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Poucos anos depois desse seminário, quatro anos após o maio de 68, numa
Conferência em Milão, em 1972, Lacan falou pela primeira e única vez no discurso do
capitalista, dizendo que é o substituto do discurso do mestre, não sem antes lembrar que
“é demonstrado historicamente: não há discurso do mestre mais duro do que onde se faz
a revolução”.
Lacan enfatiza que há Um (S1), que intervém no campo dos significantes e faz
funcionar. O que o mestre deseja, ao incorporar o saber do escravo, é que a coisa funcione.
“Há Um. O significante foi o que introduziu no mundo o Um. E basta que haja Um para
que comece. Isso impõe (commande) o S2. Quer dizer que o significante que vem depois
que o Um funcione, obedece. Se o escravo não soubesse algo, não haveria preocupação
em obrigá-lo (le commander)”, acrescenta Lacan, “e pelo fato de que há linguagem, o
discurso do mestre funciona. (...) Aliás, tudo que é preciso ao mestre é que funcione”.
(LACAN, 1972).
“Afinal, foi o que se fez de mais astucioso como discurso. Esse último não é menos
destinado à explosão. É porque é insustentável, num truque que poderia lhes explicar,
porque o discurso do capitalista está bem ali (indica o discurso no quadro negro), uma
pequenina inversão simplesmente entre S1 e $... que é o sujeito, basta para que isso
ande como sobre rodinhas, não poderia andar melhor, mas, justamente, anda rápido
demais, se consome (consomme) se consome tão bem que se consuma (consume)”.
“Agora vocês estão embarcados, estão embarcados, mas há poucas chances de que
algo aconteça de sério na corrente do discurso analítico, salvo assim, ao
acaso”.(LACAN, 1972)
Encontra-se ainda uma terceira notação, que é a que considero a mais interessante,
pois mantém as operações entre os lugares tais quais no discurso do mestre, porém
invertendo apenas as posições de S1 e $, ficando $ no lugar de agente e S1 no lugar da
verdade, ressaltando-se o de ligação vetorial entre o lugar da produção e o da verdade
impedimento ( simbolizado por ∆, frequentemente também por duas barras paralelas //) .
Perguntou-se certa vez a Bill Gates qual o limite de uma fortuna? Ao que
respondeu: tudo. Outro exemplo é o de uma publicação recente cujo título é: Quanto é
suficiente? Nessa obra, os autores propõem uma abordagem moral da economia e se
perguntam: o que constitui uma vida boa, qual é o verdadeiro valor do dinheiro, por que
trabalhamos longas horas para adquirir mais riqueza, como sair do condicionamento de
um sistema que nos oprime e nos faz agonizar? (SKIDELSKY & SKIDELSKY, 2017).
Cabe ressaltar que embora nesse discurso o produto seja colocado em contato
direto com o agente, nada do que é produzido, seja como mais-de-gozar, ou na forma de
mercadoria que irá vender no mercado, podem satisfazer ao $, por mais que
acumule/consuma/mostre-se. A insatisfação do $, esteja embarcado no discurso no lugar
que estiver, é inevitável.
DARMON, Marc. Ensaios Sobre a Topologia Lacaniana. Porto Alegre: Artmed, 1994.
DIDI-HUBERMAN, Georges. O Que Vemos, O Que Nos Olha. São Paulo: Editora 34,
1998.
O Seminário, Livro 7: a ética da psicanálise [1959]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.
QUINET, Antonio. Um Olhar a Mais – ver e ser visto em psicanálise. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2002.
ORWELL, George. 1984 (1949). São Paulo: Cia das Letras, 2009.
ROUANET, Sergio Paulo. A Deusa Razão. In : NOVAES, Adauto (org.). A Crise da
Razão. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
SKIDELSKY, Robert. & SKIDELSKY, Edward. Quanto é suficiente – o amor pela vida
e a defesa da vida boa. Rio de Janeiro: CDFivilização Brasileira, 2017.