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BUSCA
1) o etapismo estratégico;
2) o nacional–chauvinismo;
3) o doutrinarismo e a in"exibilidade tática;
4) a LGBTfobia e a transfobia;
5) o moralismo quanto às drogas.
Mas, antes de abordar a “questão LGBT” propriamente dita, valeria a pena re"etir
sobre um aspecto metodológico da discussão. Embora o camarada Carlos Athur
elabore uma lista de cinco desvios especí!cos que considera os “maiores”, e o
camarada Ivan discorde de que todos têm o mesmo “peso político”, pouco se
discute sobre os critérios para medir a “grandeza” de um desvio político-ideológico.
“Não há nem pode haver uma forma de luta política, uma situação política que
não acarrete o risco de desvios. Se não houver instinto de classe revolucionário,
se não houver uma visão do mundo integral que esteja ao nível da ciência, se
não houver (diga-se sem pretender suscitar a cólera dos camaradas neo-
iskristas) juízo na cabeça, então é perigosa tanto a participação nas greves –
pode conduzir ao ‘economicismo’ -; como a participação na luta parlamentar –
pode acabar no cretinismo parlamentar […]” [3]
Mas encerrar o debate aqui, seria cair numa discussão escolástica, desligada da
práxis social, medindo e comparando a importância de “valores universais”,
diferenciando as “questões históricas maiores” e as “questões menores do dia a dia”
– o que signi!caria, no !m das contas, virar de ponta cabeça o problema teórico-
político da conexão entre a exploração e opressão cotidiana sofrida pelo
proletariado e os objetivos revolucionários !nais dessa mesma classe. Para uma
análise concreta da importância histórica de cada uma dessas questões, o nosso
critério deve ser a própria atividade revolucionária. Não se trata de debater qual
desvio é “pior em si”, mas sim quais desvios são mais in"uentes, quais desvios mais
imediatamente desorganizam e desarmam ideologicamente o movimento
comunista, quais desvios mais di!cultam ao movimento comunista a realização de
seus objetivos !nais, por meio da sua “fusão” ao movimento operário e popular no
curso de uma luta revolucionária etc.[4]
Mas, ainda assim, esse enquadramento do debate produz uma série de confusões –
não haveria outros desvios mais graves, ou ao menos tão graves quanto esses (já
citei alguns)? Mesmo entre esses cinco, haveria alguma gradação de importância?
Ou interconexões internas? Por exemplo: é possível pensar no nacional-chauvinismo
em separado do etapismo? Ambos não constituem, ainda mais nesses tempos em
que rufam os tambores das guerras nacionais, desvios reformistas que caminham
de mãos dadas em inúmeros países? Ou: é possível pensar no problema da “guerra
às drogas” sem pensar no racismo e no militarismo?
Esse modo de ranquear os desvios, me parece, abriu as portas para que o camarada
Ivan cometesse um grande equívoco: buscando diferenciar o signi!cado
internacional de uns desvios em comparação com outros, acabou por secundarizar
um em relação a outros. Digo isso porque, de fato, nesse sentido limitado (o
signi!cado internacional de cada desvio), vejo sim uma diferença entre as questões
elencadas – não quanto à sua importância em abstrato, mas quanto ao seu
enquadramento à luz das atuais polêmicas do MCI.
Nesse sentido, são de fato desvios de diferentes tipos: os primeiros são desvios que
distinguem campos no Movimento Comunista Internacional; os últimos
representam desvios amplamente difundidos em ambos campos. Uns que
demarcam linhas nítidas entre a política revolucionária e a política possibilista; o
outro, não – o que, poderíamos dizer em algum sentido, torna esse desvio ainda
mais grave e digno de atenção, pelo quão difundidos são!
Uma “medição da gravidade” de um desvio (se não deseja se limitar uma pregação
moral esterilizante contra “qualquer possibilidade de erro”, uma busca por
“militantes perfeitos”, “organizações perfeitas” etc.) só pode signi"car isso: a
urgência da solução de uma questão teórica e prática, a urgência da correção de
uma determinada orientação errônea. Nesse sentido, então, embora as questões
elencadas pelo camarada Carlos Arthur sejam de “diferentes naturezas”, sem
dúvida todas elas tocam em polêmicas candentes do movimento comunista
internacional contemporâneo.
