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Drastic climate changes may be related to sluggish/stuck spontaneous fermentations of sugarcane must for the production of cachaça View project
CHEMICAL AND SENSORY QUALITY OF SUGARCANE SPIRIT AGED IN NEW BARRELS FROM BRAZILIAN WOODS View project
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Produção de
Cachaça de Qualidade
Leandro Marelli de Souza
André Ricardo Alcarde
Fabio Vaz de Lima
Aline Marques Bortoletto
Casa do Produtor Rural
Av. Pádua Dias, 11 - Cx. Postal 9 • Bairro Agronomia • Piracicaba, SP
CEP 13418-900 • Fone (19) 3429-4178/3429-4200 • cprural@usp.br
Produção de cachaça de qualidade / Leandro Marelli de Souza ... [et al.] . -- Piracicaba :
ESALQ, 2013
72 p. : il.
Bibliografia.
ISBN: 978-85-86481-24-6
1. Cachaça - Produção - Qualidade I. Souza, L. M. de II. Alcarde, A. R. III. Lima, F. V.
de IV. Bortoletto, A. M. I. Título
CDD 663.53
P964
Leandro Marelli de Souza1
André Ricardo Alcarde2
Fabio Vaz de Lima3
Aline Marques Bortoletto4
1
Doutor - Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição - ESALQ/USP
2
Professor Doutor - Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição - ESALQ/USP
3
Aluno de Graduação em Engenharia Agronômica - ESALQ/USP
2
Aluna de Doutorado - Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição - ESALQ/USP
Produção de
Cachaça de Qualidade
Piracicaba
2013
Agradecimentos
• Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária
• Programa Aprender com Cultura e Extensão
• Diretoria da ESALQ/USP
• Comissão de Cultura e Extensão Universitária
• Serviço de Cultura e Extensão Universitária
• Casa do Produtor Rural
• Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição
• Aos funcionários do Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutri-
ção: Benedito Araújo; Fabio Luis Bortoleto; Eduardo Giovani Arthuso;
Edimundo Ferreira Costa e Wilson Januário.
• À FAPESP, pelos auxílios e bolsas de estudo que subsidiaram a estrutura de
pesquisa.
Apoio
• Fundo de Fomento às Iniciativas de Cultura e Extensão da Pró-reitoria de
Cultura e Extensão Universitária
• Comissão de Cultura e Extensão Universitária - CCEx
• Serviço de Cultura e Extensão Universitária - SVCEx
Índice
A cachaça, aspectos históricos e econômicos 09
Caracterização da aguardente de cana e
cachaça e seus padrões de identidade e
qualidade 13
Destilado alcoólico simples de cana-de-açúcar 13
Aguardente de Cana 14
Cachaça 14
Produção de cachaça 20
Qualidade e produtividade da matéria-prima 22
A cana 22
Escolha da variedade e dimensionamento do canavial 23
Plantio 25
Tratos Culturais 27
Preparo do caldo 29
Corte e transporte 29
Recebimento e armazenamento 32
Preparação da cana para moagem 32
Seção de Moagem 32
Moagem 33
Limpeza do caldo 35
Diluição do caldo 36
Fermento 38
Tipos de fermento ou pé-de-cuba 39
Fermento natural ou selvagem 39
Fermento prensado 39
Fermento misto 40
Fermento seco (granulado) 40
Fermentação 42
Ciclo de operações na sala de fermentação 43
Sala e dornas de fermentação 46
Destilação 49
Alambiques 50
Tempo de destilação 51
Frações do destilado 52
Sala e destilação 54
Limpeza do alambique 54
Dupla destilação 55
Envelhecimento e engarrafamento 57
Padronização 59
Engarrafamento 59
Rotulagem 59
Bibliografia consultada 60
Anexos 64
Planilha de controle de Índice de Maturação (IM) 65
Volume de água a ser adicionada ao caldo para 66
ajuste de Brix
Planilha de controle mensal da fermentação 67
e da destilação
Correção de concentração alcoólica a diferentes 68
temperaturas
Meu verso é minha consolação.
Meu verso é minha cachaça. Todo mundo tem sua cachaça.
(Carlos Drummond de Andrade)
Caracterização da aguardente de
cana e cachaça e seus padrões
de identidade e qualidade
O Decreto Federal 6.871 de 4 de ju- de 2007 e pela Instrução Normativa
nho de 2009 regulamenta a Lei 8.918, Nº 27 de 15 de maio de 2008. As de-
de 14 de julho de 1994, que dispõe finições presentes nestas instruções
sobre a padronização, a classificação, normativas estão descritas a seguir:
o registro, a inspeção, a produção e a
fiscalização de bebidas. A Instrução
Normativa Nº 13, de 29 de junho de Destilado Alcoólico Simples de
2005, do Ministério da Agricultura, Pe- Cana-de-Açúcar
cuária e Abastecimento (MAPA) esta- Destinado à produção da aguar-
belece os Padrões de Identidade e dente de cana, é o produto obtido
Qualidade (PIQ) para aguardente de pelo processo de destilação simples
cana-de-açúcar e para cachaça (Ta- ou por destilo-retificação parcial se-
belas 1, 2 e 3). letiva do mosto fermentado do caldo
A Instrução Normativa Nº 13 foi par- de cana-de-açúcar, com graduação
cialmente alterada pela Instrução alcoólica superior a 54% vol.
Normativa Nº 58 de 19 de dezembro (cinquenta e quatro por cento em
14 Casa do Produtor Rural
volume) e inferior a 70% vol. (setenta tos) litros, por um período não inferior
por cento em volume) a 20oC (vinte a um ano.
graus Celsius).
