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BRASIL PRÉ-COLONIAL escambo (troca): os índios cortavam as árvores e

carregavam a madeira para a feitoria, recebendo em


troca do trabalho todo o tipo de objetos, como
01. Desinteresse espelhos, miçangas, tecidos, facas, canivetes,
machados etc.
A notícia da chegada de Cabral ao Brasil não
teve grande repercussão nos meios comerciais 03. As expedições
portugueses.
Afinal, a carta do escrivão Pero Vaz de Durante o período pré-colonial, a Coroa
Caminha não mencionara a existência de riquezas, portuguesa enviou ao Brasil expedições
isto é, não foi encontrado metais preciosos e os exploradoras. A primeira expedição exploradora
indígenas não produziam excedentes. Assim, por foi comandada por Gaspar de Lemos, em 1501.
30 anos o Brasil foi relegado a uma posição Com ele veio também o famoso navegante
secundária, sem que ocorresse a colonização Américo Vespúcio. Gaspar de Lemos fez o
(povoamento) efetiva do território. Outras duas levantamento dos principais acidentes geográficos,
grandes razões para esse desinteresse foram a atribuindo-lhes nomes de acordo com o santo
preocupação lusitana com o lucrativo comércio comemorado no dia. Constatou também a
com as Índias e a falta de mão-de-obra em existência do pau-brasil.Em 1503, o Gonçalo
Portugal, não havendo homens suficientes para Coelho liderou a segunda expedição exploradora
povoar todas as regiões descobertas. Esse período do litoral brasileiro. Mais uma vez vinha a bordo
de quase total desinteresse pelo Brasil é chamado Américo Vespúcio, que fez o reconhecimento da
de pré-colonial (1500-1530). região de Cabo Frio.
Posteriormente as costas brasileiras passaram a
02. A extração de pau-brasil serem sistematicamente visitadas por corsários
franceses. A Coroa portuguesa, então, resolveu
A economia pré-colonial centrou-se no pau- enviar expedições guarda-costeiras, sob o
brasil, madeira avermelhada existente na Mata comando de Cristóvão Jacques. As duas
Atlântica, em todo o litoral desde o Rio Grande do expedições, a de 1516 e a de 1526, no entanto,
Norte até o Rio de Janeiro. O pau-brasil era pouco puderam fazer contra os piratas estrangeiros,
conhecido na Europa desde a Idade Média, pois em virtude da grande extensão do litoral brasileiro.
dele se extraía um corante para tecidos e móveis.
A extração do pau-brasil foi declarada estanco, 04. O INÍCIO DA COLONIZAÇÃO.
isto é, monopólio real da extração: só o rei
concedia o direito de exploração. O governo A presença estrangeira no litoral brasileiro
português fazia concessões periódicas do direito de representava uma ameaça para Portugal. Diante da
exploração e comercialização a particulares, em insistente investida dos piratas, a Coroa viu-se
troca do pagamento de um quinto (20%) do valor obrigada a ocupar as novas terras, sob pena de
da madeira extraída e da defesa do território contra perdê-las para outras nações. Por outro lado, a
traficantes, especialmente franceses. O primeiro descoberta de ouro e prata na América Espanhola
arrendatário a ser beneficiado com o estanco foi atiçou a cobiça portuguesa. Além disso, o Império
Fernando de Noronha, em 1502. Português nas Índias entrava em decadência. A
O ciclo do pau-brasil não criou núcleos perda de divisas acentuava-se, pois a nobreza,
povoadores; gerou apenas algumas feitorias pouco ociosa, importava os mais variados produtos
expressivas, como a de Cabo Frio, em 1503. ingleses e franceses. Ao mesmo tempo, os judeus
Atividade meramente extrativa, a exploração do foram expulsos de Portugal, levando consigo boa
pau-brasil não fixava o homem à terra (atividade parte do capital do reino. E, para completar, os
nômade), além de apresentar um caráter banqueiros europeus exigiam o pagamento dos
predatório, responsável pela devastação de boa empréstimos concedidos ao governo português.
parte da nossa vegetação litorânea original. No Pressionado por essas circunstâncias, D. João III
final do período pré-colonial já não se encontrava resolveu levar adiante a empresa colonizadora.
com facilidade a madeira na costa brasileira, a qual A primeira expedição colonizadora chegou ao
praticamente desapareceu de nossa mata já no Brasil em 1531. Era chefiada por Martim Afonso
século passado. de Souza, composta por cinco navios, trazendo
A extração do pau-brasil propiciou o cerca de 400 homens, sementes, plantas,
estabelecimento das primeiras relações econômicas ferramentas agrícolas e animais domésticos.
entre portugueses e indígenas, fundamentadas no Nomeado capitão-mor da esquadra e das terras

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coloniais pelo rei de Portugal, Martim Afonso tinha conta deles. A coroa efetivamente não possuía
amplos poderes para descobrir novas riquezas, condições financeiras para investir no processo
combater estrangeiros, policiar, administrar e colonizador. Por essa razão, D. João III tratou de
povoar as terras brasileiras. determinar muito mais direitos do que deveres a
Martim Afonso, para melhor conhecer e quem aceitasse participar da aventura da
proteger o território sob o seu poder, organizou colonização.
expedições que penetraram no interior brasileiro Juridicamente, a ocupação das terras era
em busca também de riquezas. Além disso, dirigiu- assegurada pela carta de doação e pelo foral. A
se à foz do rio da Prata, para efetivar o domínio carta de doação, assinada pelo rei, cedia ao
luso diante da crescente presença espanhola na donatário as terras, bem como o poder
região, e acabou por aprisionar vários navios administrativo e jurídico delas. O foral determinava
piratas franceses. os direitos e deveres do donatário, que recebia as
Como colonizador, Martim Afonso iniciou a terras não como o proprietário, mas como
distribuição de sesmarias – lotes de terra – aos administrador.
novos habitantes que se dispusessem a cultivá-las, Cabia ao donatário colonizar a capitania,
além de dar início à plantação da cana-de-açúcar. fundando vilas, bem como policiar suas terras,
Foi ele o responsável pela construção do primeiro protegendo os colonos contra ataques de índios e
engenho da colônia. Fundou, em 1532, a primeira estrangeiros. Deveria ainda fazer cumprir o
vila do Brasil, São Vicente, situada no atual estado monopólio real do pau-brasil e do comércio
de São Paulo colonial e, no caso de serem encontrados metais
Logo foram nomeados os primeiros preciosos, um quinto do valor obtido seria pago à
administradores, criando-se órgãos judiciários e Coroa.
fiscais; distribuíram-se sesmarias (lotes de terra) Possuía o direito de fundar vilas, receber a
aos colonos e montou-se uma fortaleza, visando à redízima (1/10 das rendas que iriam para a Coroa)
proteção geral. Os passos iniciais da colonização e a vintena (5% sobre o valor arrecadado com o
estavam dados. No entanto, a Coroa, em precárias pau-brasil e a pesca). Além disso, poderia cobrar
condições econômicas, não conseguiu fazer esse tributos sobre as salinas, moendas e engenhos; e
processo. A saída encontrada foi transferir para escravizar índios. O donatário poderia doar
particulares os compromissos com a colonização. sesmarias a colonos, isto é, propriedades privadas
que deveriam ser ocupadas e exploradas num prazo
ADMINISTRAÇÃO COLONIAL máximo de cinco anos, sob risco de perdê-las. O
próprio donatário tinha direito a uma sesmaria
01. Capitanias Hereditárias. dentro da sua capitania, entre 10 e 16 léguas. A
capitania, no entanto, não podia ser vendida. Ela
Durante a viagem de Martim Afonso, alguns era hereditária, só podendo ser passada de pai para
núcleos de povoamento foram fundados, mas filho.
rapidamente se percebeu que estes, isolados, seriam Ao contrário do que aconteceu nas ilhas do
insuficientes para garantir a posse portuguesa. Atlântico, no Brasil as capitanias não tiveram
Tornava-se necessário estimular ainda mais o sucesso. Vários fatores contribuíram para isso: falta
processo colonizador. Não dispondo de capital de terras férteis em determinadas regiões; conflitos
suficiente para tal empreendimento, D. João III com os indígenas, que lutavam para manter suas
resolveu implantar um sistema já experimentado e terras e evitar a escravidão; falta de interesse da
que teve sucesso nas ilhas atlânticas da Madeira, maioria dos donatários; distância da metrópole; e,
Açores e Cabo Verde. Tratava-se das capitanias principalmente, falta de recursos necessários para o
hereditárias. empreendimento por parte dos pequenos nobres
Baseando-se nas informações enviadas por que receberam capitanias. A tudo isso devem ser
Martim Afonso, o governo português dividiu o acrescidos a falta de um órgão coordenador das
litoral brasileiro em 14 capitanias – capitanias, e a extensão destas, já que algumas
correspondentes a 15 lotes de terra – que foram delas tinham mais de 400 mil km quadrados.
doadas a 12 fidalgos portugueses – os capitães- Apesar de todas as dificuldades, duas
donatários, que passariam a ter o direito de capitanias apresentaram significativo progresso: a
administrar; explorar a sua capitania e poder de São Vicente (que contou com o apoio da Coroa
transferi-la como herança ao filho mais velho. portuguesa), e a de Pernambuco (que contou com o
Para estimulá-los, D. João III concedeu-lhes apoio financeiro da Holanda); em ambas houve
amplos poderes, ficando, no entanto, o desenvolvimento da economia açucareira. As
financiamento e os riscos da empresa também por demais malograram, e a Coroa começou a retomá-

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las em 1548, tendo sido a última capitania desfeita do Rio de Janeiro pelos franceses, que
em 1759. fundaram a França Antártica.
 Governo de Mem de Sá (1558-72) – Os 14
02.Os Governos Gerais anos de governo de Mem de Sá foram
marcados por fatos importantes, como a
Diante do fracasso do sistema de capitanias, a dissolução da Confederação dos Tamoios
metrópole procurou recorrer à centralização da (união de tribos inimigas dos portugueses) por
administração para coordenar a defesa contra interferência direta de Nóbrega e Anchieta e a
ataques índios e piratas e efetivar a colonização, fundação da segunda cidade brasileira, São
adotando o sistema de governos-gerais, ainda que Sebastião do Rio de Janeiro, em 1565. Estácio
se mantivesse as capitanias. de Sá, fundador da cidade e sobrinho do
Oficialmente o novo sistema administrativo foi governador, liderou a expulsão dos franceses
criado em 1548por um documento denominado do Rio de Janeiro. Formaram-se, também nessa
Regimento, no qual reafirmavam a autoridade e época, as primeiras missões jesuíticas.
soberania da Coroa sobre os dispersos poderes dos Com a morte de Mem de Sá, de 1572 a 1578 a
donatários. Pelo regimento de 1548 caberia ao colônia foi dividida entre dois governadores: D.
governador-geral, entre outras tarefas e Luís de Brito ficou com o norte, tendo Salvador
competências, combater ou fazer alianças com os como sede do governo; no sul o governo, com sede
indígenas, incluindo a concessão de terras aos no Rio de Janeiro, coube a D. Antônio de Salema.
nativos aliados, enfrentar e reprimir os corsários, Posteriormente ocorreu reunificação, sendo
fundar vilas, povoações e feiras, construir navios e designado apenas um governador, Lourenço da
fortes, garantir o monopólio real sobre a exploração Veiga.
do pau-brasil, incentivar a lavoura da cana-de- Em 1621, o Brasil foi novamente dividido,
açúcar, procurar metais preciosos pelo interior e dessa vez em dois estados: o estado do Maranhão,
defender os colonos. mais tarde chamado de Maranhão e Grão-Pará, e o
Os auxiliares diretos do governador-geral no estado do Brasil. O primeiro inicialmente com sede
Brasil, com funções um pouco parecidas com as em São Luís e posteriormente em Belém; o
dos ministros atuais, eram o provedor-mor, segundo de início sediado em Salvador e depois no
encarregado das finanças e responsável pela Rio de Janeiro.
arrecadação de tributos e pelos gastos; o capitão-
mor, responsável pela defesa e vigilância do 03.As Câmaras Municipais
litoral; e o ouvidor-mor, encarregado da aplicação
da justiça, devendo castigar e anistiar réus, A administração dos municípios cabia às
inclusive nas capitanias hereditárias. Câmaras Municipais. Era nelas que se
 Governo de Tomé de Sousa (1549-53) – concentrava o poder político do Brasil colonial até
Coube a Tomé de Sousa o primeiro governo- 1642, quando o governo português criou o
geral do Brasil. Sua sede foi estabelecida na Conselho Ultramarino, implantando no Brasil
Bahia. Junto com o governador-geral chegaram uma política centralizadora mais rígida.
colonos e seis jesuítas, chefiados pelo padre As câmaras municipais cuidavam dos
Manuel da Nóbrega. As realizações mais problemas políticos, administrativos, judiciários,
importantes do período foram a fundação da fiscais, monetários e militares ao nível local. As
primeira cidade brasileira (Salvador), a criação câmaras eram compostas por vereadores
do primeiro bispado, com D. Pero Fernandes originários e eleitos pela classe dos grandes
Sardinha, e o estabelecimento do primeiro proprietários de terras, ricos senhores, chamados de
colégio do Brasil. Nesse período houve “homens bons”. Não poderiam ser elegíveis às
também um grande incentivo à agricultura e à Câmaras Municipais “mecânicos, operários,
pecuária (trouxe gado bovino). degredados, judeus e outros pertencentes à classe
 Governo de Duarte da Costa (1553-8) – dos peões”. A presidência cabia a um juiz,
Segundo governador-geral, Duarte da Costa chamado de juiz de fora quando nomeado pela
veio também para o Brasil acompanhado de autoridade régia e de ordinário quando eleito como
jesuítas, entre os quais José de Anchieta. Este, os demais membros.
junto com Nóbrega, fundou o Colégio de São As câmaras eram autonomistas e ardentes
Paulo em 25 de janeiro de 1554, embrião da defensoras dos interesses locais contra os abusos da
atual cidade de São Paulo. No governo de autoridade metropolitana.
Duarte da Costa ocorreu, em 1555, a invasão

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As primeiras mudas de cana-de-açúcar foram
A ECONOMIA COLONIAL trazidas da ilha da Madeira para o Brasil por
AÇUCAREIRA Martim Afonso, que instalou o primeiro engenho
da colônia em São Vicente, no ano de 1553.
Inaugurava-se, assim, a base econômica sobre a
qual se assentaria a colonização portuguesa no
01. Por quê o açúcar? Brasil.
A multiplicação dos engenhos pela costa
Para viabilizar a ocupação e povoamento da brasileira foi bastante rápida, eram cerca de 400 em
colônia, a Coroa portuguesa recorreu ao cultivo da 1610. A importância econômica do açúcar como
cana-de-açúcar para sustentar sua colonização na principal riqueza colonial torna-se evidente se
América. considerarmos as seguintes estimativas: até o final
“O Brasil é um dom do açúcar.” Essa frase é do século XVIII, período do apogeu da economia
atribuída a Antonil, um jesuíta toscano, que visitou aurífera, o valor de açúcar exportado foi superior a
nossas terras no século XVI. Sua impressão não 300 milhões de libras esterlinas, enquanto a
poderia ser outra: a metrópole portuguesa parecia mineração, na mesma época, gerou um lucro de
disposta a transformar o Brasil num imenso cerca de 200 milhões. Coube à região Nordeste,
canavial. A produção açucareira tornara-se objetivo destacadamente o litoral de Pernambuco e Bahia, o
principal da Coroa portuguesa, pois o pacto papel de principal produtora de açúcar da colônia.
colonial estruturava as relações entre a colônia e a As unidades açucareiras agroexportadoras,
metrópole de maneira a canalizar todo o lucro do conhecidas como engenhos, eram grandes
açúcar para Portugal. Vejamos por que Portugal propriedades de terra, obtidas com as doações de
resolveu investir no açúcar. sesmarias pelos donatários e governos-gerais a
Levado da Ásia para a Europa por árabes e quem se interessasse pelo empreendimento. A
cristãos engajados nas Cruzadas durante a Idade produção voltava-se exclusivamente para a
Média, o açúcar era uma especiaria das mais exportação. À produção canavieira destinavam-se
valiosas no início do século XV, comercializada a as melhores terras, grandes investimentos de
preços elevados e garantindo alta lucratividade aos capital e a maioria da mão-de-obra. Podemos
mercadores. Era um produto raro e muito afirmar que, sobre o quadripé constituído pelo
procurado, fazendo parte até mesmo de dotes de latifúndio monocultor; escravista e exportador,
rainhas e princesas e constando em testamentos e assentava-se a agricultura brasileira no início da
inventários, fazendo parte de heranças. colonização de nosso território, normalmente
Havia procura no mercado europeu. A denominado plantation.
colonização só interessaria à Coroa portuguesa se
baseada num produto de ampla aceitação no
mercado consumidor europeu, e o açúcar preenchia
03. O engenho
esse requisito.
A experiência nas ilhas foi um fator importante A unidade de produção era o engenho, que se
para a decisão de se criar uma lavoura canavieira caracterizava principalmente por ser um latifúndio,
também no Brasil. Além do alto preço do açúcar e isto é, uma grande propriedade rural. Chegava, em
de um mercado em contínua ampliação na Europa, alguns casos, a abrigar cerca de 5 000 habitantes. A
Portugal dominava as técnicas de cultivo, pois vida no engenho girava em torno da casa-grande,
produzia açúcar desde o século XIV em suas ilhas senzala, capela e moenda. Na casa-grande viviam o
atlânticas. senhor de engenho, seus parentes e um bom
As condições naturais da colônia eram número de agregados, todos a ele subordinados. Os
propícias. O litoral nordestino brasileiro possuía negros escravos habitavam uma construção
clima quente e úmido, além do solo de massapê, miserável denominada senzala. Na capela
ambos muito propícios ao plantio da cana-de- centralizava-se a vida social e religiosa do
açúcar. engenho. O local onde a cana era moída e
A aliança econômica com os holandeses, que transformada em caldo recebia o nome de moenda.
interessados no refino e na redistribuição do açúcar O maquinário e as instalações necessárias à
na Europa, financiaram o empreendimento agrícola obtenção do açúcar ficavam no engenho
no Brasil. propriamente dito, composto de moenda, caldeira e
casa de purgar. Após o corte, a cana era levada para
a moenda, onde, triturada, se transformava em
02. A plantation açucareira garapa. Conduzido para a caldeira, esse suco era
cozido até engrossar, resultando no melaço. O

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melaço ia, então, para a casa de purgar, onde era urbanos dessa época. Eram feitores, capatazes,
colocado ao sol para secar, em formas de barro ou mestres-de-açúcar, padres, militares e outros
madeira, transformando-se em rapadura. funcionários públicos, além dos comerciantes e
Finalmente, esse açúcar mascavo, em forma de artesãos. Era um grupo insignificante e não
pães de açúcar, era encaixotado e levado aos navios chegava a compor uma classe média. Poderíamos
que iam para a Europa. dizer, portanto que a sociedade açucareira era
Um bom engenho tinha, no mínimo, 50 bipolarizada em senhores de engenho e escravos.
escravos, 15 juntas de bois e muita lenha; portanto Os escravos, considerados simples
necessitava de muito capital. A alimentação para as mercadorias, formavam a base econômica dessa
pessoas e os animais provinha das plantações, da sociedade bipolarizada e sem mobilidade social,
criação de animais, da caça e da pesca realizadas sendo responsável por todo o trabalho executado na
no próprio engenho. Aí montavam-se também colônia, representando, nas palavras do jesuíta
serrarias, onde era preparada a madeira para a Antonil, “as mãos e os pés do senhor”.
construção das casas, confecção de apetrechos do De modo geral, a sociedade açucareira no
engenho e para o mobiliário. Brasil era rural, bipolarizada, patriarcal,
Não era raro encontrar destilarias de aguardente aristocrática, imobilista, racista e escravista.
funcionando como subsidiárias do engenho. Eram
as engenhocas, isto é, engenhos que produziam 05. A escravidão
exclusivamente cachaça. Essa bebida tinha um
importante papel na economia, pois era elemento O engenho açucareiro exigia grande contingente
de troca no escambo de escravos. de mão-de-obra para limpar e preparar os terrenos,
plantar, colher e transportar a cana e por fim moê-
04. A sociedade açucareira la e purgá-la. Portugal não possuía excedente
populacional que pudesse suprir a colônia, e além
A sociedade desenvolvida no litoral nordestino, disso, os baixos salários não estimulavam a vinda
durante o período colonial, era essencialmente de colonos para o Brasil. A solução para se chegar
rural. Até o século XVIII, a vida econômica e a um custo baixo de produção foi a utilização do
social do Brasil se baseava na grande propriedade trabalho escravo.
rural. Os poucos e dispersos núcleos urbanos não Os primeiros escravos no Brasil, entretanto, não
passavam de um prolongamento dos latifúndios. As foram os negros, mas os índios. O colonizador
cidades eram apenas locais onde a aristocracia rural português ocupou as terras e forçou o indígena ao
mantinha casas, a fim de controlar o embarque de trabalho escravo. Muitas tribos fugiram do litoral
seus produtos e de manter uma certa tradição para o interior; outras dizimadas por resistir à
social. escravidão; milhares de indígenas morreram sob o
A aristocracia rural nas regiões açucareiras era jugo do trabalho forçado ou foram dizimados pelos
composta pelos senhores de engenho, ricos maus-tratos ou por doenças trazidas pelos
proprietários destas imensas unidades europeus. O litoral, onde os portugueses haviam se
agroexportadoras. Essa elite era geralmente estabelecido, começou a se despovoar.
formada por homens brancos, de ascendência A escravidão indígena, entretanto, era um
lusitana, que possuíam algum capital para a negócio interno da colônia. Os indígenas eram
instalação dos engenhos. A terra era doada e caçados e escravizados e a burguesia européia nada
simbolizava uma recompensa por serviços lucrava com isso. Já com o tráfico negreiro
prestados à Coroa, o que garantia prestígio social e lucravam a burguesia européia, a Coroa portuguesa
influência política. O poder dessa aristocracia ia e mesmo a Igreja Católica, que tinha uma certa
além de suas terras, expandindo-se pelas vilas, porcentagem sobre cada cativo que entrasse no
dominando as Câmaras Municipais e quase toda a Brasil. Assim, o negro substituiu o indígena como
vida colonial. mão-de-obra escrava nas áreas de grandes
A autoridade do senhor de engenho era também plantações, enquanto os índios continuaram a ser
absoluta em seu domicílio, sendo obedecido e escravizados prioritariamente nas áreas de
respeitado como chefe. Às mulheres ficava economia de subsistência e apenas ocasionalmente
reservado o papel de administradoras do lar, em engenhos.
controlando o trabalho dos escravos domésticos e Os portugueses, a princípio caçavam os negros
levando uma vida de reclusão. pelo litoral africano. Viam algumas palhoças e,
Abaixo dos proprietários, na escala social, como feras, perseguiam homens, mulheres e
encontramos pessoas livres dedicadas às atividades crianças. Os que sobreviviam eram aprisionados.
complementares no engenho e nos poucos núcleos Esse era o estágio ainda primitivo da captura de

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escravos. Como a empresa colonial exigia cada vez O africano – arrancado de sua terra, de sua
mais braços escravos, o tráfico negreiro foi cultura, e trazido para o pesado trabalho escravo-
regularmente organizado e aprimorado pelos procurou, com o tempo, formas de expressar sua
europeus. Aos poucos, os próprios africanos resistência à escravidão: desde as tentativas de
passaram a capturar seus conterrâneos para poder assassinato de feitores e senhores até fugas e,
trocá-los com os traficantes: chefes locais vendiam mesmo, suicídios e abortos. Os negros que fugiam
aos comerciantes portugueses os escravos em troca eram perseguidos pelos capitães-do-mato, e
de fumo, tecidos, cachaça, armas, jóias, vidros etc. muitos dos que não eram recapturados acabavam
Na metade do século XVI, chegaram ao Brasil organizando comunidades negras livres, chamados
as primeiras levas de escravos numericamente quilombos. Existiram mais de cem quilombos
significativas. Os principais grupos negros trazidos espalhados por toda a colônia, especialmente no
para o Brasil foram os sudaneses, originários da Nordeste, principal região econômica do Brasil,
Nigéria, Daomé e Costa do Ouro; os bantos, de onde, até o século XVIII, se concentrava o maior
Angola, Congo Moçambique; e os malês, número de escravos.
sudaneses islamizados. Calcula-se que, até o século O mais importante foco de resistência negra
XIX, não menos de 25 milhões foram capturados contra a escravidão foi o Quilombo de Palmares,
pelos brancos e deslocados para a América. Para o que se formou na serra da Barriga, em Alagoas.
Brasil dirigiram-se perto de 40% dos escravos que Nessa região de difícil acesso, desenvolveu-se uma
vieram para a América. comunidade auto-suficiente que produzia milho,
Da África, os escravos eram conduzidos para o mandioca, banana, cana-de-açúcar e que, durante
Brasil em navios negreiros chamados tumbeiros, um certo período, chegou a comercializar seus
em cujos porões eram amontoados, ficando sujeitos excedentes com as regiões vizinhas.
a condições tão insalubres que a taxa média de Palmares estabeleceu-se ao longo do século
mortalidade era estimada em 20%. Nesses navios XVII, chegando a abrigar mais de 20 mil negros
não havia espaço, nem água ou alimento, suficiente fugidos dos engenhos, dispersos durante a invasão
para os negros. A “mercadoria” transportada não holandesa. O quilombo era dividido em aldeias
podia deixar o porão para tomar sol, pois a menores e liderado pelos mais destacados
tripulação temia rebeliões a bordo. A viagem entre guerreiros. Sobrevivendo por mais de 60 anos,
África e Brasil durava entre 35 e 120 dias. Palmares conseguiu derrotar diversas expedições
Os sobreviventes eram desembarcados nos militares organizadas pelos holandeses, pela Coroa
principais portos da colônia, como Salvador, Recife portuguesa e pelos fazendeiros. Para os senhores de
e Rio de Janeiro. Chegando aos portos brasileiros, engenho, Palmares constituiu uma ameaça, um
os negros eram examinados como gado e vendidos exemplo perigoso, pois o seu sucesso estimulava o
em leilões públicos ou através de comércio desejo de liberdade e a formação de outros
privado. Tornavam-se escravos, mercadoria, sem quilombos.
personalidade jurídica. O preço variava segundo a Em 1694, depois de um longo cerco, o paulista
maior ou menor oferta e o estado físico dos Domingos Jorge Velho, a serviço dos senhores de
escravos. Escravos jovens, fortes, com boa saúde, engenho, invadiu e destruiu Palmares. Muitos de
bons dentes, dóceis eram mais valorizados. seus habitantes conseguiram fugir e se
Praticamente toda a riqueza produzida na reorganizaram, sob o comando de Zumbi,
colônia era fruto do trabalho escravo. A maioria continuando a luta contra os brancos. Em 20 de
deles trabalhava de sol a sol na lavoura e na novembro de 1695, Zumbi, o mais famoso líder da
produção de açúcar sob a vigilância atenta de um luta pela liberdade dos escravos, foi preso, morto e
feitor e debaixo de constantes castigos físicos. esquartejado, sendo sua cabeça exposta numa praça
Outros realizavam serviços domésticos na casa- de Recife para atemorizar as possíveis rebeliões.
grande, como cozinheiras, arrumadeiras, amas de
crianças, moleques de recados, cocheiros etc. 06. As atividades complementares
Dentre os castigos mais comuns a que estavam
sujeitos os escravos estava o açoite com o Em torno da produção açucareira, organizavam-
“bacalhau” (chicote de couro cru) e a prisão no se atividades econômicas paralelas, necessárias à
“viramundo” (algemas de ferro que prendiam mãos subsistência das populações. O alimento básico dos
e pés). Também não era muito raro a prática brasileiros no século XVI era a mandioca. Nos
hedionda de cortar orelhas e narizes e marcar com locais onde a concentração populacional era maior,
ferro em brasa o corpo e o rosto de escravos sob o notava-se a carência desse produto, pois os
pretexto de castigá-los. A vida útil de um escravo senhores de engenho preferiam aumentar a área
durava entre sete a dez anos em média. reservada para o plantio da cana-de-açúcar. Por

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essa razão, a Coroa portuguesa chegou a decretar A disputa foi decidida por tropas da Espanha
leis obrigando os donos de engenho a reservar que invadiram Portugal e, em agosto de 1580,
áreas maiores para o cultivo de mandioca e outros na Batalha de Alcântara, obtiveram a vitória.
gêneros alimentícios. Essas leis, porém, nem Felipe II torna-se, assim, rei de Espanha e
sempre foram postas em prática. Portugal ao mesmo tempo. Os dois países
A pecuária – O gado, além de constituir fonte ibéricos ficam unidos, de 1580 a 1640 (União
de alimento, era indispensável como animal de Ibérica), ano em que Portugal expulsa os
tração na moenda e no transporte das caixas até os espanhóis e torna-se novamente independente
portos. (Restauração). Durante a União Ibérica, o
O tabaco – Ocupava o segundo lugar na lista de Brasil foi governado pelo rei da Espanha, já
produtos exportados pela colônia. Assim como a que esse era o rei de Portugal. Visto que a
aguardente, o tabaco era utilizado no escambo de Espanha estava envolvida em guerras com a
escravos africanos. Seu cultivo era feito em áreas Holanda, Inglaterra e França, tal situação
específicas do litoral da Bahia e de Alagoas. repercutiu no Brasil que, por isso, passou a
O algodão – Com um papel secundário na sofrer vários ataques das nações inimigas dos
economia colonial do século XVI, o cultivo de espanhóis.
algodão fornecia apenas matéria-prima para a
confecção de roupas para os escravos. Sua 02. As invasões inglesas
produção centralizava-se na capitania de Itamaracá
e a exportação era mínima. Na segunda metade do A pirataria e o corso faziam parte da estrutura
século XVIII, porém, com a Revolução Industrial, comercial da Idade Moderna. Piratas e corsários era
a procura do algodão aumentou, transformando-o proprietários de uma empresa comercial e
em importante produto de exportação. associados a outros burgueses e armadores que
financiavam a esquadra e as viagens. Muitas vezes,
INVASÕES ESTRANGEIRAS piratas e corsários eram incentivados pela Coroa de
seu país, ou se tornavam até parceiros dela. O
01. Introdução objetivo dessa empresa comercial era o ataque aos
navios de outras nações para saqueá-los, roubando
A consolidação do domínio português sobre o escravos, açúcar, ouro, prata etc. O Estado
Brasil foi inúmeras vezes ameaçada por países absolutista inglês incentivava e financiava os
europeus desde a chegada de Cabral. A corsários que atacavam navios de seus inimigos, e
centralização administrativa, simbolizada pelos ainda os utilizava na guerra marítima contra
governos-gerais, e a implantação bem-sucedida da potências rivais.
empresa canavieira não conseguiram afastar as Quando Portugal foi dominado pelos espanhóis,
incursões estrangeiras que, ao contrário, corsários da Inglaterra atacaram portos brasileiros.
aumentaram nos séculos XVI e XVII. Mas afinal, Fenton (1583) e Withrington (1587) tentaram sem
por quê franceses, ingleses e holandeses invadiam sucesso atacar o porto de Santos. Em 1591 foi a
o território brasileiro? vez de Cavendish que, na noite de Natal, pegou de
 Em primeiro lugar, devido ao fato de que o surpresa a população de Santos e saqueou a cidade
“Tratado de Tordesilhas” assinado em 1494 de Santos. No ano seguinte, ele tentou atacar o
dividia o mundo entre Portugal e Espanha, litoral do Espírito Santo, mas fracassou. Em 1595,
marginalizando outras nações, que reagiram Lancaster saqueou Recife, levando um valioso
contra essa situação, invadindo nosso território. carregamento de açúcar. Portanto, os ataques
 Além disso, a descoberta do ouro no México e ingleses se limitaram a assaltos de corsários e
Peru desenvolveu a cobiça dessas nações, piratas.
levando-as a invadir nossas terras em busca do
rico metal precioso. 03. As invasões francesas.
 Sempre que se guerreava na Europa, o Brasil
sofria as conseqüências e várias vezes fomos Os franceses recusavam-se a reconhecer a
invadidos por esse motivo. validade do Tratado de Tordesilhas e inicialmente
 Por último, devido à União Ibérica. Em 1580, se dedicaram ao contrabando e à pirataria no
com a morte de D. Henrique, rei de Portugal, o mundo colonial espanhol e português. Logo depois
país entra numa violenta luta pelo poder, pois da chegada de Cabral ao Brasil, navios franceses
eram dois candidatos ao trono: D. Antônio e o eram presença constante na costa brasileira,
rei da Espanha, Filipe II que, por parte de mãe, fazendo contrabando do pau-brasil através do
era neto de D. Manuel (antigo rei de Portugal). escambo com os índios.
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Os calvinistas franceses, denominados Desde a Baixa Idade, a região dos Países Baixos
huguenotes, passaram a ser perseguidos em seu vivia um grande desenvolvimento comercial e, no
país por questões religiosas. Liderados por Nicolau início da Idade Moderna, adotou o protestantismo
Durand de Villegaignon e com o auxílio do calvinista como religião, o que impulsionou ainda
almirante Coligny, os franceses invadiram e mais suas atividades econômicas. A região incluía
conquistaram a região do Rio de Janeiro, em 1555, a Holanda e a Bélgica e pertencia, nessa época, ao
aí fundando a França Antártica. Pretendiam Império espanhol. Em 1581, o norte proclamou sua
fundar uma colônia de exploração econômica e, ao independência, formando a República das
mesmo tempo, fugir das guerras religiosas que Províncias Unidas, com sede em Amsterdã. Os
assolavam a França. Países Baixos tornaram-se, assim, inimigos da
As dificuldades materiais e o inimigo comum Espanha, pois tentavam libertar toda a região de
aproximaram os franceses e os índios, que se seu domínio. Com a implantação do domínio
agruparam, constituindo a chamada Confederação espanhol sobre Portugal, desde 1580, a inimizade
dos Tamoios. Os portugueses reagiram, sob as holandesa estendeu-se também ao Império luso. O
ordens do governador-geral Duarte da Costa, que, rei da Espanha, Filipe II, proibiu o comércio entre a
no entanto, não obteve êxito. Foi substituído por Holanda e suas colônias, o que incluía o embargo à
Mem de Sá, que procurou o apoio dos jesuítas e participação flamenga no empreendimento
dos colonos e pediu reforços a Portugal. açucareiro do Brasil.
Em 1563 foi enviada ao Brasil uma expedição Em resposta, os holandeses fundaram, em 1602,
comandada por Estácio de Sá, sobrinho do a Companhia das Índias Orientais, destinada a
governador. Os jesuítas Nóbrega e Anchieta manter suas tradicionais relações comerciais com
conseguiram um acordo com os tamoios os domínios ibéricos na África e Ásia. Em 1621 os
(Armistício de Iperoig). Apesar da morte de holandeses fundaram a Companhia das Índias
Estácio de Sá, os portugueses conseguiram Ocidentais, empresa destinada a garantir o
expulsar os franceses em 1567, colocando fim à controle sobre o comércio do açúcar brasileiro, e,
França Antártica. ao mesmo tempo, tentar se apossar dos domínios
O fracasso no Rio de Janeiro levou-os, então, a ibéricos na costa americana. A Companhia era
intensificar sua presença no litoral Norte e formada por capitalistas holandeses, judeus e
Nordeste brasileiro, em regiões que, atualmente, outros. Foi ela que determinou as duas invasões
correspondem aos estados da Paraíba, Rio Grande holandesas no Brasil. Por isso, pode-se afirmar que
do Norte, Ceará e Pará. Contando frequentemente tiveram um caráter exclusivamente mercantil as
com a ajuda dos nativos, obrigaram Portugal a invasões holandesas ao nordeste brasileiro.
organizar diversas expedições militares para a sua
expulsão. 4.2 Os holandeses na Bahia (1624-1625)
Em 1612, os franceses tentaram novamente
organizar uma colônia no Brasil, chamada de Comandados pelo almirante Jacob Willekens, os
França Equinocial, e enviaram para a área do holandeses invadiram a Bahia, sede do governo
Maranhão uma expedição chefiada por Daniel de geral do Brasil. Passados os primeiros momentos
La Touche, a qual fundou o forte de São Luís. Por da conquista , a gente da terra começou a organizar
aí pretendiam entrar no rico Vice-reino espanhol do a resistência, chefiada pelo bispo D. Marcos
Peru. Tal tentativa também redundou em fracasso, Teixeira. Como conheciam bem o interior, os
pois as autoridades portuguesas organizaram baianos travaram uma luta de guerrilhas contra os
expedições militares para expulsá-los, comandadas invasores, obrigando-os a permanecer ilhados em
por Jerônimo de Albuquerque e Alexandre Moura. Salvador.
No século seguinte, em 1710 e 1711, os Enquanto isso, o governo espanhol preparava
franceses tentaram estabelecer-se no Rio de forças que mandaria para a Bahia, a fim de
Janeiro, sendo mais uma vez derrotados, e, a partir expulsar o invasor. Em 1625 chegou ao Brasil a
de então, reorientaram suas investidas para o esquadra comandada por D. Fradique Toledo de
extremo norte do Brasil, onde se apossaram da Osório que, com o auxílio dos brasileiros, expulsou
Guiana Francesa. os holandeses
Dois anos depois, contudo, já recuperados dos
04. As invasões holandesas. reveses, os holandeses voltaram a atacar a Bahia,
saqueando um carregamento de açúcar, fumo e
4.1 Causas outros produtos.

4.3 Holandeses em Pernambuco (1630-1654)

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1) A invasão foram calçadas, pântanos drenados, canais e pontes
sobre o delta dos rios Capibaribe e Beberibe
A perda sofrida pela Companhia das Índias construídos, assim como um observatório
Ocidentais, com o fracasso da invasão da Bahia, foi astronômico, um zoológico, teatros e palácios.
compensada quando o almirante holandês Piet Recife passou a chamar-se Mauritzstadt, ou Cidade
Heyn aprisionou uma esquadra espanhola Maurícia, em homenagem os governador holandês.
carregada de prata, que viajava do México para a Ainda sob o governo de Maurício de Nassau
Espanha. O enorme lucro conseguido com esse foram realizados estudos e registros sobre a flora e
aprisionamento foi utilizado para financiar uma fauna tropicais, para os quais foram convidados
nova expedição ao Brasil. Os holandeses cientistas e artistas europeus, que permaneceram
organizaram em 1630 a invasão de Pernambuco, alguns anos na colônia.
principal centro açucareiro do Brasil. Eram 67 Até mesmo no aspecto religioso, o Brasil sofreu
navios, 1170 canhões e 7000 homens. a influência dos holandeses, com a implantação da
Desembarcaram na praia do Pau-Amarelo e liberdade de credo. O objetivo dessa medida era
avançaram para Recife e Olinda. evitar possíveis atritos com os luso-brasileiros. A
Para evitar a fixação dos invasores, a população liberdade religiosa, garantida pelo domínio
pernambucana recuou para o interior da capitania, holandês calvinista, estendeu-se também aos judeus
onde formou núcleos de resistência, destacando-se e a todos os católicos, só não atingindo os jesuítas,
o Arraial do Bom Jesus. No início, a tática de pois representavam a principal força papal cristã na
guerrilhas – incursões que surpreendem o inimigo luta contra o protestantismo.
-, conseguiu impedir que os holandeses Finalmente, no âmbito administrativo, Nassau
avançassem para além da faixa litorânea. criou as chamadas Câmaras dos Escabinos,
A partir de 1632, porém, graças à ajuda de órgãos municipais que, seguindo o costume
Domingos Fernandes Calabar, bom conhecedor da holandês, foram abertos à participação dos
região e que optou por servir aos holandeses contra senhores de engenho.
a dominação portuguesa, os invasores obtiveram Em 1640, enquanto Nassau governava o
vitórias sobre a resistência lusa, conquistaram Nordeste holandês, Portugal restaurava sua
pontos importantes do interior pernambucano, autonomia frente à Espanha, contando para isso
destruindo inclusive o Arraial do Bom Jesus com o apoio econômico e militar da Holanda e da
(1635). Os holandeses estabeleceram sua Inglaterra. O novo rei de Portugal pós-Restauração
dominação sobre uma região que abrangia desde o foi D. João IV, da dinastia de Bragança.
litoral do estado do Maranhão até Sergipe. Diante da resistência espanhola à separação das
Posteriormente, Calabar foi preso pelos Coroas Ibéricas e ameaçado pela continuação da
portugueses e executado. Calabar não foi o único a guerra, Portugal buscou reforçar suas alianças na
colaborar. Nas regiões ocupadas, muitos senhores Europa, assinando em 1641 a Trégua de Dez Anos
de engenho faziam acordos com os dominadores. com a Holanda. Dessa forma, os holandeses ainda
Os holandeses, por sua vez, garantiam as mantiveram o domínio sobre o Nordeste brasileiro.
propriedades dos que colaboravam e davam amplos
créditos para a reconstrução dos engenhos. 3) A Insurreição Pernambucana (1645-54)

2) Administração nassoviana (1637-1644) Devido aos elevados custos das continuadas


