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J. de Castro Mendes/ M.

Teixeira de Sousa

obrigação de alimentos, cf. art. 2006.° CC), ou seja, em regra, para depois do momento
da propositura da acção de modificação 189• Isto significa que a alteração da decisão
anterior não retroage ao momento da verificação do facto que a justifica e que aquela
decisão é modificada para o futuro, não destruída para o passado.

iNDICE

§ O.º Indicações Gerais


L Plano da obra .......... .... vii
II. Fontes do direito processual civil. • .... X

III. Referências bibliográficas ..... . xix


IV: Abreviaturas e acrónimos . ...... xxiii
V. Bibliografia abreviada ........ .. ... xxxii
INTRODUÇÃO
I. ELEMENTOS INTRODUTÓRIOS
§ l .º Noções preliminares .... 3
I. Processos jurisdicionais ............................. .. ..... 3
l. Necessidade do processo............... . ...3
2. Elementos do processo ................ .. ...... 3
3. Modalidades do processo ................. . ......................................3
II. Processo civil ............................ . .................. .4
1. Generalidades ....................... . .................. .4
2. Tutela individual ......... . ........................ .4
3. Tutela supraindivídual. ..... .4
3.1. Generalidades .................. . ...4
3.2. Tutela co!ectiva ........................ .. ..... .5
3.3. Colectivização da tutela .. .. ... 5
III. Legislação processual civil ....... . ........ 6
1. Generalidades ....................... .. ........ 6
2. Antecedentes ......................... . .. ... 6
3.CPCde1876 ......................... . .. .... 6
3.1. Caracterização .... .. ............. 6
3.2. Reforma ............... . .......... 6
4. CPC de 1939 ............. . .. ... 7
4.1. Aprovação ..... . .. ... 7

4.2. Caracterização . ...... 7


5.CPCdei961 ........... . ...... 8

680 189 Cf. l. Ai.RXANORF. M0ífülc,,16k, 76'i 5.1. Caracterização .. .. ..... 8 681
l de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Índice

5.2. Reforma ..................... . .............................................8 4. Actívidade do tribunal ................ . ..... 18


6.CPCde2013 ..................... . ..................9 4.1. Decisões de mérito .............. . ..... 18
IV. Direito processual cívil ......... . ......... 9 4 .2. Decisões de forma ... . .................... 18

!.Noção ..... . ........... 9 4.3. Medidas executivas ............ . ........... 18


2. Direito público. ......... 9 III. Partes ........................................... . . ............................................................... 19

2.1. Justificação da natureza ............ 9 1. Noção ...................................... . ......... 19


2.2. Autonomia das partes .......... . .............................. 9 2. Situações subjectivas .............................................................. . ........ 19
3. Direito instrumental .................... . .................................. 10 2.1.Enunciado ............................ . ............................ 19
3 .1. Generalidades.......................... . ....... 10 2.2. Concretização......................... ................................................ 19
3.2. Função da instrumental idade .. ........................ 10 3. Responsabilidade da parte........................ . ............................................... .20

33. Interdependência funcional ....... . ......................... 10 3.1. Responsabilidade delitual ....................................... ........................ 20

4. Direito procedímental ............................ . ................................................ 11 3.2. Responsabilidade objectiva .......... . .....20


5. Valores processuais ...................................................... .. ........................ 11 § 3." Objecto do processo civil.. ................................................................................................ 20
V. Direito processual civil europeu....................................................... . ............ 1l I. Generalidades .......................................... ............ ............. 20
1. Generalídades................................ . .................................. 11 II. Pretensão processual ........................................................................................................... 20
1.1. Enquadramento geral........................................... ............. 11 l. Generalidades ............................... . ..................... 20
1.2. Portal Europeu de Justiça..... .............. 12 2. Caracteristicas da pretensão........... .................... 20
2. Âmbito material........................... .................................... 12 2.1. Concretização da pretensão ..................................................................................... 20
2.1. Generalidades ........................................................................................................... 12 2.2. Fundamentação da pretensão ................................................................................... 21
2.2.Âmbito positivo ................ . ······························ 12 III. Valor da causa ..................................................................................................................... 21
2.3. Âmbito negativo ........................ . .................................................. 12 l. Generalidades ................................................................................................................. .21
3. Controlo judicial ..... . ...................... 13 2. Critérios atóbutivos ...... . .............................................................................. 21
3.1. Reenvio prejudicial ............................. . ........................... 13 2.1. Enunciado .......... . ......................................................... 21
3.2. Poderes doTJ ........................................................... . ..................... 14 2.2. Sanção compulsória ...................................22
3.3. Interpretação autónoma ................... . ...................... 15 § 4." Estrutura do processo civil... ........................... . . ..................... 22
3.4. Âmbito da vinculação .. . ................................................................... 15 I. Actos processuais................................................... . .................... 22
§ 2." Sujeitos do processo civil ..... . ................. 16 l. Enquadramento geral ....................................................................................................... 22
I. Generalidades ........................................ . ........... 16 1.1. Noção ....................................................................................................................... 22
II. Tríbunal ..................................... . ............ 16 1.2. Consequências ......................................................................................................... 22
l. Caracteristicas do tóbuna!. .... . .................................................... 16 l.3. Actos duplos ............................................................................................................. 23
2. Função jurisdicional .................. . ........ 16 1.4. Factos processuais ................................................................................................... 24
2.1. Âmbito da função ...................................... . ............................................... 16 2. Sequência processual ...................................................................................................... 24
2.2. Reserva de jurisdição .............. . .......................... 16 2.1. Actos de sequência .................................................................................................. 24
2.3. Alçada do tóbunal .................. . ................................................. 17 2.2. Definição da sequência ........................................................................................... 24
3. Poderes do tribunal... ...................... . ......................... 17 2.3. Princípio da preclusão............................ . ... .24
3.l. Deveres funcionais .......................... . ................ 17 3. Modalidades dos actos . ... 25
3.2. Poderes discricionários .................. . ....................................... 17 3.1. Generalidades ..
682
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3.2. Actos do tribunal ....... . ...... 25 7. Convolação de actos .............. . ... 37


3.3. Actos das partes .......... . ...26 8. Revogação de actos .............. .. .. .. 37
3.4. Negócios processuais .. ..... 26 8.1. Actos do tribunal ......................... .. .37
3.5. Actos conjuntos ............. .. ............................. 27 8.2. Actos das partes ............................. .. ..37
3.6. Actos constitutivos ................................... . .. ................................................. 27 IV. Diligência exigível ........................................ .. ...37
3.7. Actos postulativos .................................... . ................................................... 28 l. Generalidades ........................................... .. ...37
3.8. Sentido da distinção ......................... . ................................................... 28 2. Hipóteses de relevância ............................ . .38
4. Interpretação dos actos ...................... . ................................................... 28 2.1. Responsabilidade civil .. .38
II. Pressupostos dos actos ................... . ........... 29 2.2. Efeitos cominatórios .... ..38
1. Enunciado dos pressupostos ...... . ............................................................................. 29 V. Falta e vícios da vontade .. . .. .................. 39
1.1. Actos do tribunal ................ . ....... 29 1. Generalidades ........................... . .. ........................................ 39
1.2. Actos das partes....... . ........... 29 2. Hipóteses de relevância ............ . .. ...... 39
2. Consequências da falta .... . .......... .30 2.1. Actos das partes........................... .. ........ 39
2, 1. Generalidades. ..................... 30 2.2. Actos do tribWial .......................... . .. .......................................39
2.2. Concretização. .. ............................................ 30 VI. Invalidades processuais .......................... . ...40
3. Sanação da falta .............................................................................................................. 31 l. Generalidades ...................................... . .. . .40
III. Acto como trârn.ite ............................................................................................................... 32 1.1. Razão de ordem ...................................... . .40
1. Fonna dos actos ............................................................................................................. .32 1.2. Detenninação das invalidades..................... .40
1.1. Princípio geral................................. .................................................................... 32 1.3. Delimitação das invalidades .................................................................................... .40
1.2. Oralidade vs. escrita ............................................................................................... 32 2. Nulidades processuais...................... ............ .41
2. Suprimento de deficiências.............. ........................................................................ 32 2.l. Enunciado .............................. .. . ........... .41
3. Prazos processuais ........................................................................................................... 33 2.2. Nulidades nominadas ............ .. ...................................... .41
3.1. Modalidades do prazo .............................................................................................. 33 2.3. Nulidades inominadas .................. . ....................................... .41
3.2. Prazos gerais ............................................................................................................ 33 3. Nulidades de actos .............................. .. ................................. 42
3.3. Continuidade do prazo ............................................................................................. 33 3.1. Enunciado .................. " ................ . .................................. 42
3.4. Tolerância de prazo ................................................................................................. 33 3.2. Nulidades nominadas ........................ . ...................................... 42
3.5. Prorrogação do prazo ... ... .... ....... .... .... ....... .. ................................................. 34 3.3. Nulidades inominadas ......................... . ..................... .42
3.6. Prevalência do prazo ............................................................................................... .34 4. Regime comum ....................... . ...................... 42
4. Justo impedimento ............................... . .............................................................. 34 4.1. Generalidades .................. . ...................... .42
4.1. Regime geral ........................ . .......... .34 4.2. Conhecimento ................... . ................ .43
4.2. Aspectos de procedimento..... .. ..... 35 4.3. Invocação .......................... . ............. .43
4.3. Aplicação extensiva...... .............. 35 4.4. Efeitos ................................ .. .............. 44
4.4. Regime especial.... .. ...................... 35 4.5. Renovação ................................................................ . ........ 44
5. Lugar da realização....... ........................ 35 0
§ 5. Meio do processo civil ..................................................... . ........ .45
6. Sujeição a condição......................................................................................................... 36 I. Meios de composição ............................... . ..... .45
6.1. Regime-regra............. ...................................... 36 l. Generalidades ......... . .. .45
6.2. Regime excepcional ................................................................................................ 36 2. Caracterizacão geral..
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3. Proibição da autotutela............ . .......................................... .45 1. Enunciado do fim ....... . ..... 59


3.1. Generalidades ......... . .......................................... .45 2. Tutela reflexa ................. . .. ..59
3.2. Concretização............................................. . .............................................45 II.ASPECTOS GERAIS
4. Acesso à justiça pública .................... . ...................................... .46 § 7." Classificações do processo civil ...... 60
4. l. Relevância constitucional ........ . .................................. 46 I. Classificação pelo fim ............... . ... 60
4.2. Processo equitativo .................... . ................................. .48 1. Generalidades ...... . .... 60
4.3. Proporcionalidade do meio .......... . .................................. .50 2. Acções declarativas ....... ...... 60
4.4. Interpretação sistemâtica ............. ............. 50 2.1. Modalidades .. . ...60
5. Protecção jurídica....................................................... ............. 50 2.2. Cumulação ... . ........ 60
5.!. Generalidades ......................................................................................................... .50 3. Acções de simples apreciação ................. . ......... 61
5.2. Modalidades .......................................................... . .............................. 51 3.1. Noção ...................................... . ........ 61
II. Pressupostos processuais ..................................................................................................... .51 3.2. Enquadramento geral ............. . ........ 61
l. Generalídades ................................................................................................................... 51 3.3. Modalidades das acções .............. . ...... 61
1.1. Enquadramento ....................................................................................................... 51 3.4. Apreciação negativa .................... . ..... 62
1.2. Concretização ........................................................................................................... 51 3.5. Apreciação incidental... ..... 63
1.3. Distribuição .............................................................................................................. 52 4. Acções de condenação ....... .. ... 63
2. Caracterização geral.. ....................................................................................................... 52 4.1. Noção .......................... . ...63
2.1. Função dos pressupostos ......................................................................................... .52 4.2. Enquadramento .. . .. ...................... 63
2.2. Valor de admissibilidade .......................................................................................... 52 4.3. Modalidades ..... . .......................... 64
2.3. Justificação dos pressupostos ................................................................................... 53 4.4. Acções inibitórias ........................ 64
2.4. Controlo dos pressupostos ...................................................................................... 53 5. Acções constitutivas .................. . ..... 65
2.5. Modalidades dos pressupostos ................................................................................. 54 5.1. Noção ................................ . ...... 65
3. Excepções dilatórias........................................................................................................ .54 5.2. Enquadramento ........ . ....65
3. l. Caracterização geral ................................................................................................. 54 5.3. Efeitos ....................... . ..... 66
3.2. Conhecllllento oficioso ........................................................................................... 55 6. Hipóteses duvidosas ............. . .... 66
3.3. Absolvição da instância ...........................................................................................56 7. Acções executivas ........ . ...66
4. ónus da prova .................................................................................................................. 56 7.1. Generalidades ............... . ............. 66
4.1. Regime geral ............................................................................................................ 56 7.2. Título executivo .............. . ............66
4.2. Factos duplos .......................................................................................................... .56 7.3. Modalidades da execução .......... 67
5. Aprecíação dos pressupostos............................................................................................ 57 7.4. Formas de articulação ........ 67
5.1. Apreciação prévia.................................................................................................... .57 8. Acção popular .................................. . ...... 67
5.2. Dispensa da apreciação ............................................................................................ 57 8.1. Generalidades ......................... . ........... 67
§ 6." Fim do processo civil ........................................................................................................ 58 8.2. Legitimidade popular. ...... 67
I. Preliminares .......................................................................................................................... .58 II. Classificação pela forma ....... . ....... 68
1. Finalidade geral ................................................................................................................ 58 !. Processo comum e especial ..... 68
2. Direito de acção ............................................................................................................. .59 1.1.Distinção ...... . .. .... 68
686 II. Concretização ..................................................................................................................... .59 1.2. Anlicaciio
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2. Regíme do processo especial .......................................................................................... 68 § 9.º Princípios fundamentais. ...... 79


3. Processo de declaração ................................................................................................... 68 I. Generalidades ...................... . ..... 79
3 .1. Generalidades............................................................................ ................... 68 1. Modelos processuais .. ..... 79
3.2. Âlnbito de aplicação................................................................................................. 68 1.1. Enunciado dos modelos .......... . ...... 79
3 .3. Regirn.es especíais ..................................................... . ................ 69 1.2. Modelo programático ........................... . ....... 79
4. Processo de execução ................................................. . ...... 70 2. Princípios processuais .............................. . ..... 80
4.1. Generalidades..................................................... . ...... 70 H. Princípio da instnunentalidade. ..... 80
4.2. Regíme aplícável .................................... . ......................................... 70 l . Caracterização .................... . ..................... 80
III. Classificação pelo critério de decisão ................................................................................. 70 2. Consequências.................................. ....................................... 80
l. Jurisdição contenciosa e voluntária ................................................................................. 70 2.1. Generalidades........................................................................................................... 80
1.1. Generalidades........................................................................................................... 70 2.2. Indisponibilidade relativa.................................... .......... 81
1.2. Especialidades da jurisdição voluntária ................................................................... 71 2.3. Determinação da indisponibilidade................... ............................. 82
2. Critério da distinção ......................................................................................................... 71 2.4. Efeitos da indisponibilidade ......... . ............................. 84
2.1. Prelirn.inares ............................................................................................................. 71 III. Princípio dispositivo ........................................................................................................... 84
2.2. Critério proposto ..................................................................................................... 72 l. Caracterização do princípio............... .... 84
2.3. Naturezajurídica ...................................................................................................... 73 1.1. Generalidades........................................................................................................... 84
§ 8. 0 Aplicação da lei processual civil. ...................................................................................... 73 1.2. Sentido operativo ..................................................................................................... 84
1. Interpretação e íntegração...................................................................................................... 73 2. Disponibilidade do processo ............................................................................................ 84
l. Regra geral ....................................................................................................................... 73 2.1. Disposição inicial ..................................................................................................... 84
2. Regras específicas ............................................................................................................ 74 2.2. Disposição posterior ............................................................................................... 84
II. Aplicação no tempo .............................................................................................................. 74 3. Delimitação do objecto .................................................................................................... 85
l. Generalidades ................................................................................................................... 74 4. Relevância do pedido ....................................................................................................... 85
2. Concretização .................................................................................................................. 74 4.1. Pedido da parte ......................................................................................................... 85
2.1. Regime geral................................................................... ...................... 74 4.2. Pennissão de minus ......................... ........................................................................ 85
2.2. Actos processuais ....................................................... . .................. 75 4.3. Permissão de aliud ................................................ . .............................................. 86
2.3. Pressupostos processuais ............................ . ...................... 75 5. Relevância dos factos ............. . .............................................. 86
2.4. Negócios processuais................................... ......................... 76 5.1. Aquisição processual........................... ......................................... 86
2.5. Direito transitório......................................... ............................................ 76 5.2. Factos principais ...................................................................................................... 87
III. Aplicação no espaço..................................... .................................................................. 76 5.3. Factos complementares ........................................................................................... 88
1. Generalidades ................................... . ...................................................................... 76 5.4. Ónus das partes.......................................... ............................. 89
l.l. Princípio da territorialidade...... ...................................................................... 76 5.5. Cooperação do tribWU1l ......... .......... 89
l.2. Problema da qualificação....... ...................................................................... 77 5.6. lnquisitoriedade do tribunal ..................................................................................... 89
2. Concretização .................................................................................................................. 77 6. Conhecimento oficioso........................................... ...................................................... 90
2.1. Âlnbito do princípio ................................................................................................. 77 6.1. Matéria de direito ..................................................................................................... 90
2.2. Confirmação do princípío ...................................................................... .......... 77 6.2. Factos acessórios ................................................ . ............................ 91
2.3. Excepções convencíonais........................................................ .......... 78 6.3. Factos normativos .. ..... 91
2.4. Processo civil internacíonal .................................................................. . .......... 79 6.4. Concessão de providências ................ . ........ 91
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Índice

6.5. Caracterização do princípio .... .92 VIL Princípio da boa fé ...................... . ................... 103
IV Princípio da gestão processual,. .92 1. Caracterização ...................... . .................... 103
1. Generalidades ............ . .. 92 LI. Generalidades ... . ..................... 103
1.1. Gestão judicial .. . .92 1.2. Tipologia ......... . ................... 104
1.2. Gestão privada... ...................................... 93 2. Má fé unilateral... ... . ., .................. 104
2. Aspecto substancial... ............................... 93 2.l. Generalidades ................ . ., .. 104
2.1. Generalidades ....... . ........................ 93 2.2. Proibição da mentira ..... .. .104
2.2. Concretização........ ........ , ............ 93 2.3. Dever de verdade....................... ,................ . ..104
3. Aspecto instrumental..................................... ....... 94 2.4. Dever de completude .................. , ... . .106
3.1. Generalidades................................................................................. .... 94 2.5. Comportamento contraditório ........ . ............................. 106
3.2. Nulidades processuais ..................... . ., ... 94 2.6. Omissão de cooperação ............................................................... . . ........... 107
4. Limites legais ........................................ .. .94 2. 7. Abuso de faculdades processuais ....... . .... 107
4.1. Plano externo ................................. . ..... 94 2.8. Consequências legais ........................ . ..... 108
4.2. Plano interno ..... . .................... - .................. 95 2.9. Regimes especiais ........... . ... 109
V Princípio da cooperação .. ........................... 95 3. Má fé bilateral ........................ . . ... 109
1. Caracterização .............. . ................................................................. 95 4. Abuso do processo .................................... . . ... 109
2. Concretização............... . .......................................... 95 4.1. Generalidades............................................. . ......................................... 109
2.1. Posição das partes ... . ....................................... 95 4.2. Relevância legal ............................................................... , .................................... 110
2.2. Posição do tribunal ........................... . ................................ 96 4.3. Abuso do direito à acção ............................. . .................. 110
2.3. Deveres do tribunal ......................... .. ......................... 97 4.4. Abuso do direito de acção ......... . .......... 1 ll
2.4. Poderes ftmcionais ........................................................................ . .... 98 VIII. Princípio da economia processual...... . ......... 111
2.5. Posição comutn ............................................................................. . ........... 99 1. Generalidades ....................... , ............................................................ , ............................ J11
VI. Princípio da igualdade das partes .. . .99 2. Plano institucional .................................... . ........................ 112
l. Caracterização .............................. . .99 2.1. Generalidades .................... . ........................ 112
1.1. Generalidades........... . .99 2.2. Concretização ................... . .......................... 112
1.2. Ónus das partes .... . .99 3. Plano individua! .......................................... . . .. 112
2. Relevância da igualdade ....................................................... 100 3. l. Actos inúteis ...................................................................................... . ... 112
2.1. Generalidades....... . ................................................ 100 3.2. Inutilidade subjectiva .............. . .112
2.2. lgualdade de tratamento ................... . ................................. 100 IX. Princípio da auto-suficiência.............. . l 13
2.3. Correcção de desigualdades ............. . ................................. 101 l. Caracterização ................................................................................................................ 113
3. Princípio do contraditório ....................... .. ............... 101 2. Concretização................. . ...................... , .......... 113
3.1. Caracterização .................................. . ........ 101 PARTE I
3.2. Partes e contraditório ...................... .. ........ 101 PROCESSO DECLARATIVO
3.3. Audição prévia ........................................................... . ............ 101 III. ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA E COMPETÊNCIA
3.4. Dever de consulta ............................................................................ . ..102 § 10."Noçõesgerais ................................................................. , ................. . ..... .117
3.5. Contraditório diferido ...................................................................... . .. 102 I. Órgãos jurisdicionais ... . ....... 117
690 3.6. Terceiros e contraditório .................................................................. .. .. 103 1. Generalidades ........ .
····················· 117
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l. l. Noção de tribunal ..................................... .. .. ..... 117 3. Tribunais centrais administrativos............. . ....................... 125
l.2. Espécies de tribunais ............................ . ... 117 3.1. Funcionamento ......... .. ....................... 125
2. Tribunais comuns e especiais .................. . .... 117 3.2. Competência ........... .. ....... 125
2.1. Critério da distinção ..................... . .... 117 4. Tribunais de l." instância . ....... 126
2.2. Âmbito da competência .. .... 118 IV Outros tribunais ................ .. .................. , 126
3. Tribunais estaduais e arbitrais ..................................... 118 I.TC ...................................... . ...................................... 126
3.1. Distinção ........... .. ......... 118 1.1. Generalídades .......................................... .. ................................... 126
3.2. Classificações ................ . .......... 118 1.2. Competência ................. . ..................................... 126
II. Jurisdição e competência........ .. .................................................................. 119 2. UE ....................................... .. ..................................... 127
1. Competência jurisdicional ............................................................................................. 119 2.1. Generalidades ......................................................................................................... 127
1.1.Noção ..................................................................................................................... 119 2.2. TJ.............................................. .......................................................................... 127
1.2. Âmbito da competência.............................................. ... 120 3.TEDH ............................................. .. .. ........................................................................ 128
1.3. Relações mútuas .......................................... .... 120 3.1. Competência .......................................................................................................... 128
2. Competência funcional .................................... .... 121 3.2. Valor da decisão.......... .................................................. 128
2.1. Generalidades............................................... .... 121 4. Julgados de paz .............................................................................................................. 129
2.2. Tribunal singular e co!ectivo. .... 121 4.1. Generalidades......................................................................................................... 129
3. Competência decisória .............................................. 122 4.2. Competência ...... ....... ... .... ... ....... ... ... .................. 129
3.1.Noção......................... .. ............................................ 122 4.3. Estrutura ................................................................................................................. 130
3.2. Violação................................ ..................................................... 122 5. TConf ............................................................................................................................. 130
§ 11.º Quadro gera! dos tribunais ............................................................................................ 122 5.1. Generalidades ......................................................................................................... 130
I. Ordens de tribunais ......................................................................................................... 122 5.2. Espécies de conflitos .............................................................................................. 13 l
l. Noção ............................................................................................................................. 122 5.3. Competência e composição ................................................................................... 131
2. Espécies.............................................................................. .... 123 5.4. Resolução dos conflitos ......................................................................................... 131
II. Tribunais judiciais .............................................................................................................. 123 5.5. Consulta prejudicial ............................................................................................... 132
l. Generalidades ............................................. . .123 5.6. Interposição de recurso .......................................................................................... 132
2. STJ .............................................................. . .123 § 12.0 Estrutura dos tribunais ....... . ..................................................................... 133
3. Tribunais da Relação ...................... .. .123 I. Preliminares ......................................................................................................................... 133
4. Tribunais de 1.ª instância ........................... .. ..124 II. Juiz .................................................................................................................................... 133
4.1. Generalidades......................................................................................................... 124 1. Generalidades ................................................................................................................. 133
4.2. Tribunais de comarca ............................................................................................. 124 2. Estatuto .......................................................................................................................... 133
4.3. Tribunais de competência alargada ........................................................................ 124 2.1. Generalidades ......................................................................................................... 133
III. Tribunais administrativos e fiscais .................................................................................... 124 2.2. Exercício de funções .............................................................................................. 134
1. Generalidades .... .. .................................... 124 2.3. Independência ....................................................................................................... 134
2. Competência ...... .. ...... 124 2.4. Imparcialidade ....................................................................................................... 135
2.STA ................................................................................................................................ 125 2.5. Irresponsabilidade .................................................................................................. 136
2.1. Funcionamento ....................................................................................................... 125 2.6. Inamovibilidade ..................................................................................................... 137
2.2. Competência .......................................................................................................... 125 III . .MP .................................................................................................................................... 138 693
692
l de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Índice

1. Generalidades ..... . . .. 138 4. Critério hierárquico .... ..... 148


1.1. Organização ... 138 4.1. Regra geral ...... 148
1.2. Competência. . ..... 138 4.2. Regra especial ... . ... 148
2. Estatuto ............... . .. 138 5. Critério territorial... ... . ... 148
2.1. Generalidades ....... . .138 5.1. Relevância da comarca.... ....... 148
2.2. Autonomía............. . ..138 5.2. Relevância do município. .... 148
2.3. Responsabilídade .. . .. 139 6. Critério territorial geral .... 149
2.4. Estabilidade ... . ..139 6.1. Pessoa singular ....... . .149
IV. Secretaria judicial .... . . ........ 140 6.2. Pessoa colectiva ..... . .... 149
1. Generalidades ....... . . ..... 140 6.3. Pluralidade de réus. ......... 149
2. Funcionários de justiça ........ 140 7. Critério territorial especial .. ................ 150
2.1. Generalidades ... . ..... 140 7.1. Generalidades......................... . ............. 150
2.2. Estatuto ........... . ........ 140 7.2. Direitos reais ................................ . ...... 150
V. Órgãos de gestão ............ . ..... 140 7 .3. Cumprimento de obrigações .................. . ... 150
VI. Colaboradores da justiça ....... . .141 7.4. Facto ilicito .............. . ... 151
l. Generalidades ............................ . ..141 7.5. Divórcio e separação .......... . ... 151
2. Concretização .......................... .. ......... 141 7 .6. Matéria sucessória....... . .... 151
§ 13.º Competência dos tribunais comuns .......... 141 7.7. Impedimento do juiz .. . .. 152
I. Generalidades .............................. . .... .141 8. Pacto de competência ............ . .. 152
l. Enquadramento .................. . .. 141 8.1. Regime geral .................... . ................... 152
1.1. Dualidade do regime .. .. 141 8.2. Cláusula contratual geral ..... . ................... 153
1.2. Competência interna .. ... 142 III. Tribunais de competência alargada .. ................... 153
1.3. Competência mateàal ...... 142 1. Enunciado ................................................. . .................... 153
1.4. Competência convencional ...... 143 2. Competência material ........................................ . ... 153
2. Divisão territorial ........................ . ... 143 2.1. Tribunal da propriedade intelectual ............... . ... 153
2.1. Tribunais judiciais .... . ............. 143 2.2. Tribunal da concorrência ... ... 155
2.2. Julgados de paz ........ .. ............. 144 2.3. Tribunal marítimo ... . ... 155
II. Tribunal de comarca .............. . ................. 144 IV. Tribunais da Relação ................. . ............................................. 157
1. Estrutura ........................ . . ............... 144 l. Estrutura ................................. . .................................... 157
2. Critério material ........... . . ..... 144 2. Competência jurisdicional .......... . .... 157
2.1. Generalidades ........ . ... 144 2.1. Critério material ................... . . .... 157
2.2. Juízo central cível... ... 145 2.2. Critério do valor ................. . ..... 157
2.3. Juízo local cível... .. ... 146 2.3. Critério hierárquico ........... . . ...... 157
2.4. Juízo de proximidade ... 146 2.4. Critério territorial .............. . .. 158
3. Critério misto ............... . ... 147 V. STJ .. 158
3.1. Juízo central cível.. ... 147 1. Estrutura ........................... . .158

694 3.2. Juízo local cível... .. ... 148 2. Competência jurisdicional .... .. 158 695
2.1. Critério material ........... . ................................ 158 1. Fontes europeias.......... . ... 170
2.2. Critério do valor ........... . ................................ 158 2. Fontes internacionais... . ... 170
2.3. Critério hierárquico ...................... . .................................. 159 3. CLugil .. ...., .. ... 170
2.4. Critério territorial ........................... . .................................. 159 3.1. Generalidades . .... 170
§ 14.º Regime da competência .... . .................................. 159 3.2. Texto .. ... 171
I. Nexo de competência ............... . ................................... 159 3.3. Delimitação ..... . ..... 171
l. Noção ................................................... . ..................... 159 4. CProtCr .................... . ... 172
2. Perpetua tio iurisdictionis ....... ..................... 159 4.1. Âmbito material .. .... 172
2. L Enunciado...................... . ..................... 159 4.2. Âmbito espacial... ...... 172
2.2. Modificação legal........................ ............... 160 5. Fontes internas .. ..... 173
2.3. Modificação convencional ............................ ........ 160 II. Regras de competência .. ..173
II. Alteração da competência................ . ....... 161 1. Regras atributivas ....... . ... 173
1. Extensão da competência........... ................ 161 2. Regras privativas ........ . .... 173
1.1. Noção.................................. ............................... 161 III. Necessidade de conexão .. .173
1.2. Extensão múltipla .................................................................................................. 161 1. Elementos de conexão .. 173
1.3. Competência material ........................................................................................... 161 2. Competência exorbitante ..... 174
1.4. Fornm reconventionis ................................ . .................. 162 IV. Modalidades da competência .... 174
1.5. Competência territorial ......................................................................................... 162 1. Directa vs. indirecta ........ .. . .. 174
2. Modificação da competência......................................................................................... 162 2. Concorrente vs. exclusiva. . .. 174
III. Falta de competência ........................................................................................................ 163 3. Legal vs. convencional . .. 175
1. Kompetenz-&mpetenz .................................................................................................. 163 3.1. Base da distinção ........ . ... 175
2. Modalidades da incompetência................. ......................................................... 163 3.2. Competência convencional ... ..175
3. Incompetência absoluta ................................................................................................. 163 § 16.º Reg. 1215/2012 .. .176
3.1. Generalidades ......................................................................................................... 163 1. Generalidades ... . ... 176
3.2. Conhecimento ........................................................................................................ 164 1. Objectivos .. . .... 176
3.3. Arguição ................................................................................................................. 164 2. Vinculação ... . .... 176
3.4. Efeitos .................................................................................................................... 165 3. lnterpretação. . .... 176
3 .5. Recurso ................................................................................................................. 166 4. Alteração ...... . . ... 176
4. Incompetência relativa .................................................................................................. 166 5. Revogação ........... . .......... 177
4.1. Generalidades ......................................................................................................... 166 II. Âmbito de aplicação. ....... 177
4.2. Conhecimento .................... . ... 167 1. Âmbito material .. ....... 177
4.3. Arguição .............. . ... 168 1.1. Delimitação positiva .. ....... 177
4.4. Efeitos.................. ... 169 1.2. Delimitação negativa .. ... 178
4.5. Apreciação ............................................................................................................. 169 1.3. Processos arbitrais ..... . ... 179
IV. AFERIÇÃO DA COMPETÊNCIA INTERNACIONAL 2. Âmbito espacial ................... . ... 181
§ 15.º Enquadrainento geral .................................................................................................... 170 2.1. Competência internacional .. . .181

696 L Fontes do regime ................................................................................................................. 170 2.2. Domicílio do demandado .... . ................... 182 697

fffff!ffftffttftttt,,,.,,.,,.,.,........................
,••••,••,.,,, ..............................,1
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Índice

2.3. Carácter transfronteiriço ........................................................................................ 182 8.1 Ânlbito de aplicação........ . .................................................................... 196
2.4. Reconhecimento e execução .................................................................................. 182 8.2. Pluralidade de demandados ... .................................................................. 196
3. Ânlbito temporal ............................................................................................................ 183 8.3. Intervenção de terceiros ... . ....................................... 197
3.1. Competência internacional .................................................................................... 183 8.4. Pedido reconvencionai ............................. . ....................................... 198
3.2. Reconhecimento e execução .................................................................................. 183 9. Medidas cautelares ......................... . ........................... 199
4. Competência territorial .................................................................................................. 183 9.1. Âmbito de aplícação............................. . ........ 199
5. Ânlbito derrogatório ......................................................... . ....... .183 9.2. Condições de aplicação ...................................................... . ......... 199
5 .1. Regime geral ......................................................................................... . ....... .183 9.3. Opção do requerente .... ................... 200
5.2. Regime especial .................................... . ... .,184 V: Critérios específicos................. ............................................................................... 201
III. Critério geral ..................................................................................................................... 184 1. Generalidades.................................. ................................................ 201
1. Generalidades ................................................................................................................. 184 1.1. Caracterização do regime ............................. . .... 201
2. Domicílio intraeuropeu ........................................................................................ · ··· ..... 184 1.2. Âmbito de aplicação ............ . .... 201
2.1. Aplicação do regime ............................................................................................. 184 2. Matérias de seguros ................................. . .... 202
2.2. Forum non conveniens ........................................................................................... 185 2.1.Âmbito de aplicação .......................................... . . .. 202
3. Domicílio extraeuropeu ................................................................................................. 185 2.2. Aferição da competência ....................................................................................... 202
IY. Critérios especiais .............................................................................................................. 186 2.3. Competência convencional .................................................................................... 203
1. Generalidades ................................................................................................................. 186 3. Matérias de consumo ..... . ............................................ 204
l. l. Carácter concorrente ... .... .... ... ........ .... ... ...................................... ... ................ 186 3.1. Âmbito material .................................................................................................... 204
1.2. Emmciado geral ........................................................... ···· ···· ·········· ..... 186 3.2. Âmbito espacial.. .............................................. . ...... 205
2. Matéria contratual ..................... . ..... .186 3.3. Âmbito contratual ........................................ . ...... 205
2.1. Ânlbito de aplicação ............................................................................................... 186 3.4. Aferição da competência ................ . ..... 206
2.2. Regime europeu ..................................................................................................... 188 3.5. Competência convencional .............. . ......................................207
23. Regime nacional ..................................................................................................... 189 4. Matéria laboral ..................................................... . ............... 207
3. Matéria extracontratual .................................................................................................. 190 4.1. Âmbito de aplicação ............................. . . .. 207
3.1. Âmbito de aplicação .............................................................................................. 190 4.2. Acção do trabalhador .......................... . ..208
3.2. Lugar do facto danoso ............................................................................................ 191 4.3. Acção da entidade patronal ................... . ..210
3 .3. Concurso de responsabilidades .............................................................................. 193 4.4. Competência convencional ... . .......... 210
4. Processo de adesão......................................................................... ........................ 194 5. Tribunal comum ................. . ...................... 210
5. Objecto cultural .............................................................................................................. 194 5 .1. Enquadramento ............... . .......... 210
5 .1. Regime europeu ..................................................................................................... 194 5.2. Competência ................................................ . .... 210
5.2. Regime nacional........................ "' ........................................................................... 194 VI. Competência exclusiva ............... . ..... 211
6. Exploração de sucursal .................................................................................................. 194 1. Generalidades......... . ...... 211
6.1. Ânlbito de aplicação .............................................................................................. 194 l. l. Carácter universal ............. . ..... 21 l
6.2. Noçãodesucursal .................................................................................................. 195 1.2. Carácter unilateral. ...... 211
6.3. Elemento de conexão ............................................................................................. 195 2. Enunciado ................... . ...... 212
7. Acção relativa a trust ...................................................................................................... 196 2. l. Acções reais ............... . . .. 212
8. Competência por conexão .............................................................................................. 196 2.2. Execução de decisões ................ . . ... 213
698
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Índice

2.3. Outras situações ........... . . ... 213 2.5. Estados terceiros .... ... 228
VII. Pactos de jurisdição .. 214 2.6. Aplicação do regime .. 228
Âmbito de aplicação ............. . .214 2.7. Ponderação do tribunal ... 229
1. 1. Determinação ... ............ 214 2.8. Competência convencional ...... . .229
1.2. Delimitação ....... ...... 215 3. Acções conexas ............. .. .. 230
2. CElForo ..... . .. 215 3. L Generalidades .......... . . ...... 230
2.1. Generalidades........ . ..215 3.2. EMs ......................... . ..... 230
2.2. Cláusula de desconexão .. 215 3.3. Estados terceiros ...... . .230
3. Validade ..................... . . .. 216 § 17.ºReg.2201/2003 .. . ... 231
3.1. Generalidades.... . .216 I. Generalidades ....................... .. .... 231
3.2. Requisitos gerais . . 216 1. Objectivos ................... . ........ 231
3.3. Requisitos formais ................... . ..... 217 2. Vinculação .................. . ......... 232
3.4. Autonomia do pacto ........... .. ..... 218 3. Interpretação ................. . ....... 232
4. Efeitos .................................. .. ... 218 II. Âmbito de aplicação .......... . ....... 232
4. L Efeitos processuais ......... . .... 218 I Âmbito material .............. . .. 232
4.2. Efeitos substantivos... . .... 219 1.1. Generalidades ............... . . ... 232
5. Pacto tácito .......................... . ... 220 1.2. Acções matrimoniais .. . .232
5.1. Âmbito de aplicação ... 220 1.3. Análise casuística .......... . .233
5.2. Dever de prevenção .. ... 220 1.4. Responsabilidade parental ..... . .234
5.3. Efeito atributivo ...... . ................ 221 1.5. Guarda e visita ...................... . .. .. 235
5.4. Excepção ao regime .... . ......................................... 221 LS. Reconhecimento de decisões ..... 235
VIII. Controlo da competência .......... .. ......................................... 222 2. Âmbito espacial. .............................. . ...... 235
1. Generalidades............................ .. ......................................... 222 2.1. Competência internacional .... . ....... 235
2. Controlo oficioso ....................... .. ........... 222 2.2. Reconhecimento de decisões .. . ........ 235
2.1. Regime europeu ......................... . ..... 222 3. Âmbito temporal ............... . ..236
2.2. Regime nacional.. .................... . ..... 223 4. Relações entre regulamentações. ... 236
3. Consequências da incompetência ..... 223 4.L Âmbito revogatório ....... . .236
IX. Litispendência e conexão ............ . ........ 223 4.2. Âmbito derrogatório ...... . .236
l. Enquadramento ................. . .223 4.3. Protecção de crianças ....... . . .......... 236
l.l. Generalidades ........... . .... 223 4.4. Regime concordatário ....... . ........... 236
1.2. Regras comuns .......... . .. 224 III. Aferição da competência ......... 237
1.3. Momento da propositura ... 224 1. Princípios orientadores ..... .237
2. Excepção de !itispendência ... . ... 225 1.1. Generalidades .......... . ....... 237
2.1. Noção ............................. . .... 225 1.2. Concretização ......... . ..... 237
2.2. EMs ............................................... . ......... .226 2. Competência territorial .. ..237
2.3. Competência convencional .. .. ... 226 IV. Acções matrimoniais ...... . ....... 237
700 2.4. Exclusão do regime .............. .. ... 227 l. Generalidades ................. . .237 701
J. de Castro Mendes/ M. Teíxeira de Sousa Índice

1.1. Enunciado dos critérios ........... . .............................................................. 237 8.2. Forum non conveniens ..................... . ....................................................... 252
1.2. Cônjuges plurinacionais .. . .............................................................. 238 9. Competência residual.. ...................... . ...........................252
2. Extensão da competência ........ . .................................................................. 238 VI. Medidas cautelares ........................... .. ........................... 252
2.1. Pedido reconvencionai .... . ........ 238 1. Generalidades......................................... . ..................... 252
2.2. Conversão da separação em divórcio ................................... . ........ 238 l. l. Decretamento ............................. . .... 252
3. Competências residuais .. ..... 239 1.2. Efeitos ........................................ . .... 253
3.1. Noção ................ . ..... 239 2. Delimitação ....................................... . ............................................ 253
3.2. Extensão ......... . ..... 239 VII. Actívidade do tribunal ........................ . ................................................ 253
4. Carácter exclusivo .. ................. 240 1. Controlo da citação ............................................... . ....................................... 253
4.1. Enunciado ...... . .................................................. 240 2. Controlo da competência ......... . ....................................... 254
4.2. Delimitação .................................. . .................................................. 240 2.1. Generalidades ................... . ....................................... 254
V. Responsabilidade parental ........................ . ............................................................. 242 2.2. Consequências ................................. . .............................. 254
l. Generalidades ................................................................................................................ 242 3. Controlo da litispendência ............. . .............................. 254
1.1. Princípios orientadores ..... . ... 242 3.1. Generalidades........................................... ,. ........................................................... 254
1.2. Autonomia da acção ...... . ... 242 3.2. "Falsa litispendência"............................................................................................. 255
2. Regra geral ............................ . ... 242 3.3. Aferição da competência ........................................................................................ 256
2.l. Enunciado ......................... . ... 242 VIU. Cooperação internacional ............................................................................................... 257
2.2. Residência habitual ............................................................................................... 242 1. Autoridades centrais ....................................................................................................... 257
3. Deslocação lícita ............................................................................................................243 1.1. Generalidades......................................................................................................... 257
3.1. Definição da regra ................................................................................................. 243 1.2. Funções específicas ................................................................................................ 257
3.2. Âmbito da regra .................................................................................................... 245 2. Cooperação directa......................................................................................................... 257
4. Deslocação ilícita ......................................................................................................... 245 § 18." Reg. 4/2009 ................................................................................................................... 257
4.1. Generalidades ........................................................................................................ 245 L Generalidades ...................................................................................................................... 257
4.2. Regras de competência .......................................................................................... 245 1. Objectivos ...................................................................................................................... 257
4.3. Princípios orientadores .......................................................................................... 246 1.1. Efectívidade ........................................................................................................... 257
4.4. Decisão de retenção .............................................................................................. 247 1.2. lgualdade ................................................................................................................258
5. Extensão da competência ............................................................. . ..... 248 2. Vinculação ...................................................................................................................... 258
5.1. Generalidades ....................................................................... . ..... 248 II. Âmbito de aplicação ........................................................................................................... 258
5.2. Acção matrimonial................................................................ ..... 248 l. Âmbito material ............................................................................................................. 258
5.3. Ligação particular .................................................................................................. 249 1.1. Generalidades ......................................................................................................... 258
6. Presença da criança ....................................................................................................... 249 1.2. Relações familiares ...............................................................................................259
1. Forum non conveniens .................................................................................................. 249 1.3. Acções de alteração ................................................................................................259
7.1. Generalidades....................................... .................................................. 249 l.4. Apreciação negativa ............................................................................................... 260
!: 7.2. Condições............................................. ............................................................. 250 2. Âmbito espacial ............................................................................................................. 260
7.3. Iniciativa............................................... ............................................................. 251 2.1. Âmbito universal............................................................ .................................... 260
8. Prorogatio fori........................................... ............................................................. 251 2.2. Competência internacional ................................................................................... 260
702 8.1. Extensão da competência ................. . ............................................................ .251 2.3. Reconhecimento de decisões ................................................................................261 703
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2.4. Organismos públicos ....... . .............. 261 3. Controlo da litispendência ...... . ... 270
3. Âmbito temporal ..................... . .............. 261 3.1. Regime aplicável ............. . ... 270
3.1. Entrada em vigor ...... . ........... 261 3.2. Momento da propositura ... .271
3.2. Direito transitório .... . ........ 261 4. Controlo da conexão ... . .... 271
4. Competência territorial ... . ........ 262 4 ,l. Regime geral ...... . .. ... 271
5. Relações entre regulamentações .. 262 4.2. Regime especial .. .271
5. l. Coordenação de regimes ..262 V. Cooperação internacional .272
5.2. Efeito derrogatório ..... . ..263 1. Generalidades ......... . ... 272
III. Aferição da competência ....... . .263 2. Funções gerais ....... . ... 272
l. Elementos de conexão .............................. . ............ 263 3. Funções específicas ............ . ...... 272
1.1. Critério geral ....................................................... . ............. 263 3.1. Pedidos do interessado .............. . ...272
1.2. Extensão da competência .... . .......... 263 3.2. Colaboração das autoridades ... 273
1.3. Escolha do foro ............... . ....... 264 VI. Apoio judiciário ..................... . ... 273
2. Prorogatio fori ......................... . .... 264 l. Generalídades .................. . .273
2.1. Generalidades .................................... . .... 264 l. l. Princípio orientador. ........... 273
2.2. Condições de validade. ................................................... 265 1.2. Regime aplicável .... . .......... 273
2.3. Âmbito de aplicação. ................................................... 265 2. Pedido de assistência ...... . ............................. 273
2.4. Pacto tácito............... ..................................... 266 2.1. Concessão do apoio. ................ 273
3. Acções de alteração.......... .... 266 2.2. Cobrança de custas............... . ............ 274
3.1. Definição do regime.......................................... ....... 266 3. Pedido directo .......... . ..... 274
3.2. Extensão do regime ..................................................... . ............... 267 § 19.º Direito interno ........... . ..275
4. Competência subsidiária ..................... . ..267 I. Generalidades ................ . ..275
4.1. Competência internacional .......... . .. 267 1. Regime legal ................. . .. 275
4.2. Competência territorial ............................................................................... . .. 267 1.1. Âmbito do regime . ... 275
5. Forum necessitatis .................................................. . ..268 1.2. Lei aplicável ......... . ........................ 275
5.1. Competência internacional ............................. ..268 2. Âmbito de aplicação........ . ................. 275
5.2. Competência territorial. ...................................................................... 268 3. Critérios aferidores ........... . ................................................ 276
6. Medidas provisórias.............. .......................................................... 268 3.1. Enunciado ................... . ............................................. 276
7. Casos omissos ............................. . ................................................... 269 3.2. Apreciação ................................. . ............................... .276
7.1. Generalidades......................... . ........ .269 II. Critérios de conexão ................................. . ............... 276
7.2. Pluralidade de requeridos ........... . ...... 269 1. Critério da coincidência ........ . ........ 276
7.3. Pedido reconvencionai .......................... . ...... 269 1.1. Generalídades................ . ........ 276
IV. Actividade do tribunal. ... 270 1.2. Competência exclusiva .. . .... 277
1. Controlo da citação. .... 270 1.3. Efeitos da competência exclusiva ........................ . ..... 278
1.1. Regime geral ........................................... . .270 1.4. Matéria sucessória.. ..... 278
l.2. Regime especial ......... . .270 2. Critério da causalidade .. ..278
704 2. Controlo da competência ... . .270 2.1. Enunciado ............ . .. 278 705
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Índice

2.2. Apreciação ....................................... . .. .................... ,.... .,. ............... 279 1. Regime paradigmático ............... 290
3. Critério da necessidade ............................ . .. ........................................ 279 2. Regime especial .......... . .. 290
3.1. Generalidades.................................... .. ............................. 279 § 21.º Personalidade judiciária .... .. ..... 291
3.2. Concretização.............................................................. .. ................... 279 I. Enquadramento geral ............ . ..... 291
4. Competência convencional ........................................................... .. ......... 280 !. Noção ........................... .. ... 291
4.1. Generalidades........................................................................ .. ......... 280 2. Caracterização ................ .. .. 291
4.2. Admissibilidade do pacto...................................................... ............... 281 2.1. Eficácia processual... .. .. 291
4.3. Validade do pacto .................................................................................................. 281 2.2. Eficácia casuístíca .... . ................. ,.. 291
III. Competência territorial ..................................................................................................... 282 3. Função ............................... .. .................. ,292
1. Generalidades ................................................................................................................ 282 II. Critérios de atribuição ............................. .. ... 292
2. Concretização................................. .. ...................................................... 282 1. Critério da coincidência ..................... .. .... 292
2.l. Enunciado das regras ............................................................................................. 282 2. Outros critérios..................................... . .. 293
2.2. Forum necessitatís....................................................... ......................... 283 2.1. Generalidades...................................... . .. 293
V. PARTES DO PROCESSO 2.2. Herança jacente ................................. . .293
§ 20.º Noções gerais................................................................................... .. ................... 284 2.3. Habilitação da herança ....................... .. .......... 294
I. Generalidades......................................................................................... .. ......... 284 2.4. Patrimónios autónomos ........................ .. .......... 294
1. Aspectos metodológicos.................................................................... .. ......... 284 2.5. Sucursais ou agências ................................ . ...... 296
2. Noção de parte..................................................................................... .. ......... 284 2.6. Critérios avulsos .................................................................................... . ....... 297
2.1. Enunciado ............................................................................................................. 284 3. Natureza jurídica .......................................... .. ............... 297
2.2. Relevância .......................... . .. ... 284 3 .1. Generalídades..................................... .. ................. 297
3. Qualidade de parte ......................................................................................................... 285 3 .2. Consequências ........................................................................ . .................. 297
3.1. Generalídades........................................ ......................................... 285 III. Consequências da falta ................... . .............................. 298
3.2. Partes em sentido material.................... ...................................... 285 1. Sanação do vício................................................................. ............................ 298
3.3. Terceiros legitimados ............................... . .. ......................... 285 l.l. Regime geral ......................................................................................................... 298
3.4. Terceiros não legitimados ................................................ . .......... 285 1.2. Regimes especiais ................................................................................................. 299
II. Delimitação das partes................................................................ .. ....... .286 2. Cessação do vício..................................................... .. .. 299
1. Princípios orientadores................................................................... .. ..... 286 3. Subsistência do vício ...................................................................................................... 299
1.1. Detenninação da parte ...................................................................... "........ .. .. 286 § 22.º Sujeição à jurisdição portuguesa .................................................................................. 300
1.2. Inexistência da parte........................................................................... .. .. 286 I. Preliminares ................................................... .. .300
1.3. Dualidade das partes........................................................................... .. .. 287 1. Generalidades ............................ . ..300
1.4. Identificação das partes....... .288 2. Imunidades ........................ . ... 300
1.5. Partes incertas................. .289 II. Estados estrangeiros .............. . ......... .301
1.6. Representação voluntária ...... . .289 1. Enquadramento geral ....................................................................... . .......... 301
2. Espécies de partes ............................................ . .. ....................................... 289 l. l. Âmbito da imunid!!;_de ............................................................................................ 301
2.1. Partes principais e acessórias ........ . .. ................................... 289 1.2. Qualificação do acto ............................................................................................. .301
2.2. MP ................................................ . .. ....290 2. Renúncia à imunidade........................................... ........... 302
706 III. Pressupostos processuais .................................... . .. ....290 III. Organizações internacionais ............................................................................................. 302
707
l de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Índice

IV. Imunidades pessoais ........... 302 5. Subsuprimento .. . ....................... 313


l. Enquadramento geral... ........ 302 5. L Incapazes .. . ........................ 313
1.1. Imunidades pessoais ... ... .302 5.2. Ausentes ...... . .................. 313
1.2. Renúncia à imunidade. .... 303 6. Incapacidade de facto .............................. . .................. 314
1.3. Imunidades espãcio-objectivas ....... ···j ... 303 6.1. Regime aplicável ......................... . ................ 314
2. Disposições específicas .... . ... 303 6.2. Aplícação do regime ............ . ...314
§ 23." Capacidade judiciaria... . ...... .304 V. Incapacidade judiciária ..................... . ...314
I. Enquadramento geral ....... . ...... .304 1. Enquadramento legal ..................... . .... 314
1. Enquadramento geral .. . ....... 304 1.1. Generalidades ..................................... . ..... 314
1.1. Noção ................... . ....... 304 1.2. Pressuposto processual............................. .... .314
1.2. Patrocínio obrigatório ......... . ..... 304 1.3. Pressuposto de actos .............................................................................................. 315
2. Organização da capacidade ....... . .... .304 1.4. Ónus da prova ....................................................................................................... 315
3. Relevância da representação .. . ... .304 1.5. Sanação e cessação ................. . ................................ 316
II. Representação orgânica .............. . ... 305 2. Sanação da incapacidade ...................... . ................................ 316
l. Pessoas colectivas ................ . .305 2.1. Espécies de incapacidade ............................... . ................................. 316
1.1. Representante normal .. ... 305 2.2. Incapacidade stricto sensu ................... . .................................. 317
1.2. Representante especial .......... .306 2.3. Incapacidade activa............................... ............................................................. 318
2. Pessoas judiciãrias.............. . ................. 306 2.4. Incapacidade passiva................................... .............. 318
III. Representação legal... ............ . ................. 306 2.5. Diferença nos regimes................................. ............... 319
l. Aferição da incapacidade ........ . .. 306 2.6. Irregularidade da representação ............................................................................. 319
1.1. Critérios possíveis ........... . ..306 2.7. Falta de autorização ............................................................................................. .320
l.2. Critério adoptado ........... . .307 2.8. Extensão do regime......................................................................................... ... 320
2. Aplicação do critério .............. . ... 307 2.9. Pressuposto de actos ............................................................................................. 321
2.1. Parte activa ......................... . ......... 307 3. Cessação da incapacidade ............................................................................................. 321
2.2. Parte passiva .............. . .................. 308 3.1. Notificação do ex-incapaz ..................................................................................... 321
rv. Formas de suprimento ....... . .............. 308 3.2. Ratificação tácita .................................................................................................. .321
1. Generalidades ................. . .................... 308 § 24." Patrocínio judiciãrio obrigatório......................... ...................................................... 321
2. Menores........................... . .................... 308 I. Enquadramento geral ........................................................................................................... 32 I
2.1. Generalidades................. . .......................... 308 1. Patrocínio judiciário................. ................................................. 321
2.2. Representação do menor ......... . ..................... .309 1.1. Noção.............................. ................................................. 321
2.3. Capacidade do menor.. ............ . ....... 310 l.2. Justificação ..................... . ........ .322
3. Maiores acompanhados .................... . ............................ 311 2. Mandato judicial ...................... . ...... 322
3.1. Generalidades ........................ . .. 3ll II. Exercício do mandato judicial .......................................... . ...... 322
3.2. Regime processual ........... . ..... 311 l. Generalidades.................................................................. . .... 322
4. Curador especial... .................... . ....... 312 1.1. Habilitação profissional .............. . .... 322
4.1. Generalidades ....... 312 1.2. Deveres profissionais .................. . ... .323
4.2. Concretização ........................................................................................................ 312 1.3. Responsabilidade civil ............... . ..324 709
708
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Índice

1.4. Imunidades do mandatário ... .325 3. Sanação dos vícios ... 333
2. Advogados ................................ . ..... .325 4. Efeitos dos vícios . .... 334
2.1. Generalidades ...................... . .. 325 § 25.º Legitimidade singular ... .... 334
2.2. Advogados europeus .......... . .. 326 I. Generalidades .. . ........ 334
2.3. Advogados estrangeiros ..... . ..................... .326 1. Noção ......... . ..... 334
3. Advogados estagiários ......... . ............................. 327 2. Justificação .. . ..... 335
3.1. Generalidades ... . ......................................... 327 3. Modalidades .... . .... 335
3.2. Competência .... . ...... 327 3.1. Enunciado ....... . .335
4. Solicitadores ....................................... . .................................. 327 3.2. Atribuição ...... . ............... 335
4.1. Generalidades ... . ....................... 327 II. Substituíção processual .... ......... 336
4.2. Competência .... . ...... 328 1. Fundamento ............. . ... 336
5. Assistentes técnicos .. . ... 328 \. 1. Fundamento legal... .. ...336
III. Atribuição do mandato judicial. ... 328 1.2. Fundamento negocial . ... 337
1. Generalidades .......... . ... 328 2. Tipologia ................................. . .337
2. Forma de atribuição. .... 328 2. ! . Representativa vs. não representativa ..... .337
2.1. Generalidades ... .... 328 2.2. Própria vs. imprópria ........ . .... 338
2.2. Escolha do mandatário ... .329 3. Efeitos .......................... . ... 339
3. Apoio judiciário........................................................................... .330 3.1. Caso Julgado ...... . ... 339
3.l. Concessão........................................................... ................................... 330 3.2. Habilitação. ............ 339
3.2. Exclusão................................... ........................................... 330 III. Legitimidade directa ........... 340
4. Extinção do mandato ........................ . ....... .330 l. Elementos............. . ................ 340
IY. Extensão do mandato judicia! ........ 331 1. 1. Enunciado ............... . ...... 340
l . Extensão normal ............... . ........ 331 1.2. Qualificação ........ . ....... 340
2. Extensão especial .......... . ....... 331 2. Falta ............................. . .... 340
2.1.Actosprocessuais .. .331 IV. Elemento processual. ..341
1.2. Acção executiva ..... . .331 1. Delimitação positiva .. ..341
V. Obrigatoriedade do patrocínio .. . .331 1.1. Regra de coincidência ....... . ...... 341
1. Generalidades ....................... . .331 1.2. Impossibilidade da coincidência ... .................. 341
2. Exigência legal ............................... . ................................... 332 1.3. Autonomia dos interesses .. ............... 342
2.1. Patrocínio obrigatório ................... . ....................................................... 332 2. Análise do direito positivo ......... 343
2.2. Patrocínio não obrigatório ............................. . ............................ .332 2.1. Titularidade do direito ........ .343
3. Actos pessoais .............. . ............................. 332 2.2. Interesse na tutela .. . ..... 343
VI. Vício do patrocínio .......... . .............. .333 V. Elemento material ............. . ... 343
1. Generalidades ............... . ................................ 333 J. Generalidades .................. . .... 343
1.1. Modalidades dos vícios .............. . .... 333 2. Concretização ................. . ..343
1.2. Irregularidade de representação. .......... 333 2.1. Legitimidade activa ... . ..... 343
710 2. Arguição dos vícios .......................... . .......... 333 2.2. Legitimidade passiva ...... 344 711
l de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Índice

2.3. Substituição processual .................................. . .... 345 3.4. Bens comuns: base substantiva ..... ..357
.... 345 3.5. Bens comuns: regime processual .... 358
§ 26.º Pluralidade de partes.
I. Enquadramento geral ....... . ....... 345 4. Litisconsórcio conjugal passivo .. 359
l .Ãmbito da análise .............................. . .......... 345 4.1. Base substantiva ... . ... 359
2. Litisconsórcio lato sensu ................... . .......... 345 4.2. Regime processual ... 361
IL Modalidades do \itisconsórcio ........... . ................ 346 5. Litisconsórcio necessário convencional.. .. 363
1. Litisconsórcio e coligação.............. .................... 346 5.1. Caracterização ........... . .363
l. l . Enquadramento .. ....... ... . ... .... ........... ... . ........... .... .......... ................. · ........... .346 5.2. Limites ...................... . ..363
1.2. Distinção .............................................................................................................. .346 6. Lítisconsórcio necessário natural ... .363
2. Lítisconsórcio inicial e sucessivo .................................................................................. .346 6.1. Enquadramento .. . . .363
3. Litisconsórcio simples e recíproco ................................................................................ .347 62. Caracterização .. . ..... 364
3 .1. Caracterização ....................................................................................................... .347 6.3. Critério ................. . ......... 364
3.2. Modalidades ........................................................................................................... 347 § 27.º Interesse processual ......... . . .... 366
4. Litisconsórcio horizontal e subsidiário .......................................................................... 348 I. Aspectos gerais .. . .... 366
4.1. Caracterização ........................................................................................................ 348 l. Noção ............ . . ... 366
4.2. Extensão ................................................................................................................. 348 2. Justificação ................................... . . .. .366
5. Litisconsórcio voluntário e necessário ........................................................................... 348 3. Referência .............. . . ... 366
5.l. Generalidades ......................................................................................................... 348 3.1. Generalidades. . .. 366
5.2. Caracterização ........................................................................................................ 349 3.2. Concretização .. 367
5.3. Consequências............................................................. ..................................... 349 II. Análise do interesse ........................ . ................... .368
6. Litisconsórcio parciário e unitário ................................................................................. 350 1. Dualidade do interesse ...................... .. .......... 368
6.1. Caracterização ....................................................................................................... .3 50 1.1. Análise da dualidade ...... . ........... 368
6.2. Consagração legal ................................................................................................. .350 l.2. Momento da aferição .... . . ... 368
III. Litisconsórcio voluntário .................................................................................................. 352 2. Correlatividade dos interesses ..... .368
l. Generalídades ................................................................................................................. 352 2.1. Generalidades . ... 368
2. Regime jurídico ............................................................................................................. 352 2.2. Concretização .. .... 369
2.1. Regime geral .......................................................................................................... 352 III. Aferição do interesse ..... . . .. 369
2.2. Divisibilidade do direito ....................................................................................... .352 1. Generalidades ............. . ..369
2.3. Legitimidade concorrente .................................................................................... .353 2. Utilidade da tutela ..... . .370
2.4. Litisconsórcio conveniente ................................................................................... 353 2.1. Aspecto positivo ......... . ........... 370
IV. Litisconsórcio necessário.................................................................................................. .354 2.2. Aspecto negativo ...................... . ............ 370
1. Modalidades .................................................................................................................. .354 3. Legitimidade vs. interesse ................... . . ..... .371
2. Litisconsórcio necessário legal ..................................................................................... .354 3.1. Prioridade da legitimidade .. .......... 371
3. Litisconsórcio conjugal activo ....................................................................................... 355 3.2. Prioridade do interesse ....... . ........... 371
3.1. Oeneralidades......................................................................................................... 355 IV. Qualificação do interesse ..... . . ... 371
3.2. Bens próprios: base substantiva ............................................................................ .355 1. Pressuposto processual.. .... 371
3.3. Bens próprios: regime processual .......................................................................... 356 2. Orientações negativistas ..... . .... 372 713
712
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Índice

2.3. Substituição processual ......................................... 345 3.4. Bens comuns: base substantiva ...... 357
§ 26.º Pluralidade de partes ... . ........................................ 345 3.5. Bens comuns: regime processual .358
L Enquadramento geral ......... . .............. 345 4. Litisconsórcio conjugal passivo .. .359
1. Âmbito da análise ......... . ..... 345 4.1. Base substantiva ................. . ..... 359
2. Litisconsórcio lato sensu ....... .345 4.2. Regime processual ........... . ..... 361
II. Modalidades do Jitisconsórcio ............. . ........ 346 5. Litisconsórcio necessário convencional ..... 363
l. Litisconsórcio e coligação............... . ................. 346 5. l. Caracterização ............ . .. .. .363
1.1. Enquadramento ........................ . ................. 346 5.2. Limites ............ . ...... .363
1.2. Distinção .................................. . ................ 346 6. Litisconsórcio necessário natural .... 363
2. Litisconsórcio inicial e sucessivo ..... . .............................. 346 6.1. Enquadramento ............... . .363
3. Litisconsórcio simples e recíproco ............................................................................... .347 6.2. Caracterização .... . ... 364
3 .1. Caracterização ....................................................................................................... .347 6.3. Critério ............... . ... 364
3.2. Modalidades .......................................................................................................... .347 § 27.º Interesse processual .. .... 366
4. Litisconsórcio horizontal e subsidiário ......................................................................... .348 I. Aspectos gerais .. .366
4.1. Caracterização ................................................ . .............................................. .348 1. Noção .......... . .366
4.2. Extensão ................................................................................................................ 348 2. Justificação .. ..... 366
5. Litisconsórcio voluntário e necessário ............ . ...................................................... 348 3. Referência .... .... 366
5. l. Generalidades........................................ ........................... 348 3.1. Generalidades .... . .... 366
5.2. Caracterização ....................................................................................................... 349 3.2. Concretização .................. . .... 367
5.3. Consequências ....................................................................................................... 349 II. Análise do interesse ....................... . ............................. 368
6. Litisconsórcio parciário e unitário ................................................................................. 350 1. Dualidade do interesse ............... . ........ 368
6.1. Caracterização ........................................................................................................ 350 1.1. Análise da dualidade ...... . ........ 368
6.2. Consagração legal ................................................................................................ .350 1.2. Momento da aferição ... . .368
III. Litisconsórcio voluntário ..... ............................................................................. .352 2. Correlatividade dos interesses ... .368
1. Generalidades ............................................................................................................... .352 2.1. Generalidades .................. . .. 368
2. Regime jurídíco .............................................................................................................. 352 2.2. Concretização ................... . ..369
2.1. Regime geral .......................................................................................................... 352 UI. Aferição do interesse ........ . ..369
2.2. Divisibilidade do direito ........................................................................................ 352 1. Generalidades ................ . ...... 369
2.3. Legitimidade concorrente ..................................................................................... 353 2. Utilidade da tutela ............... . ... 370
2.4. Litisconsórcio conveniente ................................................................................... .353 2.1. Aspecto positivo ....... . ... 370
rv: Litisconsórcio necessário................................................................................................. .354 2.2. Aspecto negativo ...... . ... 370
!. Modalidades .................................................................................................................. .354 3. Legitimidade vs. interesse .... 371
2. Litisconsórcio necessário legal ..................................................................................... .354 3.1. Prioridade da legitimidade .. .. .. 371
3. Litisconsórcio conjugal activo ...................................................................................... 355 3.2. Prioridade do interesse. .371
3.1. Generalidades........................................................................................................ 355 IV. Qualificação do interesse .... . 371
3.2. Bem; próprios: base substantiva ............................................................................ 355 1. Pressuposto processual.. .. . . ... 371
712 3.3. Bens próprios: regime processual .......................................................................... 356 2. Orientações negativistas. .... 372 713
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2.L Apresentação ...... . ....... 372 4.1. Características da habilitação .... 386
2.2. Valoração ............ . .... 373 4.2. Aspectos do procedimento ..... 387
V. Regime jurídico-positivo.. .373 4.3. Âmbito do caso julgado ....... 387
1. Função ....................... . ... 373 4.4. Vinculação do adquirente .... 388
2. Consagração .............. . ... 374 4.5. Vinculação do transmitente. ... .388
2.1. Apreciação geral ... 374 Ill. Intervenção de terceiros .389
2.2. Inutilidade superveniente ... 375 1. Preliminares ............. . .389
3. Apreciação .............................. . .......... 375 1.1. Generalidades ... . ..389
3.1. Caracterização ............... . ........... 375 1.2. Tramitação do incidente ... 389
3.2. Conhecimento ............... . .............. 376 l.3. Pressupostos processuais . ................... 389
4. Casuísmo ............................................. . .. .376 1.4. Produção de efeitos. ............ 389
4.1. Acções condenatórias ......................... . ..376 2. Intervenção principal ...... . . ..390
4.2. Acções constitutivas ........................... . ... 377 2.L Modalidades gerais . .. 390
4.3. Acções de simples apreciação ............... . ... 378 2.2. Intervenção espontânea adesiva .. .. 390
4.4. Apreciação positiva .................................. . ..... 378 2.3. Intervenção espontânea autónoma ..391
4.5. Apreciação negativa ............................................... . ... 379 2.4. Intervenção provocada geral ...... . .. 391
4.6. Consequências da apreciação .................................... . ..................... 379 2.5. Intervenção provocada especial .. ..393
4.7. Apreciação incidental .............................................................. . ......................... 379 2.6. Aspectos do procedimento ..... . ..393
§ 28.º Modificações subjectívas da instância .............................................. . ........... .380 2.7. Caso julgado .......................... . ........................... 393
I. Preliminares .................................................... . ............ 380 3. Oposição ................................. . ........................... 394
II. Habilitação .................................................... . ...... 380 3.1. Generalídades.................. . .......................... .394
1. Generalidades............................................... . ... 380 3.2. Modalidades da oposição. . ...................... 395
1.1. Noção ..................................................... . .... 380 3.3. Oposição espontânea.. . ..... 395
1.2. Achnissibilidade........................................ ........................................... 380 3.4. Oposição provocada .. ... 395
2. Espécies de habilitação........................................... .................................... 380 3.5. Embargos de terceiro . ... 396
2.1. Enunciado.............................................................. .................................... 380 4. Intervenção acessória ........ . .... 397
2.2. Habilitação-,incidente ....... .......................... 381 4.1. Noção ............................. . .... 397
3. Morte ou extinção.................... . ....................................... 382 4.2. Delimitação .................... . . .. 397
3.1. Generalidades ........................................................................................................ 382 4.3. Intervenção espontânea. .397
3.2. Inutilidade superveniente ............. . .......... 382 4.4. Posição do assistente ....... . .... 398
3.3. Restrição da finalidade ................. . ... 382 4.5. Cessação da assistência .... 399
3.4. Extinção do direito ...................... . .... 382 4.6. Intervenção provocada. ..... 399
3.5. Habilitação-,incidente .................. . .383 4. 7. Caso Julgado ........... . ..400
3.6. Prova da habilitação ........................... . .383 5. Intervenções inominadas .. ... .401
3. 7. Tramitação do incidente ........................ . ..385 5.l. Casuísmo .... .401
3.8. Decisão do incidente ........................................ . ..386 5.2. Transacção .... .401
714 4. Transmissão entre vivos ........................................... . ... 386
715
l de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Índice

VI. OBJEC1D DO PROCESSO 4.9. Ónus de substanciação ... . ... .418


§ 29.º Aspectos gerais .. . ...... .402 5. Identidade de pedidos ............ . ... .418
I. Preliminares ............. . .. .402 5.1. Função da identidade ..... . ... .418
l. Relevância do objecto ...... . .... 402 5.2. Dispensa da identidade .. . ... .419
2. Relações entre objectos ....... .. .... .402 III. Situações de concurso .... . . ... .419
2.1. Enunciado ..... . ........ .402 l. Planos de análise .......... . ... .419
2.2. Concretização. ...... ..403 l.l. Plano substantivo .. ..................... .419
3. Valores do objecto. ..... .403 1.2. Plano processual .. . ..................... .420
3.1. Generalídades ........ .403 2. Consequências do concurso ....................... . . ...... .420
3.2. Accionabilídade ... ..... .404 2.l. Pluralidade de fundamentos . ..................... .420
3.3. Valores específicos. .. .404 2.2. Pluralidade de acções ...... . ............................ .421
3.4. Valor de inexistência ........ . .. .405 IV: Pedido de defesa .............. . .......... .421
3.5. Falta de elementos .............. . .. .405 l. Generalidades ............... . ... .421
3.6. Contradição entre elementos ....... . .406 2. Excepção peremptória ... .422
3.7. Momento da apreciação ............................ . ........ .407 2.l. Enquadramento .. ...... .422
4. Trrunitação da causa ............................................. . ........ .407 2.2. Delimitação ....... . .. .423
4.1. Aquisição dos factos ........................ . . ..407 2.3. Arguição ...................................................................... . .. .423
4.2. Diferenças no regime .. ..408 2.4. Preclusão ........................................................... . ..................... 423
II. Pedido do autor. ........... . ..... .408 3. Tipologia das excepções .............................. . . ................... 424
l. Generalidades .......... . .. .408 3.1. Critério temporal .............. . . .................. .424
2. Elementos do pedido ..... .408 3.2. Critério normativo ........... . ............................................ .425
2.1. Enunciado ...................................... . ... 408 3.3. Critério subjectivo ........... . . .426
2.2. Relevância ...................................... . ........... 409 4. Modalidades das excepções .... . .. .427
3. Pressupostos do pedido ............................. . ...... ..410 4.1. Generalidades.................. . .. .427
3.1. Generalidades .................................................... . ........... .410 4.2. Excepções impeditivas ............................... . .. .427
3.2. Inteligibilidade ............................................................ . .. ..410 4.3. Excepções extintivas .............. . .. .427
3.3. Idoneidade ..... .... .410 4.4. Excepções modificativas ........ . .. .428
3.4. Determinação ..410 V: Processo Civil Europeu ............................... . ..... .430
4. Causa de pedir. ........ . ....... ..41 l 1. Enquadrrunento ...................................... . ........ .430
4.1. Caracterização ....... . ... 411 1.1. Construção da orientação ........ . . ................................. .430
4.2. Delimitação negativa.. .. .412 1.2. Justificação da orientação. . ............... .430
4.3. Factos complementares. .. .412 2. Consequências................... . ........ .431
4.4. Factos probatórios ............ . ... .413 2.1. Âmbito de aplicação ..431
4.5. Delimitação positiva ....... . ................. .414 2.2. ''Acções torpedo" ... . ...... .431
4.6. Função processual ......................... . ... .415 § 30.º Formas do pedido .432
4.7. Função de individualização .................. . .... .415 I. Preliminares ............. . . .............................................................. 432
716 4.8. Qualificação dos factos ........................ . .... ...... .417
'"
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Índice

2. Admissibilidade da prova ..... . ..... .556 3. Enquadramento


.. .567
2.l. Regime geral ............. . ... 556 3.1. Opções .. 567
2.2. Prova da simulação .. . ....... 557 3.2. Princípios.
... 568
3. Inabilidades testemunhais ... . ....... 558 4. Vinculação ......... . ....... 569
3.1. Regime geral ............... . .... 558 4 .1. Generalidades .... .569
3.2. Privilégios diplomáticos........ . ................. .558 4.2. Prevalência ............... 569
3.3. Juiz da causa ......................... . ........ .559 II. Âmbito de aplicação
...569
4. Procedimento probatório...................... . ........ .559 1 Âmbito material . ..... 569
4.1. Designação da testemunha ........... . ............. .559 1.1. Delimitação positiva .. .... .569
4.2. Apresentação da testemunha ............. . ...... 560 l.2. Processo judicial .... 570
5. Lugar do depoinlento .............................................. ... 560 1.3. Delimitação negativa .... ...... 571
5.l. Reglllle geral................................................... ... 560 2. Âmbito espacial... ............ . ... 571
5.2. Regimes excepcionais................................................................................ ... 560 2.1. Generalidades ..... . ... 571
6. Inquirição da testemunha............................................. ....... 561 2.2. Consequências ......... . ..572
6.1. Comparência da testemunha.. .561 3. Âmbito temporal .......... .. .......................... 572
6.2. Preparação da inquirição. ............ 561 III. Relações entre regulamentações ....... 573
6.3. Realização da inquirição .......... . ......................... .561 L Efeito derrogatório ........ 573
6.4. Recusa do depoimento ............. . .......................... .562 2. Acordos admitidos ..... . ....................... .573
6.5. Falta de comparência ...................... . ............ .562 IV. Apoios organizativos.......... . ....... .573
7. Incidentes da inquírição ..................................... . ......... .563 I. Manual .................. . ..... .573
8. Força probatória ...... . ... 563 2. Entidade central ... . ................................................. 573
8.1. Valor positivo .. ... 563 2.1. Funções gerais .... ............................................... .573
8.2. Valor negativo ..................... . ....... 564 2.2. Função específica .......................... 574
VIII. Provas atípicas ............................ . .... 564 3. Informações gerais ..... . .......................... .574
1. Inadmissibilidade convencional .. ........................... 564 3.1. Acordos e convénios..... .. ............................ 574
2. Admissibilidade legal ................. . .................. 564 3.2. Outras informações ............................. 574
IX. Valor extraprocessual .................... . ..................... .565 V. Modalidades de entreajuda ............................. 574
1. Regime geral .............................. . . .. .565 L Generalidades ...
1.1. Prova stricto sensu ........ .
l.2. Princípio de prova ......... .
.... .565
..565
2. Entreajuda activa
2.1. Transmissão do pedido
.......................... .574
...... .575
....... .575
1
2. Decisão penal ......................... . . .. 566 2.2. Recepção do pedído. ................... .575
2. l. Presunção ilidível ... 566 2.3. Obtenção de provas .. . ...................... 576
2.2. Prova directa. ... 566 2.4. Medidas coercivas ..... . ..... .578
§ 36.º Reg. !206/2001 .. . ... 567 2.5. Recusa de execução ... . ..... 578
I. Generalidades ........... . .567 2.6. Fundamentos de recusa .... .579
1. Objectivos ............. . ........... 567 2.7. Recusa de depoimento
.... 579
2. Apresentação ......... . ............... 567 2.8. Dever de informação ....
... 580 729
j
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Índice t

l
2.9. Custas ......... . .... 580 6.2. Critério específico ........ . ....... 590
3. Entreajuda passiva. .. .581 § 38.º Providências cautelares ..... . .590
3.1. Formulação do pedido .. . ... 581 I. Aspectos introdutórios ............... . ..... 590
3.2. Recusa do pedido ........... . .. 581 1. Generalidades .............. . .... 590
3.3. Produção da prova .. . ..... .582 1.1. Justificação ..... . ........... .590
VIII. TUTELA PROCESSUAL 1.2. Âmbito ... .... 591
§ 37.º Aspectos da instância .. ..583 2. Caracteristicas .. ... 591
I. Generalídades ...................... . ... 583 3. Enquadramento ....... . . .. 592
!. Noção .............................. . ..... 583 3.1. Função preventiva ................... . ............................. 592
2. Estabilidade ......................................... . ..583 3.2. Consequências da prevenção.. ........................... 592
II. Vicissitudes da instância ........................... . .. 583 3.3. Finalidade da providência............... ............................................................ .593
1. Constituição da instância ...... . .................................. 583 4. Princípios........ ................................... 594
1.1. Início ............................ . ........................... .583 4.1. Adequação e proporcionalidade ............................................................................ 594
1.2. Efeitos ............ . ........ 583 4.2. Instrumentalidade hipotética ... . .... .595
2. Suspensão da instância... . ... 584 4.3. Dependência funcional ........... . ..................... 596
2.1. Causas ......................................... . ... 584 II. Modalidades das providências .............. . ................... 597
2.2. Consequências ............................. ........ 585 1. Generalidades ..................................................... . ..... 597
3. Extinção da instância .................................................................................................... .585 2. Providências especificadas ............................................................. . ...... 598
3 .1. Generalidades............................ . .................. 585 3. Providência de arresto ................................................................................................... 598
3.2. Julgam.ento .............................................................................. . ................... 585 3.1. Âmbito de aplicação .............................................................................................. .598
3.3. Compromisso arbitral .......................................... . .......... 585 3.2. Requisitos do arresto ............................................................................................ .599
3.4. Inutilidade superveniente da lide ............ . ........... 585 3.3. Contraditório diferido ........................................................................................... 599
3.5. Deserção da instância.... . ............................................. .586 3.4. Efeitos do arresto ......... . ................................................. 599
4. Negócios processuais ............. . ... 586 4. Providência de arrolam.ento ........................................... 600
4.1. Generalidades ............................... . .... 586 4.1. Regime geral ............... . ................ 600
4.2. Desistência .............................. . ....................... .586 4.2. Regime especial ........................................ . ................. 600
4.3. Confissão ............................................................................................................... 587 5. Restituição da posse .. . ............... 601
4.4. Transacção...................................................... . ...................................... 587 5. J. Âmbito de aplicação ...................................... . ............................ 601
5. Aspectos comuns................................................... .
5.1. Natureza jurídica ........................... .
..................................... 588
..................................................... 588
5.2. Contraditório diferido ................................... . ...................................... 601
6. Suspensão de deliberações ............................................................................................ 601
1
5.2. Legitimidade substantiva .. ............. 588 6.1. Âmbito de aplicação............................... ..... 601
5.3. Homologação judicial ......... . ..............589 6.2. Prazo de requerimento.......................... .... 602
5.4. Interpretação do negócio ............... . ....... 589 7. Embargo de obra.............................................. ..... 602
5.5. Regime da invalidade ....... . ...589 7.1. Âmbito de aplicação........ . .. 602
5.6. Promessa de desistência .. . ... 590 7.2. Substituição por caução. . .. 602
6. Renovação da instância .... 590 8. Alimentos provisórios................. .... 603
6.1. Critério geral ........ . ..590 8.1. Âmbito de aplicação................................... ..603
731
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa
Índice

8.2. Aspectos do procedimento .. . ..... 603 2.2. Condições ......................... .


... 614
9. Arbitramento de reparação ........ .. . .... 603 3. Objecto ...................................... .
.... 615
9.1. Âmbito de aplicação .............. . ... 603 3. I. Inadmissibilidade da inversão .
.... 615
9.2. Aspectos do procedimento .. ..603 3.2. Admissibilidade da inversão
.. 615
10. Providências comuns ..... . ..6-04 3.3. Excepção de litispendência.
....... 616
10.1. Âmbito de aplicação ....... . ... 604 4. Procedimento ................ .
... 617
10.2. Finalidades das providências. ... 604 4.1.1."instãncia ................... .
.. 617
III. Regime das providências ...... .... 605 4.2. Fase de recurso .... .
.617
1. Competência jurisdicional .... . .6-05 5.Acção ................................................................ ..
....... 618
1.1. Competência territorial .... . .. .. 605 5.1. Generalidades ................................................ .
........ 618
1.2. Competência internacional. . ... 605 5.2. Finalidade da acção ........................................ .
...... 618
2. Interesse processual .... 606 5.3. Conteúdo da acção ........................................ .
...... 619
2.1. Ante judie/um. ..... 606 5.4. Não prec!usão .................................................. .
.......................... 620
2.2. Post iudicium ....... . ..... 606 V. Vicissitudes das providências................................. ......................................... 620
3. Aspectos do procedimento .... ...... 607 l. Caducidade..... . ............................................................................... 620
3 .1. Generalidades........... . .................. 607
1.1 Causas da caducidade ............................................................................................ 620
3.2. Celeridade ..... ............ 608 1.2. Modus operandi .................................................................................................... 621
3.3. Indeferimento .... 609 2. Modificabilidade .............................................................. . .................................. 621
3.4. Cumulação ... . ...609 § 39.º Decisão do tribunal... ............................. .
..... 621
3.5. Decisão........... . ........... 609 I. Análise da decisão ............................................................................................................... 621
3.6. Substituição .......... . . ... 610 l. Enunciado das decisões .................................................................................................. 621
3.7. Autonomia........... . ..... 610 2. Classificações das decisões ............................................................................................ 622
3.8. Extinção ................. . .... 610 2.1. Generalidades .................... ..
....................................................... 622
3.9. Irrepetibilidade ............ . ......................... 610 2.2. Tipos de despachos ...................................... ..
............................ 622
4. Efectividade da providência. . ................... 61 l 2.3. Decisões finais ............................... .
........................... 623
4.1. Efeitos penais .............. . . ................... 611 2.4. Decisões interlocutórias.
.......................... 623
4.2. Regime penal ....................... . ..612 3. Interpretação das decisões ................................................................. .. ....... 624
5. Responsabilidade do requerente .... . ... 612 3.1. Elementos da decisão ........................ .
5.1. Fundamento da responsabilidade .. .
5.2. Litigância de má fé ...................... .
5.3. Inderrmização do requerido .......... ..
.... 612
..... 613
..613
3.2. Correspondência verbal ... .
II. Conteúdo da decisão ......................................................... .
1. Generalidades ...................... .
...... 624
........................................ 624
........ 624
1
........ 624
IV. Inversão do contencioso .......... . ... 613 2. Decisão de procedência............................... ..
.................... 624
1. Enquadramento ................... . ..613 2.l. Generalidades ...................... ..
..... 624
1.1. Generalidades................. . . .. 613 2.2. Decisão condicional ................................................ .
.... 625
1.2. Desenvolvimento .......... . ..613 3. Decisão de improcedência .......................................................................... . .... 625
2. Concretização ........................ . ...... 614 3.1. Generalidades .............. ..
..... 625
2. I. Generalidades ...................... . ....... 614 3.2. Defesa por impugnação ................................................................................... 625
733
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa
Índice

3.3. Defesa por excepção ... 626 I. Espécies do caso julgado. .... 637
III. Efeitos da decisão ....... . .626 1. Enunciado ..
. ... 637
1. Generalidades ........... . ...... 626 2. Classificação
. ... 637
2. Enumeração ............. . ..... 626 2.1. Generalidades ............. . . ............. 637
2.1. Efeitos processuais ... .... 626 2.2. Análise das relações .... 638
2.2. Efeitos substantivos.. .. 627 2.3. Absolvição da instância ... 638
2.3. Efeito normativo .. ... 627 2.4. Efeitos da absolvição .... ..638
rv: Vícios da decisão ................. . . .... 628 2.5. Aproveitamento de provas .. .640
1. Enquadramento ................ . .. 628 3. Relevância ..................................... . ........ 640
l.l. Generalidades ................... . ...... 628 II. Caso julgado material ....................... . ..641
1.2. Sentença como trâmite .... . ...... 628 1. Modalidades dos efeitos .............. . . ..... 641
1.3. Sentença como acto ........ . ........ 628 1.1. Enwiciado dos efeitos ......... . . .... 641
2. Vicios de essência ....... . ....................... 629 1.2. Efeitos processuais ....... . . ... 641
2.1. Noção ................. . ... 629 1.3. Efeito positivo ............... . .............641
2.2. Fwidamentos ..... . .... 629 1.4. Efeito negativo ........................ . ............ 642
3. Vícios de conteúdo .. . ... 629 1.5. Equivalência dos tribunais ............... . . ........... 642
3.1. Generalidades .......... . .......... 629 1.6. Decisões estrangeiras. ............. 643
3.2. Erro material ...................... . .............. 629 1.7. Efeitos materiais ........ . ........ 643
3.3. Erro judicial ....................... . .............................. 630 2. Referência temporal ............................. . . ....... 643
3.4. Tramitação subsequente ...................... . ......... 631 2.1. Critério de determinação ................................... . . ....... 643
4. Vícios de limites ................................. . ... 631 2.2. Factos relevantes ................................................ . ......644
V. Desvalores da decisão .................. . .... 631 2.3. Eficácia temporal ....................................... . . ............. 645
1. Preliminares ............. . .631 2.4. Limitação temporal .................................... . ... 646
2. Inexistênciajtuidica .. ... 632 2.5. Destruição retroactiva ................. . ... 647
2.1. Regime .................................... . ... 632 2.6. Eficácia da sentença ... . .647
2.2. Invocação ................. . .. 632 3. Preclusão factual ............... . ........... 648
3. Nulidade da decisão ........ . ............ 632 3 .1. Generalidades........ . ...... 648
3.L Generalidades .......... . ... 632 3.2. Factos pretéritos .... . ..... 648
3 .2. Causas de nulidade ............................ .
3.3. Consequências da nulidade.
... 632
.... 634
3.3. Factos pretéritos: autor ............ .
3.4. Factos pretéritos: réu ................. .
.... 648
... 648
1
4. Ineficácia da decisão ................. . ..... 635 3.5. Factos complementares .............. . ... 650
4. l. Causas da ineficácia ...... . .. 635 3.6. Factos supervenientes. . .. 650
4.2. Consequências da ineficácia ... 636 3. 7. Factos novos ............ . ... 651
VL Abuso de reclamação .... 636 4. Não prec!usão jurídica ..... . ... 652
1. Generalidades ....... . ... 636 4. I. Pedido distinto .......... . ..652
2. Concretização ..... . .. 636 4.2. Direitos potestativos .652
§ 40.º Caso julgado ...... . .. 637 5. Hipóteses de caducidade .. . .. 653 735
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Índice

6. Espécies de limites ...... 654 4. Extensão a partes materiais .. ......670


6.I. Enumeração .. ..... 654 4.1. Generalidades ... ...... 670
6.2. Classificação. ................................................. 654 4.2. Sucessão no direito .. ...... 670
III. Limites objectivos........ ... 655 4.3. Enunciado da regra ... ...... 672
l. Regrageral ..................................................................................................................... 655 5. Extensão a terceiros legitimados ... ...... 672
1.1. Restrição à decisão................. ............................................................. 655 5.1. Generalidades ... ...... 672
l.2. Fundamentos de facto ...........................................................................................656 5.2. Legitimidade concorrente .. ...... 672
1.3. Apreciação incidental.. .......................................................................................... 656 5.3. Relações obrigacionais. ...... 673
1.4. Fundamentos de direito ......................................................................................... 657 5.4. Deliberações sociais .... ...... 673
1.5. Justificação da exclusão ........................................................................................ 658 5.5. Relações subordinadas .. ............ 674
l .6. Consequências da exclusão .................... ,. ............................................................. 659 6. Extensão a terceiros não legitimados .. ...... 675
I .7. "Contrário contraditório" ...................................................................................... 660 V. Modificação do caso julgado ... ..... 675
2. Excepções à regra .......................................................................................................... 661 1. Generalidades .. ...... 675
2.1. Generalidades.........................................................................................................661 1.1. Pressupostos ... ...... 675
2.2. Relações sina!agmáticas ....................................................................................... 661 1.2. Objecto .. . ...... 676
2.3. Excepção modificativa ........................................................................................... 662 1.3. Partes .. . .............. 676
2.4. Cumulação aparente ............................................................................................... 662 2. Obrigações duradouras .. .....676
2.5. Situações de prejudiciaiidade ................................................................................. 662 2.1. Modificação de facto ... ... 676
2.6. Subsidiariedade legal ............................................................................................. 662 2.2. Modificação de direito ...... 677
2. 7. Absolvição temporária ........................................................................................... 663 3. Alteração das circunstâncias ..... . .678
3. Casos especiais............................................................................................................... 663 3.1. Modificação da sentença ...... 678
3 .1. Absolvição parcial .................................................................................................. 663 3.2. Objecto da acção ...... 679
3.2. Pedido parcial. ........................................................................................................664 3 .3. Renovação da instância ...... 679
3.3. Decisão de procedência ......................................................................................... 664 3.4. Efeito da alteração .... ...... 679
3.4. Decisão de improcedência .................................................................................... 664
3 .5. Apreciação negativa ............................................................................................... 665
3.6. Acção inibitória ...................................................................................................... 666
IV. Limites subjectivos ............................................................................................................ 667
l. Generalidades ................................................................................................................. 667
2. Dupla eficácia.................................................................................................................667
2.1. Eficácia inter partes .............................................................................................. 667
1
2.2. Eficácia ultra partes ............................................................................................... 668
2.3. Acções contra incertos .......................................................................................... 668
2.4. Indicação da sequência ......................................................................................... 668 • •
3. Eficácia absoluta ............................................................................................................ 669
3. l. Generalidades ......................................................................................................... 669
3.2. Acções de estado ................................................................................................... 669 737
I. ELEMENTOS INTRODUTÓRIOS

§ 1.0 Noções preliminares

I. Processos jurisdicionais

1. Necessidade do processo
A necessidade do processo civil resulta de duas vicissitudes que afectam as situações
subjectivas atribuídas pela ordem jurídica: a dúvida sobre a titularidade e a violação
por titulares passivos ou por não titulares. Dúvida e violação constituem as principais
justificações do processo civil. Esta dualidade de justificações corresponde à dualidade
dos tipos básicos de processo civil, o processo declarativo, pelo qual se esclarecem as
dúvidas sobre direitos ou interesses (art. 10.0 , n. 0 1 a 3), e o processo executivo, pelo
qual se reparam as violações desses direitos ou interesses (art. 10.º, n.0 l e 4).