• Aguardente de Cana Premium deve
conter 100% (cem por cento) de aguar-
Aguardente de Cana dente de cana ou destilado alcoólico
É a bebida com graduação alcoólica simples de cana-de-açúcar envelheci-
de 38% vol. (trinta e oito por cento em dos em recipiente de madeira apropria-
volume) a 54% vol. (cinquenta e qua- do, com capacidade máxima de 700
tro por cento em volume) a 20oC (vin- (setecentos) litros, por um período não
te graus Celsius), obtida do destila- inferior a um ano.
do alcoólico simples de cana-de-açú-
car ou pela destilação do mosto fer- •Aguardente de Cana Extra Premium
mentado do caldo de cana-de-açú- deve conter 100% (cem por cento) de
car, podendo ser adicionada de açú- aguardente de cana ou destilado alcoó-
cares até 6,0 g L-1 (seis gramas por lico simples de cana-de-açúcar enve-
litro), expressos em sacarose. A lhecidos em recipiente de madeira
aguardente de cana poderá ter as apropriado, com capacidade máxima
seguintes denominações: de 700 (setecentos) litros, por um pe-
ríodo não inferior a três anos.
• Aguardente de Cana Adoçada pode
conter açúcares em quantidade supe-
rior a 6,0 g L-1 e inferior a 30 g L-1, ex- Cachaça
pressos em sacarose. A sacarose (açú- A denominação típica e exclusiva da
car refinado ou cristal) pode ser subs- Aguardente de Cana produzida no Bra-
tituída total ou parcialmente por açú- sil, com graduação alcoólica de 38%
car invertido, glicose ou seus deriva- vol. (trinta e oito por cento em volume)
dos reduzidos ou oxidados. a 48% vol. (quarenta e oito por cento
em volume) a 20oC (vinte graus Celsius),
• Aguardente de Cana Envelhecida obtida pela destilação do mosto fermen-
deve conter, no mínimo, 50% (cin- tado do caldo de cana-de-açúcar com ca-
quenta por cento) da aguardente de racterísticas sensoriais peculiares, po-
cana ou do destilado alcoólico simples dendo ser adicionada de açúcares até
de cana-de-açúcar envelhecidos em 6,0 g L-1 (seis gramas por litro), expres-
recipiente de madeira apropriado, com sos em sacarose. A cachaça poderá ter
capacidade máxima de 700 (setecen- as seguintes denominações:
Produção de cachaça de qualidade 15
• Cachaça Adoçada pode conter açú-
Recentemente esteve em consulta
cares em quantidade superior a 6,0
pública (até 21/03/2013) a portaria 30,
g L-1 e inferior a 30 g L-1, expres- de 15/02/2013, sobre projeto de Instru-
sos em sacarose. A sacarose (açú- ção Normativa que aprova os procedi-
car refinado ou cristal) pode ser mentos de controle do envelhecimento
substituída total ou parcialmente da bebida alcoólica e demais produtos,
por açúcar invertido, glicose ou com previsão de envelhecimento. Des-
seus derivados reduzidos ou oxi- ta portaria destaca-se:
dados. CAPÍTULO I - DAS DISPOSIÇÕES
PRELIMINARES. Art. 3º Será conside-
• Cachaça Envelhecida deve conter, rada bebida alcoólica envelhecida ou
no mínimo, 50% (cinquenta por produto envelhecido aqueles cem por
cento) de cachaça ou aguardente cento envelhecidos, não sendo permi-
de cana envelhecida em recipien- tida a mistura de produto envelhecido
com produto não envelhecido, indepen-
te de madeira apropriado, com ca-
dentemente da proporção, salvo padrão
pacidade máxima de 700 (setecen-
de identidade e qualidade ou sua
tos) litros, por um período não in-
complementação.
ferior a um ano.
Seção I - Das definições Art. 10.
Para fins de execução desta Instrução
• Cachaça Premium deve conter Normativa, considera-se:
100% (cem por cento) de cachaça 1. Envelhecimento: é o processo no
ou aguardente de cana qual se desenvolvem, naturalmente, em
envelhecida em recipiente de ma- recipientes de madeira e de capacida-
deira apropriado, com capacidade de volumétrica apropriadas, reações fí-
máxima de 700 (setecentos) litros, sico-químicas que conferem à bebida
por um período não inferior a um alcoólica ou outro produto característi-
ano. cas sensoriais que não possuíam ante-
riormente;
• Cachaça Extra Premium deve con- 2. tempo de envelhecimento ou ida-
ter 100% (cem por cento) de ca- de de envelhecimento: o período não
inferior a um ano no qual a bebiba alcoó-
chaça ou aguardente de cana
lica ou outro produto, ressalvado o
envelhecida em recipiente de ma-
brandy ou conhaque fino, é submetido
deira apropriado, com capacidade
ao processo de envelhecimento sob
máxima de 700 (setecentos) litros,
controle da fiscalização federal agrope-
por um período não inferior a três
cuária do MAPA.
anos.
16 Casa do Produtor Rural
As bebidas denominadas de Fica vedado o uso da expressão
Premium e Extra Premium poderão ter “Artesanal” como designação, tipifica-
padronizadas a sua graduação alcoó- ção ou qualificação da aguardente de
lica mediante a adição de Destilado Al- cana ou cachaça, até que se estabe-
coólico Simples de Cana-de-açúcar ou leça, por ato administrativo do Minis-
de Aguardente de Cana ou de Cacha- tério da Agricultura, Pecuária e Abas-
ça envelhecidas pelo mesmo período tecimento, o Regulamento Técnico que
da categoria ou de água potável. fixe os critérios e procedimentos para
A água deverá ter as seguintes ca- produção e comercialização de Aguar-
racterísticas na sua composição, ex- dente de Cana e Cachaça artesanais.
presso em miligramas por litro: Poderá ser declarada no rótulo a
expressão “Reserva Especial” para
Teor máximo de ferro 0,3
a Cachaça e a Aguardente de Cana
Teor máximo de manganês 0,1
que possuírem características senso-
Dureza total (teor máximo de riais, dentre outras, diferenciadas do
carbonato de cálcio) 100,0
padrão usual e normal dos produtos
Oxigênio necessário para oxidar elaborados pelo estabelecimento,
a matéria orgânica 2,0
desde que devidamente comprovada
pela requerente. Os laudos técnicos
A cachaça ou aguardente de cana deverão ser emitidos por laboratóri-
que forem classificadas como Premium os públicos ou privados reconhecidos
ou Extra Premium só poderão constar pelo MAPA.
no rótulo, se as mesmas tiveram seu A Instrução Normativa Nº 58 de 19
processo de envelhecimento acompa- de dezembro de 2007, altera os itens
nhado e certificado pela fiscalização do 4 e 9, da Instrução Normativa no 13,
Ministério da Agricultura Pecuária e conforme instruções reunidas abaixo.
