especificação (specific4tio) é a confecção de coisa nova com material
alheio, como, por exemplo, um balde feito de metal pertencente a outrem. Os
jurisconsultos da escola sabiniana atribuíam a nova coisa ao proprietário da
matéria-prima, os proculianos ao realizador da obra (especificador). Prevaleceu
a opinião intermediária, pela qual a nova coisa só pertencerá ao especificador se
não for mais possível reduzi-la à sua forma primitiva. Naturalmente, tal aquisição
de propriedade não exclui a obrigação do adquirente de indenizar o proprietário
da matéria "especificada".
118 Curso Elementar de Direito Romano

v) AQUISIÇÃODE FRUTOS
Os frutos, em regra, pertencem ao proprietário da coisa que os produz
(chamada coisa frugífera) . Há casos, porém , em que os frutos são de propriedade
de pessoa diversa. Assim, no caso do enfiteuta, no do possuidor de boa-fé, no do
usufrutuário.
A propriedade do fruto é adquirida por meio da sua separação da coisa
frugífera, exceto no caso do usufrutuário, que só adquire a propriedade pela
percepção, isto é, pela apreensão material.
Temos de mencionar que também o locatário pode adquirir a propriedade
dos frutos pela sua percepção, se assim for convencionado no contrato de
locação. Sua aquisição, entretanto, difere da dos outros acima mencionados, pois
se funda em uma concessão do proprietário, ao passo que os outros adquirem
independentemente de autorização contratual.

MODOS DERIVADOS DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE


O direito clássico conheceu três negócios jurídicos cuja finalidade era
transferir a propriedade: a mancip4tio, a in iHre cfssio e a traditio.

i) MANCIPAÇÃO(MANCIP/1TIO)
A mancipatio, como vimos, era um negócio formal, abstrato e verbal.
Consistia na solenidade em que - na presença das partes (alienante e adquirente),
do obj eto (ou de algo que o representasse, como a chave de uma casa), de cinco
testemunhas, e, por fim , do portador de uma balança (denominado libripens) -,
pronunciavam-se certas fórmulas verbais e pratica vam -se outros atos simbólicos,
como bater em um dos pratos da balança com uma moeda ou peça de bronze.
Destinava-se, como já foi dito antes, à transferência da propriedade das
res mancipi , como os imóvei s itálicos. Sendo , no início , uma compra e venda
real, no período clássico adquire caráter abstrato: praticando-a, transfere -se a
propriedade, independentemente da natureza ou validade do negócio jurídico
em que se funda. Por exemplo: a mancipatio de um imóvel seria válida, embora
a venda em que ela se baseasse fosse viciada por dolo praticado pelo comprador.
Em comparação com algun s ordenamentos jurídicos modernos, a
mancip4tio corresponde , de modo semelhante, à solenidade e formalidade da
lavratura da escritura pública e seu registro no cartório de imóveis.
Capítulo 12 • Aquisição Da Propriedade 119

ii) "CESSÃOEM JUÍZO <POR SIMULAÇÃO>"(INJURECE_SS/O)


Também já vimos que a "cessão em juízo <por simulação>" (in iy_recfssio)
era originariamente um processo simulado, em que o alienante e o adquirente
faziam uma simulação na ação reivindicatória da coisa cuja propriedade se desejava
transferir. Passou, no período clássico, a ser um negócio jurídico abstrato. Servia
para transferir a propriedade não só das res m4ncipí, mas também das res nec
m4ncipi.

iii) TRADIÇÃO(TRADlT/O)
A tradição (tradi_tio)é a simples entrega sem formalidades. É o modo mais
natural de transferência . Sendo negócio jurídico do iy_sgfntium, não serviu, em
todo o período clássico, para transferir a propriedade das res m4ncipi, mas só a
das res nec m4ncipi.
Na realidade , trata-se de transferência da posse, qualificada pela intenção
das partes de transferir também o respectivo domínio. Daí se segue que não basta
o simples acordo entre as partes no que se refere à transferência. Essa tem de se
materializar nos fatos , pela entrega física da coisa: "por meio de tradição, e não
de simples acordos, transfere-se a propriedade das coisas" (traditiQnibus domi.nia
rfrum, non ny_disp4ctis transfery_ntur- Diocleciano e Maximiano, C. 2, 3, 20).
Verifica-se a entrega real pela apreensão física no que se refere aos móveis,
e pelo ingresso e percurso no caso dos imóveis ("circular pelos lotes de terra" -
glfbas circumambul4re).
Basta, às vezes, uma entrega simbólica, como, por exemplo, a entrega das
chaves do armazém onde está a mercadoria a ser transferida para a propriedade
do adquirente. Semelhante é a "entrega de mão longà' (tradi_tio!Qngam4nu), que
também consiste na entrega simbólica da coisa, como, por exemplo, indicando
do alto de um morro os limites de um terreno, que se transfere. Tais modos
representam sempre uma entrega real, pois os atos praticados a simbolizam.
Há casos excepcionais, também, que são considerados de entrega real,
embora essa efetivamente não exista. Tais são os da entrega fictícia ("tradição
ficta" - tradi_tioficta). O primeiro é a "entrega de mão curtà' (tradi_tiobrtvi
mªnu). O detentor converte-se em possuidor só pela intenção (sQ!o4.nimo) das
partes. Exemplificando: Tício detém, a título de locação, uma casa, que pertence
a Caio . Esse vende a casa a Tício. Para efetuar a transferência, isto é, para praticar
a tradi_tio,basta o acordo entre as partes.
Outro caso da tradi.tioficta é o do constituto possessório (constity_tum
possessQrum).Trata-se do inverso da tradi_tiobrtvi m4nu. O possuidor converte-se
120 Curso Elementar de Direito Romano

em detentor, só pela intenção das partes. Por exemplo: Lúcio, proprietário de


uma casa, está morando nela. Depois a vende a Paulo, mas continua a ocupá-
la como locatário. Para efetuar a tradi_tioreal seria preciso que Lúcio entregasse
a casa a Paulo que, por sua vez, a devolveria a Lúcio. A primeira entrega para
transferir a propriedade e a segunda para efeitos da locação. Seria ociosa tal prática
complicada. É mais simples que Lúcio fique morando na casa, naturalmente náo
mais como dono, mas em nome de Paulo. Realizou-se, assim, a tradi_tio(jicta),
sem a entrega real da coisa, simplesmente pelo acordo entre as partes.

USUCAPIÃO(USUCAP/0)
É um modo especial de aquisição da propriedade (pois há dúvida quanto
a tratar-se de modo originário ou derivado) que se funda, essencialmente, na
posse, por tempo prolongado. Por meio dela, transforma-se uma situação de
fato em direito. Justifica-se pela natural preocupação de eliminar a incerteza nas
relações jurídicas fundamentais, como a propriedade: "para que os direitos de
propriedade das coisas não fiquem na incertezà' (ne rt:.rumdomi_nia in ínct:.rto
fssent- Gaio, D. 41, 3, 1).
Trata-se de um instituto jurídico antigo. O uso ininterrupto de
um terreno durante dois anos, e o de outra coisa qualquer durante um ano,
independentemente de outros requisitos, gera propriedade, já desde a Lei das XII
Tábuas: "o poder de uso de imóvel <é de> um biênio ... e das demais coisas é de
um ano" (Y:.sus auctQrítasfy_ndi bit:.nnium ... ceterf1::_rum
rfrurn fl::.nnuus
est l:f:.Stts).Daí
o seu nome usucfl::.pio.
Quem adquire por esse modo fica dispensado de justificar a sua posse,
uma vez decorrido o prazo prescrito, e o direito de propriedade, que adquire,
independe, por sua vez, do direito de seu antecessor.
Em origem, esse instituto aplicava-se a todas as relações de senhoria,
inclusive às do poder do pf!:.terfami_lias. Por isso, foi possível a usucapião do poder
marital (mfl::.nus). Mais tarde, porém, ficou restrito à propriedade.
Desse primitivo instituto do direito quiritário, a jurisprudência, no fim
da República, elaborou o novo conceito de usucapiáo, estabelecendo os requisitos
necessários para sua verificação, que eram até então desconhecidos.
i) Res h!!:.bilis
A usucapião do direito clássico pressupõe uma "coisa suscetível" (res
de propriedade quiritária (domi.nium ex ÍY:.reQuiritium). É natural tal
hfl::.bílis)
exigência, pois a usucapiáo gera tal tipo de domínio. Por consequência, excluem-
se desse modo de aquisição as res t;,xtra commt:.rcium, bem como os terrenos
Capítulo 12 • Aquisição Da Propriedade 121

provinciais. São, ainda, excluídas da usucapião, por uma regra da Lei das XII
Tábuas, as coisas furtadas (resfurti_vae), enquanto não voltarem às mãos de seu
legítimo dono. Outras leis estabeleceram regra idêntica quanto às coisas cuja
posse fora obtida por violência (res vi posst:_s
sae).
ii) Posst:_ssio
O segundo requisito da usucapião clássica é a "posse" da coisa, qualificada
pela intenção de tê-la como própria (chamada posst:_ssío civi_lis).O mero detentor
(como, por exemplo, o inquilino) não pode, portanto, usucapir.
iii) Í!d_stus
ti_tulus
O terceiro requisito é um "justo título " (i!d.stusti.tu!us) ou "justa causa de
usucapião" (i!d_sta c4usa usucapiQnis). Esse título ou causa nada mais é do que o
negócio jurídi co precedente (por exemplo, um contrato de compra e venda, uma
doação, ou um testamento) no qual a posse se baseia e que, por si só, teria levado
à aquisição da propriedade, mas não levou , em razão de um defeito no direito
do alienante (por exemplo, não se tratar do legítimo proprietário ) ou no ato da
aquisição (por exemplo, se for nulo por qualquer irregularidade).
Temos de recordai~ aqui , que para a transfer ência da propriedade não basta
o simples acordo entre as partes: é preciso, ainda, a prática de um dos atos de
transferênc ia. Tais atos foram estudados no parágrafo relativo aos modos derivados
de aquisição da propriedade.
Como já foi dito, se o ato de transferência, entretanto, for viciado, não se
transfere a propriedade. Assim , nos casos de:
a) transfer ênc ia "por quem não é dono" (a non dQmino) ou por pessoa
incapaz de agir;
b) vício formal do ato de transferência; por exemplo, a prática da tradi_tio
ao invés da mancip4tio, na hipótese de se tratar de um imóvel, ou qualquer outra
falha cometida nas formalidades prescritas na mancip4tio ou na in Í!d_re cfssio.
Nesses casos, embora nulo o ato de transferência da propriedade, adquire-
se o domínio pela usucapião , se for justo o titulo em que se fundou o ato de
transferência viciado.
iv) BQnajides
Quarto requisito é a boa-fé (bQnajides) do possuidor. Essa é a convicção
do agente de que a coisa legitimamente lhe pertence. Trata-se, é evidente , de um
erro de fato de sua parte.
A boa-fé é exigida apenas no momento inicial da posse. No direito
romano, "a má-fé superveniente não prejudica" (m4la jides supervfniens non nQcet)
a usucapião. De outra parte, a boa-fé sempre se presume, só deixando de ser
admitida ante prova em contrário.
122 Curso Elementar de Direito Romano

v) Tempus
O quinto requ1S1to é o decurso do prazo (tfmpus) necessano para a
aquisição da propriedade pela usucapião. Era, pela Lei das XII Tábuas, de dois
anos, ou de um ano, conforme se tratar de terreno ou de outra coisa qualquer,
respectivamente.
Com o herdeiro continua a correr o prazo iniciado pelo defunto
("sucessão da posse" - succfssiopossessiQnis).O mesmo não se dava, porém, com
quem adquirira a coisa a título particular, como por compra, doação etc. Mais
tarde, a partir da época dos Imperadores Severo e Caracala (século III d. C.), tais
adquirentes foram equiparados aos herdeiros, autorizando-se-lhes a contagem
do prazo da usucapião a partir do iní cio da posse do seu antecessor ("acessão da
posse" - accfssiopossessiQnis).
A perda da posse interrompe o prazo da usucapião (usurpg_tio).
Recuperando-se a posse, inicia-se novo prazo. O direito clássico não conhece
ainda a interrupção causada pelo exercício do direito de ação reivindicatória, nem
a suspensão do prazo em favor dos incapazes ou ausentes. Esses, porém, podiam
ser socorri dos pelo pretor, por meio de uma medida judicial que cons ider ava não
realizado um negócio jurídico ou formalidade processual, visando à "recomposição
integral " (restitY:.tioin i_ntegrum)da situação jurídico-patrimonial anterior.

"PRESCRIÇÃO <AQUISITIVA> DE LONGO PRAZO"


(PRAESCRlPTIOLONGI TE.MPORIS)
A praescriptio é um instituto muito mais recente do que a usucapi ão e
também comple tamente diferente dele, quanto ao caráter. Enquanto a usucapião
é um modo de aquisição da propriedade, a praescriptio, na sua origem, é um meio
de defesa processual, concedido ao possuidor contra quem lhe exigisse a coisa por
meio de ação reivindicatória.
Trata-se de um instituto de origem grega, que foi criado no fim do século
II d.C. É uma espécie de "exceção" (exct;tio) - ou seja, um meio de defesa - na
ação reivindicatória, que paralisava a pretensão do autor contra o réu , em virtude
de ele possuir pacificamente a coisa durante um determinado prazo. Esse era
muito mais comprido do que o da usucap iáo: dez anos quando ambas as partes
moravam na mesma cidade ("entre presentes" - inter praesfntes) e vinte anos
em caso contrário ("entre ausentes" - inter absfntes). Exigiam-se, também, os
requisitos da usucapião: o justo título e a boa-fé. Mais tarde, tal defesa processual
transformou- se em um modo de aquisição da propriedade, tendo o adquirente,
por meio dela, completa proteção processual, não só contra o proprietário
Capítulo 12 • Aquisição Da Propriedade 123

antecedente, mas contra qualquer terceiro.


Embora aplicada primacialmente aos terrenos provinciais, a praescriptio
!Qngi tg_mporisfoi estendida também aos móveis, sobretudo em favor dos
peregrinos, em vista de esses não poderem utilizar-se da_usucapião, por ser um
instituto do direito quiritário .

11
PRESCRIÇÃO <AQUIS ITIVA> DE LONGUÍSSIMO PRAZO"
(PRAESCRlPT/OLONGlSSIMITE.MPORIS)
Considerando a evidente negligência do proprietário que, durante tempo
excessivo, não usasse do seu direito contra o possuidor, os imperadores do último
período entendiam que tal proprietário deixava de merecer a proteção judicial.
O imperador Constantino foi o primeiro que estabeleceu a extinção da ação
reivindicatória depois de decorridos quarenta anos. Mais tarde, Teodósio, no
século V d.C., reduziu o prazo a trinta anos. Tal extinção da ação reivindicatória
opera-se sem exigência de boa -fé, nem de justo título por parte do possuidor.
Esse, porém, nunca será proprietário; terá , apenas, contra o proprietário, um
meio de defesa processual, fundado na alegação da "prescrição <aquisitiva> de
longuíssimo prazo " (praescriptiolongissimi tg_mporis).

REFORMA DA USUCAPIÃO POR JUSTINIANO


Justiniano remodelou a usucapiáo completamente. Fundiu a usucapião e
a praescriptio !Qngitg_mporise modificou essencialmente a praescriptio longissimi
tg_mporis.
A p raescriptio !Qngi tg_mporís transformou -se em modo de aquisição da
propriedade, aplicável apenas aos imóveis. Exigia boa-fé e justo título, sendo o
prazo de dez anos inter praesfntes e o de vinte anos inter absg_ntes.
A usuc4pio era o nome do modo de aquisição dos móveis, sujeita aos
mesmos requisitos do período anterior, e seu prazo foi aumentado para três anos.
A praescriptio longissimi tg_
mporis, por sua vez, passou a ser também um
modo de aquisição da propriedade, pelo decurso do prazo de trinta anos, sem
justo título, mas com boa-fé do possuidor.

l _ ~ =--
124 Curso Elementar de Direito Romano

PERDA DA PROPRIEDADE
Perde-se a propriedade:
i) pela extinção;
ii) pelo perecimento da coisa;
iii) pelo "abandono" (derelj_ctio)
da coisa, com a intenção de não mais ser
proprietário; e
iv) pela transferência do domínio a outrem ou aquisição originária
feita por pessoa diversa, como, por exemplo, a especificação de material alheio,
aquisição de fruto por possuidor de boa-fé, usucapião etc.
Capítul o 13 • Direitos Reais So b re Coisa Alh eia 125

CAPÍTULO 13
DIREITOS REAIS SOBRECOISA ALHEIA

CONCEITO
Os direito s reais sobre coisa alheia nada mais são do que parcelas do
direito de propri edade (ou seja, das faculdades de usar, fruir e dispor) con cedid as,
voluntariam ente, a terceiro pelo proprietário. Tais parcelas podem ser mais amplas ,
como no usufruto , ou mais restritas, como nas servidóes prediais, e conservam
a m esm a característica da propriedade , de valerem "contra todos " (frg a Qmnes).
A propriedade é um direito absoluto e exclusivo, a ser respeit ado por todos.
Chama-se "direito sobre a coisa" (i!::1.
s in re) pelo fato de os romanos considerarem
que a relação entre o propriet ário e a coisa é direta e imediata .
Evidencia va-se tal conceito também na construção da fórmu la dos meios
processuais de proteção da propriedade que fazem parte das ações reais (actiQnes
in rem). Nessas, a primeira parte da fórmula, chamada "pretensão " (intfntio ),
incluía apenas o nome do autor e o direito que ele alegava ter sobre a coisa, sem
mencionar o réu que o teria violado. Desse modo, as actiQnes in rem traduziam
perfeitamente o conceito de que o direito de propriedade, protegido por elas,
valia "contra todos" (f rga Qmnes). Por causa dessa característica o direito de
propriedade é chamado de um direito real.
Aliás, a propriedade é o direito real por excelência. Há, porém , outros
direitos reais, que também têm a mesma característica de valerem contra todos,
mas que são restritos quanto à sua amplitude. Esses são os direito s reais que,
conforme dissemos, atribuem uma parcela do poder jurídico sobre a coisa,
normalmente pertencente ao proprietário, a outra pessoa que não ele, limitando,
assim, a plenitude da propriedade.
Os direitos reais sobre a coisa alheia (iJ::1.ra
in re alifna) compreendem :
a) os direitos reais de gozo, que são as servidóes prediais e pessoais, a
126 Curso Elementar de Direito Romano

enfiteuse e a superfície;
b) os direitos reais de garantia, que são a fidúcia , o penhor e a hipoteca.

SERVIDÕES
As servidóes são direitos reais que têm por fim proporcionar uma
participação na utilidade da coisa a quem não é seu proprietário . São chamadas
servidóes (servit!:f:_tes),
porque a coisa onerada serve, ou seja, presta utilidade ao
titu lar desse direito.
A servidão pode existir em favor de um terreno ou em favor de determinada
pessoa . No primeiro caso, são as servidóes prediais (servit!:f:_tes
praediQrum), no
segundo, as servidóes pessoais (servit!:f:.tes
persong_rum).
Há que se salientar que o período clássico não conheceu o conceito amplo
de servidão como acima exposto. Esse é fruto do direito justinianeu.

SERVIDÕES PREDIAIS
As servidóes prediais consistem em parcelas menores do direito de
propriedade (como a passagem ou o acesso à agua, contidas na faculdade de uso)
que são cedidas, no mais das vezes onerosamente, pelo proprietário de um prédio
ao dono de um prédio vizinho . Saliente-se que, na terminologia técnico-jurídica,
"prédio" é sinônimo de imóvel em geral, construído ou não; assim, mesmo um
simples terreno também é chamado de prédio.
As servidóes prediais existem sempre entre dois prédios. Um, o prédio
dominante, em cujo favor a servidão subsiste, outro, o prédio serviente, gravado
pelo ânus da servidão.
O titular do direito de servidão é o dono do prédio dominante .
Naturalmente, mudando o dono, mudará, ao mesmo tempo, o titular da servidão.
Assim, o direito do titular da servidão não está ligado a sua pessoa, mas só
existe em virtude da relação de propriedade que ele tem com o prédio dominante,
enquanto subsistir essa relação .
O dono do prédio serviente é gravado pela servidão pelo só fato da sua
relação de domínio com esse prédio, aplicando-se-lhe, "mudadas as coisas que
devem ser mudadas" (mutg_tismutg_ndis), o que foi dito sobre o proprietário do
prédio dominante.
Quanto ao seu objetivo, ou seja, seu conteúdo positivo, as servidões
prediais são inúmeras. Para dar alguns exemp los: servidão de passagem de
pessoas, de trânsito de veículos, de aqueduto, de extração de água, de condução
Capítulo 13 • Direitos Reais Sobre Coisa Alheia 127

de esgotos, de não construir acima de certa altura etc.


Os romanos distinguiam as servidões prediais rusttcas das urbanas. A
distinção não tem base dogmática; funda-se em razões históricas. As mais antigas
eram as rústicas. Recordem-se as servidões de passagem - a pé (iter), a pé e
com animais (flctus), a pé, com animais e com veículos (via) - e a servidão de
aqueduto (aquaedy._ctus), que foram consideradas res mflncipi, demonstrando a
sua antiguidade no ordenamento jurídico roma no. Parece que foi o caráter do
prédio dominante que determinou se a servidão devia ser considerada rústica ou
urbana.
Normalmente, as servidões urbanas eram constituídas em favor e no
interesse de uma construção e, na maioria, eram do tipo negativo: proibiam
ao proprietário do prédio serviente uma conduta que normalmente poderia
praticar, mas que já não pode por causa da servidão. Era o caso, por exemplo, da
servidão de não construir acima de certa altura , a fim de não prejudicar a vista, a
ventilação e a insolação do prédio dominante.
As servidões rústicas eram precípuamente positivas: autorizavam o
dono do prédio dominante a fazer alguma coisa, interferindo no uso do prédio
serviente, conduta que o dono desse último tinha de tolerar em consequência do
gravame da servidão . Por exemplo: uma servidão de passagem.
As características comuns das servidóes prediais são a perpetuidade
e a indivisibilidade. A servidão vincula perpetuamente o prédio servience ao
dominante e faz parte da qualidade jurídica deles. A servidão é indivisível, pois
constitui wn direito uno , que não pode ser partilhado. Assim, os coproprietários
não podem dividir entre si o direito de servidão, tendo cada um o direito de
exercê-lo integralmente. De outro lado, a servidão grava o prédio serviente no seu
todo, sendo o ônus uno e indiviso.
Quanto ao seu objeto, a servidão deve proporcionar uma vantagem real e
constante ao prédio dominante, e não apenas ao seu dono no momento em que
é constituída.
É essencial, ainda, que os dois prédios estejam próximos para que possa
existir, entre ambos, servidão.

SERVIDÕES PESSOAIS
São direitos reais sobre coisa alheia, estabelecidos em favor de determinada
pessoa . Tais eram o usufruto, o uso, a habitação e o trabalho de escravos. Todos
são direitos de gozo sobre coisa pertencente a outrem. Diferem, quanto ao seu
caráter, das servidóes prediais, pois as servidóes pessoais proporcionam um direito
128 Curso Elementar de Direito Romano

mais amplo ao seu titular do que as prediais. Por isso, as servidóes pessoais são
limitadas no tempo e não são perpétuas.
É, assim, contrabalançada nelas a maior amplitude no uso, pela duração
limitada . Já as servidóes prediais conferem um direito bastante restrito ao seu
titular, mas esse fica perpetuamente ligado aos prédios vincu lados pela servidão.

i} Usufruto
É o direito real inalienável, lin1itado no tempo , que atribui ao seu titular
(o usufrutuário) as faculdades de usar coisa alheia inconsumível e de perceber-lhe
os frutos, mantida inalterada a sua destinação econômico-social .
Seu titular é individualmente determinado e, por isso, o direito extingue-
se, o mais tardar, com a morte do usufrutuário (usufruto vitalício). Pode ser
constituído por certo prazo também (usufruto temporário), mas a morte do
titular extingue-o mesmo antes do vencimento do prazo estabelecido. Caso o
titular fosse pessoa jurídica, o usufruto extinguia-se depois de decorridos cem
anos, pois esse era considerado o último limite da vida humana .
O usufruto é um ônus gravíssimo que pesa sobre o direito de propriedade.
O uso da coisa e a percepção de seus frutos representam, na prática, as vantag ens
reais do gozo da coisa, normalmente reservadas ao dono. A coisa objeto de
usufruto fica pertencendo a seu proprietário, mas esse quase não tirará proveito
real dela, enquanto subsistir o usufruto. O seu direito é chamado pelos romanos,
acertadamente , de "nua propriedade " (nY:.dap ropri.etas- Gai. 2, 30) , que significa
um direito despido de suas consequências normais. Entretanto, o proprietário,
chamado nu-proprietário , conserva a expectativa de recuperar a plenitude desse
direito. A cemporariedade do usufruto dá um cunho de certeza a essa expectativa.
Outrossim, para salvaguardar os interesses do proprietário privado do uso
e gozo de sua coisa durante a existência do usufruto, deve esse ser exercido dentro
de certos limites legais. A definição romana do usufruto contém essa limitação:
"o direito de usar e fruir coisas alheias, preservada a sua substâncià ' (iY:.salit.nis
rt.busutç_ndifruç_ndi,s4.lvarç_rumsubst4ntia - Inst. 2, 4 pr .).
Entretanto, o significado das palavras "preservada a sua substância" (s4.lva
rfrum subst4ntia) está longe de ser claro. Exprime, com efeito, de modo imp lícito,
várias idéias, tais como: a de que o usufrutuário, no exercício de seu direito, não
deve modificar substancialmente a coisa; a de que o usufruto se extingue se a
coisa perecer ou se transformar de maneira a mudar seu caráter; e, ainda, essa
outra , que constituí princíp io fundamental, a de que o usufruto .só pode existir
sobre coisa inconsumível.
Capítulo 13 • Direitos Reais Sobre Coisa Alheia 129

Todas elas são regras cuja inobservância acarreta a extinção ou nulidade


do usufruto. Assim, por exemplo, o usufrutuário náo pode transformar um
terreno arenoso em vinhedo, embora isso possa representar um aumento do seu
valor, porque dessa forma modificaria a coisa substancialmente, o que é vedado.
De outro lado, o usufrutuário é obrigado a exercer seu direito "com
o arbítrio de um bom homem" (bQni viri arbitr4tu), ou seja, como homem
cuidadoso. Assim, ele deve consertar a casa, adubar o terreno, manter completo
o rebanho pela substituiçáo das ovelhas perdidas com as que vierem a nascer.
Essa sua obrigação devia ser reforçada por uma caução usufrutuária (c4utio
usl!ftuctu4ria), que servia também para assegurar a devida devolução da coisa no
estado em que estava quando recebida.
O direito do usufruto era intransferível, mas seu exercício podia ser
cedido , tanto a título gratuito como a título oneroso.
Usufruto irregular. Das regras acima segue-se que o usufruto só podia
ser estabelecido sobre coisa inconsumível, pois a consumível normalmente náo
pode ser usada sem que se lhe destrua a substância. Entretanto, no início do
Principado, um senatusconsulto permitiu o usufruto de coisas consumíveis. Nesse
caso, porém, a coisa, na realidade, passa para a propriedade do usufrutuário;
consequentemente, esse fica com a obrigação de devolver, findo o usufruto, coisa
equivalente do mesmo gênero, qualidade e quantidade. Tratando -se de forma
anómala , por chocar-se com os princípios fundamentais do usufruto, os romanos
chamavam esse, que recaía sobre coisas consumíveis, de "como se fosse usufruto"
(qu4si ususfry_ctus).

ii) Uso
Outro direito real sobre coisa alheia, enquadrado na categoria das servi dões
pessoais, é o uso (y_sus)- o direito de usar de uma coisa, originariamente
não podendo perceber seus frutos. Mais tarde, porém, passou-se a admitir tal
percepção apenas para a satisfação das necessidades do titular e na medida delas.
O usuário pode servir-se da coisa para seu uso pessoal e para o de sua família.
Aplicam -se ao uso as regras do usufruto, com a única diferença de que o exercício
do uso não pode ser cedido.
130 Curso Elementar de Direito Romano

iii) Habitação e trabalho de escravos e de animais


São formas mais restritas de uso. A primeira refere-se ao uso de uma casa,
conferindo ao seu titular apenas o direito de habitá-la . O segundo é o direito de
usar dos serviços de escravos ou de animais de carga.

CONSTITUIÇÃO, EXTINÇÃO E PROTEÇÃO DAS SERVIDÕES


O modo normal de constituição das servidóes, no período do direito
quiritário, era a in i11:.recfssio. Quanto às servidóes prediais, que foram
consideradas res m{lncipi, essas podiam ser constituídas pela mancip{ltio. Modo
especial de constituição era a "reserva de servidão" (ded11:.ctioservit11:.tis),
que era a
cláusula incluída no ato de alienação (mancip4Jio), reservando para o alienante
uma servidão sobre a coisa alienada. Havia, ainda, a servidão constituída por
adjudicação em partilha da coisa comum entre os coproprietários . Também era
muito usado, especialmente para a constituição das servidóes pessoais, o legado,
que é um negócio jurídico de última vontade.
A usucgpio de uma servidão era possível também, até que uma Lei
Escribônia (/ex ScribQnia),no fim da República, a proibisse.
O pretor, por sua vez, deu proteção processual a servidóes constituídas
sem as formalidades retro expostas. Assim, para efeitos dessa proteção era bastante
uma espécie de tradi.tio,seguida pela "paciência'' (patifntia), isto é, tolerância por
parte do dono da coisa, do exercício da servidão.
As servidóes nos terrenos provinciais eram constituídas por negócio
especial: "acordos e contratos verbais solenes" (pactiQnibuset stipuLatiQnibus) .
Justiniano remodelou os modos de constituição das servidóes, por
haverem desaparecido, no seu tempo, diferenças entre os modos de aquisição
da propriedade (quiritários e pretórios). Nessa época, aplicou-se às servidóes
também a usucapião pela praescri.ptioÍQngitfmporis.
Extinguem-se as servidóes pela "cessão em juízo <por simulação>" (in
i11:.re
cfssio);pela "confusão" (con/11:.sio)
ou "consolidação" (consoLid{ltio) , que são a
reunião, na mesma pessoa, do direito à servidão e do domínio; pelo não uso, que
implica, nas servidóes prediais, o exercício, pelo dono da coisa, de uma atividade
contrária ao direito da servidão ("usucapiáo da liberdade" - usuc4pioLibert{ltis),e,
também, pelo perecimento do prédio serviente ou do dominante. Usufruto , uso
e os direitos análogos extinguem-se pela morte do titular.
Para proteção judicial das servidóes, havia, à semelhança da ação
reivindicatória (rei vindic{ltio), uma ação de reivindicação de servidão (vindicgJio
Capítulo 13 • Direitos Reais Sobre Coisa Alheia 131

servity_tis)e de usufruro (vindic4tio ususfr11.ctus),


cujo nome foi transformado por
Justiniano em ação confessóría (4ctio confessQria).O pretor, de sua parte, também
proporcionou meios processuais para defesa de servidóes que não tivessem proteção
quír itária e, além disso, por meio dos interditos, protegeu a posse das servidóes.