2. Elementos do processo
O termo "processo" (do latim procedere, caminhar para a frente, avançar) tem um
sentido Iatíssimo, em que significa uma sequência de fenómenos que se dirige a um
certo resultado. Interessa agora apenas um sentido restrito e técnico que a palavra
"processo" tem na Ciência do Direito. Neste sentido, o processus (expressão que
foi cunhada pelos canonistas para substítuir o iudicium romano e o ordo iudiciarius
medieval 1) é a sequência de actos destinados à apreciação de uma pretensão formulada
por uma parte contra uma outra parte mediante a intervenção de um tribunal.
Elementos desta definição de processo são os seguintes: como sujeitos, o tribunal e as
partes; como objecto, uma pretensão processual; como estrutura, uma sequência de actos;
como meio, a justiça pública; finalmente, como fim, a tutela de uma situação subjectiva.

3. Modalidades do processo
A tradicional tripartição do processo em civil, penal e administrativo tem de
ser completada, nos tempos actuais, com uma referência ao processo de trabalho,
ao processo fiscal e, num plano mais limitado, ao processo constitucional

'Cf. TttÜR, DNP 5 (1998), 1202 ss.; LJTEWSK.l, Der rõmisch-kanonische Zivilproze!3
nach den ãlteren ordines iudiciarii l (1999), 49; sobre os fundamentos e as consequências da
mudança, cf. P!CARDI, La giurisd:izione a!l'a!ba del terzo mil!ennio (2007), 199 ss.; Gn:uANI,
EncD 37 (1988), 518 ss. 3
l de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Introdução I. Elementos Introdutórios

(relativo, nomeadamente, aos recursos interpostos para o TC com fundamento em 3.2. Tutela colectiva
inconstitucionalidade ou ilegalidade de uma norma). Todas estas modalidades
do processo são delimitadas em função do ramo do direito substantivo de que são A tutela dos interesses difusos pode ser obtida através de meios de tutela colectiva,
instrumento. como é o caso da acção popular (art. 52.°, n. 0 3, CRP). Esta acção pode ser, atendendo
ao seu objecto, uma acção popular administrativa (art. 12.º, n.º l, LPPAP) ou uma
H. Processo civil acção popular civil (art. 12.º, n.º 2, LPPAP)\ Esta última é regulada, nos aspectos não
específicos, pelo direito processual civil.
1. Generalidades
3.3. Colectivi.zação da tutela
O processo civil é o ramo processual que corresponde ao direito civil e ao direito
(a) Além da acção popular, a tutela dos interesses difusos também pode ser obtida
comercial, pelo que tem como referência situações subjectivas civis ou comerciais.
através da tutela pelos particulares de direitos subjectivos ou de interesses legalmente
O processo civil compartílha com o processo penal e o processo do trabalho a protegidos por meio de instrumentos próprios do direito privado: é o que se chama
competência dos tribunais judiciais (art. 2 l l.º, n.º 1, CRP). "aplicação privada" (private (faw) enforcement)4. A tutela dos referidos interesses
2. Tutela individual difusos pode ser conseguida de forma directa ou indirecta:
A tutela é directa quando a tutela do direito subjectivo ou do interesse
Nas situações que podem ser tuteladas pelo processo civil há que considerar os legalmente protegído implica, ao mesmo tempo, a tutela do interesse
direitos subjectivos e os interesses legalmente protegidos. De molde a assegurar a difuso; por exemplo: se um dos vízinhos obtém a condenação da fonte de
tutela das situações subjectivas privadas, o processo civil comporta (art. 2. 0 , n. 0 2): poluição a não emitir fiunos ou cheiros (art. 1346.º CC), essa condenação
- O processo declarativo, que é o processo destinado a obter a apreciação, a tutela o interesse difuso de todos os vizinhos afectados por aquela poluição;
reparação da violação ou o exercício de situações subjectivas (art. 10.0 , n. 0 A tutela é indirecta ou reflexa quando a tutela do direito subjectivo ou do
2 e 3); interesse legalmente protegido contribui para a prevenção da violação do
O processo executivo, que é o processo destinado à satisfação coactiva de interesse difuso; por exemplo: a faculdade de cada lesado fazer valer contra
direitos subjectivos violados (art. 10.º, n.º l e 4); a empresa lesante a reparação dos danos sofridos por uma infracção das
Os procedimentos cautelares, que são os procedimentos destinados a regras da concorrência (art. 3.°, n.º l, L 23/2018, de 5/6) reforça o carácter
acautelar o efeito útil da decisão que venha a ser proferida na acção operacional destas regras e desencoraja acordos ou práticas susceptíveis de
principal (art. 2. 0 , n. 0 2 infine). restringir ou falsear o jogo da concorrência5; nestes casos, pode falar-se de
uma "regulation through litigation" 6 •
3. Tutela supraindividual (b) A designada litigância estratégica (Strategic Litígation) destina-se a provocar,
3.1. Generalidades através de decisões de casos concretos, alterações políticas, económicas ou sociais7•
Trata-se de uma tutela individual, mas destinada a alcançar um precedente favorável
(a) O processo civil também é o meio de tutela de interesses difusos, isto é, a uma determinada solução de âmbito supraindividual. Exemplos desta litigância são
interesses que pertencem a uma pluralidade indeterminada de titulares e relativos a processos que visam obter a igualdade entre géneros, a legalização de indocumentados
bens insusceptíveis de apropriação individual (como são, por exemplo, os relativos ao ou a validade de casamentos entre pessoas do mesmo sexo.
consumo ou ao ambiente)'. O âmbito do processo civil acompanha a distinção entre a
tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos a que se refere o art. 20. 0 , n. 0 !,
CRP e a tutela dos interesses difusos a que se reporta o art. 52.0 , n. 0 3, CRP.
(b) Em processo civil, a tutela de interesses supraindividuais pode ser realizada i Cf. TEIXEIRA DE SOUSA, A Legitimidade Popular, 107 ss.
4
através da tutela colectiva ou através da colectivização da tutela individual. Cf. LANDESIPOSNER, J. Legal Stud. 4 (1975), 1 ss.; SHAVELL, JLE 36 (1993), 255 ss.; cf.
também PoELZ!G, Nonndurchsetzung durch Privatrecht (2012), 24 ss.; KERN, ZZPint 12 (2007),
352 ss.; WUNDENBERG, ZGR 2015, 127 ss.
5 Na jurisprudência europeia, cf. TJ 20/9/2001 (453/99), n.º 27; TJ 13/712006 (295/04,

296/04, 297/04e 298/04); cf., p. ex., FIDLER, 181140 (2018), 81 ss. e 152 ss.
6
Cf., p. ex., V1scus1, in V1scus1 (Ed.), Regulation through Litigation (2002), 1 ss.
2
Cf. TEIXEIRA DE SOUSA, A Legitimidade Popular na Tutela dos Interesses Difusos (2003), "Cf., p. ex., KocH, KJ 47 (2014), 432: KODEK, in ALTHAMMERIRorn (Eds.),
4 20 ss.
'
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Introdução I. Elementos Introdutórios

III. Legislação processual civil pelo Dec. n." 3 de 29/5/1907, que criou o processo sumário 9 -·, há que assinalar
fundamentalmente duas: a Refonna de 1926 - realizada pelo Dec. 12353, de
1. Generalidades 22/9/1926, pelo Dec. 12488, de 14/10/1926, e ainda pelo Dec. 13979, de 25/7/1927 ~
O processo civil moderno é herdeiro do chamado processo comum assim e a Reforma de 1932 - efectuada pelo Dec. 21287, de 26/5/1932, e pelo Dec. 21694,
designado, porque era o processo utilizado na falta de qualquer regime local ou material de 29/9/1932. As refonnas basearam-se nos trabalhos de ALBERTO DOS REIS (1875-
específico -, no qual se conjugavam elementos romanos, canónicos e gennãnicos. 1955) e inspiraram~se nos projectos italianos de códigos de processo civi1 10 • Aquelas
Este processo caracterizava-se, fundamentalmente, pelo carácter escrito e não público, reformas retiraram destas fontes os seus princípios orientadores fundamentais, de que
pela sujeição da avaliação da prova a regras rígidas e por uma tramitação marcada por importa destacar três: o princípio da actividade do juiz, o principio da oralidade na
preclusõess. produção da prova e o principio da imediação entre o juiz e a prova 11•

2. Antecedentes 4. CPC de 1939

Antes do Século XIX, o direito processual civil português constava 4.1. Aprovação
fundamentalmente das Ordenações Afonsinas, das Ordenações Manuelinas e, por fim, Reconhecido que o CPC/1876, apesar das alterações nele introduzidas, deixara de
das Ordenações Filipinas. Na época liberal, a matéria foi sucessivamente regulada constituir tuna base legal satisfatória para a regulamentação do processo civil, foi
por três leis, que se chamaram Refonna Judiciária (Dec. n.º 24 de 16/5/1832), Nova ALBERTO DOS Rms encarregado de redigir um novo CPC. Apresentado um projecto 12,
Refonna Judiciária (Dec. de 29/11/1836 e Dec. de 13/1/1837) e Novíssima Reforma foi este sujeito a revisões sucessivas, por uma comissão revisora, pelo próprio autor
Judiciária (Dec. de 21/5/1841). e pelo Ministro da Justiça M. RoDRIGtrns (1889-1946). O art. l. 0 DL 29637, de
28/5/1939, aprovou o novo CPC, dividido - aliás, de acordo com o ensino universitário
3. CPC de 1876
de ALBERTO DOS REIS 13 - nos seguintes quatro livros: "Da acção" (art. 1.º a 61.º), "Da
3.1. Caracterização competência e das garantias da imparcialidade" (art. 62.º a 137.º), "Do processo" (art.
138.º a 1560.º) e "Do tribunal arbitral" (art. 1561.º a 1580."). Com a entrada em vigor
A publicação em 1867 do CC tornou imperioso substituir o acervo caótico das leis
do CPC/1939 verificou-se a unificação do processo civil e comercial, já que o art.
processuais vigentes em Portugal por um diploma único e ordenado. Apresentado
3.º DL 29637 revogou o Código de Processo Comercia! (de 1905) e o Código de
espontaneamente pelo jurisconsulto VIscoNDE DE SEABRA ( 1799-1895) um projecto
Falências (de 1935).
de CPC, veio este diploma a ser promulgado, após revisões várias, em 8/1 l/1876. Este
primeiro CPC português continha apenas o processo civil em sentido estrito, dado 4.2. Caracterização
que a matéria de organização judiciária continuou a reger-se fundamentalmente pela
O CPC/1939 atribui ao juiz poderes de direcção do processo, já que lhe cumpre
Novíssima Reforma Judiciária.
"remover todos os obstáculos que se oponham ao andamento regular da causa",
O CPC/1876 orientava-se por tuna ideologia liberal de prevalência da actividade
nomeadamente "recusando o que for impertinente ou meramente dilatório" e
das partes sobre a do juiz. Em relação à legislação da época, o CPC/l876 constituiu
"ordenando o que for necessário para o seguimento do processo" (art. 266.0 ). Além
um trabalho de alto merecimento e representou tuna melhoria nítida e indiscutível. No
disso, o CPC/1939 insere-se no movimento reformador do processo civil, dado que
entanto, o CPC/1876 consagrava um processo formalista e solene, que tinha de ser
necessariamente lento e de favorecer a prevalência da fonna sobre o fundo.

1 3.2. Reforma
O CPC/1876 esteve em vigor de 1877 a 1939, mas, no decurso destes anos, sofreu
9Cf. CORREIA MENDONÇA, Julgar 4 (2008), 179 ss.; LYNCE DE FARIA, Julgar4 (2008), 211 ss.
IOCf. CORREIA MENDONÇA, ROA 57 (1997), l 187 ss.; CORREIA DE MENDONÇA, Direito
profundas alterações. Além de reformas menos importantes - como a realízada Processual Civil/ As origens em José Alberto dos Reis (2002), 9 ss.
li ALBERTO DOS REIS, Processo I {1907), 69 s.; cf. também ALBERTO DOS REIS, Rdp 7 (!930-

I), 158 ss.


'1Projecto de Código de Processo Civil (1936); cf. R. GOLDSCHMIDT, Rdp 13 (1936-I), 277 ss.
13 Cf. ALBERTO nos Rms, Processo I ( 1907), 51 e 61 ss. ("Teoria da acção"), 159 ss. ("Teoria
8
Cf. NõRR, ZZP 85 (1972), 160 ss.=NõRR, Judicium est actus trium personarum {1993), da competência") e 295 ss. ("Teoria do processo"); cf. também ALBERTO nos RE1s, Processo I
"' -- (1 Q')Q\ 7')
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Introdução l. Elementos Introdutórios

nele se consagra, a par da oralidade- nomeadamente na produção da prova (art. 628.º 6. CPC de 2013
e 653.°, ai. b) a d)) e na discussão da causa (art. 653.º, al. e))··, a imediação, ou seja, A L 41/2013, de 26/6, aprovou um novo CPC, que, em grande parte, representa um
o contacto directo entre o tribunal, as partes, as testemunhas e outros meios de prova aprofundamento da Reforma de 1995/1996 16 • Por decisão política, procedeu-se a uma
(art. 265. 0 e 653. 0 , al. b) a d)), a concentração da discussão da causa numa única nova sistematização do CPC/1961, passando o CPC a comportar seis Livros: Livro I,
audiência (art. 653.º, 654.º e 656.º) e a livre apreciação da prova, ísto é, a apreciação "Da acção, das partes e do Tribunal"(art. 1.0 a 129.0 ); Livro II, "Do processo em geral"
da prova segundo a prudente convicção do juiz (art. 655. 0 ) 14 . (art. 130.º a 551.º); Livro III, "Do processo de declaração"(art. 552.º a 702.º); Livro
5. CPC de 1961
IV, "Do processo de execução" (art. 703. 0 a 877. 0 ); Livro V, "Dos processos especiais"
(art. 878.º a 1081.º); Livro VI, "Do tribunal arbitral necessário" (art. l 082.º a 1085.º).
5.1. Caracterização
Durante os anos que se seguiram, o CPC/1 939 foi sujeito a várias alterações, IV. Direito processual civil
tendo-se resolvido, dada a sua desactualização e as dúvidas que, entretanto, se haviam
1. Noção
suscitado, proceder à sua refonna. Da tarefa foi encarregado o próprio autor do CPC,
ALBERTO DOS RE1s. Falecido este, foi em seu lugar nomeada uma comissão, de cujos O direito processual civil é o conjunto de princípios e de regras jurídicas que
trabalhos veio a resultar o CPC aprovado pelo DL 44129, de 28/12/1961. O CPC/1961 reguiam o processo civíl.
não é, na realidade, mais que uma nova redacção do CPC/l939, mas como o art. l.º
DL 44129 se lhe refere como um CPC autónomo, tomou-se comum designá-lo por 2. Direito público
CPC/1961. O CPC/1961 mantém inalterada a sistematização do CPC/1939. 2.1. Justificação da natureza
5.2. Reforma A natureza pública do direito processual civil provém da sua estreita ligação com
Desde a sua entrada em vigor, o CPC/196 l sofreu numerosíssimas alterações. a função jurisdicional. Partindo do conceito de função jurisdicional como o poder de
Algumas delas foram de ponnenor, mas outras produziram modificações de fundo. administração da justiça (art. 202.º, n.º 2, CRP), é fácil verificar como a participação
No âmbito destas últimas há que destacar as seguintes: de um órgão jurisdicional - o tribunal - coloca em planos distintos as duas classes
A Refonna de 1967 (DL 47690, de 11/5/1967), provocada pela entrada em de sujeitos processuais: o tribunal e as partes. O tribunal encontra-se numa posição
vigor do CC/1966; de supra-ordenação, correspondente à sua posição de ius imperii, órgão perante o
A Refonna de 1977/1979 (DL 368/77, de 3/9, e DL 513-X/79, de 27/12), qual as partes pretendem obter a tutela jurisdicional para os seus interesses. Deste
motivada pela entrada em vigor da CRP/1976; a CRP e, de um modo geral, modo, segundo o chamado critério da posição dos sujeitos na relação jurídica (ou
as novas tendências da ordem jurídica portuguesa implicaram alterações processual), o direito processual civil é direito público 17 •
no CPC, quer de forma directa, impondo a eliminação dos preceitos
2.2. Autonomia das partes
inconstitucionais, quer de fonna indirecta, impondo a sua adaptação à nova
legislação e, em particular, à versão do CC decorrente do DL 496/77, de A circunstância de o direito processual civil ser um direito público não significa
25/l 1; que não seja reconhecida alguma autonomia às partes no âmbito do processo civil,
A Reforma de 1995/1996 (DL 329-A/95, de 12/12, e DL 180/96, de 25/9) embora essa natureza pública implique algumas restrições a essa autonomia. Assim,
realizou uma profunda revisão global do CPC, tendo procurado obviar "a por exemplo, as partes podem determinar o tribunal competente para apreciar a acção,
que regras rígidas, de natureza estritamente procedimental, possam impedir mas não o podem fazer de modo irrestrito (art. 94. 0 e 95. 0 ).
a efectivação em juízo de direitos e a plena discussão acerca da matéria
relevante para propiciar ajusta composição do litigio" 15 ;
A Reforma de 2003 (DL 38/2003, 8/3) modificou, entre outros aspectos, o
regime e a fisionomia do processo executivo.
16 Cf. BON!FÁClO RAMos, Est. Lebre de Freitas 1 (2013), 917 ss.; BONIFÁCIO RAMOS, Dir. 145
(2013), 797 ss.
14 17 Büww, Die Lehre von den Procef3einreden und die Procefivoraussetzungen (1868), 3,
Cf. R. ÜOLDSCHMIDT, Rdp 13 ( 1936-(), 277 ss.
lóD~afl=h,,lnAnOT '.l.')0_&/0<; atribuiu natureza oública à. relacão orocessual. 9
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Introdução I. Elementos Introdutórios

3. Direito instrumental amputado do meio que o pode tomar verdadeiramente actuante através da coacção e,
3.1. Generalidades se necessário, da coerção.

(a) A instrumentalidade do direito processual civil é uma consequência directa da 4. Direito procedimental
sua função de tutela de situações subjectivas 18 • Dado que compete ao direito processual O direito processual civil (como, aliás, qualquer direito processual) é um direito
civil estabelecer os meios adequados à tutela jurídica dos direitos subjectivos, dos procedimental, dado que regula a sequência de actos processuais que são realizados
interesses legalmente protegidos e dos interesses difusos atribuídos pelo direito pelo tribunal e pelas partes numa acção pendente.
privado, pode afirmar-se que a lei processual é instrumental em relação àqueles
direitos e interesses. Assim, por exemplo, se o devedor não cumprir a sua prestação, 5. Valores processuais
o credor usa da faculdade de, através dos meios processuais, conseguir a condenação
Em muitos ramos do direito são valores fundamentaís a licitude da conduta
do devedor (art. 10.º, n.º 3, al. b)) e de obter o pagamento coactivo da dívida (art. 10.0 ,
e a validade dos actos. Estes valores (e os correspondentes desvalores) não são
n.0 4).
desconhecidos do direito processual civil, pois que também neste podem ser praticadas
(b) A função instrumental do direito processual civil significa que este direito serve
condutas ilícitas (como a lítigância de má fé) e realizados actos inválidos (como é, por
de meio de tutela do direito material. Isto mesmo resulta do disposto no art. 2.º, n. 0 2, exemplo, um acto praticado por um menor). No entanto, o direito processual civil
e, no âmbito mais restrito do cumprimento das obrigações, no art. 817 .º CC: qualquer também opera com um valor próprio, que é a admissibilidade.
destes preceitos, ao consagrar o direito de acção, assegura a correspondência entre O autor que propõe a acção pretende obter uma decisão favorável do tribunal
o direito e a acção. Mais em concreto: em regra, ao direito de acção corresponde (nomeadamente, a condenação do réu a realizar uma prestação). No entanto, isso só é
normalmente, no plano substantivo, uma pretensão material ou um direito potestativo. possível se estiverem preenchidas certas condições que asseguram a admissibilidade
3.2. Função da instrumentalidade do proferimento dessa decisão favorável ao autor. Por exemplo: se a acção for proposta,
não contra o devedor, mas contra um familiar deste devedor, o tribunal considera que
Normalmente, a instrumentalidade do direito processual civil é sinónima de não está preenchida uma das condições para condenar o réu (que é um terceiro, e não
secundariedade na satisfação do direito subjectivo ou no respeito do interesse legalmente o verdadeiro devedor) e, mesmo que reconheça a existência da dívida, não pronuncia
protegido ou do interesse difuso, pois que, em regra, o titular obtém a satisfação do seu qualquer condenação deste demandado.
direito ou o respeito do seu interesse sem o recurso às vias jurisdicionais. No entanto,
há circunstâncias em que o recurso à actividade jurisdicional é o meio indispensável, V. Direito processual civil europeu
porque único, para o exercício de um determinado direito subjectivo. Imagine-se, por
exemplo, que alguém pretende estabelecer a sua maternidade ou paternidade; só o I. Generalidades
pode fazer através de uma acção instaurada com essa finalidade (art. 1814 .º e 1869.° CC).
1.1. Enqnadramento geral
3.3. Interdependência funcional
(a) O direito processual civil europeu resulta da harmonização realizada no âmbito
A relação de instrumentalidade do direito processual civil é bidireccional: não se da UE na área do processo civil e é aplicável quando uma causa tenha conexões com
pode pensar o direíto processual civil sem o direito material, pois que não se pode várias ordens jurídicas. O direito processual civil europeu é aplicável no âmbito civil
pensar o instrumento sem o quid do qual ele é instrumental, mas também não se pode e comercial.
conceber o direito material sem o direito processual civil, dado que ele não pode ser (b) O direito processual civil europeu é aplicável nos EMs da UE (art. 52.º TUE),
embora a Dinamarca e a Irlanda gozem da faculdade de um opt-ín na sua adopção e
aplicação ou na sua aceitação (Prot. 22 TFUE; Prot. 21 TFUE). O território dos EMs
inclui os territórios franceses da Guadalupe, da Guiana Francesa, da Martinica, da
1
ssobre as relações entre o direito material e o direito processual, cf. Stein/Jonas/BREHM Reunião, de Saint-Barthélemy e de Saint-Martin, os Açores e a Madeira (Portugal),
(2014), vor § 1, 31 ss.; HENCKEL, ProzessR (1970), 7 ss.; ZôLLNER, AcP !90 (1990), 471 ss.; as Ilhas Canárias (Espanha), as Ilhas Aland (Finlândia) (art. 355.º, n.º l e 4, TFUE) e
numa perspectiva histórica, Kou.MANN, Begriffs- und Problemgeschichte des Verhãltnisses von ainda Ceuta e a Melil!a (Espanha) (art. 25.ºTrES-PT).
fonnellem und materiellem Recht (1996), 34 ss. (da Idade Antiga até aos primórdios da Idade
Moderna), 275 ss. (do direito gennânico até à recepção do direito romano) e 399 ss. (Idade
10 Moderna).
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Introdução I. Elementos Introdutórios

1.2. Portal Europeu de Justiça desses Estados indicar a forma de tutela daqueles direitos: é a chamada autonomia
processual dos EMs 2º.
O Portal Europeu de Justiça destina-se a melhorar, simplificar e acelerar a
(b) (i) A jurisprudência do TJ reconhece a autonomia processual dos EMs, mas
cooperação judiciária efectiva entre os EMs em matéria civil e comercial e fornece
impõe a observância dos princípios da equivalência e da efectividade21 • Assim, em
infonnações muito úteis através do AJE-civil e da RJE-civil.
concreto:
2. Âmbito material Segundo o princípio equivalência, as condições :fixadas pela legislação
nacional para a tutela de direitos de origem europeia não podem ser menos
2.1. Generalidades favoráveis do que as que respeitam a questões semelhantes de natureza
O direito processual civil europeu é aplicável no âmbito civil e comercia!. Por intema12;
matéria civil e comercial deve entender-se, não aquela que é qualificada como tal Segundo o princípio da efectividade, as condições definidas pela legislação
pela lex fori, ou seja, pela lei interna de um EM, mas aquela que, através de uma nacional para a tutela de direitos atribuídos pelos regimes europeus não
interpretação autónoma das fontes europeias, pode ser enquadrada nessa qualificação 19 • podem tomar praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício
desses direitos 23 •
2.2. Âmbito positivo (ii) Destes princípios decorre que, quando o acto nonnativo europeu não prevê
(a) O Processo Civil Europeu regula, em particular, as seguintes matérias: as consequências de determinados factos, o juiz nacional aplica, em princípio, o
- O apoio judiciário no âmbito de litígios transfronteiriços (Direct. 2002/8/ seu direito nacional, mas cabe-lhe assegurar a plena eficácia do direito europeu, o
CE); que o pode conduzir a afastar, se necessário, uma norma nacional que a isso obste
A competência e o reconhecimento de decisões (Reg. 1215/2012; Reg. ou a interpretar uma norma nacional elaborada tendo apenas em vista uma situação
2201/2003;Reg. 4/2009; Reg. 2016/1103; Reg. 650/2012; Reg. 2016/1103); puramente interna com o objectivo de a aplicar à situação transfronteiriça em causa 24 .
A cooperação entre autoridades dos EMs (Reg. 1393/2007; Reg. 2201/2003;
3. Controlo judicial
Reg. 4/2009);
A citação e a notificação de actos judiciais e extrajudiciais em matérias 3.1. Reenvio prejudicial
civil e comercial (Reg. 1393/2007); (a) O TJ pode pronunciar-se, nos termos gerais, sobre a interpretação e a validade
A obtenção de provas em matéria civil e comercial (Reg. 1206/200 l );
das fontes do direito processual civil europeu (art. 267.º, § 1. 0 , ai. b), TFUEf5, de
O processo europeu para acções de pequeno montante (Reg. 861/2007);
acordo com o seguinte regime:
O procedimento europeu de injunção de pagamento (Reg. 1896/2006);
Sempre que uma questão relativa à interpretação ou validade seja suscitada
O título executivo europeu para créditos não contestados (Reg. 805/2004); perante qualquer órgão jurisdicional de um dos EMs, esse órgão pode, se
A decisão europeia de arresto de contas (Reg. 655/2014); considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento
Os processos de insolvência (Reg. 2015/848). da causa, pedir ao TJ que se pronuncie sobre ela (art. 267.º, § 2.º, TFUE) 26;
(b) Aos prazos, às datas e aos termos aplica-se, no âmbito do Processo Civil
Europeu, o regime que consta do Reg. 1182/71. À apresentação de documentos
públicos aplica-se o regime constante do Reg. 2016/1191.
i~ Cf. CovELO DE ABREU, Tribunais Nacionais e Tutela Jurisdicional Efetiva (2019), 37 ss.;
2.3. Âmbito negativo KRANs/NYLUND, in KRANSINYLUND (Eds,), Procedural Autonomy Across Europe (2020), 227 ss.
21
TJ 9/1 Ili 983 ( 199/82), n.º 12; TJ 2517/1991 (208/90), n.º 16; TJ 19/1 !/1991 (6/90 e 9/90),
(a) O direito processual civíl europeu não regula os meios processuais que, em
n." 43; TJ 14/12/1995 (430/93 e 431/93), n.º 17; TJ 14/12/1995 (312/93), n," 12; TJ 1017/1997
cada um dos EMs, servem de meio de tutela dos direitos atribuídos pelo direito (261195), n.º 27; TJ 9/2/1999 (343/96); TJ 8/11/2005 (443103), n.º 50; TJ 15/10/2015 (310/14),
europeu. Na ausência de regulamentação europeia, cabe à ordem jurídica de cada um n.º 28; TJ 21/1/2016 (74/14), n." 32; TJ 2917/2019 (411/17), n.º 171; TJ 12/2/2020 (704/18), n.º
49; TJ 917/2020 (698/18 e 699/18); TJ 917/2020 (86/19), n.º 39.
n Cf. TJ 16/12/1976 (33/76), n.º 5; TJ 16/12/1976 (45/76).
23
Cf. TJ 19/6/1990 (213/89); TJ 7/12/2010 (439/08), n.º 63.
' 9 Cf, quanto à interpretação da "matéria civil e comercial" referida no art. !." C:!3rux, TJ
14
Cf., p. ex., TJ 8/11/2005 (443/03), n.º 51.
14/10/1976 (29/76); cf. ScttOLZ, Das Problem der autonomen Auslegung des EuGVU (1998), "Cf. COVELO DE ABREU, Tribunais Nacionais, 84 ss.
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"
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Introdução I. Elementos Introdutórios

Sempre que uma questão daquela natureza seja suscitada em processo exercer, no caso concreto, uma função jurisdicionaP.l, se for manifesto que
pendente perante um órgão jurisdicional nacional_ c.ujas de~isões, no. ca.so a interpretação do direito europeu não tem qualquer relação com a realidade
concreto, não sejam sus.ceptíveis de recurso jud,_1cial previsto no dire1t? ou com o objecto do litígio no processo principaP4, se o problema for
0
interno, esse órgão é obngado a submeter a questao ao TJ (art. 267 . .' .§ 3. , hipotético3~, nomeadamente por a causa ainda não se encontrar pendente no
TFUE); a omissão do reenvio é susceptível de originar a responsabilidade órgão nacional de recurso36, ou, por fim, se o TJ não dispuser dos elementos
civil do Estadoz 7 , mas o reenvio não é obrigatório se já houver uma de facto e de direito necessários para responder uti!mente às questões que
jurisprudência consolidada do TP, se não existirem dúvidas fundadas lhe são solicitadas17 •
sobre o sentido do preceito (acte clairef 9 ou se, entretanto, um outro
3.3. Interpretação autónoma
tribunal já tiver submetido a mesma questão ao TJ.
(b) o procedimento de apreciação dos pedidos de decisão prej~dic~al pelo TJ consta (a) A aplicação das fontes europeias deve ser uniforme em todos os EMs. O TJ
dos art. 93.º ss. RPTJ. O procedimento pode comportar mna tram1taçao acelerada (art. recorre a uma interpretação autónoma, ou seja, a uma interpretação que, em vez de se
105.º s. RPTJ) e wna tramitação urgente (art. 107.º ss. RPTJ). orientar pelo direito de qualquer dos EMs, considera quer as finalidades e a sistemática
do acto normativo, quer os princípios gerais que se deduzem do conjunto das ordens
3.2. Poderes do TJ
jurídicas nacionais 38 • A finalidade é assegurar, na medida do possível, a igualdade e
Segundo a jurisprudência do TJ relativa à apreciação prejudicial, importa a uniformidade dos direitos e obrigações que decorrem das fontes europeias para os
considerar os seguintes aspectos: EMs e para as pessoas interessadas19 •
_ É da competência dos órgãos jurisdicionais naciona~s apreciar, tendo. e~
conta as particularidades de cada caso, tanto a necessidade deu~ d~ctsao (b) Os actos normativos europeus são frequentemente antecedidos de preâmbulos
prejudicial para poderem proferir a sua decisão, como a perhnencta das com considerandos explicativos muito completos. Segundo a jurisprudência do
3
questões submetidas ao TJ º; . .
TJ, esses considerandos são susceptíveis de precisar o conteúdo do respectivo acto
Não incumbe ao TJ verificar se a decisão de reenv10 foi adaptada em normativo 4º.
conformidade com as regras nacionais de organização judiciária e de 3.4. Âmbito da vinculação
31
processo ; • . • • • ,
- Desde que as questões colocadas pelo JUIZ nac10nal seJam relativas a A decisão interpretativa do TJ tem valor de caso julgado, pelo que os tribunais
interpretação do direito da UE, o TJ é, em princípio, obrigado a decidírn; nacionais estão vinculados a seguir a interpretação realizada pelo TJ, mesmo quanto
a rejeição pelo TJ de um pedido formulado por um órgão juris~icion_al a relações jurídicas constituídas antes do proferimento da decisão interpretativa41 •
nacional só é possível se o órgão nacional que formula o pedido nao

''TJ 15/1/2002 (182/00); TJ 19/12/2012 (363/11); TJ 31/1/2013 (394/11); TJ 17/7/2014


(427/J 3); aceitando a fonnulação do pedido por um tribunal arbitral, cf. TJ 13/2/2014 (555/13);
realizadas por um órgão jurisdicional superior desconformes com o direito da UE: TJ 20/11/2011 cf. MOURA RAMos, RLJ 144 (20\4), 65 ss.
34
Cf. TJ 8/5/2014 (438/12); TJ 26/612014 (264/12); TJ 17/612014 (459/13); TJ 10/12/2020 (620/19).
(396/09). . _ . .
21 Admitindo uma acção de indemnização contra um EM por v10laçao do direito europeu Jo TJ 26/3/2020 (558/18 e 563/18).
36
numa sentença, cf. TJ 30/9/2003 (224/01); TJ 13/6/2006 (173/03); TJ 9/9/2015 (160/1.4); TJ TJ 10/2/2015 (175/13).
11
28/7/2016 (168/15); TJ 4/10/2018 (416/17); sobre o problema, cf. HELENO TuRRINHA, D1r. 145 TJ 16/7/1992 (83/91 ), n.º 25; TJ 15/12/1995 (4 I 5/93), n.º 61; TJ 11/10/2001 (267/99); TJ
(2013), 873 ss.; J. MACHADO, RLJ 144 (2015), 256 ss. e 263 ss. 13/3/2001 (379/98), n.º 39; TJ 22/1/2002 (390/99); TJ 5/2/2002 (277/99), n.º 19; TJ !9/2/2002
Z8 TJ 6/10/1982 (283/81), n.º 14; cf. STJ 14/10/2021 (26412/16.0T8LSB.Ll-A.Sl ). (35/99), n. 0 25; TJ 19/12/2009 (314/08), n.º 42; TJ 26/2013 (399/11), n.º 29; TJ 27/6/20!3
WTJ 6/10/1982 (283/81), n.º 16; cf. STJ 9/4/2019 (2926/16.0T8BRG.G LS2). (492/11), n.º 25; TJ 27/3/2014 (520/13); TJ 5/6/2014 (350/13), n.º l I.
38
JOTJ 16/7/1992 (83/91), n.º 25; TJ 26/10/l 995 (143/94), n.º 12; TJ 21/3/1996 (297/94}, n.º Cf. TJ 14/10/1976 (24/76); TJ 22/11/1978 (33/78); TJ 9/1/1997 (383/95), n.~ 13; TJ
19; TJ 16/3/1999 (159/97); TJ 9/12/2003 (116/02); TJ 18/7/2013 (136/12); sobre a noçao de 20/3/1997 (295/95).
1
órgão jurisdicional, cf. TJ I 6/12/2008 (210/06); TJ 21/1/2020 (274/14). • TJ 8/3/1988 (9/87), n.º 10; TJ 27/9/1988 (189/87), n.º 15; cf., p. ex., HEss, EuZPR (2021), 186 ss.
4
,1TJ 8/11/2001 (143/99). °Cf., p. ex., TJ 10/1/2006 (344/04), n.º 76; TJ 22/12/2008 (549/07), n." 17; TJ 22/9/2011
ncr., p. ex., TJ 15/12/1995 (415/93), n.º 59; TJ 13/3/2001 (379/98), n.º 38; TJ 9/12/2010 (482/09), n.º 40.
14 (241/09)n.º28.
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa
Introdução I. Elementos Introdutórios

O acórdão interpretativo tem, portanto, uma eficácia ex tunc, embora, em casos 2.3. Alçada do tribunal
excepcionais, assim possa não suceder por decisão do TJ 42 • A base da organização judícíária dos tríbunais judiciais é o tribunal de comarca
(art. 210. 0 , n. 0 3, CRP; art. 29.º, n. 0 3, e 79.º LOSJ). Além dos tribunais de comarca,
§ 2. 0 Sujeitos do processo civil existem tribunais superiores, que são as Relações (art. 210.º, n.º 4, CRP; art. 29.º,
n.º 2, e 67. 0 , n. 0 1, LOSJ) e o STJ (art. 210.º, n.º l, CRP; art. 29.º, n.º l, ai. a), e 31.º,
I. Generalidades
n. 0 l, LOSJ). Efeito fundamental desta hierarquia é a possibilidade de se recorrer
Na conhecida definição dos glosadores medievais, iudicium est trius actus trium para um tribunal mais alto na escala hierárquica das decísões de um tribunal menos
personarum 43 : os três sujeitos do processo são o tribunal e as duas partes. Estes sujeitos situado nessa escala. Dos tribunais de comarca, em tese gera!, pode recorrer-se para
são os titulares da relação processual, que é uma relação triangular constituída pelo os tribunais da Relação e destes para o STJ.
tribunal e pelas duas partes (uma activa e outra passiva). A relação processual coincide A lei não permite sempre a interposição de recurso. Muitas vezes, a lei estabelece
com a instância a que se reportam nomeadamente os art. 254. 0 a 291. 0 , respeitantes a um limite até ao qual o tribunal de hierarquia inferior julga sem recurso, só cabendo
diferentes estádios dessa relação (o começo, a suspensão e a extinção). recurso para o tribunal mais elevado em categoria a partir desse limite (art. 629.°,
n.º 1). Ao limite até ao qual certo tribunal julga sem recurso chama-se alçada desse
li. Tribunal tribunal. Em matéria civil, a alçada dos Tribunais da Relação é de€ 30.000 e a dos
tribunais de l.ª instância é de€ 5.000 (art. 44.º, n.º l, LOSJ).
1. Características do tribunal
O meio normal de tutela de situações juridicas é a intervenção de um órgão de 3. Poderes do tribunal
autoridade a isso destinado: os órgãos especificamente investidos na função de tutela 3.1. Deveres funcionais
de situações jurídicas chamam-se tribunais. O art. 202. 0 , n. 0 l, CRP contém uma
definição de tribunal: os tribunais são os órgãos de soberania com competência para A actividade do tribunal assenta, quase sempre, em poderes-deveres ou deveres
administrar a justiça em nome do povo. funcionais, isto é, em poderes que devem ser exercidos pelo tribunal de molde a
assegurar a melhor administração da justiça. É assim que, por exemplo, o tribunal tem
o dever de gerir o processo (art. 6. 0 , n. 0 l), de cooperar com as partes (art. 7. 0 , n.º l) e
2. Função jurisdicional de proferir a decisão (art. 152.º, n. 0 1).
2.1. Âmbito da função 3.2. Poderes discricionários
À função do Estado, desempenhada pelos tribunais e que tem por finalidade dirimir (a) A actividade do juiz pode assentar num poder discricionário: é o que ocorre
os lítígios, dá-se o nome de jurisdição ou função jurisdicional. O poder correlativo é quando o critério de decisão é, segundo a definição legal do art. 152.º, n.º 4, o prudente
o poder jurisdicional. arbítrio45 • Ao contrário do dever, o poder discricionário pode ser exercido ou não
2.2. Reserva de jurisdição exercido, de acordo com o prudente arbítrio do juíz. É o que acontece, por exemplo,
nas situações previstas nos art. 92. 0 , n.º l (suspensão da causa por prejudicialidade
As relações entre os tribunais e a jurisdição podem ser de vários tipos. Em princípio, de uma outra causa), 267. 0 , n. 0 l (admissibilidade da apensação de acções), 273.º, n.º
só os triblUlais estaduais podem exercer a jurisdição: é a chamada reserva da função l (remessa do processo para mediação), 366. 0 , n. 0 l (contraditório do requerido nos
jurisdicional, com expressão nos art. 111.º, n. 0 2, e 202. 0 , n. 0 l, CRP 4 4. No entanto, a procedimentos cautelares), 593.º, n.º l (dispensa da audiência prévia) e 686.º, n.º l
função jurisdicional também pode ser exercida por tribunais arbitrais (art. 209.º, n.º (determinação, pelo presidente do STJ, do julgamento ampliado da revista).
2, CRPJ. (b) O poder discricionário pressupõe uma previsão aberta que possa ser concretizada
através do prudente arbítrio do tribunal (art. 152.º, n.º 4). Algumas vezes, a lei fixa
os critérios do exercício pelo tribunal deste prudente arbítrio, como sucede, por
4lCf. TJ 8/4/1976 (43/75), n.º 69 ss.; sobre o problema, cf. KovÁcs, Die temporale Wirkung

von Urteilen des EuGH im Vorabentscheidungsverfahren (2014), 109 ss. e 256 ss.
41 BULGARUS, in WAHRMUND, Quellen IV/I-II (1925), 6; cf. NõRR, Zur Stellung des Ricbters
5
im gelehrten Prozess der Frühzeit (1967), 7 ss. ' Referindo que o "prudente arbítrio" não implica mn poder discricionário, cf. FREITAS oo
44('> r,~~n~ On,~~• u~~~~"n ,1~ 1,...;,.,1;~;;" (100'7\ 1 ! "°•~•Ti' h'1(\f')(\(\'7 {'ll\ll'l/'l(\/\'7\ AMARAL, Est. Cândido de Oliveira (2017). 235 ss. 17
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Introdução I. Elementos Introdutórios

exemplo, no art. 37.º, n.º 2 (interesse relevante ou justa composição do litígio), nos art. cumprimento da obrigação, quer de indemnização pelo não cumprimento (art. 817. º
264.º e 266.º, n.º 5 (perturbação inconveniente na instrução, discussão e julgamento CC)- ou possa custear uma prestação em benefício dessa parte (art. 828.º e 829.º CC).
do pleito), no art. 366.0 , n. 0 1 (colocação em risco sério do fim ou da eficiência da
providência cautelar requerida), nos art. 516.0 , n. 0 4, e 604.º, n.º 8 (conveniência III. Partes
para o apuramento ou descoberta da verdade) e no art. 686.º, n. 0 1 (necessidade ou
conveniência de assegurar a unifonnidade da jurisprudência). Quando assim sucede, 1. Noção
o poder não deixa de ser discricionário; ele apenas passa a ser um poder discricionário As partes são as entidades que pedem ou contra as quais é pedida em juízo a tutela
vinculado a critérios de exercício definidos na lei. de uma situação jurídica. Em processo declarativo, as partes são designadas por
autor e réu e, no processo executivo, por exequente e executado. Nos procedimentos
4, Actividade do tribunal
cautelares e nos incidentes da instância é vulgar falar~se de requerente e requerido.
4.1. Decisões de mérito
2. Situações subjectivas
A sentença do tribunal pode acolher o pedido do autor: nesta situação, ela tem por
conteúdo a condenação do réu, num sentido lato deste tenno. Chama-se condenação, 2.1. Enunciado
lato sensu, ao acolhimento do pedido do autor em processo declarativo, seja a acção de
As situações subjectivas das partes em processo são fundamentalmente ónus,
condenação (art. 10.0 , n. 0 3, ai. b)), seja de natureza diferente (art. 10.0 , n. 0 3, ai. a) e c)). poderes e deveres.
A sentença também pode analisar o fundo ou mérito da causa e rejeitar o pedido do
autor: tem então por conteúdo a absolvição do réu do pedido. A absolvição do pedido 2.2. Concretização
é urna forma de tutela jurisdicional, ainda que negativa, dado que fica assente que o
(a) Os ónus são situações subjectivas cujo exercício determina a aquisição de uma
autor não tem razão e que o seu interesse não é tutelado juridicamente do modo como
posição favorável para a parte e cujo não exercício implica uma posição desvantajosa
pretende.
p~ra essa mesma parte. A parte onerada pode comportar-se como entender (é,
4.2. Decisões de forma ahás, esta característica que distingue o ónus do dever), mas, se não observar um
comportamento que a lei considera necessário para a produção de um efeito, sofre
As decisões de forma são aquelas em que o tribunal não se pronuncia sobre o mérito
uma desvantagem. Como exemplos de ónus processuais podem ser referidos o ónus
da causa. Estas decisões são proferidas ao longo do processo - são então decisões
de impulso (art. 6.º, n.º l), o ónus de alegação (art. 5.0 , n.º l, e 552.º, n.º 1, al. d)), o
interlocutórias 46 ~, mas também há decisões de forma que são finais: entre elas, cabe
ónus da contestação (art. 574.º) e o ónus da prova (art. 342.º CC).
destacar aquelas que absolvem o réu da instância por não se encontrar preenchido um
Os poderes (ou faculdades) das partes são, em regra, consumidos pelos respectivos
pressuposto processual (art. 278.º, n. 0 1, 576.º, n.º 2, e 577.º).
ónus, pelo que não têm autonomia perante estes. Por exemplo: a parte tem a faculdade
4.3. Medidas executivas de apresentar a sua defesa; no entanto, se não contestar entra em revelia e pode vir a
Em processo executivo, há três actos fundamentais: a penhora ( ou apreensão judicial obter uma decisão desfavorável (art. 567 .º, n.º l); portanto, a faculdade de contestar é
de bens), a venda executiva e, por fim, o pagamento. Por vezes, basta o primeiro e o consumida pelo ónus da contestação.
terceiro destes actos. Por exemplo, A tem em seu poder x que pertence a B, este move (b) Os deveres são situações subjectivas passivas que impõem uma determinada
contra A uma execução ou acção executiva (execução para entrega de coisa certa: art. conduta da parte. A parte sobre a qual recai o dever não tem qualquer opção de
10.º, n.º 4 e 6); fundamentalmente esta execução corre do seguinte modo: penhora de comportamento e sofre uma sanção se violar o dever. Como exemplos de deveres
x e entrega de x aB (art. 827.° CC). processuais podem ser referidos o dever de litigância de boa fé e de cooperação (art.
Na maior parte dos casos, entre os dois actos referidos incluiu-se outro ainda: a 8. º) e o dever de recíproca correcção entre as partes e entre estas e os magistrados
venda executiva, ou seja, a execução recai sobre bens que não são o objecto mediato (art. 9.º, n.º 1). Em comparação com os ónus"ª que são muito frequentes-, os deveres
do direito do exequente, mas mero instrumento da sua realização. Esses bens são processuais são bastante mais raros, só se justificando estabelecer um dever quando a
então vendidos, para que o produto deles seja entregue ao exequente - quer a título de finalidade prosseguida não possa ser atingida através de um ónus 47 •

47 Cf. HENCKEL, ProzessR (1970), 17.


18 46
Sobre alguns aspectos históricos, cf. ScHLINKER, ZRG KA 96 (201 O), 154 ss. 19
J. de Castro Mendes / M. Teixeira de Sousa Introdução I. Elementos Introdutórios

3. Responsabilidade da parte que alega (nomeadamente, uma pretensão material ou um direito potestativo), isto é,
de esse demandante ter o ónus de formular um pedido (art. 186.º, n.º 2, al. a) e b), e
3.1. Responsabilidade delitual 552.0 , n. 0 1, ai. e)). Por exemplo: baseado num direito de crédito, o autor pode pedir a
condenação do devedor na restituição da quantia emprestada ou, baseada num direito
A responsabilídade da parte perante a contraparte pode ser delitual ou objectiva. de propriedade, essa parte pode pedir a restituição da coisa.
A responsabilidade delitual da parte decorre da inobservância pela parte de um dever
que devia cumprir ou observar em processo. Para além de outras situações pouco 2.2. Fundamentação da pretensão
frequentes, a responsabilidade delitual da parte decorre da litigância de má fé (art.
A pretensão processual tem de ser fundamentada. A lei exige que o autor indique
542.0 , n.0 1).
o facto jurídico de que decorre a pretensão processual que deduz em juízo (art. 58 l .º,
3.2. Responsabilidade objectiva n.º 4): é o que se designa por causa de pedir ou causa petendi (art. 186.º, n.º 2, e 552.",
n.º I ai. d))48 •
Mesmo que tenha litigado de boa fé, a parte que tenha ficado vencida é responsável
O autor, além de formular um pedido de tutela de uma determinada situação
pelas custas de parte, que compreendem o que a parte vencedora haja despendido
subjectiva, tem de designar o facto de que faz decorrer esta situação subjectiva, ou seja,
com o processo (art. 529. 0 , n. 0 l e 4, e 533.º, n.º 1). Note-se que o regime especial que
a vía de investígação através da qual (e só dessa) o tribunal irá apreciar a procedência
consta do art. 533.º, n. 0 4 e 5, não é aplicável, dado que não se encontra preenchida
do seu pedido. Se a causa de pedir parecer fundada ao tribunal, este acolhe o pedido;
a condição para a sua aplicação estabelecida neste último preceito (art. 46.º P 419-
se não, rejeita-o, embora, note-se, apenas na medida em que resulta dessa causa de
A/2009, de 17/4).
pedir, podendo o autor, mais tarde, repetir o pedido, se o basear em diversa causa
§ 3.º Objecto do processo civil
petendi (art. 580.0 , n. 0 1). Assim, se A pretende obter contra B a declaração judicial
1. Generalidades de ser proprietário de x, tem de fundamentar o seu pedido num título de aquisição da
propriedade (a compra, por exemplo); caso ganhe, fica declarado proprietário com
Todo o processo tem um objecto. Este objecto é relevante para, entre outros, os base nesse fundamento; se perder, pode repetir a acção declarativa de propriedade,
seguintes efeitos: invocando outra causa de pedir (a usucapião, por exemplo).
A delimitação do âmbito do conhecimento do juiz da causa (art. 609.º, n.º
1); III. Valor da causa
A determinação do valor da causa (art. 296. 0 , n. 0 1), o que, por sua vez,
releva fundamentalmente para a aferição do tribunal competente, a l. Generalidades
obrigatoriedade do patrocínio judiciário e a admissibilidade do recurso O art. 296. 0 , n. 0 l, estabelece que toda a causa deve ter um valor certo, expresso
ordinário (art. 296.º, n.º 2). em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedído. Todo
o processo tem um valor determinado quer naturalmente, quando os interesses em
II. Pretensão processual causa sejam avaliáveis (segundo as regras dos art. 297.º a 3IO.º), quer artificialmente,
quando se trate de interesses não patrimoniais e não avaliáveis em dinheiro (segundo
1. Generalidades
a regra do art. 303. 0 ).
O objecto o processo é uma pretensão processual concreta e fundamentada.
2. Critérios atributivos
2. Características da pretensão
2.1. Enunciado
2.1. Concretização da pretensão
Os critérios mais importantes de aferição do valor da causa são os seguintes:
A pretensão formulada em tribunal tem de ser concreta. Não basta à parte que Se a acção tiver por objecto uma quantia certa em dinheiro, o valor da causa
recorre ao tribunal apresentar a este órgão uma situação subjectiva carecída de tutela e corresponde a esse montante (art. 297. 0 , n. 0 1 l.ª parte);
pedir ao tribtu1al que descubra a melhor forma jurídica de tutelar os seus interesses. A
pretensão daquele que recorre ao tribunal não pode ser assim indeterminada.
A necessidade de concretizar a pretensão processual decorre da circunstância de
o demandante ter o ónus de indicar a tutela que pretende para a situação subjectiva 4s Cf. FRANÇA GOUVEIA, A Causa de Pedir na Acção Declarativa (2004), 35 ss. 21
20
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Introdução I Elementos Introdutórios

Se a acção tiver por fim fazer valer o direito de propriedade sobre uma não se tomam processuais pela circunstância de produzirem efeitos processuais, se
coisa, o valor desta determina o valor da causa (art. 302.º, n.º I); estes forem meramente secundários ou acessórios. Por exemplo: o pagamento de
Se a acção versar sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais, uma dívida não é um acto processual, apesar de ele permitir a invocação em juízo
o valor da causa é o equivalente à alçada da Relação e mais€ 0,01 (art. da excepção peremptória de pagamento (art. 576.º, n.º 3); a fixação do lugar do
303.º, n.º l); cumprimento da obrigação não é um acto processual, embora também possa produzir
Se a acção tiver por objecto a apreciação da existência, validade, efeitos processuais: aquele lugar do cumprimento pode relevar para determinar o
cumprimento, modificação ou resolução de um acto jurídico, o valor da tribuna! competente (art. 7I.º, n.º l; art. 7. 0 , n." !, ai. a), Reg. 1215/2012); a alienação
causa é aferido pelo valor do acto determinado pelo preço ou estipulado do direito litigioso durante a pendência da causa não é um acto processual, apesar de
pelas partes (art. 301. 0 , n.º i); implicar que o alienante passe a ter a qualidade de substituto processual do adquirente
Nas acções de despejo, o valor da causa é o da renda de dois anos e meio, (art. 263.º, n.º 1).
acrescido das rendas em dívida e da indemnização requerida (art. 298.º, (b) Da circunstância de a caracterização do acto processual depender da produção
n.º l). de efeitos processuais decorre que os actos não deixam de ser processuais:
Se forem regulados simultaneamente pelo direito processual e pelo direito
2.2, Sanção compulsória
substantivo; por exemplo: a desistência e a confissão do pedido são
Se, em conjunto com o pedido de condenação na prestação de um facto infungível, reguladas pelo direito processual e pelo direito substantivo (art. 291.°, n.º
for pedida a condenação do demandado no pagamento de uma sanção pecuniária l ), mas, atendendo aos seus efeitos, são actos processuais;
compulsória (art. 829.º~A, n.º 1, CC), este pedido é irrelevante para a fixação do valor Se, além de efeitos processuais, também produzirem efeitos substantivos50;
da causa, dado que, no momento da sua formulação, o pagamento daquela sanção é a citação do réu para a acção é um acto processual (art. 219.º, n.º 1), apesar
apenas eventual. de também implicar a interrupção da prescrição (art. 323.º, n.º 1, CC);
Se forem praticados antes da pendência de qualquer acção ou fora de
§ 4.º Estrutura do processo civil uma acção pendente5 1; por exemplo: a concessão de mandato judicial a
um adwgado para a propositura de uma acção é um acto processual, não
I. Actos processuais
obstante ser realizada antes da pendência da causa a instaurar; a celebração
t. Enquadramento geral de uma convenção de arbitragem (art. 1. 0 , n.º !, LAV) enquanto a acção
está pendente nos tribunais estaduaís é um contrato processual, apesar
t.1. Noção
de ser celebrada fora do processo 52; o mesmo pode ser dito quanto a um
Átomo do processo do civíl - como, aliás, de qualquer processo -- é o acto contrato probatório (art. 345.º CC).
processual. O acto processual é o acto do tribunal ou das partes cujo efeito se traduz
1.3. Actos duplos
na constituição de uma situação processual, ou seja, é todo o acto que determina o
início, influencia o decurso ou implica a extinção do processo 49 . Noutros termos: são A relevância concedida ao efeito característico do acto não impede que se
actos processuais aqueles que produzem efeitos em processo. considerem actos processuais os chamados actos duplos, que são aqueles que são
regulados tanto pelo direito substantivo, como pelo direito processual. Por exemplo:
1.2. Consequências
a transacção é um contrato regulado pelo direito substantivo e pelo direito processual
(a) O que releva para a qualificação como acto processual é o seu efeito caracteristico (art. 1248.º CC; art. 283.º, n.º 2,290. 0 e 45, n.º 2); a confissão de factos é igualmente
(ou a sua função típica). Esta conclusão permite inferir, desde logo, que os actos regulada pelo direito substantivo e pelo direito processual (art. 359.0 , n.º l, CC; art.
452.º a465.º).

49
Stein/Jonas/KERN (20 [6), vor § 128,240 s.; RoSENBERo/ScHWABIGOTTWALD, ZPR (2018),
354; cf. BAUMGÃRTEL, Wesen und Begriff der ProzeBhandlung einer Partei im ZivilprozeB wcr. Nmse. Doppelfunktionelle ProzeBhandlungen (1950), 31 ss.
(1972), 291; sobre um apontamento histórico, cf. NõRR, Naturrecht und ZivilprozeJ3 (1976), 5
Cf. HENCKEL, ProzessR (1970), 34 ss.
'

22 18 ss. 52
Cf., p. ex., WAGNER, ProzeBvertrãge ( 1998). 578 s~
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Introdução L Elementos Introdutórios

1.4. Factos processuais 3, :Wodalidades dos actos

Em processo também relevam factos processuais - como, por exemplo, o decurso 3.1. Generalidades
do prazo peremptório para a prática de um acto (art. 139.º, n.º 3)-, mas essa relevância (a) (i) Quanto à origem, os actos processuais podem ser actos do tribunal e actos
projecta-se no processo sempre através de actos processuais. Isto verifica-se por urna das partes:
de duas maneiras: ou porque a eficácia do facto se projecta sobre a possibilidade ou Os actos do tribunal são os actos realizados pelo tribunal; alguns destes
impossibilidade da prática de um acto processual ou porque o facto só tem eficácia no actos são praticados pela secretaria (art. 157.º a 162.º) (como, por exemplo,
processo quando aí for alegado mediante um acto processual. Por exemplo: a morte a citação do réu e as notificações das partes), outros devem ser praticados
de uma das partes suspende a instância (art. 269. 0 , n. 0 1, ai. a)), mas isso só acontece pelo juiz (art. 150.0 a 156.º) (como, por exemplo, os despachos, as sentenças
· depois de o falecimento ter sido alegado em processo (art. 270. 0 , n. 0 1). e os acórdãos);
Os actos das partes são os actos praticados pelas partes (art. 144. 0 a 149.0 );
2. Sequência processual
estes actos podem ser unilaterais (como, por exemplo, a apresentação
2.1. Actos de sequência de um articulado ou de um requerimento e a desistência ou a confissão
do pedido) ou bilaterais (como, por exemplo, o pacto de competência, a
Estruturalmente, o processo é urna sequência de actos. A sequência processual convenção de domicílio para efeito de citação ou a transacção); os actos
institui um formalismo que regula a actividade do juiz e das partes. bilaterais são contratos processuais.
2.2. Definição da sequência (ii) Os actos do tribunal e das partes podem ser praticados numa sessão em que
estão presentes o tribunal e a as partes. A forma mais comum desta sessão é a audiência,
A sequência em que o processo se traduz pode ser determinada na lei ou ser (b) Note-se que, além do tribunal e das partes, os actos processuais também podem
deixada ao prudente critério do juiz, que, em cada situação concreta, determina o que ser praticados por outros órgãos (como o agente de execução) ou mesmo por meros
lhe parecer mais adequado à administração da justiça. No primeiro caso, o processo participantes no processo (como as testemunhas e os peritos).
é rígido; no segundo, o processo é maleável. O processo civil português contém uma
tramitação definida na lei, mas o juiz, como corolário do dever de gestão processual 3.2. Actos do tribunal
(art. 6.º, n.º 1), tem a faculdade de adequar essa tramitação quando a mesma não se (a) (i) Nos actos do tribunal incluem-se, entre outros, os seguintes:
adaptar à complexidade da causa (art. 547 .º). Os actos rogatórios, que são os actos pelos quais um tribunal solicita a
prática de actos processuais a outros triblUlais ou autoridades; os actos
2.3. Princípio da preclusão
rogatórios são a carta precatória, que é utilizada quando a realização do
A sequência processual encontra-se submetida a um princípio de preclusão. Cada acto seja solicitada a um tribunal ou a um cônsul português, e a carta
acto processual tem o seu momento próprio para ser praticado dentro da respectiva rogatória, que é utilizada quando a realização do acto seja solicitada a tuna
sequência processual; se o acto não for praticado nesse momento, não pode vir a ser autoridade estrangeira (art. 172. 0 , n. 0 l);
praticado posteriormente, pelo que a sua realização fica precludida. As partes têm o O mandado, que é o acto pelo qual o tribunal ordena a execução de um acto
ónus de invocar o facto (por exemplo, o pagamento da dívida) ou de realizar o acto (por processual a urna entidade que lhe esteja funcionalmente subordinada (art.
exemplo, a apresentação ou o requerimento de determinado meio de prova) in eventum 172.0 ,n.º2);
e, portanto, a titulo preventivo no momento legalmente determinado, dado que, no A citação, que é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que
momento em que o facto é alegado ou o acto é praticado, a sua utilidade é meramente contra ele foi proposta urna acção e se chama esta parte ao processo para
eventual (porque, por exemplo, não se sabe se o autor vai sequer demonstrar o crédito se defender, bem como o acto pelo qual se chama, pela primeira vez, ao
ou se o facto relevante virá a ser controvertidoyi. processo alguma pessoa interessada na causa (art. 219. 0 , n. 0 l);
A notificação, que é o acto que serve para, sempre que não deva ser
utilizada a citação, chamar alguém a juízo ou dar a alguém conhecimento
de um facto (art. 219.º, n.º 2);
As decisões, que são os actos pelos quais o tribunal aprecia uma causa ou
,, Sobre a evolução do princípio, cf. SCHUBERT, ZRG GA 85 (1968), 128 ss.; SCHULTE, Díe um incidente ou qualquer aspecto com eles relacionado (art. 152. 0 , n. 0 l);
as decisões podem ser sentenças - que são as decisões finais proferidas 25
24 Entwicklung der Eventualmaxime (1980), 3 ss., 13 ss. e 59 ss.
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Introdução I. Elementos Introdutórios

numa causa ou num incidente (art. 152.0 , n. 0 2)- ou despachos- que são, Os negócios vinculativos são aqueles que impõem o dever de praticar ou de
em regra, decisões interlocutórias. omitir um acto em processo 54; por exemplo: uma promessa de desistência
(ii) O conceito de sentença e a sua distinção perante o despacho não são muito do pedido (art. 283.º, n. 0 l) ou do recurso (art. 633.º, n.º 5) exige que a parte
claros, apesar da definição do art. 152. 0 , n. 0 2. A sentença é a decisão final, de forma desista do pedido ou do recurso no processo pendente; um contrato sobre
ou de fundo (não se contando, porém, o indeferimento liminar), e o despacho a decisão os meios de prova (art. 345.º, n. 0 2, CC) impõe o dever de não apresentar
não final, embora o despacho saneador possa ser uma decisão final de forma ou de meios não admitidos.
mérito (art. 595.º, n.º l). (ii) A promessa que constitui exemplo de um negócio vinculativo não é, ainda que
(b) As decisões do tribunal são susceptiveis de várias classificações, Uma das conste de um contrato celebrado entre as partes, um contrato-promessa, mas antes a
mais importantes é a que distingue entre decisões de fundo - que são aquelas que se promessa da realização de um acto processual. Daí que a sua violação não decorra
pronunciam sobre o mérito, absolvendo ou condenando o réu no pedido formulado da falta de celebração de u~ contrato definitivo, mas antes da omissão da prática do
pelo autor- e decisões de forma - que são aquelas que se pronunciam sobre questões acto processual prometido. E por isso que o não cumprimento da promessa constitui
processuais. uma excepção dilatória e obsta ao conhecimento do mérito da causa (art. 576.º, n.º
(c) Em todos os seus actos, e em particular nas citações, notificações e outras 2, e 578.º), sem prejuízo, aliás, da condenação da parte como litigante de má fé (art.
comunicações dirigidas directamente às partes e a outras pessoas singulares e 542. 0 , n.º 2, ai. d))5-1.
colectivas, o tribunal deve utilizar, preferencialmente, linguagem simples e clara (art. 3.5. Actos conjuntos
9. 0 -A).
O acto conjunto é o resultado de um acto unilateral de cada uma das partes que,
3.3. Actos das partes uma vez comunicado ao tribunal por cada uma delas, produz um efeito equivalente ao
Quanto à origem dos efeitos realizados em processo, os actos das partes podem ser de um negócio jurídico. Por exemplo: as partes podem acordar a alteração da causa de
actos stricto sensu ou negócios processuais: pedir ~u do pedido (art. 264.º); este acordo pode ser obtido através da conjugação do
Os actos stricto sensu produzem os seus efeitos processuais ex lege, requenmento de alteração do pedido ou da causa de pedir ao tribunal e da concordância
manifestada pela outra parte.
dado que as partes não podem escolher ou determinar os seus efeitos; é o
caso, por exemplo, da apresentação de um articulado ou da junção de um 3.6. Actos constitutivos
documento;
(a) Quanto aos efeitos característicos que produzem em processo, os actos das
Os actos negociais produzem os seus efeitos processuais ex voluntate, ou
partes podem ser actos constitutivos ou actos postulativos56 • Os actos constitutivos
seja, atendendo à vontade das partes.
(Bewirkungshandlungen) são os actos que produzem directamente efeitos no processo.
3.4. Negócios processuais Os actos constitutivos podem ser, a titulo exemplificativo:
Declarações de vontade, como, por exemplo, a revogação ou a renúncia do
(a) Os negócios processuais podem ser unilaterais ou bilaterais:
mandato pelo mandatário judicial (art. 47.°, n.º 1), o acordo da parte para a
Os negócios unilaterais são praticados apenas por uma das partes; é o caso,
alteração do pedido ou da causa de pedir (art. 264.º) e a renúncia ao recurso
por exemplo, da desistência e da confissão do pedido (art. 283. 0 , n. 0 l); (art. 632.", n.º !);
Os negócios bilaterais são realizados por ambas as partes; é o caso, por
exemplo, de um pacto de competência (art. 95.º) ou de jurisdição (art. 94.º;
art. 25.º Reg. 1215/2012), de uma convenção de arbitragem (art. l. 0 , n. 0 1,
54
LAV) ou de uma transacção (art. 1248.° CC; art. 283.°, n. 0 2). Maioritariamente, a doutrina alemã rejeita a figura dos negócios processuais vinculativos:
(b) (i) Os negócios processuais podem ser constitutivos ou vinculativos: cf. ROSENBERG!SCHWABIGOTTWALD, ZPR (2018), 375; dif. WAGNER, ProzeBvertrãge, 35 ss,;
Stein/Jonas/KER.."I (2016), vor § 128,336.
Os negócios constitutivos são aqueles que produzem directamente efeitos
. ,,S~in/Jonas!KERN (2016), vor § 128, 349; entendendo que a violação de um negócio
num processo pendente, sem imporem a nenhuma das partes a obrigação
vmculat1vo conduz, quando muito, a uma obrigação de indemnização, cf. RosENBERG!SCHWAB/
de praticar ou de omitir algum acto; por exemplo: a celebração de um GOITWALD, ZPR (2018), 375.
compromisso arbitral durante a pendência do processo no tribunal estadual s,;GOLDSCHMIDT, Der ProzeB ais Rechtslage (1925), 364 ss.; P. CcNHA, Apontamentos de
extingue a instância (280. 0 , n. 0 1 e 2); processo civil e comercial II (1938), 37, distinguia, de forma paralela, entre os "actos decisivos"
26 e os "actos condicionadores".
27
J. de Castro Mendes / M. Teixeira de Sousa Introdução I. Elementos Introdutórios

Declarações de ciência ou informações, como, por exemplo, os respectíva fundamentação, mas, subsístindo dúvida sobre o sentido de uma declaração
esclarecimentos fornecidos pelas partes (art. 7. 0 , n.º 2) ou a comunicação da parte, o juiz tem o dever de a convidar a fornecer os necessários esclarecimentos
do falecimento ou da extínção de comparte ou da parte contrária (art. 270.º, (art. 7. 0 , n.º 2).
n.º 2);
Actos reais, como, por exemplo, a apresentação de um articulado, a II. Pressupostos dos actos
junção de um documento, a comparência em triblUlal para a prestação de
esclarecimentos ou de um depoimento e o interrogatório de testemunhas 1. Enunciado dos pressupostos
ou de peritos. .
1.1. Actos do tribunal
(b) Os actos constitutivos podem ser válidos ou inválidos, consoante esteJam ou
não estejam preenchidos os respectivos pressupostos subjectivos e objectivos. Os actos do tribunal e os actos das partes têm diferentes pressupostos. Relativamente
3.7. Actos postulativos aos actos do tribunal, os seus pressupostos são a competência funcional, que é a
competência que respeita a cada um dos órgãos do tribunal (que são o juiz e a secretaria
(a) Os actos postulativos (Erwirkungshandlungen) são os actos que se destinam judicial) ou a cada um dos juízes de um tribunal colectivo, bem como a competência
a produzir efeitos no processo através de uma decisão do tribunaJ-1 7 • Também a título decisória, que respeita à distribuição de competências para o conhecimento de
exemplificativo, os actos postulativos podem ser: determinadas matérias. Por exemplo: como é ao juiz que incumbe designar o dia para
- Pedidos ou actos postulativos em sentido estrito, como, por exemplo, a a realização da audiência final (art. 591.º, n.º l, al. g)), falta a competência funcional
petição inicial (art. 552.º) ou a contestação (art. 572.º); no direito português, à secretaria para proceder a essa marcação; em regra, o STJ só tem competência para
porque o autor ou autores da confissão, desistência ou transacção devem conhecer de matéria de direito (art. 46.º LOSJ).
pedir a homologação do negócio pelo tribunal (art. 290. 0 , n.º 3), esses actos
são actos postulativos; 1.2. Actos das partes
Requerimentos probatórios, ou seja, requerimentos de produção de prova (a) Quanto aos actos das partes realizados num processo pendente, importa
(art. 552.º, n.º 6, e 572.0 , ai. d)). distinguir entre os pressupostos subjectivos e objectivos:
(b) O que é pedido pela parte num acto postulativo pode ser admissível ou Os pressupostos subjectivos são a personalidade judiciária, que é a
inadmissível, em função dos respectivos pressupostos do acto, e procedente ou susceptibilidade de ser parte (art. 11.º, n. 0 l ), a capacidade judiciária, que
improcedente, em função do critério de decisão do tribunal. é a susceptibilidade de praticar o acto pessoal e livremente (art. 15.0 ), o
3.8. Sentido da distinção patrocínio judiciário obrigatório, que é a necessidade de representação
da parte por um mandatário judicial (art. 40.º, n.º 1, e 58.º), e ainda o
A distinção entre actos constitutivos e actos postulativos não deve ser entendida interesse processual, que se refere à utilidade para a parte da prática do
no sentido de que os actos das partes ou são constitutivos ou são postulativos. Todos acto; a legitimidade processual - que pressupõe uma relação da parte com
os actos das partes são constitutivos, porque todos eles constituem uma nova situação o objecto do acto (art. 30.º) - constitui ainda um pressuposto dos actos
processual. Assim, o que pode suceder é que o acto, além de constitutivo, também seja postulativos;
postulativo. Os pressupostos objectivos são a determinação do objecto (cf., v. g., art.
94.º, n.º 3, ai. e), e 95.º, n.º 2 infine) e a licitude desse objecto, tendo em
4. Interpretação dos actos
conta a proibição de litigância de má fé (art. 8. 0 e 542.º) e de simulação
À interpretação dos actos das partes que contêm declarações de vontade podem processual (art. 612.º).
aplicaMe os critérios definidos no art. 236.° CC (aplicável aos actos não negociais ex (b) Aos negócios processuais são aplicáveis, em cumulação com o respectivo
vi do art. 295.º CC)58• Na interpretação dos pedidos das partes, há que considerar a regime processual, as regras materiais sobre os negócios jurídicos (art. 291.º, n.º 1)59.

57 COSTA E
SILVA, Acto e Processo (2003), 193 ss. 59
Sobre a possibilidade de aplicar aos negócios processuais o regime das perturbações
' 8 CosTA E SILVA, Acto e Processo,
361 ss.; cf. Stein/JonasfKERN (2016), vor § 128, 277; no cumprimento, cf. COSTA E Su..vA, Perturbações no cumprimento dos negócios processuais
28 ROSENBERG/SCHWAB/GOTTWALD, ZPR (2018), 364 S. (2020), 17 ss. 29
J. de Castro Mendes / M. Teixeira de Sousa Jntrodução I. Elementos Introdutórios

Apesar da cumulação de requísitos processuais e mat~~ais e, portanto, da ~u~ natureza enunciado no art. 40.°, n. 0 l, ai. a), o patrocínio judiciário é obrigatórío; imagine-
dupla, os negócios são unitários, pelo ~ue _qualquer v1c10 ~um d~sses reqms1tos afecta -se que o réu assina a contestação e que o autor assina a réplica; a consequência
0 negócio in toto e impede a sua relevancia em processo . Assim, por exemplo, ~ma não é a inadmissibilidade do proferimento de uma decisão de mérito, mas apenas a
desistência ou uma confissão do pedido que não seja válida em termos substantivos inadmissibilidade dos pedidos formulados nesses artículados. Disto decorre que há
não pode produzir nenhuns efeitos em processo. que distinguir entre a falta de um pressuposto de um acto (que só afecta o acto) e a
falta de um pressuposto processual (que afecta o processo in toto ).
2. Consequências da falta A diferença entre pressupostos de actos processuais e pressupostos processuais
justifica a diferença de regimes estabelecida nos art. 29.º, n.º 2, 41.º e 47 .º, n.º 3, ai. a)
2.1. Generalidades
e b), para as consequências dos vícios relativos a actos do autor - que esses preceitos
(a) Para analisar as consequências da falta de um pressuposto d~ um acto das qualificam como falta de pressupostos processuais - e a actos do réu - que os mesmos
partes, importa distinguir entre os actos consti_tuti:vos_e os _actos_ pos~lativos. A falta de preceitos qualificam como pressupostos de actos processuais. A mesma solução subjaz
qualquer pressuposto relativo a um acto const1tut1vo 1mphca a mvahdade do a~to, _pelo à qualificação como excepção dilatória apenas da falta de autorização ou deliberação
que este não produz nenhuns efeitos em processo. Dado qu~, nos actos constJtut1v_os, que o autor devesse obter (art. 577.º, ai. d)), da falta de constituição de advogado pelo
nada é pedido ao tribunal, o tribunal não tem de se pronunciar sobre nenhu~ pedido autor e, bem assim, da falta, insuficiência ou irregularidade do mandato por parte
e apenas tem de reconhecer a invalidade do acto. Por exemplo: se a ~u_h~d~ ?ª do mandatário que propôs a acção (art. 577.º, al. h)). Qualquer destas faltas, quando
confissão, desistência ou transacção provier da falta de poderes do mandatá.no Judicial referida ao réu, constitui apenas a falta de um pressuposto de actos processuais.
que a realizou, a sentença homologatória_ é notificada ao mandan~e: se este declarar (b) Há um acto do autor ou do exequente cuja falta de um pressuposto obsta ao
que não ratifica o acto indevidamente praticado por aquele mandatá.no, o acto, porque proferimento de uma decisão de mérito ou à realização de medidas executivas: trata-se
inválido, não produz quaisquer efeitos (art. 291.º, n.º 3_). . , , da petição inicial do autor (art. 552.º) ou do requerimento executivo do exequente (art.
(b) A situação é bastante distinta nos actos postulat1vos (isto e, nos acto~ que, al~m 724.º e 855.0 ). Se, por exemplo, um menor propuser uma acção e se a sua incapacidade
de constitutivos, também são postulativos), dado que qualquer acto ~ostulahvo contem não for sanada (art. 15.º e 27. 0 , n. 0 l), o tribunal não conhece do mérito da causa e
um pedido sobre O qual o tribunal não pode deixar de se pronunciar. Isto conduz ao absolve o réu da instância (art. 278. 0 , n. 0 l, ai. c), e 577.0 , ai. c)). Pode assim concluir-
seguinte regime legal: a falta do pressuposto do a~to determina,ª. inadmissi?ilidade -se que qualquer pressuposto relativo à petição inicial ou ao requerimento executivo é
do pedido e O tribunal, em regra, não se pronuncia sobre o mento do pedido. Por um pressuposto processual, dado que, como nenhum processo pode estar ou manter-se
exemplo: se, num caso em que a parte devia estar representada ~or ad_vogad? C:rrt- pendente sem essa petição ou esse requerimento, qualquer vício respeitante a estes
40.º, n.º l), 0 próprio réu assinar a sua contestação, o tribunal cons1d:ra madm1ss1v:l actos afecta, necessariamente, todo o processo.
qualquer pedido que seja formulado nesse articulado e não se pronuncia sobre se o reu
tem razão no que pede ao tribunal. 3. Sanação da falta

2.2. Concretização A falta dos pressupostos dos actos processuais é conhecida oficiosamente pelo
tribunal e, em certos casos, é sanável através quer da renovação ou repetição do acto,
(a) A falta de um pressuposto quanto aos actos ~o autor (ou do e:eq~ente) ou
quer da ratificação do acto (indevidamente) praticado. Estas duas formas de sanação
do réu (ou do executado) praticados após a pendência de uma_ causa nao _1mpede o
da falta dos pressupostos possuem consequências distintas:
conhecimento do mérito dessa causa (ou a realização de med1das executivas): ~~
Se houver renovação ou repetição do acto pela parte, os efeitos do novo
exemplo simples demonstra esta asserção: suponha-se que, atendendo ao cnteno
acto produzem-se, em princípio, apenas ex nunc (sobre uma excepção a
esta regra, cf. art. 560.º, quanto à apresentação de uma nova petição inicial);
Se houver ratificação pela parte do acto praticado por outrem, os efeitos
""Sobre as origens desta orientação, cf. WACH, ZZP 27 _(1.900), 1 l ss.; KoHLER, ZZP_ 29 produzem-se ex tunc (cf., por exemplo, art. 27.º, n.º l).
(1901), 39 s.; OERTMANN, Die Aufrechnung im Deutschen Ztv!lp~ozeBrec_ht (~916), 37 ss., tª
doutrina alemã entende-se maioritariamente, mas num outro ambiente leg1slat1:o, que os ac ~s
devem ser apreciados, de forma autónoma, quanto aos seus pressup~stos e efeitos processuais
e quanto aos seus pressupostos e efeitos substantivos: cf., p. ex., Stem/Jonas/KERN (2016), vor
30 § 128,358; ROSENBERG/SCHWAB/ÜOTIWALD, ZPR (2018), 355 SS. 31
l de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa [ntrodução l. Elementos Introdutórios

III. Acto como trâmite 3. Prazos processuais


I. Forma dos actos 3.1. Modalidades do prazo
1.1. Princípio geral A prática dos actos processuais está normalmente sujeita a determinados prazos,
(a) A forma dos actos processuais é a que, nos termos mais simples, melhor ou seja, é restringida a um período delimitado entre um termo inicial (dies a quo)
corresponder à sua finalidade (art. 131. 0 , n.º l): pode, a este propósito, falar~se de e um termo final (dies ad quem). Os prazos processuais podem ser dílatórios ou
um princípio de equivalência da forma dos actos processuais. Esta forma é a que, peremptórios (art. 139.º, n.º J):
com o maior grau de simplificação e de brevidade possíveis, permitir alcançar os fins O prazo dilatório difere para certo momento a possibilidade de realização
pretendidos com o acto. Nos actos processuais deve utilizar-se a língua portuguesa de um acto ou o início da contagem de um certo prazo (art. 139.º, n.º 2);
(art. 133.0 , n.º l). O prazo peremptório, quando decorrido, extingue o direito de praticar o
(b) Os actos podem obedecer a modelos aprovados (art. 131. 0 , n.º 2) e é permitido acto (art. 139.0 , n.º 3).
o uso de meios informáticos na sua execução (art. 131. 0 , n. 0 5). A tramitação dos 3.2. Prazos gerais
processos é efectuada electronicamente (art. 132.0 , n.º 1; cf. art. 1.0 , n.º 1, al. a), P
280/2013, de 26/8; art. 5.°, n.º l, P 282/2013, de 20/8). Quando a lei não fixa prazos especiais para a prática dos actos processuais, os
prazos são os seguintes:
1.2. Oralidade vs. escrita Para as partes, 10 dias (art. 149.º, n.º 1);
(a) Alguns actos processuais impõem a forma oral: é o que sucede quanto a todas Para o juiz, l O dias, para os despachos que não sejam de mero expediente
as audiências. Alguns actos podem ser realizados de forma oral: é o que pode suceder, (art. 156.º, n.º l): estes são proferidos no prazo máximo de dois días (art.
por exemplo, com a citação do réu (art. 225.º, n. 0 2, ai. c)), com a decisão de algumas 156.º, n. 0 3);
questões (art. 153.º, n. 0 3, 385.º, n.º 3, e 596.º, n.º 4) e com algumas reclamações das Para o MP, 10 dias (art. 156.º, n.º 2);
partes (art. 596.°, n.º 4). Para a secretaria, cinco dias (art. 162.°, n.º !).
Outros actos exigem a forma escrita: é o caso, por exemplo, dos articulados das 3.3. Continuidade do prazo
partes (art. 147.0 , n.º l) ou das alegações de recurso (art. 639.º, n.º l). A inobservância
da forma escrita implica que o acto não se considera realizado. O prazo judicíal é contínuo (art. 138.º, n.º l l.ª parte). Este prazo suspende~se,
(b) Os negócios processuais possuem, em geral, uma fonna fixada por lei. Assim, no entanto, durante as férias judiciais (art. 28.º LOSJ), salvo se a duração dele for
a confissão do pedido, a desistência do pedido ou da instância e a transacção podem igual ou superior a seis meses ou, em princípio, se tratar de actos que devam ser
fazer-se por documento ou por tenno no processo (art. 290.º, n.º l); os pactos de praticados em processos que a lei considere urgentes (art. 138.º, n.º I 2.ª parte). o
jurisdição e de competência devem ser reduzidos a escrito (art. 94.º, n. 0 3, al. e), e 4, mesmo acontece com os prazos (de caducidade) relativos à propositura de acções
e 95. 0 , n. 0 2), o mesmo sucedendo com as convenções de arbitragem (art. 2. 0 , n.º 1 e previstos na legislação processual civil (art. 138. 0 , n.º 4): é o caso, por exemplo, dos
2, LAV). Neste caso, a inobservância da fonna legal implica a invalidade do negócio prazos previstos nos art. 371.º, n.º l, 373. 0 , n.º !, ai. a), 395.º e 697.º, n.º 2 a4.
(art. 220.º CC).
3.4. Tolerância de prazo
2. Suprimento de deficiências A não prática de um acto dentro do prazo peremptório implica, em regra, a
A parte pode rectificar erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da preclusão da sua realização. No entanto, a realização dos actos sujeitos a um prazo
peça processual apresentada (art. 146.º, n.º l). É ainda admissível o suprimento ou a peremptório pode verificar-se fora do prazo, em qualquer hipótese, dentro dos três dias
correcção de vícios ou omissões puramente formais nos actos praticados, desde que a úteis subsequentes ao termo do prazo, embora a validade do acto fique dependente
falta não deva imputar-se a dolo ou culpa grave da parte e o suprimento ou a correcção do pagamento imediato de uma multa (art. 139. 0 , n.º 5). O juiz pode determinar a
não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa (art. 146.0 , n.º 2). redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando 0
respecti':'~ montante se revele manifestamente desproporcionado, em especial quando
a parte litigue por si própria (art. 139.º, n.º 8).