Abastecimento - MAPA. Fica vedado o uso de corantes de
O uso das expressões “Prata”, “Clás- qualquer tipo, extrato, lascas de ma-
sica” ou “Tradicional” refere-se aos pro- deira ou maravalhas ou outras subs-
dutos sem alteração visível na sua co- tâncias para correção ou modificação
loração após a destilação, que tenham da coloração original do produto arma-
sido armazenados em recipientes de zenado ou envelhecido. Veta, ainda, a
madeira ou não. Já a expressão “Ouro” adição de qualquer substância ou in-
é dada para a cachaça que tenha sido grediente que altere as características
armazenada em recipiente de madeira sensoriais naturais do produto final,
e com alteração da sua coloração. com exceção do uso do caramelo, para
Produção de cachaça de qualidade 17
correção e/ou padronização da cor passa a vigorar com a seguinte ins-
conforme previsto nos seguintes trução. Poderá ser mencionado o
itens: Aguardente de Cana Enve- nome da Unidade da Federação ou
lhecida, Premium e Extra Premium; da região em que a bebida foi ela-
Cachaça Envelhecida, Premium e borada, quando consistir em indica-
Extra Premium. ção geográfica registrada no Institu-
Poderá ser utilizado recipiente que to Nacional da Propriedade Indus-
tenha sido anteriormente destinado trial - INPI. Esta inserção deverá
ao armazenamento ou envelheci- constar em posição inferior à deno-
mento de outras bebidas, sendo ve- minação da bebida e em caracteres
dado o uso de recipientes que te- gráficos com dimensão correspon-
nham sido utilizados para outros fins. dente à metade da dimensão utiliza-
É permitido o uso de água potável, da para a denominação da bebida.
para conservação do recipiente que O padrão de identidade e qualida-
foi utilizado para o armazenamento de (PIQ), estabelecido pela legisla-
ou envelhecimento de cachaça ou ção, com seus respectivos limites
aguardente de cana, no período em têm a finalidade de padronizar a ca-
que o mesmo permanecer vazio. chaça e proteger a saúde do consu-
Fica obrigatório declarar no rótulo midor. Essa padronização norteia
a expressão: Armazenada em ....(se- para que a bebida atenda aos pa-
guida do nome do recipiente) drões nacionais de qualidade e pos-
de..... (seguida do nome da madei- sa também ser aceita pelo mercado
ra em que o produto foi armaze- externo, proporcionando condições
nado), para cachaça ou aguardente de abertura e manutenção do mer-
de cana, armazenados em recipien- cado de exportação, além de propor-
te de madeira e que não se enqua- cionar aceitação, no mercado inter-
drarem nos critérios definidos para no, pelas classes de maior poder
a denominação de Envelhecida, aquisitivo, as quais exigem bebidas
Premium ou Extra Premium. Exem- com maior controle de qualidade. Os
plo, “armazenada em tonéis de car- padrões de identidade e qualidade da
valho”; “armazenada em tonéis de aguardente de cana e da cachaça
umburana”; “armazenada em tonéis estão reunidas nas Tabelas 1, 2 e 3.
de balsamo”; etc. No processo de produção da ca-
A Instrução Normativa Nº 27 de 15 chaça são formados componentes
de maio de 2008, altera o item 9.4 voláteis “não álcool”, que podem ser
da Instrução Normativa n º 13, que chamadas de substâncias voláteis
18 Casa do Produtor Rural
“não álcool”, ou componentes secundá- tão caracterizados na Tabela 2.
rios “não álcool” ou impurezas voláteis Alguns compostos considerados
“não álcool” conhecidas como coeficien- como contaminantes podem eventual-
te de congêneres. Os limites destas subs- mente estarem presentes na cachaça
tâncias na constituição da cachaça es- e devem ser monitorados.
UNIDADE
COMPONENTES UNIDADE
MÍNIMO MÁXIMO
Graduação alcoólica % em volume de álcool
38 54
de aguardente etílico a 20 oC
Sacarose, em açúcar
refinado, cristal, invertido g L-1 30
ou glicose*
Produção de Cachaça
A produção de cachaça envolve vá- tado para separação do bagacilho e
rias etapas, iniciando com a cana e fi- diluído para ajuste do Brix. O caldo de
nalizando com a comercialização do cana-de-açúcar pronto para fermentar
produto. Deve-se examinar todo o pro- é denominado mosto. O mosto é colo-
cesso, apontando os principais aspec- cado para fermentar na presença do
tos a serem observados, a fim de ob- fermento, denominado “pé-de-cuba”.
ter em cada uma de suas etapas, os Depois de terminada a fermentação, o
melhores resultados, objetivando inse- mosto fermentado é chamado de vinho.
rir no mercado um produto final de qua- O vinho, depois de decantado, é destila-
lidade comprovada. do. Durante a destilação, são separadas
A Figura 1 ilustra o fluxograma da as frações “cabeça”, “coração” e “cau-
produção da cachaça. A cana-de-açú- da”. A fração “coração”, denominada de
car, depois de colhida e transportada cachaça, pode ser armazenada ou
para a indústria, é moída e o bagaço é envelhecida e, posteriormente, engarra-
separado. O caldo é peneirado, decan- fada e comercializada.