SUPERFÍCIEE ENFITEUSE
O direito romano conheceu mais dois tipos de direitos reais de gozo sobre
coisa alheia : a superfície (superficies) e a enfiteuse (emphytfusis). Os institutos
eram excepcionais, pois conferiam ao seu titular parcelas tão amplas do direito
de propriedade que, na realidade, suprimia, quase totalmente, o direito do dono
da coisa - a tal ponto de alguns autores os considerarem modalidades especiais
do direito de propriedade, mais do que meros direitos reais sobre coisa alheia.

Superfície
A superfície, no entender da opm1ao comum (comm11.nisopinio) ou
doutrina dominante, era o direito real de usar e gozar, por longuíssimo prazo, de
um terreno urbano alheio, para fins de construção, contra o pagamento de um
foro anual ao proprietáüo do terreno.
Originou-se do arrendamento, a particulares, de terrenos pertencentes
aos Municípios. Devido à regra "a superfície acede ao solo" (superfíciessQ!ocfdit),
tudo o que fosse definitivamente ligado ao terreno pertencia ao proprietário desse,
por acessão (accfssio).Assim, a construção feita pelo arrendatário pertencia ao
Município. Nesses casos, entretanto, para fins práticos, o pretor concedeu uma
proteção possessória ao arrendatário construtor sobre a sua construção: o "interdito
de superfície" (interdictum de superficifbus). Tal praxe logo se estendeu a terrenos
pertencentes a particulares. No direito justinianeu, por fim, foi concedida uma ação
real. (4ctio in rem) e criou-se um novo instituto de direito real sobre coisa alheia.
Naturalmente , a construção pertencia sempre ao proprietário do terreno,
mas o superficiário tinha um direito real, oponível a todos, autorizando-lhe usar,
gozar e dispor daquela construção pertencente a outrem. Por isso era. um direito
sobre coisa alheia.
A superficiesera alienável a título gratuito e oneroso e transferia-se aos
herdeiros.
Ressalte-se, por fim, que parte minoritária da doutrina, todavia, entende
que o direito de superfície, na experiência jurídica dos romanos, constituiu-se, na
verdade, em um tipo especial de direito de propriedade - a chamada "propriedade
superficiária " (correspondente, em linhas gerais, ao denomi nado "direito de laje"
132 Curso Elementar de Direito Romano

do direito brasileiro).

Enfiteuse
A enfiteuseera o direito de usar e gozar, por tempo ilimitado, de um prédio
rústico alheio, para cultivo, contra pagamento de um foro anual ao proprietário
do terreno.
Suas origens remontam ao arrendamento, por prazo longo ou para sempre
(in perpftuum), das terras públicas a particulares, contra pagamento de um foro
anual chamado vectjgal. Daí o nome de tais terras arrendadas: "campos vetigais"
(4-grivectigr1les).
O pretor concedeu a tais arrendatários, para proteção dos direitos
destes, uma "ação real vetigal" (4ctio in rem vectiggJis)elevando, assim, o instituto
a direito real, oponível a todos, que sobreviveu, até difundindo-se muito, em
todo o período imperial.
Separadamente e bem distinto dos 4-grivectig4les,a partir do século III
d. C. , os imperadores costumavam conceder a particulares, contra um foro
anual (cg_non),terras incultas, pertencentes à família imperial, para cultivo. Tal
concessão era feita, porém , por prazo determinado e não muito longo. Esse
instituto é de origem grega, observado e copiado pelos romanos no Egito e em
Cartago, e chamou-se enfiteuse (emphyteusis).
A partir do século IV d.C., os dois institutos, o 4-gervectig4.lis,também
chamado "direito perpétuo" (ius perpftuum), e a emphyteusisfundiram-se e assim
apareceu o novo instituto, sob o nome do último, na codificação justinianéia.
Os direitos do enfireuta são bem amplos, ma.is do que os do usufrutuário:
são quase iguais aos do proprietário. Pode transformar o terreno, modificando-o
substancialmente, mas não deteriorando-o; adquire os frutos pela separação;
seu direito é alienável e transfere-se aos herdeiros; pode gravá-lo de servidão, ou
empenhá-lo; e tem a posse, protegida por interditos (possfssioad interdi.cta).
O direito do proprietário do terreno restringe-se à percepção do foro
anual e à expectativa de recuperar a inteireza de seu domínio, caso a enfiteuse se
extinguir. Tem ele direito também ao chamado "laudêmio" (laudfmium), que era
a percentagem de dois por cento do preço de alienação do direito da enfireuse,
devida pelo alienante ao proprietário .
Extinguia-se a enfireuse: pela destruição da coisa; consolidação
(consolid4tio), isto é, reunião, na mesma pessoa, das qualidades de titular da
enfiteuse e do domínio; renúncia; ou, com_o pena, por não pagar o enfiteuta
durante três anos o foro anual, ou não avisar o proprietário para que ele pudesse
exercer o seu direito de preferência em caso de venda da enficeuse. As regras
acima aplicam-se também à superfície, com ligeiras modificações.
Capítulo 14 • Direitos Reais De Garantia 133

CAPÍTULO14
DIREITOS REAIS DE GARANTIA

CONCEITO
O pagamento de uma dívida pod e ser garantido de dois modos: com
garantia pessoal ou com garantia real. No primeiro, uma pessoa responsabiliza -
se a pagar ao credor, caso o devedor não o faça; no segundo, uma coisa fica
vinculada a tal fim.
O direito real de garantia, portanto, é o que o credor, eventualm ente ,
tem sobre uma coisa alheia para assegurar-lhe o recebimento do seu crédito. Tal
direito é acessório: pressupõe uma relação obrigacional principal que garante e
da qual depende sua existência. Cessando a obrigação principal, extingue-se a
garantia também.
No direito romano, havia três formas diferentes de direito s reais de
garant ia, cada uma tendo construção jurídica diferente:

"FIDÚCIA COM RELAÇÃO AO CREDOR" (FIDUC/A CUM


CREDITORE)
Garantia de uma obrigação principal por meio da transferência da
propriedade de uma resmfl:_ncipi ao credor, denominado "fiduciário" . Efetuava-se
por meio da manciprJ:.tio ou in iy_recfssio, com cláusula adjeta ("pacto fiduciário"
- prJ:.ctumfidy_ciae),conforme a qual o credor se obrigava a devolver a coisa,
retransferindo a propriedade , logo após receber o que lhe era devido pela
obrigação principal garantida.
O credor, dessa maneira, passava a ser dono da coisa. A sua obrigação
de restituí- la era sancionada por uma "ação fiduciáriá' (rJ:.ctio fidy_ciae), mas,
naturalmente, não o impedia de dispor da coisa como dono até a devolução.
134 Curso Elementar de Direito Romano

Assim, o credor ficava bem protegido; em contrapartida, o dono da coisa dada


em garantia tinha muito menos proteção.
Essa forma de garantia, muito usada em todo o período clássico,
desapareceu na época pós-clássica, junto com a mancip4tio e a in iY:.recfssio.

PENHOR (PlGNUS)
Coexistindo com a fidy_cia, havia outro modo de garantia real de uma
obrigação: o penhor (pignus) - e, note bem, não "penhorà'. Consistia na
transferência da poss e da coisa dada em garantia ao credor, que tinha, nessa
qualidade, a proteção possessória contra qualquer turbação alheia, inclusiv e por
parte do dono.
O credor - chamado nesse caso "credor pignoratício" - não podia dispor
juridicamente da coisa, mas a tinha em seu poder de fato , assegurando -se a
possibilidade de, por meio dela, obter o pagamento da dívida, caso o devedor
não o fizesse. Instituía-se por um acordo sem formalidades, seguido pela entrega
da coisa ao credor.
Quando o acordo previa que os frutos da coisa empenhada - e, note
bem, não "penhoradà' - pertencessem ao credor pignoratício , chamava-se isso
anticrese (antichrfsis). Se esse usasse a coisa empenhada sem expressa autorização,
cometia furto.

HIPOTECA (HYPOTHE_CA)
Tanto na fidy_cia, como no penhor , o dono perdia a posse da coisa em
favor do credor. Economicamente, isso representava grave ônus para o dono .
A hipoteca , forma mais recente que as outras, eliminava tais inconvenientes.
Tratava-se de uma garantia real, esta belecida pelo simples acordo, sem
que a respectiva propriedade ou posse da coisa passasse ao credor (chamado,
nesse caso, "credor hipotecário"). A coisa dada em garantia ficava vinculada
simplesmente pelo acordo , tendo o credor um direito oponível contra todos (f.rga
Qmnes) de, por meio dela, obter satisfação do seu crédito, se não liquidado pelo
devedor.
O nome hypothfca é grego, mas o instituto é romano, tendo o nome grego
aparecido só no período pós -clássico. Originou-se do arrendamento de terras para
cultivo, em que o arrendatário rural, dito "colono" (colQnus),vincu lava utensílios
e insuumentos (invfcta et ill4ta) para garantir sua obrigação perante o dono da
terra. Tendo necessidade deles para poder trabalhar e pagar a dívida principal,
Capítulo 14 • Direitos Reais De Garantia 135

esses ficavam na sua posse. Era, pois, uma espécie de penhor excep cional.
No fim da República, um pretor, de nome Salviano, conc edeu um
interdito possessório ao dono da cerra para, em caso de não-pagamento da dívida
principal, adqu irir a posse de tais coisas vin culadas como garantia. Chamava-se
"In terdito Salvian o" (interdictum SaLvi{lnum) e era um "interdito para aquis ição
de posse" (interdictum adipiscfndae possessiQ1ús causa), pois fazia adquirir a po sse,
nunca tida antes.
Por essa forma de garanti a, criou-se um instituto di tinto . Mais tard e,
por ém ant es da codi ficação do Ed ito , na época de Adriano, Lun p retor, de nome
Sérvio, concedeu uma ação real (gctio in rem) ao dono do terreno, cham ada
"Ação Serviana" (4.ctioServiana), elevando, assim, o instituto a um direito real
sobre coisa alheia, oponível a todos. Foi o célebre ju risconSLtlto Sálvio Juliano
quem estendeu a 4.ctioServia.naa todos os casos de hipoteca e tamb ém ao penhor.
Percebe-se,portanto, que penhor e hipoteca eram institutos muito semelhantes,
com a diferença de que, no segundo, o devedor não perdia a posse da coisa para o
credor; além disso, o penhor passou a ser, na praxe, muito mais usado para coisas
móveis do que a hipoteca.

EFEITOSDOS DIREITOS REAISDE GARANTIA


O fiduciário tornava -se pro pri etári o da coisa dada em garantia, mas com
a obr igação de devolvê-la quan do liquidado o débito garantido. Assim, durante a
existência da fidúcia, ele tinha todos os direitos que competiam ao proprietário.
Não assim o credor pignoratício, nem o credor hipotecário. Esses só tinham o
direito de possuir (iu.spossidfndi) . O primeiro desde logo, a partir da constitu ição
do pe nhor, e o segundo a partir do inadimplemento da obrigação principal.
A finalidade dos direitos reais de garantia é a de assegurar a satisfação
do credor, caso o devedor não pague. N a fidu.cia, em tal caso, o credor ficava
com a coisa, sendo dono , como era. Dessa maneira, na prática, vinha a receber
ou m enos ou mais do que o seu crédito, segundo o valor da coisa, em relação à
obri gação principal garan tida .
Por esse in convenien te, bem cedo introduziu -se outra modalidade de
fiducia, com o "pacto de ser lícito vender a coisa'' (p4.ctum ut vfndere lic§.ret).
Essa cláusula, anexa à fidu.cia, p revia a venda da coisa, pelo credor fidu ciário, a
fim de ele pagar-se com o preço ob tido. Caso esse não chegasse a cobrir a dívida
garantida, o devedor con tinu ava obrigado pelo resto; caso contrário, tinha direito
de receber o excesso chama do de "supérfluo" (sttpfifluum ou hyperQcha).
l No pignus e na hypoth§.caaplicavam-se, originariamente, ambos os modos
1

1
1

l
136 Curso Elementar de Direito Romano

de realização da garantia acima expostos. Na época imperial, as partes podiam


escolher entre a chamada "cláusula comissórià' (lex commissQria),que estabelecia
a passagem da coisa para a propriedade do credor pignoratÍcio, caso o devedor
não pagasse no vencimento, e a outra modalidade de cláusula, que conferia ao
credor o "direito de vendà' (ius distrahfndi), com base na qual esse podia alienar
a coisa para, com o preço, pagar-se do seu crédito.
A part ir da época dos imperadores Severos, no século III d.C., o ius
dístrahfndi passou a fazer parte do penhor sempre que as partes não estipulassem
diversamente. Mais tarde, Constantino, no século IV d.C., proibiu a lex
commissQría,por considera-la injusta, já que, na praxe, o valor da coisa empenhada
ou hipotecada era sempre maior do que o valor da dívida. Assim, o ius distrahfndi
passou a ser o único e exclusivo efeito do penhor e da hipoteca. Portanto, o
credor pignoratício ou hipotecário jamais poderia tornar-se proprietário da
coisa empenhada ou hipotecada em consequência do simples inadimpl emento
da dívida. Somente se não fosse encontrado um comprador, o credor podia,
excepcionalmente, pedir ao Imperador que lhe fosse atribuída a propriedade da
coisa ("impetração <para aquisição> de domínio" - impetr{ltiodominii).
Era possível haver mais de um direito de hipoteca sobre a mesma coisa.
Não era assim no penhor, que exigia a entrega real da coisa. Quando , então,
concorriam vários direitos de hipoteca, prevalecia o mais antigo ("primeiro no
tempo, mais forte no direito" - p rior tfmpore, pQtior iure) e o mais novo tinha
direito só ao excesso verificado após a satisfação do credor hipotecário mais
antigo. Ao credor hipotecário subsequente era lícito subrogar-se nos direitos
do credor hipotecário mais antigo, oferecendo-lhe o pagamento integral de seu
crédito ("direito de oferecer" - ius offert:.ndi).
Cumpre-se mencionar que a regra de "primeiro no tempo, mais forte no
direito" (prior tfmpore,pQtior i'l:!;re)
sofreu muitas exceções no período pós-clássico
em favor de tipos privilegiados de hipoteca.
CURSO
ELEMENTAR
DE
DIREITO
ROMANO
DIREITO
N
DAS
OBRIGAÇOES

L
Capítulo 15 • Obrigações 141

CAPÍTULO15
OBRIGAÇÕES

CONCEITO
A obrigação (oblig{!.tio)é um liame jurídico entre o credor e o devedor,
pelo qual o primeiro tem direito a exigir determinada prestação do segundo, que,
por sua vez, é obrigado a efetuá-la. Essa ideia é expressa na famosa definição das
Institutas de Justiniano:
"Obrigação é um vínculo jurídico por meio do qual nós ficamos
necessariamente adstritos a prestar alguma coisa, segundo o direito da nossa
cidade" ( Oblig{!.tioest iuris vj_nculum,quo necessit{!.te
adstrj_ngimuralicuius solvfndae
rei sec11.ndumnQstraecivit{!.tisiura. - Inst. 3, 13 pr.).
Analisando o sentido da palavra obrigação verificamos que é bem ampla e
não fica restrito ao conceito acima indicado. Em sentido lato, a palavra obrigação ,
como contraposto a direito, inclui todos os deveres jurídicos. Nesse sentido
amplo já a encontramos ao tratar do direito de família e também dos direitos
reais. O filho é obrigado a respeitar seu pai e todos são obrigados a respeitar e não
perturbar o exercício de um direito real pelo seu titular. Tal obrigação, porém ,
difere da obrigação no sentido técnico da palavra.
Os direitos reais implicam um dever negativo: não perturbar o direito
do titular deles. Tal dever é geral e de todos: vale "contra todos" (f.rgaQmnes).
Nas obrigações, entretanto, a relação existe só entre determinadas pessoas e o
dever pode ser tanto negativo como positivo. Outrossim, os direitos reais são
normalmente duradouros , até muitas vezes perpétuos; ao passo que a obrigação
é, em princípio, temporária, tende sempre para seu cumprimento e extingue-se
por meio dele.
Isso é expresso em outra famosa definição dos textos romanos: "A essência
das obrigações não consiste em fazer que algum objeto se torne nosso, ou que
142 Curso Elementar de Direito Romano

uma servidão se torne nossa, mas em obrigar outra pessoa a nos dar, fazer ou
prestar alguma coisà' ( ObligatiQnum subst4ntia non in eo consi_stít,ut f:!:.líquod
cQrpusnQstrum aut servity_temnQstram/4ciat, sed ut f:!:.Íium nQbis adstringat ad
df:!:_ndum
f:!:.liquid
velfacifndum velpraestf:!:_ndum - Paulo, D . 44,7,3 pr.).
A obrigação, no sentido técnico da palavra , difere ainda dos deveres do
direito da família. Nas relações familiares há sempre uma subordinação, que se
baseia no poder do p4terfamilias. Não se dá tal subordinação entre o credor e o
devedor; eles são partes, em pé de igualdade, na mesma obrigação.
Voltando, agora, ao conceito de obrigação (obligf:!:.tio): se o devedor
deixar de solver sua obrigação, o credor tem uma ação obrigacional (4ctio in
persQnam) contra ele para forçá-lo à execução. Tal execução, nas suas origens,
era pessoal: o devedor respondia com sua pessoa, até com seu corpo (podia ser
recalhado em pedaços pelos credores, conforme disposição das XII Tábuas). Mais
tarde, por força da Lei Petélia Papíria (!ex Poetf_fíaPapiria), do séc. Na. C., a
responsabilidade do devedor passou a ser patrimonial, respondendo ele com seus
bens.
1
Podemos distinguir, pois, no conceito da obrigação, dois elementos: a

l existência de um débito (elemento esse modernamente conhecido pela palavra


alemã Schuld, que se con sagrou na civilística por influência da doutrina germânica)
1
e a responsabilidade do devedor pelo seu pagamento (chamada em alemão de
H4ftung). Essa responsabilidade, a rigor, nada mais é que a consequência jurídica
l pelo não cumprimento da obrigação.

PARTESNA OBRIGAÇÃO
As partes essenciais na obrigação são o credor e o devedor. Sem os dois
não há obrigação.
Além das partes essenciais, isto é, credor e devedor, podem ser incluídas
outras pessoas na obrigação, como o fiador, ao lado do devedor, ou uma terceira
pessoa autorizada a receber ou a acionar em nome do credor. Escudá-las-emos
nos devidos lugares.

i) Obrigações parciaise solidárias


Em certas situações, é possível qu e haja mais de uma pessoa no lugar
de credor ou no lugar de devedor de uma mesma obrigação. Em tais casos,
normalmente, o crédito ou o débito das várias pessoas é partilhado entre eles:
cada uma é credora ou devedora de uma parte da obrigação. Tais obrigações .são

1
l
Capítulo 15 • Obrigações 143

chamadas parciais ("obrigações de muitos <devedores>, por parte ou por quota''


- obligatiQnespLY:.rium
pro parte velpro rata).
Excepcionalmente, porém, pode haver uma relação diversa entre os vários
credores ou entre os vários devedores . Trata-se de obrigações em que a prestação
é encarada como indivisível, "na sua totalidade" (in sQLidum).Nessas obrigações,
chamadas solidárias, cada credor ou cada devedor pode exigir ou deve a prestação
toda, mas o recebimento por um dos cocredores ou pagamento por um dos
codevedores extingue a obrigação para todos. A solidariedade que se verifica entre
os credores se chama ativa, e entre os devedores, passiva.
Várias podem ser as causas da solidariedade:
a) ser a prestação indivisível. Por exemplo: um cavalo devido por várias
pessoas;
b) disposição contratual entre as partes. Essa visa, naturalmente, a fins
práticos, como o de garantir o pagamento, no caso da solidariedade passiva, ou
de facilitar a liquidação, no caso da ativa;
c) ser a prestação devida em consequência de um ato iücito praticado por
mais de uma pessoa.

OBJETO DAS OBRIGAÇÕES


O objeto das obrigações ("aquilo que é devido" - id quod debftur) é a
prestação. Essa pode ser variadíssima, não sendo possível enumerar todas as suas
espécies. Por isso, seus limites só podem ser estabelecidos negativamente.
Assim, dizemos que a prestação não deve ser fisicamente ou juridicamente
impossível, ilícita, imoral ou totalmente indeterminada. Costuma-se, ainda,
incluir .a exigência de que a prestação tenha valor pecuniário, motivada pelo fato
de o processo romano só conhecer a condenação do réu ao pagamento de quantia
de dinheiro.
Caso seja impossível a prestação desde a constituição da obrigação, ela é
nula ("não há nenhuma obrigação de coisas impossíveis " - impossibi.liumnY:.Lla
obligatioest). Em caso de impossibilidade superveniente, a obrigação se extingue,
exceto quando tal impossibilidade for imputável ao devedor. Nessa última
hipótese a prestação se transforma em obrigação de ressarcir o dano sofrido pelo
credor.
.i
144 Curso Elementar de Direito Romano

CLASSIFICAÇÕES DAS OBRIGAÇÕES QUANTO AO OBJETO


Na variedade das diversas prestaçóes possíveis e imagináveis podem-se
fazer diversas classificaçóes:

i) Obrigações de dar, de fazer e de prestar


Os romanos distinguiam entre "dar" (dare), "fazer" (/4cere) e "prestar"
(praest4re). O primeiro termo significa a transferência de propriedade ou de
servidão. O segundo e o terceiro indicam toda e qualquer prestação. A distinção
não tem base dogmática, nem pode ser justificada sistematicamente.

ii) Obrigações específicas e genéricas


O objeto da prestação pode ser determinada coisa (ctrta sptcies), como o
prédio situado em frente ao salão do barbeiro. Tal obrigação é chamada "obrigação
específicà' (oblig4tio specit!_i)
. De outro lado, pode ser objeto da prestação uma
coisa genericamente determinada (gtnus), como um saco de trigo. Essa obrigação
é chamada "obrigação genéricà' (oblig4tiogtneris).
Essa distinção não deve ser confundida com a fungibilidade da coisa.
Coisa fungível pode ser objeto de obrigação específica (oblig4tio specif_i),
referente a determinada coisa, como quando compro o carro de chapa número
X. Outrossim, coisa infungível pode ser objeto de obrigação genérica (oblig4tio
gtneris): autorizo meu agente em Roma a comprar o melhor dentre os quadros
que forem postos à venda em um leilão.
A importância da distinção entre oblig4tio speciti e oblig4tiogfneris reside
no fato de que a primeira se extingue facilmente, quando perece a coisa, objeto
da obrigação, ao passo que tal extinção dificilmente se dá com as obrigaçóes
genéricas ("gênero não pode perecer" - gç_nusperi_renon pQtest).
A escolha da coisa, objeto da prestação , nas obrigaçóes genéricas, cabe ao
devedor, exceto quando for diversamente convencionado entre as partes. Assim,
tendo vendido cinquenta das cem sacas de café da mesma qualidade que possuo,
a mim é que compete escolher, dentre as cem, as cinquenta a entregar.

iii) Obrigações alternativas e facultativas


O objeto da prestação pode ser determ fnado de maneira que, contendo
várias prestaçóes, caiba a uma das partes escolher entre elas. Dependerá do
acordo feito, quem tenha direito à escolha, se o credor ou o devedor. Na falta
Capítulo 15 • Obrigações 145

de tal acordo, o devedor é que poderá escolher. Naturalmente, a execução ou


pagamento de uma das prestações extingue a obrigação. Tal obrigação se chama
alternativa. Por exemplo, eu me obrigo a vender um dos meus cavalos, x ou y.
Se uma das prestações se torna impossível, a obrigação fica reduzida à
outra. No caso do exemplo, morrendo o cavalo y a obrigação fica valendo para
o cavalo x.
Não é de se confundir a obrigação alternativa com a obrigação cujo
objeto é uma só e única prestação, mas cujo devedor tem a faculdade de entregar
em pagamento outra diferente da devida. A doutrina moderna chama-a facyJtas
alternativa. Por exemplo, em vez de fornecer a mercadoria vendida, pago a multa
contratual previamente estabelecida para o caso do inadimplemento.

iv) Obrigações divisíveis e indivisíveis


A obrigação é divisível quando a prestação pode ser dividida em partes,
sem que diminua o valor proporcional de cada parte. Caso contrário, a obrigação
é indivisível. Assim, a confecção de uma estátua a que se obriga o escultor é
obrigação indivisível; não o é, porém, a obrigação de pagar uma importância.

EFEITOS JURÍDICOS DA OBRIGAÇÃO E


RESPONSABILIDADE PELO INADIMPLEMENTO
A obrigação existe para ser cumprida. Consequentemente, o efeito
norma l da obrigação é o cumprimento espontâneo da prestação pelo devedor:
seu adimplemento se chama pagamento, solu ção ou liquidação, e por meio dele
a obrigação se extingue.
Pode acontecer, porém, que o devedor não cumpra sua obrigação,
seja porque não quer, seja porque não pode solvê-la. O não cumprimento da
obrigação se chama inadimp lem ento.
O efeito do inadimpl emento da obrigação é que o credor pode constranger
o devedor, por meio de uma ação obrigacional (g_ctioin persQnam), ao pagamento
da prestação. O devedor que não cumpre a obrigação será condenado pelo juiz
ao pagamento do valor em dinheiro da prestação não cumprida.
No direito romano , o valor era estabelecido pelo que a prestação
subjetivamente representava para o credor . Para obter seu pagamento, cabiam
todos os meios de execução do processo romano .
Entretanto, nem todos os casos de inadimplemento terão o efeito
acima exposto, mas somente aqueles em qu e o devedor for responsável pelo
r 146 Curso Elementar de Direito Romano

inadimplemento.
Já mencionamos que o não cumprimento pode advir da vontade do
devedor ou da impossibilidade da prestação.
No primeiro caso a atitude do devedor é claramente condenável e
acarretará a sua responsabilidade pelo inadimplemento.
Mais delicado é, porém, o problema da impossibilidade da execução
da prestação. Quando tal impossibilidade se verifica em consequência do
comportamento do devedor, ele é responsável pelo inadimplememo. Não
assim quando a impossibilidade se verifica independentemente do devedor, isto
é, quando a impossibilidade não for imputável a ele. Nesse caso, a obrigação
simplesmente se extingue.
Em vista do acima exposto, temos de examinar as possíveis condutas do
devedor com relação à impossibilidade da solução da obrigação.
Quanto ao seu comportamento, o devedor pode ser culpado ou não.
A culpabilidade, em sentido lato, tem duas formas bem distintas: o dolo
(dQlus)e a culpa em sentido estrito (cy_lpa).
Dolo é a intenção de agir contra a lei ou contrariamente às obrigações
assumidas, agir de má-fé, com pleno conhecimento do caráter ilícito do próprio
comportamento.
Culpa é a negligência, a falta da diligência necessária, isto é, não prever
o que é previsível, porém sem intenção de agir ilicitamente e sem conhecimento
do caráter ilícito da própria ação. Tal negligência pode-se verificar em um ato
positivo ("culpa em fazer" - cy_lpain facifndo), como, por exemplo, guiar com
velocidade excessiva, ou em uma omissão ("culpa em não fazer" - cy_lpain non
facifndo). Por exemplo: a enfermeira que não dispensa ao doente os devidos
cuidados.
O dolo não tem graduações, mas a culpa as tem: distingue-se a culpa
leve (cY:.lpaÍfvis) da culpa lata (cy_lpa!11.t a). A primeira é a negligência leve, em
comparação à diligência e cuidado do homem médio ("o bom pai de famílià ',
bQnusp11.teifàmilias). A segunda é a negligência exorbitante: não agir com o
cuidado que todos têm ("não entender o que todos entendem " - non íntelligere,
quod Qmnesintf!ligunt).
A Cll:./paÍfvis é referida normalmente a uma medida objetiva: ao cuidado
do já mencionado bQnusp11.teifàmilias . Em-certas relações contratuais, entretanto,
a medida da C!f:.lpa Ífvis é diferente; é comparada à diligência e cuidado costumeiro
do próprio devedor, "a diligência que ele costuma aplicar às suas coisas" (diligfntia
quams!f:.isrfbus adhibfre sQlet- Gaio, D. 17,2,72). Talmedida será mais favorável
ao devedor quando ele for habitualmente desleixado. A culpa leve, cuja medida
Capítulo 15 • Obrigações 147

tem como referência a diligência do bQnuspgJerfami.lias, é chamada de "culpa


leve em abstrato" (c11lpaLgvisin abstrg_cto);e a culpa que se reporta à conduta
costumeira do próprio devedor é denominada "culpa leve em concreto" (cy_lpa
Lgvisin concrgto).
Se a impossibilidade da prestação não podia ser evitada nem pela diligência
ou cuidado de um bQnuspaterfami.lias, o acontecimento havido é considerado
um mero acaso, ou "caso fortuito" (cg_sus).Os romanos distinguiam entre os
casos fortuitos também. O acontecimento inevitável e contra o qual não há meio
de defesa ("caso fortuito ao qual não se pode resistir " - cg_sus
cui resistinon pQtest)
é chamado "caso fortuito maior " (cg_sus mg_ior)ou "força maior" (vis maior). Tais
eram um raio, um incêndio, uma guerra, a morte etc. Os outros, que não têm tal
força e contra os quais é concebível a defesa, mas que podem acontecer até com
a pessoa mais cuidadosa, chamam-se "caso fortuito menor" (cg_susmi.nor). Tais
eram o furto, o estrago, a quebra ou a perda acidental e fortuita.
Conhecendo, assim, a classificação dos diversos comportamentos
do devedor sob o ponto de vista da culpabilidade, temos de examinar a
sua responsabilidade conforme os diversos graus de culpa ou mesmo por
acontecimentos que independem de sua culpa.
A regra geral era a seguinte:
O devedor só responde pelo próprio dolo e não por culpa quando se
tratar de obrigações oriundas de contratos em que ele não lucra, isto é, que
foram constituídos no exclusivo interesse da outra parte . Nesses ele faz um favor
ao credor. Por exemplo: quando aceita uma coisa em depósito para guardá-la e
oportunamente devolvê-la ao credor.
Contrariamente, o devedor, além de responder pelo seu dolo, responde
também por toda e qualquer negligência nas obrigações provenientes de contratos
que lhe proporcionam um proveito, seja só para ele (como no caso do comodato,
em que ele recebe gratuitamente uma coisa para uso e posterior devolução) ,
seja para ambos (como nos contratos de mútuo interesse das partes, tal como a
locação de uma coisa, entregue para uso, contra pagamento de alugue!).
Há várias exceções à regra geral acima exposta nos textos do direito
romano.
Vários textos equiparam a cy_lpa Lg_taao dolo, ampliando, assim, a
responsabilidade dos devedores que não tiram vantagem da obrigação, também
para os casos de comportamento extremamente negligente.
Em certos casos, como no mandato, na gestão de negócios, a
responsabilidade do devedor vai além do dolo e inclui também a cy_lpaLgvis,
embora neles se trate de obrigação no exclusivo interesse do credor .
148 Curso Elementar de Direito Romano

Em outras relações, a cy_fpalt;_vis é determinada pela medida subjetiva


ao invés da objetiva, aplicando-se assim a cy_fpain concrfto ao invés da cy_fpain
abstr{:!:cto,
como nas relaçõ es de sociedade, de tutela, de mafrimônio.
Quanto ao c4sus, transportadores marítimos e hoteleiros, segundo
disposições especiais do pretor, respondem pelo c@us mi_nor.
O c4sus maior exime de responsabilidade o devedor, seja qual for o tipo da
sua obrigação, exceção feita ao caso da mora.