32
33
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Introdução I. Elementos Introdutórios

3.5. Prorrogação do prazo I39.", n." 5 64 • Não há nenhum motivo para que, durante esse período, o risco da
ocorrência de uma situação de justo impedimento deva recair sobre a parte.
A lei fixa os prazos processuais, mas é possível a sua prorrogação quer por
disposição legal (art. 141.º, n.º 1), quer por acordo das partes (art. 141. 0 , n.º 2). 4.2. Aspectos de procedimento
Encontram-se exemplos da prorrogação ex lege dos prazos processuais no art. 569.º,
A parte que alega o justo impedimento deve oferecer logo a respectiva prova (art.
n.º 4 e 5 (prorrogação do prazo da contestação) e no art. 586. 0 (prorrogação do prazo
I40.º, n.º 2 l.ª parte), excepto se o impedimento constituir facto notório (art. 140.º,
da réplica). n.º 3). Após ouvir a parte contrária, o juiz admite o requerente a praticar o acto fora
3.6. Prevalência do prazo do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a
requerer logo que o mesmo cessou (art. 140. 0 , n. 0 2).
A observância de um prazo peremptório pode levar à necessidade de desdobrar
um acto que poderia ser único em vários actos. Por exemplo: se cada um dos réus 4.3. Aplicação extensiva
apresentar a sua contestação e se o autor for notificado em momentos distintos dessa Pela inserção sistemática do art. 140.º · que é posterior a um preceito sobre as
apresentação, esta parte tem prazos igualmente distintos para apresentar a sua réplica modalidades do prazo e que antecede um outro preceito respeitante à prorrogabilidade
(art. 585.º). Portanto, a unidade do acto cede perante a necessidade de respeitar o seu dos prazos-, o regime constante daquele artigo só é aplicável aos actos que devam
prazo de realização. ser praticados dentro de prazos peremptórios, como é o caso, por, por exemplo, da
oposição ao requerimento de inj1.U1ção (art. 857.", n.º 2). No entanto, é indiscutível que
4. Justo impedimento
esse regime é extensível a outros actos e a quaisquer diligências processuais, como,
aliás, resulta da circunstância de o justo impedimento também justificar que o acto
4.1. Regime geral
possa ser praticado em lugar diferente daquele em que devia ser realizado (art. 143.º,
(a) (i) Apesar de o prazo peremptório já se encontrar esgotado, é possível praticar n.º 1) e que o acto escrito não tenha de ser apresentado por via electrónica (art. 144.º,
o acto se ocorrer o chamado justo impedimento (art. 139.0 , n. 0 4), que é o evento não n.º 8) e também ser relevante para o conhecimento da notificação realizada por via
imputável à parte, nem aos seus representantes ou mandatários, que obsta à prática electrónica (art. 248. 0 , n.º 2) e para o adiamento da audiência final (art. 603.º, n.º 1).
atempada do acto (art. 140.º, n.º 1)61 • O regime só é aplicável a prazos em decurso
4.4. Regime especial
numa acção, pelo que não se aplica a prazos respeitantes à propositura de acções.
O justo impedimento decorre de um evento que não pode ser imputado à parte e Mediante prévia comunicação ao tribunal, os advogados e os solicitadores no
que, por isso, é necessariamente não culposo. É o que sucede, por exemplo, quando exercício do mandato forense gozam do direito ao adiamento de actos processuais
ocorre uma doença súbita da parte ou do seu representante 62 , quando acontece uma em que devam intervir em caso de maternidade ou paternidade (art. 2.º DL 131/2009,
catástrofe natural ou ainda quando o correio se atrasa ou extravia63 . de l/6) e de luto (art. 3.° DL 131/2009). A comunicação ao tribunal deve, quando
(ii) A diligência exigida é aferida de forma abstracta e objectiva, embora essa possível, ser acompanhada de documento comprovativo da gravidez, do nascimento
diligência deva ser aferida de forma menos exigente para a parte do que para o ou do óbito (art. 4. 0 , n." l, DL 131/2009). Quando não for possível apresentar estes
mandatário judicial (art. 108.º, n.º 1, EOA). Uma aferição demasiado rigorosa da documentos no momento da comunicação, o advogado ou solicitador deve fazê-lo nos
diligência exigível à parte ou ao mandatário corre o risco de violar o direito de acesso 10 dias subsequentes (art. 4. 0 , n.º 2, DL 131/2009).
aos tribunais (art. 20. 0 , n. 0 1, CRP).
(b) O justo impedimento deve ser invocado durante o decurso do prazo peremptório, 5. Lugar da realização
mas também o pode ser no período adicional de três dias úteis estabelecido no art.
As audiências finais ou outras diligências processuais realizam-se, em regra,
nas instalações do tribunal competente. No entanto, as audiências ou diligências
também podem ser realizadas em qualquer juízo do tribunal de comarca, segundo
determinação do juiz titular ou do magistrado do MP, depois de ouvidas as partes (art.
ól Cf. CARVALHO GONÇALVES, Prazos Processuais (2019), 167 ss. 82.º, n.º l, LOSJ). Quando o interesse da justiça ou outras circunstâncias ponderosas
,;i Qualificando como justo impedimento a doença da mandatária no período natalício, RP
7/6/2011 (3889/10.lTBVFR-A.Pl); cf. também RE 11/1/2018 (1122/17.4YLPRT.El).
63
Entendendo que uma avaria no computador do mandatário da parte não constitui uma
34 hipótese de justo impedimento, cf. RC 30/6/2015 (39/14.9T8LMG-A.Cl). MSTJ 25/10/2012 (1627/04.7TBFJG-A.Cl.Sl ); dif. RC 117/2014 (704/07.7TBCNT-8.CJ). 35
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Introdução I. Elementos Introdutórios

o justifiquem, as audiências e as diligências podem ainda ser realizadas em local para obter o direito a benfeitorias (art. 266.º, n.º 1 e 2, al. b)) para a hipótese
diferente, na respectiva circunscrição do tribunal competente ou mesmo fora desta de o pedido de reivindicação formulado pelo autor ser julgado procedente;
(art. 82.º, n.º 2, LOSJ). a parte recorrida pode amplíar o objecto do recurso para a hipótese de o
recurso interposto pela outra parte vir a ser julgado procedente (art. 636.º,
6. Sujeição a condição n.º 2).
6.1. Regime~regra
7. Convolação de actos
(a) Os actos processuais constituem, quando praticados, uma situação processual,
Um acto inválido de uma parte pode ser convolado num acto válido, se estiverem
conformando o processo na sua sequência ou impondo uma decisão ao juiz da causa.
preenchidos os pressupostos deste último e se a isso não se opuserem nenhuns interesses
Este efeito obsta a que os actos processuais - quer do tribunal, quer das partes - possam
merecedores de protecção da outra parte. Por exemplo: a interposição de um recurso
ser sujeitos a uma condição (suspensiva ou resolutiva), porque os efeitos produzidos
com fundamento na nulidade da sentença pode ser convolada numa reclamação contra
em processo não podem pennanecer incertos e inseguros. Assim, em concreto:
Os actos do tribunal (maxime, as decisões) não são susceptíveis de ser essa nulidade, se aquele recurso não for admissível (art. 615. 0 , n. 0 4).
sujeitos a nenhuma condição; por exemplo: o tribunal não pode proferir 8. Revogação de actos
uma decisão, sujeitando a produção dos seus efeitos à sua não impugnação
por nenhuma das partes; 8.1. Actos do tribunal
Em regra, as partes também não podem sujeitar os seus actos a uma Os actos do tribunal são, em princípio, irrevogáveis, porque, depois de proferida
condição; por exemplo, o autor não pode submeter a propositura da causa a sentença ou o despacho, fica esgotado o seu poder jurisdicional quanto à matéria
à obtenção de apoio judiciário ou à não dedução pelo réu de um pedido decidida (art. 613. 0 , n. 0 1 e 3).
reconvencionai (art. 266.º, n.º l); a parte não pode submeter a interposição
de um recurso à condição de a parte contrária não vir a interpor um recurso 8.2. Actos das partes
subordinado (art. 633. 0 , n. 0 l e 2). Em relação aos actos das partes, o regime da revogação é o seguinte:
(b) Sempre que o acto processual não possa ser submetido a uma condição, as Os actos constitutivos são irrevogáveis logo que tenham constituído uma
consequências são as seguintes: posição favorável para a contraparte; neste sentido, são irrevogáveis, por
Se da interpretação do acto resultar que a parte também quereria realizar o exemplo, o acordo para a alteração da causa de pedir depois da realização
acto de forma incondicional, então o acto é aceite pelo tribunal como um dessa alteração (art. 264.") ou a confissão de factos (que é irretractável: cf.
acto não condicional; art. 465. 0 , n. 0 l); os actos conjuntos tomam-se irrevogáveis quando a parte
Se da interpretação do acto decorrer que a parte não quereria realizar o acto contrária tenha realizado o seu acto, ou seja, quando tenha transmitido a
de forma incondicional, então o acto deve ser considerado inválido. sua concordância ao pedido realizado pela outra parte;
6.2. Regime excepcional Os actos postulativos são livremente revogáveis enquanto não houver uma
decisão do tribunal; depois disso, esses actos só podem ser revogados nos
Em relação aos actos das partes, há algumas excepções. Estas excepções são de casos expressamente previstos na lei (art. 27.º, n. 0 2); os requerimentos
dois tipos: probatórios podem ser revogados antes da produção da prova.
Os actos de carácter negocial podem ser, em regra, sujeitos a uma condição;
por exemplo: se, entre duas partes, estiverem pendentes duas acções em que IV. Diligência exigível
o autor de uma delas é o réu da outra, a desistência do pedido pelo autor
de uma das acções (art. 283.º, n.º !, e 285.º, n.º 1) pode ser condicionada à 1. Generalidades
desistência do pedido pelo autor da outra acção;
O processo civil português não se orienta pela relevância da diligência exigível às
Os pedidos podem ser sujeitos à condição da procedência ou improcedência
partes, dado que, no plano legal, a actuação diligente das partes só muito raramente
de um outro pedido; por exemplo: a parte pode formular um pedido
constitui uma causa de exclusão de um efeito cominatório estabelecido pela lei. Em
subsidiário (de reconhecimento do usufruto) para a hipótese de o pedido
todo o caso, a jurisprudência, em algumas situações, tem vindo a tutelar, na aplicação de
principal (de reconhecimento da propriedade plena) não ser considerado
alguns efeitos cominatórios, a confiança das partes, ou seja, tem atendído à diligência
procedente (art. 554.º, n.º l); o réu pode deduzir o pedido reconvencional
36 exigível às partes. É o que sucede, por exemplo, quando a conduta do tribunal tenha n
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa lntrodução I. Elementos Introdutórios

levado uma das partes a considerar que um processo não é qualificado por esse mesmo V. Falta e vícios da vontade
tribunal como urgente: nesta hipótese, a actuação da parte na pressuposição de que o
processo não é urgente merece ser tutelada 65 . 1. Generalidades
A realização de um acto processual pressupõe uma conduta voluntária do tribunal
2. Hipóteses de relevância
ou da parte, pelo que também a propósito dos actos processuais se impõe a análise
2.1. Responsabilidade civil da possível relevância quer da divergência entre a vontade e a declaração, quer dos
vícios da vontade. Apesar de qualquer acto processual pressupor uma declaração de
São várias as hipóteses de relevância da actuação negligente das partes
vontade, o princípío orientador nesta matéria é o da irrelevância da falta e dos vícios
estabelecidas na lei. Em concreto, esta negligência pode relevar como fundamento de
responsabilidade civil: da vontade na realização dos actos processuais do tribunal e das partes66 • Em tennos
mais concretos: as disposições constantes da legislação civil sobre a falta e os vícios
A actuação negligente da parte pode determinar a sua condenação a
da vontade (art. 240. 0 a 257." e 295.º CC) não são aplicáveis, nem de forma directa,
pagar uma indemnização como requerente de uma providência cautelar
nem através de um argumento por analogia, aos actos processuais.
injustificada ou caducada (art. 374.0 , n. 0 1) e ainda como exequente de uma
execução indevida (art. 727. 0 , n. 0 4, 858.º e 866.º); 2. Hipóteses de relevância
A negligência da parte pode implicar a sua condenação no pagamento
2.1. Actos das partes
de uma taxa sancionatória quando tenha proposto ou deduzido acção,
oposição, requerimento ou incidente manifestamente improcedente (art. Nos actos das partes, verifica-se a relevância da falta e dos vícios da vontade
531.0 ). nos negócios processuais67 • Assim, se a parte confessou o pedido (art. 283.º, n.º 1),
2.2. Efeitos cominatórios desistiu da instância (art. 285.º, n.º 2) ou do pedido (art. 283.º, n. 0 l, e 285.º, n.º 1) ou
transigiu sobre o objecto da acção (art. 283. 0 , n." 2; art. 1248.º, n. 0 1, CC), todos estes
Em regra, os efeitos cominatórios são independentes de qualquer negligência da actos podem ser declarados nulos ou ser anulados nos termos aplicáveis a qualquer
parte, ou seja, verificam-se ex lege sem nenhuma consideração pela diligência ou acto jurídico (art. 291.º, n.º l ). A falta de vontade também releva no caso da simulação
negligência da parte. Excepcionalmente, alguns efeitos cominatórios decorrem da processual, a qual, além de fundamentar o recurso de revisão pelo terceiro prejudicado
negligência da parte. Assim, por exemplo, a negligência da parte: (art. 696.º, ai. g)), permite que o tribunal, visando obstar aos fins prosseguidos pelas
Impede a propositura de uma nova acção após a absolvição da instância partes, ponha termo ao processo (art. 612.º).
proferida numa anterior acção quando o direito esteja sujeito a prescrição
2.2. Actos do tribunal
(art. 327. 0 , n. 0 3, CC) ou quando a propositura da acção esteja submetida a
um prazo de caducidade (art. 332.0 , n. 0 1, CC); Nos actos do tribunal, o lapso manifesto - decorrente de um erro do tribunal -
Pode relevar para a invocação de uma nulidade processual inominada (art. pode ser corrigido por despacho, a requerimento das partes ou por iniciativa do juiz
199.º, n." 1 2.ªparte); (art. 614.", n. 0 l). O lapso manifesto quanto a matéria de direito ou de facto também
Releva para o levantamento da suspensão da instância relativa à questão justifica o requerimento de reforma da sentença, se esta não admitir recurso ordinário
dependente (art. 92.", n.º 2) e da execução à qual tenham sido opostos (art. 616.º, n.º 2).
embargos de executado (art. 733.º, n.º 3) e para a cessação do efeito
suspensivo do recurso (art. 648. 0 , n. 0 l);
Releva também para a deserção da instância ou do recurso (art. 281.", n. 0
l e 5), assim como para a caducidade (art. 373.º, n.º l, ai. b), e 395.0 ) e a
consolidação de uma providência cautelar (art. 371.º, n.º 2).

""RL 17/3/2015 (5681/10.4.TBSXL.Ll-1).


67 Cf. WAGNER, ProzeBvertrãge, 293 ss.; Stein/Jonas/KER."I (2016), vor § 128, 345;
RosENBERG/SCHWABIGonwALD, ZPR (2018), 377; seguindo uma orientação mais ampla, cf.
38 õl Cf. Ac. STJ 9/2009. de 19/5: STJ 917/2014 (2577/05. 'ffRPMS-Pf'1 S 1> Co<ffA F SnvA Adn" Prn<'<'<:<:n 4.<;<; ~~
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Introdução I. Elementos Introdutórios

VI. Invalidades processuais (b) Concretizando a distinção entre nulidades processuais e nulidades de actos
processuais, pode dizer-se o seguinte:
1. Generalidades As nulidades processuais são desvalores em função da sequência
1.1. Razão de ordem processual, ou seja, são desvios em relação ao modelo legal da tramitação
processual; por exemplo: não é, em si, ilegal elaborar uma peça processual,
Apesar de em relação a alguns actos (nomeadamente, em relação às decisões do mas é inadmissível inseri-la como terceiro articulado num processo que só
juiz) também se poder falar dos desvalores de inexistência e de ineficácia, importa admite dois articulados;
agora considerar apenas as invalidades processuais. As nulidades de actos processuais são desvalores em função do próprío
1.2. Determinação das invalidades acto, ou seja, são desvios em relação àfattispecie legal do acto processual;
estas nulidades em nada têm em comum com a nulidade substantiva (art.
(a) As características estruturais do processo civil - sequência, determinada 286." CC).
pela lei ou pelo juiz, de actos de significação colectiva - reflectem-se no regime das
invalidades processuais. Em direito civil, as causas de nulidade ou de anulabilidade 2. Nulidades processuais
dos negócios jurídicos projectam-se no negócio em si e valem independentemente 2.1. Enunciado
da repercussão do negócio na vida juridica do agente; é por isso que o art. 294.º CC
estabelece que determinados negócios jurídicos "são nulos". As nulidades processuais podem ser no minadas ou principais (art. 188.º e 194.º) ou
Diversamente, em processo civil, a invalidação de um certo acto implica a inominadas ou secundárias (art. 195.º, na parte respeitante à prática de um acto que a
invalidação dos actos posteriores da sequência que o tinham como pressuposto (art. lei não admite ou à omissão de um acto que a lei impõe).
195.º, n.º 2), embora tal invalidação, em regra, só opere se o vício do acto puder 2.2. Nulidades nominadas
afectar a decisão que o tribunal tem de proferir ou o acto que esse órgão tem de
praticar (art. 195.0 , n. 0 l infine). É por isso que o art. 195.0 , n. 0 1, dispõe que certos São nulidades processuais nominadas:
actos ou omissões "produzem nulidade". A falta da citação do réu (art. 187.º a 190.º); esta nulidade verífica-se
(b) As invalidades processuais, apesar de a lei as qualificar como nulidades, quando o acto tenha sido omitido, quando tenha havido erro de identidade
estão próximas das situações de anulabilidade. O art. 197.0 , n. 0 l, estabelece que, em do citado, quando se tenha empregado indevidamente a citação edital,
processo, as nulidades só podem ser invocadas pelo interessado quer na observância quando se mostre que foi efectuada depois do falecimento ou da extinção
da formalidade, quer na repetição ou eliminação do acto dentro do prazo fixado no do citando e ainda quando se demonstre que o destinatário da citação
pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja
art. 199.0 , n.º 1.
imputável (art. 188.0 , n. 0 l);
1.3. Delimitação das invalidades A falta de vista ou exame ao MP (art. 194.º); esta utilidade ocorre quando,
devendo o MP intervir como parte acessória no processo (art. 5. 0 , n.º 4,
(a) Apesar de a epígrafe da subsecção que começa no art. 186. 0 e que engloba o
EMP), não lhe seja facultada a vista ou o exame do processo (art. 194.º,
art. 195.º ser "nulidade dos actos", a verdade é que importa distinguir entre a nulidade
n. 0 1).
processual e a nulidade de actos processuais:
A nulidade processual decorre da prática ou da omissão ilegal de um acto 2.3. Nulidades inominadas
processual; é o caso, por exemplo, da falta de citação (art. 187.º, 188.º e
O art. 195.º, n.º 1, fixa um regime geral para as nulidades processuais: a prática ou
191."); a omissão indevida de um acto produzem nulidade quando a lei o declare ou quando
A nulidade do acto processual decorre da invalidade quanto à forma, à
a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. Portanto,
falta de pressupostos ou ao conteúdo do acto; como exemplos de nulidades
prevêem-se no art. 195.0 , n. 0 1, as seguintes hipóteses:
nominadas de actos processuais podem ser referidas a ineptidão da petição A prática de um acto que a lei não admite; por exemplo: o réu apresenta um
inicial (art. 186.º) e a nulidade da sentença (art. 615.º, aplicável, aliás, a articulado não previsto na lei ou fora de prazo;
todas as decisões judiciais: art. 613.º, n.º 3, art. 666. 0 , n. 0 1, e 685. 0 ). A omissão de um acto que a lei prescreve; por exemplo, o mandatário
Importa falar, por isso, de invalidades processuais, que é o género que tem como judicial do apresentante não notifica o mandatário judicial da contraparte
40 espécie as nulidades processuais e as nulidades de actos processuais. 41
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Introdução L Elementos introdutórios

(art. 221.º, n.º l); a esta omissão deve equiparar-se tanto a não permissão que o regime comum deva ser reportado às invalidades processuais. Mutatis mutandis,
pelo juiz da realização de um acto que a lei permite - por exemplo, o o que vale para a invalidade do acto constitutivo vale para a inadmissibilidade do acto
tribunal recusa a réplica do autor num caso em que esse articulado devia postulativo.
ser admitido (art. 584.º) -, como a omissão não fundamentada de um acto (b) O regime estabelecido no art. 195.º só se refere à lei como parâmetro de aferição
discricionário do juiz - por exemplo, o juiz não promove, sem apresentar da prática ou da omissão indevida de um acto processual. O mesmo vale, no entanto,
nenhuma justificação, a audição do requerido num procedimento cautelar no caso em que o juiz, através dos seus poderes de gestão processual e de adequação
(art. 366.º, n.º 1)68 . formal (art. 6.º, n.º l, e 547.º), haja definido uma tramitação alternativa.

3. Nulidades de actos 4.2. Conhecimento

3.1. Enunciado (a) (i) O conhecimento das invalidades processuais é distinto para as nominadas e
para as inominadas:
As nulidades de actos processuais também podem ser nominadas ou principais
A generalidade das invalidades nominadas é de conhecimento oficioso (art.
(art. 186.º a 194.º) ou inominadas ou secundárias (art. 195. 0 , na parte respeitante à 196.º 1/parte);
omissão de uma formalidade imposta pela lei). O que vale para a nulidade dos actos
As invalidades inominadas não são de conhecimento oficioso, dado que só
constitutivos vale, mutatis mutandis, para a inadmissibilidade dos actos postulativos.
podem ser invocadas pelos interessados na observância da formalidade ou
3.2. Nulidades nominadas na repetição ou eliminação do acto (art. 196.º 2.ª parte).
(ii) Esta regra comporta, no entanto, algumas excepções significativas. Eis alguns
Os art. 187.º a 194.º contemplam os seguintes casos de nulidades de actos exemplos:
processuais:
É de conhecimento oficioso a nulidade decorrente da realização de um
A ineptidão da petição inicial (art. 186.0 ); esta nulidade verifica-se quando
acto fora de prazo, dado que, apesar de ser uma nulidade inominada, essa
o objecto do processo não esteja devidamente enunciado ou delimitado
realização contende com a extinção do direito a praticar o acto que decorre
(art. 186.º, n.º 2);
do decurso de um prazo peremptório (art. 139.°, n.º 3)69 ;
A nulidade da citação (art. 191. 0 ); esta nulidade ocorre quando não tenham
No âmbito dos actos postulativos, são de conhecimento oficioso a falta de
sido observadas as formalidades prescritas na lei para a citação (art. 191.º,
articulação, quando esta seja obrigatória (art. 147.º, n.º 2), bem como a
n.º l);
deficiência ou a falta de conclusões nas alegações do recorrente (art. 637.º,
O erro na forma de processo (art. 193.º); esta nulidade verifica-se quando a
n.º 2,639. 0 , n. 0 l e 3, e 641. 0 , n. 0 2, ai. b)).
parte tenha utilizado mna forma de processo diferente daquela que resulta
(b) Quando não deva ser entendida como sendo de conhecimento oficioso, a
da lei.
invalidade só pode ser invocada pelo interessado na observância da formalidade ou na
3.3. Nulidades inominadas repetição ou eliminação do acto (art. 197.º, n.º 1; sobre o termo ad quem da arguição,
cf. art. 198.º e 199.º). Não tem legitimidade para arguir a invalidade a parte que lhe
A omissão de uma formalidade que a lei impõe constituí causa de nulidade do
tenha dado causa ou que, expressa ou tacitamente, tenha renunciado à arguição (art.
acto processual (art. 195.º, n.º l). Por exemplo: a omissão do juramento da parte ou
197.º, n.º 2).
da testemunha constitui uma nulidade de acto processual (art. 459.º, n.º 1 e 2, e 513.º,
n.º l). 4.3. Invocação

4. Regime comum Qualquer das partes que nisso tenha interesse pode invocar a nulidade processual
decorrente da prática de um acto proibido ou da omissão de um acto devido. Há, no
4.1. Generalidades entanto, que considerar várias situações:
(a) Apesar de os art. 186.º a 202.º se referirem genericamente às "nulidades dos A nulidade foi cometida por uma das partes ou pelo tribunal, que
actos", a distinção entre nulidades processuais e nulidades de actos processuais impõe simplesmente praticou o acto proibido ou omitiu o acto devido; a parte

42 ""Cf. TFIXEIRA DF. SOUSA. CDP 17 (2007). 51 s. 69Sohwonrohlf'm» rf A"N~munrnor,.,Ton nPrlrr 11,:;M
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Introdução I. Elementos Introdutórios

interessada na eliminação do acto ou na observância da fonnalidade tem facto que pretende ver esclarecidas (art. 475.º, n.º l); a parte não pode sanar o vício,
legitimidade para arguira nulidade (art. 197.", n." I); mas a parte contrária, se estiver interessada na prova pericial, pode proceder a essa
A nulidade foi determinada por uma decisão do tribunal que dIBpensou a sanação70 .
prática de um acto obrigatório ou que impôs a prática de um acto proibido;
a decisão é contra legem e pode ser impugnada nos termos geraís; importa § 5.° Meio do processo civil
referir que, se a decisão recair sobre uma invalidade inominada (art. 195.º,
n.º 1), a mesma só é recorrível se a alegada invalidade contender com os I. Meios de composição
princípios da igualdade das partes ou do contraditório, com a aquisição
1. Generalidades
processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios (art.
630.º, n.º 2); Os meios de tutela de situações subjectivas - isto, é, as formas de justiça, num
O tribunal profere uma decisão depois da omissão de um acto obrigatório; dos muitos sentidos desta palavra - são fundamentalmente dois: a justiça privada e a
a decisão é nula por excesso de pronúncia (art. 615. 0 , n. 0 !, al. d)), dado justiça pública.
que conhece de matéria de que, nas circunstâncias em que o faz, não podia
conhecer. 2. Caracterização geral
4.4. Efeitos A justiça privada (ou autotutela) utiliza a força do titular do interesse ou as
forças que este, possa chamar em seu auxílio (concurso de parentes ou de amigos,
(a) (i) Decorre do art. 195.º, n. 1, que, em regra, as invalidades processuais só
0

por exemplo). E o sistema historicamente mais antigo, mas as suas desvantagens são
relevam se afectarem a finalidade da sequência processual: aquilo que o art. 195.º, n.º
1 (esquecendo um tanto o processo executivo), chama o exame ou a decisão da causa. óbvias: designadamente, a justiça privada quebra a paz social e deixa o direito à mercê
da força.
Os vícios da sequência processual ou dos actos processuais que não afectam o exame
ou a decisão da causa constituem meras irregularidades e são, por isso, irrelevantes. A justiça pública confia o vencimento da resistência do infractor a uma força ou
(ii) As consequências das invalidades processuaís são as seguintes: autoridade estranha à das partes em conflito (é a chamada heterotutela) e superior à
As que a lei impuser; a lei impõe, normalmente, a nulidade (art. 195.º, n." de ambas (par in parem non habet iurisdictionem ou potestatem ), portanto imparcial
l: ''produzem nulidade quando a lei o declare"), mas também pode impor a e capaz de impor a aceitação da hierarquização dos interesses quando esta não seja
inexistência (é o caso das hipóteses em que a lei tem certo acto ou elemento voluntariamente assumida pelos interessados. A justiça pública é fundamentalmente
de acto por não escrito: cf., por exemplo, art. 51 l.º, n. 0 3); justiça estadual (art. 202. 0 , n. 0 l, CRP), embora ela também possa ser administrada por
Se a lei nada disser e se o vício puder influir no exame ou na decisão da tribunais arbitrais (art. 209.º, n.º 2, CRP).
causa, este releva como causa de invalidade (art. 195.0 , n. 0 1 infine); se
assim não suceder, trata-se de uma irregularidade irrelevante. 3. Proibição da autotutela
(b) Se se verificar uma invalidade processual, não é só o acto viciado que é 3.1. Generalidades
afectado, mas também a sequência processual ulterior, embora nos estritos limites do
que dependa do acto viciado. É o que estabelecem o n." l do art. 186.º, o art. 187.º e A orientação do direito português (como, alíás, da generalidade das ordens jurídicas
os n.º 2 e 3 do art. 195.0 • contemporâneas) traduz-se na proibição, em regra, da justiça privada e na garantia do
acesso à justiça pública.
4.5. Renovação
3.2. Concretização
O acto nulo não pode ser renovado se já tiver expirado o prazo dentro do qual pode
ser praticado (art. 202.º l.ª parte), isto é, a nulidade processual ou a nulidade do acto (a) O art. 1.º estabelece a proibição da justiça privada: a ninguém é lícito o recurso
nunca pode ser sanada depois de já se encontrar esgotado o prazo para a prática do à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito. No entanto, o art. l.º
acto. Assim, enquanto estiver a decorrer o prazo para a prática do acto, a sanação da também prevê excepções: a autotutela é lícita nos limites da acção directa (art. 336.º
invalidade processual é sempre possível.
A renovação do acto também é sempre possível no caso de a mesma aproveitar a
quem não tenha responsabilidade na invalidade processual (art. 202.º 2." parte). Por
exemplo: a parte solicita a prova pericial, sem que, contudo, indique as questões de 70[:f ÁN~FTMOOFí'A~TRO nPrrn 111
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Introdução I. Elementos Introdutórios

CC; cf. também art. 1277.°, 1314.º e 1315.º CC), bem como nos casos especiais da que a protecção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo
legítima defesa (art. 337.º e 338.º CC) e do estado de necessidade (art. 339.º CC). razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão
(b) (i) O art. 2. 0 , n.º 2, estabelece que a todo o direito (ius), excepto quando a regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar.
lei detennine o contrário, corresponde uma acção (actio) destinada a reconhecê- O direito de acesso aos tribunais é expressão de um direito à acção, isto é, de
-lo em juízo ou a realizá-lo coercivamente (ubi ius, ubi remedium), bem como os um direito a requerer a intervenção dos tribunais para a resolução de um litígio 75 . À
procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção 71 • Assim, o titular da referida dimensão constitucional acresce uma paralela dimensão internacional dessa
situação subjectiva pode fazê-la valer através de uma acção; só o não pode onde a garantia: o art. 10.0 DUDH atribui a toda a pessoa o direito a que a sua causa seja
lei o proíba, como é o caso das obrigações naturais (art. 402.º CC) e de outros casos equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial; algo de
excepcionais (como o estabelecido no art. 436.º, n.º 2, CC quanto à fixação pela parte semelhante se dispõe no art. 6. 0 , n.º l, CEDH e no art. 47.º, § 2. 0 , CDF76. Trata-se de
do prazo para a resolução do contrato).
um direito fundamental de qualquer cidadão à prestação jurisdicional do Estado e que,
O art. 2.°, n.º 2, ao estabelecer a regra nullum ius sine actione, consagra o direito de
por isso, tem como contrapartida a responsabilidade do Estado por danos decorrentes
acção: trata-se ainda do entendimento clássico da actio como o ius quod sibi debeatur,
do exercício da função jurisdicional (art. 12.º a 14.0 RRCE).
iudicio persequendi (CEI.sus, D. 44.7.Slf'. A mesma relação entre o direito e a acção
(ii) O direito à acção - que é um direito do titular da situação subjectiva contra
também se encontra estabelecida, embora no âmbito mais restrito do incumprimento
o Estado - não deve ser confundido com o direito de acção·· que é um direito desse
da obrigação, no art. 817 .º CC: se a obrigação não for vohmtariamente cumprida, o
titular contra um titular passivo ou contra um não titular de um direito. Este direito de
credor tem o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento.
acção é um ius persequendi e resulta da correspondência entre o ius e a actio, tal como
(ii) Seguindo a classificação das acções constantes do art. l O.º, n. 0 1 e 2, pode falar-
se encontra estabelecida no art. 2. 0 , n. 0 2, e no art. 817.° CC; aquele direito à acção é
-se de um direito de acção de mera apreciação (art. 10.0 , n.º 3, al. a)), de condenação
um direito à prestação jurisdicional do Estado, tal como decorre do disposto no art.
(art. 10.º, n.º 3, ai. b)), de constituição (art. 10.0 , n. 0 3, al. c)) e de execução (art. 10.º,
20.º, n. 0 l, CRP e no art. 2. 0 , n.º l.
n.°4).
(b) (i) Do exposto é possível concluir que, no âmbito do direito à acção, se
4. Acesso à justiça pública encontram legalmente consagrados os seguintes direitos:
O direito de acesso aos tribunais ou direito à jurisdição, qualquer que seja
4.1. Relevância constitucional
a situação económica do interessado (art. 20.º, n.º l, e,52.º, n.º 3, CRP;
(a) (i) Em contraste com a proibição da justiça privada que consta, como enunciado art. 47. 0 , § 3.º, CDF)77; este direito não pode ser excluído pelo legislador
programático, do art. 1.0 , a CRP garante o recurso à justiça pública. O art. 20.º, n.º l, ordinário e, atendendo ao disposto no art. 18.º, n.º 2, CRP, todas as
CRP assegura a todos o acesso ao direito e aos tribunais para a defesa dos seus direitos restrições a esse acesso terão de ser avaliadas segundo um princípio da
e interesses legalmente protegidos (também art. 26.º, n.º 1, LOSJ)7 3• A proibição da proporcionalidade;
autotutela e o correlativo monopólio do Estado na administração da justiça implicam, O direito a uma tutela jurisdicional equitativa - concretizado,
como contrapartida, o direito do cidadão à justiça pública74 • O art. 2.º, n.º l, explicita designadamente, num procedimento com garantias fundamentais das
partes - e eficaz - traduzido, nomeadamente, no direito à obtenção de uma
decisão em prazo razoável (art. 20.º, n. 0 4, CRP; cf. art. 7. 0 -C EMJ);
71
Sobre a relação entre o ius e a actio, cf. Scm:Lz, Prinzipien des rõmischen Rechs (1934),
27 ss.; CoING, in CoINo/LAWSONIGRÕNFORS, Das subjektive Recht und der Rechtsschutz
der Persõnlichkeit (1959), 7 ss.""COING, Gesammelte Aufsãtze zu Rechtsgeschichte, HABSCHE!D (Ed.), Effektiver Rechtsschutz und verfassungsmãfüge Ordnung (1983), 37 ss.; na
Rechtsphilosophie und Zivilrecht I (1982), 241 ss.; KAUFMA."IN, JZ 1964, 482 ss. doutrina mais antiga, cf., p. ex., JELUNEK, System der õffentlichen subjektiven Rechte (1905),
72
O regime legal ainda é reconduzível à orientação de SAVIGNY, System des heutigen 124 ss.
rõmischen Rechts V (1841), 4 ss., e VI (1847), 1 ss. 75
Cf. MAURER, FS 50 Jahre Bundesverfassungsgericht II (2001 ), 474 ss.; cf., na perspectiva
73 Cf. PREUSS DuARrE, Garantia de Acesso à Justiça (2007), 83 ss.; LOPES DO REGO, Est.
da superação das concepções tradicionais sobre a acção, CoMOGLIO, Rdp 48 (1993). 465 ss.
Nunes de Almeida (2007), 833 ss.; ainda com muito interesse, CAPPELLETTJ/GARTH, Access to 76
Cf. TJ 22/10/2020 (702/19 P).
Justice I (1978), 3 ss..=Buff. L. Rev. 27 (1977/1978), 181 ss.; analisando o direito de acesso aos 77
Cf. TC 602/2006 (14/11/2006); TC 182/2007 (8/3/2007); TC 277/2007 (2/5/2007);
tribunais muna perspectiva processual, cf. BRUNS, FS Stürner I (2013), 257 ss. TC 311/2008 {30/5/2008); TC 83/2010 (3/3/2010); TC 273/2012 (23/5/2012); TC 440/2012
74('f T1mr1CFR Proce~~o civil.-,.-, CM!Íh!7Íone (1974). 161 s.~.: SrHWARICTrrrTWALn. in {?f,/Q/?01 ?\· ~""hm Q mQt,\,..;~ ~.f' r-,nn~• • ~ • <'•-- T Il-·· '>A ,,,.,..,, 11"-'"'"' ~ ,,.., .
l de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Introdução I. Elementos Introdutórios

O díreito a uma tutela jurisdicional efectiva, concretizado, nomeadamente, princípio do contraditório (art. 3.°, n.º 1 e 2)81 e a consequente "proíbição
no direito a executar as decisões dos tribunais (art 2.º, n.º 1 in fine) e no da índefesa"32 ;
direito a obter as providências necessárias para acautelar o efeíto útil da A imposição às partes dos deveres de verdade e de completude, ou seja, a
acção (art. 2.°, n.0 2 infine; sobre estas providências, cf. art 362.º a410. 0 )1 3 • proibição da litigância de má fé através da mentira ou das "meias verdades"
(íi) O direito de acesso aos tribunais ou direito à jurisdíção corresponde à vertente (art. 542. 0 , n.º l e 2, al. b));
externa do direito à acção; os direitos a uma tutela jurisdicional equitativa, eficaz e A confiança das partes nos actos do tribunal; o juiz não deve comportar-
efectiva à vertente interna desse direito. O cidadão tem direito a aceder não a urna se de forma contraditória durante o processo e as partes não podem ser
prejudicadas por erros ou omissões do tribunal e devem poder confiar nas
qualquer justiça, mas a uma justiça que, pela sua regulamentação, lhe dê garantias de
decisões e nos actos do tribuna1 83 ; além disso, as partes podem confiar que
equidade, eficácia e efectividade. Noutros termos: o direito à acção também implica a
actuam correctamente se actuarem de acordo com uma aparência que não
garantia de um processo equitativo, eficaz e efectivo.
têm motivos para duvidar de que corresponde à realidade: se, por exemplo,
(c) O direito de acesso aos tribunais não é incompatível com a obrigação do
num processo de insolvência, nunca tiver havido nenhuma decisão sobre a
pagamento pelas partes de custas processuais - que são verdadeiras taxas~-, desde que
sua natureza urgente e não houver nenhum indício de que o tribunal o tenha
as mesmas não sejam desproporcionadas em relação à utilidade económica da acção
considerado urgente, não pode ser exigido à parte que observe o prazo de
e não se traduzam num obstáculo ao acesso à justiça. interposição de um recurso como se esse processo fosse urgente34 ;
4.2. Processo equitativo A obtenção de uma decisão num prazo razoável; o prazo razoável só pode
ser determinado em face das círcunstâncias de cada caso (atendendo,
(a) O processo jurisdicional deve ser um processo equitativo (art. 20.0 , n. 0 4, CRP), nomeadamente, à complexidade do caso, ao comportamento das partes e
ou seja, recorrendo a uma expressão legal, o processo jurisdicional deve permitir à diligência do juiz); a violação do dever do proferimento da decisão em
alcançar a "justa composição do litígio" (art. 6. 0 , n.º 1, 7. 0 , n. 0 l, 37.º, n.0 2, 41 l.º prazo razoável é susceptlvel de justificar o recurso ao TEDH (art. 6.º, n.º
e 418. 0 , n.º 1yi_ O processo equitativo é uma contrapartida necessária do direito de 1, CEDH) e de fazer incorrer o Estado em responsabilidade civil (art. 12.º
acesso à justiça, pois que de nada serve ao particular aceder à justiça se a sua posição RRCE);
em juízo não se encontrar igualmente protegida. O processo equitativo comporta, A fundamentação, o carácter não arbitrário e a previsibilidade da decisão;
entre outras, as seguintes caracteristicas: a decisão deve ser fundamentada (art. 205.º, n.º I, CRP; art. 24.º, n.º 1,
A independência e a imparcialidade do tribunal; o tribunal da causa tem de LOSJ)8 5 e não deve ser arbitrária 36; as partes não devem ser surpreendidas
ser independente-· isto é, só pode estar vinculado à lei (art. 203.º CRP) - e
imparcial - ou seja, não pode nem beneficiar, nem prejudicar nenhuma das
partes (art. 6. 0 -C EMJ);
si Cf. TC 62/91 (13/311991); TC 209/94 (24/312004).
A observância do princípio do juiz natural, ou seja, a proibição de 6
'Cf. LOPES DO R.Eoo, Est. Cardoso da Costa (2003), 836 ss.; cf. TC 529/94 (28/9/1994);
desaforamento da causa pendente do tribunal legalmente competente para TC 278/98 (10/3/1998); TC 582/2000 (20/12/2000); TC 330/2001 (10/7/2001); TC 508/2012
qualquer outro tribunal (art. 39.º LOSJ); (2/12/2002); TC 287/2003 {29/5/2003); TC 104/2006 (7/2/2006); TC 632/2006 (16/l l/2006); sobre
A possibilidade de participação de ambas as partes e a igualdade de as relações entre a CRP e o processo civil, cf. RIBEIRO MENDES, Est. Nunes de Almeida (2007), 543
oportunidades (ou de armas) das partes (art. 4. 0 ) ; ambas as partes devem ss.; sobre a jurisprudência constitucional no âmbito do direito processual civil, cf. TEIXEIRA DE
poder usar os mesmos meios, levantar as mesmas questões e invocar SousA, in AAVV, XXV Anos de Jurisprudência Constitucional Portuguesa (2009), 67 ss.
os mesmos argumentos 3ll; uma das consequências desta igualdade é o 'l:lCf. TC 719/2004 (21/12/2004); TC 183/2006 (8/3/2006); cf. também Ac. STJ 9/2009, de 19/5.
'"STJ 9/7/2014 (2577/05.5TBPMS-P.C3.S1).
5
i Cf. TC 303/2003 (18/6/2003); sobre uma concepção semiológica e discursiva da
fundamentação das decisões judiciais, cf. TARUFFO, La motivazione de!la !>"entenza civile
13
Cf. CARRATIA, Rtdpc 73 (2019), l ss. (1975), 63 ss. e 107 ss.; sobre a relação entre o dever de fundamentação e o fim do processo,
wcr. TC 444/91 (20/11/1991). cf. STÜRNER, in TICHY/HOLLÀNDERIBRUNS (Eds.), The Judicial Opinion (2011 ), 384 ss.; sobre o
WICf. TEDH 27/4/2004 (62543/00), n." 56; TEDH 13/10/2009 (42981/04), n.º 47; TC âmbito e o sentido da regra da dispensa da fundamentação das decisões no processo canónico
516/93 (26/9/1993); TC 266/97 (19/3/1997); TC 497 /96 (20/3/1996); TC 655/98 (18/1 J/l 998); medieval, cf. KRIECHBAUM, GS Eckert (2008), 505 ss.
Tí' <;R?/1000 (201121200); TC 157/2001 (4/4/2001); TC 490/2005 (28/9/2005); TC 82/2007 MTC 444/91 (20/11/1994); TC 934/96 (10/7/1996; TC 278/89 (10/311998); TC 275/99
(515/1999). 49
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com a utilização pelo tribunal de argumentos que não tenham sido especial, quer quanto a acções a instaurar em Portugal (art. 3.º DL 71/2005, de 17/3),
díscutídos no processo (art. 3.º, n.º 3 2." parte). quer quanto a acções a propor num outro EM (art. 4.º e 5.º DL 71/2005).
(b) As consequências da violação do processo equitativo podem ser muito variadas.
5.2. Modalidades
Essa violação pode constituir uma nulidade processual, se for omitido um acto devido
ou praticado um acto não permitido (art. 195.º, n.º 1), uma nulidade da sentença, A protecção jurídica é concedida a quem se encontre em situação de insuficiência
se, por exemplo, esta não for devidamente motivada (art. 615. 0 , n. 0 l, al. b)), ou um económica (art. 7.º, n. 0 1, LADT) 87 • A protecção juridica reveste as modalidades de
fundamento de revisão, se, por exemplo, o juiz se deixou corromper (art. 696.º, ai. a)) consulta jurídica e de apoio judiciário (art. 6. 0 , n.º I, LADT):
ou se a citação do réu faltou ou é nula (art. 696.º, aL e)). Para além disto, a violação do A consulta jurídica consiste no esclarecimento técnico sobre o direito
processo equitativo pode justificar o recurso para o TC, se alguma norma ordinária for aplicável a questões ou casos concretos nos quais avultem interesses
interpretada contra a garantia constitucional do processo equitativo, e permite ainda pessoais legítimos ou direitos próprios lesados ou ameaçados de lesão (art.
a interposição de um recurso para o TEDH, com fundamento na violação do disposto 14.º, n.º l, LADT);
no art. 6. 0 , n.º l, CEDH. O apoío judiciário destina~se a assegurar a defesa em juízo dos interesses de
quem padeça de insuficiência económica e compreende, fundamentalmente,
43. Proporcionalidade do meio
a dispensa dos encargos com o processo e o pagamento do patrono ou de
(a) Os meios processuais definidos na lei obedecem a um princípio de um defensor oficioso (art. 16.0 , n.º 1, LADT).
proporcionalidade: quando o objecto é mais complexo, a tramitação também é mais
complexa. Basta comparar, por exemplo, a tramitação em 1.ª instância do processo II. Pressupostos processuais
comum (art. 552.º a 626.º) com a tramitação dos incidentes da instância (art. 292.º a
295.º). Ainda assim, isto não obsta a que se deva aferir se o meio que, em princípio 1. Generalidades
seria aplicável, não é afinal desproporcionado para a finalidade prosseguida pela parte. 1.1. Enquadramento
(b) A proporcionalidade do meio à complexidade da causa está subjacente ao poder de
gestão processual e de adequação formal do juiz (art. 6.º, n. 0 l, e 547.0 ). Importa distinguir entre os pressupostos de actos processuais e os pressupostos
processuais: os primeiros condicionam a validade ou a admissibilidade dos actos
4.4. Interpretação sistemática praticados em processo, sem que a eventual invalidade ou inadmissibilidade do acto
As fontes do processo civil devem ser interpretadas em conformidade com a CRP obste ao conhecimento do mérito ou à realização de medidas executivas; os segundos
e com os valores constitucionais próprios desse processo. Neste sentido, o direito condicionam a admissibilidade do processo e, portanto, o conhecimento do mérito ou
à acção tem por destinatário não só o legislador (que, em termos legislativos, deve da realização de medidas executivas. Por exemplo: nas causas de valor mais elevado,
consagrar um processo com garantias de equidade, eficácia e efectividade), mas as partes têm de estar representadas por advogado (art. 40.º, n.º I, al. a)); assim, não
também o juiz da causa (que deve interpretar os preceitos que regulam o processo em é admissível a contestação apresentada, numa dessas causas, pelo próprio réu; mas 0
consonância com aquelas garantias). vício inquina apenas o acto praticado, sem que possa obstar ao proferimento de uma
decisão de mérito, mesmo desfavorável a essa parte. A solução não pode deixar de ser
5. Protecção jurídica esta: se o vício que afecta a contestação obstasse ao proferimento de uma decisão de
mérito, isso constituiria um incentivo para que nenhum réu constituísse advogado em
5.1. Generalidades qualquer acção pendente.
Dado que os tribunais são o meio normal de tutela de situações jurídicas, importa
1.2. Concretização
assegurar que o acesso à justiça não seja impedido e que ajustiça não seja denegada por
insuficiência de meios económicos (art. 20. 0 , n. 0 l, CRP). Aqueles que se encontrem O tribunal só pode conhecer do mérito da causa ou realizar medidas executivas
em situação de insuficiência económica têm direito à protecção jurídica (art. 7.º, n.º 1 quando estiverem preenchidas algumas condições estabelecidas pelo regime
e 2, LADT), considerando~se como tais aqueles que, atendendo ao seu rendimento, ao
património e à despesa permanente do seu agregado familiar, não tenham condições
87
objectivas para suportar pontualmente os custos de um processo (art. 8.º, n.º 1, LADT). Considerando inconstitucional a exclusão das pessoas co!ectivas com fins lucrativos e dos
Para os litígios transfronteiriços que envolvam Estados da UE está definido um regime estabelecimentos individuais de responsabilidade !imitada estabelecida no art. 7.º, n.º 3, LADT,
50 cf. TC 591/2016 (9/J 1/2016), RLJ !47 (2018), 162 (anot J. C. LOUREIRO).
[ntrodução 1. Elementos Introdutórios
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa

processual. Assim, se um incapaz - como, por exemplo, um menor-, não representado do tribunal é condicionada por essa admissibilidade, dado que, ainda que falte algum
legalmente em juízo, formular um pedido, o tribunal não vai apreciar se tem razão pressuposto processual, o tribunal não pode deixar de proferir uma decisão em que
antes de o vício ser sanado e não julga de mérito se esse vício não vier a ser sanado: reconhece essa inadmissibilidade e retira as devidas consequências legais. O valor
de admissibilidade do processo também não depende da prática de nenhum acto por
o tribunal recusa-se a julgar o fundo da causa, pois que falta um requisito que a lei
nenhuma das partes. A irrelevância de qualquer acto das partes para a admissibilidade
exige quanto às partes, a capacidade judiciária (art. 15.0 , n. 0 l); identicamente, se for
do processo pode ser demonstrada através de dois exemplos: se o autor estiver
formulado um pedido de anulação de um acto administrativo num tribunal judicial,
devidamente representado por mandatário judicial e se, depois da entrega da petição
falta um requisito que a ordem processual exige para o tribunal conhecer do fundo da
inicial, não realizar mais nenhum acto em processo, isso não constitui motivo para
causa, que é a sua competência (art. 60. 0 ). As condições necessárias para o tribunal
o não conhecimento do mérito da causa, a favor ou contra essa parte; se o réu que
apreciar o mérito da causa - isto é, para proferir uma decisão de condenação ou de
é incapaz ou que é uma pessoa colectiva estiver devidamente representado pelo seu
absolvição do réu do pedido - ou para poder tomar medidas de execução chamam-se
representante legal, mas não praticar nenhum acto em processo, isso não obsta ao
pressupostos processuais. conhecimento do mérito da causa, também a favor ou contra essa parte.
1.3. Distribuição (b) O afirmado comporta uma excepção quanto à petição inicial ou ao requerimento
executivo. A petição ou o requerimento executivo sem pedido ou causa de pedir é uma
Os pressupostos processuais verificam-se quanto ao tribunal e às partes - que são
petição ou um requerimento inepto (art. 186. 0 , n. 0 2, al. a) e b)). Ora, esta ineptidão
os sujeitos do processo (havendo ainda pressupostos processuais subjectivos relativos conduz à nulidade de todo o processo (art. 186. 0 , n.º 1), que, por sua vez, constitui uma
ao tribunal e pressupostos processuais subjectivos relativos às partes) - e quanto ao excepção dilatória (art. 577 .º, ai. b )). Portanto, uma petição inicial ou um requerimento
objecto do processo (pressupostos processuais objectivos). Se de uma decisão for executivo apto (isto é, não inepto) constitui uma condição de admissibilidade do
interposto um recurso para um tribunal superior, há alguns pressupostos específicos processo in tato.
deste recurso.
2.3. Justificação dos pressupostos
2. Caracterização geral
A justificação dos pressupostos processuais é bastante variada. Por vezes, o
2.1. Função dos pressupostos pressuposto é exigido por razões de boa administração da justiça: é o que sucede, por
(a) Os pressupostos processuais tornam admissível o proferimento de uma exemplo, com a competência do tribunal em razão da matéria, que visa assegurar uma
decisão de mérito ou a realização de medidas executivas contra o executado. A certa especialização do tribunal, com a legitimidade das partes, que procura assegurar
esses pressupostos liga-se, portanto, um valor específico: o da admissibilidade. que estejam em juízo os interessados na solução do litígio, e ainda com o interesse
Correspondentemente, a falta dos pressupostos processuais toma inadmissível a processual, que visa evitar que os tribunais sejam chamados a decidir acções inúteis
decisão de mérito ou a medida executiva. e que os réus sejam demandados em acções sem utilidade prática. Outras vezes, o
(b) Atendendo a esta função específica dos pressupostos processuais - a de pressuposto é exigido por motivos de protecção da parte: é o caso, por exemplo, da
tomar admissível uma decisão de mérito ou a realização de medidas executivas -, capacidade judiciária, que visa evitar que os incapazes sejam prejudicados por não
compreende-se que eles devam ser assegurados pelo autor da acção ou pelo exequente, defenderem adequadamente os seus interesses em juízo, ou da competência territorial
que são as partes interessadas na decisão de mérito favorável ou na satisfação coactiva do tribunal, que procura evitar que o autor tenha de demandar ou que o réu tenha de
de um direito. Incumbe a estas partes assegurar que estão preenchidos os pressupostos ser demandado num tribunal afastado do centro dos seus interesses.
processuais necessários para o conhecimento do mérito da causa ou para a realização 2.4. Controlo dos pressupostos
das medidas executivas.
Os pre1;.supostos processuais têm de estar preenchidos desde o início da causa
2.2. Valor de admissibilidade e até ao encerramento da discussão em P instância (art. 604.º, n.º 3, ai. e)). Com
(a) A admissibilidade que é condicionada pelos pressupostos processuais é um excepção da competência do tribunal - que se fixa no momento da propositura da
valor respeitante ao processo in tato, não a cada um dos actos que nele são praticados acção (art. 38. 0 , n. 0 1, LOSJ)-, é relevante a falta de qualquer pressuposto processual
pelas partes e pelo tribunal. É fácil perceber porque é assim: a admissibilidade do que ocorra até esse encerramento. Nos recursos, os pressupostos processuais têm de
processo permite o conhecimento do mérito ou a realização de medidas executivas, estar preenchidos desde o momento da sua interposição até aos vistos dos juízes (art.
não a prática de nenhum acto pelas partes ou pelo tribunal. Nem mesmo a sentença 657.°, n.º 2, 679.º e 683.º, n.º 3). 53
52
[ntrodução I. Elementos Introdutórios
J. de Castro Mendes / M. Teixeira de Sousa

2.5. Modalidades dos pressupostos e 2, e 577.º)ss. Esta desígnação indicia o efeito da falta de preenchimento de um
pressuposto processual positivo ou o efeito do preenchimento de um pressuposto
(a) Os pressupostos processuais podem ser objecto de inúmeras classificações. processual negativo: o tribunal não pode ocupar-se do mérito da causa, mas pode
Atendendo ao âmbito, os pressupostos processuais podem ser gerais, especiais ou vir a fazê-lo, num momento posterior, quando o pressuposto em falta se encontre
específicos: preenchido. Em concreto, perante uma excepção dilatória, o juiz deve recusar ocupar-
Os pressupostos gerais respeitam a qualquer processo; é o caso, por -se do mérito da causa e, em regra, deve absolver o réu da instância (art. 576.º, n. 0 2).
exemplo, da competência do tribunal ou da legitimidade das partes; (b) A estrutura da excepção dilatória é completamente distinta consoante decorra
Os pressupostos especiais respeitam a certas situações processuais; é o da falta de um pressuposto processual positivo ou da verificação de um pressuposto
que sucede, por exemplo, com os pressupostos relativos à cumulação de processual negativo:
pedidos (art. 553.º a 555.0 ), à reconvenção (art. 266. 0 , n. 0 2, e 93.º, n. 0 l) ou No primeiro caso, a excepção dilatória assenta na impugnação de um facto
à intervenção de terceiros (art. 311.º a 350.º); alegado pelo autor; por exemplo: o autor instaura a acção no tribunal de
Os pressupostos específicos são relativos a fases do procedimento, como Lisboa, dado que, segundo alega, o réu tem domicílio nesta cidade (art. 80.0 ,
a recorribilidade da decisão (art. 629. 0 ) e a legitimidade para recorrer (art n.º l ); o réu excepciona a incompetência do tribunal, com o fundamento de
631."). que não tem domicílio no lugar indicado pelo autor;
(b) Considerando os efeitos, os pressupostos processuais podem ser positivos ou No segundo caso, a excepção dilatória não contradiz nenhum facto alegado
negativos: pelo autor, antes invoca um facto que impede o conhecimento do mérito
Os pressupostos positivos são aqueles que têm de estar preenchidos para da causa; por exemplo: o autor propõe uma acção contra o réu; o réu alega
que a decisão de mérito ou as medidas executivas sejam admissíveis; a que o pedido formulado pelo autor já foi apreciado, com a mesma causa de
generalidade dos pressupostos processuais integra-se nesta categoria de pedir, numa outra acção e invoca a excepção de caso julgado (art. 577.º, al.
pressupostos; i), 580.º e 581.º); as excepções que consistem na invocação de um facto que
Os pressupostos negativos são aqueles que não podem estar preenchidos impede o conhecimento do mérito da causa também podem ser designadas
para que a decisão de mérito ou as medidas executivas sejam admissíveis; como impedimentos processuais.
é o caso das excepções de litispendência e de caso julgado (art. 577.0 , al. i),
3.2. Conhecimento oficioso
580.º e 581.º) e da excepção de imunidade de jurisdição.
(c) Atendendo à sua função, os pressupostos processuais podem ser absolutos ou A generalidade das excepções dilatórias - mesmo daquelas que não constam da
relativos: enumeração (não taxativa) do art. 577.º - é de conhecimento oficioso (art. 578.º). São
Os pressupostos absolutos são aqueles sem cuja verificação não é admissível poucas as excepções dilatórias de que o tribunal não pode conhecer oficiosamente:
o proferimento de nenhuma decisão de mérito, nem condenatória, nem entre elas incluem-se algumas hipóteses de incompetência e a preterição de tribunal
absolutória; arbitral voluntário (art. 578.º 2.ªparte). Nos raros casos em que as excepções di\atórias
Os pressupostos relativos são aqueles que realizam uma função de protecção não são de conhecimento oficioso, qualquer das partes pode renunciar à sua invocação,
de uma das partes, pelo que eles só condicionam o proferimento de uma pelo que o processo é apreciado como se a excepção não se verificasse ou estivesse
decisão desfavorável a essa parte; por exemplo: o patrocínio judiciário sanada.
obrigatório do autor - isto é, a necessidade de essa parte estar representada Incumbe ao juiz da causa providenciar, mesmo oficiosamente, pelo suprimento das
por advogado (art. 40.º e 58.º) ~ só é condição de uma decisão desfavorável excepções dilatórias que sejam susceptiveis de sanação, em última análise convidando
a essa parte; a competência territorial do tribunal da acção (art. 70.0 a 84.º) as partes a realizar os actos necessários para essa sanação (art. 6. 0 , n.º 2). As excepções
só é pressuposto de uma decisão de procedência. dilatórias constituem fundamento para a contestação do réu (art. 571. 0 , n.º 2 2.ª parte)
3. Excepções dilatórias ou para a oposição à execução do executado (art. 729. 0 , ai. c), 730.º e 731.º).

3.1. Caracterização geral


(a) A falta de um pressuposto processual positivo ou a verificação de um
pressuposto processual negativo constitui uma excepção dilatória (art. 576.º, n.º l
81 Sobre a história das excepções (processuais) dilatórías, cf. SCHWALBACH, ZRG RA 2
54 (1881), 199 ss. 55
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Introdução I. Elementos Introdutórios

3.3. Absolvição da instância Por exemplo: a celebração do contrato de compra e venda que é alegada pelo autor é
relevante para a apreciação do mérito da causa (porque dela depende a condenação
A generalidade das excepções dilatórias conduz à absolvição da instância (art.
do réu a pagar o preço da coisa comprada), mas também o pode ser para a aferição
576.º, n.º 2). Esta absolvição, porque é uma decisão sobre matéria processual, produz
da competência internacional ou terrítorial do tribunal no qual foi proposta a acção
apenas caso julgado fonnal (art. 620.º, n.º l), pelo que não obsta a que se proponha
(porque qualquer daquelas competências se serve do lugar de celebração do contrato
outra acção sobre o mesmo objecto (art. 279. 0 , n.º 1). Este regime tem de ser objecto
como elemento de conexão para a detenninação do tribunal competente).
de uma interpretação restritiva, dado que há que entender que a segunda acção só é
(b) Nesta situação, o ónus da prova compete à parte onerada, nos tennos gerais
admissível depois de a falta do pressuposto processual que determinou a absolvição da
do art. 342.º CC, com a prova do facto (duplo) controvertido. Por exemplo: (í) o réu
instância ter sido corrigida ou sanada. Enquanto tal não suceder, o caso julgado (ainda
impugna o lugar do cumprimento da obrigação alegado pelo autor e excepciona a
que fonnal: cf. art. 620. 0 , n. 0 I) da decisão de absolvição da instância é suficiente para
competência internacional ou territorial do tribunal da acção; o ónus da prova desse
obstar à admissibilidade da segunda acção, porque, não tendo havido a correcção ou
sanação do vício, não se verificou nenhuma alteração na relação processual. lugar compete ao autor (art, 342.º, n.º l, CC); (ii) o réu (ou melhor, o representante
desta parte) excepciona a invalidade do negócio jurídico celebrado com o autor
4. Ónus da prova por incapacidade de exercício do demandado e, em consequência, excepciona a
íncapacidade judiciária desta parte (art. 15.0 , n. 0 2); compete ao réu a prova desta
4.1. Regime geral
incapacidade (art. 342.0 , n. 0 2, CC).
O preenchimento de um pressuposto processual torna-se controvertido quando o
réu arguir a correspondente excepção dilatória (art. 577. 0 ). Nesta hipótese, coloca-se 5. Apreciação dos pressupostos
o problema de saber se é o autor que tem de provar a verificação do pressuposto ou se 5.1. Apreciação prévia
é o réu que tem o ónus de provar a verificação da excepção. A solução orienta-se pelas
seguintes directrizes: No processo declarativo, os pressupostos processuais podem ser apreciados no
Ao autor incumbe a prova dos pressupostos processuais positivos, isto é, despacho liminar, nos restritos casos em que este despacho é admissível (art. 226. 0 ,
dos pressupostos cuja verificação é indispensável para o proferimento da n. 0 4, e 590.º, n.º 1), mas, em regra, esses pressupostos são apreciados no despacho
decisão de mérito; por exemplo: cabe ao autor a demonstração de que o saneador (art. 595.º, n.º 1, ai. a)). Em todo o caso, a decisão final, antes de apreciar
tribunal da acção é internacional ou materialmente competente, ou seja, o mérito, também deve conhecer das questões processuais que possam detenninar a
de que se verifica o elemento de conexão que atribui a esse tribunal absolvição da instância (art. 608.º, n.º l ). Prevê-se mesmo um caso em que a excepção
competência internacional ou material; dilatória pode ser apreciada oficiosamente · - e, portanto, também invocada pelas
Os pressupostos processuais negativos - isto é, os impedimentos processuais partes - até ao trânsito em julgado da sentença proferida sobre o mérito da causa: é a
- devem ser provados pelo réu; por exemplo: incumbe ao demandado a incompetência absoluta do tribunal (art. 96.º e 97. 0 , n.º 1).
prova das excepções de litispendência e de caso julgado (art. 580. 0 e 581 .º);
5.2. Dispensa da apreciação
as excepções de litispendência e de caso julgado não contradizem nenhum
facto alegado pelo autor para fundamentar a admissibilidade da acção, Dado que os pressupostos processuais condicionam a apreciação do mérito da
antes consistem na alegação de um facto que, sem colocar em dúvida os causa, não deve ser proferida nenhuma decisão de mérito sem que esteja assegurado
factos invocados pelo autor, impede os efeitos jurídicos pretendidos por o preenchimento de todos aqueles pressupostos. No entanto, esta prioridade da
esta parte89• apreciação dos pressupostos processuais pode mostrar-se contraproducente em
4.2. Factos duplos algumas circunstâncias90 • Quando o pressuposto processual prossegue uma finalidade

(a) Pode suceder que alguns factos controvertidos - isto é, factos alegados por
uma parte e impugnados pela outra - sejam relevantes quer para a apreciação do
mérito da causa, quer para o preenchimento de um pressuposto processual positivo. 00 cf. RIMMELSPACHER, Zur Prüfung vonAmts wegen im Zivilprozess (1966), 109 ss. e 122
ss.; LINDACHER, ZZP 90 (1977), 132 ss.; TEIXEIRA DE SOUSA, Die Zulãssigkeitsprüfung, 13 ss.
(análise histórica) e 37 ss. (construção dogmática); para uma primeira análise do problema no
direito processual civil português, cf. Tu1XEIRA DE SOUSA, ROA 49 {1989), 85 ss.; sobre uma
56 89
Cf. TEIXEIRA DE SOUSA, Die Zulãssigkeitsprüfung im Zivilprozess (2010), 84. visão de conjunto do problema, cf. HAt; FS Klamaris (2016), 357 ss. 57
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa
Introdução L Elementos Introdutórios

de protecção de uma das partes - como, por exemplo, a capacidade judiciária ou a 2. Direito de acção
competência territorial -, não tem sentido recusar o proferimento de uma decisão
de mérito favorável à parte que se procura proteger com o fundamento de que falta A parte demandante exerce, no processo, o seu direito de acção. Este direito é um
esse pressuposto processual. Com efeito, deixar de proferir uma decisão de mérito direito instrumental, porque é um meío para atingir um fim, que é a tutela de uma
favorável à parte com a justificação de que falta um pressuposto que a visa proteger situação subjectiva.
significa ignorar que aquela parte jamais poderá obter, em qualquer outra acção, uma
melhor tutela dos seus interesses. II, Concretização
É por isso que o art. 278.º, n.º 3 2.ª parte, estabelece que a subsistência de uma l. Enunciado do fim
excepção dilatória não conduz à absolvição da instância quando, destinando~se essa
excepção a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste a que, O fim do processo é a tutela dos direitos subjectivos atribuídos pela ordem
no momento da sua apreciação, se possa proferir uma decisão de mérito que deva jurídica e dos interesses legalmente protegidos por essa mesma ordem: a actividade
ser integralmente favorável a essa parte91 • Suponham-se os seguintes exemplos: (i) de aplicação da lei não é um complemento de uma ordem jurídica incompleta, mas
numa acção para cumprimento de dívida, o tribunal verifica que o réu incapaz não apenas a concretização, em cada caso, das regras daquela ordem.
se encontra representado e que o contrato invocado pelo autor é nulo; em vez de O processo civil não visa obter uma qualquer tutela dos direitos subjectivos,
ser tentada a sanação daquela excepção dilatória e de ser proferida uma decisão de dos interesses legalmente protegidos ou dos interesses difusos. Essa tutela tem de
absolvição da instância com base na incapacidade do réu (art. 577.º, al. c), e 278.º, corresponder à justa composição do litígio (art. 6.º, n.º l, 7. 0 , n.º l, 37.º, n.º 2, 411.º e
n. 0 1, ai. c)), justifica-se que seja proferida uma decisão de improcedência da acção 418.º, n.º l), ou seja, tem de ser adquirida no âmbito de um processo equitativo (art.
com fundamento na nulidade do contrato, isto é, com fundamento numa excepção 20.º, n.º 4, CRP).
peremptória (art. 576.0 , n. 0 3); (ii) num recurso interposto pelo réu condenado no
2. Tutela reflexa
tribunal a quo, a parte recorrida invoca a irrecorribilidade da decisão condenatória
atendendo ao valor da causa ou da sucumbência (art. 629.º, n.º l) e defende que essa A tutela de situações subjectivas privadas através do processo civil reflecte-se, de
decisão deve ser confirmada; em vez de discutir se a decisão é recorrível, justifica-se modo indirecto, no próprio sistema jurídico (em especial, no sistema jurídico privado).
que o tribunal de recurso confirme, se assim o entender, a decisão recorrida. A tutela daquelas situações assegura a justiça ·-- pelo menos, aquela que é inerente a
essas mesmas situações - e torna previsível a vida jurídica "" o que contribui para
§ 6.º Fim do processo civil a confiança no sistema jurídico. O processo civil realiza, por isso, uma importante
ftmção social.
I. Preliminares

1. Finalidade geral
O processo civil - como, aliás, todos os processos jurisdicionais - caracteriza-se
essencialmente pelo seu fim: é uma sequência de actos que se destinam aoproferimento
de uma decisão (no caso do processo declarativo) ou à satisfação coactiva de um
direito (na hipótese do processo executivo). Num plano mais geral, pode dizer-se que
o fim do processo civil é a tutela de situações subjectivas92 .

91
Cf. STJ 14/1/2015 (870/08.4TTLSB.L2.S1).
'>ZPara uma panorâmica geral dos fins do processo civil, cf. Stein/Jonas!BREHM (2014), vor
58 § 1, 5 ss.; RosENBERG/SCHWABIGOTIWALD, ZPR (2018), 3 ss.
59
Introdução II. Aspectos Gerais

3. Acções de simples apreciação


3.1. Noção
As acções de simples apreciação são definidas pelo art. 10.º, n.º 3, ai. a), como
aquelas que têm por fim obter unicamente a declaração da existência ou inexistência
II. ASPECTOS GERAIS de um direito ou de um facto.
3.2. Enquadramento geral
§ 7.° Classificações do processo civil
A acção de mera apreciação tem como antecedente remoto as actiones
I. Classificação pelo fim praeiudiciales do direito romano 1, mas a acção meramente declarativa apenas surgiu
na doutrina oitocentista a partir da construção de uma pretensão à declaração ou ao
1. Generalidades reconhecimento de um facto ou de um direito'.
Todos os processos civis prosseguem um mesmo fim: a tutela de direitos subjectivos, Actualmente, não é possível reconhecer um direito substantivo à declaração da
interesses legalmente protegidos e interesses difusos. Porém, os diferentes tipos de existência ou inexistência de um direito ou de um facto 3 • Por exemplo: o direito
tutela de situações subjectivas originam diferentes tipos de processos, diferentes tipos do credor ou o direito do proprietário permitem exigir a prestação ao devedor ou
de pedidos e ainda diferentes tipos de acções. reivindicar a coisa do esbulhador, mas esses direitos não comportam o direito a
A diferença entre alguns destes tipos não tem relevância na sequência processual: ser declarado credor ou proprietário; também não há nenhtun direito substantivo à
por exemplo, o processo através do qual se pede a condenação do réu a cumprir uma declaração de que tuna prestação contratual não foi cumprida ou de que o réu não
prestação é idêntico àquele em que se pede a simples apreciação de um facto ou de é proprietário de tuna coisa. O que há, como decorrência do direito de acção, é uma
um direito. Talvez por isso a classificação fundamental que o art. 1O.º apresenta e que pretensão processual à declaração de um facto ou de um direito.
se baseia nos diferentes tipos de tutela de situações subjectivas é referida ao plano da 3.3. Modalidades das acções
finalidade da acção: é por essa razão que o art. 10.0 tem como epígrafe "espécies de
As acções de simples apreciação podem ser positivas ou negativas. A acção é
acções, consoante o seu fim".
positiva quando tiver por fim obter a declaração da existência de um direito ou de
2. Acções declarativas um facto. É o que sucede, por exemplo, com a acção de declaração de nulidade de
um negócio jurídico ou com a acção de declaração da propriedade de um imóvel. O
2.1. Modalidades direito tem de respeitar às partes da acção, não à posição das partes perante terceiros 4.
O art. 10.°, n.º l, começa por estabelecer que as acções são declarativas ou Pela impossibilidade de aplicar o disposto no art. 557.º, n.º 2 (porque, desde Jogo, o
executivas. As acções declarativas, determina o art. 10.º, n.º 2, podem ser de simples preceito se refere a um pedido de condenação), não é admissível pedir a apreciação
de um direito futuro.
apreciação, de condenação ou constitutivas.
A acção de simples apreciação pode ter por objecto meros factos (art. 10.º, n.º 3, ai.
2.2. Cumulação a)), mas só são susceptíveis de declaração em juízo factos com relevância jurídica, isto
É possível cumular num único processo vários pedidos (art. 555.º), até de natureza
diferente, pelo que pode haver processos mistos, em que se peça, por exemplo, a
declaração da propriedade de certa coisa (pedido de simples apreciação: cf. art. 10.º,
1
n.º 3, ai. a)), a anulação por dolo de um contrato transmissivo de um direito real de Cf., em referência ao processo fonnu!ário, KAsERIHACKL, Rõm. ZPR (1996), 347 ss.;
sobre a evolução histórica das acções de simples apreciação, cf. JACOBS, Der Gegenstand des
gozo sobre ela (pedido constitutivo: cf. art. 10.0 , n.º 3, ai. c)) e ainda a condenação
Feststellungsverfahrens (2005), 103 ss.
numa indemnização de perdas e danos (pedido de condenação: cf. art. 10.º, n.º 3, al. 2
JACOBS, Der Gegenstand des Feststellungsverfahrens, 123 ss.; cf., p. ex., Büww,
b)). ZivílprozeBrecht (2003), I04, referindo-se às "Klagen zur Anerkennung eines Rechts"; sobre
as acções de apreciação negativa, cf. CARIGLIA, Profili genera!i delle azioni di accertamento
negativo (2013), 43 ss. (doutrina italiana) e 67 ss. (doutrina alemã).
3
Dif. JACOBS, Der Gegenstand des Feststellungsverfahrens, 127 ss. e 177 ss.
4
60 Sobre o problema, cf. ROSENBERG/ScHWABIGoTTWALD, ZPR (2018), 542. 61
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa II. Aspectos Gerais

é, factos dos quais possa resultar um efeito jurídico. Por exemplo: é absurdo pretender apreciação negativa~. Aliás, já na época do processo comum alguma doutrina
que o tribunal declare que choveu em certo dia, mas é admissível a acção destinada à considerava que os Provocationsprozefte (instaurados pelo provocado a instância do
fixação judicial da data provável da concepção (art. 1800.° CC). provocante) eram excepcionais, sendo apenas admitidos em duas situações: quando
0 difamante era chamado a provar em juízo as alegações que propala quanto ao
3.4. Apreciação negativa
provocante (provocactio ex lege difamarü) e quando alguém é intimado a propor uma
(a) A acção é negativa quando tiver por fim obter a declaração da inexistência acção para que o provocante não perca certas excepções pela demora na demanda
de um direito ou de um facto; é o caso, por exemplo, da acção destinada a obter (provocatio ex lege si contendat)9. Uma interpretação do disposto no art. 343.º, n.º
a declaração de que o autor não é devedor do réu. A acção de simples apreciação [, CC que, genericamente, dê cobertura à admissibilidade das acções de jactância
negativa levanta algumas dificuldades. Em doutrina, esta acção pode ser vista: vai ainda mais além, quanto ao âmbito destas acções, do que era aceite por alguma
Como uma acção nonnal, com um pedido detenninado (inexistência doutrina do processo comum.
de certo facto ou de certo direito) e uma causa de pedir, igualmente
3.5. Apreciação incidental
detenninada, do facto ou direito negado pelo autor (art. 186.º, n.º 2, ai. a),
e 581.º, n.º 4), que o autor deve alegar e provar; por exemplo: "Declare o Uma modalidade específica das acções de simples apreciação é a acção de
tribunal que eu, autor, não devo x ao réu, porque o contrato que com ele apreciação incidental. Qualquer das partes pode requerer que uma questão ou um
celebrei é nulo por simulação, como provareí"5; incidente que tenha sido suscitado numa acção pendente seja decidido com força de
Como uma acção peculiar, em que o autor se pode limitar a negar certa caso julgado material -· isto é, com força de caso julgado dentro e fora do processo
relação (possivelmente até determinada em abstracto: "Nada devo ao (art. 619.º, n.º 1) ~, desde que o tribunal da acção tenha competência internacional,
réu"), não invocando nenhum fundamento, antes empurrando para o réu o material e hierárquica para essa apreciação (art. 91.º, n.º 2). Por exemplo: numa
ónus de precisar e de provar o que impugna nessa negação e o respectivo acção destinada a obter o pagamento das rendas em atraso, o réu invoca a denúncia
fundamento ("O autor deve-me y, que eu lhe emprestei, como provarei")6•
do contrato de arrendamento; o autor, ao contestar essa denúncia, pode pedir que
(b) Pode julgar-se ver uma confirmação desta última posição no disposto no art.
esta questão seja apreciada com força de caso julgado material, situação em que,
343.º, n.º 1, CC: "nas acções de simples apreciação ou declaração negativa, compete
na hipótese de o tribunal da causa entender que não houve nenhuma denúncia, esta
ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga". Esta solução seria
decisão fica coberta pela força de caso julgado material em qualquer acção posterior
própria da construção da acção de simples apreciação negativa. Assim, por exemplo,
entre as mesmas partes.
se certa pessoa anda a afinnar "não pago, o contrato ·é nulo"; "A é meu devedor"
ou "sou filho de B", a lei dá ao autor a possibilidade de propor uma acção em que 4. Acções de condenação
constrange essa pessoa a definir in iudicio a sua posição: "eu afinno genericamente
que o contrato não é nulo; venha o réu concretizar e provar por que o julga nulo"; ou: 4.1. Noção
"eu afinno genericamente que nada devo; venha o réu concretizar por que se julga Segundo a definição do art. 10.0 , n.º 3, al. b), as acções de condenação são as que
credor, e prová-lo", ou ainda: "eu afinno genericamente que não sou pai do réu; venha têm por fim exigir a prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo
o réu alegar e provar porque se julga meu filho". É uma acção de um tipo, de origem a violação de um direito.
germânica, a que os antigos chamavam provocatio ad agendum (ou acção de jactância
ou de provocação), pois que coloca outra pessoa em situação semelhante à do autor, 4.2. Enquadramento
com o ónus e o risco de fundamentar e de provar o seu direito 7.
As acções de condenação são aquelas em que o autor faz valer uma pretensão
Hoje, esta concepção deve considerar-se ultrapassada: a acção de provocação
material, isto é, um direito a uma prestação (acção ou omissão), e correspondem ao
constitui um antecedente, mas não corresponde à actual fisionomia da acção de

1
Convém recordar as palavras de CHIOVENDA, Principii ( t 928), \66: "A importância prática
'Cf. BALTZER, Die negative Feststellungsklage aus § 256 ZPO ( 1980), 82 ss.; TElXE[RA DE da doutrina relativa à acção de simples apreciação consiste em ter definitivamente dissipado
SOUSA, RDES 25 (1978), 127 ss. o equívoco sobre as relações entre estas acções e os já abolidos juízos de jactância"; sobre a
"Cf. ANSELMO DE CASTRO, DPC J (1982), 211 SS. evolução dogmática das acções de apreciação negativa, cf. CAR.tGL!A, Profili generali. l 7 ss.
62 7 Cf., p. ex., WETZELL, System (1878), 103 ss. ''Cf., p. ex., ScmcK, Die Zwischenfestste!lungsklage des § 256 Abs. 2 ZPO (2013), 37 s. 63
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Introdução II. Aspectos Gerais

que o CC chama acções de cumprimento (a epígrafe da subsecção que começa no uma pretensão à omissão 10 . Há direitos que são instrumentos de defesa de outros
art. 817.º CC). Nestas acções pede-se a declaração do direíto a uma prestação, mas direitos (algo que é característico de muitos direitos potestativos) e também há
pede-se maís do que isso: pede-se ainda que, em consonâncía com a exigêncía do pretensões que são instrumentos de defesa de direitos. É o caso da pretensão à omissão
cumprimento da obrigação, o tribunal faça seguir essa declaração de uma ordem para (não contratual), dado que é o seu carácter instrumental que explica, por exemplo, que
que o réu cumpra, isto é, de uma condenação. Note-se que esta análise não significa essa pretensão não seja susceptível de ser cedida ou de se extinguir por prescrição 11•
que sejam cumuladas duas acções ou formulados doís pedidos: o pedido unitário de
condenação analisa-se em ambos os referidos elementos. 5. Acções constitutivas

4.3. Modalidades 5.1. Noção

As acções condenatórias podem ser acções ex praeterito, quando pressupõem a As acções constitutivas são definidas pelo art. 10.º, n.º 3, ai. c), como as que têm
violação de um díreíto e visam obter a condenação no cumprimento de uma prestação por fim autorizar uma mudança na ordem jurídica existente.
já vencída, ou in futurum, quando prevêem a violação de um direito e procuram obter a 5.2. Enquadramento
condenação do réu no cumprimento de uma prestação ainda não vencída no momento
em que esta se vencer (art. 1O.º, n.º 3, al. b)). As acções de condenação in futurum são (a) A relação material nestas acções é normalmente uma relação potestativa: o
admissíveis nas condições previstas no art. 557 .º, n. 0 1 (quanto a prestações periódicas) autor exerce um direito potestativo, estando os efeitos de tal exercícío sujeitos a uma
e 2 (quanto a prestações futuras). sentença favorável que reconheça e declare o direito e que, implicitamente, autorize
ou desencadeie aqueles efeitos 12. Assim, são acções constitutivas todas aquelas em
4.4. Acções inibitórias que sejam exercidos direitos potestativos, como, por exemplo, aqueles que se referem
(a) Uma modalidade específica das acções condenatórias é constituída pelas à impugnação ou revogação de actos jurídicos, à impugnação ou dissolução de estados
acções inibitórias, que são aquelas através das quais se exige a alguém a omissão da pessoais, à dissolução, denúncia ou resolução de negócios jurídicos, ao exercício de
violação de um direito. É o caso, por exemplo, da acção destinada a evitar a ofensa a direitos de preferência ou à destituição de cargos sociais.
direitos da personalídade (art. 70.º, n.º 2, CC), da acção de prevenção da perturbação Por vezes, o direito potestativo só pode ser exercido em processo: é o caso, por
ou esbulho da posse (art. 1276.° CC), da acção destinada a proibir a emissão de fumo e exemplo, do direito ao divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges (art. 1773.",
a produção de ruídos (art. 1346.° CC) ou ainda da acção que visa a inibição do uso ou n.º 3, CC) ou do direito à impugnação da patemídade presumida (art. 1838.º CC).
recomendação de clánsulas contratuais gerais (art. 25. 0 LCCG). Estes exemplos são Pode então falar-se, com base no disposto no art. 2. 0 , n.º 2, de um direito de acção
apenas concretizações legais de acções inibitórias (e não termos de uma enunciação constitutivo que o titular invoca contra a parte demandada 13 •
taxativa), pois que essas acções devem ser consíderadas admissíveis sempre que exista (b) Embora não se baseiem num direito potestativo, também são acções
o fundado receio da violação de um direito. constitutivas algumas acções que visam modificar ou impedir a produção de certos
(b) As acções inibitórias não devem ser confundidas com as acções de condenação
in futurum. A distinção pode ser estabelecida da seguinte forma:
As acções inibitórias impõem, de imediato, o cumprimento de um dever de rncr. RosENBERG/ScHWAa!GOTTWALD, ZPR (2018), 531; RAPISARDA, Profili della tutela
omissão; as acções inibítórias realizam uma função preventiva, dado que, civil e inibitoria { 1987), 236, inclui a tutela inibitória no tipo de "tutela declarativa reintegratória",
através da omissão que cominarn, visam obstar à violação de um direito; que "produz um ulterior efeito inibitório" e que consiste na "imposição de uma obrigação de
As acções de condenação in futurum impõem, no momento em que a abstenção ou de omissão".
obrigação se tomar exigível, o seu cumprimento; as acções condenatórias "HENCKEL, AcP 174 (1974), 144, atribui a essa pretensão apenas a função de "remédio
jurídico"ou de "meio de protecção".
in futurum prosseguem, como qualquer acção condenatória, uma finalidade
"Os direitos potestativos (Gestaltungsrechte) foram construídos por SECKEL (1864-1924)
repressiva, dado que se destinam a impor o cumprimento de um dever.
como a "contrapartida de direito privado" das sentenças constitutivas: SECKEL, FG Koch (1903),
(c) A configuração da acção inibitória (de base não contratual) é bastante 210; portanto, primeiro nasceu o meio de tutela (a acção constitutiva) e, depois, o direito
controversa, mas tende a prevalecer a orientação de que a essa acção está subjacente tutelado (o direito potestativo).
13 RosENBERG/ScHWAB/GoTTWALD, ZPR (2018), 547 s.; dif. LANGHEINEKEN, Der
Urteilsanspr~ch (l 899), 220 ss.; SCHLOSSER, Gestattungsklagen und Gesta!tungsurteile {1966),
~66 ss., quahficando o Gestaltungsklagerecht como um "direito público à constituição" que 0
64 titular faz valer, não contra a parte demandada, mas contra o Estado. 65
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Introdução II. Aspectos Gerais

efeitos jurídicos. Exemplos destas acções constitutivas processuais são as acções por que meios pode ser realizada esta demonstração da existência do direíto. Tais
que visam modificar a prestação de alimentos ou outras prestações dependentes de meios são os documentos taxativamente enumerados no art. 703.º, n.º 1: são as várias
circtmstâncias especiais quanto à sua medida ou à sua duração (art. 619.º, n.º 2), assim espécies de título executivo constantes deste preceito.
como a oposição à execução (art. 728.º, n.º l), os embargos de terceiro (art. 342.º, n. 0 7.3. Modalidades da execução
1) e a acção de anulação da sentença arbitral (art. 46." LAV).
Nos termos do art. 10.º, n.º 6, a acção executiva apresenta três subespécies,
5.3. Efeitos profundamente diferentes em tennos de tramitação: a execução para pagamento de
Os efeitos das acções constitutivas podem produzir-se ex tunc, isto é, retroactivamente quantia certa (art. 724.º a 858.º), a execução para entrega de coisa certa (art. 859.º a
(como acontece, por exemplo, na acção de anulação de um acto jurídico: cf. art. 289.", 867. 0 ) e a execução para prestação de facto (art. 868. 0 a 877. 0 ).
n.º l, CC), ou apenas ex nunc (como sucede, por exemplo, na acção de divórcio ou de 7 ,4. Formas de articulação
separação de pessoas e bens: cf. art. 1788.0 , 1789.0 e 1794.° CC). :fa t A uma acção condenatória não se segue necessariamente uma acção executiva. Se
6. Hipóteses duvidosas a acção for julgada improcedente e se nela não for proferida nenhuma condenação,
nada há a executar. Mas, mesmo que a acção declarativa condenatória termine com
Nesta matéria das classificações das acções existem alguns casos duvidosos. uma sentença de procedência, também não se segue a execução se esta sentença for
Importa analisar os seguintes: voluntariamente cumprida pela parte condenada.
A execução específica do contrato-promessa: este contrato é, nos tennos Acresce que, considerado o elenco dos títulos executivos que consta do art. 703.0 ,
do art. 830." CC, passível de "execução específica", através de "sentença n.º 1, nem toda a execução pressupõe uma anterior acção condenatória. A execução
que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso"; esta execução pode iniciar-se com base, por exemplo, num título de carácter negocial, como é o caso
específica, apesar do seu nome, opera mediante uma acção constitutivai 4; de uma escritura pública (art. 703.º, n.º 1, ai. b)).
A acção de investigação de paternidade ou de maternidade; a sentença
proferida nesta acção faz mais do que declarar a filiação natural: ela 8. Acção popular
constitui a filiação jurídica; trata-se, por isso, de uma acção constitutiva; 8.1. Generalidades
A acção de simples apreciação de direitos potestativos; uma acção de
simples apreciação sobre um direito potestativo não é admissível 15 ; por Em várias ordens jurídicas, multiplicam-se as formas de tutela colectiva de direitos:
exemplo: não é admissível pedir a simples declaração de que certo contrato uma das mais conhecidas é constituída pelas class actions norte-americanas, reguladas
é anulável ou de que há razões para requerer o divórcio, sem fonnular o na rufe 23 F.R.Civ.P. No ordenamento jurídico português, na sequência do disposto
correspondente pedido de anulação ou de divórcio. no art. 52.º, n.º 3, CRP, encontra-se prevista uma acção popular para a defesa dos
interesses difusos, tanto na área civil, como na área administrativa (art. 12.º LPPAP).
7. Acções executivas
8.2. Legitimidade popular
7.1. Generalidades
A acção popular pode ser proposta por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos
As acções executivas são aquelas em que o autor requer as providências adequadas civis e políticos, bem como por qualquer associação ou fundação defensora do
à realização coactiva de um dever de prestação (art. IO.º, n. 0 4). respectivo interesse difuso (art. 2.º, n." l, e 3.º LPPAP). O autor popular representa todos
os titulares do interesse difuso (art. 14.º LPPAP), embora a estes seja reconhecido o
7.2. Título executivo
direito de se auto-excluírem dessa representação (art. 15.", n. 0 l, LPPAP). Na hipótese
Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o seu fim e os de a acção popular ser julgada procedente, o caso julgado da respectiva sentença
seus limites (art. IO.º, n. 0 5). O tribunal não pode tomar providências executivas sem beneficia todos os titulares do interesse difuso, com excepção daqueles que tenham
primeiro se assegurar de que o direito assim satisfeito existe realmente. A lei fixa exercido o direito de auto-exclusão (art. 19.º, n. 0 1, LPPAP).