Produção de cachaça de qualidade 21
Qualidade e produtividade da
matéria-prima
A cana
Desde o início da colonização do Dentro desse enfoque, observa-se
Brasil, a cana-de-açúcar constitui, sob que nem todo o setor, principalmente
os aspectos econômico e social, uma o da produção de cachaça, apresenta
das principais culturas do país. Desde o mesmo desenvolvimento tecnológico
então, a cana tem sido utilizada para no seu todo, pois uma série de aspec-
produção de açúcar, de cachaça, na tos técnicos, econômicos, sociais e até
alimentação animal e, a partir de 1970, culturais interferem de forma significati-
com a criação do PROALCOOL, pas- va no processo, indicando realidades di-
sou a ser usada também, e em larga ferentes, quando comparados com ou-
escala, para produção de álcool com- tros setores de produção.
bustível. Tal fato promoveu a expan- Antes de implantar um canavial des-
são da área cultivada com cana no tinado à produção de matéria-prima
Brasil e acelerou o avanço tecnológico usada na agroindústria de cachaça, o
no sistema de produção e proces- produtor deve estar atento a diversos
samento da matéria-prima para a in- fatores inter-relacionados, dos quais
dústria do açúcar e do álcool. podem-se destacar:
Produção de cachaça de qualidade 23
1) o potencial genético da planta (va- mo, qualquer que seja a variedade es-
riedade) e sua adaptabilidade ao colhida, e esse é o principal fator de
ambiente; produtividade e qualidade. Para evitar
2) as condições físicas, químicas e bio- problemas, o produtor deve escolher
lógicas do solo; variedades que ofereça: alto teor de
3) as condições climáticas do local; sacarose, fácil despalha, resistência
4) os tratos culturais empregados (pre- ao tombamento, baixo teor de fibras,
paro do solo, aquisição de mudas, resistência às principais pragas e
forma de plantio, controle de ervas doenças, e boa produção por hectare.
daninhas, pragas e doenças); e Em geral as variedades que são boas
5) a qualidade da matéria-prima. para produção açúcar e álcool, são
boas, também, para a produção da ca-
chaça.
Paulo Soares
Preparo do Caldo
As etapas do preparo do caldo estão mecânico, a limpeza deve ser uma
ilustradas na Figura 4. O preparo do cal- preocupação constante, visando à ob-
do começa logo após o corte da cana. tenção de um caldo rico em açúcar e
livre de impurezas.
A prática de queimar os canaviais é
Corte e transporte um fator prejudicial à qualidade da ca-
A colheita da cana-de-açúcar reflete chaça, embora facilite a colheita da cana-
todo o trabalho desenvolvido e condu- de-açúcar. Tal conduta acelera a dete-
zido no campo ao longo do ciclo da rioração da cana, ainda no campo,
cultura, culminando na entrega da pela inversão da sacarose. Além dis-
matéria-prima para que a mesma seja so, acarreta o acúmulo de cinzas nas
processada e contribua na obtenção de dornas de fermentação, interferindo ne-
um produto final de qualidade. A cana- gativamente no processo fermentativo.
de-açúcar destinada à produção de No que se refere ao paladar da cacha-
cachaça deve ser cortada bem rente ça, identifica-se com certa facilidade o
ao solo para evitar infestações de pra- gosto de queimado (associado ao au-
gas e doenças nas soqueiras remanes- mento do teor de furfural, hidroximetil-
centes e emissões de brotações aé- furfural e compostos correlatos), o que
reas. Tanto no corte manual como no deprecia a qualidade do produto.
30 Casa do Produtor Rural
RESULTADO DE IM INTERPRETAÇÃO
< 0,6 Imatura (verde)
0,6 - 0,7 Maturação baixa
0,7 - 0,84 Maturação média
0,85 - 1,0 Maturação ótima
> 1,0 Maturação ultrapassada
Fonte: Mutton e Mutton, 2010
Figura 8. Constituição esquemática de uma moenda. Fonte: Adaptado de Oliveira et al., 1978
Fermento
O fermento é composto por fungos cachaça; (2) seleção de cepas resis-
microscópicos vivos. Esses fungos são tentes e produtoras de compostos se-
pertencentes à classe dos Ascomi- cundários desejáveis para a qualida-
cetos, sendo a espécie mais importan- de da cachaça e (3) disponibilização
te a Saccharomyces cerevisiae. Den- das cepas selecionadas para os pro-
tre esta espécie, existem inúmeras dutores de cachaça.
cepas, que prevalecem naturalmente Antes de se iniciar o processo de
nas diversas regiões, conforme as pe- fermentação há a necessidade da adi-
culiaridades de solo, clima e vegeta- ção nas dornas de fermentação de
ção. Desta forma, estes microrganis- uma população inicial de leveduras,
mos se adaptam ecologicamente e que devem apresentar determinadas
sobrevivem nas superfícies dos colmos características que garantam o rendi-
da cana, nas folhas, no solo e até no mento fermentativo, durante a fermen-
ar. No Brasil, essas cepas têm sido tação alcoólica. Essa massa de célu-
objeto de estudos detalhados, com re- las usada para iniciar o processo
lação a: (1) caracterização das floras fermentativo denomina-se pé-de-cuba,
microbianas dominantes de cada re- pé-de-fermentação, lêvedo alcoólico
gião e seu efeito sobre a qualidade da ou fermento. Este deverá estar ativo e
Produção de cachaça de qualidade 39
em quantidade adequada para que o duras naturais, nativas ou selvagens.
processo ocorra de modo satisfatório. O fermento é preparado a partir das
O fermento deverá apresentar alta leveduras que acompanham a cana,
velocidade de fermentação, tolerância mosto ou o ar, sendo variável entre os
ao álcool produzido, resistência à aci- produtores, que geralmente utilizam
dez e à temperatura elevada, estabili- receitas regionais. Normalmente, es-
dade genética e isento de outros mi- tas receitas são preparadas a base de
crorganismos competitivos ou antagô- uma massa inicial constituída de cal-
nicos, que possam diminuir a eficiên- do de cana-de-açúcar não diluído,
cia de transformação do açúcar do farelo de arroz, fubá ou farelo de soja,
mosto em álcool. Mosto é o termo em- com adição de suco de limão ou laran-
pregado para definir um líquido açu- ja azeda para abaixar o pH. São feitas
carado apto a fermentar. adições diárias de caldo de cana-de-
açúcar no período de cinco a sete dias,
quando as leveduras estão se repro-
Tipos de fermento ou duzindo e o volume de massa celular
pé-de-cuba está aumentado. Desta forma, o inóculo
Denomina-se fermento a suspensão é obtido a partir da fermentação espon-
de células de leveduras suficientemen- tânea dos microrganismos presentes no
te concentrada de modo a garantir a caldo da cana-de-açúcar, nos equipa-
fermentação de um determinado volu- mentos e nas dornas de fermentação.
me de mosto em condições econômi- Nas fermentações espontâneas, um
cas. Os fermentos mais empregados grande número de espécies de micror-
na prática são: fermentos naturais (sel- ganismos pode estar envolvido, com
vagens), prensados, mistos e secos predominância de Saccharomyces
(granulados). O preparo do fermento cerevisiae. Por apresentar essa diver-
é variável com o tipo de levedura a ser sidade de microrganismos, este tipo de
utilizado e com a região produtora. fermento pode produzir fermentações
inconstantes e de difícil controle, pre-
judicando a qualidade final da cachaça.