MORA
A responsabilidade do devedor pelo inadimplemento é modificada por
urna circunstância que merece especial tratamento: trata-se da mora, que é a
delonga, o atraso no cumprimento da obrigação. Pode haver mora tanto por
parte do devedor, como por parte do credor. A primeira é o atraso do pagamento
ou solução da prestação por parte do devedor. A segunda é o atraso na aceitação
da prestação pelo seu credor. As duas têm consequências bem diferentes.

i) Mora do devedor
A mora do devedor (mQra debitQris) - ou "demora em pagar" (mQra
so!vfndi) - verifica-se quando o devedor, por motivo que lhe é imputável , não
paga sua dívida vencida. Tal motivo pode ser apenas a sua vontade (como quando
se recusa a cumprir sua obrigação), ou a impossibilidade da execução decorrente
do seu próprio comportamento, pela qual é responsável ("por causa do devedor
aconteceu que ele não desse <o que era devido> " - per debitQremstftit quo mi.nus
dfl_ret- cf. Africano , O. 17, 1,37). No direito justinianeu, não basta o mero
vencimento da dívida, mas é preciso, além disso, um ato do credor (denominado
"interpelação" - interpellfl.tio), reclamando o pagamento, para que o devedor
fique constituído em mora . Estudos recentes demonstraram que o direito clássico
não conheceu tal exigência, que constitui uma inovação dos compiladores da
codificação justinianeia.
A consequ ência da mora do devedor é dupla:
a) Aumenta a responsabilidade do devedor. Ele, independentemente do
grau de sua responsabilidade originária em virtude do tipo de sua obrigação,
responderá não só pelo próprio dolo ou pela própria negligência, mas também
por caso fortuito , inclusive a vis maior. Por exemplo: o depositário, via de
regra, só responde por seu comportamento doloso; todavia, depois de atrasar
o cumprimento de sua obrigação, consistente na devolução da coisa, passará
Capítulo 15 • Obrigações 149

a responder pelo perecimento dessa últim a, causado por sua negligência, e até
mesmo por caso fortuito, inclusive a força maior, como raio, enchente etc.
No período imperial admiti u- se que o devedor pudesse provar que a coisa
teria perecido, igualmente, se estivesse com o credor, ficando nesse caso o devedor
isento de responsabilidade. Por exemplo, se o cavalo guardado na cocheira do
devedor depositário perecesse em uma enchente, que invadiu igualmente os
estábulos do credor depositante.
O aumento da responsabilidade do devedor nesse caso de mora era
expresso pelos romanos como uma perpetuação da obrigação: "a obrigação se
perpetug_tur,cf. Paulo, D. 45,1,91,3). Essa expressão significa
perpetuà ' (obligg_tio
que a obrigação continuará, independentemente da eventual impossibilidade
subseq uente da execução da prestação. Por exemplo, se o raio mata o cavalo
depositado, não há mais obrigação a cumprir: extinguiu-se o dever da devolução
por causa do perecimento do cavalo em consequência da vis maior. Entretanto, se
o raio matar um cavalo que já devia ter sido devolvido pelo depositário devedor,
e não foi restituído por culpa desse, ele é responsável, devendo pagar o valor que
o cavalo representar para o credor.
b) Nas obrigações baseadas na boa fé (bQnafides), o devedor em mora
tinha de pagar os juros da dívida e entregar os frutos adquiridos durante a mora.
A finalidade dessas duas consequências da mora do devedor era colocar o
credor na situação em que ele estaria caso não tivesse havido mora na solução da
obrigação: o devedor deve pagar-lhe "o valor em que importar ao credor que a
mora não tivesse ocorrido" (qug_ntii.nterestcreditQrismQramfectam non t_sse- cf
Africano D. 7,1,36,2) .

ii) Mora do credor


A mora do credor (mQra creditQris)- ou "demora em receber" (mQra
accipit_ndi)- verifica-se quando o credor não aceita, por culpa sua, a prestação
oferecida pelo devedor no vencimento dela.
A principal consequência da mora do credor refere-se também aos limites
da responsabilidade do devedor. A partir do momento em que a mora se verificar,
o devedor só responde por comportamento doloso, sejam quais forem os limites
de sua responsabilidade anteriormente. Assim, a mora do credor diminui a
responsabilidade do devedor.
O devedor pode exigir indenização pelas despesas havidas e pelo dano
sofrido em consequência da mora do credor .
150 Curso Elementar de Direito Romano

iii) Purgação da mora


Em ambos os casos de mora, tanto na do devedor, como na do credor,
há possibilidade de purgação ("purgação da mora", purga.tio mQrae). A mora do
devedor pode ser purgada pelo oferecimento da prestação tal como devida, que,
uma vez aceita pelo credor, extingue a obrigação . Se o credor recusar receber a
prestação, sem motivo justificado ("sem justa causa", sine iy,sta causa), cessam as
consequências da mora do devedor e verifica-se a mora do credor.
A mora do credor também pode ser purgada com o oferecimento, pelo
1

1
credor, de aceitar o pagamento do devedor, indenizando a esse último, ao mesmo
1 tempo, pelas despesas e pelos danos que sofreu em consequência da mora.
\
OBRIGAÇÕES-NATURAIS
1 Neste capítulo, relativo aos efeitos das obrigações, temos de falar das
obrigações naturais. Como já vimos, o efeito do inadimplemento da obrigação é
que o credor pode constranger o devedor, por meio de uma 4.ctio in persQnam, à
execução da prestação . Há obrigações, porém, em que a prestação não é exigível
por meio de ação, embora a obrigação tenha formalmente o aspecto de uma
obrigação perfeita.
Essas obrigações em que o devedor não pode ser compelido à prestação,
por faltar ao credor tutela jurídica processual, são chamadas obrigações naturais.
O principal caso de obrigação natural era, no direito romano, o da
obrigação contraída por pessoa alit_ni iuris, que não tinha capacidade de direito,
e que, consequentemente, não podia, pelo iy,s civiie, obrigar-se juridicamente
(civiliter). Pelo mesmo motivo, as obrigações contraídas por escravos, ou
1 1
as decorrentes de mútuo feito a /ilius familiae (ao qual as disposições do
senatusconsulto Macedoniano proibiam tomar empréstimo de dinheiro) eram
1 obrigações naturais. Semelhante era o caso do impúbere in.fentia maior que
contraísse obrigação sem a assistência do tutor, bem como as obrigações de um
devedor que houvesse sofrido c11pitisdeminy,tio, ou a de um menor de vinte e
cinco anos que, após contrair uma obrigação, obtivesse a "restituição integral"
(in integrum restitY:.tio)do pretor (a in integrum restitH.tioera um meio processual
para anular os efeitos dos negócios jurídicos e restabelecer a situação anterior das
partes).
Tais obrigações, então, não podiam ser objeto de ação do credor, mas
tinham outros efeitos secundários: o mais importante deles é que a prestação,
objeto da obrigação, podia ser validamente cumprida pelo devedor. Assim, a
Capítulo 15 • Obrigações 151

prestaçáo era considerada pagamento e, consequentemente, o devedor que a


satisfizera náo podia pedir a sua devoluçáo sob alegaçáo de haver pago o que náo
era devido. Além disso a obrigaçáo natural podia ser garantida por fiador ou por
garantia real, e podia ser confirmada por vários modos.
Capítulo 16 • Fontes Das Obrigações 153

CAPÍTULO16
FONTES DAS OBRIGAÇÕES

CONCEITO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA


Nascem obrigações dos mais variados fatos jurídicos. Esses são as fontes
das obrigações. Os mais importantes são os contratos e os delitos. "Toda obrigação
nasce ou de contrato ou de delito" ( Omnis oblig4tio vel ex contr4ctu n@citur, vel ex
deli_cto- Gai. 3,88): assim Gaio divide as obrigações nas suas Institutas.
Essa divisão é, porém, incompleta. Há várias obrigações oriundas de- fatos
jurídicos que não podem ser enquadrados nas duas categorias acima mencionadas.
Por exemplo, suponhamos que meu vizinho viajou. Na sua ausência, o telhado
de sua casa é danificado por uma tempestade e eu o conserto, embora não tenha
recebido qualquer pedido ou incumbência de fazê-lo. Não é contrato, nem delito
o que dá origem à obrigação proveniente desse meu gesto.
Em vista disso, outros textos distinguem uma terceira categoria nas fontes
das obrigações: "as obrigações nascem ou de contrato, ou de delito ... ou de
várias espécies de causas" (obligatiQnes aut ex contr4ctu nasc11:.ntur,
aut ex maleficio
aut ... ex v4riis caus4rum fig'Jdris- Gaio, D. 44,7, 1 pr.) .
Justiniano, em suas lnstitutas, prefere a quadripartição: "pois ou elas são
<oriundas> de contrato, ou como se de contrato, ou de delito, ou como se de
delito" (aut fnim ex contr4ctu sunt, aut qu4si ex contr4ctu, aut ex maleji_cio, aut
qu4si ex maleficio - Inst; 3,13,2), desdobrando em "como se de contrato" (qu4si
ex contr4ctu) e "como se de delito" (qu4si ex maleficio) a terceira categoria acima
mencionada .
A classificação das fontes das obrigações não tem valor dogmático. A do
período clássico se explica por fatos históricos. O direito romano, conforme nos
ensinam Gaio e Justiniano em suas Institutas, distingue entre ações reipersecutórias
e ações penais. Visam, as primeiras, a obter uma satisfação patrimonial em
154 Curso Elementar de Direito Romano

con sequência de um contrato entre as panes, e as segundas a obter a punição


do autor de um ato ilícito. Nessa distinçã o é que se baseia a divisão de Gaio das
fontes de obrigações. Modernamente não se faz mais cal distinção, mas a divisão
romana das fontes das obrigações subsiste por tradição milenar. Seguimo-la nós
também.
Capítulo 17 • Contratos 155

CAPÍTULO 17
CONTRATOS

CONCEITO
Modernamente, o contrato é o ato jurídico bilateral (acordo das partes
e sua manifestação externa) que tem por finalidade produzir consequências
jurídicas. Todo acordo de ·vontades gera obrigações no direito moderno. Não
era assim no direito romano. Nesse, desde o início até o fim de sua evolução , o
simples acordo não gerava obrigação: "o mero acordo não dá à luz uma obrigação"
(nY.dap4ctio obligatiQnemnon p4rit- Ulpiano , D. 2, 14, 7, 4). Para que haja
liame jurídico, chamado oblig4tio, era preciso, além do acordo , um fundamento
jurídico: a "causa civil" (cg_usacivilis). Essa c4usacivilis é que elevava o ato jurídico
bilateral a um contrg_ctus e só o credor de um tal contrato tinha à sua disposição
uma ação (4ctio) reconhecida pelo direito quiritário para constranger o devedor
a efetuar a prestação.

CONTRATOS FORMAIS
O direito romano primitivo só conheceu os contratos formais. Nesses, a
c4usa civilis, que conferia força obrigatória e consequências jurídicas ao ato, era a
prática das formalidades prescritas. Dois eram os contratos formais: o nr;_xume a
stipul4tio. O primeiro era um empréstimo, realizado em um ato formal praticado
"por meio de <moeda de> bronze e de balançà' (per aes et libram), isto é, ato em
que, na presença das partes, do objeto, de cinco testemunhas, de uma balança
e seu portador, pronunciavam-se certas fórmulas verbais e se praticavam outros
atos simbólicos (entre eles a percussão de um dos pratos da balança com uma
moeda de bronze).
O ato é semelhante à mancipg_tio.Dela difere porque o ng_xum,além da
156 Curso Elementar de Direito Romano

uansferência da propriedade do objeto, normalmente dinheiro emprestado, cria


para o devedor a obrigação de devolver outro tanto do mesmo gênero, qualidade
e quantidade . Ele responde pessoalmente , inclusive com seu corpo, por esse
pagamento.
A stipul4tio era a promessa solene de uma prestação, pronunciada em
resposta à pergunta do credor, ambas com o uso do verbo spondt.re,que significa
"prometer solenemente", e tinha, claramente, caráter sacramental. Daí a sua
força obrigatória.

CONTRATOS DO DIREITO CLÁSSICO


Os dois contratos formais do período primitivo, naturalmente, não podiam
satisfazer às exigências de um comércio já desenvolvido como o de Roma depois
das Guerras Púnicas. Tornavam-se necessárias outras formas mais adequadas a
esses reclames. Elas foram elaboradas pela jurisprudência republicana.
Bem cedo o nt.xum caiu em desuso.
Astipul4tio, porém , constando de formalidades amenas e permitindo o uso
de outros verbos, além do spondt.re,continuou em vigor durant e toda a evolução
do direito romano. Os contratos por esse modo constituídos eram chamados
verbais, porque se realizavam por meio de pronunciamento de palavras.
Pode-se notar que os romanos tinham aversão às formalidades escritas
dos documentos. Como exceção a essa regra, introduziu-se, por influência das
práticas gregas, um tipo de contrato formal, puramente escrito, que consistia no
lançamento no livro contábil do credor ("livro de registro do que foi recebido
e do que foi gasto" - cQdexaccfj)ti et expt.nsi) da dívida do devedor ("levar
despesa a registro" - expt.nsumferri). Tais contratos, por serem realizados por
escrito, chamam-se literais (de litterae: '1etras, escrita"). São poucos os textos
que nos explicam os detalhes desse tipo de contrato e mesmo Gaio dele trata
superficialmente. No fim do período clássico caiu em desuso.
Muito mais importante que as categorias até agora tratadas é a dos
contratos reais. Esses se originavam de um novo tipo de empréstimo realizado
sem as formalidades do nt.xum e com a só entrega (traditio) da coisa ao devedor.
Dessa entrega resultava a obrigação do devedor à devolução. O fato em que se
fundava a obrigação era a entrega realizada. Tal entrega não constituía simples
transferência da posse, mas sim a transferência da propriedade, e o contrato assim
realizado chamava-se mútuo (my_tuum). Gaio incluiu apenas esse na categoria
dos contratos reais.
Mais tarde foram admitidos outros três contratos, que tinham idêntica

l
Capítulo 17 • Contratos 157

finalidade, isto é, a devolução da coisa entregue. Esses eram o depósito (depQsítum),


o comodaro (commodfl.tum).e o penhor (contrfl_ctus pignoraticius). Neles, porém,
ao entregar a coisa objeto do contrato, não se transferia a propriedade , mas só a
posse, ou , conforme o caso, a detenção. Mais tarde, no direito justinianeu , todos
os contratos que se perfaziam pela entrega da coisa, com a subsequente obrigação
de restituí-la, passaram a ser considerados contratos reais.
Ao lado desses, sob influência do ius gfntium, introduziam- se os quatro
contratos consensuais, que se perfazem pelo simples acordo das partes, sem
outras formalidades. Esses, a compra e venda (f.mptío venditio), a locação (/ocfl.tio
cond1:1:.ctio),
a sociedade (societas)e o mandato (mandfl.tum) são, realmente, os
mais im po rt ante s e os mais usados contratos no intercâmbio diário e com eles o
dire ito obrigacional romano chegou à sua mais alta expressão.
Toda e qual quer outra convenção, não enquadrada nos quatro tipo s de
contrato acima expostos (verbais, literais, reais e consensua is), era chamada de
simples "pacto" (pfl.ctum),e, em geral, não tinha força coercitiva. Excepcionalmente,
porém, certos pactos (no plural: pfl.cta)obtiveram reconhecimento e tutela jurídica;
uns pelo costume, outros pela atividade do pretor e mais outros em consequência
de dispo sições de constituições imperiais. São esses, respectivamente, os "pactos
ajuntados <a um contrato>" (pfl.ctaadifcta), os "pactos pretórios" (pfl.ctapraetQria)
e os "pactos legítimos" , (pacta legitima).
O direito romano, ao contrário do s direito s modernos, não chegou a
reconhecer força obrigatória de toda e qualquer convenção em geral, uma vez
que obedecesse aos limites estabeleci do s. Foi, porém, a invenção dos contratos
consensuais e sua ampliação por meio de determinados p11.cta,que preparou
o terreno para aquele reconhecimento na dogmática moderna do direito das
obrigações.
Ato jurídico unilateral, a simples promessa não gerava obrigação no direito
romano, exceto o voto feito aos deuses (vQtum) e a promessa pública feita a uma
municipalidade ("promessa por justa causa" -pollicitat io ob iustam causam).

CONTRATOS REAIS

i) Mútuo (Mutuum)
A entrega, com a consequente transferência da propriedade, de uma
coisa fungível, especialmente dinheiro, com a obrigação para aquele que a recebe
de restituir igual quantidade de coisa fungível do mesmo gênero e qualidade,
1
158 Curso Elementar de Direito Romano

chama -se mútuo. O credor que empresta chama-se mutuante; o devedor que
toma emprestado chama-se mutuário.
Economicamente, o mútuo visa a proporcionar ao devedor o gozo
completo do dinheiro ou de outra coisa fungível emprestada . Consequentemente,
é preciso que o devedor possa dispor dessa coisa de maneira absoluta. Por isso, no
mútuo se transfere a propriedade da coisa. Tratando-se de coisas fungíveis, que
são res nec m4ncipi, a transferência opera-se pela tradi.tio.
A característica do mútuo é que gera uma só e única obrigação: a da
devolução de outro tanto recebido. Por isso, ele é um contrato unilateral. Sendo
o mútuo gratuito, não admite cláusula referente à contraprestação do devedor,
que seriam os juros. Eventualmente, juros podem ser convencionados, mas em
contrato separado, por meio de stipu/4.tio.
A ação do credor contra o devedor, para compeli-lo à devolução, era a

\ "ação para restituição de uma certa quantia de dinheiro emprestadà' (condi.ctio


ct:.rtaecrt:.ditae
pecy,_niae),quando referente a dinheiro , e a "ação para a restituição
de grãos" (condi.ctio tritic4ria), quando relativa a outra coisa fungível (por
exemplo, trigo ou outros grãos).
1

ii) Depósito (DepQsitum)


É a entrega , pelo credor, de uma coisa móvel ao devedor para que este
a guarde, gratuitamente, e a restitua quando pedida pelo primeiro. O credor se
chama depositante e o devedor, depositário.
O depositário só tem a mera detenção (posst;_ssio naturgJis) da coisa. Não
pode usar dela, porque sua obrigação é de guardá-la, devolvendo -a em seguida
no estado em que a recebera . Usando a coisa recebida em depósito, comete "furto
de uso" (fo-rtum y,_sus).
O depósito é um contrato gratuito; o depositário faz um favor ao
depositante. O depósito é contrato no exclusivo interesse do credor depositante.
A responsabilidade do depositário é determinada . por esse fato.
A obrigação do depositário é de guardar a coisa recebida e restituí-la, findo
o depósito . De outro lado, o depositante é obrigado a indenizar o depositário
pelas despesas por ele feitas com a guarda da coisa e a ressarci-lo dos danos que
eventualmente tenha sofrido em virtude do depósito.
As obrigações do depositário e do depositante não são equivalentes. As
do primeiro são essenciais, existem forçosamente em qualquer depósito, que, sem
elas, não existe. Já as do depositante são secundárias e eventuais, podendo haver
depósito mesmo quando elas não se verifiquem, como, por exemplo, no caso
Capítulo 17 • Contratos 159

de o depositário nada despender na guarda da coisa e nenhum prejuízo sofrer


com essa guarda . Além disso, as obrigações das partes não têm o mesmo valor
econômico. Por causa dessa diferença nas obrigações de cada uma das partes, o
depósito é um contrato imperfeitamente bilateral ("contrato bilateral desigual"
- contrr1.ctus
bilaterg/isin4equalis).

iii) Comodato (Commodatum )


É a encrega de uma coisa para uso gratuito, com a obrigação do devedor
de restituí-la. O credor que entrega a coisa e que pode exigir a sua restituição
chama-se comodante. O devedor que recebe a coisa para usá-la com a obrigação
de restituí -la, findo o comodato, chama-se comodatário. Do ponto de vista
econômico, o como dato é semelhante ao mútuo, mas difere dele quanto à sua
estrutura jurídica.
No mútuo, a coisa é fungível e o mutuário passa a ser seu dono. Já no
comodato, o comodatário tem a mera detenção (possfssionatur4lis) da coisa.
Consequentemente, no primeiro, o mutuário é obrigado a devolver outro tanto
do mesmo género, qualidade e quantidade da coisa recebida. No comodato, o
comodatário terá de restituir especificamente a própria coisa recebida. Assim, a
primeira é obrigação genérica, a segunda obrigação específica.
Por isso, o objeto do comodato é normalmente uma coisa inconsumível.
Pode, entretanto, recair, também, sobre coisa consumível, uma vez que essa não
seja consumida pelo uso convencionado no contrato . Por exemplo, a entrega de
garrafas de vin ho estrangeiro não para ser bebido, mas para ser exposto na vitrina
da loja do comodatário.
O comodato é um contrato no interesse exclusivo do devedor comodatário .
Sendo gratuito, o comodante (credor) faz um favor ao comodatário (devedor),
cedendo -lhe o uso da coisa. A responsabilidade do comodatário é determinada
por esse fato.
A obrigação do comodatário é de usar da coisa consoante o que foi
estabe lecido no contrato e de acordo com a boa fé (bQnafides). Se a usar para fim
diverso do avençado, comete "furto de uso" (fa-rtum y_sus).Findo o comodato,
deve restituir a coisa ao comodante. De outro lado, o comodante é obrigado a
permitir o uso da coisa pelo comodatário durante o prazo estabelecido no contrato,
não podendo exigir a devolução antes do vencimento e devendo indenizar o
comodatário não só pelo que este despendeu com a coisa, como também pelos
danos que eventualmente sofrer na execução do contrato. Exemplo desses danos
pode-se ter no caso de um animal com peste, dado em comodato, que infeste o
160 Curso Elementar de Direito Romano

rebanho do comodatário.
Como no depósito, também no comodato as obrigações do comodatário
são essenciais, e as do comodante só eventuais, e as duas não são equivalentes.
Consequentemente, é um contrato imperfeitamente bilateral ("contrato bilateral
desigual "~ contrg_ctus bilaterg_lisinaequa.lis).

iv) Penhor (Contrgctuspignoraticius)


É a entrega de uma coisa para servir de garantia real de uma obrigação
e para ser restituída ao extinguir-se a obrigação garantida. No direito romano
a coisa empenhada tanto podia ser móvel, quanto imóvel , ao contrário do que
se dá com o direito moderno, em que o penhor só pode ter por objeto coisa
móvel. O credor da obrigação principal garantida pelo penhor, chamado credor
pignor atício, é obrigado a guardar a coisa e subsequentemente a devolvê -la. Não
tem direito de usar a coisa, exceto havendo convenção expressa que o autorize. Por
outro lado, o devedo r da obrigação principal garantida pelo penhor é obrigado
a indenizar o credor pignoratício pelas despesas feitas com a coisa e pelos danos
que a sua guarda lhe houv er causado.

1 CONTRATOS INOMINADOS
Ao lado dos contratos reais anteriormente expostos, há no direito
justinianeu uma vasta categoria de contratos , que, não se enquadrando nos
moldes dos contratos tradicionais, foram chamados, desde a época bizantina ,
de contratos inominado s (contrg_ctus innoming_ti).Trata-se, na maioria dos casos,
de acordos em que ambas as partes se obrigam a prestações equivalentes. Eles
são contratos bilaterais perfeitos, chamados também contratos sinalagmáticos.
Tais contratos adquiriam força jurídica, e a consequente tutela processual,
quando uma das partes executava a sua prestação. Com isso, a outra parte ficava
automaticamente obrigada a efetuar a contraprestaçáo.
Como o nascimento de tais contratos dependia da realização, por uma
das partes, da sua prestação, incluíam -se eles entre os contratos reais . É exemplo
de contrato inominado a troca ou permuta (permut11tio).A categoria, porém,
como concebida no direito justinianeu, abrangia todos os contratos referentes a
prestações recíprocas e equivalentes, quando realizada uma delas.
Era permitido, de outro lado, à parte que cumpria sua obrigação, rescindir
o contrato, pedindo a devolução de sua prestação a título de enriquecimento sem
causa, em vez de exigir a contraprestaçáo respectiva da outra parte.
Capítu lo 17 • Contratos 161

CONTRATOSCONSENSUAIS
i) Compra e venda (fmptio venditio)
Contrato em que as partes se obr igam a trocat mercadoria contra dinh eiro.
Difere da compra e venda real, como representada nas formalidades da
mancip4tio. Nessa há efetiva e imediata troca de mercadoria contra dinheiro
(nas origens, contra metal não cunhado). Na compra e venda consensual, de
que ora tratamos, só há o acordo entre as partes, que as obriga à prestação e
contrap restaçáo.
A prestação é a entrega da mercadoria, que pode ser coisa de qualquer
espécie . A contraprestaçáo é o pagamento do preço . Assim, a transferência da
propriedade relativa à mercadoria ou ao preço é a consequência do contrato
de compra e venda. O vendedor é obrigado a entregar a coisa ao comprador,
em virtude do contrato, mas o comprador não adquire a propriedade dela pelo
contrato; ele só tem um direito obrigacional contra o vendedor, para exigir a
entrega da coisa como lhe foi prometida. A propriedade somente se transfere
com a efetiva entrega da coisa, na forma da m4ncipatio, da in iure cc_ssio ou da
tradi.tio.
O objeto da compra e venda é a mercadoria (mfrx), que pode ser qualquer
coisa in commfrcio. A conti-aprestação é o preço (prftium), que deve ser em
dinheiro, porque em caso contrário tratar-se-ia de troca (permut4tio) e não de
compra e venda.
Pois que a prestação e contraprestaçáo são equivalentes na compra e
venda, é ela um contrato bilateral perfeito ("contrato bilateral igual" - contr11.ctus
bilatergjisaequalis).
As obrigações do vendedor são as seguintes:
a) Sua principal obrigação é a de entregar a coisa. A finalidade da entrega
é proporcionar, ao comprador, todas as vantagens, sejam econômicas, sejam
jurídicas, que a coisa representar . Isso, logicamente, implicaria a obrigação de o
vende dor transferir a propriedade da coisa ven dida ao comprador. Entretanto,
o direito romano não chegou a esse resultado. Nele o vendedor é obrigado
apenas a "transferir a mera posse" (v4.cuampossessiQnemtr11.dere) da coisa vendida
e assegurar ao comprador a posse mansa e pacífica até esse último usucapi.r o
direito da propriedade ("garantir que lhe seja lícito ter a coisa'' -praest4re rem
habc_relicfre).
b) Consequentemente, o vendedor é responsável pela turbação que, ao
comprador, no gozo da coisa, for causada por terceiro que tenha direito real

l
1
1
162 Curso Elementar de Direito Romano

sobre ela e que, exigindo-a judicialmente do comprador, venha a vencer a causa


(evincere).Essa é a chamada responsabilidade pela evicção (evictio). No direito
romano tal responsabilidade era inerente à venda que se houvesse processado
pela mancip4tio, tendo, então, o comp rador adquirente uma ação denominada
"ação de autoridade" (4.ctio auctorit4tis) contra o vendedor. Essa ação tinha
carát er penal e, por isso, o vendedor era obrigado a pagar o dobro do preço da
coisa. Nos outros contratos de compra e venda, que não se processavam pela
mancipr1tio,costumava -se convencio nar a responsabilidade pela evicçáo por meio
de estip ulação especial, o que se tomou obrigatório mais tarde.
e) O vendedor é responsável, outrossim, pelos vícios (isco é, defeitos)
ocultos da coisa vendida. Tal responsabilidade foi introduzida pelo edito e pelas
atividades dos edis curuis. Esses mag istrados tin ham a função de fiscalizar os
mercados. Nessa sua ativida de exigiam dos vende dores de escravos e de an imais
de carga, que declarassem os vícios da coisa vendida e se obrigassem, por
meio de um contrato verbal e solen e de stipulatio, a assumir expressamente a
responsa bilidade por tais vícios. Como sanção a tal obrigação, o edito dos edis
curuis concedeu uma "ação redibitória" (4.ctioredhibitQria)ao comprador par a
pedir a rescisão da venda, dentro de seis meses, no caso de vício oculto descoberto
após a vend a. Mais tarde , admi tiu-se a 4ctio redhibitQriaindepend entemente da
prévia stipu/4.tioe do conhecimento do vício pelo vendedor. Além desse remédio
judicial, hou ve um ou tro , chamado "ação de um quanto a menos" (4.ctioqu4nti
ming_ris),a ser intenta da dentro de um ano, para obter a redução do preço da
coisa, na medida da diminuição de seu valor, causada pelo vício posteriormente
descoberto. A praxe, depo is, estendeu am bas as ações a tod a e qualquer compra
e venda.
E de se salientar que a responsabilidade , tanto pela evicção, como pelos
vícios ocultos, pode ser excluída por meio de expressa convenção entre as partes.
O vendedor tem de guardar a coisa até a ent rega, com todo cuidado .
Responde pelo dolo e pela negligência com que se h ouver, porque é devedor que
lucra com o contr ato; não, porém, pela vis maior. Daí se segue que o risco pela
perda da coisa por vis maior é do comprador, desde o momento da concl usão
do contrato de compra e venda. Se a coisa perecer por tal causa, o vendedor
pode exigir o preço sem entr egar a coisa, aliás emão já inexistent e: "o risco é de
compr ado r" (periculum est emptQris- Paulo, D. 18,6,7 pr.).
A obrigação do comp rador é mais simples: o pagamento do preço. Com
o pagamento, naturalmente, opera-se a transferência da prop riedade do dinheiro.
Capítulo 17 • Contratos 163

ii) Locação(Locatio condy_ctio)


