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Turismo Gastronómico e Dieta Mediterrânica

Potencialidades e Tipificação de Turistas

Por Letícia Pinheiro


(Aluna 0000042604)

Mestrado em Antropologia: Culturas em Cena e Turismo


Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
da Universidade Nova de Lisboa

Seminário: Tourism Management at World Heritage Sites


Professor David Picard

0
Índice

Dieta Mediterrânica Portuguesa Património Imaterial e Cultural UNESCO: Efeitos Sobre o Turismo – Introdução……………………… 2

Saboreando Portugal – Aproximação ao Método de Pesquisa………………………………………………………………………………………………………… 4

Saboreando Portugal - Dinâmicas entre Turistas, atores sociais locais e programas políticos……………………………………………………… 5

Atores Sociais locais e Políticas Governamentais……………………………………………………………………………………………………………………… 7

Saboreando Portugal – Horizontes e Futuro do Turismo Gastronómico em Portugal – Novos Estudos e Recomendações…………. 9

Referências Bibliográficas……………………………………………………………………………………………………………………………………………………………… 12

Anexos………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………….. 13

Palavras-chave: Turismo; Unesco; Património Imaterial; Gastronomia, Turistas;


Autenticidade, Dieta Mediterrânea, plano estratégico, atores sociais locais e atores
políticos.

1
Turismo Gastronómico e Dieta Mediterrânica
Potencialidades e Tipificação de Turistas

Dieta Mediterrânica Portuguesa – Classificação Património Imaterial e Cultural da


Humanidade – Efeitos Sobre o Turismo – Introdução

No dia 4 de Dezembro de 2013, na 8ª sessão do Comité Intergovernamental para a


Salvaguarda do Património Imaterial da Unesco1, a Dieta Mediterrânica Portuguesa foi
classificada como Património Cultural Imaterial da Humanidade, juntando-se assim a
uma candidatura já feita pela Espanha, Itália, Grécia e Marrocos, países classificados
em 2010. Esta é, pois, uma classificação transnacional que atualmente engloba 7 países:
Chipre, Croácia, Espanha, Grécia, Itália, Marrocos e Portugal.
Mas para percebemos como aqui chegamos importa clarificar o que é o Património
Imaterial e Cultural da Humanidade.

A Unesco é uma instituição política que reclama para si como principal missão
contribuir para a Paz e desenvolvimento humano, através da educação, ciência, cultura e
comunicação. A área da cultura é transversal aos vários domínios da Unesco e contribui
para a missão da organização. Os seus objetivos são preservar as especificidades de
cada cultura, agindo para que as diferentes culturas se respeitem entre si. Ao todo
existem 7 convenções que vão de encontro a estes objetivos. A que importa aqui tratar é
a Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural e Imaterial, aprovada a 17 de
Outubro de 2003 no decurso da 32ª conferência Geral da Unesco. Esta convenção
afirmou-se como um instrumento promotor do Património Cultural Imaterial no sentido
de preencher um vazio legal de proteção internacional deste tipo de património.

Mas que Património é este que importa salvaguardar?

A contrário do Património Material, trata-se de um património não palpável que


inclui expressões e tradições, representações, práticas sociais, rituais e eventos festivos,
conhecimentos e aptidões humanas, que os indivíduos reconheçam como fazendo parte
do seu património cultural bem como os artefactos que e associados. Este é um
património que tem que ver com as emoções e a identidade dos grupos e pessoas. E
tanto assim é, que este património, para ser reconhecido como intangível da
humanidade, precisa da participação da comunidade, grupo ou os indivíduos em causa
e do seu consentimento livre, prévio e informado. Este é o critério 4 de aprovação deste
Património de um total de 5 critérios2.
Neste tipo de património, não temos um perito a verificar os critérios, mas sim as
pessoas a reconhecê-lo como património. Daí que para esta classificação se deva
consultar um representante da comunidade, o que muitas vezes torna este, um
património de contornos mais sensíveis no que toca à classificação.

Para além do que ficou dito, este é um património que deve ser transmitido de geração
em geração e que pode ser recriado pelas comunidades. E aqui a questão da
autenticidade é também uma questão de contornos sensíveis, uma vez que pela forte
ligação e pertença às pessoas, este património pode ser recriado em função do meio, da

1
Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura.
2
Ver anexo 1

2
interação com a natureza e da história das comunidades. É um património vivo
reconhecido pela comunidade que a Unesco considera ser um promotor fundamental da
diversidade cultural e criatividade humana.