guerras na Europa, a Companhia das Índias
Em 1637 chega em Recife um novo governante Ocidentais adotou uma política financeira cada vez
holandês: o conde Maurício de Nassau. Este, mais rigorosa para a região nordestina, impondo
preocupado em normalizar a produção açucareira, crescentes restrições aos gastos, bem como a
conseguiu a colaboração de muitos senhores de cobrança dos empréstimos feitos aos senhores de
engenho, para quem foi adotada uma política de engenhos. Nassau manifestou claro
concessão de empréstimos que permitiu o aumento descontentamento com a nova política e acabou
da produtividade. Além disso, graças à conquista sendo destituído do cargo, regressando à Holanda
das praças fornecedoras de escravos de Angola e em 1644.
São Tomé, a Holanda normalizou e ampliou o Os juros dos empréstimos elevaram-se
abastecimento de cativos para a região de consideravelmente, levando muitos senhores de
Pernambuco. engenho à falência, a situação se tornava cada vez
Nassau destacou-se ainda por suas realizações mais tensa, dada a intensificação da cobrança das
urbanísticas e culturais, saneando e modernizando dívidas contraídas junto aos comerciantes
a cidade de Recife, a qual se converteu num centro holandeses na época de Nassau, a execução
urbano repleto de obras arquitetônicas. Muitas ruas rigorosa das hipotecas resultou na perda de
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inúmeras propriedades. Essa situação transformou veio após a batalha da Campina do Taborda.
antigos colaboradores do domínio holandês em Contudo, os holandeses continuaram reivindicando
ferrenhos adversários. Dá-se assim a ruptura entre seus direitos sobre os domínios coloniais
os senhores de engenho e a Companhia das Índias portugueses no Nordeste. Graças, porém, à aliança
Ocidentais. entre Portugal e Inglaterra, esta última detentora de
As relações entre holandeses e a população poderosa esquadra, os holandeses foram obrigados
colonial se deterioraram rapidamente. Como a a concordar com a Paz de Haia, assinada em 1661,
resistência ao domínio holandês nunca reconhecendo os domínios coloniais lusos em troca
desaparecera por completo, esse novo quadro de uma indenização de quatro milhões de cruzados.
impulsionou a retomada do confronto com a Os vínculos entre portugueses e ingleses
Companhia das Índias Ocidentais. A luta foi estreitavam-se progressivamente, reforçando a
reacendida no Maranhão, quando em 1644, os dependência de Portugal com a Inglaterra.
holandeses foram expulsos de São Luís. Aos
poucos a insurreição foi se alastrando por todo o 4.4 Conseqüências da expulsão holandesa
Nordeste brasileiro, atingindo Pernambuco em
1645. Em breve, eclodiu o movimento que A expulsão definitiva dos holandeses do
determinou a expulsão dos invasores da região, a Nordeste brasileiro, em contrapartida, levou a
chamada Insurreição Pernambucana. economia colonial açucareira a uma séria crise. Os
Durante certo tempo, a luta dos colonos contra holandeses puderam implantar a empresa
os holandeses não contou com a ajuda de Portugal, açucareira em seus domínios nas Antilhas, já que
já que, então, vigorava a Trégua dos Dez Anos. O eles haviam aprendido profundamente as técnicas
movimento assumiu, nesse momento, um caráter de cultivo e produção do açúcar. A produção
tipicamente nativista, com interesses coloniais holandesa passou a concorrer vantajosamente com
próprios e em desacordo com a política oficial lusa. o açúcar brasileiro, já que eles eram senhores dos
Os grandes senhores de engenho passaram a capitais, dos meios de transporte e das redes de
colaborar com as forças populares, o que fortaleceu redistribuição, bem como das técnicas de refino. A
o movimento. Dentre os líderes da luta pela economia colonial enfrentava, assim, sua primeira
expulsão dos holandeses, destacam-se os nomes do crise, levando o Nordeste à decadência e perda de
negro Henrique Dias, que comandava um batalhão sua supremacia econômica no Brasil.
de africanos, Felipe Camarão, conhecido por índio
Poty, comandando tropas indígenas catequizadas, e
o senhor de engenho João Fernando Vieira. A EXPANSÃO TERRITORIAL
A tática de guerrilhas e de emboscadas
sucessivas enfraqueceram, pouco a pouco, o
poderio holandês e, à medida que as vitórias dos
01. Introdução
colonos ocorriam, Portugal passava a auxiliar os
A ocupação do território brasileiro foi um dos
rebeldes, enviando reforços. Em 1646, os
maiores problemas para a Coroa portuguesa. Como
holandeses foram derrotados na batalha do monte
já vimos, a colonização enfrentou muitos
das Tabocas e, em 1648 e 1649, nas duas batalhas
obstáculos: a falta de recursos e de pessoal,
de Guararapes. Nessa época, o apoio português aos
condições naturais nem sempre favoráveis (clima
colonos era quase total.
diferente do europeu, vegetação difícil de penetrar,
Na Europa, por outro lado, a Holanda
a serra do Mar interpondo-se como barreira à
enfraquecia-se ainda mais ao ter de enfrentar a
entrada para o interior na região meridional etc.),
Inglaterra, que se transformara na sua principal
ataques de indígenas e outros. Essas condições
concorrente no comércio internacional. A
tornaram muito lenta a colonização do litoral e
rivalidade se intensificou quando o governo inglês
dificultaram bastante o povoamento do interior.
de Oliver Cromwell decretou, em 1650, os Atos de
Basta lembrar que São Paulo, situada a apenas 60
Navegação, medida que protegia os mercadores
quilômetros do mar pelos caminhos da época, foi a
ingleses e suprimia a forte participação holandesa
povoação mais recuada para o interior até fins do
no comércio inglês. Em 1652, teve início a guerra
século XVI. Outro fator que influenciou na demora
entre Holanda e Inglaterra (1652-54), o que
da ocupação do interior foi a dificuldade de
favoreceu uma maior aproximação inglesa e
comunicação com Portugal. Afastados do litoral, os
portuguesa e um significativo desgaste holandês
colonos ficavam isolados da matrópole, impedidos
com sua derrota militar.
portanto de receber suprimentos e auxílio.
O desgaste holandês na Europa favoreceu as
forças luso-pernambucanas que, em 1654, puseram
fim à dominação sobre o Brasil. A vitória definitiva
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O desbravamento e a ocupação do interior do produtos da metrópole, o que impossibilitava o
Brasil na época colonial foram resultado de vários enriquecimento dos colonos.
fatores:  A necessidade que tinham os engenhos do
 Das iniciativas do governo português, que Nordeste de grande número de escravos para o
organizava expedições de reconhecimento e trabalho na lavoura de cana. Os paulistas
pesquisa de riquezas minerais, dava combate partiam para o interior em busca de indígenas
aos índios e aos estrangeiros e estabelecia que eram vendidos para trabalhar como
fortificações militares; escravos na agroindústria açucareira
 Da atuação dos bandeirantes, que percorreram nordestina. Isso aconteceu principalmente
todo o interior do território brasileiro, durante as primeiras décadas do século XVII,
ultrapassando a linha de Tordesilhas para caçar quando o fluxo de escravos para a América foi
índios, descobrir ouro ou trabalhar como desorganizado pelos holandeses.
“braço armado” da metrópole na luta contra  A procura de riquezas minerais: ouro, prata e
índios e escravos insubmissos. pedras preciosas.
 Dos missionários católicos, que levaram a fé  A necessidade de defesa do governo da colônia
cristã às tribos do sertão mais distante; que, por mais de uma vez, solicitou a ajuda de
 Da expansão dos rebanhos, principalmente no bandeirantes paulistas para enfrentar inimigos
sertão do nordeste e nos campos do sul; estrangeiros. O governo também solicitou o
 Da atividade extrativa das drogas-do-sertão na auxílio dos bandeirantes para resolver
Amazônia. problemas internos, como dominar índios
Todas essas atividades resultaram na criação de bravios ou combater revoltas de escravos.
núcleos de núcleos de povoamento e na abertura de
caminhos para o interior. Mesmo assim, os núcleos a) O bandeirismo apresador
urbanos mais significativos se desenvolveram
apenas nas áreas de mineração. Às vésperas da As primeiras bandeiras paulistas, realizadas
independência, a maior parte da população ainda no século XVI, seguiam para o sertão à
brasileira e as cidades mais importantes procura de ouro e pedras preciosas, ou tiveram a
encontravam-se perto do litoral. Essa situação característica de expedições armadas contra os
perdurou até o século XX, quando vem se índios que, resistindo à ocupação de suas terras
completando a "colonização” do interior do pelos colonos, ameaçavam a sobrevivência da vila
território brasileiro. de São Paulo. Nos fins do século XVI, os índios
deixaram de ser ameaça à integridade do núcleo
02. Entradas e Bandeiras. paulistano, pois seus habitantes conseguiram
destruir o poderio das tribos vizinhas. Inúmeras
As entradas e as bandeiras foram expedições outras bandeiras, a partir de então, seguiram para o
que percorreram o interior do Brasil a partir do interior. O objetivo principal dessas incursões era a
século XVI, com o intuito de procurar as riquezas busca de índios para o trabalho escravo.
minerais não encontradas no litoral e aprisionar
índios para trabalharem como escravos. Não b) O sertanismo de contrato
existiram diferenças muito grandes entre as
entradas e bandeiras. Sabemos que as entradas Durante a segunda metade do século XVII,
eram, geralmente, organizadas pelo governo, e as inúmeras bandeiras partiram de São Paulo em
bandeiras, por particulares. direção ao Nordeste, a pedido dos governadores-
O principal centro de partida das bandeiras foi a gerais. Os bandeirantes eram contratados para
vila de São Paulo. O bandeirismo explorou a maior combater indígenas cuja resistência ameaçava os
parte do território brasileiro, atingindo ainda terras núcleos de colonização da época e perseguir,
de alguns países que hoje fazem limite com o combater e aprisionar os escravos negros fugitivos.
Brasil. O bandeirismo surgiu como resultado de
diversos fatores: c) O bandeirismo de prospecção
 A falta de recursos da vila de São Paulo, nos
primeiros tempos de sua história, obrigava seus As principais jazidas de ouro em Minas Gerais
habitantes a penetrarem no sertão. Isso porque foram descobertas ainda no século XVII,
a serra do Mar dificultava o transporte dos provavelmente em 1693. No fim do século XVII e
produtos coloniais para o litoral, impedindo sua início do século XVIII, ocorreram inúmeros
exportação. Conseqüentemente, a população se descobrimentos auríferos da região mineira.
via privada dos meios de troca para importar
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A descoberta de ouro atraiu para a região portugueses e de expansão do catolicismo eram
mineira um número elevado de aventureiros de convergentes desde a formação de Portugal, pois a
todo o Brasil, e até mesmo da Europa, e foi conquista de terras aos infiéis representava ao
responsável pelo surgimento de muitas cidades mesmo tempo riqueza, poder e influência para a
afastadas do litoral. Coroa e para a Igreja. Foi sob estímulo desse ideal
Por volta de 1725, ocorreram os primeiros cruzadístico que teve início a catequização dos
achados de diamantes, no Arraial do Tijuco, hoje gentios.
Diamantina. No século XVIII, também foram Para trabalhar com os nativos e os colonos
encontradas novas jazidas de ouro, desta vez em estiveram presentes no Brasil membros de várias
Mato Grosso. Posteriormente foi encontrado ouro congregações religiosas, destacando-se os jesuítas
no interior de Goiás. que, privilegiados na corte portuguesa, acabaram
Assim que a notícia das descobertas de ouro se por assumir papel de liderança no processo de
espalhou, milhares de pessoas dirigiram-se para catequese.
aquelas áreas do interior do Brasil, cujo acesso era Fundada por Inácio de Loyola, no contexto da
dificílimo. De São Paulo a Cuiabá, era preciso Contra-Reforma, a Companhia de Jesus buscou a
percorrer cerca de 3 000 quilômetros. As monções, conversão das populações americanas com o
como eram chamadas as expedições fluviais que se objetivo de ampliar a fé católica, abalada pela
dirigiam a Cuiabá, seguiam um roteiro que exigia pregação reformista de Lutero e de seus seguidores.
no mínimo cinco meses de viagem. Fundaram colégios e missões, onde ministravam o
ensino e a catequese.
d) A decadência do bandeirismo Os jesuítas foram os grandes promotores da
catequização dos índios. Os nativos eram
O bandeirismo de caça ao índio começou a organizados em missões ou reduções, comunidades
decair na metade do século XVII, devido ao em que viviam índios e padres e onde, além do
restabelecimento do tráfico negreiro, após a idioma português e de noções da religião católica,
expulsão dos holandeses; e ao declínio da aprendiam agricultura, artesanato, pastoreio, sendo
economia açucareira em função da concorrência enfim integrados à cultura européia e à economia
antilhana. colonial. Na tentativa de protegê-los da
Até o primeiro quartel do século XVIII, as escravização, os jesuítas tinham sérios atritos com
bandeiras que saíam em busca de riquezas minerais os colonos que, desejosos de explorar esta mão-de-
foram bem-sucedidas. Estas expedições tiveram obra, em muitos casos, passaram a ver estes padres
características diferentes das bandeiras de caça ao como empecilhos.
índio, pois contribuíram para o povoamento do As missões jesuíticas foram organizadas de
interior, enquanto aquelas foram responsáveis pelo maneira a produzir bens que eram administrados
despovoamento da região. pelos religiosos. O índio, que antes era visto como
A partir do momento em que eram descobertas obstáculo à colonização, passou, por intermédio da
as lavras, as bandeiras que procuravam riquezas orientação dos jesuítas, a produzir, sendo integrado
minerais desapareciam. Nessa ocasião os ao esforço colonizador. Percebemos então que a
bandeirantes fixavam-se na região das minas, catequese foi um valioso auxílio para que a Coroa
abandonando a vida nômade que levavam no portuguesa atingisse seus objetivos de expansão e
sertão. colonização.
Citamos como destaques no trabalho de
e) Resultados do bandeirismo. catequese o padre Manuel da Nóbrega, primeiro
líder jesuíta no Brasil e organizador do trabalho de
As principais consequências do bandeirismo catequese, e também José de Anchieta, que tendo
foram: o povoamento de vários pontos do interior passado a maior parte de sua vida no Brasil,
do Brasil; a ampliação das fronteiras da colônia destacou-se pelo caráter carismático.
além da linha estabelecida pelo Tratado de Devemos ainda lembrar que,
Tordesilhas; o desenvolvimento da mineração no independentemente da intenção do catequista, o
interior do Brasil. nativo, ao aceitar os valores culturais e religiosos
do colonizador, passou por um processo de
03. As missões jesuíticas desagregação de sua identidade e de seus valores,
sofrendo um verdadeiro desmantelamento de seu
A atuação da Igreja Católica no processo de universo cultural – etnocídio -, o que facilitou
colonização do Brasil foi de importância sobremaneira a dominação européia.
considerável. Os ideais de conquista dos Reunidos nas missões e “amansados” pela
catequese, muitos índios foram presa fácil para os
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bandeirantes, que destruíam as comunidades produção do açúcar. Depois de instalada, a fazenda
jesuíticas, notadamente na região Sul do país, requeria um número reduzido de vaqueiros para
assassinavam os que opunham resistência, mantê-la. No geral, o vaqueiro nordestino era
capturando os demais para a escravidão. As homem livre, índio, mulato ou negro liberto,
missões eram consideradas “viveiros de índios” remunerado com uma porcentagem das crias. A
pelos bandeirantes. pecuária gerou uma sociedade de características
Tendo defendido os indígenas da escravidão, os mais democráticas que a açucareira, uma vez que
jesuítas colaboraram indiretamente com os os vaqueiros tinham mais proximidade com o
interesses mercantis metropolitanos, na medida em patrão, além da possibilidade de algum dia se
que estimularam o uso de escravos negros, desligarem e criarem sua própria fazendinha de
incentivando assim o altamente lucrativo tráfico gado.
negreiro. Apesar disso, em meados do século A expansão da pecuária pelo sertão fez surgirem
XVIII, foram expulsos do Brasil pelo Marquês de povoados e feiras, que mais tarde deram origem a
Pombal, sob a acusação de que pretendiam fundar cidades: Feira de Santana, Itabaiana, Oeiras etc.
aqui um império teocrático (religioso).
b) A pecuária no sul.
04. A pecuária
Grandes rebanhos se espalharam pela região
Não se pode dizer propriamente que tenha meridional da colônia, favorecidos pelo clima
havido um “ciclo do gado”, uma vez que a pecuária ameno, pelo relevo pouco ondulado e pelos campos
existiu como atividade subsidiária, e não como que ofereciam boas pastagens.
básica, isto é, era uma atividade voltada para o Tudo indica que o gado foi introduzido no sul
mercado interno e não para a exportação. Ela pelos missionários jesuítas. Depois que as reduções
estava subordinada, ora à cana, ora à mineração. foram destruídas, o gado se espalhou pela região,
De qualquer modo, foi uma importante atividade reproduzindo-se livremente. Mais tarde, os
econômica no período colonial e que contribuiu bandeirantes retornaram aos pampas para caçar o
para a expansão territorial, através da ocupação do gado selvagem e abrir estâncias para criá-los.
interior. A carne charqueada, o couro e os muares
produzidos no sul também abasteceram as regiões
a) A pecuária no Nordeste mineradoras do século XVIII, fundamentando a
ocupação portuguesa desde Curitiba até o Rio
Trazido por Tomé de Sousa, o gado bovino Grande do Sul. Formaram-se, assim, vilas,
começou a ser criado no Brasil como atividade povoados e feiras e abriram-se novos caminhos.
subsidiária à produção de açúcar. Força de tração
nos engenhos, meio de transporte e abatido para a 05. A conquista do litoral norte
alimentação, o gado oferecia ainda o couro como
matéria-prima bastante valorizada, que chegou a Todo o litoral Norte, desde a foz do rio
ser exportado pela colônia. Amazonas até a Paraíba, foi conquistada na época
No litoral, os pastos concorriam com os em que o Brasil pertencia à Espanha. Militares
canaviais, mais lucrativos para os proprietários de luso-espanhóis para lá se dirigiram a fim de
terra. Por isso, desde fins do século XVI as boiadas expulsar estrangeiros, principalmente franceses,
foram se expandindo para o sertão do Nordeste. A que atacavam os navios espanhóis que
“interiorização” dos rebanhos foi formalizada pela transportavam o metal precioso para a Europa.
Carta Régia de 1701, que proibia a criação de gado Foi assim que esses militares fundaram várias
a menos de 10 léguas da costa. fortalezas, que, mais tarde, transformaram-se em
Acompanhando o curso dos rios, à procura de importantes cidades, como João Pessoa, Natal,
depósitos naturais de sal e de bons pastos, o gado Fortaleza e Belém. A fundação do Forte Presépio
se expandiu do litoral da Bahia e de Pernambuco (Belém) deu início à penetração pelo rio
até o Piauí e o Maranhão, promovendo o Amazonas.
povoamento, ainda que ralo e disperso, do sertão
nordestino. As margens do rio São Francisco, o 06. A ocupação da Amazônia
chamado rio dos currais, foram ocupadas por
imensas fazendas, que se dedicavam à criação De acordo com o Tratado de Tordesilhas, todo o
extensiva de gado. vale amazônico pertencia aos castelhanos, que
A instalação de um curral de gado não exigia foram os primeiros a explorar a região. Como não
inicialmente grandes investimentos, como a houve ocupação efetiva, ingleses, franceses e
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holandeses iam até a foz do grande rio para extrair teve um rápido crescimento, criando um pólo
madeira e algumas especiarias. Somente no século econômico novo e dinâmico no interior da colônia.
XVII os portugueses se interessaram pela região,
expulsando os invasores. 02. Técnicas de extração
A conquista portuguesa da Amazônia se
impunha como uma necessidade estratégica, para A maior parte do ouro encontrado no Brasil era
assegurar territórios já incorporados e ampliar as de aluvião, isto é, ficava no leito dos rios,
áreas sob controle da Coroa lusitana. misturado com areia e cascalho. Por isso, sua
Às expedições militares oficiais juntaram-se os exploração não exigiu grandes investimentos ou
missionários, cuja atuação foi fundamental para técnicas sofisticadas. O instrumento de trabalho
conquistar o apoio dos índios. Em meados do mais comum era a bateia – uma espécie de bacia
século XVIII, jesuítas, carmelitas, franciscanos, com fundo cônico, feita de madeira ou de metal.
capuchinhos tinham sob seu controle mais de Por ela passava o material recolhido no leito dos
cinquenta aldeamentos indígenas. rios; o ouro, mais pesado, ficava no fundo.
A ocupação da Amazônia baseou-se na extração Os depósitos de aluvião eram chamados de
das “drogas do sertão”: urucum, canela, cacau, faisqueiras, porque o ouro, quando em grande
guaraná, pau-cravo, salsaparrilha, castanha-do- quantidade, brilhava ao sol. Com o tempo, passou-
pará, anil, gergelim e outras espécies nativas, se a chamar de faiscação a própria atividade do
abundantes na floresta equatorial, que alcançavam garimpeiro que, sozinho ou em pequenos grupos,
bons preços no mercado europeu. Na extração das às vezes acompanhado por alguns escravos,
“drogas” os colonizadores utilizaram o trabalho do explorava os depósitos de menor rendimento.
índio, sob o sistema de escambo. Já a lavra era o empreendimento maior,
exigindo mais capital e grande número de escravos.
As lavras usavam técnicas mais sofisticadas que a
A MINERAÇÃO simples bateia: desviavam o curso dos rios, para
expor seu leito ao garimpo, construíam represas,
01. Introdução usavam algumas máquinas hidráulicas. De forma
geral, a faiscação e a lavra coexistiram durante
Desde os primeiros tempos, os portugueses todo o período da mineração. A primeira foi mais
esperavam encontrar metais preciosos no Brasil. freqüente no final do século XVIII, quando os
Incentivados pelas descobertas espanholas e pelos depósitos auríferos já haviam se esgotado.
relatos indígenas, os portugueses organizaram
inúmeras expedições ao interior do continente. 03.Administração e cobrança de
Durante o século XVII algum ouro foi extraído na impostos
capitania de São Vicente, nas encostas da serra do
Mar, junto ao cascalho dos rios. Mas somente no A Coroa portuguesa elaborou uma legislação
final do século foram encontradas as jazidas de especial para a atividade mineradora no Brasil.
bom valor econômico, na serra do Espinhaço, onde Pelo regimento de 1702, ficava estabelecida uma
hoje é o Estado de Minas Gerais. administração especial para a região aurífera, a
Os depósitos auríferos localizavam-se numa Intendência das Minas, vinculada diretamente ao
área de difícil acesso para a época. De São Vicente, Conselho Ultramarino, em Lisboa. A Intendência
era possível alcançá-los pelo tradicional caminho era responsável por todos os assuntos relacionados
das bandeiras paulistas, o Caminho Geral do com a mineração, atuando inclusive como tribunal
Sertão: partindo de São Paulo, acompanhando o e cobrando os impostos.
vale do rio Paraíba até a atual cidade de Lorena e Pela tradição portuguesa, todas as riquezas
transpondo a serra da Mantiqueira. Do litoral do minerais do Brasil eram propriedade do rei, que
Nordeste, chegava-se à região das minas cedia a particulares os direitos de exploração.
acompanhando o curso do rio São Francisco. Quando se encontrava um novo depósito de
Apesar das grandes distâncias a serem vencidas ouro, o fato deveria ser comunicado à Intendência,
e dos obstáculos oferecidos pelo relevo, a notícia que mandava funcionários ao local para fazer a
da descoberta de ouro espalhou-se rapidamente, demarcação das terras. Em seguida, a região
atraindo milhares de colonos e de reinóis para a aurífera era dividida em datas, distribuídas da
região. Em Portugal, a “febre do ouro” atingiu tal seguinte forma:
proporção que obrigou a Coroa a limitar a  duas datas eram escolhidas pelo descobridor
emigração de seus súditos, a partir de 1720. Logo  uma data era reservada à Coroa, para ser
surgiram povoados, roças, igrejas. A região do ouro leiloada no futuro
14
 uma data era reservada para o guarda-mor
da Intendência O contrabando
 as datas restantes eram distribuídas entre os
interessados, desde que possuíssem pelo Apesar da rígida fiscalização que existia nas
menos doze escravos Minas Gerais e nos caminhos que para lá se
A forma como se procedia à cessão dos direitos dirigiam, a sonegação e o contrabando foram muito
de exploração do ouro revela que as autoridades freqüentes. Não temos dados numéricos sobre o
procuravam estimular a descoberta de novas desvio do ouro ou de mercadorias em geral. Mas
jazidas, já que o pioneiro tinha a primazia na podemos imaginar as proporções em que isso
escolha das datas. Podemos perceber também que a acontecia, a partir das freqüentes mudanças na
Coroa tratava de forma diferenciada os grandes legislação fiscal e das diversas formas de controle
mineradores, proprietários de muitos escravos, impostas pela Coroa: o estabelecimento dos
preparados para extrair da terra grandes registros (postos de fiscalização e quitação de
quantidades de minério. Parte desse ouro revertia a impostos) nas estradas, o fechamento de caminhos
Portugal, na forma de imposto. e trilhas de tropeiros, a proibição da ourivesaria e
da fundação de ordens religiosas. Testemunhos da
Os impostos época chegaram a calcular que, por vezes, a
quantidade de ouro contrabandeado era maior do
Desde a criação das capitanias hereditárias no que a de ouro levado para as Casas de Fundição.
Brasil, ficou estabelecido o imposto de vinte por O contrabando de ouro envolvia toda a
cento (um quinto) sobre as pedras e metais sociedade: clérigos, autoridades, mineradores e
preciosos extraídos na colônia. Com o objetivo de escravos. São famosas as histórias dos “santos do
evitar a sonegação, a Coroa tentou instituir outras pau oco”, imagens de madeira, ocas por dentro,
formas de tributação: feitas especialmente para ocultar o metal precioso;
 o imposto proporcional ao número de ou das igrejas construídas por escravos, com o ouro
escravos de cada empresário do ouro (1710) em pó que as negras escondiam em suas cabeleiras,
 uma quantia fixa anual de 30 arrobas de e muitas outras.
ouro (1713) O ouro em pó, não quintado, era trocado por
 a capitação, ou seja, um imposto sobre o gado, aguardente, tabaco e escravos que vinham do
número de escravos empregados na Nordeste, por manufaturados que entravam na
mineração, nas oficinas, lojas e hospedarias colônia pelo porto do Rio de Janeiro, por couro e
(1735) charque vindos do Sul, pela prata que vinha do
Mas a forma mais freqüente de tributação foi o Peru. As conexões do contrabando atingiam o
quinto, cobrado nas Casas de Fundição. Era litoral da África e o porto de Montevidéu.
proibida a circulação de ouro em pó ou pepitas.
Todo o minério deveria ser encaminhado às Casas 04. A extração de diamantes
de Fundição, onde era derretido, quintado e
transformado em barras, marcadas com o selo da A região do alto Jequitinhonha, conhecido como
Coroa portuguesa. A partir de 1722, estabeleceram- Serro Frio, possuía alguns depósitos auríferos,
se as Fundições de Vila Rica, Sabará, São João del explorados durante os primeiros anos do século
Rei e Vila do Príncipe. XVIII. Já contava com vários arraiais, sendo que
A partir de 1751, sob a administração do um deles se constituíra em vila desde 1714: a Vila
Marquês de Pombal, além do imposto proporcional do Príncipe.
(o quinto), foi estabelecida uma quantia mínima Os diamantes começaram a ser extraídos a partir
anual de 100 arrobas. Caso não fosse atingido esse de 1729. Não se sabe ao certo quem descobriu os
piso, podia ser decretada a derrama – execução diamantes, misturados entre os seixos e cristais,
violenta da cobrança de impostos atrasados. freqüentes no leito dos rios da região.
Os impostos não se limitavam à mineração: ao Como era de praxe, a Coroa portuguesa não
longo do século do ouro, foram criadas taxas sobre tardou a impor seu controle ao Serro Frio – os
o transporte de animais e de mercadorias, sobre a diamantes, assim como o ouro, também passavam a
produção de gêneros de subsistência e sobre ser sua propriedade. Entre 1730 e 1740, a Coroa
atividades do setor terciário. A extração de metais e permitiu a livre extração, reservando-se a cobrança
de pedras preciosas representou também uma época do quinto. A partir daí, passou a arrendar os
de considerável dinamização econômica na direitos de exploração a uma única pessoa, o
colônia, e a Coroa não perdeu a oportunidade de contratador. Este sistema, conhecido como
canalizar para si as novas riquezas. contratos de monopólio, vigorou até 1771, quando

15
foi instituída a Real Extração. A partir dessa data, a para as regiões serranas. Novos caminhos ligavam
Coroa portuguesa assumiu diretamente a o Rio Grande do Sul a Sorocaba, a grande feira de
exploração dos diamantes. gado na capitania de São Paulo. Por ali passavam
O controle e a fiscalização do Distrito os tropeiros, conduzindo mercadorias e gêneros de
Diamantino eram muito rígidos. Suas terras foram subsistência, em direção à serra do Espinhaço. Ao
demarcadas e separadas do resto da colônia. A longo dos caminhos, registros e pousadas foram o
Intendência dos Diamantes devia obediência direta embrião de núcleos urbanos.
à Coroa e contava com tropas especiais sob seu No início, importava-se tudo nas Minas Gerais.
comando. O Intendente e o contratador eram as As mercadorias eram muito caras, pois ao preço
autoridades máximas na região. Todas as pessoas dos fretes somavam-se inúmeros impostos e a ação
que passavam por Serro Frio eram severamente dos atravessadores. Aos poucos, desenvolveu-se a
fiscalizadas. Estimulava-se a delação, para garantir produção de gêneros alimentícios ao redor dos
o cumprimento da lei, e as penas para os infratores núcleos urbanos ligados à mineração,
eram muito severas. principalmente a lavoura de milho, a criação de
O centro administrativo do Distrito Diamantino porcinos e as engenhocas, destinadas à produção de
era o arraial do Tijuco, hoje Diamantina. aguardente.

05.Dinamização da economia colonial 06.A sociedade da região mineradora


Como já vimos no início deste capítulo, a Com a descoberta de ouro no território do atual
mineração fez surgir um novo pólo econômico na Estado de Minas Gerais, foi enorme a afluência de
colônia, desta vez no interior. Rompia-se dessa pessoas para aquela região do Brasil, provenientes
maneira o caráter basicamente litorâneo da de Portugal e de vários pontos da colônia. Do
ocupação portuguesa. contato entre estes forasteiros que atingiram a zona
Por outro lado, a mineração atraiu grande mineira e os paulistas descobridores das jazidas,
número de pessoas, vindas de várias partes da resultaram sérios atritos conhecidos como Guerra
colônia e do reino; ao mesmo tempo, as dos Emboabas, que será estudada no capítulo
importações de escravos africanos redobraram. Em seguinte.
um século, a população do Brasil cresceu dez Depois que a região foi pacificada, nela
vezes. Calcula-se que em Minas Gerais, no final do desenvolveu-se uma sociedade com características
século XVIII, viviam cerca de 300 000 pessoas, muito diferentes da sociedade originada no século
sem considerar a população indígena. anterior na zona da grande lavoura canavieira.
A mineração propriamente dita ocupava a maior Ao contrário da sociedade do Nordeste
parte dos habitantes das Minas Gerais. Criava-se, açucareiro, essencialmente rural, a sociedade da
assim, o problema do abastecimento das vilas e região das minas era predominantemente urbana.
arraiais mineiros – esboço de um mercado interno. Logo no início do século XVIII, surgiram as
Um novo caminho foi aberto, a partir do Rio de primeiras vilas: Ribeirão do Carmo (hoje Mariana),
Janeiro, encurtando significativamente o percurso Vila Rica do Ouro Preto, Nossa Senhora do Sabará,
entre as minas e o litoral. Por ali seguiam os São João del-Rei e muitas outras.
escravos trazidos da África e os manufaturados Nas vilas desenvolviam-se atividades
importados da Europa, e escoavam-se os diamantes tipicamente urbanas, como o comércio e o
e o ouro que eram levados a Portugal. Em 1763, a artesanato. As ruas estreitas e sinuosas dos núcleos
sede da administração portuguesa na colônia foi estabelecidos em regiões serranas abrigavam
transferida para o Rio de Janeiro, a nova capital do oficinas de alfaiates, sapateiros, carpinteiros,
Brasil. tanoeiros, ferreiros e outros. Profissionais raros
Pelo caminho do rio São Francisco chegavam noutros pontos da colônia eram encontrados em
também mercadorias européias provenientes dos Minas Gerais: advogados, prestamistas, boticários,
portos de Recife e Salvador, além dos produtos estalajadeiros, mestres-escola etc. A urbanização
locais, como açúcar, aguardente e tabaco. Os fez surgir uma sociedade mais diversificada, onde
engenhos do Nordeste, então em declínio, havia maiores oportunidades de trabalho para o
desfizeram-se de boa parte de seus escravos, que homem livre. Bem diferente, portanto, da
atingiam um bom preço nos mercados mineiros. sociedade ligada ao Nordeste açucareiro,
Ao mesmo tempo, desenvolvia-se a pecuária no rigidamente polarizada em senhores e escravos. No
sul, para abastecer. Carne, couro, animais de carga Nordeste, uma pessoa sem terras dificilmente
e montaria vinham do sul para a região das minas. poderia adquirir prestígio e poder. Nos centros de
As mulas tornaram-se o meio de transporte ideal mineração, ao contrário, qualquer aventureiro,

16
desde que conseguisse uma boa lavra, poderia permaneceu um país agrário e endividado,
tornar-se importante. enquanto a Inglaterra acumulava os capitais que
Mesmo assim, a maior parte da população das mais tarde seriam investidos na sua
minas era constituída por escravos: cerca de 50%, industrialização.
segundo cálculos do final do século XVIII. Na
parcela livre da sociedade, havia muitos negros e
mulatos livres. De fato, a mineração oferecia uma AS REVOLTAS NATIVISTAS.
oportunidade de alforria, ainda que pequena.
Alguns senhores premiavam com a liberdade os 1. Introdução.
cativos que entregassem os maiores diamantes ou
pepitas de ouro. A faiscação, praticada com ou sem A colonização portuguesa no Brasil não
a autorização dos proprietários, também permitiu ocorreu sem conflitos. Os colonizadores tiveram de
ao escravo conseguir o pecúlio necessário para enfrentar a resistência dos índios, ciosos de suas
comprar sua alforria. terras e de sua liberdade, e as lutas dos escravos
A sociedade mineira, ao contrário da sociedade para fugir do cativeiro.
nordestina, não se baseava na grande propriedade A exploração colonial deveria atender, em
agrícola; as áreas exploradas pelos mineiros tinham primeiro lugar, aos interesses da metrópole, que
pequena extensão. Todavia, assim como a muitas vezes não eram os mesmos da colônia. Por
sociedade nordestina, a sociedade mineira era isso, a partir de meados de sáculo XVIII, Portugal
patriarcal e escravocrata. Os negros escravos, cujo começou a enfrentar outro tipo de conflito: as
valor atingiu nas minas o preço equivalente a um revoltas dos colonos brasileiros.
quilo de ouro, eram explorados ao máximo. Sobre De forma geral, podemos agrupar essas
eles exercia-se vigilância constante para impedi-los revoltas em dois conjuntos: o primeiro reúne
de se apoderarem do ouro que extraíam. movimentos que se caracterizaram por defenderem
interesses locais, contestando aspectos particulares
07. O ouro do Brasil e a economia da política portuguesa ou expressando a luta entre
portuguesa grupos pelo domínio de uma região. Muitos
estudiosos identificam nesses movimentos a
Na época das lutas para expulsar os holandeses formação do sentimento nativista.
do Nordeste, Portugal começou a se aproximar da No segundo grupo, reúnem-se as revoltas
nova potência que surgia na Europa – a Inglaterra. emancipacionistas, movimentos que questionaram
A dinastia de Borgonha, que subiu ao trono após o o sistema colonial e propuseram a separação entre a
domínio espanhol, precisava encontrar novos colônia e a metrópole.
aliados na Europa. Uma série de acordos foi
estabelecida entre os dois países. Entre eles: 2. O movimento nativista.
 Acordo de 1654: as mercadorias inglesas
que entrassem em Portugal teriam A partir da segunda metade do século
preferência sobre aquelas provenientes de XVII, após a Restauração, Portugal mergulhou
outros países; a Inglaterra adquiria o direito numa séria crise econômica, que foi se agravando
de comerciar diretamente com as colônias cada vez mais. Durante o domínio espanhol,
portuguesas. Portugal havia perdido para os inimigos da
 Tratado de Methuen (1703): Portugal se Espanha muitas colônias na África e no Oriente.
comprometia a comprar os tecidos Além disso, depois do domínio holandês no Brasil,
produzidos pela manufatura inglesa; em a agricultura canavieira entrara em declínio e a
troca, a Inglaterra daria preferência à Coroa portuguesa fizera várias concessões
importação do vinho produzido em comerciais aos estrangeiros, principalmente aos
Portugal. ingleses.
Esses acordos trouxeram sérias conseqüências Para resolver a crise, a nova dinastia que se
para a economia portuguesa: desestimularam o estabeleceu em Portugal em 1640 contava apenas
desenvolvimento da manufatura e desequilibraram com as rendas do Brasil. Por isso, a Coroa passou a
a balança comercial, pois o valor das exportações exercer um controle mais rígido sobre a
era inferior ao das importações. arrecadação de impostos e a atividade econômica,
Assim, grande parte do ouro arrecadado no chegando a proibir o comércio com estrangeiros.
Brasil foi canalizada para a Inglaterra, como Impôs ainda maior controle administrativo sobre a
pagamento de manufaturados (muitos, inclusive, colônia.
reexportados para o mercado colonial). Portugal
17
Os inúmeros conflitos ocorridos no século encontramos a seguinte referência ao afluxo de
XVII são sintomas do descontentamento que essas pessoas a Minas Gerais:
medidas restritivas provocaram no Brasil. Nesses "A sede do ouro estimulou tantos a
conflitos não se manifesta ainda a idéia de deixarem suas terras e a meterem-se por caminhos
independência. São apenas lutas locais contra tão ásperos como são os das minas, que
aspectos particulares do domínio português, dificultosamente se poderá dar conta do número de
especialmente a política de monopólios. pessoas que atualmente lá estão..."
O afluxo de forasteiros desagradou os
2.1 A Revolta de Beckman (1684) paulistas. Por terem descoberto as minas e por elas
se encontrarem em sua capitania, os paulistas
No Maranhão, como em São Paulo, houve reivindicaram direito exclusivo de explorá-las.
conflitos entre os colonos e os jesuítas por causa da Entre 1708 e 1709, ocorreram vários conflitos
escravização dos indígenas. Em 1661, por seu armados na zona aurífera, envolvendo de um lado
trabalho de intransigente defesa da liberdade dos paulistas e de outro portugueses e elementos vindos
índios, os religiosos da Companhia de Jesus foram de vários pontos do Brasil.
expulsos do Maranhão. Só puderam voltar, por Os paulistas referiam-se aos recém-chegados
decisão da Coroa, em 1680. Nessa data, o governo com o apelido pejorativo de emboabas, palavra
português proibiu terminantemente a escravização indígena que, segundo alguns autores, significava
de índios. "aves de pés recobertos de penas". Os portugueses
Para resolver o problema da falta de braços usavam botas ou rolos de pano protegendo os pés,
para a lavoura, bem como para controlar o enquanto os paulistas andavam geralmente
comércio naquela região do Brasil, o governo descalços. Seria essa a razão do apelido.
português criou, em 1682, a Companhia de Os emboabas aclamaram o riquíssimo
Comércio do Estado do Maranhão, à qual passou a português Manuel Nunes Viana como governador
responsabilidade do monopólio da Coroa. das Minas. Nunes viana, que enriquecera com o
A companhia não cumpriu os cotrabando de gado para a zona mineira, foi
compromissos assumidos, o que despertou grande hostilizado por Manoel de Borba Gato, um dos
descontentamento entre os colonos da região. Os mais respeitados paulistas da região. Nos conflitos
escravos africanos não foram trazidos para o que se seguiram os paulistas sofreram várias
Maranhão em número suficiente, e os gêneros derrotas e foram obrigados a abandonar muitas
alimentícios negociados pela companhia, além de minas.
muitos caros, não era de boa qualidade. Um dos episódios mais importantes da
Revoltaram-se contra esta situação Guerra dos Emboabas foi o massacre de paulistas
elementos do clero, da classe mais elevada e do pelos emboabas, no chamado Capão da Traição.
povo, chefiados por Manuel Beckman, fazendeiro Nas proximidades na atual cidade de São João Del
muito rico e respeitado na região. Os revoltosos Rei, um grupo de paulistas foi cercado, em um
expulsaram os jesuítas, declararam deposto o capão de mato, pelas tropas emboabas chefiadas
governador e extinta a companhia de comércio. por Bento do Amaral Coutinho. Este prometeu aos
Beckman governou o Maranhão durante um paulistas que lhes pouparia a vida, caso se
ano, até a chegada de uma frota portuguesa sob o rendessem. Entretanto, quando eles entregaram
comando de Gomes Freire de Andrada. Beckman suas armas, foram massacrados impiedosamente.
fugiu mas foi delatado por Lázaro de Melo, sendo Em represália, os paulistas organizaram
então preso e enforcado. uma tropa de mais ou menos mil e trezentos
A extinção da Companhia de Comércio do homens. Essa força viajou para Minas com o
Estado do Maranhão foi mantida pelo governo objetivo de aniquilas os emboabas, mais não
português, como queriam os revoltosos, mas os chegou a atingir aquela capitania.
jesuítas puderam retornar e continuar seu trabalho. A guerra favoreceu os emboabas e fez os
paulistas perderem várias minas. Por isso, eles
2.2 A Guerra dos Emboabas (1708 - 1709) partiram em busca de novas jazidas; em 1708
encontraram ricos campos auríferos em Mato
Quando as notícias da descoberta de ouro Grossol.
em Minas Gerais se espalharam pelo Brasil e Estas foram as principais consequências da
chegaram a Portugal, Milhares de pessoas Guerra dos Emboabas:
acorreram à região. No livro Cultura e opulência do -Criação de normas que regulamentavam a
Brasil por sua Drogas e Minas, do padre João distribuição de lavras entre emboabas e paulistas e
Antônio Andreoni (Antonil), editado em 1711, a cobrança do quinto.

18
-Criação da capitania de São Paulo e das Na região das minas, o ouro em pó era utilizado
Minas de Ouro ligada diretamente à Coroa, como se fosse moeda corrente.Com a criação das
independente portanto do governo do Rio de Casas de Fundição em Minas Gerais, em 1719, a
Janeiro circulação de ouro em pó foi proibida.
-Elevação da vila de São Paulo à categoria As Casas de Fundição foram criadas pelo
de cidade governo português para evitar o contrabando de
-Pacificação da região das minas, com o ouro e obrigar o colono a pagar o quinto devido à
estabelecimento do controle administrativo da Coroa. Todo ouro descoberto deveria ser
metrópole. encaminhado a essas repartições, onde era
derretido e, depois de separada a parte do rei,
2.3 A Guerra dos Mascates (1710) transformado em barras.
Foi contra essas decisões do governo que
A Guerra dos Mascates foi um movimento de ocorreu a revolta de 1720, chefiada por Filipe dos
caráter regionalista cujos principais fatores foram: Santos Freire. A Revolta de Filipe dos Santos foi
 Decadência da atividade agroindustrial motivada, portanto, apenas por fatores econômicos.
açucareira em virtude da concorrência Seus objetivos eram impedir o estabelecimento das
internacional Casas de Fundição e manter a legalidade da
 Desenvolvimento comercial e urbano em circulação de ouro em pó.
Pernambuco Em 28 de junho de 1720 teve início a revolta
 Elevação do povoado do Recife à categoria em Vila Rica (atual Ouro Preto). Cerca de 2 000
de vila revoltosos dirigiram-se para Ribeirão do Carmo
(atual Mariana), e pressionaram o governador das
Com a decadência do açúcar, a situação dos Minas, D. Pedro de Almeida, Conde de Assumar,
poderosos senhores de engenho de Pernambuco para que atendesse às suas exigências. Este
sofreu grandes modificações. Empobrecidos, os concordou com os pedidos dos revoltosos, pois não
fazendeiros de Olinda, pertencentes às mais contava com as forças armadas para enfrentá-los.
tradicionais famílias da época, eram obrigados a Assim que conseguiu tropas suficientes, o
endividar-se com os comerciantes portugueses do governador esmagou a revolta, mandando prender
Recife, que lhe emprestavam dinheiro a altos juros. os cabeças do movimento. Filipe dos Santos foi
Os olindenses chamavam os recifenses de enforcado e seu corpo esquartejado após a
mascates, referindo-se de forma pejorativa à sua execução.
profissão. Os recifenses, por sua vez, designavam
os habitantes de Olinda pelo apelido de pés- O ILUMINISMO
rapados, por serem pobres.
Recife crescera tanto desde a época do domínio 01. Introdução
holandês que, em 1709, o rei D. João V elevou o
povoado à categoria de vila. Este fato desagradou Costuma-se colocar o Iluminismo como um
os habitantes de Olinda, a vila mais antiga da movimento de idéias que teve suas origens no
capitania, embora mais pobre e menos povoada que século XVII e que se desenvolveu especialmente
Recife. no século XVIII, chamado por isso de “século das
Em 1710, ao serem demarcados os limites entre luzes” ou da Ilustração. Os termos luzes ou
as duas vilas, teve início a revolta. O governador de ilustração surgiram para identificar a razão como
Pernambuco, Sebastião de Castro e Caldas, foi uma “luz” que ilumina as trevas da ignorância e da
ferido por um tiro na perna e, com o agravamento obscuridade.
da luta, fugiu para a Bahia. Esse movimento expressou, em última
Sucederam-se os choques entre olindenses e instância, a ascensão da burguesia e de sua
recifenses, e a revolta tomou conta de toda a ideologia; representou a culminância de um
capitania. Com a nomeação de um novo processo que se iniciou no Renascimento (quando a
governador (Felix José Machado de Mendonça), as razão foi utilizada para descobrir o mundo) e que
lutas acalmaram-se. Em 1714, o rei anistiou todos no século XVIII adquiriu um aspecto
os que se envolveram na revolta, restabelecendo a essencialmente crítico, quando os homens
ordem a Pernambuco. passaram a usar a razão para entenderem a si
mesmos no contexto da sociedade. Foi nos clubes,
2.4 A Revolta de Vila Rica (Filipe dos nos cafés e, sobretudo, nos salões literários que
Santos) (1720) esse espírito se generalizou.

19
A filosofia iluminista voltou-se para o estudo 02. Pensadores iluministas
da natureza e da sociedade. O uso da razão era
considerado indispensável à compreensão dos Podemos dividir os pensadores iluministas em
fenômenos naturais e sociais. Segundo os dois grupos: o dos filósofos, que se ocuparam
iluministas, até a crença devia ser racionalizada. principalmente com os problemas políticos, sociais
Por isso, eram deístas, isto é, acreditavam que Deus e religiosos; e o dos economistas, que procuraram
está presente na natureza e, como o homem faz uma maneira de aumentar a riqueza das nações.
parte da natureza, Ele também se encontra presente
no coração do próprio homem que pode descobri-lo 2.1 Filosófos
através da razão. A Igreja tornava-se, assim, uma
instituição dispensável – para encontrar Deus, John Locke (1632-1704), filósofo inglês, foi
bastava levar uma vida piedosa e cheia de virtudes. considerado por muitos como o pai do Iluminismo.
Essa nova maneira de o homem enxergar a si Em sua principal obra, Ensaio sobre o
mesmo e a realidade natural e social que o cercava entendimento humano, afirma que a mente humana
também foi um instrumento de crítica ao Antigo é uma espécie de “papel em branco” (“tabula
Regime, principalmente no que se refere a suas rasa”), sem nenhuma idéia inata.Tudo o que
estruturas básicas, isto é, ao absolutismo, ao adquirimos é devido à experiência. Para ele, nossas
mercantilismo e principalmente aos privilégios da primeiras idéias vêm à mente, através dos sentidos
nobreza. O Iluminismo surgiu então, ao mesmo e da intuição. Depois, combinando e associando
tempo como uma tradição filosófica militante de essas primeiras idéias simples, a mente forma
crítica e também de fundamentação de novas idéias cada vez mais complexas. Em resumo, todo
propostas e valores baseados nas idéias de que a o conhecimento humano chega à nossa mente
humanidade caminharia no sentido do progresso, através dos sentidos e, depois, desenvolve-se pelo
da liberdade, e da busca da felicidade. esforço da razão.
Diziam os iluministas que assim como há leis Locke também foi muito importante para a
que regulam os fenômenos da natureza, também as filosofia política, influenciando profundamente os
relações entre os homens são reguladas por leis iluministas franceses e lançando as bases do
naturais. Consideravam os homens todos bons e liberalismo político. Ao questionar a noção de
iguais perante a natureza, e que a desigualdade idéias inatas, ao mesmo tempo ele reprovava a
existente entre eles era provocada pelos próprios idéia do poder inato de origem divina, base das
homens, isto é, pela sociedade. Para corrigir essa explicações absolutistas. Para ele as relações entre
desigualdade achavam que era preciso modificar a governados e governantes se fundamentam em um
sociedade, dando a todos, liberdade de expressão e contrato no qual se apresentam os deveres e as
de culto, e proteção contra a escravidão, a injustiça, obrigações de ambas as partes; portanto, esse
a opressão e as guerras. contrato seria o conjunto de leis estabelecido pela
O princípio organizador da sociedade deveria sociedade (e que geralmente forma uma
ser a busca da felicidade, cabendo ao governo Constituição). Esta seria a única maneira de
garantir certos direitos naturais do homem: a proteger a liberdade individual do cidadão. Caso o
liberdade individual assim como a livre posse dos governante não cumprisse esse contrato, a
bens; a tolerância para a expressão das idéias; a sociedade teria o direito à rebelião, à substituição
igualdade perante a lei (igualdade jurídica); uma do Estado tirânico. Locke negava, dessa forma, o
justiça serena com base na punição dos delitos e Absolutismo monárquico, fundando o liberalismo
das penas. político.
A Igreja era criticada por sua intolerância, John Locke não foi apenas um teórico defensor
ambição política e pela inutilidade das suas ordens de suas idéias; ele participou ativamente da vida
monásticas. Criticava a intervenção do Estado na política inglesa, principalmente da Revolução
economia (própria do mercantilismo), considerada Gloriosa em 1688.
prejudicial ao individualismo burguês, à livre O homem que melhor encarnou o espírito do
iniciativa e ao desenvolvimento espontâneo do século foi Voltaire (1694-1778). Voltaire, cujo
capitalismo. nome verdadeiro era François Marie Arouet, foi
Criticavam o absolutismo monárquico, mas contista, historiador, poeta e dramaturgo.
divergiam quanto à forma política ideal garantidora Combativo escritor, preso e exilado diversas vezes
dos direitos naturais do homem. O modelo seria a devido às críticas irônicas aos privilégios da
monarquia constitucional, para Montesquieu e nobreza e do clero e às instituições que limitavam a
Voltaire, ou uma república fundada sobre a liberdade individual. Na Inglaterra, onde esteve
moralidade e virtude cívica, para Rousseau. exilado, tomou contato com as idéias de Locke e as