Fermento natural ou selvagem
É constituído por células que já es-
tão naturalmente adaptadas ao am- Fermento prensado
biente. Pelo fato de não terem sofrido Formado por uma massa sólida,
alterações genéticas programadas ou contendo um aglomerado de células
melhoramentos, são chamadas leve- no estado sólido da espécie
40 Casa do Produtor Rural
Saccharomyces cerevisiae. Este fer- Fermento misto
mento (conhecido normalmente como Consiste na associação das
fermento de panificação) pode ser con- metodologias utilizadas para produção
servado em geladeira por no máximo do pé de cuba via fermentação espon-
uma semana. O inóculo poderá ser pre- tânea (fermento caipira ou selvagem)
parado a partir da diluição de 20 a 50 g com a do fermento prensado. Tal pre-
de fermento por litro de mosto. O ideal paro inicia-se acrescentando a pasta
é iniciar o processo com um mosto de farelo e fubá, 10 a 20 gramas de
morno, entre 30 a 32oC, e com baixa fermento prensado por litro de mosto.
concentração de açúcar, entre 8o a 10o Dessa forma, considera-se a possibili-
Brix. Normalmente, quando o oBrix do dade da predominância daquele mi-
mosto em fermentação cair pela meta- crorganismo que melhor se adaptar às
de do mosto de alimentação, dobra-se condições do meio de fermentação.
o volume, alimentando-se com mosto Esse sistema é adotado por muitos pro-
a concentrações crescentes (máxima dutores de cachaça, nas diversas re-
de 16o Brix) até obter o volume final do giões do Brasil.
pé-de-cuba desejado (20% a 30% do
volume útil da dorna). Após esta etapa,
completa-se a dorna com o mosto con- Fermento seco (granulado)
tendo 12o Brix, conduzindo a fermenta- Apresenta uma concentração de cé-
ção conforme o sistema de trabalho utili- lulas três vezes maior que o fermento
zado na unidade de produção. prensado, requerendo assim, uma
Baixas concentrações de açúcares menor quantidade de fermento, possi-
facilitam a multiplicação das células de bilitando um início de fermentação
leveduras, assim como a adaptação ao mais rápido. Esta é a forma em que se
meio, evitando sua exaustão. Após al- apresentam a maioria dos fermentos
gumas fermentações, pode-se aumen- selecionados, aptos à produção de
tar as concentrações de açúcares do cachaça, existente no mercado.
mosto (limite máximo 15o a 16o Brix). A O fermento selecionado é obtido a
temperatura do mosto deve ser partir do isolamento de cepas de leve-
mantida entre 28 a 30oC, sendo este duras encontradas na natureza, que
controle realizado com o auxílio de um são previamente testadas em labora-
termômetro. Um dos inconvenientes do tório. Nestes testes, verifica-se a sua
fermento prensado é sua baixa tolerân- eficiência para fermentação, tolerância
cia a altos teores alcoólicos e a tempe- à temperatura, a teores elevados de
raturas elevadas. álcool e a qualidade do vinho produzi-
Produção de cachaça de qualidade 41
do. Como cada tipo de fermento sele- Independente do fermento utilizado
cionado apresenta características di- e da forma de preparo, o pé-de-cuba
ferentes, o produtor deverá escolher o deve ser preparado com cuidados es-
tipo que melhor se adapta às condi- peciais, de modo que o fermento se
ções ambientais de sua região e as desenvolva nas condições mais favo-
instalações de sua fábrica. ráveis possíveis para que mais tarde,
O protocolo de preparo deste tipo de ao ser misturado ao mosto normal e
fermento encontra-se ilustrados nas em quantidade suficiente, domine com-
embalagens de venda do produto, e pletamente o meio, produzindo sem-
geralmente são necessários 500 g do pre fermentações homogêneas e um
fermento para iniciar o processo de vinho com características desejáveis.
produção de uma dorna de 1000 litros A assepsia dos equipamentos, uten-
úteis de mosto. Este tipo de fermento sílios, instalações e o uso de água
é o mais recomendado para a produ- potável, são fatores indispensáveis
ção de uma cachaça de qualidade, para o bom andamento do processo
existindo uma boa diversidade de mar- com fermento selecionado, e devem
cas no mercado e com grande facili- estar presentes em todas as etapas
dade de acesso para os produtores. de produção.
42 Casa do Produtor Rural
Fermentação
Agentes biológicos especializados tar as leveduras Saccharomyces cere-
conhecidos como leveduras, transfor- visiae, diminuindo sua atividade. Por
mam o mosto de cana em vinho de cana, isso, muitos produtores usam fubá de
por meio da fermentação alcoólica. milho e farelo de arroz na preparação
Por definição, a fermentação é um do pé-de-cuba, com a finalidade de sa-
processo de oxidação parcial da nar eventuais deficiências de nutrientes.