Neste sentido a Dieta Mediterrânica (adiante referida como DM), com origem no
termo grego “daiata”, é inscrita, nos moldes acima mencionados, na lista representativa
do Património Cultural Imaterial da Humanidade. A Unesco considerou que a DM, dos
7 países inscritos, envolve um conjunto de ferramentas comuns, conhecimentos, rituais,
símbolos e tradições que envolvem o cultivo, a colheita, a pesca, a agricultura, bem
como processos culinários e uma forte partilha no que ao consumo da comida diz
respeito. A Unesco considerou que a efetuar refeições juntos à volta de uma mesa é o
ritual fundador da identidade cultural da DM que envolve estes povos. Um momento de
comunicação, de renovação da identidade familiar ou da comunidade, enfatizando
valores como a hospitalidade, a vizinhança e o diálogo intercultural que encerra um
modelo de vida que respeita a diversidade.
A Unesco considerou uma unidade mental, histórica e cultural transversal aos povos da
Bacia do Mediterrâneo, que permitiu que estes 7 países fossem incluídos na Lista
representativa do património Cultura Imaterial da Humanidade no que à DM diz
respeito de acordo com os 5 critérios obrigatórios3.
A Candidatura Portuguesa foi preparada por uma comissão que envolveu atores
políticos, sociais, económicos e académicos4 , sendo que frente da candidatura e
classificação Portuguesa é a cidade de Tavira, mas considera-se que a DM está presente
noutras regiões do país.

Chegados a este ponto, importa situarmo-nos na grande pergunta a que vou tentar
responder neste ensaio:
A Inserção de Portugal na Classificação Internacional da DM como Património Cultural
Imaterial da Unesco tem incrementado o turismo ou tem, potencial de incrementação?
Para responder a esta pergunta defini três objetivos:
1 - Perceber como é que os Turistas vêm de forma indutiva a Gastronomia Portuguesa.
2 - Perceber como esse saber é mediado na interação entre turistas e atores sociais
locais.
3 - E por último, perceber como o saber dos turistas e a mediação entre ele e os atores
sociais locais se relaciona aos programas políticos da gastronomia.

3
Anexo 2
4
Gabinete da Ministra da Agricultura e do Mar, Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária,
Gabinete de Planeamento e Políticas do ministério da Agricultura e do Mar, Comissão de coordenação e
desenvolvimento Regional do Algarve, Direção Regional de Agricultura e Pescas do Algarve, Direção
Geral da Saúde, Direção Geral do património Cultural, Turismo de Portugal, Comissão Nacional da
Unesco, C.M.Tavira, Instituto de Estudos de Literatura Tradicional da UNL, Fundação Portuguesa de
Cardiologia, Ordem dos Nutricionistas, Movimento Mulheres de Vermelho e Weber Shandwick –
Documentos e Eventos.

3
Saboreando Portugal – Aproximação ao Método de Pesquisa

Por forma a responder a estes objetivos, foi feito inquérito5/conversa através da


metodologia “Focus Group”, com um grupo de turistas alemães da Cidade de
Lueneburg. Esta conversa foi realizada no Restaurante “Madragoa”, situado na zona de
Santos em Lisboa.

