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Te esperando

Já faz 57 meses desde que meu companheiro se foi, minha vida está cinza desde então.
Todos os dias são os mesmos. Às 5:40 acordo, tomo um banho morno, visto a primeiro roupa
que encontro. Saio de casa, atravesso o jardim de crisântemos adormecidos, passo pela casa
amarela, viro a esquerda depois e direita, passo por três becos, um deles sempre tem um
maldito gato pulando a lixeira. Em frente a lavanderia um morador de rua está sentado, parece
adoecido, na volta sempre lhe dou um pãozinho. Chego na padaria Doce Sonho na hora que o
pão sai do forno. Todo dia pelo mesmo caminho.
Fazendo todo o caminho de volta, me vejo sozinha, e o tempo parece não passar. O
caminho de oito minutos, leva oito horas. Entro em casa e vejo na mesa de jantar uma caixa
retangular, demoro para lembrar que é um presente que minha filha mais velha trouxe há
quase duas semanas. Acho que está na hora de abrir e ver o que é.
Um celular, quem precisa disso? Acho que uma senhora de quase 70 anos que vive
sozinha! Ligo esse apetrecho tecnológico e tento mexer, não consigo, quando vou guardar vejo
uma carta de instruções escrita a punho, tão detalhada que se torna impossível não conseguir.
Depois de horas “navegando”, vejo uma foto familiar em uma rede social, entro no que
chamam de perfil e dou de cara com um velho, velho esse que me lembra meu primeiro amor,
deve ser ele, quando vi a foto as borboletas se alvoroçaram em meu estômago.
Lhe enviei uma mensagem: “Boa tarde, espero lhe encontrar bem. Minha memória
não é mais a mesma de 40 anos atrás, porém, meu coração diz que você é o Zezinho, aquele Zé
que estudava na escola da Vila Isabel, que se apaixonou pela Jacira aos 16 anos. Então Zé eu
sou a Jacira. Lamento o que ocorreu na época, meu pai foi muito severo com você e eu me
culpo até hoje. Hoje estou morando em Monte Belo, sozinha, em uma casa branca com a porta
vermelha e crisântemos no quintal, exatamente como planejamos aos 16 anos. Espero um dia
te encontrar, beijos e abraços, Jacira.”
Quando apertei o enviar, senti um arrepio na espinha e parece que o tom acinzentado que
enxergava acabava de diminuir.

No outro lado do mundo, onde o fuso horário é de 12 horas, Zezinho, ou então José
Alberto, um grande empresário da área de fármacos, acorda com o bip de seu celular. Ao ler a
mensagem de Jacira, parece não acreditar e algo toma conta de seu dele, faíscas saem de seu
coração e seus olhos brilham. Imediatamente liga para sua secretaria e pede para que cancele
todos os compromissos por tento indeterminado e compre um passagem para o Brasil pro
mesmo dia. Sem pensar duas vezes, pega tudo o que está a sua vista e sai apressado do quarto
do hotel, ele tem as informações necessárias para encontrar sua amada.

Já se passaram 7 semanas desde que enviei a mensagem para o Zezinho, acho que não
era o meu Zé. Algumas coisas mudaram desde então, agora estou acordando as 9 horas, afinal,
que diferença faz um pãozinho saído do forno?! Ao invés de comprar 3 pães estou tomando
café lá mesmo, converso com a atendente simpática de cabelos ondulados, mês passado algo
engraçado aconteceu, chegou na padaria depois das 10 e um senhor de terno todo elegante,
esperava alguém na porta com um buque de flores nos braços, acho que ele levou um bolo,
pois o olhar dele era de decepção. Saindo da padaria entrego o pãozinho para o Severino, o
mendigo. Algumas coisas mudaram, estou me sentindo estranha, algo está acontecendo.
Quando saio de casa e viro a esquina, sinto alguém me observando atrás da árvore, não
consigo ver, mas consigo sentir, no beco o gato sumiu, não estou mais levando susto com ele,
porém, algo está lá.
Já comecei a pensar que é o espirito de meu marido, estou conversando com amigas
que entender do mundo sobrenatural. E o mais estranho está acontecendo dentro de casa,
durmo mas parece que não descanso, quando me deito coloco um copo de agua do meu lado,
tenho sede a noite, e ele sempre amanhece cheio, acho que estou sonhando, minhas pantufas
estão sempre alinhas as toalhas do banheiro sempre dobradas e as frutas sempre frescas. O
mais estranho é que eu sempre dormi descoberta e agora estou acordando coberta. Estou
mesmo achando ser o meu finado marido, conversando com Roberto, do centro espírita, ele
me disse para acabar o que meu marido deixou inacabado, algo material ou problemas a
serem resolvidos, o falecido tinha o sonho de reformar a casa de hóspedes no fundo do quintal
para acolher nossos netos nas férias, não conseguiu concluir a tempo. Amanhã mesmo já vou
marcar com empreiteiro para finalizar essa reforma, não vou lá desde o falecimento.

José Alberto contratou 4 investigadores particulares para encontrar Jacira, há 4


semanas ele encontrou, e o tão esperado encontro aconteceu. Zé sabendo de sua rotina lhe
esperou na frente da padaria com um buque em mãos, Jacira passou por ele e o ignorou,
talvez não tivesse o reconhecido, ele entrou e sentou em uma mesa próximo do balcão onde
Jacira conversava com a atendente de cabelos ondulados, Jacira comenta que levou
novamente um susto do gato do beco, que seus crisântemos estão morrendo, suas frutas
sempre estragam e que ultimamente está passando frio e sede a noite.
Os familiares de José Alberto perceberam seu sumiço e resolveram ligar para saber o
que estava acontecendo. Seu filho do meio esbraveja do outro lado da linha.
- Pai! Por onde você anda? Como você foi para o Brasil e não avisou ninguém?
- Antônio, se acalme. Eu avisei a Camila. (a secretaria)
- Você deixou as fabricas sem supervisão e os investidores querem te ver
imediatamente.
- Filho, deixe eu lhe atualizar. Encontrei uma namorada, e precisei desacelerar.
-Pai, não me diga que se meteu em encrenca novamente, a última vez não pegou bem
para os negócios.
- Claro que não Antônio essa é uma conhecida do passado, está é diferente, parece
que estou novamente com 16 anos, vamos tomar café juntos todas as manhãs, eu espanto o
gato que a assusta, vamos ao mercado, cuidamos do jardim juntos e eu passo horas lhe
observando. Mas não se preocupe Antônio, avisa todo mundo que estou voltando, pois ouvi
ela falando no celular que o empreiteiro vem para reformar a casa de hóspedes.

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