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instituições políticas inglesas, tendo publicado as setores independentes – Executivo, Legislativo e
Cartas Inglesas ou Cartas Filosóficas, onde Judiciário – como única maneira de evitar abusos
ridicularizava as instituições francesas. Longe de dos governantes e garantir as liberdades
ser um teórico, foi ardente propagandista das idéias individuais. Cada um deles deveria agir de modo a
liberais, criticando a opressão absolutista, limitar a força dos outros dois. O Executivo
defendendo o direito do indivíduo à liberdade poderia vetar os atos do Legislativo, este poderia
política e de expressão e a igualdade de direitos. declarar o “impedimento” do Executivo; o
Condenava o Absolutismo, porém defendia a Judiciário devia agir no sentido de salvaguardar as
necessidade de uma monarquia centralizada em que liberdades individuais e julgar impasses entre o
o governante seria assessorado pelos filósofos: era Executivo e o Legislativo.
o Despotismo Esclarecido, a política reformista É interessante notar como suas idéias
empreendida por diversos soberanos europeus. influenciaram profundamente as instituições
Tornou-se marcante sua posição e defesa da políticas modernas. Até hoje, com pequenas
liberdade de pensamento através de sua célebre diferenças, a maioria dos países mantém essas três
frase: “Posso não concordar com nenhuma das instituições em funcionamento.
palavras que você diz, mas defenderei até a morte o Ao contrário da maioria dos filósofos,
direito de você dizê-las”. Rousseau teve uma origem modesta, e uma vida
Voltaire, o mais anticlerical dos iluministas, aventureira, nasceu em Genebra, na Suíça,
criticava violentamente a Igreja. Ele não via na transferindo-se para a França em 1742, onde
religião mais do que uma teia grosseira de tolices, escreveu suas obras. Jean Jacques Rousseau (1712-
de superstições e atos ridículos. Mas, não era ateu e 1778) foi o mais radical e popular dos filósofos,
sim deísta, defendia uma religião natural baseada defendeu em suas obras um governo popular,
na crença de um Ser Supremo e na imortalidade da sendo, por isso, considerado o “pai da democracia
alma. Acreditava que Deus estava presente na moderna”. Suas principais obras foram o Discurso
Natureza e, como nela se encontra o homem, Deus sobre a origem e fundamento da desigualdade
estava presente também no homem, que pode entre os homens, O Emílio e O Contrato Social.
descobri-lo por meio da Razão; daí a idéia de Rousseau exaltou as virtudes da vida natural e
tolerância e de uma religião baseada na crença em defendeu a tese do “bom selvagem”. O homem
um Ser Supremo. primitivo, segundo Rousseau, levando uma vida
Apesar de assumir posições favoráveis à livre e saudável, em contato direto com a natureza,
liberdade e igualdade de direitos, Voltaire não era feliz e naturalmente bom, sendo pervertido
encarava com bons olhos a população mais pobre, posteriormente pela civilização (corrupção, avareza
desprezando-a completamente: “o povo tolo e e vícios). Criticava a propriedade privada, pois para
bárbaro precisa de uma canga, de um aguilhão e ele a raiz das infelicidades humanas e das
feno”. desigualdades sociais estava no aparecimento da
Um dos raros pensadores de tradição nobre que propriedade privada, que “arranca o homem de seu
assumiram as idéias iluministas foi o Barão de doce contato com a natureza”, acabando com a
Montesquieu, jurista francês. De grande igualdade. Desde então, toda sua obra consagrou-se
importância, por suas idéias a respeito da Teoria do à tese da reforma da civilização, preconizando uma
Estado, foi Montesquieu (1689-1755), pertencente sociedade de pequenos produtores independentes.
à nobreza togada. Publicou em 1721 as Cartas No plano político, Rousseau defendia uma
Persas, nas quais ridicularizou os costumes e as sociedade ideal, baseada na justiça, na igualdade e
instituições políticas e administrativas da França. “soberania do povo”. No Contrato Social ele
Para Montesquieu não existia absolutamente defendeu a concepção de que a democracia
uma forma de governo ideal que servisse para baseava-se na vontade da maioria, isto é, na
qualquer povo em qualquer época. Em O Espírito soberania do povo, que se manifesta pelo voto
das Leis (sua obra mais significativa) afirmava que universal. Os governantes eleitos, portanto,
cada país tinha um tipo de instituição política de deveriam seguir e refletir essa vontade geral,
acordo com seu progresso socioeconômico. Os conduzindo o Estado sempre tendo em vista o
fatores geográficos e climáticos influenciavam atendimento do bem comum. Somente esse Estado,
decisivamente na forma de governo: para os de bases democráticas, teria condições de oferecer
grandes países, Montesquieu recomendava o a todos os cidadãos um regime de igualdade. O
Despotismo, para os médios a Monarquia contrato social garante, segundo Rousseau, por sua
Constitucional, para os pequenos a República. vez, a igualdade, pois todos os associados têm
Sua contribuição mais conhecida foi a direitos iguais e a liberdade depende estreitamente
“doutrina dos três poderes”, em que advogava a da igualdade.
divisão da autoridade governamental em três
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Suas idéias tiveram grande aceitação entre as Os fisiocratas representaram o pensamento dos
camadas populares e a pequena burguesia européia, partidários de um capitalismo liberal agrário.
especialmente no que se referia à criação de uma Embora sua influência se limitasse à França,
sociedade democrática composta, algumas noções básicas dos fisiocratas foram
fundamentalmente, de pequenos proprietários. Sua adotadas pelos economistas liberais ingleses, como
teoria da “vontade geral” referida ao povo foi Adam Smith, que deram forma à Economia
fundamental no contexto da Revolução Francesa, Clássica.
inspirando Robespierre e outros líderes desse A Fisiocracia foi superada logo em seguida por
movimento. outra doutrina econômica mais poderosa, chamada
de liberalismo econômico ou economia clássica.
2.2 Economistas O liberalismo econômico foi fundado pelo
inglês Adam Smith (1723-1790), autor de A
As críticas dos Iluministas ao Antigo Regime Riqueza das Nações. No seu livro, o trabalho – e
não se restringiam aos aspectos políticos não a agricultura como queriam os fisiocratas, nem
(Absolutismo) e sociais (forte hierarquização e o comércio, como pensavam os mercantilistas – e o
privilégios da nobreza). Alguns intelectuais acúmulo de capital são considerados como
identificavam na política econômica do geradores de riquezas. Portanto, para uma nação se
Absolutismo – o Mercantilismo – um obstáculo desenvolver, seria preciso aumentar a
para o progresso, que impedia o desenvolvimento produtividade do trabalho e a acumulação interna
da economia e da sociedade. de capital.
O Mercantilismo, como política econômica do Segundo Adam Smith, a economia é regulada
Estado Absolutista, foi combatido pelos pela lei natural da oferta e da procura, e ninguém,
economistas da Fisiocracia. O primeiro teórico nem o Estado, deve intervir nesse processo.
dessa corrente do pensamento econômico foi o Rompendo completamente com as idéias
médico de Luís XV, François Quesnay (1694- mercantilistas, ele defendia que todas as atividades
1774), que escreveu o Quadro Econômico. Suas econômicas deviam ser entregues à livre iniciativa
idéias refletiram a situação da França, país particular, e permanecer completamente livres
basicamente agrícola, embora lá houvesse grande (livre-cambismo), entregues apenas ao seu ritmo e
desenvolvimento industrial-manufatureiro no normas naturais. Os governos só devem intervir na
século XVIII. economia das nações para removerem quaisquer
Os fisiocratas partiam do pressuposto de que a obstáculos que porventura surjam entravando o
terra e seus produtos eram as únicas fontes de desenvolvimento normal dessas leis. Indicando a
riqueza e, por isso, ficaram conhecidos como intervenção mercantilista como uma política contra
fisiocratas (fisio=natureza e cratos=poder, governo o desenvolvimento produtivo, apontava a livre
da natureza). Para eles a agricultura, a pecuária e a concorrência, a divisão do trabalho e o livre
mineração eram atividades mais importantes que o comércio como indispensáveis para o progresso da
comércio, “atividade estéril”, tratado como simples humanidade.
forma de intermediação de riquezas. Sua obra é considerada, ainda hoje, um manual
Faziam analogias entre o funcionamento do do capitalismo liberal.
corpo humano e o “organismo econômico”, ambos
regidos por “leis próprias e naturais”: assim como o 2.3 A Enciclopédia
coração era o órgão mais importante do corpo
humano, a agricultura o era na vida econômica. Durante o século XVIII, alguns intelectuais
Negavam, pois, o direito de o Estado intervir e franceses (filósofos, economistas, matemáticos,
regulamentar a vida econômica, pois estaria físicos e naturalistas) procuraram apresentar à
atentando contra as “leis naturais”. Nesse sentido, população um quadro geral da produção científica
criticavam as regulamentações mercantilistas do e artística dos iluministas. A “filosofia das luzes” e
Estado Absolutista e pregavam que o Estado o saber do século XVIII foram, então, reunidos
deveria apenas limitar-se a incentivar o progresso numa obra célebre, designada Enciclopédia. E seus
técnico e econômico, eliminando os obstáculos ao autores ficaram conhecidos como enciclopedistas.
livre jogo econômico. Seu lema básico era “laissez- Os organizadores mais entusiastas da
faire, laissez-passer, le monde va de lui même” Enciclopédia foram o escritor Denis Diderot
(“deixai fazer, deixai passar, que o mundo anda por (1713-1784) e o matemático Jean D’Alembert
si mesmo”), ou seja, a liberdade econômica. (1717-1783). Com as matérias dispostas por ordem
Condenavam ainda o feudalismo que impedia o alfabética, a Enciclopédia constituiu-se num
desenvolvimento da agricultura, única atividade instrumento eficiente de divulgação das idéias
economicamente produtiva.
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iluministas sobre história, política, economia, arte, incontroláveis. E assim, o feitiço acabou virando
sociedade etc. contra o feiticeiro.
Da elaboração dos mais de 30 volumes que
compõem a obra (publicada entre os anos de 1751 3.1 Principais Déspotas Esclarecidos
e 1780) participaram cerca de 142 autores, entre
eles Voltaire, Rousseau, Montesquieu, Quesnay, Na Prússia, Frederico II (1740-1786),
Buffon, Turgot, Condorcet e Hobach. discípulo de Voltaire e indiferente à religião, deu
Os principais ideais do enciclopedismo eram: ao povo liberdade de culto. Estimulou o ensino
valorização da razão (racionalismo); a confiança no básico, tornando a instrução primária obrigatória
progresso humano através das realizações para todos e construindo diversas escolas. A tortura
científicas e tecnológicas; forte crítica à Igreja e aos criminosos foi abolida e um novo código de
independência do Estado em relação à Igreja; justiça organizado. O rei exigia obediência total às
deísmo, ou seja, a crença em um Deus como o suas ordens, mas dava plena liberdade de
criador do Universo e das leis que o regulam, expressão. Procurou estimular o desenvolvimento
embora muitos enciclopedistas fossem ateus; da indústria e da agricultura, adotando medidas
concepção de um governo como fruto de um protecionistas, embora isso fosse contrário às idéias
contrato entre governantes e governados, iluministas.
condenando o absolutismo. O Estado no qual mais se fez propaganda das
O governo condenou a obra, proibindo sua idéias novas e onde elas menos foram executadas
divulgação, que continuou, porém, a circular foi a Rússia. Catarina II (1762-1796) atraiu os
clandestinamente, e exerceu grande influência filósofos franceses à sua corte e manteve com eles
sobre o pensamento político burguês. correspondência regular; esses filósofos, porém,
lhe serviram apenas de instrumento, pois ela muito
03. O Despotismo Esclarecido prometeu e quase nada realizou de prático. A
imperatriz deu ao povo liberdade religiosa e
Nem todos os países conseguiram “modernizar- submeteu a Igreja Ortodoxa, atuante em seu país.
se” a partir da segunda metade do século XVIII. Preocupou-se em desenvolver a educação das altas
Naquele momento isso significava desenvolver classes sociais, que foram polidas e “afrancesadas”
estruturas do capitalismo manufatureiro ou nos seus usos e costumes.
industrial. Sendo assim, enquanto alguns países da José II (1780-1790) da Áustria foi exemplo
Europa Ocidental assistiram à vitória das forças típico do déspota esclarecido. Fez numerosas
ligadas ao capitalismo, em outros países reformas ditadas pela razão: promoveu a libertação
empreendeu-se uma política reformista visando à de numerosos servos, abolindo suas obrigações
modernização dos Estados pelos respectivos feudais; diminuiu o poder da Igreja Católica,
soberanos. confiscando suas terras, deu liberdade de culto e
Geralmente esses países eram governados por direito de emprego aos não-católicos; deu
monarquias absolutistas em que o rei continuava igualdade a todos perante a lei e os impostos etc.
centralizando todos os poderes da nação. Todavia, Foi o único que aplicou realmente as idéias
eles procuraram modernizar seus Estados, propostas pelos filósofos iluministas.
inspirando-se nas idéias iluministas. Muitos Em Portugal, o Marquês de Pombal (1750-
chegaram até a nomear intelectuais como 1777), ministro de D. José I, fez importantes
conselheiros do rei. A esta política reformista, que reformas. Embora não fosse rei, exerceu a
variou segundo as circunstâncias próprias de cada administração de Portugal como se fosse um
país, denominamos de Despotismo Esclarecido ou autêntico monarca absolutista. Durante seu governo
de Reformismo Ilustrado. a indústria cresceu, o comércio passou a ser
De forma geral as políticas dos déspotas controlado por companhias de comércio que
esclarecidos procuravam atingir as estruturas detinham o monopólio nas regiões coloniais, a
administrativas, o desenvolvimento das atividades agricultura foi estimulada; a nobreza e o clero
manufatureiras e industriais, a realização de foram perseguidos (expulsão dos jesuítas) a fim de
reformas sociais e a reformulação das relações fortalecer o poder real; determinou a reforma do
entre Igreja e Estado. ensino.
As reformas que realizaram, inspiradas no Na Espanha, o ministro Aranda pôs em
Iluminismo, tinham o propósito de fortalecer o execução uma série de reformas: o comércio foi
Estado absolutista. No entanto, mexeram de algum liberado internamente. A indústria de luxo e de
modo no velho edifício da sociedade do Antigo tecidos de algodão foi estimulada e a administração
Regime, liberando forças que se revelaram foi dinamizada com a criação de intendentes, que
fortaleceram o poder do rei Carlos III.
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servidão, base das relações de produção, na Europa
04. Conclusão restringia a mão-de-obra livre, base das relações de
produção industriais. A escravidão, nas colônias,
O século XVIII representou a passagem de um restringia o mercado consumidor, cuja base está no
capitalismo comercial a um capitalismo industrial. assalariamento.
E se o Antigo Regime parecia se adequar ao Em outras palavras, a política econômica dos
capitalismo industrial. E se o Antigo Regime Estados absolutistas (o mercantilismo) atrapalhava
parecia se adequar ao capitalismo comercial, o desenvolvimento do capitalismo industrial. O rei
através de uma forte intervenção do Estado na tornou-se um sócio incômodo. Para se desenvolver,
economia e do colonialismo. O mesmo não a burguesia precisava agora, de liberdade, de
acontecia agora, pois esse protecionismo que havia liberdade econômica. E ela sabia que só
permitido o desenvolvimento da burguesia conseguiria isso se controlasse o poder. Foi assim
comercial, entravava o desenvolvimento da que a burguesia decapitou o rei absolutista que ela
burguesia industrial. havia criado.
A burguesia precisou dos reis absolutistas para Enquanto o absolutismo e o mercantilismo
unificar os reinos, a moeda, as regulamentações representavam os interesses da burguesia
sobre a economia, conquistar novos mercados, comercial, o Iluminismo, representado aqui pelo
proteger as economias internas etc. A burguesia liberalismo político e econômico, representavam os
tornou-se rica e poderosa à sombra desse rei, criado interesses da burguesia industrial nascente.
por ela.
Entretanto, os reis nunca satisfizeram
totalmente à burguesia. Presos à mentalidade A REVOLUÇÃO INGLESA
feudal, os reis faziam perseguições religiosas e
políticas (muitos perseguidos eram burgueses),
realizavam guerras inúteis, reservavam os altos 01. Introdução
cargos do poder ao clero e à nobreza cortesã, e
mantinham o sistema de privilégios para estes. Os A Revolução Inglesa do século XVII
burgueses tinham o poder econômico, mas não representou a primeira manifestação de crise do
tinham o poder político, e por isso ainda eram sistema da época moderna, identificado com o
tratados como cidadãos de segunda classe, pois não absolutismo. O poder monárquico, severamente
eram nobres. limitado, cedeu a maior parte de suas prerrogativas
A insatisfação da burguesia em relação aos reis ao Parlamento e instaurou-se o regime o
absolutistas acelerou-se no século XVIII, o século parlamentarista que permanece até hoje. O
que marca a passagem do capitalismo comercial processo começou com a Revolução Puritana de
para o capitalismo industrial, a passagem da Idade 1640 e terminou com a Revolução Gloriosa de
Moderna para a Idade Contemporânea. 1688. As duas fazem parte de um mesmo processo
Essa transformação econômica tornou revolucionário. Esse movimento revolucionário
ultrapassada, aquele que fora o principal motivo de criou as condições indispensáveis para a Revolução
apoio da burguesia aos reis, a política mercantilista. Industrial do século XVIII, limpando terreno para o
A política mercantilista se baseava numa forte avanço do capitalismo. Deve ser considerada a
intervenção do Estado sobre a economia (o rei primeira revolução burguesa da história da Europa:
controlava o quê, quanto e quando produzir) antecipou em 150 anos a Revolução Francesa.
através de incentivos e do protecionismo
alfandegário; na valorização do capital comercial, o 02. A Dinastia Tudor
comércio era visto como a fonte de riqueza para as
nações; e no colonialismo, que reservava às O início da centralização política na Inglaterra
metrópoles, mercados exclusivos. só ocorreu após as guerras dos Cem Anos (1337-
O mercantilismo atrapalhava o 1453) e das Duas Rosas (1455-1485), que
desenvolvimento do capitalismo industrial. A forte arruinaram a nobreza inglesa, possibilitando a
intervenção do Estado sobre a economia, impedia a ascensão da dinastia Tudor (1485-1603). Foi essa
liberdade econômica da burguesia. O dinastia que, com o apoio da burguesia e do
protecionismo alfandegário impedia a entrada de Parlamento, instalou o absolutismo no país.
produtos estrangeiros (matéria-prima) mais baratos, Henrique VII (1485-1509), o primeiro
para as indústrias nascentes. O monopólio governante Tudor, pacificou o país e consolidou o
comercial do sistema colonial restringia o mercado Estado nacional inglês. Mas foi Henrique VIII
consumidor aos produtos industrializados. A (1509-1547) que, sujeitando o Parlamento, deu as
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características absolutistas à monarquia inglesa. fortemente ao anglicanismo e até ao catolicismo
Realizou a Reforma Protestante na Inglaterra, desbancado pelo Ato de Supremacia de Henrique
fundando, com o Ato de Supremacia de 1534, a VIII. Essas forças sociopolíticas iriam criar sérias
Igreja Anglicana, da qual se tornou a maior turbulências no governo dos Stuarts.
autoridade. Seu filho e sucessor, Eduardo VI
(1547-1553), garantiu em seu curto reinado a
reforma religiosa. 03. Surgem as condições
Elizabeth I (1558-1603), outra filha de
Henrique VIII, assumiu o trono com a morte de A Inglaterra atingiu no século XVII notável
Maria I e retomou a política do pai, consolidando o desenvolvimento, favorecido pela monarquia
anglicanismo. Desenvolveu também agressiva absolutista. Henrique VIII e Elizabeth I unificaram
política mercantilista, buscando aumentar o poderio o país, dominaram a nobreza, afastaram a
da Inglaterra nos mares. ingerência papal, criaram a igreja nacional inglesa,
Em seu reinado, iniciou-se efetivamente a confiscaram terras da Igreja Católica e passaram a
colonização da América do Norte, com a fundação, disputar os domínios coloniais com os espanhóis.
em 1854, da colônia de Virgínia, por Sir Walter Tais tarefas agradaram à burguesia, mas agora o
Raleigh. Ao mesmo tempo, como meio de poder absolutista tornava-se incômodo, pois
enfraquecer os poderosos impérios espanhol e barrava o avanço da burguesia mercantil. Grande
português, Elizabeth I apoiou a atividade corsária, parte dos recursos do Estado vinha da venda de
na qual se destacou Francis Drake, que seria monopólios, como aquele sobre comércio exterior,
consagrado nobre pela rainha devido aos serviços sal, sabão, alúmen, arenque e cerveja, que
prestados ao reino. beneficiavam um pequeno grupo, a burguesia
Em 1588, Felipe II da Espanha armou uma financeira. E prejudicavam a burguesia comercial,
expedição naval para atacar a Inglaterra e sem liberdade para suas atividades, e os artesãos,
confirmar a hegemonia espanhola em todo o que pagavam caro por alimentos e produtos
mundo. A chamada Invencível Armada, indispensáveis a seu trabalho. Ao mesmo tempo, a
entretanto, foi destruída pelas forças inglesas, garantia de privilégios às corporações de ofício
levando à ruína o poderio espanhol, que entrou em impedia o aumento da produção industrial, pois
acelerada decadência econômica. Portugal, que eles limitavam a entrada de novos produtores nas
nessa época estava unido à Espanha, formando a áreas urbanas.
União Ibérica (1580-1640), devido a razões Outro problema econômico estava no campo. A
sucessórias, sofreu os reflexos dessa ruína. alta de preços e a expansão do consumo de
Os Tudors deixavam um país com a autoridade alimentos e matérias-primas, como a lã,
real consolidada, só que em acordo com o valorizavam as terras. Isto despertou a cobiça dos
Parlamento, especialmente fortalecido com os produtores rurais. Eles tentavam aumentar suas
favorecimentos realizados para com a pequena posses através dos cercamentos, isto é, tentavam
nobreza e os comerciantes. transformar em propriedade privada as terras
Muitos dos novos grupos emergentes da coletivas, devolutas ou sobre as quais havia uma
sociedade inglesa, dinamizada pela política posse precária. Tais ações expulsavam posseiros e
mercantilista, pelo comércio, pelos cercamentos criavam grandes propriedades, nas quais se investia
(terras de onde os camponeses foram expulsos, capital para aumentar a produção. O Estado, para
trocando a produção agrícola nos moldes feudais preservar o equilíbrio social necessário a sua
pela produção rural comercial, inicialmente existência, barrava os cercamentos e punha contra
prevalecendo a criação de ovelhas), e até pela si dois setores poderosos: a burguesia mercantil e a
pirataria patrocinada pelo próprio Estado, foram nobreza progressista rural, a gentry.
elevados aos altos postos governamentais No plano político, havia o conflito entre rei e
(Conselho Privado, tribunais e outros cargos), Parlamento. A este, instituído pela Carta Magna de
iniciando um processo de ampliação de prestígio e 1215, cabia o poder de direito, isto é, legítimo. Mas
busca de maiores espaços políticos no Estado os Tudor exerceram o poder de fato, convocando
inglês. Não raramente, tais grupos sociais pouco o Parlamento. As classes aí representadas
emergentes abraçavam o puritanismo, imbuído de não se opuseram ao absolutismo porque
uma visão religiosa e política mais sintonizada com correspondia a seus interesses. O rei promovia
seus anseios. desenvolvimento. No século XVII, o Parlamento
Ao contrário, no final do período Tudor, a pretendia transformar seu poder de direito em
tradicional aristocracia, muito mais comercial, poder de fato. O rei correu a legitimar seu poder,
empreendedora e ciosa de autonomia que a
aristocracia feudal do continente, apegava-se
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que era de fato. Só havia uma forma: considerar o burguesia, representavam uma tendência moderada
poder real de origem divina, como na França. de oposição e defendiam a implantação de uma
monarquia parlamentar. Os puritanos, liderados
A luta política desenvolveu-se então no campo
pela nova e pequena burguesia, assumiam uma
religioso e os reis manipularam a religião para
posição mais radical, exigindo a substituição da
aumentar seu poder. No século XVI, os Tudor
monarquia por um regime republicano. Sua
haviam dado ênfase ao conteúdo do anglicanismo,
repugnância pelo anglicanismo concentrava-se
isto é, seu lado calvinista, favorecendo a burguesia.
principalmente, no ódio à hierarquia clerical.
Agora, os Stuart ressaltavam a forma católica do
anglicanismo, identificando-se com a aristocracia, Havia também as seitas radicais, compostas
contra a burguesia. Claro, através do catolicismo principalmente pelas camadas populares: os
era mais fácil justificar a origem divina do poder levellers e os diggers. Os levellers (niveladores)
real. O Parlamento, dominado pela burguesia pretendiam nivelar os homens de todas as
mercantil e a gentry, radicalizou suas posições e condições sociais. Defendiam a reforma agrária e a
identificou-se com o puritanismo (forma mais república. Os diggers (cavadores) trabalhavam
radical do calvinismo), que rejeitava o coletivamente as terras incultas, e na revolução,
anglicanismo. exigiram que o governo distribuísse aos pobres as
A Revolução Puritana foi o resultado da luta propriedades agrícolas confiscadas da Coroa, da
entre a burguesia e a realeza pelo controle político Igreja Anglicana e dos nobres que lutaram ao lado
do país. do rei.

04. Religiões e classes sociais na 05. A Dinastia Stuart


Inglaterra do século XVII
Com a morte de Elizabeth I, em 1603, assume a
As diversas classes que apoiavam a monarquia coroa Jaime I, primo de Elizabeth e também rei da
absoluta na Inglaterra ou lutavam contra ela Escócia. Tinha início o tumultuado reinado da
utilizaram a religião como veículo de expressão de dinastia Stuart. Como a Inglaterra dominava a
seus interesses políticos. Grosso modo, pode-se Irlanda, Jaime I tornava-se o todo-poderoso rei de
dizer que católicos e anglicanos colocavam-se três países (Inglaterra, Escócia e Irlanda), que
favoravelmente à monarquia, enquanto formavam o Reino Unido da Grã-Bretanha.
presbiterianos e puritanos pregavam a adoção de Jaime I se aliou aos grandes nobres,
uma monarquia parlamentar. desencadeando a insatisfação da burguesia e do
Os anglicanos constituíam o grupo Parlamento, que o consideravam estrangeiro. Ele
predominante no poder, embora não fossem procurou estabelecer as prerrogativas reais,
numericamente superiores. Abaixo do rei, chefe da implantando uma monarquia absoluta de direito
Igreja anglicana, a hierarquia clerical era composta divino. Visando fortalecer o absolutismo pela
pela elite da nobreza e dos setores mais ligados ao consolidação da religião anglicana, desencadeou
monarca. Os burgueses das privilegiadas violentas perseguições a católicos e puritanos.
companhias monopolizadoras aderiram ao Muitos puritanos, avessos ao absolutismo
anglicanismo, procurando fortalecer o absolutismo anglicano do monarca, dirigiram-se para o Novo
que os beneficiava. O anglicanismo, mesmo Mundo, dando início, de fato, à colonização da
encontrando alguns seguidores nas camadas América inglesa. Os primeiros embarcaram no
populares, era uma opção típica dos grupos navio Mayflower e fundaram Plymouth, a primeira
dominantes. colônia de povoamento puritana da região que seria
Os católicos eram em grande parte conhecida como Nova Inglaterra, no nordeste da
provenientes da nobreza feudal. Embora não América do Norte.
concordassem com a centralização do poder pela Necessitando ampliar seu exército, para
monarquia, defendiam o absolutismo com receio de reprimir católicos e protestantes, Jaime I impôs
perder os privilégios feudais que ainda lhes uma política fiscal e tributária de péssimas
restavam. Em pequeno número na Inglaterra, mas repercussões, criando novos impostos e
muito numerosos na Irlanda. aumentando os já existentes. O Parlamento reagiu
Os calvinistas dividiam-se em dois grupos: invocando a Magna Carta de 1215, na qual se
presbiterianos e puritanos. Provenientes da deixava claro que o rei não podia criar ou aumentar
burguesia, os calvinistas eram maioria entre os impostos sem a aprovação dos representantes do
membros da Câmara dos Comuns (assembléia dos povo. Irritado e sem argumentos, Jaime I dissolveu
não-nobres), fazendo firme oposição ao o Parlamento em 1614, que só viria a ser
absolutismo. Os presbiterianos, liderados pela alta convocado sete anos depois. Configurava-se a
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oposição Parlamento/realeza, que incendiou a vida mais ativos do exército parlamentar. Os Cabeças
política da Inglaterra no século XVII. O Redondas, defensores do Parlamento, era
absolutismo entrava em crise. composto por camponeses, comerciantes e
Com a morte de Jaime I em 1625, sobe ao artesãos, eles eram presbiterianos, puritanos e
trono seu filho Carlos I. Jovem e hábil, o novo membros de seitas religiosas populares e radicais.
monarca soube abster-se de declarações favoráveis Enquanto os Cavaleiros, partidários do rei,
ao absolutismo no início de seu reinado, mas o contavam com o apoio das tropas irlandesas, da
otimismo inicial durou pouco tempo. Carlos I grande nobreza rural, dos católicos e dos
(1625-1648) tentou reforçar o absolutismo anglicanos. A pequena nobreza rural estava
estabelecendo novos impostos sem a aprovação do dividida entre o Parlamento e o rei. Um dos líderes
Parlamento, o que agravou a tensão entre a Coroa e puritanos era o pequeno fidalgo rural Oliver
os deputados. Cromwell, descendente de famílias que se haviam
Em 1628, guerras no exterior o obrigam a enriquecido com os bens confiscados da Igreja
convocar um Parlamento hostil, que lhe impõe a Católica durante a Reforma. Por isso, Cromwell era
Petição dos Direitos – também chamada de decididamente anticatólico.
Segunda Carta Magna inglesa. O Parlamento exigia Inicialmente, os partidários do rei conseguiram
o controle da política financeira, controle da vitórias, mas o deputado Cromwell assumiu o
convocação do exército e regularidade na comando do exército parlamentar e a situação
convocação do Parlamento, além de proteger a inverteu-se. Ele organizou o Exército de Novo Tipo
população contra tributos e detenções ilegais. (New Model Army), sobretudo composto por
Obtendo em troca a aprovação dos impostos que camponeses, com apoio da burguesia londrina e da
queria em 1629, Carlos I dissolveu o Parlamento. gentry: a ascensão se dava não por nascimento,
Enganados, os parlamentares nada puderam fazer, mas por merecimento. Esse exército venceu os
passando mais 11 anos em recesso. filhos de fidalgos do exército realista. Os cabeças
Como forma a forma de enquadrar os redondas, (porque não usavam perucas), foram
dissidentes era a política religiosa, Carlos tentou decisivos na batalha final de Naseby, em 1645.
uniformizar o reino, impondo o anglicanismo aos Com a vitória militar dos puritanos, o
escoceses presbiterianos. Eles se rebelaram e Parlamento, dominado pelos moderados
invadiram o norte inglês. O rei convocou o presbiterianos, firmou um acordo com o rei,
Parlamento em 1640, pois necessitava de fundos propondo que ele continuasse no trono, mas com
para conter a invasão escocesa, mas, o dissolveu sua autoridade limitada pelo Parlamento. Os
em seguida. Seis meses depois, sem opções, presbiterianos, maioria no Parlamento, instituíram
convocou-o de novo. Foi o Longo Parlamento, pois o presbiterianismo como religião oficial e criaram
se manteve até 1653. O Parlamento foi duro com o uma série de leis repressivas contra as seitas
rei. O rei não poderia mais ter exército permanente. independentes e radicais. Ao mesmo tempo,
O Parlamento se reuniria a cada três anos utilizando-se da autoridade real, procuravam
independentemente de convocação real; e desarticular o novo exército, controlado pelos
conduziria a política tributária e religiosa. puritanos. Mas o Exército de Novo Tipo era
Cumpridas as exigências do Parlamento, o rei favorável à liberdade religiosa para todos os
conseguiu o aumento dos impostos. Com isso pôde protestantes. Além disso, os soldados não recebiam
contratar mercenários, fazendo recuar os escoceses. seus soldos atrasados e nem as viúvas e os órfãos
Em 1641, eclodiu uma revolta católica na dos que morreram lutando pelo Parlamento
Irlanda. O Parlamento negou a Carlos I o comando recebiam suas pensões. Agitados pelos pregadores
do exército para a repressão. Recusando-se a das seitas radicais, como os niveladores, os
cumprir tal exigência, o rei invadiu o Parlamento e soldados revoltaram-se contra o poder civil do
tentou prender seus líderes principais. Os Parlamento.
deputados refugiaram-se então na City, o centro Na verdade, estavam ocorrendo, na Inglaterra,
comercial de Londres, onde estourou uma rebelião duas revoluções dentro de uma só. A revolução
armada, de apoio ao Parlamento, dando início à contra o absolutismo e o mercantilismo, feita pela
guerra civil. burguesia e pelas classes proprietárias que queriam
tomar o poder, implantar seu governo e impor a
06. A Revolução Puritana (1641-1649) liberdade de comércio, a livre-concorrência. Foi
essa a vencedora. A outra era a revolução popular
A guerra civil, de 1641 a 1645, correspondeu à defendida pelas seitas religiosas radicais, cujo
primeira fase da Revolução Puritana, assim principal agente era o exército. Pregavam o fim dos
denominada porque os puritanos eram os líderes monopólios, a democracia política, a liberdade
religiosa e a distribuição das terras aos deserdados
27
e aos pobres. Esta revolução foi derrotada quando Durante o governo de Cromwell, a Inglaterra
os puritanos assumiram o controle da situação, mas foi adquirindo os contornos da potência mundial
continuava bem viva, assustando as classes que se tornaria nos séculos seguintes. Para tanto,
proprietárias. priorizou-se o desenvolvimento da indústria naval,
lançando-se, a partir de 1650, os Atos de
07. A República Puritana (1649-1658) Navegação, as mercadorias comercializadas pelos
ingleses somente poderiam ser transportadas em
Os deputados presbiterianos, que dominavam o navios ingleses ou em navios de seus países de
Parlamento, temiam pela anarquia e pelo fim da origem. Esses decretos protegiam os mercados
propriedade privada; porém, não tinham força para ingleses e suprimiam a participação holandesa no
enfrentar o exército. A solução foi pedir o apoio de comércio britânico, muito forte até então. Essa
Cromwell, na esperança de que ele controlasse os situação levou a uma guerra entre Holanda e
soldados rebeldes. Mas Cromwell juntou-se a estes. Inglaterra (1652-1654), da qual esta saiu vitoriosa,
Em 1649, tendo o exército à frente, Cromwell deu consolidando sua hegemonia marítima. A partir de
um golpe de Estado, alijou do poder os então a Inglaterra passava a ser a grande potência
presbiterianos, que eram mais conservadores, o rei marítima mundial, posição que manteve até o fim
foi decapitado, a Câmara dos Lordes foi abolida e da Primeira Guerra Mundial, no século XX.
foi instaurado o regime republicano, denominado Em 1653, Cromwell dissolveu o Parlamento e
Commonwealth. As terras dos realistas e dos impôs uma ditadura pessoal, e nomeou a si mesmo,
chamados traidores foram confiscadas para pagar o de forma vitalícia, Lorde Protetor da República.
soldo das tropas. Iniciou-se, desse modo, a segunda A ditadura inglesa perdurou até sua morte, em
fase da Revolução Puritana. 1658. A ditadura de Cromwell recebeu o respaldo
A execução de Carlos I marcou um fato inédito dos militares e da burguesia, que, apesar de ver
na história européia, pois, pela primeira vez, um fechado o Parlamento, preferiu sacrificar seu centro
monarca foi executado por ordem do Parlamento e de expressão política em troca de um governo
não por intrigas palacianas. Ao tomar essa decisão, ditatorial favorável aos seus interesses.
a sociedade, representada pelo Parlamento, O filho, Richard Cromwell o substituiu após
sepultava um princípio político central do Estado sua morte em 1658. O exército não aceitou o
moderno: a idéia da origem divina do rei e de sua governo de Richard – facilmente manipulado pelos
incontestável autoridade. A guerra civil inglesa políticos – e destituiu-o. O exército fragmentou-se,
fomentou novas idéias, que prenunciavam os com os generais lutando por seus próprios
acontecimentos do século seguinte, o “Século das interesses, provocando um clima de instabilidade e
Luzes”, lançando as bases políticas do mundo de lutas internas. Nesse clima de incertezas, as
contemporâneo. seitas religiosas radicais mobilizaram-se
Inicialmente, Cromwell governou a Inglaterra novamente, o que assustou as classes proprietárias.
com o apoio do Parlamento, composto em sua O novo Parlamento, eleito em 1660, composto por
maioria de puritanos – os calvinistas ingleses. Em anglicanos e presbiterianos, estabeleceu contatos
1649, o exército da jovem República viu-se com os exilados da família Stuart e pensou em
ameaçado por uma rebelião católica na Irlanda, restabelecer a monarquia para resgatar o controle
favorável ao retorno do absolutismo. Cromwell da situação. Por outro lado, os parlamentares
massacrou os rebeldes, confiscou as terras dos temiam que os Stuart voltassem ao poder,
católicos irlandeses e entregou-as aos protestantes recuperassem suas propriedades e perseguissem
– escoceses, em sua maioria – e, daí em diante, o todos os revolucionários. Carlos II, filho do rei
derramamento de sangue não cessaria até nossos executado, comprometeu-se a respeitar as
dias. Em 1650, Cromwell esmagava uma revolta propriedades existentes, manter a tolerância
monarquista na Escócia. Cromwell também religiosa e anistiar todos os revolucionários, exceto
eliminou os radicais do exército. Os líderes os diretamente envolvidos na execução do rei. Com
niveladores foram executados; os escavadores, do esse compromisso, a monarquia foi restaurada.
movimento proletário rural que pretendia tomar
terras do Estado, da nobreza e do clero anglicano, 08. A Restauração Monárquica (1660-
foram dizimados. Liquidado o movimento mais
democrático dentro da Revolução Inglesa, os 1688)
menos favorecidos ficaram sem esperanças e
aderiram a movimentos religiosos radicais, como Embora aparentasse inicialmente respeitar o
os ranters e os seekers. Parlamento e renunciasse ao aumento da
arrecadação, Carlos II (1660-1685), filho de
Carlos I e educado na corte de Luís XIV, era
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simpatizante do catolicismo e tentou restabelecer o Internamente, Carlos II eliminou todas as
absolutismo na Inglaterra. Carlos II tinha restrições que pesavam contra os católicos, o que
consciência de que era um rei sem coroa, imposto assustou os protestantes. Estes temeram a
unicamente pela vontade dos comerciantes e restauração do catolicismo como religião oficial
proprietários rurais que dominavam o Parlamento. inglesa, pois isso significaria devolver os bens que
Por isso, Carlos II procurou respaldo político tinham confiscado. O Parlamento reagiu aprovando
restabelecendo a Câmara dos Lordes. Mas ele sabia em 1679 o Ato de Exclusão, pelo qual os católicos
que sua única chance de conseguir o poder efetivo eram excluídos dos postos de governo e dos cargos
era explorar a fundo os conflitos entre as classes de públicos. Ainda no mesmo ano, votou-se a Lei do
proprietários. E foi o que ele procurou fazer. Habeas-Corpus, medida jurídica que garantiu ao
A classe proprietária estava dividida entre os indivíduo proteção legal contra as detenções
antigos realistas, que haviam perdido suas arbitrárias e liberdade pessoal perante os detentores
propriedades, e os novos realistas, os do poder público. O impasse Parlamento x
presbiterianos, que haviam adquirido essas monarquia radicalizou-se e, em 1683, Carlos II
propriedades. Era preciso favorecer os antigos decretou nova dissolução do Parlamento.
realistas sem prejudicar os novos. Os primeiros Com a morte de Carlos II em 1685, assumiu o
receberam suas terras de volta, mas não todos os poder o seu irmão Jaime II, católico convicto e
seus bens, principalmente aqueles que foram declarado. Jaime II deu continuidade à política de
comprados pelos presbiterianos. Aqueles que restauração do absolutismo, sofrendo por isso
pactuaram com o assassinato do rei foram oposição dos Whigs. A situação política agravou-se
executados de forma cruel e Cromwell foi quando o monarca ameaçou restabelecer o
desenterrado para ser enforcado. Os puritanos catolicismo como religião oficial. Sua política,
foram expulsos dos cargos religiosos e estatais. declaradamente pró-católica, preocupou a
Pior do que isso foi uma lei, de 1655, que proibia aristocracia rural tory, sua base social, que era
que eles se reorganizassem, impedindo todo culto majoritariamente anglicana. Embora fosse vedado
público que não fosse o da Igreja Anglicana, que por lei, o exército passou a ser dirigido por oficiais
novamente se tornou a Igreja oficial. católicos. Em 1687, Jaime II suspendeu todas as
Nessa época, começaram a formar-se os dois leis que vedavam aos católicos o exercício de
grandes partidos políticos ingleses, que iriam qualquer cargo estatal, civil ou militar.
alternar-se no poder nos séculos seguintes: o Tory A Igreja Anglicana ficou amedrontada. Nessa
(conservador) e o Whig (liberal). O primeiro época, nos países católicos europeus, ocorreram
representava os grandes proprietários rurais, eram verdadeiros massacres de protestantes,
absolutistas e anglicanos. O Partido Whig era uma atemorizando os anglicanos, que imaginavam
coligação de comerciantes, financistas e das mais tratar-se de uma ofensiva internacional do papado
poderosas famílias da aristocracia inglesa, que para restaurar o catolicismo em toda a Europa e da
também lucravam com o comércio e as finanças. A qual a Inglaterra seria a próxima vítima.
ala mais radical desse partido, predominantemente
puritana e com sentimentos republicanos, era a 09. A Revolução Gloriosa (1688-1689)
classe média urbana. Esse partido representava a
oposição à Coroa e defendia um governo Entretanto, um acontecimento desfez toda a
controlado pelo Parlamento. base política de Jaime II, fortalecendo
Em 1670, a conclusão do Tratado (secreto) de decisivamente a oposição e precipitando uma
Dover, entre Carlos II e Luís XIV da França, revolução que derrubaria o absolutismo inglês.
estabeleceu que o monarca inglês receberia elevada Depois do casamento com uma esposa protestante,
importância em dinheiro em troca da promessa de do qual nasceram duas filhas, Jaime II, já idoso,
restaurar o catolicismo na Inglaterra e apoiar a casou-se novamente, dessa vez com uma católica.
França em sua luta contra a Holanda protestante. Em 1688, ocorreu o inesperado nascimento de um
Mas o Parlamento não aprovava essa guerra e, por herdeiro, um filho católico. Whigs e Tories,
conseguinte, não votava os créditos da guerra, contrários à sucessão de um governante católico –
levando o governo a tomar empréstimos – que não que seria suspeito de reinstaurar o catolicismo e
conseguia saldar – no mercado financeiro. Essa definitivamente o absolutismo -, aliaram-se contra
política de aproximação com os franceses Jaime II, oferecendo o trono a Guilherme de
desgostava tanto a burguesia, ferida em seus Orange, protestante, casado com Maria Stuart
interesses econômicos, quanto a nobreza anglicana, (uma das filhas do primeiro casamento de Jaime
temerosa de perder os seus privilégios – terras II), e príncipe da Holanda. Em troca, os
expropriadas aos católicos, isenções de tributos,
cargos públicos etc.
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parlamentares pediam a manutenção do modelo econômico inglês, estabelecendo no lugar
anglicanismo e um Parlamento livre. do mercantilista (protecionista) uma economia de
Em novembro de 1688, Guilherme livre comércio, o liberalismo econômico.
desembarcou na Inglaterra e não encontrou Eliminaram-se os monopólios e privilégios
qualquer resistência. Surpreso e assustado, Jaime II mercantis, deram-se condições a uma produção
fugiu para a França, enquanto Guilherme de livre nas cidades, acompanhada de um comércio,
Orange era coroado com o título de Guilherme III. também livre, exercido por qualquer um que
Essa revolução, ocorrida sem que houvesse demonstrasse condições de realizá-lo. O Banco da
derramamento de sangue, denominou-se Inglaterra foi criado para financiar a dívida pública
Revolução Gloriosa. e os investimentos. Os governos da grande
Em 1689, o absolutismo foi substituído pela burguesia também investiram em infra-estrutura
monarquia constitucional, em que a realeza ficava para facilitar o escoamento da produção, como
submetida ao Parlamento. Para isso, o novo rei construção e pavimentação de estradas,
jurou o Bill of Rights (Declaração de Direitos), modernização e aparelhamento dos portos e
que determinou a criação de um exército construção de navios.
permanente, a garantia da liberdade de imprensa e A intervenção estatal nas obras públicas, na
da liberdade individual, a proteção à propriedade expansão do crédito e na legislação que favorecia a
privada e a autonomia de atuação do poder livre-concorrência criou condições políticas para
judiciário. Definiu-se ainda que novas taxações que a Inglaterra, na segunda metade do século
teriam de ser aprovadas pelo Parlamento e, XVIII, fosse a pioneira na Revolução Industrial.
segundo o Ato de Tolerância, que haveria liberdade
religiosa a todos os protestantes. O rei não podia A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
cancelar leis parlamentares e o Parlamento poderia
dar o trono a quem lhe aprouvesse após a morte do O capitalismo plenamente configurado surgiu na
rei; haveria reuniões parlamentares e eleições Europa ocidental, em um país específico, a
regulares; o Parlamento votaria o orçamento anual; Inglaterra de meados do século XVIII. Por
inspetores controlariam as contas reais. capitalismo entendemos uma economia e sociedade
Estabeleceu-se, também, o princípio da divisão de com as seguintes características: os meios de
poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário). produção (terras, indústrias, máquinas, matérias-
Em 1714, herdou o trono britânico Jorge I, primas) são propriedade privada de uma classe
iniciando uma nova dinastia, a Hannover. Até hoje social chamada burguesia; o trabalho dominante é
a dinastia Hannover perdura no trono, embora sob o assalariado; a economia é de mercado, isto é, a
outro nome – Windsor. Essa alteração se deu maioria dos produtos é feita para transformar-se em
durante a Primeira Guerra Mundial, quando o mercadoria; emprega-se predominantemente a
Reino Unido enfrentou a Alemanha e substituiu o energia mecânica na produção; existe uma clara e
nome dinástico de origem germânica. Com Jorge I, extensa divisão do trabalho e cada trabalhador
firmaram-se as estruturas do moderno participa da realização de apenas uma parte do
parlamentarismo britânico, em que a maioria produto final, com o objetivo de produzir mais em
parlamentar tornou-se requisito fundamental para a menos tempo; há uma crescente urbanização com o
formação do ministério. O primeiro-ministro, que desenvolvimento das cidades e o aumento de
lidera o ministério, torna-se chefe de governo, trabalhadores na indústria e no comércio, em
desobrigando-se de responsabilidade perante o rei, prejuízo da agricultura e da pecuária.
e o monarca passa a ser chefe de Estado, cargo de Entendido dessa forma, o capitalismo
caráter limitado: “O rei reina, o Parlamento consolidou-se com a Revolução Industrial, iniciada
governa”. na Inglaterra e que, mais tarde, expandiu-se por
outras regiões da Europa e do mundo.
10. Conseqüências da Revolução
Gloriosa 01. O significado da Revolução
Industrial
Antes de tudo, a Revolução Gloriosa de 1688
foi uma revolução burguesa. No plano político, A Revolução Industrial foi uma revolução
lançou por terra o poder absolutista, criando, com a técnica marcada pela passagem da manufatura,
monarquia parlamentar, as condições institucionais movida pela energia humana, para a
para a realização de seus interesses. maquinofatura, que utilizava a energia mecânica,
Sepultando o absolutismo, a burguesia pôde vapor, eletricidade ou motor à explosão. Essas
participar das decisões políticas que organizavam o mudanças na forma de produzir trouxeram
30
profundas transformações sociais e econômicas, aplicavam seu capital na produção, além de um
como por exemplo, o surgimento da classe operária mercado de certa importância, e, em alguns casos,
e a ampliação da economia de mercado. contava com mão-de-obra concentrada nos setores
Nos últimos anos do século XVIII, a grande onde havia algumas poucas manufaturas. Só que a
indústria inglesa existia apenas em um pequeno economia era mal articulada. O setor agrícola
setor da vida nacional. Por causa dos regulamentos atrasado tornava insuficiente e cara a oferta de
tradicionais, havia setores, como o da fabricação da alirnentos e matérias-primas; as estradas ruins, os
lã, que estavam totalmente fora do sistema fabril. portos mal-aparelhados e os baixos salários
Esses regulamentos, herdados das antigas impediam o crescimento do mercado. As leis que
Corporações de Ofício, dificultavam a inovação protegiam as Corporações de Ofício limitavam a
tecnológica porque ditavam normas para a inovação tecnológica e a introdução das máquinas
produção e para a comercialização das na produção.
mercadorias. No século XVIII, houve uma “febre” de tecidos
Os artesãos e os manufatureiros também de algodão, planta originária da América. Por ser
freavam a industrialização, pois temiam a uma atividade recente, não existiam
concorrência das fábricas e seus aprendizes temiam regulamentações proibindo o uso de máquinas
o desemprego. nesse setor. Foi aí que nasceu a Revolução
Antes do surgimento das grandes fábricas, não Industrial, com a utilização das máquinas movidas
podemos falar de sistema fabril propriamente dito. a vapor na produção. Como a matéria-prima era
O que existia era o artesanato local, com um curto importada do sul das 13 colônias americanas, essa
raio de ação, suficiente apenas para atender às indústria surgiu nas cidades portuárias que
necessidades fundamentais da população. Em comercializavam com a América, como Liverpool,
alguns lugares, existiam empresas voltadas para um na Inglaterra, e Glasgow, na Escócia. A indústria
mercado mais amplo, que se dedicavam à produção têxtil do algodão foi o motor da expansão industrial
de artigos de luxo, destinados inclusive à até princípios do século XIX, quando surgiu a
exportação. Elas concentravam um grande número indústria ferroviária, que a substituiu.
de trabalhadores, mas utilizavam ainda a Antes da grande indústria, não existia a
organização tradicional do artesanato. Seus generalização do trabalho assalariado. Quando
proprietários eram mercadores ricos que ainda predominavam o artesanato e a manufatura, a
organizavam grandes oficinas, forneciam a maioria dos trabalhadores era dona dos meios de
matéria-prima e pagavam por produto acabado a produção. Com a Revolução Industrial, ocorreu a
seus trabalhadores. Em certos lugares, esses mecanização da indústria e da agricultura, o que
mercadores faziam uso do sistema doméstico de aumentou a produtividade do trabalho. Os produtos
produção, levando a matéria-prima nas casas dos da grande indústria e da agricultura mecanizada
artesãos e buscando o produto acabado para eram mais baratos do que aqueles feitos
vender. Às vezes, esses comerciantes—empresários manualrnente pelos pequenos proprietários, os
empregavam centenas de pessoas. A tarefa desses quais não agüentaram a concorrência e faliram.
empresários era fornecer a matéria-prima, fixar e Sem condições de sobreviver por conta própria,
pagar os salários por tarefas, armazenar a produção boa parte dos pequenos proprietários transformou-
e vender e exportar os produtos. Procediam mais se em operários da grande indústria. Outra parte,
ou menos como certos donos de grifes trabalham excluída do mercado de trabalho, emigrou para a
hoje em dia, contratando pequenas oficinas de cos- América, particularmente para os Estados Unidos,
tura para fazer os produtos modelados por eles, em em busca de melhores condições de vida. Muitos,
troca de um pagamento por um produto. sem opção, transformaram-se nos excluídos da
Também existia a manufatura. Nesse sistema de sociedade capitalista, mendigos, ladrões, vadios,
trabalho, os operários eram concentrados, sob a vigaristas e prostitutas, que passaram a sofrer as
direção dos contramestres, em um ou vários conseqüências das leis repressivas.
edifícios próximos. Aqui, já existia uma certa O operário que surgiu com a Revolução
especialização do trabalho e um operário realizava Industrial é aquele trabalhador que não tem meios
uma ou algumas etapas da produção, que de sobreviver por conta própria. Ele é um homem
dependiam apenas de sua habilidade manual. Esse livre, não obrigado a trabalhar para ninguém, a não
tipo de organização da produção era excepciona1, ser por necessidade econômica. Se não trabalhar,
às vésperas da Revolução Industrial, sendo mais sabe que morre de fome ou se torna um marginal.
comum a dispersão artesanal através do sistema Então, vende sua força de trabalho a um capitalista.
doméstico. Durante as horas de trabalho, ele está na fábrica, à
A Europa pré-industrializada já tinha seus disposição do capitalista; fora dela, é livre. O
empresários burgueses ou mesmo nobres que pagamento pela venda de sua força de trabalho é o
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salário. Com o salário que recebe, o trabalhador bancos de Lisboa, seguindo logo para a Inglaterra,
come, bebe, veste-se, dorme, isto é, garante as em pagamento às importações portuguesas. O ouro
condições mínimas necessárias para recuperar suas e a prata da Espanha também chegavam a Londres.
energias e cuidar de seus filhos, a fim de que eles Esse capital procedente das colônias foi aplicado
também se transformem em força de trabalho. na Revolução Industrial inglesa.
O salário, porém, paga apenas uma parte de seu O setor mais importante da economia inglesa no
tempo de trabalho. Digamos que, para trabalhar século XVIII era o agrícola, que passou por
oito horas por dia, ele receba uma certa quantidade profundas transformações técnicas, na organização
de dinheiro e que, durante esse tempo, produza e mesmo na composição da população rural. Essas
para o patrão uma quantidade duas vezes maior de mudanças fizeram com que a agricultura inglesa
dinheiro em forma de mercadorias. Então, uma deixasse de ser de subsistência e se transformasse
parte de seu tempo de trabalho foi paga. A outra predominantemente numa atividade capitalista, que
ficou de graça para o capitalista. Essa exploração visava ao lucro.
do trabalhador assalariado ficou conhecida como No século XVIII, a Europa ocidental conheceu
mais-valia. um grande crescimento demográfico. A Inglaterra,
atingida por essa expansão, precisava alimentar sua
02. Fatores do pioneirismo inglês população, além de exportar alimentos para os
habitantes de outras partes da Europa. Dispondo de
Diversos fatores ajudaram a Inglaterra a tomar a um mercado tão promissor, os fazendeiros
dianteira na Revolução Industrial. A explicação começaram a investir para aumentar a
para esse pioneirismo está na combinação de produtividade. Técnicas mais avançadas de
condições econômicas, políticas e culturais que produção foram importadas da Holanda. As terras
somente a nação inglesa reunia na época. passaram a ser aradas mais profundamente e
O capital necessário para o desenvolvimento da introduziram-se novas culturas, como nabo, batatas
grande indústria veio da expansão comercial e gramíneas para alimentar o gado.
inglesa na Idade Moderna. Na segunda metade do Também a pecuária sofreu grandes mudanças.
século XVII, esse país havia vencido a corrida pelo Até então, o ovinos eram vistos apenas como
domínio do mercado mundial contra outras fornecedores de lã e os bovinos como animais de
potências européias. Nesse período, a Inglaterra transporte. Como esse gado era criado praticamente
conheceu sua revolução “burguesa”, que permitiu solto, de forma extensiva, era comum que passasse
uma grande estabilidade política e o fome e até mesmo morresse no inverno devido à
desenvolvimento de uma sociedade aberta ao falta de forragens. Com a revolução agríco1a, o
capitalismo. Nobres e burgueses desejavam lucrar gado passou a ser estabulado, para que novos
com as atividades mercantis e o governo inglês campos fossem incorporados ao cultivo de cereais.
incentivava essas atividades. Em 1694, foi criado o Dessa forma, agricultura e pecuária passaram a ser
Banco da Inglaterra para financiar o comércio e as atividades complementares. O gado fornecia o
manufaturas. O governo investia, por exemplo, em estrume para adubar as plantações, enquanto a
estradas, portos e canais de navegação para facilitar agricultura produzia ração para o gado confinado.
o escoamento dos produtos, ampliar o mercado e a Surgiu daí um gado de melhor qualidade,
produção de mercadorias. provocando um aumento da procura pelas carnes
Comerciantes e navios ingleses estavam bovinas e ovinas. Em conseqüência disso, os bois
presentes nos portos das mais diferentes regiões do foram substituídos pelos cavalos nos trabalhos de
mundo, transportando escravos negros da África tração, o que permitiu arações mais profundas,
para a América, especiarias das Índias para a atividade para a qual os primeiros eram
Europa, ouro e prata da América para o Velho inadequados.
Mundo e manufaturas da Europa para o Novo Essas transformações técnicas exigiam muito
Mundo. Os ingleses lucraram com o comércio, capital, e por isso foram capitalistas e grandes
fosse essa atividade legalizada ou não. proprietários rurais que as iniciaram.
No início do século XVIII, as economias Paralelamente, ia ocorrendo uma revolução
portuguesa e espanhola, bem como a de seus vastos social nos campos ingleses. Até o século XVIII, os
impérios coloniais, eram totalmente dependentes da cercamentos de terras eram feitos para criar
economia inglesa. Na primeira metade do século ovelhas, com a pecuária substituindo a agricultura
XVIII, o Brasil extraiu mais ouro, em 30 anos, que nas terras que eram cercadas. O novo cercamento
toda a América espanhola tinha feito em 150 anos. do século XVIII visava transformar os campos
Porém, por força de acordos comerciais, esse ouro abertos e comunais em grandes fazendas
que ia para Portugal não chegava a esquentar os particulares, com tecnologia moderna, grandes
investimentos e produção visando ao lucro. Os
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camponeses que usavam essas terras comuns foram o absolutismo de fato, ocorreram as revoluções
expulsos e uma minoria transformou-se, em inglesas do século XVII que derrubaram
trabalhadores assalariados dos grandes fazendeiros, definitivamente o absolutismo e implantaram a
O restante emigrou para as cidades, onde muitos monarquia constitucional. A Revolução Gloriosa
procuraram sobreviver através da mendicância e (1688) permitiu que e novo poder, ligado aos
outras atividades i1egais. Mas as Leis dos Pobres, negócios manufatureiros, financeiros e industriais,
de 1834, proibiram a vadiagem; surgiu então ti uma criasse uma legislação favorável aos interesses
mão-de-obra abundante e barata para a nascente capitalistas e investisse em obras públicas, que
indústria inglesa. Com o aparecimento das grandes contribuíram para ampliar o mercado e
fábricas, o sistema doméstico de produção, o estimularam os investimentos industriais.
artesanato e as manufaturas não agüentaram a O sociólogo alemão Max Weber procurou
concorrência e faliram. Os falidos, em boa parte, encontrar no protestantismo o fator mais
foram engrossar as fileiras da nascente classe importante para explicar o pioneirismo inglês na
operária inglesa. Revolução Industrial. Para ele, o protestantismo
A revolução agrícola inglesa teve três grandes puritano não foi a causa do capitalismo, mas
resultados que ajudaram a Revolução Industrial. favoreceu seu desenvolvimento; foi a força que o
Em primeiro lugar, aumentou a produtividade da impulsionou, ao criar uma ética que santificava a
terra, barateando os alimentos; em segundo, acumulação de capital e o trabalho.
aumentou o mercado consumidor para as O calvinismo deu ênfase à máxima de trabalhar
indústrias, porque na agricultura de subsistência, o com afinco no ofício a que Deus nos destinou e o
trabalhador alimentava-se e vestia-se com sua puritanismo radicalizou-a. Os pecados passaram a
própria produção agrícola e com os trabalhos ter outros nomes: ócio, indolência, vadiagem. O
domésticos. Desprovidos da terra, tinha de eleito de Deus passou a ser o homem diligente,
trabalhar para outros homens e não tinha tempo trabalhador. Essa moral religiosa que santificava o
nem equipamentos para produzir pessoalmente, ou trabalho teve grande sucesso entre as classes
em família, seu sustento. Embora ganhasse pouco e médias rural e urbana da Inglaterra e capacitou—as
consumisse pouco, seu consumo passou a ser feito a enfrentar uma vida cotidiana monótona, rígida na
também de produtos comprados das indústrias. disciplina, cujo objetivo era trabalhar, poupar,
Mas, possivelmente, a maior contribuição que a investir e ter êxito nos negócios. Baseados nessa
nova agricultura deu à indústria foi o fornecimento ética de santificação do trabalho, essas classes
da mão-de-obra, na medida em que os camponeses combatiam o ócio das classes superiores e o lazer
perderam suas terras e foram buscar sua das classes inferiores.
sobrevivência no trabalho industrial. Mesmo os que Os puritanos tinham horror à perda de tempo,
ficaram sem trabalho tinhan uma função no sistema entendido como um tesouro que pertencia a Deus e
industrial. Esse excesso de mão-de-obra permitia o que não poderia ser desperdiçado pelo homem, por
pagamento de baixos salários aos trabalhadores isso, sempre procuravam incutir nas pessoas os
empregados hábitos de disciplina e pontualidade, tão
O desenvolvimento da acumulação do capital necessários ao penoso e maçante trabalho fabril. A
durante Idade Moderna, exigiu um sistema político famosa pontualidade britânica é um subproduto da
forte , mas não a ponto de impor pesadas taxações ética puritana. O tempo era dinheiro, que não podia
aos contribuintes e de subordinar as iniciativas ser jogado fora.
individuais ao controle do Estado. Essa feliz A prosperidade e o enriquecimento lícito eram
combinação ocorreu na Inglaterra, O Estado inglês aprovados por Deus, e a poupança, a frugalidade, o
da época Tudor tendia ao absolutismo, mas possuía trabalho, a disciplina, a pontualidade e a herança
uma máquina administrativa relativamente deixada aos filhos eram virtudes. A miséria era
pequena, e pouco dispendiosa, incapaz de controlar castigo e aflição. Aos eleitos, Deus dava os
ohsessivamente os súditos. benefícios da Terra e dos Céus, e aos condenados,
Grandes proprietários de terras e círculos a miséria humana e os horrores do inferno. As
comerciais próximos à Coroa exerciam muita virtudes que o puritanismo defendia eram as
influência e impunham idéias que incentivavam o mesmas que o capitalismo nascente precisava para
desenvolvimento comercial, financeiro e deslanchar.
manufatureiro e a acumulação de capital. Os Os puritanos foram os primeiros a dignificar o
impostos eram relativamente baixos se comparados trabalho, que mais tarde os economistas liberais
ao resto da Europa, e a fiscalização insuficiente ingleses, contemporâneos da primeira Revolução
dificultava o cumprimento de antigas leis que Industrial, transformaram em criador e medida de
emperravam o progresso do capitalismo. Quando a todas as riquezas produzidas.
Dinastia Stuart assumiu o poder e tentou implantar
33
A Revolução Industrial caracterizou-se por um países que se industrializaram nesse período foram
grande aumento da produção. Isso só foi possível a Inglaterra, a Bélgica e a França.
porque havia uma crescente procura por Muitos industriais do ramo têxtil haviam
mercadorias, tanto dentro quanto fora da Inglaterra. começado com um pequeno capital e uma
A expansão do mercado interno estava ligada ao maquinaria tosca, que logo se tornou obsoleta.
crescimento demográfico da Inglaterra, desde o Eram fábricas pequenas e médias, que disputavam
início do século XVIII, que se devia principalmente avidamente o mercado, procurando oferecer preços
à queda da taxa de mortalidade, Esta última foi atrativos. As cidades fabris inglesas, como
possível devido às transformações que ocorriam no Manchester e Liverpool, centros da indústria têxtil,
país, como o aumento da produção de alimentos, cresciam e tornavam-se conhecidas
que melhorou e barateou a alimentação popular. internacionalmente, pois tecidos made in England
Também a melhoria das condições sanitárias foi desembarcavam em quase todos os portos do
importante, pois reduziu as epidemias e as pestes. mundo. Do setor têxtil do algodão, a mecanização
Outro fato de ampliação de mercados foi o estendeu-se para a metalurgia, a mineração, os
estabelecimento do trabalho assalariado, que transportes e a própria agricultura. O auge dessa
permitiu aos trabalhadores o consumo de produtos primeira Revolução Industrial deu-se com a
industrializados. construção das estradas de ferro e a invenção do
Além disso, houve a expansão do mercado trem movido a vapor, que revolucionaram os
externo inglês, que cresceu com o declínio das transportes terrestres.
manufaturas portuguesa e espanhola e com a A burguesia estava triunfante na Europa
conquista do mercado colonial desses países. Após ocidental. Os pensadores dessa época glorificavam
o rompimento do Pacto Colonial ibérico e a o mundo do capitalismo competitivo, cujo modelo
independência da América Latina, esse mercado ideal era a lnglaterra. Os burgueses de toda a
ampliou-se ainda mais. Europa miravam-se no exemplo inglês, almejando
Na Inglaterra e em suas colônias, havia grande imitá-lo no futuro. Os economistas mais
produção de carvão, fundamental como fonte de reconhecidos daquela época desenvolveram a
energia, além de feno e de algodão, que escola econômica liberal, que justificava e
alimentavam as nascentes e prósperas indústrias teorizava o novo mundo do capitalismo industrial.
metalúrgica e têxtil. Segundo o pensamento desses economistas o
A ciência em geral realizou formidáveis Estado não devia intervir na economia, tendo de
progressos no século XVIII. Nesse período, os limitar-se a cuidar da segurança e da justiça, seu
sábios passaram a utilizar seus conhecimentos papel fundamental,
científicos na criação de máquinas e equipamentos O liberalismo econômico defendia a propriedade
industriais. Novamente, a Inglaterra estava na privada e a livre-concorrência, consideradas a base
dianteira.Seus inventores, com boa formação de todo o progresso econômico. Segundo essa
científica, empenhavam-se em atender às teoria, a economia tinha 1eis naturais, que
solicitações tecnológicas dos industriais. Outros equilibravam a oferta e a procura dos produtos,
países também possuíam uma grande regulando o mercado e promovendo o
desenvolvimento na ciência aplicada, mas as desenvolvimento econômico.
condições econômicas e políticas não favoreciam Os liberais criticavam o mercantilismo e o Pacto
os pesquisadores, que muitas vezes foram prestar Colonial - com seus monopólios - e defendiam a
serviços e contribuições aos fabricantes ingleses. idéia de que todas as nações deveriam implantar a
liberdade de comércio e especializar-se naquilo que
produzissem com mais eficiência e menores custos.
03. Primeira Revolução Industrial Suas críticas às restrições mercantilistas
forneceram a idéia mestra para os movimentos de
A Revolução Industrial costuma ser dividida em independência da América Latina, que visavam,
duas grandes fases: a primeira, que se estende de entre outras coisas, libertar seus países da
meados do século XVIII a meados do século XIX, dominação econômica dos monopólios
e a segunda, que se inicia na segunda metade do metropolitanos. Não por acaso, quase todos os
século XIX. Neste capítulo, falaremos apenas sobre pensadores liberais eram ingleses: a burguesia
a primeira Revolução Industrial e, no capítulo inglesa proprietária da indústria mais dinâmica e
correspondente ao imperialismo e ao produtiva da época, era a maior interessada no
neocolonialismo, sobre a segunda. rompimento do Pacto Colonial, para ocupar, sem
A primeira Revolução Industrial limitou-se restrições, o mercado latino-americano, o que de
geograficamente à Europa ocidental, Os únicos fato ocorreria com a independência desses países.