De maneira a responder ao primeiro objetivo, no dia 26 de Maio de 2014, cheguei


ao “Madragoa”, antes de começarem a servir os jantares. Queria observar desde o início
quem passava, olhava e seguia em frente e quem entrava e como entrava.
Sentei-me numa mesa ao fundo do restaurante. À medida que o restaurante foi enchendo
pude observar que havia apenas um único casal português em todo o restaurante (que
tem um total de 25 lugares).
O “meu” grupo de turistas chegou por volta das 19h50, ainda com o restaurante bastante
vazio. Era uma família alemã, composta por pai, mãe e filha, com 59, 58 e 25 anos
respetivamente. Pararam em frente ao restaurante, espreitaram, falaram entre si e
entraram. Dirigiram-se ao dono do restaurante, que estava à entrada no balcão e que lhes
indicou uma mesa junta à entrada.
Pediram a lista e junto com ela veio uma longa conversa com o casal de donos do
restaurante. Falaram sobre o menu, (que percebi não estar traduzido em qualquer língua
estrangeira), sobre o restaurante e sobre a Alemanha. Observei uma conversa ligeira,
bem disposta, com algumas gargalhadas pelo meio. Percebi que não era a primeira vez
que o casal estava em Portugal, mas que era a primeira vez da filha e que tinham
levantado voo da Alemanha naquela manhã e chegado a Lisboa há poucas horas.
Estavam num hotel ali perto e chegaram ao restaurante de passagem por ali.
Pediram Caldeirada de Gambas para os três e vinho branco. Antes disso foi-lhes
servido um couvert de azeitonas pretas, pão e azeite com vinagre balsâmico.
Talvez, intuitivamente este grupo de turistas molhou o pão no azeite com o vinagre. O
tempo entre terminarem o couvert e a chegada da caldeirada foi muito curto e de cada
vez que um dos donos do restaurante ia à mesa observei sempre uma pequena pausa
para uma conversa e sorrisos abertos em tom bastante audível entre turistas e atores
locais (donos do restaurante).
A Caldeirada de Gambas (com Gambas, batata, tomate, pimentos, salsa e outros
elementos que os envolvidos na candidatura da DM advogam para ela) veio servida
numa Cataplana, um artefacto de cozinha muito usado no Algarve e originário de
Marrocos.
Pequenos pratos fundos foram postos à frente de cada turista. Pude observar que a
cataplana foi colocada no centro e que os turistas começaram por tirar a caldeirada para
o prato e comê-la com talheres, mas acabaram por comer as últimas gambas à mão
diretamente da Cataplana. Enquanto comiam falavam uns com os outros.
No final, devidamente identificada, perguntei aos turistas se se importavam de ter uma
pequena conversa comigo sobre gastronomia portuguesa. Prontamente responderam
que falavam comigo e apontaram-me a cadeira ao lado. Conversámos durante cerca de
45 minutos com resultados mais à frente descritos.
No final, percebi que estavam cansados da viagem e que queriam voltar ao hotel, mas
que gostaram da conversa. Pedi-lhes o contacto de e-mail para lhes devolver os
resultados da pesquisa, escreveram-mo num canto da minha folha de inquérito,
desejaram-me boa sorte para o trabalho académico, dirigiram-se aos donos do

5
Anexo 3 – Inquérito a Turistas no “Madragoa”.

4
restaurante com quem tiveram mais uma pequena conversa e abandonaram o
restaurante.

Por forma a aproximar-me do segundo objetivo, para além dos dados resultantes da
observação atrás descrita, analisei a interação dos donos deste restaurante: Cristina e
António (que são também quem serve às mesas e no caso da Cristina também
cozinheira que se reclama chef gastronómica do restaurante) com os restantes turistas
que foram chegando e que não tardaram a encher, por completo o restaurante.
Perto da 1h da manhã, ainda com o restaurante cheio de novos turistas que entretanto
formam chegando e que mesmo depois de terminarem as refeições se deixaram ficar
conversando uns com os outros (mesmo os da mesa do lado que não se conheciam) e
com os donos do restaurante, conversei eu, também, com a Cristina numa mesa do
fundo.
Os dados recolhidos encontram-se no próximo capítulo.

Por último, por forma a aproximar-me do terceiro objetivo, realizei uma conversa com
a Investigadora Joana Freitas6 e detive-me a analisar o discurso vinculado pelo site do
“Prove Portugal7”, desenvolvido pelo Turismo de Portugal no âmbito do Plano Nacional
Estratégico do Turismo 2013-2015. Neste programa a gastronomia aparece como um
dos 10 produtos estratégicos para o desenvolvimento do Turismo em Português.
De acordo com o sitio de internet de apresentação deste programa ele tem três missões,
sendo elas: “desenvolver uma gastronomia única num mundo Globalizado; afirmar
Portugal como um país destino gastronómico de eleição; construir uma imagem
convincente de que o sabor de Portugal é requintado, sofisticado e cosmopolita”8, sendo
que os produtos que este programa seleciona para promoção são: A Cozinha
Contemporânea, A Cozinha Regional, Doces com História e a DM.

Saboreando Portugal - Dinâmicas entre Turistas, atores sociais locais e programas


políticos.