14 A."!DRADE PISSARRA, Horn. Moura Ramos I (2021 ), 493 ss.


66 15 Dif. ROSENBERG/SCHWABfÜOTTWALD, ZPR (2018), 541.
67
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa II. Aspectos Gerais
Introdução

II. Classificação pela forma 15.000 (art. 7.ºa21.ºRPOP); seo incumprimento respeitara uma transacção
comercial, o credor tem direito a recorrer à injilllção, independentemente do
1. Processo comum e especial
valor da causa (art. 10.0 , n. 0 l, DL 62/2013, de 10/5);
1.1. Distinção O procedimento europeu de injunção de pagamento, regulado pelo Reg.
1896/2006;
Os processos classificam-se, quanto à forma, em especiais e comuns (art. 546.º, n.º
O processo europeu para acções de pequeno montante, regulado pelo Reg.
1). O processo especial é aquele que se aplica aos casos expressamente designados
861/2007.
na lei e o processo comum o que é aplicável a todos os casos a que não corresponda
(b) (i) Dado que o processo especial prevalece sobre o processo comwn (art.
processo especial (art. 546.0 , n. 0 2). Por conseguinte, o processo especial é a forma de
546. 0 , n." 2 2.ª parte), coloca-se o problema de saber se algum destes processos e
processo cujo âmbito de aplicação está definido na lei; o processo comum, a forma
procedimentos especiais prevalece sobre o processo comum. O procedimento europeu
de processo cujo âmbito de aplicação se alarga a todos os casos para que não esteja
de injunção de pagamento e o processo europeu para acções de pequeno montante
previsto processo especial. são alternativos aos processos estabelecidos no direito interno dos EMs (art. l. 0 , n. 0
1.2. Aplicação 2, Reg. 1896/2006; art. l .º, § 1." 2." parte, Reg. 861/2007), pelo que os mesmos não
se sobrepõem a nenhum regime interno e, por isso, não afastam nenhum regime do
Para se determinar se, em certo caso, se deve usar o processo especial ou o processo Estado do foro.
comum, deve utilizar-se o seguinte critério: vê-se no CPC sobretudo no Livro V
s-
(ii) Mais complexa é a avaliação do conjunto constituído pela acção declarativa
(art. 878.0 a 1081.")- e em leis avulsas se algum dos tipos de processos especiais aí especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos e pelo
contemplados abrange, no seu âmbito de aplicação, a hipótese em causa; em caso procedimento de injunção. Aquela acção especial e este procedimento são alternativos
negativo, recorre-se ao processo comum. entre si (como decorre da possibilidade de convolação da injunção naquela acção: cf.
art. 17.º RPOP; art. 10.º, n." 2 e 4, DL 62/2013), pelo que importa verificar se, no seu
2. Regime do processo especial
conjunto, elas prevalecem sobre o processo comum. Apesar de não decorrer do regime
Nos termos do art. 549.", n." 1, os processos declarativos especiais regulam-se, legal nenhuma alternatividade do conjunto constituído pela acção declarativa especial
antes do mais, pelas disposições que lhes são próprias e pelas disposições gerais e e pelo procedimento de injunção em relação ao processo comum, estabeleceu-se na
comuns e, em tudo quanto não estiver regulado naquelas disposições, pelo que se prática o entendimento de que, no respectivo campo de aplicação, aquele conjunto é
encontra estabelecido para o processo comum. meramente alternativo a este processo comum.
3.3. Regimes especiais
3. Processo de declaração
Apesar de todo o processo declarativo comum seguir uma única forma (art. 548.0 ),
3.1. Generalidades
há algumas especialidades no respectivo procedimento em função do valor da causa.
O processo comum de declaração segue a forma única (art. 548."). Assim:
Nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação a tramitação
3.2. Âmbito de aplicação
posterior à fase dos articulados é distinta da tramitação das acções cujo
(a) O processo declarativo comum coexiste com alguns processos e procedimentos valor exceda esse quantitativo (art. 597.0 );
especiais. São eles os seguintes: Nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação, a perícia
A acção declarativa especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias é realizada por um único perito (art. 468.º, n.º 5);
emergentes de contratos (aprovada pelo art. 1. 0 DL 269/98, de 1/9, e Nas acções de valor não superior à alçada do tribunal de l." instância,
vulgarmente conhecida sobre o acrónimo AECOP); esta acção destina-se o limite do número de testemunhas é reduzido para metade do que é
a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos admissível nas causas de valor superior a essa alçada (art. 511.", n." 1 2.ª
de valor não superior a€ 15.000 (art. l." a 5.0 RPOP); parte);
A injunção (também aprovada pelo art. l. 0 DL 269/98); a injunção visa Nas acções de valor não superior à alçada do tribunal de l.ª instância, o
conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento tempo previsto para as alegações orais dos advogados e respectivas réplicas
de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a€ é reduzido para metade daquele que vale para as demais acções (art. 604.º,
68 nº','"Jªn<>rtP\

J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Introdução II. Aspectos Gerais

4. Processo de execução a 64.º RGTPC). O art. 12.º RGPTC atribui expressamente a qualidade de processos de
jurisdição voluntária a estes processos.
4.1. Generalidades
1.2. Especialidades da jurisdição voluntária
O fim da execução. para efeito do processo aplicável. pode consistir no pagamento
de quantia certa, na entrega de coisa certa ou na prestação de um facto, positivo ou A distinção entre os processos graciosos e contenciosos tem importância sobretudo
negativo (art. 10.°. n. 0 6). O processo executivo também pode ser comum ou especial porque aqueles processos são sujeitos a um regime peculiar, que diverge do regime
(art. 546. 0 , n. 0 l): o processo comum para pagamento de quantia certa pode ser geral dos processos contenciosos em quatro pontos fundamentais. São eles os seguintes:
ordinário ou sumário (art. 550.º, n.º l), mas os processos comuns para entrega de - Predomínio da conveniência sobre a legalidade, porque, "nas providências
coisa certa e para prestação de facto seguem a forma única (art. 550.º, n.º 4). Existe, a tomar o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo
assim. uma pluralidade de formas de execução, que resulta da combinação de dois antes adaptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e
critérios distintos: oportuna" (art. 987.º); este critério de decisão tem origem nas antigas
Um dos critérios atende ao fim da execução e distingue entre execuções para concepções que atribuíam natureza administrativa àjurisdição voluntária 16;
pagamento de quantia certa, para entrega de coisa certa e para prestação de Predomínio, quanto ao objecto do processo, do princípio inquisitório sobre
facto (art. 10. 0 , n. 0 6); ao contrário do que sucede na classificação pelo fim o dispositivo, dado que "o tribunal pode [ ... ] investigar livremente os
do processo declarativo em acções de simples apreciação. de condenação factos" (art. 986. 0 , n.º 2), não estando limitado aos factos articulados pelas
e constitutivas (art. 10.º, n.º 2), a classificação das execuções pelo fim tem partes, como sucede, em regra, no processo contencioso (art. 5.º, n.º l);
profunda repercussão na respectiva marcha (art. 724." a 858.º, 859.º a 867.º assim, por exemplo, se, num processo de suprimento do consentimento
e 868. 0 a 877. 0 ); de um dos cônjuges para alienação de imóveis em regime de comunhão
(art. 1000.º; cf. art. 1682.0 -A, n.º 1, e 1684.º, n.º 3, CC), ninguém alegar
O outro critério atende à forma da execução para pagamento de quantia certa
que o requerente está crivado de dívidas e que isso pode justificar a não
e está contido no art. 550.º, n.º l; em regra, aplica-se o processo sumário
alienação, mas a entidade decisória suspeitar do facto, pode investigá-lo
quando o título executivo fornece garantias suficientes da existência do
livremente e tomá-lo em conta para negar o suprimento que é requerido;
dever de prestar pelo devedor (art. 550.0 , n.º 2 e 3).
esta caracteristica dos processos de jurisdição voluntária deve ser vista
4.2. Regime aplicável em ligação com o critério de decisão (art. 987.º); é porque o juiz decide
segundo um critério de discricionariedade que lhe são atribuídos poderes
Ao processo de execução são subsidiariamente aplicáveis, com as necessanas
inquisitórios;
adaptações, as disposições reguladoras do processo de declaração que se mostrem
Inadmissibilidade da interposição de recurso para o STJ das resoluções
compatíveis com a natureza da acção executiva (art. 551.º, n.º !). Como a execução
proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade (art. 988.º,
para pagamento de quantia certa é a execução paradigmática, à execução para entrega n.º 2)11;
de coisa certa e para prestação de facto são aplicáveis, na parte em que o puderem ser,
Livre modificabilidade das resoluções, dado que estas podem ser alteradas,
as disposições relativas àquela primeira execução (art. 551.º, n.º 2).
sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias
supervenientes (art. 988. 0 , n. 0 1).
III. Classificação pelo critério de decisão
2. Critério da distinção
1. Jurisdição contenciosa e voluntária
2.1. Preliminares
1.1. Generalidades
Em épocas passadas, era muito comum distinguir os dois tipos de jurisdição da
Os processos de jurisdição voluntária encontram-se regulados nos art. 986.º a seguinte forma: a contenciosa desenrola-se entre pessoas que não estão de acordo, inter
1081.0 • Fora do CPC importa referir os processos tutelares cíveis, de que são exemplo
no/entes ou inter invitas; a graciosa decorre entre pessoas que estão de acordo, inter
os processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais (art. 34.º a
44.º RGPTC), de alimentos devidos a criança (art. 45.º a 47. 0 RGPTC), de efectivaçâo
da prestação de alimentos (art. 48.º RGTPC), de entregajudicíal de criança (art. 49.º
a 51.º RGPTC), de inibição e limitações ao exercício das responsabilidades parentais ' 6Na doutrina mais recente, cf. MANDRIOU, DDP (Sez. Civ.) 9 (1993), 149 s.
70 (art. 52.º a 59. 0 RGPTC) e de averi1macâo oficiosa da maternidade on natemi1forle (60 ° 17
Cf. STJ 6/6/2019 (2215/12.0TMLSB-R.Ll .S 1\.
"
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Jntrodução li. Aspectos Gerais

volentes 18 • Assim, o art. 1. 0 § Lº, CPC/1876 estabelecia: "O processo é contencioso Pode suceder, porém, que a lei defina como critério de decisão a discricionariedade:
quando mantém os direitos que são contestados; gracioso, quando regula os actos então funciona o estabelecido no art. 987. 0 • Por exemplo, na fixação judicial do prazo
jurídicos sem contestação de parte". (art. 1026.º e 1027.º), o juiz pode fixar, consoante o caso e dentro do pedido pelo
No entanto, não é a verificação ou não verificação de controvérsia, nem sequer requerente, um, doís ou três meses; no caso da tutela da personalidade, a determinação
a sua possibilidade ou impossibilidade, que caracteriza os dois tipos de processo. da medida adequada não é feita pela lei, mas deixada às circunstâncias do caso,
Apesar de haver processos voluntários que excluem a controvérsia - como sucede naturalmente sem extravasar daquilo que o requerente solicitar (art. 878.º; cf. art. 70.º
na separação ou divórcio por mútuo consentimento (art. 994.º a 999. 0 ) - , outros há a 81.º CC). É quanto à escolha entre vários consequentes (todos eles) permitidos que
em que ela se pode verificar: assim, por exemplo, se um dos cônjuges quiser pedir ao o art. 987. 0 determina não dever a entidade decisória preocupar-se com razões legais,
tribunal o suprimento do consentimento do outro cônjuge para vender um bem imóvel mas antes julgar por conveniência e oportunidade.
(art. 1682.º-A, n.º l, e 1684.º, n.º 3, CC), intenta um processo de jurisdição voluntária
no qual pode haver contestação da parte demandada (art. 1000.º, n.º 1 e 2). 2.3. Natureza jurídica

2.2. Critério proposto Apesar de nos processos de jurisdição voluntária o critério de decisão ser a
discricionariedade e de esta ser tipicamente um critério de decisão característico da
(a) O art. 987.º contém o critério da distinção entre os processos graciosos e área administrativa, não se pode concluir - aliás, contra uma antiga e importante
contenciosos: são processos de jurisdição voluntária aqueles em que as providências
corrente doutrináriaw ~ que aquela jurisdição tenha natureza administrativaz 1• Contra
são tomadas segundo critérios de conveniência e oportunidade. Dito de outro
esta caracterização vale a circunstância de a ponderação do tribunal não incidir sobre
modo: são processos de jurisdição voluntária aqueles em que o critério de decisão
o interesse público, mas sobre o interesse privado de cada um dos particulares 22 • Por
é a discricionariedac:le 19• Segundo este critério, o processo especial de tutela da
exemplo: quando o tribunal decide acerca da atribuição da casa de morada de família
personalidade (art. 878.º a 880.º) também é um processo de jurisdição voluntária,
após o divórcio (art. 990.º, n.º 1 e 3), o que releva é o interesse de cada um dos ex-
porque, independentemente de qualquer pedido relativo à responsabilidade civil, o
autor pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim -cônjuges na permanência nessa casa.
de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida (art. A utilização do critério de decisão para distinguir a jurisdição voluntária da
70.º, n.º 2, CC). jurisdição contencíosa permite concluir que pertencem materialmente à jurisdição
(b) O referido critério tem de ser entendido em termos cautelosos. Os processos voluntária aqueles procedimentos que, por virtude de movimentos de desjudicíalização,
de jurisdição voluntária terminam por resolução (art. 988. 0 ) ou sentença (art. 986.º, n.º passaram a ser da competência do MP (art. 2. 0 e 4. 0 DL 272/2001, de 13/10) ou dos
3). O art. 987.º não estatui que o tribunal da jurisdição voluntária escapa ao império conservadores do registo civil (art. 5. 0 e 6. 0 , n. 0 1, DL 272/2001).
da lei sempre que profere quaisquer resoluções ou sentenças, mas só quando toma
providências. Este termo dá uma ideia geral de decisão tomada para certo fim, dentro § 8.º Aplicação da lei processual civil
de uma medida de prudente arbítrio concedida a quem tem de a tomar.
Há condicionalismos face aos quais a lei só reconhece uma solução. Por exemplo, I. Interpretação e integração
se os cônjuges não acordarem sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que deles I. Regra geral
careça, o exercício das responsabilidades parentais relativamente aos filhos menores
e o destino da casa de morada de família, eles não se podem divorciar ou separar O princípio geral que domina a matéria da interpretação e integração do direito
por mútuo consentimento (art. 994. 0 ; cf. art. 1778.º CC). Em face destas regras processual civil é o de que este ramo de direito se inclui quase completamente, com
imperativas, a entidade decisória está vinculada à solução legal, sem poder aplicar o pequenas diferenças, na teoria geral do direito. Designadamente, são aplicáveis ao
disposto o art. 987. 0 •

20
Cf., p. ex., Auoruo, Rtdpc 2 ( 1948), 51 O ss.=ALLORJO, Sul la dottrina de lia gíurisdizione
18 Quanto ao direito romano, cf. KAsERIHACKL, Rõm. ZPR, !86 s.; WACKE, ZRG RA 106 e de] giudicato e altri studi (1957), 32 ss.; ALLOruo, Rdc 3 (1957/1), 1 ss.=ALwruo, Se.
( 1989), 180 ss.; para uma parte da doutrina, na jurisdição voluntária não há litígio entre as Calamandrei III (1958), 3 ss.
21
partes: cf., p. ex., CARNELUTil, Diritto e processo (1958), 62, considerando que a jurisdição Cf. MICHELI, Rdp 2 (1947-l), 18 ss., 101 ss. e 190 ss.; MICHELJ, Rdp 12 (1957), 526 ss.;
voluntaria é "tipicamente un processo senza lite". FAZZALARI, La giurisdizione volontaria (1953), 164 ss. e 175 ss.
21
72 1o Cf_ J,ENT. ZZP 66 ( 1953). 274. Cf. ZANOBIN!, Rdpubb 10 (1918-I), 183 s. 73
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Introdução II. Aspectos Gerais

processo cívil as soluções que, nesta teoria, forem dadas aos problemas levantados 2.2. Actos processuais
pela interpretação e integração da lei. Em especíal, as disposições comummente
entendidas como de teoria geral sobre o assunto - maxime, as constantes dos art. 9.º e (a) Em processo, importa considerar não só os actos necessários ao desenvolvimento
l O.º CC - são plenamente aplicáveis em processo civil. da instâncía, mas também os efeitos processuais de actos processuais. Quanto àqueles
actos, a regra é a aplicação imediata da leí nova aos processos pendentes (art. 12.º, n.º
2. Regras específicas l l.ª parte, CC), o que implica a observância do princípio tempus regit actum na sua
dupla vertente: a de que os actos processuais são regidos pela lei vigente no momento
A interpretação das regras processuais civis deve obedecer a dois importantes
da sua realização e a de que os actos praticados no domínio da lei antiga pennanecem
critérios:
admissíveis e válidos 26 •
A interpretação deve facilitar a tutela das situações decorrentes do direito
(b) Quanto aos efeitos de actos, há que aplicar igualmente as regras de direito
materiaF3, pois que "àquele que tem um direito, o processo deve dar, na
transitório formal que constam do art. 12.º CC. Admita-se que a lei nova, modificando
medida do praticamente possível, tudo e precísamente tudo o que ele tem
direito a obter"24 ; o disposto no art. 279.º, n.º 2, aumenta as condições em que se mantêm os efeitos
A interpretação deve favorecer a economia processual, pelo que, de entre cívís derivados da causa em que se verificou a absolvição da instância; a lei nova só é
duas interpretações possíveis, deve sempre escolher-se aquela que tiver aplicável às absolvições da instância proferidas após a sua entrada em vigor (art. 12.º,
n.º 2 P parte, CC).
menores custos para as partes e para o sistema judiciário25 •
2.3. Pressupostos processuais
II. Aplicação no tempo
(a) Os pressupostos processuais têm de estar verificados até ao termo da audiência
0
1. Generalidades final (art. 611.º, n. l), pelo que são apreciados segundo a lei vigente no momento
da decisão do tribunal sobre o seu preenchimento. Há, no entanto, uma excepção,
O recurso às soluções próprias da teoria geral do direito domina a solução do
constituída pela chamada perpetuatio fori: a competência do tribunal fixa-se no
problema da aplicação da lei processual no tempo. Também o direito processual civil
momento da propositura da acção (art. 38.0 , n.º l, LOSJ), sendo, em regra, irrelevantes
contém uma regra que prevalece sobre todas as demais: a da aplicação imediata da
quaisquer modificações legislativas que ocorram posterionnente a esse momento (art.
lei nova.
38.", n.º 2, LOSJ). Portanto, a lei nova sobre a competência do tribunal não é, em
2. Concretização regra, de aplicação imediata às acções pendentes.
(b) A protecção da confiança das partes justifica que a expectativa do recurso não
2.1. Regime geral
seja frustrada por um aumento da alçada do tribunal durante a pendêncía da causa. É
Em regra, todas as leis são de aplicação imediata (art. 12.º, n.º l l.ª parte, CC), por isso que o art. 44.º, n. 0 3, LOSJ estabelece que a admissibilidade dos recursos por
pois que todas as leis entram em vigor para se aplicarem de imediato às situações efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que foi instaurada a acção.
que abrangem. As leis novas devem aplicar-se, todavia, com respeito do domínio Isto significa que um recurso que era admissível no momento da propositura da acção
regido pela lei antiga, ou seja, não devem aplicar-se de fonna retroactiva (art. 12.º, não deixa de ser admissível se, durante a pendência da mesma, o montante da alçada
n.º 1 2.ª parte, CC). Estes princípios são válidos na teoria geral do direito e válidos, aumentar e se, por esse motivo, o valor da causa passar a ser inferior ao montante da
precisamente nos mesmos tennos, em direito processual civil. alçada (art. 629.º, n.º 1)27 •

n Stein/Jonas/BREHM (2014), vor § 1, 92 ss.; cf. HELLWIG, System I {1912), 14; SCHUMANN,
FS Larenz (1983), 571 ss. 26
Cf. ScHWEIGER, Intertemporales Zivilprozessrecht (201 l), 419; propondo, em alternativa,
24
"il processo deve dare per quanto e possibile praticamente a chi ha un diritto tutto a regra tempus regit processum e, portanto, a aplicação da lei nova somente a processos (e não
quello e proprio quello ch'egli ha diritto di conseguire": CHIOVENDA, Rdcom 9 (1911-I), a actos) posteriores à sua entrada em vigor, cf. CAPONI, Rdp 61 (2006), 456 ss.; sobre alguns
103=CHIOVENDA, Saggi I (1993), 110; cf. LIEBMAN, Rdp 25 {1970), 276, que se referia à aspectos históricos, cf. KARLOv1é, in UzELAc!VAN RHEE, Revisiting Procedural Human Rights
"massima attuabilità possibile delle legge per mezzo de! processo". (2017), 263 ss.
74 25
Stein/JonaslBREHM (2014), vor $ 1, 110 ss. 21 (:f Tr ?R7/QO 110/1 0/1 QQffl
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Introdução II. Aspectos Gerais

2.4. Negócios processuais 1.2. Problema da qualificação


À validade dos negócios processuais aplica-se, sem qualquer dificuldade, o disposto O princípio da territorialidade estabelece que os tribunais aplicam exclusivamente
no art. 12.º, n. 0 2 l .ª parte, CC: a validade, substancial ou formal, desses negócios é o direito processual do foro. Distinto deste problema respeitante à aplicação é 0
regulada, em regra, pelo regime vigente no momento da sua celebração. problema relativo à qualificação, ou seja, o problema de saber o que, para a própria
2.5. Direito transitório !ex fé:ri, é direito substantivo e o que é direito processual. Também pertence à fexfori
quahficar o que, para ela mesma, é direito substantivo e o que é direito processual.
Há problemas de direito processual intertemporal que se encontram legislativamente
resolvidos. Alguns são-no de modo expresso, como é o caso do art. 136.", quanto à 2. Concretização
lei aplicável à forma dos actos e do processo, do art. 297.º CC, quanto à alteração
2.1. Ámbito do princípio
de prazos, do art. 38.º, n. 0 2, LOSJ, acerca da fixação da competência, ou do art.
44.", n. 0 3, LOSJ, quanto à admissibilidade dos recursos por efeito da alteração das (a) Alguns casos que parecem excepções legais ao princípio da territorialidade
alçadas. Outros problemas são resolvidos de modo implícito, entendendo que de certa. da_ lei processual deixam de poder ser como tal considerados após uma análise mais
disposição se deduz uma solução de direito intertemporal: assim, quanto às regras cmda~os~..Do art. 11.º, n." 1 e 2, Reg. 593/2008 (Roma I) e do art. 36.ºCC resulta que,
sobre o valor da causa, o art. 299. 0 , n. 0 1, implica que as leis novas sobre esse valor em pnnc1p10, a forma da declaração negocial é regulada pela lei aplicável à substância
não se aplicam aos processos pendentes. do. negó~i~; portanto,. pode aplicar-se em Portugal o direito de um Estado em que 0
mutuo ClVli de quantia superior a€ 20.000 (art. 1143.° CC) seja passível de prova
III. Aplicação no espaço testemunhal, a qual deve ser aceite pelos tribunais portugueses. Contudo, é claro que
a preterição do art. l 143.º CC e a aplicação de uma lei estrangeira se referem, neste
1. Generalidades caso, a uma matéria de direito substantivo: as formalidades (ad substantiam mais que
1.1. Princípio da territorialidade ad probati~nem) de um acto jurídico regulador de interesses privados, pelo que se
trata da aplicação de uma regra de direito probatório material .
Quanto ao problema da aplicação no espaço das leis, vigora um princípio da . Porém, o modo _de produzir em juízo a prova deste acto só pode ser regulado pela
territorialidade: as leis emanadas de órgãos de um Estado aplicam-se, em princípio, lei processual do tnbunal onde a prova se produz. Assim, ainda que no país onde foi
apenas dentro do território desse mesmo Estado. Também aqui o direito processual cel~br_ado o mútuo seja admissível a prova deste acto por juramento, não O é perante
civil é tributário da teoria geral, embora ofereça uma especialidade importante: ao o dtretto português, porque, neste direito, o juramento não é um meio admissível de
passo que, nos outros ramos de direito, se admitem, através da aplicação de regras prod_uç~o de pr~ .. Esta disposição é de díreito processual (é, em concreto, urna regra
de conflitos, importantes excepções ao princípio da territorialidade, em direito de direito probatono formal) e, por isso, impreterível por lei estrangeira.
processual civil não há nenhuma excepção, pois que as regras de processo são de {b) Estabelece o art. 25." CC que o estado dos indivíduos, a capacidade das
aplicação exclusivamente territorial2 8• pessoas, as relações de família e as sucessões por morte são regulados pela lei
Assim, mesmo que as partes sejam estrangeiras ou o objecto da causa apresente pessoal dos~ re~pectivos sujeit~s. Como o art. 15.º, n.º 2, estabelece o princípio da
uma qualquer conexão com outras ordens jurídicas, dentro do território português só correspondencta entre a capacidade de exercício e a capacidade judiciária, por força
se aplica o direito processual civil vigente em Portugal: é a consagração do princípio do art. 25.º CC pode haver que preterir a lei portuguesa e aplicar uma lei estrangeira
da aplicação da !ex fori 29 • Deve ainda salientar-se que, mesmo em instrumentos de em matéria de capacidade civil (de direito substantivo); porém, uma vez fixada esta, a
harmonização legislativa, é comum a consagração do princípio da territorialidade: regra ~rocessual que se aplica no ordenamento português é sempre a do art. 15.º, n.º
veja-se, por exemplo, o disposto no art. 10.º, n. 0 2, Reg. 1206/2001 ou no art. 7. 0 , n.º 2. Assim,_ s~, num país estrangeiro, não vigorar a regra da correspondência, havendo
1, Reg. 1393/2007. pessoas c1v1hnente capazes que sejam judiciariamente incapazes, num foro português
essas pessoas consideram-se judiciariamente capazes, por força do art. 15.º, n.º 2.
2.2. Confirmação do princípio

' Stein/Jonas/8REHM (2014), vor § l, 322 ss.; dif. GRUNSKY, ZZP 89 (1976), 241 ss. e 252
8 ~a) ~o.nvém com~arar algumas regras de carácter processual com o princípio da
ss.; BRINKMANN, ZZP 129 (2016), 461 ss. terntonahdade da lei processual, para mostrar como, na realidade, se movem em
'.<O A~ '"'f'T l'"/f")(l{\'7 .-1,. h/1') planos distintos, sem interferirem entre si. É o caso das regras que versam sobre a
77
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Jntrodução JI. Aspectos Gerais

eficácia de actos processuais praticados no estrangeiro, da cooperação internacional 2.4, Processo civil internacional
dos Estados no plano processual e da recepção do direito internacional.
(b) (i) Do princípio da territorialidade das leis processuais não deve retirar-se O princípio da aplicação da !ex fori não obsta a que existam, no ordenamento
que os actos processuais validamente praticados com base numa lei estrangeira não processual português, algumas regras que só são aplicáveis quando a acção apresente
possam ser igualmente reconhecidos como eficazes na ordemjurldica portuguesa. Pelo uma conexão com várias ordens jurídicas. Nesta hipótese, há, por vezes, que recorrer
contrário: no direito interno português, reconhece-se eficácia executiva às sentenças a regras de conflitos de jurisdições para determinar se os tribunais portugueses são
proferidas no estrangeiro, nomeadamente desde que revistas e confirmadas por um internacionalmente competentes para apreciar a acção (cf., no âmbito do direito
tribunal da Relação (art. 706. 0 , n.º J, e 978. 0 a 985. 0 ); e reconhece-se mesmo eficácia interno, art. 59.º) e há que aplicar regras específicas para verificar a relevância da
meramente probatória sem quaisquer formalidades prévias (art. 978.º, n.º 2). Trata-se pendência da acção num tribunal estrangeiro (cf., no mesmo âmbito, art. 580.º, n.º
de um valor extraterritorial, por força da lei portuguesa, das sentenças, não das regras 3). É também através de regras próprias do processo civil internacional que se analisa
com base nas quais elas foram proferidas. se uma sentença estrangeira pode ser reconhecida em Portugal (cf., ainda no mesmo
(ii) A territorialidade das leis de processo não obsta a que os tribunais dos vários âmbito, art. 978.º a 985.º).
Estados cooperem no plano processual. No direito processual português, a lei permite
que os tribunais estrangeiros solicitem aos tribunais portugueses, através de cartas § 9." Princípios fundamentais
rogatórias, a prática de actos processuais (art. 172.º, n.º 1, e 180.º a 183.º). Isto não
quer dizer que a lei processual portuguesa deixe de ser territorial, porque nos casos I. Generalidades
indicados - actos praticados no tribunal de um Estado a rogo de outro Estado -
observam-se as faculdades previstas na lei do país onde o acto é praticado. Mesmo nos I. Modelos processuais
casos previstos no art. 7. 0 , n.º 1, Reg. 1393/2007, no art. 10.º, n.º 3, Reg. 1206/2001 1.1. Enunciado dos modelos
ou no art. 182.º, n. 0 2, o que se permite, não é que o tribunal português aceda a aplicar
uma lei estrangeira, mas que aceda a observar formalidades que não repugnem à lei O processo civil - e, em geral, qualquer processo jurisdicional pode ser
portuguesa. perspectivado segundo uma concepção pragmática ou programática:
(iii) A lei processual civil remete, em certas matérias, para o direito internacional, Para a concepção pragmática, a função instrumental esgota-se no momento
através de cláusulas gerais de recepção do direito internacional, nomeadamente de do input, isto é, o legislador preocupa-se em garantir que os litígios
origem convencional ou europeia (art. 8.º, n. 0 2 e 4, CRP): é o que faz designadamente possam "entrar" nos tribunais, mas não se preocupa com o modo como
nos art. 59. 0 , n. 0 l, 181. 0 , n. 0 l, 239. 0 , n.º 1, 580.º, n. 0 3, e 978.º, n.º l. A lei portuguesa "saem" deles; esta concepção pragmática é própria de uma visão liberal e
remete para o direito internacional ou europeu, pelo que não há quebra do princípio privatística do processo;
da territorialidade da lei processual. Para a concepção programática, a instrumentalidade processual abrange
os momentos do input e do output, ou seja, o legislador preocupa-se em
2.3. Excepções convencionais
garantir não só que os litígios possam "entrar" nos tribunais, mas também
O princípio da territorialidade da lei processual não apresenta excepções legais, que "saiam" deles através de decisões justas e adequadas ao caso; a
mas comporta uma excepção convencional. Em regra, as partes podem confiar o seu concepção programática é própria de uma visão publicística e social do
pleito a um tribunal arbitral (voluntário), nos termos do art. 280.0 e do art. l.º, n.º 1, processo.
LAV, podendo, na convenção de arbitragem ou em escrito posterior, acordar sobre as
1.2. Modelo programático
regras do processo a observar na arbitragem (art. 30.º, n.º 2, LAV). Ora, nada proíbe
que as partes o façam por remissão para uma lei processual estrangeira, que assim se O modelo programático do processo é o único aceitável, dado que o que se pede
toma aplicável em Portugal (embora não ex lege, mas ex voluntate). É claro que a lei ao juiz é o exercicio da função jurisdicional, e não a certificação, através da sentença,
só será aplicável se não repugnar aos princípios fundamentais do direito processual do que uma das partes conseguiu impor ou obter da outra em juízo. O objecto do
civil português (princípios de ordem pública processual internacional), entre os quais processo pode ser um "assunto das partes", mas a administração da justiça "em nome
são de contar os princípios da igualdade das partes e do contraditório (art. 30.º, n.º l, do povo" (art. 202.º, n.º 1, CRP) não pode deixar de ser um "assunto de todos".
al. b) e e), LAV).
78
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa
Introdução
II. A~pectos Gerais

2. Princípios processuais de alimentos contra outra e, seguidamente, desistisse do pedido, obtinha, com esta
actuação, em face do disposto no art. 285.º, n.º l, o mesmo resultado que obteria
O modelo programático do processo civil é infonnado por alguns princípios
c?°: uma renú~c~a ª? seu dir~ito; o_princípio da ínstrumenta!idade impõe que, nesta
jurídicos3°. Os princípios processuais ajudam a solucionar a "equação processual":
h1potese, a des1stencia do pedido sep nula (art. 289.0 , n.º l); (ii) proposta uma acção
uma decisão justa do processo com os menores custos, a maior celeridade e a menor
de investigação da paternidade, poderia o réu confessar, não o pedido em si, mas os
complexidade que forem possíveis no caso concreto. Esses princípios pertencem, por
fa~tos em que tal pedido se funda; se tal confissão, como é normal, fizesse prova de
isso, ao sistema interno do direito processual civil. tais factos (art. 358.º, n.º 1, CC), dar-se-ía, embora indirectamente, o estabelecimento
voluntário da paternidade; daí que, em obediência ao princípio da instrumentalidade
li. Princípio da instrumentaJidade a lei recuse a esta confissão o valor probatório pleno (art. 354.º, al. b), CC); por ess~
mesma razão, naquela acção a falta de contestação do réu não implica a confissão dos
1. Caracterização
factos articulados pelo autor (art. 567. 0 , n.º l, 568.0 , ai. c)) e a não impugnação destes
O princípio da instrumentalidade - que também pode ser designado por princípio factos também não determina a sua admissão por acordo (art. 574.º, n.º 2).
da submissão aos limites substantivos~· tem o seguinte enunciado: se a vontade das (b) Quando um efeito juridico é indisponível, a lei chega mesmo a restringir as
partes não pode conseguir certo efeito jurídico fora do processo, não deve ser possível acções de que esse efeito jurídico seja mera consequência eventual. Tome-se como
à pura vontade das partes conseguir tal efeito através de actuações processuais; não exemplo o limíte substantivo constante do art. 1682.º-A, n.º 1, al. a), CC: fora do
o deve ser nem directamente, nem indirectamente, nem eventualmente. Dado que o ?as? ~e casamento em regime de separação de bens, nenhum cônjuge pode alienar
processo civil tem uma posição instrumenta! perante o direito substantivo, o que este 1m~ve1s, mesm? próprios, sem o consentimento do outro; por força do princípio
não pennite também não pode ser alcançado através do processo. ~ mstrumentahdade, o art. 34.º, n.º l, impõe que, mesmo só para pôr em risco um
imóvel através de uma acção (reivindicado um imóvel, se o autor perder, fica assente
2. Consequências que o imóv:l não é dele), é necessário que ambos os cônjuges estejam em juízo ou que
2.1. Generalidades um deles de o seu consentimento ao cônjuge autor (também art. 786.º, n.º 1, ai. a)).
2.2. Indisponibilidade relativa
(a) Os efeitos juridicos que não estão na disponibilidade das partes são efeitos
jurídicos indisp:míveis, falando a lei, por vezes, de direitos indisponíveis (art. 345.º, (a) Em regra, a vontade das partes é determinante na constituição e na extinção de
n.º 1, e 354.º, ai. b), CC; art. 94.º, n.º 3, ai. a), e 289.º, n. 0 I), de relações juridicas relações juridicas; a aquisição e a perda de direitos dependem nonnalmente da vontade
indisponíveis (art. 4.º, al. b), CC) ou de matéria excluída da disponibilidade das dos transmitentes e dos adquirentes, por si só ou conjugada com outras vontades. Há,
partes (art. 333.º e 602.º CC). O princípio da instrumentalidade implica não só que porém, relações jurídicas cuja constituição ou extinção (e, portanto, direitos e deveres
não podem ser válidos os negócios processuais de desistência ou de confissão do cuja aquisição ou perda, absoluta ou relativa) está subtraída à vontade das partes: estas
pedido (art. 283. 0 , n.º !, e 289.º, n.º 1) e de transacção (art. 283.º, n.º 2, e 289.º, n.0 são as relações jurídicas indisponíveis. Simplesmente, é vulgar que, quanto a certa
I) celebrados nas acções que tenham por objecto direitos indisponíveis, mas também r:_Iação ?u direito, certas vicissitudes estejam vedadas à vontade das partes, outras
que, nessas mesmas acções, a revelia do réu não pode ser operante (art. 567.º, n.º nao: esta-se então perante relações juridicas relativamente indisponíveis.
l, e 568.º, ai. c)). É ainda pelo receio de se transfonnarem em meios indirectos de . Embora se possa renunciar a prestações já vencidas, o direito a alimentos, em
conseguir um efeito indisponível que a lei proíbe nestes casos o julgamento segundo s,_mesmo, não pode ser renunciado (art. 2008. 0 , n.º l, CC); assim, numa acção de
a equidade (art. 4.º, al. b), CC). ahmentos, em que se pede a condenação do devedor a prestá-los no futuro, não se
Para melhor compreensão do princípio da instrumentalldade, considerem-se pode desistir do pedido (art. 289. 0 , n.º l). Pode perguntar-se, no entanto, se o réu pode
os exemplos seguintes: (i) o art. 2008.º, n. 0 1, CC estatui que o direito a alimentos confessar o pedido de prestação de alimentos; a resposta é a de que é admissível a
não pode ser renunciado; trata-se, portanto, de uma relação jurídica indisponível, co~fiss~o desse pedido, pois que, se é verdade que o direito a alimentos não se pode
nomeadamente por renúncia do credor; ora, se uma pessoa propusesse uma acção extmguir ex voluntate, já, pelo contrário, esse direito pode constituir-se ex voluntate.
Além disso, como o montante dos alimentos pode ser fixado por acordo (art. 2006.º
C~; cf. ar~. 385.º, n.º l e 2), se A tiver pedido a condenação de B a pagar-lhe€ 500 por
mes de ahmentos (art. 2005.º, n.º l, CC), A pode desistir de parte do pedido, quanto
30
Sobre a construção histórico-dogmática dos princípios processuais, cf. PAN7AROLA, RISG ao montante (desistir por exemplo de€ 100 e passar a pedir só€ 400) mi tr,in~1,.,,;~
80 NS (2014), 315 ss.
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Introdução II. Aspectos Gerais

relativamente ao montante dos alimentos (acordando as partes que o devedor deve CC) e a acção tiver sido proposta pelo cônjuge que o puder confirmar
pagar€ 350). (art. 1639.º, n. 0 1, 1640.0 , n. 0 2, e 1641.º CC); a confissão do pedido e a
(b) Numa acção de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, é admissível transacção são inadmissíveis;
a desistência do pedido (art. 289.º, n.º 2). Em contrapartida, o direito ao divórcio - Acção de anulação do casamento por simulação (art. 1640.º, n.º 1, CC): a
ou à separação é inegociável; assim, por força do princípio da instnunentalidade, desistência do pedido é admissível; a confissão do pedido e a transacção
numa acção de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges a transacção não é não são inadmissíveis;
admissível. Acção de anulação do casamento por falta de testemunhas (art. 1642.º CC):
(c) Há ainda outro tipo de relações jurídicas relativamente indisponíveis: aquelas não é admissível nem a desistência do pedido, nem a confissão do pedido,
em que a parte só pode dispor do direito por certa fonna, com exclusão de qualquer nem a transacção;
outra. Um exemplo: duas pessoas, não se verificando nenhum impedimento, podem Acções de anulação ou declaração de nulidade de convenções antenupciais
livremente casar (art. 1596. 0 e 1600.° CC); a celebração do casamento é, pois, um (depois de celebrado o casamento): é admissível a desistência do pedido,
efeito juridico disponível; daqui, em rigor, deveria resultar a admissibilidade de uma mas não a confissão do pedido, nem a transacção (art. 1701.º, n.º 1, e 1714.º
acção declarativa do casamento, seguida de uma confissão do pedido: seria uma CC);
espécie de "casamento processual". Acção de simples separação judicial de bens (art. 1767.º CC): é admissível
Tal não é, contudo, possível. O casamento celebrado em Portugal só pode provar- a desistência do pedido; não é admissível nem a confissão do pedido (art.
-se por certidão do registo civil (art. 4.° CRegC), não sendo admissíveis outros meios 1714.º CC), nem a transacção;
de prova, nem sequer uma sentença. A lei não permite "casamentos processuais". Acção de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens sem
A relação jurídica matrimonial é, mesmo quanto à constituição, relativamente consentimento de um dos cônjuges (art. 1779.º e 1794.º CC): é admissível
indisponível, na medida em que só pode constituir-se pelas formas referidas no art. a desistência do pedido (art. 289. 0 , n. 0 2); não é admissível nem a confissão
1587.º, n.º l, CC. do pedido, nem a transacção;
Acção (de simples apreciação) destinada a fixar a data provável da
2.3. Determinação da indisponibilidade concepção (art. 1800.0 , n.º l, CC): é admissível a desistência do pedido;
(a) Por vezes, é difícil determinar se, ou em que medida, a relação jurídica é não é admissível nem a confissão do pedido, nem a transacção;
disponível ou indisponível. Por exemplo: pode discutir-se se o autor de uma acção de Acção de impugnação da maternidade (art. 1807.° CC): é admissível a
investigação de paternidade (art. 1869.º CC) pode desistir do pedido; a favor de uma desistência do pedido; não é admissível nem a confissão do pedido, nem a
resposta afirmativa pode aduzir-se que o autor poderia não ter proposto a acção; contra transacção;
essa desistência pode invocar-se a irrenunciabilidade do estado pessoal. Pode ainda Acção oficiosa de investigação de maternidade (art. 1808.º CC): não
discutir-se se, nessa mesma acção, o réu pode confessar o pedido: pode defender-se é admissível nem a desistência do pedido, nem a transacção; todavia, a
que, sendo a acção proposta contra o investigado (art. 1873.0 e 1819.º, n.º 1, CC), pretensa mãe pode confirmar a maternidade (art. 1808.º, n.º 3, CC), o que
o réu pode confessar o pedido, tal como pode perfilhar (art. 1847.º CC). Pode, por equivale a uma confissão do pedido;
fim, discutir-se se nessa acção pode haver transacção. Parece impor-se, em todos - Acção de impugnação da paternidade presumida (art. 1838.º CC): é
estes pontos, uma resposta negativa: na acção de investigação de paternidade não admissível a desistência do pedido; não é admissível nem a confissão do
é admissível nem a desistência do pedido - porque o estado civil é irrenunciável -, pedido, nem a transacção;
nem a confissão do pedido - porque a relação de filiação não pode ser constituída ex Acção oficiosa de investigação de paternidade (art. 1864.º CC): não é
voluntate -, nem a transacção- porque a qualidade de filho é indivisível e inegociável. admissível nem a desistência do pedido, nem a transacção; no entanto,
(b) Podem ser sucintamente analisadas algumas das principais acções respeitantes nesta acção é admissível o reconhecimento da paternidade através da
a relações juridicas indisponíveis, verificando a admissibilidade quer da desistência perfilhação (art. 1853. 0 , ai. d), e 1865.0 , n. 0 3, CC), o que equivale a uma
e da confissão do pedido (art. 283. 0 , n. 0 1), quer da transacção (art. 283. 0 , n.º 2; art. confissão do pedido;
1248.' CC); Acção de alimentos: não é admissível a desistência do pedido (art. 2008.º,
Acção de anulação do casamento, em geral (art. 1632.º CC): a desistência n. 0 l, CC); são admissíveis a confissão do pedido e a transacção.
do pedido é admissível, se o casamento for confirmável (art. 1633.0 e 1635.º
83
Introdução II. Aspectos Gerais
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa

pôr termo ao processo, nomeadamente através de um negócio processual concluído


2.4. Efeitos da indisponibilidade
numa causa (art. 277. 0 , ai. b) e d), 280. 0 e 291. 0 ) ou num recurso pendente (art. 632.º,
Alguns preceitos legaís aplicam-se a qualquer caso de índisponibilídade do direito, n.º 5). Estes negócios processuais não são admissíveis quando o processo respeitar
mesmo que seja relatíva. É o que acontece, por exemplo, com o art. 4.º, al. b), CC, a um direito indisponível (art. 289.º, n.º 1), mas, tal como a parte não tem de tutelar
relativo à escolha da equidade como critério de decisão. em juízo nenhum díreito indisponível, também nada obsta à extinção de um processo
respeitante a um direíto indisponível por falta de impulso processual dessa parte (art.
III. Princípio dispositivo 277. 0 , al. c), e 281.º, n.º 1).
1. Caracterização do princípio 3. Delimitação do objecto
1.1. Generalidades A delimítação do objecto do processo pelas partes é consequência da autonomia
O princípío dispositivo determina que a vontade relevante e decisiva no processo é das partes no âmbito do direito privado (art. 405.° CC) e, em especial, da liberdade de
a das partes, cabendo a estas o dominium litis e não incumbindo ao tribunal qualquer disposição e de exercício dos direitos pelos respectivos titulares.
iniciativa própria (non procedat iudex ex offeio)31 • O princípio dispositivo é um
princípio multifacetado que respeita tanto à disponibilidade sobre o processo, como à 4. Relevância do pedido
delimitação do objecto do processo. 4.1. Pedido da parte
1.2. Sentido operativo (a) Relativamente à delimitação do objecto do processo, há que fazer uma distinção
A concepção programática do processo implica que o princípío dispositivo deíxe entre a formulação do pedido e a alegação dos factos necessários à decisão do tribunal.
de poder ser entendido como um princípio constitutivo do processo civil e passe a ser Quanto ao pedido, são as partes ·· e, em especial, o autor e o réu reconvinte - que o
concebido como um principio operativo: o processo está na disponibilidade das partes delimitam e fixam livremente (art. 552.º, n.º l, ai. e), e 724.º, n.º l, al. f)). É por
apenas na medida em que o interesse público não seja afectado pela disponibilidade dos ísso que a sentença não pode condenar em quantidade superior (plus) ou em objecto
titulares sobre o "se", o "quando" e o "como" da tutela das suas situações subjectivas. diverso (aliud) do que for pedido pela parte (art. 609.º, n.º 1), sob pena de ser uma
Isto significa que o princípio dispositivo comporta algumas restrições. decisão nula (art. 615. 0 , n.º l, ai. e), 666. 0 , n. 0 l, e 685. 0 ). Assim, por exemplo, se o
autor não formula na petição inicial, nem em ulterior ampliação, pedido de juros de
2. Disponibilidade do processo mora, o tribunal não pode condenar o réu no pagamento desses juros32 • Note-se que o
2.1. Disposição inicial tribunal pode absolver o réu (do pedido ou da instância), mesmo que este demandado
não tenha formulado nenhum pedido: a admissibilidade da absolvição decorre da
Em processo civil, o tribunal não pode decidir iniciar um processo--· é sempre uma improcedência do pedido do autor ou da inadmissibílídade da apreciação do mérito
parte que tem de o fazer (art. 3.0 , n. 0 l). É o princípio da disposição sobre o início da acção.
do processo, do pedido, do impulso processual inicial ou da iniciativa processual, (b) Por vezes, as partes formulam pedidos em que quantificam o montante
expresso nos brocardos nemo iudex sine actore, ne iudo: proceda! ex officio, ubi non que pretendem conseguir em "pelo menos € ....". Em regra, o montante indicado
est actio, ibi non est iurisdictio ou Wo kein Kldger ist, da ist kein Richter. O tribunal determína o limite da condenação do demandado, a menos que se possa concluir
superior também não se ocupa da causa sem a parte legitimada interpor o recurso (art. que esse montante é apenas uma parcela de um montante mais elevado e ainda não
637. 0 , n. 0 1). liquidável no momento da formulação do pedído (art. 609.º, n.º 2).
2.2. Disposição posterior 4.2. Permissão de minus
Às partes também incumbe o impulso subsequente do processo. A falta deste (a) A vinculação do tribunal ao pedido da parte não impede que o tribunal profira
impulso pode conduzir, entre outras consequências (art. 281.º, n. 0 2,648, n. 0 1, e 763.0 , uma decisão que atribua menos do que a parte pediu. Salvo o caso raro de a interpretação
n.º 1), à deserção da instância (art. 281. 0 , n.º 1). Em regra, as partes também podem do pedido da parte mostrar que esta só está interessada no "tudo ou nada", a concessão

11 Sobre as bases ideológicas do princípio dispositivo, cf. B6HM, Jus Commune 7 ( 1978),
32
Ac. STJ 9/2015, de 24/6. 85
84 136 ss.; LEIPOLD, JZ 1982, 441 ss.
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Introdução II. Aspectos Gerais

de um minus é sempre possível em relação a pedidos quantitativos (pedidos relativos - isto é, factos que complementam ou concretizam os factos principais (art. 5.º, n.º
a montantes pecuniários ou pedidos respeitantes a quantidades). Assim, por exemplo, 2, ai. b))33, independentemente de eles serem favoráveis ou desfavoráveis à parte
o tribuna! pode condenar o demandado por uma dívida pecuniária em menos do que que os alegou em juízo. Se, por exemplo, o réu invocar factos dos quais resulta o
o autor pede e pode reconhecer a propriedade do autor apenas sobre uma parcela do reconhecimento do crédito do autor, ainda assim o tribunal pode utilizar esses factos
imóvel. como fundamento da procedência da acção contra essa mesma parte. Pode falar-se
(b) Em regra, a atribuição de um minus qualitativo é admissível quando o autor de um princípio de aquisição processual: factos alegados por qualquer das partes
tenha formulado um pedido de condenação (art. 10.", n.º 3, al. b)) e o tribunal, embora são sempre factos adquiridos para o processo, não importando se são favoráveis ou
não possa condenar o réu na realização da prestação, possa reconhecer o díreito desfavoráveis à parte que os invocou em juízo.
alegado pelo autor (art. 10.º, n.º 3, ai. a)). Para além desta situação, a condenação
A situação também é possível quanto ao autor. Suponha-se, por exemplo, que o
do réu num minus qualitativo só é admissível com uma base legal. Por exemplo, se a
autor alega factos dos quais resulta a nulidade do contrato que celebrou com o réu;
dívida, alegada pelo autor como vencida, ainda não se encontrar vencida no momento
em princípio, o tribunal também se pode servir desses factos para declarar a nulidade
do encerramento da discussão (art. 611.º, n. 0 l), o tribunal pode condenar o réu a
do contrato. No entanto, quando o autor, na petição inicial, alega factos favoráveis ao
cumprir a prestação quando esta se vencer (art. 610.°, n. 0 1).
réu, verificar-se-á normalmente uma ineptidão da petição inicial por contradição entre
A obtenção de um minus em relação ao pedido formulado é sempre admissível
a causa de pedir (a nulidade do contrato, por exemplo) e o pedido (a condenação do
se for consequência de um pedido da contraparte. Por exemplo: se o autor pedir a
réu no cumprimento da respectiva prestação contratual, por exemplo) (art. 186.º, n.º
condenação do réu a pagar o preço da coisa que lhe alienou, o tribunal pode condenar
2, ai. b)), o que justifica a inadmissibilidade daquela petição (art. 186.", n. 0 1, 577. 0 ,
o réu a realizar essa prestação depois de o autor lhe entregar a coisa se esta parte
ai. b), e 590.0 , n. 0 1).
invocar a exceptio non adimpleti contractus (art. 428.", n. 0 1, CC); se o autor pedir
o reconhecimento da propriedade de um imóvel, o tribunal pode reconhecer que o 5.2. Factos principais
autor é apenas usufrutuário se o réu tiver pedido, em reconvenção (art. 266.º, n.º (a) São, em regra, as partes que livremente suscitam as questões e livremente
1 e 2, ai. a)), o reconhecimento de que é o nu proprietário do imóvel; se o autor articulam os factos em que o juiz se baseia para proferir a sua sentença (art. 552. 0 ,
pedir, para reparação do dano, a reconstituição natural, o tribunal pode condenar n." l, ai. d)). Assim, o art. 608.º, n.º 2, estabelece que o juiz deve resolver todas as
o réu no pagamento de uma indemnização se esta parte alegar e provar que aquela questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja
reconstituição lhe é demasiado onerosa (art. 566.", n. 0 1, CC). Note-se que, sem o decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (princípio da exaustividade do
pedido da contraparte, o minus se toma um aliud e a sentença que o reconhece é nula conhecimento do tribunal), embora não possa ocupar-se senão das questões suscitadas
(art. 615.°, n." l, al. e), 666. 0 , n. 0 1, e 685. 0 ). pelas partes, salvo daquelas que forem de conhecimento oficioso (princípio da
4.3. Permissão de aliud limitação do conhecimento do tribunal).
Isto justifica a necessidade de invocação pelo autor de uma causa de pedir (art.
A regra da vinculação do tribunal ao pedido da parte comporta - bem 5.°, n.º l, e 552.º, n.º l, ai. d)), sem a qual a sua petição é inepta (art. 186.º, n.º 2,
compreensivelmente, aliás··· poucas excepções. Uma delas encontra-se no art. 609. 0 , ai. a)). O regime legal é bastante claro: a lei impõe ao autor um ónus de alegação
n." 2: mesmo que o autor tenha formulado um pedido líquido, o tribunal pode condenar subjectivo, dado que é sobre esta parte que recai o ónus de alegar a causa de pedir;
num montante ilíquido; uma outra excepção consta do art. 376.0 , n. 0 3: o tribunal correspondentemente, se a o autor não alegar os factos que integram a causa de pedir,
não está adstrito à providência requerida no procedimento cautelar, podendo decretar funciona um ónus de alegação objectivo que faz recair sobre essa parte o risco inerente
wna providência, nominada ou inominada, diferente daquela que foi solicitada pelo à falta da causa petendi.
requerente. (b) A lei impõe que o autor indique o facto ou factos em que baseia a situação
subjectiva que alega, isto é, impõe ao autor o ónus de indicar a causa de pedir (art.
5. Relevância dos factos 5.0 , n. 0 1). Se o tribunal entender que esses factos se não verificaram, nega o direito
5.1. Aquisição processual do autor, mas nega~o limitadamente àquela causa de pedir, pelo que o autor pode
O tribunal deve conhecer de todos os factos alegados pelas partes no momento
processual adequado, sejam eles factos principais - isto é, factos que constituem a
causa de pedir ou factos que fundamentam a excepção - ou factos complementares JS Cf. MONTALVÃO MACHADO, o Dispositivo e os Poderes do Tribunal à Luz do Novo Código
86 de Processo Civil (2001 ), 159 ss. e 333 ss. 87
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Introdução II. Aspectos Gerais

propor a mesma acção com outra causa de pedir (art 580.º e 581.0 ). Por exemplo: factos complementares aqueles que respeitam aos danos que continuam a produzir-se
(i) o autor pediu a anulação de certo contrato com fundamento em dolo; a acção foi ?{ durante a pendência da causa.
julgada improcedente; o mesmo autor pode pedir essa anulação com base em coacção; (b) A não alegação dos factos complementares na petição inicial ou na contestação
(ii) o autor pediu a declaração de que é proprietário de um bem, porque alega que não tem qualquer efeito preclusivo e justifica que o juiz deva convidar a parte a
o comprou; a acção improcedeu; o mesmo autor pode pedir a declaração de que é aperfeiçoar o seu articulado (art. 590.º, n.º 2, ai. b), e 4). Mesmo que esse convite não
proprietário do mesmo bem por o ter adquirido por usucapião. Também quanto ao réu seja realizado, o tribunal pode considerar os factos complementares que resultem da
a lei impõe que ele deduza os factos que tiver em sua defesa (art. 5. 0 , n.º l). instrução da causa, desde que as partes, nomeadamente para exercício do contraditório,
Desta limitação resulta que o juiz só pode servir-se, em regra, dos factos tenham tido a possibilidade de se pronunciarem sobre eles (art. 5. 0 , n.º 2, al. b)) 35 •
articulados pelas partes como causa de pedir ou como fundamento da excepção. Uma 5.4. Ónus das partes
das consequências deste regime é a de que o juiz não pode utilizar factos que resultem
do seu conhecimento privado (iudex secundum allegata et probata judicare debet, O princípio dispositivo impõe às partes importantes ónus na conformação do
non secundum conscientiam suam 34 ). Assim, diferentemente do que acontece quanto objecto do processo. Em geral, importa distinguir entre os seguintes ónus das partes
aos factos de conhecimento funcional (art. 5.°, n.º 1, al. c)), o juiz que entende dever relativos ao objecto do processo:
considerar factos do seu conhecimento privado deve declarar-se impedido e oferecer- O ónus de alegação (subjectivo): compete ao autor invocar os factos que
-se para depor como testemunha sobre esses factos (art. 115.º, n.º l, al. h), e l 16.º, integram a causa de pedir (art. 5. 0 , n. 0 1, e 552.°, n. 0 1, al. d)) e cabe ao réu
n.º l). alegar os factos em que se baseiam as excepções, dilatórias ou peremptórias
(c) As partes decidem sobre a delimitação da matéria a resolver e, portanto, sobre (art. 5.º, n.º 1, e 57l.º, n.º 1 e 2 2.ª parte); um ónus de alegação objectivo
a matéria resolvida, isto é, abrangida pelo caso julgado da decisão. Considerem-se faz recair sobre a parte que não alegou os factos que lhe são favoráveis os
os seguintes exemplos: (i) A pede a condenação de B a pagar o preço de y, que lhe riscos inerentes a essa omissão;
vendeu (mas ainda não entregou) e ganha; só fica decidido que B deve entregar a A O ónus de impugnação (subjectivo): cabe ao réu impugnar os factos
o preço de y, e nada mais; querendo fazer decidir que o contrato de compra e venda articulados pelo autor na petição inicial (art. 571. 0 , n. 0 l e 2 l.ª parte);
é válido ou que A deve correspondentemente entregar y a B, é preciso que isso seja um ónus de impugnação objectivo implica que se consideram admitidos
pedido por A ou por B; (ii) C alega ser credor de D por€ 100.000, mas numa primeira por acordo os factos que forem alegados por urna das partes e não forem
acção só pede a condenação em€ 10.000; se ganhar, isso não significa que o tribunal impugnados pela contraparte (art. 574.0 , n. 0 2).
em segunda acção esteja vinculado a considerar que ele é credor pelos € 90.000 5.5. Cooperação do tribunal
restantes; o tribunal pode considerar, no primeiro processo, que o contrato que é fonte
da obrigação é válido e, no segundo, pode considerá-lo nulo. O tribunal deve convidar qualquer das partes a suprir as insuficiências ou
imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto (art. 590.º, n.º 2, a!.
5.3. Factos complementares b), e 4). Trata-se de uma manifestação do dever de cooperação do tribunal com as
(a) Os factos complementares são aqueles que concretizam ou complementam partes (art. 7. 0 , n. 0 1). Ê claro que, correspondendo a parte ao convite do tribunal, os
os factos principais alegados pelas partes e que, embora não constituindo a causa eventuais factos complementares alegados passam a integrar aqueles que o tribunal
de pedir, são necessários para assegurar a procedência da acção. Por exemplo: é pode utilizar na apreciação da causa.
um facto complementar aquele que especifica as condições em que se verificou a 5.6. lnquisitoriedade do tribunal
coacção exercida sobre o autor ou em que ocorreu o acidente de viação; são também
(a) A inquisitoriedade tem expressão no âmbito da matéria de facto e permite que
o tribunal considere factos não alegados pelas partes. No âmbito do processo civil
não são frequentes os processos submetidos à inquisitoriedade do tribunal: o exemplo
34 Cf. CAPPELLETTI, La testimonianza de!la parte nel sistema deU'oralità I (1962), 318 ss.;
N6RR, Zur Stelltu1g des Richters im gelehrten Frühzeit (1967), 29 ss., atribuindo a Azo (antes
de 1190-1220) a distinção entre o conhecimento do juiz como pessoa e como magistrado; P1có
3
I JUNOY, E! Juez y la Prueba (2007), 19 ss. e 53 ss., defende que o brocardo foi interpolado na Exigindo que alguma das partes solicite a consideração do facto pelo tribunal, cf. LEBRE
'

segunda metade do Século XIX, tendo nele sido acrescentada, de forma equívoca, a referência DE FRElTASIJ. ALEXANDRE, CPC Anot. I (2018), 39 s.; dif. RAMOS DE FARIA.IA. L. LOIJRE[RO,
88 à prova pelas partes. Primeiras notas ao NCPC I (2013), 39; M. MESQUITA, RLJ 147 (2017), 100 ss. 89
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Introdução II. Aspectos Gerais

mais saliente é constituído pelos - aliás, muito variados - processos de jurisdição 6.2. Factos acessórios
voluntária (art. 986.º, n.º 2). Esta inquisitoriedade é justificada pelo especial critério
de decisão que é específico destes processos: nas providências a tomar naqueles (a) Os factos que individualizam a situação subjectiva alegada pelo autor - isto é
processos o tribunal decide segundo o que entender ser mais conveniente e oportuno os factos que constituem a causa de pedir· e os factos que fundamentam a excepçã~
(art. 987. 0 ), isto é, segundo um critério de discricionariedade. invocada pelo réu estão submetidos ao princípio da disponibilidade (art. 5.º, n.º I):
(b) Não se verifica nenhuma relação entre a indisponibilidade sobre o objecto (por aqueles factos só podem ser considerados pelo tribunal se forem alegados pelas
este se referir a uma relação jurídica indisponível) e o processo inquisitório, dado que partes. Diferente é o regime relativo aos factos complementares: estes factos podem
em parte alguma se estabelece que, quando as partes não podem dispor do objecto ser considerados se forem alegados pelas partes ou se, tendo surgido na instrução da
do processo, o juiz tem poderes inquisitórios. As consequências da indisponibilidade causa, as partes tiverem tido a possibilidade de se pronunciarem sobre eles (art. 5.º, n.º
2, ai. b)).
sobre o objecto são puramente unilaterais: as partes ficam limitadas na sua actuação
em processo, dado que, quando o objecto é indisponível, não é admissível nem a (b) Também é diferente o regime definido para os factos instrumentais (ou
desistência ou a confissão do pedido, nem a transacção (art. 289.°, n.º l), sem que isso probatórios), isto é, para os factos que indiciam, através de presunções legais ou
se reflicta num correspondente aumento dos poderes do tribunal. ju~iciais (~rt. 349.º a 35 !.º CC), os factos principais ou complementares. Por exemplo:
a mfiltraçao de águas da chuva prova que, na construção do imóvel, não foram
6. Conhecimento oficioso observadas as regras da boa construção de edifícios. Independentemente de qualquer
alegação das partes, estes factos instrumentais podem resultar da instrução da causa
6. 1. Matéria de direito
hipótese em que podem ser considerados oficiosamente pelo tribunal da causa (art'.
O tribunal conhece oficiosamente do direito aplicável (ium novit curia; da mihi 5. 0 , n.º 2, al. a)).
facta, dabo tibi ius; la cour sait le droit: art. 5.0 , n.º 3), tanto à admissibilidade do 6.3. Factos normativos
processo, como à admissibilidade e à validade dos actos processuais, como ainda à
apreciação do mérito da causa. Deste postulado decorrem três corolários: Os factos que as partes têm o ónus de alegar são os factos que são subsumíveis à
Um de carácter negativo: o tribunal não pode ser vinculado pelas partes previsão de uma regra jurídica, isto é, que são necessários para a aplicação de uma
(nem mesmo por um acordo destas) quanto ao direito aplicável na decisão regra jurídica. Mas nem todos os factos que são relevantes para a apreciação de uma
da causa; daí que o tribunal possa corrigir uma deficiente qualificação causa têm de ser alegados pelas partes. Entre eles há que destacar os factos normativos
jurídica fornecida pelas partes 36; (Normtatsachen), isto é, os factos que, sendo referidos a um saber ou conhecimento
Um outro igualmente de carácter negativo: as partes não podem afastar pré-jurídico, são indispensáveis para a aplicação de uma regra jurídica37 , como,
a aplicação pelo tribunal das regras de carácter imperativo, apesar de, por exemplo, os usos do comércio (internacional), o grau de compreensão de um
naturalmente, poderem dispor das regras de natureza supletiva através de destinatário médio de cláusulas contratuais gerais ou os riscos de diferentes métodos
estipulações que as substituam; assim, por exemplo, as partes não podem de tratamento na avaliação da falta de cuidado do médico 38 •
pretender que o tribunal aprecie apenas a justificação para o incumprimento 6.4. Concessão de providências
de um contrato se o mesmo for considerado inválido por violação da forma
legal; _(a) Como ex~epção à definição do pedido pela parte (art. 609.º, n.º !) e à regra da
Finalmente, um outro de carácter positivo: o tribunal deve analisar os factos nulidade da decisão que conhece de pedido não formulado pela parte (art. 615.º, n.º
alegados pelas partes segundo todas as possíveis qualificações legais; este l, al. e), 666.º, n.º 1, e 685.º), o art. 2007.0 , n.º l, CC permite que o tribunal conceda
dever de esgotamento das qualificações jurídicas é, em regra, irrelevante oficiosamente alimentos provisórios a um alimentando menor. Algo de semelhante se
quando a acção proceder, porque para o autor é, em princípio, indiferente encontra previsto no art. 931. 0 , n.º7, quanto aos alimentos devidos a um dos cônjuges.
o fundamento dessa procedência, mas é sempre relevante quando a acção ~b) O tribunal pode retirar da decisão proferida as respectivas consequências legais.
houver de ser julgada improcedente, porque, neste caso, há que esgotar Assim, o STJ definiu que, quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de
todas as possibilidades de procedência da acção. um negócio Jurídico invocado no pressuposto da sua validade e quando na acção

' 6Cf. Ac. STJ 3/2001, de 9/2; sobre a problemática, cf. LOPES DO REoo, Est. Lebre de 37
Stein/Jonas/KERN, vor § 128 (2016), 214; RosENBERG/ScHWABIGOTIWALD, ZPR (2018), 675.
90 Freitas I (2013), 781 ss. '
8
SANDER, Nonntatsachen im ZivilprozeB (1998), 17 ss. 91
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Introdução II. Aspectos Gerais

tiverem sido fixados os necessários factos materiais, a parte deve ser condenada, ex num aspecto substancial ··· a condução do processo - e num aspecto instrumental - a
officio, na restituição do recebido em cumprimento desse negócio, com fundamento adequação fonnal (art. 547.º).
no disposto no art. 289.º, n.º l, CC 39 . 1.2. Gestão privada
6.5. Caracterização do principio Em confronto com o dever de gestão processual que é imposto ao juiz pelo art.
0
(a) A oficiosidade não deve ser confundida com a inquisitorie_dade. O tri~u_nal 6. , n.º 1, a regra é a inadmissibilidade da gestão privada do processo. As partes não
conhece oficiosamente, isto é, por sua iniciativa, de determmadas matenas, têm, em regra, nenhum poder de disposição sobre o procedimento, pelo que não são
independentemente de ter poderes para as investigar. Por exemplo: a incompetência válidos os contratos realizados pelas partes sobre esse procedimento.
absoluta é urna excepção dilatóriade conhecimento oficioso (art. 96.º e 97 .º, n.º 1); desta Exceptuam-se as situações em que lei permite que as partes, por comum acordo,
circunstância decorre que, mesmo que nenhuma das partes invoque a incompetência alterem o procedimento ou a marcha do processo. É o que sucede, por exemplo,
absoluta do tribunal, este tem de controlar, por sua iniciativa, se é com~etente em quando as partes acordam sobre a prorrogação de um prazo (art. 141.0 , n.º 2), sobre
razão da matéria, da hierarquia e das regras da competência intemac10nal para a fonna de inquirição de uma testemunha (art. 517. 0 , n.º 1) ou sobre a suspensão da
apreciar a causa; mas deste conhecimento oficioso não decorre que o tribunal tenha instância (art. 269. 0 , n.º 1, al. c), e 272. 0 , n.º 4).
de investigar, igualmente por sua iniciativa, factos tendentes a comprovar a sua
competência material, hierárquica e internacional. . . . . , . . . .. 2. Aspecto substancial
o corolário do conhecimento oficioso sobre a matena de dJTetto e a mdispombthdade 2.1. Generalidades
das partes: 0 que é de conhecimento oficioso pelo tribunal é indisponível para ~s partes.
Por exemplo: a generalidade das excepções dilatórias é de conhecimento ofic10so (art. Sem prejuízo do impulso que incumbe às partes, cumpre ao juiz, no âmbito do
578.º); portanto, a generalidade dessas excepções está s~btraída à vo_ntade das parte~. dever de gestão processual, providenciar pelo andamento regular e célere do processo
(b) Quanto à matéria de facto, fala-se de conhecimento ofic10so para refenr (art. 6.º, n.º 1). Os poderes de impulso concedidos ao tribunal decorrem do modelo
que O tribunal pode tomar conhecimento dela e utilizá-la como fun~am~~to ~ sua programático do processo.
decisão, mesmo que as partes o não solicitem. Portanto, enquanto a mqms1tonedade
significa que o tribunal pode investigar, por sua iniciativa, matéria de facto relevante, 2.2. Concretização
a oficiosidade implica que o tribunal pode conhecer, independentemente de qualqu:r O aspecto substancial do dever de gestão processual expressa-se no dever de
solicitação da parte, da matéria de facto que seja trazida ao processo, mesmo que nao condução do processo que recai sobre o juiz, dever que é justificado pela necessidade
seja por iniciativa das partes (cf., por exemplo, art. 5.°, n.º 2). de o juiz providenciar pelo andamento célere do processo (art. 6. 0 , n.º l). Para a
obtenção deste fim, o juiz deve:
IV. Princípio da gestão processual Promover as diligências necessárias ao nonnal prosseguimento da acção
e recusar o que for impertinente ou meramente dilatório (art. 6.º, n.º l);
l. Generalidades
utilizando urna terminologia antiga, pode falar-se, respectivamente, de
1.1. Gestão judicial um poder de "direcção do processo" e de um poder de "correcção do
processo" 41 ;
Sem prejuízo do ónus de impulso que recai sobre as partes, o juiz tem o ~ever
Providenciar oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos
de dirigir activamente o processo e de providenciar pelo seu andamen.to celere,
processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos
promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao nonnal prosseguimento ~a
necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa
acção, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e adoptando, depois
de acto que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-
de ouvir as partes, mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam -lo (art. 6.º, n.º 2); trata-se da concessão de um poder de sanação da
a justa composição do litígio em prazo razoável (art. 6. 0 , n.º 1)40 • A gestão processual inadmissibilidade do processo.
visa diminuir os custos, o tempo e a complexidade do procedimento e traduz-se

41 WACH, KritV 14 (1872), 339; sobre alguns aspectos históricos do poder de direcção do
39 Ass. STJ 4/95, de 17/5.
92 "ºCf. M. MESQUITA, RLJ 145 (2015), 78 ss. juiz, cf. HENKE, JZ 2005, I028. 93
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Introdução II. Aspectos Gerais

3. Aspecto instrumental sobre a matéria de facto, como sobre a de direito. Respeitado este standard mínimo
toda a tramitação determinada pelo juiz está em condições de ser válida. '
3.1. Generalidades
4.2. Plano interno
(a) O dever de condução do processo que recai sobre o juiz serve-se, como
instrumento, do poder de simplificar e de agilizar o processo, isto é, do poder de . A tramitação definida pelo juiz deve respeitar, num plano interno, os princípios da
modificar a tramitação processual ou os actos processuais. O case management atribui 1gu~ldade das partes e do contraditório e não contender com a aquisição processual
ao juiz o poder de adequar o procedimento à pequena ou grande complexidade da de f~ctos, nem com a admissibilidade de meios probatórios: é o que pode ser retirado
causa42 . do disposto no art. 630.º, n.º 2, quanto aos fundamentos da recorribilídade da decisão
Para obter a simplificação ou agilização, o juiz dispõe do poder de adequação (discricionária) de adequação formal.
fonnal. O juiz deve adoptar a tramitação processual adequada às especificidades
da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam V. Princípio da cooperação
atingir, assegurando um processo equitativo (art. 547.°). Portanto, o juiz pode
l. Caracterização
alterar a tramitação legal da causa - tanto prescindindo da realização de certos actos
estabelecidos na lei, como impondo a prática de actos não previstos na lei e pode Segundo o princípio da cooperação 45 , as partes e o tribunal devem colaborar entre
ainda modificar o conteúdo e a forma dos actos 43 • si na resolução do conflito de interesses subjacente à acção (art. 7 .º, n.º 1)46.
0
(b) A adequação formal requer a prévia audição das partes (art. 6.º, n. 1), pelo
2. Concretização
que comete uma nulidade processual o juiz que determinar essa adequação sem
previamente ouvir as partes (art. 195. 0 , n.º l). 2.1. Posição das partes

3.2. Nulidades processuais . (a) O dever de cooperação assenta, quanto às partes, num dever de actuação
onentado pela eficiência e proporcionalidade. Em concreto, o dever de cooperação
Ocorre uma nulidade processual (inominada) quando for praticado um acto que
0 traduz-se no dever de litigância de boa fé (art. 8.º), bem como no dever de fornecer
a lei não admite ou quando for omitido um acto que a lei prescreve (art. 195. , n.º
a convite do ~uiz, os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que s;
1). Verificando-se a adequação formal da tramitação legal, o parâmetro passa a ser
afigurem pertment~~ (a~. 7 .º, n.º 2)47 • O dever de cooperação implica a transformação
o procedimento definido em função dessa adequação. Sendo assim, constituí uma
da auto-re~~ons_ab1hzaçao das partes que é característica do princípio dispositivo na
nulidade processual a realização de um acto não estabelecido nessa tramitação, bem
responsab1hzaçao das partes que é própria do princípio da cooperação.
como a omissão de um acto nela previsto44 • (b) O art. 417.º, n.º 1, estabelece, na sequência do direito do tribunal à coadjuvação
de outras :ntidades_ (art. 202.º, n. 0 3, CRP; art. 23.º, n.º 1, LOSJ), que todas as
4. Limites legais
pessoas, seJam ou nao partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para
4.1. Plano externo ~ descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo~se às
A simplificação e a agilização processuais devem assegurar um processo equitativo inspecções ne_cessária~, facultando o que for requisitado e praticando os actos que
(art. 547. 0 ). Assim, em qualquer tramitação tem de estar assegurada a possibilidade forem determmados. E por isso que, por exemplo, uma das partes pode requerer a
entrega de documentos que estejam na posse da contraparte (art. 429.º, n.º 1).
de as partes alegarem as suas razões de facto e de direito e de realizarem a prova dos
factos controvertidos, bem como a oportunidade de o triblUlal se pronlUlciar tanto

41
. "Koope:ar:a~smaxime", na expressão cunhada por BETTERMANN, JBI 1972, 63; sobre as
ongens do pnnc1p10 da cooperação, cf. KocHEM, RePro 25! (2016), 75 ss.
4
42 Sobre alguns aspectos históricos e comparativos, cf. VAN RHEE, IJPL 8 (2018), 65 ss.; para "C~ DIDIER JR., Fundamentos do Princípio da Cooperação no Direito Processual Civil
uma visão de conjunto, cf. A. CABRAL, Peking U. L. J. 6 (2018-I), 5 ss.; na jurisprudência, cf. Porn:gues (2010), 11 ss.; D. MITIDIERO, ZZPint 18 (2013), 379 ss.;já KLEIN, Pro futuro, 44,
STJ 26/9/2018 (l0118/16.2T8VNG-A.Pi.S1). refena que o fim do processo exige uma "Mitarbeiterschaft beider Parteien"
So~re ~ con:e~do possível deste dever de cooperação, cf. STÜRNER, Die Autk!ãrungspflicht
41
41 Cf., ainda em relação ao direito anterior, MADEIRA DE BRITO, in AAVV, Aspectos (1997),

31 ss. ::r Parte1en tm Z1v1\prozess ( 1976), 134 ss.; ÜRADI, L'obbligo di verità de!le parti (2018), 343
94 44 Cf. MADEIRA DE BRITO, in AAVV,Aspectos (1997), 63 s. 95
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa introdução II. Aspectos Gerais

O dever de esclarecimento é uma consequência quer dos deveres de verdade e de incompleta, tenha exposto ou pedido. Por exemplo: não cabe certamente ao tribunal
completude que recaem sobre as partes na alegação d~ m_atéria de facto (art. ~42.º, averiguar se o autor é proprietário ou apenas usufrutuário, mas compete ao tribunal
n.º 2, al. b))4\ quer da obrigação de informação que mc1de sobre quem est~Ja em esclarecer-se por que razão o autor, invocando ser proprietário (ou usufrutuário), acaba
condições de prestar as informações necessárias sobre a existência ou o conteudo de por pedir o reconhecimento do usufruto (ou da propriedade); também não cumpre
um direito (art. 573.º CC). Por isso, aquele dever é independente de qualquer ónus de ao tribunal apurar se o réu é devedor do autor, mas cabe ao tribunal esclarecer-se
alegação ou de prova, ou seja, recai quer sobre a parte que tem o ónus de_ale_gar e de por que motivo uma excepção invocada na fundamentação da contestação não tem
provar um facto, quer sobre a parte que não tem nenhum destes ónus. Isto s1gmfica que correspondência em nenhum pedido formulado pelo réu. Quer dizer: a cooperação do
vigora, independentemente de qualquer ónus de alegação ou de prova, um dever geral tribunal não se situa no plano substantivo, mas apenas no plano processual, pelo que
de esclarecimento das partes 49 • Este dever afasta a regra nemo tenetur ede;~ contra ao tribunal não cabe cuidar de deficiências substantivas, mas apenas de insuficiências
seso e, no plano da alegação, coincide com a obrigação de informação que e imposta processuais52 •
pelo art. 573.° CC. _ (b) Em princípio, o dever de cooperação deve ser cumprido pelo tribunal sem
Por força da remissão constante do art. 7. 0 , n.º 3, o dever de co~peraçao das atender a qualquer negligência das partes na obscuridade, na incompletude ou no erro.
partes tem os limites impostos pelo disp~sto no ai:t·
417. n.~ 3. ~ss1m, ~ ~ecusa
0
, Ressalva-se, no entanto, a situação em que essa obscuridade, aquela incompletude
de colaboração é justificada quando esta importe v10laçao da mtegndade fi_s:ca ou ou esse erro decorre de dolo ou negligência grave da parte e visa obstar à descoberta
moral das pessoas (art. 417.º, n.º 3, ai. a)), intromissão na vida privada ou fam1har, no da verdade ou entorpecer a acção da justiça, porque, neste caso, a parte actua como
domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações (art. 417.º, n.º 3, ai. b)) e, por litigante de má fé (art. 542.º, n. 0 2).
fim, violação do sigilo profissional, do sigilo de funcionários públicos ou do segredo
2.3. Deveres do tribunal
deEstado(art.417. 0 ,n.º3,al.c)). .. ~ _
(c) A violação do dever de cooperação implica, quando seja grave, a htig~cta de (a) O dever de colaboração desdobra-se em vários deveres do tribunal. Um desses
má fé da parte (art. 8.º e 542.º, n.º 2, al. c)). Esta consequência pode ser conJu~ada deveres é o dever de prevenção ou de advertência: o tribunal tem o dever de prevenir
com outras: no âmbito probatório, a recusa não justificada do dever de colaboraçao da as partes sobre a falta de pressupostos processuais sanáveis (art. 6.º, n.º 2, e 590.º, n.º
parte é, em regra, livremente apreciada pelo tribunal (art. 417 .º, n.º 2). l, ai. a)) e sobre as irregularidades ou insuficiências das suas peças ou alegações (art.
590.º, n. 0 2, al. b), 591.º, n. 0 l, al. c), 639.º, n.º 3, e 652.º, n." l, al. a)).
2.2. Posição do tribunal (b) O dever de cooperação implica ainda um dever de esclarecimento: o tribunal
(a) O dever de cooperação do tribunal (trata-se, na r~~li~de, de um poder-dever ou tem o dever de se esclarecer junto das partes quanto às dúvidas que tenha sobre as
de um dever funcional) destina-se a incrementar a efic1enc1a do processo, a assegurar suas alegações, pedidos ou posições em juízo (art. 7. 0 , n.º 2; cf. também art. 452.º, n,º
a igualdade de oportunidades das partes, a promover a_ desco~erta ~ ver~~e e a 1), nomeadamente, porque os mesmos padecem de uma ambiguidade síntáctica ou
garantir um processo equitativo. Este dever de colaboraçao do 1:1bunal e ,:11llª, f~~ semântica. O exercício do dever de esclarecimento é indispensãvel para que o tribunal
de expressão de um processo civil dialógico" 51 , no qual? tnbunal, ,!1°º so dmge possa interpretar devidamente as alegações e os pedidos das partes.
0
activamente o processo e providencia pelo seu andamento celere (art. 6. , n. 1), co~o (c) O dever de colaboração também se traduz num dever de auxílio das partes: o
também dialoga com as partes e ainda participa da aquisição e da discussão da matena tríbunal tem o dever de auxiliar as partes na remoção das dificuldades ao exercício dos
de facto e de direito relevante para o proferimento da decisão, . ._ seus direitos ou faculdades ou no cumprimento dos seus ónus ou deveres processuais
o dever de cooperação do tribunal tem como limite o princípio d1spo~1tlvo. Isto (art. 7.", n.º 4). Encontra-se uma concretização deste dever de auxílio no art. 418.", n.º
significa que não compete ao tribunal levantar questões de d!reit~ substantivo ~ue as l, quanto à obtenção de informações na posse de serviços administrativos.
partes não tenham alegado ou suscitado, mas, em contrapartida, mcumbe ao _tnbunal (d) O dever de cooperação implica um dever de consulta das partes: o tribunal
suscitar questões que se relacionam com algo que a parte, de forma deficiente ou tem o dever de consultar as partes sempre que pretenda conhecer (oficiosamente) de
matéria de facto ou de direito sobre a qual aquelas não tenham tido a possibilidade de
se pronunciarem (art. 3.º, n. 0 3), Isto pode suceder quer quando o tribunal pretenda
conhecer de matéria não alegada pelas partes ou considerada irrelevante por estas,
4s Cf KocH Mitwirkungsverantwortung im Zivilprozess (2013), l 11 ss. quer quando o tribunal discorde de uma posição comum de ambas as partes. O dever
49 sobre O p~blema num outro ambiente legislativo, cf. STÜRNER, Die Aufklãrungspflicht,
85 ss.
so Cf. ÜRADI, L 'obbligo di verità, 575 ss. e ?li ss.
51STÜRNER, ZZP 123 (2010), 153. 52
96 Cf. R.E!SCHL, ZZP 116 (2003), 110 s. Q7
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa [ntrodução II. Aspectos Gerais

de consulta do tribunal deve ser cumprido mesmo que este órgão considere que só por inadmissível. Em concreto, trata-se de uma decísão nula por excesso de pronúncia,
negligência as partes podem ter omitido a alegação de um facto ou não atribuído uma dado que conhece de matéria de que, nas condições em que o faz, não podia conhecer
certa qualificação jurídica. (art. 615.º, n.º l, ai. d), 666.º, n.º I, 685.º)55 .
Com o cumprimento deste dever procura-se obviar às chamadas decisões-surpresa,
2.5. Posição comum
isto é, às decisões com fundamentos de facto ou de direito inesperados para as partes
(art. 591.º, n.º 1, al. b), 654.º, n.º l, 655.º, n.º l, 665.º, n.º 3, e 687.º, n.º 2)53 . Por O princípio da cooperação também se manifesta na posição recíproca de qualquer
exemplo: (i) o autor baseia o seu pedido num contrato celebrado com o réu; esta parte dos sujeitos processuais perante todos os demais 56 • Assim, por exemplo, todos os
não invoca a nulidade do contrato; o tribunal entende que o contrato é nulo e pretende intervenientes no processo devem agir em conformidade com um dever de correcção
conhecer oficiosamente dessa nulidade (art. 286.° CC); não o deve fazer antes de e de urbanidade (art. 9.º, n. 0 1; art. 7. 0 -D EMJ; art. 105.0 EMP) e a marcação do dia
consultar as partes sobre essa invalidade; (ii) o réu não invoca a incompetência absoluta e hora de qualquer diligência deve resultar de acordo entre o juiz e os mandatários
do tribunal (art. 96."); o tribunal pode conhecer oficiosamente dessa incompetência judiciais (art. 151.º, n.º 1).
(art. 97.º, n.º 1), mas, antes disso, deve ouvir as partes; (iii) o tribunal de recurso
considera, diferentemente do tribunal recorrido, que a lei aplicável à causa é urna VI. Princípio da igualdade das partes
lei estrangeira; aquele tribunal não pode apreciar o recurso de acordo com aquela lei
antes de auscultar as partes. 1. Caracterização
2.4. Poderes funcionais 1.1. Generalidades
(a) O dever de cooperação do tribunal com as partes implica a substituição de O princípio da igualdade das partes (ou da isonomia processual) é uma das facetas
poderes discricionários por poderes funcionais ou poderes-deveres desse órgão. Os do processo equitativo (art. 20. 0 , n.º 4, CRP) e um dos corolários dos princípios da
referidos poderes discricionários constituem um instrumento do dever de cooperação igualdade perante a lei (art. 13. 0 , n. 0 1, CRP) e da imparcialidade do órgão incumbido
do tribunal, pelo que passam a compartilhar a natureza vinculativa deste dever. Dito de apreciar e decidir a causa. Perante este órgão, tanto vale uma parte como a outra,
de outro modo: os poderes que servem de instrumento para o exercício do dever de pelo que ambas devem ter igual tratamento.
cooperação do tribunal não podem ser poderes discricionários (que o tribunal exerce
Em concreto, o princípio da igualdade das partes traduz-se numa igualdade de
segundo um critério de oportunidade ou de conveniência), antes são necessariamente
chances e de riscos: ambas as partes devem ter as mesmas chances de obter uma
poderes funcionais ou poderes-deveres (que o tribunal tem o dever de exercer, para
decisão favorável e sobre ambas as partes deve recair o mesmo risco de o tribunal
cumprir a sua função assistencial perante as partes). Mesmo que esses poderes constem
vir a proferir uma decisão desfavorável. Durante o desemolar do processo, ambas as
de regras com um operador permissivo, ainda assim o tribunal não tem nenhuma
margem de discricionariedade no exercício desses poderes. partes devem ter as mesmas oportunidades de influenciar o seu resultado: é o que, por
(b) A omissão dos deveres inerentes ao dever de cooperação traduz-se - poder-se- vezes, acentuando uma concepção "duelística" do processo, se designa por igualdade
-ia defender - numa nulidade processual, porque o tribunal deixa de praticar um acto de armas 57•
que não pode omitir (art. 195. 0, n. 0 1)54• Sucede, no entanto, que esta nulidade só se 1.2. Ónus das partes
toma patente quando o tribunal profere uma decisão, apontando, por exemplo, a falta
de um pressuposto processual que não convidou a parte a sanar ou decidindo uma (a) O princípio da igualdade implica que as partes têm de ser tratadas de forma
questão de direito que as partes não discutiram no processo. Isto significa que o que igual, sem qualquer distinção entre parte activa e parte passiva. Esta igualdade formal
importa é atacar a decisão, e não o que deixou de ser realizado antes dela, e que o vício
não é da decisão como trâmite processual, dado que esta foi proferida no momento
adequado, mas antes da decisão como acto processual, porque ela tem um conteúdo
5
'Cf. RL 6/5/2014 (!978/12.7TVLSB.Ll); na doutrina, cf. ABRA..''ITES GERALDES, Recursos
(2020), 28.
56
Já ROSENBERG, Lehrbuch (1927), J71, se referia a uma "comunidade de trabalho"
53 Stein/Jonas/KERN(20l6), vor § 128, 85 ss.,e § 139, 57 ss.; ROSENBERG/SCHWAB/G01TWALD, (Arbeitsgemeinschaft) entre o juiz e as partes; LENT, ZZP 63 (1943), 23, também aludia, embora
ZPR (2018), 434 s.; no âmbito do direito austríaco, cf. AUERNIG, Das L'berraschungsverbot num ambiente muito suspeito, a uma "comunidade de trabalho do tribunal e das partes com a
(2020), 5 ss. finalidade de esclarecimento dos factos".
17
98 54 Cf. RC 24/01/2017 (465/I6.9T8LRA.Cl): RP 8/l/2018 0676/16.2T80AZ.Pl). Cf., p. ex., ScHACK, ZZP 129 (2016), 393 ss. 99
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Introdução II. Aspectos Gerais

não obsta a que as partes possam criar, através do seu comportamento em juízo, 2.3. Correcção de desigualdades
situações de desigualdade.
(b) Estas situações de desigualdade são um corolário directo dos ónus que recaem A correcção das desigualdades entre as partes é realizada através da função
sobre cada wna das partes processuais e das consequências do seu não cumprimento. assistencial ou auxiliar do juiz. Por exemplo; o art. 590.º, n. 0 2, al. b), impõe que o
Por exemplo: (i) se o autor não provar os factos constitutivos do direito que alega, o juiz convide as partes a aperfeiçoarem os seus articulados; se o articulado de uma
réu é absolvido do pedido (art. 342.0 , n. 0 1, CC; art. 414.º); há um ónus de prova do delas for deficiente, o juiz, além de impedir a boa administração da justiça, infringe o
autor que, quando não cwnprido, dispensa o réu do ónus da contraprova ou da prova princípio da igualdade substancial das partes se não a convidar a aperfeiçoá-1060 . Essa
do facto contrário; (ii) se o réu não contestar, o autor é dispensado de provar os factos função assistencial pennite alcançar a igualdade das partes através de uma actuação
por ele alegados (art. 567.º, n.º I); há um ónus de contestação do réu que, quando não do tribunal.
cumprido, dispensa o autor de provar os factos constitutivos do seu direito. Em suma: 3. Princípio do contraditório
os ónus processuais criam wna assimetria entre as partes, dado que apenas quando
uma das partes cumpre o respectivo ónus nasce na contraparte um contra-ónus. 3.1. Caracterização
O princípio do contraditório implica que, sendo fonnulado um pedido ou oposto
2. Relevância da igualdade
um argumento contra uma parte, deve ser-lhe dada a oportunidade de se pronunciar
2.1. Generalidades sobre o pedido ou o argumento61 • Ninguém deve ser condenado sem ser ouvido (no
sentido de ter a oportunidade de falar): este princípio é expressão de wn direito a ser
O art. 4.º impõe que o tribunal assegure, durante todo o processo, um estatuto de
ouvido (em alemão: rechtlíches Gehor) e é, em processo penal, regra constitucional,
igualdade substancial (ou material) entre as partes, designadamente no exercício de
confonne resulta do disposto no art. 32.º, n.º 1 e 6, CRP.
faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções
processuais. Esta igualdade substancial implica, para o tribunal, wn duplo dever: o 3.2. Partes e contraditório
dever de tratamento igual e o dever de corrigir factores de desigualdade. Do princípio do contraditório decorre quer um direito de resposta de uma parte
2.2. Igualdade de tratamento perante a outra parte, dado que qualquer das partes tem direito a pronunciar-se sobre
as alegações da parte contrária (art. 3. 0 , n. 0 1 infine), quer um direito à audição prévia
O princípio da igualdade impõe ao tribunal o dever de tratar de fonna igual o da parte perante o tribunal, dado que, antes de decidir, o tribunal deve ouvir sempre
que é igual e de forma desigual o que é desiguaPs. Por exemplo: devendo ambas as ambas as partes (audiatur et altera pars: cf. art. 3.º, n.º 3 l.ª parte). Este direito justifica
partes corrigir o rol de testemunhas que apresentaram, não deve o juiz fixar prazos os cuidados que a lei coloca na citação do réu (art. 187. 0 a 192.º e 225. 0 a 246. 0 ) e o
diferentes para cada uma delas; a multa que o autor que apresenta a réplica no prazo princípio da audiência contraditória das provas (art. 415.º, n.º 1).
de tolerância regulado no art. 139.°, n. 0 5, deve pagar tem de ser igual àquela que o réu
pagaria se utilizasse a mesma tolerância para apresentar a sua contestaçãos9 •
3.3. Audição prévia
A proibição de criação de situações de desigualdade entre as partes cede, no entanto, Os corolários do direito à audição prévía são os seguintes:
na hipótese em que o tribunal deve tratar situações substancialmente desiguais de Em regra, levantada por uma parte uma questão, o juiz deve ouvir a parte
forma desigual. É o que sucede, por exemplo, quando haja que definir o conteúdo contrária antes de decidir (art. 3. 0 , n. 0 3 i.a parte); neste caso, o direito
da decisão atendendo à desigualdade efectiva entre as partes. Uma tal solução é à audição prévia exige que o tribunal cumpra previamente o dever de
expressamente pennitida, no caso da fixação de uma multa, pelo art. I39.º, n.º 8, que, informar a parte e que a parte tenha tempo suficiente para poder responder;
aliás, deve ser visto como uma concretização do princípio do tratamento desigual de Igualmente em regra, de molde a evitar as decisões-surpresa, o juiz não pode
partes desiguais. decidir questões de direito ou de facto, mesmo que sejam de conhecimento
oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciarem
sobre essas questões (art. 3. 0 , n. 0 3 2.ª parte).