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Os pensadores liberais, nessa época em que a miseráveis. Não existindo qualquer legislação
burguesia era revolucionária e triunfante, eram trabalhista ou inspeção estatal, as jornadas de
otimistas. Acreditavam no progresso infinito da trabalho nas fábricas eram muitas vezes superiores
razão e na evolução social como uma linha a quatorze horas, além de terem instalações em
contínua e ininterrupta, que seguia paralela ao locais insalubres e de os acidentes de trabalho
desenvolvimento da tecnologia. Eles refletiam ocorrerem com freqüência.
sobre apenas um dos lados da realidade: o mundo Interessados em obter a mão-de-obra mais
dos ricos e cultos, filhos do capitalismo triunfante. barata possível, os industriais preferiam o trabalho
Mas para a maior parcela da sociedade inglesa não das crianças e das mulheres. As crianças - algumas
era isso que ocorria. A Revolução Industrial estava com idade inferior a oito anos - trabalhavam como
criando os enjeitados, os deserdados do verdadeiros escravos, em troca de alojamento e
capitalismo. Para estes, só existiam as durezas da comida. As longas jornadas de trabalho e as
industrialização. O fim do século XVIII e o início condições subumanas de trabalho, além dos baixos
do século XIX foram anos tristes, dramáticos e salários, não eram, porém, as únicas dificuldades
geniais. Dramáticos, se nos detivermos nas guerras do trabalhador urbano. Em épocas de guerras,
e agitações que ocorreram no período; geniais, se como as do período de Napoleão, os preços dos
nos lembrarmos dos progressos técnicos e gêneros alimentícios subiam tanto que a fome se
científicos; e tristes se pensarmos na crueldade da disseminava. É contra essa situação que os
vida cotidiana dos menos favorecidos. operários irão lutar.
Muitos artesãos, arruinados pela concorrência da
grande indústria, eram transformados em operários
ou lançados como objetos gastos e obsoletos ao 4.1 Movimento Ludita
desemprego. O sistema capitalista criava um
imenso número de desempregados, que constituía Caracterizou-se pelo quebra-quebra de
um verdadeiro exército industrial de reserva, isto é, máquinas, as quais os operários identificavam
mão-de-obra disponível, que achatava o valor dos como a causa dos seus males. Seu nome vem de
salários e garantia trabalhadores para épocas de um legendário William Ludd, precursor que
aumento da produção. provavelmente nunca existiu. Foram duramente
A situação da classe operária revelava-se reprimidos. Ocorreu no início do século XIX.
extremamente precária e difícil nos primeiros O descontentamento, entretanto, aumentava
tempos da Revolução Industrial. Usando máquinas na medida em que cresciam as razões para os
rudimentares os operários eram obrigados a conflitos, prenunciando uma revolução social.
trabalhar 16 e até 18 horas por dia, para delas tirar Formaram-se as primeiras organizações
a máxima produção. As condições de trabalho eram trabalhistas, as trade-unions, que buscavam
péssimas e a disciplina era rígida. Todos catalisar as insatisfações e organizar a luta da
trabalhavam em pé, sem poder ir ao banheiro. classe operária.
Atrasos e faltas eram punidos com multas para os
adultos e castigos físicos para os menores. As 4.2 Cartismo
fábricas localizadas ao lado dos rios eram
insalubres, bem como os bairros operários que as O Cartismo foi uma tentativa de organizar a
circundavam. Não existia descanso semanal classe operária, quase nos meados do século
remunerado, férias ou qualquer dos direitos passado. Seu nome vem da Carta do Povo ,
trabalhistas atuais. Para piorar a situação, os documento publicado em 1837 pela Associação
industriais contratavam mulheres e menores, a dos Operários que, entre outros itens, exigia voto
quem pagavam salários mais baixos. Crianças eram secreto, sufrágio universal masculino, remuneração
recrutadas nos orfanatos, trabalhando nas mesmas para parlamentares e reformas nas condições de
condições dos adultos e correndo o risco de serem trabalho (especialmente limitação da jornada). O
mutiladas, por uma simples distração, cansaço Cartismo visava primordialmente dar aos operários
físico ou sono. o direito de participar da vida política. Em 1848,
ano marcado por várias revoluções na Europa, os
04. Movimento Operário no século XIX cartistas realizaram várias manifestações em
Londres. Foram duramente reprimidos.
A Revolução Industrial e o êxodo rural
deram à Inglaterra nova configuração: no campo 4.3. As Internacionais Socialistas
predominavam os latifúndios e, nas cidades, as
fábricas, onde se abrigava grande contingente de Nos anos 60 do mesmo século, o
movimento operário voltou a ganhar força. Em
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1864, em Londres, foi fundada a I Internacional a estas um regime econômico mais livre, tanto no
Operária, também chamada de Associação comércio como na manufatura.
Internacional dos Trabalhadores. Os primeiros Entretanto, a partir de meados do século XVIII,
encontros foram marcados pelas divergências entre dois acontecimentos – a Revolução Industrial e a
marxistas, anarquistas e sindicalistas. O conflito Guerra dos Sete Anos – modificaram a política
teórico entre Marx e Bakunin ganhou maior colonial inglesa. A Inglaterra tentou apertar os
repercussão com os acontecimentos da Comuna de laços coloniais, diminuindo a liberdade das Treze
Paris (1871), um governo popular de curta duração. Colônias e aumentando a exploração sobre estas.
Em 1872, num congresso em Haia, As classes dominantes americanas (comerciantes,
Bakunin e seus seguidores anarquistas foram fazendeiros e donos de manufaturas) não aceitaram
expulsos da Internacional e, em 1876, a própria e deram início à luta pela sua independência.
Associação foi dissolvida devida à divisão dos
trabalhadores. O Iluminismo: Os ideais do iluminismo
Em 1889, numa nova ascensão trabalhista, influenciaram decisivamente a independência
foi fundada a II Internacional, com um sentido americana. Palavras como razão, humanidade,
mais reformista e menos revolucionário, adotando felicidade e liberdade alimentaram os discursos de
da Social Democracia Alemã, primeiro partido filósofos-políticos, como Benjamin Franklin e
político socialista. Agora defendia-se que o Thomas Jefferson, que criticavam a interferência
socialismo seria alcançado lentamente, pelas inglesa na vida dos colonos. Eles acreditavam na
reformas, pelo voto, pela via parlamentar. Mas a liberdade econômica e política e defendiam que as
união dos trabalhadores foi breve: no início do colônias tivessem autonomia e constituíssem uma
século XX os marxistas revolucionários, liderados sociedade sem nobres e reis. Entretanto, não se
por Lênin e Rosa Luxemburgo, opuseram-se aos opunham à escravidão dos negros.
moderados. Se o iluminismo europeu deu aos líderes
Alinhadas aos seus respectivos países, durante americanos as idéias de liberdade de comércio,
a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), as massas liberdade política, igualdade de todos perante a lei,
trabalhadoras dividiram-se ainda mais, sepultando separação dos poderes e liberdade religiosa, esses
a II Internacional. Em 1919, em Moscou, em Meio pagaram seu débito criando uma nação nova, onde,
à Revolução Russa bolchevique, formou-se a III pela primeira vez, os ideais iluministas foram
Internacional, que assumiu o nome de postos em prática.
Internacional Comunista (Comintern), que seria o
embrião dos partidos comunistas. A Revolução Industrial: A partir de meados do
Discordantes dos revolucionários russos, os século XVIII a Inglaterra iniciou a sua Revolução
moderados ou reformistas da II Internacional Industrial. Com o objetivo de transformar as treze
tentaram reorganizá-la, adotando, a partir de 1923, Colônias em mercado consumidor de seus produtos
o nome de Internacional Socialista, base dos industrializados, a Inglaterra começou a fechar
partidos socialistas. A partir de então, comunistas indústrias norte americanas (concorrentes) e
e socialistas repararam-se, defendendo práticas e procurou eliminar o comércio dos colonos com
visões de mundo completamente diferentes. outros países.
Enquanto os socialistas passaram a ser rotulados
pelos comunistas de seguidores do reformismo Guerra dos Sete Anos: No século XVIII
utopista, os comunistas eram acusados de radicais e modificou-se também a política fiscal inglesa
revolucionários devido à Guerra dos Sete Anos (1756-1763) entre
Inglaterra e França, por disputa de colônias. Apesar
A INDEPENDÊNCIA DOS EUA da vitória inglesa, essa guerra foi dispendiosa para
a Coroa: a dívida pública passou de 52 milhões de
01. OS ANTECEDENTES libras em 1727 a 139 milhões em 1763.
Considerando que essas despesas deveriam ser
Ao contrário das colônias portuguesas e pagas pelas Treze Colônias, o Parlamento inglês
espanholas na América, as trezes colônias inglesas aprovou uma série de Leis no sentido de aumentar
na América do Norte usufruíram de certa liberdade a exploração colonial para cobrir o déficit.
no século XVII e parte do século XVIII. Devido ás
guerras no continente europeu e aos problemas 02. O Arrocho Colonial
internos foi mínima a interferência do Rei ou do
Parlamento inglês sobre as colônias, possibilitando Assim, gradativamente, tomaram-se medidas
restritivas à autonomia colonial, estabelecendo-se

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com vigor o pacto colonial. O Parlamento inglês governo colonial inglês a julgar e a punir
aprovou uma série de impostos para as colônias, severamente todos os responsáveis pelos
combatendo o seu comércio e o contrabando, Essa distúrbios políticos contra a Inglaterra.
política controladora chocava-se com a difusão dos
ideais iluministas de liberdade, de autonomia, 03. O Processo de Independência
levando os colonos à revolta. (1776-1783)
 Lei do Açúcar. (1764). Aumentava as
taxas sobre os produtos que não viessem As Leis Intoleráveis determinaram a
das Antilhas Britânicas. Forçando os convocação do Primeiro Congresso Continental de
colonos americanos a ter que comprar o Filadélfia, em setembro de 1774. De caráter não-
melaço das Antilhas Britânicas (que era separatista, o Congresso enviou uma petição ao rei
mais caro) para fabricar rum. e ao parlamento inglês, pedindo a revogação das
 Lei do Selo (1765). Cobrava uma taxa Leis Intoleráveis, em nome da igualdade de direitos
sobre os diferentes documentos comerciais, dos colonos. Em 1775 um conflito em Lexington
jornais, anúncios, até mesmo baralhos e provocou a morte de alguns colonos, que passaram
dados. a se organizar militarmente.
 Lei do Aquartelamento ou Lei do O rei da Inglaterra declarou os americanos
Alojamento (1765). Exigia que os colonos rebeldes, o que levou os colonos a passarem à
americanos fornecessem alojamento e revolta aberta. Um panfleto de Tom Paine, Bom
alimentação às tropas inglesas. Senso, exortava os colonos a lutarem pela sua
 Townshend Acts (1767). Impostos sobre liberdade. Em junho de 1776 a Virgínia tomou a
vidro, papel, chá, etc. A reação colonial foi iniciativa, declarando-se independente, havendo
imediata, culminando em manifestações de nessa declaração de independência uma explícita
protesto, como em Boston, principal porto Declaração dos direitos do homem. Enquanto isso,
colonial, onde as tropas inglesas dispararam estava reunido desde 1775, o Segundo Congresso
contra uma multidão de manifestantes, no Continental de Filadélfia, de caráter nitidamente
chamado Massacre de Boston. O separatista. George Washington, da Virgínia, foi
acirramento das animosidades levou a nomeado comandantes das tropas americanas e
Inglaterra a suspender os tributos impostos encarregou uma comissão, liderada por Thomas
por Towshend, exceto o que se referia ao Jefferson, de redigir a Declaração da
comércio do chá. Independência. A 4 de julho de 1776 os delegados
 Lei do Chá (1773). Concedia o monopólio de todos os territórios, reunidos na Filadélfia,
da venda do chá à Companhia das Índias promulgaram o documento, redigido por Jefferson,
Orientais. A Companhia transportava o chá com algumas modificações introduzidas por
diretamente da Ásia para a América, Benjamin Franklin e Samuel Adams.
eliminando-se todos os intermediários. Os A Guerra da Independência teve início em
colonos americanos que atuavam como março de 1775, com a tomada de Boston pelos
intermediários na comercialização do chá americanos. Era enorme sua força de vontade, mas
foram prejudicados. A reação não se fez insuficiente a organização. Os interesses eram
esperar. Em Boston, comerciantes muito divergentes. As colônias do Sul
disfarçados de índios destruíram trezentas permaneciam ainda muito ligadas à Inglaterra e
caixas de chá tiradas dos porões nos barcos somente a Virgínia agia com decisão; os
da Companhia, ancorados no porto. Esse canadenses, por sua vez, decidiram permanecer
episódio entrou para história norte- fiéis à Inglaterra. O exército era constituído por
americana com o nome de The Boston Tea voluntários, alistados por um ano, sendo a maior
Party. parte dos combatentes milicianos, que
 Leis Intoleráveis (1774). A resposta da abandonavam a luta freqüentemente para atender
Inglaterra às manifestações coloniais, seus afazeres pessoais. Os oficiais, geralmente
especialmente contra o incidente de Boston, estrangeiros, não estavam efetivamente envolvidos
foram as Leis Intoleráveis ou Coercitivas no conflito. Vencidos perto de Nova York, depois
(1774), que determinavam o fechamento do em Germantown, perto da Filadélfia (1777), os
porto de Boston, até que fossem pagos os colonos ganharam novo ânimo ao vencerem a
prejuízos aos navios britânicos; a ocupação batalha de Saratoga.
militar de Massachusetts (onde se localiza Nesse momento foi decisiva a intervenção
Boston), que perdeu parte de sua autonomia francesa na guerra. Os franceses, motivados pela
política e administrativa; autorizava o intenção de desferir um golpe em sua rival, a
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Inglaterra, que lhes impusera enormes perdas pelo pelo voto popular, com mandato de seis
Tratado de Paris de 1763, assinaram um tratado de anos).
amizade, aliança e comércio transferindo subsídios  Poder Judiciário: o órgão mais alto do
em dinheiro para os americanos e buscando a judiciário era a Suprema Corte, que tinha
aliança dos espanhóis contra os ingleses. A ajuda como principal papel garantir o cumprimento
marítima francesa foi decisiva e a guerra ampliou- das normas da Constituição.
se para a região do Caribe e para as Índias. Em Cidadania: o livre exercício dos direitos
1779 uma missão de La Fayette, que com os outros políticos e civis era assegurado pela
voluntários havia aderido à causa dos colonos Constituição através de normas que garantiam a
americanos, conseguia a liberação de 7500 liberdade de expressão, de imprensa, de crença
expedicionários franceses, sob o comando do religiosa, de reunião, a inviolabilidade do
general Rochambeau. Em 1781, o exército inglês domicílio, o direito a julgamento (ninguém
encontrou-se sitiado na ilha de Yorktown, sendo poderia ser preso e condenado sem o devido
obrigado a capitular processo judicial) etc.
Com o Tratado de Versalhes, assinado a 3 de
Embora a Constituição federal não fizesse
setembro de 1783, era reconhecida a Independência
exigências para eleitores e ocupantes de cargos
dos Estados Unidos da América, fixando-se suas
eletivos, em quase todos os Estados era necessário
fronteiras nos Grandes Lagos e no Mississipi. A
ter alguma propriedade, terra ou capital para obter
França recuperava algumas ilhas das Antilhas
direito de voto. As mulheres não tinham esse
( Santa Lúcia e Tobago) e seus estabelecimentos no
direito e os negros e os índios não possuíam
Senegal. A Espanha recebia a ilha de Minorca e a
direitos civis. A escravidão foi mantida e as terras
região da Flórida.
indígenas foram declaradas terras devolutas da
União.

04. A Constituição dos EUA


Em 17 de setembro de 1787 foi proclamada a
REVOLUÇÃO FRANCESA.
Constituição dos Estados Unidos, que regula as
instituições americanas até nossos dias. 01. Principais Causas da
A constituição americana adotou os seguintes Revolução
pontos fundamentais:
Tipo de Estado: os EUA tornaram-se uma O absolutismo de Luís XVI (1774-1792)
república federativa presidencialista. ainda se alicerçava na teoria do direito divino dos
Tripartição dos poderes: os poderes do reis: governava sem nenhum empecilho à sua
Estado foram separados em três funções típicas: autoridade e a Assembléia dos Estados Gerais não
executivo (administração), legislativo (elaboração era convocada desde 1614. Essa situação, contudo,
das leis) e judiciário (aplicação da justiça). não mais se adequava à sociedade, e o poder real
 Poder Executivo: o chefe do executivo era criticado por muitos, que o viam como o
federal era o presidente da república, eleito principal responsável pelas dificuldades por que o
por um colégio eleitoral formado por povo passava.
representantes dos estados para cumprir um Como as finanças do Estado confundiam-se
mandato de quatro anos. O presidente era o com as do rei, a desordem administrativa, os gastos
chefe do executivo e do Estado, comandante monumentais com a manutenção da luxuosa corte
das forças armadas, responsável pela de Versalhes e os enormes custos das diversas
harmonia da federação e pela política guerras dos Bourbons levaram a França a uma
exterior. O primeiro presidente dos Estados insolúvel crise financeira. A Guerra dos Sete Anos
Unidos foi George Washington. (1756-1763) e a independência dos Estados Unidos
 Poder Legislativo: o legislativo federal era (1776-1781), além de acarretarem gastos elevados,
exercido pelo Congresso, que dividia-se em comprometeram todo o império colonial francês.
câmara dos representantes (parlamentares Sua dívida externa - que chegava a 5 bilhões de
eleitos pelo voto popular, com mandato de libras - correspondia ao dobro de todo o meio
dois anos) e Senado (parlamentares eleitos circulante (total de moedas nacionais). Com tais
dificuldades financeiras, o Estado impunha