Olhando para os turistas como foco primordial de atenção desta pesquisa, de todos os
comportamentos observados e da conversa que tive com o “meu” grupo de turistas da
Alemanha há resultados importantes de realçar.
A primeira pergunta que lhes fiz relacionada com a gastronomia foi para perceber o que
é que eles sabiam da gastronomia portuguesa.
Palavras e expressões como “Saborosa; peixe;marisco; alho; limão; ervas aromáticas;
saudável” saíram, sem grandes pausas, para pensar da boca destes turistas.
Interessante realçar que estas expressões poderiam ser um esboço de descrição da DM,
assim como ela é entendida e defendida pelos atores sociais nela envolvidos. A DM9 dá
considerável importância na sua pirâmide às ervas aromáticas e ao o alho, o peixe surge
em detrimento da carne e a variedade de sabores e aromas é outra das características de
definição desta dieta e quando os turistas descrevem a sua noção de comida portuguesa
como saborosa parecem estar a ir ao encontro desta ideia.

6
Investigadora que esteve envolvida na candidatura da DM Portuguesa por parte da equipa do Instituto
de Estudos de Literatura Tradicional da Universidade Nova de Lisboa.
7
Programa do Turismo de Portugal em parceria com a Academia Portuguesa de Gastronomia.
8
Disponível em: http://www.proveportugal.pt/sobre-o-programa/sobre-o-programa> Acesso em: 26-
05-2014 e 08-06-2014
9
Anexo 4

5
Por fim, quando a “mãe” deste grupo de turistas se refere à ideia de comida portuguesa
como saudável, parece estar a ir de encontro a um dos pressupostos que esteve na base
da candidatura da DM a Património Intangível da Unesco. A Fundação Portuguesa de
Cardiologia e a Ordem dos Nutricionistas são dois dos grupos sociais envolvidos nesta
candidatura, por se considerar que a DM tem efeitos benéficos para a saúde humana10.
Nos últimos 50 anos têm sido realizados trabalhos científicos que “(…)têm
acompanhado populações com consumo mais elevado de produtos vegetais, fruta, pão e
azeite e analisado o seu estado de saúde. Os resultados sugerem que este padrão diário
de alimentação está associado a maior longevidade no geral e à proteção face a doenças
(…)” (in Dieta Mediterrânica – Um Património Civilizacional Partilhado, 2013: 5)

Voltando aos dados recolhidos junto dos turistas, “Natureza; férias; sol; grelhados;
carvão; liberdade; praia; água cristalina; pescador; barco à vela; amigos; comida que
não vem da cabeça, mas do coração; pequenos restaurantes; pessoas locais; urbano”
foram outras palavras que estes turistas associaram à comida que tinham acabado de
comer e no caso do casal (que já tinha estado em Portugal mais duas vezes) a outros
pratos portugueses que tinham provado noutras viagens a Portugal.
A ideia de comida ligada a “pessoas locais”, pureza (“água cristalina”) e à natureza,
bem como a espaços ao ar livre está bem presente neste conjunto de expressões.

Não posso deixar aqui de fazer uma alusão a Levi Strauss(1964) em o “Cru e o Cozido”
- Mitologias 1”. Todos os 187 mitos desta obra fazem alusão direta ou indireta ao fogo
e por isso à cozinha enquanto símbolo do pensamento indígena, da passagem da
natureza à cultura, sendo o cru uma metáfora da natureza e o cozido uma metáfora da
cultura. As animais comem carne crua, os homens cozida. Nas representações míticas
da passagem da natureza à cultura, o que os mitos nos dizem é que houve um tempo em
que essa relação estava invertida: com o roubo do fogo os homens transformam-se em
caçadores e os animais, em caça.
Algumas das expressões dos turistas face à comida portuguesa parecem fazer uma
conexão a este retornar à natureza, com esta relação mitológica invertida. Sentir-se-ão
os turistas mais conectados com a natureza ao experimentarem, em território de
alteridade, o exotismo da comida portuguesa, ou sentir-se-ão eles mais conectados com
os turistas do filme do realizador Dennis O’Rourke “Cannibal Tours” e por isso mais
perto de uma experiência de canibalismo do exotismo, de consumo e absorção da
alteridade exótica ou indígena?

Por outro lado é de salientar a expressão que a turista mais jovem deste grupo ligou à
comida portuguesa: “Barco à vela” e outra que o seu pai referiu: “urbano”.
Estas expressões remetem-nos para uma ideia de modernismo, mais ligada à cultura e
menos à natureza como Levi Strauss as entende, mais ligada ao requinte, a uma classe
social mais elevada e, por isso, talvez mais conectadas com um dos propósitos do
programa “Prove Portugal” de associar requinte e sofisticação, bem como uma ideia
cosmopolita à gastronomia portuguesa.