58
~ºDif. LEBRE DE FRHTASII. ALEXANDRE, CPC Anot. I (2018), 12.
RE 11/2/2021 (405/19.3T8FAR.El). ,;i Sobre a contribuição do direito canónico para o princípio do contraditório, cf. BECKER.
100 59 RE 2/10/2018 (387/16.3T8TVR-B.El ).
P'" '"ºlla..t /')nNH h7 ºº rn,
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Introdução II. Aspectos Gerais

3.4. Dever de consulta A providência cautelar comum pode ser decretada sem o contraditório do
requerido quando a audição deste puser em risco sério o fim ou a eficácia
(a) (i) A audição prévia permite evitar as decisões-surpresa e justifica-se da providência (art. 366.", n.º l);
nomeadamente nas seguintes situações: Em caso de esbulho violento, o possuidor esbulhado pode pedir a restituição
- Quando o tribunal considere relevante matéria de facto ou de direito provisória da posse (art. 1279.º CC); se o juiz reconhecer, pelo exame das
que as partes tenham considerado irrelevante ou que lhes tenha passado provas, que o requerente tinha a posse e foi esbulhado dela violentamente,
despercebida; a necessidade da consulta decorre da circunstância de as ordena a restituição, sem citação nem audiência do esbulhador (art. 378.º);
partes não se terem apercebido de um regime supletivo ou imperativo exclui-se o contraditório como sanção pelo esbulho violento (spoliatus
aplicável ao caso; ante omnia restituendus est);
Quando o tribunal qualifique determinada matéria de facto de maneira O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do
diferente da das partes ou entenda que a questão determina a aplicação de seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor (art. 619.º, n.º 1,
direito estrangeiro; CC); este arresto é decretado sem a audição da parte requerida (art. 393.º,
Quando o tribunal conheça oficiosamente de matéria de facto não alegada n.º !).
pelas partes; esta matéria de facto é aquela em relação à qual o tribunal (b) O contraditório só pode ser afastado pela lei (art. 3.", n.º 2), não pela vontade
tenha poderes inquisitórios (art. 986. 0 , n." 2), mas não inclui os factos das partes. Por isso, é nulo o pacto pelo qual certa pessoa se comprometa a não se
instrumentais e os factos complementares que são adquiridos durante a defender numa acção futura (art. 294.º CC), embora, naturalmente, lhe seja permitido
instrução da causa, dado que estes factos estão sujeitos à contraditoriedade não se defender numa acção contra ele proposta.
própria da produção da prova (art. 415. 0 , n.º l);
3.6. Terceiros e contraditório
Quando o tribunal tenha dado a entender às partes que uma determinada
questão de facto ou de direito era irrelevante e, entretanto, tenha mudado Em relação a terceiros, o princípio do contraditório implica que ninguém pode
de opinião; ser afectado nos seus direitos ou interesses por uma decisão proferida num processo
Quando o tribunal forneça a um meio de prova um valor distinto daquele em que, podendo tê-lo sido, não foi demandado. Isto implica que quem podia ter
que ambas as partes lhe atribuem. sido demandado num certo processo (e, por isso, não pode ser considerado terceiro
(ii) O dever de consulta das partes não é dispensado quando o tribunal entenda que perante o objecto do processo) não pode ser atingido pela decisão proferida nesse
as partes deviam ter considerado a matéria de facto ou de direito, deviam saber qual o processo, dado que quem permaneceu terceiro perante um processo no qual podia ter
direito aplicável ou não deviam ignorar o valor do meio de prova. Dito de outro modo: sido demandado não pode ser atingido pelos resultados desse processo.
o dever de consulta não depende de nenhuma avaliação da diligência das partes.
(b) A não audição prévia das partes implica a nulidade da decisão por excesso de VII. Princípio da boa fé
pronúncia (porque o tribunal conhece nela de uma questão de que não podia conhecer:
1. Caracterização
cf. art. 615.º, n.º l, ai. d)). Noutros termos: a violação da proibição das decisões-
-surpresa implica a nulidade da própria decisão-surpresa62 • 1.1. Generalidades
3.5. Contraditório diferido As partes devem actuar em juízo de boa fé (art. 8.0 ), pelo que o processo civil,
ainda que dominado pelo princípio dispositivo, encontra-se submetido a um princípio
(a) O principio do contraditório, na vertente do direito à audição prévia, não é
de boa fé63 • O dever de actuação de boa fé constitui um limite ao domínio das partes
absoluto: por vezes, o contraditório é diferido, ou seja., é posterior ao proferimento
da decisão do tribunal. As excepções mais frequentes ao direito de audição prévia
verificam-se no âmbito das providências cautelares, que são as providências destinadas
a acautelar o efeito útil de uma tutela definitiva (art. 2.º, n.º 2 in fine). Assim, por
6J Sobre a evolução da responsabilidade processual, cf. MENEZES CORDEIRO, Litigância de
exemplo:
Má Fé, Abuso do Direito de Acção e culpa in agendo (2014), 45 ss.; P. DE ALBUQUERQUE,
Responsabilidade Processual por Litigância de Má Fé, Abuso de Direito e Responsabilidade
Civil em Virtude de Actos Praticados no Processo (2006), J5 ss.; com grande desenvolvimento,
uir, <;1TJ 'l'.l.lhl'lfl1h n0'.1.7/1':; QT1n:i,rr <;11,. oo 'IAl'.l.nfl'lfl tlflQ/17 rrs,'1,-..r, n on COSTA E SILVA. A Liti2:ância rle Má Fé (200!!) 11 "" P 1!l'i "" rn,
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sobre o processo resultante do princípio dispositivo e implica a proibição da litigância expressão do art. 542.º, n.º 2 pr., dolosa ou gravemente negligente )6·1• Assim, o dever de
de má fé. verdade é violado quando a parte alega factos que sabe que não são verdadeiros (como
acontece quando invoca factos contraditórios, dado que um deles é necessariamente
1.2. Tipologia não verdadeiro )66, não quando a parte alega factos que está convencida de que são
O recorte da litigância de má fé impõe a consideração de várias hipóteses: verdadeiros, mas que não tem a certeza de que são verdadeiros, nem quando a parte
O autor demanda sem razão, mas de boa fé e sem culpa; essa parte vai contesta factos alegados pela contraparte de que não tem a certeza de que são falsos.
decair na acção e, normalmente, pagar as custas (art. 527.0 , n.º l e 2); não Neste sentido, mais do que um dever de verdade (objectiva) deve falar*se de um dever
há, porém, lugar a indemnização, pois o autor não agiu ilicitamente; de veracidade (subjectiva) 67 .
O autor demanda sem razão, de boa fé, mas com culpa (acção leviana), pois Como a parte pode alegar algo que não tem a certeza de ser verdadeiro, nada obsta
não investigou suficientemente a situação jurídica; essa parte vai perder a à admissibilidade da formulação de um pedido subsidiário sem que a parte possa ser
acção e, normalmente, pagar as custas (art. 527 .º, n.º l e 2); em regra, essa acusada de violar o dever de verdade. Por exemplo: o autor pode pedir a condenação
parte não deve nenhuma indemnização, pois a lei só sanciona a actuação do réu na restituição de uma quantia, invocando que a emprestou ao réu; para o caso
de tal não ser reconhecido e de se entender que a quantia foi entregue ao réu a título
com dolo ou a negligência grave (art. 542.º, n.º 2 pr.); esta regra comporta
de doação, o autor pode pedir a restituição dessa mesma quantia alegando a invalidade
a excepção regulada no art. 374. 0 , n. 0 1, relativa à responsabilidade do
deste contrato; ainda que o pedido principal fundado no mútuo seja considerado
requerente dos procedimentos cautelares (também art. 621.º CC) e nos art.
improcedente, isso não justifica a condenação do autor como litigante de má fé por
858.0 e 866.0 , relativos à responsabilidade do exequente;
violação do dever de verdade, excepto se se demonstrar que o autor sabia que a quantia
O autor demanda sem razão e de má fé, ou seja, com dolo ou negligência
não tinha sido emprestada ao réu. Portanto, a admissibilidade da formulação de um
grave (acção temerária); essa parte vai decair na acção e, normalmente,
pedido subsidiário demonstra que não viola o dever de verdade a parte que alega algo
pagar as custas (art. 527.0 , n.º 1 e 2) e está sujeita a multa e indemnização
de que não tem a certeza.
como litigante de má fé (art. 542.º, n.º 1)64.
(ii) É pelo mesmo parâmetro de proibição da mentira que há que analisar a alegação
2, Má fé unilateral de factos que a parte não pode saber se são verdadeiros. Assim, a afirmação de meras
hipóteses ou conjecturas, a descrição de estados anímicos alheios ou a formulação
2.1. Generalidades de uma prognose sobre acontecimentos futuros não violam o dever de verdade se
A litigância de má fé pressupõe que a parte actua, com dolo ou negligência grave, a parte fornecer alguns indícios que constituam uma explicação plausível do que
de forma diferente daquela que é a devida e a esperada, violando, nomeadamente, os afirma, descreve ou formula6~. Em contrapartida, dificilmente a parte que alega factos
"a ver se pega" ou afirma algo "ao acaso" desconhece que não é verdade o que expõe;
deveres de lealdade e de probidade.
portanto, essa parte viola o dever de verdade.
2.2. Proibição da mentira (b) Em suma, pode dizer-se o seguinte:
A parte actua de má fé quando, com dolo ou negligência grave, altera a verdade dos A parte afirma algo que sabe não ser verdadeiro, ou seja, a parte sabe que
está a mentir; trata-se de uma hipótese de mentira objectiva e, por isso, a
factos ou omite factos relevantes para a decisão da causa (art. 542.º, n.º 2, ai. b)), isto
parte actua de má fé;
é, viola o dever de verdade e·o dever de completude nas suas afirmações. Estes deveres
são deveres da parte quer perante a contraparte, quer perante o tribunal; os deveres de
verdade e de completude afastam a vigência da regra nemo tenetur edere contm se.
65 ROSENBEROISC}{WABIGOTIWALD, ZPR (2018), 372 s.; cf. CAPPELLETTI, La testimonianza
2.3. Dever de verdade 1, 377 ss.; CARRATI"A, Rtdpc 68 (2014), 69 ss. e 491 ss.; sobre a evolução histórica desse
dever, cf. ÜLZEN, ZZP 98 (1985), 403 ss,; GRADI, l.'obbligo di verità, 99 ss. e 465 ss. (direito
(a) (i) O dever de verdade implica que a parte não deve alegar factos que sabe
italiano); sobre aspectos comparativos, cf. 0RAD1, l.'obbligo di verità, 145 ss. (civil law) e 207
que não são verdadeiros e não deve impugnar factos que sabe que são verdadeiros, ss. (common !aw).
ou seja, esse dever implica uma correlativa proibição de mentira consciente (ou, na (,/jRE 10/10/2019(456/l2.9T2STC.E2).
67
Stein1Jonas/KERN (2016), § 138, 4 (Pjlicht zur Wahrhafligkeit); ROSENBERO/SCHWABI
ÜOTTWALD, ZPR (2018), 372 (subjektive Wahrhafligkeit); cf. ÜOMILLE, Infonnationsproblem
Wld Wahrheitspflicht (2016), 167 ss.
1íl4 MSTf)0/1/?014(1061/11 QTVl51Rl,1 Sll. ()/jCf. STÜRNER, Die Aufklãrungspflicht, 112 ss. 105
l de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Introdução II. Aspectos Gerais

A parte afirma algo com a convicção de que é verdadeiro, mas, afinal, não é deduz oposíção cuja falta de fundamentação não podia ignorar (art. l3.º, n.º 1, ai. e),
verdadeiro, isto é, a parte está convencida de que não está a mentir; trata-se e 17.º,n.º4,RPOP)n.
de um caso de verdade subjectiva e, por isso, a parte não actua de má fé; O comportamento contraditório também se verifica quando a parte actua em venire
A parte afirma algo julgando que não é verdadeiro e, afinal, é mesmo contra factum proprium, pois que, neste caso, assume em juízo um comportamento
verdadeiro, ou seja, a parte pensa que está a mentir quando, afinal, não que é contraditório com o que lhe era exigível. Por exemplo: o réu, que anteriormente
está; trata-se de uma situação de mentira subjectiva, mas a parte não pode invocara a preterição de tribunal arbitral, vem arguir, uma vez instaurada a acção
ser considerada como actuando de má fé. no tribunal estadual, a incompetência deste tribunal; a parte que promete desistir do
pedido ou da instância não cumpre no processo o que prometeu.
2.4. Dever de completude
(b) Também são reconduzíveis ao comportamento contraditório as situações de
(a) O dever de completude impõe que a parte tem o dever de alegar todos os factos suppressio73 • Por exemplo: o art. 19.º, n.º 1 infine, Reg. 805/2004, o art. 18.º, n.º J in
que são relevantes para a apreciação da causa, abrangendo, assim, tanto os factos que fine, Reg. 861/2007 e o art. 20.º, n.º 1 in fine, Reg. 1896/2006 permitem uma reacção
lhe são favoráveis, como os factos que lhe são desfavoráveis69 . A parte tem o dever de da parte interessada desde que actue prontamente ou com celeridade; para protecção
alegar toda verdade ( ou de não ficar pelas "meias verdades"), pelo que não pode omitir da parte contrária, essa faculdade de reacção pode extinguir-se pelo não exercício.
um facto que sabe ser verdadeiro, ainda que o mesmo lhe seja adverso, designadamente
2.6. Omissão de cooperação
por ser um facto impeditivo, modificativo ou extintivo e, por isso, fundamentar uma
excepção da contraparte. Assim, verifica-se uma violação do dever de completude se, Actua com má fé a parte que pratica omissão grave do dever de cooperação com
por exemplo, o autor, contra aquilo que sabe ser a verdade dos factos, não afinnar que o tribunal e a contraparte (art. 542. 0 , n.º 2, al. c); cf art. 7. 0 ). Por exemplo: a parte,
o réu já lhe pagou parte da dívida ou ignorar a moratória acordada com o réu e pedir a depois de dar a entender que o seu cônjuge é uma certa pessoa, não esclarece que o
condenação imediata desta parte no cumprimento da obrigação. cônjuge não é afinal quem o tribunal julga que é74 •
(b) O dever de completude tem como limite a faculdade de recusa da colaboração
2.7. Abuso de faculdades processuais
da parte em matéria probatória. Por exemplo: nenhuma parte é obrigada a revelar
factos da sua vida privada ou familiar (art. 417.º, n. 0 3, al. b)), nem factos relativos a Actua de má fé a parte que, com dolo ou negligência grave, abusa de faculdades
segredo profissional ou de Estado (art. 417.º, n.º 3, al. c )), nem ainda factos criminosos processuais, fazendo do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente
ou torpes (art. 454.º, n.º 2)70 • Isto significa que a parte não só não tem o ónus de reprovável com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da
alegar esses factos (e, no caso do segredo, tem mesmo o dever de os não alegar), verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito
mas também não tem o ónus de impugnar esses factos quando alegados pela parte em julgado de uma decisão (art. 542.0 , n. 0 2, ai. d)) 75 • É o que se verifica, por exemplo,
contrária. Por exemplo: admita-se que, numa acção de despejo, é alegado pelo autor quando a parte apresenta um requerimento ou suscita um incidente com o único
que o réu manteve uma relação adulterina com uma vizinha; a não impugnação deste objectivo de obstar ao cumprimento do julgado ou ao trânsito da decisão (art. 618.º
facto não pode implicar a sua admissão por acordo (art. 574.º, n.º 2). e 670.º), quando a parte interpõe um recurso de revista com fundamentos que não
2.5. Comportamento contraditório encontram qualquer apoio nem na matéria de facto apurada, nem na matéria de
direito 76 , quando a transmissão ou cessão da coisa litigiosa e a posterior habilitação do
(a) Actua com má fé a parte que, com dolo ou negligência grave, deduz pretensão adquirente ou cessionário tenham visado colocar a parte contrária numa posição mais
ou oposição cuja falta de fundamento não deve ignorar (art. 542.º, n.º 2, al. a)). É o difícil (art. 356. 0 , n. 0 l, ai. a) 2.ª parte), quando a parte quantifica, de forma excessiva,
que sucede, por exemplo, quando é deduzido um pedido infundado de declaração de
insolvência (art. 22.º CIRE) 71 ou quando o requerido no procedimento de injunção

perante o regime legal, cf. COSTA E SILVA, Est. Carvalho Fernandes III (2011 ), 157 ss.
71
Consíderando, por referência ao disposto no art. 542.º, n.º 2, ai. a), que a sanção aí
6 ~Stein/Jonas/KERN (2016), § 138, 7; RoSENBERG!SCHWABIGOTTWALD, ZPR (2018), 372;
prevista se restringe aos ilícitos praticados no processo e não se estende aos ílícitos anteriores à
cf. CARRAITA, Rtdpc 68 (2014), 74 ss. e 491 ss. sua instauração, cf. STJ t 7/5/2011 (3813/07.9TVLS8.Ll .S ! ).
1" Com outra sensibilidade quanto a estes últimos factos, cf. STÜRNER, Die Aufklãrungspflicht, 13 Cf. HENCKEL, ProzessR (1970), 114 ss.
14
175ss. Cf. RG 10/5/2018 (27/15.BTBTMC.Gl).
71 Dif., entendendo que a situação não se esgota na !itigãnciade má fé, cf. P. DE ALBUQUERQUE, 75
Cf. COSTA E SlLVA, A Litigância de Má Fé, 392 ss.
7
106 Resoonsabi\idade Processual, 163 ss.: MENEZES CORDEIRO, Litígâncía de Má Fé, 241 ss.; crítica ii STJ 26/9/2013 í305/10.2TBFAR.E2.Sl).
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o pedido procurando assegurar a admissíbilidade do recurso ou ainda quando a parte 2.9. Regimes especiais
divide um único crédito em vários créditos parciais de molde a possibilitar a aplicação
(a) Ao contrário do que sucede no regime geral - que exige uma actuação dolosa ou
do procedimento de injunção em relação a cada um destes 77 • gravemente negligente da parte (art. 542.0 , n." 2 pr.) ,., os regimes especiais previstos
2.8. Consequências legais nos art. 374.º, n." l, 727.º, n. 0 4, 858." e 866.º operam com a mera negligência, o
que aumenta as hipóteses de responsabilização da parte. Como é evidente, estes
(a) (i)A parte que litiga de má fé é sancionada com a condenação em multa (fixada regimes especiais continuam aplicáveis quando a parte actua com negligência grave
entre 2 UC e 100 UC: art. 27.º, n.º 3, RCP) e numa indemnização à parte contrária, ou mesmo com dolo e não obstam à aplicação do regime geral em hipóteses por eles
se esta a pedir (art. 542.º, n.º l). Esta indemnização é quantificada nos tennos do art. não abrangidas.
543.º, n.º 1 e 2, e não concorre com aquela que resulta do disposto no art. 483.°, n.º 1, (b) A parte deve ser condenada a pagar uma taxa sancionatória excepcional se
CC, pelo que não é possível procurar a responsabilização da parte que actua com mera actuar com falta de diligência ou prudência ao propor acção, deduzir oposição,
negligência78 • Pelas custas da acção, pela multa aplicada e pela indemnização devida fonnular requerimento, interpor recurso, apresentar reclamação ou levantar incidente
0
podem ser responsáveis, além de qualquer das partes da acção (art. 542.º, n. 1), quer manifestamente improcedente (art. 531.º)8º. O art. 27.º, n.º 5, RCP, ao estabelecer
os representantes de incapazes (art. 544.0 ), quer o mandatário judicial da parte (art. que a parte não pode ser simultaneamente condenada, pelo mesmo acto processual,
545.º). Atendendo à proibição da indefesa, o tribunal deve ouvir previamente a parte, em multa e em taxa sancionatória excepcional, parece levar a entender que há um
79
o representante ou o mandatário antes de o condenar em multa ou indemnização • âmbito comum à litigância de má fé e à taxa sancionatória excepcional. Não é assim:
(ii) À consequência geral da litigância de má fé acrescem, em regra, outras o preceito deve ser interpretado no sentido de que um mesmo acto só pode implicar,
consequências. Para além da multa e da indemnização, o regime da litigância de má fé conforme a censurabilidade da actuação da parte, a condenação desta na multa devida
implica que o acto praticado pela parte contra os ditames da boa fé não pode produzir pela litigãncia de má fé ou na taxa sancionatória excepcional.
nenhuns efeitos em juízo. O acto é ilícito e, por isso mesmo, ineficaz, não podendo a 3. Má fé bilateral
multa e a indemnização ser entendidas como significando que, paga a multa e realizado
o respectivo ressarcimento à parte contrária, o acto pode produzir todos os seus efeitos A má fé é bilateral quando ambas as partes agem de má fé com o intuito de prejudicar
em juízo. Por exemplo: no caso da tentativa ilícita de desaforamento, o tribunal deve t~rceiros: verifica-se então a simulação processual (art. 612."). Por exemplo: as partes
declarar~se incompetente (art. 107.0 ) ; na hipótese da propositura indevida de uma simulam uma acção de reivindicação para, através da diminuição do património
acção prejudicial, o tribunal da acção dependente não deve decretar a suspensão da do demandado, afectarem a garantia patrimonial dos seus credores (art. 601.º CC).
instância (art. 272.", n.º 2); no caso de a parte procurar obter um objectivo ilegal com a Apercebendo-se da simulação processual, o juiz da causa deve abster-se de proferir
acção (art. 542.", n.º 2, al. d)), o juiz deve extinguir a instância (art. 612.º); na hipótese qualquer decisão (art. 612.º). Se esse juiz não se tiver apercebido da simulação e tiver
de a parte mentir em processo, o facto não verdadeiro não pode ser considerado pelo proferido urna decisão de mérito, o terceiro prejudicado pode solicitar a revisão desta
tribunal (ainda que se encontre admitido por acordo ou confessado). Assim, o acto decisão (art. 696.º, ai. g)).
praticado pelo litigante de má fé não pode produzir nenhuns efeitos em processo (a 4. Abuso do processo
não ser aqueles que o sancionam).
(b) Apesar de a regra ser a de que o acto contrário à boa fé não pode produzir 4.1. Generalidades
efeitos em processo, também são pensáveis casos em que as únicas consequências da O conceito de acção abusiva diz respeito ao autor que faz a acção desempenhar uma
litigância de má fé são as sanções de multa e de ressarcimento da parte contrária. É o função diversa da obtenção de tutela jurisdicional, designadamente a de prejudicar ou
que sucede, por exemplo, quando a litigância de má fé decorre da violação do dever incomodar o réu 81 • Por exemplo: (i) A, apenas para fatigar B, move-lhe continuamente
de cooperação da parte (art. 8.0 e 542.º, n." l, ai. c)).

30
Sobre esta taxa sancionatória, cf. COSTA E S!LVA, A Litigância de Má Fé, 267 ss. e 441 ss.
71 Cf. RL 5/2/2019 (70173/17.5YIPRT.Ll-7). si Cf. TARUFFO, in TARUFFO (Ed.), Abuse of Procedural Rights: Comparative Standards of
,s Assim, COSTA E SILVA,A Litigància de Má Fé, 524 ss.; dif. MENEZES CORDEIRO, Litigància Procedural Fairness (1999), 3 ss. e 12 s.; sobre os aspectos históricos do abuso do processo, cf.,
de Má Fé, 195 ss.; P. DE ALBUQUERQUE, Responsabilidade Processual, 108 ss. com grande desenvolvimento, CoRDOPATRI, I.:abuso dei processo I (2000), 51 ss.; entendendo
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J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Introdução II. Aspectos Gerais

acções declarativas da propriedade de todos os objectos que possui; A abusa do direito à acção que não coincida com a lítigância de má fé pelo uso reprovável dos
processo, porque utiliza os meios processuais para obter uma finalidade ilegal; (ii) C meios processuaís, isto é, pelo abuso de faculdades processuaisM. Uma confirmação
é credor de D no montante de € 20.000; em vez de demandar D numa única acção, desta solução encontra-se no art. 10. 0 , n. 0 2, aJ. n), RPOP.
C vai propondo sucessivamente várias acções respeitantes a montantes parcelares,
4.4. Abuso do direito de acção
procurando não só importunar D, mas também evitar que a acção tenha um valor que
permita a D interpor um qualquer recurso; C abusa do processo, porque se serve deste (a) Não se pode entender que todo o abuso do direito em processo corresponde
para a prossecução de objectivos ilegais; (iii) E instaura uma acção de reivindicação a um abuso do direito à acção que deve ser sancionado com a condenação da parte
contra F; na iminência da improcedência da acção, E transmite, visando dificultar a como litigante de má fé. A acção pode improceder, simplesmente porque o tribunal
posição da outra parte no processo, a coisa ou o direito em litígio ao terceiro G (art entende que o que o autor pede é abusivo, e, por isso, deve ser sancionado nos termos
263.º, n.º 2, e 356.º, n.º l, ai. a)); E abusa do processo, porque se serve deste para obter do art. 334.º CC.
uma finalidade ilegal. (b) Não deve ser confundido o abuso de faculdades processuais que justifica a
condenação como litigante de má fé (art. 542.º, n.º 2, al. d)) com o exercícío abusivo
4.2. Relevância legal
de um direito substantivo. Por exemplo: (i) as partes celebraram um contrato de mútuo
(a) Pode perguntar-se se o abuso do processo tem autonomia perante a litigância que é nulo por falta de forma; no entanto, o devedor pagou, durante vários anos,
de má fé, ou seja, se esse abuso pode ser sancionado autonomamente da litigância de os juros do empréstimo; é abusivo o pedido feito por este devedor de devolução da
má fé. Atendendo a que a litigância de má fé pressupõe o dolo ou a negligência grave quantia paga em consequência da nulidade do contratoRl; (ii) um banco accionou
da parte (art. 542.º, n.º 2 pr.) e que o abuso do direito é aferido objec~ivamente, po~e uma livrança, que os executados tinham avalizado em branco, vários anos depois de
tender-se para uma resposta positiva à questão suscitada82• Mas é duvidoso que assim estes se terem afastado da sociedade subscritora; aquele exequente actua com abuso
possa ser. do direito se tinha conhecimento de que os executados só avalizaram a livrança por
(b) A análise da relevância do abuso do direito em processo implica considerar serem pessoas com interesse na sociedade subscritora e se, sabendo que os executados
duas situações completamente distintas: aquela em que se verifica o abuso do direito à se sentiam desobrigados e que era bastante a garantia dos restantes avalistas, ainda
acção (art. 2.º, n.º I) e aquela em que ocorre o abuso do direito de acção (art. 2.º, n.º 2). assim continuou a conceder crédito à sociedade através da renovação do contrato de
abertura de crédito86 • Em qualquer destes casos, porque, apesar de haver abuso do
4.3. Abuso do direito à acção
direito de acção, não há abuso do direito à acção e, por isso, não há motivo para
O abuso do direito à acção verifica-se quando ocorre um uso reprovável do processo condenar o demandante como litigante de má fé; a consequência é, naturalmente, a
ou dos actos processuais83 • Por exemplo: o autor que, em vez de exigir a totalidade da improcedência da acção com base no estabelecido no art. 334.º CC.
dívida numa única acção, reparte aquela divida por várias acções não só abusa do seu
direito a exigir o cumprimento da dívida, como abusa dos meios processuais. O uso VIII. Princípio da economia processual
reprovável do processo implica a qualificação da parte como litigante de má fé (art.
542.º, n.º 2, a1. d)), o que demonstra que o direito positivo sanciona o exercício abusivo l. Generalidades
do direito à acção através do regime da litigãncia de má fé. Não há, pois, abuso do O princípio da economia processuaJ pode ser visto num plano institucional e num
plano individual.

{1967), 150 ss. e 202; BLOMEYER, ZPR (1985), 178; Stein/Jonas!Rom {2016), vor § 253, 154;
diferenciando as situações, cf. 8ADMGÃRTEL, ZZP 69 (1956), 101 ss.
8 'Cf. MENEZES CORDEIRO, Litigância de Má Fé, !49 ss.; P. DE ALst.:QDERQUE,
Responsabilidade Processual, 92 ss.; P. DE ALBUQUERQUE, Est. CAC (2019), 913 ss.; COSTA E
14
SILVA, A Litigância de Má Fé, 617 ss. Dif. MENEZES CoROEJRO, Litigiincia de Má Fé, 139 ss.; P. DF. ALBUQUERQUE,
S3 Cf., p. ex., TARUFFO, in FuRGIUELE (Ed.), Diritto Privato 1997 (1998), 446: pode falar· Responsabilidade Processual, 92 ss. e 150 ss.; P. DE ALBUQUERQUE, ROA 66 {2006), 901 ss.;
-se de abuso do processo quando se verifica uma "distorsione nell'impiego di uno strnmento P, DE ALBUQVERQUE, Est. CAC (2019), 916 s.; COSTA E SILVA. A Litigiincia de Má Fé, 617 ss.
processuale, che viene desttnato al conseguimento di scopi diversi da quel!i che gli sono 85
Cf. STJ 27/5/2010 (148/06.8TBMCN.Pi.Slt
110 proprt'; id. LoMBARDO, Giust. civ. 2018, 895.
l de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Introdução li. Aspectos Gerais

2. Plano institucional ele seria realmente inútil ou supérfluo, porque nunca se pode ter a certeza de que O acto
omítido (como, por exemplo, a audição de uma testemunha), se tivesse sido realizado,
2.1. Generalidades
não sería afinal útil. A economia processual fundamenta, por isso, a irrelevância
No plano institucional, o princípio da economia processual é aquele segundo o qual virtual de um acto, isto é, a irrelevância de um acto que, apesar de ser admissível, é
o processo não deve implicar custos desnecessários e não proporcionais à prossecução considerado supérfluo antes mesmo de ser praticado: o juiz que já adquiriu a convicção
da sua finalidade ou, numa outra formulação, é o princípio segundo o qual os meios sobre uma questão pode dispensar um acto processual a ela respeitante, sem que tenha
disponíveis devem ser utilizados de molde a optimizar o fim do processo, evitando a de se preocupar com o que poderia ter resultado desse acto e com a possível utilidade
perda de tempo e os custos escusáveis&7_ do acto omitido para um outro tribunal (nomeadamente, de recurso).

2.2. Concretização IX. Princípio da auto-suficiência


O princípio da economia processual orienta-se por um critério de eficiência
1. Caracterização
e, portanto, pelo difícil equilíbrio entre a garantia do direito à acção e a resposta
fornecida pelo ordenamento processual. Ao princípio da economia processual liga-se quer O princípio da auto-suficiência do processo pode exprimir-se do seguinte modo:
a necessidade de desonerar os tribunais de processos desnecessários, quer o imperativo em processo, a aparência vale como realidade para o efeito de determinar se O é ou
do andamento célere dos processos pendentes. Alguns institutos processuais são não e esta determinação é realizada no próprio processo.
decorrência do princípio da economia processual: é o caso, por exemplo, das excepções
de litispendência e de caso julgado (art. 580. 0 , n. 0 1, e 581.°, n.º l) e da suspensão da 2. Concretização
instância por prejudicialidade (art. 269.º, n.º l, al. d), e 272.º) - que se destinam a . A mera invocação de um direito permite à parte instaurar uma causa, 0 que, em
evitar uma duplicação de processos sobre a mesma questão--·, bem como da coligação ngor, só deveria ser permitido àquele que fosse efectivamente titular desse direito-
de autores e réus (art. 36."), da apensação de acções (art. 267. 0 , n.º 1), da reconvenção ~as a causa visa precisamente averiguar se o autor é ou não titular do direito qu;
(art. 266.º, n.º 1) e da cumulação de pedidos (art. 553.º a 555.0 )-·que visam concentrar mvoca. O mesmo se passa no plano dos pressupostos processuais: a apreciação destes
várias acções num único processo. pressupostos é realizada na própria acção em que eles condicionam a apreciação
do mérito. Assim, por exemplo, a parte ilegítima é legítima para sustentar a sua
3. Plano individual
ilegitimidade e o tribunal incompetente é competente para decidir da sua competência
3.1. Actos inúteis (regra da Kompetenz-Kompetenz).
No plano individual - isto é, no plano de cada acto processual-, o princípio da
economia processual proíbe a prática de actos inúteis (art. I30.º) ou supérfluos (art.
534.°, n.º 1). Este princípio obsta a que se pratiquem actos tanto objectiva, como
subjectivamente inúteis ou supérfluos num processo pendente. Os actos objectivamente
inúteis ou supérfluos são aqueles que não respeitam à matéria discutida no processo;
os actos subjectivamente inúteis ou supérfluos são aqueles que, pressupostamente,
nada acrescentam ao que já está adquirido em processo.
3.2. Inutilidade subjectiva
A inutilidade objectiva é facilmente demonstrável (se se discute x, não interessa
praticar um acto relativo a y), mas a inutilidade subjectiva tem na base um pressuposto
indemonstrável: o acto é inútil na pressuposição de que nada vai acrescentar ao que já
está adquirido para o processo; mas, se o acto não é realizado, nunca se pode saber se

li]
PARTEI
PROCESSO DECLARATIVO

115
III. ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA E COMPETÊNCIA

§ 10.º Noções gerais

I. Órgãos jurisdicionais

1. Generalidades
1.1. Noção de tribunal
(a) Os sujeítos do processo civil são o tribunal - que é um sujeíto público - e as
partes - que são, em regra, sujeitos privados. O tribunal pode ser definido como o
órgão de soberania investido especificamente na função jurisdicional (art. 202.º, n.º
1, CRP; art. 2. 0 , n. 0 1, LOSJ; art. 3.º, n.º 1 e 2, EMJ). Apesar de, no passado, se ter
formado o brocardo iurisdictio in sola notione consistit, há muito que é indiscutível
que a jurisdição engloba tanto a cognitio (isto é, o processo declarativo), como a
executio (ou seja, o processo executivo) 1•
(b) Os tribunais são órgãos imparciaís que utilizam, em regra, o direito substantivo
como critério de decisão e que têm competência para proferir decisões dotadas de
valores próprios, como são os de caso julgado (indiscutibilidade da decisão) e de
executoriedade (susceptibilidade de a decisão, quando não voluntariamente cumprida
pelo demandado, ser executada em processo próprio). Como corolário da função
jurisdicional que os tribunais exercem, as suas decisões são obrigatórias para todas as
entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades
(art. 205.º, n.º 2, CRP; art. 24.º, n.º 2, LOSJ).
t.2. Espécies de tribunais
Há que distinguir, em planos distintos, entre os tribunais comuns e os tribunais
especiais e entre os tribunais estaduais e os tribunais arbitrais.

2. Tribunais comuns e especiais


2.1. Critério da distinção
O tribunal comum é aquele que tem uma competência genérica, isto é, uma
competência para dirimir todos os litígios, salvo apenas os que, por lei, estejam

'Já assim WETZELL, System (1878), 515; WACH, Handbuch I (1885), 313 ss.; sobre a
passagem da "extrastatualità" à "statualità" da jurisdição, cf. PICARDI, La giurisdizione
all'alba dei terzo míllennio (2007), 81 ss.; PICARDI, RISG 2 (201 l), 43 ss. ll 7
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo III. Organização Judiciária e Competência

reservados a outros tribunais (art. 211.º, n.º l, CRP; art. 40.º, n.º 1, LOSJ); o tribuna!
a eles queiram recorrer; é o caso, por exemplo, dos vários Centros de
especial é aquele cuja competência é delimitada por lei. Há, por isso, tribunais comuns Arbitragem de Conflitos de Consumo;
- que são os tribunais judiciais (art. 209.°, n.º l, al. a), e 21 O.º, n. 0 1, CRP; art. 29.º, n.º Os tribunais arbitrais eventuais, que são aqueles que se constituem para
l, ai. a), LOSJ) - e tribunais especiais - que são os tribwiais administrativos e fiscais julgar certo litígio ou grupo delimitado de litígios e se dissolvem em
(art. 209.º, n.º I, al. b), e 212.º, n.º 1, CRP; art. 29.º, n.º 1, ai. b), LOSJ). seguida; nestes tribunais pode decorrer uma arbitragem institucionalizada,
2.2. Âmbito da competência quando as partes recorrem a um centro de arbitragem que fornece um
regulamento que as partes só limitadamente podem alterar e que, em
(a) Alguns tribunais judiciais possuem uma competência-regra e outros possuem regra, só admite a escolha de árbitros próprios, ou uma arbitragem ad hoc,
uma competência limitada por lei. Os primeiros são tribunais comuns de competência quando as partes escolhem livremente as regras do processo e os árbitros;
genérica (art. 211.º, n.º 1, CRP; art. 40.º, n.º 1, LOSJ); os segundos são subdivididos há diversos organismos oferecidos às partes para regularem, querendo, os seus
em tribwiais comuns de competência especifica e tribunais comuns de competência diferendos: entre eles avultam a ICC (lnternational Chamber ofCommerce),
especializada (art. 21 l.º, n. 0 2, CRP). . com sede em Paris e, em Portugal, o Centro de Arbitragem Comercial;
(b) A actual LOSJ não utiliza a distinção entre tribunais de competência (b) Atendendo ao âmbito da escolha.das partes, os tribunais arbitrais distinguem-
especializada e tribunais de competência específica. Os tribunais de comarca podem -se em voluntários e necessários: ,.
ser tribunais de competência genérica ou tribunais de competência especializada (art. Quando a lei permite às partes resolverem o seu litígio em tribunal arbitral,
80.º, n.º 2, LOSJ). Os tribunais superiores contêm secções especializadas (art. 47.º, este tribunal é voluntário; a arbitragem voluntária é instituída através
n.º I e 2, LOSJ, quanto ao STJ, e art. 67.º, n. 0 2 e 3, LOSJ, quanto aos tribunais da de uma convenção de arbitragem (art. 1.0 , n.º l, LAV), que pode ser um
Relação). compromisso arbitral, quando o litígio for actual ou já se encontre afecto
a um tribunal judicial (art. l.º, n. 0 3, LAV; art. 277. 0 , al. b), e 280. 0 ), ou uma
3. Tribunais estaduais e arbitrais
cláusula comprornissória, quando o litígio for eventual (art. l.º, n.º 3, LAV);
3.1. Distinção Quando a lei impõe o recurso à arbitragem, o tribunal arbitral é necessário
0
Ao la'do dos tribunais estaduais existem os tribunais arbitrais (art. 209.º, n.º 2, (art. 1082.º a 1085. ); a arbitragem necessária verifica-se, nomeadamente,
CRP; art. 29.º, n.º 4, e 150.º, n.º 1, LOSJ). A nota ca.i.cterística do tribunal arbitral é na fixação do valor da indemnização por expropriação (art. 38.º, n.º 1,
fundamentalmente esta: a de que a sua competência para o caso concreto depende da CExp) e nos conflitos. de consumo cujo valor não exceda a alçada dos
tribunais de l .ª instância quando, por opção expressa dos consumidores,
aceitação e vontade de ambas as partes, expressa num negócio jurídico que tem o nome
sejam submetidos à apreciação de tribunal arbitral adstrito aos centros
de convenção de arbitragem (art. 1. 0 , n.º 1, LAV) 2 • Por exemplo: A discute com B a
de arbitragem de conflitos de consumo legalmente autorizados (art.
propriedade de x, e resolve dirigir-se ao tribunal; por força do principio dispositivo, o
14.º, n.° 2 e 3, L 24/96, de 31/7).
tribunal só dirime este litígio se A lho pedir (art. 3.°, n.º l ); basta a vontade de A, dado
que B é julgado e eventualmente condenado, qualquer que seja a sua vontade de estar II. Jurisdição e competência
em juízo. Porém, a lei permite que A e B escolham um ou mais árbitros para julgarem
o seu litígio; isso só é possível se A e B concordarem em resolver o seu litígio através 1. Competência jurisdicional
de um tribunal arbitral (art. l.º LAV). Refira-se também que os tribunais arbitrais só
1.1. Noção
podem ter competência declarativa, não executiva (art. 47. 0 , n. 0 l, LAV).
Aos tribunais cabe um dos poderes e funções do Estado; a jurisdição (art. 202.º,
3.2. Classificações 0
n.º l, CRP; art. 2. , n.º l, LOSJ). A jurisdição delimita~se em face das outras funções
(a) Os tribunais arbitrais distinguem-se-em duas classes: estaduais, que, seguindo a análise clássica e tripartida, são a função administrativa ou
Os tribunais arbitrais permanentes, que são aqueles que se encontram executiva e a função legislativa. Utilizando uma definição antiga, pode dizer-se que a
constituídos e que estão à disposição das partes que, de comum acordo, competência é a medida de jurisdição de um tribuna13.

118 2Cf. R. VrnruRA, ROA 46 (1986), 289 ss.; LIMA PINHEIRO, ROA 64 (2004), 127 ss.
J MoRrARA, Commentario II (s. d.), 1 s.; cf. também MORTARA, Manuale 1 (1926), 108.; no 119
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte 1 Processo Declarativo 111. Organização Judiciária e Competência

1.2. Âmbito da competência acção de divórcio é competente o tribunal (português) do lugar do domicílio
do autor (art. 72. 0 ), mesmo que, por exemplo, o réu seja brasileiro e tenha
(a) O poder jurisdicional reparte-se entre os tribunais de todos os países, pelo
domicílio no Brasil.
que os tribunais portugueses não podem pretender ser os únicos a resolver todos os
litígios. Os tribunais portugueses encarregam-se apenas de uma certa extensão desse 2. Competência funcional
poder jurisdicional, a que se chama competência internacional (art. 59.º; art. 37.º, n. 0
2.1. Generalidades
2, LOSJ).
A distribuição harmonizada da competência internacional só é possível se houver (a) A máquina judiciária compõe-se de órgãos (tribunais), e estes subdividem~
uma autoridade supra-estadual que reparta a competência internacional entre as -se em órgãos parcelares, alguns conservando a natureza de tribunais, mas outros
várias ordens jurídicas (como sucede no caso dos regulamentos europeus) ou se os sendo elementos orgânicos dos mesmos (juízes, magistrados do MP, secretaria). A
Estados acordarem, através de uma convenção internacional, em repartir entre eles competência do tribunal distribui-se por estes órgãos. Assim, ao lado da competência
a competência internacional. Quando o legislador nacional define a competência jurisdicional, distribuição dos actos em que se exprime a jurisdição entre os tribunais,
internacional dos seus tribunais, fá-lo de uma fonna unilateral, sem se preocupar com surge a competência funcional (ou intrajudicial), distribuição dos actos em que se
a coordenação com a competência internacional que outros legisladores nacionais exprime a jurísdição dentro de um tribunal pelos vários órgãos que o compõem.
atribuem aos seus tribunais. Esta falta de harmonização contribui para a existência de (b) As consequências da falta de competência funcional dependem da categoria
competências concorrentes, pelo que pode suceder que, para a mesma acção, possuam do acto praticado:
competência internacional tribunais de ordens jurídicas diferentes. Se o acto implicar o exercicio de poder jurisdicional, verifica-se uma falta
(b) A ordem jurídica portuguesa comporta diversos tribunais. A medida de absoluta dessa competência, o que determina a inexistência do acto; se, por
jurisdição de cada tribunal português é a sua competência interna, que pode ser exemplo, a secretaria elaborar, em substituição do juiz, um despacho de
delimitada em função de um ou mais dos seguintes factores: a matéria do litígio, o citação, trata-se de uma decisão inexistente;
valor da causa, a hierarquia judiciária e o território sobre o qual o tribunal exerce o Se o acto não implicar o exercício de poder jurisdicional, ocorre uma falta
seu poder jurisdicional (art. 60. 0 , n. 0 2; art. 37.º, n. 0 1, 40. 0 , 41. 0 , 42.º e 43.º LOSJ). relativa dessa competência, o que constitui uma nulidade processual (art.
O disposto no art. 117.º, n.º 1, ai. a), LOSJ mostra que, em algumas circunstâncias, a 195.°, n. 0 l); se, por exemplo, a secretaria proceder à citação num caso em
que este acto depende de prévio despacho judicial, trata-se de uma nulidade
forma do processo também é um factor de aferição da competência.
processual.
1.3. Relações mútuas
2.2. Tribunal singular e colectivo
Sobre as relações entre a competência internacional e a competência (interna)
(a) O tribunal judicial de l.ª instância pode ser singular ou colectivo (art. 85.º,
territorial, pode dizeMe o seguinte:
n. 0 l, LOSJ): o tribunal singular é composto por um juiz (art. 132.0 , n.º 1, LOSJ) e o
A aferição da competência internacional pode determinar simultaneamente
tribunal colectivo, em regra, por três juízes privativos (art. 133.0 , n. 0 1, LOSJ), mas,
a competência territorial; neste caso, diz-se que a regra que afere a
em certos casos, é integrado por juízes sociais (art. 85.º, n.º 4, LOSJ). O tribunal
competência internacional é dotada de uma dupla funcionalidade; por
colectivo é presidido pelo juiz do processo (art. 135. 0 , n. 0 1, LOSJ), ao qual compete,
exemplo: o art. 7.º, n.º 2, Reg. 1215/2012 estabelece que, para uma acção além do mais, dirigir as audiências de discussão e julgamento (art. 135.º, n.º 2, ai. a),
de responsabilidade civil, é competente o tribunal do lugar onde ocorreu o
LOSJ), proferir a sentença final (art. 135.0 , n. 0 2, al. c), LOSJ) e suprir as deficiências
facto danoso; o tribunal deste lugar é competente tanto internacionalmente,
das sentenças e acórdãos, esclarecê-los, reformá-los e sustentá-los (art. 135.0 , n. 0 2,
como territorialmente;
ai. d), LOSJ).
A aferição da competência territorial pode determinar simultaneamente a
(b) A repartição de competências entre o tribunal singular e o tribunal colectivo
competência internacional; nesta hipótese, é a regra relativa à competência
e, dentro deste, entre o seu presidente e os demais juízes, é uma repartição de
territorial que é dotada de dupla funcionalidade; por exemplo: para uma
competências funcionais:
Compete ao tribunal colectivo julgar as questões de facto e de direito nas
acções e nos incidentes e execuções que sigam os termos do processo de
mesmo sentido, cf. BoNCENNE, Théorie de la procédure civile, précedée d'une introduction I declaração, sempre que a lei do processo o determine (art. 134.0 , ai. b),
(1839), 27: "Lajurisdiction, jurisdictio, est le pouvoir dujuge; la compétence est la mesure de LOSJ); no âmbito do processo civil, são muito raras as situações em que
!20 ce pouvoir". 121
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I Processo Declarativo IH. Organização Judiciária e Competência

a lei prevê a intervenção do tribunal colectivo em 1.ª instância (cf., por 2. Espécies
exemplo, art. 125.º, n. 0 2, LOSJ; fora do âmbito do processo civil, cf. art. Abstraindo do TC e do TdC, vê~se que o art. 209.º, n.º l, CRP fala em duas
127.°, n.° 1, LOSJ); "categorias de tribunais", que são,justamente, as ordens de tribunais previstas na lei:
Compete ao tribunal singular julgar os processos que não devam ser
os tribunais judíciais e os tribunais administrativos e fiscais. Entre estas duas categorias
julgados pelo tribunal colectivo (art. I32.º, n.º 2, LOSJ; estabelecendo a
há uma distinção muito ímportante a fazer: os tribunais judiciais são tribunais comuns
competência do juiz singular no âmbito dos processos tutelares cíveis, cf.
em matéria cível e criminal e, além disso, exercem jurisdição em todas as áreas não
art. 19.º RGPTC).
atribuídas a outros tribunais (art. 211.º, n. 0 l, CRP; art. 64. 0 ); em contrapartida, os
3. Competência decisória tribunais administrativos e fiscais são tribunais especiais.

3.1. Noção II. Tribunais judiciais


Os tribunais não têm todos a mesma competência decisória, ou seja, nem todos têm
competência para se pronunciarem sobre as mesmas matérias relevantes para a decisão l. Generalidades
da causa. Assim, por exemplo, nos recursos que aprecie, o STJ só tem competência O disposto no art. 210.º CRP permite traçar o seguinte quadro dos tribunais judiciais:
para se pronunciar sobre matéria de direito, não sobre a de facto (art. 46.º LOSJ; art. O STJ; o STJ é o órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais (art.
682.º, n.º I e 2): trata-se de uma restrição na competência decisória desse tribunal. 210. 0 , n.º l, CRP; art. 29. 0 , n. 0 l, al. a), e 3 l.º, n. 0 l, LOSJ) e está instalado
3.2. Violação em Lisboa (art. 45.º LOSJ);
- As Relações ou tribunais da Relação; as Relações são, em regra, os tribunais
Sempre que uma decisão não respeite a competência decisória do tribunal que a de 2.ª instância (art. 210. 0 , n.º 4, CRP; art. 29. 0 , n. 0 2, e 67. 0 , n.º l, LOSJ);
profere, há que entender que a mesma é nula por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º Os tribunais de comarca; os tribunais judiciais de 1.ª instância são, em
I, ai. d); cf. art. 613.º, n.º 3, art. 666.º, n.º I, e 685.º). Nesta hipótese, o tribunal conhece
regra, tribunaís de comarca (art. 210.º, n.º 3, CRP; art. 29.º, n.º 3, e 79.º
de questões que não devia apreciar por não ter competência para se pronunciar sobre
LOSJ).
elas.
2. STJ
§ 11.º Quadro geral dos tribunais
O STJ pode funcionar em plenário, em pleno das secções especializadas ou por
I. Ordens de tribunais secções (art. 48.º, n. 0 l, LOSJ; cf. art. 211. 0 , n.º 4, CRP). O STJ compreende secções
em matéria cível, em matéria penal e em matéria social (art. 47 .º, n.º l, LOSJ), havendo
1. Noção ainda uma secção com competência para o julgamento dos recursos das deliberações
A organização judiciária portuguesa comporta tribunais de várias espécies.4 • Para do CSM (art. 47.º, n.º 2, LOSJ).
reduzir toda a complexidade a um sistema, convém reunir os tribunais em grupos e
categorias, relacionando-os e delimitando-os entre si. Essencial a este respeíto é a 3. Tribunais da Relação
noção de ordem dos tribunais: os tribunais coordenam-se em grandes organizações, Os tribunais da Relação funcionam em plenário e por secções (art. 67.º, n.º 2,
com vários escalões hierárquicos e um tribunal supremo no cume do escalão; a essas LOSJ; cf. art. 211.º, n. 0 4, CRP). Os tribunais da Relação compreendem secções em
organizações chama-se ordens jurisdicionais ou ordens de tribunais. A esta matéria matéria cível, em matéria penal, em matéria socíal, em matéria de família e menores,
se refere o art. 209.º, n.º 1, CRP (bem como o art. 29.°, n.º l, LOSJ), que estabelece e em matéria de comércio, de propriedade intelectual e de concorrência, regulação e
que, além do TC (art. 221.º a 224.º CRP) e do TdC (art. 214.° CRP), existem, como supervisão (art. 67. 0 , n.º 3, LOSJ). O funcionamento das secções social, de família
categorias de tribunais, o STJ e os tribunais judiciais de l .ª e 2.ª instância, bem como e menores, de comércio, de propriedade intelectual e de concorrência, regulação e
o STA e os demais tribunais administrativos e fiscais. supervisão depende do volume ou da complexidade do serviço (art. 67.º, n.º 4, LOSJ).

4 Para alguns aspectos históricos, cf. I. GRAES, O Poder e a Justiça em Portugal no Sécnlo
122 XIX (2014), 43 ss. 123
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo III. Organização Judiciária e Competência

4. Tribunais de l.ª instância A fiscalização da legalidade de normas e actos jurídicos (art. 4. 0 , n.º 1, al.
b) a d), ETAF);
4.1. Generalidades
O contencioso relativo a contratos regulados pelo direito público (art. 4.º,
Os tribunais judiciais de 1.ª instância podem ser tribunais de competência territorial n.º l, al. e), ETAF);
alargada e tribunais de comarca (art. 33.0 , n.º 1, LOSJ): os tribunais de competência A responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito
territorial alargada são tribunais cuja área abrange mais do que uma comarca (art. público e dos servidores públicos (art. 4.º, n.º 1, ai. g), h), e i), ETAF);
43.°, n.º 4, e 83.º, n.º 1, LOSJ); os tribunais de comarca são tribunais cuja área de As acções nas quais devam ser conjuntamente demandadas entidades
competência é restrita à comarca (art. 33. 0 , n.º 3, 43. 0 , n.º 3, e 79.º LOSJ). públicas e particulares entre si ligados por vínculos jurídicos de
4.2. Tribunais de comarca solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a
produção dos mesmos danos ou por terem celebrado entre si contrato de
Os tribunais judiciais de l.ª instância são, em regra, os tribunais de comarca (art. seguro de responsabilidade (art. 4. 0 , n. 0 2, ETAF)6;
29.º, n.º 3, e 79.º LOSJ). Os tribunais de comarca desdobram-se em juízos, qm". P?dem A execução das sentenças proferidas pela jurisdição administrativa e fiscal
ser de competência especializada, de competência genérica e ainda de prox1m1dade (art. 4. 0 , n. 0 1, ai. n), ETAF).
(art. 81.º, n.º 1, LOSJ). Entre outros, podem ser criados, como juízos de competência
especializada, o juízo central cível (art. 81.°, n.º 3, ai. a), LOSJ), o juízo local cível 2.STA
(art. 81.º, n.º 3, ai. b), LOSJ), o juízo de família e menores (art. 81.º, n.º 3, ai. g),
LOSJ), o juízo de comércio (art. 81.0 , n. 0 3, ai. i), LOSJ) e o juízo de execução (art. 2.1. Funcionamento
81.º, n.º 3, ai. j), LOSJ). O STA é o órgão superior da hierarquia dos tribunais administrativos e fiscais (art.
4.3. Tribunais de competência alargada 212. 0 , n.º 1, CRP; art. 146.º LOSJ; art. 11.º, n.º 1, ETAF), podendo funcionar por
secções ou em plenário (art. I2.º, n. 0 1, ETAF). O STA compreende duas secções,
Além de outros, são tribunais de competência territorial alargada o tribunal ~ uma de contencioso administrativo e outra de contencioso tributário (art. 12.º, n.º 2,
propriedade intelectual (art. 83.0 , n. 0 3, ai. a), e 11 l.ºLOSJ), o tribunal daconc~rrêncta, ETAF).
regulação e supervisão (art. 83.°, n. 0 3, ai. b), e 112.º LOSJ) e o tribunal marítimo (art.
83.º, n.º 3, ai. c), e l 13.0 LOSJ). 2.2. Competência
A competência do plenário do STA (sobre a composição deste, cf. art. 28.º ETAF)
Ili. Tribunais administrativos e fiscais
consta do art. 29.º ETAF; a competência de cada uma das suas secções consta dos art.
1. Generalidades 24.º a 27.º ETAF.
A ordem dos tribunais administrativos e fiscais engloba o STA (art. 212.º, n.º 1, 3. Tribunais centrais administrativos
CRP; art. 145.º, n.º 1, al. a), LOSJ), os tribunais centrais administrativos, os tribunais
administrativos de circulo e os tribunais tributários (art. 145.º, n.º l, ai. b) a d), LOSJ; 3.1. Funcionamento
art. 8. 0 , ai. b) e c), ETAF)\ São tribunais centrais administrativos o TCAS, com sede em Lisboa, e o TCAN,
com sede no Porto (art. 145.0 , n. 0 1, ai. b), e 147.º, n.º l, LOSJ; art. 31.º, n.º l, ETAF).
2. Competência
Cada tribunal central administrativo compreende duas secções, uma de contencioso
A competência dos tribunais administrativos e fiscais é delimitada pelo seu objecto: administrativo e outra de contencioso tributário (art. 32.º, n.º 1, ETAF).
os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais (art. 144.º, n.º l,
3.2. Competência
LOSJ). Esta competência abrange, entre outras, as seguintes áreas:
- A tutela de dimitos fundamentais e de direitos e interesses legalmente Os tribunais centrais administrativos funcionam, fundamentalmente, como
protegidos dos particulares (art. 4.º, n. 0 1, ai. a), ETAF); tribunais de 2.ª instância, conhecendo de matéria de facto e de direito (art. 147.º, n.º

' Para uma perspectiva histórica, cf. CÂNDIDO DE ÜL!VEIRA, Organização Judiciária
6Cf. TConf 17/5/2018 (52/17), CJA 132 (2018), 18 (anot. ASSIS RAIMUNDO).
124 Administrativa (e Tributária) (2003), 59 ss. e 179 ss. 125
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte 1-· Processo Declarativo III. Organização Judiciária e Competência

3, LOSJ). A competência de cada uma das suas secções é a que está prevista nos art. que cabe recurso para o TC quer das decisões dos tribunais que recusem a aplicação
37.º e 38.º ETAF. de qualquer norma com fi.mdamento na sua inconstitucionalidade, quer das decisões
que apliquem uma norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o
4. Tribunais de 1.ª instância processo (cf. também art. 70.º, n.º l, ai. a) e b), LTC). Em concreto:
Na ordem dos tribunais administrativos e fiscais, os tribunais de 1.ª instância são - Os recursos previstos na ai. a) do n.º l do art. 280.º CRP (recursos de uma
os tribunais administrativos de círculo e os tribunais tributários (art. 145.º, n.º 1, al. decisão positiva de inconstitucíonalidade ou decisão de acolhimento) só
c) e d), e 148.º, n.º 1, LOSJ). A sua competência é a que se encontra definida nos art. são obrigatórios para o MP quando a regra desaplicada com fundamento
44.º e 49. 0 ETAF. em inconstitucionalidade constar de convenção intemacíonal, de acto
legislativo ou de decreto regulamentar (art. 280.º, n.º 2, CRP; cf. art. 72.º,
IV. Outros tribunais n.º 3, LTC);
Os recursos previstos na al. b) do n. 0 1 do art. 280.º CRP (e na al. d) do n. 0
1. TC 2 do art. 280.º CRP) só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado,
1.1. Generalidades durante o processo, a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade
(art. 280.º, n.º 3, CRP; cf. art. 72. 0 , n.º 2, LTC).
O TC possui competência para a fiscalização da constitucionalidade e da legalidade, (ii) Há ainda um terceiro caso de recurso para o TC em que este é obrigatório para
em abstracto ou em concreto (art. 221. 0 , n. 0 l, e 278.º a 283.º CRP; art. 30.º, n.º 1, o MP: é o recurso que se encontra previsto no art. 280.º, n.º 5, CRP, e que cabe das
LOSJ; cf. art. 6.º LTC). O TC exerce a sua jurisdição no âmbito de toda a ordem decisões dos tribunais que apliquem norma anteriormente julgada inconstitucional ou
jurídica portuguesa e tem sede em Lisboa (art.. 1. 0 ~TC). É composto d~ ~rês secçõe.,S ilegal pelo próprio TC (art. 72. 0 , n.º 3, LTC).
especializadas (art. 41.º, n.º l, LTC), mas funciona igualmente em plenano (art. 40.,
n.º 1, LTC). 2.UE
1.2. Competência 2.1. Generalidades
(a) O TC tem competência nas seguintes matérias: . . . OTJUE inclui oTJ, oTGeral e tribunais especializados (art. 19.º, n.º 1, § 1. 0 l.ªparte,
- Fiscalização de forma concreta, em via de recurso, da const1tuc10naltdade TIJE) e é qualificado como o garante do respeito do direito na interpretação e aplicação
e da legalidade de normas (art. 280.º CRP)7; dos Tratados (art. 19.º, n.º 1, § 1.0 2.ª parte, TUE). Os tribunais especializados podem
Apreciação de forma abstracta e declaração com força obrigatória geral da ser criados pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da UE (art. 257.º, § 1.0 , TFUE).
inconstitucionalidade de quaisquer normas (art. 281.º, n.º l, al. a), CRP);
Apreciação de forma abstracta e declaração com força obri_gat~ria geral 2.2. TJ
da ilegalidade de quaisquer normas constantes de acto leg1slat1vo, com O TJ é competente para conhecer, entre outras, das seguintes matérias:
fundamento em violação de lei com valor reforçado (art. 281.º, n.º 1, al. Reenvios prejudiciais (art. 267 .º TFUE); de modo a garantir uma aplicação
b), CRP); efectiva e homogénea do direito europeu e evitar as interpretações
Apreciação de forma abstracta e declaração com força obrigatória geral da divergentes, os juízes nacionais podem - e, em certos casos, devem -
inconstitucionalidade ou da ilegalidade de qualquer norma, desde que tenha
dirigir-se ao TJ, pedindo-lhe que esclareça uma interpretação do direito
sido julgada inconstitucional ou ilegal pelo TC em três casos concretos (art.
europeu; o pedido de decisão prejudicial também pode visar a fiscalização
281. 0 , n.º 3, CRP).
da legalidade de um acto de direito europeus; para apreciar se o organismo
(b) (i) No que se refere à fiscalização concreta da constitucionalidade e da
de reenvio tem a natureza de órgão jurisdicional na acepção do art. 267.º
legalidade de normas, convém considerar o art. 280.º, n.º 1, CRP, no qual se dispõe
TFUE · · questão que, aliás, é unicamente do âmbito do direito europeu
, o TJ tem em conta um conjunto de elementos, como a origem legal do

1 Cf., p. ex., TC 574/2008 (26/11/2008); na doutrina, cf. LOPES DO REoo, Os Recursos de


Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional (2010), 9 ss.; sobre
a admissibilidade de um recurso autónomo para o TC por violação de caso julgado, cf. M. P. ~cf. A. S!LVEfRA, CJA 80 (2010), 5 ss.; TJ 22/10/1987 (314/85) decidiu que os tribunais
126 BELEZA, Est. Magalhães Co!laço II (2002), 479 ss. nacionais não são competentes para declarar a invalidade dos actos das instituições comunitárias. 127
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte l Processo Declarativo III. Organização Judiciária e Competência

organismo, a sua pennanêncía, o carácter vinculativo da sua jurisdição, 4. Julgados de paz


a natureza contraditória do processo, a aplicação, pelo organismo, das
normas de direito, bem como a sua independência9; 4.1. Generalidades
Acções por incumprimento (art. 258. 0 a 260. 0 TFUE); estas acções visam (a) O art. 209.º, n.º 2, CRP permite a existência de julgados de paz, que são
fiscalizar o cumprimento pelos EMs das obrigações que lhes incumbem tribunais não integrados em nenhuma ordemjurisdicíonal (art. 29.°, n. 0 4, L0SJ) 10• Os
por força do direito europeu, podendo ser propostas pela Comissão ou por julgados de paz constituem uma fonna alternativa de resolução de litígios, de natureza
qualquer EM; exclusivamente cível, em causas de valor reduzido e em causas que não envolvam
Recursos das decisões do TGeral (art. 256.º, n.º 1, § 2.", TFUE); dos matéria de direito da família, direito das sucessões e direito do trabalho (art. 151.0 ,
acórdãos e despachos proferidos pelo TGeral pode ser interposto recurso n." 1. LOSJ).
para o TJ, embora limitado às questões de direito; (b) Os julgados de paz podem ser concelhios ou de agrupamento de concelhos
Reaprecíação das decisões do TGeral (art. 256.º, n.º 2, § 2.º, e 3, § 3.º, (art. 4.º, n.º l, LJP). Podem ainda ser constituídos julgados de paz junto de entidades
TFUE); as decísões do TGeral proferidas em recursos interpostos de públicas de reconhecido mérito (art. 4.º, n." 3, LJP).
decisões dos tribunais especializados e sobre questões prejudiciais podem
4.2. Competência
ser reapreciadas, a titulo excepcíonal, pelo TJ, caso exista risco grave de
lesão da unidade ou da coerência do direito da UE. (a) A competência dos julgados de paz é definida em função da matéria, do valor
e do território. Em concreto:
3.TEDH Em função da matéria, a competência dos julgados de paz é exclusiva a
acções declarativas (art. 6.º, n.º l, LJP), pelo que os julgados de paz não
3.1. Competência
têm competêncía executiva sequer para executar as suas próprias decisões;
(a) O TEDH é competente para apreciar todas as questões relativas à interpretação Em função do valor, a competência dos julgados de paz é restrita a acções
e à aplicação da CEDH e dos respectivos Protocolos (art. 32.º, n.º I, CEDH). Em cujo valor não exceda€ 15.000 (art. 8.º LJP).
especial, o TEDH tem competência para apreciar petições de qualquer pessoa singular, (b) (i) Em função da matéria, os julgados de paz são competentes para as seguintes
organização não-governamental ou grupo de particulares que se considere vítima de acções:
violação por qualquer Estado Contratante dos direitos reconhecidos na CEDH e nos Acções que se destinem a efectivar o cumprimento de obrigações, com
seus Protocolos (art. 34.º CEDH). Assim, um dos fundamentos possíveis do recurso excepção das que tenham por objecto o cumprimento de obrigação
para o TEDH é a alegação da violação por um tribunal nacíonal da garantia do processo pecuniária e digam respeito a um contrato de adesão (art. 9.º, n. 0 1, ai. a),
equitativo (art. 6.° CEDH). LJP);
(b) O TEDH só pode ser solicítado a conhecer de um assunto depois de esgotadas Acções que respeitem à responsabilidade civil contratual e extracontratual
todas as vias de recurso internas, em confonnidade com os princípios de direito (art. 9. 0 , n. 0 1, ai. h), LJP);
internacional geralmente reconhecídos e num prazo de seis meses a contar da data da Acções que respeitem a incmnprimento contratual, excepto de contrato de
decisão interna definitiva (art. 35.0 , n." l, CEDH). trabalho e de arrendamento rural (art. 9.", n. 0 l, ai. i), LJP);
Acções que respeitem à garantia geral das obrigações (art. 9. 0 , n.º l, ai. j),
3.2. Valor da decisão
LJP);
A decisão proferida pelo TEDH pode servir de fundamento à revisão da sentença Acções relativas ao arrendamento urbano, excepto as acções de despejo
nacional incompatível (art. 696. 0 , al. f)). (art. 9. 0 , n. 0 l, al. g), LJP);
Acções resultantes de direitos e deveres de condóminos, sempre que a
respectiva assembleia não tenha deliberado sobre a obrigatoriedade de
compromisso arbitral para a resolução de litígios entre condóminos ou
entre condóminos e o administrador (art. 9.°, n. 0 l, al. c), LJP);

9Cf., p. ex., TJ 14/6/2011 (196/09), n.º 37; TJ 19/12/2012 (363/11), n.º 18; TJ 31/1/2013
128 (394/11), n.º 38. rn Cf. J. CHUMBINHO, Julgados de Paz na Prática Processual Civil (2007), 54 ss. 129
Parte I - Processo Declarativo III. Organização Judiciária e Competência
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa

Acções relativas a litígios entre proprietários de prédios respeitantes 5.2. Espécies de conflitos
a passagem forçada momentânea, escoamento natura! de águas, obras (a) O tribunal da causa limita-se a apreciar se é competente para a julgar, pelo
defensivas das águas, comunhão de valas, regueiras e valados, sebes vivas, que a aceitação da competência por esse tribunal nunca significa a exclusão de outros
a abertura de janelas, portas, varandas e obras semelhantes, a estilicídio, tribunais competentes e a rejeição da sua competência não é, em regra, acompanhada
plantação de árvores e arbustos, paredes e muros divisórios (art. 9.º, n.º l, da detenninação do tribunal competente. Pode assim suceder que, acerca de uma
ai. d), LJP); mesma questão, os tribunais p!ausivelmente competentes se considerem todos
Acções de entrega de coisas móveis (art. 9.º, n.º 1, ai. b), LJP); incompetentes para o dirimir; ou que, pelo contrário, mais do que um tribunal aceite
Acções de reivindicação, possessórias, usucapião, acessão e divisão de essa competência. Trata-se, em ambas as hipóteses, de um conflito -- conflito negativo
coisa comum (art. 9. 0 , n. 0 l, al. e), LJP); no primeiro caso, conflito positivo no segundo.
Acções que respeitem ao direito de uso e administração da compropriedade, (b) São possíveis conflitos de jurisdição e de competência:
da superfície, do usufruto, de uso e habitação e ao direito real de habitação Há conflito de jurisdição quando duas ou mais autoridades, pertencentes
periódica (art. 9.º, n. 0 l, ai. f), LJP); a diversas actividades do Estado, ou dois ou mais tribunais, integrados
Pedidos de indemnização cível, quando não haja sido apresentada em ordens jurisdicionais diferentes, se arrogam ou declinam o poder de
participação criminal ou após desistência da mesma, emergentes de alguns conhecer da mesma questão; o conflito diz-se positivo no primeiro caso, e
crimes (art. 9. 0 , n. 0 2, LJP). negativo no segundo (art. 109. 0 , n.º l );
(ii) Segundo o estabelecido no art. 151.º, n.º 1, LOSJ, a competência material Há conflito, positivo ou negativo, de competência quando dois ou mais
dos julgados de paz para apreciar e decidir as acções previstas no art. 9.º, n.º 1, LJP tribunais da mesma ordem jurisdicional se consideram competentes ou
11
é alternativa relativamente à competência dos tribunais judiciais . Isto é, mesmo incompetentes para conhecer da mesma questão (art. 109.º, n. 0 2).
que exista, na respectiva circunscrição territorial, um jul~ado d~ p~. materialmente
5.3. Competência e composição
competente, o autor pode propor a acção no competente tnbunal 3ud1ctal.
(a) Ao TConf compete conhecer:
4,3. Estrutura
Dos pedidos de resolução de conflitos de jurisdição (art. 3.º ai. a), LTConf);
Os julgados de paz podem dispor, caso se justifique, de uma ou mais secções, - Das consultas prejudiciais sobre questões de jurisdição (art. 3.0 , ai. b),
dirigidas, cada uma delas, por um juiz de paz (art. 15.º LJP)IZ. Cada julgado de paz LTConf);
tem um serviço de atendimento e um serviço de apoio administrativo (art. 17.º, n.º Dos recursos previstos no n.º 2 do art. 101.º, bem como dos recursos que
l, LJP) e em cada julgado de paz existe um serviço de me~ia~o como forma de sejam interpostos nos casos em que um TCA julgue incompetente um
resolução alternativa de litígios (art 16. 0 , n. 0 1, LJP). Este serviço e competente para tribunal administrativo de círculo ou um tribunal tributário por a causa
mediar quaisquer litígios que possam ser objeto de mediação, ainda que excluídos da pertencer ao âmbito de jurisdição dos tribunais judiciais (art. 3.º, ai. c),
competência do julgado de paz (art. 16.º, n.º l, LJP). TConf).
(b) O TConf é composto, conforme as situações, pelo presidente do STJ ou do STA
5. TConf e por conselheiros do STJ do STA ou do TdC (art. 2. 0 LTConf; art. 1. 0 , n.º 3, LOPTC).
5.1. Generalidades 5A. Resolução dos conflitos
Segundo O disposto no art. 209.º, n.º 3, CRP, incumbe à lei determinar os casos (a) Como os conflitos de competência se abrem no interior de uma ordem de
e as formas em que os tribunais das diversas ordens se podem constituir, separada tribunais, são resolvidos pelo presidente (ou vice-presidente) do tribunal de menor
ou conjuntamente, em tribunais de conflitos. O TConf encontra-se previsto, categoria que exerça jurisdição sobre as autoridades em conflíto: é o que estabelece
nomeadamente, no art. 110.º, n. 0 3, e no art. 62.º, n.º 3, LOSJ. o art. 110.0 , n.º 2. Assim, são dirimidos pelo presidente (ou pelo vice-presidente)
da Relação os conflitos entre tribunais de comarca da área de competência daquela
Relação ou entre algum deles e um tribunal de competência territorial alargada sediado
nessa área (art. 76.º, n.º 2, LOTJ); em contrapartida, são resolvidos pelo presidente
do STJ (ou por um dos vice-presidentes: art. 62.º, n.º 4, LOSJ) os conflitos entre os
li Cf. Ac. STJ 11/2007, de 25/7; cf. TEIXEIRA DE SOUSA, CDP 22 (2008), 54 ss. plenos das secções do STJ (art. 62.º, n.º 3, al. a), LOSJ), entre as secções do STJ (art. rn
]30 n Cf. J. CHUMBINHO, Jul_gados de Paz, 135 ss.
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo III. Organização Judiciária e Competência

62.º, n." 3, ai. b), LOSJ), entre os tribunais da Relação (art. 62.º, n.º 3, al. c), LOSJ), ser remetidos, depois de cumpridos os trâmites no tribunal a quo, para o presidente
entre os tribunais da Relação e os tribunais de comarca ou os tribunais territoriais do STJ ou do STA, confonne aquele a quem couber a presidência do TConf(art. 18.º,
de competência alargada (art. 62.º, n. 0 3, ai. d), LOSJ) e, por fim, entre os tribunais n.º 1, LTConf).
de comarca ou tribunal de comarca e tribunal de competência territorial alargada
sediados na área de diferentes tribunais da Relação (art. 62.º, n.º 3, ai. e), LOSJ). § 12.º Estrutura dos tribunais
(b) Quanto aos conflitos de jurisdição, há que observar, na sua resolução, as
seguintes regras: I. Preliminares
- A resolução dos conflitos de jurisdição cabe ao TConf quando o mesmo
Os tribunais são órgãos complexos, formados fundamentalmente por quatro
se verifique entre os tribunais judiciais e os tribunais administrativos e
elementos: o juiz ou corpo de juízes, o MP, a secretaria e um ou vários órgãos de
fiscais (art. 9.º LTConf) ou entre o TdC e o STA (art. 1. 0 , n.º 3, LOPTC); a
gestão.
resolução do conflito pode ser suscitada oficiosamente pelo tribunal (art.
10.º, n.º l, LTConf) ou por qualquer das partes ou pelo MP (art. 10.º, n.º
D.Juiz
2, LTConf);
A resolução dos demais conflitos de jurisdição - de que constitui exemplo 1. Generalidades
0 conflito entre um tribunal judicial e um conservador do registo civil ou
entre um julgado de paz e um juízo local cível n - cabe ao presidente do STJ O primeiro elemento do tribunal é o juiz ou corpo de juízes 14• O juiz é o elemento
(art. 62.º, n.º 3, LOSJ). do tribunal a que cabe a função de julgar. Nas acções declarativas, a decisão., sentença
- representa a parte fundamental do exercício da função jurisdicional; nas acções
5.5. Consulta prejudicial executivas, as medidas executivas - como a penhora, a venda ou o pagamento - são
(a) Sempre que, na pendência de urna acção, incidente, providência ou recurso, realizadas de facto por órgãos auxiliares (e, em especial, pelo agente de execução),
se suscitem fundadas dúvidas sobre a questão da jurisdição competente, qualquer mas são controladas pelo juiz (art. 719.º, n.º 1 e 2, e 723.º, n." l, ai. c) e d)).
tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento de uma das partes, submeter a sua Costuma chamar-se magistrado ao funcionário civil revestido de autoridade. Esta
apreciação ao TConf (art. 15.º, n.º 1, LTConf). Esta consulta não é admissível em designação aplica-se em sentido mais restrito e próprio aos juízes e aos magistrados
processos urgentes (art. 15.0 , n.º 2, LTConf). do MP. A qualidade destes agentes judiciais, e o seu conjunto, têm o nome de
(b) Relativamente às decisões, há que considerar o seguinte: magistratura: magistratura judicial, magistratura do MP. Dispõe o art. 2. 0 EMJ que a
A decisão de submeter ou de não submeter a questão da jurisdição magistratura judicial é constituída por juízes do STJ, juízes das Relações e juízes dos
competente à apreciação do TConf é irrecorrível (art. 15. 0 , n.º 3. LTConf), tribunais de P instância (cf. também art. 7.º, n.º 1, LOSJ). Às primeiras categorias de
ou seja, é uma decisão discricionária; magistrados costuma dar-se a designação de juízes conselheiros ou só conselheiros
A pronúncia do TConf é vinculativa para o tribunal que Ih~ tenh_a (os do STJ) e juízes desembargadores ou só desembargadores (os das Relações); os
submetido a consulta e para os demais tribunais que venham a mterv1r juízes dos tribunais de l.ª instância têm a designação de juízes de direito (art. 16.º, n.º
na causa, mas não vincula o TConf relativamente a novas decisões ou !, EMJ).
pronúncias que sobre a mesma questão venha a emitir no futuro noutros
processos (art. 17.º LTConf); quer dizer, a pronúncia _do TConf só é 2. Estatuto
vinculativa no âmbito do processo em que a consulta fo1 efectuada. 2.1. Generalidades
5.6. Interposição de recurso
(a) Segundo o disposto no art. 215.º, n.º l, CRP, os juízes dos tribunais judiciais
Os recursos previstos no n.º 2 do art. 101. 0 e os recursos interpostos nos casos em formam um corpo único e regem-se por um só estatuto (art. l.º, n.º l, EMJ; art. ?.º,
que um TCAjulgue incompetente um tribunal administrativo de círculo ou um tribunal
tributário por a causa pertencer ao âmbito de jurisdição dos tribunais judiciais devem
14
Sobre o significado ideológico e político da burocratização da função dos juízes, cf.
DENTI, Rdp 26 ( 1981 ), 219 ss.; sobre a profissionalização dos juízes, cf. VAN CAENEGEM,
Judges, Legislators and Professors (1987), 131 ss.; BRUNDAGE, Toe Medieval Origins of the
13 TConf20/l/2010 (026/09).
'" f ?o~I p..,.,f,,~~;,.,n i?M>I\ '.I.TJ ~~
l de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I -· Processo Declarativo III. Organização Judiciária e Competência

n.º 1, LOSJ). Este estatuto é o que decorre do dísposto nos art. 215.º a 2I8.º CRP e art. 22.º LOSJ), ou seja, são independentes de quaisquer poderes (nomeadamente,
no EMJ 15 • políticos ou económicos) que os queiram influenciar na aplicação da lei. O art. 4.º,
0
(b) Dando cumprimento ao disposto no art. 215. 0 , n. 0 2, CRP, o art. 40.º EMJ n. l, LOSJ prefere, em vez desta perspectiva orgânica, uma perspectiva pessoal,
define os requisitos para exercer as funções de juiz de direito: ser cidadão português, referindo que os juízes julgam apenas segundo a CRP e a lei, o que é repetido, quanto
estar no pleno gozo dos direitos políticos e civis, possuir licenciatura em Direito de aos magistrados judiciais, no art. 4.º, n.º 1, EMJ. A independência é, na verdade, uma
cinco anos ou, se isso não suceder mestrado ou doutoramento, ter frequentado com caracteristica dos juízes, não propriamente dos tribtmais.
aproveitamento os cursos e estágios de formação e, por fim, satisfazer os demais O princípio da independência exprime~se do modo seguinte: os juízes, ao
requisitos estabelecidos na lei para o provimento de lugares em funções públicas. Os desempenharem as suas funções específicas, só devem obediência à lei (art. 203."
cursos e estágios de formação decorrem no CEJ (art. 41.º EMJ), sendo os juízes de direito 0 0
CRP; art. 4. , n. 1, e 22.º LOSJ; art. 4. 0 , n.º 1, EMJ) 16• Note-se, porém, que os juízes
nomeados segundo a graduação obtida naqueles cursos e estágios (art. 42.º, n.º l, EMJ). também estão vinculados pelas decisões de tribunais superiores, quando estes julguem
O provimento de vagas de juiz da Relação faz-se por promoção, mediante concurso em recurso (art. 152. 0 , n. 0 l infine; art. 4.º, n. 0 1, EMJ; art. 4. 0 , n. 0 l infine, LOSJ).
curricular entre juízes da l.ª instância, com prevalência do critério do mérito (art. De resto, nenhum órgão, mesmo de soberania, pode ordenar ao juiz que resolva uma
215.º, n.º 3, CRP; art. 46.º, n.º l, EMJ; art. 7.º, n. 0 3, LOSJ). O acesso ao STJ faz- causa de certo modo: é a exclusão da chamada Kabinetsjustiz 17 •
-se por concurso curricular aberto a juízes desembargadores, a procuradores-gerais (b) Tem sido preocupação das ordens juridicas modernas evitar as fontes de pressão
adjuntos e a outros juristas de mérito (art. 215.º, n.º 4, CRP; art. 50.º EMJ; art. 7.º, sobre os juízes, mesmo para além das formas de pressão directa, ou seja, de ordens.
n.º 4, LOSJ). O juíz que saiba que a sua carreira pode ser afectada por certo tipo de decisões pode
2.2. Exercício de funções sentir-se tentado a evitá-las. Procura-se, por isso, proteger a carreira do juiz contra
essa possibilidade, quer através da inamovibilidade, quer através da concentração dos
(a) Os magistrados judiciais estão obrigados a um dever de diligência, pois que
poderes quanto à magistratura judicial num órgão privativo de gestão e disciplina: o
devem pautar a sua actividade pelos princípios da qualidade e eficiência, de modo
CSM (art. 218.° CRP; art. 136.º EMJ; art. 153." LOSJ)rn.
a assegurar, designadamente, um julgamento justo, equitativo e em prazo razoável a
O CSM é presidido pelo presídente do STJ e é composto por dois vogais designados
todos os que recorrem aos tribunais (art. 7.º-C EMJ).
pelo Presidente da República, por sete vogais eleitos pela Assembleia da República e
(b) Aos magistrados judiciais devem ser proporcionadas as condições de
ainda por sete juízes eleitos pelos seus pares (art. 218.º, n." 1, CRP; art. 137.º, n.º 1,
formação, organização e gestão que lhes permitam desempenhar a sua função com a 0 0
independência, imparcialidade, dignidade, qualidade e eficiência compatíveis com o EMJ; art. 154. , n. l, LOSJ). Ao CSM compete, designadamente, nomear, colocar,
adequado funcionamento da administração da justiça (art. 6.º-B EMJ). transferir, promover, exonerar, apreciar o mérito profissional e exercer a acção
Em virtude das necessidades especiais das funções que ocupam, os juízes gozam de disciplinar dos magistrados judiciais (art. 217.º, n.º l, CRP; art. 149.º, ai. a), EMJ;
garantias especiais, garantias de que tais funções s~o exercidas de mo~o legal. ~n~e art. 6.º, n.º l, e 155.º, al. a), LOSJ), bem como ordenar inspecções, sindicâncias e
estas garantias judiciais . que devem ser perspechvadas como garantias do propno inquéritos aos serviços judiciais (art. 149.º, ai. l), EMJ; art. 155.0 , ai. e), LOSJ).
juiz - avultam a independência, a irresponsabilidade e a inamovibilidade (art. 203.º 2.4. Imparcialidade
e 216.º, n.º I e 2, CRP; cf. também art. 4. 0 e 5.º LOSJ, art. 4. 0 a 6.0 EMJ (juízes dos
tribunais judiciais), art. 2.º e 3.º ETAF (juízes dos tribunais administrativos e fiscais), (a) A lei impõe que os magistrados judiciais, no exercício das suas funções,
art. 222.º, n.º 5, CRP, art. 22.º a 26. 0 LTC (juízes do TC) e art. 7.º, n.º 1 e 2, LOPTC devam agir com imparcialidade, assegurando a todos um tratamento igual
e isento quanto aos interesses particulares e públicos que lhes cumpra dirimir
(juízes do TdC)).
(art. 6.º-C EMJ). Por isso, a lei também restringe a possibilidade de uma causa ser
2.3. Independência
(a) É em relação aos tribunais que o art. 203.º CRP estabelece o princípio da
independência: os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei ( cf. também '
6
Cf, numa perspectiva histórica, CoNRAD, Richter und Gesetz im Übergang vom
Abolutismus zum Verfassungsstaat (1971), 7 ss.; SEIF, AHDE 75 (2005), 865 ss.: numa
perspectiva comparativa, cf. TURENNE, in SCHAUERIVERSCHRAEGEN (Eds.), General Reports of
the XIXth Congress ofthe Intemational Academy ofComparative Law (2017), l ss.
17
1' Sobre o Direito Administrativo da Magistratura Judicial, cf. l. GRAEs, in P, ÜTERo/CosTA Cf., p. ex., ENüEMANN, Das deutsche ZPR (1868), 74; CANSTEIN, Lehrbuch J (1880), 25.
r.~.,~ . .. ~n tV.-lo \ T-n•n.-ln .-1~ n;,~;,n A.-l=;fl;~•=•;.,,., Ço,.,.,.,-.;,,J \IH Dfil TI 11'.l. o~ '~('f 1 "P na~ O Mnn,-1,-, ,-1,..c l\,fo,,.;c.,.~,I"~ nnnA\ l'lO ~" - !'lQ ~~
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte 1 - Processo Declarativo
III. Organi.7,ação Judiciária e Competência

· · m ela tenha uma ligação pessoal estreita (nemo iudex - A responsabilidade criminal pode resultar, nomeadamente, de denegação
decidida por um JUIZ. que/ co ·.. .J ) (art º EMJ). Às medidas que a lei toma
· a causa· nemo s1mu actor et 1uuex · 7· . . de justiça ou de prevaricação (art. 369.° CP), de violação do segredo de
m su t fim,chamam-se garantias de imparcialidade do juiz e às li_gações de um JUIZ justiça (art. 371.º CP) ou de corrupção (art. 372. 0 e 373.º CP);
:~: ::~ causa, relevantes para o efeito de interferir no poder de Julgar, chamam-se A responsabilidade disciplinar pode decorrer de actos, ainda que
impedimentos e suspeições. . . . ( rt 115 o meramente culposos, praticados pelos magistrados judiciais com violação
(b) (i) O impedimento implica a proibição do JUtz de Julgar a caus~ a . : dos princípios e deveres consagrados no EMJ, bem como de outros
. ·b· -
a 118 º)· a suspeição não imphca a prm 1çao e JU gar d · 1 a causa ' mas dá ao própno
d' actos por si praticados que, pela sua natureza e repercussão, se mostrem
juiz a ·faculdade
' de pedir. escusa (art. 119 ·º , n. ºl) e àspartesafaculdadedepe
. rrao
º)" incompatíveis com os requisitos de independência, imparcialidade e
0
'd te da Relação a substituição do juiz pelo seu substJ.tuto (art. 1~ . a 0 123 . . dignidade indispensáveis ao exercício das suas funções (art. 82.º EMJ); as
pres1 en . . ") · anda segurr uma de duas
(ii) No caso de impedimento do JutZ (art. 115 · 'a 1.e~ m _ . . penas disciplinares são, conforme a gravidade da infracção, a advertência,
soluções· uma que diz respeito ao tribunal, outra só ao JUIZ. Sao e~~ as se~~ntes. a multa, a transferência, a suspensão de exercício, a aposentação ou
. Se na circunscrição não houver nenhum outro JutZ, ven ca-se .0 reforma compulsiva e, por fim, a demissão (art. 91.º, n. 0 1, EMJ).
deslocamento da competência para julgar o proce_sso para a co~:~a °!ªt (b) Quando a responsabilidade decorre de erro judiciário, o pedido de indemnização
próxima daquela onde este devesse correr - medida qu~ o art. . .' ~· ' do lesado deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição
0
impõe no caso de o processo ter como parte o juiz de direito, o seu c?nJug: competente (art. 13. , n.º 2, RRCE)2 2 • Esta revogação prévia da decisão pode ser
a1 m seu descendente ou ascendente ou quem com. ele ~onv1va ~ obtida na fase rescindente do recurso de revisão que pode ser interposto com base
gu · · · d ~- 84 º n ° 2 que a medida seJa requenda em responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função
economia comum, penmtm O O '"-'· • ' · ' · · · edido ou jurisdicional (art. 696.º, ai. h), e 701.º, n.º l caput).
se a acção for proposta na circunscrição em que serv: o JutZ imp
se este for aí colocado encontrando-se pendente a acçao; . . - (c) Atento o disposto no art. 14.º, n.º l, RRCE - segundo o qual, sem prejuízo
Se na circunscrição houver mais de um juiz, procede-se à subst1tmçao no da responsabilidade criminal em que possam incorrer, os magistrados judiciais não
processo do juiz impedido por outro (art. 84.º, n.º 4; cf. art. 85.°, n.º 3, e podem ser directamente responsabilizados pelos danos decorrentes dos actos que
pratiquem no exercício das respectivas fimções-, o lesado nunca pode responsabilizar
86.º, n.º 1 a 3, LOSJ).
directamente o magistrado judicial: esse lesado tem de responsabilizar o Estado
2.5. Irresponsabilidade (demandando este nos tribunais administrativos; art. 4. 0 , n.º l, ai. g), ETAP 3) e de
exercer perante este o seu direito à indemnização. No caso de o magistrado judicial ter
(a) O conteúdo da decisão, ainda que porventura ilegal, não pe~ite, em princípio,
actuado com dolo ou culpa grave, o Estado goza do direito de regresso (art. 14.º, n.º
·1· ça·o do J· 0 , 2 20 Os J·uízes não podem ser responsab1hzados pelas suas
a responsab11za ' · bTd d · ·1 1 in fine, RRCE; cf. também art. 5.º, n.º 3, EMJ). A essa acção de regresso aplica-se o
decisões, salvas as excepções consignadas na lei quantoº à res2ponsEMa J'· ' rta ~ ;1v~; processo especial regulado nos art. 967. 0 a 977. 0 .
· · ·
criminal ou d1sc1plmar (art. 216 ·°, n. 0 2 , CRP·' art · 5 ·°' n · l . e. , d , a· .· ·, E ·
2, LOSJ)21. São assim excepcionais os casos de responsabthdade os JU!Zes. m
2.6. Inamovibilidade
concreto: Os juízes são inamovíveis, dado que são nomeados vitalíciamente e não podem ser
transferidos, suspensos, promovidos, aposentados ou reformados, demitidos ou por
qualquer forma mudados de situação senão nos casos previstos na lei (art. 216.º, n. 0 l,
0 0
CRP; art. 6. EMJ; art. 5. , n.º l, LOSJ). Compete ao CSM a nomeação, a colocação, a
hi , . cf 1 GRAES Temas de História da Justiça (2021 ), 109 ss.
19Sobrealgunsaspectos SWncos, . '. , ' ANtlPJCARDI in UNIVERSITÀ DEGLI transferência e a promoção dos juízes dos tribunais judiciais, bem como o exercício da
w Sobre aspectos históricos e metodologicos, cf. Gmu , ' . . ·m JU acção disciplinar(art. 217.º, n.º l, CRP; art. 149.º, ai. a), EMJ; art. 155. 0 , ai. a), LOSJ).
STUDI DI PERUGIAICONSIGLIO NAZIONALE DELLE RtCERCHE (Eds.), I..:educaz10ne gmn ca

(l
9
~~)si;: os modelos históricos da responsabilidade do juiz, cf. GIULIANIIPIC~~~
NlVERSITà DELLE Sn;DI DI ROMA II/CONSIGLIO NAZIONAL~ ?~LLE R..!CERCHE . . s. ,
i;
U . · di · · I (1985) 208 ss . sobre alguns aspectos h1stoncos da responsab1hdade
L'°'.d_mamento giu zia:M Judex Perfec~s (2003), 585 ss.; sobre a matéria, cf. ~bém ~!-EIRA
dOJUlZ,cf.BARBASHO. '~
CURA Curso de Orgamzaçao Ju !Clana
a·.,. (2014), 45ss·R ·• ·
PEDRO Responsabihdadec1V1ldo
, nsTJ 23/10/2014 (1668/12.0TVLSB.Ll.Sl).
tc~foÂn ~ ·
' - á l n =Qn timmnn~=,>n t n ,fo ",lmin;~t;""~"' ,l,. in~ti,-.,. f?(lJ fi) 7:.17 ~~ l3Cf. RL 11/Q/)(JJ'.) (700/lflA'l'Or 11.,u r, '"
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I Processo Declanitivo III. Organização Judiciária e Competência