A “questão LGBT”
Sobre a LGBTfobia, o camarada Ivan a"rma: “não imagino que, entre comunistas, se
trate de uma fobia, que subentende aversão, rejeição, escárnio, preconceito e até
mesmo perseguição ao seu objeto.” De fato, o termo “LGBTfobia” padece dessa
limitação “psicologizante” aparente. Quando debatemos racismo e machismo, ainda
que o aspecto da “fobia” (individual ou social) possa surgir na discussão, é bem
evidente de partida que tratamos de fenômenos sociais, não apenas da psicologia
individual (ainda que, também no uso desses dois termos, predominem
interpretações culturalistas, que resvalam para a mesma concepção idealista da
questão).
Mas, verdade seja dita, mesmo essas re!exões “conceituais” não nos permitem
fugir do fato de que, ao longo de muitas décadas, grandes parcelas do movimento
comunista internacional sustentaram posições efetivamente LGBTfóbicas. Em uma
breve recapitulação da história dessa polêmica no MCI, registramos que o primeiro
impulso positivo da revolução de 1917 – que revogou as leis czaristas que
criminalizavam a homoafetividade e nomeou Gueórgui Tchitchérin, homossexual
reconhecido, para o importante cargo de Comissário do Povo para as Relações
Exteriores, em 1919 – não foi profundo o su"ciente para sustentar-se de modo
duradouro. Não tardaria para que posições francamente reacionárias a esse
respeito começassem a se disseminar em meio ao Movimento Comunista
Internacional.
Aqui, evidentemente, como em toda questão, são possíveis dois tipos de desvios.
Por um lado, é possível um desvio que podemos chamar de economicista, ou
dogmático, que expressa a incapacidade de compreender como o próprio
proletariado é afetado pelas opressões decorrentes de orientação sexual e
identidade de gênero. É um desvio que se manifesta nitidamente na ideia de que as
lutas contra as opressões particulares de determinadas camadas da sociedade
“dividem a classe trabalhadora”. Essa forma de conceber o problema é duplamente
equivocada. Em primeiro lugar, porque invisibiliza por completo as camadas LGBTs
do próprio proletariado. Em segundo lugar, porque mesmo no caso das camadas
não-proletárias atingidas pela LGBTfobia, uma postura de abstenção diante de sua
opressão é absolutamente inaceitável, do ponto de vista do leninismo:
Não é, portanto, um desvio novo, mas uma nova forma do velho economicismo.
Inclusive, vale lembrar: à época do debate sobre a autodeterminação dos povos,
Lênin de"niu como “economicismo imperialista” a subestimação da luta contra a
opressão nacional-étnica por parte de alguns “esquerdistas”, como até mesmo Rosa
Luxemburgo. Lênin criticou aqueles marxistas que secundarizavam as opressões
nacionais com base na ideia de que “a revolução socialista tudo resolverá! Ou, como
por vezes dizem os partidários das concepções de P. Kíevski: a autodeterminação
sob o capitalismo é impossível, sob o socialismo é supér!ua.” Há quem pense
parecido sobre os temas chamados de “identitários”: é inútil falar deles, pois sob o
capitalismo sempre haverá opressão, e sob o socialismo ela acabará
automaticamente. Não compreendem que a revolução proletária é impossível sem
o empoderamento (não em sentido subjetivista, mas prático: a elevação à condição
de classe dominante) das milhões de pessoas mulheres, negras, LGBT etc., que
compõe concretamente, ao lado de uma camada branca, masculina, heterossexual,
cisgênero etc., a classe trabalhadora! Forjar essa unidade revolucionária da classe
trabalhadora na luta contra toda exploração e toda opressão é a razão de existir do
Partido Comunista, uma vez que essa unidade não se dá espontaneamente, com
cada luta travando seu curso separado e particular.