10
Ancel Keys, especialista em nutrição humana, realizou estudos em diferentes países e concluiu que a
incidência de doença coronária era tanto maior, quanto o consumo de gordura. A exceção verificou-se
nos povos da Bacia do Mediterrâneo que sofriam menos de doença coronária apesar do grande
consumo de gordura. Keys concluiu que tal facto se deve ao tipo de gordura aí consumida: o Azeite –
Uma gordura insaturada mais saudável.

6
Outro conjunto de dados surgiu quando lhes foi perguntado se a gastronomia
portuguesa fosse um tipo de música o que seria? “Authentic Street Music; Jazz Music;
not to loud music”, surgiram da mente dos turistas e podem ser ligadas ora ao tão caro
conceito para os turistas de autentico, ora de novo a uma certa sofisticação.

Cores como Azul Turquesa ou Verde Água foram associadas por estes turistas à nossa
gastronomia, cores muito ligadas ao imaginário Mediterrânico, apesar de, por situação,
Portugal ser um país Atlântico.

Quanto aos melhores lugares para consumir a gastronomia portuguesa, estes turistas
referiram “Restaurante caseiro, rústico”, mas também “restaurante sofisticado ou um
lugar urbano”, bem como “ao ar livre; mar; rio; verão; sol”, o que mais uma vez vem
ao encontro de uma imagem ora “natural” ora “autentica” no sentido em que Dean
MacCannell (1976) a entende. Entrecruzando as ideias de Goffman (1959) sobre o
intercambio de encontro entre dois atores sociais, o que representa uma fachada, um
papel que se dá a ver e se dispõe ao julgamento de outro que o observa, MacCannel usa
a definição de back stage para aludir ao espaço onde os atores sociais refinam o seu
desempenho, sem o revelarem ao ator/ recetor da mensagem e de front stage para aludir
a uma representação teatral afirmando o autêntico.
Mas ao mesmo tempo os turistas referem, também, imagens ligadas a ambientes mais
sofisticados para o consumo da comida dita portuguesa.

No que diz respeito ao melhor tipo de companhia e estados de espírito para uma
refeição de comida portuguesa, estes turistas referiram “Amigos; quando estou contente,
ao fim de semana; com crianças”, ideias que reforçam a reivindicação, por parte dos
intervenientes, da DM como um estilo de vida ligado à partilha e à renovação familiar, e
embora estes turistas não tenham conhecimento da classificação da DM como
Património Intangível da Unesco, referiram que essa classificação pode trazer
benefícios para o Turismo Português.

Quando lhes perguntei se a gastronomia os faria voltar a Portugal responderam que “a


simpatia e a hospitalidade associada à comida e ao bom tempo” faria com que estes
turistas voltassem a Portugal, o que parece vir de encontro à maior reivindicação da
DM: Um estilo de vida único, de partilha à volta da mesa e convivência11. Sem saberem
os turistas estão a descrever a DM. O saber destes turistas parece, pois, já corresponder,
de certa forma, às representações públicas do programa “Prove Portugal” e da Comissão
Portuguesa para a Candidatura da DM (Joana Freitas12) a Património Intangível da
Unesco.

Atores Sociais locais e Políticas Governamentais

Entretanto, este saber dos turistas é mediado na interação entre turistas e atores
sociais locais. Importa, por isso, voltarmos ao Restaurante “Madragoa”.
Este era no início um restaurante que poucos turistas servia e ainda não tinha esplanada.
Mas desde a sua génese, o “Madragoa” é um restaurante que serve apenas comida que
advoga para si ser típica portuguesa.

11
Associação com a base da Pirâmide da Dieta Mediterrânica.
12
O rosto da Comissão da Candidatura Portuguesa da DM para este trabalho, por ter sido através dela
que recolhi as informações do que a Comissão reivindica como fazendo parte da DM.

7
Desde sempre que os donos, Cristina e António, passam grande parte do tempo a
conversar com os clientes, o que o torna um lugar amistoso e de grande hospitalidade.
Mas noite em que voltei ao “Madragoa” para entrevistar estes turistas, as diferenças são
claras.
O restaurante encheu-se de turistas, a equipa está maior (são agora os donos e dois
cozinheiros), as vestes de todo o “staff” estão com um ar mais profissionalizante.
Envergam agora fato pretos, com um corte semelhante aos que identificamos com chefs
de renome.