É o contrato pelo qual uma pessoa, medi ante retribuição em dinheiro,
obr iga-se a favor de outra a colocar à disposição desta um a coisa, ou a prestar-lhe
serviços, ou a executar determinada obra . As part es nesse contrato são cham adas
locador (locgfor)e locatári o (condy,_ctor).
D ecorre da. definição acima que o nome locação na realidade aplica-se a
três con tratos di feren tes:
a) locação de coisa (tocg_ti
o condY:.ctiorfi), em que se faz a cessão temporária
do uso e gozo de uma coisa cont ra o recebimento de um aluguei;
b) locação de serviços (loc4tio condy,_ctiooperg_rum),em qu e se põe à
disposição de outrem os própr ios serviços contra o recebimento de um salário;
c) emp reitada ("locação de uma obra a ser feita" - locatio cg_nductiog_peris
focigndi), em que alguém se obriga a produzir uma determinada obra , igualmente
con tra retri buição em dinheiro .
O direito romano clássico não conhecia a distin ção acima, que é obra
dos intér pretes modernos. Ela é fundada nas três diversas espécies do objeto do
contrato.
A locação, como as prestações de cada um a das panes são equivalentes, é
um contrato bilate ral perfeito ("contrato bilateral igual" - contrg_ctusbi!aterg_lis
aequg}is).
Tratando-se de um contrato que visa proporcionar vantagem a ambas as
panes, tanto o locad or, como o locatário respondem pelo dolo e pela culpa com
qu e se houver em .
Para proteger os direitos decorrentes do contrato de locação, o locador
tinha à sua disposição a "ação do que foi dado em locação" (11.ctio!ocg_tí)e o
locatário a "ação do qu e foi recebido em locação" (g_cti o condy,_ cti).

iii) Sociedade(Societas)
Contrato que obriga as partes a cooperar em uma atividade lícita , visando
a fins lucrativos. A cooperação das partes normalmente cons istia em cont ribui ção
pecuniár ia; mas podia ser um a det erminada atividade também, a ser exercida
para obt er o fim comum.
Originou -se, evidenteme nt e, da pr imitiva comun ida de dos coerdeiros -
dit a "con sórcio" (consg_rtium)ou 'sociedade pela herança não dividid a" (soci,etas
freto non ci,to)- que se conservavam unido s, após a morte do pai, para enfrentar
a v ida em comum. Con serva, pois, nas fases de sua ulterior evolução , lembranças
dessa comunidade fraternal: a relação entre os sócios da socieda de, no período
164 Curso Elementar de Direito Romano

clássico, é indicada no s textos como um "direito, de certo modo, de irmandade"


(iH.squod4mmodo fraternit4tis - Ulpiano, D. 17,2,63 pr.) e considerada um
liame baseado na recíproca confiança.
Constitui-se a sociedade pela simples convenção sobre o seu objeto.
Tratando-se de contrato bilat eral, ou seja, plurilateral perfeito, cada sócio deve
entrar com sua parte na sociedade e, na medida dessa contribuição, participará
dos lucros ou prejuízos auferidos.
Advirta-se que, no direito romano, a sociedade é um liame obrigacional
entre as partes, mas não é pessoa jurídica distinta de seus membros. Os bens da
sociedade pertencem aos sócios em comum (condomínio).
A sociedade é sempre temporária. Dissolve-se quando sua finalidade
foi alcançada, ou se tornou impossível, ou pelo vencimento do prazo de sua
existência . Podem os sócios, por comum acordo , dissolver a sociedade. A sociedade
constituída por tempo ilimitado dissolve-se pela renúncia de um dos sócios. O
mesmo efeito têm, também, a morte, a c4pitis deminH.tio,ou a insolvência de
qualquer deles.
Dissolvida a sociedade, sua liquidação se processará por meio da "ação na
qualidade de sócio" (4.ctiopro sQcio). Havendo bens comuns, esses serão divididos
pela "ação para divisão do <patrimônio> comum" (4.ctiocommH.nidividH.ndo).

iv) Mandato (Mandªtum )


Contrato pelo qual o mandatário se obriga a praticar um ato, gratuitamente,
e conforme instruções do mandante.
A incumbência pode ser a prática de qualquer ato, material ou jurídico,
desde que não seja ilícito. O importante é que seja gratuito: "não há nenhum
mandato, senão gratuito" (mand4tum nisi gratuitum, nH.llum est - Paulo,
D,17,1,1,4). Caso contrário, tratar-se-ia de locação de serviços ou de outro
contrato qualquer (por exemplo, um contrato inominado). É essencial, ainda,
que o mandato seja no interesse do mandante , ou, pelo menos, no interesse
conjunto do mandante e do próprio mandatário ou de terceiro. Mandato no
interes se exclusivo do mandatário é um simples conselho, não constitu indo
contrato.
O mandato é um contrato bilateral imperfeito, porque gratuito. A
obrigação principal é a do mandatário, de praticar o ato . Seu inadimplemento era
sancionado pela "ação direta de mandato" (4.ctiomand4ti dirt.cta) do mandante
contra o mandatário. A obrigação secundária e eventual é a do mandante, de
indenizar o mandatário das despesas havidas na execução do mandato e ressarcí-
Capítulo 17 • Contratos 165

lo pelos danos sofridos nessa execução, exigíveis pela "ação contrária de mandato"
(t±ctiomandt±ticontrt±ria).
Extingue-se o mandato pela satisfação da incumbência ou pelo distrato,
isto é, acordo entre as partes visando à rescisão do contrato. Além desses casos,
sendo o mandato um contrato que se baseia na mútua confiança pessoal, cessa
pela morte de qualquer das partes, ou quando qualquer delas o declara rescindido.
A rescisão por vontade unilateral, porém, só é possível enq uanto não for iniciada
a execução do mandato.

PACTOS(PACTA)
Já mencionamos que simples acordo não gerava obrigação no direito
romano; só a gerando aquele que tinha uma C{±ttsa civilis.A convenção em geral foi
chamada de "pacto" (pt±ctum)no direito romano, em contraposição ao contrato
como fonte de obrigação. Mencionamos também que, excepcionalmeme,
determinados pacta obtiveram a tutela jurídica. Esses eram os "pactos ajuntados
<a um contrato>" (pt±ctaadir;_cta),os "pactos pretórios" (pt±ctapraetQria) e os
"pactos legítimos", (pt±ctalegitima). Explicá-los-emos sucintamente .
Pt±ctaadir;_ctaeram as convenções acessórias que acompanhavam um
contrato, modificando-lhe ou ampliando-lhe os termos. Por exemplo: na compra
e venda, a cláusula que exclui a responsabilidade do vendedor pela evicção ou
pelos vícios redibitórios.
Pt±ctapraetQria eram aqueles que encontravam tutela jurídica pela
atividade do pretor.
Pt±ctalegitima eram aqueles não compreendidos nas classes anteriores, aos
quais foi concedida tutela jurídica por constituições imperiais.

DOAÇÃO
A doação não era um contrato no direito romano; era simplesmente uma
causa, que justificava um ato jurídico qualquer. Os atos jurídicos que podiam
servir para doação eram inúmeros: por exemplo a constituição, transferência ou
extinção de direitos reais; qualquer ato obrigacional, como astipttlt±tio;o contrato
literal; a remissão de dívida etc.
Assim, um ato jurídico qualquer, que tinha a finalidade, por acordo das
partes, de enriquecer uma delas à custa da outra, era considerado como doação
no direito romano.
Temos de mencionar que no direito justinianeu a simp les convenção entre
766 Curso Elementar de Direito Romano

o doador e o donatário passou a ser pacto legítimo (p4.ctum legi_timum)e, como


tal, sancionado pelo direito. A partir dessa inovação, não mais era preciso praticar
um ato jurídico diferente para realizar a doação. Bastava o simples acordo das
partes a respeito, para que o doador ficasse obrigado a efetuar a doação prometida.
Capítulo 18 • Quase-contratos 167

CAPÍTULO 18
QUASE-CONTRATOS

CONCEITO
Há fatos jurídicos voluntários lícitos que criam relação obrigaciona l entre
as partes sem que elas tenham convencionado criá-las. Tais fatos, por gerarem
obrigações semelhantes às obrigações contratuais, são enquadrados na categoria
dos quase-contratos. Tais eram a gestão de negócios, a tutela (de que trataremos na
parte de direito de família), as relações entre o herdeiro e o legatário (que veremos
na parte de direito das sucessões) a comunhão incidental, o enriquecimento sem
causa, etc. Destacaremos aqui só o primeiro e o último.

i) Gestão de negócios (NegotiQrumggstio)


É um lia.me obrigacional semelhante ao mandato . Na gestão de negócios,
alguém espontaneamente se encarrega de praticar atos no interesse de outrem, sem
que e te o tenha incumbido de assim agir. Por exemplo, conserto, espontaneamente,
o telhado da casa do meu vizinho, danificado por uma tempestade. O gestor de
negócios (negotiQrumgfstor) é obrigado a agir de boa-fé e no interesse da outra
parte, chamada "dono do negócio" (dQminusnegQtií),e a terminar a gestão iniciada.
O inadimplemento dessa obrigação era sancionado por uma ação direta de gestão
de negócios (g_ctionegotíQrumgestQrumdirfcta) do dQminuscontra o gg_stor, em que
aquele podia exigir a ultimação do ato, a prestação de contas e a enuega do frutos
ou do lucro auferido, bem como a indenização pelos danos causados dolosa ou
culposamente. De outro lado, o gestorpodia exigir, por meio da ação contraria de
gestão de negócios (B.ctionegotiQrumgestQrumcontrg_ria),a aceitação pelo dQminusde
sua gestão, o reconhecimento dos resultados dela e ainda indenizaçáo das despesas
e dos danos decorrentes da gestão. Não tinha, entretanto, tal direito, quando sua
intervenção fosse inútil ou quando agisse contra expressa proibição do dQminus.
168 Curso Elementar de Direito Romano

ii}Enriquecimento sem causa


Outra obrigação criada "como se de contrato" (ex quf::!:.si contr4ctu) é a
decorrente do recebimento de pagamento não devido. Quem recebe o que não
lhe é devido fica obrigado à devolução. Os meios processuais do credor para obtê-
la eram as condictiQnes.
A condi_ctioera, no processo romano primitivo, um tipo especial de ação
formal prevista em lei (/fgis 4.ctio)e, no processo formulário, uma ação obrigacional
(f::!:.ctio
in persQnam) que se fundava estritamente nas regras do iy,s civi_!e:tinha por
fim a obtenção de determinada quantia (o réu tinha de "daT um valor certo em
dinheiro" - cfrtam pecy,niam df::!:_re) ou determinada coisa ("dar outra coisa certa"
- 4/iam cg_rtamrem df::!:_re), cuja fórmula não mencionava a causa da obrigação.
Consequentemente, a condi_ctioservia às mais variadas finalidades, tanto para
sancionar obrigações de empréstimo, de contrato literal e stipul4tio, como de
furto, e, no caso ora estudado, de enriquecimento sem causa.
O direito clássico não fez distinção entre as diversas condictiQnesaplicáveis
ao enriquecimento sem causa. Sua classincação detalhada é de origem justinianeia,
o que passamos a expor em seguida.
A ação para reaver o que fora pago por débito inexistente era chamada de
"ação de repetição de indébito" (condi_ctioindfbiti). Advirta-se que era necessário
que o pagamento indevido tivesse sido feito por engano, erroneamente, porque
caso contrário tratar-se-ia de doação.
Quando o pagamento fosse feito tendo em vista uma contraprestação
ou um evento a ser realizado posteriormente, na falta dessa realização, ou da
contraprestação, a prestação paga podia ser reavida, por meio de "ação das coisas
dadas com uma causa" (condi_ctioob causam datQrum) ou "ação de causa que foi
dada <mas> não foi seguida'' (condi.ctiocausa df::!:_tacausa nQnsecy,ta).Por exemplo,
no caso do dote dado antecipadamente, se o matrimônio depois não se realizou.
A "ação em razão de causa injusta'' (condi_ctioob iniy,stam causam) servia
para exigir a devolução do que fora pago a título de causa ilícita, por exemplo
juros exorbitantes ao agiota.
Quando o pagamento tivesse sido efetuado por motivo imoral ("contra
os bons costumes" - advfrsus bQnosmQres),utilizou-se para exigir a devolução a
"ação em razão de causa torpe" (condi_ctioob ty,rpem causam).
O direito justinianeu conhecia ainda uma ação que se aplicava a todos
os casos de enriquecimento sem causa que não podiam ser enquadrados nas
categorias acima enumeradas. Era a "ação sem causa'' (condi_ctiosi_necausa).
Capítu lo 19 • Delitos E Quase-delitos 169

CAPÍTULO19
DELITOS E QUASE-DELITOS

CONCEITO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DELITOS


O delito , ou ato ilícito , é hoje definido como a violação de um a norma
jurídica estab elecida no interesse coletivo . Por isso, o infrator é perseguido, em
nome da coletividade, pelo repr esentante do Estado, que pede punição daquele.
Essa puni ção consiste em pena (poena) de restrição da liberdade do culpado,
em pagamento de uma mu lta ao Estado, ou em outras pena lidades secundárias,
podendo essas últimas ser impostas isoladament e ou como acessórios de qualqu er
das prim eiras. Nas relações entre o Estado e o autor do delito , cogita-se ape nas
de punição . Nas relações entre os parti culares, isto é, ofensor e ofendido, n ão
há outro liame , senão a obrigação do primei ro de ressarcir os danos causado s
ao segundo, liame que cem a :finalidade de restabe lecer a situação patrimonial
anterior ao delito cometido . Tal obrigação se chama, hoj e, obrigação delitual.
No direito rom ano era diferente. Nele faltava a distinção nítida ent re a
punição e o ressarcimento do dano . A conseq uência jurídica do delito no direito
romano era, apenas, a sua puni ção, e essa punição servia também para satisfazer
o ofendido do dano qu e sofrera .
O conceito de punição era, con sequen temen te, diferente do mo dern o.
Os delito s que lesavam a coletividad e, também no direito romano
primitivo, eram perseg uidos pelo poder pú blico. Assim era no s casos de traição
à pátria , deserção, ofen sa aos deuses etc . De outro lado, nessa mesma época, o
Estad o, por falta de organ ização eficient e dos poderes pú blicos, deixou a cargo
do próprio ofen did o a puni ção dos delitos que lesavam interesses particulares . O
ofend ido tinha direito à represália, podia vingar -se.
Dist inguem-se, então , del itos público s (delicta py_blica) do s delitos
privados (delictapriv4ta).
,- 170 Curso Elementar de Direito Romano

No período primitivo não havia limitação quanto à represália do ofendido.


Ficava a seu livre arbítrio o exercício da vingança, bem como sua forma e extensão.
O ofendido, naturalmente, podia deixar de vingar-se e, consequentemente,
estabelecer as condições mediante as quais o deixaria . Assim, havia possibilidade
de um acordo entre o ofendido e o ofensor ("composição" - composi.tio),
mediante o qual o primeiro aceitava uma compensação de valor pecuniário
em lugar da vingança. Mas, no início , dependia exclusivamente do arbítrio do
ofendido aceitar ou não tal resgate, bem como a fixação do seu montante.
Com o fortalecimento da organização dos poderes públicos, restringiu-
se o arbítrio no exercício da vingança. Estabeleceram-se condições para esse
exercício: determinou-se , por exemplo, que ela só seria admitida em caso de
flagrante delito , e, ainda mais, fixaram-se os limites da represália. Quanto a esses
últimos, o direito mais evoluído limitou a vingança ao "talião" (tg/io) - isto é,
olho por olho e dente por dente - ou à compensação pecuniária obrigatória.
Essa evolução é caracterizada também pela transfer ência de um número
sempre crescente de delitos privados para a categoria dos delitos públicos.
Naturalmente, as transformações acima expostas foram fruto de uma
longa evolução, não se verificando de maneira instantânea e uniforme. A Lei
das XII Tábuas, por exemplo, apresenta-nos, em conjunto, no seu texto, todas as
fases dessa evolução.
Ela conhece delitos públicos, como a traição à pátria (perdudlio),
o homicídio (parricj_dium) e o incêndio. No campo dos delitos privados, em
certos casos aplicou a vingança a arbítrio do ofendido (o talião) e, em outros, a
compensação pecuniária obrigatória.
A evolução posterior à Lei das XII Tábuas generalizou a compensação
pecuniária obrigatória para todos os delitos privados, de maneira que no
período clássico a punição desses consistia sempre na condenação do ofensor
ao pagamento de certa quantia em dinheiro. Daí resulta que do delito privado
(delj_ctumprivg/um), no direito clássico, originou-se uma obrigação do ofensor
para com o ofendido, chamada "obrigação decorrente de delito" (obligr1:.tio ex
delj_cto),cujo objeto é a pena pecuniária.
Os mais importantes delitos privados no direito romano clássico eram:
furto, roubo, dano ilicitamente causado e injúria. Esses eram, aliás, os únicos
delitos privados do ius civile.
Além desses, entretanto, o pretor perseguiu por ações penais pretórias
vários outros atos ilícitos. Dentre eles, trataremos do dolo e da coação apenas.
Capítulo 19 • Delitos E Quase -delitos 171

i) Furto (Furtum)
Furto é a subtração fraudulenta de coisa alheia contra a vontade de seu
dono. Tal era o conceito inicial do furto no p eríodo repubLcano. Mais carde,
porém , a subtração, expressa pela palavra latina contrect4tio, passou a significar,
além da subtração material de coisa alheia, tamb ém o uso indevido dela,
ampliando-se , dessa forma , o conceito do furto. Assim, por exemplo , com ete
furto o depo sitário que usa da coisa a ele confiada.
Além do elemento material da subtração (contrect4tio),é preciso, porém,
que o ladrão tenha conh ecim ent o de que age ilicitamente: "não se comete furto
sem a inten ção de furtar" (fa-rtumsi_neaffictu fur4ndi non commi_ttitur- Gai. 2,5 0
= D ,41 ,3,37 pr.; cf. Gai. 3,197).
Quanto às sanções conc.ra o aut or do furto, eraru elas bem diferentes nas
diversas épocas da evolução do direito romano. No início , quem tinha sofrido
o furto ficava com o direito de vin gar-se na pessoa física do ladrão colhido em
flagrant e ("ladrão manifesto" - fo r manife.stus), matando-o em determinadas
hipótes es, ou reduzindo-o à situa ção de escravo. Mais tarde, tal direito do
ofendido foi transfo rmado no de exigir uma multa pecuni ária do ladrão, a qual,
segundo o caso, era o quádrup lo, o triplo ou o dobro do valor da coisa furtada .
Essas multas podiam ser exigidas por meio da ação de furto (4.ctiofo-rti),
que é uma ação penal (4ctio poengJis).
Além dessa ação penal, o dono natur alment e podia agir pelos outros
meios processuais que a sua qualidade de proprietário lhe conferia . Por exemplo,
podia exigir a coisa pela ação reivindicatória (rg_ivindic4tio). Podia , tamb ém,
utilizar-se da "ação de restituiç ão de coisa furtada" (condi_ctio
furtiva), baseada no
enriquecimento ilícito do ladrão em prejuízo do legítimo propriet ário. Essas duas
ações, porém, não eram penais, mas sim reipersecutórias : visavam simplesmente
a recup erar a coisa. Con sequentem ent e, n essas o ladrão era cond enado somente
no "valor simples" (si_mplum)da coisa furtada.

ii) Roubo (Rapina)


É um furto qualificado pelo ato violento do ladrão ao subtrair a coisa.
O ofendido, para p erseguir o ladrão , tinh a a "ação dos bens arrebatados com
violência" (4ctio vi bonQrum raptQrum), qu e acarretav a a pena do quádruplo do
valor da coisa.
172 Curso Elementar de Direito Romano

iii) Dano (DQmnum iniuria datum)


Dano (chamado nas fontes de "dano causado ilicitamente" - d4mnum
iniuria d4tum) é toda lesão ilícita ao patrimônio de alguém . Quem causa prejuízo
a outrem fica obrigado a reparar o dano. A elaboração desse princípio foi feita
com base nas disposições de uma Lei Aquília (lexAquilia), de época incerta , mas
provavelmente do século III a. C.
Consoante as disposições dessa lei, quem matasse um escravo ou animal
pertencente a outrem ficava obrigado a pagar o maior valor que tal coisa tivera
no ano anterior.
Era determinado, também, que no caso de ferimento de escravo ou
animal alheio, bem como no de danificação outros tipos de coisa alheia, o autor
do dano ficasse obrigado a pagar o maior valor que a coisa tivera no último mês.
Originariamente, a sanção da /exAqui/ia só se aplicava a dano: a) causado
por ato positivo; e b) consistente em estrago físico e material de coisa corpórea.
Assim, quanto ao primeiro requisito, não constituía dano, perante aquela lei,
o deixar sem alimento um cavalo, causando, com isso, sua morte. Quanto ao
segundo, não era considerado dano, pela /ex Aqui/ia, deixar fugir o animal alheio,
porque não ocorria estrago físico e material.
Além desses requisitos, a /ex Aqui/ia exigia que a danificação fosse feita
"ini uria': isto é, contra a lei. Mais tarde, os jurisconsultos entenderam que a
palavra "iniuria" não significava apenas o ilícito, o contrário à lei, mas implicava,
também, a culpabilidade do autor do dano. Exigiu-se, pois, que o dano fosse
causado dolosa ou ao menos culposamente, sendo imputável também a mais leve
negligência: "na Lei Aquília até a culpa levíssima é considerada" (in lq;e Aqui/ia
et levissima cyJpa vg_nit- Ulpiano, D. 9,2,44 pr.).
Outrossim, as sanções da Lei Aquília (/ex Aqui/ia) aplicaram-se, mais
tarde, a outros casos de danificação, que iam além das restrições originárias acima
mencionadas, tais como os prejuízos causados por omissão ou verificados sem o
estrago físico e material da coisa.
O cálculo do valor do dano limitava-se, originariamente, a estabelecer
o valor objetivo da coisa, mas no período clássico incluía todo o interesse do
proprietário relativamente a ela. Assim, desde essa época, o cálculo do dano
incluía, além do dano efetivo e material ("dano emergente" - d4mnum emfrgens),
também a perda de lucro ("lucro cessante" - IY:.crumcfssans) sofrida pelo
proprietário por causa do ato ilícito do ofensor.
Capítulo 19 • Delitos E Quase-delitos 173

iv) Injúria (lniuria)


É o delito consistente na ofensa ilícita e dolosa de alguém, causada à
pessoa de outrem. A ofensa pode ser de qualquer espécie, tanto física quanto
moral.
No direito clássico, o ofendido podia pedir, por meio da "ação de
injúrias" (í!:_ctio
iniurií!:_rum),uma indenizaçáo pela ofensa sofrida, levando em
conta todas as circunstâncias do delito e das pessoas nele envolvidas, seja ativa,
seja passivamente .

Dolo, como ato ilícito, é todo comportamento desonesto com a finalidade


de induzir em erro a parte por ele lesada. A repressáo ao dolo foi inovação
introduzida pelo pretor Aquílio Galo. Ela se dava por meio de uma ação de dolo
(f!:.ctio
de dQ!o)contra o ofensor para obter o ressarcimento do dano sofrido.

vi) Coação (Mgtus)


É o fato de compelir alguém à prática de determinado ato jurídico. A
violência empregada para essa coação pode ser física (vis absolf:!:_ta)ou moral (vis
compulsiva). Nesse último caso, tratar -se-ia de ameaça grave de praticar uma
violência física. A parte ofendida tinha, somo ação penal, uma "ação por causa de
medo " (f!:.ctio
quod mr:.tuscausa) contra o autor da violência, seja ela a outra parte
da relação jurídica decorrente do ato jurídico coagido, seja terceiro .

QUASE-DELITOS
As obrigações "como se fosse de delito" (ex quf!:.si
delicto) são obrigações
decorrentes de fatos que náo implicavam a culpa do devedor. Ele ficava obrigado
mesmo sem ter causado , voluntária ou involuntariamente, o fato.
Esses casos, conhecidos como "quase-delitos", eram previstos nas seguintes
ações concedidas pelo pretor:

a) A "ação de coisas derramadas ou atiradas " (4.ctiode effe-sisvel deir:.ctis)


era
concedida contra o morador (habit4tor) de um prédio de onde uma coisa sólida
ou líquida caiu ou foi atirada à rua, causando dano a alguém, independentemente
de quem a tiver jogado.
174 Curso Elementar de Direito Romano

b) A "ação de coisas colocadas ou penduradas" (g_ctiode pQsitis vel susPfl.nsis)


era concedida pelo pretor, também contra o morador de um prédio, quando
um objeto, colocado ou suspenso em terraço, teto ou qualquer lugar externo,
ameaçasse com a possível queda causar dano aos que passassem na rua. Aqui
também a responsabilidade do morador não dependia de sua culpa.

e) A "ação de furto, contra transportadores marítimos e hoteleiros"


(g_ctiofa-rti advfrsus nautas, caupQnes,stabu/Çf_rios)
era também enquadrada nessa
categoria. Decorre da responsabilidade dos transportadores marítimos e hoteleiros
pelo furto sofrido por seus passageiros ou hóspedes, quem quer que seja o autor
do furto. A ação em epígrafe cabia ao ofendido contra o transportador ou contra
o hoteleiro, independentemente da culpa desses últimos.
Capítulo 20 • Garantia Das Obrigações 175

CAPÍTULO20
GARANTIA DAS OBRIGAÇÕES

CONCEITO
Do ponto de vista subjetivo, o cumprimento da obrigação pelo devedor
depende, inteiramente, de sua vontade, e, do ponto de vista objetivo, de sua
capacidade econômica ou física de cumpri-la . Pode acontecer que o devedor não
queira ou, mesmo querendo, não possa cumprir sua obrigação.
Por conseguinte, o interesse do credor é de assegurar o cumprimento da
obrigação contra ambos os tipos de inadimplemento.
Para assegurar-se contra o inadimplemento voluntário do devedor, o
credor pode concluir com ele vários acordos acessórios e secundários para reforçar
a obrigação principal . Tais são:

Arras (Arrha)
A entrega, pelo devedor ao credor, de uma coisa ou de uma quantia, com
o fim de que ela sirva para confirmar a conclusão de um acordo e para garant ir o
seu cumprimento.
O direito romano clássico só conhecia as arras no primeiro sentido,
chamadas "arras confirmatór ias" (4rrha confirmatQria), que tinham a única
finalidade de confirmar e provar, de maneira visível, a existência de um contrato
consensual. Consequenremence, es as anas confirmatórias eram um meio de
prova da conclusão do contrato .
Justiniano modificou esse caráter das arras do período clássico e, com as
modificaçóes, voltou aos princípios pelos quais o instituto era regulado no direiro
grego, de onde fora copiado p elos romanos . Justiniano cons iderou nas arras,
além do caráter confirmatório, também a facu ldade das partes de rescindirem,
176 Curso Elementar de Direito Romano

unilateralmente, o contrato confirmado. Essas eram as "arras penitenciais"


(!l:_rrha
poenitenti!!:.lis).A rescisão baseada nessa faculdade, conferida pelas arras
penitenciais, acarretava a perda do valor das arras: assim, se a rescisão era motivada
por quem dera as arras, perdia-as em favor da outra parte; se, ao contrário, esta,
que recebera as arras, é que desse causa à rescisão, ficava obrigada a devolvê-las
em dobro.

Multa contratual (Poena conventionªlis)


É a promessa, por meio do contrato solene e verbal de stipul!l:_tio,do
pagamento de uma indenização pecuniária, predeterminada, para o caso do
inadimplemento de uma obrigação. Havendo tal stipul!l:_tio, não era preciso
provar as perdas e danos para obter indenização. Essa era devida com base na
estipulação da multa contratual. Entretanto, cumpre-nos salientar que, quando
as perdas e danos excediam o valor estabelecido no contrato, a diferença a mais
podia ser exigida separadamente.