glicose na ausência de oxigênio (pro- O álcool etílico ou etanol é o princi-
cesso anaeróbico). A palavra “fermen- pal produto da fermentação. Também,
tação” deriva do latim fervere, que sig- ocorre grande formação de gás
nifica ferver, e assim, descreve a apa- carbônico, que é liberado para o am-
rência da ação das leveduras no mos- biente. É comum a formação de espu-
to. É o ponto crítico do processo de ma, principalmente nos estágios ini-
fabricação da cachaça e depende da ciais da fermentação, dada a interação
maturidade certa da cana, da padroni- do gás formado com lipídeos (princi-
zação do oBrix do caldo antes de en- palmente fosfolipídeos) e macromolé-
trar na dorna, da sanidade da cana e da culas (especialmente proteínas) do
composição química do caldo. A cana mosto. Nas fermentações saudáveis,
deficiente em alguns nutrientes pode afe- observa-se também o desenvolvimen-
Produção de cachaça de qualidade 43
to progressivo de um aroma extrema- Ciclo de operações na sala de
mente agradável, decorrente dos com- fermentação
ponentes secundários da fermentação, A fermentação tem início quando o
especialmente ésteres. fermento contido no fundo da dorna,
Além dos ésteres, ocorre à formação o “pé-de-cuba”, começa a ser alimen-
de aldeídos, ácidos orgânicos, glicerol, tado pelo caldo de cana. Dentro da
materiais para a constituição da fábrica o ciclo completo compreen-
biomassa e produtos para sobrevivên- de várias etapas (Figura 11), e deve
cia e adaptação da levedura no meio. ser ajustado para que se complete no
São mais de 250 compostos já identi- intervalo de 24 horas, facilitando a
ficados, e dentre estes, estão os cha- manutenção de uma rotina opera-
mados congêneres, que em propor- cional preestabelecida. O controle
ções equilibradas, são responsáveis mensal do tempo de fermentação e
pelo bouquet ou aroma que caracteri- rendimento de destilação pode ser
za a cachaça e a diferencia de uma feito por meio de planilhas, confor-
mistura hidroalcoólica qualquer. me anexo 3.
Leuconostoc Aumenta viscosidade, di- Baixo rendimento fer- Não queimar a cana. Não
mesenteroides minui produção de etanol, mentativo e dificuldade deixar a cana ao sol depois
prejudica decantação. de decantação. de cortada.
Batérias Produz butanol e acetona Odor penetrante de ovo Não deixar a cana próxima
acetobutílicas a partir do açúcar. podre ou ranço e aumen- a estábulos ou locais de
to de acidez do mosto. ordenha.
Gerhard Waller
Figura 12. Setor de fermentação
Destilação
A destilação, processo físico para Concluída a fermentação do mosto,
separações químicas, consiste em obtém-se o vinho que apresenta na sua
aquecer um líquido até sua passagem composição uma mistura de compo-
para o estado gasoso, que em segui- nentes sólidos, líquidos e gasosos, em
da retorna ao estado líquido por meio virtude das transformações que se de-
de resfriamento, objetivando especial- senvolveram durante a fermentação. O
mente a purificação ou formação de vinho adequadamente decantado, con-
novos produtos por decomposições de tendo 89% a 94% de água, 7% a 12%
frações. Na produção de cachaça, de etanol e 2% a 4% outras substân-
deve-se considerar ainda a formação cias voláteis (principalmente aldeídos,
de componentes em virtude de rea- ésteres, ácidos orgânicos e alcoóis
ções, que ocorrem dentro do alambi- superiores) é submetido ao processo
que de cobre. É a etapa responsável de separação dos constituintes, atra-
por separar todas as substâncias de vés das diferenças dos pontos de ebu-
interesse formadas pela fermentação. lição, denominado destilação. Ao des-
Por este motivo é considerada de ex- tilar o vinho da cana, obtém-se um
trema importância para obtenção de novo líquido, com teor alcoólico cinco
uma cachaça de qualidade. a seis vezes maiores que o teor do lí-
50 Casa do Produtor Rural
quido gerador. Os grandes produtores sual atrativo na seção de destilação,
realizam a destilação em colunas con- com diferença na coluna, que no pré-
tínuas. Na fabricação de cachaça por aquecedor é mais curta, pois ali não
pequenos produtores, a destilação é há controle de refluxo. A Figura 14 ilus-
feita em alambiques. tra um conjunto de alambique com pré-
aquecedor, alimentado a vapor.
Os alambiques aquecidos por fogo
Alambiques direto utilizam, geralmente, o bagaço
O alambique pode ter diversas con- da própria cana-de-açúcar na queima.
figurações, mas os componentes bá- O controle do refluxo (“vômito do vi-
sicos são: (1) a panela onde se coloca nho”), porém, fica facilitado quando se
o vinho a ser aquecido; (2) a coluna, si- emprega uma caldeira que efetua o
tuada acima da panela, que recebe os aquecimento do vinho mediante vapor.
vapores do vinho e (3) a alonga. A alon- Este vapor percorre internamente
ga é conectada à parte mais alta da co- uma serpentina situada no fundo da
luna, a partir da qual os vapores iniciam panela. A panela é dotada de dispo-
seu resfriamento, até serem recolhidos sitivo para controle de temperatura
na extremidade inferior, na saída do e vazão e a caldeira permite ajustar
condensador, já no estado líquido. O a intensidade do aquecimento do vi-
condensador é um prolongamento da nho, dosando com precisão a quan-
alonga, que em alambiques mais sim- tidade de calor requerida em cada
ples, se resume a uma serpentina imersa etapa (Figura 14).
em um tanque de água corrente. Os alambiques são construídos,
Os aparelhos intermitentes utilizados principalmente, em cobre. Mas, exis-
pela maioria dos produtores de cacha- tem vários produtores de cachaça que
ça são alambiques simples, conheci- usam aparelhos de destilação produ-
dos por “cebolão” ou “alegria” e alam- zidos com panela feita em aço inoxi-
biques de dois ou três corpos. O ter- dável contendo algumas peças em
mo alambique de dois corpos é geral- cobre, como o deflegmador e a serpen-
mente usado para designar um tina, que compõem a coluna do
destilador dotado de um sistema de destilador.
pré-aquecimento do caldo. Neste sis- Aparelho de destilação feito total-
tema, há uma panela em que o vinho mente de aço inoxidável deve ser des-
ferve e outra em que é pré-aquecido. cartado pelo produtor de cachaça. A
Na prática, ambas têm a mesma geo- substituição do cobre por aço inoxidá-
metria externa, para preservar um vi- vel na produção de alambiques resul-
Produção de cachaça de qualidade 51
ta no aparecimento de um aroma de- postos sulfurados, impedindo que con-
sagradável na bebida capaz de com- taminem o destilado. Por isso a aguar-
prometer a qualidade final dos destila- dente produzida em alambique de co-
dos. Estudos sobre esse problema re- bre apresenta melhor qualidade sen-
lacionaram o aroma referido com a pre- sorial quando comparada à produção
sença notadamente de compostos que utiliza alambiques confeccionados
sulfurados, o dimetil sulfeto. O cobre com outros materiais, como o aço inox,
tem a propriedade de reagir com com- o alumínio ou a porcelana.