Foto do Staff do Restaurante Madragoa tirada a 26 de Maio de 2014

Nestes fatos o nome do restaurante aparece bordado no peito a dourado, o que dá força
ao ar de sofisticação advogado pelo “Prove Portugal”. Há várias placas penduradas nas
paredes alusivas a prémios que o restaurante recebeu (Lisboa à Prova, Concurso “A
Revolta do bacalhau13”, etc). Numa das placas identifica-se Cristina como a Chef14
gastronómica do restaurante.
A decoração não mudou muito, no balcão continuam pendurados enchidos, vinhos
portugueses e uma balança antiga, os azulejos continuam a aludir a um Páteo Típico
Lisboeta (Páteos estes de influência árabe).

Fotos do aspeto geral do restaurante Madragoa e respetivo balcão.

13
Concurso promovido por “Bacalhau Ribeiralves” e “Jerónimo Martins”
14
Por Chef entenda-se a palavra francesa que designa o profissional de gastronomia que cria os pratos
de culinária.

8
À porta do restaurante há uma placa que indica agora que o “Madragoa” está no Trip
Advisor15 e há agora uma mesa com potes de mel de uma quinta no Alentejo.
Os menus não estão traduzidos para nenhuma língua estrangeira.
Tudo neste restaurante parece gozar de uma encenação “Goffniana”16 em que o front
stage se torna fundamental para os atores sociais locais, que se dão a ver aos turistas e
esperam por eles ser apreendidos numa fachada sempre recriada. A conversa que tive
com a Cristina, onde ela me revelou que, por não arranjar emprego na área dela, nos
últimos anos resolveu investir no restaurante como única forma de vida, parece revelar
elementos interessantes desta encenação que poderíamos relacionar com o back stage de
Goffman.
Mas são as características frontstage que são dadas a conhecer e transacionadas nesta
mediação com os turistas.

O que é certo é que, quer os turistas, quer os atores sociais locais, quer através da
apreensão, quer através da encenação e desta ação combinada, estão a fazer
representações públicas dos programas políticos de promoção do turismo no que toca à
gastronomia portuguesa e à DM. Uns influenciam os outros, não sendo certo quem
começa este campo de influências. Há um campo de tensões entre Produtores,
Consumidores e Programas /Atores Políticos, campos estes que comunicam entre si e se
entrecruzam. Sabemos apenas que sem turistas não havia DM, nem Planos Estratégicos
Governamentais envolvendo programas como o “Prove Portugal”.

Saboreando Portugal – Horizontes e Futuro do Turismo Gastronómico em


Portugal – Novos Estudos e Recomendações

Assim sendo, parece ser lógico concluir que, face aos dados recolhidos junto dos
turistas, que sem saber estão a fazer descrições da representação pública da DM e do
“Prove Portugal”, bem como do lado dos atores sociais locais, que na sua encenação
estão também, e muitas vezes apenas de forma intuitiva, a corresponder à representação
pública destes dois programas, parece ser imperativo concluir que a Classificação da
DM como Património Cultural Imaterial da Unesco tem alto potencial de incrementação
do Turismo Português. No entanto ela parece ser mais importante para os atores
políticos e sociais, em suma para os Portugueses do que para os turistas.
O Património da Humanidade, sendo uma construção e não um dado adquirido, serve
também para vender catálogos turísticos, como no caso, dos turistas que querem tirar
fotos com as baianas em Salvador da Bahia. Não podemos ignorar o valor económico
do Turismo em geral e, em particular, o valor económico que esta Classificação da DM
pode trazer para o Turismo Português. Mas há que ter atenção para que este valor
económico seja atingido de forma a que o turismo se assuma como estratégia
sustentável de salvaguarda e promoção do património, respeitando as populações locais,
o visitante, o património e o ambiente, de maneira a cumprir as próprias diretrizes da
Unesco para a Salvaguarda do Património Imaterial.