III. MP magistrados do MP às directivas, ordens e instruções legalmente previstas (art. 3.º, n.º
3, LOSJ; art. 3. 0 , n.º 2, EMP).
1. Generalidades Expressão da autonomia do MP é a PGR, que é o órgão superior do MP (art.
1.1. Organização 220.º, n.º l, CRP; art. 15.º, n. 0 l, EMP). A PGR compreende, entre outros órgãos, o
Procurador-Geral da República, o Vice-Procurador-Geral da República, o CSMP e o
Junto de cada tribunal, o Estado tem um ou mais magistrados investidos na função CCPGR (art. 220.º, n. 0 2, CRP; art. 165. 0 , n.º 1, LOSJ; art. 15.º, n.º 2, EMP).
de representar o próprio Estado e certas categorias de pessoas a que o Estado entende
2.3. Responsabilidade
dispensar protecção: são os magistrados do MP (art. 219.º, n." 1, CRP; art. 13.º EMP;
art. 3.°, n.º !, e 9.º, n.º I, LOSJ). O MP é representado no TC, no STJ, no STA e no (a) Os magistrados do MP são magistrados responsáveis e hierarquicamente
TdC pelo Procurador-Geral da República (art. 8.0 , n.º l, al. a), EMP), nos tribunais da subordinados (art. 219.º, n. 0 4, CRP; art. 97.º, n.º 1, EMP; art. 9. 0 , n.º 2, LOSJ). A
Relação e nos Tribunais Centrais Administrativos, por procuradores-gerais-adjuntos responsabilidade significa que os magistrados do MP respondem pelo cumprimento
(art. 8.º, n.º 1, al. b), EMP) e, nos tribunais de l." instância, por procuradores-gerais- dos seus deveres e pela observância das directivas, ordens e instruções que receberem
-adjuntos e procuradores da República (art. 8.0 , n. 0 l, EMP). (art. 97.º, n.º 2, EMP), podendo ser criminal, civil ou disciplinar, nos seguintes tennos:
A responsabilidade criminal pode resultar, designadamente, da prática
1.2. Competência dos crimes de denegação de justiça ou de prevaricação (art. 369.º CP), de
Compete ao MP, em geral, defender a legalidade democrática (art. 4. 0 , n.º l, ai. a), violação do segredo de justiça (art. 371.º CP) ou de conupção (art. 372.º
EMJ) e a independência dos tribunais e velar para que a função jurisdicional se exerça e 373.ºCP);
em confonnidade com aCRP e as leis (art. 4. 0 , n.º l, al.j), 2 e 3, EMP). Em especial, A responsabilidade civil só pode ser efectivada mediante acção de regresso
incumbe ao MP representar o Estado, as regiões autónomas, as autarquias locais, os do Estado contra o respectivo magistrado, quando o mesmo tenha agido
incapazes, os incertos e os ausentes em parte incerta (art. 4.", n. 0 1, al. b), EMP), com dolo ou culpa grave (art. 98.º, n.º l, EMP; sobre esta acção de regresso,
exercer a acção penal (art. 4.º, n. 0 l, al. e), EMP), assumir a defesa dos interesses cf. art. 967.º a 977.º); sendo assim, o eventual prejudicado pela alegada
colectivos e difusos (art. 4.º, n. 0 l, ai. h), EMP), assumir a defesa e a promoção dos responsabilidade civil do magistrado do MP tem de demandar o Estado,
direitos e interesses das crianças, jovens, idosos, adultos com capacidade diminuída cabendo a este exercer, no caso de procedência da acção e de o magistrado
(art. 4. 0 , n.º 1, al. i), e 3, EMP), promover a execução de algumas decisões dos tribunais do MP ter actuado com dolo ou culpa grave, o direito de regresso (art. 14.º,
n. 0 1, RRCE);
(art. 4.º, n.º 1, al. k), e 3, EMP), e ainda intervir nos processos de insolvência e afins,
bem como em todos os que envolvam interesse público (art. 4. 0 , n. 0 l, ai. m), EMP). A responsabilidade disciplinar pode resultar de actos, ainda que meramente
culposos, praticados pelos magistrados do MP com violação dos princípios
2. Estatuto e deveres consagrados no EMP, bem como de actos por si praticados
que, pela sua natureza ,e repercussão, se mostrem incompatíveis com a
2.1. Generalidades responsabilidade e a dignidade indispensáveis ao exercício das suas funções
O MP goza de estatuto próprio e de autonomia (art. 219. 0 , n.º 2, CRP; art. 3. 0 , n. 0 (art. 205.º EMP); as penas disciplinares são, segundo a gravidade da
2, LOSJ; art. 3.0 EMP). O estatuto do MP decorre fundamentalmente do disposto nos infracção, a advertência, a multa, a transferência, a suspensão de exercício,
art. 219.º e 220.º CRP, no EMP e na LOPGR. a aposentação ou refonna compulsiva e a demissão (art. 227.º, n.º I, EMP).
(b) A hierarquia consiste na subordinação dos magistrados aos seus superiores
2.2. Autonomia hierárquicos, nos termos definidos no EMP, e na consequente obrigação de acatamento
O MP goza de autonomia em relação aos demais órgãos do poder central, regional por aqueles das dírectivas, ordens e instruções recebidas (art. 97. º, n. 0 3, EMP; art. 3.º,
e local (art. 3.º, n.º 2, LOSJ; art. 3.º, n. 0 l, EMP)Z4. Esta autonomia caracteriza-se na n.º 3, LOSJ).
vinculação do MP a critérios de legalidade e objectividade e na exclusiva sujeição dos 2.4. Estabilidade

o.s magistrados do MP não podem ser transferidos, suspensos, aposentados ou


demitidos senão nos casos previstos na lei (art. 219.º, n.º 4, CRP; art. 99.º EMP; art.
24 Cf. SousA DA FÁBRICA, A Autonomia do Ministério Público no Novo Estatuto (2020), 59 II.º, n.º l, LOSJ), ou seja, na sequência da aplicação de uma pena disciplinar (art.
ns 227.º, n.º l, EMP).
'"
l de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte 1- Processo Declarativo III. Organização Judiciária e Competência

IV. Secretaria judicial presidente do tribunal (art. 92.º e 97.º LOSJ; art. 13.º RLOSJ), coadjuvado
pelo administrador judiciário (art. 104.0 LOSJ; cf. art. 14.0 a 23. 0 RLOSJ)
1. Generalidades e, eventualmente, pelo magistrado coordenador (art. 95. 0 LOSJ; art. 13.0
O terceiro elemento do tribunal é a secretaria. Nos termos do art. l. 0 LOSecJ, o RLOSJ); em cada comarca existe ainda um magistrado do MP coordenador
expediente dos tribunais judiciais, incluindo o do MP, é assegurado por secretarias (art. 99. 0 LOSJ; cf. art. 13.0 RLOSJ); o presidente do tribunal, o magistrado
judiciais. A estrutura da secretaria é variável consoante o tribunal: há uma secretaria coordenador do MP e o administrador judiciário compõem o conselho de
no STJ (art. 9.º, n.º 1, LOSecJ; art. 34.0 , 35. 0 e 38.0 RLOSJ), uma em cada Relação (art. gestão (art. 108.º, n.º l, LOSJ); em cada comarca existe ainda um conselho
9.°, n. 0 2, LOSecJ; art. 36.0 a 38.0 RLOSJ) e uma em cada comarca (art. 138.º, n.º l, consultivo (art. 109.0 , n. 0 1, LOSJ; cf. art. 26. 0 e 27. 0 RLOSJ).
LOSJ; art. 39.º a 44.º RLOSJ). No STJ e nas Relações, as secretarias são chefiadas por
secretários de justiça (art. 38.º RLOSJ); nas comarcas, pelo administrador judiciário VI. Colaboradores da justiça
(art. 104.º, n.º 1, e 106.º, n.º 1, al. a), LOSJ; art. 40.º RLOSJ).
1. Generalidades
2. Funcionários de justiça No desempenho das funções judiciais, os tribunais carecem de certos colaboradores.
2.1. Generalidades Deve salientar-se que existe para todas as entidades, públicas e privadas, um dever
geral de colaboração com ajustiça (art. 202. 0 , n. 0 3, CRP; art. 23. 0 , n. 0 1, LOSJ; art.
Nas secretarias judiciais trabalham os funcionários de justiça (art. 1.0 EFJ). Estes
519.º, n.º l). Mas, para além deste direito à colaboração de todos e do correspectivo
funcionários distribuem-se por vários grupos, entre os quais o dos oficiais de justiça
dever, existem entidades com deveres ou funções específicas de colaboração com os
(art. 18.0 , n. 0 l, LOSecJ; art. 2. 0 , al. a), EFJ). Este grupo compreende as categorias de
tribunais.
secretário de tribunal superior e de secretário de justiça e as carreiras judicial e dos
serviços do MP (art. 3.º, n.º l, EFJ). Na carreira judicial integram-se as categorias de 2. Concretização
escrivão de direito, escrivão-adjunto e escrivão auxiliar (art. 3.º, n.º 2, EFJ).
Entre as entidades que têm funções de colaboração com os tribunais, importa
2.2. Estatuto destacar auxiliares de estudo e auxiliares de processamento:
(a) O COJ é o órgão com competência para apreciar o mérito profissional e exercer Os auxiliares de estudo são auxiliares da justiça para o efeito geral de
o poder disciplinar sobre os oficiais de justiça (art. 98.º EFJ). É composto pelo director- estudo dos problemas suscitados pelos diversos processos: entre eles
-geral da Administração da Justiça, por vários membros designados e por oficiais de incluem-se os assessores que existem no STJ e nos tribunais de Relação
justiça eleitos pelos seus pares (art. 99. 0 , n. 0 l, EFJ). (art. 34.0 LOSJ; art. l. 0 , n. 0 l, L 2/98, de 8/1) e os gabinetes de apoio aos
(b) Os oficiais de justiça são disciplinarmente responsáveis, embora com presidentes das comarcas e aos magistrados dos tribunais de uma ou várias
algumas especialidades, nos termos do regime geral dos funcionários e agentes da comarcas (art. 35.º LOSJ; art. 1.º, n.º 2, L 2/98), bem como o técnico que
Administração Pública (art. 89.º EFJ). Constituem infracção disciplinar os factos, é chamado a prestar esclarecimentos na audiência final (art. 85.º, n.º 6,
ainda que meramente culposos, praticados pelos oficiais de justiça com violação dos LOSJ; art. 601.º, n.º l);
deveres profissionais, bem como os actos ou omissões da sua vida pública, ou que nela Os auxiliares de processamento são basicamente os agentes de execução
se repercutam, incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas (art. 719. 0 , n. 0 1; cf. art. 89. 0 e 162.º a 179.º EOSAE).
funções (art. 90.º EFJ).
§ 13.° Competência dos tribunais comuns
V. Órgãos de gestão I. Generalidades
Os tribunais comportam os seguintes órgãos de gestão:
No STJ, as funções de gestão são desempenhadas pelo presidente (art. 62.º, 1. Enquadramento
n.º l, ai. f), LOSJ); 1.1. Dualidade do regime
Nas Relações, as funções de gestão cabem ao presidente (art. 76.º, n.º 1, e
62. 0 , n.º l, al. f), LOSJ); A competência é, grosso modo, a adstrição a certo tribunal de certa categoria
Nos tribunais de comarca, as competências de representação e direcção, de de processos. Vista pelo ângulo do tribunal, a competência pertence à organização
140 gestão processual, administrativas e funcionais são desempenhadas pelo judiciária e como tal é regulada pelas leis de organização judiciária (art. 37. 0 , n. 0 l,
141
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo III. Organização Judiciária e Competência

40.º, 41.º e 42.º, n.º I e 2, LOSJ) e, por vezes, pelo CPC (art. 65. 0 e 66.º); considerada de improcedência) no âmbito da qualificação do contrato, respectivamente,
pelo ângulo do processo, a competência pertence ao processo stricto sensu e como tal como de prestação de serviço ou de trabalho 26;
é remetida para o CPC (art. 37.º, n.º2, e42.º, n.º 3, LOSJ).Assim, por exemplo, a regra Casos et-et (cumulação de qualificações compatíveis): o autor alega factos
segundo o qual "o tribunal de comarca é competente para o processo de anulação de que pennitem, em simultâneo, diversas qualificações jurídicas; por exemplo:
deliberações sociais" é de organização judiciária; a regra "o processo de anulação de o autor invoca factos que constituem, em simultâneo, responsabilidade
deliberações sociais deve correr no tribunal de comarca" é de processo strícto sensu, contratual e delitual do réu; para que a acção seja admissível, basta que
A competência é assim uma figura de fronteira, como, aliás, resulta do disposto no o tribunal seja (materialmente) competente para apreciar a acção segundo
art 60. 0 , n.0 l. uma dessas qualificações; ainda que o tribunal da causa não seja competente
para todas as qualificações, esse tribunal pode apreciar o mérito da acção,
1.2. Competência interna
quanto à sua procedência ou improcedência, pela perspectiva de ambas as
A competência dos tribunais judiciais reparte-se, na ordem interna (isto é, no qualificações 27 •
âmbito da jurisdição exercida por esses tribunais), segundo a matéria, o valor (ou Também nos casos aut-aut e et-et basta a pressuposição da verdade dos factos
melhor, o valor e a fonna do processo), a hierarquia e o te,rritório (art. 37.º, n.º 1, alegados pelo autor para aferir a competência do tribunal: o que releva, para este
LOSJ; art. 60.º, n.º 2). efeito, é apenas a qualificação jurídica desses factos. Se esses factos forem suficientes
para assegurar a competência do tribunal por uma das possíveis qualificações, mas
1.3. Competência material
forem impugnados pelo réu, cabe ao autor fazer a prova deles (art 342.º, n.º 1, CC).
(a) Na aferição da competência material, há que distinguir várias hipóteses. A
1.4. Competência convencional
hipótese mais frequente é constituída pelos chamados casos sic-non, que são aqueles
em que os factos alegados pelo autor só pennitem uma qualificação jurídica e em Verificadas detenninadas condições, as partes podem determinar, através de uma
que o tribunal só é competente para se pronunciar sobre o mérito se essa qualificação convenção, o tribunal competente para apreciar um determinado litigio (c[, no âmbito
couber no âmbito da sua competência materiaF 5• Por exemplo: o tribunal comum só do direito interno, art 24.
0
e 95."). A convenção sobre a competência possui (aliás,
é competente se a relação alegada pelo autor puder ser qualificada como privada (e à semelhança da convenção arbitral: cf. art. 18.°, n.º I a 3, LAV) uma característica
não, por hipótese, como administrativa). Os factos que relevam para a aferição da importante: essa convenção é autónoma do contrato em que se insere, pelo que, mesmo
competência material do tribunal são igualmente relevantes para a apreciação do que este seja inexistente, inválido ou ineficaz, aquela convenção não é necessariamente
mérito da causa, ou seja, são factos duplamente relevantes; por isso, para aferir essa inexistente, inválida ou ineficaz. Esta regra traduz-se em que é o próprio tribunal que
competência, basta pressupor a verdade desses factos, mas, se depois de realizada a as partes definiram como competente a apreciar a eventual inexistência, invalidade ou
sua prova, eles não forem considerados verdadeiros, a acção é julgada improcedente. ineficácia daquele contrato.
(b) Além desta hipótese mais frequente, há que contar ainda com as seguintes
hipóteses: 2. Divisão territorial
Casos aut-aut (alternatividade de qualificações mutuamente excludentes):
2.1. Tribunais judiciais
o autor alega factos que pennitem uma de diversas qualificações jurídicas;
por exemplo: o autor invoca factos que constituem um contrato de prestação Para efeitos de organização judiciária, o território nacional divide~se em 23
de serviço ou um contrato de trabalho; para que a acção seja admissível comarcas (art. 33.º, n.º 2, LOSJ; art. 3.º RLOSJ): em cada comarca exerce jurisdição
basta que o juízo cível ou de trabalho seja (materialmente) competente para um tribunal de l.ª instância denominado tribunal de comarca (art. 33.º, n.º 3, e 79.º
apreciar a causa por, respectivamente, a qualificação cível ou laboral; se o LOSJ), tribunal a que, dentro da ordem dos tribunais judiciais, pertence a competência
tribunal não for competente para se pronunciar sobre todas as qualificações,
esse órgão só pode apreciar o mérito segundo a qualificação para a qual
seja competente; assim, o juízo cível ou de trabalho no qual foi instaurada a
acção só pode pronunciar-se sobre o mérito (em tennos de procedência ou 26
Cf., em conclusão, RIMMELSPACHER, AcP 174 (1974), 548; dif. PERESTRELO DE ÜLJVE!RA,
Dir. 142 (2010), 600 ss.
2
'Cf. RIMMEI.SPACHER, AcP 174 (1974), 548; Rorn, FS Schumann (2001), 355 ss. e 359
ss.; ZEMP, Materie!lrechtliche Anspruchskonkurrenz und zivi!prozessuale Zustándigkeit (2018),
142 2l[:f. RIMMFl.~PArHFR. AcP 174 (1974). 548. 11F.oo·PPJ>100TD1,rnrwn,"'"'°' n;r 1/nt"l/ll/l\ h!'la
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I Processo Declarativo UI. Organização Judiciária e Competência

residual (art. 2IO.º, n.º 3, CRP; art. 80.º, n.º l, LOSJ). As 23 comarcas constam do 3, LOSJ), como sucede nas comarcas dos Açores e da Madeira (art. 83.º, n.º 4, LOSJ;
Anexo II à LOSJ (art. 33.º, n.º 2, LOSJ). Anexo III LOSJ). Portanto, nas circunscrições não compreendidas na competência de
A área de competência dos tribunais da Relação comporta várias comarcas (art. 32. 0 , um tríbunal marítimo, é competente, nas matérias da competência deste tribuna!, o
n.º 1, LOSJ). O Anexo I da LOSJ enumera os tribunais da Relação actualmente em respectivo tribunal de comarca.
funcionamento - Guimarães, Porto, Coimbra, Lisboa e Évora - e define a respectiva (b) Os tribunais de comarca podem ser de competência genérica ou de competência
área de competência. O STJ tem, naturalmente, competência sobre todo o território especializada (art. 80.º, n.º 2, LOSJ), sendo a competência material distinta para os
juízos centrais cíveis (art. 117.º a 129.º LOSJ) e para os juízos locais cíveis (art.
nacional (art. 43.º, n.º l, LOSJ).
130.º LOSJ). Convém referir que os juízos de proximidade não têm competência
2.2. Julgados de paz jurisdicional, mas apenas funcional (art. 82.º, n.º l e 5, e 130.", n. 0 5 e 6, LOSJ).
Os julgados de paz podem ter, como área de competência, um concelho ou um 2.2. Juízo central cível
agrupamento de concelhos (art. 4.º, n.º l, LJP). Portanto, os julgados de paz exercem
(a) (i) Os juízos centrais cíveis comportam juízos de competência especializada
a sua jurisdição numa área que, normalmente, não coincide com a da comarca.
(art. 81.º, n.º 1 e 3, LOSJ). Entre elas, há que destacaras seguintes:
Juízos de familia e menores (art. 81.º, n." 3, al. g), LOSJ); estes juízos
II. Tribunal de comarca
são nomeadamente competentes para os processos de jurisdição voluntária
1. Estrutura relativos a cônjuges (art. 122. 0 , n. 0 l, ai. a), LOSJ; cf. art. 989.º a 993.º)
ou a situações de união de facto ou de economia comum (art. 122. 0 , n. 0
Os tribunais judiciais de l.ª instância são, em regra, os tribunais de comarca 1, ai. b ), LOSJ), as acções de separação de pessoas e bens e de divórcio
(art. 29.º, n.º 2, e 79.º LOSJ). Os tribunais de comarca desdobram-se em juízos de (art. 122.0 , n. 0 l, al. c), LOSJ), as acções de declaração de inexistência ou
competência especializada, de competência genérica e de proximidade (art. 81.º, n.º de anulação do casamento civil (art. 122.º, n.º l, ai. e), LOSJ), as acções
l, LOSJ). Como juízos de competência especializada podem ser criados, entre outros, relativas ao casamento putativo (art. 122.º, n.º l, ai. e), LOSJ), as acções e
o juízo central cível (art. 81.º, n.º 3, al. a), LOSJ), o juízo local cível (art. 81. 0 , n. 0 3, execuções por alimentos entre cônjuges e ex-cônjuges (art. 122.0 , n. 0 l, al.
ai. b), LOSJ), o juízo de família e menores (art. 81.º, n.º 3, al. g), LOSJ), o juízo de f), LOSJ) e, em geral, para as acções relativas ao estado civil das pessoas
comércio (art. 81.º, n.º 3, al. i), LOSJ) e ainda o juízo de execução (art. 81.º, n.º 3, e familia (art. 122.º, n.º l, al. g), LOSJ); o juízo de família e menores
ai. j), LOSJ). Também podem existir, se o volume processual o justificar, juízos de também é competente para instaurar a tutela e a administração de bens
competência especializada mista (art. 81.º, n.º 4, LOSJ). (art. 123.0 , n. 0 l, al. a), LOSJ), constituir o vínculo de adopção (art. 123.º,
n.º 1, ai. c), LOSJ), regular o exercício das responsabilidades parentais
2. Critério material
(art. 123.0 , n. 0 l, al. d), LOSJ), fixar os alimentos devidos a menores e aos
2.1. Generalidades filhos maiores ou emancipados (art. 123.º, n." 1, al. e), LOSJ), ordenar a
confiança judicial de menores (art. 123.º, n.º l, al. f), LOSJ), constituir a
(a) Em razão da matéria, o tribunal de comarca goza de competência residual:
relação de apadrinhamento civil (art. 123.º, n.º !, ai. h), LOSJ), decretar
tem competência para todas as causas não abrangidas pela competência de outros
a inibição, total ou parcial, das responsabilidades parentais (art. I23.", n. 0
tribunais (art. 2IO.º, n.º 3, CRP; art. 80.º, n.º 1, LOSJ), ou seja, não pertencentes,
l, al. k), LOSJ) e ainda proceder à averiguação oficiosa da maternidade e
nomeadamente, à competência dos tribunais de competência territorial alargada ou
paternidade e preparar e julgar as acções de impugnação e de investigação
dos tribunais administrativos e fiscais28 •
da maternidade e paternidade (art. 123.º, n.º l, al. 1), LOSJ);
O tribunal de comarca também é resídualmente competente nas circunscrições não
Juízos de comércio (art. 81.º, n.º 3, al. i), LOSJ); estes juízos são competentes
abrangidas pela área de competência territorial de um tribunal marítimo (art. 113.0 , n. 0
designadamente para os processos de insolvência e de revitalização (art.
128.0 , n. 0 1, ai. a), L0SJ)29, as acções relativas a sociedades (art. 128.0 ,

28
O tribunal comum é incompetente em razão da matéria para julgar uma acção relativa
a um acidente de viação (embate contra um animal de raça canina) ocorrido numa auto-
estrada concessionada, a qual compete à jurisdição administrativa e fiscal: RP 16/10/2012
144 044/11 ílTRVPA Pl )· Tí'onf?7/1/?íl14 ((146/11)· Tí'onf?7/?/?.0!4 (MR/11) i.•cr. RL 417/2019 (291/18.0T8AGH.Ll.S2). 145
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I ~ Processo Declarativo HL Organização Judiciária e Competência

n.º l, al. b) a h), LOSJfº, as acções de liquidação de instituições de comarca, em razão do especial interesse nos actos ou processos, desde que
crédito (art. 128.º, n.º l, ai. i), LOSJ) e as impugnações dos despachos dos observadas as limitações previstas na lei para a publicidade do processo e
conservadores do registo comercial (art. 128.°, n.º 2, LOSJ); segredo de justiça (art. 130.º, n.º 6, aJ. a), LOSJ);
Juízos 9e execução (art. 81.º, n.º 3, al.j), LOSJ); os juízos de execução são ~ Proceder à recepção de papéis, documentos e articulados destinados a
Compete~ara exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza processos que corram ou tenham corrido tennos em qualquer secção da
cível, as competências previstas no CPC (art. 129.0 , n. 0 l, LOSJ); estes comarca em que se inserem (art. 130.º, n.º 6, al. b), LOSJ);
juízos têm uma competência residual perante os tribunais com competência Operacionalizar e acompanhar as diligências de audição através de meios
para executar as suas decisões (art. 129.0 , n. 0 2, e 131.0 LOSJ). tecnológicos (art. 130.", n.º 6, ai. c), LOSJ);
(ii) Os juízos centrais cíveis (art. 81 .º, n.º 3, al. a), LOSJ) são, eles próprios, juízos Praticar os actos que venham a ser detenninados pelos órgãos de gestão,
de competência especializada. Estes juízos têm uma competência residual em relação incluindo o apoio à realização de audiências de julgamento (art. 130.º, n.º
ao juízo local cível determinada em função do valore da fonna do processo (art. 117.º, 6, al. d), LOSJ).
n.º 1, e 130.º, n.º l, LOSJ).
(b) Nos assuntos relativos a menores e a filhos maiores, a prática dos actos urgentes 3. Critério misto
é assegurada pelo respectivo juízo de competência genérica, ainda que a comarca seja
3.1. Juízo central cível
servida por juízo de família e menores, nos casos em que esta se encontre sediada em
diferente município (art. 123.0 , n. 0 4, LOSJ). (a)A delimitação da competência dos juízos centrais cíveis (art. 117.º, n.º l, LOSJ)
perante a competência dos juízos locais cíveis (art. 130.º, n.º 1, LOSJ) é realizada
2.3. Juízo local civel
em função quer do valor da causa, quer da forma de processo. Assim, em concreto,
(a) Compete aos juízos locais cíveis, além do mais, preparar e julgar os processos compete aos juízos centrais cíveis:
relativos a causas não atribuídas a outros juízos ou a tribunal de competência territorial Preparar e julgar as acções declarativas cíveis de processo comum de valor
alargada (art. 130.º, n.º l, LOSJ). Como os juízos centrais cíveis só conhecem de superior a€ 50.000 (art. 117.º, n. 0 1, al. a), LOSJ), desde que, tal como se
processos comuns (art. 117.º, n.º l, al. a), LOSJ), os juízos locais cíveis conhecem de expressa no art. 117.º, n. 0 l, al. b), LOSJ, não caibam na competência de
qualquer processo especial que não seja da competência de outro juízo ou de tribunal um outro juízo ou de um tribunal de competência territorial alargada;
de competência territorial alargada. Exercer, no âmbito das acções executivas de natureza cível de valor
(b) Os juízos locais cíveis possuem competência para exercer, no âmbito do superior a€ 50.000, as competências previstas no CPC, em circunscrições
processo de execução, as competêncías previstas no CPC, onde não houver juízo de não abrangidas pela competência de outro juízo ou tribunal (art. 117.º, n.º
execução ou outro juízo ou tribunal de competência especializada competente (art. l, ai. b ), LOSJJ;
130.º, n.º 2, LOSJ). Preparar e julgar os procedimentos cautelares a que correspondam acções
da sua competência (art. 117.º, n.º l, al. c), LOSJ), isto é, que preencham os
2.4. Juízo de proximidade
requisitos estabelecidos no art. 117. º, n.º l, al. a) e b ), LOSJ.
Os juízos de proximidade possuem wna competência funcional destinada a: (b) O juízo central cível toma-se competente quando, em função de uma alteração
Assegurar a realização das audiências de julgamento ou outras diligências do valor da causa, o juízo no qual a causa se encontrava pendente deixa de ser
processuais de acordo com as regras da competência territorial estabelecidas competente para a sua apreciação (art. 117.º, n.º 3, LOSJ). Por exemplo: suponha-
no CPC ou que sejam determinadas pelo juiz competente (art. 130.0 , n. 0 5, -se que, num juízo local cível, é proposto um processo comum de valor de€ 30.000;
LOSJ); neste processo, é deduzida uma reconvenção no valor de€ 40.000 (art. 266.º, n.º I
Prestar infonnações de carácter processual, no âmbito da respectiva e 2); o valor do processo passa a ser de€ 70.000 (art. 299.º, n.º 2), pelo que, para a
sua apreciação, é competente o correspondente juízo central cível. Em contrapartida,
o juízo central cível mantém a sua competência se vier a ser oficiosamente fixado à
causa um valor inferior ao indicado pelo autor (art. 310.º, n.º 3).
3
ºRL 10/1/2019 (16694/18.STSLSB.Ll-2): a competência para o conhecimento de pedidos (c) Nas comarcas onde não haja juízo de comércio, a competência deste juízo
de suspensão de deliberações de uma assembleia geral de uma sociedade de advogados (só) é pertence, verificados os mesmos requisitos quanto ao valor da causa (valor superior a
dos juízos de comércio se essa sociedade tiver a forma de uma sociedade comercial em nome € 50.000) e à forma do processo comum, ao juízo central cível (art. l 17.º, n.º 2, LOSJ).
146 colectivo.
Parte I - Processo Declarativo III. Organização Judiciária e Competência
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa

3.2. Juízo local cível um juízo de competência especializada não coincíde com toda a área
da comarca; nesta situação, a competência para apreciar uma causa da
Os juízos locais cíveis possuem, nas matérias da competência dos juízos centrais competência de um desses juízos fora da área da sua competência territorial
cíveis (art. 117.º, n.º l, LOSJ), uma competência residual em função do valor e da cabe, em regra, ao juízo loca! cível (art. 130.º, n.º l, LOSJ).
fonna do processo (art. 130. 0 , n.º l e 2, al. c), LOSJ). Assim, compete, nomeadamente,
aos juízos locais cíveis exercer, no âmbito do processo de execução, as competências 6. Critério territorial geral
previstas no CPC, onde não houver juízo de execução ou outro juízo ou tribunal 6.1. Pessoa singular
competente (art. 130.0 , n. 0 2, ai. c), LOSJ).
(a) Para a acção declarativa, a regra geral detennina que é competente o tribunal do
4. Critério hierárquico domicílio do réu (art. 80.º, n.º l ): é a regraactor sequitur forum rei, que se inspira num
4.1. Regra geral favor defensionis. Recorre-se a essa regra sempre que o caso não esteja previsto noutra
nonna, como sucede, por exemplo, com as acções de anulação ou de declaração de
Os tribunais judiciais encontram-se hierarquizados para efeito de recurso das suas nulidade de um acto juridico ou com as acções de investigação ou de impugnação da
decisões (art. 42.º, n. 0 1, LOSJ). Assim, em regra, o STJ conhece, em recurso, das maternidade ou paternidade.
causas cujo valor exceda a alçada das Relações e estas conhecem, igualmente em (b) Se o réu se encontrar na situação prevista no art. 82.º, n.º 2, CC - não ter
0
recurso, das causas cujo valor exceda a alçada dos tribunais de l.ª instância (art. 42. , residência habitual (ou domicílio: cf. art. 82.º, n.º 1, CC) -, a solução processual
n.º 2, LOSJ). afasta-se da civilista - que considera que a pessoa se encontra domiciliada no lugar
4.2. Regra especial da sua residência ocasional (art. 82.0 , n.º 2, CC) -, na medida em que o réu deve ser
demandado no domicílio do autor (art. 80.º, n.º 2 l.ª parte).
O tribunal de comarca é competente para conhecer dos recursos das sentenças
proferidas pelos julgados de paz (art. 62. 0 , n. 0 1, LJP), bem como dos recursos de 6.2. Pessoa colectiva
decisões dos notários e dos conservadores (art. 175.º CNot; art. 286.º, n.º l e 2, (a) Se o réu ~or uma pessoa colectiva (incluindo uma sociedade comercial), será
CRegC; art. 140.º, n.º l, CRegP; art. !OI.º, n. 0 1, CRegCom). demandado no tnbunal da sede da administração principal ou no da sede da sucursal
agência, filial, delegação ou representação, confonne a acção seja dirigida coo~
5. Critério territorial
aquela ou contra estas (art. 8I.0 , n.º 2 l.ª parte; cf. art. I3.º, n.º 1). A acção contra
5.1. Relevância da comarca pessoas colectivas ou sociedades estrangeiras que tenham sucursal, agência, filial,
delegação ou representação em Portugal pode ser proposta no tribunal da sede destas
O país divide-se em comarcas, por cujos tribunais se distribuem os processos. Esta
0 ainda que a acção seja proposta contra a sociedade-mãe (art. 81.º, n.º 2 2.ª parte/
distribuição obedece a critérios baseados no território, que constam dos art. 70. a
Importa observar que esta regra não pode ser utilízada para contornar o disposto nos
84.º, quanto ao processo declarativo, e 85.0 a 90.º, quanto ao processo executivo.
~ ..5.º, n.º 1, e 7.º, n.º 5,Reg. 1215/2012, pelo que tem um campo de aplicação bastante
5.2. Relevância do município hmttado: em concreto, aquela regra só pode aplicar-se quando a sociedade-mãe não
Apesar de a circunscrição territorial de base ser a comarca, a organização tenha a sua sede no território de um EM da UE (art. 6. 0 , n.º l, Reg. 1215/2012).
judiciária vigente impõe que, em algumas situações, o município seja relevante para a
(b) Se o réu for o Estado, este é demandado, em regra, no tribunal do domicílio
do autor (art. 81.º, n.º l). A solução é justificada pela circunstância de o Estado não
determinação da competência territorial. Isso sucede em duas hipóteses:
ter sede.
Uma delas é aquela em que se verifica o desdobramento de um tribunal de
comarca em dois ou mais juízos centrais cíveis; sempre que a competência 6.3. Pluralidade de réus
material pertença a um juízo central cível e, numa comarca, exista mais
Se houver mais de um réu na mesma causa -· e se, note-se bem, forem aplicáveis
do que um juízo central cível, há que atender à área de competência dos
os critérios gerais -, devem ser todos demandados no domicílio do maior número
vários juízos para determinar o juízo que é territorialmente competente; a
mesma solução vale para o desdobramento de quaisquer outros juízos de (art. 82.º, n.º I l.ª parte); se for igual o número nos diferentes domicilios, o autor
competência especializada do tribunal de comarca; pode escolher o de qualquer deles (art. 82.º, n.º l 2.ª parte). A esta regra constituem
A outra hipótese em que o município releva para a aferição do tribunal excepções os regimes definidos para a cumulação de pedidos:
148 territorialmente competente é aquela em que a área de competência de 149
l de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte 1- Processo Declarativo III. Organiz.açâo Judiciária e Competência

Na hipótese de cumulação simples ou alternativa de pedidos (art. 553.º e cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso ou a resolução do contrato por falta
555.º), a acção deve ser proposta no tribunal cuja competência relativa seja de cumprimento deve ser proposta no tribunal no domicílio do réu (art. 71.º, n.º 1 l.ª
determinada por um elemento de conexão de conhecimento oficioso (art. parte). Porém, o credor pode optar pelo tríbunal do lugar em que a obrigação devia ser
82.°, n.º 2; cf. art. 104.º, n.º l e 2); assim, se a incompetência territorial cumprida quando o réu seja uma pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio
do tribunal for de conhecimento oficioso em relação a todos os pedidos, o do credor na área metropolitana de Lisboa e Porto, o réu tenha domicílio nessa mesma
autor pode escolher qualquer dos tribunais competentes31 ; área (art. 71. 0 , n. 0 1 2.ª parte:forum destinatae solutionis).
No caso de cumulação de pedidos entre os quais se verifique uma relação O disposto no art. 71.º, n.º l, afasta-se de uma regra bastante comum: a de que o
de prejudicialidade ou de subsidiariedade (art. 554."), a acção deve ser lugar do cumprimento da obrigação determina o tribunal territorialmente competente.
instaurada no tribunal competente para o pedido principal (art. 82.º, n.º 3). Embora o art. 71. 0 , n.º l 2.ª parte, o não indique, o regime só faz sentido se o lugar
do cumprimento da obrigação se situar na mesma área metropolitana do domicílio do
7. Critério territorial especial demandado, pois que é este o único caso em que se pode aceitar que o devedor, em
7.1. Generalidades vez de ser demandado no tribunal do seu domicílio, seja demandado, na mesma área
metropolitana, no tribunal do lugar do cumprimento da obrigação.
A regra geral comporta inúmeras excepções, das quais importa destacar as regras
aplicáveis às acções relativas a direitos reais sobre imóveis (art. 70. 0 ), às acções 7.4. Facto ilícito
obrigacionais e por responsabilidade obrigacional (art. 71. 0 , n. 0 1), às acções por Se a acção se destinar a efectivar a responsabilidade civil baseada em facto ilícito
responsabilidade extraobrigacional (art. 71.º, n.º 2), às acções de divórcio e separação
ou fundada no risco, o tribunal competente é o correspondente ao lugar onde o facto
de pessoas e bens (art. 72.º), às acções sobre matéria sucessória (art. 72.º-A) e às
ocorreu (art. 71.", n.º 2:forum commissi deficti). Se o facto ilícito constar de material
acções que apresentam uma conexão com o juiz da comarca (art. 84. 0 ). Existem ainda impresso ou difundido pela rádio ou pela televisão, a sua ocorrência não se verifica
outras excepções menos utilizadas, como as regras relativas às acções de honorários num lugar especifico, pelo que o autor da acção de responsabilidade pode escolher o
(art. 73.º), às questões de direito marítimo (art. 74. 0 a 77. 0 ) e aos procedimentos tribunal de qualquer lugar onde o facto ilícito tenha sido cometido32•
cautelares e diligências antecipadas (art. 78.º).
7.5. Divórcio e separação
7.2. Direitos reais
Para as acções de divórcio e de separação de pessoas e bens é competente o tribunal
As acções referentes a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis, bem como as do domicílio ou da residência do autor (art. 72.").
acções de divisão de coisa comum, de despejo, de preferência, de execução especifica
sobre imóveis e de reforço, substituição, redução ou expurgação de hipotecas, devem 7.6. Matéria sucessória
ser propostas no tribunal da situação dos bens (art. 70.º, n.º 1:forum rei sitae). Note-se
(a) (i) Em matéria sucessória - isto é, em tudo o que tenha a ver com a sucessão
que, tratando-se de acções respeitantes a móveis, seguem-se as regras gerais dos art. mortis causa, quer em aspectos pessoais, quer em aspectos patrimoniais- é competente
80.0 e 8I.0 . o tribunal do lugar da abertura da sucessão (art. 72.º-A, n.º l). Este lugar é o do último
No art. 70.º, n.º l, estão previstas as acções reais imobiliárias, ou seja, aquelas domicílio do autor da sucessão (art. 203 l.º CC). Melhor teria sido, para manter o
que têm por objecto um direito real sobre um imóvel. Se A compra a B um prédio paralelismo com o disposto no art. 4. 0 Reg. 650/2012, que se tivesse estabelecido
e B se recusa a entregar-lho, a acção de posse ou entrega judicial deve ser intentada como tribunal competente o da residência habitual do falecido no momento do óbito.
no tribunal da comarca onde estiver situado o prédio. Se C quiser pedir, em acção (ii) A título residual, a competência é determinada pelos seguintes critérios:
de simples apreciação proposta contra D, a declaração de que é proprietário de certo Se, no momento da sua·morte, o autor da sucessão não tiver residência
prédio rústico, é no tribunal de comarca onde este estiver situado que deve propor tal habitual em território português, é competente o tribunal em cuja
acção. circunscrição esse autor teve a sua última residência habitual em território
7.3. Cumprimento de obrigações nacional (art. 72.º-A, n.º 2);
- Se o tribunal competente não puder ser determinado por nenhum outro
A acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não
critério, mas o autor da sucessão tiver nacionalidade portuguesa ou houver

12
!50 JI Cf. RL 7/4/2005 (2419/2005-6) (escolha do tribunal competente por autores coligados). Dif. RP 18/3/1999 (9831155). 151
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa parte I - Processo Declarativo III. Organização Judiciária e Competência

bens situados em Portugal, o tribunal competente é, se houver imóveis, o a incompetência territorial deva ser conhecida oficiosamente (art. 95.º, n.º 1)33; o pacto
tribunal da situação dos bens, ou, situando-se os imóveis em circunscriçôes que derrogar regras de competência em razão da matéria, do valor ou da hierarquia é
diferentes, o tribunal da situação do maior número (art. 72. 0 -A, n. 0 3, ai. a)) nulo, por violação de uma regra de carácter imperativo (art. 294.º CC).
ou, se não houver imóveis, o tribunal de Lisboa (art. 72. 0 -A, n.º 3, ai. b)). O pacto deve satisfazer os requisitos de forma do contrato de que emerge o litígio
(b) O disposto no art. 72. 0 -A, em matéria de competência territorial, tem de ser ou litígios a que provê, contanto que tal forma seja escrita (art. 95.º, n.º 2 Lª parte): há
visto em articulação com o disposto no Reg. 650/2012, dado que este instrumento assim um "mínimo formal" para a validade do pacto de aforamento. O pacto também
europeu, em regra, só regula a competência internacional. Em concreto: deve designar as questões a que se refere ··· podendo fazê-lo por referência ao facto
Segundo o estabelecido no art. 4. 0 Reg. 650/2012, quando o falecido tinha jurídico susceptível de as originar (art. 95. 0 , n." 4) - e o critério de determinação do
a sua residência habitual num EM no momento do óbito, são competentes tribunal que fica sendo competente (art. 95. 0 , n. 0 2 2.ª parte). Assim, o tribunal ao qual
os tribunais deste EM; é atribuída competência deve ser individualizado (por exemplo, o de Lisboa, o de
De acordo com o disposto no art. 10.º Reg. 650/2012, quando o falecido Lamego) ou deve ser determinável pelo critério definido pelas partes (por exemplo,
não tinha a sua residência habitual num EM, são competentes, em certas o tribunal do lugar do domicílio do autor no momento da propositura da acção), pelo
condições, os tribunais do EM onde se encontrem os bens da herança; que não pode ser indicado genericamente (por exemplo, o tribunal que o autor quiser
Segundo o estabelecido no art. 5.0 , n.º l, Reg. 650/2012, quando a lei escolher).
escolhida pelo falecido para regular a sucessão seja a lei de um EM, (b) Verificados estes requisitos, a competência fundada na estipulação das partes
as partes podem acordar em que um ou os tribunais do EM cuja lei foi é tão obrigatória como a que deriva da lei (art. 95.°, n.º 3). Isto é, a violação do pacto
escolhida tenham competência exclusiva para decidir de toda e qualquer conduz à incompetência do tribunal no qual a acção venha a ser indevidamente
questão em matéria sucessória; proposta (art. 102.0 ).
De acordo com o estabelecido no art. 11.0 , § 1.0 , Reg. 650/2012, caso nenhum
8.2. Cláusula contratual geral
órgão jurisdicional de um EM seja competente por força do Reg. 650/2012,
os órgãos jurisdicionais de um EM podem, em casos excepcionais, decidir No âmbito das cláusulas contratuais gerais são relativamente proibidas as cláusulas
da sucessão se uma acção não puder ser razoavelmente intentada ou que estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das
conduzida ou se revelar impossível num Estado terceiro com o qual esteja partes, sem que os interesses da outra o justifiquem (art. 19.º, al. g), LCCG) 34• Trata-se
estreitamente relacionada. de uma manifestação da igualdade das partes em processo.
Assim, tudo o que no art. 72. 0 -A tenha aplicação em casos transfronteiriços tem
de ser lído como determinando apenas o tribunal territorialmente competente nas III. Tribunais de competência alargada
condições em que, segundo os art. 4.º e 1O.º Reg. 650/2012, os tribunais portugueses
sejam internacionalmente competentes. I. Enunciado

7.7. Impedimento do juiz Além de outros, encontram-se previstos como tribunaís de competência territorial
alargada o tribunal da propriedade intelectual (art. 83.º, n.º 3, al. a), e 111.º LOSJ), o
Na hipótese de impedimento do juiz (art. 115."), e não havendo na circunscrição em tribunal da concorrência, regulação e supervisão (art. 83.º, n.º 3, al. b), e 112.º LOSJ)
que a acção deva ser proposta nenhum outro juiz (art. 84.º, n.º 4) - caso em que não e o tribunal marítimo (art. 83. 0 , n.º 3, ai. e), e 113.º LOSJ).
é possível proceder à substituição do juiz do processo-, torna-se competente para a
acção o tribunal da circunscrição judicial cuja sede esteja a menor distância (art. 84.0 , 2. Competência material
n.º 1). 2.1. Tribunal da propriedade intelectual
8. Pacto de competência (a) O tribunal da propriedade intelectual tem competência para conhecer das
questões relativas a:
8.1. Regime geral
(a) O pacto ou convenção sobre a competência interna - pacto de aforamento ou
pactum de foro pronvgando- é regulado pelo art. 95. 0 • Esse pacto é válido na medida 33
Sobre um problema relacionado com a aplicação da tei no tempo, cf. Ac. STJ 12/2007, de
em que derrogue regras de competência em razão do território, salvo nos casos em que 18/10, COP 23 (2008), 32 (anot. TEIXEIRA DE SOUSA).
152 34
Cf. RP 7/11/2005 (0554917). 153
1 de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte J- Processo Declarativo
UI. Organização Judiciária e Competência

- em que a causa de pedir verse sobre direito de autor e direitos


Acçoes
o o I aI ) L0SJ) 35 • Acções em que a causa de pedir verse sobre firmas ou denomínações sociais
conexos (art. l 11. , n. 'd . a dir verse' sobre propriedade industrial (art. (art. l 11.º, n.º l, ai. l), LOSJ);
Acções em que a causa e pe
0 Recursos das decisões do IRN relativas à admissibilidade de firmas e
111. , n.º l, al. b), LOSJ); d d. ,...se sobre cumprimento ou denominações no âmbito do regime jurídico do RNPC (art. 111. º, n.º 1, a!.
- ue a causa e pe Ir v..,,
'."-çoes :m
~nc~r.npnmen '
io O
validade eficácia e interpretação de contratos e ac:os
o; ob'ecto a constituição, transmissão, oneraçao,
m), LOSJ);
Acções em que a causa de pedir verse sobre a prática de actos de
Jund1c?s_ qu: ten~am P ~ ·za ão de utilização de direitos de autor, concorrência desleal em matéria de propriedade industria! (art. l 1 l .º, n.º
dispos1çao, hcenctam~n~o e auton ç. dade industrial, em qualquer das I, al. n), LOSJ);
direitos conexos e d1re1tos de propne OSJ)·
Medidas de obtenção e preservação de prova e de prestação de informações
1·(rtlllºnºlalc)L
modalidadesprevistasna et ª _. ·: ·
Acções de nulidade e de anulaçao previstas no
'Cri( ,
t lll.º n.ºl,al.d),
ar . , quando requeridas no âmbito da protecção de direitos de propriedade
intelectual e direitos de autor(art. 111.º, n.º 1, al. o), LOSJ).
LOSJ); . _
Recursos_dde ddec1~0Js
de propne a e m u n
:~alt:~ oncedam ou recusem qualquer direito
~~;~
relativas a transmissões, licenças,
declarações de caducidade ou a quaisq~er ou~os ac ?s
t que afectem,
º
(b) A competência abrange os respectivos incidentes e apensos, bem como a
execução das decisões (art. 11 I.º, n." 2, LOSJ).
2.2. Tribunal da concorrência
modifiquem ou extingam direitos de propnedade mdustnal (art 111.º, n.
(a) Compete ao tribunal da concorrência, regulação e supervisão conhecer das
1, ai. e), LOS~~ das decisões ou de quaisquer outras medidas legalmente questões relativas a recurso, revisão e execução das decisões, despachos e demais
Recurso e reV1sa? _ da lo INPI em processo de contra- medidas em processo de contra-ordenação legalmente susceptíveis de impugnação
susceptiveis de tmpugnaçao toma s pe '
- (art Ili• n" I a1 f) LOSJ); da AdC, da ANACOM, do BdP, da CMVM, da ERC, do ISP e das demais entidades
-ordenaçao d .. - . •d; 1GAC e:n
matéria de registo de obras literárias e administrativas independentes com funções de regulação e supervisão (art. 112.º, n.º
Recursos de ects?es . _ das entidades de gestão colectiva do l, LOSJ). Compete ainda a esse tribunal conhecer das questões relativas a recurso,
artísticas e de registo e fiscahzaçao º º 1 1 ) LOSJ)· revisão e execução das decisões da AdC proferidas em procedimentos administrativos
d d. ·tosconexos(art 111. n. ,a.g, '
d1re1to de autor e os tret · ' tras medidas legalmente a que se refere o regime jurídico da concorrência, da decisão ministerial prevista no
- das decisões ou de quaisquer ou .
Recurso e reV1sao _ d la IGAC em processos pela prática art. 34. º DL l 0/2003, de 18/i, e das demais decisões da AdC que admitam recurso (art.
susceptíveis de 1m~ugnaçao toma ª~;ADC e nos regimes jurídicos das 112.º, n." 2, LOSJ).
de contra-ordena:oes ~:::t:: ;1~e1to de autor e dos direitos conexos, dos (b) As competências referidas abrangem os respectivos incidentes e apensos, bem
entidades de gestão col , . ssão dos bilhetes de mgresso nos como a execução das decisões (art. 112.°, n.º 3, LOSJ).
espectá.culos de natu~za arti;t~C:o ed:~t~ro, do comércm electrómco e da 2.3. Tribunal marítimo
respectivos recmtos, 0 preç h) LOSJ)·
. - d "d ramas (art 111.º n.º 1, a 1· , '
classificaçao e vi e,?g · ' de pedtr verse sobre nomes de (a) Ao tribunal marítimo compete conhecer das questões relativas a:
Acções de declaraçao em que a causa
. ( rt III O nº l a11) LOSJ), Indemnizações devidas por danos causados ou sofiidos por navms,
domímo na lnte~e! a · d' ~ ' a Computação Científica Nacional, embarcações e outros engenhos flutuantes, ou resultantes da sua utilização
Recursos das decisoes da Fun açao para to de nomes de domínio de.PT, marítima, nos termos gerais de direito (art. 113.º, n.º 1, ai. a), LOSJ);
enquanto entidade competen_te para o regis nome de domínio de.PT Contratos de construção, reparação, compra e venda de navios, embarcações
que registem, recusem o registo ou removam um
e outros engenhos flutuantes, desde que destinados ao uso marítimo (art.
(art. 111.", n." l, ai. J), LOSJ); 113.", n." !, al. b), LOSJ);
Contratos de transporte por via marítima ou contrato de transporte
combinado ou multimodal (art. 113. 0 , n. 0 1, ai. e), LOSJ);
Contratos de transporte por via fluvial ou por canais, nos limites do quadro
35 RL 17/1/2019 (116952/18.SYIPR!.Ll-S): ~m~ adcç ão cuja causa
tn·bunal de pedir assenta
da propriedade em
intelectual, n.º 1 anexo ao Regulamento Geral das Capitanias (art. 113.", n.º l, ai. d),
1 -
incumprimento contratua nao pe ~
rtence a competencia o
ti de direitos conexos e desenvolva o LOSJ);
ainda que o autor seja uma entidade de gestao co1ec va ramas/videogramas.
154 licenciamento de direitos conexos dos produtores de fonog Contratos de utilização marítima de navios, embarcações e outros engenhos
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo UI. Organização Judiciária e Competência

flutuantes, designadamente os de fretamento e os de locação financeira (art. do tribunal maritimo são atribuídas ao respectivo tribunal de comarca (art. l 13.º, n.º
113.º, n.º l, al. e), LOSJ); 3, LOSJ).
Contratos de seguro de navios, embarcações, outros engenhos flutuantes
destinados ao uso maritimo e suas cargas (art. 113.º, n.º 1, ai. f), LOSJ); IV. Tribunais da Relação
Hipotecas e privilégios sobre navios e embarcações, bem como quaisquer
1. Estrutura
garantias reais sobre engenhos flutuantes e suas cargas (art. l 13.°, n.º l, ai.
g), LOSJ); A área de competência do tribunal de 2.ª instância, denominado Relação ou
Processos especiais relativos a navios, embarcações, outros engenhos Tribunal da Relação, corresponde a várias comarcas (art. 210.", n. 0 4, CRP; art. 32.º,
flutuantes e suas cargas (art. 113.º, n.º 1, ai. h), LOSJ); n.º l, e 67. 0 , n. 0 1, LOSJ). As Relações são divididas, pelo menos, em secções em
Procedimentos cautelares sobre navios, embarcações e outros engenhos matéria cível e em matéria penal (art. 67.º, n.º 3 e 4, LOSJ), embora também possam
flutuantes, respectiva carga e bancas e outros valores pertinen_te_s a~s funcionar em plenário e por secções (art. 67.º, n.º 2, e 71." LOSJ).
navios, embarcações e outros engenhos flutuantes, bem como sohc,~çao
preliminar à capitania para suster a saída das coisas que constituam obJecto 2. Competência jurisdicional
de tais procedimentos (art. 113.0 , n.º 1, ai. i), LOSJ); . .
Avarias comuns ou avarias particulares, incluindo as que digam respeito a 2.1. Critério material
outros engenhos flutuantes destinados ao uso marítimo (art. 113.º, n.º 1, ai. Compete às secções cíveis das Relações julgar as causas que não estejam atribuídas
j), LOSJ); às demais secções (art. 74.º, n.º l, e 54. 0 , n.º 1, LOSJ). Estas secções possuem uma
Assistência e salvação maritímas (art. 113.º, n.º 1, ai. k), LOSJ); competência material residual.
Contratos de reboque e contratos de pilotagem (art. 113.º, n.º 1, ai. 1),
LOSJ); 2.2. Critério do valor
Remoção de destroços (art. 113.0 , n. 0 l, ai. m), LOSJ); Em razão do valor da causa, as Relações não têm nenhuma restrição de competência
Responsabilidade civil emergente de poluição do mar e outras águas sob a
directamente estabelecida, embora tenham, de modo reflexo, as limitações que lhes
sua jurisdição (art. 113.0 , n.º 1, ai. n), LOSJ);
advêm da alçada dos tribunais de l.ª instância (art. 44.º, n.º 1, LOSJ). Em regra, as
Utilização, perda, achado ou apropriação de aparelhos ou artes de pesca ou
decisões da l.ª instância só são recorríveis para a Relação quando, além do mais, o
de apanhar mariscos, moluscos e plantas marinhas, ferros, aprestas, armas,
valor da causa exceder a alçada do tribunal recorrido (art. 629.º, n.º l).
provisões e mais objectos destinados à navegação ou à pesca, bem como
danos produzidos ou sofridos pelo mesmo material (art. 113.º, n.º 1, ai. o), 2.3. Critério hierárquico
LOS)); (a) A principal delimitação de competência das Relações é a resultante do
Danos causados nos bens do domínio público marítimo (art. 113.º, n.º l,
critério hierárquico, segundo o qual as Relações são competentes para três processos
aL p ), LOSJ); fundamentais: recursos, acções contra magistrados e reconhecimento de decisões
- Propriedade e posse de arrojos e de coisas provenientes ou resultantes das estrangeiras (art. 68. 0 , n.º 1). Com efeito, as Relações são competentes, através das
águas do mar ou restos existentes, que jazam no solo ~u subsolo o~ ~ue respectivas secções cíveis, para os seguintes actos:
provenham ou existam nas águas interiores, se concorrer mteresse mantJmo Julgamento dos recursos interpostos dos tribunais de 1.ª instância (art. 68.º,
(art. 113.º, n.º l, al. q), LOSJ); . n.º 2; art. 73.º, al. a) e f), LOSJ);
Presas (art. l 13.", n.º l, al. r), LOSJ), ou seja, apresamentos de nav10s; Julgamento das acções propostas contra juízes de direito, juízes militares
Todas as questões em geral sobre matérias de direito comercial marítimo de l.ª instância, procuradores da República e procuradores-adjuntos por
(art. 113.", n.º 1, ai. s), LOSJ); causa das suas ftmções (art. 73.º, al. b), LOSJ);
Recursos das decisões do capitão do porto proferidas em processo de Julgamento dos processos de revisão e confirmação de sentença estrangeira
contra-ordenação marítima (art. 113.", n.º l, ai. t), LOSJ). (art. 73.º, al. e), LOSJ; cf. art. 978.º a 985.").l 6•
(b) A competência abrange os respectivos incidentes e apens_os, be°: :orno_ a
0
execução das decisões (art. 113.º, n. 2, LOSJ). No entanto, nas c1rcunscnçoes 1:30
abrangidas pela área de competência territorial do tribunal marítimo, as competências 36
156 Cf. RP 21/6/2005 (0427126) (incompetência do tribwml da Relação para o reconhecimento 157
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo !II. Organização Judiciária e Competência

(b) Em regra, não cabe às Relações conhecer de questões em 1.ª instância. Importa 2.3. Critério hierárquico
ainda referir que as Relações não têm competência para executar as suas próprias
.(a) Na competência em razão da hierarquia do STJ encontram~se dois aspectos
decisões (art. 86.º e 88.º), nem as sentenças estrangeiras por elas reconhecidas (art.
sabentes: recursos e acções contra magistrados (art. 69.º, n.º 1). Assim, cabe ao STJ:
90. 0 ). Através do pleno das secções cíveis, uniformizar a jurisprudência (art. 53.º,
2.4. Critério territorial ai. c), LOSJ; cf. art. 69. 0 , n.º 2, 686.º, n.º 1, 688.º, n.º 1, e 69l.º);
Através das respectivas secções ou do relator, julgar os recursos que não
A competência territorial das Relações deriva, antes de mais, da pertença do tribunal
sejam da competência do pleno das secções especializadas (art. 55.º, al. a)
recorrido à respectiva área de competência (art. 83.0 ) ou da pertença a esta área do
0 e g), e 53.º LOSJ; art. 69.º, n.º 2);
tribunal onde o magistrado judicial ou do MP praticou o facto ilícito (art. 968. ).
Quanto à revisão de sentenças estrangeiras, segue.se, por força do estabelecido no art. Através das secções competentes, julgar as acções propostas contra juízes
979.º, a regra geral dos art. 80.º a 82.º: para a revisão e confirmação é competente a do STJ e dos tribunais da Relação e magistrados do MP que exerçam
Relação da área do domicílío da pessoa contra quem se pretende fazer valer a sentença. funções junto destes tribunais, ou equiparados, por causa das suas funções
(art. 55.º, ai. e). LOSJ).
(b) Tal como as Relações, o STJ também não tem competência executiva (art. 86.º
V.STJ
e 88.º). Pode assim enunciar.se a regra de que os tribunais superiores, além de não
1. Estrutura conhecerem, em princípio, de causas em l .ª instância, também não executam decisões
ou outros títulos executivos.
O STJ - que foi criado pelo art. 4. 0 Dec. 24 de 16/5/183237 ·tema sede em Lisboa
0 0
(art. 45.º LOSJ) e possui jurisdição sobre todo o território nacional (art. 43. , n. 2.4. Critério territorial
1, LOSJ). O STJ compreende secções especializadas em matéria cível, em matéria
O STJ não tem limites de competência em ra7..ão do território, dado que tem
penal e em matéria social (art. 47.", n. 0 1, LOSJ), às quais acresce uma secção para o
competência em todo o território nacional (art. 43.º, n.º J, LOSJ).
julgamento dos recursos das deliberações do CSM (art. 47. 0 , n. 0 2, LOSJ). O STJ pode
funcionar em plenário, em plenário das secções especializadas e por secções (art. 48.º,
§ 14.º Regime da competência
n.º l, LOSJ).
I. Nexo de competência
2. Competência jurisdicional
2.1. Critério material 1. Noção

Compete às secções cíveis do STJ julgar as causas que não estejam atribuídas Através da conjugação dos factores e regras da competência, toda a causa tem um
às demais secções (art. 54.º, n.º l, LOSJ), pelo que as secções cíveis possuem uma tribunal onde deve ser proposta. Há assim entre essa causa e esse tribunal um nexo
competência material residual. De molde a facilitar a especialização dos juízes e a jurídico: ~ó aquele tribunal pode julgar tal causa e esta causa só pode ser julgada
uniformização de jurisprudência, as causas sobre matéria de propriedade intelectual, naquele tnbunal. A este nexo pode chamar-se nexo de competência. Por vezes chama-
sobre questões marítimas e sobre assuntos de comércio são sempre distribuídas à -se.lhe (até na lei: cf., por exemplo, art. 38. 0 , n.º 1, LOSJ) só competência, mas este
mesma secção cível (art. 54.º, n. 0 2, LOSJ). te~o ,deve ser re_servado para o sentido que lhe foi dado atrás: a medida de jurisdição
atn?mda a um tnbunal, o que se refere, não a uma causa só, mas a uma categoria de
2.2. Critério do valor pleitos que a lei destina para esse tribunal.
No que se refere ao valor, a competência do STJ é apenas limitada pela alçada da
2. Perpetuado iurisdictionis
Relação, pois que, em regra, não é possível recorrer para o STJ de decisões proferidas
em causas cujo valor caiba na alçada da Relação (art. 44.º, n.º 1, LOSJ). 2.1. Enunciado
(a) O_ nexo d~ co_mpetência fixa-se no momento em que a acção se propõe,
em atençao quer a lei, quer à situação nesse momento dos factores atributivos de
com~etência; em princípio, esse nexo m:iotém-se, ainda que mude a lei ou a situação
de sentenças arbitrais com base na CNiorque).
37 Cf. I. GRAES, O Poder e a Justiça, 461 ss.
de tais factores (art. 38.º, n.º l, LOSJ). E o princípio daperpetuatio iurisdictionis ou
!58 !59
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I Processo Declarativo III. Organização Judiciária e Competência

Jori: semel competens, semper competens. Tal como a antiga máxíma per citati?nem esse tribunal (art. 97 .º, n." 1, 103.°, n.º l, e l 04.º. n.º 1 e 2). Se é possível uma atribuição
perpetuatur iurisdictio, também a mera perpetuatio iurisdictionis se ~estma a tácita de competência a um tribunal incompetente, então, por maioria razão, também
evitar que aquele que necessita de recorrer aos tribunais sofra qualquer preJuízo por tem de ser possível essa atribuição através de uma convenção das partes.
qualquer alteração que venha a ocorrer, depois da propositura da acção, nos factores
determinativos da competência do tribunaP 8 • II. Alteração da competência
(b) O principio da perpetuatio iurisdictionis também vale, pelo menos enquanto
principio não escrito, no âmbito do processo civil europeu 39 • 1. Extensão da competência
2.2. Modificação legal 1.1. Noção
(a) A modificação da situação de facto dos factores atributivos da competência A extensão da competêncía é o alargamento da competência do tribunal, atribuída
("modificações de facto", refere abreviadamente o art. 38.º, ~-º 1, LOSJ) é s_empre para certa questão, a outras que se encontram em conexão com ela (mas para as quais,
irrelevante. Assim, tendo a acção sido proposta em certo tnbunal, porque e o do tomadas isoladamente, o tribunal não teria competência). Os casos de extensão da
domicílio do réu (art. 71.º, n.º l, e 80.0 , n. 0 1) ou do autor (cf., por exemplo, art. 72.º, competência encontram-se regulados nos art. 91.º a 93.º, 267. 0 e 268."; as hipóteses
80.º, n.º 2 l.ª parte, 80.º, n.º 3, ou 88.º, n. 0 1), o tribunal permanece competente para de intervenção de terceiros (art. 311.º a 350. 0 ) também implícam a extensão da
esta causa, ainda que o réu ou o autor mudem o seu domicílio para outra comarca; competência do tribunal da acção para apreciar o pedido formulado pelo terceiro
se os réus da acção tinham domicílio num EM e se, por isso, eram competentes os interveniente.
tribunais desse Estado (art. 4. 0 , n.º l, Reg. 1215/2012), a intervenção na acção, como
ré, de uma sociedade portuguesa não é suficiente para estabelecer a competência dos 1.2. Extensão múltipla
tribunais portugueses por força do disposto no art. 8.º, n. 0 1, Reg. 1215/201240 • O tribunal competente para a acção também é competente para conhecer dos
(b) Quanto às modificações da lei atributiva da competência (modificações de incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa
direito), elas são, em principio, irrelevantes, excepto nos dois casos consignados no (art. 91.", n.º 1)4 1: trata-se de uma extensão que pode abranger qualquer critério de
art. 38.º, n.º 2, LOSJ (que resolve, portanto, o problema da aplicação no tempo das aferição da competência, com excepção, em certas circunstâncias, do critério do valor,
regras sobre a competência): . , dado que a alteração do valor da causa pode implicar a remessa do processo pendente
- A supressão do órgão judiciário a que a causa estava afecta; nesta h1potese, no juízo local cível para o juízo central cível (art. 117.º, n.º 3, LOSJ). Por exemplo:
0 tribunal era competente e deixa de o ser, incumbindo ao juiz ordenar
A demanda B, pedindo a condenação deste em E 10.000 que lhe deve; demanda-o
oficiosamente a remessa dos processos para o tribunal que seja competente
no tribunal do seu domicílio (art. 71. 0 , n. 0 1) - Lisboa, por hipótese; B excepciona a
(MI. 64."); nulidade do contrato que é fonte da obrigação; a nulidade do contrato, a ser tratada
A atribuição de competência ao órgão ao qual a causa estava (indevidamente)
numa acção autónoma proposta por B contra A, devia sê-lo no tribunal do domicílio de
afecta; neste caso, o tribunal não era competente e passa a sê-lo.
A (art. 80.º, n.º l)-no Porto, por exemplo; no entanto, para a mesma questão, tomada
2.3. Modificação convencional agora como excepção num outro processo, é competente o tribunal onde este corre.
A regra da perpetuatio iurisdictionis implica a ineficácia de qualquer modificação 1.3. Competência material
convencional da competência durante a pendência da causa (cf., por exemplo, art. 94.º
O art. 92.º, n.º 1, dispõe que, se o conhecimento do objecto de uma acção depender
e 95.º). No entanto, por paralelismo com o disposto no art. 38.0 , n.º 2, LOSJ, exceptua-
da decisão de uma questão que seja da competência do tribunal criminal ou do
-se a atribuição convencional de competência a um tribunal incompetente nos casos
tribunal adminístrativo, o juiz pode sobrestar na decisão até que o tribunal competente
em que a não invocação dessa incompetência é susceptível de atribuir competência a
se pronuncie. Portanto, os tribunais cíveis não conhecem, em regra, de questões
prejudicíais que sejam da competência dos tribunaís criminais ou administrativos 42 •

>ser., ainda com muíto interesse, CmoVENDA, Foro it. 1923, 363 e 370 ss.=CH!OVENDA,
Saggi I (1993), 273 e 286 ss. 4
' Estendendo a competência do tribunal da execução ao conhecimento dos fundamentos
J9Cf. TJ 5/2/2004 (18/02), n.º 35 ss.; TJ 17/1/2006 (1/04), n.º 24 ss. alegados na oposição à execução, cf. STJ 3/11/2011 (1947/07.9TBAMT-B.Pl.Sl).
160 <(]Cf. STJ 24/10/2002 (02A2420); STJ 27/2/2003 (03Bl02). 41
Cf. RC 23/10/2018 (458/l 7.9T8GRD.Cl). 161
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I Processo Declarativo III. Organiz.ação Judiciária e Competência

No entanto, a suspensão fica sem efeito se a acção penal ou a acção administrativa As modificações de competência são proibidas, em princípio, pela proibição de
não for exercida dentro de um mês ou se o respectivo processo estiver parado, por desaforamento (art. 39.0 LOSJ). Em certos casos, essas modificações são admitidas: é
negligência das partes, durante o mesmo prazo, hipóteses nas quais o juiz da acção o que sucede por exemplo, no caso previsto no art. 84.º, n.º 2, que estabelece a remessa
decide a questão prejudicial, embora a sua decisão não produza efeitos fora do processo do processo para outra circunscrição numa acção em que seja parte um juiz ou um
em que for proferida (art. 92. 0 , n. 0 2). Por exemplo: A reivindica metade da herança de seu familiar.
B, como seu sucessor testamentário, em acção proposta contra C, herdeiro legítimo;
este opõe-lhe a indignidade, por haver falsificado o testamento (art. 2034.º, ai. d), III. Falta de competência
CC); tem de provar a falsificação, que é crime (art. 256. 0 , n. 0 1 e 3, CP); para isso, são 1. Kompetenz-Kompetenz
competentes nonnalmente os tribunais criminais, não os civeis; por isso o art. 92. 0 ,
n.º 1, permite ao juiz suspender a instância até que estes se pronunciem; mas se o juiz Segundo a regra da Kompetenz-Kompetenz, qualquer tribunal tem competência
entender não dever usar desta faculdade (porque, por exemplo, se trata de conhecer da para apreciar a sua própria competência, ou seja, qualquer tribunal aprecia, de forma
nulidade de um acto administrativo) ou se se verificar qualquer dos casos previstos no autónoma perante qualquer outro, a sua competência para a acção 43 • Esta regra pode
art. 92. 0 , n. 0 2, o juiz cível julga a questão prejudicial penal ou administrativa. Verifica- comportar uma excepção construída com base num princípio de prioridade: segundo
-se uma extensão da sua competência para a apreciação destas questões, por serem este princípio, é o primeiro tribunal a apreciar a competência que fixa, na hipótese de
se considerar incompetente, qual o tribunal competente.
prejudiciais para a questão fundamental (cível) que lhe cabe resolver.
1.4. Forum reconventionis 2. Modalidades da incompetência

O tribunal que é absolutamente competente para a acção é igualmente competente O nexo de competência é um pressuposto processual relativo a um dos sujeitos
para a reconvenção deduzida pelo réu (art. 93. 0 , n. 0 l; cf. art. 266. 0 , n. 0 1). pr~essuais · o tribunal. Se ele faltar, a acção proposta é inadmissível; o tribunal
é mcompetente, verifica-se a sua incompetência44 • A lei admite dois tipos de
1.5. Competência territorial incompetência, com consequências diferentes: a incompetência absoluta (art. 96.º a
Verifica-se uma extensão de competência territorial quando se proponha uma lOl.º) e a incompetência relativa (art. I02.º a 108.º).
acção, das que devam correr no tribunal do domicílio do réu, contra vários réus (A 3. Incompetência absoluta
e B, domiciliados em Castelo Branco, Cem Beja e D em Coimbra); neste caso, é
competente um só tribunal (o de Castelo Branco), que vê a sua competência alargada 3.1. Generalidades
quanto aos outros réus, dado que contra estes isoladamente o processo deveria ser A incompetência absoluta vem regulada nos art. 96.º a 101.º. O art. 96.º estabelece
proposto noutros tribunais (Beja e Coimbra) (art. 82.º, n.º l). quando se verifica esta excepção dilatória: a in:fracção das regras da competência
O mesmo se passa no caso de cumulação simples de pedidos (art. 555.º, n.º 1), em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência internacional, legal
Por exemplo: A demanda B, domiciliado em Faro, reivindicando um prédio situado ou convencional (art. 96. 0 , ai. a)), e a preterição de tribunal arbitral, voluntário ou
em Braga (tribunal competente: o de Braga (art. 70. 0 , n. 0 1)) e pedindo, no mesmo necessário (art. 96.º, ai. b)), detenninam a incompetência absoluta do tribunal. A
processo, a condenação de B a pagar-lhe€ 15.000 (tribunal competente: o de Faro (art. incompetência absoluta é uma excepção dílatória no minada (art. 577 .º, al. a)).
71. 0 , n. 0 I)); a acção pode ser proposta no tribunal de Braga ou de Faro (art. 82.º, n.º ~ode dar-se à competência internacional, em razão da matéria e da hierarquia, em
2, e 104. 0 , n. 0 1, al. a)), que vê a sua competência estendida quanto à causa para que, conjunto, o nome paralelo de competência absoluta, dizendo que os tribunais são
tomada isolada e autonomamente, não seria competente. absolutamente competentes quando o são por todos estes factores. A designação não é
muito conecta, mas é cómoda, sendo, por essa razão, frequentemente adoptada.
2. Modificação da competência
As modificações da competência decorrem de factores que, no caso concreto,
41
deslocam para outro tribunal a competência do tribunal que, em face da lei, a possui. Para uma perspectiva critica, especialmente no âmbito da competência internacional
As modificações da competência são fenómenos relativos a um caso concreto e que, cf. MAJLHÉ, in CADrnTIHEss/REQuEJo ISIDRO (Eds.), Procedural Science at the Crossroads of
quanto a esse caso concreto qua tale, alteram a competência fixada na lei, desviando-a Different Generations (2015), 341 ss.
44
para outro tribunal. Sobre o efeito da decisão de incompetência numa perspectiva comparada, cf. HABSCHEID,
162 FS Nakamura (1966), 207 ss. 161
J. de Castro Mendes! M. Teixeira de Sousa Parte I- Processo Declarativo UI. Organização Judiciária e Competência

3.2. Conhecimento tribunal judicial. Assim, o regime é mais brando para a hipótese de a violação da
Quanto à legitimidade para arguir a incompetência absoluta, dispõe o art. 97. , 0
competência em razão da matéria se verificar no âmbito dos tribunais judiciais e mais
n.º 1, que essa incompetência pode ser arguida pelas partes e, excepto se decorrer grave se ela ocorrer entre um tribunal judicial e um tribunal não judicial.
da violação de um pacto privativo de jurisdição ou da preterição de tribunal arbitral (c) Convém referir ainda os seguintes aspectos:
voluntário, deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal (cf. também art. 578. ). O
0
A faculdade de suscitar a questão da incompetência absoluta enquanto
tribunal, em certo momento do processo, no do despacho saneador, tem mesmo de não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da
certificar-se - se não o fez já- da sua competência absoluta (art. 595.º, n.º l, ai. a)). causa (art. 97.º, n.º 1) não implica evidentemente que possa ser de novo
suscitada no processo depois de já ter sido decidida pelo tribunal; essa
3.3. Arguição nova apreciação é impedida não só pelo esgotamento do poder jurisdicional
(a) (i) Quanto à oportunidade para arguir a incompetência absoluta, o art. 97.º quanto a essa questão (art. 613. 0 , n.º l), mas também pelo caso julgado
fornece a regra geral (que o art. 98.º particulariza) e a única excepção: a regra permite formal da anterior decisão (art. 620.º, n.º 1);
que a questão da incompetência absoluta seja levantada e decidida em qualquer Qualquer decisão sobre incompetência absoluta só constitui caso julgado
estado do processo, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida formal quanto às questões concretamente apreciadas (art. 595.º, n.º 3 Lª
sobre o fundo da causa (art. 97.º, n.º l), embora haja um momento normal para o parte); assim, por exemplo, se se levantou a questão da incompetência
tribunal conhecer dela - o despacho saneador (art. 595. 0 , n.º l, ai. a)). Além disso, a internacional dos tribunais portugueses, mas o tribunal resolveu-a no
incompetência absoluta, quando seja manifesta, é, quando haja despacho liminar (art. sentido de estes a possuírem para a questão sub iudice, pode posteriormente
226.º, n.º 4), causa de indeferimento liminar (art. 590.0 , n.º 1). levantar-se a questão da incompetência em razão da matéria ou da
(ii) Este regime é particularizado pelo que se dispõe no art. 98. 0 : hierarquia.
Se a incompetência absoluta for arguida antes de ser proferido o despacho 3.4. Efeitos
saneador, pode conhecer-se dela imediatamente ou reservar-se a sua
apreciação para aquele despacho (art. 98.º l." parte); (a) Os efeitos da procedência da excepção de incompetência absoluta são os
St: a incompetência for arguida posteriormente ao despacho saneador, deve seguintes:
conhecer-se logo da arguição (art. 98.º 2.ª parte). Se a incompetência absoluta for manifesta, ou seja, se se reconhecer logo
Assim, tendo passado o momento do despacho liminar e tendo sido citado o réu, em face da petição inicial do autor, esta deve ser indeferida liminarmente
se este, como é normal, alegar na contestação a incompetência absoluta do tribunal, antes mesmo de o réu ser citado (art. 99.º, n.º 1; cf. 590.º, n.º I); '
a lei dá ao juiz uma alternativa: conhecer imediatamente da excepção ou reservar o Se a incompetência absoluta do tribunal só for decidida depois do despacho
conhecimento para o despacho saneador. Há que entender com algum cuidado aquele liminar, o réu é absolvido da instância (art. 99.º, n.º l; cf. art. 278.º, n.º 1,
conhecimento imediato: tendo a incompetência absoluta sido arguida pelo réu na ai. a), 576.0 , n. 0 2, e 577.º, ai. a)).
contestação, o seu conhecimento tem de aguardar o funcionamento do contraditório, (b) Se a incompetência for decretada depois de findos os articulados, o autor
pelo que não pode ocorrer antes da resposta do autor (art. 3.0 , n.º 4). Note-se ainda que pode requerer a remessa do processo para o tribunal em que a acção deveria ter sido
proposta, o que só não é deferido pelo tribunal da causa se o réu oferecer oposição
a alternativa é entre o conhecimento imediato e a reserva para o saneador, pelo que o
justificada (art. 99.º, n.º 2), como acontece, por exemplo, quando alega que poderia ter
juiz não pode reservar o conhecimento da incompetência absoluta para uma decisão
apresentado uma defesa mais ampla se a acção já se encontrasse pendente no tribunal
separada do despacho saneador.
competente45 . O regime não é aplicável nos casos de violação de pacto privativo
(b) A excepção a este regime é a que vem referida no art. 97.º, n.º 2: a violação
de jurisdição e de preterição de tribunal arbitral (art. 99.º, n.º 3), naturalmente
das regras da competência em razão da matéria que apenas respeitem aos tribunais
pela impossibilidade de remeter o processo para o tribunal arbitral ou estrangeiro
judiciais só pode ser arguida ou oficiosamente conhecida até ser proferido o despacho
competente.
saneador ou, se a tramitação da causa não o comportar, até ao início da audiência final.
(c) A decisão sobre a incompetência absoluta do tribunal só tem valor no próprio
É o caso, por exemplo, de a acção ser da competência do tribunal de familia e ter sido
processo em que for decretada (art. 100. 0 ), isto é, a círcunstância de o tribunal da
proposta perante o tribunal de trabalho, pois que ambos esses tribunais pertencem à
ordem dos tribunais judiciais. A regra geral do art. 97 .º, n. 0 1, é, porém, aplicável se,
por exemplo, uma acção de anulação de um acto administrativo for instaurada num
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J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I Processo Declarativo III. Organização Judiciária e Competência

acção considerar que é outro o tribunal absolutamente competente para a apreciar do processo, ou seja, quando um processo especial de valor superior a € 50.000
não vincula este último tribunal a considerar-se competente. Este regime comporta for proposto num desses tribunais. Impõe~se aplicar, por analogia, o regime da
as excepções previstas no art. 101.º, n. 0 l e 2, construídas coro base num princípio da incompetência relativa, dado que a remessa do processo para o juízo local cível (aliás,
prioridade: o STJ ou o TConf fixam qual é o tribunal competente. pertencendo, normalmente, à mesma comarca) é a solução mais adequada para esta
(d) A absolvição da instância com base na preterição de tribunal arbitral voluntário situação de incompetência (art. 105.º, n.º 3; sobre a competência deste juízo, cf. art.
não implica o reconhecimento da validade da convenção arbitral e da competência 130.", n.º l e 2, al. c), LOSJ).
dos tribunais arbitrais. Esta orientação decorre do disposto no art. 5.º, n." l, LAV: para É claro que, se o tribunal for incompetente em função do valor, se verifica, qualquer
que o tribunal judicial absolva o réu da instância basta que entenda que a convenção que seja a forma de processo aplicável, uma incompetência relativa (art. I 02.º). Assim,
de arbitragem não é manifestamente nula, ineficaz ou inexequível, o que remete para há incompetência relativa se, num juízo central cível, for instaurado um processo
os tribunais arbitrais o conhecimento da validade, eficácia e exequibilidade dessa especial de valor igual ou inferior a E 50.000 ou se, num juízo local cível, for proposto
convenção. Seja como for, o réu, que tendo invocado a preterição de tribunal arbitral, urn processo comum de valor superior a€ 50.000.
alega, no posterior processo arbitral, a incompetência do tribunal arbitral, actua coroo 4.2. Conhecimento
litigante de má fé (art. 542.", n.º 2, al. a) e d)).
(a) (i) Quanto à legitimidade para a arguição, vale a seguinte regra: a incompetência
3.5. Recurso relativa pode ser sempre arguida pelo réu (art. 103.º, n.º l) e deve ser conhecida
A decisão sobre a incompetência absoluta do tribunal é sempre passível de recurso oficiosamente nos casos previstos no art. 104.º, n.º 1 (quanto à incompetência em
até ao STJ (art. 629.º, n.º 2, ai. a)). O regime é aplicável mesmo que ambas as instâncias função do território) e no art. 104. 0 , n.º 2 (quanto à incompetência em razão do valor).
tenham decidido no mesmo sentido e, por isso, em regra, a revista não devesse ser Este regime é confirmado pelo disposto no art. 578.º quanto ao conhecimento oficioso
admitida segundo a regra da dupla conforme (art. 671.°, n.º 3). desta modalidade da incompetência.
(ii) Em concreto, a incompetência territorial é de conhecimento oficioso (art.
4. Incompetência relativa 104.0 , n.º l, al. a)) quando:
Seja desrespeitado o foro da situação dos bens (art. 70.º);
4.1. Generalidades
Tendo a causa por objecto o cumprimento de obrigações pecuniárias, a
(a) (i) Como se deduz do art. 102.", a incompetência relativa verifica-se em caso de indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso ou a
infracção das regras da competência em razão do valor, do território ou provenient:s resolução do contrato por falta de cumprimento, a mesma não seja proposta
de um pacto de competência, ou seja, nas situações de violação da competência no tribunal do domicílio do réu (art. 71.º, n.º l 1.ª parte);
relativa do tribunal. Em concreto: Destinando-se a acção a efectivar responsabilidade civil baseada em
A incompetência em função do valor verifica-se quando sejam violados facto ilícito ou fundada no risco, a mesma não seja instaurada no tribunal
os critérios determinativos da competência dos juízos centrais cíveis e dos correspondente ao lugar onde o facto ocorreu (art. 71.º, n.º 2);
juízos locais cíveis (art. 117.º, n." l, e 130.°, n.º l, LOSJ); Haja violação das regras relativas aos procedimentos cautelares e
A incompetência em função do território ocorre quando sejam violados os diligências antecipadas (art. 78.º);
critérios constantes dos art. 70.º a 84.º; Seja violada a regra respeitante ao tribunal competente para apreciar o
A violação da competência estipulada num pacto de competência ocorre recurso (art. 83. 0 );
quando a acção seja proposta num tribunal diferente daquele que foi Sendo parte o juiz ou um seu farníliar, a acção não seja proposta ou remetida
escolhido pelas partes (art. 95.º, n." 3). para o tribunal da circunscrição judicial cuja sede esteja a menor distância
(ii) A disciplina da incompetência relativa e os seus efeitos são algo diferentes dos do tribunal normalmente competente (art. 84.º);
da incompetência absoluta. Numa execução de decisão proferida por tribunais portugueses, o
(b) Na aferição da competência do juízo central cível, há que considerar não só o requerimento executivo não for apresentado no processo em que foi
valor, mas também a forma de processo, dado que este juízo só tem competência para proferida a decisão (art. 85.º, n.º !);
a apreciação de processos comuns (art. l 17.°, n.º l, al. a), LOSJ). Esta circunstância Numa execução para pagamento de quantia certa baseada numa decisão
levanta o problema de saber que tipo de incompetência se verifica quando o juízo estrangeira ou num título extrajudicial, a mesma não seja instaurada no
central cível for competente em função do valor, mas não o for quanto à forma tribunal do domicílio do demandado (art. 89.º, n.º 1 1.ª parte);
Parte I Processo Declarativo III. Organização Judiciária e Competência
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa

4.4. Efeitos
Numa execução para entrega de coisa certa ou por divida com garantia
real, a mesma não seja proposta, respectivamente, no tribunal onde a coisa (a) O efeito da procedência da excepção dilatória de íncompetência relativa esgota
se encontra ou no tribunal da situação dos bens onerados (art. 89.º, n.º 2). aqueles que estão previstos no art. 576.º, n.º 2, e consta do art. 105.º, n.º 3: o processo
(iii) A incompetência territorial deve ainda ser conhecida oficiosamente: é remetido para o tribunal competente - é a chamada translatío iudicii. Da decisão que
- Nos processos cuja decisão não seja precedida de citação do requerido aprecie a competência relativa - mesmo, portanto, daquela que não julga procedente
(art. 104, n.º l, al. b)); é o caso, por exemplo, da execução sumária para a arguição da incompetêncía relativa e, por isso, que não remete o processo para outro
pagamento de quantia certa (art. 856.º, n.º l); tribunal - cabe reclamação, com efeito suspensivo, para o presidente da Relação
Nas causas que, por lei, devam correr como dependência de outro processo respectiva, o qual decide definitivamente a questão (art. 105.º, n.º 4).
(art. 104.º, n.º l, ai. c)); é o que sucede, por exemplo, com a acção de Se a acção tiver sido proposta contra vários réus, a decisão sobre a competência
honorários, que corre por apenso à acção na qual foi prestado o serviço relativa produz efeitos em relação a todos eles (art. 106.º 1.ª parte). No entanto, se a
(art. 73.º, n. 0 l). excepção for deduzida apenas por um dos réus, todos os demais podem contestar essa
(b) A aplicação do regime da incompetência relativa às situações em que o juízo arguição (art. 106.º 2.ª parte), isto é, todos os demais demandados podem defender
central cível é competente em função do valor da causa, mas não da forma do processo que o tribunal é relativamente competente.
(art. 117 .º, n.º 1, al. a), LOSJ), implica a aplicação, por analogia, do disposto no art. (b) Em certos casos, a competência territorial é definida em função do domicílio do
104.º, n.º 2, quanto ao conhecimento oficioso a essa situação de incompetência. demandado (art. 71. 0 , n. 0 l, e 80. 0 , n. 0 1). Nestas hipóteses, havendo uma pluralídade
de réus, devem ser todos demandados no tribunal do maior número ou, se for igual o
4.3. Arguição
número nos diferentes domicílios, no tribunal que o autor escolher (art. 82.º, n.º 1).
(a) Quanto à oportunidade para a arguição, o art. 103.º, n.º l, mostra que a Este regime explica o disposto no art. 107. 0 : se o autor demandar alguém estranho à
incompetência relativa tem de ser - em 1.ª instância - arguida dentro de certo prazo causa com o fim de desviar o verdadeiro réu do tribunal territorialmente competente,
(passado o qual sem ser invocada, se sana): esse prazo é_ o fixa~o para a contestaçã?, a decisão que julgue incompetente o tribunal deve condenar o autor em multa e
oposição ou resposta ou, quando nenhuma destas esteJa prevista, para outro me10 indemnização como litigante de má fé (art. 542.º, n.º 1)46 •
de defesa que o réu tenha a faculdade de deduzir. Se a incompetência for arguida
4.5, Apreciação
pelo réu na contestação, o autor pode responder no articulado subsequente da acção
(que, no processo declarativo comum, pode ser a réplica: cf. art. 584.º, n.º l) ou, não A competência absoluta constitui um pressuposto processual absoluto, isto é,
havendo este, em articulado próprio, dentro de 1O dias após a notificação da entrega um pressuposto sem cuja verificação não é admissível nenhuma decisão de mérito.
do articulado do réu (art. 103.º, n.º 2, estabelecendo uma discutível excepção quanto Diferente é o caso da competência relativa; mesmo que esta falte, é admissível proferir
ao regime geral do art. 3.º, n.º 4). Ambas as partes devem indicar as provas com o uma decisão de mérito favorável ao demandado (art. 278.º, n.º 3 2.ª parte), dado que
articulado da arguição da incompetência (art. 103.º, n.º 3). não teria sentido remeter o processo para o tribunal competente quando a acção não
Depois da produção da prova, o juiz decide a questão da competência relativa pode ser julgada procedente neste tribunal.
(art. 105.º, n.º I), podendo fazê-lo em despacho próprio ou no despacho saneador A prioridade da apreciação da incompetência absoluta impõe que a falta de prova
(art. 595.º, n.º l, al. a)). Esta decisão, depois de transitada em julgado, resolve de um facto duplo, ou seja, de um facto que é relevante para a apreciação quer daquela
definitivamente a questão da competência (art. 105.º, n.º 2), isto é, o tribunal que competência, quer do mérito da causa, implique a incompetência absoluta do tribunal.
for considerado competente e para o qual for remetido o processo (art. 105.º, n.º 3) Em contrapartida, a falta de um facto duplo relevante para a aferição da incompetência
está vinculado a aceitar essa competência. Verifica-se, pois, uma excepção à regra da relativa determina a improcedência da causa.
Kompetenz-Kompetenz e a consagração de um principio da prioridade.
(b) Se a incompetência relativa se verificar num tribunal de recurso, o prazo ?ara a
sua arguição é de l Odias a contar da primeira notificação que for feitaª? recomdo ou
da primeira intervenção que ele tiver no processo (art. 108.º, ?·º l)_- ~o Julga°:ento d~
excepção são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as d1spos1çoes respeitantes a
sua apreciação em l.ª instância (art. 108.º, n.º 2).