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tributos, adotava medidas fiscais e comerciais, A França dos anos 80 do século XVIII
buscando receita orçamentária e prejudicando os vivia um crescente agravamento das condições
negócios capitalistas. socioeconômicas, que culminava em revoltas cada
Foi em meio a esse quadro financeiro que, vez mais violentas nas cidades e no campo, na
em 1786, a França assinou com a Inglaterra um capital e nas províncias.
ruinoso tratado comercial, que permitia a entrada A partir de 1786, com a concorrência dos
do vinho francês com baixas tarifas alfandegárias produtos industriais ingleses (têxteis e
no mercado inglês, mas, em contrapartida, fazia o metalúrgicos), surgiu uma onda de falências,
mesmo com os tecidos ingleses no mercado acompanhada de desemprego e queda de salários,
francês. Esse tratado afetou profundamente a arruinando o comércio nacional. Ao mesmo tempo,
indústria manufatureira francesa, ativando os fenômenos climáticos (secas e inundações)
ânimos burgueses contra o Estado. comprometiam a agricultura, elevando os preços de
A ascensão econômica da economia produtos essenciais e fomentando a insatisfação
esbarrava, ainda, nos regulamentos, proibições e geral.
taxações ditados pelo Estado absoluto. Assim, Às crises econômicas juntavam-se as
tornava-se imperativo eliminar a política políticas, com sucessivas demissões de ministros,
mercantilista para que houvesse o progresso que tinham seus projetos reformistas barrados pela
capitalista apregoado pelos fisiocratas e teóricos intransigência aristocrática, como aconteceu com
liberais. Turgot, Brienne e também Calonne. Este último
Embora o papel econômico da burguesia chegou a convocar a nobreza e o clero para
fosse essencial para o Estado, ela não tinha contribuírem no pagamento de impostos na
influência política e era marginalizada socialmente, Assembléia dos Notáveis. A atitude de Calonne
devido à organização estamental da sociedade ativou a reação feudal, provocando não só a recusa,
francesa. O clero, dividido em alto clero ( cardeais, mas também a indignação da aristocracia. Muitas
bispos, arcebispos, todos de origem nobre) e baixo províncias, em que a nobreza era mais forte,
clero (padres, frades de origem pobre), estava revoltaram-se, chegando a sugerir uma "revolução"
isento de qualquer tributação. A nobreza, aristocrática.
possuidora de privilégios judiciários e fiscais, Embora a nobreza, ou pelo menos grande
dividia-se em nobres de sangue, composta por parte dela, defendesse limites à autoridade real,
nobres de origem feudal, aristocrática (palaciana, chegando mesmo a encampar a idéia do respeito à
cortesã e provincial) e nobreza de toga, composta liberdade individual, era intransigente na
por pessoas provenientes da burguesia, que manutenção dos seus privilégios, não admitindo
obtiveram o título de nobreza por compra ou por perder tradicionais direitos feudais para sanear a
mérito. Essas duas ordens, estados ou estamentos crise socioeconômica nacional. Não desejam
compreendiam cerca de quinhentas mil pessoas, revolucionar a ordem vigente, e sim sobreviver a
numa população total de 25 milhões. ela.
A terceira ordem - o povo - sustentava com Frente ao agravamento da crise política,
tributos toda a estrutura administrativa, as forças Calonne demitiu-se. Pressionado pela crise, Luís
armadas e os privilégios, especialmente os da XVI nomeou Necker para o ministério, que
luxuosa corte francesa. Compunha-se de forma confirmou a convocação dos Estados Gerais para
bastante heterogênea: burguesia, dividida em alta maio de 1789.
burguesia (banqueiros, industriais e comerciantes), A nobreza confiava no controle do
em média burguesia (profissionais liberais e Parlamento, pois teria maioria dos votos se fosse
funcionários públicos) e baixa burguesia (pequenos preservada a tradicional votação por Estado
comerciantes); e camadas populares (artesãos, (clero, um voto; nobreza, um voto; e povo, um
operários, sans-culottes, camponeses e servos). Os voto), já que clero e nobreza comungavam os
camponeses e servos representavam 20 dos 25 mesmos interesses. A nobreza só não contou com o
milhões de habitantes da França. potencial revolucionário do Terceiro Estado, que
Toda essa situação foi denunciada pelos exigiu a participação nos Estados Gerais de um
filósofos iluministas, "os filósofos da razão", que número de deputados compatível com sua
mostravam a inadequação da estrutura sociopolítica representação. Quando se abriu a sessão dos
à economia, transformando o Iluminismo na Estados Gerais no palácio de Versalhes, os
bandeira ideológica da Revolução. interesses antagônicos dos grupos sociais ali
representados entraram em choque.
02. A Revolta Aristocrática Os representantes do Terceiro Estado
exigiram a votação individual, pois, com o apoio
de deputados do baixo clero e da nobreza togada,
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alcançariam a maioria na Assembléia dos Estados padres passavam a subordinar-se ao Estado,
Gerais. Diante da impossibilidade de conciliar tais servindo como funcionários públicos. Essas
interesses, Luís XVI tentou dissolver os Estados decisões foram efetivadas com a aprovação da
Gerais, impedindo a entrada dos deputados na sala Constituição Civil do Clero (julho de 1790).
de sessões. Os representantes do Terceiro Estado Diante dos acontecimentos, o papa Pio VI
rebelaram-se e invadiram a sala de jogo de péla condenou a Revolução, originando na França a
(espécie de tênis em quadra coberta), jurando que divisão do clero em juramentado, composto pelos
seus membros não se separariam enquanto não que aceitavam a Constituição, e refratário,
tivessem dado à França uma constituição. A 9 de composto pelos que a recusavam.
julho, juntamente com muitos deputados do baixo Em 1791, a Assembléia Nacional
clero, declararam-se em Assembléia Nacional proclamou a primeira Constituição da França,
Constituinte. Os ânimos se exaltavam e estabelecendo a monarquia constitucional,
aumentavam as propostas de tomar armas. composta por três poderes: o executivo, exercido
Luís XVI tentou reunir forças para pelo rei; o legislativo, exercido pelos deputados
enfrentar a Assembléia, mas a demissão de Necker, eleitos por voto censitário (ou seja, de acordo com
em 11 de julho, e a nomeação do conservador a renda individual); e o judiciário.
barão de Bretevil precipitaram os acontecimentos. Com o voto censitário e as posteriores leis
Criou-se a Guarda Nacional, uma milícia que proibiam greves e formação de associações de
burguesa para resistir ao rei e liderar a população trabalhadores, a França transformou-se num Estado
civil, que começou a se armar. No dia 14 de julho, burguês, em que se eliminaram os privilégios
a multidão invadiu o Arsenal dos Inválidos à aristocráticos substituindo-os por restrições
procura de munições e, em seguida, a fortaleza da econômicas à maioria da população. Separava-se,
Bastilha, onde eram encarcerados os inimigos da assim, a burguesia do Terceiro Estado.
realeza. Foi o estopim da rebelião, que se alastrou No interior da Assembléia Nacional,
de Paris para o resto da França. No campo, onde os implantou-se uma disputa crescente entre grupos
privilégios da aristocracia eram mais gritantes, os políticos, principalmente girondinos e jacobinos.
camponeses chegaram a invadir e incendiar Os girondinos, cujo nome deriva do fato de a
castelos e a massacrar elementos da nobreza, num maioria de seus membros vir da região de Gironda,
período que ficou conhecido como Grande Medo. sul e sudeste da França, formavam uma facção que
representava a grande burguesia. Os jacobinos,
03. As etapas da Revolução. cujo nome originou-se do clube onde se reuniam
parisienses revolucionários, no convento dos frades
3.1 Assembléia Nacional (1789-1792) jacobinos (dominicanos), no início faziam parte da
ala moderada. Mas a partir de 1792,
Na primeira fase (1789-1792), chamada de transformaram-se no principal elo de ligação entre
Fase da Assembléia Nacional, destacou-se a os membros radicais da Assembléia e o movimento
atuação da burguesia nas cidades e dos camponeses popular, que ganhava cada vez mais força nas ruas.
no interior, estes destituindo autoridades e nobres Outros agrupamentos políticos representados na
de seus castelos e repartições, muitas vezes Assembléia eram os cordeliers (camadas mais
matando e incendiando, e aquela lutando por baixas) e os feuillants (burguesia financeira).
conquistas sociais e políticas nas ruas e na À medida que avançavam e se
Assembléia. consolidavam as medidas revolucionárias, a
Em Paris, aprovou-se, na Assembléia dos nobreza tornava-se mais acuada e boa parte
Estados Gerais, a abolição dos privilégios feudais, migrava para o exterior (emigrados), buscando
numa tentativa de restabelecer a ordem dirigindo a apoio externo para restaurar o Estado absoluto. As
insatisfação apenas contra os restos do feudalismo. vizinhas potências absolutistas apoiavam esses
Inspirada na Declaração de Independência dos movimentos, pois temiam a irradiação das idéias
Estados Unidos, foi aprovada a Declaração dos revolucionárias francesas para seus países.
Direitos do Homem e do Cidadão, estabelecendo Alegando a necessidade de se restaurar a dignidade
a igualdade de todos perante a lei, o direito à real da França, na Declaração de Pillnitz, esses
propriedade privada e de resistência à opressão. países ameaçaram a França de intervenção. Numa
Voltando-se para os privilégios do clero e conspiração contra-revolucionária, Luís XVI e sua
diante da crise econômica, a Assembléia Nacional família tentaram fugir para a Áustria, em junho de
determinou o confisco dos bens da Igreja, 1791, mas, presos na fronteira, na cidade de
utilizando-os como lastro para a emissão de uma Varennes, foram reconduzidos a Paris.
nova moeda, os assignats. Ao mesmo tempo, os Paralelamente, cresciam as dificuldades
econômicas dos revolucionários, obrigando à
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intensa emissão de assignats, o que desencadeou a Primeira Coligação contra a França. Encabeçando
especulação e uma inflação descontrolada. Esse a Coligação, a Inglaterra financiava os grandes
fato acirrou os ânimos revolucionários, com os exércitos continentais para conter a ascensão
sans-culottes exigindo medidas radicais. Enquanto burguesa da França, sua potencial concorrente nos
isso, o exército absolutista, formado também pelos negócios europeus.
emigrados, marchava sobre a França, o que levou As dificuldades se avolumavam: a ameaça
os jacobinos a proclamarem a "pátria em perigo" externa se somava à crise econômica, às
e fornecerem armas à população. Constituiu-se, insatisfações gerais e até aos levantes anti-
assim, um exército popular - a Comuna republicanos regionais, como a revolta da Vendéia,
Insurreicional de Paris -, sob o comando de no oeste da França. Em 2 de junho de 1793, os
Marat, Danton e Robespierre, que fez frente ao jacobinos, comandando os sans-culottes, tomaram
exército dos emigrados e prussianos, contido às a Convenção, prendendo os líderes girondinos.
portas de Paris, na batalha de Valmy. O rei foi Marat, Hébert, Dantos, Saint-Just e Robespierre
acusado de traição ao país por colaborar com os assumiram o poder, dando início ao período da
invasores, e os revolucionários proclamaram a Convenção Montanhesa (1793-1794).
República. Devido ao predomínio da atuação popular,
esse período caracterizou-se por ser o mais radical
3.2 Convenção Nacional (1792-1795) de toda a Revolução Francesa. Em 1793, foi
aprovada nova constituição (Constituição do Ano
A Assembléia Nacional Constituinte, I), enfatizando o sufrágio universal, a
transformada, por sufrágio universal, em democratização. O governo jacobino dirigia o país
Convenção Nacional, assumia o governo em 20 de por meio do Comitê de Salvação Pública,
setembro de 1792. Nas reuniões, à direita, ficavam responsável pela administração e defesa externa do
os deputados girondinos, que desejavam consolidar país, de início comandado por Danton, seu criador.
as conquistas burguesas, estancar a Revolução e Abaixo, vinha o Comitê de Salvação Nacional,
evitar a radicalização. Ao centro ficavam os que cuidava da segurança interna, e a seguir o
deputados da Planície ou Pântano - assim Tribunal Revolucionário, que julgava os
denominados por agruparem-se na parte mais baixa opositores da Revolução.
-, que eram os elementos da burguesia sem posição Durante o governo montanhês, a
política previamente definida. À esquerda, radicalização política chegou ao auge, levando
formando o partido da Montanha, pois colocavam- grande número de pessoas à guilhotina, sob a
se na parte mais alta do edifício, ficavam os acusação de partidarismo real. Quando, em julho,
representantes da pequena burguesia jacobina, que Marat, o ídolo dos sans-culottes, foi assassinado
liderava os sans-culottes, defensores de um por uma girondina, Charlote Corday, os ânimos se
aprofundamento da Revolução. O conflito entre as exaltaram. Considerado excessivamente moderado,
facções políticas se agravava à medida que Danton foi substituído por Robespierre e expulso
cresciam as dificuldades econômicas e militares. É do partido. Tinha início o Terror, caracterizado
desse período que herdamos o uso das expressões pela execução de milhares de pessoas acusadas de
esquerda e direita, quando nos referimos a posições serem contra-revolucionárias: de Maria Antonieta,
sociopolíticas progressistas e conservadoras, a ex-rainha, passando por elementos participantes
respectivamente. da Revolução, como girondinos, e depois até
No primeiro período da Convenção, mesmo jacobinos.
liderados pelos girondinos, foram descobertos Administrativamente, o governo montanhês
documentos secretos de Luís XVI, no palácio das adotou medidas que favoreciam a população, como
Tulherias, que provavam seu comprometimento a Lei do Preço Máximo, que tabelava os preços
com o rei da Áustria. O fato acelerou as pressões dos gêneros alimentícios, a venda ao público, a
para que o rei fosse julgado como traidor. Na preços baixos, de bens da Igreja e de nobres
Convenção, a Gironda dividiu-se: alguns optaram emigrados, a decretação da abolição da escravidão
por um indulto, outros pela pena de morte. A nas colônias, o fim de todos os privilégios, a
Montanha, reforçada pelas manifestações criação do ensino público e gratuito, etc. O novo
populares, exigia a execução do rei, indicando o governo montanhês se empenhou também em
fim da supremacia girondina na Revolução. acabar com a supremacia da religião católica, e de
Em 21 de janeiro de 1793, Luís XVI foi seu clero, desenvolvendo um culto revolucionário
guilhotinado na praça da Revolução. Vários países fundado na razão e na liberdade. A catedral de
europeus, como Áustria, Prússia, Holanda, Espanha Notre Dame, em Paris, por exemplo, foi
e Inglaterra, indignados e temendo que o exemplo transformada no "Templo da Razão".
francês se refletisse em seus territórios, formaram a
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As cisões entre os revolucionários dentro jacobinos, à esquerda, e dos realistas, à direita.
da Convenção, entretanto, desagregavam o poder Enfrentou levantes populares internos e a
dos jacobinos. Haviam os radicais que pregavam a continuidade das ameaças estrangeiras. Em 1795 e
intensificação da violência e os que desejavam 1797, houve golpes realistas; em 1796, ocorreu a
conter a Revolução e acabar com as prisões e Conspiração dos Iguais, um movimento dos sans-
execuções. O primeiro grupo era o dos radicais, culottes, liderado por "Graco" Babeuf.
liderados por Hébert; o segundo era o dos Externamente, entretanto, o exército francês
indulgentes, liderado por Danton. Robespierre acumulava vitórias contra as forças absolutistas da
ordenou a execução de ambos, perdendo parte do Espanha, Holanda, Prússia e reinos da Itália, que,
apoio popular ligado especialmente a Danton. em 1799, formaram a Segunda Coligação contra a
As dificuldades econômicas e militares, França revolucionária.
com a constante ameaça de invasões estrangeiras, Em todos esses levantes destacou-se a
somadas à insegurança da população provocada figura de Napoleão Bonaparte, militar brilhante e
pelas sucessivas execuções, levaram Robespierre a habilidoso. Necessitando garantir-se e consolidar a
perder progressivamente o prestígio como líder República burguesa contra as ameaças internas, os
nacional. Ao que parece, Robespierre enredara-se girondinos desfecham um golpe contra o Diretório,
nas contradições da Revolução, sem vislumbrar um com Bonaparte à frente. Foi o golpe do 18 de
projeto factível para um governo à esquerda da brumário (9 de novembro de 1799). O Diretório
burguesia, inviabilizando a prática da máxima foi substituído por uma nova forma de governo - o
política que ensinara aos seus seguidores: "Antes Consulado representado por três elementos:
de se pôr a caminho é preciso saber onde se quer Napoleão, o abade Sieyès e Roger Ducos. O poder,
chegar e os caminhos que se deve trilhar". na realidade, concentrou-se em mãos de Napoleão,
Aproveitando-se disso, a burguesia se que ajudou a consolidar as conquistas burguesas da
reorganizou e, em 27 de julho de 1794 (9 de Revolução.
termidor), retomou o poder na Convenção, Em dez anos, de 1789 a 1799, a França
derrubando os líderes da Montanha. Quase sem passou por profundas modificações políticas,
apoio, os jacobinos não puderam reagir sociais e econômicas. A aristocracia do Antigo
eficazmente e Robespierre e Saint-Just, entre Regime perdeu seus privilégios, libertando os
outros foram guilhotinados. Os representantes do camponeses dos laços que os prendiam aos nobres
Pântano (alta burguesia girondina) assumiram o e ao clero. Nas cidades desapareceram também as
comando da Revolução. O golpe do termidor, que amarras feudais do corporativismo, que limitavam
devolvia o governo revolucionário à burguesia, foi as atividades da burguesia, e criou-se um mercado
chamado de reação termidoriana. de dimensão nacional. A Revolução Francesa foi a
A Convenção Termidoriana foi curta alavanca que levou a França do estágio feudal para
(1794-1795), mas permitiu a reativação do projeto o capitalista. E isso só foi possível a partir de
político burguês, com a anulação de várias decisões mudanças sociais e políticas, sem dúvida a herança
montanhesas, como a Lei do Preço Máximo e o mais importante deixada pelos revolucionários
encerramento da supremacia do Comitê de franceses.
Salvação Pública, buscando controlar os sans-
culottes. Nas ruas de Paris, instalava-se o Terror
Branco, movimento de jovens de direita ou A ERA NAPOLEÔNICA (1799-1815)
muscadins, que perseguiam, intimidavam e
executavam os líderes sans-culottes, assaltando os 01.Introdução
clubes republicanos.
Em 1795, a Convenção elaborou uma nova Nascido na Córsega em 1769, Napoleão
constituição - a Constituição do Ano III -, que projetou-se rapidamente na carreira militar e
restabelecia o critério censitário para as eleições política durante a Revolução Francesa, alcançando,
legislativas, marginalizando, assim, grande parcela com apenas vinte e quatro anos, a patente de
da população. O poder executivo seria exercido por general. Ao somar sucessivas vitórias contra
um Diretório, formado por cinco membros eleitos inimigos estrangeiros, converteu-se em herói
pelos deputados. nacional. Comandou a brilhante Campanha da
Itália, em 1797, subjugando os austríacos e
3.3 Diretório (1795-1799) obtendo, com a Paz de Campofórmio, importantes
vantagens territoriais para a França. Em seguida,
O Diretório caracterizou-se pela comandou a Campanha do Egito (1798-1799),
supremacia girondina, que sofria oposição dos buscando interceptar a rota comercial da Inglaterra
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com o Oriente. Contudo, apesar de diversas vitórias Encarregado de escolher os ministros, assim
em terra, os franceses foram vencidos na batalha como os membros do Conselho de Estado – núcleo
naval de Aboukir (1789), pelo almirante Nelson. efetivo do poder que tinha a função de preparar
Ao mesmo tempo, na Europa, formava-se a todos os projetos de leis -, Napoleão controlava a
Segunda Coligação (1799) de países contra a França. Retomava-se, assim, a centralização
França, temerosos da expansão revolucionária. político-administrativa, renegada no início da
Internamente, diversos setores da sociedade Revolução, porém, agora, a serviço da burguesia
encontravam-se insatisfeitos com dez anos de nacional. De decreto em decreto, Napoleão anulou
Revolução, especialmente a burguesia, que discórdias partidárias, ameaças de golpe,
precisava de paz e estabilidade para garantir o restabelecendo a ordem no país. A autonomia dos
crescimento e o progresso almejados. departamentos (unidades administrativas francesas)
Assim, a associação da debilidade foi anulada com uma nova administração, que
governamental do Diretório com o prestígio privilegiava a atuação dos prefeitos, defensores de
adquirido por Napoleão, cuja imagem estava amplos poderes.
associada a disciplina, comando, conquistas, forjou Em 1804, foi promulgado o Código Civil
a conjuntura que permitiu o 18 de brumário. Napoleônico, que, inspirado no Direito romano,
Os anos seguintes representaram o período de assegurava conquistas burguesas, como a igualdade
consolidação dos ideais liberais da burguesia na do indivíduo perante a lei, o direito de propriedade
França. Iniciou-se também seu processo de e a proibição de organização de sindicatos de
disseminação pelos demais países europeus trabalhadores e greves; restabelecia, por outro lado,
envolvidos pelas guerras napoleônicas. a escravidão nas colônias. O Código Civil
Prestigiado no meio militar, içado ao governo Napoleônico exerceria profunda influência em toda
pela burguesia, Napoleão obteve também o apoio a Europa, transformando-se na fonte de diretrizes
do campesinato – terceiro apoio de seu tripé legais de todo o Ocidente capitalista.
político -, garantindo à população rural a posse das Ainda no Consulado foi estabelecida uma
terras expropriadas à Igreja e à nobreza emigrada. reforma no ensino, tornando a educação
responsabilidade do Estado e adequando-a às
necessidades nacionais. Criaram-se os liceus,
02. Napoleão e o Consulado (1799- espécie de internatos responsáveis pela formação
1804) dos futuros oficiais do exército ou ocupantes de
altos cargos civis, e enfatizou-se principalmente o
O Consulado teve como prioridades enfrentar ensino superior, como as escolas de Direito,
as ameaças externas e reorganizar a economia e a Política e Técnica Naval.
sociedade francesa, buscando a estabilização. Respaldado pelos bons frutos de sua
Dessa forma, em 1799, no início do Consulado, administração e pela paz externa, Napoleão foi
Napoleão venceu a Segunda Coligação, batendo a proclamado primeiro cônsul vitalício pela nova
Áustria em Marengo, e, em 1802, assinou uma Constituição do Ano XII (1804). Meses depois,
trégua com a Inglaterra, chamada Paz de Amiens. feito um plebiscito, recebeu o título de imperador,
A neutralização da ameaça externa foi sendo coroado em dezembro de 1804, na catedral
acompanhada internamente pela consolidação de de Notre-Dame, com o título de Napoleão I.
Napoleão no governo. Procurando sanear as Do 18 de brumário até 1804, Napoleão foi
finanças nacionais e a organização da burguesia, concentrando todos os poderes nacionais em suas
deterioradas pelo longo período de instabilidade e mãos. A roupagem política legal desse processo foi
guerras, foi fundado em 1800 o Banco da França, dada pelas diversas constituições: a do Ano VIII
controlado pelo Estado, e criado um novo padrão (1800) criou o Consulado, a do Ano X (1802)
monetário – o franco, em vigor até hoje. reforçou o poder do primeiro cônsul, e a do Ano
Estimulou-se, com financiamentos, a indústria XII (1804) deu a Napoleão a vitaliciedade do
nacional e também a produção agrícola. poder, o último passo que permitiu que ele se
As relações com a Igreja, desfeitas desde o transformasse em imperador.
início da Revolução, foram reatadas em 1801,
através de uma concordata assinada com o papa Pio
VII. Em 1802, elaborou-se uma nova constituição, 03. Napoleão e o Império (1804-
que deu a Napoleão maiores poderes. Como 1815)
primeiro cônsul, exerceria todo o poder executivo
por um período de dez anos, fazendo dos outros
cônsules simples conselheiros.
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O Império foi marcado pela continuidade das Assim, os sucessos militares desde a Revolução
guerras externas, em geral comandadas pela deviam-se, em grande parte, aos princípios
Inglaterra, que, embora já dominada pela ideológicos franceses contra as tiranias do Antigo
mentalidade capitalista-burguesa, via na França Regime. Entretanto, quando, no período imperial, a
uma possível rival no continente aos seus produtos invasão foi acompanhada da exploração das
industrializados. Os demais países, que formaram populações locais e da submissão à França, os
as diversas coligações – até 1815, foram sete -, sucessos militares foram substituídos pela
eram, em geral, monarquias absolutistas temerosas resistência e pelo fracasso. A imposição do
dos reflexos da Revolução sobre sua estabilidade domínio napoleônico na península Ibérica e na
política. Assim, por razões econômicas ou Rússia, por exemplo, desembocou na luta
pol’ticas, a França via-se cercada por diversos nacionalista dessas regiões e no início da lenta
inimigos. decadência de Bonaparte.
O primeiro confronto do período imperial deu- Portugal, tradicional aliado da Inglaterra, foi
se contra a Terceira Coligação (Inglaterra, Rússia e um dos primeiros Estados a sofrer intervenção
Áustria) formada em 1805. Com o apoio da francesa devido à desobediência ao Bloqueio
Espanha – velha inimiga inglesa -, a marinha Continental. Eram muito fortes as ligações
francesa atravessou o canal da Mancha, na tentativa econômicas lusas com os ingleses, e seu príncipe
de invadir a Inglaterra. Foi, entretanto, derrotada na regente, D. João, relutou o quanto pôde em romper
batalha de Trafalgar, pelo mesmo almirante Nelson suas relações comerciais com a Inglaterra. Em
que já derrotara Napoleão na Campanha do Egito. represália, Napoleão resolveu invadir Portugal, o
Em terra, entretanto, a superioridade francesa que causou a fuga da família real para sua principal
era patente, comprovada pela vitória nas batalhas colônia, o Brasil, em 1808.
de Ulm, contra a Prússia, e, Austerlitz, contra a Ainda na península Ibérica, Napoleão decidiu
Áustria. Vencendo a Terceira Coligação, Napoleão depor o rei espanhol Fernando VII, coroando seu
sepultou o Sacro Império Romano-Germânico, irmão José Bonaparte, o que ativou a resistência
criando em seu lugar a Confederação do Reno. nacional contra os franceses. A luta popular,
A hegemonia francesa sobre o continente através de guerrilhas, financiada pela Inglaterra,
europeu, entretanto, dependia da neutralização da irradiou-se por toda a península Ibérica,
poderosa Inglaterra, a maior potência econômica desgastando-se as forças napoleônicas.
do período. Se, por um lado, a Inglaterra dominava Lentamente, as derrotas francesas foram pondo fim
os mares com sua imbatível marinha, por outro, a ao mito de invencibilidade do exército francês,
França dispunha do maior exército em terra. estimulando outros povos a resistir, o que resultou
Considerando tais aspectos e desejando reduzir o na quebra da hegemonia continental napoleônica.
poderio econômico britânico, Napoleão decretou Ao mesmo tempo, as colônias espanholas na
em 1806 o Bloqueio Continental. Objetivando América aproveitavam-se da crise na metrópole
isolar a Inglaterra do restante da Europa, esse para iniciar seu processo de independência.
decreto estipulava que os aliados da França não Além desses problemas, a economia francesa
mais poderiam comerciar com aquele país, nem não possuía uma estrutura com potencial para
comprando suas manufaturas nem lhe fornecendo substituir a Inglaterra nas relações econômicas do
matérias-primas sob o risco de serem invadidos por continente. Prova disso foi a atitude da Rússia
tropas francesas. diante do estrangulamento de sua economia em
Em 1807, pelo Tratado de Tilsit, Napoleão virtude do Bloqueio Continental: desprezando as
obteve a adesão da Rússia ao embargo econômico à ameaças de Napoleão, o czar Alexandre I resolveu
Inglaterra, ao vencer a Quarta Coligação. Mais abrir os portos russos aos ingleses, compradores de
tarde, ficaria claro que o Bloqueio Continental era sua produção de trigo.
mais prejudicial às nações européias continentais – Napoleão respondeu à atitude da Rússia
que dependiam da compra de suas matérias-primas reunindo, em 1811, um poderoso exército de mais
agrícolas pela Inglaterra – do que à nação inglesa, de seiscentos mil homens, que atravessaria toda a
que encontrava em outras regiões compradores Europa Central e marcharia sobre a Rússia, na sua
para seus produtos. Entretanto, A quinta Coligação, mais audaciosa, mas também trágica, campanha
formada por Inglaterra e Áustria, em 1809 também militar. Diante do poderio do exército francês, os
não conseguiu fazer frente ao poder de Napoleão e russos utilizaram a tática da “terra arrasada”,
sucumbiu. segundo a qual, na iminência de invasão de alguma
Senhor do Continente, Napoleão disseminou região, destruíam eles mesmos tudo o que pudesse
pelos países conquistados os princípios liberais ter valor ou ser útil ao inimigo. Dessa forma, ao
franceses, especialmente o Código Civil, e mesmo tempo que evitavam confrontos
derrubando as velhas estruturas aristocráticas. encarniçados com o inimigo, abatiam o ânimo dos
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franceses, impedidos de fazer saques e reabastecer- permitiram que grande parte das conquistas sociais
se. e políticas da Revolução fossem disseminadas por
Quando conseguiu entrar em Moscou, depois outros países europeus. Embora com, a queda de
de longas batalhas, o exército napoleônico Napoleão se seguissem tentativas de restauração do
encontrou a cidade abandonada e incendiada. Sem Antigo Regime, elas não seriam mais
abrigo, fustigados pelo rigoroso inverno de 1812 e definitivamente absolutas, pois a Europa
enfrentando as implacáveis guerrilhas russas, os apresentava agora um outro perfil histórico.
homens de Bonaparte iniciaram a retirada,
permitindo aos russos tomarem a ofensiva. MOVIMENTOS EMANCIPACIONISTAS
Napoleão saiu da Rússia com menos de cem mil
soldados, desmoralizado e tendo de enfrentar o 01. Causas
resto da Europa, que se mobilizara contra ele.
Esgotado, Napoleão teve de enfrentar uma
sucessão de derrotas e fracassos. Formara-se a 1.1 Externas
Sexta Coligação, composta por Prússia, Inglaterra,
Rússia e Áustria, que o venceu na batalha das A partir de meados do século XVIII, as
Nações, em Leipizig, em outubro de 1813. rebeliões coloniais no Brasil adquiriram um caráter
Culminando a fase de derrotas, em março do ano emancipacionista, isto é, passaram a defender a
seguinte os aliados entraram vitoriosos em Paris, separação política em relação à Portugal. O
obrigando Napoleão a assinar o Tratado de desenvolvimento dessa mentalidade
Fontainebleau. De acordo com esse tratado, o emancipacionista, deve-se, em parte, ao conjunto
imperador abria mão de todos os direitos ao trono de acontecimentos mundiais que marcaram o fim
francês, recebendo em troca uma pensão de dois da Idade Moderna e o nascimento da Idade
milhões de francos anuais e plena soberania sobre a Contemporânea.
ilha de Elba, situada no mar Mediterrâneo, perto da A partir de 1750, tem início a Revolução
Córsega. Industrial na Inglaterra, promovendo um grande
Com o exílio de Napoleão, restabeleceu-se a aumento na produção dos bens e a necessidade de
dinastia dos Bourbons na França, sendo coroado rei ampliação dos mercados consumidores. O
Luís XVIII, irmão de Luís XVI, guilhotinado colonialismo, através do monopólio comercial,
durante a Revolução, cujo filho – que teria sido atrapalhava os interesses econômicos ingleses,
Luís XVII – morrera na prisão, ainda criança. impedindo-os de comercializarem livremente com
Os Bourbons, contudo, ficaram no poder a América. Foi nesse sentido que o liberalismo
somente por alguns meses, pois Napoleão fugiu de econômico de Adam Smith encontrou terreno
Elba e desembarcou na França em março de 1815 favorável na Inglaterra, e se disseminou na
com mil e duzentos soldados. Comprovando ainda América através da defesa da liberdade econômica.
sua forte popularidade entre os membros do A emergência do Iluminismo na Europa
exército, foi recebido festivamente por seus ex- também contribuiu para forjar uma mentalidade
soldados e pela população, e marchou em direção a emancipacionista ao exaltar valores como a
Paris. Luís XVIII fugiu para a Bélgica, e Napoleão liberdade. Influenciados pelos intelectuais
pôs-se novamente à frente do governo francês, que iluministas, estudantes brasileiros retornaram da
dirigiu por pouco mais de três meses. Europa defendendo a independência em relação a
Portugal.
OS CEM DIAS (1815) A Independência dos EUA serviu como
exemplo e estímulo para o restante da América.
Ao regressar ao governo, Napoleão tentou uma Estava comprovado que era possível uma colônia
rápida ofensiva contra a Sétima Coligação, mas a tornar-se independente.
batalha de Waterloo, vencida pelo duque de A Revolução Francesa, iniciada em 1789,
Wellington, da Inglaterra, selou definitivamente consolidou ainda mais os ideais iluministas. O
sua sorte. Exilado na longínqua ilha de Santa Antigo Regime sofria um duro golpe, e o
Helena, colônia da Inglaterra no Atlântico, colonialismo (um de seus elementos) parecia cada
Napoleão morreu em 5 de maio de 1821. vez mais algo ultrapassado e condenado pela
O mito napoleônico fundiu-se com o sociedade nascente.
individualismo burguês, especialmente com a Portanto podemos dizer que as inconfidências
ambição pessoal e empreendedora, como apontam no Brasil, foram um reflexo da crise do sistema
os clichês “Napoleão da Indústria” ou das finanças. colonial frente ao desenvolvimento do capitalismo
Os dezesseis atribulados anos em que Napoleão industrial e do liberalismo econômico.
liderou a França e comandou seus exércitos
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armas, instrumentos de trabalho e outros produtos
comprados de pequenos artesãos e oficinas locais,
1.2 Internas agora teriam de adquirir produtos importados por
altos preços, nem sempre em quantidade suficiente
As idéias emancipacionistas encontraram um para suas necessidades.
terreno favorável para florescer no Brasil. Os Na segunda metade do século XVIII, tornou-se
colonos estavam profundamente insatisfeitos com a rotineira a ida de filhos de famílias ricas da colônia
exploração colonial, intensificada ainda mais no para estudar na Europa. Esses jovens retornavam
século XVIII durante o reinado de D. Maria I e da ao Brasil impregnados pelas idéias então correntes
administração pombalina. São exemplos dessa na Europa, como as do liberalismo, do inglês John
política metropolitana rigorosa a proibição de Locke, e as do Iluminismo, pregadas
instalação de manufaturas têxteis em 1785 principalmente pelos franceses Montesquieu,
(obrigando os colonos a importarem o tecido) e a Voltaire e Rousseau.
proibição de instalação de qualquer indústria de
ferro no Brasil (obrigando os colonos a importarem
as ferramentas). 2.2 A Conspiração
Medidas como essas agravaram o conflito de
interesses entre metrópole e a colônia, gerando Os aluviões auríferos esgotavam-se e os
tensões que se tornaram insuportáveis e produzindo conflitos com a metrópole aumentavam. Em 1788
revoltas cujo objetivo primordial passou a ser a desembarcava no Brasil Luís Antônio Furtado de
independência. Mendonça, visconde de Barbacena, para assumir o
posto de governador da capitania de Minas Gerais.
02. Inconfidência Mineira (1789) Sua missão principal seria a execução, mais uma
vez, da temida e impopular derrama. Era esperada
Durante os séculos XVII e XVIII, o Brasil foi violência por parte das autoridades: os dragões
palco de motins, conspirações, revoltas e rebeliões, (guarda portuguesa) invadiriam domicílios,
mas a Inconfidência (Conjuração) Mineira foi o realizariam saques e encarcerariam, e até
primeiro movimento que manifestou claramente a torturariam, os que protestassem.
intenção de promover a separação política de À opressão metropolitana e à decadência da
Portugal. região aurífera somavam-se a influência das idéias
revolucionárias iluministas e o exemplo da
2.1 Causas independência dos EUA. Paralelamente, crescia o
nível de consciência dos setores intermediários e
A exploração econômica metropolitana sobre o das elites da sociedade brasileira. A derrama foi o
Brasil chegou ao ponto máximo no final do século estopim para a organização de uma conspiração.
XVIII. As deficiências da economia lusitana e sua Com exceção de Tiradentes, todos os líderes da
dependência da Inglaterra obrigaram Portugal a Inconfidência Mineira eram ricos, ligados à
sugar ainda mais violentamente as riquezas da extração mineral e à produção agrícola. Esse fato é
colônia. O ouro das Minas Gerais, contudo, perfeitamente compreensível, pois os grandes
esgotava-se, e as autoridades metropolitanas proprietários eram os que tinham mais interesses
acusavam os colonos de contrabando e fraude. em romper o pacto colonial. Para eles, a
Em 1750, o ministro português Pombal independência era essencial.
estabeleceu a cota de 100 arrobas de ouro (1500 Os principais líderes da Inconfidência Mineira
kg). Devido à escassez, era impossível atingir essa foram Cláudio Manuel da Costa, poeta e rico
quantia. Criou-se então a derrama (1765), forma de minerador; Luís Vieira da Silva, cônego;
obrigar a população a pagar aquilo que faltava com Alvarenga Peixoto, próspero minerador e
a expropriação de seus pertences, não importando latifundiário; Tomás Antônio Gonzaga, intelectual
se eram mineradores ou não. e ouvidor de Vila Rica; Carlos Correia de Toledo e
Atingindo também outras atividades Melo, vigário e próspero minerador; José Álvares
econômicas exercidas na colônia, em 1785, Dona Maciel, estudante de química; Francisco de Paula
Maria I, rainha de Portugal, decretou um alvará Freire de Andrade, tenente-coronel, comandante do
proibindo as manufaturas no Brasil. Todos os Regimento de Dragões; os irmãos Francisco
produtos manufaturados deveriam ser importados Antônio e José Lopes de Oliveira, o primeiro
de Portugal. O alvará afetou principalmente a militar e o segundo padre, ambos grandes
população interiorana, cujos comerciantes, não proprietários rurais; Joaquim José da Silva Xavier,
mais podendo abastecer-se de tecidos, calçados,
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o Tiradentes, indivíduo de poucas posses, alferes, Após a devassa e a execução das sentenças,
posto militar logo acima do de sargento. sobrava o lema da Inconfidência, continuando a
Os rebeldes desejavam o fim do pacto colonial, inspirar novos movimentos: “Liberdade ainda que
defendendo a liberdade comercial e o tardia”.
desenvolvimento de manufaturas têxteis e
siderúrgicas. Pretendiam estabelecer um governo 03. Conjuração Baiana (1798)
independente de Portugal, alguns almejavam a
república, enquanto outros preferiam uma Entre os diversos movimentos políticos e
monarquia constitucional. São João Del Rei seria a intelectuais que marcaram a crise do sistema
sede deste novo país, e seria criada uma colonial no Brasil, a Conjuração Baiana apresenta
universidade em Vila Rica (Ouro Preto). Os algumas características especiais. Diferentemente
conspiradores haviam planejado adotar uma da Inconfidência Mineira, teve na liderança,
bandeira, que conteria a frase latina Libertas quae representantes das camadas populares do Brasil
sera tamem (Liberdade ainda que tardia) e que colonial: mulatos, negros livres, escravos.
inspirou a bandeira do Estado de Minas Gerais. Os Seus objetivos foram mais abrangentes, não se
inconfidentes não defendiam, entretanto, a abolição limitando apenas aos ideais de liberdade e
da escravidão. independência. O levante baiano propunha
Os inconfidentes pensaram ainda em conseguir mudanças verdadeiramente revolucionárias na
auxílio estrangeiro para garantir o sucesso do estrutura da colônia. Pregava a igualdade de raça e
levante. Em 1786, o estudante José Joaquim da cor, o fim da escravidão, a abolição de todos os
Maia teve um encontro na França com o ministro privilégios, podendo ser considerada a primeira
americano Thomas Jefferson, com essa finalidade. tentativa de revolução social brasileira. A
O estudante não chegou a retornar ao Brasil, participação de muitos alfaiates no movimento veio
falecendo na Europa. a torná-lo conhecido também como revolta dos
Alfaiates.
2.3 Desfecho
3.1 Causas
Os planos dos inconfidentes foram frustrados
porque três participantes da conspiração Vários fatores internos e externos explicam a
procuraram o governador, Visconde de Barbacena, eclosão desse movimento desencadeado pelas
para delatar o movimento. Foram eles: o coronel camadas mais humildes do Recôncavo Baiano.
Joaquim Silvério dos Reis, o tenente-coronel No final do século XVIII, a situação
Basílio de Brito Malheiro do Lago e o mestre-de- socioeconômica da região se mostrava
campo Inácio Correia Pamplona. Devedores de insustentável. O renascimento agrícola, iniciado em
vultosas quantias aos cofres reais, com a delação, 1770, recuperou parte do fastígio da região, sem
obtiveram o perdão de suas dívidas. Avisado da diminuir, entretanto, as contradições sociais.
conspiração, o visconde de Barbacena suspendeu a A prosperidade beneficiou apenas os grandes
derrama e iniciou a captura dos implicados. comerciantes e proprietários de engenho. Houve
Tiradentes, que viajara para o Rio de Janeiro com o mesmo um agravamento da escassez de alimentos,
objetivo de adquirir armas, foi preso naquela uma vez que a área de plantio para a subsistência
cidade. diminuiu diante do avanço da lavoura canavieira,
A devassa durou quase três anos e o julgamento gerando um aumento nos preços desses produtos,
condenou à morte 11 dos acusados. A sentença foi que passaram a ser trazidos de outras regiões da
modificada por Dona Maria I: estabeleceu-se o colônia.
degredo perpétuo para os inconfidentes e apenas Entre 1797 e 1798 houve uma multiplicação de
um serviria de bode expiatório: Tiradentes. A 21 de incidentes. Soldados e populares invadiram
abril de 1792 executou-se a sentença com requintes repetidas vezes armazéns, roubando carne e
de crueldade: “... depois de morto, lhe seja cortada farinha. Esse clima de rebeldia se apresentava
a cabeça e levada a Vila Rica, onde em lugar mais favorável à divulgação das idéias revolucionárias
público seja pregada em poste alto, até que o tempo que andavam sendo postas em prática na França.
a consuma, e o seu corpo será dividido em quatro Ao final do século XVIII, a Revolução
quartos e pregados em postos onde o réu teve suas Francesa terminou com as instituições feudais,
infames práticas, e a casa em que vivia será tendo suas idéias mais radicais atravessado o
arrasada e salgada.” Atlântico e influenciado vários movimentos em
nosso continente. Livros e documentos

47
divulgadores das novas teorias foram parar nas populares. Protestavam contra os impostos,
mãos dos revolucionários baianos. defendiam a abolição da escravidão e propunham
Alguns elementos da elite baiana também aumento de soldo dos soldados. Pregavam pontos
assumiram posições favoráveis à autonomia com coincidentes com as doutrinas sociais francesas –
relação a Portugal. Não chegaram, no entanto, a igualdade, liberdade e representação popular
contestar a dominação interna da colônia, uma vez soberana. Insistiam num tópico que caracterizou a
que a maioria era formada por membros da classe luta anticolonialista em toda a América – a
proprietária, ligada ao domínio escravista. liberdade de comércio.
Reuniam-se na casa do farmacêutico Figueiredo e A pretensão de uma república libertária e
Melo, fundando a sociedade secreta Cavaleiros da igualitária despertou os conflitos entre os diversos
Luz. setores que se uniram contra a metrópole. O projeto
Apesar do seu caráter elitista, essa sociedade igualitário beneficiava os brancos pobres, mulatos
apresentava exceções, já que alguns de seus e negros, mas não os senhores. Os brancos
membros aderiram a perspectivas revolucionárias retraíram-se, enquanto os mulatos (artífices,
mais amplas. Tenentes difundiam propostas alfaiates e soldados) desencadeavam a rebelião. As
radicais entre os soldados, conseguindo a adesão de camadas inferiores terminaram por assumir o
regimentos inteiros. Em Salvador, as pregações comando do movimento.
revolucionárias chegaram, ainda, aos mulatos.
Destacando-se entre os demais, o médico 3.3 Desfecho
Cipriano Barata mostrou-se o mais ativo
propagandista do movimento. Preocupou-se Depois de publicados e distribuídos boletins
também em atingir as camadas mais oprimidas, revolucionários, os conjurados mandaram uma
inclusive os escravos. Essa pregação dos membros carta ao governador D. Fernando José Portugal,
mais radicais dos Cavaleiros da Luz, aliada à pedindo sua adesão ao movimento. Este não aderiu
efervescência das camadas pobres, deu ao e ordenou investigações, durante as quais foi preso
movimento um caráter popular e um forte conteúdo o soldado Luís Gonzaga das Virgens. Preocupados,
de transformação social. os outros conjurados procuraram passar à ofensiva.
A Conjuração Baiana foi influenciada também O alfaiate João de Deus havia organizado um
pela independência do Haiti. Antiga colônia ousado plano para libertar o soldado. Entretanto,
francesa situada nas Antilhas, o Haiti possuía uma sem tempo para esperar o auxílio dos seus
população de 536 mil habitantes, sendo 480 mil partidários, João de Deus recrutou pessoas à última
escravos. Violentas revoltas de negros resultaram hora. Entre essas encontravam-se três espiões. Os
na expulsão dos brancos e na proclamação da conjurados marcaram uma reunião no Campo do
independência em 1804. Dique, nos arredores de Salvador, para organizar os
últimos preparativos para o assalto à prisão. As
3.2 A Conspiração autoridades, porém, avisadas pelos delatores,
cercaram o local com policiais disfarçados.
Em 1798, a conspiração se transformava em Percebendo a trama, os conjurados se dispersaram.
rebelião contra as autoridades metropolitanas. Na Os conspiradores, agora conhecidos, passaram
manhã de 12 de agosto de 1798, as pessoas que a sofrer perseguição. Os cárceres ficaram
passavam por locais de grande movimento em abarrotados de rebeldes. Dos membros da
Salvador encontravam a seguinte frase escrita nas sociedade Cavaleiros da Luz, porém, só foram
paredes e muros: “Animai-vos povo bahiense, que presos os mais atuantes: Cipriano Barata, Moniz
está por chegar o tempo feliz da nossa liberdade, o Barreto, Aguilar Pantoja e Oliveira Borges. Seis
tempo em que seremos todos irmãos, o tempo em dos réus foram condenados à morte e os demais
que seremos todos iguais”. tiveram pena de degredo ou prisão. A violência da
Como articuladores do movimento, repressão expressou a popularidade do movimento.
destacavam-se João de Deus Nascimento e Manuel A coroa passou a conceder prêmios em dinheiro,
Faustino dos Santos, ambos mulatos e alfaiates. privilégios e cargos importantes aos denunciantes
Além deles, tiveram importante papel como dos chamados crimes de lesa-majestade.
organizadores os soldados Luís Gonzaga das Concluindo, a Conjuração Baiana foi mais que
Virgens e Lucas Dantas Amorim Torres, também uma manifestação pelo fim da dominação colonial.
mulatos. O tenente Aguilar Pantoja chefiava Ela mostrou possuir um caráter democrático,
militarmente o movimento. igualitário e popular, que se chocava com o simples
Os revolucionários preocupavam-se bastante projeto de independência proposto pelos grandes
com os problemas específicos das camadas

48
senhores rurais, desejosos de manter a estrutura A transferência da Corte era uma boa solução
escravista tradicional. também para a família real, pois evitava a
deposição da dinastia de Bragança pelas forças
napoleônicas.
O PERÍODO JOANINO E A O Tratado de Fontainebleau, estabelecido entre
INDEPENDÊNCIA DO BRASIL a França e a Espanha em outubro de 1807, apressou
a decisão do Príncipe Regente Dom João de
abandonar a metrópole. Por aquele tratado,
01. A transferência da corte portuguesa Portugal e suas colônias, inclusive o Brasil, seriam
para o Brasil repartidos entre a França e a Espanha.
No dia 29 de novembro, Dom João e sua
A mudança da família real e da Corte família, acompanhados por cerca de 15000 mil
portuguesa para o Brasil foi conseqüência da pessoas, partiram para o Brasil. No dia seguinte, as
situação européia no início do século XIX. Naquela tropas francesas do general Junot invadiram a
época a Europa estava inteiramente dominada pelo Lisboa.
imperador dos franceses, Napoleão Bonaparte. Quatro navios britânicos escoltaram as
Com sua política expansionista, ela submetera a embarcações portuguesas até o Brasil, parte da
maior parte dos países europeus à dominação esquadra portuguesa aportou na Bahia e parte no
francesa. O principal inimigo de Napoleão era a Rio de Janeiro.
Inglaterra, cuja poderosa armada o imperador não A chegada de Dom João à Bahia, onde ficou
pudera vencer. pouco mais de um mês, ocorreu em 22 de janeiro.
Em 1806, Napoleão decretou o Bloqueio Teve início, então, uma nova época na História do
Continental, obrigando todas as nações da Europa Brasil, pois a colônia foi a grande beneficiada com
continental a fecharem seus portos ao comércio a transferência da Corte. A presença da
inglês. Com essa medida, Napoleão pretendia administração real criou pouco a pouco condições
enfraquecer a Inglaterra, privando-a de seus para a futura emancipação política da colônia.
mercados consumidores e de suas fontes de Da Bahia, Dom João seguiu para o Rio de
abastecimento. Janeiro. Ali, o alojamento da numerosa comitiva do
Nessa época, Portugal era governado pelo príncipe causou grandes problemas, as melhores
Príncipe Regente Dom João, pois sua mãe, a residências da cidade foram requisitadas para os
Rainha Dona Maria I, sofria das faculdades altos funcionários da corte, não sendo poucas as
mentais. pessoas despejadas de suas casas para hospedar os
Pressionado por Napoleão, que exigia o recém-chegados.
fechamento dos portos portugueses ao comércio
inglês, e ao mesmo tempo pretendendo manter as 02. O Governo de Dom João
relações com a Inglaterra, Dom João tentou adiar o
mais que pôde uma decisão definitiva sobre o Menos de uma semana depois de sua chegada,
assunto. ainda na Bahia, o Príncipe Regente tomou a
Se aderisse ao Bloqueio Continental, Portugal primeira e mais importante medida de caráter
ficaria em condições extremamente difíceis, porque econômico. Em 28 de janeiro de 1808, influenciado
a economia portuguesa dependia basicamente da por José da silva Lisboa, mais tarde Visconde de
Inglaterra. Os ingleses eram os maiores Cairu, Dom João expediu a carta régia de abertura
fornecedores dos produtos manufaturados dos portos do Brasil às nações amigas de Portugal.
consumidos em Portugal e também os maiores Daí em diante, o Brasil poderia comerciar
compradores de mercadorias portuguesas e diretamente com quem quisesse.
brasileiras. A Inglaterra, por sua vez, também não O decreto de abertura dos portos põe fim ao
queria perder sue velho aliado, principalmente monopólio luso sobre o comércio brasileiro, que
porque o Brasil representava um excelente mercado era a base da política colonial portuguesa.
consumidor de seus produtos. A principal interessada nessa medida - e sua
Para resolver a situação de acordo com os grande inspiradora - era a Inglaterra. Com o
interesses de seu país, o embaixador inglês de bloqueio Continental, a indústria inglesa tinha
Lisboa, Lorde Percy Clinton Smith, Visconde de grande dificuldade em colocar seus produtos no
Strangforf, conseguiu vencer Dom João a mercado. O decreto de 1808 abriu uma importante
transferir-se com sua Corte para o Brasil. Desse válvula de escape para a produção inglesa de
modo, os ingleses garantiam o acesso ao mercado manufaturados. Os portos brasileiros tiveram de ser
consumidor brasileiro. adaptados rapidamente para receber a verdadeira

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avalancha de produtos ingleses que começaram a brasileira, principalmente no Rio de Janeiro. Foram
chegar. Um número considerável de firmas criadas duas escolas de Medicina (uma em
inglesas as estabeleceu principalmente no Rio de Salvador, oura no Rio), a Escola de Belas-Artes, o
Janeiro, colaborando para firmar o costume de Jardim Botânico, a Imprensa Régia, a Academia
consumir produtos que até então não existiam no Militar e da Marinha, um museu, o primeiro Banco
Brasil. do Brasil etc.
Numa obra publicada em Londres em 1828, o Dentre as providências tomadas pela
artista inglês Robert Burforde relatou que, em administração portuguesa no Brasil, teve
1823, no “Rio de Janeiro havia” ... muitas casas considerável importância para o futuro cultural do
para a venda de comestíveis e bebidas mantidas por país a vinda, em 1816, de uma missão de artistas
ingleses” E mais, que os tecidos e as roupas feitas franceses em mais tarde, de uma missão científica
em Manchester e Yorkshire, bem como outros austríaca. Entre os artistas franceses, veio o famoso
produtos ingleses, podiam ser encontrados na pintor João Batista Spix, que estudaram a
cidade. vegetação e os animais brasileiros.
Desconhecendo as necessidades da população Em 1815, após a derrota definitiva da Napoleão,
brasileira, algumas indústrias inglesas enviaram as potências européias reuniram-se no Congresso
sem nenhuma utilidade, como carteiras para notas de Viena, com o objetivo principal de restaurar o
(no Brasil circulava apenas a moeda metálica) e regime absolutista anterior à Revolução Francesa.
patins (não havia gelo onde se pudesse patinar). A A situação política de Portugal era frágil - o país
partir da abertura dos portos, a colônia passou a estava sob a tutela inglesa e seus governantes
comprar da Inglaterra tudo quanto sua população encontravam-se no Brasil. Para obter o
necessitava. Até mesmo caixões de defunto vinham reconhecimento da dinastia de Bragança e o direito
da Inglaterra para o Brasil. de participar do Congresso, Dom João transformou
Ainda em 1808, 1 de abril, Dom João assinou o Brasil em Reino Unido a Portugal e Algarves
um alvará permitindo a instalação de indústrias no (1815). Com essa medida, o Brasil deixava de ter o
Brasil. Com essa medida, completou-se a libertação estatuto legal de colônia. Era um passo importante
econômica da Colônia em relação a Portugal, que para a emancipação política.
havia se iniciado com a abertura dos portos. Dom João tomou ainda duas medidas de caráter
Em 1810, Dom João assinou vários tratados militar:
com a Inglaterra. O mais importante deles foi o . declarou guerra à França, ocupando a seguir a
Tratado de Comércio e Navegação, que estabelecia Guiana Francesa;
uma taxa de apenas 15% sobre a importação de . ordenou a ocupação da Cisplatina, em revide à
produtos ingleses. Para avaliar o significado dessa atuação da Espanha, a que pertencia a região e que
medida, basta lembrar que a taxa de importação de estava ocupada por tropas napoleônicas.
produtos portugueses era de 16% e a de produtos
de outras nações de 24%. Com esses tratados, 04. A Revolução Pernambucana de
portanto, os ingleses praticamente eliminavam a 1817
concorrência no mercado brasileiro, dominando-o
por completo. No período de permanência da corte no Brasil,
Além disso, os tratados de 1810 acabaram com deu-se no Nordeste uma revolução de cunho
as vantagens que o Alvará de 1 de abril de 1808 republicano, mas que infelizmente fracassou.
trouxeram para a Indústria brasileira. Esta ficou Ela foi motivada por pesados, abusos
então obrigada a sofrer a concorrência insuportável administrativos, insatisfação popular, bem como
dos produtos ingleses, que entravam na colônia pelos ideais anticolonialistas defendidos pela
pagando taxas alfandegárias muito baixas. maçonaria e divulgados em centros como o
“Areópago de Itambé” e o “Seminário de Olinda”,
03. Um Grande Passo Para todos em Pernambuco.
Emancipação Política Militares, padres e maçons se uniam no mesmo
ideal libertário e anticolonialista. Destacavam-se
Ao lado de mudanças econômicas, o Brasil Domingos José Martins, Padre Roma, Frei
passou também por transformações políticas e Miguelinho, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada e
administrativas. A transferência da sede de governo outros
português para o Rio de Janeiro exigiu a instalação O movimento revolucionário resultou sobretudo
de um conjunto de ministérios, secretarias, da situação em que vivia o Nordeste. Passava-se
tribunais etc. Outras medidas estimularam o por uma grave crise econômica, gerada pela baixa
desenvolvimento da sociedade e da cultura
50
dos preços do algodão e do açúcar no mercado recomendado ao Príncipe Dom Pedro, seu
europeu. substituto como regente, que assumisse algum
Os portugueses dominavam o comércio na movimento de independência que viesse a
região e eram responsabilizados pela difícil despontar no Brasil, para evitar a perda do novo
situação pela qual passava o Nordeste. Por outro reino pela família.de Bragança.
lado, ouro fator também contribuiu para motivar a Quando regressou à Europa, Dom João VI teve
rebelião: os constantes aumentos de impostos, seus poderes diminuídos pela Constituição e foi
destinados a sustentar a corte portuguesa no Rio. obrigado a se submeter às exigências das Cortes
No início de 1817, em Pernambuco, (Parlamento) de Lisboa, que de fato passaram a
proliferavam as reuniões dos revolucionários. Por governar Portugal.
toda parte criticava-se o governo e ouviam-se
boatos de que explodiria uma revolução. 06. A Regência de Dom Pedro
Em março de 1817 descobre-se a conspiração.
O governador Miranda Montenegro manda prender O novo regente do Brasil, Dom Pedro
os acusados, que resistem. Tem início a Revolução. Alcântara, tinha apenas 23 anos. Para as cortes de
Vitória dos revoltosos. Cria-se um governo Lisboa, a presença do príncipe no Brasil, assim
provisório. como a condição de reino a que fora elevada a
Apesar da adesão da Paraíba e do Rio Grande antiga colônia, tornou-se motivo de grande
do Norte, a Revolução Pernambucana fracassou. descontentamento. As atitudes da Assembléia
Os chefes revolucionários foram presos. Frei Lusitana, desejosa de promover o retorno do
Miguelinho e Domingos Martins foram príncipe e a recolonização do Brasil, trariam mais
condenados à morte. tarde resultados da maior importância para a
história do nosso país.
05. A Revolução do Porto Era péssima a situação econômica do Brasil
depois da partida da Corte. Antes de regressar a
Desde a transferência da família real para o Portugal a Corte esvaziara o tesouro, apoderando-
Brasil, a situação político-econômica de Portugal se de toda a riqueza que pudera. Ao Príncipe
estava à beira do caos: Regente restaram as dificuldades políticas a serem
. O país estava extremamente empobrecido pela enfrentadas e os problemas causados por uma
guerra contra as forças de Napoleão. economia debilitada.
. Portugal era governado por um comandante Desde o final de 1820, o Brasil vivia momentos
militar inglês, desde que, pouco depois da invasão de grande agitação política: nas lojas maçônicas e
napoleônica, tropas inglesas ajudaram a expulsar os na imprensa discutiam-se o liberalismo, as
franceses. revoluções européias e a própria situação do país.
. O comércio português estava arruinado em No início, as notícias da revolução do Porto
conseqüência da abertura dos portos brasileiros às provocaram manifestações claras de apoio dos
outras nações. brasileiros, entusiasmados pelo seu caráter liberal,
Tudo isso levou os portugueses a aderirem ao antiabsolutista e constitucionalista.. Mas, à medida
movimento revolucionário que teve início na que as Cortes de Lisboa revelaram sua intenção de
cidade do Porto, em agosto de 1820 e se estendeu recolonizar o Brasil, a opinião pública dividiu-se:
rapidamente por todo o reino. . Comerciantes e militares portugueses,
A Revolução do Porto tinha como principais conhecidos como o partido português,
objetivos; derrabar a administração inglesa, manifestaram-se favoravelmente às medidas
promover a volta de Dom João VI para Portugal e recolonizadoras.
elaborar uma Constituição, levando ao fim o . Os grupos que se beneficiaram com o governo
absolutismo no reino lusitano. Outro objetivo era a de Dom João VI no Brasil (proprietários rurais e
retomada dos antigos privilégios comerciais que os elementos ligados à administração, à exportação e
portugueses tinham com o Brasil e que foram às finanças) eram monarquistas, mas se opunham à
perdidos em 1808. recolonização, pois ficariam privados de vantagens
Em 26 de abril de 1821, Dom João deixou o importantes, como e liberdade de comércio. Esses
Brasil. Viajou de regresso a Portugal contra a sua grupos ficaram conhecidos como o partido
vontade, depois de muito protelar seu retorno. Dois brasileiro, que teve como líder mais representativo
meses antes, o monarca português e Dom Pedro, o José Bonifácio de Andrade e Silva. Aos poucos,
príncipe herdeiro, foram obrigados a jurar diante da intransigência das Cortes de Lisboa, o
previamente a Constituição que seria elaborada partido brasileiro passou a apoiar o projeto de
pelas Cortes de Lisboa. Ao partir, o rei teria separação entre o Brasil e Portugal.