15
Página de Internet que funciona com o uma rede social para viajantes com serviços que os turistas
podem consultar, comentar e recomendar.
16
Relativo a Erving Goffman

9
Em Portugal o Museu de Tavira está já a cumprir algumas destas diretrizes, como
sendo a identificação, documentação, valorização, promoção e transmissão da DM. No
entanto e, apesar de iniciativas como a Feira da Dieta Mediterrânica que vai acontecer
em Tavira em Setembro, penso que há ainda um longo caminho a percorrer no que toca
à promoção da DM, nomeadamente em regiões de Portugal, fora de Tavira, que são
igualmente abrangidas pela DM.
Creio que esta Classificação da Unesco deve, também, traduzir-se numa maior
responsabilidade do país em promover hábitos saudáveis e tradicionais junto dos
jovens.
A Universidade do Algarve está também já a cumprir a diretriz de pesquisa no que toca
à salvaguarda deste Património, por exemplo, com o trabalho da Professora Maria
Palma Mateus sobre o impacto da DM nos jovens Algarvios. Penso, no entanto, que são
necessárias mais pesquisas nesta área para que possa de forma plena constituir-se como
uma alavanca fundamental para o turismo gastronómico sustentável em Portugal e como
promoção de um estilo de vida mais saudável numa sociedade que está cada vez mais a
perder a ligação às tradições. É isto que espero conseguir fazer numa futura tese de
mestrado neste âmbito, da qual este trabalho pretende ser uma aproximação
exploratória.

10
Referências Bibliográficas:

 Decisão sobre a Candidatura da Dieta Mediterrânica Portuguesa a Património


Cultural Imaterial da Humanidade disponível em:
<http://www.unesco.org/culture/ich/index.php?lg=en&pg=665#top>

 “Dieta Mediterrânica – Um Património Partilhado”(Brochura oficial resultante


da classificação da Dieta Mediterrânica a património Cultura Imaterial da
Unesco”), 2013

 FREITAS, Joana, “Dieta Mediterrânica. Uma Herança para o Futuro” – in Revista


“Factores de Risco”, nº31, ano 9, Jan/Março 2014

 Lista da Unesco da candidatura da Dieta Mediterrânica Portuguesa a


Património Cultural Imaterial da Humanidade, disponível em:
<http://www.unesco.org/culture/ich/index.php?lg=en&pg=665#top>

 O’ROURKE, D. (1988). Cannibal Tours. Australia: 70 min.


Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=SQiDufdir_M>

 Plano Estratégico Nacional do Turismo – 2013-2015

 STRAUSS LEVI, “The Raw and the Cooked”, 1975, Harper Colophon Books, NY

 VALAGÃO, Maria Manuel, “Natureza, gastronomia e lazer”, 2005-2008, Edições


Colibri

11
Anexos:

Anexo1
Critérios para a Classificação do Património Cultural e Imaterial da Humanidade da Unesco:

R.1: O elemento constitui património Cultural Imaterial, tal como definido no artigo 2º da Convenção.
R.2: A Inscrição do elemento contribuirá para assegurar a visibilidade e a consciência da importância do
património cultural e Imaterial e promover o diálogo, assim, refletindo a diversidade cultural em todo o
mundo e testemunhar a criatividade humana.
R.3: Garantir que são elaboradas medidas de Salvaguarda que podem proteger e promover o elemento
R.4.: O elemento foi nomeado apés a mais ampla participação da comunidade, grupo ou, se for o caso,
os indivíduos em causa e com o seu consentimento livre, prévio e informado.
R.5: O elemento é incluído num inventário do património Cultural Imaterial presente no território(s) do
Estado(s) conforme definido no artigo 11º e artigo 12º da Convenção.

Artigo 2º
Considera-se património cultural imaterial, de acordo com a Convenção, «(…) as práticas,
representações, expressões, conhecimentos e aptidões – bem como os instrumentos, objectos,
artefactos e espaços culturais que lhes estão associados – que as comunidades, os grupos e, sendo
o caso, os indivíduos reconheçam como fazendo parte integrante do seu património cultural. Esse
património cultural imaterial, transmitido de geração em geração, é constantemente recriado
pelas comunidades e grupos em função do seu meio, da sua interacção com a natureza e da sua
história, incutindo-lhes um sentimento de identidade e de continuidade, contribuindo, desse
modo, para a promoção do respeito pela diversidade cultural e pela criatividade humana» (Artigo
2º).