OUTRAS GARANTIAS
Muito mais importante que os institutos até agora expostos são os meios
que visavam a garantir o adimplemento da obriga ção contra a superveniente
incapacidade econômica ou física do devedor para executar a sua prestação. Para
essa finalidade servem as garantias pessoais e as garantias reais. Das últimas já
falamos no capítulo sobre os direitos reais de garantia. Resta-nos, portanto, expor
as pnmeuas.
Enquadram-se na categoria de garantias pessoais todas aquelas que
aumentam o número das pessoas responsáveis pelo adimplemento da obrigação;
assim, a solidariedade dos devedores principais, de que já falamos, e a inclusão no
contrato, ao lado do devedor principal, de outros devedores acessórios, chamados
fiadores.

FIANÇA
É um contrato pelo qual um devedor acessório junta-se a um devedor
principal, a fim de garantir o adimplemento da obrigação por este assumida. Por
isso, o fiador é um devedor acessório, que se obriga a cumprir uma obrigação,
caso o devedor principal não o faça.
A forma desse contrato era a verbal e solene stipul!l:_tio
e, historicamente,
Capít ulo 20 • Garantia Das Obrigações 177

o direito romano nele distinguia três tipos diferentes, que são a spQnsio,a
fidepromi.ssioe a fideiussio.
As dua s primeiras são antigas e diferem entre si sobretudo na forma.
A spQnsiose realizava pelo uso do verbo spondrre, que significa "prometer
solenemente" . Assim, após celebrar-se um contrato de stipulg;tiocom o devedor
principal , perguntava -se ao fiador: "Prome tes solenemente a mesma coisa?"
(Idem spondfsne.~. Ao que ele respond ia: "Prometo" (SpQndeo).Jánafidepro mj_ssio
utilizava- se outro verbo: "Prometes, .fielmente, o mesmo?" (Idemfidepromitti.sne?)
- "Prometo" (Promi.tto).
A spQnsiosó podia ser usada por cidadãos romanos e por latinos , a
fidepromissio tam bém pelos estrangeiros (peregri.ni) .
A obrigação do fiador por spQnsio(chamad o "spQnsor")e do fiador por
fidepromjssio(chamado ''fidepromissor)não passava a seus herdeiro s: com sua morte
extingu ia-se. Outrossim, havia várias leis no período republicano que limitavam
a responsabilidade dos fiadores em diversos senti dos, o que, n atur alm ente,
diminuiu bastante o valor prático do instituto que, em primeiro lugar, visava a
garantir os inter esses dos credores.
Em consequência disso, ainda no fim da República, às duas primitivas
formas acima descritas juntou-se uma terceira figura de fiança, chamada fideiussío.
Suas regras divergiam bastante das anteriores. Na forma externa, a diferença
montava em pouc o, no uso de palavras diferentes no formulário: "Garantes o
mesmo , por tua fé?" (Idem fide tH.aiubfsne?) "Garanto" (JH.beo).Mas quanto às
suas con sequências jurídicas, a diferença era notável. A fideiH.ssioaplicava-se a
todos os tipos de contrato, e náo somente aos contratos verbais; a obrigaç ão dela
proveniente passava aos herdeiros do fid eiH.s sor; e, ainda, não era afetada pelas
limitações da legislação republicana, acim a mencionadas . Com essa nova forma,
a fiança obteve uma regulamentação condigna com a importância econômica do
in stituto em uma sociedade evoluíd a como a de Roma nessa época.
Quanto às consequências jurídicas da fiança, é comum a todas as três
formas a regra de qu e ela não pode exceder a obrigação principal, embora possa
ser de valor menor que o dela. Tam bém ao fiador cabiam todas as exceções
processuai s qu e o devedor principal tinha contra o credor. Outrossim, a partir da
época de Adriano, século II d. C., em caso de vários fiadores, eles podiam pleitear
uma responsabilidade parcial, dividindo-se o valor da obrigação garantida entre
os .fiadores solventes, cada um respondendo na propor ção de sua parte ("benefício
de divisão" - beneficium divisiQnis).
Note-se que, em regra, o fiador sempre respondia acessoriamente, isto
é, só qu ando o devedor principal fosse insolvente . Como consequência desse
178 Curso Elementar de Direito Romano

princ1p10, Just ini ano concedeu ao fideiy_ssora faculdade de pretender que o


credor acionasse em primeiro lugar o devedor principal ("benefício de excussão
<dos bens do devedor principal>" - beneficium excussiQnis).
Entretanto, se o fiador cumprisse a obrigação que garantia, tinha urna
ação de regresso contra o devedor principal (chamada "ação daquilo que foi pago"
- 4ctio depfnsi), caso este não o indenizasse dentro de seis meses. Além desse meio
processual , não dispunha o fiador de outro contra o devedor principal: as relações
en tre ambos ficavam subo rdina das ao vínculo jurídico que os ligasse (mandato,
sociedade, por exemplo), se existisse tal vínculo.
Os jur isconsultos clássicos encontraram ainda outra via que permitia ao
fiador recuperar o que desembolsara por conta do devedor principal. O fiador
podia exigir do credor principal, a quem pagara, a cessão das ações que lhe
competiam contra o devedor principal ("benefício de serem cedidas as ações" -
benefi_ciumcedend4rum actiQnum).
O mandato qualificado (mand4tum qualificg:_tum) e o consti tu to de débito
alheio (constitutum dfbiti alifni) também serviam para constituir uma garantia
semelhante à fiança.
Capítulo 21 • Transmissão Das Obrigações 179

CAPÍTULO21
TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES

CONCEITO
O conceito de considerar os devedores e os credores como substituíveis
em suas pessoas, ficando inalterada porém a própria obrigação como relação
jurídica, é moderno e contrário ao pensamento dos romanos. Eles consideravam
as relações obrigacionais intransmissíveis, o que era consequência, evidentemente,
da antiga ideia da responsabilidade pessoal e corpórea do devedor pela prestação.
Por isso, o princípio vigente era o da intransmissibilidade das obrigações .
Entretanto, as exigências do comércio forçaram a praxe a encontrar meios
legais para atingir a transmissibilidade das obrigações entre vivos. Esses meios
eram a "delegação" (deleg4tio),depois a "procuração em causa própria" (procur4tio
in rem s11.am)e finalmente o sistema das "ações úteis" actiQnes11.tiles,tendo esse
último, na prática, os mesmos resultados econômicos e jurídicos da cessão das
obrigações na sua acepção moderna. Vejamos, então, a evolução histórica.

DELEGAÇÃO (DELEGAT/O)
As Institutas de Gaio salientam que os modos de transferência dos direitos
reais não se aplicam às obrigações. Caso o credor desejasse que a prestação que
lhe era devida passasse a ser devida a outrem , só poderia obter esse resultado
por meio de novação da obrigação, que estudaremos em maiores detalhes no
próximo capítulo. Essa se verificava com nova stipul4tio ("delegação ativa" -
deleg4tio acti_va),cujo objeto era prestação idêntica à da obrigação originária, e
que, por ordem do primitivo credor , era feita entre o devedor e o novo credor.
Esse último, na moderna terminologia, se chama cessionário. Com a nova
stipu/4.tio, cessavam os efeitos da obrigação originária, verificando-se, destarte,
: _::}(:
_

180 CucsoElementarde Di,eitoRomaJI

a transmissão do crédito. Operação semelhante servia também para transmitir a{


~l
obrigação de um devedor a outro ("delegação passiva'' - deleg4tiopassiva). )i
O procedimento da delegação (deleg4tio) tinha, naturalmente, os seus}/
inconvenientes. Eram sempre necessárias a anuência, a presença e a cooperação)
ativa das duas partes da obrigação originária. Isto, que é natural na transmissão},
do débito, porque ao credor muito importa quem seja o seu devedor, não se L
justifica, entretanto, na delegt!.tioactiva, na cessão do crédito, pois ao devedor é
tanto faz quem seja o seu credor, desde que a obrigação permaneça inalterada. (
Outro inconveniente era ainda que a deleg4.tiosó se realizava pela stipuÍ{l_tioe /
que as eventuais garantias que acompanhavam a obrigação originária ficavam)
extintas, uma vez feita a deleg4.tio.

PROCURAÇÃO EM CAUSA PRÓPRIA (PROCURAT/0 IN REM ·...


·
SUAM)
A praxe, buscando uma forma de transmissão das obrigações que melhor
atendesse às exigências do comércio, encontrou-a no "mandato para agir em
juízo" (mandt1.tumagg_ndi),isto é, no mandato processual.
No processo formular era permitido ao autor fazer-se representar por um
procurador (procur4tor).Esse era um mandatário especial, incumbido de agir em
juízo, no interesse do mandante.
Aproveitando esse instituto, o credor-cedente (assim o chama a
terminologia moderna) encarregava, como mandante, o cessionário (também
expressão moderna) de representá-lo, como mandatário, no processo contra o
devedor. Tal ato era um "mandato para agir em juízo" (manda.tum agg_ndi).Esse,
porém, não transmitia, por si mesmo, a obrigação. Para que a transmissão se
desse, o mandante (credor-cedente), ao constituir o procurador, renunciava à sua
ação direta de mandato (4ctio mandª-ti dirg_cta),pela qual poderia exigir não só a
execução, como também prestação de contas do mandato. Assim, o procurador
ficava senhor da obrigação, verificando-se, destarte, a transmissão dela. Tal
mandatário chamava-se "procurador em causa própria" (procur4torín rem suam),
porque ele agia no seu próprio interesse e não no do mandante.
Naturalmente, essa forma de transmissão tinha também os seus
inconvenientes. O cessionário por esse meio não adquiria o crédito, ele não podia
agir contra o devedor em seu próprio nome, mas só naquele do cedente. De outro
lado, a vantagem da "procuração em causa própria'' (procura.tioin rem sy_am)
sobre a delegação (delegufio)consiste no fato de, na primeira, não ser necessária a
anuência do devedor da obrigação cedida, e, ainda, na subsistência das garantias
Capítulo 21 • Transmissão Das Obrigações 181

dessa obrigação.

SISTEMA DAS 11AÇÕESÚTEIS" (ACTIONESUTILES)


Na época imperial , a fim de remediar os inconvenientes da ''procuração
em causa próprià' (.procurgfioin rem sgam), sobretudo para tornar o direito do
cessionário independente do direito do cedente, a praxe introduziu o sistema da
concessão das "ações Úteis" (actiQnesgtiles).
As actÍQnesgtiles, aliás conhecidas originariamente no processo formular
do período republicano, eram também chamadas "ações ficrícias" (actiQnes
fictj_ciae), porque se baseavam em uma ficção. Em nosso caso, a ficção era
considerar o cessionário como legalmente sucedendo ao cedente no seu direito
com base na transmissão do crédito havida por ato jurídico i.nter vi.vos,sucessão
que, perante o direito estrito, não ocorria. Utilizando -se desse meio processual, as
ações que cabiam ao credor-cedente podiam ser intentadas também pelo credor -
cessionário, qualquer que fosse a forma da cessão.
Contornando, dessa maneira , as disposições rígidas do direito estrito, a
jurisprudência e a praxe da época imperial estabeleceram as bases do instituto da
cessão como o conhecemos modernamente.
Como regras gerais da cessão, ela pode ser feita a título gratuito e a título
oneroso. No primeiro caso o cedente é responsável apenas pela existência do
crédito ("crédito verdadeiro " - Vfrum nQmen) cedido e não pela solvência do
devedor ("crédito bom' ' - bQnum nQmen). Na cessão a título oneroso , o cedente é
responsável por ambas as coisas.
O cessionário adquire o crédito nas mesmas condições e com as mesmas
garantias que o acompanhavam antes da cessão. Entretanto, para evitar abusos,
no período pós-clássico foi proibido ao cessionário cobrar do devedor mais do que
pagara pela cessão do crédito. De outro lado, as defesas processuais do devedor
contra a pessoa do cedente subsistem também contra o cessionário .
Capítulo 22 • Extinção Das Obr igações 183

CAPÍTULO22
EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

CONCEITO
Cria -se a obrigação para ser cumprida. O cumprimento (soly_tio)é seu
fim natural e com ele a obrigação se extingue. Mas há outros atos jurídicos que
igualmente acarretam a extinção da obrigação. Assim, podem as panes compensar
as obrigações que reciprocamente tenham, ao invés de solver cada urria a sua
("compensação" - compens4.tio).Da mesma forma, a transformação da obrigação
em uma out ra (novação - nov4.tio) acarreta a extinção da obrigação anterior .
Podem, ainda, as partes extinguir a obrigação por comum acordo.
Todos esses meios de extinção dependem da vontade das partes. Há, além
deles, outros fatos que, independentemente dessa von tad e, produzem os mesmos
resultados.
Est udar emos, então, cada um dos meios de extinção, separadamente.

i) Pagamento
O pagamento (soÍ'Jl,tio)é o modo natural da extinção das obrigações .
O adim plemento da obrigação extingue o liam.e entre o credor e o devedor.
Recebendo o credor a prestação, objeto da obrigação, o devedor fica libertado do
víncu lo obrigacional.
No período clássico, bastava o fato do cumprimento fiel da obrigação
para qu e se verificasse a sua extinção. No direito primitivo não era assim. Esse era
formalísrico e rígido. Jáconhecemos as formalidades exigidas para a constituição
do liam e obrigacional. Logicamente, esse direito primitivo não exigia o
cumprimento de formalidades apenas para a constituição das obrigações, ma
tam bém para a sua extin ção. Por isso, cada contrato formal tinha o seu contrário,
184 Curso Elementar de Direito Romano

que era um ato jurídico liberatório. Assim, ao ng_xumcorrespondia a solenidade


do "pagamento por meio de <moeda de> bronze e de balança" (solY:tio per {leset
libram) ou "liberação do nexum" (nfxi liber{ltio),que exigia cinco testemunhas,
a presença das partes, de uma balança e seu portador, com o pronunciamento
de determinadas fórmulas verbais e a realização de certos atos simbólicos (entre
eles a percussão de um dos pratos da balança com uma moeda de bronz e). De
outro lado, o contrato solene e verbal de stipui{ltio resolvia-se pela solenidade da
acceptil[ltio,espécie de quitação formal que consistia na pergunta e congruente
resposta do devedor e do credor respectivamente: "Tens como recebido aquilo
que te prometi?" ( Quod fgO tibi promisi habfsne accfptum?) - "Tenho" (H[lbeo).
No início, quando a forma tinha mais valor do que o conteúdo, era esse
ato contrário formal o único meio de extinguir a obrigação, para tal não bastando
o seu cumprim ento efetivo, que, sem as formalidades do ato contrário, nada valia
perante o direito.
Nas novas categorias de contratos reais e consensuais, para cuja realização
não era necessário o uso de formalidades, o pagamento (soly_tio)por si acarretava,
naturalmente, a extinção da obrigação. Esse princípio foi, depois, estendido a
todos os contratos no período clássico, inclusive aos formais. Daí por diante, o
ato formal de extinção tornou-se supérfluo nos casos em que houvesse pagamento
efetivo . Conservou, porém, seu papel nos casos em que as partes convencionassem
a extinção da obrigação sem que tivesse havido adimplemento. Tal ato é chamado
nas fontes de "pagamento imaginário" (imagin{lriasolY:tio).
Quanto às regras gerais referentes ao pagamento (soly_tio),notamos as
seguintes:
a) o objeto do pagamento deve ser exatamente o da obrigação. O
cumprim ento de prestação diferente da prevista no contrato não é pagamento, a
não ser que o credor o aceite como tal. Nesse último caso, em que o pagamento é
chamado "dação em pagamento" (d4tio in soly_tum),a obrigação extingue-se . Por
outro lado, o credor não é obrigado a aceitar pagamento parcial, exceto quando
previsto no contrato;
b) o pagamento deve ser efetuado ao credor ou ao seu representante para
esse fim designado;
e) a obrigação deve ser cumprida pelo devedor, mas o pode ser também
por outra pessoa, a menos que o credor tenha intere sse especial na prestação
pessoal do devedor;
dJo prazo e o lugar do cumprimento dependem da convenção das partes.
Faltando a determinação desses elementos, a prestação é devida logo que cobrada
e no lugar escolhido pelo devedor.
Capítulo 22 • Extinção Das Obrigações 185

ii) Compensação
A compensação (compens4tio) pressupõe a existência de mais de uma
obrigação entre as mesmas pessoas, sendo elas ao mesmo tempo credor e devedor
uma da outra . Tais obrigações recíprocas entre as mesmas partes extinguem-se
pela compensação enquanto equivalentes, continuando devido o excedente não
compensado .
No direito clássico, a compensação se operava só em três casos: nas
"ações baseadas na boa-fé" (bg_nae fidei iudicia), nas obrigações entre banqueiros
e no concurso de credores . Parece que, já no fim desse período, o campo da
compensação foi estendido além dos casos acima mencionados. No período pós-
clássico, por sua vez, aplicou-se em geral aos créditos, sem restrições, contanto
que do mesmo gênero (dinheiro contra dinheiro, trigo contra trigo, etc.), certos
quanto a seu montante e vencidos (líquidos).
No direito romano, a compensação não se operava automaticamente, "pelo
próprio direito" (ipsoiure). Era sempre necessário que as partes a convencionassem
ou que uma delas a pedisse em uma ação que lhe fosse intentada pela outra parte.
Operava, portanto, "por força de exceção processual " (exceptiQnis!!_pe), isto é, por
meio de defesa processual.

iii) Novação
Novação (novg:_tio) é a extinção de uma obrigação pela sua substituição
por uma nova , com o mesmo conteúdo da anterior: "novação é a transformação
e o transplante de um débito anterior em outra obrigação" (nov4tio est prig_ris
dfbiti in aliam obligatiQnemtransfo-sio4tque trans/4.tio- Ulpiano , D. 46 ,2.,1 pr.).
A prestação, objeto da obrigação antiga e da nova, devem ser idênticas
("o mesmo débito" - idem dfbitum); do contrário haveria constituição de outra
obrigação ao lado da antiga, ambas coexistentes. Entretanto , malgrado a exigência
de identidade de prestação em ambas as obrigações, a nova tinha que trazer um
elemento novo ("algo de novo" - 4/iquid nQvi), que justificasse a novação. O
elemento novo podia concernir à prestação (novas condições, novo prazo, novo
lugar para pagamento), às partes (substituição da pessoa do credor - delegação
ativa [deleggfioactiva]-, ou do devedor- delegação passiva [deleg4tiopassiva]),
ou ainda à causa da obrigação (por exemplo, a transformação de uma obrigação
"decorrente de uma comprá' [ex fmpto] em uma obrigação "decorrente do
contrato solene e verbal de stipulatio" [ex stipul4tu]) .
No direito justinianeu, como no moderno , exigia-se, ainda, a "intenção
de fazer novação" (4.nimusnov4ndi) das partes.
186 Curso Elementar de Direito Romano

A novaçáo extingue automaticamente, pelo próprio direito (jpso iy_re)a


obrigaçáo antiga com todos os seu acessórios (fiança, garantias reais, cláusulas
acessórias eventuais etc.) .

iv} Extinção da obrigação por acordo das partes


As partes podem fazer cessar os efeitos da obrigaçáo sem que haja
adimplemento (soly_tio),se assim convencionarem. Isso era possível no direito
quiritário por meio do "pagamento imaginário" (imagin4.riasoly_tio),de que já
falamos. No direito clássico, os efeitos dos contratos consensuais cessavam em
virtud e de rescisáo por mútuo acordo: "ato contrário" (contr4.rius4.ctus).O pretor,
por sua vez, dava tutela jurídica a todo acordo rescisório de obrigação, que era
chamado de "pacto de náo demandar" (p4.ctumde non pett:_ndo),porque por esse
pacco o credor se comprometia a não demandar em juízo a prestação do devedor.
Temo s de mencionar que o "pacto de náo demandar" (pª-ctum de non
petfndo), assim como a compensação (compens4.tío),no período clássico, tinham
tutel a jurídica do pretor. Outrossim, para sua aplicação em juízo, era preciso que
fossem alegados pela parte interessada por meio de exceção processual (excfjJtio),
na ação que lhe fosse movida. Os outros modos de extinção se operavam
automaticamente, pelo próprio direito (jpso iy_re).

v) Fatos extintivos das obrigações, independentes da


vontade das partes
Extinguem-se as obri gações, também:
a) quando seu cumprimento se toma impossível, a não ser qu e a
impossibilidade seja imputável ao devedor;
b) em certos casos, pela morte das partes.
Assim, o falecimento de qualquer das partes extingue o mandato ou a
sociedade; o falecimento do credor extingue as obrigações tuteladas por ações
"que aspiram a uma vingança" (vindi.ctamspirª-ntes),como é o caso da açáo contra
quem comete o delito de injúri a; o falecimento do devedor exting ue as obrigações
do fiador por spQnsio(chamado spQnsor)e do fiador por fidepromi.ssio(chamado
fidepromi_ssor);
e) pela c4.pitisdeminY:.tiodo devedor, exceto as obrigações provenientes de
delito (ex deli.cto);
d) pela "confusão" (con_fi!::sio),
isto é, a junção, na mesma pessoa, da posição
do credor e do devedor. É o caso do devedor que se toma herdeiro universal do
Capítu lo 22 • Extinção Das Obrigações 187

seu credor;
e) pelo "concurso de duas causas lucrativas" (concJj_rsus
du4rum caus4rum
fucrativ4rum), isto é, pelo cumprimento de uma de duas obrigações a título
gratuito, com o mesmo objeto. Nesse caso, como o objeto é o mesmo, o
cumprimento de uma das obrigações extingue a outra. Por exemplo: Caio
determina em testamento que seu herdeiro entregue determinada coisa a Tício, e
posteriormente faz doação, para entrega futura, da mesma coisa a Tício . Morrendo
Caio ante s de venc ido o prazo para entrega da coisa doada, se o herdeiro de Caio
entregar a coisa a Tício, em cumprimento do testamento, extingue-se a doação;
fi pelo decurso do prazo de vigência convencionado pelas partes ou
estabelecido pela lei;
g) pela verificação da condição resolutiva nas obrigações sujeitas a essa
espécie de condição;
h) pela extinção da obrigação principal, no caso da obrigação acessória;
i) por ordem legal, em determinados casos, a tíntlo de penalidade. E o
que se dá com o crédito de quem, para haver o que lhe é devido, se apossa de
ben s do devedor. A extinção do crédito nesse caso foi determinada por decreto
do imperador Marco Aurélio (decrftum dj_viM4rci).

1
l ~ --=----
CURSO
ELEMENTAR
DE
DIREITO
ROMANO
DIREITO
,
DEFAMILIA

\
1
~===========::====
l- -- - ~ _.
Capítulo 23 • Família 191

CAPÍTULO23
FAMÍLIA

A FAMÍLIA ROMANA: CONCEITO E HISTÓRICO


A organização familiar romana era fundamentalmente diferente da
moderna. Suas instituições básicas , parentesco, pátrio poder, matrimônio e
tutela, têm princípios muitas vezes diversos dos nossos .
A palavra família, no direito romano, tinha vários significados: designava
precipuamente o chefe da família e o grupo de pessoas submetido ao poder dele,
mas podia também significar patrimônio familiar ou determinados bens a ele
pertencentes. Aliás , etimologicamente, família prende-se a fe_mulus, escravo, que,
em Roma, tinha obviamen te valor econômico.
Interessa-nos , aqui, de modo especial, a família no sentido de conjunto de
pessoas ligadas pelo vínculo direto.
Na sua acepçáo original, família era evidentemente a "família por direito
própr io" (jamilia prQprio ÍY:.re),isto é, o grupo de pessoas efetivamente sujeitas
ao pod er do p aterfamilias: "por direito próprio dizemos fam ília as muitas pessoas
que estão sujeitas por direito ou por natureza ao poder de um só" (iY:. reprQjJrio
familiam dicimus plY:.respersQnas,quae sunt unius potestg,.teaut natY:_raaut iY:.re
subifctae - Ulpiano, D . 50,16,195,2).
Em outra acepção , mais lata e mais nova, família compreendia todas as
pessoas que estariam sujeitas ao mesmo pateifamilias, se ele não tivesse morrido:
era a "família por direito comum " (jamilia commY:_niiY:.re)."Por direito comum
dizemos família a de todos os agnados: pois ... os que estiveram sob o poder de um
só corretamente serão considerados da mesma família, porque foram gerados da
mesma casa e ascend ência" ( CommY:..niÍY:.re
familiam dicimus Qmnium adgnatQrum:
nam ... qui sub unius p otest4tefa!Z_runtrfcte eiY:.sdem
familiae appellabY:.ntur,quia ex
e4dem d[2moet gfnte prfl.diti sunt - Ulpiano, D . 50,16,195,2).
.·..<=r-

192 (UrSO Elementar de Direito Romanc{

. -·-::\\

Em ambos os conceiros de família, a base do liame são a pessoa e a<:


autoridade do paterfami.lias,que congrega todos os membros. A pa_triapotg_sta(.
podia ser atual, como na fami/ia prQJJrioi1:1,re,
ou ter existido precedentemente, oi/
que se verificava na fami.lia commy_nii1:1,re. . ..
O liame ou vínculo que une os membros de uma família chama-se /
parentesco e ele era, no direito romano arcaico, puramente jurídico. Dependia,\
exclusivamente, do poder que o paterfami.lias tinha ou teve sobre os membros <
da família. Esse parentesco jurídico chama-se agnação (adgna_tio)."Chamam-se
agnados os que estão unidos por cognação legítima. A cognação legítima é aquela \
que liga as pessoas por meio do sexo viril" (Voc,anturautem adgnçJfiqui legi.timd ',
cognatiQnei1:1,ncti
sunt. Legitima autem cogna_tio persQnasJ
est ea, quaeper virj_lissg_xus
coni1:1,ngitur
- Gai. 3,10) e se transmitia só pela linha paterna, pois somente oi
varão podia ser paterfami.lias. A adgn,atio era chamada também de "cognação
viril" (cogn4tiovírilis).
Esse parentesco agnatício se contrapõe à cognaçáo ou parentesco<
consanguíneo (cogna_tio),existente entre os pais e os filhos e todos os que têm\.
ascendentes comuns. Tal parentesco era entendido como incluindo os liames\ ·
pela linha materna: "os unidos em parentesco por pessoas do sexo feminino não
são agnados, mas cognados por direito natural" (at hi, qui per femini_ni sg_xus
persQ1iascognatiQneconiung1:1,ntur,
non sunt adgn4ti, sed ,aliasnatu1Y.1li
iy_recogn4fi\i
- Gai. 1,156).
O parentesco consanguíneo foi reconhecido pelo direito romano desde /
os tempos mais remotos, acarretando impedimento matrimonial e, também,· ... ••
gerando outras consequências jurídicas. \
Na evolução do direito romano, desde os tempos arcaicos até a época do >
direito pós-clássico, pode-se notar a luta entre os dois princípios, o da agnaçáo e/
o da cognaçáo, verificando-se a prevalência cada vez mais acentuada do princípio ··
do parentesco consanguíneo que, ao final, suplantou totalmente o da agnação. . ..
O cálculo do grau de parentesco fazia-se pelas gerações: "tantos são os graus,\
quantas são as gerações" (quot gener4tiones,tot gr,adus).Assim, na linha reta, entre ....
ascendentes, contava-se o número de gerações. Pai e filho, por conseguinte, erani
parentes do primeiro grau, avô e neto do segundo grau. Na linha transversal, entre i
parentes colaterais, para o cálculo do grau de parentesco era preciso remontar ao <
ascendente comum e contar todas as gerações intermediárias. Assim, dois primos < ·
eram parentes em quarto grau, porque há duas gerações entre o avô comum e·.·
um dos primos e outras tantas gerações para chegar do avô ao outro primo. O . .{
parentesco não era reconhecido além do sétimo grau (Modestino, O. 38, 10,4 . <
pr.).
Capítulo 23 • Família 193

O liame de parentesco existente entre um cônjuge e os parentes do outro


chamava-se afinidade . ''.Afins são os cognados do marido e da mulher" (adfines
sunt vi.ri et UXQrís
cogng_tí- Modestino, D. 38,10,4,3). Ele se limitava, porém, ao
cônjuge, não se estendendo dos par entes de um aos parentes do outro.