Por outro lado, não é raro encontrarmos na esquerda no geral, mas também no MCI,
o caso oposto, de um desvio oportunista, ou culturalista, neste tema. Esse desvio se
expressa na incapacidade de diferenciar a perspectiva proletária de luta contra a
LGBTfobia das perspectivas burguesas e pequeno-burguesas, na tendência a aceitar
acriticamente as formulações predominantes nos movimentos contra a opressão
em cada país, sem formular concepções próprias, marxistas-leninistas. Ou seja: a
incapacidade de compreender que a luta por uma política proletária para o "m da
opressão LGBT signi"ca também uma luta ideológica contra as tendências liberais
ou obscurantistas que predominam não só no movimento LGBT, mas também no
movimento feminista, no movimento negro etc. Nesse caso, encontramos toda uma
série de organizações autoproclamadas marxistas (especialmente as mais
“possibilistas”) que fazem concessões de princípio às palavras de ordem do
feminismo transfóbico, em alguns casos; em outros, às concepções materialistas
metafísicas que a"rmam que a orientação sexual é algo dado biologicamente no
nascimento, e que certas pessoas nascem gays, “por isso mesmo devem ser aceitas”
– numa “inversão liberal” do discurso biológico reacionário, e em uma tentativa
estreita de combater propostas reacionárias com a tal “cura gay” com um
argumento pseudo-materialista. Não me alongarei em exemplos, basta constatar a
existência de inúmeras manifestações possíveis desse desvio. Nesses casos, é bem
comum que uma “fraseologia revolucionária” no campo moral/cultural se combine a
um pragmatismo reformista no plano político.
[…] Se a luta sindical sozinha não garante luta revolucionária, podendo ser
desviada para o peleguismo, a identidade do “trabalhador” também não
garante nada, podendo ser um instrumento desse mesmo peleguismo.
Vale destacar aqui, além das Resoluções Congressuais citadas na abertura desse
texto, uma série de notas políticas do Coletivo LGBT Comunista que armam
ideologicamente a militância comunista tanto para a luta contra a opressão quanto
para a luta contra o liberalismo. Citarei apenas um trecho de uma nota, mas muitas
outras podem ser consultadas no site do Coletivo:
Este modelo teórico, contudo, falha ao nos explicar as bases materiais que
fundamentam tais relações de violência. A humanidade é um gênero de seres
composta por indivíduos singulares, apresentando uma diversidade de
interesses, sonhos, desejos e características físicas. A questão que resta é
desvelar em que momento um conjunto de tais características deixam de ser
individuais e tornam-se sociais e políticas. Em que momento tornam-se
determinantes ao ponto de cindir a humanidade em grupos que se relacionam
hierarquicamente, e com quais bases materiais e econômicas o discurso que
fundamenta as relações de violência e de exploração é criado.
Compreender as determinações sociais das diferentes identidades políticas é
tarefa fundamental para que os movimentos sociais não confundam seus
inimigos. É identi"cando e combatendo as causas do problema que se pode
estabelecer uma estratégia para sua superação. Enquanto parte desses
movimentos permanecerem eclipsadas pelo discurso essencialista e biológico,
di"cilmente os movimentos sociais formularão políticas que tenham como
objetivo superar de uma vez por todas o racismo e a LGBTfobia.” [10]
Economicismo patriarcal?
“Num velho manuscrito inédito, redigido em 1846 por Marx e por mim, encontro a
seguinte frase: ‘A primeira divisão do trabalho é a que se fez entre o homem e a
mulher para a procriação dos "lhos’. Hoje posso acrescentar: o primeiro
antagonismo de classes que apareceu na história coincide com o desenvolvimento
do antagonismo entre o homem e a mulher na monogamia; e a primeira opressão
de classes, com a opressão do sexo feminino pelo masculino.” Engels [11]
Não tenho nenhum apreço particular por esse termo recém-cunhado. Minha
intenção foi apenas, aqui, lançar luz sobre a conexão entre a “questão LGBT” e o
machismo, ou melhor dizendo (em termos mais inequivocamente estruturais), o
patriarcado. A ausência dessa re!exão nos textos dos camaradas demonstra ou
uma parca percepção dos problemas práticos que o machismo ainda acarreta no dia
a dia do movimento comunista [13] ou uma incompreensão teórica dessa conexão
inseparável entre a opressão da mulher pelo homem e a opressão de todas as
orientações sexuais e identidades de gênero que “contrariem” essa superestrutura
de dominação patriarcal e as bases estruturais em que ela se funda (a divisão sexual
do trabalho). Os apontamentos das camaradas do Coletivo Feminista Classista Ana
Montenegro indicam com nitidez essa unidade:
Uma vez desvelada essa conexão, talvez valeria dizer: seria melhor enquadrar toda
essa discussão sob a rubrica do “chauvinismo” – que o camarada Carlos Arthur
limitou à sua dimensão “nacional”, mas que vai muito além disso! Não à toa, o termo
foi usado diversas vezes pelas mulheres comunistas em sua luta contra o
“chauvinismo masculino”. Não à toa, os e as comunistas negros e negras por
diversas vezes condenaram o “chauvinismo branco”. Com tanto ou mais direito,
caberia ao movimento LGBT comunista falar em um “chauvinismo heterossexual e
cisgênero”. E, não à toa, mais uma vez, todos esses chauvinismo se irmanam e
andam de mãos dadas ao lado do chauvinismo nacional e do chauvinismo militarista
no fenômeno que chamamos, genericamente, de fascismo, a forma acabada do
chauvinismo total.