Gerhard Waller
Figura 15. Caixa coletora de destilado
Limpeza do alambique
A concentração máxima de cobre
permitido por lei é de 5,0 mg por litro
de cachaça. A contaminação da be-
bida, por cobre, ocorre durante o pro-
cesso de destilação, por dissolução
do “azinhavre” formado nas paredes
internas do alambique e em peças in-
ternas, como o deflegmador e a ser-
pentina, que compõem a coluna do
destilador. Esse composto é dissol-
vido pelos vapores alcoólicos ácidos,
contaminando o destilado. Alta con-
centração de cobre na bebida é in-
desejável e potencialmente prejudi-
Figura 17. Proveta com alcoômetro e termô-
metro cial à saúde humana.
Produção de cachaça de qualidade 55
lizar uma destilação com água mis-
Gerhard Waller
turada a suco de limão (ácido cítri-
co). Recomenda-se adicionar 5,0 li-
tros do suco para cada 100 litros de
água. Os vapores ácidos gerados
nessa destilação removerão o
azinhavre, principalmente aquele
existente no interior da serpentina de
condensação dos vapores hi-
droalcoólicos. Após essa destilação,
deve-se realizar outra, usando ape-
nas água, a fim de remover resíduos
ácidos do aparelho.
Uma forma empírica de avaliar
uma possível ocorrência de contami-
nação de cobre no destilado é reali-
zar uma filtragem desse destilado
com filtro branco de algodão ou gaze.
Figura 18. Setor de destilação: alambique, Caso o filtro fique azul, denotaria a
aquecedor de vinho, resfriador e ocorrência de excesso de cobre. De
coletor de destilado
modo geral, se o produtor realizar
uma correta limpeza do alambique
Aguardente com teores elevados após o término diário do procedimen-
de cobre indicam falta de higieni- to de destilação e tomar os cuidados
zação do alambique. Recomenda-se básicos durante a entressafra, não
manter o alambique e as serpentinas terá problemas com a presença de
cheias com água durante as paradas cobre no seu destilado.
que ocorrem no período de entres-
safras. A água reduz a oxidação do
cobre, evitando a formação do Dupla destilação
azinhavre e a contaminação da ca- A dupla destilação, também conhe-
chaça com o metal. cida por bidestilação, consiste na
Após a entressafra, e antes de ini- realização de duas destilações su-
ciar a produção de cachaça, deve-se cessivas. Na primeira, o vinho é des-
fazer uma limpeza criteriosa do alam- tilado para recuperar praticamente
bique. Essa limpeza consiste em rea- todo álcool nele contido, sem corte
56 Casa do Produtor Rural
de frações, originando um destilado de- de ácidos voláteis, alcoóis superiores e
nominado flegma, com aproximadamen- contaminantes (cobre, carbamato de etila
te 28% (v/v) de álcool. Na segunda des- e alcoóis sec-butílico e n-butílico). É um
tilação, o flegma é destilado e procede- destilado apropriado para o envelheci-
se a separação das frações: “cabeça” mento em tonéis de madeira.
(2% do volume útil da caldeira), “cora- A redestilação é um processo seme-
ção” ou aguardente (destilado recupera- lhante à bidestilação, no entanto utili-
do até 60% de etanol na fração à saída za para a segunda destilação cachaça
do condensador) e “cauda” (destilado ou aguardente industrial, diluída com
recuperado de 60% até o esgotamento água potável a aproximadamente 35%
do etanol na fração à saída do con- (v/v) de álcool. Neste processo não há,
densador). portanto, a primeira destilação, sendo
Aguardentes bidestiladas apresentam o flegma substituído pela aguardente
redução significativa das concentrações industrial convenientemente diluída.
Produção de cachaça de qualidade 57
Envelhecimento e
Engarrafamento
Após o término do processo da des- chaça branca”.
tilação da cachaça, não é aconselhá- O processo de envelhecimento visa
vel seu consumo direto, pois sua qua- à estabilização dos compostos quími-
lidade pode ser melhorada. Para agre- cos da cachaça, principalmente os
gar qualidade à bebida deve-se pro- congêneres voláteis, formados pela
ceder o “descanso” ou o envelheci- ação das leveduras durante a fermen-
mento. tação, e concentrados pela destilação.
O “descanso” refere-se à estadia da Outro mecanismo que ocorre é a ex-
cachaça em qualquer recipiente, de tração de compostos da madeira, de-
qualquer volume (de preferência iner- nominados congêneres de maturação.
te - tonel de aço inox, recipiente de vi- Os congêneres de maturação são res-
dro ou tonel de madeira maior que 700 ponsáveis por caracterizar bebidas
litros) por no mínimo, 6 meses. Sua fi- envelhecidas e estão presentes em
nalidade é promover o “amaciamento” quantidades diferentes de acordo com o
da bebida, ou seja, eliminar compos- tipo de madeira utilizada e o tempo de
tos químicos responsáveis por sabo- permanência nos barris. O principal be-
res e aromas desagradáveis na “ca- nefício do envelhecimento da cachaça é
58 Casa do Produtor Rural
o aprimoramento da qualidade química (Myroxylon balsamum L. Hauris), Jatobá
e sensorial da bebida, além de agregar (Hymenaea courbaril L), Jequitibá rosa
maior valor comercial ao produto. (Cariniana legalis), Araruva ou Araribá
A escolha do tipo da madeira utilizada (Centrolobium tomentosum Guillem),
na elaboração dos tonéis é fundamental Cabreúva (Myrocarpus frondosus),
para melhor aprimoramento da cacha- Grápia (Apuleia leiocarpa), Ipê roxo
ça. A principal madeira utilizada na con- (Tabebuia heptaphylla), entre outras.