51
. As camadas médias urbanas e uma minoria de príncipe. A recusa de Dom Pedro a obedecer foi
fazendeiros compunham o grupo conhecido como um dos fatores mais importantes para seu
liberal radical. Mais avançado para a sua época, rompimento com Portugal e para a proclamação da
esse grupo representava as tendências políticas que Independência do Brasil.
já haviam esboçado na Inconfidência Mineira, na
Revolta Pernambucana de 1817: defendia a 07. A Proclamação da Independência
independência, discutia idéias republicanas até a
abolição do trabalho escravo, além de reivindicar Em algumas províncias, como a Bahia, os
uma participação maior da população na vida partidários dos portugueses não prestigiavam o
política. Entre seus líderes, destacaram-se governo de Dom Pedro. No Rio de Janeiro, em
Gonçalves Ledo e Cipriano Barata. Minas Gerais e em São Paulo, porém, as medidas
Em 1821, várias medidas das Cortes de Lisboa tomadas pelas Cortes provocaram repulsa em
procuraram diminuir o poder do Príncipe Regente e grande parte da população.
desse modo pôr fim à autonomia do Brasil.Uma Nos fins de março de 1822, o Príncipe Regente
delas criava governos provinciais desligados do dirigiu-se a Minas Gerais, onde permaneceu um
governo do Rio de Janeiro e diretamente mês, conseguindo pacificar os ânimos e obter apoio
subordinados às Cortes. Além disso, como a para seu governo. No Rio de Janeiro, a maçonaria
presença de um membro da família real dificultava preparava a independência do Brasil. Dom Pedro
seus objetivos de recolonização, as Cortes foi atraído para aquela sociedade secreta, que
começaram a insistir na volta de Dom Pedro para pretendia torná-lo imperador do Brasil.
Portugal, sob o pretexto de que o príncipe deveria Dentre os maçons, destacavam-se Joaquim
completar seus estudos na Europa. Gonçalves Ledo e José Bonifácio de Andrade e
A insistência das Cortes para que Dom Pedro Silva, que se tornaria uma das figuras mais
voltasse a Portugal despertou atitudes de resistência importantes do primeiro Reinado.
no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Minas Foi de iniciativa maçônica a atribuição do título
Gerais. Sentindo que, com o retorno do príncipe, de Protetor e Defensor Perpétuo do Brasil ao
seria fatal a volta do Brasil à condição de colônia, Príncipe Dom Pedro. Este não aceitou o título de
alguns brasileiros lideraram um movimento para Protetor, que lhe fora outorgado, mas apenas o de
pressioná-lo a ficar. Defensor Perpétuo, argumentando que o Brasil
Em 9 de janeiro de 1822, foi entregue ao podia proteger a si mesmo.
Príncipe Regente uma petição com 8000 Tenho sido convidado pela Câmara Municipal
assinaturas de pessoas residentes no Rio de janeiro, de São Paulo a visitar a cidade, Dom Pedro partiu
solicitando-lhe que não abandonasse o Brasil. José para lá em 14 de agosto, chegando onze dias
Clemente Pereira deu o documento para o príncipe, depois.
que respondeu com as seguintes palavras; “Como é Dom Pedro ainda estava em viagens
para o bem de todos e felicidade geral da nação, (encontrava-se em Pindamonhangaba), quando, em
estou pronto: diga ao povo que fico!”. Em seguida, 20 de agosto, Joaquim Gonçalves Ledo propôs, no
Dom Pedro falou à multidão que estava Grande Oriente do Brasil, loja maçônica do Rio de
aglomerada em frente ao palácio, aconselhando-a a Janeiro, a proclamação da Independência. Dezoito
tranqüilizar-se. dias mais tarde, o príncipe oficializaria a
O episódio do Fico foi importante no processo independência com a proclamação no Ipiranga.
da independência do Brasil, pois marcou a primeira Dom Pedro chegou a São Paulo em 25 de agosto
adesão pública do Príncipe Regente a uma causa e partiu para Santos em 5 de setembro. No dia 7,
brasileira, desrespeitando frontalmente as decisões quando retornava para São Paulo e encontrava-se
das Cortes de Lisboa. próximo ao riacho Ipiranga, o príncipe recebeu
Contrariadas com a decisão de Dom Pedro, as emissários do Rio de Janeiro. Este entregaram-lhe
tropas sediadas no Rio de Janeiro, comandadas por os últimos decretos de Lisboa (um dos quais o
Jorgiro Avidez, revoltaram-se, mas foram transformava num simples governador, sujeito à
dominadas pelo príncipe e obrigadas a voltar para autoridade das Cortes). Entregaram-lhe também
Portugal. cartas de José Bonifácio e de Dona Leopoldina.
No mês de maio, novamente Dom Pedro se opôs Indignado com as medidas tomadas pelas Cortes
as decisões das Cortes: assinou um decreto que e estimulado pelas cartas que recebera, Dom Pedro
tornava necessária sua autorização para que proclamou a Independência do Brasil.
qualquer determinação do Parlamento português Eram aproximadamente dezesseis horas e trinta
vigorasse no Brasil. minutos do dia 7 de setembro quando, de acordo
Não cessaram, porém, as exigências da com testemunhos colhidos entre os membros da
Assembléia portuguesa com relação ao retorno do
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comitiva do príncipe, este amassou os decretos e a participação do povo, que se armou, disposto a
jogou-se ao chão. Arrancou em seguida os laços enfrentar abertamente as guarnições portuguesas
com as cores portuguesas que lhe adornaram o que se opunham à libertação do país. Durante um
uniforme, estimulando seus acompanhantes a ano inteiro, houve vários choques entre as forças
fazerem o mesmo. Depois, Dom Pedro dirigiu-se a portuguesas que lutavam contra a independência e
todos dizendo que estavam cortados os laços que as forças que representavam o governo brasileiro.
uniam o Brasil a Portugal e que, daquele momento O governo de D. Pedro I venceu os revoltosos e na
em diante, Independência ou Morte seria o lema de metade de 1823, todo o país já estava sob o
todos os brasileiros. comando do imperador.
Pouco mais tarde, a comitiva do príncipe seguiu
para São Paulo, onde a notícia da Independência
foi recebida com grande satisfação popular. As 02. O Reconhecimento externo da
festividades estenderam-se até a noite, quando Independência
Dom Pedro foi aclamado no Teatro de São Paulo
como o primeiro Rei do Brasil. Naquele mesmo Pouco depois da proclamação da independência,
dia, o príncipe compôs o Hino da Independência. o governo de D. Pedro I procurou conseguir o
No dia 10 de setembro, Dom Pedro partiu para o reconhecimento internacional da emancipação
Rio de Janeiro, onde chegou no dia 15. política do Brasil.
Em 12 de outubro de 1822, Dom Pedro foi Esse reconhecimento era necessário. Sem ele, o
aclamado como o primeiro imperador do Brasil, Brasil ficaria isolado econômica e politicamente
com o título de Dom Pedro I, sendo coroado em 1 das demais nações, o que traria imensos prejuízos
de dezembro daquele mesmo ano. do Império recém-criado. Para obtê-lo, foram
enviados diplomatas às principais nações do
O PRIMEIRO REINADO (1822-1831) mundo.
Os Estados Unidos foram o primeiro país a
01.O Reconhecimento Interno da aceitar a nossa independência, em maio de 1824.
Independência Essa atitude da República Americana foi facilitada
pela política do seu presidente, James Monroe, que
defendia a doutrina segundo a qual as nações da
A proclamação de 7 de setembro de 1822 não América deveriam ser governadas pelos
selou definitivo a Independência do Brasil. Em americanos. A América para os americanos, (leia-
algumas províncias (atuais Estados brasileiros), se América para os Estados Unidos), resumia a
como São Paulo e Minas Gerais, a adesão ao novo Doutrina Monroe, que pretendia impedir possíveis
governo (D. Pedro I) foi praticamente imediata. Em intervenções européias no continente. Além de
outras províncias, onde militares e comerciantes serem contrários ao colonialismo europeu, os
portugueses controlavam o governo, a separação Estados Unidos tinham interesse em estender sua
entre Brasil e Portugal não foi aceita, a essas influência sobre o continente.
províncias revoltaram-se contra o imperador. Ao Brasil interessava principalmente que
Assim, depois de coroado, D. Pedro I teve de Portugal reconhecesse nossa Independência, pois
enfrentar a difícil situação criada pelas províncias isso abriria caminho para que as nações, que
que não o reconheciam como governante e se mantinham relações amistosas com a ex-metrópole
declaravam fiéis às Cortes de Lisboa: Bahia, (Portugal), agissem da mesma forma.
Maranhão, Pará, Piauí e Cisplatina (atual Uruguai). A Inglaterra, por exemplo, não pretendia
Para afirmar sua autoridade como imperador de reconhecer o Brasil como país independente antes
todo o Brasil, D. Pedro I teve de enviar para as que Portugal o fizesse. Como Portugal tardava a
províncias rebeldes forças de terra e mar, que aceitar a nossa independência, os ingleses
entraram em combate com os revoltosos. O resolveram pressionar o governo luso (português) a
governo de D. Pedro I não tinha um exército resolver a questão. Pretendiam com isso evitar os
preparado para combater os revoltosos. Então, com prejuízos econômicos que poderiam vir a sofrer
apoio dos grandes proprietários rurais do centro- quando expirassem os tratados de 1810, que tantas
sul, favoráveis à independência, D. Pedro I vantagens traziam para o comércio inglês.
contratou os serviços militares de mercenários Graças à diplomacia inglesa, o rei D. João VI
(pessoas que lutam como soldados em troca de reconheceu a independência de sua ex-colônia em
dinheiro). Nas guerras de independência, como são 1825, exigindo em troca uma indenização de 2
conhecidas essas lutas, as tropas Imperiais, além de milhões de libras esterlinas e o direito de usar,
contarem com os mercenários, obtiveram também, embora apenas em caráter honorífico (de honra), o
53
título de imperador do Brasil. Os ingleses Quer dizer, o Brasil gastava mais comprando do
emprestaram ao governo brasileiro as libras estrangeiro,do que recebendo pela venda dos
exigidas pelos portugueses como indenização, produtos nacionais. Para cobrir o prejuízo dos
como Portugal devia a mesma quantia à Inglaterra, gastos (déficit da balança comercial), o governo
o ouro nem chegou a sair da Inglaterra. pedia empréstimos para bancos estrangeiros (dívida
Depois do reconhecimento da independência externa). A cada ano, o endividamento brasileiro
pelos portugueses, veio o reconhecimento oficial aumentava mais.
da Inglaterra e dos demais países europeus.
Em troca do reconhecimento da independência, 03. A Assembléia Constituinte (A
a Inglaterra exigiu que o Brasil acabasse com o Constituição da Mandioca)
tráfico negreiro o mais rápido possível. A
escravidão dos negros prejudicava os interesses No dia 3 de junho de 1822 (D. Pedro governava
industriais ingleses. A persistência do escravismo o Brasil como príncipe regente), D. Pedro I
no Brasil ameaçava seriamente a produção convocou uma assembléia para elaborar a primeira
açucareira das colônias inglesas nas Antilhas constituição brasileira.
(baseada no trabalho assalariado), pois o trabalho A maioria dos membros dessa Assembléia
escravo barateava o preço do açúcar brasileiro e constituinte representava e defendia os interesses
oferecia-lhe melhores condições de concorrer no dos grandes proprietários de terras (aristocracia
mercado internacional. Além disso, a substituição rural), que apoiaram a dirigiram o processo da
do trabalho escravo pelo assalariado no Brasil, independência do Brasil.
aumentaria o potencial consumidor de produtos O projeto de constituição elaborada pela
industrializados ingleses pelos brasileiros. Em Assembléia constituinte de 1823 tinha três
1831, o governo brasileiro decretou uma lei que características: o anticolonialismo, o
declarava livres os escravos importados da África a antiabsolutismo e o classismo.
partir daquele ano. Mas a lei ficou só no papel. Não Anticolonialismo: firme oposição aos
foi cumprida. portugueses (comerciantes e militares) que ainda
Além disso, a Inglaterra negociou com D. Pedro ameaçavam a independência brasileira e desejavam
I a renovação do Tratado de Comércio de 1810, a recolonização do país. Assim, por exemplo, o
que reduzia as taxas sobre os produtos ingleses. projeto proíbe os estrangeiros de ocupar cargos
Outros países exigiram do Brasil igualdade de públicos de representação nacional;
tratamento para as importações. O governo Antiabsolutismo: preocupação de limitar e
brasileiro teve de consentir.Assim, o privilégio reduzir os poderes do imperador e valorizar e
inglês de pagar só 15% de impor exemplo, Arança, ampliar os poderes do Legislativo. Assim, por
Áustria, Dinamarca. Desse modo, o Brasil libertou- exemplo, o projeto estabelecia que: a) o imperador
se de Portugal, mas passou a ser dominado pelas não tinha poderes para dissolver o parlamento; b)
potências industriais européias, principalmente a as Forças Armadas deviam obedecer às ordens do
Inglaterra. Legislativo e não de D. Pedro I.
Em conseqüência das facilidades concedidas Classimo - intenção de reservar o poder político
para as importações, os produtos importados só para a classe dos grandes proprietários de terras.
inundaram o mercado brasileiro. Quase tudo o que A maioria do povo não era considerado cidadão e
se consumia no país vinha do estrangeiro: sapatos, não tinha o direito de votar. As eleições seriam em
roupas, bebidas, biscoitos, louças, charutos, dois graus, sendo eleito primeiro alguns
guarda-chuvas, ferramentas e até caixões de representantes privilegiados que escolheriam os
defunto. Mesmo em artigos simples, a pequena deputados. Para votar nas eleições primárias era
indústria nacional não conseguia concorrer com os necessário um rendimento líquido anual
produtos europeus. correspondente a 150 alqueires de mandioca; para
Os artigos nacionais eram desprezados pela ser eleitor de segundo grau 250 alqueires; para ser
consumidor brasileiro em função do preço, da deputado ou senador 500 e 1000 alqueires
qualidade e principalmente da moda. Era “chic” respectivamente. Por isso, o projeto ficou
consumir produtos europeus. conhecido, popularmente, como constituição da
Assim, o Brasil independente reforçava ainda Mandioca.
mais a estrutura econômica colonial. O país D. Pedro I ficou bastante irritado com essa
continuava a produzir alguns poucos gêneros constituição que limitava e diminuía seus poderes.
agrícolas para a exportação. Com o apoio das tropas imperiais, decretou a
Durante todo o reinado de D. Pedro I, o valor dissolução da Assembléia, no dia 12 de novembro
das exportações brasileiras era menor que o valor de 1823. Os deputados que reagiram ao ato de
das importações (balança comercial desfavorável).
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força do imperador foram presos e expulsos do Câmara e ao Senado, 400 a 800 mil réis,
país. Entre as pessoas punidas estavam José respectivamente. Além de censitário o voto era
Bonifácio e seus irmãos Antônio Carlos e Martim descoberto (não secreto), e as eleições indiretas.
Francisco. organização dos poderes; O texto de 1824
Apoiado pelos seus patrícios portugueses, D. reconhecia quatro poderes; Legislativo, Executivo,
Pedro I queria assumir o comando absoluto da Judiciário e Moderador
nação. o poder legislativo era formado pelo Senado
O fechamento da Assembléia constituinte foi (que tinha mandato vitalício) e por uma Câmara de
interpretado pelos brasileiros como um primeiro deputados, com mandatos de três anos. Os
passo para a recolonização do país. Esse era o senadores eram escolhidos pelo imperador a partir
objetivo dos representantes do chamado partido de uma lista tríplice, apresentada pelas províncias.
português que defendiam o absolutismo para o Sua função era propor, redigir e aprovar leis.
imperador. O partido português, formado o poder Judiciário era exercido por um
principalmente por militares e comerciantes Supremo Tribunal, com magistrados escolhidos
portugueses, apoiava D. Pedro I sempre esperando pelo imperador.
a oportunidade de fazer o Brasil restabelecer os o poder Executivo era exercido pelo
antigos laços com Portugal. imperador a seu ministério, e a ele competia fazer
cumprir as leis.
04. A Constituição Outorgada de o poder Moderador. O essencial do poder
1824 político repousava na figura do imperador.
Exercido pelo imperador, o Poder Moderador,
A dissolução da Constituinte acarretou graves tornou-se instrumento de sua vontade pessoal, de
descontentamentos. Para minimizá-los, D. Pedro I seu despotismo (absolutismo), enfim. O Poder
nomeou apressadamente uma comissão dez Moderador possuía poder de aprovar ou não as
membros, (o Conselho do Estado), de sua medidas emanadas do Legislativo, adiar ou
confiança, a encarregou-se de elaborar uma prorrogar a Assembléia Geral, nomear os senadores
constituição para o Brasil. Em dezesseis dias estava vitalícios e, inclusive, dissolver a Câmara dos
pronta a lei encomendada pelo imperador, baseada Deputados. Assim, controlava totalmente o
num projeto que fora elaborado pela constituinte. Legislativo. Ao nível do Executivo, estava nas
A Constituição de 1824 não foi resultado do mãos do imperador o poder de escolher os
trabalho de representantes do povo, mas a membros vitalícios do Conselho de Estado (que
expressão da vontade do imperador. tinha função consultiva), além de nomear e demitir
Os 179 artigos da constituição imperial os ministros de Estado e presidentes de províncias;
estabelecia a Monarquia hereditária, constitucional aprovar e suspender as resoluções dos Conselhos
e representativa como forma de governo, o Provinciais. As 19 províncias estavam diretamente
catolicismo como religião oficial, além de subordinados ao poder central, e que colhia toda
determinar os direitos dos cidadãos, a divisão dos tendência autonomista. Quanto ao Judiciário, cabia
poderes, o sistema eleitoral e a organização militar. ao poder Moderador imperial nomear e destituir os
A escravidão foi mantida, e assegurada a liberdade magistrados, perdoar ou moderar penas impostas e
de expressão e de pensamento. conceder anistia.
O novo texto constitucional estava calcado, em padroado; Era o poder Moderador, portanto,
muitos pontos, no anteprojeto da Constituição da a “chave de toda a organização política”. Além das
Mandioca. A única grande inovação, em relação ao consideráveis prerrogativas políticas do imperador,
anteprojeto anterior, foi a adoção de um quanto o seu controle estendia-se também à Igreja. Em
poder, o Moderador, ao lado da consagrada relação a esta, a Carta de 1824 declarava a religião
fórmula tripartitite; Legislativo, Executivo e católica como a religião oficial do Estado. Mas a
Judiciário. relação entre a Igreja e o Estado era regulada pelo
Vejamos as principais características desta que regime do padroado, isto é, os clérigos eram pagos
foi a primeira Constituição do Brasil: pelo Estado, o que os equiparava a funcionários
voto censitário; Da mesma forma que o públicos. Por isso, ao imperador competia nomear
anteprojeto de 1823, a Carta de 1824 procurou os sacerdotes aos vários cargos eclasiásticos e dar
afastar a camada popular da vida política, prévio consentimento à aplicação das bulas papais,
condicionando a capacidade eleitora à renda em isto é, as decisões emanadas da Santa Sé
dinheiro; os eleitores de paróquia e eleitores de (Vaticano).
província deveriam apresentar as rendas de 100 a A Constituição outorgada de 1824, imposta pelo
200 mil réis, respectivamente; os candidatos à imperador, representava a reação absolutista e a
tomada do poder pelo Partido Português. Embora
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baseada no projeto elaborado anteriormente, era Os líderes mais democráticos da Confederação
uma vitória de Executivo sobre o Legislativo, do do Equador defendiam a extinção do tráfico
imperador sobre a aristocracia agrária. negreiro e mais igualdade social para a maioria do
povo. Essas idéias assustaram os grandes
05. A Confederação do Equador proprietários de terras que, temendo uma revolta
popular, decidiram se afastar da Confederação do
Os homens de pensamento liberal estavam cada Equador. Abandonado pelas elites, o movimento
vez mais revoltados com as atitudes autoritárias e enfraqueceu e não conseguiu resistir à violenta
arrogantes de D. Pedro I. repressão que foi organizada pelo governo
Eram citados como exemplos dessas atitudes o imperial.
fechamento da Assembléia constituinte, a expulsão Com um empréstimo de milhões de libras
de deputados, a censura à imprensa, a outorga esterlinas, (principalmente da Inglaterra), D. Pedro
(imposição) da constituição de 1824 e a instituição I contratou esquadras e mercenários,
do Poder Moderador, considerado um instrumento principalmente ingleses. O apoio às forças
da opressão e tirania. marítimas e terrestres era oferecido por milícias
A resposta mais enérgica dos liberais às atitudes organizadas pelos proprietários rurais contrários ao
autoritárias de D. Pedro I explodiu no nordeste, em movimento, liderados por Francisco Pais Barreto.
julho de 1824, liderada pela província de A estratégia do governo imperial era combater as
Pernambuco. Era a Confederação do Equador. províncias separadamente, evitando que se
Naquela época, havia no nordeste grande unissem.
motivo para descontentamento em todas as A resistência dos confederados durou até o mês
camadas sociais. A elite dominante estava de novembro, quando os últimos líderes foram
preocupada com a contínua queda das exportações detidos no Ceará.
de açúcar; ale, disso, os impostos sobre o açúcar e A repressão ao movimento foi violentíssimo.
as demais produtos de exportação eram Dezesseis revoltosos foram condenadas à morte por
considerados excessivos pelos proprietários de enforcamento. O Frei Caneca, um dos principais
terra. A parcela pobre da população (pequenos líderes da Confederação, foi fuzilado, pois ninguém
comerciantes, militares de baixa patente, mulatos, se dispõe a servir de carrasco para sua execução na
negros livres e escravos) vivia em estado de forca.
miséria. Além disso, desde 1817 (Insurreição O final trágico da Confederação do Equador
Pernambucana) os ideais republicanos, federalistas contribuiu para o descontentamento popular em
e abolicionistas estavam se enraizando em relação a D. Pedro I e foi um dos fatores que
Pernambuco. motivaram a abdicação do primeiro imperador do
Toda essa gente uniu-se momentaneamente, em Brasil.
torno das idéias contrárias à monarquia e à
centralização do poder. Homens como Cipriano 06. A Guerra da Cisplatina e a
Barata e Frei Caneca defendiam a instalação de um Independência do Uruguai
regime republicano, com descentralização do poder
e autonomia para as províncias (federalismo). O território que hoje corresponde ao Uruguai
A revolta estourou quando D. Pedro I nomeou era a antiga Colônia do Sacramento, fundada pelos
um novo presidente (Francisco Pais Barreto) para portugueses mas colonizada por espanhóis.
Pernambuco, contrariando o desejo das forças Os acordos internacionais estabelecidos entre
políticas locais. Em 2 de julho de 1824, Paes de Espanha e Portugal diziam que a Colônia do
Andrade (presidente da província demitido) Sacramento pertenceria à Espanha. Mas, em 1816,
proclama a Confederação do Equador. A D. João VI mandou tropas a Montevidéu e invadiu
Confederação do Equador, que era um novo Estado a região. O território ocupado foi incorporado ao
inspirado no modelo americano, queria reunir as Brasil com o nome de Província cisplatina.
províncias do Nordeste sob o regime republicano e Portanto, a Cisplatina apresentava
federalista. Adotaram o lema religião, características completamente diferentes das
Independência, União e Liberdade, e a Constituição demais províncias do Império, tendo língua e
da Colômbia para regar os destinos da tradições muito diversas do restante do país.
Confederação. Além de Pernambuco, a revolta Os habitantes da Cisplatina nunca se
expandiu-se pelas províncias do Ceará, Rio Grande conformaram em pertencer ao Brasil. Em 1825,sob
do Norte e Paraíba. O movimento revolucionário a liderança de João Antônio Lavalloja, explodiu um
conseguiu, ainda que por pouco tempo, estabelecer movimento de libertação da cisplatina, declarando
um governo republicano.

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a seguir a anexação da província à República das Brasil. O Banco enfrentava dificuldades desde a
Províncias Unidas no Rio da Prata, atual Argentina. época em que D. João VI, ao retornar a Portugal,
Reagindo contra a revolta Cisplatina, D. Pedro I retirou dinheiro e ouro dos cofres do Banco.
declarou guerra à Argentina. Que interesses tinha o Evidentemente, a crise econômica e financeira
imperador por aquela região? repercutiu de maneira violenta sobre os vários
Em primeiro lugar, a política do império para o setores sociais, atingindo a aristocracia rural, que
continente dirigia-se no sentido de impedir a suportava a conjuntura adversa do mercado
formação de grandes países na América Latina. internacional, e as camadas urbanas, que
Além disso, a anexação da província Cisplatina às sobreviviam com dificuldades. As tensões sociais
Províncias Unidas (Argentina) significava não só o geradas assim pelos mecanismos econômicos e
controle do estuário (foz) como também o de toda a financeiros tiveram reflexos na vida política; D.
bacia Platina. Considerando a precariedade das vias Pedro I, posto em xeque, foi forçado a abdicar.
terrestres, é fácil compreender a importância
estratégica da bacia para a comunicação com as 07. A Abdicação de D. Pedro I
regiões localizadas no oeste de Santa Catarina,
Paraná, Rio Grande do Sul e sudoeste de Minas No dia 7 de abril de 1831 D. Pedro I abdicava
Gerais. O fechamento do estuário isolava e até em favor de seu filho (com cinco anos de idade) e
poderia provocar a separação dessas províncias, voltava a Portugal para assumir o trono como D.
principalmente de Minas Gerais. A diplomacia Pedro IV. O “HERÓI” da independência acabou
brasileira orientava-se no sentido de incentivar a por transformar-se aos olhos dos brasileiros, numa
formação de pequenos países, combatendo sempre figura indesejável. Por quê?
que possível o Vice-Reinado do Prata. Por isso foi A partir de meados da década de 20, os
primeiro a reconhecer a independência do descontentamentos vinham se acumulando. Com o
Paraguai. imperador estavam os elementos do Partido
A Guerra Cisplatina terminou em 1828, quando Português. Contra ele, o Partido Brasileiro,
foi assinado um acordo entre as partes em conflito. representante dos proprietários de terra, que
A Inglaterra, que tinha interesses econômicos na criticava o autoritarismo do poder Moderador, o
região (queria que o estuário do Prata ficasse aberto predomínio do Partido Português e todas as
à navegação internacional, o que não aconteceria se medidas do imperador que as afastavam da
a Argentina controlasse as duas margens), agiu constituição por ele mesmo outorgada em 1824. O
mais uma vez, como mediadora do acordo, e acordo com a Inglaterra, feita à revelia do
obteve algumas vantagens, como por exemplo o Legislativo,para a extinção do tráfico de escravos
livre comércio no estuário platino. Pelo acordo, em 1830, era uma dessas medidas.
ficou decidido que a Província Cisplatina não Os motivos foram se somando para aumentar a
pertenceria nem ao Brasil, nem à Argentina. Seria impopularidade de D. Pedro I, unindo diferentes
constituída uma nova nação independente, a grupos de oposição no governo. Entre esses
República Oriental do Uruguai. motivos, podemos citar os seguintes; o fechamento
O inútil derramamento de sangue e os da Assembléia Constituinte de 1823; a imposição
excessivos sacrifícios financeiros trouxeram saldos da Constituição de 1824; o Poder Moderador; e
altamente negativos à monarquia, pois serviram estrema violência utilizada contra os rebeldes da
apenas para ativar as oposições. Confederação do Equador; as mortes e despesas
O dinheiro gasto para sustentar a Guerra causadas pela Guerra Cisplatina.
Cisplatina desequilibrou de vez a economia do Se por um lado estava deflagrada a crise
Brasil, que já tinha sido bastante prejudicada pelas política, por outro enraizava-se também a crise
vantagens concedidas a outros países em troca do econômica-financeira.
reconhecimento da independência do Brasil. Ao mesmo tempo em que aumentavam as
Para contornar a crise financeira, sanando o importações, diminuía a exportação dos principais
déficit, D. Pedro I resolveu adotar a emissão (pôr produtos brasileiros. A produção de açúcar, que já
em circulação) desordenada de papéis-moeda, o vinha enfrentando problemas, perde grande parte
que implicou altos custos sociais, pois provocou a de seu mercado com a fabricação do açúcar de
desvalorização da moeda brasileira, acompanhada beterraba na Europa. Também o algodão e o arroz
pelo aumento geral dos preços. Isso refletiu-se começam a sofrer a concorrência da produção
imediatamente no poder aquisitivo da massa norte-americana. A produção do tabaco, utilizado
popular urbana (funcionários, profissionais liberais como produto de escambo na África, entra em
etc.) que vivia de salário ou rendas fixas. declínio com as restrições feitas ao tráfico negreiro.
A crise econômica mostrou toda sua força em A diminuição das arrecadações alfandegárias
1829, quando foi decretada a falência do Banco do
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contribui para desequilibrar ainda mais a balança A assassinato de Líbero Badaró; Internamente, a
comercial. Os tratados assinados com Portugal, imprensa contribuiu para o enfraquecimento
Inglaterra e outro países europeus reduzem as político de D. Pedro I; eram 65 jornais com
tarifas a 15%. tendências moderadas e até radicais. Dentre as
Tudo isso acontece justamente no momento em publicações moderadas, destacava-se a “Aurora
que o império se defronta com muitos gastos. Após Fluminense”, de Evaristo da Veiga, enquanto a
a independência, para organizar e instalar o novo tendência radical era representada pelos jornais “O
Estado, E. Pedro I precisa de recursos financeiros, Republico”, de Borges da Fonseca, “Sentinela”, de
assim como para custear as despesas militares com Cipriano Barata, e “O Observador Constitucional”,
as guerras nas províncias. Para o reconhecimento de Líbero Badaró.
da independência, D.Pedro I também despendeu A oposição da imprensa foi combatida com
grandes somas. Numa tentativa de frear a crise violência pelo governo, e culminou com o
econômica, o Governo contrai empréstimos no assassinato, em São Paulo, do jornalista liberal,
exterior. Esses empréstimos, obtidos e juros Líbero Badaró (novembro de 1830) por elementos
elevados, trazem efeitos negativos para a fiéis ao imperador. Muito embora inexistam provas
economia. Em 1829, o Banco do Brasil faliu e foi que demonstram explicitamente a ligação direta de
liquidado. A população sofria os efeitos da carestia D. Pedro I com os assassinos, a impunidade destes
generalizada. Tudo isso contribuía para abalar o levou a oposição a creditas, naturalmente, a
prestígio do imperador e fortalecer a oposição ao responsabilidade do assassinato ao imperador. A
imperador. opinião pública ficou indignada com as notícias
Por outro lado, havia problemas relacionados que corriam no país.
com a sucessão do trono português, que produziu A Noite das Garrafadas; Em fevereiro de 1831,
os mesmos efeitos desgastantes. Com a morte de D. o imperador resolveu fazer uma viagem a minas
João VI, em 1826, D. Pedro I se tornou o legítimo Gerias para recuperar o seu prestígio,
herdeiro do trono português, o perigo da acompanhado da imperatriz e de uma pomposa
recolonização novamente pairava sobre o Brasil. comitiva. Ao chegar a Ouro Preto, encontrou a
Sabendo que os brasileiros não admitiriam a união cidade repleta de faixas de luto pela morte do
das duas coroas, o imperador abdicou ao trono de jornalista. Indignado, voltou à corte, no Rio de
Portugal em favor de sua filha mais velha, ainda Janeiro.
menina, Dona Maria da Glória. D. Pedro I Para recepcionar o imperador; a sociedade
outorgou uma Constituição para Portugal e nomeou secreta Colunas do Trono, composta por
uma regência que governaria até seu irmão, o portugueses absolutistas, preparou uma grande
Príncipe D. Miguel, poder assumir o trono, após festa de apoio a D. Pedro I. Mas os políticos
seu casamento com a sobrinha (a filha de D. liberais (“brasileiros”) resolveram impedir a
Pedro), que passaria a ser Dona Maria II. realização da festa, fazendo manifestações
Os fatos, porém, não evoluíram da maneira contrárias, e provocando um violento conflito de
esperada por D. Pedro. Em 1826 os absolutistas rua entre partidários (“portugueses”) e antagonistas
portugueses, através de um golpe, aclamaram D. (“brasileiros”) do imperador, no dia 13 de março de
Miguel rei de Portugal. A atitude de D. Miguel 1831. Os “portugueses” atacavam os
revoltou profundamente D. Pedro I que, “brasileiros”usando pedaços de paus e garrafas
imediatamente, elaborou planos militares para vazias. O episódio ficou conhecido como Noite das
reconquistar o trono herdado por sua filha. Garrafadas.
Esses acontecimentos requisitaram muito o A demissão do Ministério dos Brasileiros; Na
imperador, causando vivos protestos dos políticos tentativa de impedir uma revolta geral da
liberais brasileiros que o acusavam de deixar os sociedade, no dia 19 de março de 1831, D. Pedro I
complexos problemas internos cada vez mais nas nomeou um novo ministério mais liberal, que ficou
mãos do Partido Português (que o apoiava) para se conhecido como o “Ministério dos Brasileiros”. Foi
preocupar com a política portuguesa. Além disso, uma medida conciliatória, mas a essa altura dos
os brasileiros temiam uma possível união entre acontecimentos, inútil.
Brasil e Portugal, caso D. Pedro I conseguisse No dia 5 de abril de 1831, por se recusar a
reconquistar o trono para sua filha. reprimir manifestações populares, esse ministério
foi demitido e substituído por um outro, o
08. Fatos que precipitaram a “Ministério dos Marqueses” (ou “Ministérios dos
abdicação de D. Pedro I Medalhões”). O novo ministério era integrado por
alguns elementos do Partido Português
(absolutistas) que queriam o “imperador sem
trambolho”, isto é, sem câmara.
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A nomeação do Ministério dos Marqueses foi a A luta pelo poder dividiu a aristocracia rural
gota d´água que faltava para a revolta. A liberal. Enquanto os proprietários rurais do Sudeste
aristocracia rural, políticos liberais e militares (Liberais Moderados) defendiam a centralização do
uniram-se contra o imperador. Em praça pública, poder, pois só assim poderiam controlar o país e
mais de duas mil pessoas reuniram-se no Rio de impedir seu esfacelamento. Muitos proprietários
Janeiro, para protestar contra D. Pedro I e exigir a rurais do Norte, Nordeste e do Sul do país (Liberais
volta do Ministério dos Brasileiros. Exaltados), que se sentiam “abandonados” pelo
Apesar das insistências de setores civis e governo central, passaram a defender a
militares, D. Pedro I manteve-se irredutível. Essa descentralização do poder, exigindo maior
atitude do imperador determinou a passagem de autonomia para suas províncias. Ao lado destes,
Francisco de Lima e Silva, chefe militar, para a ficaram as classes médias urbanas, que além da
oposição. O imperador encontrava-se descentralização do poder, defendiam o fim da
absolutamente isolado. Não contava mais sequer monarquia e instauração de um regime republicano
com as tropas imperiais para reprimir as no Brasil. Por todo o país se alastraram as lutas
manifestações liberais. Já não restava outra políticas, ameaçando a unidade territorial.
alternativa senão abdicar. Essas lutas, porém, tiveram uma característica
No dia 7 de abril de 1831, D. Pedro I importante: a participação popular. Menos
apresentava sua renúncia. Era inevitável. O preocupadas com a questão política, as camadas
imperador desgastou-se profundamente, tornou-se populares lutavam contra a situação de miséria em
progressivamente inválido para servir aos que se encontravam. Convocadas para participarem
propósitos conservadores da classe que dele se das guerras de independência, contra as forças
servira (aristocracia rural), chocando-se com recolonizadoras, as camadas populares (homens
muitos de seus melhores e mais poderosos livres empobrecidos, negros escravizados, índios e
representantes. mestiços) não viram mudanças em suas vidas após
A abdicação, por um lado, tornou definitiva a a independência. A concentração de renda e de
independência do Brasil em relação a Portugal. Por terras, a escravidão, a carestia e a exclusão política,
outro, efetivou e consolidou o poder dos continuavam imperando no Brasil.
proprietários rurais, sobretudo do Sudeste, que As divisões dentro da classe dominante
poderia agora reconstruir o império à sua maneira. (aristocracia rural) abriram espaço para que as
Através de seus representantes, faria perpetuar-se a camadas populares se revoltassem contra os
forma do governo centralizado e a escravidão. privilégios dos poderosos, exigindo para si
melhores condições de vida (distribuição de terras,
abolição da escravidão etc). Sentindo-se ameaçados
pela radicalização das revoltas, os proprietários
rurais esqueceram suas desavenças políticas
internas, e se uniram contra o inimigo comum (as
camadas populares), para manterem aquilo que
mais os interessavam, o latifúndio e a escravidão.
Sobre essas revoltas populares se abateu uma
repressão intensa, e a violência foi uma constante.
As lutas políticas só terminaram quando D.
PERÍODO REGENCIAL Pedro II assumiu o poder, ele reunificou a
aristocracia rural e sufocou as revoltas populares. O
01. Introdução: Centralização X período regencial foi uma fase de grandes
agitações, cuja repressão preparou caminho para a
descentralização consolidação do império. Superou-se a crise
econômica, herdada do período colonial, através da
A abdicação de D. Pedro I foi a vitória do expansão da cultura cafeeira no Vale do Paraíba.
liberalismo (“partido brasileiro”) sobre as forças Eliminou-se a ameaça à unidade política e
absolutistas (“partido português”), representadas na territorial através da consolidação da monarquia,
figura do imperador, e completou o processo de centralizada e conservadora.
emancipação política da metrópole portuguesa. O liberalismo foi sem dúvida uma
Mas, D Pedro II era ainda uma criança. Criou-se característica marcante desse período. O
então, um vácuo no poder. Quem iria governar o liberalismo na regência foi, porém, ambíguo. Por
país? Que grupo político dominaria o país? Que um lado, promoveu a descentralização e
classe social conseguiria impor seus interesses? possibilitou um maior grau de participação popular.
Por outro, deixou intacta as bases da sociedade
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brasileira desde a colonização: o latifúndio e a Foram apelidados pelos moderados de
escravidão. “farroupilhas” (vestidos de farrapos), por terem
seus jornais e sua oratória uma aceitação muito
02. As forças políticas grande junto ao povo, a quem se dirigiam com
freqüência. Entre seus líderes, destacavam-se: os
Após a abdicação de D. Pedro I, a vida pública jornalistas Antônio Borges da Fonseca (que editava
do país foi dominada por três grupos principais que O Repúblico), Luís Augusto May (do jornal A
disputavam o poder político: restauradores, liberais Malagueta) e Cipriano Barata (editor de A
moderados e liberais exaltados. Sentinela da Liberdade); o major do Exército
O grupo mais importante da vida política na Miguel de Frias e Rangel de Vasconcelos. Apenas
regência era o dos liberais moderados. Como os alguns deles defendiam a substituição da
demais, não se pode dizer que constituíssem um monarquia pela República, mas, todos
partido. Era antes um grupo que representava os concordavam no que diz respeito à
interesses da aristocracia rural do Sudeste (Minas descentralização política.
Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro), empenhado Por fim, havia o grupo dos restauradores ou
em manter a todo custo a monarquia e a escravidão. “caramurus”. Absolutistas convictos, eles
Por isso, temiam que as reformas defendidas pelos pregavam através do jornal Caramuru, a volta de D.
exaltados causassem grandes mudanças sociais, Pedro I ao trono. A Sociedade Conservadora (mais
colocando em perigo a forma monárquica de tarde, Sociedade Militar), era composta pelos
governo e o escravismo, nos quais se baseavam remanescentes do Partido Português: alguns nobres
seus privilégios políticos e sua situação econômica. do período joanino, altos funcionários públicos,
Entretanto, viam a necessidade de serem feitas comerciantes portugueses, ligados ao antigo
algumas reformas para evitar-se um governo comércio colonial, e militares conservadores de
despótico (absolutista) como o anterior. Por isso, alta patente. Liderados por José de Bonifácio,
aprovaram medidas que viessem a diminuir o poder diziam sempre que a anarquia e a subversão
do Executivo. Eram contra a vitaliciedade do tomavam conta do país, para assim justificar suas
Senado e o Conselho de Estado (reduto dos idéias reacionárias.
restauradores). Do ponto de vista administrativo,
defendiam o centralismo como garantia da unidade 03. A Regência Trina Provisória
territorial. (Abril-julho de 1831)
Os moderados formaram a Sociedade
Defensora da Liberdade e da Independência Com a abdicação de D. Pedro I em 7 de abril de
Nacional e tinham como líderes o padre Diogo 1831, deveria subir ao trono seu filho mais velho.
Feijó, Evaristo da Veiga (que editava o jornal D. Pedro de Alcântara. No entanto, o futuro D.
Aurora Fluminense) e Bernardo Vasconcelos. Pedro II tinha pouco mais de 5 anos de idade, não
Popularmente eram conhecidos como podendo por isso assumir as responsabilidades do
“chimangos”, o que talvez fosse uma alusão aos governo.
seus poderes, porque chimango é uma ave de
rapina do Rio Grande do Sul. A Constituição de 1824 previa a eleição de uma
Outro grupo que se destacava politicamente era regência formada por três membros eleitos pela
o dos liberais exaltados. Reunia proprietários de Assembléia Geral, que era composta pelo Senado e
terras do Norte, Nordeste e sul do país, e pela Câmara dos Deputados. Mas, como os
representantes das camadas médias urbanas parlamentares estavam de férias, não havia no Rio
(profissionais liberais, pequenos comerciantes, de Janeiro número suficiente de deputados e
funcionários públicos modestos, padres e militares senadores para eleger os três regentes que
de baixa patente do Exército). Contava com o governariam o país, conforme mandava a
apoio da população urbana e rural, empobrecida Constituição. Então, os poucos políticos que se
com a crise. encontravam na cidade resolveram, como solução
Diferentemente dos moderados, os exaltados de emergência, eleger uma regência provisória,
aspiravam por reformas mais amplas: a abolição para governar a nação, até que se elegesse a
definitiva do poder moderador, a extensão do regência permanente.
direito do voto. Lutavam pela descentralização do A Regência Trina Provisória governou o país
poder, pela autonomia administrativa das durante quase três meses. Nela estavam
províncias, pelo sistema federalista. representados os moderados através do senador
Os “exaltados” organizaram a Sociedade Nicolau de Campos Vergueiro e do brigadeiro
Federalista para melhor defender seus ideais. Francisco de Lima e Silva, e os caramurus, na

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figura do senador José Joaquim de Campos (o maior de comando da Guarda Nacional) que,
Marquês de Caravelas). armando e comandando homens de sua confiança,
Apesar da ausência dos liberais exaltados, a maioria dos quais seus agregados nas fazendas,
algumas medidas foram tomadas em nome do ganharam legitimidade para reprimir a agitação
liberalismo. A readmissão do Ministério dos popular. Seu objetivo era preservar as enormes
Brasileiros, que havia sido demitido por D. Pedro I. propriedades dos fazendeiros, manter a escravidão
O Poder Moderador foi restringido, impedindo os e combater as idéias liberais das classes urbanas.
regentes de dissolver a Câmara dos Deputados, Subordinada apenas aos juízes de paz de cada
conceder títulos de nobreza, decretar a suspensão município, a organização da Guarda Nacional
das garantias institucionais e de negociar tratados reforçou o poder dos latifundiários a nível local. O
com governos estrangeiros. Além disso, foi poder dos “coronéis”, durante a república, teve aí
concedida anistia (perdão) política. sua origem.
Apesar de manter as estruturas políticas do Através do Código de Processo Penal, os
império autoritário, as primeiras medidas da municípios receberam ampla autonomia judiciária,
Regência Provisória tinham caráter liberal e com juízes de paz eleitos pela população local, e
antiabsolutista; era o início do chamado “avanço não nomeados pelo poder central, como acontecia
liberal”, que durou a Regência de Feijó. Entretanto, no governo de D Pedro I. Os juízes de paz
esse avanço liberal se deu em favor dos moderados. passaram a ter além de suas atribuições normais,
Possuíam a maioria dos deputados na Câmara, e ela funções policiais, jurídicas e administrativas. Uma
ganhara mais poderes. Podiam agora controlar a posição quase igual à dos prefeitos na república.
assinatura dos tratados e evitar os que pudessem Resultava a nova lei na entrega aos senhores rurais
comprometer seus interesses básicos, como foi o de um poderoso instrumento de impunidade
caso do acordo firmado com a Inglaterra para a criminal.
extinção do tráfico de escravos. Em 12 de agosto de 1834 foram votadas as
A exclusão dos liberais exaltados da Trina modificações que constituíram a emenda
Provisória desencadeou uma série de revoltas, constitucional, que ficou conhecida como Ato
principalmente no Rio de Janeiro, com ampla Adicional à Constituição de 1824. Com o Ato
participação de setores populares. Nos comícios e Adicional de 1834 foi abolido o Conselho de
nas agitações de rua, os radicais atacavam os Estado, principal órgão de assessoria do imperador,
portugueses identificados com o “absolutismo” e as criado pela Constituição de 1824, e que reunia os
ações “antidemocráticas” da regência, contando políticos mais tradicionais e conservadores.
inclusive com a adesão de parte do Exército. Transformou-se a Regência Trina em Una,
passando o regente a ser eleito por voto direto, por
04. A regência trina permanente um período de quatro anos. A cidade do Rio de
(1831-34) Janeiro tornou-se um município neutro. Foram
criadas Assembléias Legislativa provinciais, com
A 17 de junho de 1831 a Assembléia elegeu a amplos poderes, podendo legislar sobre matéria
Regência Trina Permanente. A nova regência era civil e militar, instrução pública, política e
composta por moderados: o deputado Bráulio econômica dos municípios. Contudo, as
Muniz, o deputado Costa Carvalho e o brigadeiro Assembléias eram subordinadas aos presidentes
Lima e Silva. No novo gabinete formado pela das províncias, nomeados pelo governo central.
Regência destacou-se o ministro da Justiça, o padre
Diogo Feijó, a quem se conferiu autonomia de ação 05. A Regência Una de Feijó (1835-
para conter as agitações populares. Conhecido pelo 7)
seu autoritarismo, Feijó foi responsável pela prisão
de alguns líderes exaltados e pela intensa repressão Apesar do caráter conciliatório do Ato
ao movimento militar de julho de 1831. Contando Adicional, as forças políticas se dividiram em duas
com a adesão do povo, os militares pediam a facções: a que apoiava o Ato (progressista) e a que
dissolução da Câmara, a destituição do Governo e a se colocava contra ele (regressista). O ponto básico
reunião de uma Assembléia Constituinte. da discórdia era a contradição inerente ao Ato
Sentindo que não poderia contar com as tropas Adicional, ao propor a centralização do poder
do Exército, Feijó criou a Guarda Nacional (que político em mãos de um regente único, ao mesmo
ficou conhecida como “Guarda dos Coronéis”), em tempo que dava às províncias considerável
agosto de 1831, subordinada ao Ministério da autonomia. Essa contradição transpareceu com a
Justiça. Eram milícias compostas por fazendeiros eleição de Feijó com uma vantagem ínfima de 600
(eles recebiam o título de coronéis, que era o posto votos. A eleição de Feijó representou a vitória dos
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progressistas. Entretanto, nas eleições legislativas atribuições das Assembléias Legislativas
do ano seguinte venceram os regressistas. provinciais.
Graves revoltas de cunho popular eclodiram:
no Pará, a Cabanagem; no Sul, a Farroupilha. O 07. O Golpe da Maioridade
temor dos proprietários rurais levou-os a assumir
posições cada vez mais conservadoras O governo de Araújo Lima havia conseguido
(regressistas). O Parlamento responsabilizou Feijó sufocar a Sabinada e a Cabanagem, porém,
pelas revoltas sociais que se espalhavam por toda permaneciam ainda, a Farroupilha e a Balaiada,
parte, além disso, lhe foram negados recursos apesar da centralização do poder e do uso da
financeiros para solucionar as crescentes violência contra os revoltosos.
dificuldades. Impotente diante do Parlamento Os políticos progressistas defendiam que só
hostil, Feijó renunciou em 1837. A Regência foi havia uma maneira de acabar com a falta de
assumida interinamente por Araújo Lima, um autoridade do governo central e preservar a
regressista. unidade territorial do país. Era transferir o poder
para D Pedro II e encerrar o período regencial. Mas
06. A Regência Una de Araújo Lima o jovem príncipe tinha só 14 anos, era menor de
(1837-40) idade. A Assembléia Nacional, entretanto, tinha
poderes para antecipar a maioridade de D. Pedro II.
A experiência do liberalismo político e da Foi, então, fundado o Clube da Maioridade,
descentralização havia levado o povo às ruas para organização política cujo objetivo era lutar pela
lutar por seus interesses, isto é, por interesses que antecipação da maioridade do príncipe.
iam além daqueles da aristocracia, e havia A tese do Clube da Maioridade teve o apoio das
ameaçado a unidade territorial do país. Além disso, classes dominantes e uniu políticos progressistas e
os fazendeiros estavam assustados, com medo de parte dos regressistas. A elite política acreditava
perder suas riquezas, baseadas na grande que a figura de um imperador, com fortes poderes,
propriedade e na exploração dos escravos. Ser seria essencial para liquidar as revoltas provinciais
regressista era, então, “parar o carro da revolução”. e, desse modo, restabelecer a ordem social que
Concretamente, os regressistas queriam acabar com interessa aos grandes proprietários de terra e
o liberalismo político, fortalecendo a autoridade do senhores de escravos. Além disso, para os políticos
poder central, diminuindo a autonomia das regenciais, o restabelecimento do Poder
províncias. Moderador, com a antecipação da maioridade, viria
Em 1838, nas eleições para a escolha do novo também resolver a “crise de autoridade”.
regente, foi eleito Araújo Lima. Com a vitória dos Possibilitaria a reconstituição de um poder que,
regressistas, continuaram as rebeliões nas segundo eles, era “neutro e não partidário”,
províncias: enquanto os Farroupilhas conseguem evitando assim que as divergências entre
expandir seu movimento no Rio Grande do Sul, regressistas e progressistas extrapolassem as salas
eclodiam novas revoltas no Maranhão (Balaiada) e do Parlamento.
na Bahia (Sabinada). A harmonia entre Legislativo Em 1840, a Assembléia Nacional aprovou a
e Executivo, ambos regressistas, possibilitou a antecipação da maioridade de Pedro de Alcântara,
coesão da aristocracia rural, que pôde, então, numa vitória do Clube da Maioridade. Assim, o
enfrentar com firmeza essas rebeliões regenciais, jovem Pedro foi aclamado imperador, com o título
aumentando a utilização da violência para contê- de D. Pedro II, em 23 de julho de 1840. Iniciava-se
las. o Segundo Reinado, período que durou quase meio
Nessa regência teve início o regresso século (1840-89). Mantinham-se com isso, a
conservador, ou seja, as articulações dos políticos fórmula salvadora da monarquia e os privilégios da
mais conservadores, com o objetivo de anular as aristocracia rural. Restabelecia-se a “paz” no
leis liberais aprovadas no início do período império.
regencial e recuperar os privilégios do poder
central. A descentralização era vista como a 08. As Rebeliões Regenciais
responsável pela baderna, desordem e anarquia; e o
fortalecimento do poder central era visto, pela No período das regências inúmeras revoltas
maior parte dos políticos do império e dos grandes explodiram pelas províncias brasileiras.
proprietários rurais, como a solução para as Preocupado, o regente Feijó chegou a dizer: “o
ameaças de desordem nas províncias. Foi nesse vulcão da anarquia ameaça devorar o império”.
sentido que, em maio de 1840, foi aprovada a Lei Havia muitas razões para tantas revoltas.
Interpretativa do Ato Adicional, limitando as
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O eixo de gravitação política, havia muito concordassem quanto à necessidade de controlar a
tempo, era o Centro-sul, particularmente, o Rio de política centralizadora do Rio de Janeiro, uma parte
Janeiro. Desde o período joanino procurou-se deles (fazendeiros) começava a temer a feição e as
adotar o centralismo político-administrativo e a proporções violentas do movimento (cabanos
manutenção da economia escravista colonial de queriam acabar com a escravidão, distribuir terras
modo que as rebeliões regenciais tiveram dupla para o povo e matar os exploradores). Foi o caso de
raiz. De um lado, era importante para a camada Malcher, seu conservadorismo destoava das
dominante das províncias distantes do centro de pretensões radicais dos cabanos, sendo deposto e
decisão política obter o máximo de liberdade de executado após tentar reprimir os elementos mais
ação, quer dizer, a autonomia político- radicais e jurar fidelidade à regência.
administrativa. Queriam, por exemplo, o direito de Os cabanos instalaram um governo popular
eleger seus próprios presidentes de província liderado por Eduardo Argelim, proclamam
(cargo que corresponde hoje ao de governador do independência do Pará e a República. O governo
Estado). De outro lado, para as camadas livres, mas popular expropria comerciantes, distribui alimentos
não-proprietárias, tratava-se de alterar o quadro e persegue os grandes proprietários rurais. A
social, a fim de melhorar sua vida material. O povo Cabanagem foi o movimento mais radical de todos.
das cidades e do campo levava uma vida miserável. O único em que a classe dominada conseguiu
Os alimentos eram caros, a riqueza e o poder ocupar o poder de toda a província, ainda que de
estavam concentrados em mãos dos grandes modo desorganizado e descontínuo.
fazendeiros e comerciantes. Em 1836, não conseguem resistir à força militar
Além dos motivos sócio-políticos, a política enviada pelo Rio de janeiro. Abandonam
econômica adotada no período regencial definitivamente a capital e lutam por mais três anos
desagradava a algumas províncias. As exportações no interior, onde os aguarda um final trágico. Em
brasileiras perdiam preço e mercado. O açúcar 1839, ao findar a Cabanagem, dos cem mil
sofria a concorrência internacional das Antilhas e habitantes do Pará, quarenta mil havia morrido nos
dos Estados Unidos. O algodão, o fumo, o mate, o incêndios, destruições e assassinatos que as forças
couro, o charque também enfrentavam a forte do governo promoveram.
concorrência de outras áreas produtoras. O ouro era
um minério quase esgotado. Apenas o café 10. A Farroupilha – Rio Grande do
prosperava na região Sudeste. Sul (1835-45)
09. A Cabanagem – Pará (1835-40) A província do Rio Grande do Sul não estava
ligada, como as demais, diretamente ao mercado
Após a Abdicação, as lutas entre as facções externo. Lá não eram cultivados produtos tropicais
políticas se alastraram por todo o país. Detinham o para a exportação. A riqueza da região era gerada
poder na região os comerciantes de Belém, que na venda de charque, couros e gado muar para o
apoiavam uma política centralizadora e se mercado interno, isto é, para as províncias agro-
identificavam com os interesses lusitanos. Os exportadoras. Mesmo sendo o “celeiro do país”, o
senhores de terras que se opunham a eles RS não era forte o suficiente para impor seus
formavam um grupo numericamente pequeno e interesses. À elite rural que dominava o Império
desorganizado. O resto da população era composta não interessa obter aqueles produtos a preços altos,
por escravos e pela massa miserável que habitava principalmente o charque, que era a alimentação
choupanas à beira dos rios: os cabanos. Esses básica de seus escravos. Assim, o governo
cabanos eram negros, índios e mestiços, mantinha baixos as taxas alfandegárias dos artigos
submetidos a um regime de semiescravidão, que similares importados da região platina (Argentina e
trabalhavam na extração de produtos da floresta Uruguai). Como os impostos de importação eram
(drogas do sertão) e na pesca. Convocados pelos baixos, a charque importada chegava a custar
setores liberais a participar nos movimentos de menos que a carne do RS. O governo não oferecia
oposição às medidas centralizadoras do governo garantias para a venda da produção sulina para o
imperial, os cabanos deram às lutas uma orientação exterior e, além disso, sobrecarregava-a de
mais ampla e radical. impostos nos portos nacionais. Os produtores
Em janeiro de 1835 levantaram-se os cabanos, gaúchos, donos de imensas estâncias (fazendas de
dominando com facilidade a capital (Belém) e gado) queriam que o governo regencial protegesse
executando autoridades governamentais. O a pecuária do Sul e dificultasse a entrada do
governo é entregue a Félix Malcher, um fazendeiro charque importado no Brasil.
da região. Embora todos os participantes