Anexo 2
Decisão da Unesco para a inscrição da Dieta Mediterrânica na lista representativa do
Património Cultural Imaterial da Humanidade. A Unesco considerou que a candidatura
satisfaz os 5 critérios da seguinte forma:

R.1: Transmitted from generation to generation, particularly through


families, the Mediterranean diet provides a sense of belonging and
sharing and constitutes for those who live in the Mediterranean basin
a marker of identity and a space for sharing and dialogue;
R.2: Inscription of the element on the Representative List could contribute
to raising awareness of the significance of healthy and sustainable food
related practices in other parts of the world, while encouraging
intercultural dialogue, testifying to creativity and promoting respect for
cultural, environmental and biological diversity;
R.3: Safeguarding measures focus on raising awareness, transmission,
documentation, revitalization as well as legislative actions; emphasis
is placed on strengthening cooperation mechanisms between and
among the communities and States concerned;
R.4: Through several meetings, the communities concerned in seven
countries participated in the preparation of the nomination and gave
their free, prior and informed consent;
R.5: The Mediterranean diet and its local manifestations have been the
subject of research and documentation in each of the States Parties
concerned and figure into one or more inventories in each State.
3. Inscribes Mediterranean diet on the Representative List of the Intangible
Cultural Heritage of Humanity.

12
Anexo 3
Inquérito/Conversa com Turistas no Restaurante “Madragoa” em Santos, Lisboa.

Idade:
País:
1ª vez em Portugal:
Sim Não

Conhecem outros lugares/regiões de Portugal?

Já lá foram?
Sim Não

 Como conheceram este restaurante? Alguém vos falou dele? Viram nalgum Guia?

 O que sabem sobre a cozinha e a culinária Portuguesa?

 O que estão a comer?

 Descrevam-me o que estão a comer? A que sabe?

 A que cheira? Se pudessem comprar o cheiro a um perfume ou algo na natureza o que


seria? (Doce/ Frutado/ amargo/ )

 Se pudessem comparar esse prato a uma paisagem o que seria? E se esse prato fosse
um monumento?

 É mais masculino ou feminino? Infantil ou adulto?

 É o primeiro restaurante a que vêm?

 Se não, onde foram? / O que comeram?

 O que era diferente deste prato? / O que tinha de comum?

 Se tudo o que provaram em Portugal fosse uma música, que música seria?

 É uma comida boa para comer com ou sem música?

 E que cores vos sugere?

 Qual o lugar mais apropriado para comer este tipo de sabores?


Lugar Monumental
Simples e caseiro
Chique
Rústico
Sofisticado
Jovem
Moderno

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Adulto
Infantil
Contemporâneo
Hi-Tech
Cool

Ao ar livre
Mar
Rio
Campo
Serra
Verão
Inverno
Chuva
Sol
Sozinho
A dois
Com amigos
Jantar
Romântico
Jantar de
família
Jantar de
Amigos
Com
crianças
De dia
À noite
Neve
Depois de 1
dia de
trabalho
Ao fds ou dia
de folga
Férias
Qd estou
cansado
Qd estou
descontraído
Qd estou
mais
aborrecido
Qd estou
mais alegre
Com Música
Sem Música
De Dia
À noite

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 Vão falar aos vossos amigos do que aqui comeram quando chegarem ao vosso país? O
que lhes diriam?

 Eram capazes de vir a Portugal só para comer? De propósito?

 Sabiam que Portugal está com outros países (Espanha, Marrocos, Grécia, Itália, Chipre)
incluído no Património Imaterial da Humanidade (UNESCO) com a sua Dieta
Mediterrânica?

 Acham que este reconhecimento por parte da Unesco vai trazer mais turistas para
comer a Portugal?

 Faz diferença na maneira como olham agora para a nossa comida?

Entrevista Restaurante:

Recebem muitos turistas?


Média:
Frequência:

Como é que eles chegam até aqui?

O que comem mais?

Notam que eles sabem alguma coisa sobre a comida Portuguesa? Que ideias trazem?

Adaptam o vosso Menu para Turistas? Resulta? Eles gostam?

Têm livro de visitas? Posso ver?

O que dizem quando partem?

Já tiveram casos de estrangeiros que voltaram?

Como acham que eles sentem veem a nossa comida e a nossa cultura?

Sabiam que Portugal tem a sua DM como Património Imaterial da Humanidade Classificada
Pela UNESCO?

Consideram que esta candidatura pode trazer mais turistas a Portugal para comer?

Consideram que os Turistas que aqui vêm têm conhecimento desta candidatura?

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Anexo 4
Pirâmide da Dieta Mediterrânea

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