Digo isso tudo, evidentemente, sem qualquer pretensão de ter esgotado o debate,
ou estar isento de qualquer limitação em minha concepção do assunto. Certamente
há muitas e muitos camaradas que dominam todos esses complexos temas muito
mais. Mas considerei importante estabelecer esses pontos de princípios gerais e
introdutórios.
Breves comentários sobre o “moralismo quanto às drogas”
Contudo, assim colocado, faz parecer que o problema das drogas é, principal e
primeiramente, um problema de liberdade de consciência, da liberdade
democrática do uso de substâncias psicoativas etc. Não é a intenção do camarada
Carlos Arthur, visivelmente, que coloca o acento nos aspectos corretos do
problema. Mas ocorre que, de fato, também a incompreensão dessa dimensão do
problema constitui um desvio. Atualmente, a luta ideológica em curso no
movimento pela legalização/discriminalização das drogas exige ir além do problema
da liberdade individual, acentuada pelos setores liberais do movimento em
detrimento da denúncia e do combate à guerra aos pobres propriamente dita.
Felizmente, hoje este movimento aceleradamente pende para a segunda
perspectiva, proletária, em detrimento da perspectiva puramente pequeno-
burguesa do “direito ao uso” sem mais.
Notas:
[1] https://pcb.org.br/portal2/30248
[2] https://pcb.org.br/portal2/30390
[3] https://www.marxists.org/portugues/lenin/1905/03/30.htm
131) O PCB considera que é negativo para a classe trabalhadora que os Partidos
Comunistas abram mão de defender o programa revolucionário proletário para
abraçar programas reformistas pequeno-burgueses, seja em nome da “unidade
contra o neoliberalismo”, seja pela “unidade antifascista”. A experiência recente do
nosso país e toda a história do movimento comunista internacional demonstram
nitidamente que, ao invés de gerar um acúmulo de forças, o que isso gera na prática
é o desarmamento político, ideológico e real da classe trabalhadora. A desilusão
gerada pelo não cumprimento das promessas da socialdemocracia é um dos fatores
que contribui para a chegada do fascismo ao poder e a sua aceitação por parte das
massas populares, como já nos apontava a Internacional Comunista antes do
estabelecimento da linha das Frentes Populares, de colaboração com a
socialdemocracia.”
XVI Congresso do PCB:
https://drive.google.com/"le/d/1F_5SvtoZsxCyfsp6dx1gek0kMYEoDTvX/view
[6] https://lgbtcomunista.org/2021/02/02/racismo-lgbtfobia-e-a-armadilha-da-
identidade/
[7] https://pcdob.org.br/noticias/os-marxistas-e-a-homossexualidade/
[8] https://pcb.org.br/portal2/29264
[9] https://lavrapalavra.com/2023/02/01/notas-sobre-a-questao-lgbt-e-o-
movimento-comunista/
[10] https://lgbtcomunista.org/2021/02/02/racismo-lgbtfobia-e-a-armadilha-da-
identidade/
Vide também:
https://lgbtcomunista.org/category/nota-politica/
[11] https://www.marxists.org/portugues/marx/1884/origem/cap02.htm
[12] https://www.marxists.org/portugues/zetkin/1920/mes/lenin.htm
[13] https://coletivominervinocom.wordpress.com/2023/05/03/a-violencia-de-
genero-nas-esquerdas/
[14] https://anamontenegro.org/cfcam/2020/09/23/existimos-e-resistimos-dia-da-
visibilidade-bissexual/
[15] https://anamontenegro.org/cfcam/2021/07/27/feministas-classistas-contra-a-
transfobia-e-em-defesa-da-populacao-trans/
16 DE MAIO DE 2023
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