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Essa peculiaridade econômica do RS tornou a A repressão veio logo a seguir e foi facilitada
sociedade extremamente favorável aos apelos pelo fato de os participantes do movimento terem
republicanos e federalistas. A abdicação de D. se isolado, não buscando apoio de outras camadas
Pedro I, ao quebrar a estabilidade política, da população nem de outras regiões da província.
propiciou o afloramento das aspirações radicais que Em 1838, ajudados pelos proprietários rurais do
dominavam a Assembléia Legislativa provincial. Recôncavo, as tropas do governo empreenderam
Em conseqüência, houve oposição à nomeação de um verdadeiro massacre. Os que escaparam do
Fernandes Braga à presidência da província, feita massacre foram julgados por um tribunal que ficou
pela regência, pois a autonomia pretendida pelos conhecido como “júri de sangue”, foram
estancieiros ficou ameaçada pelas medidas condenados à morte ou ao degredo.
rapidamente adotadas pela nova autoridade.
Para impor seu ponto de vista, os estancieiros se 12. A Balaiada – Maranhão (1838-
rebelaram, pondo em fuga o presidente. Em 41)
setembro de 1835, os revoltosos dominaram Porto
Alegre, e já no ano seguinte proclamaram a Na época, a província do Maranhão contava
República Piratini. Em 1837, uniu-se aos com cerca de 200 mil habitantes, sendo a maioria
revoltosos o célebre revolucionário, Giuseppe composta de escravos e sertanejos (homens livres
Garibaldi, uma das principais figuras da unificação empobrecidos) ligados à lavoura e à pecuária. Após
italiana. Em 1839, Garibaldi e Canabarro chefiaram a Independência dos EUA, o principal produto
expedições militares à Santa Catarina, onde maranhense, o algodão, sofreu grande declínio:
tomaram a cidade de Laguna, proclamando a perdeu preço e compradores no exterior, devido à
República Juliana. forte concorrência internacional do algodão
Em 1842, com a designação de Duque de produzido nos EUA, mais barato e de melhor
Caxias, os farrapos foram dominados. O novo qualidade. O poder estava nas mãos dos
chefe da repressão aos revoltosos adotou meios comerciantes e dos proprietários rurais, e a
eficazes: cortou as vias de comunicação do RS, população sertaneja foi a que mais sofreu com a
isolando-o do Uruguai; procurou negociar com os crise que passou o Maranhão e todo o país durante
rebeldes, afastando o radicalismo e abrandando os a Regência.
ânimos revolucionários. Enfim, em março de 1835, O início das agitações na província do
quando Canabarro e Caxias entraram em acordo, a Maranhão ocorreu com a oposição dos bem-te-vis
rebelião dos farrapos estava superada. A concessão (como eram chamados os liberais maranheses, por
oficial foi enorme: anistia geral aos revoltosos; editarem o jornal de oposição, Bem-te-vi) aos
redução dos impostos sobre o charque nacional; desmandos da oligarquia conservadora. Os liberais
incorporação dos soldados e oficiais farroupilhas de São Luís reivindicavam a descentralização das
ao Exército Imperial em igual posto, exceto o de eleições de prefeitos, até então sob o controle do
general; devolução das terras confiscadas. governo conservador. Aos poucos, a revolta foi-se
espalhando por todo o Maranhão, transformando-se
11. Sabinada – Bahia (1837-8) numa rebelião sertaneja. Um dos cabeças do
movimento era Manuel dos Anjos, fabricante de
Diferentemente das demais rebeliões ocorridas balaios (motivo pelo qual a rebelião recebeu o
no país, a Sabinada foi um movimento realizado nome de Balaiada).
por representantes da camada média da população A maior vitória dos balaios foi conseguida
em favor da república (e da descentralização do quando tomaram a vila de Caxias (a segunda
poder), que não mobilizou os setores menos localidade mais importante do Maranhão),
favorecidas, nem contou com o apoio de constituindo um conselho militar formado por
proprietários de terras. alguns de seus chefes, que aceitaram a participação
Em novembro, liderada pelo médico Francisco de elementos bem-te-vis. Mas, não havia clareza de
Sabino, rebela-se a guarnição do Forte de São objetivos entre os líderes populares ao assumir o
Pedro. A partir daí, a Sabinada ganha a adesão de governo. Faltava ao movimento uma unidade. Cada
parte das tropas do governo e o presidente da grupo e cada chefe agia isoladamente, havendo
província é obrigado a fugir. Os rebeldes tomam o entre eles muita divergência. As alianças com os
poder em Salvador e proclama a República bem-te-vis e elementos moderados, que
Baiense, que seria uma república provisória, que procuravam conter as revoltas, também
deveria durar até o imperador (D. Pedro II) assumir contribuíram para o desgaste do movimento.
o trono. Em 1840, o coronel Luís Alves de Lima e Silva,
futuro Duque de Caxias, é nomeado para a
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presidência e o comando de armas da província. câmara dos deputados e lutavam por razões
Explorando o isolamento e as rivalidades entre os meramente pessoais.
grupos rebeldes, e contando mesmo com o apoio No dia seguinte à aclamação, D. Pedro II
bem-te-vi, os legalistas derrotam os balaios. O nomeava seu primeiro ministério, composto de
combate aos balaios foi duro e violento. A liberais que apoiaram a antecipação da maioridade.
perseguição só terminou em 1841, quando é Esse gabinete, que funcionou de 1840 a 1841, ficou
concedida a anistia aos envolvidos no movimento, conhecido como “Ministério dos Irmãos”, pois era
após a morte de cerca de 12 mil sertanejos e composto por irmãos das famílias Andrada.
escravos. Coutinho e Cavalcante. O gabinete ministerial
defrontava-se com uma Câmara de maioria
SEGUNDO REINADO (1840-1889) conservadora, que impedia o livre funcionamento
do Executivo, o que foi resolvido com a dissolução
01. Política Interna da Câmara e a convocação de novas eleições, em
1840.
A 23 de julho de 1840, com apenas 14 anos e 7 Devido à fraude e à violência, essas eleições
meses, D. Pedro II era aclamado imperador. Nos legislativas ficaram conhecidas como “eleições do
anos iniciais de seu governo, o Brasil foi cacete”. Para garantir a vitória dos membros do
inteiramente pacificado, salientando-se nesse Partido Liberal, o governo central assaltava as
processo Luís Alves de Lima e Silva, comandante mesas eleitorais, com a conivência da polícia,
das Guarda Nacional. As últimas rebeliões ocasionando assassinatos e espancamentos. A
provinciais, a Balaiada e a Farroupilha, foram violência passou a ser a tônica das eleições no
debeladas nesse período. A paz interna favoreceu a Segundo Reinado.
consolidação dos proprietários rurais no poder e a Um novo ministério, quase totalmente composto
criação de instituições parlamentares cujas por conservadores, foi formado em 1841.O
divergências eram resolvidas sem intromissão de Ministério Conservador alegou fraude nas eleições
outros setores sociais. anteriores e exigiu do imperador a dissolução da
Mesmo emancipado politicamente desde 1822, Câmara, afastando os liberais e preenchendo-se os
as características da economia do país não cargos com conservadores. Os conservadores
mudaram no decorrer do Primeiro Reinado e do passaram a aprovar leis reacionárias, como a que
período regencial. A inexistência de um produto de restaurou o Conselho de Estado, em novembro de
grande expressão comercial dificultava a 1841. Foi aprovada também a reforma do Código
manutenção da economia agrária, exportadora e de Processo Penal, através da qual centralizou-se a
escravista, resultando num desempenho medíocre. ação judicial e policial, pondo fim à autonomia das
A incapacidade de solucionar a crise econômica autoridades locais. Os juízes deixavam de ser
das primeiras duas décadas após a independência eleitos e passavam a ser nomeados pelo poder
gerou cisões dentro da própria classe dominante. central.
Alem disso, as camadas populares, comprimidas Desgostosos de seu afastamento do poder, os
pela pobreza e miséria e diante das divisões na liberais, em seus principais redutos, São Paulo e
classe dominante, realizavam movimentos sociais Minas Gerais, recusaram-se a acatar as novas leis,
em que chegavam mesmo a questionar a base tachando-as de reacionárias. As leis reacionárias
escravista da sociedade. Entretanto, a partir de foram a causa das revoltas liberais, que tiveram
1840, a economia cafeeira impôs-se com vigor, inicio em Sorocaba (São Paulo), liderada pelo
facilitando a consolidação do Estado monárquico, padre Diogo Antônio Feijó, e em Barbacena
controlado pela aristocracia rural e escravista. (Minas Gerais), sob o comando de Teófilo Otoni.
Reprimindo rapidamente os levantes, as tropas do
governo central, sob o comando do então barão de
1.1 Revoluções Liberais de 1842 Caxias, derrotaram as forças rebeldes. Os
principais líderes foram presos e permaneceram
A vida política do II Reinado foi marcada pelo encarcerados até 1844, quando, com a nomeação
domínio de dois partidos: Liberal e Conservador. de um novo gabinete liberal, seriam todos
Eles não tinham grandes divergências ideológicas e anistiados.
ambos representavam os interesses dos grandes No inicio de 1844, D. Pedro II decide dissolver
proprietários de terra e de escravos. Estavam o gabinete conservador. As pressões inglesas para
sempre de acordo em questões realmente acabar com o tráfico de escravos acentuavam-se e
importantes e que fossem capazes de alterar a os conservadores mostravam-se intransigentes. O
estrutura socioeconômica do país. Obviamente imperador acreditava que um gabinete liberal
disputavam com unhas e dentes as eleições para a melhoraria as relações com a Inglaterra.
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Ao assumirem o poder, contudo, os liberais não Era a última grande reação à consolidação de uma
se preocuparam em reformar as leis contra as quais monarquia favorável à aristocracia rural escravista.
tinham se oposto dois anos antes, percebendo que Na época do Império, o poder político era
eram essenciais para a manutenção de ordem. As controlado pelos latifundiários, fato que, em
facções liberais da aristocracia rural tornaram-se Pernambuco mostrava-se mais evidente do que em
menos intransigentes, passando a se integrar qualquer outra província do país. A base
paulatinamente à ordem imperial, uma vez que dois econômica de Pernambuco era a produção de
pontos em comum uniam conservadores e liberais: açúcar, feita nos engenhos, quase todos de
a manutenção da estrutura escravista e a alienação propriedade algumas poucas famílias, entre as
das massas populares do processo político. quais os Cavalcanti. Os Cavalcanti, controlava
A alternância dos dois partidos no poder pouco praticamente toda a vida política da região: três de
contribuía para mudar a sociedade brasileira. seus membros ocupavam postos importantes em
Oliveira Viana chegou a afirmar que “nada mais ambos os partidos, Conservador e Liberal. Os
conservador que um liberal no poder e nada mais latifundiários, entretanto, não eram o único
liberal que um conservador na oposição”. Uma das inimigo: o comércio pernambucano era
primeiras medidas tomadas pelos novos ministros monopolizado por estrangeiros, particularmente
foi a criação da tarifa Alves Branco (1844), que pelos portugueses, que não empregavam
extinguiu as taxas preferenciais de que os ingleses trabalhadores brasileiros e reforçavam com isso os
desfrutavam em nosso portos desde 1810. O sentimentos antilusitanos.
objetivo da medida era conseguir fundos para o Com os partidos totalmente controlados, os
depauperado tesouro brasileiro. Indiretamente, a verdadeiros liberais e democratas pernambucanos
medida facilitou o desenvolvimento de algumas organizaram-se no Partido da Praia, formado em
indústrias nacionais. 1842, com o apoio do jornal Diário Novo. Os
liberais exaltados estavam descontentes com a
1.2 “Parlamentarismo as Avessas” e “A política imperial.
era da Conciliação” Quando, em 1848, o gabinete conservador do
Império nomeou o conservador Ferreira Pena para
Em 1847 criou-se o cargo de presidente do presidente da Província de Pernambuco, os
Conselho de Ministros, ocupado pela primeira vez políticos praieiros se organizaram para lutar contra
por Manuel Alves Branco, formalizando-se o o governo. Em 7 de novembro de 1848 explodia a
parlamentarismo brasileiro, embora às avessas. Revolução Praieira.
Enquanto nos países parlamentaristas o primeiro- A revolução contou com o apoio do povo:
ministro é eleito pelo partido que possui maioria na agricultores, vaqueiros, ex-escravos, profissionais
Câmara, no Brasil ocorria o contrário: a câmara é liberais e pequenos comerciantes. Entre os líderes
que era dissolvida caso não tivesse maioria de estavam: Pedro Ivo (comandante militar) e o
parlamentares do partido do ministério nomeado jornalista Borges da Fonseca.
pelo imperador. Ao invés de o Executivo se Os praieiros, influenciados pelas idéias do
subordinar ao Legislativo, no parlamentarismo socialismo utópico, divulgaram o manifesto ao
brasileiro ocorria o contrário. Mundo, pelo qual reivindicavam: voto livre e
Em 1848 o ministério liberal estava muito universal, liberdade de imprensa, autonomia dos
desgastado. O imperador então decidiu apelar mais poderes, garantia dos direitos individuais,
uma vez para os conservadores. Em novembro de nacionalização do comercio varejista, liberdade de
1848 um novo gabinete assumiu, mantendo-se até trabalho, federalismo, extinção do poder
1853, quando seria substituído por um novo Moderador e do Senado vitalício.
ministério, inaugurando o período da Conciliação. A revolta, iniciada em Olinda, derrubou o
O chamado “Ministério da Conciliação” (1853-8), presidente conservador de província e se alastrou
formado por liberais e conservadores, significou pela Zona da Mata. Liderados por Nunes Machado,
um período de trégua entre os dois partidos. tentaram tomar Recife de assalto, mas fracassaram
e Nunes Machado foi morto. Borges da Fonseca
1.3 A Revolução Praieira (1848-9) retirou-se para o interior, dando continuidade à
luta. Paralelamente, Pedro Ivo, com o apoio das
populações humildes, continuava atacando ao sul
Em 1848 a província de Pernambuco foi
de Recife. Embora tenha conseguido algumas
marcada por um processo revolucionário cujo
vitórias, acabou sendo preso pelas forças imperiais,
objetivo era realizar transformações sociais
em 1850, em Alagoas. Transferido para o Rio de
contrárias ao poder das oligarquias latifundiárias.
Janeiro, recebeu grande apoio de intelectuais e
populares, que fizeram intensa campanha pela sua
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libertação. Pouco depois fugiu, mas morreria Oeste paulista foi ocupado pelo café, graças à terra
vitima de tuberculose no navio que o conduzia à roxa, ideal para o seu cultivo.
Europa. Em 1852, os revoltosos foram anistiados. Podemos agrupar a classe dos grandes
proprietários de café em dois setores básicos: setor
02. Economia tradicional, composto cafeicultores da Baixada
Fluminense e Vale do Paraíba, que utilizavam a
a. Açúcar, fumo e algodão mão-de-obra escrava, e que predominou até 1870;
setor moderno, composto por cafeicultores do
Nesse período, o açúcar passou a ocupar o Oeste paulista, onde predominava o trabalho
segundo lugar entre os produtos de maior assalariado.
exportação. Já não éramos mais os grandes A organização das fazendas de café no vale do
exportadores, como no passado, pos o açúcar havia Paraíba e em Minas Gerais defrontou a falta de
entrado em decadência, devido à concorrência mão-de-obra. Inicialmente empregaram-se escravos
internacional do açúcar antilhano e o aparecimento das antigas áreas de mineração e das lavouras
do açúcar extraído da beterraba. tradicionais da região. No entanto, a ampliação dos
A partir de 1850 - com a proibição do tráfico cafezais aumentou a necessidade de trabalhadores
negreiro - ficou paralisada a produção de fumo de tal forma, que nem mesmo o deslocamento de
destinada ao mercado de escravos. Posteriormente, escravos das grandes propriedades nordestinas
porém, o fumo voltou a Ter papel de destaque, pois estagnadas conseguiu suprir. Em 1850, com a
um novo mercado foi-se abrindo para a exportação proibição do tráfico negreiro, a solução encontrada
desse produto, devido ao fato de que diversos pelos cafeicultores foi contratar imigrantes.
países europeus passaram a comprar tabaco para a As primeiras tentativas nesse sentido estão
fabricação de charutos. ligadas ao nome do senador Nicolau Vergueiro,
Produzíamos muito algodão no período que incentivou a vinda de 80 famílias de alemães
colonial. Contudo, a forte concorrência com os para a sua fazenda de Ibicaba, em São Paulo,
EUA impediu a nossa expansão com vistas ao contraídas para trabalhar no sistema de parceria,
mercado externo. Só tivemos uma pequena isto é, receberiam a metade da colheita do café. A
melhora quando, entre 1860 e 1870, ocorreu uma firma de Vergueiro financiava a vinda dos
terrível guerra civil entre os americanos, o que nos imigrantes, que já chegavam ao Brasil endividados
possibilitou substituí-los no fornecimento dessa pelos custos da viagem, transporte para o local de
matéria-prima para o mercado externo. trabalho, compra de ferramentas e manutenção até
a época da colheita. Essas dividas eram pagas com
b. O café empréstimos a juros de 6% a 12% ao mês. Além
disso, os colonos eram obrigados a comprar
A produção de café teve origem entre os árabes, mantimentos nos armazéns da fazenda a preços
os comerciantes de Veneza difundiram-no pela mais altos que o normal. Em pouco tempo as
Europa e, no século XVII, os europeus passaram a dividas forçavam o imigrante a sujeitar-se a um
consumi-lo. A produção aumentou e no século regime de semi-escravidão.
seguinte começou a ser produzido nas Antilhas. Foi Em 1857, os colonos de Ibicaba se revoltaram,
introduzido no Brasil em 1727, sendo um produto fato que teve repercussão internacional. Foram tão
de pouco valor comercial, utilizado para o consumo sérios os conflitos entre fazendeiros e colonos que
nas próprias fazendas produtoras. vários países europeus estabeleceram restrições ou
Aos poucos, entretanto, a partir do século XIX, simplesmente proibiram a emigração para o Brasil.
o hábito de beber café foi adquirindo grandes Fracassando o sistema de parceria, a partir da
proporções na Europa e EUA. Favorecidas pelas década de 70, tentou-se nova experiência: a
condições geográficas do Sudeste do Brasil, as imigração subvencionada. As passagens dos
lavouras cafeeiras desenvolveram-se tanto que, a imigrantes passaram a ser pagas pelo governo de
partir de 1840, o café passou a ser nosso principal São Paulo e, ao chegarem ao Brasil, os
produto de exportação. trabalhadores firmavam com os fazendeiros
Com o estabelecimento da Corte portuguesa no contratos de um ano, nos quais se estabeleciam
Rio de Janeiro, em 1808, a cultura do café salários de acordo com o número de pés de café a
expandiu-se, atingindo Angra dos Reis e serem cuidados, ou um salário fixo por alqueire. A
Mangaratiba. Em 1830, os cafezais se alastraram imigração subvencionada salvou a lavoura paulista.
pelo vale do rio Paraíba e a produção assumiu o
caráter de grande lavoura voltada para a c. A indústria
exportação. Mas foi só por volta de 1850 que o