4<i Sobre alguns aspectos comparativos, cf. LfrrrRINGHAUS. ZZP 127 (2014). 36 ss. 169
Parte I - Processo Declarativo IV. Aferição da Competência Internacional

3.2. Texto
(a) (i) O texto da CLug II é muito próximo do texto do Reg. 44/2001, pelo que se
pode dizer que o objectivo da CLug II é o de alargar o regime do Reg. 44/200 l aos
Estados que integram a EFTA. A similitude mantém~se com o Reg. 1215/2012.
IV. AFERIÇÃO DA COMPETJ::NCIA INTERNACIONAL (ii) Entre o Reg. 1215/2012 e a CLug II existem, porém, duas diferenças
importantes:
§ 15.º Enquadramento geral Enquanto o Reg. 1215/2012 não é aplicável à obrigação de alimentos (art.
l.º, n.º 2, ai. e), Reg. 1215/2012), a CLug II continua a aplicaMe a essa
I. Fontes do regime obrigação (art. 5. 0 , n.º 2, CLug II);
Enquanto a CLug II continua a exigir a concessão de exequatur às decisões
1. Fontes europeias estrangeiras (art. 38.º, n. 0 1, CLug II), o Reg. 1215/2012 dispensa a
declaração de executoriedade dessas decisões (art. 39.º Reg. 1215/2012).
As fontes europeias relativas à competência internacional dos tribunais portugueses
Outras diferenças menos significativas perante o Reg. 1215/2012 encontram-se nos
são as seguintes:
art. 14.0 , n. 0 5, 22.º, n.º 4, § 2. 01 , 26. 0 , n.º 3 e 4, e 35.º, n.º 1, CLug II.
O Reg. 1215/2012, aplicável à generalidade das matérias civis e comerciais
(b) Os tribunais dos EMs da UE podem solicitar a interpretação da CLug II ao TJ
(art. 1.", n. 0 l 1.3parte, Reg. 1215/2012);
(cf. Prot. n.º 2 da CLug II).
O Reg. 220I/2003, aplicável às acções de divórcio, de separação e de
anulação do casamento e às acções relativas à atribuição, ao exercício, à 3.3. Delimitação
delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental (art. 1.0 ,
A aplicação da CLug II delimita-se perante a aplicação do Reg. 1215/2012 de
n.º l, e 2.º, n.º 3, Reg. 2201/2003);
acordo com as seguintes regras:
O Reg. 4/2009, aplicável em matéria de obrigações alimentares decorrentes
Nas relações entre a Dinamarca e os Estados que pertencem à EFTA
de relações de família, de parentesco, de casamento ou de afinidade (art.
(Islândia, Noruega e Suíça) aplica-se exclusivamente a CLug II; portanto,
l.º, n.º l, Reg. 4/2009);
por exemplo, os tribunais islandeses têm de respeitar a competência dos
O Reg. 2016/1103, aplicável em matéria de regimes matrimoniais (art. l. 0 ,
tribunais dinamarqueses baseada no domicílio do demandado (art. 2. 0 , n.º
n. 0 l, Reg. 2016/ll03);
l, CLug II) e uma decisão proferida na Noruega é reconhecida e executada
O Reg. 650/2012, aplicável em matéria de sucessões por morte (art. l. 0 , n. 0
na Dinamarca de acordo com a CLug II; para além disto, importa ter
l l.ª parte, Reg. 650/2012);
presente o seguintei:
O Reg. 2015/848, aplicável aos processos colectivos públicos de insolvência
Na determinação da competência, a CLug II é aplicável quando o requerido
(art. 1.0 , n. 0 l, Reg. 2015/848).
se encontre domiciliado na Islândia, na Noruega ou na Suíça ou quando, por
2. Fontes intel'nacionais força das regras da competência exclusiva ou das cláusulas convencionais
de competência, sejam competentes os tribunais de um desses Estados (art.
As principais fontes convencionais da competência internacional dos tribunais 64.º, n.º 2, ai. a), CLug II);
portugueses são a CLug II e CProtCr. Em matéria de litispendência e de conexão entre acções, aplica-se a CLug
II quando todas as acções tenham sido instauradas na Islândia, na Noruega
3. CLug II
ou na Suíça ou quando uma ou algumas acções tenham sido propostas num
3.1. Genel'alidades desses Estados e a outra ou outras acções tenham sido instauradas num EM
da UE (art. 64.º, n.º 2, al. b), CLug II);
São partes contratantes da CLug II todos os EMs da UE e ainda todos os Estados
Em matéria de reconhecimento e execução de decisões, a CLug II é
que são membros da EFTA (a Islândia, a Noruega e a Suíça) (art. 69.º, n.º l, CLug II).
A CLug II está em vigor, entre todos estes Estados, desde l/5/201 l e substitui a CLug
(art. 69.º, n.º 6, CLug II).
1
O preceito segue a jurisprudência do TJ: cf. TJ 13/7/2006 (4/03).
1
170 Cf. POCAR. Relatório Ex o li cativo (JO C 319. de 23/12/2009). n." 18 ss. 171
Parte I · · Processo Declarativo IY. Aferição da Competência Internacional

3.2. Texto
(a) (i) O texto da CLug II é muito próximo do texto do Reg. 44/2001, pelo que se
pode dizer que o objectivo da CLug II é o de alargar o regime do Reg. 44/2001 aos
Estados que integram a EFTA. A similitude mantém-se com o Reg. 1215/2012.
IV. AFERIÇÃO DA COMPET:f:NCIA INTERNACIONAL (íi) Entre o Reg. 1215/2012 e a CLug II existem, porém, duas diferenças
importantes:
§ 15.0 Enquadramento geral - Enquanto o Reg. 1215/2012 não é aplicável à obrigação de alimentos (art.
1.0 , n. 0 2, ai. e), Reg. 1215/2012), a CLug II continua a aplicar-se a essa
1. Fontes do regime obrigação (art. 5.º, n.º 2, CLug II);
~ Enquanto a CLug II continua a exigir a concessão de exequatur às decisões
1. Fontes europeias estrangeiras (art. 38.º, n.º l, CLug II), o Reg. 1215/2012 dispensa a
declaração de executoriedade dessas decisões (art. 39.0 Reg. 1215/2012).
As fontes europeias relativas à competência internacional dos tribunais portugueses
Outras diferenças menos significativas perante o Reg. 1215/2012 encontram-se nos
são as seguintes:
art. 14.º, n.º 5, 22.º, n. 0 4, § 2. 0 1, 26.º, n.º 3 e 4, e 35.º, n.º 1, CLug II.
- O Reg. 1215/2012, aplicável à generalidade das matérias civis e comerciais
(b) Os tribunais dos EMs da UE podem solicitar a interpretação da CLug II ao TJ
(art. 1.0 , n.º 11.ªparte, Reg. 1215/2012);
(cf. Prot. n. 0 2 da CLug II).
O Reg. 2201/2003, aplicável às acções de divórcio, de separação e de
anulação do casamento e às acções relativas à atribuição, ao exercício, à 3.3. Delimitação
delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental (art. l .º,
A aplicação da CLug II delimita-se perante a aplicação do Reg. 1215/2012 de
n.º 1, e 2. 0 , n.º 3, Reg. 2201/2003);
acordo com as seguintes regras:
O Reg. 4/2009, aplicável em matéria de obrigações alimentares decorrentes
- Nas relações entre a Dinamarca e os Estados que pertencem à EFTA
de relações de família, de parentesco, de casamento ou de afinidade (art.
(Islândia, Noruega e Suíça) aplica-se exclusivamente a CLug II; portanto,
l.º, n.º 1, Reg. 4/2009);
por exemplo, os tribunais islandeses têm de respeitar a competência dos
O Reg. 2016/1103, aplicável em matéria de regimes matrimoniais (art. l. 0 ,
tribunais dinamarqueses baseada no domicílio do demandado (art. 2.º, n.º
n.º 1, Reg. 2016/1103);
1, CLug II) e uma decisão proferida na Noruega é reconhecida e executada
O Reg. 650/2012, aplicável em matéria de sucessões por morte (art. l.°, n. 0
na Dinamarca de acordo com a CLug II; para além disto, importa ter
1 l.ª parte, Reg. 650/2012);
presente o seguinte2:
O Reg. 2015/848, aplicável aos processos colectivos públicos de insolvência
Na determinação da competência, a CLug II é aplicável quando o requerido
(art. l.º, n.º l, Reg. 2015/848).
se encontre domiciliado na Islândia, na Noruega ou na Suíça ou quando, por
2. Fontes internacionais força das regras da competência exclusiva ou das cláusulas convencionais
de competência, sejam competentes os tribunais de um desses Estados (art.
As principais fontes convencionais da competência internacional dos tribunais 64.º, n.º 2, ai. a), CLug li);
portugueses são a CLug II e CProtCr. Em matéria de litispendência e de conexão entre acções, aplica-se a CLug
li quando todas as acções tenham sido instauradas na Islândia, na Noruega
3. CLng II
ou na Suíça ou quando uma ou algumas acções tenham sido propostas num
3.1. Generalidades desses Estados e a outra ou outras acções tenham sido instauradas mun EM
da UE (art. 64. 0 , n. 0 2, ai. b), CLug II);
São partes contratantes da CLug II todos os EMs da UE e ainda todos os Estados
Em matéria de reconhecimento e execução de decisões, a CLug II é
que são membros da EFTA (a Islândia, a Noruega e a Suíça) (art. 69.º, n.º l, CLug II).
A CLug II está em vigor, entre todos estes Estados, desde l/5/2011 e substitui a CLug
(art. 69.º, n.º 6, CLug II).
1
O preceito segue a jurisprudência do TJ: cf. TJ 13/7/2006 (4/03).
1Cf. PocAR, Relatório Explicativo (JO C 319, de 23/12/2009), n.º 18 ss. 171
170
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo IV. Aferição da Competência Internacional

aplicável quando o Estado de origem e o Estado do reconhecimento sejam 5. Fontes internas


ambos a Islândia, a Noruega ou a Suíça ou quando o Estado de origem seja
Na falta de aplicação de uma fonte europeia ou internacional - qualquer delas
um destes Estados e o Estado do reconhecimento seja um EM da UE, ou
com prevalência sobre o direito interno4 ~, a competência internacional dos tribunais
vice-versa (art. 64.º, n.º 2, al. c), CLug li).
portugueses é regulada pelo disposto nos art. 59.0 , 62.º, 63.º e 94. 0 •
4, CProtCr
II. Regras de competência
4.1. Âmbito material
A CProtCr visa determinar qual o Estado cujas autoridades têm competência I. Regras atributivas
para tomar as medidas orientadas à protecção da pessoa ou bens da criança, qual a A generalidade das regras sobre a competência internacional atribui competência
lei aplicável por estas autoridades no exercício das suas competências e qual a lei aos tribunais de um Estado. Trata-se, portanto, de regras com uma função atributiva,
aplicável à responsabilidade parental (art. 1.0 , n.º l, al. a), b) e c), CProtCr). A CProtCr dado que, através delas, os tribunais de um Estado tornam-se competentes para
também procura assegurar o reconhecimento e a execução das medidas de protecção da apreciar uma causa.
pessoa ou bens da criança e estabelecer um regime de cooperação entre as autoridades
competentes dos Estados contratantes (art. 1.0 , n. 0 l, al. d) e e), CProtCr; sobre o 2. Regras privativas
âmbito material da CProtCr, cf. também art. 3. 0 e 4.º CProtCr). Embora menos comuns, algumas regras retiram a competência internacional aos
4.2. Âmbito espacial tribunais de um Estado em situações em que, na sua ausência, estes tribunais seriam
internacionalmente competentes. Trata-se, então, de regras com uma função privativa,
(a) A Decis. 2003/93/CE3 autorizou os EMs a assinarem, no interesse da CE,
dado que, através delas, os tribunais de um Estado deixam de ser competentes para
a CProCr e, por isso, todos os EMs do Reg. 220 l/2003 são igualmente Estados
apreciar uma causa. Esta função privativa decorre quer da relevância atribuída a pactos
contratantes dessa mesma CProtCr. Tanto a CProCr, como o Reg. 2201/2003 contêm
privativos de jurisdição, quer de regras que bloqueiam a propositura ou a pendência de
normas sobre a competência para tomar medidas de protecção da pessoa ou dos bens
uma acção quando há um outro tribunal internacionalmente competente para apreciar
da criança (art. l.º, n.º 1, ai. a), e 5.º a 14.° CProtCr; art. 8. 0 a 15.0 Reg. 2201/2003),
essa mesma acção (cf., por exemplo, art. 29. 0 , n. 0 3, 30. 0 , n. 0 l e 2, e 31.º, n.º 1, Reg.
sobre o reconhecimento e execução dessas medidas (art. l.º, n. 0 l, al. d), e 23.º a 28.º
1215/2012; art. 8. 0 Reg. 4/2009).
CProtCr; art. 21.º a 46.º Reg. 2201/2003) e ainda sobre a entreajuda internacional (art.
1.0 , n. 0 l, ai. e), e 29.º a 39.° CProtCr; art. 53.0 a 58.0 Reg. 2201/2003).
(b) Com base na cláusula de desconexão que está prevista no art. 52.°, n. 0 2, III. Necessidade de conexão
CProtCr, as relações entre o Reg. 2201/2003 e a CProtCr regem-se pelos seguintes 1. Elementos de conexão
princípios:
Em matéria de aferição da competência internacional, o Reg. 2201/2003 é A atribuição de competência internacional aos tribunais de um Estado pressupõe
aplicável sempre que a criança tenha a sua residência habitual no território que a causa apresenta um ou vários elementos de conexão com a ordem jurídica desse
de um EM (art. 61.º, al. a)); Estado. Elementos de conexão comuns são o lugar da situação de bens, o lugar do
Em matéria de reconhecimento e execução de decisões, o Reg. 2201/2003 cumprimento da obrigação, o lugar da ocorrência do dano, o domicílio do demandado
é aplicável ao reconhecimento e execução de uma decisão proferida pelo e a vontade das partes. Estes elementos de conexão são escolhidos em função de
tribunal competente de um EM no território de outro EM, mesmo que a diversos interesses, como, por exemplo, a boa administração da justiça, a efectividade
criança resida habitualmente no território de um Estado não membro que da tutela processual, a harmonia das decisões sobre um litígio, o interesse das partes,
seja parte contratante da CProCr (art. 61.º, ai. b )). a protecção de partes mais fracas e a proximidade com o litígio 5•

4
Cf. RP 2J/3/2013 (89/08.4TTGMR.Pl ).
'Sobre a matéria, cf., p. ex., FERNÁNDEZ ARROYO, RdC 323 (2006), 36 ss.; ÜEIMER, IZPR
172 3 10 L 48, de 21/2/2003. (2020), 366 ss. (interesses do Estado) e 374 ss. (interesses das partes). 173
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo IV Aferição da Competência Internacional

2. Competência exorbitante igualmente competente: para denominar as acções que são instauradas com
Nem sempre os legisladores nacionais observam a regra de que a aferição da uma finalidade bloqueadora de outras acções vulgarizou-se a expressão
"acções torpedo" (torpedo actions; Torpedoklagen)&;
competência internacional se deve basear numa conexão razoável com o Estado do
A competência exclusiva ocorre quando, de acordo com o direito interno,
foro: fala~se, então, de competência internacional exorbitante6 . Ê o caso, por exemplo,
um regulamento europeu ou uma convenção internacional, apenas um
da competência que se baseia exclusivamente na nacionalidade do demandante ou do
tribunal é considerado internacionalmente competente para apreciar a
demandado e que, por isso, atribui um privilégio aos nacionais do Estado do foro ou
acção (cf., por exemplo, art. 63.º); a competência exclusiva releva não só
na competência que se fundamenta numa presença ocasional da parte demandada no
como pressuposto processual numa acção, mas também como obstáculo à
Estado do foro.
validade de um pacto de jurisdição (cf., por exemplo, art. 94.º, n.º 3, ai. d))
e ao reconhecimento de uma decisão estrangeira proferida por um outro
IV. Modalidades da competência
tribunal (cf., por exemplo, art. 980. 0 , ai. c)).
1. Directa vs. indirecta
3. Legal vs. convencional
A competência internacional pode ser directa ou indirecta:
3.1. Base da distinção
A competência directa é a competência que, em relação a acções com
elementos de estraneidade, pertence aos tribunais de um Estado; a A competência internacional pode ser legal ou convencional:
competência directa é uma competência que releva para o proferimento de A competência legal resulta de uma regra de direito interno ou constante de
decisões (Entscheidungszustiindigkeit), pelo que constitui um pressuposto um regulamento europeu ou de uma convenção internacional;
processual numa acção declarativa ou executiva; A competência convencional decorre de uma convenção celebrada pelos
A competência indirecta é a competência que um Estado reconhece aos interessados, através da qual estes atribuem competência aos tribunais de
tribunais de outro Estado; a competência indirecta é uma competência que um certo Estado para a apreciação de uma acção ou privam estes tribunais
releva para o reconhecimento de decisões (Anerkennungszustãndigkeit), de competência para apreciar uma determinada acção; na ordem juridica
pelo que constitui um requisito do reconhecimento de uma decisão portuguesa, as convenções sobre a competência internacional designam-se
estrangeira (cf., por exemplo, art. 980.º, ai. c)) e releva, por isso, na por pactos de jurisdição (art. 94. 0 ).
execução dessa decisão no Estado do reconhecimento.
3.2. Competência convencional
2. Concorrente vs. exclusiva (a) O pacto de jurisdição produz um efeito processual~ atribui competência ao
A competência internacional pode ser concorrente ou exclusiva; triblUlal designado - e, quando tenha atribuído competência exclusiva a esse tribunal,
- A competência concorrente verifica-se quando, para uma mesma acção, vincula as partes a litigarem nesse tribunal. É por isso que a violação do pacto por uma
há vários tribunais internacionalmente competentes; nesta hipótese, o das partes pode originar a obrigação de indemnização da contraparte9 •
autor pode escolher qualquer dos tribunais competentes para propor a (b) O pacto de jurisdição é vinculativo para as partes que o celebraram. Em caso
acção, isto é, pode exercer o chamado jOrum shopping (ou libel tourism, de cessão da posição contratual, o pacto de jurisdição toma-se igualmente vinculativo
quando respeitante a acções por difamação7); a competência concorrente para o cessionário 1º.
possibilita que um dos interessados instaure uma acção de apreciação
negativa num dos tribunais competentes com a intenção de bloquear a
propositura de outra acção pelo outro interessado num outro tribunal

6
Cf. FER."<ÁNDEZARROYO, RdC 323 (2006), 127 ss.; entendendo que as regras de competência 8 Cf. FRAN'ZOS!, EIPR 19 (1997), 384 s.; FERRARI, Rtdpc 67 (2013), 1125 ss.
exorbitante pennitem corrigir a favor dos autores o beneficio resultante para os réus da regra 9
Sobre a problemática, cf. PFEIFFER, Schutz gegen Klagen imfornm derogatum (2012), 429
actor sequitur fornm rei, cf. ScHACK, ZZP 97 (1984), 48 ss. ss.; RIELÃNDER, RabelsZ 84 (2020), 548 ss.; HEss, EuZPR (2021), 411.
174 7
Cf. HARTLEY, ICLQ 59 (2010), 25. 'ºCf. STJ 7/3/2019 (13688/16.1 TBPRT.Pl .S l ). 175
Parte I - Processo Declarativo IV. Aferição da Competência Internacional
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa

5. Revogação
§ 16.º Reg. 1215/2012 11
O Reg. 1215/2012 revogou o Reg. 44/2001 (art. 80.º l .ª parte). As referências feitas
I. Generalidades ao Reg. 44/200 l devem entender~se como feitas para o Reg. l 215/2012 (art. 80.0 2." parte).
1. Objectivos
II. Âmbito de aplicação
O Reg. 1215/2012 visa facilitar a livre circulação das decisões em matéria civil
e comercial através da unificação das regras relativas à competência judiciária, bem l. Âmbito material
como ao reconhecimento e à execução das decisões (consid. (6)). O Reg. 1215/2012 1.1. Delimitação positiva
é uma "reformulação" do Reg. 44/2001 - que, aliás, revoga (art. 80.º) ~, mas mantém
com este uma grande similitude. O Reg. 1215/2012 é um ri!glement double, pois que, (a) O Reg. 1215/2012 é aplícável em matéria civil e comercial, independentemente
além de outras, contém regras relativas à competência internacional (art. 4.º a 35.0 ) e da natureza da jurisdição, isto é, do tribunal que é competente na ordem interna (art.
regras respeitantes ao reconhecimento e à execução de decisões (art. 36.º a 57.º). l.º, n.º l 1.ª parte): assim, o Reg. 1215/2012 pode ser aplicado por um tribunal civil,
comercial, laboral ou mesmo criminal. Como se pode verificar pelo disposto no art.
2. Vinculação 7.°, n. 0 3, também se encontra abrangido o pedido de indemnização civil deduzido
no processo penal (mesmo perante um tribunal de instrução 1,), inferindo-se ainda
O Reg. 1215/2012 é vinculativo para todos os EMs da UE, excepto a Dinamarca
do disposto nos art. 20. 0 a 23. 0 a sua aplicabilidade às acções relativas a contratos
(cf. consid. (41)). No entanto, em cumprimento do acordo entre a CE e a Dinamarca,
individuais de trabalho. A imunidade de jurisdição de uma das partes não impede o
este Estado notificou a Comissão da sua decisão de aplicar o Reg. 1215/2012 12•
tribunal de apreciar a sua competência internacional ao abrigo do Reg. 1215/2012 16•
3. Interpretação (b) A matéria civil e comercial que delimita o âmbito de aplicação do Reg.
1215/2012 deve ser interpretada autonomamente. Assim, por exemplo, cabe no âmbito
As disposições do Reg. 1215/2012 podem ser interpretadas pelo TJ nos termos de aplicação do Reg. 1215/2012: a acção para repetição do indevido no caso de um
do art. 267.º, § l.º, al. b), TFUE. Na interpretação da CBrux, o TJ preferiu uma organismo público, intimado a pagar a uma pessoa lesada, a título de reparação, uma
interpretação autónoma 13, tendo o TJ mantido essa preferência na interpretação do parte do produto proveniente da venda de um imóvel, ter pago a essa pessoa, por lapso,
Reg. 44/2001. É desejável que se mantenha uma continuidade na interpretação da a totalidade do preço da venda, e pedir em juízo a repetição do indevido 17 ; a acção
CBrux, do Reg. 44/2001 e agora do Reg. 1215/2012 (cf. consid. (34) § 2. 0 ). para pagamento de uma dívida decorrente de uma prestação de serviços de transporte,
proposta pelo administrador da insolvência, designado no âmbito de um processo
4. Alteração
de insolvência de uma empresa, instaurado num EM e dirigido contra o beneficiário
O Reg. 1215/2012 foi alterado pelo Reg. 542/2014, que teve como objectivo adaptar destes serviços, estabelecido num outro EM 18 ; a acção inibitória de práticas comerciais
as regras sobre a determinação de competência judiciária e sobre o reconhecimento desleais intentada por uma autoridade pública com vista à protecção dos interesses
e a execução de sentenças às instâncias jurisdicionais criadas pelo AcTUP e ao dos consumidores 19, bem como a acção que tem por objecto a reparação do prejuízo
TrTJBenelux (de que Portugal não é parte) 14 • Para efeitos do Reg. 1215/2012, um resultante de alegadas violações do direito da concorrência da UE 2º.
tribunal comum a vários EMs ., como é o TUP e o TJBenelux · é considerado um (c) Nas situações de concurso de pretensões, pode suceder que apenas uma delas
tribunal de um EM quando exerça a sua competência em matérias abrangidas pelo caia no âmbito de aplicação do Reg. 1215/2012. O Reg. 1215/2012 não deixa de
âmbito do Reg. 1215/2012 (art. 71.º~A, n.º l e 2). ser aplicável à pretensão abrangida pelo seu âmbito, mas cabe ao direito interno do

11 Neste parágrafo, os artigos e considerandos sem indicação da fonte pertencem ao Reg.


"TJ 22/10/2015 (523/14).
1215/2012. 16 TJ 3/9/2020 (186/l9), n.º 74.
12 Cf. JO L 79, de 21/2/2013; JO L 182, de 10/7/2015.
"TJ 11/4/2013 (645/11).
llCf., v. g., TJ 14/10/1976 (29/76); TJ 22/11/1978 (33/78); TJ 22/2/1979 (133/78); TJ 8
' TJ 4/9/2014 ( 157/13).
15/11/1983 (288/82); TJ 10/1/1990 (l 15/88); TJ 19/1/1993 (89/91 ); TJ 9/1/1997 (383/95), n. 0 9
1 TJ 16/7/2020 (73/19).
13; TJ 20/3/1997 (295/95). 10
14 A Dinamarca notificou a Comissão Europeia da decisão de aplicar o Reg. 542/2014: JO
TJ 23/10/2014 (302/13); sobre o âmbito de aplicação material do Reg. 1215/2012, cf. TJ
19/4/2012 213/1 O); TJ 12/9/2013 (49/12); TJ 28/2/2019 (579/17). 177
176 L 240, de 13/8/2014.
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo IV. Aferição da Competência Internacional

Estado do foro verificar se o tribunal também é competente para as demais pretensões vendedor intentada ao abrigo de uma cláusula de reserva de propriedade
concorrentes 21 • Algo de semelhante vale para os pedidos alternativos se só um deles contra um comprador em situação de falência, mesmo quando o bem que
for abrangido pelo Reg. 1215/201222 • é objecto dessa cláusula se encontra no EM de abertura do processo de
insolvência no momento da abertura desse processo contra o referido
1.2, Delimitação negativa
comprador3 1; do mesmo modo, também não cabe na exclusão a acção
O Reg. 1215/2012 não abrange: que tem por objecto um pedido de indemnização por responsabilidade
A responsabilidade do Estado por actos ou omissões no exercício. da extracontratual, intentada pelo administrador da insolvência no âmbito
autoridade do Estado (acta iure imperil) (art. l.º, n.º l 2.ª parte); assim, de um processo de insolvência e cujos ganhos, em caso de procedência,
não cabe no âmbito de aplicação material do Reg. 1215/2012 a acção de revertem para o conjunto dos credores32 ;
indemnização intentada num EM (Grécia), pelos sucessores das vítimas A segurança social (art. l.º, n. 0 2, al. c))J 3 ; só se excluem do âmbito de
de massacres de guerra, contra outro EM (Alemanha), devido à actuação aplicação do Reg. 1215/2012 os diferendos decorrentes das relações entre
das suas Forças Armadas durante a Segunda Guerra MundiaP; em a administração pública e as entidades patronais ou os trabalhadores 34;
contrapartida, os acta iure gestionis ou os actos exercidos sem prerrogativas As obrigações de alimentos decorrentes de uma relação familiar, parentesco,
de poder público cabem no âmbito de aplicação do Reg. 1215/2012 24 ; casamento, afinidade ou óbito (art. l.º, n.º 2, ai. e) e f)); estas matérias são
As matérias fiscais, aduaneiras 25 e administrativas2~ (art. l .º, n.º 1 2.ª parte); abrangidas pelo Reg. 4/2009 (art. 76.º, § 3. 0 , Reg. 4/2009); obrigações de
O estado e a capacidade das pessoas singulares, os regimes de bens do alimentos com outras fontes não estão excluídas do âmbito de aplicação de
casamentd7 (agora abrangidos pelo regime do Reg. 2016/1103) e as Reg. 1215/2012;
relações que, de acordo com a lei que lhes seja aplicável segundo as Os testamentos e sucessões, incluindo as obrigações de alimentos
regras de conflitos do Estado do foro, produzam efeitos comparáveis ao resultantes do óbito (art. I.º, n.º 2, ai. f)); algumas destas matérias são
casamento (art. l.º, n.º 2, ai. a)); é o caso, por exemplo, do pacte civil de
reguladas pelo Reg. 650/2012.
solidarité (PACS) francês e da eingetragene Lebenspartnerschaft alemã;
em contrapartida, o Reg. 1215/2012 é aplicável a uma acção que tem por 1.3. Processos arbitrais
objecto um pedido de dissolução das relações patrimoniais decorrentes de (a) (i) O Reg. 1215/2012 não é aplicável à arbitragem (art. l. 0 , n.º 2, ai. d))35.
uma união de facto não registada2s; Assim, o Reg. 1215/2012 não se aplica nem às acções ou processos conexos relativos,
As falências, as concordatas e os processos análogos (art. l.º, n.º 2, al.
nomeadamente, à criação de um tribunal arbitral, aos poderes dos árbitros, à condução
b)) 29 ; estes processos devem ser entendidos na acepção do art. l.º, n.º
do processo arbitral ou a quaisquer outros aspectos desse processo, nem a acções ou
l, Reg. 2015/848, só ficando excluídos do âmbito de aplicação do Reg.
30 decisões em matéria de anulação, revisão, recurso, reconhecimento ou execução de
1215/2012 aqueles processos que caibam no âmbito do Reg. 2015/848 ;
sentenças arbitrais (consid. (12) § 4. 0 ). Isto não obsta, no entanto, a que os tribunais
assim, por a acção não ter uma conexão suficientemente directa e estreita
de um EM possam remeter as partes para a arbitragem, suspender ou extinguir o
com O processo de insolvência, a exclusão não abrange uma acção de um
processo ou examinar se a convenção de arbitragem é nula, ineficaz ou insusceptível
de aplicação (consid. (12) § l.º; art. 73.º, n. 0 2). Portanto, o tribunal que é competente
segundo o Reg, 1215/2012 tem também competência para apreciar a convenção
li RAUSCHER, EuZPR-EuIPR (2015)/MANKOWSKI, Brüssel Ia-VO Art 1, 44. de arbitragem e para, segundo a apreciação que realize, confirmar ou negar a sua
22R.AusCHER, EuZPR-EuIPR (2015)/MANKOWSKI, Brüssel Ia.VO Art 1, 45. competência.
13 TJ 15/2/2007 (292/05); TJ 15/l 1/2018 (308/17).

i•TJ 7/5/2020 (641/18).


25
Cf. TJ 15/5/2003 (266/01).
:uscf. TJ 14/10/1976 {29/76); TJ 3/10/2013 (386/12).
11cf. TJ 27/3/1979 (143/78); na jurisprudência portuguesa, cf. RL 24/5/2018 1
i TJ 10/9/2009 (292/08).
32
(27 .881 /15 .OT8LSB-A.L 1-6). TJ 6/2/2019 (535/17).
3
2
8TJ 6/6/2019 (361/18). J Cf. TJ 14/11/2002 (271/00).
34
29Cf. TJ 12/2/2009 (339/07); TJ 2n/2009 (111/08); TJ 10/9/2009 (292/08); TJ 2/7/2009 JENARD, Relatório sobre a Convenção relativa à competência judiciária e à execução de
(111/08); TJ 6/6/2018 (250/17). decisões em matéria civil e comercial (JO C 189, de 28/7/1990), ! 33.
178 .1ocf. TJ 18/9/2019 (47/18). 35
Sobre o problema, cf., p. ex., HESS, EuZPR (2021), 333 ss . 179
J. de Castro Mendes / M. Teixeira de Sousa Parte 1- Processo Declarativo IV. Aferição da Competência Internacional

(ií) Apesar de o Reg. 44/2001 não se aplicar à arbitragem (art. l.º, n.º 2, ai. d), 2. Âmbito espacial
Reg. 44/2001), foi entendido que a prolação, por um tribunal de um EM de uma 2.1. Competência internacional
injunção destinada a proibir uma pessoa de intentar ou prosseguir uma acçã~ judicial
nos tribunais de outro EM (anti-suit üljunction ), com o fundamento de que essa acção (a) As regras sobre a detenninação da competência segundo o Reg. 1215/2001
é contrária a uma convenção de arbitragem, é incompatível com o Reg. 44/200136. só são aplicáveis, em princípio, quando o demandado tiver o seu domicílio ou sede
Esta incompatibilidade decorre da circunstância de não ser conciliável com o Reg. no território de um EM (art. 6.º, n. 0 1). Mas, quando o litígio apresentar um elemento
44/2001 retirar aos tribunais dos EMs a Kompetenz-Kompetenz3 7 • de estraneidade e entrar no âmbito de aplicação material do Reg. 1215/2012, se o
A perspectiva do Reg. 1215/2012 parece ser distinta num aspecto essencial: 0 demandado tiver o seu domicílio no território de um EM, as regras de competêncía
primado_que é concedido à CNiorque sobre o Reg. 1215/2012 (art. 73.º, n.º 2) impõe previstas no Reg. 1215/2012 devem, em princípio, ser aplicadas e prevalecer sobre as
regras nacionais de competência41 •
que o tnbunal competente segundo o Reg. 1215/2012 deixe de ser o único a poder
controlar a validade e aplicabilidade da convenção de arbitragem e, acima de tudo, Se o demandado não tiver domicilio num EM, em regra o Reg. 1215/2012 não
deixe de poder desconhecer a validade e aplicabilidade de uma tal convenção no é aplicável. Há, no entanto, algumas excepções - justificadas pela necessidade de
espaço europeu. Este primado justifica que uma decisão que tenha considerado que assegurar a protecção de consumidores e trabalhadores, salvaguardar a competência
a convenção de arbitragem é nula, ineficaz ou inaplicável e que, por isso, se tenha exclusiva e respeitar a autonomia das partes (cf. consid. (14) § 2. 0 ) - em matéria de
pronunciado sobre o mérito da causa não seja reconhecida noutro Estado se neste tiver contratos de consumo (art. 18.º, n. 0 l) e de contratos individuais de trabalho (art. 21.º,
sido proferida uma decisão que considera aquela convenção válida, eficaz e aplicável n.º 2), bem como na área da competência exclusiva (art. 24.º), dos pactos de jurisdição
(art. 45.º, n.º 1, ai. c); consid. (12) § 3. 0 !." parte), bem como se no Estado requerido (art. 25.º, n.º 1) e da competência do TUP e do TJBenelux (art. 7I.º-B, n.º 2 e 3).
puder ~er reconhecida (nomeadamente segundo a CNJorque) uma decisão arbitral que (b) (i) Se o demandado tiver o seu domicilio num Estado terceiro e não se
tenha Julgado que a convenção é válida, eficaz e aplicável (art. 45.º, n.º l, ai. d); aplicar o Reg. 1215/2012, qualquer pessoa domiciliada num EM pode invocar
consid. (12) § 3.º 2.ª parte). contra o requerido as regras em vigor no Estado do foro, mesmo as respeitantes a
(b) O TJ. considerou que, diferente da situação analisada, é a aquela que respeita competências exorbitantes (art. 6.º, n.º 2). Isto significa que o Reg. 1215/2012 mantém
ao reconhecimento e execução, por parte de um órgão jurisdicional de um EM, de a distinção - que já se encontrava na CBrux - entre demandados com domicílio num
uma s~ntença arbitral que decreta uma injunção que obriga uma parte num processo EM e demandados com domicílio num Estado terceiro: enquanto aos primeiros só
de arbitragem a reduzir o alcance dos pedidos fonnulados no âmbito de um processo são aplicáveis as regras constantes do Reg. 1215/2012, aos segundos são aplicáveis,
num órgão jurisdicional desse mesmo EM 3ij. Entende o TJ que, no âmbito do processo apenas com algumas excepções, as regras internas ou convencionais do Estado do
de reconhecimento e de execução daquela sentença arbitral, não só essa parte pode foro, mesmo que este seja um EM do Reg. 1215/2012. Em concreto: se o demandado
opor-se a esse reconhecimento e a essa execução, como também o órgão jurisdicional tiver o seu domicilio num Estado terceiro, o Reg. 1215/2012 não é, em princípío,
que_ é chamado a prommciar-se deve detenninar, com base no direito processual aplicável.
nac10nal e no direito internacional aplicáveis, se essa sentença deve ser reconhecida (ii) Apesar de o Reg. 1215/2012 não ser aplicável quando o demandado não
ou executada39 • Nestes tennos, há que concluir que o Reg. 1215/2012 não se opõe a tenha domicílio num EM, importa referir que, segundo uma opinião emitida pelo
que um órgão jurisdicional de um EM reconheça e execute, ou recuse reconhecer e TJ, se deve entender que, tendo em conta o carácter global e coerente do sistema
executar, uma sentença arbitral que proíbe uma parte de apresentar certos pedidos das regras de conflito de competências que é instituído pelo Reg. 1215/2012, este
num órgão jurisdicional desse EM4 º. instrumento europeu regula a situação por referência à legislação do EM cujo tribunal
é chamado a pronunciar-se de acordo com o seu direito intemo 42 • Na perspectiva do
Reg. 1215/2012, não se trata, por isso, de uma exclusão de regulamentação, mas antes
de uma remissão para os regimes internos dos EMs.

3
~TJ 10/2/2009 (185/07), Rev. Int. Arb. Cone. 2 (2009), 191 ss. (anot. TEIXEIRA DE SOUSA).
11
Sobre a proibição das anti-suit injunctions, cf. também TJ 27/4/2004 (159/02)· sobre a
matéria, cf. HEss, EuZPR (2021), 334 s. '
38
TJ 13/5/2015 (536/13), n.º 35.
41
39
TJ 13/5/2015 (536/13), n.º 38. TJ l9/l2/20I3 (9/12), n.º 22.
42
180 4<1TJ 13/5/2015 (536/13), n.º 44. TJ 7/2/2006 (Par. I/03). 181
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte l · Processo Declarativo IY. Aferição da Competência Internacional

2.2. Domicílio do demandado proferidas por tribunais cuja competência não foi aferida por aquele instrumento
europeu.
A determinação do domicílio ou sede do demandado faz-se da seguinte forma:
O juiz da causa aplica a sua lei interna para determinar se uma parte tem 3. Âmbito temporal
domicílio no seu próprio Estado (art. 62. 0 , n. 0 I) e aplica a lei interna de um
outro Estado para determinar se a parte tem domicílio nesse Estado (art. 3.1. Competência internacional
62.°, n. 0 2); A generalidade das disposições do Reg. 1215/2001 é aplicável a partir de 10/1/2015
As sociedades e pessoas colectivas têm domicílio no lugar em que tiverem (art. 81.º). As disposições relativas à competência internacional são aplicáveis às
a sua sede social, a sua administração central ou o seu estabelecimento acções judiciais instauradas após essa data (art. 66.º, n.º l ).
principal (art. 63.º, n.º l ); importa referir que as sociedades que tenham sua
3.2. Reconhecimento e execução
sede social, a sua administração central ou o seu estabelecimento principal
na UE são equiparadas, quanto ao direito de estabelecimento, às pessoas A aplicação no tempo das disposições do Reg. 1215/20 12 relativas ao reconhecimento
singulares (art. 54. 0 , § 1.0 , TFUE). e execução de decisões rege-se pela seguinte regra: o Reg. 44/2001 continua a aplicar-se
às decisões proferidas em acções judiciais intentadas, aos instrumentos autênticos
2.3. Carácter transfronteiriço
formalmente redigidos ou registados e às transacções judiciais aprovadas ou celebradas
(a) O Reg. 1215/2012 é aplicável sempre que o demandado tenha o seu domicílio antes de 10/1/2015 (art. 66. 0 , n. 0 2).
num dos EMs, não sendo necessário que o elemento de estraneidade da acção resulte de
uma conexão com um outro daqueles Estados 43 • Assim, o Reg. 1215/2012 é aplicável 4. Competência territorial
quando for intentada uma acção contra um nacional de um outro EM cujo domicílio Alguns preceitos do Reg. 1215/2012 são dotados de uma dupla frmcionalidade, dado
é desconhecido44 , ainda que o órgão jurisdicional ao qual o processo foi submetido que aferem simultaneamente o tribunal internacional e territorialmente competente:
disponha de indícios de prova que lhe permitam concluir que o referido demandado é o caso dos art. 7.º, 12.º, 13.º, 18.º, n.º l, e 21.º, al. b). A generalidade dos preceitos
está efectivamente domiciliado fora do território da UE45 • O carácter transfronteiriço do Reg. 1215/2012 limita-se, no entanto, a atribuir a competência internacional aos
do litígio também pode resultar de uma conexão com um Estado terceiro, seja porque tribunais de um EM: é o que sucede, por exemplo, com o critério geral do art. 4.º,
o demandante tem o seu domicílio num desses Estados46, seja porque a casa de férias n. 0 1, com os critérios determinativos da competência exclusiva do art. 24.º e com a
arrendada se situa num daqueles Estados 47 • competência convencional regulada no art. 25.º, n.º L Neste caso, há que proceder à
(b) A circunstância de o réu ter o seu domicílio num Estado terceiro nem sempre determinação do tribunal territorialmente competente, havendo, para isso, que fazer
constitui impedimento à aplicação do Reg. 1215/2012. Mas há situações em que o as seguintes operações:
domicílio num EM é necessário: nos casos referidos no art. 7 .º e, em geral, no art. 8. º Procura-se nos art. 70. 0 a 82.º CPC e no art. 14.º CPT se, em função do objecto
é indispensável que o réu tenha o seu domicílio num EM. da causa, é possível atribuir competência territorial a um tribunal português;
Se de nenhum desses preceitos resultar a atribuição de competência
2.4. Reconhecimento e execução
territorial a um tribunal português, há que determinar o tribunal competente
O Reg. 1215/2012 é aplicável ao reconhecimento e execução de quaisquer decisões de acordo com os critérios estabelecidos no art. 80.0 , n. 0 3, CPC.
proferidas num dos EMs (art. 2. 0 , al. a)). Como, em regra, as normas relativas à
competência internacional que constam do Reg. 1215/2012 só são aplicáveis se o réu 5. Âmbito derrogatório
tiver domicílio num dos EMs (art. 6. 0 , n. 0 1), isso significa que o regime previsto no 5.1. Regime geral
Reg. 1215/2012 para o reconhecimento e a execução também é aplicável a decisões
O Reg. 1215/2012 substitui várias convenções celebradas entre os EMs (art. 69. 0 )4\
excepto no que se refere a matérias que não são abrangidas por aquele regulamento

43
Cf. TJ 1317/2000 (412/98), n.º 61; TJ 1/3/2005 (281/02).
4'TJ 17/ll/2011 (327/10).
45
TJ 15/3/2012 (292/10). ''Cf. Informações referidas no artigo 76.° do Regulamento (EU) n.º 1215/2012 do
46TJ 1317/2000 (412/98). Parlamento Europeu e do Conselho relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à
47
182 TJ l/3/2005 (281/02), n." 29 ss. execução de decisões em matéria civil e comercial (JO C 4, de 9/l/2015). 183
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte l - Processo Declarativo IV. Aferição da Competência Internacional

(art. 70.°, n.º 1)49 • Em especíal, o Reg. 1215/2012 substitui entre os EMs a CBrux, esses demandados não podem ser aplicadas quaísquer outras regras,
excepto no que se refere aos territórios desses Estados que são abrangidos pelo âmbito nomeadamente aquelas que, nos direitos nacionais dos EMs, estabelecem
de aplicação territorial da CBrux, mas que estão excluídos do âmbito de aplicação do competências exorbitantes (art. 5.º, n.º 2)52 •
Reg. 1215/2012 (art. 68.º, n.º 1).
2.2. Forum non conveniens
5.2. Regime especial O Reg. 1215/2012 não consagra a doutrina doforum non conveniens, ísto é, não
O Reg. 1215/2012 não prejudica as convenções em que os EMs são partes e que, admíte que um tribunal se possa considerar incompetente por entender que um outro
em matérias especiais, regulem a competência judiciária, o reconhecimento ou a tribunal se encontra mais bem colocado para resolver o lítígio 53 • Assim, um tribunal
execução de decisões (art. 7I.0 , n. 0 1, e 72.º; cf. consid. (35) e (36)). No entanto, o TJ competente nos termos do art. 4.º, n. 0 1, não pode declinar essa competência por
definiu que as regras constantes de convenções internacionais só são aplicáveis desde considerar que um órgão jurisdicional de um Estado·-· mesmo terceiro - é um foro
que ofereçam um elevado nível de certeza jurídica, facilitem a boa administração da mais adequado para conhecer do litígio em causa54 • Em todo o caso, o Reg. 1215/2012
justiça e permitam reduzir ao mínimo o risco de processos concorrentes e assegurem, admite uma aproximação à doutrina do forum non conveniens: no caso de se encontrar
em condições pelo menos tão favoráveis como as previstas nos regulamentos europeus, proposta uma outra acção num país terceiro, o tribunal do EM pode suspender a
a livre circulação das decisões em matéria civil e comercial e a confiança recíproca na instância se considerar que tal é necessárío para a correcta administração da justiça
administração da justiça no seio da UEso. (art. 33.º, n.º 1, al. b), e 34.º~ aL c)).

III. Critério geral 3. Domicílio extraeuropeu


Na situação em que o demandado não tem domicílio num EM observam·se as
1. Generalidades
seguintes regras:
O Reg. 1215/2012 afere a competência de forma distinta consoante o réu tenha A competência é regulada, em princípio, pela lei interna do Estado do
domicílio num dos EMs ou resida fora de qualquer desses Estados. foro, sem prejuízo das situações em que não seja exigido que o requerido
tenha domicílio num EM (art. 6. 0 , n. 0 1), isto é, sem prejuízo da aplicação
2. Domicílio intraeuropeu das regras relativas à competência em matéria de contratos de consumo
2.1. Aplicação do regime (art 18.º, n.º l) e indíviduais de trabalho (art 2I.º, n. 0 2), à competência
exclusiva (art. 24.º) e à competêncía convencional (art. 25.º); como se
Na hipótese de o réu ter domicílio num dos EMs, a competência afere.se segundo
refere no consíd. (14), estas excepções são justificadas pela necessidade
as seguintes regras:
de assegurar a protecção de consumidores e trabalhadores, de salvaguardar
O réu domiciliado num desses Estados deve ser demandado,
a competência dos tribunais dos EMs em situações em relação às quais
independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais do Estado do seu
têm competência exclusiva e ainda de respeitar a autonomia das partes;
domicílio (art. 4.º, n.º l); consagra•se, assim, o princípio actor sequitur
o domicílio do demandado num EM também é dispensado, em certas
Jorum rei, mesmo que - note·se - o autor tenha domicílio num Estado
circunstâncias, nas acções da competência do TUP e do TJBenelux (art.
terceiro 51 ; a circunstância de o réu não ser nacional do Estado do seu
7I. 0 -B, n. 0 2 e 3);
domicílio não impede a aplicação da regra do domicílio do réu (art. 4.º, n.º
l e 2), sendo igualmente irrelevante a nacionalidade do autor; Contra um demandado com domicílio num Estado terceiro podem ser
As pessoas domiciliadas no território de um EM podem ser demandadas invocadas quaisquer regras de competêncía vigentes na ordem interna do
perante os tribunais de um outro Estado se tal resultar de uma
competêncía especíal ou de um pacto de jurisdição (art. 5.0 , n.º l); contra

52 Sobre estas competências, cf. Infonnações referidas no artigo 76.º do Regulamento (EU)
n.º 1215/2012 (JO e 4, de 9/l/2015).
49
Cf. TJ 14/07/1977 (9 e 10/77). 53 TJ 1/3/2005 (281/02), n.º 37 ss.; em sentido algo critico, LIMA PINHEIRO, DIP III/! (2019),
50Sobre a matéria, cf. TJ 4/5/2010 (533/08). 109.
184 i1r113/7/2000 (412/98). 54
TJ 1/3/2005 (281/02). 185
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I Processo Declarativo IY. Aferição da Competência Internacional

Estado do foro, mesmo que elas sejam consideradas exorbitantes e não O art. 7. 0 , n. 0 1, é aplicável às acções relatívas ao cumprimento do contrato, ainda
possam ser invocadas contra demandados com domicílio num dos EMs que a existência do contrato seja controversa, às acções respeitantes à validade e à
(art. 6. 0 , n.º 2). eficácia do contrato57 e ainda às acções relativas à modificação e ao termo do contrato.
A matéria contratual deve ser interpretada autonomamente·' 8• Assim, por exemplo,
IV. Critérios especiais o art. 7.º, n.º 1, é aplicável: à obrigação relativa à contribuição pecuniária devida a
uma associação pelos seus membros59; à acção que tem por objecto uma obrigação
1. Generalidades de pagamento decorrente de uma decisão da assembleia geral de condóminos de um
1.1. Carácter concorrente imóvel constituído em propriedade horizontal desprovida de personalidade jurídica60 ;
à acção que visa impedir a revogação de um contrato de agência comercial e que se
O réu que seja domiciliado num EM pode ser demandado nos tribW1ais de um outro destina a obter o pagamento das provisões devidas pelo cumprimento do referido
Estado se relevar um dos factores de conexão enunciados nos art. 7.º a 26. 0 (art. 5.º, n.º contrato61 ; à acção (pauliana) pela qual o titular de um direito de crédito decorrente
1). A competência que é fixada através de um critério especial concorre com aquela
de um contrato pede que seja declarado ineficaz a seu respeito o acto, pretensamente
que é detenninada pelo critério geral do domicílio do réu (art. 4.º, n.º !), de modo que
praticado em prejuízo dos seus direitos, através do qual o seu devedor cedeu um bem
o autor pode escolher qualquer dos tribunais cuja competência seja determinada pela
a um terceiro 62 ; à acção através da qual um consumidor pretende obter a condenação,
aplicação dos referidos critérios, gerais ou especiais (art. 5.0 , n. 0 1). Isto significa que
ao abrigo da legislação do EM em cujo território reside, de uma sociedade de vendas
os critérios especiais são concorrentes com o critério geral.
por correspondência, cuja sede se situa noutro EM, na entrega de um prémio que
1.2. Enunciado geral aparentemente ganhou6'; à acção em que é alegada a violação de um contrato de não
No âmbito das competências especiais, o Reg. 1215/2012 contém as seguintes concorrência64 ; à acção de uma sociedade contra o seu antigo administrador com
fundamento num pretenso incumprimento das obrigações que lhe incumbiam por
disposições:
Nonnas avulsas sobre várias competências especiais (art. 7.º a 9.º); força do direito das sociedades65; às acções relativas aos direitos fixos e Wliformizados
Uma norma remissiva concernente à competência para o proferimento de respeitantes à indemnização e à assistência aos passageiros dos transportes aéreos em
medidas provisórias e cautelares (art. 35.º); caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável de voos 66; à
Normas que visam proteger a parte mais fraca por meio de regras de acção para cobrança de uma taxa resultante de um contrato relativo ao estacionamento
competência mais favoráveis aos seus interesses do que a regra geral; estas num lugar demarcado na via pública67 • A "matéria contratual" abrange igualmente a
normas referem-se à competência em matéria de seguros (art. l0. 0 a 16.º), ruptura abrupta de relações comerciais68 e, através de uma interpretação extensiva, os
de contratos de consumo (art. 17.º a 19.0 ) e de contratos individuais de negócios unilaterais69 .
trabalho (art. 20. 0 a 23.º).

2. Matéria contratual
57
TJ 20/4/2016 (366/13).
2.1. Âmbito de aplicação 58
Cf. TJ 8/3/1988 (9/87); TJ 18/6/1992 (26/91).
(a) Em matéria contratual é competente o tribunal do lugar onde a obrigação foi 9
' TJ 22/3/1983 (34/82).

ou devia ser cumprida (art. 7.0 , n.º 1, ai. a)) 55 • A matéria contratual refere-se apenas a WTJ 8/5/2019 (25/18).
OI TJ 8/3/1988 (9/87).
obrigações assumidas de forma voluntária, pelo que não cabe no âmbito de aplicação
61
do art. 7.º, n.º l, ai. a), a responsabilidade por culpa in contrahendo 56• TJ 4/10/2018 (337/17).
63
TJ 20/01/2005 (27/02).
1,,1TJ 13/3/2014 (548/12).
5
' TJ 10/9/2015 (47/14).
51 Cf., p. ex., MouRA RAMos, Ess. von Mehren (2002), 210 s.; na jurisprudência, 66
TJ 7/11/2019 (213/18); TJ 26/3/2020 (215/18).
07
cf. STJ 18/6/2003 (03B1626); STJ 29/4/2010 (622/081TVPRT.Pl.Sl); RL 14/12/2010 TJ 25/3/2021 (307/19).
8
(985/09.JTVLSB.Ll-7); RG 25/11/2013 (2696/09.9TBBCL.Gl). " TJ 141712016(196/15).

56 69 RAUSCHER, EuZPR-EuIPR (2015)/LEIBLE, Brüssel fa-VO Art 7, 31; sobre as condições


TJ 17/9/2002 (334/00); também não está abrangida na matéria contratual a obrigação que
é imposta a uma pessoa por uma legíslação nacional e que implica a responsabilidade pelas nas quais o pagamento das quotas anuais a uma ordem ou câmara de advogados pode ser
186 dívidas de uma sociedade que a mesma controla: TJ 17/10/2013 (519/12). subsumível à matéria contratual, cf. TJ 5/12/2019 (421/18). 187
Parte I Processo Declarativo IV: Aferição da Competência Internacional
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa

(b) Em contrapartida, a noção de matéria contratual não compreende a obrigação pactos de jurisdição76 • Exceptua-se a hipótese de a convenção se destinar realmente a
cujo cumprimento o fiador, que, por força de um contrato de garantia celebrado definir o tribunal competente, caso em que deve observar as condições estabelecidas
com o transitário, pagou os direitos aduaneiros, pede em juízo, em sub-rogação da naquele preceito77 •
administração fiscal e em via de regresso contra o terceiro devedor, proprietário da (b) Na aplicação da regra material estabelecida no art. 7. 0 , n.º l, ai. b), há que
mercadoria importada, se este último, que não é parte no contrato de fiança, não tiver consíderar as seguintes adaptações:
Na hipótese de várias prestações deverem ser realizadas em vários EMs
autorizado a celebração do referido contrato7°.
é competente o tribunal do lugar onde deve ser realizada a prestaçã~
2.2. Regime europeu principaF 8;
- Em caso de pluralidade de lugares de entrega do bem num mesmo EM,
(a) (i) Para a determinação do lugar do cumprimento da obrigação, há que atender
o tribunal competente para conhecer de todos os pedidos baseados no
à obrigação contratual que constitui o fundamento da acção judicial. No caso da venda
contrato de compra e venda é o tribunal em cuja jurisdição territorial se
de bens e da prestação de serviços7 1, o lugar do cumprimento é determinado por uma
situa o lugar da entrega principal, que deve ser determinado em função de
regra material segundo a qual releva o lugar no qual, nos termos do contrato, os bens
0 critérios económicos; na falta de factores determinantes para definir o lugar
foram ou deviam ser entregues ou os serviços foram ou deviam ser prestados (art. 7. ,
da entrega principal, o autor pode demandar o réu no tribunal do lugar de
n.º 1, ai. b)) 72 • Assim, por exemplo, de acordo com o referido critério autónomo:
entrega da sua escolha79 •
Em caso de venda à distância, o lugar onde as mercadorias foram ou devam
ser entregues por força do contrato deve ser determinado com fundamento 2,3. Regime nacional
nas disposições desse contrato73 ; se for impossível determinar o lugar de (a)A regra material que consta do art. 7.º, n.º l, ai. b), não é aplicável quer quando
entrega com esse fundamento, sem fazer referência ao direito material o contrato não for nem de compra e venda, nem de prestação de serviços, quer
aplicável ao contrato, esse lugar é o da entrega material dos bens no destino quando, apesar de o ser, o lugar do seu cumprimento se situar num Estado terceiro.
final da operação de venda 74; Então, conforme resulta do disposto no art. 7. 0 , n.º 1, ai. c), o lugar de cumprimento
No caso de transporte aéreo de pessoas de um EM com destino a outro EM, da obrigação é determinado pelas normas de conflitos do Estado do foro, incluindo
realizado com base num contrato celebrado com uma única companhia aquelas que constam de convenções internacionais (art. 7 .º, n.º 1, ai. a))8º. Por exemplo:
aérea, o tribunal competente para conhecer de um pedido de indemnização no caso de uma acção de pagamento, intentada pelo fornecedor contra o seu cliente e
baseado nesse contrato de transporte é aquele, à escolha do requerente, em resultante de um contrato de empreitada com fornecimento, o local de cumprimento
cujo foro se situa o lugar de partida ou o lugar de chegada do avião, tal da obrigação de pagamento do preço deve ser determinado em conformidade com o
como esses lugares são estipulados no referido contrato75 • direito material que regula a obrigação em litígio de acordo com as normas de conflito
(ii) A convenção pela qual as partes determinam o lugar de cumprimento da do foro 81 •
obrigação não tem de observar os requisitos exigidos pelo art. 25.°, n.º 1, para os (b) A regra de competência em matéria contratual emmciada no art. 7.º, n.º I, não
pode ser aplicada se o lugar de cumprimento da obrigação que serve de fundamento
à acção judicial não puder ser determinado, em virtude de a obrigação contratual
'ºTJ 5/2/2004 (265/02).
controvertida consistir numa obrigação de não fazer que não inclui qualquer limitação
1' Incluindo no contrato de prestação de serviços o contrato de armazenamento de geográfica e que se caracteriza, portanto, por uma multiplicidade dos locais onde
mercadorias, cf. TJ 14/11/2013 (469/12); entendendo o mesmo quanto ao contrato de concessão,
cf. TJ 19/12/2013 (9/12); excluindo do contrato de prestação de serviços o contrato mediante o
qual o titular de um direito de propriedade intelectual concede ao seu co-contratante a faculdade 76
de explorar tal direito em contrapartida do pagamento de uma remuneração, cf. TJ 23/4/2009 TJ 17/1/1980 (56/79); RAUSCHER, EuZPR-EuIPR (2015)/LEIBLE, Brüsse! Ia-VO Art 7, 53.
11
TJ 20/2/1997 (106/95).
(533/07). 71
nNa jurisprudência, cf. TJ 3/5/2007 (386/05); TJ 11/7/2018 (88/17); sobre a noção TJ ll/3/2010(19/09).
de contrato compra e venda, cf. TJ 25/2/2010 (381/08), Dir. 142 (2010), 371 (anot. MATIAS nr1 3/5/2007 (386/05).
00 Entendendo que este preceito contém uma "regra supletiva" (Auffengregel), cf.
FERNA.."IDEs); na jurisprudência portuguesa, cf. STJ 14/12/2017 (143378/15.0YIPRT.G 1.S 1).
73 TJ 9/6/2011 (87/10).
KROPHOLLERIVON HEIN, EuZPR (2011 ), Art. 5 EuGVO, 28; na jurisprudência, cf. TJ 29/6/1994
14 TJ 25/2/201 O (381/08).
(288/92); TJ 28/9/1999 (440/97).
SI TJ 29/6/J 994 (288/92). 189
7'TJ 9/7/2009 (204/08).
188
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo IV. Aferição da Competência Internacional

foi ou devia ser cumprida: neste caso, a competência só pode ser determinada por 3.2. Lugar do facto danoso
aplicação do critério geral de competência previsto no art. 4.º, n. 0 182 •
(a) Como lugar do dano só é relevante aquele em que o demandado, e não um
3. Matéria extracontratual terceiro, tenha alegadamente praticado o facto que lhe é imputado 93 • Ainda assim,
o lugar onde se verificou o facto danoso pode ser muito variado. Deste modo, por
3.1. Âmbito de aplicação exemplo, esse lugar é o domicílio do investidor num produto financeiro, quando o
(a) Nas acções relativas a matéria extracontratual, o réu pode ser demandado no dano consistiu num prejuízo financeiro que se produziu directamente numa conta
tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso (art. 7. 0 , n.º 2)83. O bancária desse investidor num banco estabelecido na área desse domicílío 94 , o lugar da
regime é aplicável à acção de declaração negativa na qual se requer que seja declarada celebração de um acordo anticoncorrencial ou o lugar onde os preços predatórios foram
a inexistência de responsabilidade extracontratual84, mesmo que aquela possa ser propostos e aplicados 95 , o lugar onde o dano inicial surgiu devido à utilização nonnal
qualificada como uma "acção torpedo" 85 • Indispensável é que exista um elemento de do produto para os fins a que se destina% ou, quando for alegada a responsabilidade
conexão particularmente estreito entre o litígio e o tribunal do lugar onde ocorreu o de um fabricante por um produto defeituoso, o lugar em que o produto em questão foi
facto danoso 86• fabricado 97 • No entanto, quando alguns veículos tenham sido ilegalmente equipados
(b) A matéria extracontratual constitui um conceito que deve ser interpretado num EM pelo seu construtor com um programa informático que manipula os dados
autonomamente, cabendo nele tudo o que não se inclui no conceito de matéria relativos às emissões dos gases de escape antes de serem adquiridos a um terceiro
contratual do art. 7. 0 , n.º 1: o disposto no art. 4.º, n. 0 1, Reg. 864/2007 (Roma II) - noutro EM, o lugar da materialização do dano situa-se neste último EM 98 •
que se refere às obrigações extracontratuais decorrentes da responsabilidade fundada (b) (i) Se o lugar do facto danoso não coincidir com o lugar onde se produziu
em acto lícito, ilícito ou no risco - pode servir de ponto de referência. Assim, o art. ou poderá produzir o dano, a acção também pode ser instaurada no tribunal deste
7.º, n.º 2, é aplicável à acção em que se invoca a responsabilidade pré~contratual do
último99 . Assim, por exemplo:
demandado 87 , às acções inibitórias do uso ou recomendação de cláusulas contratuais
Violação de direitos da personalidade através da imprensa: o lesado pode
gerais propostas por associações de consumidores88, à acção baseada numa alegação
propor uma acção de indemnização pela violação do seu bom nome através
de abuso de posição dominante cometido em violação do direito da concorrência89, à
de uma notícia publicada num jornal, quer no Estado do domicílio do editor
acção em que é pedida a indemnização dos danos resultantes de uma acção colectiva
proposta por um sindicato90 , à acção intentada por um credor de uma sociedade da publicação, quer em cada um dos Estados nos quais a publicação foi
anónima destinada a responsabilizar pelas dívidas dessa sociedade, por um lado, um difundida, mas, nesta última hipótese, só pode pedir a indemnização dos
membro do seu conselho de administração e, por outro, um accionista da mesma danos sofridos no Estado do fororn°;
sociedade91 e ainda à acção destinada a obter uma "compensação equitativa" no Violação de direitos da personalidade através da lntemet1º1: em caso de
âmbito do direito de autor e dos direitos conexos"". alegada violação dos direitos de personalidade através de conteúdos

93 TJ 16/5/2013 (228/11).
SlTJ 19/2/2002 (256/00).
a3Cf. TJ 5/2/2004 (18/02); TJ 10/6/2004 (168/02); TJ 16/7/2009 (189/08); STJ 3/3/2005 94
TJ 12/9/2018 (304/17).
(058316), sobre a problemática da provocação de um dano num EM pelo próprio autor, de molde OlIJ 5/7/2018 (27/17); TJ 29/7/2019 (45J/18).
a possibilitar a propositura da acção nesse Estado, cf. KLóPFER, Missbrauch im Europãischen %IJ 16/7/2009 (189/08).
97
Zivilverfahrensrecht (2016), 331 ss. TJ 16/1/2014 (45/13).
64 ""TJ 9/7/2020 (343/18).
TJ 25/10/2012 (133/11).
85
SuJECKI, EuZW 2012, 952. 99 Cf. TJ 30/11/1976 (21/76).
86 TJ 5/6/2014 (360/12); TJ 10/9/2015 (47/14); TJ 16/6/2016 (12/15). IOúTJ 7/3/1995 (68/93).
81 TJ 17/9/2002 (334/00); cf. BEIITOLI, Rdipp 39 (2003), 109 ss. '"'Cf. TJ 17/6/2021 (800/19): O art. 7. 0 , n. 0 2, "deve ser interpretado no sentido de que
SBTJ 1/10/2002 (167/00). o tribuna! do lugar onde se encontra o centro de interesses de uma pessoa que alega que os
9
S TJ 24/1 l/2020 (59/19); TJ 15/7/2021 (30/20). seus direitos de personalidade foram violados por um conteúdo colocado em linha num sítio
'>OTJ 5/2/2004 (18/02). Internet só é competente para conhecer. a título da totalidade do dano alegado, de uma ação de
91 TJ 18/7/2013 (147/12). indemnização intentada por essa pessoa se esse conteúdo tiver elementos objetivos e verificáveis
190 91
TJ 21/4/2016 (572/14). que pennitam identificar, direta ou indiretamente, a referida pessoa enquanto indivíduo". 191
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa
Parte I - Processo Declarativo IV Aferição da Competência Internacional

colocados em linha num sítio na Internet, a pessoa que se considerar lesada


jurisdicional para conhecer de uma acção de responsabilidade com base
pode intentar uma acção fundada em responsabilidade pela totalidade dos na lei nacional sobre concorrência desfeai, intentada contra uma pessoa
danos causados, quer nos tribunais do EM do lugar de estabelecimento estabelecida noutro EM e que alegadamente cometeu, neste último Estado,
da pessoa que emitiu esses conteúdos, quer nos tribunais do EM onde se um acto que provocou ou pode vir a provocar um dano na área de jurisdição
encontra o centro dos seus interesses (e onde, portanto, sofreu os danos do órgão jurisdicional chamado a decidir 1º6;
mais significativos); o autor pode igualmente, em vez de uma acção Violação de contrato de distribuição: numa acção de responsabilidade
fundada em responsabilidade pela totalidade dos danos causados, propor por violação da proibição de venda fora de uma rede de distribuição
a acção nos tribunais de cada EM em cujo território esteja ou tenha estado selectiva resultante da oferta, em sítios Internet que operam em diferentes
acessível um conteúdo em linha, mas estes são competentes para conhecer EMs, o lugar onde ocorreu o dano é o do território do EM que protege a
apenas do dano causado no território desse EM 1°'; referida proibição de venda através da acção em causa, desde que os factos
Violação de direitos de autor: (i) em caso de alegada violação dos direitos cometidos em outros EMs tenham provocado ou possam vir a provocar um
patrimoniais de autor garantidos por um EM, os tribunais deste Estado são dano alegado na área de jurisdição do tribunal chamado a decidirio7 •
competentes para conhecer de uma acção de responsabilidade intentada (ii) De alguma jurisprudência do TJ decorre que a escolha do autor nem sempre
pelo autor de uma obra contra uma sociedade estabelecida num outro EM é indiferente, quando os danos não se circunscrevem ao território de um EM. Se o
e que reproduziu neste a referida obra num suporte material que é vendido, autor não escolher o tribunal do domicílio ou sede do demandado (art. 4.°, n.º 1) ou,
em seguida, através de um sítio Internet, embora aqueles tribunais só sejam no caso de violação de direitos de personalidade através da Internet, os tribunais do
competentes para conhecer do dano causado no território do EM em que EM onde se situa o centro dos seus interesses e preferir utilizar o critério especial
se encontram 103 ; (ii) em caso de pluralidade de presumíveis autores de próprio da matéria extracontratual (art. 7. 0 , n.º 2), só pode obter, na acção proposta, a
um alegado dano aos direitos patrimoniais de autor protegidos num EM, indemnização correspondente aos danos sofridos no EM do foro.
o art. 7.º, n.º 2, pennite detenninar a competência do tribunal do lugar Além disso, nos litígios relativos a obrigações extracontratuais decorrentes de
de materialização do alegado dano, sempre que este se possa materializar violações de direitos da personalidade - e, em especial, quando essas violações sejam
na área de jurisdição desse tribunal; nesta última hipótese, o tribunal só é praticadas através da Internet - tem de existir um vínculo estreito entre o tribunal
competente para conhecer do dano causado no território do EM em que se competente e o litígio, de molde a assegurar a certeza jurídica e a evitar a possibilidade
encontra104; de o requerido ser demandado no tribunal de um EM que não seria razoavelmente
Violação de marca registada: (i) o litígio relativo à violação de uma marca previsível para esse demandado (consid. (16), § 2. 0 e 3.0 ) 100 • Isto significa que a acção
registada num EM em virtude da utilização, por um anunciante, de uma só pode ser instaurada num EM se a mesma apresentar uma conexão estreita com esse
palavra-chave idêntica à referida marca no sítio Internet de um motor de Estado.
busca que opera num domínio nacional de topo de um outro EM pode ser
3.3. Concurso de responsabilidades
submetido quer aos órgãos jurisdicionais do EM onde a marca está registada
- e, portanto, onde ocorreu o dano e onde pode ser pedida a cessação do Interpretando o art. 5.0 , n." 3, CBrux (equivalente ao art. 7. 0 , n.º 2), o TJ definiu
comportamento lesivo-, quer aos do EM do lugar da sede do anunciante - que um tribunal que é competente segundo aquele preceito para conhecer da parte de
ou seja, nos tribunais do Estado onde foi praticado o facto danosol0 5 ; (ii) o uma acção baseada num fundamento extracontratual não é competente para conhecer
art. 7. 0 , n. 0 2, permite detenninar, com base no lugar da materialização do de outras partes da mesma acção baseadas em fundamentos não extracontratuais 109 •
dano resultante de uma alegada publicidade comparativa ilícita ou imitação Portanto, nas situações de concurso de responsabilidade delitual e responsabilidade
desleal de um sinal protegido por uma marca comunitária, a competência contratual, o tribunal que é competente para apreciar uma delas pode não ser
competente para conhecer da outra.

102 TJ 25/10/2011 (509/09 e 161110); cf. GIOIA, Rdp 67 (2012), 1317 ss.; DIAS OLIVEIRA,
IDóTJ 5/6/20\4 (360/12).
Rev. CEJ 2016, 9 ss. e 12 ss.
!ITTTJ 21/12/2016 (618/15).
103
TJ 3/10/2013 (170/12); TJ 22/1/2015 (44 I/13).
104
TJ 3/4/2014 (387/12).
'°8 Cf. VON HElN, RJW 2013, 102.
rn 9 TJ 27/9/1988 {189/87); sobre a matéria, cf. SPICKHOFF, FS Canaris (2017), 551 ss.; ZEMP,
192 105
TJ 19/4/2012 (523/10).
Materiellrechtliche Anspruchskonkurrenz und zivilprozessuale Zustãndigkeit (2018), 206 ss. 193
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo fY. Aferição da Competência Internacional

4. Processo de adesão de uma acção proposta contra a casa-mãe com sede num outro EM (art. 7.º, n.º 5).
A teleologia do regime legal é a protecção daquele que celebrou negócios com a
Para as acções de indemnização ou de restituição fundadas numa infracção penal
sucursal, a agência ou o estabelecimento de uma sociedade estrangeira no próprio
é competente o tribunal onde foi intentada a acção pública, se a lei do Estado desse-
Estado dessa sucursal, agência ou estabelecimento, pelo que o disposto no art. 7. 0 , n.º
tribunal pennitir conhecer da acção cível (art. 7. 0 , n. 0 3). Relativamente ao direito
5, só é aplicável quando a acção seja proposta contra a sociedade estrangeira (não,
português, importa considerar o disposto nos art. 71.º a 84.° CPP quanto ao pedido de
portanto, quando esta sociedade pretenda propor uma acção).
indemnização civil fundado na prática de um crime: em regra, esse pedido deve ser
O art. 7.º, n.º 5, estabelece um critério especial de competência que concorre com
deduzido no processo penal respectivo (art. 7 l .° CPP), só o podendo ser em separado,
perante os tribunais civis, nos casos previstos no art. 72.º, n.º 1, CPP. o critério geral do art. 4.º, n.º l. Desta verificação decorre que o art. 7. 0 , n. 0 5, só pode
Como o art. 7.º, n.º 3, não afasta a aplicação do critério geral do art. 4. 0 , n.º l, ser utilizado se a casa-mãe tiver a sua sede num outro EM (art. 6.º, n.º l) e que, em
e, bem assim, do critério especial do art. 7. 0 , n. 0 2, à competência dos tribunais alternativa ao disposto no art. 7. 0 , n.º 5, o autor pode sempre demandar a casa-mãe nos
determinada por estes preceitos há que acrescentar, em certos casos, a competência do tribunais do EM da sua sede.
tribunal criminal aferida nos tennos do art. 7 .º, n.º 3. Mais precisamente: a aplicação 6.2. Noção de sucursal
deste preceito só releva nas hipóteses em que o tribunal criminal não coincida com o
tribunal do domicílio do demandado ou com o tribunal do lugar onde ocorreu o dano. Segundo uma interpretação autónoma, a noção de sucursal, agência ou filial
implica:
5. Objecto cultural Um centro operativo que se manifesta, de forma duradoura, nas relações
5.1. Regime europeu com o exterior como uma extensão da casa-mãe, provido de direcção e
materialmente apetrechado para poder concluir negócios com terceiros,
A acção, destinada à recuperação de um objecto cultural, fundada no direito de de modo que estes, ainda que sabendo que estão a constituir uma relação
propriedade e intentada pela pessoa que reclama o direito de recuperar esse objecto, jurídica com a casa-mãe situada no estrangeiro, estão dispensados de se
pode ser proposta no tribunal do lugar em que se encontrar o objecto no momento da dirigirem directamente a esta112 ;
sua instauração (art. 7.º, n. 0 4) 110 . Por bem cultural entende-se um bem protegido ou O controlo e a direcção da sucursal, agência ou filial pela casa-mãe 113 ; por
definido por um EM, antes ou depois de ter saído ilicitamente do seu território, como esta razão, o representante comercial de uma empresa que pode organizar
"património nacional de valor artístico, histórico ou arqueológico", de harmonia com livremente a sua própria actividade e determinar o tempo de trabalho a
a respectiva legislação nacional ou com os procedimentos administrativos nacionais dedicar a essa empresa e que esta não pode impedir de representar empresas
(art. 2. 0 , n.º 1, Diret. 2014/60/UE 111 ).
concorrentes não pode ser qualificado como uma sucursal, agência ou
5.2. Regime nacional filial 114.

O disposto no art. 7.º, n.º 4, não prejudica os processos intentados ao abrigo da 6.3. Elemento de conexão
Diret. 2014/60/UE (consid. (17) § 2. 0 ). A aplicação da Diret. 2014/60/UE não obsta A competência definida pelo art. 7.º, n.º 5, é restrita aos litígios respeitantes à
às acções cíveis ou penais que o EM requerente e/ou o proprietário a quem o bem
exploração da sucursal 115 • Este requisito está preenchido quando a acção se refere aos
foi furtado possam intentar nos termos do direito nacional dos EMs (art. 16.º Direct.
direitos e às obrigações relativas à gestão da sucursal (como aqueles que decorrem do
2014/60/EU; art. l 1.ºe 12.º L 30/2016, de 23/8).
arrendamento do imóvel ou da contratação do pessoal que nela trabalha) ou quando
6. Exploração de sucursal a acção respeita à actividade realizada pela sucursal em nome da casa-mãe no Estado
no qual se encontra sediada116• O que releva é a maneira como a sucursal e a sociedade
6.1. Âmbito de aplicação
Nas acções relativas à exploração de uma sucursal, de uma agência ou de qualquer
outro estabelecimento, o tribunal da sua situação tem competência para conhecer
m TJ 22/11/1978 (33/78).
13
• TJ 6/10/1976 (14/76), n.º 20 e 22.
114
TJ 18/3/1981 (139/80).
11
ºCF. SrnHR, FS Martiny (2014), 837 ss. n,cf. TJ ll/4/2019(464/18).
116
194 1
' ' JO L 159, de 28/5/2014; rectif.: JO L 147, de 12/6/2015. TJ 22/11/1978 (33/78). 195
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte l Processo Declarativo IV: Aferição da Competência Internacional

se comportam no mundo dos negócios e como elas se apresentam perante terceiros 111; conexão entre acções, cf. também art. 30.º, n.º 3) 1"3. O regime também é aplicável em
em contrapartida, é irrelevante que as obrigações assumídas pela sucursal, em nome matéria de contrato individual de trabalho, quando a acção seja proposta contra várias
118
da casa-mãe, devam ser cumpridas no Estado em que a sucursal está estabelecida • entidades patronais (art. 20.º, n. º l ).
(b) O regime pressupõe que a acção é proposta no tribunal competente segundo
7. Acção relativa a trust o disposto no Reg. 1215/2012 124 e que há uma mesma conexão entre todos os
Se a acção disser respeito às relações internas de um trust constituido 119 e se o trust demandados 125 - como acontece quando a decisão tem de ser unifonne para todos
não respeitar a matérias excluídas do âmbito de aplicação do Reg. 1215/2012 (art. eles 126 ~, sendo aplicável ainda que os pedidos fonnulados contra os vários réus
l .º, n.º 2) 12º, o fundador, o trustee ou o beneficiário - que seja demandado como tal - tenham fundamentos jurídicos distintosm ou tenham bases legais nacionais que
também pode ser demandado perante os tribunais do EM em cujo território o trust tem diferem segundo os EMs 128 •
o seu domicílio (art. 7. 0 , n.º 6). Assim, por exemplo, numa acção proposta pelo trustee O art. 8.0 , n.º 1, é aplicável independentemente de qualquer juízo sobre a procedência
contra o beneficiário, este pode ser demandado no tribunal do domicílio do trust. da acção contra o demandado com domicílio na circunscrição do tribunal1 29, mesmo
que o demandante tenha entretanto desistido do pedido relativamente ao único dos
8. Competência por conexão co-demandados que está domiciliado no EM onde está situado o órgão jurisdicional
8.1. Âmbito de aplicação chamado a pronunciar-se 130 ou que a acção proposta contra um dos demandados seja
considerada inadmissível por força da legislação do Estado do foro (nomeadamente,
A competência de um tribunal pode ser alargada através de uma conexão porque foi declarada a insolvência do principal demandado )rn.
estabelecida em função das partes ou do objecto da causa (art. 8.º). Na sistemática do
Reg. 1215/2012, o regime só é aplicável quanto a demandados que tenham domicílio 8.3. Intervenção de terceiros
num EM (art. 6.º, n.º 1)1 21 e não tem relevância quando o demandado tenha domicílio Qualquer garante ou outro terceiro pode ser chamado a intervir numa acção
no EM do tribunal da acção, pois que, neste caso, este tribunal já é competente nos pendente ( como, por exemplo, o segurador na acção proposta contra o responsável
tennos gerais (art. 4. 0 , n.º l). pelos danos 132), salvo se a escolha do tribunal onde a acção foi proposta tiver tido o
8.2. Pluralidade de demandados intuito ~ ou melhor, o único e exclusivo intuito 133 - de subtrair o terceiro à jurisdição

(a) Se a acção for proposta contra vários réus (todos domiciliados em EMs 122), todos
podem ser demandados no tribunal do domicilio de um deles·- isto é, todos podem ser
demandados no tribunal competente segundo o critério do art. 4. 0 , n.º 1 -, desde que
' 23 Cf. TJ 27/9/1988 (189/87); TJ 131712006 (539/03); TJ 131712006 (103/05); TJ 1l/10/2007
os pedidos estejam ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que
(98/06); TJ 1/12/2012 (145/10): o art. 8. 0 , n.º 1, deve ser interpretado no sentido de que o
sejam instruídos e julgados simultaneamente para evitar soluções que poderiam ser simples facto de as acções intentadas contra vários demandados, por violações de direitos de
inconciliáveis se as causas fossem apreciadas separadamente (art. 8.°, n.º l; sobre a autor substancialmente idênticas, terem bases legais nacionais que diferem segundo os EMs não
obsta à aplicação dessa disposição.
124
Cf. SCHURIG, FS Musielak (2004), 521 s.
mcr. ScauRIG, FS Musielak (2004), 522; uma situação em que duas ou mais sociedades
111 TJ 9/12/1987 (218/86), n.º 16; TJ 20/5/2021 (913/19). estabelecidas em diferentes EMs são acusadas, separadamente, num processo pendente num
118TJ 6/4/1995 (439/93). órgão jurisdicional de um desses EMs, de contrafacção de uma patente europeia é susceptivel
119 ScHLOSSER, Relatório sobre a Convenção relativa à adesão do Reino da Dinamarca,
de conduzir a soluções inconciliáveis se as causas forem julgadas separadamente: TJ 1217/2012
da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da lrlanda do Norte à Convenção relativa à (616/10).
competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, bem como ao 1i"TJ 11/4/2013 (645/1 l).
Protocolo relativo à sua interpretação pelo Tribunal de Justiça (JO C 189, de 28/7/1990), n.º mr1 11/10/2007 (98/06).
111; l<ROPIIOLLERIVON HEIN, EuZPR (2011), Art. 5 EuGVO, l 17. 18
' TJ 1/12/2011 (145/10).
llO SCHLOSSER, Relatório, n.º 112. 29
' KROPHOLLER/VON HEIN, EuZPR (201 l ), Art. 6 EuGVO, 16.
m Entendendo que, apesar do disposto no art. 8. 0 pr., é defensável a aplicação analógica llOTJ 21/5/2015 (352/13).
do art. 8.º, n.º 1, às pessoas com domicílio cm Estados terceiros, cf. KROPHOLLERIVON HmN, Ili TJ 131712006 ( 103/05).
EuZPR (2011), Art. 6 EuGVO, 7. mTJ 26/05/2005 (77/04).
196 12lTJ 11/4/2013 (645/11). m Cf. TJ 26/5/2005 (77/04); cf. KLôPFER, Missbrauch, 317 ss. 197
J. de Castro Mendes/ M Teixeira de Sousa Parte I Processo Declarativo IV Aferição da Competência Internacional

do tribunal que seria competente (art. 8.º, n. 0 2)!34. Este preceito pressupõe que a 9. Medidas cautelares
competência do tribunal da acção é determinada pelos critérios do Reg. 1215/2012 135,
9.1. Âmbito de aplicação
mas não obriga o juiz nacional a admitir o chamamento de um garante à acção, pelo
que o juiz pode aplicar o seu direito nacional para avaliar a admissibilidade de tal (a) As medidas provisórias ou cautelares previstas na lei de um EM podem ser
chamamento 136 (sobre o direito português, cf. art. 321. 0 , n.º \, CPC). requeridas nos tribunais deste Estado e de acordo com as suas regras de competência,
mesmo que, por força do disposto no Reg. 1215/2012, um tribuna\ de um outro Estado
8.4. Pedido reconvencionai seja competente para conhecer da acção principal (art. 35.º) 142 • O regime vale para
(a) Tratando-se de um pedido reconvencionai que derive do contrato ou do facto as hipóteses de a acção principal já se encontrar pendente, mesmo que o tribunal
que constitui a causa de pedir da acção principal, é competente o tribunal no qual esta competente para conhecer desta acção seja um tribunal arbitral1 43 ou decorra de um
acção se encontra pendente (art. 8. 0 , n.º 3). Por exemplo: este tribunal é competente pacto de jurisdição.
para aprecíar um pedido reconvenciona! que visa obter o reembolso da quantia (b) A noção de medidas provisórias e cautelares deve ser qualificada
correspondente ao montante acordado no âmbito de um acordo extrajudícíal, na autonomamente 144 , incluindo mesmo aquelas medidas que se revestem de uma natureza
sequência da anulação da decisão proferida numa anterior acção e cuja execução tinha antecipatória 145 • Por medidas provisórias ou cautelares, na acepção do art. 35.º, devem
justificado a celebração daquele acordom. Em todo o caso, é sempre necessário que entender-se as medidas que, nas matérias abrangidas pelo âmbito de aplicação do
essa competêncía seja compatível com o disposto no Reg. 1215/2012 138, pelo que, por Reg. 1215/2012, se destinam a manter uma situação de facto ou de direito a fim de
exemplo, o forum reconventionis não pode ser utilizado em violação da competência salvaguardar direitos cujo reconhecimento é pedido ao juiz da questão de fundo 146 •
exclusiva estabelecida no art. 24. 0139 • O conceito de medidas provisórias, incluindo medidas cautelares, também abrange
O sentido do disposto no art. 8.°, n.º 3, é o de assegurar a competência do tribunal da as providências cautelares para obtenção de informações ou preservação de provas a
acção para uma reconvenção que se fundamenta no contrato ou no facto que constitui que, nomeadamente, se refere o art. 340.º, n.º 1 e 2, CPI. Em contrapartida, aquele
a causa de pedk, pelo que o regime não exclui que, em qualquer outra situação, conceito não abrange medidas cuja natureza não seja cautelar, corno as medidas que
aquele tribunal possa ser competente por qualquer outro critério constante do Reg. ordenam a audição de testemunhas (consid. (25) § 2.º)1 47 • Para as medidas probatórias
1215/2012. Tem-se também entendido que, apesar de o art. 8.º pr. se referir apenas a sem carácter cautelar vale o disposto no Reg. 1206/2001 ou no próprio direito interno
uma pessoa com domicílio no território de um EM, o preceito pode ser igualmente do EM (cf. consid. (25) § 3.º)!48.
aplicado quando o autor reconvindo não tiver domicílio num EM 140• 9.2. Condições de aplicação
(b) O art. 8.°, n. 0 3, não é aplicável à compensação quando esta constituir._. como
sucede em muitos EMs - um mero meio de defesa 141 • Assim, se a compensação dever O regime definido no art. 35.0 aplica~se apenas nas seguintes condições:
ser invocada através da reconvenção (art. 266. 0 , n. 0 2, ai. c), CPC), a competência do As medidas cautelares devem caber no âmbito de aplicação material
tribunal tem de ser aferida pelo critério geral do art. 4.º, n. 0 l, ou por qualquer dos determinado pelo art. 1.0 , n. 0 l e 2 149, sendo que o que releva é a matéria
critérios especiais dos art. 7.º a 26.º.

1
" Cf. CORDEIRO DA COSTA, Rev. CEJ 2017/2, 83 ss.; EICHEL, ZZP 131 (2018), 71 ss.
141
Cf. TJ 17/11/1998 (391/95).
144
KROPHOLLER/VON HEIN, EuZPR (2011),Art. 31 EuGVO, 5.
4
ll Cf. GEIMER, MDR 2016, 928 ss. 145
TJ 17/11/1998 (391/95), n.º 45; considerando ser discutível que medidas provisórias que,
135
Cf. KROPHOLLER/VON HEIN, EuZPR (2011 ), Art. 6 EuGVü, 30. de acordo com o direito nacional, dispensem o periculum in mora estejam abrangidas pelo art.
l¾TJ 15/5/1990 (365/88). 35.º, cf. TSIKRIKAS, RHOI 61 (2008), 701.
131 TJ 12/I0/2016 (185/15). 146
TJ 26/3/1992 (261/90), n.º 34.
8
ll Cf. ÜKOIÍSKA, Die Widerklage im Zivilprozessrecht der Europãischen Union und ihrer 141
Nas medidas provisórias e cautelares não está abrangida a medida que ordena a inquirição
Mitgliedstaaten (2015), 289 ss.; sobre a problemática da reconvenção interveniente, cf. ARNOLD, de uma testemunha com o objectivo de permitir ao requerente avaliar a oportunidade de intentar
FS Schütze (2015), 17 ss. uma eventual acção, de determinar o fundamento dessa acção e de apreciar a pertinência dos
mcr. KROPHOLLER!VON HErN, EuZPR (2011), Art. 6 EuGVO, 36. fundamentos susceptíveis de ser invocados nesse âmbito: TJ 28/04/2005 (104/03).
14 141
ºKRoPHOLLERIVON HErN, EuZPR (2011 ), Art. 6 EuGVO, 37. Cf. ElCHEL, ZZP 13 ! (2018), 84 ss.
141 149
198 Cf. TJ 13/7/1995 (341/93). TJ 27/3/1979 (143/78); TJ 31/3/1982 (25/81); cf. TJ 18/10/2011 (406/09). 199
Parte 1- Processo Declarativo lV: Aferição da Competência Internacional
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa

a que elas próprias respeitam e não a matéria a que se refere o respectivo órgão jurisdícional tenha sido chamado a decidir ou jã se tenha pronuncíado a respeito
processo principal1 50 ; desse pedido 152 .
O requerido deve ter domicílio num dos EMs, excepto se se estiver perante
um caso em que o Reg. l2I5/20l2 é aplicãvel independentemente do lugar V. Critérios específicos
do domicílio do demandado (art. 6.º, n.º 1). 1. Generalidades
9.3. Opção do requerente 1.1. Caracterização do regime
(a) O art. 35.º concede ao requerente da providência cautelar a seguinte opção: A protecção devida a certa categoria de partes · como os segurados, os consumidores
Requerer a providência cautelar no tribunal competente segundo os e os trabalhadores - justifica algumas regras específicas (art. 10.º a 23.º). Estas
critérios definidos no Reg. 1215/2012; neste caso, o tribunal pode decretar regras estabelecem, além do mais, uma competência assimétrica: os segurados, os
providências cautelares tanto quanto a bens situados no Estado do foro, consumidores e os trabalhadores só podem ser demandados no seu domicílío (art. 14.º,
como quanto a bens situados num outro EM, dado que essas providências n.º l, 18.º, n.º 2, e 22.", n.º 1), mas podem demandar os seguradores, as contrapartes no
podem ser reconhecidas nos demais EMs (art. 2. 0 , al. a), § 2.º l.ª parte, a contrato de consumo e as entidades patronais quer nos triblUlais do seu domicílio, quer
contrario); noutros tribunais (art. 11.ºa 13.º, 18.º, n.º l, e 21.º). Os consumidores e os trabalhadores
Requerer a medida cautelar no tribunal do EM que, apesar de não podem mesmo demandar entidades com domicílio num Estado terceiro (art. 18.º, n.º
ser competente segundo o Reg. 1215/2012, seja internacionalmente l, e 21.º, n.º 2): quanto aos consumidores, isso pode acontecer nos tribunais do seu
competente segundo o seu direito interno para decretar uma providência próprio domicílio (art. 18.º, n.º I ); quanto aos trabalhadores, a acção pode ser proposta
cautelar quanto a bens situados no seu território, dado que, mesmo nesta no tribunal do lugar onde ou a partir do qual o trabalhador efectua habitualmente o
hipótese, não se dispensa a exigência de um elemento de conexão real entre seu trabalho ou no tribunal do lugar onde se situa ou se situava o estabelecimento que
o objecto da medida provisória e a competência do EM do juiz a quem contratou o trabalhador (art. 21.º, n.º 2).
é requerida 151 ; se, segundo aquele direito, o tribunal competente for o do Além deste beneficio que é concedido aos segurados, consumidores e
processo principal (como sucede no direito português: cf. art. 78.º, n.º l, trabalhadores, a sua protecção também é patente nas restrições impostas à validade
ai. a) e c), CPC), aquele tribunal determina-se segundo esse mesmo direito dos pactos de jurisdição (art. 15.º, 19.º e 23."). Aliás, porque essa protecção deve valer
(quanto ao direito português, segundo o disposto nos art. 62.º e 63.º CPC). independentemente do tribunal escolhido, aqueles regimes legais devem valer mesmo
(b) Apesar de o requerente poder escolher entre o tribunal de um Estado cuja lei quando as partes escolham como competentes os tribunais de um Estado terceiro 15\
prevê a medida provisória ou cautelar e o Estado que é competente para conhecer do
mérito (art. 35.0 ), o disposto nos art 2. 0 , ai. a),§ 2.º l.ª parte, e 42.º, n.º 2, al. b) i), 1,2. Âmbito de aplicação
mostra que apenas as medidas que sejam decretadas pelos tribunais competentes para Como decorre da ressalva constante dos art 10.º, 17.º, n.º 1, e 20.º, n.º 1, ao art.
se pronunciarem sobre o mérito - isto é, pelos triblUlais cuja competência seja aferida 6.º, o regime relativo a seguros, a contratos de consumo e a contratos individuais de
pelo Reg. 1215/2012- podem ser executadas noutros EMs (cf. consid (33) § 4.º). O trabalho, em regra, só é aplicável se o demandado tiver domicílio num EM. Note-se,
regime destina-se a evitar um forum shopping em matéria de medidas provisórias e no entanto, que, tal como decorre do estabelecido nos art. 11.º, n.º 2, 17.º, n.º 2, e 20.º,
cautelares. n.º 2, o regime é igualmente aplicãvel se o demandado tiver uma sucursal num EM
Apesar deste regime, o TJ entendeu - aliãs, de forma discutível - que a apreciação (mesmo que não seja o da parte contratual mais fraca) 154 .
de uma medida provisória ou cautelar por um tribunal de um EM que seja competente
para conhecer do mérito da causa não implica que os órgãos jurisdicionais de outros
EMs deixem de ser competentes para adoptar tais medidas, mesmo quando o primeiro

ISOTJ6/3/1980 (120/79), !SlTJ 6/10/2021 (581/20).