PÁTRIO PODER
O caráter arcaico do poder que o paterfarni:_líastinha sobre seus descendentes
era revelado pela total, comp leta e duradoura sujeição destes àquele, sujeição essa
que tornava a situação dos descendentes semelhante à dos escravos, enquanto o
paterfarni:_lías
vivesse.
A organização familiar romana repousava na autoridade incontestada do
paterfami:_líasem sua casa e na disciplina férrea que nela existia.
Assim o paterfarni:_Lías exercia um "poder de vida e de morte" (íus vi:_tae ac
nr:_cis)
sobre seus descendentes, o que já era reconhecido pelas XII Tábuas (450-451
a. C.). Esse poder vigorou em toda sua plenitude até Constantino (324-337 d.
C.) (CQdex Theodosi_ª)1US,4,8,6 pr.). O paterfami:_lias podia matar o filho recém-
nascido, expondo-o (abandono), até que uma constituição dos imperadores
Valentiniano I e Valência (em 374 d. C.) proibisse tal prática (C. 8,51(52),2) . A
venda de filho era também possível. O filho vendido encontrava-se na situação
especial de pessoa in mancipio, pela qual ele conservava seus direitos públicos.
Continuava cidadão romano . Quanto aos seus direitos privados, todavia, ele os
perdia .
No direito clássico tal venda só se praticava para fins de emancipação ou para
entregar à vítima o filho que cometera um delito (nQxaedg_tio). Originariamente
o pat erfami:_liaspodia casar seus filhos, mesmo sem o consentimento destes. No
direito clássico, porém, exigia-se o consentimento dos nubentes. Por outro lado,
o pátrio poder, tão amp lo originariamente, incluía o direito de o pai desfazer o
matrimônio de filhos a ele sujeitos. O imperador Antonino Pio (138-161 d. C.)
aboliu expressamente essa faculdade com relação às filhas. Para os filhos, o direito
em questão desapareceu mais cedo (Pauli Sem. 2,19,2).
Do ponto de vista patrimonial, o pátrio poder implicava a centralização
de todos os direitos patrimoniais na pessoa do paterfami:_lias. No direito clássico,
ele era a única pessoa capaz de ter direitos e obrigações. As pessoas sujeitas ao
pátrio poder não tinham plena capacidade de direito; assim, não podiam ser
os alir:.nii11:.ris
sujeitos de direito: "o filho nada pode ter como próprio " (filius
nihil s11:.umhabt:_re
pQtest-Gaio, D. 41, 1,10 , 1). Semelhantemente aos escravos, os
filhos, adquirindo qualquer direito , o adquiririam para o paterfami:.lias .
194 Curso Elementar de Direito Romano

Pelos seus atos, porém , não o obrigavam . Se o filiusfami_liascometesse


um delito, de que decorresse uma obrigação delirual, a responsabilidade seria
do paterfami_lias , que poderia, ele mesmo, ressarcir o dano causado pelo filho
ou, então , se o preferisse, entregar o filho ao ofendido. Era isso que se chamava
de noxae datio, assunto de que já falamos. Quanto às obrigações contratuais,
eventualmente assumidas pelo filiusfami_lias ,. elas, em princípio e pelo direito
quiritário, não obrigavam o paterfami_lias.
Nesse campo, porém, veio o pretor e alterou as regras rígidas do direito
quiritário, passando a admitir ações especiais dirigidas contra o paterfami_lias .
Assim um credor podia agir em juízo , quando o filiusfami_liasfosse preposto do
p11:.te
r em empresa de navegação ou outro empreendimento dele, respectivamente
por meio das ações institória e exercitória (g_ctionesinstitQria, exercitQria);ou
quando o filho tivesse atuado sob ordens expressas do pai, caso em que o credor
poderia intentar uma "ação em decorrência de ter agido a mando " (g_ctioquod
iY:,ssu).Também quando a vantagem correspondente à obrigação aumentasse o
patrimônio do pai (11:.ctiode in rem Vfrso)ou quando o ato do filho fosse praticado
na administração do pecúlio que o pai lhe entregava ("ação acerca do pecúlio " -
11:.ctio
de pecY:,
lio).
Essas ações pretórias, visando à responsabilização do paterfami_liaspelas
obrigações assumidas pelo filho, ficaram conhecidas, posteriormente, como
"ações adicionais" (actiQnesadiecti_tiaequalit4tis), em razão da interpretação de
um fragmento do Digesto (Paulo, D,14,1,5,1).
Nesta altura temos que mencionar o senatusconsulto macedoniano
(senatusconsY:,ltum Macedoni4num), da época do imperador Vespasiano (70 a
79 d . C.), que proibiu aos filiifami_lias,de qualquer idade, tomar empréstimos
de dinheiro. Com base nessa regra, o filiusfami_lias tinha um meio de defesa
processual: a exceção do senatusconsulto Macedoniano (excfptio senatusconsY:,lti
Macedoni11:.ni) que paralisava a ação do credor. Essa defesa não se aplicava, porém,
quando o filiusfami_liascontraía o empréstimo autorizado pelo pai ou em favor
deste (Ulpiano, D. 14,6,7,11).
Por outro lado, a independência parcial, no campo patrimonial, do
filiusfami_liascomeçou a ser reconhecida desde a época de Augusto (31 a. C. -
14. d. C.), que considerou o patrimônio adquirido pelo filiusfami_lias durante o
serviço militar, chamado pecúlio castrense (pecY:,lium castrfnse),como pertencente
exclusivamente a ele (Mácer, D. 49, 17, 11). Esses bens, portanto , não mais
pertenciam ao pai e o filho podia deles dispor livremente. Mas se o filho falecesse
sem deixar testamento, os bens passariam a pertencer ao paterfamilias, como se
sempre a ele tivessem pertencido, "por direito de pecúlio" (iY:,re pecY:,lii- Ulpiano ,
Capítulo 23 • Família 195

D. 49,1 7,2).
Depois do imperador Constantino (324 a 337 d. C.), esses princípios
se estenderam ao patrimônio adquirido pelo filho no serviço público , o que
os modernos chamam de pecúlio quase-castrense (pec'fd.liumqur1:sicastrfnse).
Outrossim, semelhante separação de patrimônio teve lugar com relação aos
bens do filiusfami.lias, provenientes de sua _mãe ou de ascendentes pela linha
materna. Eram os bens denominados "bens maternos" bg_namatfrna. Assim, a
independência patrimonial do filho foi cada vez se acentuando mais com o passar
do tempo.
Por fim, Justiniano qualificou de desumano o sistema de pertencer ao pai
o que o filho adquirisse (lnst. 2,9,1) e determinou que somente o usufruto dos
bens do filho coubesse ao pai. Com isto, o sistema quiritário foi basicamente
modificado.

Aquisição e perda do pátrio poder


É ordinar iamente fonte do pátrio poder o nascimento do filho havido em
justas núpcias.
Presumia-se a filiação legítima se o parto se dera, no mínimo, 180 dias da
data em que se contraiu o matrimônio ou, no máximo, 300 dias após a dissolução
do casamento: "o pai é, na verdade, aquele que as núpcias demonstram" (pr1:ter
Vfro is est quem ny,ptiae demg_nstrant- Paulo, D. 2,4,5).
O reconhecimento da criança dependia do pai . Antigamente fazia-se
mediante a formalidade de "elevar o recém-nascido " (tg_llereli_berum)nos seus
braços. Na falta de tal reconhecimento da paternidade, podia-se , através de
um procedimento judicial preliminar (praeiudi_cium),provocar uma decisão a
respeito (cf Ulpiano , D . 25,3,1,16) .
Os filhos naturais, nascidos fora do casamento e não reconhecidos, não
estavam sob pátrio poder . Eles não se ligavam por parentesco agnatício nem à
sua mãe nem à família desta. Entretanto, viviam com ela e se encontravam numa
situação semelhante à dos filhos in manei.pio,de que já falamos.
Extraordinariamente , a aquisição da pr1:triapotfstas poderia dar-se pela
adoção. Dessa havia duas formas: a ad-rogação (adrogr1:tio) e a adoção (adg_ptio)
.
A primeira, a adrogr1:tio, mais antiga , fazia-se perante o povo reunido em
comício , que, assim, intervinha no ato. Mais tarde, desaparecendo os comícios, o
costume substituiu o povo por trinta lictores,que representavam, então , as trinta
antigas cúrias.
Somente se podia ad-rogar uma pessoa SJ:iÍ iw-is do sexo masculino e
[
196 Curso Elementar de Direito Romano

púbere que, em consequência da ad-rogação, perdia sua independência no plano


familiar e, por conseguinte, também a sua capacidade de direito. O ad-rogado
passava, juntamente com todos os seus dependentes, para a família do ad-rogante,
na situaçáo de alifni igris. Por isso, o património do ad-rogado também passava
a pertencer ao ad-rogante, não ocorrendo o mesmo com relação às dívidas, que
pelo direito quiritário se extinguiam (Gai. 3,84 e 4,38). O pretor, contudo,
concedia um remédio processual aos credores, visando a proteger seus direitos.
Exigia-se para a ad-rogação que o ad-rogante fosse mais velho que o ad-
rogado, mesmo porque a adoção imita a natureza (Inst. 1,11,4) .
A ad-rogaçáo acarretava a cg,_pítisdemingtio do ad-rogado, pois ele perdia
sua condição de sgi igris ao entrar na família do ad-rogante.
A transmissão do pátrio poder de um paterfami.lias a outro, sobre uma
pessoa alifni igris, chamava-se adoção (adgptio). Por esse meio, um filiusfami.lias
saía de sua família de origem, para entrar na família do adotante. Também as
filhas e os netos podiam ser adotados.
Para romper o liame com a família de origem era necessário que se
praticasse a venda fictícia do filho. A Lei das XII Tábuas pr evia a perda do pátrio
poder, caso o filho tivesse sido vendido três vezes pelo pai, sendo que para os
netos e filhas isso se verificava logo após a primeira venda. Para fins de adQptio,
a interpretação elaborou um complicado ato jurídico. Consistia ele na venda do
filho a um amigo de confiança e na subsequente manumissão ou revenda por
este, o que deveria repetir-se três vezes no caso de um filiusfami_lias.Depois da
terceira venda, porém, era ele cedido, pela in iure cfssio, ao adotante, que, assim,
adquiria sobre o adotado o pátrio poder .
Essa passagem do filho, de uma família para outra, também era considerada
como capitis deminutio.
Extingue-se o pátrio poder pela morte do paterfamilias ou do alifni ÍH.ris.
A c4pitis deminH.tiodo pai é equiparada à morte nesse particular. Além disso,
extingue-se o pátrio poder pela adQptio do alifni ÍH.rise pelo casamento cum
m4nu da filha.
A emancipação tornava o filho sgi ili.ris, extinguindo-se com ela,
naturalmente , o poder do pai sobre ele. A emancipação baseava-se, também,
naquela regra das XII Tábuas, que punia quem vendesse três vezes seu filho com
a perda do pátrio poder sobre ele. Portanto , para a realização da emancipação,
praticava-se a venda fictícia do filho a um amigo, com subseqgente libertação.
No último ato, porém, era costume que, ao invés de libertar o filho, esse fosse
vendido ao pai , para que ele, entáo, o libertasse . A razáo disso foi garantir ao pai
os direitos decorrentes do pauonato sobre o filho emancipado.
Capítulo 24 • Casamento 197

CAPÍTULO24
CASAMENTO

CONCEITO DO MATRIMÔNIO ROMANO


A uni ão duradoura entre marido e mulher, núpci as ou matrimonw
(n'!f:jJtiae
, matrimg_nium), como base do grupo familiar, é a idéia fundamental no
dir eito romano . As du as famosas definições do s textos romanos bem salienta m
isto: "Asnúpcias ou o matrimônio são a uni ão do h om em e da mulher , que contém
uma comunhão indiv isível de vidà ' (N'!f:jJtiaesi.vematrimg_nium est vi.ri et muli_eris
individuam consuety_dinemvi_tae cg_ntinens- Inst. 1,9,1) - ''Asnúp cias
coni11:.nctio,
são a uni ão do homem e da mulher, o consórcio de toda a vida , a comunica ção de
direit o divin o e humano" (N'!f:jJtiaesunt coniY:.nctiomaris etfeminae, et consg_1
-tium
g_mnis vi_tae,divi.ni et humªni iH,riscommunicªtio -Modestino, D. 23,2,1).
Mesmo assim, h á grande difer ença enu-e as con cepçóes romanas e
modernas a esse respeito.
A nossa ideia sobre matrimônio baseia-se nos conce ito s da dogm ática e
da ética do Cristianismo.
Em Roma ant iga, o matrim ônio , regulado pelos costumes e pela moral,
distinguia-se dos direitos dele decorr en tes ou a ele ligados. O matrimônio era
consi derado no direito romano não como uma relação jurídi ca, ma s sim corno
um fato social, que, por sua vez, tinha vária conseq uências jurídicas.
E verda de qu e o direito quirit ário con heceu a ma:nus, isto é, o poder do
marido sobre a mulher, originário de atos formais de aquisição daq uele (convfnti o
in m4num) .
Para o estab elecim ento de tal pod er, pelo qu al se sujeitava a mulher ao
marido , era preciso praticar -se a cerirnônia denomin ada confarregJio, em que
se fazia uso do fárreo (p4nis ferr eus, uma espécie de bolo de farinha de trigo),
segun do uma formalidade antiga, de tipo social religioso. Os nubentes deviam
198 Curso Elementar de Direito Romano

realizar uma série de atos rituais, culminando numa oferenda do referido pão a
Júpiter.
O mesmo objetivo (o estabelecimento do poder marital) tinha a coempção
(cofmptio), que era a venda formal da nubente pelo seu pateifami./ias ao nubente,
venda essa que se fazia através da mancipg._tio.
A terceira forma de aquisição do poder marital se dava pelo JJ.SUS.Ele se
baseava na idéia da aquisição do poder jurídico absoluto pela posse prolongada.
A Lei das XII Tábuas conferia ao marido a mg._nussobre a mulher com quem
convivesse em matrimónio por mais de um ano. Entretanto, a mesma lei previa
a possibilidade de se evitar tal sujeição, bastando para tanto, para interromper a
usucapião em curso, que a mulher se ausentasse de casa, por três noites seguidas:
a chamada "usurpação das três noites consecutivas" (trinQctii usurpg,tio).
Observa-se, pois, que o poder jurídico do marido sobre a mulher era um
reflexo eventual, mas não absoluto, do matrimónio. Desde os tempos antigos
podia existir matrimónio sem poder marital. Era o casamento sine mg._nu.
Conclui-se, portanto, que a idéia de matrimónio, na concepção romana,
era distinta da do poder marital (mr1nus).
A distinção que fazemos entre o matrimónio e a mg._nusainda mais se
reforça pela observação de que, na época clássica, a forma de matrimónio que
prevaleceu foi, precisamente, a do matrimónio si.nemgnu.
Assim sendo, examinaremos o matrimónio, deixando de lado o instituto
da mg._nus,que é o poder jurídico do marido sobre a mulher.
O matrimónio, no direito romano, era um ato consensual contínuo de
convivência. Era uma matéria de fato (resfecti) e não uma matéria de direito (res
iJJ.ris),como se vê nas regras do ius postlimi.nii, onde os romanos enquadravam a
relação matrimonial entre aquelas que tinham que ser restabelecidas pelas partes.
A regra romana "o consentimento faz as núpcias" (consfnsusfecit nJJ.ptias
(Ulpiano, O. 35,1,15) deve entender -se como um acordo contínuo entre os
cônjuges para viverem em comum, com a finalidade de realizar uma união
duradoura entre eles. Exigiam-se, naturalmente, além desse acordo, também
fatos positivos de convivência.
Assim é que se costuma · distinguir dois elementos constitutivos do
matrimónio romano, que são a afeição conjugal (affe_ctiomaritgJis, intenção de
ser marido e mulher) e a honra do matrimónio (o hQnormatrimQnii), a realização
condigna dessa convivência conjugal.
Desse conceito do mauimônio romano seguem-se a possibilidade do
divórcio e, até a grande facilidade dele.
Tratando-se de um ato contínuo de consentimento entre os cônjuges,
Capítulo 24 • Casamento 199

o matrimónio dissolvia-se, logicamente, quando desaparecia aquele consenso.


E isso podia acontecer não só pelo dissenso (ato bilateral), mas também pela
vontade unilateral de um dos cônjuges (repúdio), com base na concepçáo liberal
e individualística que os romanos tinham do casamento : "desde tempos antigos
pareceu bem-aceito que os matrimônios fossem livres" (libera matrimQnia esse
anti.quítusp/4cuit - Alexandre, C. 8,38 [39] ,2). Esse instituto estava praticamente
fora da int erferência direta do Estado.
Embora tendo o caráter apontado, o matrimônio romano não deixou,
contudo, de ser um instituto jurídico, pois decorriam dele importantes
consequências jurídicas. Primacialmence, os filhos de cônjuges romanos eram
cidadãos romanos também, sujeitos ao poder do pai, adquirindo a situação de s11.i
i11.ris
após a morte dele. Além desses efeitos jurídicos havia outros, especialmente
patrimoniais, que estudaremos mais tarde.

ESPONSAIS
A promessa de contrair matrimônio fazia-se no direito romano antigo ,
por uma estipul ação em que se utilizava o verbo spQndeo("eu prometo"). Daí o
nome esponsais (spons4/ia).
Fortalecendo-se cada vez mais, com o correr do tempo, a idéia de liberdade
no campo matrimonial, no direito clássico chegou-se a considerar tal promessa
como destituída de efeito jurídico no que diz respeito à obrigação de contrair o
matrimônio prometido, ou à obrigação de pagar a multa contratual estipulada
para o caso de não cumprimento do avençado. Assim mesmo, os esponsais tiveram
certos efeitos jurídico s secundários, como o de acarretarem a pena de infâmia na
hipótese de serem celebrados com mais de uma pessoa concomitantemente, além
de outro s efeitos de ordem patrimonial.

REQUISITOS E IMPEDIMENTOS PARA CONTRAIR


MATRIMÔNIO (''JUSTO MATRIMÔNIO" - IUSTUM
MATRIMONIUM)
Para contrair matrimônio reconhecido pelo direito quiritário (i11.stum
matrimQnium), era preciso:
a) capacidade jurídica matrimonial das partes (con!d_bium);
b) capacidade de fato delas para esse fim;
e) consentimento.
A capacidade jurídica para contrair matrimónio (con!d_bium),pressupõe
200 Curso Elementar de Direito Romano·.

necessariamente a capacidade de direito. Tinham-na os cidadãos romanos em


geral. Por outro lado, o casamento de pessoas estrangeiras entre si ou de pessoa
estrangeira com pessoa de cidadania romana era considerado "matrimônio injusto" .
(matrímQnium ini11:.stum),também chamado "matrimônio do direito da gentes" ·
(matrimQníum i11:.ris gfntium). Os escravos não podiam casar-se legalmente. Sua ·
união chamava-se contubérnio (contubfmium) e não era considerada uma relação.·
de direito, mas uma mera relação de fato.
A capacidade de agir para casar era adquirida com a puberdade e coincidia
sua aquisição com a da capacidade física e moral para o matrimônio.
O consentimento exigido para contrair matrimônio era o dos nubentes .·
e, no caso de estarem sujeitos ao poder do pateifami_lias,também o deste. Há
diferença, entretanto, entre esses dois tipos de consentimento.
Como vimos, ao estudar o conceito do matrimônio romano, o
consentimento dos cônjuges tinha que ser permanente. Já o do pateifamilías era
exigido apenas no ato da realização do matrimônio.
Entre outras circunstâncias, impediam o matrimônio:
a) a loucura, por implicar a falta de capacidade de fato;
b) a existência de liame matrimonial, visto que o casamento romano era
estritamente monogâmico;
e) a consanguinidade entre os nubentes na linha reta sem restriçóes e na
linha colateral até o terceiro grau;
d) o parentesco adotivo enquanto existente;
e} a diferença de classes, pois entre ingênuos e mulheres tachadas de
ínfemes ou entre pessoas de classe senatorial e da dos libertos havia proibição de
casamento;
f) a condição de soldado em campanha;
g) a relação jurídica entre tutor e sua pupila;
h) também era proibido o casamento do governador de província e
de outros magistrados com mulheres residentes no território onde exerciam
jurisdição.

EFEITOS DO MATRIMÔNIO
O casamento gera efeitos ou consequências jurídicas quer quanto às
pessoas quer quanto aos bens.
Quanto aos da primeira categoria, podiam referir-se, no direito romano,
à pessoa dos cônjuges ou à pessoa dos filhos.
O filho, quando nascido de matrimônio justo (matrimQnium iy_stum),
Capítulo 24 • Casamento 201

ficava sob o poder do pai (patria potfstas). A situação dele era, então, a de
filiusfamilias. Os filhos nascidos na constância do casamento eram presumidos
(presunção relativa - praes11:.mptio
i11:.ris
tg_ntum)como sendo legícimos : "o pai é,
na verdade, aquele que as núpcias demonstram" (pg_tervfro is est quem n11:.ptiae
demQnstrant- Paulo, D. 2,4,5). Presumia-se que a gestação durava de 180 a 300
dias após a concepção (presunção absoluta -praes11:.mptioi11:.ris et de iY:.re)
.
Quanto à pessoa da mulher, no casamento cum mg_nuficava ela sujeita ao
poder do marido, na qualidade de alifni iY:.ris.Por outro lado, no matrimônio
si_nem4nu, aliás a forma que prevaleceu no direito clássico, a mulher conservava
sua independência com relação ao marido . Continuava, mesmo depois do
casamento, na situação anterior, isto é, se estava sob o poder de seu paterfami.lias,
permanecia naquele estado, e se era s11:.ii11:.ris,
continuava nessa mesma condição,
ou seja, s11:.i
i11:.ris.
Mesmo assim, o marido exercia certa autoridade sobre a mulher, cabendo-
lhe a chefia na direção da vida familiar. Era ele quem estabelecia o domicílio
da família e a ele cabia, também, a obrigação de prover o sustento dos seus.
Tinha o marido meios judiciais para defender a mulher contra atos injuriosos
de outrem e podia, por outro lado, exigir o retorno da mulher ao lar conjugal,
mesmo se o paterfami.lias dela a retivesse: os interditos com o fim de obrigar a
exibição e a condução da esposa ao lar (interdito acerca de a mulher ser exibida e
conduzida - interdi_ctumde uxQreexhibfnda et ducfnda). O adultério da mulher
era considerado crime previsto pela lei Júlia dos adultérios (/ex 111:.lia
de adultfriis),
da época de Augusto.
Do ponto de vista patrimonial, no casamento si_nem4nu os bens que
a mulher tivesse eram dela. Chamavam-se bens parafernais. Em vista dessas
regras é importante o preceito da presunção Muciana (praes11:.mptio Muci4na),
que considerava todos os acréscimos verificados no patrimônio da mulher como
provenientes do marido. Tratava-se de uma presunção simples (praes11:.mptio
iY:.rist4ntum), admitindo, portanto, contraprova. A administração não cabia ao
marido, a menos que a mulher o determinasse.
A doação entre os cônjuges foi proibida, sendo tais atos nulos, com
exceção daqueles praticados em virtude da morte (mQrtis causa). A estes foram,
posteriormente, equiparadas as doações feitas pelo cônjuge pré-morto quando não
as tivesse revogado em vida.
Os cônjuges não podiam propor ações penais e infamantes um contra o
outro, por contrariarem o caráter Íntimo da união familiar.
Assim, o regime patrimonial do casamento si_nemgnu era o da separação
de bens, modificado, em parte, pelo sistema do dote que adiante estudaremos.
T

202 Curso Elementar de Direito Romano

DISSOLUÇÃO DO MATRIMÕNIO
Dissolvia-se o liame matrimon ial pela mo rte ou pela cgpitis demin!!:_tio
m(lXima de um dos cônju ges.
É de e notar que o prisioneiro de guerra também sofria ca:pitisdeminY:.tio
m(lXima. Entre tant o sabemos qu e, ao voltar a Roma, recupe rava ele, pelo ius
postliminii, todos os seus direitos. Era como se nunca tivesse sofrido perda de
sua liberdade. Sabemos, cont udo , que nessa recuperação de direitos não se
enquadravam as situações de fato, como a posse e também o matrimônio. Esse
último tinh a que ser restabelecido nov amente.
Por outro lado, o matrimônio rom ano podia ser dissolvido também por
vont ade dos cônjuges. Já o direito romano arcaico previa o divórc io. Ele era
praticado através de formas solenes : a dijfarreg_tio(para desfazer o matrimôn io
contraí do pela confarre4tio) e a remancipgfio (para desfazer o mauimônio
contraído por coempçáo).
No casamento sjne manu, essa dissol ução era ainda mais fácil. Podia
ocorrer por acordo entre as partes : divórcio por con sent imento comum (divQrtium
commH:.niconsfnsu), ou mesm o por vontade un ilateral: repúdio (repli_dium).
Somente na época dos imperadores cristãos foram intro duzidas limitações nesse
campo, sem se abolir, contudo , o instituto do divórcio.

DOTE
O instituto característico do regime patrimonial da ociedade conjugal no
direito rom ano era o dot e.
Sua origem remonta , precisamente, à época do casamento cum m{lnu,
qu ando a mulher ficava na sujeição do mar ido também do ponto de vista
patrimonial. Se era syj iy._ris,isto é, independente de um pátrio pod er, todos os
seus bens passavam a pertencer ao marido. No caso mais comum de se tratar
de uma filha sob o pod er de seu pai, ela, ao se casar cum manu, saía de sua
família para entra r na do m arido. Perdia, assim, os laços de parentesco agnacício
com a família de origem. Decorria disto, naturalmente, a perda de seus direitos
hereditários na sucessão do pai, direitos estes qu e naquela époc a se baseavam
no parent esco agna tício. Para remed iar tal inj ustiça, costumava-se dar à filha,
ao se casar cum m{lnu, o equivalente de sua parte hereditária, qu e, pelas regras
desse tipo de ma trimônio, passava a pertencer ao marido dela, ou ao paterfamilias
deste.
Foi essa pr axe, provavelm ent e, a origem do instituto do dote, que p ersistiu
Capítulo 24 • Casamento 203

e ganhou regulamentação própria no sistema do casamento sine m4nu.


Na sociedade conjugal desse último tipo, a independência patrimonial
dos cônjuges se conservou. Mesmo assim, como já vimos, o ónus de sustentar
a família cabia exclusivamente ao marido. Nada mais justo, portanto , do que
a mulher contribuir, também , para isso. Essa contribuição consistia em bens
patrimoniais , destinados a reforçar as bases económicas da família: "para sustentar
os ónus do matrimónio" (ad sustinfnda Qnera matrimQnii). Podia ser dada ou
prometida, tanto pelo paterfamilias da mu lher ou por ela mesma (se sy_iiy_ris),
como tamb ém por parte de terceiros.
O dote desse modo constituído passava a pertencer ao marido. Mesmo
assim, o dote se distinguia dos outros bens integrantes do património do marido,
pois os ben s dotais tinham uma finalidade especial: destinavam-se à família toda .
Por essa razão, a princípio, a constituição do dote costumava-se fazer
acompanhar de uma stipul4tio do marido, que estabelecia a "caução relativa à
coisa uxória" (cautio rfi uxQriae),pela qual ele prometia sua restituição no caso
de dissolução do matrimónio. Isso era importante, dada a facilidade do divórcio
no direito romano.
Mais tarde, tal obrigação de restituição passou a fazer parte integrante
do próprio instituto do dote. Para a garantia dessa restituição, regras foram
introduzidas, restringindo o direito do marido quanto à livre disposição dos bens
dotais .

i) Constituição do dote
O dote, que podia constar tanto de coisa corpórea quanto incorpórea,
constituía-se por mancip4tio, in iy_recfssioou traditio. Falava-se, então, em "dação
em dote" (dQtisd4tio). Quando o constituinte do dote apenas o prometia, por ato
unilateral, falava-se em "constituição de dote" (dQtisdi_ctio) . Essa requeria forma
solene especial. Quando a promessa d e dote se fazia pela stipul4tio, falava-se em
dQtisp romissio.
_, A constituição do dote podia ser feita antes ou na constância do
casamento. Na primeira hipótese, entretanto, os efeitos dependiam da realização
do casamento, ou seja, de uma condição de direito (condj_cioiy_ris).

ii) Restituição do dote


Conforme a pessoa que o constituísse, distinguia -se o dote em dote
profectício (dospmfectj_cia),quando proveniente de um ascendente da mulher , e
204 Curso Elementar de Direito Romano

dote adven tício (dos adventi.cia),quando constituído pela própria mulher ou po r


um terceiro. Essa distinção tinha relevância jurídi ca em matéria de restitui ção do
dote.
A princípio, o ún ico caso de restituição dos bens dot ais, após dissolução
do matrim ôn io, se dava quando o marid o expr essament e o prometera. O nome
do dot e nessas condições era dote receptício (dos recepti_cia)e sua restituição
obedecia às regras estabel ecidas n a estipulação.
Poster iormente, o pretor concedeu meios para exigir-se a restituição ainda
qu e essa não tivesse sido prometid a pelo m arido:
Em regra:
a) quando a dissolução do matrimónio se dava por causa de divórcio ou
pela mort e do marido, p odia essa restitui ção ser somente pleiteada pela mulh er
(ou por seu paterfamilias, mas sempre com o con sent imento expr esso da mulher);
e
b) quando a dissolução do matrimônio se dava pelo falecim ento da mulh er,
então somen te a dosprofectj_ciaera restit uível ao ascendente que a constituíra; o
do te chamad o advent ício ficava com o marido.
O objeto da resti tuição eram as coisas tais como foram recebid as. Os
frutos ficavam com o m arido.
Com relação à obriga ção de restituir, tem os que mencionar as proibições
da legislação de Augusto a respeito da alienação, pelo marido, do fo-ndus dotgJis
(terreno it álico recebido a rículo de dote) . O marido, sem o consentimento da
mulher , não podia alien á-lo nem o on erar.
O valor dos bens aliena dos pelo marido tinha que ser restituído. O mesmo
não ocorria com os bens per ecidos ou danificados sem culpa dele.
Qu an do os bens dotais eram entregues ao ma rido já avaliados, dot e esse
chamad o "dot e estima do" (dos aestim{lta\ o maúdo devia semp re aqu ele valor
em dinheiro.
Em certas hip óteses cabia ao marido o direito de retenção de part e do s
bens dotais , a título de puni ção da mulher qu e cometera faltas, pelos .filhos etc.

DOAÇÕES
ENTRE
CÔNJUGES
Como já vimos, ao tratar do s efeitos patrimoniais do matrimônio , a
doação era proibida entr e cônjuges .
Em vista disso, e con siderando a situação desfavorável da mulher na
relação sucessória, costumava-se garant ir a subsistênci a dela, quando a dissolu ção
do casamento se dava sem culpa sua, por meio de uma doação feita pelo maTido
Capítulo 24 • Casamento 205

à mulher.
Essa doação , logicamente, tinha que ser feita antes do casamento. Daí sua
denominação "doação antes das núpcias" (donatio ante nuptias).
Na época pós-clássica ela ganhou importância e Justiniano permitiu
que se fizesse mesmo durante o casam ento, chamando-a "doação em razão das
núpcias " (donr1.tiop rgpter nH,ptias).
Os bens não eram propriamente entregues à mulher , apenas prometidos
a ela e ficavam gravados durante o casamento com a cláusula de inalienabilidade,
se se tratasse de imóvel.
Capítulo 25 • Tutela E Curatela 207

CAPÍTULO25
TUTELA E CURATELA

CONCEITO E HISTÓRICO
A finalidade principal desses institutos é a de cuidar dos interesses de
uma pessoa que sozinha não possa tomar conta dos seus negócios. Assim, tanto
a tutela como a curacela se relacionam com o problema da capacidade para a
prática de atos jurídicos.
A tutela tinha como fim precípuo proteger o interesse da família, isto é,
dos herdeiros, e aplicava-se aos casos normais de incapazes (pela idade e sexo).
A curatela, por sua vez, visava a acautelar interesses patrimoniais, mas
em casos excepcionais de incapacidade, como a loucura, a prodigalidade e,
posteriormente, em alguns outros.
Com o decorrer do tempo, revelou-se e acentuou-se cada vez mais o caráter
de proteçáo do interesse do incapaz, caráter esse que os institutos da tutela e da
curatela náo tinham primitivamente, quando apenas visavam à proteçáo da família.
Por isso mesmo é que se diz que, a princípio, esses institutos representavam
mais um direito de "força e poder" (vis ac potfstas) do que um ofício ou múnus
público (mH_nusp!d.blicum). Nos últimos tempos foi esse último caráter o que
prevaleceu.