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O primeiro grande impulso à indústria brasileira entrado ilegalmente no país. Entretanto, o governo
data de 1844, quando o Ministro da fazenda, Alves brasileiro não dava atenção às reivindicações do
Branco, criou novas taxas alfandegárias, a partir embaixador, deixando-o irritado.
das quais as mercadorias estrangeiras que Em 1861, o navio inglês Príncipe de Gales que
desembarcassem no Brasil teriam de pagar 20% até costas do Rio Grande do Sul e sua carga foi
60% de impostos alfandegários. Isso aumentou o roubada. William Christie, representante
preço dos produtos importados. Assim grande parte diplomático da Inglaterra no Brasil, passou a exigir
da população ficava impossibilitada de consumir uma alta indenização ao governo imperial. A
produtos estrangeiros e, conseqüentemente, seria tensão aumentou com a prisão pela policia
forçada a comprar produtos fabricados aqui. Assim, brasileira de três oficiais britânicos, que à paisana e
ao criar uma política protecionista, a Tarifa Alves embriagados, promoveram desordens nas ruas da
Branco estimulou a produção industrial. capital, Rio de Janeiro. Christie exigiu a punição
Por volta de 1850 ocorreu, então, no Brasil, o dos policiais responsáveis pela prisão. D. Pedro II
primeiro surto industrial, graças ao protecionismo aceitou indenizar a Inglaterra pela carga do navio e
originado com a tarifa Alves Branco, como soltar os oficiais, mas se recusou a punir os
também ao capital em disponibilidade a partir da policiais. Em represália, Christie ordenou o
extinção do tráfico negreiro (Lei Eusébio de aprisionamento de cinco navios brasileiros, que
Queirós, de 1850), uma vez que muitos ex- foram conduzidos para a ilha de Palmas, no
traficantes passaram a aplicar dinheiro em outras Atlântico Sul.
atividades econômicas, como por exemplo na Decidiu-se que o conflito seria solucionado
indústria. através de arbitramento internacional. Foi
Assim, de 1850 a 1860, fundam-se 62 empresas escolhido para juiz o rei Leopoldo I, da Bélgica,
industriais. Artigos variados, como chapéus, que deu parecer favorável ao Brasil, opinando que
cerveja, sabão, tecidos de algodão, que até então a Inglaterra deveria desculpar-se. O governo inglês,
vinham do exterior, passaram a ser fabricados aqui. entretanto, não cumpriu a sentença e, em 1863, em
Dentre os empresários dessa época destacou-se relações diplomáticas entre Brasil e Inglaterra
Irineu Evangelista de Sousa, Barão de Mauá. Tal foram rompidas.
foi a sua importância no cenário industrial que esse Dois anos depois, preocupada com a
período ficou conhecido como “Era Mauá”. possibilidade de crescimento da influência
paraguaia na América do Sul, a Inglaterra buscou
03. A Política Externa uma reaproximação com o Brasil, utilizando
Portugal como mediador. Foi assim que, em 1865,
a. Questão Christie na cidade gaúcha de Uruguaiana, um representante
inglês pediu desculpas a D. Pedro II,
No Segundo Reinado, surgiram tensões restabelecendo-se as relações diplomáticas entre as
diplomáticas entre Brasil relacionadas à questão da duas nações.
extinção do tráfico negreiro. Por várias décadas,
conflitos sistemáticos foram deteriorando as b. Questão Platina
relações entre os dois países, culminando na
Questão Christie. A região platina é formada pela Argentina,
O Brasil adiou por diversas vezes a extinção do Paraguaia e Uruguai. Três rios importantes banham
tráfico. Em 1810, havia firmado com a Inglaterra o esse território: Paraná, Paraguai e Uruguai, que se
tratado de Aliança e Amizade, que exigia a juntam criando um rio de interação comercial, o rio
extinção lenta do tráfico. Não cumprindo o acordo, da Prata.
em 1827, sob um novo tratado, nosso país se A livre navegação desses rios facilitava o
comprometia a extinguir o tráfico até 1830. Mais contato com as províncias do Centro-oeste e
uma vez o compromisso não foi mantido, até que, Sudeste do continente. As questões platinas, isto é,
em 1831, o então ministro da Justiça, padre Feijó, as intervenções brasileiras no Prata entre 1851 e
decretou o fim do tráfico. A lei, entretanto, nunca 1870, ligam-se, portanto, a uma disputa de
foi colocada em prática. Finalmente, em 1850, o interesses na região, principalmente quanto à
Brasil cedeu às pressões inglesas e promulgou a navegação dos rios. A Inglaterra apoiou o Brasil na
Lei Eusébio de Queirós, extinguindo luta contra a unidade dos três países, temendo a
definitivamente o tráfico. formação de uma grande república platina.
William Christie, embaixador da Inglaterra no Em 1827, nascia a República do Uruguai, antiga
Brasil, exigia o cumprimento da lei de 1831, ou Província Cisplatina, pertencente ao Brasil. Mal
seja, a libertação de todos os escravos que haviam proclamava sua independência, no entanto, o
Uruguai já começava a ser cobiçado pela
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Argentina. Entre dois vizinhos fortes, o Uruguai Montevidéu se viu cercada em curto espaço de
ora pendia para um, ora para outro. Isso se refletia tempo. Aguirre renunciou e as exigências
na posição dos dois partidos uruguaios: o Blanco, brasileiras foram atendidas.
representando os interesses dos pecuaristas,
apoiava-se na Argentina: o Colorado, ligado aos c. A Guerra do Paraguai (1865-1870)
comerciantes de Montevidéu, pendia para o Brasil.
Assim, o interesse pela liberdade de navegação no Há aproximadamente 150 anos, o Paraguai era
rio da Prata e a ambigüidade das alianças do uma exceção na América Latina, por ser a única
Uruguai, ora com o Brasil, ora com a Argentina, nação que sobrevivia sem recorrer a capital
ocasionaram vários conflitos. estrangeiro. O longo governo de Gaspar de Francia
Não eram raros os choques armados entre os (1814-40) criara condições para um
colorados, liderados por Frutuoso Fivera, e os desenvolvimento econômico auto-suficiente.
blancos, chefiados por Manuel Oribe. Rivera havia Francia apoiou-se nas massas camponesas,
sido o primeiro presidente uruguaio, tendo mais aniquilando a oligarquia paraguaia, ao mesmo
tarde apoiado Oribe. Após ser eleito, entretanto, tempo que se isolava de seus vizinhos,
Oribe não mais acatou as decisões de Rivera, comprometidos com o capital inglês.
aliando-se no governante argentino Juan Manuel Os governos que sucederam Francia
Rosas, que tinha a pretensão de restaurar o antigo mantiveram essa mesma postura e, em 1865, o
vice-reinado do Prata, criando uma confederação Paraguai contava com uma linha telegráfica, uma
republicana. Apoiado por Rosas, Oribe realizou um ferrovia e um bom número de indústrias de
bloqueio no porto de montevidéu, prejudicando o materiais para construção, tecidos, papel, tinta,
comércio inglês, francês e brasileiro. louça e pólvora. Técnicos estrangeiros
Rivera entrou em contato com argentinos supervisionavam essa produção, recebendo régios
opositores a Rosas, dentre os quais o general ordenados por sua colaboração. O analfabetismo
Urquiza, reunindo também brasileiros que haviam havia sido erradicado, a escravidão abolida e
lutado na guerra dos Farrapos. Com essas forças. realizado uma reforma agrária.
Levou adiante a luta contra Oribe. Preocupado em Todo material bélico era produzido no país. A
manter livre a navegação no rio da Prata, D. Pedro frota mercante era nacional e não eram poucos os
II enviou para a região um continente militar, sob o navios construídos nos estaleiros de Assunção. As
comundo de Caxias. Com mais essa ajuda, as atividades econômicas essenciais eram controladas
tropas de Rivera e Urquiza depuseram Oribe e pelo Estado, sendo exportados produtos como erva-
colocaram no poder os colorados. mate, tabaco e madeira. A balança comercial
A derrubada de Oribe ainda não era suficiente apresentava superávit, a moeda mantinha-se forte e
para tranqüilizar o governo brasileiro. Era estável, havendo riqueza suficiente para
necessário derrotar também Rosas, que apoiava os investimentos em obras públicas, sem recorrer a
blancos uruguaios. Assim, a luta continuou com os capital estrangeiro.
brasileiros subindo o rio Paraná e enfrentando os A Inglaterra preocupava-se com o
argentinos. Auxiliados pelo almirante inglês desenvolvimento nacionalista do Paraguai, que
Grenfell, as forças brasileiras venceram Rosas na poderia servir de exemplo aos outros países sul-
batalha de Monte-Caseros, em 1852, em 1852.O americanos. Pois a Inglaterra tinha interesse em
controle da Argentina passou às mãos do general manter todos os países latino-americanos como
Urquiza. simples fornecedores de matéria-prima e
Na presidência de Aguirre (1864), líder blanco, consumidores dos seus produtos industrializados.
registraram-se incidentes envolvendo o Brasil: Solano López, presidente paraguaio, se opusera
represálias contra brasileiros residentes no Uruguai, à invasão brasileira no Uruguai, argumentando que
violação de fronteiras e ataques de uruguaios às essa medida contrariava os interesses de seu país.
estâncias gaúchas. O governo imperial brasileiro Em 1864, não sendo atendido em seus apelos,
exigiu então uma indenização do Uruguai, mas aprisionou o navio brasileiro marquês de Olinda e,
Aguirre se mostrou indiferente, não oferecendo em seguida, atacou a cidade de Dourados, em Mato
explicações nem mesmo ao emissário enviado por Grosso. Em maio de 1865, Brasil, Argentina e
D. Pedro II. Diante da impossibilidade de uma Uruguai firmaram um tratado criando a Tríplice
solução diplomática, iniciou-se o conflito. O Aliança, financiada pela Inglaterra.
general Mena Barreto comandou por terra a No final da guerra, a população do Paraguai
invasão do Uruguai, conseguindo a adesão dos ficara reduzida a menos da metade da existente em
colorados, liderados por Venâncio Flores, enquanto 1864, com 80% de sua população masculina
a esquadra brasileira, comandada pelo almirante dizimada. Sua economia foi arruinada, além da
Tamandaré, postou-se diante da capital uruguaia. perda de 140.000 Km de seu território. O Paraguai,
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por sua vez, aceitou o primeiro empréstimo Entretanto,a prisão e condenação de dois bispos
financeiro de sua história - inglês, naturalmente. A foram consideradas uma afronta à Igreja e feriram a
partir de então, o Paraguai se transformou num religiosidade popular.Tendo se dado no momento
paraíso para os produtos estrangeiros e para os em que começava a crise do regime imperial ,esse
latifundiários, enquanto a miséria se tornou a fato foi altamente negativo para o prestigio do
herança legada à maioria de sua população. Império a afastou dele a Igreja.A crise com a Igreja
O Brasil ficou com a economia profundamente reduziu ainda mais a base de sustentação política
abalada, em virtude dos prejuízos de guerra e, por do Império.
isso, dependente dos empréstimos efetuados junto à
Inglaterra. Após a guerra, o exército brasileiro b. Questão Militar
passou a assumir posições contrarias à sociedade
escravista brasileira e a demonstrar simpatia pela Depois da Guerra do Paraguai os militares
causa republicana.A Inglaterra não participou tomaram consciência de sua força e passaram a
diretamente da guerra e foi o único país a lucrar exigir maior participação na vida política do país.O
com ela,porque ganhou novos mercados e viu governo imperial,porém,teimava em não
destruído o Paraguai,que era uma ameaça ao reconhecer importância aos militares e os relegava
imperialismo britânico. a uma posição secundária.Esse descaso levou
políticos e ministro conservador a punirem vários
04.A Crise do Império oficia por motivos tidos como indisciplina militar.
Durante o Império havia sido aprovado o
a. Questão Religiosa projeto de monte Piu,pelo qual as famílias dos
militares mortes ou mutilados na guerra do
De acordo com a Constituição brasileira,a Paraguai receberiam uma pensão.A guerra
religião oficial do país era as Católicas Apostólicas terminará em 1870,e em 1883 o monte Piu ainda
Romana,regidas pelo padroado.Por esse não estava sendo pago.Os militares encarregaram
regime,competia ao governo brasileiro indicar as então o tenente -coronel Sena Madureira de
pessoas que ocupariam os principais cargos defender seus direitos.Este,depois de fazer
eclesiásticos (bispos,cardeais etc).O papa podia ou veementes acusações ao governo,foi punido.A
não aceitar os nomes indicados pelo imperador,mas partir de então os militares ficaram proibidos de dar
não tinha o direito de nomeá-los diretamente.Em declarações à imprensa sem prévia autorização
conseqüência,o clero recebia salário do imperial.
Estado,equiparando-se ao funcionalismo público. As questões militares só serviriam para ampliar
A maçonaria,que às vésperas da independência a animosidade entre as Forças Armadas e o
havia assumido atitudes revolucionaria,durante o imperador,o que facilitou a difusão das idéias
Segundo Reinado perdeu sua postura progressista e republicanas entre os militares.Influenciados ainda
passou a defender idéias conservadoras.Em seus pelo positivismo,divulgado principalmente pelo
quadros havia grande numero de padres professor e militar Benjamin Constat os militares
maçons,embora estivessem proibidas as relações defenderam a implantação de uma Republica
entre a Igreja e a maçonaria desde 1864,devido à positivista,ou seja,forte,popular,e que mantivesse a
bula Syllabus do papa Pio IX..Em 1872 num ordem e a liberdade.
encontro promovido pela maçonaria
brasileira,houve a participação de dioceses que c. Questão Republicana
haviam participado do evento,suspendendo-os dos
ofícios religiosos. Ainda no período colonial,o desejo de
Pelo padroado,o imperador poderia revogar a transformar o Brasil numa republica já aparecerá
decisão do clero.Entretanto,para D. Pedro II,era em alguns movimentos contra a metrópole.No
interessante manter vínculos entre a entanto,nessa época,ainda não existiam as
maçonaria,favorável ao regime monárquico e à condições necessárias à formação de um partido
qual ele mesmo pertencia,e a Igreja,o que o levou a republicano nacional que planejasse uma estratégia
convocar os dois bispos para discutir a questão.Os para a mudança de um regime político.Essas
religiosos,porém,negaram a autoridade do condições surgiram com as transformações
imperador e mantiveram obediência à norma econômicas e sociais ocorridas no reinado de
papal.Encaminhada a questão ao Supremo Tribunal D.Pedro II,e é através delas que se pode entender a
de Justiça,os bispos receberam pena de 4 anos de Proclamação da República.
reclusão e trabalhos forçados,sendo mais tarde Na segunda metade do século XIX, 600
anistiado pelo primeiro-ministro,duque de Caxias. indústrias espalhavam-se pelos principais centros
urbanos do país. Novos grupos surgia, exigindo a
70
satisfação de seus interesses; o reduzido grupo em nível mundial, apoiados pela burguesia inglesa,
ligado à industria reivindicava a diminuição das que, com o aumento de assalariados nos países
importações; as camadas médias urbanas agrícolas, esperava ampliar os mercados
desejavam participar das decisões políticas. O consumidores para os seus produtos
sistema eleitoral, baseado no voto indireto e industrializados.
censitário, passou a sofrer duros ataques. Diante de tantas promessas não cumpridas, e
Como já vimos, nas últimas décadas do século principalmente em represália à tarifa Alves Branco
XIX formaram-se duas facções com interesses (1844), que elevou as taxas alfandegárias no Brasil,
divergentes; de um lado, os proprietários de terra os ingleses instituíram o Bill Aberdeen, decreto
ligados à cultura da cana-de-açúcar e à lavoura através do qual a Inglaterra se outorgava o direito
cafeeira do vale do Paraíba, defensores do trabalho de aprisionar qualquer navio negreiro,
escravo; de outro, os fazendeiros do Oeste paulista, independentemente de sua bandeira, e julgar os
com uma perspectiva mais empresarial, utilizando traficantes. Essa medida, porém, além de não
mão-de-obra assalariada e técnicas mais avançadas. diminuir o comercio de escravos negros, aumentou
Esse grupo necessitava retirar o controle sensivelmente seu preço. Finalmente, em 1850, o
político das mãos dos senhores de escravos e Brasil cedeu às pressões inglesas e promulgou a
almejava um governo que acabasse com a Lei Eusébio de Queirós, extinguindo
escravidão, favorecesse a vinda de imigrantes, definitivamente o tráfico.
beneficiasse o setor de transportes e ampliasse o Porém, a situação manteve-se sem grandes
setor financeiro. Os cafeicultores do Oeste paulista mudanças até o fim da Guerra do Paraguai, quando
sabiam que seus objetivos só seriam alcançados o abolicionismo entrou em cena. A campanha
com o fim do império. Por isso, apoiavam o Partido abolicionista atingiu todos os setores da sociedade
Republicano. políticos, jornalistas, artistas, intelectuais, militares,
Durante os primeiro 20 anos do Império, dois religiosos, cafeicultores do oeste paulista etc. Aos
partidos dominaram a política; o Liberal e o poucos, através de leis, a escravidão foi sendo
Conservador. Em 1868, o Partido Liberal dividiu- extinta.
se em moderado e radical. O setor radical adotou os A Lei visconde do Rio Branco ou Lei do ventre
ideais republicanos, fundando em 1870 um novo Livre estabelecia que a partir de 1871 todos os
partido - o Partido Republicano do Rio de Janeiro -, filhos de escravos seriam considerados livres,
que, pouco depois, seria criado também em São devendo os proprietários criá-los até os oito anos,
Paulo. Rapidamente, os clubes e jornais quando poderiam entregá-lo ao governo e receber
republicanos divulgaram pelo país suas idéias. uma indenização, ou mantê-los até os 21 anos,
Os principais membros do partido eram utilizando seus serviços como forma de compensar
profissionais liberais e comerciantes, tendo-se os gastos que haviam tido com seu sustento. Essa
juntado a eles os cafeicultores do Oeste paulista. lei visava promover uma libertação lenta e gradual
Os republicanos dividiram-se em duas facções; a dos escravos, com indenização para os
primeira, favorável a implantação da república proprietários.
através de uma revolução popular; a segunda, A Lei dos Sexagenários ou Lei Saraiva-
evolucionista, pretendia tomar o poder por meio de Cotegípe, de 1885, estabelecia que depois de
eleições. completar 65 anos os escravos estariam em
liberdade. A reação popular logo se fez sentir,
d. Questão Escravocrata ficando a lei conhecida como “a gargalhada
nacional”. Rui Barbosa chegou a afirmar que era
A Revolução Industrial, iniciada em 1760 na “uma afronta atirada às faces da nação”. Essas
Europa, haviam levado grandes potências, como a reações negativas deviam-se ao fato de que poucos
Inglaterra, a lutarem pelo fim da escravidão nas eram os escravos que alcançavam idade tão
colônias. Os ingleses, de quem dependíamos avançada; além disso, libertos, esses velhos
economicamente, faziam pressões para eliminar o escravos deixavam de ser um peso para os
tráfico negreiro. Em 1807, a Grã-Bretanha proibiu- proprietários, já que não eram obrigados a dar-lhes
o em suas colônias nas Antilhas e, em 1833, aboliu sustento.
definitivamente o trabalho escravo em suas Concomitantemente, durante o período de
possessões. Assim, devido ao custo do trabalho discussão do projeto da Lei dos Sexagenários,
assalariado, os produtos das Antilhas inglesas tornou-se clara a divisão do setor cafeeiro; os
ficaram em desvantagem na concorrência representantes do Oeste paulista, interessados na
internacional com os produtos dos países que ainda abolição, apoiavam o projeto, enquanto os que
utilizavam mão-de-obra escrava. Os antiescravista representavam o vale do Paraíba, onde ainda se
utilizava mão-de-obra escrava, aliaram-se à
71
aristocracia rural mais tradicional (não-cafeeira) comandando tropas instigadas principal.mente por
contra o projeto, exigindo indenização. Sólon Ribeiro, o marechal Deodoro da Fonseca
Enquanto isso, o exército, que era obrigado a tomou o Palácio do Governo e prendeu Ouro Preto.
perseguir os escravos fugitivos, lançou, em 1887, Doente, Deodoro retirou-se para casa, em seguida.
um documento assinado pelo marechal Osório, Liderados por José do Patrocínio e Silva jardim, os
presidente do Clube Militar. Nesse documento o republicanos realizavam comícios pela cidade,
exército declarava que não desempenharia mais a enquanto faziam muito movimentação política.
função de capitão-do-mato, ou seja, de perseguidor Reuniram-se na Câmara de Vereadores e
de escravos. proclamaram a República. A família imperial, que
Refletindo esse quadro social, ao ser estava em Petrópolis, foi exilada para a Europa.
apresentada a proposta para a criação de uma lei Não houve qualquer reação monarquista.
que pusesse fim imediato à escravidão no Brasil, De modo geral, a população foi tomada de
dos noventa e dois deputados apenas nove votaram surpresa pela proclamação da República. A
contra. No dia 13 de maio de 1888, a princesa respeito disso, assim se expressou o famoso
Isabel, que substituía provisoriamente o imperador, republicano Aristides Lobo; “o povo assistiu aquilo
assinou a Lei Áurea. bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que
Os senhores de escravos, especialmente os do significava”. Demonstrando assim o seu caráter
Vale do Paraíba e da Baixada Fluminense, não se elitista.
conformaram com a abolição da escravidão e com
o fato de não terem sido indenizados pela MOVIMENTOS LIBERAIS
monarquia que, segundo eles, os tinha abandonado. EUROPEUS DO SÉCULO XIX.
Passaram então a apoiar a causa republicana.
“Abandonaremos quem nos abandonou”, pensavam
eles com relação ao Império. Assim, o apoio
político ao Império - nos últimos anos restrito 01. O Congresso de Viena
apenas aos fazendeiros do vale do Paraíba e aos
senhores de engenho nordestinos - reduziu-se ainda Após a derrota de Napoleão em Leipizig,
mais. na batalha das Nações (1813), as grandes potências
Ao mesmo tempo que o Império perdia o apoio européias - Áustria, Inglaterra, Rússia, Prússia e a
dos setores sociais que outrora lê serviam de base França restaurada reuniram-se em Viena, na
de sustentação - senhores de engenho nordestinos, Áustria, numa convenção internacional, a fim de
cafeicultores do vale do Paraíba, militares e a restabelecer a situação política européia anterior à
Igreja; novas forças sociais (classe média, Revolução Francesa. Interrompido
latifundiários do Oeste paulista) se fortaleciam e temporariamente durante o governo dos Cem Dias,
exigiam participação política. Silva jardim afirmou o Congresso de Viena era presidido pelo
na época; “estou convicto de que a monarquia não representante da Áustria, príncipe Metternich, e
tem defensores, senão os membros da família real”. contava, ainda, com o czar Alexandre I, da Rússia;
Frederico Guilherme III, da Prússia; Wellington e
e. A Proclamação da República depois Castlereagh, da Inglaterra; e Talleyrand, da
França, além de representantes de outras nações
Já abalado por muitas crises, o governo imperial européias.
tentou realizar reformas que acalmassem a situação Buscando a restauração monárquica e a
política e, em julho de 1889, nomeou um gabinete reisntalação da aristocracia no poder, dois
liberal chefiado por Afonso Celso, Visconde de princípios básicos fundamentaram o Congresso de
Ouro Preto, que possuía um programa de reformas Viena: o da legitimidade e o do equilíbrio
semelhantes ao dos republicanos; democratização europeu. O princípio da legitimidade, proposto e
do voto, desenvolvimento econômico etc. Seu defendido por Talleyrand, visava restaurar nos
programa, porém, foi combatido pelo Parlamento. Estados europeus as dinastias legítimas, isto é, as
Ouro Preto, então, dissolveu a Câmara e convocou que reinavam no período pré-revolucionário.
novas eleições. A partir daí, a situação política se Paralelamente, propunha também restabelecer as
agravou e os descontentamentos se generalizaram. fronteiras nacionais desse mesmo período. Nesse
Crescia a propaganda republicana nas fileiras do aspecto, contudo, a restauração não foi
exército. inteiramente respeitada, já que Inglaterra, Rússia,
A 11 de novembro, em uma reunião na casa de Áustria e Prússia, fortes e vitoriosos, apossaram-se
marechal Deodoro, no Rio, civis e militares de territórios de Estados mais fracos, como
conspiraram contra a monarquia e decidiu-se pelo Polônia, Itália e França derrotada. O princípio do
golpe militar. Na madrugada do dia 15, equilíbrio europeu fundamentava-se no
72
restabelecimento das relações de força entre as expansão de mercados consumidores. Por isso,
potências européias, por meio da divisão territorial apoiava os movimentos de independência das
do continente e também das possessões coloniais colônias latino-americanas, defendendo o
no mundo. princípio de não-intervenção. Essa atitude,
A Inglaterra foi a grande beneficiada, pois entretanto, era contrária aos interesses da Santa
obteve a ilha de Malta, ponto estratégico no Aliança, que propunha a manutenção do pacto
Mediterrâneo, a região do Cabo, no sul da África, o colonial e o envio de tropas às regiões que se
Ceilão (atual Sri Lanka), ex-colônia holandesa rebelassem.
próxima à Índia, além da Guiana, na América do Numa indicação de que os tempos eram
Sul , e outras ilhas na América Central. A Holanda outros, também os Estados Unidos lançaram a
incorporou a Bélgica, formando o reino dos Países Doutrina Monroe, em 1823, cujo lema era "a
Baixos, e a Rússia ficou a maior parte da Polônia. América para os americanos", deixando patente sua
A Itália foi totalmente dividida, restando como oposição a qualquer tentativa recolonizadora.
Estados autônomos apenas o reino de Piemonte- Na Europa, também o nacionalismo
Sardenha, os Estados Pontifícios e o reino das Duas emergiu, alguns com insucessos e outros
Sicílias. A Suíça passou a ser um um Estado avançando na conquista da independência, a
neutro. A Prússia ficou com parte da Polônia e da exemplo da Grécia, que conseguiu sua
região do rio Reno, e a Áustria ficou com outra emancipação do Império Turco-Otomano, em
parte da Polônia e o norte da Itália. Sendo Estados 1822.
germânicos, Prússia e Áustria tinham parte de seus Na França, em 1830, estabeleceu-se
territórios incluídos nos limites da Confederação novamente um governo liberal com a queda dos
Germânica, formada por trinta e nove Estados Borubons e a ascensão dos Orléans; ao mesmo
membros, a maioria principados. tempo, a Bélgica proclamava sua independência da
Do Congresso de Viena surgiu a Santa Holanda. Desmoronavam, assim, as principais
Aliança, proposta pelo czar Alexandre I, que sob o conquistas do Congresso de Viena e os laços que
rótulo de proteção à paz, à justiça e à religião, sustentavam a Santa Aliança.
objetivava lutar contra as manifestações A fase reacionária instalada em 1815, e
nacionalistas e liberais decorrentes das idéias expressiva até pelo menos 1830, foi um breve
implantadas pela Revolução Francesa. Inicialmente intervalo entre a era das revoluções e a
composta por exércitos da Inglaterra, Rússia, consolidação dos ideais burgueses de edificar um
Prússia e Áustria - Quádrupla Aliança -, em 1818 Estado e uma sociedade liberais. Foi, de um lado,
teve a inclusão da França. A Quíntupla Aliança, nas palavras de Castlereagh, representante inglês
então, desencadeou diversas intervenções em várias no Congresso de Viena, uma "segurança perfeita
regiões contra liberais que ameaçavam subverter a contra a brasa revolucionária que se espalhava", e,
ordem absolutista restabelecida. Em 1819 houve de outro, manifestação final do Antigo Regime.
repressão aos nacionalistas que pretendiam a A partir de 1830, com a consolidação
unificação alemã; em 1821 e 1822 combateram-se liberal, aquela efervescência revolucionária que
os liberais em Nápoles e na Espanha. antes estava restrita à França irradiou-se por todo o
Vários fatores conjugados, entretanto, continente, incluindo muitas áreas das ex-colônias,
desagregaram os planos estabelecidos no favorecendo expectativas em que, especialmente
Congresso de Viena, bem como a Santa Aliança. A para alguns líderes e intelectuais, se antevia uma
estrutura econômica caminhou para o "primavera dos povos", a plena libertação dos
amadurecimento capitalista, com a Revolução povos e solução dos seus graves problemas sociais.
Industrial em pleno curso na Inglaterra e
espalhando-se por outros países, fortalecendo
valores burgueses, liberais e nacionalistas. Os
princípios sobreviventes do Antigo Regime e
restabelecidos pelo Congresso de Viena, tornavam-
se, por seu lado, entraves à nova sociedade. Assim,
embora a Santa Aliança tivesse imposto suas
decisões logo após a derrota napoleônica, 02. A França no Século XIX.
gradativamente o sistema de alianças elaborado por
Metternich foi sendo mutilado, até ser engolido
pelas revoltas liberais européias e pelos processos 2.1 A Restauração (1815 - 1830) e a Revolução
de independência das colônias da América Latina. de 1830.
Para a Inglaterra, que se iniciara seu
processo de industrialização, era importante a
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Após a queda de Napoleão Bonaparte em movimentos acabaram resultando na fuga de Carlos
Waterloo (1815), Luís XVIII retomou o poder, X, temeroso de desdobramentos revolucionários
restaurando a monarquia dos Bourbons, segundo semelhantes aos de 1789, que levaram à
determinação do princípio da legitimidade do decapitação de seu irmão Luís XVI.
Congresso de Viena. A Revolução de 1830 sepultou
A restauração foi estabelecida segundo uma definitivamente as intenções restauradoras do
nova constituição, de acordo com a qual o poder Congresso de Viena, motivando uma vaga de
executivo passaria a ser exercido pelo rei e pelo progressismo, de ímpeto revolucionário, que
legislativo, dividido em duas câmaras: a Câmara levaria às revoluções de 1848 e a diversos
dos Pares, composta por deputados nomeados pelo movimentos nacionalistas do período.
rei, com cargos vitalícios e hereditários, e a
Câmara dos Deputados; cujos membros eram 2.2 O Governo de Luís Filipe (1830 - 1848) e a
eleitos pelo voto censitário, isto é, segundo a renda Revolução de 1848.
individual. Assim, de toda a população, que na
época era superior a trinta e três milhões de Caía a dinastia Bourbon e ascendia ao trono
habitantes, apenas noventa e quatro mil tinham Luís Filipe de Orléans, que ficou conhecido como
direito a voto. o "rei burguês" ou o "rei das barricadas". Sua posse
Restabelecia-se na França, então, um representou um avanço liberal que repercutiu por
governo elitista, combinando o absolutismo com toda a Europa, pois simbolizava os anseios das
doses de liberalismo, isto é, um governo regido por nações prejudicadas por medidas adotadas pelo
uma constituição, mas que tentava cercear os Congresso de Viena: a Bélgica, proclamou-se
direitos e a liberdade conseguidos durante o independente da Holanda; a Alemanha, a Itália e a
processo revolucionário de 1789 a 1815. Polônia iniciaram as lutas nacionais contra a
A agitação política, produto do processo dominação estrangeira.
revolucionário por que passara o país e das guerras Luís Filipe reformulou a constituição dos
napoleônicas, foi constante durante a monarquia Bourbons, enfatizando o liberalismo: submeteu-se
moderada estabelecida por Luís XVIII, destacando- à constituição, fortaleceu o legislativo, aboliu a
se os seguintes grupos rivais: censura e descaracterizou a religião católica como
- Os ultra-realistas, liderados pelo irmão sendo a oficial no país. Apesar disso, manteve
de Luís XVIII, o conde de Artois, que defendiam o ainda o caráter censitário do voto e da candidatura
retorno a cargos legislativos. Atendeu, assim,
completo do absolutismo, segundo o ideal exclusivamente aos interesses da burguesia,
de legitimidade do Congresso de Viena. ignorando os do proletariado.
- Os bonapartistas, que defendiam a volta Os adversários do governo - socialistas,
de Bonaparte ao governo francês. bonapartistas e republicanos - uniram-se contra
- Os revolucionários liberais, adversários Luís Filipe, reclamando uma reforma eleitoral e
dos Bourbons e ferrenhos defensores dos ideais de parlamentar, com a queda da exigência censitária.
1789. Organizando reuniões populares e manifestações
A fase reacionária iniciada com o contrárias ao "rei burguês", esse movimento ficou
Congresso de Viena fortaleceu-se em 1824 com a conhecido como política dos banquetes,
morte de Luís XVIII, quando o trono foi ocupado referência às reuniões de opositores que se davam
por seu irmão, o conde de Artois, que recebeu o em torno de refeições. Após mais de sessenta
título real de Carlos X. Com o novo monarca, dessas reuniões, em fevereiro de 1848, o ministro
restabeleceu-se na França o Antigo Regime, Guizot decidiu proibi-las.
apoiado pela facção mais conservadora, O rei e Guizot não cederam às pressões
restaurando-se os privilégios do clero e da nobreza. reformistas, o que intensificou as manifestaões
Carlos X sofreu crescente oposição dos populares. Os confrontos e a rebeldia da Guarda
liberais, liderados pelo duque Luís Filipe, e da Nacional, que aderiu aos revoltosos, levaram à
imprensa, especialmente do jornal O Nacional, que, demissão de Guizot e à fuga de Luís Filipe para a
mobilizando a sociedade, criaram o clima Inglaterra. A Revolução de fevereiro de 1848
revolucionário que culminaria com a Revolução de refletiu-se por todo o mundo, exaltando o ânimo
1830. das massas, ansiosas por mudanças profundas.
O ativismo político dos liberais contra o
absolutismo alcançou o auge, em 1830, com as 2.3 A Segunda República Francesa (1848 -
Jornadas Gloriosas, barricadas levantadas por 1852)
populares nas ruas de Paris. Estimulados e
liderados pela alta burguesia francesa, esses
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Com a derrubada de Luís Filipe, foi quase ao fim de seu mandato e com ambição
proclamada a Segunda República na França (a continuísta, Bonaparte fechou a Assembléia
oprimeira ocorrera entre 1709 e 1804) . As várias Nacional, uma vez que a constituição proibia a
correntes políticas da época organizaram um reeleição presidencial, e estabeleceu a ditadura.
governo provisório, com a função de convocar uma Devido às semelhanças com o golpe de Napoleão
Assembléia Constituinte: na presidência, o liberal em 1799, esse acontecimento passou a ser chamado
Lamartine, auxiliado pelo jornalista moderado de 18 de brumário de Luís Bonaparte. Em
Ledru-Rollin, o escritor socialista Louis Blanc e o seguida, por meio de um plebiscito, Bonaparte
operário Albert. ganhou poderes para elaborar uma nova
Entre as primeiras medidas do novo constituição, que o transformou num cônsul, como
governo destacaram-se o fim da pena de morte e o o tio, dando-lhe o poder ditatorial por dez anos.
estabelecimento do sufrágio universal nas eleições. Repetindo as atitudes do tio, em 1852
Os conflitos entre as lideranças trabalhistas e conclamou outro plebiscito, que, com 95% de
burguesas, entretanto, afloravam. Os socialistas, votos favoráveis, transformou a França novamente
tendo como meta a criação de uma república social, em Império. Luís Bonaparte, coroado imperador,
pressionavam, reivindicando medidas recebeu o título de Napoleão III.
governamentais que garantissem empregos, direito
de greve e limitação das horas de trabalho. 2.4 O Segundo Império (1852 - 1870)
Obtiveram a criação das oficinas nacionais, que
garantiam trabalho para os numerosos O Segundo Império caracterizou-se
desempregados em aterros, fábricas e construções internamente pela ditadura, que marginalizou o
do governo. Os liberais moderados, representantes legislativo e as forças de oposição, e também pela
dos grandes proprietários, ao contrário, buscavam modernização e desenvolvimento econômico.
barrar as medidas de cunho popular, temendo a Paris, reurbanizada pelo prefeito Haussmann, que a
volta de um governo radical, como o montanhês, dotou de magníficos parques, bulevares e grandes
que dominou a França em 1793-1794. construções elegantes, foi transformada em sede de
Em abril de 1848, nas eleições da exposições mundiais, para onde convergia a
Assembléia Constituinte, os moderados saíram divulgação do progresso cultural e industrial de
vitoriosos, obtendo a maioria das cadeiras, graças, todo o mundo.
principalmente, à atuação dos proprietários rurais. A partir de 1860 cresceram as pressões
Com a radicalização da polarização política entre liberais, obrigando Napoleão III a conceder
socialistas e burgueses, os populares multiplicaram liberdade de imprensa, além de ampliar os poderes
suas manifestações de rua, tulmutuando Paris. Sob da Assembléia Legislativa.
o comando do general Cavaignac, o governo Com relação à política externa, Napoleão
massacrou os revoltosos, suspendeu os direitos III conseguiu a aprovação das potências européias -
individuais e fechou as oficinas nacionais, Inglaterra, Áustria e Prússia - para a restauração do
transformando a revolução em guerra civil: mais de Império. Também a Rússia deu seu apoio, apesare
3 mil pessoas foram fuziladas e 15 mil foram da clara hostilidade do czar Nicolau I ao novo
deportadas para as colônias. imperador. Cultivando desavenças, e revivendo a
Cavaignac, conhecido como "o carniceiro", lembrança da invasão napoleônica à Rússia, o czar
garantiu a vitória da burguesia, tendo assumido o buscou constantemente atritar-se com Napoleão III,
governo até novembro, quando foi aprovada a nova tornando transparente a indisposição com os
constituição republicana. Segundo essa Bonapartes. Essas divergências culminaram na
constituição, o poder legislativo caberia a uma Guerra da Criméia (1854 -1856), na qual ingleses
assembléia eleita por sufrágio universal por três aliaram-se a franceses para conter o avanço russo
anos e o poder executivo ficaria a cargo de um nos Balcãs, defendendo a sobrevivência do Império
presidente, eleito por quatro anos. Turco-Otomano.
A 10 de dezembro de 1848, os franceses Nos anos sessenta, Napoleão passou a
elegeram seu presidente - Luís Bonaparte, desenvolver uma política externa ambígua e
sobrinho do imperador Napoleão I e, portanto, desastrosa para a França. Com a efervescência dos
figura carismática para os franceses, que viam nele nacionalismos, das lutas pela independência de
a possibilidade de restauração da glória vivida pelo povos dominados desde antes do Congresso de
país na época de Napoleão. Viena, Napoleão III passou a defender a política
Luís Bonaparte venceu as eleições com das nacionalidades. Entretanto, em alguns
73% dos votos e realizou um governo que buscou a momentos, fez a própria França tornar-se
unidade e a pacificação nacional, enfatizando o dominadora de outros Estados. Posicionou-se a
ideal de progresso e de poderio nacional. Em 1851, favor da independência dos Estados romenos da
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Moldávia e da Valáquia, contra o Império Turco- O assalto aos céus: a Comuna de Paris (1871)
Otomano, e apoiou os piemonteses em sua luta pela
unificação italiana, voltando-se contra os austríacos A Comuna era a administração municipal
que reinavam sobre a região desde o Congresso de eleita pelo povo, formada por dezenas de membros
Viena. Pressionado, entretanto, pelos católicos de várias tendências políticas radicais. Desarmou a
franceses, que consideravam as ambições Guarda Nacional, estabeleceu o serviço militar
piemontesas uma ameaça aos domínios da Igreja, obrigatório, declarou nulos os decretos de
Napoleão III retirou seu apoio aos italianos e Versalhes e proclamou a autonomia municipal
passou a defender Roma contra os unificadores. extensiva a todas as cidades da França.
Entre 1862 e 1867, Bonaparte interveio no Caracterizando-se como a primeira
México , numa guerra que arruinou as finanças experiência histórica de autogestão democrática e
francesas. Com o objetivo de garantir o comércio popular, a Comuna desenvolveu uma política de
francês na América, conter a crescente hegemonia forte inspiração socialista, proclamando a absoluta
norte-americana e pôr fim à instabilidade política igualdade civil de homens e mulheres, suprimindo
entre grupos locais, as tropas francesas invadiram o o trabalho noturno e criando pensões para viúvas e
México, derrubando seu presidente Benito Juarez. órfãos. Durou apenas setenta e dois dias.
Entretanto, os problemas financeiros e militares e a A reação da República de Thiers foi
instabilidade política e militar na Europa fizeram violenta. Reuniu tropas, pediu a Bismarck que
com que Napoleão III retirasse suas tropas do libertasse os prisioneiros de guerra e, com a ajuda
México em 1866. dos prussianos, cercou Paris, bombardeando-se
Na Europa, a França envolveu-se, ainda, intensamente. Ao invadir a cidade, os soldados de
numa guerra contra a Prússia, em processo de Versalhes encontraram uma desesperada resistência
unificação dirigido por Bismarck. Tentava-se evitar popular. Mais de 20 mil pessoas morreram nos
a formação de uma nação forte - a Alemanha - nas combates ou executadas posteriormente, além de
suas fronteiras. Os prussianos venceram a França, e 70 mil terem sido exiladas e deportadas para a
o próprio Napoleão III foi feito prisioneiro na Guiana.
batalha de Sedan, em 1870.
A derrota francesa teve duas conseqüências O LIBERALISMO X SOCIALISMO
imediatas: acabou com o Segundo Império, que deu
lugar, em setembro de 1870, à Terceira República, Em conjunto com as grandes
e permitiu a concretização da unificação alemã. À transformações econômicas, políticas e sociais do
França coube, pelo Tratado de Frankfurt, entregar à final do século XIX, surgiram doutrinas e teorias
Alemanha suas ricas regiões em minérios - Alsácia que buscavam, de um lado, justificar e regular a
e Lorena -, pagar uma pesada indenização, além de ordem capitalista burguesa que se estabelecia e, de
aceitar que a festa oficial de criação do novo outro, condená-la ou reformá-la. Estruturaram-se,
Estado alemão fosse realizada no Palácio de então, respectivamente, as doutrinas liberais e as
Versalhes. teorias socialistas, todas pertencentes a um novo
As condições humilhantes desse tratado ramo da ciência - a economia política.
fermentariam, na França, a mentalidade revanchista
que se transformaria, no início do século XX, numa 01. Os economistas liberais
das principais causas da Primeira Guerra Mundial
(1914-1918). As bases do liberalismo, que tinham
surgido com o Iluminismo, contestavam o
2.5 A Terceira República Francesa (1870 - mercantilismo e defendiam os princípios
1940) burgueses: propriedade privada, individualismo
econômico (cada um, ao defender seus interesses
A derrota francesa em Sedan diante dos individuais, o interesse coletivo estará também
prussianos instalou o colapso político na França. A preservado), liberdade de comércio e de produção,
humilhação sofrida pelo país aguçou os conflitos respeito às leis naturais da economia, liberdade de
entre as classes sociais e os grupos políticos, contrato de trabalho (salários e jornada) sem
colocando os populares parisienses contra o controle do Estado ou pressão dos sindicatos. Seus
governo republicano em Versalhes, sob a teóricos eram ferrenhos defensores da economia de
presidência de Adolphe Thiers. O auge dos mercado.
conflitos deu-se com a proclamação de um governo Lançadas pelos fisiocratas franceses, as
autônomo na capital, em março de 1871, a premissas do pensamento liberal ganharam
Comuna. contornos definidos com Adam Smith (1763-
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1790), em sua obra A riqueza das nações. Para 2.1 Socialismo utópico
ele, a divisão do trabalho passava a ser elemento
essencial para o crescimento da produção e do Os primeiros socialistas a formularem
mercado, e sua aplicação eficaz dependia da livre críticas profundas ao progresso industrial ainda o
concorrência, que forçaria o empresário a ampliar a fizeram impregnados de valores liberais. Atacando
produção, buscando novas técnicas, aumentando a a grande propriedade, mas tendo em geral, muita
qualidade do produto e baixando ao máximo os estima pela pequena, esses teóricos acreditavam
custos de produção. O conseqüente decréscimo do que pudesse haver um acordo entre as classes e
preço final favoreceria a lei natural da oferta e da elaboraram soluções que não chegaram, porém, a
procura, viabilizando o sucesso econômico geral. constituir uma doutrina, e sim modelos idealizados.
Segundo Smith, não cabia ao Estado Saint-Simon: socialista francês, era na
intervir na economia, competindo-lhe somente verdade um liberal avançado para a época.
zelar pela propriedade e pela ordem, já que a Escrevendo no início do século XIX - quando a
harmonização dos interesses individuais ocorreria industrialização dava seus primeiros passos e a
por uma "mão invisível" levando ao bem-estar exploração capitalista era mais intensa -,
coletivo. Seguindo essa linha de Adam Smith, preocupou-se com a questão operária. Suas
surgiram vários outros teóricos continuadores do idealizações visavam a soluções através de
liberalismo, como Thomas Malthus e David reformas dentro do próprio sistema capitalista.
Ricardo. Saint-Simon dividia a sociedade em dois grupos: os
Thomas Malthus (1776-1834), em sua ociosos e os trabalhadores. Falava em um governo
obra Ensaio sobre a população, estabeleceu o dos trabalhadores, que organizaria a economia para
pessimismo em relação ao progresso humano, ao evitar a má distribuição das riquezas. Como
afirmar que a natureza impunha limites ao trabalhadores, colocava os operários, os
progresso material. Isso porque a população banqueiros, os industriais e os comerciantes.
cresceria em progressão geométrica enquanto a Defensor da livre-iniciativa, para ele o lucro
produção de alimentos aumentaria em progressão deveria ser mantido desde que os patrões tivessem
aritmética. Para ele, a pobreza e o sofrimento eram sociais com seus empregados. Na verdade, era um
inerentes à sociedade humana e as guerras e as humanizador do capitalismo.
epidemias ajudariam no equilíbrio temporário entre Charles Fourrier: outro socialista utópico
a produção e a população. francês do início do século XIX, Fourrier
David Ricardo (1772-1823), depois de idealizava a criação de uma falange - fazendas
Adam Smith, foi o maior representante da escola coletivistas agroindustriais -, onde se trabalharia
liberal - também chamada clássica. Na obra para um fundo comum. A divisão das riquezas
Princípios da economia política e tributação, produzidas seria feita de acordo com a quantidade e
Ricardo desenvolveu a teoria do "valor-trabalho" a qualidade do trabalho de cada indivíduo. Cada
, na qual ele afirmava que o custo da produção falange possuiria um edifício comum, o
determinava o valor dos bens, e defendeu a Lei falanstério, que abrigaria todos os membros e onde
Férrea dos salários, segundo a qual o preço da seriam instalados os bens coletivos da comunidade,
força de trabalho seria sempre equivalente ao como a cozinha, a biblioteca e os serviços médicos.
mínimo necessário à subsistência do trabalhador, Nunca conseguiu, porém, empresários interessados
pois os salários estavam sujeitos à lei de mercado. em financiar seu projeto, apesar de alegar que os
falanstérios superariam a desarmonia capitalista,
02. As doutrinas socialistas surgida da divisão do trabalho e do papel anárquico
exercido pelo comércio na sociedade.
A Questão Social (as condições de trabalho Robert Owen: homem empreendedor,
do operariado) causada pela Revolução Industrial inteligente, criativo e capaz, de empregado
fez surgirem críticos ao Liberalismo Econômico e comerciário chegou a ser sócio e diretor de uma
ao Capitalismo, que propunham reformulações grande indústria inglesa. Solidário e humanista,
sociais e a construção de um mundo mais justo - os Owen condoeu-se da situação dos operários e
teóricos socialistas, que se dividiram em grupos passou a ser estudioso da Revolução Industrial e
distintos, os um crítico dos rumos que ela tomava. Entre 1820 e
socialistas utópicos, os socialistas científicos 1829, alterou o funcionamento de sua fábrica, em
(marxistas), os anarquistas e os cristãos. Em geral, New Lamarck, na Escócia. Essa indústria tornou-se
eles criticavam a propriedade privada dos meios de um modelo de legislação social: a jornada de
produção e a exploração do trabalho assalariado. trabalho foi diminuída e os operários dispunham de
moradia e boas condições sanitárias, além de
escolas para seus filhos. Com todas essas melhorias
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na condição de vida dos operários e com a Seu maior teórico foi Karl Marx (1818-
racionalização do trabalho, os lucros da empresa 1883), cuja obra mais conhecida O capital (1867),
não cessaram de crescer. causou uma revolução na economia e nas ciências
Satisfeito com o sucesso do sociais em geral. Marx contou, em muitas de suas
empreendimento, Owen radicalizou sua visão de obras, com a participação de Friedrich Engels
mundo: passou a pregar o fim da propriedade (1820-1895), o autor de A origem da família, da
privada e a criação de uma sociedade comunista, propriedade privada e do Estado.
isto é, igualitária. Esse radicalismo valeu-lhe o ódio No Manifesto Comunista, publicado em
dos capitalistas e do governo inglês, que o baniram 1848, Marx e Engels esboçaram as proposições e
do país. Foi com alguns companheiros para postulados do socialismo científico, que foram
Indiana, nos Estados Unidos, onde fundou a definidos de forma concreta em O capital. Entre
colônia Nova Harmonia, baseada em suas idéias de esses princípios destacam-se uma interpretação
cooperativas de consumo e produção operárias, a socioeconômica da história - conhecida como
qual durou apenas dois anos. materialismo histórico -, o conceito de luta de
Joseph Proudhon: defendia a diminuição classes e de mais-valia e a revolução socialista.
sistemática e gradual da ação governamental e da O materialismo histórico defende a idéia
religião sobre a sociedade. Avesso à violência, era de que toda sociedade é determinada, em última,
contrário luta de classes e seu reformismo consistia pelas suas condições socioeconômicas - a chamada
em pedir aos governantes que liquidassem infra-estrutura. Adaptadas a ela, as instituições, a
progressivamente as engrenagens do Estado. Seu política, a ideologia e a cultura como um todo
ideal econômico era uma república de pequenos compõem o que Marx chamou de superestrutura.
produtores livres e iguais. Em seu livro O que é a Na análise marxista, o agente
propriedade? , afirmava que "a propriedade é um transformador da sociedade é a luta de classes, o
roubo". É considerado precursor do anarquismo. antagonismo entre exploradores e explorados.
Louis Blanc: socialista francês, participou Resultado da estrutura produtiva, especialmente da
ativamente dos movimentos liberais de 1848. As existência da propriedade privada, tais classes, ao
propostas de Blanc, apresentadas no livro A longo da história, apresentam interesses opostos, o
organização do trabalho, defendiam a criação de que induz às lutas, às transformações sociais. Na
associações profissionais de trabalhadores de um Idade Antiga, , opunham-se cidadãos e escravos; na
mesmo ramo de produção - as Oficinas Nacionais Idade Média, senhores e servos; na Idade Moderna,
-, financiadas pelo Estado, para controlar a nobreza, burguesia e camponeses; e, no mundo
produção industrial. O lucro resultante seria contemporâneo, operários e burgueses.
dividido em três partes: a primeira pagaria o Outro conceito marxista básico é o de
Estado; a segunda seria distribuída entre os mais-valia, que corresponde ao valor da riqueza
associados; e a terceira seria usada para fins produzida pelo operário além do valor remunerado
assistenciais. Essa idéia foi posta em prática na de sua força de trabalho. Essa diferença é
França, em 1848, quando houve uma coligação de apropriada pelos capitalistas, caracterizando a
republicanos e socialistas para derrubar a exploração operária. A mais-valia tende, assim, a
monarquia. Com o déficit criado pelas Oficinas ser um fator crescente e imprescindível de
Nacionais e o rompimento da coligação, o Estado capitalização da burguesia.
as fechou, passou a perseguir os socialistas e Contra a ordem capitalista e a sociedade
anulou todas as reformas feitas em benefício dos burguesa, Marx considerava inevitável a ação
operários. política do operariado, a Revolução Socialista que
inauguraria a construção de uma nova sociedade.
2.2 Socialismo Científico ou Marxista Num primeiro momento, seriam instalados o
controle do Estado pela ditadura do proletariado
Paralelamente às propostas do socialismo e a socialização dos meios de produção, eliminando
utópico, que procuravam conciliar numa sociedade a propriedade privada. Numa etapa posterior, a
ideal os princípios liberais e as necessidades meta seria o comunismo, que representaria o fim
emergentes do operariado, surgiu o socialismo de todas as desigualdades sociais e econômicas,
científico. Mediante a análise dos mecanismos inclusive do próprio Estado. Nessa etapa, o homem
econômicos e sociais do capitalismo, seus viveria de acordo com o seguinte princípio: "De
ideólogos propunham compreender a realidade e cada um segundo sua capacidade e a cada um
transformá-la. O socialismo científico constituía, segundo suas necessidades".
assim, uma proposta revolucionária do Marx e Engels elaboraram suas análises
proletariado. com base no método dialético, pelo qual o
desenvolvimento de contrários - tese e antítese.
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Pelo método dialético, por exemplo, o Sentindo os efeitos da industrialização, a cúpula
desenvolvimento burguês do mundo moderno seria eclesiástica de Roma definiu-se oficialmente
uma antítese aos privilégios feudais sobreviventes quanto a sua participação nos novos problemas
no século XVIII, que desembocaram na Revolução sociais. Em 1891, o papa Leão XIII publicou a
Francesa, a síntese do confronto. encíclica Rerum Novarum, por meio da qual, de
um lado, revivificava a religião como instrumento
2.3 Anarquismo de reforma e justiça social e, de outro, declarava-se
contra a doutrina marxista de luta de classes,
Outra das correntes ideológicas surgidas no apelando para o espírito cristão dos empregadores,
século XIX foi o anarquismo, que pregava a pedindo-lhes que respeitassem a dignidade de seus
supressão de toda forma de governo, defendendo a operários. Leão XIII propunha que os
liberdade geral, e da propriedade privada. As empregadores reconhecessem os direitos
propostas reformistas de Proudhon inspiraram fundamentais do empregado, tais como: limitação
Leon Tolstoi (1828-1910), Peter Kropotkin (1842- das horas de trabalho, descanso semanal,
1921) e, principalmente, Mikhail Bakunin (1814- estabelecimento de salários dignos etc. A encíclica
1876), que se tornou o líder do anarquismo recomendava também a intervenção do Estado para
terrorista ao apontar a violência como a única melhorar as condições de vida dos trabalhadores
forma de se alcançar uma sociedade sem Estado e nos setores de habitação e saúde.
sem desigualdades, um novo mundo de felicidade e
liberdade para os trabalhadores braçais. A POLÍTICA DAS
O anarquismo - conhecido também como NACIONALIDADES
comunismo libertário - e o marxismo coincidem
quanto ao objetivo final: atingir o comunismo, O conservadorismo do Congresso de Viena
estágio em que não mais existiriam divisões de (1815) foi solapado progressivamente em todo o
classes, exploração, nem mundo, tanto pelo progresso econômico capitalista,
mesmo o Estado. Entretanto, para os marxistas, quanto pela insustentabilidade do Antigo Regime.
antes dessa meta faz-se necessária uma fase A partir da Revolução de 1830, o liberalismo e o
intermediária socialista em que um Estado socialismo estruturaram um novo padrão
revolucionário - ditadura do proletariado - aplicaria ideológico dualista, compatível com o mundo
medidas prolongadas, visando o comunismo. Já capitalista emergente. As revoluções, os
para os anarquistas, tendo como alvo erradicar o movimentos sociais, as políticas governamentais
Estado, as classes, as instituições e as tradições, o encarnavam essas vertentes vitoriosas do século
comunismo seria instalado imediatamente. XIX, que, muitas vezes, tiveram como
No final do século XIX, o anarquismo, em desdobramentro o imperialismo, o nacionalismo e
vários países associou-se ao sindicalismo, o reformismo sóciopolítico, com a ampliação de
formando o anarco-sindicalismo. Dividiam a direitos trabalhistas e de voto.
sociedade em dois grandes grupos: os trabalhadores Assim, a Revolução de 1848 - a primavera
e os parasitas. Os trabalhadores e os parasitas. Os dos povos - estava impregnada da dualidade
trabalhadores estavam organizados e unidos pelos ideológica do capitalismo, propagando-se como ele
sindicatos, que, por meio de uma greve geral, por todo o mundo. Na Áustria caiu Metternich, o
realizariam a revolução social. Todas as greves de maior símbolo do Congresso de Viena; na França
que participavam eram consideradas um ensaio emergiu o socialista utópico Louis Blanc; e na
para a greve geral. Os sindicatos seriam também a Itália e na Alemanha o liberalismo e o
base da nova sociedade que seria formada. Os nacionalismo transformaram-se em bandeiras
anarco-sindicalistas eram internacionalistas, isto é, nacionais. Até o Brasil viveu essa efervescência
negavam a idéia de pátria e sentiam-se ligados aos sócio-política com a Revolução Praieira (1848), em
trabalhadores de todo o mundo. Eram partidários Pernambuco.
da ação direta e negavam validade às lutas
parlamentares e partidárias.

2.4 O socialismo-cristão
01. A Unificação Italiana

Na segunda metade do século XIX houve Imbuída de forte sentimento nacionalista,


uma grande mobilização operária, com diversos despertado principalmente pelas divisões impostas
levantes revolucionários em vários países europeus. pelo Congresso de Viena, a Itália, até então simples
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"expressão geográfica", aceleraria sua política de obter o compromisso de Vítor Emanuel de que não
unificação. No início do século XIX, destacaram-se invadiria a capital católica.
nesse processo inicialmente os carbonários, Em 1870, com a Guerra Franco-Prussiana,
sociedade precursora dos movimentos pela as tropas francesas deixaram Roma para enfrentar
unificação. Embora não tendo unidade política, já os alemães de Bismarck, pelos quais foram
que reunia monarquistas e republicanos, nem linha derrotadas. Encerrou-se, então, o Segundo Império
de ação definida, os carbonários atuavam em toda a Francês. As forças de unificação aproveitaram a
Itália. Reuniam-se secretamente nas cabanas dos conjuntura e invadiram Roma, transformando-a na
carvoeiros, derivando daí seu nome. capital italiana. Em janeiro de 1871, Vítor Emanuel
Duas correntes se destacaram nas lutas de transferiria-se para Roma completando o processo
1848: os republicanos, liderados por Giuseppe unificador e, pouco depois, um plebiscito
Mazzini e Giuseppe Garibaldi, e os monarquistas, consagraria a anexação.
liderados pelo conde Camilo Cavour. Estes últimos Enquanto isso, o papa se recusava a
tomaram a liderança das lutas pela unificação a reconhecer o novo Estado italiano unificado,
partir do reino do Piemonte-Sardenha, Estado considerando-se um prisioneiro no Vaticano. A
independente, industrializado e progressista, Questão Romana, como ficou conhecido o evento,
governado por Vítor Emanuel II. duraria até 1929, quando Mussolini assinou com o
No rastro da primavera dos povos, houve papa Pio XI o Tratado de Latrão, criando o
rebeliões liberais impondo reformas em quase Estado do Vaticano, território independente, da
todos os reinos italianos. No mesmo período Igreja, dentro da cidade de Roma.
aconteciam as lutas de independência da Veneza- Com a unificação italiana, continuaram
Lombardia, que estava sob domínio austríaco. ainda pendentes várias questões, como as das
Depois de diversas derrotas para os províncias setentrionais do Tirol, Trentino e
austríacos, o movimento pela unificação italiana Ístria, que, apesar de abrigarem uma população
esvaziou-se e reinstalou-se o absolutismo. A partir predominantemente italiana, estavam em mãos dos
da década de 60, entretanto, esse movimento voltou austríacos. Reivindicadas pela Itália, essas regiões,
a ganhar força, e, no início da década seguinte, que formavam as províncias irridentas, foram uma
concluiu-se o processo unificador da Itália. das razões que levaram esse país a entrar na
Em 1860, os "camisas vermelhas" de Primeira Guerra Mundial, lutando contra a Áustria.
Garibaldi - forças populares republicanas -, que já
haviam conquistado Parma, Módena, Toscana e 02. A Unificação Alemã
parte dos Estados Pontifícios, libertaram a Sicília e
o sul da Itália, governados pelo monarca absolutista O Congresso de Viena acabou com a
da família Bourbon, Francisco II. Entretanto, eram Confederação do Reno, criada por Napoleão I,
os monarquistas liberais e burgueses, instigados formando em seu lugar a Confederação
pelo jornal Risorgimento, que lideravam os Germânica, composta por 39 Estados soberanos.
movimentos de libertação do restante da Itália, Na liderança estava o Império Austríaco -
especialmente de Veneza e da parte não absolutista e de economia agrária -, cuja
conquistada dos Estados Pontifícios. Assim, supremacia foi garantida pelo número de Estados
mesmo contrário a uma unidade monarquista, que tinham na Confederação. À Áustria
Garibaldi abandonou a política para não dividir as contrapunha-se a Prússia, que, mais desenvolvida
forças italianas de unificação, favorecendo Vítor comercial e industrialmente, buscava a edificação
Emanuel II. de um grande Estado germânico, que forjasse seu
Com a ajuda de Napoleão III, o Piemonte espaço internacionalmente.
anexou vários territórios italianos ao norte que O passo fundamental para a unidade foi
estavam sob tutela dos austríacos. Depois, durante dado, inicialmente, em 1834, com a criação do
a Guerra das Sete Semanas (1866), graças à aliança Zollverein -união alfandegária -, que derrubou as
com os prussianos contra a Áustria, anexou barreiras aduaneiras entre os Estados alemães,
Veneza. Nesse mesmo período, o papa recusava-se proporcionando uma efetiva união econômica que
a entregar seus territórios para o Piemonte e perder dinamizaria o capitalismo alemão. Deixada fora do
Roma para os unificadores, ameaçando Zollverein pela diplomacia prussiana, a Áustria
excomungar Vítor Emanuel e seus ministros. reagiu, ameaçando a Prússia de guerra e obrigando-
Napoleão III, diante do conflito dos a a recuar. O Império Austríaco recuperava, dessa
nacionalistas com o papa, e sofrendo pressão dos forma, sua supremacia na Confederação
católicos franceses, acabou por oferecer garantias Germânica, impondo seus interesses, que eram
ao papado, mantendo tropas em Roma, além de contrários à unificação.

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A Prússia, por seu lado, iniciou a partir de Reich (império) alemão - o primeiro fora o Sacro
1860 a aplicação de um programa de modernização Império Romano-Germânico.
militar sustentado pela aliança da alta burguesia Pelo Tratado de Frankfurt, a Alemanha
com os grandes proprietários e aristocratas - os obtinha as ricas regiões da Alsácia e da Lorena,
junkers. Tendo à frente o chanceler Otto von além de receber uma indenização de 5 bilhões de
Bismark, reiniciaram-se as lutas pela unificação francos. Esse conjunto de fatos fermentou o
alemã com uma estratégia que visava à exaltação revanchismo francês, elemento importante nos
do espírito nacionalista alemão por meio de sua acontecimentos europeus do final do século XIX e
participação em guerras. A primeira delas foi a início do século XX.
Guerra dos Ducados contra a Dinamarca, em Com a unificação, a Alemanha cresceu
1864. vertiginosamente, a ponto de, em 1900, superar a
Valendo-se da decisão do Congresso de Inglaterra na produção de aço. O desenvolvimento
Viena, que entregara os ducados de Holstein e industrial alemão colocou em risco a hegemonia
Schleswig, de população alemã, à Dinamarca, britânica mundial, causando sucessivos atritos. A
Bismarck obteve o apoio até mesmo da Áustria exigência alemã de uma redivisão colonial que a
para incorporar essa região à Prussia. A assinatura favorecesse, somada às alianças político-militares,
da Paz de Viena, entretanto, trouxe discordâncias levaram o mundo à Primeira Guerra Mundial.
quanto à partilha dos ducados, ativando os atritos
entre Prússia e Áustria.
O desfecho dos atritos culminou com a OS ESTADOS UNIDOS NO SÉCULO
Guerra das Sete Semanas (1866), que, pela XIX.
rapidez com que se definiu, confirmou o
excepcional preparo bélico prussiano. O Tratado de
Praga reconheceu o fim da Confederação
Germânica, a entrega pela Áustria dos ducados de 01. Conquista do Oeste.
Holstein e Schleswig à Prússia e de Veneza aos
italianos.- unidos aos prussianos em sua própria Após a promulgação da Constituição
luta pela unificação. americana (1787), os Estados Unidos tiveram como
Os Estados do norte reorganizaram-se na primeiro presidente George Washington (1789-
Confederação Germânica do Norte sob a liderança 1797), que lançou um programa econômico para
do kaiser Guilherme I, de quem Bismarck era desenvolver a indústria, o comércio e as finanças.
ministro. O processo de unificação, entretanto, O objetivo era fortalecer as estruturas capitalistas
encontrava obstáculos nos Estados autônomos do do jovem Estado independente.
sul, apegados às soberanias locais ou ainda sob Na primeira década do século XIX, o
influência austríaca. governo americano dirigiu as energias da nação
Outro empecilho à unificação completa da para a conquista do Oeste, estimulando a expansão
Alemanha era Napoleão III, que se opunha à territorial em direção ao Pacífico.
emergência de uma grande potência em suas Os colonos que se estabeleciam naquelas
fronteiras. Bismarck empregaria uma especial regiões recebiam do governo terras a preços
habilidade diplomática, explorando a rivalidade mínimos. Atraídos pela ambição e pela aventura de
franco-prussiana. O aguçamento das tensões deu-se uma vida nova, inúmeros desbravadores lotavam as
quando, em 1869, o trono espanhol ficou vago, caravanas de carroças que partiam em direção ao
cabendo a coroa a um primo do kaiser Guilherme I, Oeste.
Leopoldo Hohenzollern. Napoleão III vetou tal No decorrer da expansão em direção ao
sucessão, vendo-a como um cerco à França. Pacífico, houve o conflito sangrento entre os
Bismarck forjou o estado de guerra entre conquistadores brancos e os indígenas que
França e Prússia, alterando o texto de um despacho habitavam a região. Na medida de suas
de Guilherme I ao embaixador francês. Tomado possibilidades, os índios lutaram bravamente pela
como um insulto à França, foi a causa imediata da defesa de seu povo, suas terras, sua cultura e sua
declaração de guerra de Napoleão III. liberdade. Mas foram derrotados devido, sobretudo,
Como era previsto por Bismarck, frente à à superioridade das armas dos brancos. A maior
declaração de guerra da França, os Estados do sul parte do povo indígena foi exterminada.
da antiga Confederação Germânica juntaram-se aos Antes da chegada dos conquistadores, havia
do norte, batendo a França na batalha de Sedan e mais de 1 milhão de índios nesses territórios. Em
completando a unificação. Em janeiro de 1871, 1860, restavam menos de 300 mil. Aqueles que
para humilhação dos franceses, era criado na Sala sobreviveram ao massacre sofreram o
de Espelhos do Palácio de Versalhes o Segundo confinamento em reservas federais.
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Além da expropriação de terras indígenas, a Em 1860, o nortista Abraham Lincoln, líder
expansão territorial dos Estados Unidos realizou-se do Partido Republicano, venceu as eleições
através da compra de territórios de países europeus presidenciais, com base na plataforma política que
(França, Inglaterra e Espanha) e, sobretudo, da defendia tarifas protecionistas e união a todo preço,
guerra contra o México, que resultou na anexação referindo-se ao autonomismo dos sulistas.
do Texas, da Califórnia, do Arizona, de Utah e do Descontentes com a vitória de Lincoln, os estados
Novo México, num total de 2 milhões de km. do Sul, liderados pela Carolina do Sul, separaram-
Através dessa expansão, os Estados Unidos se da União, formando os Estados Confederados da
passaram a ter um enorme território, que se estende América, com capital em Richmond, na Virgínia, e
do oceano Atlântico ao oceano Pacífico. E assim, e tendo como presidente Jefferson Davis.
entre os anos 1820 e 1860, o número de estados Tinha início a Guerra de Secessão: os
americanos subiu de 23 para 33. A população confederados (sulistas) ficaram sob o comando do
cresceu 226%, aumentando de 9,6 milhões para general Robert Lee, enquanto os federalistas
31,3 milhões de habitantes. (nortistas) foram comandados pelos generais Grant
O crescimento populacional americano e Sherman. Devido à autosuficiência de sua
resultou, em grande parte, da imigração de 4,6 economia, que garantia o uso de armas e navios
milhões de europeus, destacando-se irlandeses, construídos por eles mesmos, os estados do Norte
alemães e ingleses. conseguiram derrotar as forças confederadas. Na
A descoberta de ouro na Califórnia guerra, que durou quatro anos e mobilizou mais de
acelerou ainda mais a ocupação populacional do 2,5 milhões de homens, utilizaram-se recursos
Oeste, levando à construção das primeiras estradas bélicos modernos, seja para o comando (telégrafo),
de ferro a ligarem o Leste ao Oeste. para o transporte (ferrovias), para a confrontação
(trincheiras), seja nos armamentos (couraçados,
02. A Guerra de Secessão (1861-1865) cruzadores etc)
Ao final da guerra, o Norte, vitorioso,
Se, por um lado, a expansão territorial e consolidou sua supremacia política e econômica,
econômica fortalecia o desenvolvimento capitalista enquanto o Sul saía totalmente arrasado. Morreram
dos Estados Unidos, por outro acirrava a rivalidade mais de seiscentas mil pessoas. Em 14 de abril de
econômica, social e política entre os estados do 1865, cinco dias após a rendição dos confederados,
Norte e do Sul. Suas diferenças remontavam à o presidente Lincoln foi assassinado por um
época colonial: ao norte, estabeleceu-se uma fanático sulista, John Booth.
colônia de povoamento, com pequenas Em janeiro de 1863, ainda em meio à
propriedades agrícolas, trabalho livre, comércio guerra, Lincoln tinha assinado a Proclamação da
dinâmico e uma economia que propiciava intensa Emancipação, um decreto que determinava a
capitalização, culminando na industrialização do libertação dos escravos apenas nas áreas rebeldes
início do século XIX; ao sul, ao contrário, (Sul), medida justificada sob o fundamento de
estabeleceu-se uma colônia de exploração baseada “necessidade militar”. Mas foi somente em 1865,
na monocultura para exportação e no latifúndio com a completa vitória militar nortista, é que se
escravista, com a formação de uma poderosa aprovou a Décima Terceira Emenda à Constituição
aristocracia rural. norte-americana, proibindo a escravidão em todo
Por volta de 1860, o Norte dos Estados país.
unidos, industrializado e progressista, encontrava A abolição da escravidão para os 4,5
no Sul poderosos entraves ao seu desenvolvimento, milhões de negros, contudo, não significou direitos
interessando-lhe eliminar a escravidão, base do iguais aos dos brancos, mantendo-se a segregação
trabalho fundiário. Isso representaria um aumento social e política que motivaria seguidas lutas e
expressivo de mão-de-obra assalariada para suas radicalismo pelo resto do século XIX e também
indústrias, barateando a produção, além de ampliar durante o século XX, como o do grupo de origem
o mercado consumidor. Os nortistas defendiam sulista e racista, Ku-Klux-Klan, que nega a
também a elevação das tarifas alfandegárias, integração social dos negros nos Estados Unidos.
medida que visava proteger sua produção industrial
da concorrência externa. Para o Sul, ao contrário, 03. Política Externa
cuja produção estava voltada para o atendimento
do mercado externo, interessava o livre-cambismo O isolacionismo em relação à Europa e o
com relação às tarifas alfandegárias, o que lhes intervencionismo na América Latina foram as
garantiria as exportações. principais características da política externa dos
Estados Unidos no século XIX, cujas mais

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significativas manifestações foram a Doutrina quilômetros quadrados, a baia de Guantânamo,
Monroe e a Política do Big Stick (Corolário ainda hoje base militar americana em solo cubano.
Roosevelt). Em 1903, os EUA estimularam o
Temendo que a restauração pós- movimento separatista do Panamá em relação à
napoleônica se estendesse para o Novo Mundo, em Colômbia, e receberam em troca o direito de
reação aos movimentos de emancipação colonial, continuar a construção de um canal ligando o
os Estados Unidos criaram em 1823 a Doutrina Atlântico ao Pacífico, trabalho iniciado um pouco
Monroe, que proibia os países europeus de antes (1881) pelos franceses. Pouco depois,
estabelecerem novas colônias na América e de obtiveram do governo do Panamá o controle
intervirem em assuntos internos do continente perpétuo da Zona do Canal. Na década de 1970,
americano. Essa doutrina, sintetizada no slogan “A entretanto, uma campanha nacionalista promovida
América para os americanos”, foi uma tentativa pelo governo panamenho retificou esse acordo,
não só de preservar o continente de incursões comprometendo-se os Estados Unidos a devolver o
estrangeiras, mas de preparar o futuro domínio que canal ao Panamá até o final do século XX.
os EUA iriam exercer sobre as Repúblicas latino-
americanas, principalmente México e América
Central.
As pretensões expansionistas foram
confirmadas a partir de 1889, quando se reuniu a
Primeira Conferência Panamericana, que
considerava o distanciamento com relação à
Europa como o melhor caminho para o
engrandecimento político-econômico do continente
americano. Todavia, esse princípio ocultava os
verdadeiros propósitos imperialistas norte-
americanos, que pretendiam resguardar para si os
imensos mercados latino-americanos.
Um exemplo das pretensões imperialistas
norte-americanas foi a independência de Cuba, que
gerou um confronto direto entre os EUA e a
Espanha. Cuba era a maior produtora mundial de
açúcar, atraindo para si grandes investimentos de
capital norte-americano. Interessados em sua
estratégica posição geográfica, os EUA já haviam
tentado, sem êxito, comprar a ilha aos espanhóis.
Ajudando o movimento de independência
cubana (1895), simultâneo ao das Filipinas, os
EUA derrotaram militarmente a Espanha e
reforçaram seu imperialismo, tanto na América
Central como no Extremo Oriente.
A expansão norte-americano foi definida
pelo presidente Theodore Roosevelt (1901-1902)
através da política do big stick (grande porrete).
Como resultado da Doutrina Monroe, o big stick
destacava o papel dos EUA de nação guardiã da
América (“destino manifesto”), dando-lhe o direito
de intervir no continente americano. Esse direito
era disfarçado na chamada missão civilizadora,
uma obrigação das nações mais avançadas para
com os países em atraso, para promover seu
desenvolvimento.
Na Constituição de Cuba de 1901 foi
acrescentada, por imposição dos Estados Unidos, a
Emenda Platt, que instituía o direito de
intervenção dos Estados Unidos no país, além de
conceder aos norte-americanos uma área de 117

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