fecção de barris é o carvalho europeu A manutenção da bebida em barris de
(Quercus sp.), devido ao seu uso tradicio- madeira promove uma contribuição pro-
nal em bebidas destiladas, tais como o gressiva de substâncias cedidas pela
conhaque e o uísque. O carvalho deman- madeira e favorece a estabilização da ca-
da alto custo inicial e necessidade de chaça (Figura19). Além da obtenção da
importação, o que favorece o uso de cor característica, o envelhecimento é
madeiras brasileiras como alternativas influenciado pelo tempo e as condições
para os produtores de cachaça. A ma- de armazenamento, tais como, tempe-
deira nacional é de fácil obtenção e pos- ratura local, umidade e luminosidade. O
sibilita a transferência de compostos ca- controle desses parâmetros durante o
racterísticos de cada espécie, além de envelhecimento é importante para redu-
permitir a distinção do produto final de zir as perdas por evaporação, recomen-
acordo com a cor, aromas e sabores da-se que a temperatura de armaze-
adquiridos pela bebida. Algumas das namento seja em torno de 20oC e com
espécies nacionais utilizadas são: umidade entre 70% a 90%. É importan-
Amburana (Amburana Cearensis), te assegurar uma boa ventilação do lo-
Amendoim (Pterogyne nitens), Bálsamo cal e evitar o empilhamento dos tonéis.
Gerhard Waller
Engarrafamento
O engarrafamento consiste no acon-
dicionamento do produto em embala-
gem adequada, geralmente utilizando Figura 20. Envasadora de cachaça
Rotulagem
O vasilhame deve ser devidamen-
te identificado com rótulo atrativo e
que contenha informações esclare-
cedoras para o consumidor. Os re-
quisitos previstos na legislação de-
vem ser respeitados, tais como: vo-
lume de bebida, graduação alcoóli-
ca, ingredientes, produtor, número do
Figura 21. Recravadora de garrafas de cachaça
registro, etc.
60 Casa do Produtor Rural
Bibliografia Consultada
ALCARDE, A. R.; SOUZA, P. A.; Biotecnologia. Alimentos e Bebidas
BELLUCO, A. E. S. Aspectos da Produzidos por Fermentação. Ed,
composição química e aceitação 2001.
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de-açúcar envelhecida em tonéis BRASIL. Ministério da Agricultura,
de diferentes madeiras. Cienc. Pecuária e Abastecimento. Instru-
Tecnol. Alim., 30, 226-232, 2010. ção Normativa Nº 13, de 29 de
junho de 2005. Diário Oficial da
ANDRADE, L.A.B. Cultura da cana- União. Brasília, 30 de junho de
de-açúcar. In: Cardoso, M.G. (ed.) 2005.
Produção de aguardente de cana. 2ª
ed. Editora UFLA - Universidade BRASIL. Ministério da Agricultura,
Federal de Lavras, Lavras - MG, Pecuária e do Abastecimento.
p. 25-67, 2006. Instrução normativa nº 58, de 19
de dezembro de 2007. Altera os
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AQUARONE, E. LIMA, U. A.; Normativa nº 13, de 29 de junho de
BORZANI, W., Aguardentes. In: 2005. Diário Oficial da Republica
Produção de cachaça de qualidade 61
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 08 DIAS, S.; MAIA, A.; NELSON, D.
jan..Seção 1, p.5, 2008. Efeito de diferentes madeiras
sobre a composição da aguardente
BRASIL. Ministério da Agricultura, de cana envelhecida. Cienc. Tecnol.
Pecuária e do Abastecimento. Alim., 18, 331-336, 1998.
Instrução normativa nº 27, de 15
de maio de 2008. Altera o item 9.4 DIAS, S.M.B.C. O processo da
da Instrução Normativa nº 13, de destilação. In: Cardoso, M.G. (ed.)
29 de junho de 2005. Diário Oficial Produção de aguardente de cana. 2ª
da Republica Federativa do Brasil, ed. Editora UFLA - Universidade
Brasília, DF, 16 maio. Seção 1, p.1., Federal de Lavras, Lavras - MG,
2008a. p. 137-202, 2006.
ANEXOS
Produção de cachaça de qualidade 65
DATA
TALHÃO
RESPONSÁVEL
O
BRIX - LEITURA
AMOSTRA IM = PONTA/PÉ
PONTA PÉ
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
MÉDIA
O
Brix Desejado
BRIX DO
CALDO 12 14 15 16 17 18
ORIGINAL
Água Caldo Água Caldo Água Caldo Água Caldo Água Caldo Água Caldo
16,0 26,0 74,0 13,0 87,0 6,5 93,5 —- 100 —- —- —- —-
17,0 31,0 69,0 18,5 81,5 12,5 87,5 6,5 93,5 —- 100 —- —-
18,0 35,0 65,0 23,5 76,5 18,0 82,0 12,0 88,0 6,0 94,0 —- 100
19,0 38,5 61,5 28,0 72,0 22,5 77,5 17,0 83,0 11,5 88,5 6,0 94,0
20,0 42,0 58,0 32,0 68,0 26,5 73,5 21,5 78,5 16,0 84,0 11,0 89,0
21,0 45,0 55,0 35,0 65,0 30,0 70,0 25,5 74,5 20,5 79,5 15,5 84,5
22,0 47,5 52,5 38,5 61,5 34,0 66,0 29,0 71,0 24,5 75,5 19,5 80,5
23,0 50,0 50,0 41,5 58,5 37,0 63,0 32,5 67,5 28,0 72,0 23,5 76,5
24,0 52,5 47,5 44,0 56,0 40,0 60,0 35,5 64,5 31,0 69,0 27,0 73,0
25,0 54,5 45,5 46,5 53,5 42,5 57,5 38,5 61,5 34,0 66,0 30,0 70,0
Produção de cachaça de qualidade 67
3 Planilha de controle mensal de fermentação e da destilação
DATA
RESPONSÁVEL
Continuação do anexo 4.
Continuação do anexo 4.
Continuação do anexo 4.
Continuação do anexo 4.