ESPÉCIES DE TUTELA
Estavam sob tutela os impúberes e as mulheres SH:.Í Í!d_ris.
Os alifni ÍH:.ris
não, pois eles se encontravam sujeiros ao poder de seu paterfamiíias, que cuidava,
também, de sua proteção.
A tutela dos impúberes era conferi da pela Lei das XII Tábuas ao parente
agnatício mais próximo: chamava-se tutela legítima (tutfla legitima).
208 Curso Elementar de Direito Romano

A mesma lei previa, também, a possibilidade de o paterfamilias, em


testamento, nomear o tutor a seus descendentes impúberes. Era a tutela
testamentária (tutda testamentaria), que preferia à legítima.
Na falta de tutor testamentário (t!!,_tortestamentarius) e de tutor legítimo
(tutor legitimus), o magistrado podia nomear tutor, com base nas disposições da
leiAtília (lexAtilia), de 186 a. C., chamado tutor dativo (ty_tordativus).
A tutela das mulheres púberes regia-se praticamente por princípios
semelhantes.
ram incapazes para exercer a tutela as mulheres e os impúberes. O direito
pós-clássico estendeu essa incapacidade a outras categorias também, como à dos
menores de 25 anos, à dos surdos-mudos, à dos bispos, à dos monges e à dos
credor es ou devedores do tutelado.
Por outro lado, exceto o tutor testamentário, os demais eram obrigados a
aceitar o encargo, a não ser que obti vessem a dispensa {excusatio) do magistrado.
Motivos para essa escusa foram a idade avançada, o cargo público, ter vários
filhos ecc.

PODERESE OBRIGAÇÕESDO TUTOR


O tutor dos impúberes tinha por incumb ência a administração do
patrimônio do pupilo, isto é, da pessoa sob sua tutela.
Quando o impúbere era menor de sete anos, infans, o tutor geria todos
os seus negócios, p raticando os atos de admi nistração em seu próprio nome, mas
no interesse do pupilo. Os impúberes maiores de infância (infe.ntia maiQres),
que tinham capacidade de agir limitada, praticavam os atos de administração
junto com o tutor, que apenas os assistia, conferindo-lhes a sua autorização,
denominada "interposição da autoridade" (auctoritatis interpositio).
Na administração do patrimônio do pupilo, o tutor tinha que agir de
boa-fé e sempre no interesse do impúbere. Se o tutor prejudicasse este, qualquer
cidadão podia denunciá-la para que fosse removido do cargo, por meio de uma
"acusação de tutor suspeito" (accusatio susprcti tutQris), Se condenado no processo,
essa condenação lhe acarretaria a pena de infe.mia. No direito mais evoluído, o
tutor só podia alienar imóveis do pupilo se autorizado pelo magistrado. Assim,
seus poderes ficavam restritos à simples administração do patrimônio do pupilo.
Finda a tutela, o ex-pupilo podia exigir a prestação de contas, e, com
essa, a transferência a ele dos direitos adquiridos e, naturalmente, das obrigações
assumidas pelo tutor durante a administração do seu patrimônio. No caso de
desonestidade do tutor, cabia uma ação penal, chamada ''ação das contas a serem
Capítulo 25 , Tutela E Cu rateia 209

deduzidas" (4.ctiode ratiQnibusdistrahtndis), para obtenção do duplo do valor do


dano causado. A condenação acarretava, também, a infâmia (infe_mia).
Os poderes do tutor das mulheres são diferentes. A administração do
patrimônio cabia a elas, mas exigia-se sempre a assistência do tutor. Isso significava
que o tutor tinha que acompanhar os atos praticados pela mulher, autorizando-
os por meio da interposição de sua autoridade (auctorit4tis interpositio).
A tutela das mulheres, com a evolução do direito romano, perdeu cada vez
mais a sua importância. A praxe introduziu a possibilidade de a mulher escolher o
seu tutor. No período pós-clássico desapareceu por completo a tutela das mulheres.

CURATELA
A curatela (cJd,ra),
dotada de características semelhantes às da tutela, era
um instituto paralelo a esta, aplicando-se-lhe, praticamente , as mesmas regras.
Tinha lugar a curatela em casos de proteção de incapazes outros que os impúberes
e as mulheres.
Suas espécies eram as seguintes:
i) Curatela do furioso (cfd.rafuriQsi): era a curatela do louco furioso e
consistia na administração de seus bens. Já a Lei das XII Tábuas a conhecera,
determinando que coubesse aos parentes agnados mais próximos. Na falta destes,
o pretor nomeava curador.
ii) Curatela do pródigo (cfd.raprQdigi): também provém das XII
Tábuas. Por essa lei, o pretor podia proibir, por meio de uma "interdição dos
bens" (bonQrum interdi.ctio), que o indivíduo que esbanjasse seu patrimônio
continuasse a administrá-lo ou viesse a dispor dele. O pródigo ficava, assim, com
sua capacidade de agir restrita, precisando sempre da autorização do seu curador
para assumir obrigações. A nomeação do curador ao pródigo era feita conforme
as mesmas regras por que se fazia a dos loucos.
iii) Curatela dos menores (cJd,raminQrum): era a curatela eventual dos
púberes menores de 25 anos, que pediam um curador, por exigência das pessoas
que receavam contratar com eles, em vista das disposições da lei Letória (/ex
LaetQria). O menor, nessas condições, tinha sua capacidade de fato restrita; sua
situação era semelhante à do impúbere infe_ntiamgjor.
Casos especiais de curatela foram o do nascituro, o dos surdos-mudos, o
dos ausentes etc.
O curador tinha por função, de um modo geral, ou representar curatelado
absolutamente incapaz, gerindo seus negócios, ou assistir relativamente incapaz,
dando-lhe o consentimento para a prática de atos jurídicos .
CURSO
ELEMENTAR
DE
DIREITO
ROMANO
DIREITO
DAS
...
SUCESSOES
Capítulo 26 • Sucessão Universal (successio ln Universum lus) 213

CAPÍTULO26
SUCESSÃOUNIVERSAL
(SUCCESS/OIN UNIVERSUM IUS)

CONCEITO E BREVE HISTÓRICO


Os direitos e obrigações patrimoniais geralmente não se extinguem pela
morte de seu titular, ao contrário do que acontece com outros direitos e obrigações
pessoais e de direito público. Desse último tipo são os direitos decorrentes de
relações familiares ou da posição do defunto para com a organização política do
Estado.
Os romanos chamavam "suceder no direito" (succt_dere in ius) a passagem
de todos os direitos e obrigações transmissíveis do defunto a uma outra pessoa,
seu sucessor.
A palavra "herança " (hert_ditas)significava tanto o processo dessa passagem,
como o seu objeto, isto é, o patrimônio do defunto, transmitido ao sucessor.
Destarte, na mente dos romanos, até a época bizantina, o conceito se
restringia ao de sucessão universal, isto é, de toda a herança.
Foram os bizantinos, da época de Justiniano, que introduziram o novo
conceito da "sucessáo em coisas singu lares" (succt_ssio in singu!as res),isto é, o da
transferência de determinados direitos ou obrigações de um para outro sujeito
de direito. Esse novo conceito bizantino se contrapunha ao da sucessão universal
(succt_ssioin univt_rsumius), que para eles se referia a "um todo que consiste de
coisas separadas " (cQrpusquod ex distr1.ntibuscQnstat),isto é, à coisa coletiva, que
era o conjunto dos direitos e obrigações do defunto.
Na ordem natural das coisas, a família sobrevivia ao defunto. Os sucessores
naturais do pai eram seus filhos, na consciência social de outrora, como o são em
nossos tempos.
Daí que, originariamente, no direito romano, tal sucessão se restringia
214 Curso Elementar de Direito Romano

exclusivamente aos filhos.


Eles eram considerados, conforme atestam as fontes romanas, como
quase donos, mesmo em vida de seu pai, na expectativa de receber, futuramente,
a herança : "também com o pai vivo são, de certo modo, considerados donos"
(ftiam vivo p4tre quod4mmodo dQminí existim!l,ntur- Paulo, D. 28,2,11) .
Pelos romanos da época clássica, conservadora das ideias tradicionais dos
tempos passados, a sucessão dos filhos era caracterizada, ainda, como toda especial:
não como aquisição da herança, mas, sim, como aquisição da livre administração
daquela: "portanto, depois da morte do pai, não parece que adquirem a herança,
mas antes que obtêm a livre administração dos bens" (itaque post mQrtemp!l.trís
non heredit!l,tempercipere vídfntur, sed mggis liberam bonQrum admínistratíQnem
consequlf:.ntur-Paulo, D . 28,2,11).
A sucessão dos "herdeiros seus" (sJ:J:i herfdes), isto é, das pessoas livres que
passavam de a!ifni íy_risa sy_íiy_rispela morte do paterfamilias, era considerada
tão natural na mente dos romanos, que nem a regularam expressamente: a Lei
das XII Tábuas continha disposições apenas para o caso de eles não existirem:
"se morrer intestado <alguém> de quem também não houver herdeiro seu ... " (si
intestfl_tomQritur cy_iusSlf:.US
hfres nec fscit ... - Tábua 5,4) .
Não havendo descendentes, podia a família extinguir-se com a morte do
paterfomilias. Em tal caso, o culto dos deuses do lar não subsistiria, e, com isso,
deixaria de existir, também, o centro de atividade agrícola que era, nesses tempos
pr imitivos, a família.
Para evitar que isso acontecesse, praticava-se ou a ad-rogação (adrogfl.tio)
ou a designação solene do herdeiro, perante o corpo político do Estado, na
mesma forma da adrog!l,tio,que se chamava "testamento mediante convocação
de assemb leias" (testamfntum comitiis cal4tis): eis a origem da escolha volw1tária
do sucessor.
A essa forma de nomeação de sucessor se juntou, mais tarde, outra,
menos complicada e mais prática: por meio de ato formal praticado "por meio
de <moeda de> bronze e de balança' ' (per aes et li_bram),isto é, ato em que,
na presença das partes, do objeto, de cinco testemunhas, de uma balança e seu
portador, pronunciavam-se certas fórmulas verbais e se praticavam outros atos
simbólicos (entre eles a percussão de um dos pratos da balança com uma moeda
de bronze).
Por outro lado, a Lei das XII Tábuas previa o caso de inexistência de
testamento, e determinava a linha dos sucessores, como já mencionamos acima.
Em fase ulterior dessa mesma evolução, introduziu-se a liberdade de
testar do paterfami_lias , dando-se- lhe poderes para dispor, livremente , de seu

l
Capít ulo 26 • Sucessão Univ ersal (successio ln Universum lus) 215

patrimônio, o qu e a Lei das XII Tábuas já previa.

HERANÇA
Como já explicamos, heranç a (herfditas) significava, além do pro cesso de
ucessáo, p rincip almente o objeto dela : os direitos e ob rigaçóes transmissíveis.
Não eram consideradas transmissíveis as servidões pessoais, como o usufruto, o
uso; a posse; alguma s relaçóes obrigacionais, como o mandato, a ociedade; as
obrigações delitua is; as "ações que aspiram a uma vingança " (actiQnes vindictam
spirg_ntes),que visavam obter uma satisfação pessoal pelo próprio ofendido, como
em caso de injúria etc.
Os demais direito e obrigações cons tinií am o patrimônio transmissível.
Con forme o balanç o entre o ativo e o passivo patrimonia l, a herança podia
ser, também, ativa ou passiva (nesse último caso se chamava "herança danosa "
[damn Qsa herfditas]), poi s o herdeiro, substituindo a pessoa do defunto também
nas suas obrigações, arcava com as dívidas deste.
Todo o pacrimônio passava universalment e (per universitgtem) ao herdeiro
ou aos h erde iros, que sucediam em todos os seus direitos e obrigaçóes ao defumo:
"aquele de cuja herança se tratà' (is de cuius hereditgte 4gitur). Daí a denominação
moderna do defunto: de cuius.
No caso de pluralidade de herd eiros, cada um sucedia ao de cuius no
patrimônio todo, sendo os direitos e obrigações de cada herdeiro limitados
apenas pelo concurso dos demais , cabendo a todos alíquotas ideais, sem divisão
real: "dividem-se as part es em concurso " (conc!l_rsupgrtes fiunt).
As dívidas eram transmitidas tot almen te aos herdeiro s nessa hipótese.
Quanto às obrig ações divisíveis, eram dividi das ent re eles; em caso contrário
ficavam os herd eiros devendo em comum .
A respon sabilidad e do herdeiro, no direito romano clássico, era pessoal
e ia além do ativo da herança. Respondia com seu próprio patrimônio, como se
tivesse ele próprio contraído o débito.

ABERTURADA SUCESSÃO
Distinguiam -se, no direito romano , a fase da abertura da sucessão (delgtio
hereditgtis), em que ela era deferid a, oferecida ao sucessor, e a fase da aquisição
daquela (acquisitio hereditgtis).
Abria-se a sucessão pela morte do de cuius. Oferecia-se, então, a
possibilidade ao sucessor de adquirir a herança: "considera-se deferida a herança
216 Curso Elementar de Direito Romano

que alguém possa obter, aceitando-a" (defgfa herfditas intelligitur, quam quis pQssit
adey_ndoconsfqui - Clemente, D . 50, 16, 151).
Duas eram, e ainda hoje são, as formas de sucessão : sucessão legítima e
testamentária, segundo se baseasse na lei ou na última vontade do de cy_ius.
Como já mencionamos, a sucessão legítima era a originária e a sucessão
testamentária se juntou a ela posteriormente. Entretanto, no direito clássico, o
costume fez grandemente prevalecer essa última forma , como nos provam os
textos e as informações epigráficas .
A liberdade de testar, princípio básico da sucessão testamentária , que,
porém, podia prejudicar os descendentes (considerado o seu direito à herança
como decorrente da ordem natural das relações familiares), foi-se restringindo
no direito romano mais evoluído. Primeiro exigia-se que o testador incluísse
seus parentes mais próximos no testamento. A inclusão era, inicialmente , uma
exigência formal, porque significava que o testador tinha de mencioná-los no
testamento . nomeando-os herdeiros ou deserdando-os. Só depois , em uma
segunda fase, foram introduzidas regras com a finalidade de assegurar, a esses
parentes próximos, uma participação real na sucessão, que o testador não podia
desrespeitar.
Daí uma terceira forma de sucessão: a "sucessão contra o testamento"
(succfssiocQntratg}ulas).
Característica dpica da sucessão romana era que a legítima e a testamentária
se excluíam uma à outra: "ninguém pode morrer em parte testado e em parte
intestado" (nt;,mopro pg,_rtetest4tus pro parte intest11,tusdecfdere pQtest, cf. lnst.
2, 14,5). Nomeado herdeiro, embora o fosse para uma part e da herança ou para
determinados bens , a sucessão se abria com base no testamento: consequentemente
era ele o único herdeiro e seu direito se estendia a todo o património do de cuius;
os herdeiros legítimos não podiam concorrer com ele, a não ser em obediência às
regras da "sucessão contra o testamento" (succfssiocQntrat11,bulas).
A mesma exclusividade se aplicava, também, aos testamentos entre si:
valia só o último. Testamento poster ior derrogava o anterior. mesmo quando
dispunha apenas sobre parte da herança.

AQUISIÇÃO DA HERANÇA
A aquis ição da herança (acquisi.tio hereditg_tis)se fazia automaticamente ,
pelo próprio direito (ipso iure) ou por expressa manifestação da vontade,
dependendo da qua lidade do herdeiro, que poderia ser ou um "herdeiro seu"
hfres) ou um "herdeiro estran ho à família" (hfres extr4neus).
(s!:f:.US
Capítulo 26 • Sucessão Universal (successio ln Universum lus) 217

Os chamados "herdeiros seus" (syj herfdes), incluindo-se nessa categoria,


além das pessoas livres que ficavam SJ:f.iiuris pelo falecimento do paterfami_lias,
também os escravos manumitidos em testamento e nomeados herdeiros,
adquiriam a herança automaticamente. Eram, pois, herdeiros necessários: o filho,
que era dito "herdeiro seu e necessário" (ht.res SJ:f.US et necess11:_rius)
e o escravo
manumitido em testamento e nomeado herdeiro, dito "herdeiro necessário"
(hfres necess11:_rius).
Isso significa que eles adquiriam a herança sem a manifestação
da vontade de aceitá-la e, ainda, contra a event ual manifestação de não querer
aceitá-la. Eram, pois, forçados a responder pelas dívidas do espólio , mesmo além
das vantagens reais que a herança lhes oferecia: "além das forças da herança"
(H.Ltravires hereditg:_tis,
cf Ulpiano, O . 29,2,8 pr).
Somente o pretor amenizou a situação de tais herdeiros necessários de
herança passiva, concedendo aos syi herfdes - isto é, aos filhos - a "faculdade
de abster-se <da herança>" (facJ:f_ltas abstinfndi) e aos heres necess11:_rii
- isto é, aos
escravos manumitidos em testamento s nomeados herdeiros - o "benefício de
separação" (beneficium separationis). Pela faculdade de abster-se, o herdeiro que
se abstinha de comportar-se como herdeiro era considerado pelo pretor como
estranho para os efeitos patrimoniais da herança. Pelo benefício de separação,
o escravo que não praticava atos de gestão relativos à herança podia conservar
separados os bens adquiridos após a sua manumissão, não respondendo com eles
pelas dívidas da herança.
É de se notar que no direito moderno os herdeiros necessários são os
descendentes e ascendentes sucessíveis e o cônjuge supérstite, aos quais pertence
de pleno direito a metade dos bens do testador, consoante os artigos 1845 e 1846
do Código Civil brasileiro.
No direito romano, os demais herdeiros estranhos à família (extr11:_nei), que
se chamavam "herdeiros voluntários" (herfdes volunt11:_rii) , só adquiriam a herança
com a expressa manifestação da vontade de aceitá-la, denominada "adição de
herança" (aditio heredit11:_tis).
Três eram as formas da aceitação da herança pelos extr11:_nei:
a) A forma antiga, formalística e solene , a crftio, mediante pronunciamento
de formulário verbal: utilizando as palavras "declaro que aceito e recebo" (!1.deo
cernQque- Gai. 2,166).
b) A aceitação tácita pela prática de atos relativos à herança: a "gestão <do
espólio> como herdeiro" (pro herfde gfstio) da qual se deduz, implicitamente, a
vontade de aceitar.
e) A aceitação sem formalidades, expressa por modo diverso dos acima
referidos: "aceitação por simples <manifestação informal de> vontade" (aditio
218 Curso Elementar de Direito Romano

nHda voluntg_te).
Naturalmente, o hfres extn1neuspodia renu nciar expressamente à sucessão,
o que se fazia sem qua isquer formalidades; bastava que a manifestação de vontade
fosse evidente e clara. Não podia ser retratada, a não ser que se tratasse de menor
de vinte e cinco anos, que podia pleicear a "restituição integra l por causa da
menoridade" (in j_ntegrumrestity_tioprQpter minQrem aetg_tem),que era um meio
processual usado para anular os efeitos de um negócio jurídico de um púbere
com menos de vinte e cinco anos e restabelece r a situação anterior.

HERANÇA
JACENTE
Das regras referentes à abertura da sucessão e aquisiçáo da herança segue-se
que po dia facilmente decorrer algum tempo entre as duas. Nesse ínterim, aberta
a sucessão, mas ainda não aceita a herança, o que, naturalmente, só podia ocorrer
no caso de herdeiro estranho à família (hfres extrg_neus),o patrimônio do de cuius
ficava sem dono, porque já não era dele - embora representasse a sua pessoa:
"a herança sustém a pessoa do falecido" (herfditas persQnam defe_nctisusti_net-
Ulpiano, D.41,1,34) ~ e ainda não era do her deiro .
Chamava-se "herança jacente" (herfditas iacens) e tratava-se de wn
património em situação toda especial: a de pendência, de trans ição.
Com relação à herança jacente há que mencionar um instituto curioso,
controvertido e bastante antigo, a chamada "usucapiáo em lugar de herdeiro"
(usuc4pio pro herfde). A posse, durante um ano , de uma coisa pertencente à
herança, gerava propriedade (embora hou vesse imóveis na herança, pois essa
era uma das "demais coisas" [cfterae res], na linguagem da Lei das XII Tábuas).
Por ela, adquiria-se, também, a po sição de herdeiro e, em consequênc ia, toda a
herança. Essa usucapiáo não exigia nem ju sto títu lo (iustus tj_tulus)nem boa fé
(bQnafides).
O direito mais evoluído con deno u esse instituto. Os jurisconsultos
clássicos o apelidaram de "usucapião desonestà' (improba usuc4Pio). Por
fim, Marco Aurélio aboliu-o, sendo por ele a ocupação de coisas hereditárias
considerada um "crime de pilhagem à herança" (crj_menexpi!{ltaehereditg_tis) .
Capítulo 26 • Sucessão Universal (successio ln Universum lus) 219

HERANÇAE BONORUM POSSE_SS/0


O dualismo dos institutos do ius civi/e e do ius honorarium se repete no
direito das sucessões também.
A herança (herfditas) era um instituto tipicamente quiritário; por
conseguinte regulado, exclusivamente, pelo antigo costume.
A "posse dos bens" (bonQrum possfssio) era, como o nome indicava, a
posse dos bens hereditários, deferida pelo pretor. Sua instituição se deve à mesma
necessidade prática que orientava o pretor na introdução desse instituto como
preliminar da açáo reivindicatória (rfi vindicatio).
No campo da sucessão, a questão referente ao título de herdeiro decidia-
se mediante uma ação baseada em direito real (4ctio in rem), chamada "petição
de herança" (heredit4tis peti_tio), semelhante à ação reivindicatória (rfi vindic4tío).
Nela , também, a iniciativa cabia ao não possuidor, contra o possuidor. Por
conseguinte, nas situações incertas intervinha o pretor para qualificar um dos
contendores como possuidor. Para esse fim, o pretor examinava, sumariamente,
as circunstâncias e decidia pelo seu bom senso.
Por isso, quando as regras rígidas do direito quíritário lhe pareciam
contrárias à justiça e à equidade, que norteavam a atividade pretoriana, o pretor
conferia a posse a quem julgasse merecedor dela.
Um interdito denominado "interdito dos bens quais" (interdi.ctum quQrum
bonQrum), concedido pelo pretor, possibilitava ao herdeiro, como tal considerado
por esse magistrado, entrar na posse dos bens hereditários de quem os retivesse
indevidamente: eis mais um interdito para imitir alguém na posse que nunca
teve, incluído na categoria dos interditos para aquisição de posse (interdi.cta
adipiscfndae possessionis causa).
Naturalmente, tal posse, concedida pelo pretor, não era definitiva. Só se
tornava assim pela usucapião. Antes de decorrer o respectivo prazo, o herdeiro
quiritário podia exigir a herança e ganhava a causa. Nessa fase, então, a posse
dos bens (bonQrum possfssio) era "si.ne re': isto é, sem efeito contra o ius civi.le.
Mais tarde, ao completar, suprir e corrigir o direito quiritário ("para
completar, suprir ou corrigir o ius civile'' - adiuvandi, supplfndi vel corrigfndi
íuris civi.Lisgratia - Papiniano, D. 1, 1, 7,1), estabelecia o pretor novas regras
referentes à vocação hereditária, que prevaleciam sobre as regras do ius civi./e.
Passou, então, o instituto da bonQrum possfssio a ser "cum re", isto é, ter força
contra o direito quiritário.
Por esse meio, o pretor inu-oduziu, na sucessão romana, profundas
modificações, que serão estudadas nos devidos lugares .
Capítulo 27 • Sucessão Testamentaria (successio Secundum Tabulas) 221

CAPÍTULO27
SUCESSÃOTESTAMENTARIA
(SUCCESS/OSECUNDUM TABULAS)

TESTAMENTO
O testamento é um negoc10 jurídico unilateral, formal, para o caso
de morte do testador, pelo qual esse nomeia seu sucessor, chamado herdeiro:
"testamento é a justa determinação de nossa vontade acerca daquilo que alguém
quer que seja feito após a sua morte" (Testamfntum est volunt4tis nQstrae iusta
fieri vdit- Modestino, D. 28,1, 1).
sentfntia de fO, quod quis post mQrtem s'fd_am
Característica essencial do testamento era sua revogabilidade "até o
extremo término da vidà' (Y:.squead suprfmum vi.taefxitum - Ulpiano, D. 34,4,4),
isto é, até o momento da morte do testador . Por esse motivo eram inadmissíveis
os pactos sucessórias e o testamento conjuntivo, que tomariam irrevogáveis as
disposições de última vontade.

CAPACIDADEDETESTAR{TESTAMENTIFACTIOACTlVA)
Para poder testar, era necessária a "capacidade testamentária ativa"
(testamfnti fectio acti.va), isto é, a capacidade jurídica para esse mister.
O direito de realizar contratos (ius commfrcii) não implicava forçosamente
essa outra capacidade.
Não tinham capacidade de fazer testamento:
a) Os alitni iuris, por não terem patrimônio próprio, exceto com relação
ao peculium castrense e, posteriormente, ao pecúlio quase-castrense (pecY:.lium
qu4si castrfnse).
b) Os latinos Junianos (lati.ni Iuni4ní), que morriam como escravos,
passando seu patrimônio ao patrono, como pecúlio.
222 Curso Elementar de Direito Romano

e) As mu lheres, no direito antigo, limitação essa que desaparecia, sempre


mais, no direito mais evoluído .
tÍ) Os "intestáveis" (intestg}iles), punidos por se terem negado a depor
sobre atos de que houvessem participado na qualidade de testemunha.
e) Os incapazes de fato, como os impúberes, loucos , pródigos.

CAPACIDADEDE HERDAR(TESTAME_NTIFACTIO PASSIVA)


Para ser nomeado herdeiro exigia-se, tamb ém , capacidade: a "capacidade
testamentária ativa" (testamfnti /4.ctio passj_va),na linguagem dos intérpretes
modernos.
Para ter tal capacidade era preciso que o herdeiro fosse cidadão romano
livre. Escravo podia ser nomeado herdeiro, quando, no mesmo ato, fosse
manumitido.
Não tinham tal capacidade:
a) os estrangeiros (peregri.ni);
b) os "intestáveis" (intest11:.biles);
e) durante uma certa época, as mulheres com relação à herança de cidadão
pertencente à primeira classe, em consequência de disposições proibitivas da Lei
Vocônia (lex VocQnia)(século II a. C.);
tÍ) em geral, a pessoa incerta (incfrta persQna),tal como os filhos póstumos
(pQstumi)- isto é, os nascidos após o ato de última vontade - assim como a
pessoa jurídica. Essas últimas limitações foram abolidas no direito justinianeu.
As regras da testamfnti /4.ctio passiva aplicavam-se, igua lmente, aos
herdeiros legítimos.

FORMASDETESTAMENTO
i) Testamento público (testamfntum py_blicum).
Duas eram as formas de testamento no período mais antigo. Pela primeira,
o testamento se fazia perante as assembleias curiais (comi.tia curi11:.ta),
que se
reuniam, para essa finalidade, duas vezes por ano, e chamava-se "testamento
mediante convocação de assembleias" (testamfntum ca/11:.tiscomi.tiis).Tratava-se
de processo semelhante à ad-rogação (adrog11:.tio).Pela segunda, o testamento
era feito perante o exército, pronto para o combate, que, na prática, era a
mesma assembleia popular do comício acima mencionado, reunido em uma
oportunidade diferente .
ii) Testamento privado (Testamfntum priv11:.tum).
Capítulo 27 • Sucessão Testamentaria(successio Secundum Tabulas) 223

A forma clássica do testamento era o praticado "por meio de <moeda de>


bronze e de balança'' (per aes et li.bram), isto é, por ato em que, na presença do
testador, de um amigo de confiança, de cinco testemunhas, de uma balança e seu
portador, pronunciavam-se certas fórmulas verbais e se praticavam outros atos
simbólicos (entre eles a percussão de um dos pratos da balança com uma moeda
de bronze).
Tratava-se de mais uma aplicação da mancip4tio: o testador transferia
por mancip4tio o seu patrimônio a uma pessoa de sua confiança (chamado
"comprador do patrimônio" ífami.liae fmptor], que se obrigava a transferi-
lo à pessoa designada pelo testador. Com o tempo, a "venda do patrimônio"
(mancip4tio fami.liae) passou a ser apenas uma forma solene de fazer testamento,
na qual o fami.liae fmptor, junto com o portador da balança (/i.bripens), ocupava
a posição de mera testemunha, como as demais cinco . Daí o famoso número sete
de testemunhas exigidas para o testamento privado romano, diante das quais o
testador nomeava, oral e solenement e, seu sucessor.
Mais tarde, costumava-se redigir documento escrito do testamento,
assinado pelas sete testemunhas, que se chamava "tabuletas de testamento
assinadas com sete assinaturas" (t4bulae testamfnti sfptem signis sign4tae), a que
se juntava, ainda, a formalidade oral da mancip4tio testamfnti, porque a validade
do testamento decorria exclusivamente dessa parte oral, sendo as tabuletas
apenas elementos de prova do conteúdo verbalmente enunciado do testamento,
chamado "nuncupação" (nuncup4tio).
Por outro lado, o pretor considerava válido o documento de testamento
que apresentasse forma perfeita, embora tivesse faltado a formalidade verbal da
nuncup4tio . Tratava-se da "posse dos bens <do espólio> segundo o testamento"
para o que ele exigia, apenas, um documento
(bonQrum possfssio sec'fj_ndumt11:.bulas),
firmado pelas sete testemunhas.

CONTEÚDODO TESTAMENTO
O conteúdo primacial do testamento era a designação do herdeiro:
"entende-se que a instituição de herdeiro é, por assim dizer, a cabeça e o
fundamento de todo o testamento" (vdut c4Put et fundamfntum intelligitur
toti.us testamfnti herfdis instít11:_tío- Gai. 2,229). Sem isso, não havia testamento.
Tratava-se, pois, de seu elemento essencial, necessário.
A nomeação do herdeiro era considerada fundamental para o testamento.
Esse tinha de se iniciar com essa formalidade. Qualquer disposição testamentária
que precedesse à nomeação do herd eiro era considerada nula: "antes da instituição
224 Curso Elementar de Direito Romano

de herdeiro faz-se legado invalidamente" (g_nteherfdis institutiQnem inuti_liter


legg_tur- Gai. 2,229) . Só Justiniano modificou esse excessivo formalismo.
A designação do sucessor havia de ser feita inequivocamente, "com
palavras certas e impera tivas" (cfrtis et imperatj_visvfrbis), e havia de se referir a
determinada pessoa: "seja Tício o <meu> herdeiro " (Ti.tius hfres fsto). Por esse
motivo, era inválido, no direito romano, o testamento feito em favor de pessoa
incerta (incfrta persQna), como por exemplo: a favor dos pobres em geral, ou
de quem chegar primeiro ao funeral do testador - "quem quer que chegue
primeiro ao meu funeral seja <meu> herdeiro" (qui.squispri.mus ad fenus mfum
Vfnerit, hfres fsto - cf. Gai.2,238).
Dependia, naturalmente, do testador designar um ou mais herdeiros.
Nesse último caso podia também determinar as respectivas quotas. Caso não o
tivesse feito, herdavam eles partes iguais.
A nomeação de herdeiros , para determinado bem da herança ("instituição
de herdeiro para coisa certa" - herfdis instityJi ex cfrta re) contradiria o caráter
universal da sucessão. Para salvar o testamento, pelo princípio do "favorecimento
ao testamento" (fg_vortestamfnti) a jurisprudência não tomava em consideração a
limitação a coisa certa (cfrta rfs) em tais casos, conferindo ao herdeiro nomeado
a qualidade de sucessor universal.
Em geral a tendência da jurisprud ência era a de procurar fazer valer as
disposiçóes testamentárias: é o que se denomina "interpretação benigna" (benigna
interpretg_tio).
O testador podia nomear substituto a seu herdeiro ("substituição vulgar"
- substity_tio vulgg_ris),caso ele não pudesse suceder. Tratava-se de nomeação
condicional de herdeiro s: "seja Tício <meu> herdeiro; se Tício não for <me u>
herdeiro, que Caio seja <meu> herdeiro" (Ti_tiushfres fsto; si Ti_tiushfres non f rit,
Gaius hfres fsto)._
Diferente era a "substituição pupilar" (substitH.tio pupillg_ris), que
consistia na nomeação, pelo pai, de herdeiro de um filho ainda impúbere, para a
eventualidade de este morrer antes de atingir a puberdade (isto é, antes de poder
testar) . Foi o único caso de nomeação do herdeiro de outra pessoa. Justiniano
concedia, também, a nomeação de herdeiros para filho púbere desde que louco:
é a "substituição quase pupilar" (substitH.tioqug_sipupitlg_ris). Hoje tais institutos
não existem no direito civil brasileiro, nem no da maioria dos países de sistema
jurídico romano -germânico. A substituição pupilar ainda é prevista, entretanto,
no Código Civil Português (artigo 2.297), remontando ao §7°, Título 87° do
Livro IV das Ordenaçóes.
Além da nomeação do herdeiro, o testamento podia conter outras
Capítulo 27 • Sucessão Testamentar ia(successio Secundum Tabulas) 225

disposições, como atribuições de legados, fideicomi ssos, nomeação de tutor,


manumissão de escravo etc.

TESTAMENTOS INVÁLIDOS
O testamento era nulo desde o início (ab initio):
a) quando o testador não tinha a capacidade para fazer testamento
(testamt:_nti
fa.ctio activa) - diz-se então que "o testamento é írrito" (testamt:_ntum
i.rritum);
b) quando lhe faltava alguma formalidade essencial - diz-se então que "o
testamento não foi feito conforme o direito" (testamt:_ntumnon iure fa.ctum);
e) quando o testador desrespeitava a legítima de seus descendentes - diz-
se então "nulo" o testamento (testamt:_ntumnH.llum).
O testamento se tornava ineficaz:
a) quando nascesse um filho ao testador, após feito o testamento em
que não fora mencionado esse filho superveniente - nesse caso, diz-se "rupto" o
testamento (testamt:_ntumr1:!:_ptum);
b) quando o testador perdia, após feito o testamento, sua capacidade de
testar por cg_pitisdeminutio ou por ad-rogação (adrogg_tio)- diz-se então que "o
testamento se tornou írrito" (testamt:_ntumirritum fa.ctum);
e) quando os herdeiros não aceitavam a herança - diz-se "destituído" o
testamento (testamt:_ntumdestitH.tum);
d) quando o testamento era rescindido pela "querela de testamento
inoficioso" (querda inojficiQsi testamt:_nti),de que trataremos no capítulo da
sucessão necessária - diz-se então "inoficioso" o testamento (testamt:_ntum
inojficiQsum).
Revogava-se o testamento:
a) por ato contrário (contr4.rius4.ctus), nos testamentos formais;
b) quando um novo era feito pelo testador;
e) pela destruição voluntária do documento do testamento, porém não
pela sua perda ou danificação involuntária.
Capítulo 28 • Sucessão Legítima (successio Ab lnt est ato) 227

CAPÍTULO28
SUCESSÃO LEGÍTIMA
(SUCCESSIOAB INTESTATO)

CONCEITO E HISTÓRICO
Na falta, invalidade ou revogação do testamento, op erava-se a "sucessão
legítima ", isto é, a sucessão disposta pela lei.
No direito romano havia três sistemas de vocação hereditária: o do direito
quiritário, baseado exclusivamente no princípio agnatício; o do direito pretório ,
que corrigiu o sistema quiritário pela introdu ção de novas regras em favor dos
parentes cognatícios; e o do direito imperial da época pós-clássica, culmi nando
com a legislação justinianéia, que fez prevalecer, com exclusividade, o parentesco
cognatício.

SUCESSÃO LEGÍTIMA NO DIREITO QUIRITÁRIO


Na Lei das XII Tábuas três eram as classes (g_rdines)de herdeiros chamadas
a suceder na falta de testamento: "Se morrer incestado <alguém > de quem também
não houver herdeiro seu, que o agnado <mais > próximo tenha o patrimônio.
Se também não hou ver aguado, que os gentiles tenham a herança." (Si intest4to
mg_ritur,cyj s11:.us
hf res nec fscit, agn4tus prg_ximusfamiliam habfto. Si agn4tus nec
fscit, gentilesJami/iam habfnto - Tábua 5,4).
Por conseguinte, a primeira classe da ordem da vocação hereditária ,
nessa época primitiva, era a dos "herdeiros seus" (s1:!:_i ou s11:.i
herfdes), qu e tinha
o significado de herdeiro por si próprio, por causa da ideia do direito inerente
dos descendentes sobre os bens famil iares: "portanto, depois da mort e do pai ,
não parece que adquirem a herança , mas antes que obtêm a livre administração
dos bens" (itaque post mQrtem p 4.tris non heredit4tem pe rcipere vidfntur, sed m!l:gis
228 Curso Elementar de Direito Romano

liberam bonQrumadministratiQnemconsequ11:.ntur-Paulo, D. 28,2,11).


Os s11:.i eram os descendentes sujeitos ao pátria poder do de cuius e as
mulheres casadas cum m4nu e assim fazendo parte integrante da fami.lia prgprio
iure, não porém os que, por emancipação ou casamento cum m4nu, tivessem
saído da família.
Os sui sucediam em partes iguais e independentemente do grau de
parentesco com o de cuius, isto é, os filhos sucediam com os netos, quando o
antecessor destes já houvesse morrido por ocasião da abertura da sucessão. Os
s11:.i
de grau mais distante, porém, tomavam o lugar de seu ascendente, isto é,
recebiam a parte que a este caberia, sendo esse o princípio da representação ou da
sucessão por estirpes (in sti.rpes).
Para exemplificar, deixando o de c11:.iustrês filhos vivos e viúva casada cum
m4nu, cada um deles teria uma quota-parte da herança (eis o significado de ser a
mulher considerada , no casamento cum m4nu, na situação de filha: "está no lugar
de filha" (filiae ÍQcoest). Mas, deixando o de c11:.ius
dois filhos e dois netos, havidos
de um terceiro filho já falecido, os dois filhos teriam um terço cada um e os netos
um sexto da herança cada um.
A sucessão dos agnados colaterais, por outro lado, se verificava "por
cabeça'', isto é, per ca_pita.Por exemplo: tendo o de c11:.ius
deixado dois tios paternos
e crês sobrinhos paternos de um terceiro tio paterno falecido, cada um recebia um
quinto da herança.
Por fim, os chamados genti.leseram pessoas pertencentes à mesma gens,
sendo que a gens era um amplo agrupamento de numerosas famílias que tinham
o mesmo sobrenome e, supostamente, descendiam de um mesmo ancestral
muitíssimo remoto. A sucessão dos genti.les,porém, já havia desaparecido no final
da República.
Característica comum da sucessão legítima do direito quiritário era que
ela não conhecia a "sucessão por graus ou ordens" (sucfssiogr4duum vel Qrdinum).
Isso significava que a abertura da sucessão, nesse caso, se verificaria somente uma
única vez. Se o agnado mais próximo tivesse deixado de aceitar a herança, essa
não se transmitia aos agnados mais distantes. Se todos os agnados não aceitassem
a herança, ele não passava para os gentiles. Tanto em um como em outro caso, a
herança se tornaria jacente ou, então, vacante.
Capítulo 28 • Sucessão Legítima(successio Ab Intestato) 229

SUCESSÃO LEGÍTIMA NO DIREITO PRETÓRIO


O sistema do direito quiritário chegou a ser considerado injusto. já no fim
do período republicano. No casamento cum mgnu, havendo liame agnatício entre
os cônjuges e os filhos, reciprocamente, havia também sucessão. A prevalência
do matrimônio si_nem4nu nesse período, porém, dividia, do ponto de vista da
sucessão, esses mesmos cônjuges e a mãe dos filhos, por não estabelecer laços de
agnação (adgnatio) sucessíveis entre eles. Por outro lado, nesse mesmo período,
outros liames de sangue, não reconhecidos como jurídicos para fins de sucessão,
foram considerados como merecedores de tutela jurídica para aquele efeito: assim
o caso de filhos emancipados e de outros parentes da linha materna.
As correçóes do sistema vigente do direito quiritário, nos moldes acima
indicados, foram feitas pelo pretor por meio da "posse dos bens <do espólio>"
(bonQmm possfssio), como já explicamos. Na "posse dos bens <do espólio> sem
testamento" (bonQrum possfssio si_net4bulis), o pretor, de um lado, estendeu a
ordem de vocação hereditária a determinados parentes consanguíneos (cogngti)
não contemplados para o efeiro de sucessá? no sistema do ÍJ:!:.S civi_lee, de outro
lado, introduziu a "sucessão por graus ou ordens" (sucf.Ssiograduum vel Qrdinum),
isto é, a abertura sucessiva, na ordem da vocação hereditária, da sucessão legítima .
Assim , não aceitando os parentes mais próximos a herança, abria-se novamente a
sucessão para o grau mais distante ou para a classe subsequente .
Na primeira classe eram chamados, pelo pretor, os "descendentes"
(libfri). A categoria compreendia, além dos SJ:!:.i, também os SJ:!:.i
fictícios, isto é, os
descendentes que já tinham saído da família agnatícia, por causa de emancipação
(emancip4tio) feita pelo pateifomi_lias ou tmbém, em se tratando de descendente
do sexo feminino, de um acordo pelo qual ela se submetia ao poder do marido
(convfntio in m4num) .
Na falta de descendentes, o pretor chamava à bonQrumpossfssiosi_netgbulis
os "legítimos" (legi.timi), isto é, os herdeiros designados pelo direito quiritário -
o que, na prática, significava os agnados, pois os SJ:!:.Í
foram chamados na categoria
dos li_beri,e a sucessão dos gentiles já havia desaparecido nessa época.
Na falta de herdeiros legi.timi, eram, como terceira classe, chamados os
cogn4ti, isto é, os parentes cognatícios, da linha materna, até o sexto grau (ou,
excepcionalmente, até o sétimo grau).
Finalmente, e em último lugar - isto é, na falta de todo e qualquer
parente sucessível -herdava o cônjuge sobrevivente de um matrimônio sine
m4nu (que era, como sabemos, a forma usual do casamento dessa época).
Alargaram ainda mais o campo de aplicação do princípio cognatício, em
230 Curso Elementar de Direito Romano

matéria de sucessão, as modificações introduzi das pela legislação do período


imperial, com os Senatusconsultos Tertuliano e Orficiano (senatusconsyJta
Tertullianum et Orfitiª-num) e as constituições imperiais de Valentiniano II e
Teodósio, bem como de Anastácio.

SUCESSÃO LEGÍTIMA NO DIREITO JUSTINIANEU


A reforma definitiva foi feita por Justiniano, com a Novela 118. A sucessão
legítima tal qual vem regulada nessa Novela já se baseava, exclusivamente, no
princípio cognatício.
Por ela, foram chamados a suceder, na primeira classe, os descendentes;
na segunda classe, os ascendentes e os irmãos germanos (isto é, os que tinham
ambos os progenitores comuns) e respectivos sobrinhos; na terceira classe, os
irmãos consanguíneos (consanguinei) ou uterinos (uteriní) - isto é, os que só
tinham um genitor comum - e os seus filhos; na quarta classe os cognados,
sem limite de grau. Na falta de herdeiros dessa última classe, aplicava-se a já
mencionada bonQrumpossfssio,deferindo-se a herança ao cônjuge sobrevivente.
Também no direito sucessório justinianeu havia abertura de sucessão
consecutiva para os grau s e classes mais remotas ("sucessão por graus ou ordens"
- sucfssiogrª-duum vel Qrdinum), caso os parentes mais próximos não aceitassem
a herança.
A herança definitivamente sem herdeiro (dita "bens vacantes" - bQna
vac4ntia) passava ao fisco, que a adquiria "em situação de herdeiro" (lQcohert:.dis).
Capítulo 29 • Sucessão Necessária (successio Contra Tabulas) 231

CAPÍTULO29
SUCESSÃONECESSÁRIA
(SUCCESS/0CONTRA TABULAS)

Um dos problemas mais delicados era o de assegurar a sucessão às pessoas


mais intimamente ligadas ao de cyjus. Nos tempos primitivo s, grande influência
tinha que exercer a acepção coletiva da propriedade, que antecedera a ideia da
propriedade particular. Na propriedade de tipo coletivo, o titular é a comunidade
familiar. Lembrança dessa ideia primitiva conservou-se, ainda, na época em que a
propriedade representava já a titularidade exclusiva de um indivíduo.
Por outro lado, as regras referentes à sucessão necessária de certos membros
da família, ligados pelos liames mais diretos e Íntimos de parentesco, resultavam
da luta de dois princípios básicos, mas que se chocavam: o do respeito à última
vontade do testador e o da preocupação de garantir as melhores condições
econômicas possíveis aos parentes mais estreitamente ligados, para com os quais
o testador tinha responsabilidade decorrente dos laços familiares.

SUCESSÃO NECESSÁRIA FORMAL NO DIREITO


QUIRITÁRIO
Nos tempos históricos, na legislação decenviral, o princ1p10 básico do
direito sucessório foi o da liberdade absoluta do testador em escolher seu sucessor
ou sucessores.
Nessa legislação, da época das XII Tábulas, transparecia, porém, a ideia
de um direito originário dos SJJ.isobre os bens do testador, como a evidencia a
exigência formal da deserdação. O testador tinha obrigação legal de, no testamento,
mencionar os SJJ.i,seja intitulando-os herdeiros, seja deserdando-os: "devem ser
instituídos <herdeiros> ou deserdados" (institur:.ndi sunt 4.ut exhered4ndi - Reg.
Ulp. 22, 14).
No caso de preterição (isto é, de falta de menção no testamento) de um
r
232 Curso Elementar de Direito Romano

syj, a consequência jurídica dependia da categoria do preterido:


a) tratando-se de filho (filius s!d_us),o testamento era considerado nulo
(testamfntum n!d_llum);por conseguinte, abria-se a sucessáo legítima (succfssioab
in test{1Jo);
b) tratando-se de outros SJd.i,como filhas ou netos, o testamento era
considerado válido, mas os preteridos recebiam sua parte, que consistia em uma
quota igual à dos outros herdeiros, quando estes fossem sui, ou na metade da
herança , quando os outros fossem herdeiros extrtJnei, isto é, estranhos à família;
e) tratando-se de póstumo (pQstumuss!d_us), isto é, SJd.US
havido após feito o
testamento, e por isso não mencionado nele, o testamento era inválido (falava-se
então em "ruptura do testamento" - r!d_ptiotestamfnti), abrindo-se a sucessáo
legítima (succfssioab intesttJto), independentement e de ser esse SJd.US filho, filha ou
neto do testador.

SUCESSÃO NECESSÁRIA FORMAL NO DIREITO PRETÓRIO


As modificações que o pretor introduziu pela "posse dos bens <do espólio>
contra o testamento" (bonQrumposst_ssiocQntrattJbulas) consistiam na extensão da
sucessão necessária à categoria dos descendentes em geral (li.beri), que, como
já vimos , incluía também aqueles que já tinham saído da família agnatícia por
emancipação ou casamento CJd.mmtJnu. Outra inovação foi que a consequência
da preterição não era mais a invalidade do testamento, mas, apenas, a de dar
uma faculdade ao preterido para obter a parte que lhe caberia como herdeiro ab
intestato.

SUCESSÃO NECESSÁRIA MATERIAL


No fim da República e no itúcio do principado surgiu um novo meio
judicial, colocado à disposição dos parentes mais próximos, pelo qual podiam
impugnar sua deserdação injusta, feita em testamento. Chamava-se "querela de
testamento inoficioso " (quert_lainofficiQsitestamt_nti).
Sua origem remonta à atividade do tribunal especial dos centúnviros
(cent!d_mviri),que originalmente tinha, como o nome sugere, cem membros , e
era competente para julgar as questões her edi tárias.
A ideia básica, copiada, talvez, de costume prevalente na Grécia, era
a de que o testamento em que se nomeavam estranhos como herdeiros, em
detrimento de familiares mais próximos, ofendia o "dever de afeição familiar" (ojf
j_ciumpiettJtis), esse liame moral que liga entre si tais parente s. Daí o testamento
Capítulo 29 • Sucessão Necessária(successio Contra Tabu las) 233

ser considerado inoficioso (inojficiQsum),pois a última vontade do testador seria


evidentemente motivada por ódio injustificável, que o tomava equiparável ao
louco ("aparência de insanidade" - cQlorinsa.niae), cujo negócio jurídico é,
como sabemos, nulo do ponto de vista jurídico.
Por esse meio judicial, admitido perante aquele tribunal, os descendentes,
ou, não os havendo, os ascendentes, ou na falta também destes, os irmãos, podiam
pedir a invalidação do testamento que não lhes deixasse, no mínimo, um quarto
da parcel a da herança a que teriam direito pela ordem de vocação legítima.
Para tomar sua decisão na querda inojficiQsitestamfnti, o referido tribunal
examinava os motivos da deserdação ou, então, da preterição, pelo testador.
Quando o testamento era invalidado pelo tribunal, os herdeiros
deserdados ou preteridos tinham direito à sua parte legítima na herança . Assim,
se eles tivessem direito à herança toda , o testamento era rescindido totalmente.
Caso contrário, só na medida da "porção legítima" (pQrtiolegitima), parte da
herança que, como legítima, caberia ao herdeiro que reclamava.
Nessa última hipótese verificava-se a exceção à regra "ninguém pode
morrer em parte testado e em parte intestado" (nfmo pro pg_rte test[1tuspro p4rte
intest[1tusdecr;_dere
pQtest, cf. Inst. 2, 14,5), pois as disposições testamentárias
continuavam em vigor na parte não invalidada.
Pela mesma forma supra, podia ser invalidada a doação ou dote constituído s
pelo testador, antes de seu testamento, quando tais atos prejudicassem o direito
daqueles herdeiros à sua legítima.

REFORMAS DE JUSTINIANO NA SUCESSÃONECESSÁRIA


As reformas de Justin iano, pelas Novelas 118 e 115, unificaram a sucessão
necessária formal e material, aumentaram a porção legítim a (pQrtiolegitima) de
um quarto para um terço, ou para a metade da parte correspondente à sucessão
legítima (succfssio ab intestg_to)
, conforme se tratasse de quatro ou mais herdeiros
necessários, e determinaram, taxativamente, quais os motivos justos para a
deserdação.
Quando o titular da pg_rtiolegitima nada recebia no testamento tinha
à sua disposição a querela, visando a invalidação das nomeações de herdeiros,
na medida em que elas prejudicassem seu direito. Quando, porém, ele recebia
menos do que lhe cabia, tinha um "ação para suplementar a legítimà' (4ctio ad
supplfndam legitimam), para pedir a diferença .
Capítulo 30 • Colação (collatio) 235

CAPÍTULO30
COLAÇÃO (COLLAT/0)

CONCEITO E HISTÓRICO
Ao se partilhar a herança entre vanos herdeiros com direito a uma
quota na sucessão legítima (succfssioab intestçJJo),havia de se considerar os bens
patrimoniais por eles adquiridos antes da abertura da sucessão. Para esse fim
servia o instituto da colação, cuja finalidade consistia em assegurar igualdade na
participação dos descendentes no patrimônio familiar.
O primeiro caso foi o da "colação dos bens ou do dote" (coL!atiobonorum
vel dotis) na bonQrumpossfssio dos liberi. Na classe dos liberi, como já vimos,
foram incluídos, além dos sui, também os filhos emancipados e filhas casadas.
Os filhos emancipados, entretanto, levavam uma vantagem económica sobre os
sy_i,porque ainda na vida do genitor que os emancipou (p4.rensmanumissQr)eles
podiam adquirir patrimônio próprio, ao passo que os sy_i , sujeitos ao poder do
pai, adquiriam não para si, mas para seu pai, aumentando, destarte, com sua
atividade, o património familiar, objeto da herança.
Para igualar as partes dos filhos, o pretor exigia do filho emancipado que
trouxesse à colação o patrimônio por ele adquirido após a emancipação e antes
da abertura da sucessão.
Esse primeiro tipo de colação foi desaparecendo com o reconhecimento,
sempre mais amplo, da capacidade dos alifni iy_risde adquirir patrimônio próprio.
No lugar da colação descrita, surgiu uma nova, chamada "colação dos
descendentes" (coll4.tio descendfntium), no período imperial, consistente na
obrigação de conferir tudo o que fora recebido a título gratuito, em vida do de
cyjus, como, por exemplo, dote, doação por motivo de núpcias (don4.tioprQpter
nyptias), etc.
Justiniano, por sua vez, estendeu a colação, além da sucessão legítima,
236 Curso Elementar de Direito Romano

também à sucessão testamentária.


A colação, nessa última fase, era considerada uma condição legal à
sucessão. Cabia, então, ao sucessor, para poder adquirir a herança, conferir os
bens recebidos a título gratuito e, se não os conferisse, não podia recebê-la.
A colação se fazia in nat"f:!:_ra,isto é, ent regando-se à massa (isto é, o
parrirnônio total a ser dividido) o bem recebido (dinheiro, casa etc.), para que se
realizasse, depois, a partilha entre os herdeiros . Podia-se fazer, também, a colação
"por imputaç ão" (per imputatiQnem),isto é, deduzindo da quota do herdeiro o valor
da liberalidade recebida do de CJ:J.iUs.
Capítulo 31 • Sucessão Singular (successio Singularis Mortis Causa) 237

CAPÍTULO31
SUCESSÃOSINGULAR
(SUCCESS/OS/NGULARISMO/:lTISCAUSA)

CONCEITO
Da sucessão universal, distinguiam-se as disposições de última vontade
pelas quais o testador deixava determinados bens de sua herança. Tratava-se,
nestes casos, de sucessão "a título singular" (ti.tufosingul4ri).
A diferença entre a sucessão universal e a singular consistia no seguinte:
na primeira, transmitia-se a herança, no todo ou em parte, contendo sempre,
porém, um complexo de direitos e obrigações relativas à herança ; na segunda,
transferiam-se ao sucessor designado pelo testador somente determinados direitos
destacados da herança. Era o caso dos legados e, eventualmente, do fideicomisso.

LEGADO {LEGATUM)
A disposição testamentária a favor de pessoa individualmente designada,
referente a determinado bem da herança, chamava-se legado. Por esse diminuía-
se a parte ativa da herança deixada ao herdeiro.
As Institutas e o Digesto justinianeus o chamavam, também, de "doação
deixada por testamento" (don4tio testamfnto reli.cta,cf lnst. 2,20, 1 e Modestino,
D. 31,36), que bem caracterizava a essência e finalidade do instituto.
O legado devia ser feito em forma solene, de maneira imperativa ("com
palavras imperativas" - Vfrbis imperati.vis),ficando seu cumprimento a cargo
de um herdeiro testamentário. Originariamente, só no testamento podia ser
estipulado; mais tarde , admitiu-se, também, sua constituição em codicilo, isto é,
em um apêndice do testamento, devidamente confirmado.
Suas regras básicas são:
a) o legado não podia subsistir por si só; dependia, sempre, da nomeação
de herdeiro;
b) o legado representava, sempre, uma diminuição da herança dos
herdeiros testamentários;
e) o legado era recebido, sempre, por intermédio de um dos herdeiros;
j_ -

238 Curso Elementar de Direito Romano

d) o legatário não era sucessor da pessoa do testador; ele somente recebia


algo da herança;
e) por conseguinte, o legatário não respondia pelas dívidas da herança; os
respectivos credores só podiam acionar os herdeiros;
jj o legado pressupunha o saldo ativo da herança; só nesse caso o legado
era entregue a seu titular.
Quatro eram as modalidades do legado no direito romano:
a) o legado do tipo real, chamado "legado por reivindicação" (leg4.tumper
vindicatiQnem),que, pelas suas formas solenes, expressas no testamento, conferia
ao legatário, direta e imediatamente, o respectivo direito real: o legatário tinha à
sua disposição a ação reivindicatória (rfi vindic4.tio)para exigir a coisa do herdeiro;
b) o legado do tipo obrigacional, chamado "legado por obrigação de
pagar" (leg4.tumper damnatiQnem). Ele criava uma obrigação do herdeiro para
com o legatário, que, então, tinha a seu dispor uma "ação fundada em testamento"
(4.ctioex test4.mento),que era uma ação obrigacional (4.ctioin persQnam), para
exigir do herdeiro o legado.
Duas outras formas, subtipos dos acima enumerados, completavam o
quadro: "legado por recebimento prévio" (leg4.tumper praeceptiQnem)e "legado
por mera permissão" (legatum sinfndi mQdo). O primeiro era do tipo real; o
segundo, obrigacional.
Como a instituição de legados podia prejudicar o herdeiro, foi-lhe
assegurado por uma Lei Falcídia (!ex Fa!cidia) de 70 a. C., o direito a um quarto,
no mínimo, do líquido da herança.

FIDEICOMISSO (FIDEICOMMlSSUM)
A disposição de última vontade, a título universal ou singular, expressa
sob a forma de solicitação ou pedido feito ao sucessor, se chamava fideicomisso
(fideicommissum), Podia ser feita em testamento, separadamente, ou em um
codicilo (codicillus),isto é, um negócio jurídico contendo disposições para o caso
de morte, sem, porém, nomear herdeiro.
Originariamente, a execução do fideicomisso dependia exclusivamente
da boa-fé do onerado, constituindo, assim, uma obrigação moral, referente,
na maioria dos casos, à entrega da quota hereditária ou bem de um legado, ao
fideicomissário.
A partir da época de Augusto, foi admitida a possibilidade de o
fideicomissário propor ação para obter o que lhe fora deixado em fideicomisso,
o que deu grande impulso à evolução do instituto, o qual passou a ser uma das
Capít ulo 31 • Sucessã o Singular(success io Sing ular is Mortis Causa) 239

formas preferidas de disposição de última vontade, na época do Principado.


O fideicomisso apresentava muitas vantagens sobre as outras formas
de disposição de última vontade, pois nele se prescindia de toda e qualquer
formalidade. Dema is, servia essa forma de disposição de última vontade às mais
variadas finalidades , dando, destarte, ampla liberdade ao testador para formular
sua última vontade.
No direito justinianeu fundiram-se os institutos do legado e do
fideicomisso.
nua, ainda hoje, viva e atual no
direito moderno.
Muda o direito, entendido
como norma positiva; contudo, o
método moderno de apresentar os
problemas e resolvê-los juridica-
mente continua sendo romano. O
jurista moderno, em última análi-
se, raciocina como os jurisconsul-
tos romanos.
Do quanto exposto, não é
de se espantar que o direito roma-
no tenha assumido outro papel:
modelo de construção para um
direito comum (mundial ou regio-
nal) bastante útil nas tarefas de
unificação legislativa (a exemplo
da União Europeia). Assim, o
direito romano continua a contri-
buir canto para o aperfeiçoamento
do direito vigente, quanto para a
formação do direito do porvir.
Este manual, já bastante
conhecido nos meios estudantis,
porque amplamente usado nos
últimos decênios, contêm os
fundamentos elementares do direi-
to privado romano.
É, portanto, um livro didá-
tico, tendo a finalidade de ajudar a
aprendizagem dos alunos primei-
ro-anistas na difícil tarefa de
assimilação das categorias jurídicas
fundamentais, vindas dos roma-
nos, mas que também são as
nossas.

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