1s1n 17/11/1998 (39l/95); TJ 27/4/1999 (99/96); sobre a matéria, cf. EICHEL, ZZP 131
1'3 KRoPHOLLERIVON HEIN, EuZPR (20 ! 1), Art. 23 EuGVO, 83.
15 4KROPHOLLERIVON HEIN, EuZPR (2011 ), Art. 9 EuGVO, 5. 201
200 (2018). 74 ss.
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte 1- Processo Declarativo rv: Aferição da Competência Internacional

2. Matérias de seguros tribunal da situação dessa sucursal, agência ou estabelecimento, se o litígio


respeitar à sua exploração (art. 1O.º e 7.º, n.º 5);
2.1. Âmbito de aplicação
O segurador pode ser demandado no tribunal do lugar onde ocorreu o facto
As disposições relativas à competência em matéria de seguros possuem o seguinte danoso, quando se trate de um seguro de responsabilidade civil, de um
âmbito de aplicação: seguro que tenha por objecto bens imóveis ou de um seguro que incida
- Âmbito material: aquelas disposições são aplicáveis às acções cujo simultaneamente sobre bens imóveis e móveis cobertos pela mesma apólice
fundamento seja uma relação de seguro e cujo objecto respeite o domínio e atingidos pelo mesmo sinistro (art. 12.0 ).
material definido no art. l.º, n.º l e 2, incluindo, sempre que tal seja (b) Relativamente às acções instauradas pelo segurador (contra um não
admitido pela lei do Estado do foro, a acção directa instaurada pelo lesado segurador159), valem as seguintes regras determinativas da competência:
contra o segurador (art. 13.°, n. 0 2) 15:;; em contrapartida, os contratos de O segurador só pode propor a acção perante os tribunais do EM em cujo
resseguro estão excluídos deste âmbito material, dado que, nessa hipótese, território estiver domiciliado o demandado, quer este seja o tomador do
o segurado não necessita de nenhuma protecção 1:;6; seguro, o segurado ou o beneficiário (art. 14.º, n.º I);
Âmbito espacial: em princípio, as disposições relativas à competência O segurador pode formular um pedido reconvenciona} no tribunal
em matéria de seguros são aplicáveis apenas quando o demandado tenha competente no qual tiver sido instaurada a acção (art. 14.º, n.º 2); este
domicílio num EM (art. 10."; cf. art. 4. 0 , n. 0 I); porém, o segurador que pedido reconvenciona! é admissível nas condições referidas no art. 8.0 , n. 0 3.
não esteja domiciliado no território de qualquer desses Estados, mas que 2.3. Competência convencional
possua sucursal, agência ou qualquer outro estabelecimento num EM, é
considerado, quanto aos litígios relativos à exploração daquela sucursal, Em matéria de seguros, um pacto de jurisdição só é válido se estiver preenchida
uma das seguintes condições:
agência ou estabelecimento, como tendo domicílio no território desse
O pacto é posterior ao surgimento do litígio (art. 15.0 , n. 0 l);
Estado (art. 11.º, n.º 2).
O pacto permite ao tomador do seguro, ao segurado ou ao beneficiário
2.2. Aferição da competência recorrer a tribunais que não são os legalmente indicados (art. 15.º, n. 0 2);
O pacto é concluído entre um tomador do seguro e um segurador, ambos
(a) Quanto à competência para as acções propostas contra o segurador (incluindo
com domicílio num mesmo EM, e tem por efeito atribuir competência aos
aquelas que são directamente instauradas pelo lesado: cf. art. 13.º, n.º 2 157), valem as
tribunais desse Estado, mesmo que o facto danoso ocorra no estrangeiro,
seguintes regras:
salvo se a lei desse Estado não permitir tal pacto (art. 15.º, n.º 3);
O segurador domiciliado num EM pode ser demandado nos tribunais
O pacto é concluído por um tomador do seguro que não tem domicílio num
do Estado do seu domicílio (art. 1 l.º, n.º l, al. a)) ou do Estado no qual
EM, salvo se se tratar de um seguro obrigatório ou relativo a imóvel sito
se considere domiciliado (art. 11.º, n.º 2), no tribunal do lugar em que o
num EM (art. 15.º, n.º 4);
tomador do seguro, o segurado ou o beneficiário tiver o seu domicílio (art.
O pacto diz respeito a um contrato de seguro que cobre um ou mais dos riscos
11.º, n.º l, al. b)) ou ainda, tratando-se de um co-segurador, no tribunal do
enumerados no art. 16.º (art. 15.º, n.º 5) 160; trata-se de riscos relacionados
Estado onde tiver sido instaurada a acção contra o principal segurador (art.
com actividades marítimas ou aéreas ou dos chamados "grandes riscos"
11.º, n.º I, al. c)), de acordo com os critérios definidos pelo art. 11.0 , n. 0 l, que não necessitam da protecção dispensada à parte contratualmente mais
al. a) e b) 158; fraca.
Se o segurador possuir sucursal, agência ou qualquer outro estabelecimento
num EM diferente do Estado do seu domicílio, ele pode ser demando no

' 59 KRoPHOLLERIVON HEIN, EuZPR (2011), vor Art. 8 EuGVO, 7.


160
155 Cf. TJ 13/12/20-07 (463/06). a cláusula atributiva de jurisdição prevista num contrato de seguro que cobre um
"[ ••• ]
156 TJ I3/7/2000 (412/98); cf. Scm.oSSER, Relatório, n.º 151. «grande risco)) [ ... ], celebrado pelo tomador do seguro e pelo segurador, não pode ser oposta
157 Cf. TJ 13/1212007 (463/06); mas TJ 17/9/2009 (347/08); cf. STAUDINGER, IPRax 2011, à pessoa segurada por esse contrato, que não é um profissional do setor dos seguros, que não
229 ss. consentiu nessa cláusula e que tem domicílio num EstadoMembro diferente do EstadoMembro
202 158
Cf. Scm.osSER, Relatório, n.º 149. do domicílio do tomador do seguro e do segurador": TJ 27/2/2020 (803/18). 203
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I- Processo Declarativo IV Aferição da Competência Internacional

3. Matérias de consumo (b) Por disposição específica, o regime não é aplicável ao contrato de transporte,
co~ excepção dos contratos de fornecimento de uma combinação de viagem e
3.1. Âmbito material aloJamento por um preço global (art. 17.0 , n. 0 3), ou seja, com excepção das chamadas
(a) (i) As normas relativas à determinação da competêncía em matéria de contratos viage~s _organizadas. Um contrato que tem por objecto uma viagem num cargueiro
celebrados pelos consumidores possuem um âmbito material, um âmbito subjectivo constltm um contrato de transporte que, por um preço global, combina viagem e
e um âmbito contratual. O âmbito material abrange as acções relativas a contratos de alojamento 167 •
consumo (art. 17.0 , n.º l pr.), isto é, a contratos celebrados por uma pessoa singular
(ainda que através do comércio electrónico 161 ), para uma finalidade que possa 3.2. Âmbito espacial
considerar-se estranha à sua actividade comercial ou profissional ("o consumidor"), (a) O âmbito espacial do regime impõe que, em regra, as normas respeitantes à
com outra pessoa que aja no quadro das suas actividades comerciais ou profissionais competência em matéria de contratos de consumo apenas sejam aplicáveis quando 0
("o profissional") (art. 6. 0, n." 1, Reg. 593/2008 (Roma 1)) 162 • Isto permite concluir demandado seja ele o consumidor ou o profissional - tiver domicilio num EM (art.
que o regime não se aplica quando ambas as partes do contrato sejam consumidores 17.º, n.º 1 pr.; cf. art. 6.º, n.º 1) 168 . Todavia, oco-contratante do consumidor que não
e só se pode aplicar a contratos concluídos fora e independentemente de qualquer te~ha .domicílio no território de qualquer desses Estados, mas que possua sucursal,
actividade ou finalidade profissional, actual ou futura 163 • Não é o caso, por exemplo, agencia ou qualquer outro estabelecimento num daqueles Estados, é considerado
de uma pessoa singular que tem relações profissionais estreitas com uma sociedade, quanto aos litígios relativos à exploração da sucursal, agência ou estabelecimento:
como um cargo de gerência ou uma participação maioritãria na mesma, e que avaliza como tendo domicílio no território desse Estado (art. 17.º, n.º 2).
uma livrança emitida para garantir as obrigações que incumbem a essa sociedade ao Além di~so, o_consumidor pode intentar uma acção contra a outra parte no contrato,
abrigo de um contrato relativo à concessão de um crédito 164 • quer nos tnbunais do EM onde estiver domiciliada essa parte, quer no tribunal do
(ii) O regime especial não se aplica a uma acção contenciosa preventiva, intentada lugar onde o consumidor tiver domicílio, independentemente do domicílio da outra
por uma associação de protecção dos consumidores com vista a fazer proibir a
parte (art. 18.º, n.º l), ou seja, mesmo que essa parte tenha domicílio num Estado
utilização por um comerciante de cláusulas consideradas abusivas, em contratos com
t~rc:iro. Note-se que, atendendo à remissão do art. 17.º, n.º 1, para o art. 6.º, n.º l, na
particulares: à situação aplica-se o disposto no art. 7.º, n.º 2 16s. O regime também
h1potese de a parte demandada ter o seu domicílio num Estado terceiro, também se
não é aplicável quando um demandante - que, na qualidade de consumidor, adquiriu
mantêm aplicáveis as regras internas dos EMsl69.
uma obrigação ao portador através de um terceiro profissional, sem que tenha sido
(b) O Reg. 1215/2012 nada dispõe sobre a hipótese em que o consumidor demandado
celebrado um contrato entre o referido consumidor e o emitente dessa obrigação -
te~,º. seu domicílio num Estado terceiro. Perante isto, há que considerar, segundo o
pretenda demandar este emitente, com fundamento nas condições de empréstimo, na
prmc1p10 estabelecido no art. 6. 0 , n. 0 1, que o Reg. 1215/2012 não é aplicável às acções
violação dos deveres de informação e de controlo e na responsabilidade relativa ao
propostas contra consumidores domiciliados em Estados terceiros. Assim, contra
prospecto166.
um consumidor domiciliado num Estado terceiro podem ser invocadas as regras de
competência do Estado do foro (art. 6.º, n.º 2)110.
3.3. Âmbito contratual
161 Cf. MOURA VICENTE, in Estudos do Instituto do Direito do Consumo I (2002), 117 ss.
16lSobre a interpretação autónoma da noção de consumidor, cf. TJ 19/1/1993 (89/91); TJ (a) (i) Quanto ao âmbito contratual do regime especial relativo a contratos
11/7/2002 (96/00); entendendo que aquele que "celebrou com uma sociedade estabelecida celebrados por consumidores, há que considerar duas situações:
noutro Estado-Membro um contrato para jogar póquer na Internet [... ] e [... ] não declarou O regime é aplicável, sem mais, quando se trate de venda a prestações de
oficialmente essa atividade nem ofereceu essa atividade a terceiros enquanto servíço bens móveis corpóreos (art. 17. º, n. 0 l, ai. a)) ou de empréstimo a prestações
remunerado não perde a qualidade de «consumidorn [ ... ], mesmo que essa pessoa jogue esse
jogo durante um grande número de horas por dia, possua conhecimentos alargados e obtenha
ganhos significativos provenientes desse jogo", cf. TJ 10/12/2020 (774119).
163 TJ 3/7/1997 (269/95); cf. TJ 14/5/2009 (180/06); TJ 20/1/2005 (464/01); no âmbito de
um serviço financeiro, cf. TJ 3/10/2019 (208/18). lM TJ 7/12/20 JO(585/08 e \44/09),
168
164TJ 14/3/2013 (419/11 ). Cf. TJ 15/9/1994 (318/93); TJ 14/5/2009 (180/06).
1~'TJ 1/10/2002 (167/00). 1~9 POHL,IPRax2013, Ili.

204 IMTJ 29/\/2015 (375/13); cf. VON HEIN, JZ 2015, 946 ss. noHAY, ELF 13 (2013), 5. 205
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo IV. Aferição da Competência Internacional

ou de outra operação de crédito relacionada com o financiamento da venda um consumidor português domiciliado em Portugal pode demandar um
de tais bens (art. I 7 .º, n. 0 l, al. b )); co-contratante brasileiro em Portugal; a outra parte no contrato também
O regime também é aplicável a outros tipos contratuais, desde que o contrato abrange um co-contratante do operador com o qual o consumidor celebrou
tenha sido concluído com uma pessoa que tem actividade comercial ou o contrato e que tem a sua sede no território do EM em que esse consumidor
profissional no EM do domicilio do consumidor ou dirige essa actividade, tem domicílio 176 ;
por quaisquer meios, a esse EM ou a vários Estados incluindo esse EM, e Se a outra parte tiver sucursal, agêncla ou qualquer outro estabelecimento
o referido contrato seja abrangido por essa actividade (art. 17 .º, n." l, ai. mun EM que não seja o do seu domicílio, o consumidor pode demandá-la
c)) 171 ; quer dizer: se o comerciante ou o profissional não tiver actividade no no tribunal da situação dessa sucursal, agência ou estabelecimento, se o
EM no qual o consumidor tem o seu domicílio, basta que esse comerciante litígio respeitar à sua exploração (art. l 7 .º, n.º I pr., e 7.º, n.º 5).
ou profissional dirija, por qualquer meio, a sua actividade para esse Estado. (b) A outra parte no contrato só pode propor uma acção contra o consumidor
(ii) O art. 17.º, n.º l, al. e), deve ser interpretado no sentido de que não exige que perante os tribunais do EM do domicílio deste demandado (art. 18.°, n.º 2), incluindo
o contrato entre o consumidor e o profissional tenha sido celebrado à distãncia 172• os tribunais do último domicílio conhecido do consumidorl 77 • Isso não impede,
Para determinar se um comerciante que apresenta a sua actividade no seu sítio na todavia, a extensão da competência do tribunal da acção para o pedido reconvencionai
Internet ou no sítio de um intermediário dirige a sua actividade ao EM do domicílio do deduzido por aquela contraparte (art. 18.", n.º 3; cf. art. 8.0 , n.º 3).
consumidor, é necessário apurar se, antes da eventual celebração de um contrato com 3.5. Competência convencional
o consumidor, resulta desses sítios na Internet e da actividade global do comerciante
que este pretendia estabelecer relações comerciais com consumidores domiciliados Em conjugação com um contrato celebrado por um consumidor, um pacto de
num ou vários EMs, incluindo o do domicílio do consumidor, no sentido de que estava jurisdição só é válido se estiver preenchida uma das seguintes condições:
disposto a com eles contratar173 • No entanto, não se exige um nexo de causalidade O pacto é posterior ao nascimento do litígio (art. 19.", n.º l);
entre o meio empregado para dirigir a actividade comercial ou profissional ao EM O pacto permite ao consumidor recorrer a tribunais que não são os indicados
do domicilio do consumidor, designadamente um sítio Internet, e a celebração do no Reg. 1215/2012 (art. 19.", n. 0 2);
contrato com esse consumidor, embora a existência desse nexo constitua um indício O pacto é concluído entre o consumidor e o seu co-contratante, ambos com
de conexão do contrato a essa actividade 174 • domicílio ou residência habitual, no momento da celebração do contrato,
(b) Se o contrato for misto ~ isto é, se for relativo a um bem destinado a uma num mesmo EM, e as partes atribuem competência aos tribunais desse
utilização parcialmente profissional e parcialmente estranha à actividade profissional EM, salvo se a lei desse EM não permitir o pacto (art. 19.º, n.º 3); note-
~, o regime especial em matéria de contratos celebrados por consumidores só é -se que, para efeitos de aplicação deste preceito, se pode considerar que a
aplicável se a utilização profissional for marginal, a ponto de apenas ter um papel residência habitual de uma sociedade e de outra entidade dotada ou não de
despiciendo no contexto global da operação em causa 175 • personalidade jurídica é o local onde se situa a sua administração central
(art. 19.0 , n. 0 l, § 1.", Reg. 593/2008 (Roma 1)) e que a residência habitual
3.4. Aferição da competência de uma pessoa singular, no exercício da sua actividade profissional, é o
(a) A competência em matéria de contratos de consumo determina-se, quanto às local onde se situa o seu estabelecimento principal (art. 19.", n." l, § 2.",
acções propostas pelo consumidor, segundo as seguintes regras: Reg. 593/2008 (Roma 1)).
O consumidor pode instaurar a acção contra a outra parte no contrato,
quer perante os tribunais do EM do domicílio desta parte, quer perante o 4. Matéria laboral
tribunal do lugar do seu próprio domicílio, mesmo que a parte demandada 4.1. Âmbito de aplicação
seja domiciliada num Estado terceiro (art. 18.", n. 0 1); assim, por exemplo,
(a) As normas relativas à competência em matéria de contratos individuais de
trabalho 178 possuem o seguinte âmbito de aplicação:

11 1 Cf. TJ 23/12/2015 (297/14).


lnTJ 6/9/2012 (190/1 l); cf. SuJECKI, EuZW 2012, 919 s.
176
!JJTJ 7/12/2010 (585/08 e 144/09). TJ 14/11/2013 (478/12).
177
174 TJ 17/10/2013 (218/12). TJ 17/11/201 l (327/10).
206 115
TJ 20/1/2005 (464/01). ps Sobre a noção de contrato individual de trabalho, cf. TJ I l/4/2019 (603/17). 207
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo IV Aferição da Competência Internacional

Âmbito material: acções que têm por fundamento contratos individuais de No tribunal do lugar onde se situa ou se situava o estabelecimento que
trabalho; numa interpretação autónoma, o contrato individual de trabalho é contratou o trabalhador, se este não efectua ou não efectuou habitualmente
aquele que regula uma actividade laboral que é realizada com dependência o seu trabalho no mesmo Estado (art. 21.º, n.º l, ai. b) ii));
e sujeita a orientação e que tem como contrapartída o recebimento de uma Se a entidade patronal tiver filial, agência ou qualquer outro estabelecimento
remuneração 179; num EM diferente do Estado do seu domicílio, pode ser demandada no
Âmbito espacial: em princípio, as normas respeitantes à competência em tribunal da situação dessa filial, agência ou estabelecimento, se o litígio
matéria de contratos individuais de trabalho só são aplicáveis quando o respeitar à sua exploração (art. 20. 0 , n.º 2, e 7.°, n. 0 5); para aplícação deste
demandado tenha domicílio num EM (art. 20. 0 , n.º 1 pr.; cf. art. 4.º, n.º I); regime, a embaixada de um Estado terceiro situada no território de um EM
contudo, a entidade patronal que não esteja domiciliada no território de um constitui um "estabelecimento" quando, num litígio relativo a um contrato
EM, mas que possua filial, agência ou qualquer outro estabelecimento num de trabalho celebrado por esta em nome do Estado acreditante, as funções
daqueles Estados, considera-se, quanto aos litígios relativos à exploração desempenhadas pelo trabalhador não se enquadram no exercício do poder
dessa filiai agência ou estabelecimento, como tendo domicílio nesse EM público 1i14.
(art. 20. 0 , n.º 2). (ii) Sobre este regime importa considerar o seguinte:
(b) A protecção devida ao trabalhador justifica ainda que, em certas condições, Segundo o disposto no art. 20.º, n.º 1, um trabalhador pode demandar várias
aquele possa demandar, nos tribunais do seu domicílio, uma entidade patronal com entidades patronais numa mesma acção, desde que os pedidos estejam
domicílio num Estado terceiro (art. 21.º, n.º 2). A ressalva do art. 6.º, n.º l, que consta ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam
do art. 17.º, n.º 1, mostra que essa entidade patronal também pode ser demandada nos instruídos e julgados simultaneamente para evitar decisões que poderiam
tribunais de um EM segundo as regras internas deste Estado. ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente (art. 8.º, n.º
1)165;
4.2. Acção do trabalhador Nos termos do art. 67.º, prevalece o estabelecido, quanto a trabalhadores
(a) (i) O trabalhador pode demandar a entidade patronal: destacados, no art. 6. 0 Direct. 96/7l/CE 1&6: a fim de fazer valer o direito
Nos tribunais do Estado do domicílio da entidade patronal (art. 21.º, n.º 1, às condições de trabalho e emprego, pode ser instaurada uma acção
ai. a)); num tribunal do EM em cujo território o trabalhador esteja ou tenha
- No tribunal do lugar onde o trabalhador efectua habitualmente o seu estado destacado, sem prejuízo, se necessário, da faculdade de, segundo
trabalho ou perante o tribunal do lugar onde efectuou recentemente o seu o estabelecido em convenções internacionais existentes em matéria de
trabalho (art. 21.º, n.º 1, al. b) i)) 180; para determinar este lugar, há que competência judicial, instaurar uma acção num tribunal de outro Estado.
atender ao lugar onde é realizada a prestação característica do contratols1 (b) A protecção devida ao trabalhador justifica que este possa demandar uma
considerando-se como lugar onde o trabalhador efectua habitualmente ~ entidade patronal não domiciliada num EM:
seu trabalho aquele no qual o trabalhador estabeleceu o centro efectivo No tribunal do lugar onde o trabalhador efectua habitualmente o seu
das suas actividades profissionais 182 ou aquele no qual, ou a partir do qual, trabalho ou perante o tribunal do lugar onde efectuou recentemente o seu
trabalho (art. 21.º, n.º 2);
tendo em conta todas as circunstâncias do caso concreto, ele cumpre de
No tribunal do lugar onde se situa ou se situava o estabelecimento que
facto o essencial das suas obrigações para com a entidade patronal 1s3 ;
contratou o trabalhador, se este não efectua ou não efectuou habitualmente
o seu trabalho no mesmo Estado (art. 21.º, n.º 2).

9
l1 TJ 10/9/2015 (47/14); cf ÜARBER, FS Schütze (2015), 81 ss.
lijOTJ 25/2/202 l (804/19),
1
~' TJ 261511982 (133/81 ); TJ 1317/J 993 (125/92). na execução da prestação por parte do trabalhador a favor da segunda entidade patronal: TJ
\8l TJ 9/1/1997 (383/95).
10/4/2003 {437/00).
61 l8'TJ !917/2012 (154/11).
' TJ 27/2/2002 (37/00); na hipótese de o trabalhador prestar os seus serviços a um
115
agrupamento de empresas, o local onde o trabalhador cumpre as suas obrigações em relação a Esta s~lução legal contraria o decidido em TJ 22/5/2008 (462/06); criticando a ausência
uma segunda entidade patronal pode ser considerado o local em que exerce habitualmente o seu de uma idêntica regra quanto a matéria de seguros e a contratos de consumo, cf. VON HEIN, RIW
trabalho, quando a primeira entidade patrona!, em relação à qual estão suspensas as obrigações 2013, 103.
186
208 do trabalhador, tenha ela própria, no momento da celebração do segtu1do contrato, interesse JOL 18,de21/Jll997. 209
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo rv. Aferição da Competência Internacional

4,3, Acção da entidade patronal ser pedidas medidas provisórias, incluindo medidas de protecção, mesmo
A entidade patronal só pode instaurar uma acção contra o ~rabal~ad?r nos t_ri~unais que os tribunais de um Estado terceiro tenham competência relativamente
do Estado do domicilio desta parte (art. 22.º, n.º 1). Isso nao prejudica o d1re1to de ao fundo da questão (art. 71.º *B. n. 0 2 § 2.0 ).
essa entidade formular um pedido reconvencionai no tribunal no qual tenha sido Se o requerido não tiver domicilio num EM e se o litígio respeitar à violação
instaurada a acção pelo trabalhador (art. 22. 0 , n. 0 2; cf. art. 8.°, n.º ~), nom~adam~te de uma patente europeia que dê origem a danos no interior da UE, o TUP
para a cobrança de um crédito contra o trabalhador que lhe tenha sido cedido, apos a pode igualmente exercer a competência relativamente a danos verificados
propositura da acção, pelo titular inicial 187 . fora da UE, desde que o requerido tenha bens localizados em qualquer EM
que seja parte no acto que estabelece o tribunal comum e em que o litígio
4.4. Competência convencional tenha uma conexão suficiente com qualquer desses EMs (art. 7 l .0 -B, n. 0 3);
As partes só podem convencionar o tribunal competente desde que, em alternativa: trata~se de uma competência subsidiária que deve ser exercida apenas nos
- O pacto seja posterior ao surgimento do litígio (art: 23.º,_ n.º ~); casos em que bens de valor não insignificante pertencentes ao requerido
O pacto permita ao trabalhador recorrer a tnbunats diferentes dos estejam localizados num EM que seja parte no instrumento que estabelece
normalmente competentes segundo o Reg. 1215/2012 (art. 23.º, n.º 2); o tribunal comum e o litígio em questão tenha conexão suficiente com esse
é o caso do pacto de jurisdição pelo qual se oferece ao trabalhador a EM, como sucede, por exemplo, quando o requerente nele está domiciliado
possibilidade de intentar uma acção em outros órgãos j~s~c~onai?, além ou os elementos de prova relativos ao litígio nele estão disponíveis (consid.
dos normalmente competentes, incluindo, se necessário, orgaos situados (7) Reg. 542/2014).
fora da UE 188 •
VI. Competência exclusiva
5. Tribunal comum
1. Generalidades
5.1. Enquadramento
1.1. Carácter universal
OTUP e oTJBenelux são considerados, nas matérias que cabem na sua competência,
tribunais dos EMs (art. 71.º-A). O art. 24.º enumera os casos de competência exclusiva dos tribunais dos EMs 189•
Esta competência, porque é exclusiva, prevalece sobre a competência determinada
5.2. Competência
por quaisquer outros critérios, gerais ou especiais (art. 4. 0 e 7.0 a 23.º) e impede a
A competência do TUP e do TJBenelux é determinada da seguinte forma: celebração de um pacto de jurisdição (art. 25. 0 , n.º 4). A sua violação é sempre de
O TUP e O TJBenelux são competentes quando, nos termos do Reg. conhecimento oficioso (art. 27.º) e constitui impedimento ao reconhecimento de uma
1215/2012 os tribunais de um EM que seja parte no acto que estabelece decisão proveniente de um outro EM (art. 45. 0 , n.º 1, al. e) ii).
qualquer desses tribunais (isto é, o AcTUP e o TrTJBenelux) sejam A competência exclusiva é independente do lugar do domicílio do demandado (art.
competentes nas matérias reguladas por esse acto (art. 71.º-B, n.º. 1); em 24.º pr.), pelo que se mantém mesmo que o réu não seja domiciliado num EM.A razão
especial, 0 TUP tem competência para a resolução de litígi_os rel~ct~nados de ser das regras de competência exclusiva é um nexo de ligação particulannente
com patentes europeias e com patentes europeias com efeito unitário (art. estreito entre o litígio e um EM, independentemente do domicílio tanto do demandante,
l.º, § l.º, e 32.º AcTUP); . ,. . _ como do demandado 190 • Assim, essas regras têm um âmbito de aplicação universal,
Nos casos em que o requerido não tenha dom1c1ho num EM - s1tuaçao pois que valem mesmo em relação a interessados domiciliados em Estados terceiros.
0
em que, em princípio, o Reg. 1215/2012 não é aplicável (art. 6. , n.º l) ·-
e O Reg. 1215/2012 não tenha de outra forma atribuído competência aos 1.2. Carácter unilateral
tribunais de um EM, aplica-se o disposto nos art. 4. 0 a 35.º, sempre que tal O disposto no art. 24. 0 não é bilateralizável, ou seja, não é aplicável quando o
se mostre adequado (art. 71.0 -B, n.º 2 § l.º); ao TUP e ao TJBenelux podem elemento de conexão se verifique em relação a um Estado terceiro. Assim, mesmo

89
1s1TJ 21/6/2018 (1/17). ' Cf. LIMA PJNHEIRO, ROA 65 (2005), 679 ss.=Est. Dias Marques (2007), 594 ss.
1
210 1ssr119/7/2012 (154/11). 'IOTJ 13/7/2000 (412/98), n.Q 46. 211
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo IV. Aferição da Competência Internacional

que, por exemplo, o imóvel sobre cuja propriedade litigam as partes domiciliadas o arr_endat_ário tenham domicílio no mesmo EM. Neste caso, também são competentes
na UE se situe num Estado terceiro, nada impede a aplicação do critério geral do os tnbunais do EM do domicílio do demandado 201 •
domicílio do demandado (art. 4. 0 , n.º 1) 191 . 2.2. Execução de decisões
2. Enunciado Em matéria de execução de decisões, são exclusivamente competentes os tribunais
do Estado do l~gar da execução (art. 24.º, n.º 5), o que significa que, por exemplo,
2. t. Acções reais
para a concessao do exequatur e para a apreciação de uma oposição à execução são
(a) Em matéria de direitos reais sobre imóveis e de arrendamento de imóveis, exclus!vamente competentes os tribunaís do lugar da execução202 • A competência
são exclusivamente competentes os triblUlaís do Estado onde se encontre o imóvel exclusiva do Estado de execução não se aplica à invocação da imunidade de jurisdição
(art. 24. 0 , n.º 1, § l.º), excepto, em certas condições, em matéria de contratos de pela parte anteriormente requerida num arresto decretado que, entretanto, foi
arrendamento de imóveis (art. 24. 0 , n.º 1, § 2.º) 192• Não basta que a acção diga respeito executado num outro EM, dado que essa invocação não é per se relativa à execução de
a um direito real sobre imóveis ou que a acção se prenda com um imóvel: é necessãrio decisões na acepção do art. 24.º, n.º 5 203.
que a acção se baseie num direito real 193 , ou seja, num direito dotado de eficácia erga Note-se que o art. 24.º, n.º 5, nada define quanto à competência para o processo de
omnes 194 • É o caso, por exemplo, da acção destinada a obter a declaração da invalidade execuçã?, limitando-se a estabelecer a competência exclusiva do tribunal da execução
do exercício de um direito de preferência que onera um imóvel 195 • ( determinado segundo as regras de competência do foro) para a apreciação de matérias
Para este efeito, não se integram na matéria de direitos reais sobre imóveis a acção relacionadas com a execução e afastando, consequentemente, a aplicação de qualquer
de indemnização pela perda do gozo de uma habitação após a anulação da transmissão outra regra constante do Reg. 1215/2012 para a determinação da competência para a
da propriedade 196 , a acção destinada a impedir as perturbações que afectam ou podem apreciação dessas matérias 204 •
afectar bens imóveis, decorrentes de radiações provocadas por uma central nuclear
2.3. Outras situações
sita no território de um Estado vizinho 197 , a acção de resolução de uma convenção
de venda sobre um imóvel e de indemnização pelas perdas e danos decorrentes desta (a) Em matéria de validade, de nulidade ou de dissolução das sociedades ou outras
resolução 198 , a acção de impugnação pauliana199 e, por fim, uma acção de anulação pessoas colectivas que tenham a sua sede no território de um EM, bem como de validade
de um contrato de doação de um imóvel, por incapacidade de contratar do doador2 00 • ou nulidade das decísÕes dos seus órgãos, são exclusivamente competentes os tribunais
(b) Nos termos do art. 24.º, n. 0 l, § 2. 0 , estão excluídos da competência exclusiva desse Estado (art. 24.º, n.º 2 l.ª parte) 205 • De molde a garantir a correspondência com
do tribunal da situação do imóvel os contratos de arrendamento que tenham sido o direito aplicável à validade, nulidade ou dissolução, para detenninar aquela sede, 0
celebrados para uso pessoal temporário por um período máximo de seis meses
consecutivos, em que o arrendatário seja uma pessoa singular e em que o proprietário e

:mi Sobre a bilateralização deste regime quando o imóvel arrendado se situa num Estado
terceiro, _cf. TE!XEIRADE SousA, IPRax 2003, 320 ss. (a bilateralização é negada pela generalidade
191
Sobre a problemática, cf. KROPHOLLERIVON HmN, EuZPR (2011), Art. 22 EuGVO, 7; da ~o~trina: cf., p. ex., KROPHOLLERIVON lIEIN, EuZPR (2011), Art. 22 EuGVO, 31); sobre a
aceitando a bilateralização deste regime quando o imóvel se situa num Estado terceiro e o direito matena dos contratos de arrendamento, cf. TJ 15/1/1985 (241/83); TJ 27/1/2000 (8/98).
deste Estado estabelece a competência exclusiva dos seus tribunais, cf. CoESTER-WALTJEN, FS ~'~f. TJ 417'.l:85 (220/84); excluindo da aplicação do preceito, em certas condições, a
Nakamura (1996), 104 ss. opos1çao à repartiçao do produto obtido através da adjudicação de um imóvel, cf. TJ I0/7/2019
191 (722/17).
Excluindo do âmbito do art. 24.º, n.º l, o time-sharing quando este não tem natureza real,
JOJ TJ 3/9/2016 (186/J 9), n.º 75.
cf. TJ 13/10/2005 (73/04). 2
193
TJ 17/5/1994 (294/92). (); Por tod~s, cf. HEss, EuZPR (2021 ), 399 s: "A execução não é objecto do Reg. 44/2001

194
TJ 11/11/2020 (433/19). tendo-se o legislador comunitário limitado à unificação do processo de exequatur". '
205
195
TJ 3/4/2014 (438/12). Cf. SCHM!TT, IPRax 20l0, 3IO ss.; uma acção, na qual uma parte alega que uma decisão
1%TJ 9/7/1994 (292/93). toma~ por um órgão de uma sociedade violou os direitos que a referida parte pretende invocar
97
' TJ 18/5/2006 (343/04). ao ~bngo dos estatutos desta sociedade, não diz respeito à validade das decisões dos órgãos de uma
198
TJ 5//4/2001 (518/99). sociedade: TJ 2/10/2008 (372/07); o mesmo deve ser dito do !ítígio no âmbito do qual uma sociedade
199 TJ 10/1/1990 (l 15/88); TJ 4/10/2018 (337 /17). alega não lhe ser oponível um contrato por alegada invalidade, resultante da violação dos seus
212 l()OTJ 16/11/2016 (417/15). estatutos, das decisões dos seus órgãos que conduziram à sua celebração: TJ 12/5/201 I (144/IO). 213
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo [V. Aferição da Competência Internacional

tribunal deve aplicar as regras do seu direíto íntemacional privado (art. 24. 0 , n." 2 2.ª 1.2. Delimitação
parte), o que signífica que, neste caso, não são aplícáveis os critérios definidos no art. Dado que é irrelevante o domicilio das partes que celebraram o pacto de jurisdição,
63.", n.º 1, ou seja, que essa sede não é determinada de forma autónoma206 • embora seja necessário que seja designado o tribunal de um EM (art. 25. 0 , n. 0 l P
(b) Em matéria de validade de inscrições em registos públicos, são exclusivamente parte), há que considerar, entre outras, as seguintes situações:
competentes os tribunais do EM em cujo território estejam conservados esses registos Ambas as partes são domiciliadas no mesmo EM: se o pacto atribuir
(art. 24.", n.º 3). A acção tem de respeitar ao próprio registo, não às consequências competência aos tribunais de outro EM, ele inclui-se no âmbito de aplicação
desse regísto. do art. 25.º21 º; se, através do pacto, for convencionada a competência dos
(c) Em matéria de inscrição ou de validade de patentes, marcas, desenhos, tribunais do próprio Estado do domicHio das partes, a convenção só pode
modelos e direitos análogos, são exclusivamente competentes os tribunais do EM em incluir-se no âmbito de aplicação do art. 25.º se derrogar a competência de
cujo território o depósito ou o registo tiver sido requerido, efectuado ou considerado tribunais de outros EMsm;
efectuado nos termos de um instrumento europeu ou de uma convenção internacional, É concedida competência aos tribunais de um Estado terceiro: a convenção
independentemente de a questão ser suscitada por via de acção ou de excepção não cabe no âmbito de aplicação do art. 25.º.
(art. 24.º, n.º 4). O regime abrange tanto os problemas relativos à validade, como as
questões referentes à violação da patente, marca, desenho, modelo ou direito análogo, 2. CEIForo
o que significa que a apreciação incidental da nulidade de uma patente ou de outro 2.1. Generalidades
direito só pode verificar-se no tribunal que seja competente de acordo com o disposto
no art. 24.", n." 4 207 • Se o EM for contratante do AcTUP, a competência pertence ao O regime que decorre do estabelecido no Reg. 1215/2012 tem de ser visto em
TUP (art. 71."-A, n.º 1 e 2, ai. a)). conjugação com o disposto na CEIForo112 • A CElForo é aplicável aos pactos que
atribuem uma competência exclusiva ao tribunal designado (art. l.º, n.º I, CE!Foro;
VII. Pactos de jurisdição sobre a possibilidade do reconhecimento e execução de decisões proferidas com base
num acordo não exclusivo de eleição do foro, cf. art. 22.º CElForo).
I. Âmbito de aplicação
2.2. Cláusula de desconexão
1.1. Determinação (a) A delimitação recíproca do âmbito de aplicação do Reg. 1215/2012 e da
O regime dos pactos de jurisdição que se encontra previsto no art. 25. 0 é aplicável CEJForo é regulada pelo disposto no art. 26. 0 , n. 0 6, CE!Foro, do qual resulta que,
sempre que o acordo atribua competência ao tribunal ou aos tribunais de um EM (art. mesmo nos Estados da UE, nem sempre o Reg. 1215/2012 prevalece sobre a CElForo.
25.", n." 1 l.ª parte}108 • Basta, no entanto, que a convenção identifique os elementos Do art. 26. 0 , n. 0 6, ai. a), CElForo decorre que a aplicação do Reg. 1215/2012 em
objectivos sobre os quais as partes acordaram para escolher o tribunal competente, detrimento da aplicação da CElForo apenas se verifica quando nenhuma das partes
desde que eles sejam suficientemente precisos para permitir que o tribunal possa que tenha celebrado o pacto de jurisdição tenha residência num Estado Contratante
determinar a sua competência ou possam ser concretizados através das circunstâncias que não seja, ao mesmo tempo, um EM do Reg. 121512015m. Noutros termos: a
próprias do caso concretoiw. CE!Foro prevalece sobre o Reg. 1215/2012 quando alguma das partes tenha a sua
residência num Estado contratante que não seja, ao mesmo tempo, um EM do Reg.
1215/2012.
(b) Do exposto resulta que, tendo presente que todos os EMs do Reg. 1215/2012
são também Estados Contratantes da CE!Foro, o Reg. 1215/2012 apenas prevalece
sobre a CE!Foro:
2!16Cf. MA."IKOWSKl, FS Simotta (2012), 356 ss.
207 Cf. TJ 13/7/2006 (4/03); o disposto no art. 24.º, n.º 4, não se opõe à aplicação do art. 35.º
sobre medidas cautelares: TJ 12/7/2012 (616/2010).
208 Cf. WELLER, ZZPint 19 (2014), 251 ss.; o regime que consta do art. 25.º segue, em alguns

aspectos, o disposto na CE!Foro (cf. HARTLEY/DOGAUCHI, Rapport exp!icatif/Explanatory l!OJENARD, Relatório, 156.
Report (2013)); cf. USUNIER, Rev. crit. DIP 99 (2010), 37 ss.; QUEIROW, Yb. Priv. Int. L. 15 m RAusCHER, EuZPR-EuIPR (2016)/MANKOWSKJ, Brüssel Ia-VO Art 25, 2L
(2013/2014), 113 ss. :mcr. WAGNER, RabelsZ 73 (2009), 100 ss.; WELLER, JPIL 13 (2017), 91 ss.
214 lO?TJ 9/11/2000 (387/98).
213
Cf. IIARTLEYIDOGAUCHI, Rapport explicatif, n.º 291 ss. 215
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo IV Aferição da Competência Internacional

Quando ambas as partes tíverem resídência num EM do Reg. 1215/2012; constar do estatuto de uma sociedade e puder ser interpretada no sentido de
por exemplo: o Reg. 1215/2012 é aplicável quando uma das partes tenha que se refere aos litígios entre a sociedade e os seus sócios 21 9;
residência na Áustria e a outra na Fínlãndia e tenha sido designado um A convenção deve determinar o tribunal ou os tribunais competentes para a
tribunal holandês, porque, neste caso, nenhuma das partes tem residência apreciação da causa (art. 25.º, n.º 1 l.ª parte).
num Estado Contratante que não seja um EM do Reg. 1215/2012214; (c) A ínterpretação do pacto de jurisdição é da competência do tribunal da acção 220 ,
Quando uma das partes tiver residência num EM do Reg. 1215/2012 e a pelo que é realizada segundo a lexfóri.
outra parte tiver residência num Estado terceiro que não seja um Estado
3.3. Requisitos formais
Contratante da CE!Foro; por exemplo: o Reg. 1215/2012 é aplicável quando
uma parte com residência na Áustria subscreve um pacto com um residente (a) (i) Quanto à forma, o pacto de jurisdição pode ser celebrado por escrito (art.
no Estado X, que não é um Estado Contratante da CElForo, porque, nesta 25.º, n.º l 3.ª parte, al. a))Z 21 , sendo equivalente à forma escrita qualquer comunicação
hipótese, nenhuma das partes tem residência num Estado Contratante que por via electrónica que permita um registo duradouro do pacto (art. 25.º, n.º 2), o que
não seja EM do Reg. 1215/201221 :;. inclui a aceitação por "clic" das condições gerais de um contrato de compra e venda222 •
A cláusula atributíva de competência que constava de um contrato que terminou, mas
3. Validade que continuou a ser a base jurídica das relações contratuais entre as partes, respeita
3.1. Generalidades o requisito da forma exigível se, segundo a lei aplicável, as partes podiam prorrogar
o contrato inicial sem observar a forma escrita ou se, na hipótese contrária, uma das
Os pactos de jurisdição previstos no art. 25.º são válidos nas seguintes condições: partes confirmou por escrito a referida cláusula ou o conjunto de cláusulas na qual ela
Os pactos não podem derrogar nenhuma das competências exclusivas se inclui, sem que a outra parte, que recebeu aquela confirmação, se tenha oposto 22 3.
previstas no art. 24. 0 (art. 25.º, n.º 4); (ii) O pacto de jurisdição também pode ser celebrado:
Os pactos não podem contrariar os requisitos mais exigentes que valem Verbalmente com confirmação escrita (art. 25. 0 , n. 0 l 3.ªparte, ai. a)), o que
para os pactos de jurisdição em matéria de seguros (art. 15.º), de contratos significa que, tendo o pacto sido celebrado verbalmente, nunca é suficiente
de consumo (art. 19.0 ) e de contrato individual de trabalho (art. 23.º) (art. uma aceitação tácita do mesmo por qualquer das partes 224 ; em particular,
25.º, n.º 4). se o pacto constar de uma cláusula contratual geral, é necessário que a
3.2. Requisitos gerais confirmação escrita do vendedor, acompanhada do texto das condições
gerais, tenha sido aceite por escrito pelo comprador2 25 ;
(a) O pacto de jurisdição é um contrato celebrado entre as partes, pelo que deve Em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si (art.
respeitar todos os requisitos exigidos quanto à formação dos contratosi 16 • Aqueles que 25.º, n.º 1 3." parte, ai. b));
não constem do art. 25.º .,. que são todos os que se referem aos aspectos materiais do No comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes
pacto e que não sejam incompatíveis com os regulados no art. 25. 0 - são regulados conheçam ou devam conhecer e que, no ramo comercial considerado,
pela lei interna do Estado do foro (incluindo as suas regras de conflitos (consid. (20)): sejam amplamente conhecidos e regulannente observados pelas partes em
é o que decorre do disposto no art. 25. 0 , n. 0 1 l.ª parte 217 • O que não é possível é contratos do mesmo tipo (art. 25.º, n.º 1 3.ª parte, al. c)); existe um uso num
acrescentar, nas matérias reguladas pelo art. 25.º, outros requisitos de validade2 18 • ramo do comércio internacional quando um comportamento é geralmente
(b) Quanto ao objecto, o pacto de jurisdição deve preencher os seguintes requisitos:
O pacto deve indicar a relação jurídica da qual surgiram ou poderão surgir
os litígios que serão objecto do processo (art. 25.º, n.º l Lª parte); este
requisito encontra-se satisfeito se a cláusula atributiva de competência 119
TJ 10/3/1992 (214/89); relativamente a uma infracção ao direito da concorrência, cf. TJ
24/10/2018 (595/17).
mTJ 10/3/1992 (214/89); TJ 3/7/1997 (269/95), n.º 31.
221 Cf. RG 14/12/2005 (22047/2005- l).

il4HARTLEY1DoGAUCHf, Rapport explicatif, n." 297. mn 21/5/2015 (322/14).


m HARTLEY!DoGAUCHl, Rapport explicatif, n. 298; cf. WAGNER, RabelsZ 73 (2009), 137 s.
0 223
TJ 11/11/1986 (313/85).
216 Cf. GOTIWALD, FS Henckel (1995), 295 ss. 224 Dif. STJ 8/10/2009 (5138/06.8TBSTS.Sl).

mNo domínio do Reg. 44/2001, cf. TJ 3/7/1997 (269/95), n.º 25. mTJ 14/12/1976 (25/76); TJ 16/3/1999 (159/97); dif. RG 15/10/2013 (165595/11.1 YIPRT.
216 218 Cf. TJ 16/3/1999 (159/97), n." 50 s. G2); cf. STJ 917/2014 ( 165595/1 J.l YJPRT.02.S 1). 217
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo fY. Aferição da Competência Internacional

seguido pelos contratantes que operam neste ramo aquando da conclusão


possível atribuir uma competência alternativa, tendo qualquer das partes
de contratos de certo tipo, de modo que esse comportamento pode ser
a possibilidade de escolha entre o tribunal designado no pacto e o tribunal
qualificado como uma prática constante2Z6.
competente segundo o Reg. 1215/2012 ou mesmo entre dois ou roais
(b) Estes requisitos formais são, em princípio, suficient~s _P.U:ª _assegurar a
tribunais designados no pacto231 ; é igualmente possível estabelecer que
protecção dos interesses dos contraentes. No caso de o pacto de Junsd1çao constar de
o pacto só beneficia uma das partes, isto é, que apenas uma delas goza
uma cláusula contratual geral há ainda que contar com o disposto no art. 19.º, al. g),
daquela possibilidade de escolham;
e 20.º LCCG 221 •
Como consequência da competência exclusiva do tribunal escolhido,
3.4. Autonomia do pacto nenhum outro tribunal permanece competente para a apreciação da acção;
o tribunal no qual a causa foi proposta em violação do pacto de jurisdição
Os pactos atributivos de jurisdição que façam parte de um contrato são indeP_Cndentes
dos outros termosdocontrato(art. 25.º, n.º 5, § l.º), isto é, são autónomos relativamente deve declarar-se oficiosamente incompetente quando o demandado for
ao contrato em que se inseremm. Por isso mesmo, a validade desses pactos não pode domiciliado no território de um EM e não comparecer em juízo (art. 28. 0 ,
n." 1).
ser contestada apenas com o fundamento de que o contrato nã~ é válido (art. 2~.º, n.º
5, § 2.°), dado que a nulidade do contrato não impede o funcionamento da clausula (b) A competência atribuída ao tribunal através do pacto de jurisdição também
atributiva de competência, se esta cláusula for válidam. Recorde-se que, enquanto a abrange a competência para apreciar qualquer reconvenção que seja deduzida pelo
validade do pacto é analisada em função da lei do Esta?o des~gnado (art .. 2-:.º: n.º 1 demandadom.
1.ª parte), a validade das restantes cláusulas do contrato e apreciada, em pnnc1p10, em 4.2. Efeitos substantivos
função do disposto no Reg. 593/2008 (Roma 1). .
O regime permite que o tribunal perante o qual o pacto é invocado possa analisar O pacto de jurisdição é vinculativo para as partes. Em certos casos, essa convenção
a validade do pacto e reconhecer, de acordo com o regime da Kompetenz-Kompetenz, também pode ser vinculativa para alguns terceiros. Assim, por exemplo: o portador
a sua própria competência, bem como que esse tribunal, se considerar qu~ o pacto é de um conhecimento de carga pode ficar vinculado, como receptor da carga, ao pacto
válido, tenha competência para declarar a invalidade do contrato em que se mse~e esse celebrado entre o a-fretador (expedidor) e o fretador (transportador) 234; o segurado,
pacto. Como a invalidade do contrato não implica a invalidade do pacto, é no tnbunal quando não coincida coro o tomador do seguro, fica vinculado ao contrato celebrado
designado nesta convenção que deve ser apreciada a invalidade daquele contrato. Por por este com o segurado:r'35 ; o terceiro que adquiriu títulos obrigacionistas junto de
uma idêntica razão, a cláusula de atribuição de jurisdição inserida num contrato de um intermediário financeiro pode ficar vinculado ao pacto de jurisdição contido no
agência mantém-se em vigor para todas as questões de natureza cível, mesmo que prospecto de emissão desses títulos 23 6; uma cláusula atributiva de jurisdição inserida
relativas ao respectivo regime de cessação 230 • num contrato de transporte celebrado entre um passageiro e uma transportadora aérea
pode ser oposta por esta última a uma sociedade de cobrança à qual o passageiro cedeu
4. Efeitos o seu crédito, se esta sociedade de cobrança tiver sucedido ao contratante original em
todos os seus direitos e obrigaçõesm.
4.1. Efeitos processuais
Diferente valoração merece a situação em que a cláusula atributiva de jurisdição
(a) O pacto de jurisdição produz um efeito atributivo e um efeito d.errogató~o: figura num contrato celebrado entre o fabricante de wn bem e o seu adquirente: essa
- O pacto atribui, em princípio, uma competência exclusiva ao tnbunal cláusula não é oponível ao terceiro subadquirente que, no termo de uma sucessão
designado (art. 25.º, n.º 1 2.ª parte); como resulta deste preceito, é de contratos translativos de propriedade celebrados entre partes estabelecidas em

rn Cf. KEYEs/MARSHALl, J Priv lnt'! L 11 (2015), 355 ss.


nóTJ 20/2/1997 (106/95); TJ 16/3/1999 (159/97); TJ 20/4/2016 (366/13); relativamente ao
mKROPHOLLER/VON HEIN, EuZPR (2011), Art. 23 EuGVO, 93; cf. WAJs, RabelsZ 81
requisito do art. 25.º, n.º 1, ai. e), cf. RL 17/3/2011 (285/06.9TNLSB.-A.Ll-8). (2017), 815 ss.
m Cf. RAuSCHER, EuZPR-EuIPR (2015)/MANKOWSKI, Brüssel Ia-VO Art 25, 68.
lllRAusCHER, EuZPR-EuIPR (2015)/MANKOWSKJ, Brüsse! la.YO Art 25,223.
:usFRANQ, ln GurncHARD (Ed.), Le nouveau feglement Bruxelles I bis (2014), 125 ss. 234
TJ 19/611984 (71/83).
229
TJ 3/7/1997 (269/95). myJ 14/7/1983 (201/82), n. 0 20.
i30Ac. STJ 3/2008, de 3/4, Dír. 140 (2008), 1139 (anot. MATIAS FERNANDES)=CDP 27 2
¾TJ 20/4/2016 (366/13).
218 (2009), 19 (anot. TEIXEIRA DE SOUSA). 237
TJ 18/11/2020 (519/19).
219
Parte I- .Processo Declarativo rv. Aferição da Competência Internacional
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa

um segurado, consumidor ou trabalhador - a que o Reg. 1215/2012 atribui uma


diferentes EMs, adquiriu esse bem e pretende intentar uma acção de. ind~mnizaç::
especial protecção 246 • Em todo o caso, o tribunal deve assegurar que o demandado seja
ontra o fabricante, salvo se estiver demonstrado que este tercetro eu o s
c . , . !' m infonnado do seu direito de contestar a competência do tribunal e das consequências
consentimento efecttvo a refenda c ausu1a ·
de não comparecer em juízo (art. 26. 0 , n.º 2)247 • Se este dever de prevenção não for
5. Pacto tácito cumprido, há que entender que a falta de contestação da competência é ineficaz e que
não se verifica a celebração tácita de um pacto de jurisdição24S.
5.1. Âmbito de aplicação
5.3. Efeito atributivo
(a) O art. 26.°, n.º l, prevê um pacto tácito de jurisdição: se a parte comparecer
. ·zo e não ar uir a incompetência do tribunal, este toma-se compete~te para (a) Se a acção se encontrar pendente num EM cujos tribunais não são
em JUl d 1· . . g O art 26 º n º l não é aplicável quando o demandado nao tenha internacionalmente competentes segundo o Reg. 1215/2012, o pacto tácito atribui
conhecer o 1ttg10. · ·, · ' · · · d um
_ tenha comparecidozJ9. A comparência emJu1zo e ao tribunal no qual a acção se encontra pendente tanto a competência internacional,
apresentado o b servaçoes, nem tender
curador de ausentes nomeado pelo tribunal não é suficiente ~ara que po2ss6aº en º l é como a competência territorial 249. Isto significa que, nesta hipótese, as regras internas
· , 240 Em contrapartida o art. . , n. , sobre os pactos de competência não são aplicáveis.
que a parte ausente compareceu em JUIZ0 •. _ e~ ão do crédito do
, , l se o réu tiver invocado apenas a extmçao, por comp saç , (b) Se a acção for proposta num EM cujos tribunais são internacionalmente
ap l1cave . . " . . p41
autor nada referindo quanto a mcompetencrn do tnbuna . . . . _ competentes de acordo com o Reg. 1215/2012, mas não no tribunal territorialmente
() art. 26.º, n.º l, é aplicável nos casos em que a acção fo_1 t~tentada em vto1açao competente, há que considerar duas situações:
das disposições do Reg. 1215/2012 e implica que a_comparenc1a ~o ~emdand~bo n~ A competência territorial também é regulada pelo Reg. 1215/2012 (como
. d a uma ac eitação tácita da competencia "o tn . mun sucede, por exemplo, no caso previsto no art. 7. 0 , n. 0 5); nesta hipótese, o
Processo possa ser considera _ extensão da sua competenc1a . 0
onde foi intentada a acçao e, portanto, uma pacto tácito também atribui competência territorial ao tribunal da causa;
regime vale igualmente quando a incompetência do tribunal da causa resultar d~ :i A competência territorial não é regulada pelo Reg. 1215/2012, mas pelo
direito interno do EM; nesta hipótese, o que importa aferir é a validade de
pacto de jurisdição243, ou seja, também é aplicável q~do as partes :enham rettr o
convencionalmente competência ao tribunal no qual e proposta a ~cça?. . . um pacto tácito de competência, o que tem de ser feito de acordo com o
· rt 25 ° 0 11 ªparte nao haqueex1gtrque direito interno do Estado do foro (quanto a Portugal, cf. art. 95.º, n.º l, e
(b)Porparalelismocomod1spostonoa . . ,n. . : º . licável
alguma das partes tenha domicílio num EM. Para que o art. 26. , n. 1, seJa. ª~- , 104.", n.º l, CPC) 25 º.
não é necessário que nem o demandante, nem o demandado tenham dom1c1 10 num 5.4. Excepção ao regime
EM'44.
(a) O efeito de atribuição de competência não se produz se o réu comparecer
5.2. Dever de prevenção em juízo para arguir a incompetência do tribunal ou se houver um outro tribunal
A celebração tácita do pacto de jurisdição não é impedida pela ~ircunstância de a exclusivamente competente (art. 26.º, n.º l 2.ª parte). O demandado pode contestar
com etência do tribunal da causa não se poder basear num~ ~onvenç~o celebrada entre a competência do tribunal e apresentar, de forma subsidiária, a sua defesa quanto ao
as :rtes elo facto de o objecto da acção respeitar a matenas relativas a seguros, ao fundo, pelo que esta contestação quanto ao mérito não retira eficácia à contestação da
p p t . d' ·ctual de trabalho241 e envolver uma parte - por exemplo,
consumo ou ao contra o m IVl
competência que for apresentada ao mesmo tempo 251 •
(b) Como o fonnulário constante do anexo VI Reg. 1896/2006 não disponibiliza
nenhuma possibilidade de contestar a competência dos tribunais do EM de origem,

<l><TJ 7/2/2013 (543/10).


219TJ 11/4/2019 (464/18). 246
TJ 20/5/2010(111109) n.º 30.
l40TJ J1/9/2014 (l 12/13). 247
O regime contraria a orientação de TJ 20/5/201 O (111/09).
24l TJ 7/3/1985 (48/84). 2
"1lvoNHEIN,RJW2013, 109.
242TJ 20/5/201 O (111/09), n.º 21. 14
ºl<RoPH0LLERIVON HEJN, EuZPR (2011), Art. 24 EuGVO, 6.
2•JTJ 24/6/1981 (150/80); TJ 7/3/1985 (48/84); cf. TJ 17/3/2016 (175/15). 25 ºCf. KRoPHOLLER/vON HEIN, EuZPR (2011), Art. 24 EuGVO, 6.
244 Sobre a questão, cf. TJ 13/7/2000 (412/98), n.º 44 s. 21
-' TJ 14/7/1983 (201/82); cf. RE 4/5/2006 (66/06~3); RC 5/12/2006 (2/04.8TBAVR.Cl). 221
220 m KROPHOLLERIVON HEIN, EuZPR (201 l ), Art. 24 EuGVO, 16.
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I Processo Declarativo IV. Aferição da Competência Internacional

uma oposição à injunção de pagamento europeia que não contenha uma contestação (art. 28.", n. 0 2 a 4), eventualmente segundo o disposto no art. 19.º Reg.
da competência dos tribtlllaís do EM de origem e que não seja acompanhada de 1393/2007 (art. 25. 0 , n.º 2, Reg. I393/2007)Z 56 •
alegações sobre o mérito da causa não pode ser considerada como uma comparência, 2.2. Regime nacional
na acepção do art. 26. º, n.º l m. O mesmo há que entender na hipótese de o requerido
ter formulado, no âmbito da oposição que deduziu, alegações sobre o mérito da causa, Os art. 27.º e 28.ºregulam os casos em que, segundo o Reg. 1215/2012, o tribunal da
dado que esta oposição não se destina a servir de enquadramento com vista a uma causa deve controlar oficiosamente a sua competência. Esta circtlllstância não exclui
defesa de mérito, mas antes a permitir ao requerido contestar o crédito numa acção que o direito interno dos EMs possa impor o conhecimento oficioso da competência
posterior(art. 17.º, n.º 1, Reg. 1896/2006)2>3. decorrente do Reg. 1215/2012 noutras situações.

3. Consequências da incompetência
VIII. Controlo da competência
O Reg. 1215/2012 não define quais as consequências da incompetência do tribunal,
1. Generalidades pelo que elas devem ser procuradas no direito interno do Estado do foro. Em concreto,
O tribunal da acção tem competência para apreciar a sua própria competência, as hipóteses são as seguintes:
isto é, beneficia da regra da Kompetenz-Kompetenz. Apesar de o Reg. 1215/2012 Verifica-se a incompetência absoluta do tribunal no qual a acção foi
não ser aplicável à arbitragem (art. l.º, n. 0 2, al. d)), isso não impede que o tribunal proposta quando nem esse tribunal, nem nenhum outro tribunal português
da causa, para apreciar a sua competência, se possa pronunciar sobre a validade e a seja internacionalmente competente para apreciar a acção (art. 96.º, ai. a),
aplicabilidade de uma convenção arbitral (cf. consid. (12) § 1. 0 ). CPC);
Pode suceder que certos factos controvertidos sejam pertinentes para a apreciação Ocorre a incompetência relativa do tribunal no qual a acção foi intentada
quer da competência internacional, quer do direito invocado. Dada a relevância quando esse tribunal não seja competente para apreciar a acção, mas haja
destes factos duplos, o órgão jurisdicional onde foi intentada a acção pode apreciar um outro tribunal português que tenha essa competência (art. I02.º CPC).
a sua competência internacional com base em todas as informações de que dispõe,
incluindo, se for caso disso, as contestações apresentadas pelo demandadoi·14 • IX. Litispendência e conexão

2. Controlo oficioso 1. Enquadramento

2.1. Regime europeu 1.1. Generalidades


O controlo da competência que é estabelecida pelos vários critérios gerais ou É indispensável evitar que estejam simultaneamente pendentes varias acções
especiais enunciados no Reg. 1215/2012 pode ser realizada oficiosamente em duas idênticas quanto ao objecto e às partes e é conveniente que não sejam julgadas
situações: separadamente acções que podem conduzir a decisões incompatíveis: estas premissas
Quando a sua incompetência provém da violação da competência exclusiva justificam a excepção de litispendência e a apensação de acções conexas. Os art. 29.º a
dos tribunais de outro EM estabelecida no art. 24." (art. 27. 0)2 55; portanto, a 34.º definem o regime aplicável à excepção de litispendência e à apensação de acções,
incompetência do tribunal do foro não é de conhecimento oficioso quando sempre que as causas estejam pendentes em tribtlllais de diferentes EMs 257 • O regime
a competência exclusiva de um outro tribunal decorrer de um pacto de da litispendência (art. 29.º e 33.0 ) prevalece sobre o regime da conexão (art. 30.º e
jurisdição (art. 25.º, n.º l 2.ª parte); 34.0 ), pelo que este só pode ser aplicado se, por falta da identidade de acções, não
Quando o réu, domiciliado num EM, não for demandado nos tribunais do houver motivos para aplicar aquele primeiro.
Estado do seu domicílio e, além disso, não comparecer em juízo (art. 28.º, O disposto nos art. 29.º a 32.º também se aplica quando forem intentados processos
n.º 1); neste caso, é imposto ao juiz um controlo da citação do demandado
no TUP ou no TJBenelux e num tribunal de um EM que não seja parte no acto

ZllTJ 13/6/2013 (144/12), n." 33 e 34.


253 TJ 13/6/2013 (144/12), n.º 39 a 41. " Cf. SPELLENBERG, FS Gottwald (20 !4), 628 ss.
6

257
'"'TJ 29/1/2015 (375/13), n.º 64. Cf. TJ 24/6/1981 (150/80); TJ 20/1/1994 ( 129/92); TJ 8/5/2003 (111/01 ), CDP 3 (2003),
222 255
TJ 15/11/1983 (288/82). 25 ss. (anot. TEIXEIRA DE SOUSA); TJ 9/12/2003 (116/02). 223
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo IV Aferição da Competência Internacional

que estabelece esse tribunal comum (art. 71."-C, n:º 1r


Isto não exclui a aplicação as diligências que lhe competem para que o demandado seja citado para a
do estabelecido nos art. 33.º e 34.º quanto à pendencia de uma causa num Estado acção (art. 32.0 , n.º 1, § l.º, ai. a))2ó 3 ;
terceiro 25 s. Nos EMs em que a citação precede a entrada do processo no tribunal, 0
processo considera-se pendente na data em que o processo é entregue à
1.2. Regras comuns
autoridade competente para proceder à citação, desde que o demandante
o regime sobre a Iitispendência e a conexão de acções caracteriza-se pelas seguintes apresente o acto no tribunal logo que o deva fazer em aplicação da lei do
regras comuns: d. foro (art. 32.º, n." 1, § l.º, ai. b)); a autoridade responsável é a primeira
_ Irrelevância do domicílio do demandadom, pelo que, dado o 1sposto no autoridade a receber o documento a notificar (art. 32.", § 2. 0 ).
art. 6.", n.º l, é irrelevante que algum dos tribunais das várias acções tenha (b) A pedido de um tribunal no qual esteja pendente uma acção, qualquer outro
aferido a sua competência pelo seu direito interno; _ tribunal tem o dever de o informar, sem demora, da data em que a acção lhe foi
Imposição de uma regra de prioridade: o tribunal ~a s~gunda acçao dev; submetida (art. 29.º, n.º 2). Os art. 33." e 34.º prevêem a hipótese de uma acção se
considerar-se incompetente a favor do tribunal da pnmeua acção (art. 2~. , encontrar pendente no tribunal de um país terceiro, mas a obrigação de informação
0 3 30 ° n.º 2) mesmo que a primeira acção comece por uma tentativa não lhes pode ser estendida.
n. , e · , ' t b l "d
obrigatória de conciliação260 ; considera-se que se en~ontra es a e ect a
a competência do primeiro tribunal quando este nao tenha declarado 2. Excepção de litispendência
oficiosamente a sua incompetência, nem nenhuma das parte_s a ~e~ 2.1. Noção
suscitado até ao momento da tomada de posição que o respectivo due'.to
processual nacional considere ser a primeira contestação quanto ao mérito
A excepção de litispendência opera quando entre as mesmas partes estejam
pendentes, em simultâneo, várias acções sobre o mesmo objecto em diferentes tribunais
deduzt·da nesse tribunal26 ,• esta regra de prioridade favorece as chamadas
1
b' · de vários EMs164 • A identidade de partes é aferida pela identidade dos seus interesses,
"acções torpedo", i.sto é, a acções que são pr?pastas co~ o o :Jechvo,
pelo que, por exemplo, o segurador e o seu segurado, em certas circunstâncias, podem
assumido ou, pelo menos, admitido, de impedu a propositura de outras
262
ser considerados a mesma parte26\
acções noutros EMs •
A excepção de litispendência também pressupõe a identidade de objectos entre as
1.3. Momento da propositura duas acções: para este efeito, o que releva é, segundo a teoria do "núcleo essencial", a
( ) Dada a importância, para o funcionamento da excepção de litispendê~cia ou da necessidade de evitar o proferimento de decisões contraditórias2<>6, como sucede, por
cone:ão entre acções, do momento em que se considera inicia?a a pendênc1a uma ?e exemplo, entre uma acção de apreciação negatíva que isenta de responsabilidade uma
parte e uma acção destinada a obter a condenação dessa parte 267 • Diferente é a situação
acção (nwn EM ou num país terceiro), são fornecidas as segumtes regras au1onomas
quando numa das acções é formulado, pelo proprietário de um navio, um pedido
de determinação desse momento: .
_ Nos EMs _ como Portugal - em que a entrada do pedido no u:1~u~~ se destinado à criação de um fundo de limitação da responsabilidade, simultaneamente
verifica antes de O demandado ser citado do documento que da m1c10 à designando a vítima potencial do dano, e na outra acção é pedida, por esta vítima
instância (art. 259.º, n." 1, CPC), o processo considera-se pendente na data contra o proprietário do navio, uma indemnização 268 •
da entrada do processo em tribunal, desde que o demandante faça todas

263
Para efeito da determinação do momento em que a acção se considera proposta é
irrelevante qualquer activídade instrutória que tenha ocorrido antes da propositura da acção:
2,~cf. M!GUELAsENSIO, nc 2014, 872 s. cf. TJ 4/5/2017 (29/16).
2i9 Cf., quanto à excepção de litispendêncía, TJ 27/6/1991 (35 J/89). 264
A acção considera-se submetida quando seja apresentada uma queixa com constituição
260Sobre o problema, cf. STUMPE, IPRax 2008,22 ss. de parte civil num tribunal de instrução, mesmo que a fase da instrução ainda não esteja
l61 TJ 27/2/2014 (l/13). . concluída: TJ 22/10/2015 (523/14).
Sobre a forma de combater as "acções torpedo", cf., na perspectwa da reforma do Reg.
262 265
TJ 19/6/1998 (351/96).
44/2001 TEIXEIRA DE SOUSA, FS Kaissis (2012), J017 ss.; HlLBIG-LUGANI, FS._Schütze (2_?1_5), 266
HESS, EuZPR (2021), 419 s.
.' ' bito do Reg. 1215/2012, cf. KLõPFER, Missbrauch, 355 ss.; LuKE, FS Prüttmg 261
TJ 19/12/2013 (45Vl2).
195 ss., no am . . . . MOR 2016 936 ss.
224 (2018), 417 ss.; crítico perante o regime 1nst1tmdo, cf. GoTIWALD, , 268
TJ 14/10/2004 (39/02). 225
Parte I-· Processo Declarativo IV. Aferição da Competência Internacional
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa

não tem sequer de aguardar pela suspensão da instância pelo primeiro tribunal para
2.2.EMs
apreciar a sua competência (cf. consid. (22) § 5.0 ).
(a) (i) O tribunal da segunda acção deve controlar oficiosamente a verificação da Apesar de a competência para a apreciação da validade e aplícabilidade do pacto
excepção de litispendência e deve suspender a instância até que seja estabelecida a de jurisdição pertencer ao tribunal nele designado, não se pode retirar ao tribunal não
competência do tribunal no qual a acção foi primeiramente instaurada (art. 29.º, n.º 1). designado a possibilidade de controlar (aliás, de acordo com a lei do Estado designado:
De molde a propiciar o conhecimento da data da propositura da acção, o art. 29.º, n.º cf. art. 25. 0 , n. 0 1 1." parte) uma invalidade ou inaplicabilidade manifesta do pacto
2, estabelece um dever de cooperação entre os tribunais interessados. de jurisdição273 • Seja como for, mesmo que o tribunal não designado considere que
O tribunal da segunda acção, se não se considerar incompetente, só pode suspender o pacto é inválido ou inaplicável, após o tribunal designado no pacto se considerar
o processo, não podendo fixar a competência do tribunal da primeira causa26g. Depois competente, aquele tribunal tem de se considerar incompetente (art. 31.º, n.º 3).
dessa suspensão, se a competência do tribunal da primeira acção se vier a estabelecer, (b) Após a declaração da competência pelo tribunal designado, ou seja, após a
o tribunal onde a mesma causa foi instaurada em segundo lugar deve declarar-se aceitação por esse tribunal da sua competência exclusiva, a regra da prioridade
incompetente (art. 29.º, n.º 3). mostra a sua completa expressão: os tribunais dos outros EMs devem declarar-se
(ii) Para o controlo da litispendência pelo tribunal da segunda acção nem sempre incompetentes (art. 31. 0 , n. 0 3). O regime evita os efeitos decorrentes da propositura e
é irrelevante uma prognose sobre o reconhecimento da decisão pendente nos tribunais pendência de uma "acção torpedo" num tribunal que não seja competente segundo o
do outro EM. Assim, antes de suspender a instância em aplicação do disposto no art. acordo de eleição do foro.
29.°, n.º l, o órgão jurisdicional chamado a pronunciar-se em segundo lugar deve 2.4. Exclusão do regime
0
apreciar se, em razão da inobservância da competência exclusiva prevista no art. 24. ,
uma eventual decisão de mérito do órgão jurisdicional chamado a pronunciar-se em (a) Como é demonstrado pela ressalva do art. 26.º que é realizada no art. 31.º,
primeiro lugar não poderá ser reconhecida nos outros EMs (art. 45. 0 , n.º 1, ai. e) ii) 270 • n.º 2, o regime não se aplica se o réu tiver aceitado, ainda que apenas tacitamente, a
(b) Na hipótese de o tribunal da primeira e da segunda acção possuírem ambos competência do tribunal não designado no qual a acção se encontra pendente. Também
parece dever entender-se que o disposto no art. 31.º, n.º 2, não se aplica se, entretanto,
uma competência exclusiva, o art. 31.º, n. 0 l, desviando-se da suspensão da instância
houver uma decisão definitiva sobre a competência do tribunal não designado 274 •
definida no art. 29.º, n.º l, impõe que o tribunal da segunda acção se declare
(b) O regime não é aplicável se o demandante for um tomador de seguro, um
incompetente. segurado, um beneficiário do contrato de seguro, um lesado, um consumidor ou um
2.3. Competência convencional trabalhador e o pacto não for válido nos termos dos art. 15.º, 19.º e 23.º (art. 31.º,
n. 0 4). Uma vez que não se pode desproteger a parte mais fraca. isto significa que
(a) A fim de reforçar a eficácia dos pactos de jurisdição que estabelecem uma
aquele regime não é aplicável se, sendo o demandante um tomador de seguro, um
competência exclusiva (consid. (22); cf. art. 25. 0 , n.º 1 1.ª parte) e de evitar que "os
segurado, um beneficiário do contrato de seguro, um lesado, um consumidor ou um
litigantes de má fé adiem a resolução do litígio no tribunal acordado submetendo em
trabalhador, a acção for proposta num tribunal diferente do tribunal designado e for
primeiro lugar a acção a um tribunal não competente"271 , os tribunais dos demais
invocada perante este, por um daqueles demandantes, a invalidade do pacto. A solução
EMs devem suspender a instância até o tribunal no qual é invocado o pacto e que,
destina-se a evitar que o demandante - que é a parte mais fraca tenha de aguardar a
alegadamente, possui uma competência exclusiva se declarar competente (art. 31.º, decisão do tribunal designado no acordo de eleição do foro e implica a aplicação da
n.º 2) 272 • Isto significa que, na apreciação da validade e aplicabilidade do acordo de regra geral estabelecida no art. 29."275 •
eleição do foro, é concedida prioridade ao tribunal alegadamente competente segundo (c) O regime não se aplica às situações em que as partes tenham celebrado vários
esse acordo (e não ao tribunal no qual tenha sido proposta a primeira acção): só depois acordos exclusivos de eleição do foro que sejam incompatíveis e aos casos em que
de aquele tribunal se considerar incompetente é que o tribunal da primeira acção pode a acção tenha sido primeiramente proposta no tribunal designado no acordo. Nestas
levantar a suspensão da instância (cf. consid. (22) § 2.º e 3. 0 ). O tribunal designado

mNUYTS, Rev. crit DIP 102 (2013), 53; DoMEJ, RabelsZ 78 (2014), 536, referindo que uma
TJ 27/6/1991 (351/89).
2i5 9
apreciação primafacie da validade do pacto é sempre indispensâvel.
Z70TJ 3/4/2014 (438/12). 274 DoMEJ, RabelsZ 78 (2014), 534.
211 COM(2010) 748 final, de 14/12/2010, 1.2.
mcf. VON HEJN, RJW 2013, !05. 227
272 0 regime legal implica o abandono da orientação defendida em TJ 9/12/2003 (116/02).
226
J. de Castro Mendes J M. Teixeira de Sousa parte 1- Processo Declarativo rv. Aferição da Competência Internacional

hipóteses, também se deve aplicar a regra geral de litispendência constante do art. 29 .º decisão proferida num EM seja impedido pela existência de uma decisão anterior
(consid. (22) § 2. 0 ). proveniente de um Estado terceiro (art. 45.º, n. 0 l, ai. d)). Isto é: dado que, nos termos
2.5. Estados terceiros do disposto neste preceito, uma decisão anteriormente proferida num Estado terceiro
0
impede o reconhecimento de uma decisão posterior proveniente de um EM noutro
(a) Se a competência do tribunal do EM se basear no disposto no art. 4. (critério
EM, compreende~se a relevância concedida pelo Reg. 1215/2012 à pendência de
geral) ou nos art. 7.º, 8.º ou 9. 0 (critérios especiais) - não, portanto, no estabelecido
uma acção idêntica num Estado terceiro. No entanto, enquanto a litispendência que
nos art. l 0. 0 a 26.º - e se já estiver pendente uma acção num tribuna! de wn país terceiro
envolve tribunais de diferentes EMs impõe a obrigação da suspensão da instância
no momento em que é instaurada uma acção no tribunal de um EM com a mesma causa
(art. 29.º, n.º l), a Iitispendência entre uma acção pendente num tribunal de um EM e
de pedir e entre as mesmas partes, este tribunal pode suspender a instância se for
uma acção instaurada num Estado terceiro apenas atribui ao tribunal daquele Estado o
previsível que o tribunal daquele país profira uma decisão passível de ser reconhecida
poder discricionário dessa suspensão.
e executada no Estado do foro (segundo o direito interno deste Estado: cf. consid.
(ii) Também é pensável que a acção esteja simultaneamente pendente nos tribunais
(23)) e, além disso, se estiver convencido de que a suspensão da instância é necessária de um Estado terceiro e, depois, nos tribunais de dois EMs. Nesta hipótese, impõe~se
para a correcta administração da justiça (art. 33.º, n.º l )276 • começar por resolver o problema da litispendência entre os tribunais dos dois EMs:
(b) Se a competência do tribunal se fundamentar no estabelecido nos art. 10.º a
nos termos do disposto no art. 29.º, n.º l e 3, o tribunal do EM da segunda acção deve
26.º ou, nos termos do art. 0 6. 0 , n.º l, no direito interno do Estado do foro, a relevância
sus~ender .ª instância até qu~ seja estabelecida a competência do tribunal da primeira
da pendência de uma causa num Estado terceiro é apreciada segundo esse mesmo
acçao; se isso suceder, o tnbunal da segunda acção deve declarar-se incompetente.
direito interno. Depois disso, cabe ao tribunal da primeira acção, aplicando o estabelecido no art. 33.º,
2.6. Aplicação do regime n.º l, a decisão de suspender a instância279 •
(a) Na análise imposta pelo art. 33.", n.º l - aliás próxima daquela que é realizada 2.7. Ponderação do tribunal
no exame do .forum non conveniens -, o tribunal do EM pode avaliar todas as
(a) O tribunal do EM pode continuar o processo a qualquer momento se a instância
circunstâncias do caso concreto, que podem incluir as relações dos factos do processo
no tribunal do país terceiro tiver sido suspensa ou extinta (art. 33.º, n.º 2, ai. a)), se
e das partes com o Estado terceiro, a fase em que se encontra o processo no país
considerar improvável que a acção no tribunal do país terceiro se conclua num prazo
terceiro no momento em que é intentada a acção no tribunal do EM e ainda se é
razoável (a~t. 33.º, n." 2, ai. b)) ou ainda se for necessário dar continuação ao processo
previsível que o tribunal do país terceiro profira a sua decisão em prazo razoável
para garantir a correcta administração da justiça (art. 33.º, n.º 2, ai. c)). O tribunal do
(consid. (24) § 1.0 ). A avaliação pode ainda incluir a ponderação da questão de saber
EM deve extinguir a instância se a acção no tribunal do país terceiro tiver sido concluída
se o tribunal do país terceiro tem competência exclusiva no caso concreto nas mesmas e resultar numa decisão passível de reconhecimento e de execução nesse Estado (art. 33.0 ,
circunstâncias em que o tribunal de um EM teria competência exclusiva (consid. (24)
n.º 3).
§ 2. 0 ), o que implica a bilateralização de uma das regras constantes do art. 24.º ou a
(b) O tribunal do EM deve suspender, continuar ou extinguir a instância a pedido
consideração da atribuição de competência exclusiva a esse tribunal através de um
de qualquer das partes ou, caso a lei nacional o permita, oficiosamente (art. 33.º, n.º
acordo de eleição do foro que, se concedesse competência ao tribunal de um EM, seria
0 4). No direito português, nada parece contrariar a iniciativa oficiosa do tribunal. No
válido segundo o art. 25.''277 . Fora do âmbito de aplicação do art. 33. , os tribunais de
entlll:t~,. a extinção da instância nunca pode ocorrer sem que o tribunal se certifique da
um EM não podem recusar a competência atribuída pelo Reg. 1215/2012 com fundamento
poss1b1hdade de reconhecimento e execução da decisão proveniente do país terceiro:
na competência exclusiva de wn Estado terceiro278 • o que é imposto para a suspensão da instância (art. 33.º, n.º 1 ai. b)) não pode deixar
(b) (i) O regime pressupõe a prioridade da propositura da acção no Estado terceiro,
de ser exigido para a sua extinção.
pelo que se pode concluir que o mesmo visa evitar que o reconhecimento de uma
2.8. Competência convencional
Ao con~o do dis~osto no art. 31.º, n.º 2 a 4, o art. 33." não consagra nenhuma
:uocr. FRANZINA, Rdipp 50 (2014), 23 ss.; BUONAIUTI, Yb. Priv. Int. L. 15 (2013/2014), 87 regra especial para a hipótese de as partes terem atribuído competência aos tribunais
de um Estado terceiro. Isto significa que o tribunal da acção aprecia a validade desse
ss.
mQuanto a esta última hipótese, cf. HAY, ELF 13 (2013), 4; PoHL, IPRax 2013, 112;
CARBONEfIUO, Rdipp 51 (2015), 12; dif. BERAUDO, J,0.f. 140 (2013), 755.
228 i 7sCARBONEITUO, Rdipp 51 (2015), 19.
l70fRANZINA, Rdipp 50 (2014), 39 s. 229
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo IV: Aferição da Competência Internacional

pacto de jurisdição com base na CEI Foro ou no seu direito e, se o considerar válido, país terceiro no momento em que é proposta no tribunal de um EM rnna acção conexa
deve extrair as respectivas consequências 2B0• No direito português, a consequência é o com a acção intentada nesse pais, este tribunal pode suspender a instância se houver
indeferimento liminar da petição inicial (art. 96.º, ai. a), e 99.º, n. 0 l) ou a absolvição interesse em que as acções sejam instruídas e julgadas em conjunto para evitar decisões
do réu da instância (art. 96.°, ai. a), e 99. 0 , n.º l; cf. art. 278. 0 , n. 0 l, ai. a), 576.º, n.º 2, que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente, se for
previsível que o tribunal do país terceiro tome uma decisão passível de reconhecimento
e 577.º, al. a)).
e de execução nesse EM e ainda se estiver convencido de que a suspensão da instância
3. Acções conexas é necessária para uma correcta administração da justiça (art. 34.º, n.º l ).
O tribunal do EM pode continuar o processo a qualquer momento se considerar que
3.1. Generalidades
deixou de haver risco de decisões inconciliáveis (art. 34.º, n.º 2, al. a)), se a instância
As acções consideram-se conexas quando entre elas exista um nexo tão estreito no tribunal do país terceiro tiver sido suspensa ou extinta (art. 34.º, n.º 2, ai. b)), se
que haja interesse em que sejam instruídas e julgadas simultaneamente, assim se considerar improvável que a acção intentada no tribunal do pais terceiro se conclua num
evitando soluções inconciliáveis se as acções fossem julgadas separadamente (art prazo razoável (art. 34.º, n.º 2, al. e)) ou se for necessário continuar o processo para
30. 0 , n. 0 3). Por exemplo: verifica-se uma conexão entre uma acção proposta contra o garantir a correcta administração da justiça (art. 34. 0 , n. 0 2, al. d)). O tribunal do EM
proprietário do navio pelos proprietários de algumas mercadorias e uma outra acção pode extinguir a instância se a acção intentada no tribunal do país terceiro tiver sido
instaurada num outro EM, contra o mesmo proprietário do navio, pelos proprietários concluída e resultar numa decisão passível de reconhecimento e, se for caso disso, de
de outra parte do frete 281 • Diferentemente do que sucede quanto ao disposto para a execução nesse EM (art. 34.°, n.º 3).
!itispendência (art. 29.º, n. 0 1), a conexão entre acções não exige nem identidade de (b) O tribunal do EM pode suspender, continuar ou extinguir a instância a pedido
objectos, nem de partes 282 • de qualquer das partes, mesmo, caso a lei nacional o permita, oficiosamente (art. 34.º,
n. 0 4).
3.2. EMs
A conexão entre as acções justifica as seguintes soluções: § 17.º Reg. 2201/2003 284
O tribunal da segunda acção pode suspender a instância (art. 30.º, n.º 1),
I. Generalidades
isto é, pode ficar a aguardar a decisão proferida na primeira acção; trata-se
de uma decisão discricionária do tribunal da segunda acção2 83 ; 1. Objectivos
Se a acção mais antiga estiver pendente em 1.ª instância, o tribunal da
segunda causa pode declarar-se incompetente, a pedido de qualquer das O Reg. 220l/2003 visa, na sequência do por ele revogado Reg. 1347/2000,
partes, se o tribunal da primeira acção for competente para a sua apreciação completar o regime instítuído pelo Reg. 44/2001 ·- e, agora, pelo Reg. 1215/2012 ~
e a sua lei permitir a apensação das acções (art. 30.0 , n. 0 2; quanto ao direito que não era aplicável a matérias relativas ao estado das pessoas singulares (art. l .º, n.º
português, cf. art. 267.° CPC); a regra só vale se a acção mais antiga estiver 2, al. a), Reg. 1215/2012). O Reg. 2201/2003 procura contribuir para a livre circulação
pendente na 1. 0 instância, dado que importa evitar que as partes da outra de pessoas na UE (cf. consid. (I )), nele se contendo regras sobre os seguintes aspectos:
causa percam o benefício da 2.ª instância ( o que sucederia pela segunda Competência para as acções de divórcio, de separação ou de anulação do
vez, se a segunda acção também já se encontrasse na 2.ª instância). casamento e reconhecimento das decisões aí proferidas (art. 3.º a 7.º, 21.º,
22.º e 24.º a 27.º);
3.3. Estados terceiros Competência para as acções relativas à responsabilidade parental e para o
(a) Se a competência do tribunal do EM se basear no art. 4. 0 (critério geral) ou nos reconhecimento e execução das correspondentes decisões, actos autênticos
art. 7.º, 8.º ou 9.º (critérios especiais) e estiver pendente uma acção no tribunal de um ou acordos (art. 8.0 a 15. 0 , 21.º, 23. 0 a 27 .º e 28. 0 a 46. 0 );
Cooperação internacional em matéria de responsabilidade parental (art.
53. 0 a 58.0 ).

' 8ºvoN HElN, RJW 2013, 107.


m TJ 6/12/1994 (406/92).
284
' 82 Cf. KROPHOLLERiVON HEIN, EuZPR (2011), Art. 28 EuGVO, 5.
Neste parágrafo, os artigos, considerandos e anexos sem indicação da fonte pertencem
230 mKROPHOLLERiVON HEtN, EuZPR (2011), Art. 28 EuGVO, 10. ao Reg. 220112003. 231
Parte l - Processo Declarativo IV. Aferição da Competência Internacional
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa

As regras relativas à responsabilidade parental e às medidas de protecção da criança intentada por tun terceiro após a morte de um dos cônjuges2 ~6 . Aquelas matérias não
são definidas independentemente da eventual conexão dessa responsabilidade e dessas abrangem as causas do divórcio, os efeitos patrimoniais do casamento ou outras
medidas com um processo matrimonial (cf. consid. (5)). No entanto, atendendo a eventuais medidas acessórias (consid. (8)) 287 •
que a aplicação daquelas regras se impõe frequentemente em sede de acções de (b) (i) A noção de casamento deve ser interpretada de forma autónoma, podendo
natureza matrimonial, o Reg. 2201/2003 dispõe quer sobre o divórcio, quer sobre a incluir os casamentos homossexuais 288 . Segundo o estabelecido no art. l.º, n.º 2, ai.
responsabilidade parental (consid. (6)). b), Reg. 1259/2010, compete à lei do foro determinar a existência, a validade e o
reconhecimento de tun casamento; assim, nas ordens jurídicas que aceitam o casamento
2. Vinculação entre pessoas do mesmo sexo, nada obsta ao reconhecimento de um casamento
celebrado no estrangeiro, nem, consequentemente, à dissolução desse casamento nos
O Reg. 2201/2003 é vinculativo para todos os EMs da UE, com excepção da
tribunais do foro. Esta solução é, aliás, confirmada pelo disposto no art. 13.º Reg.
Dinamarca (art. 2. 0 , n.º 3, e consid. (31)). Isto significa que a competência dos
1259/2010: os tribunais de um EM cuja lei não considere o casamento válido para
tribunais dinamarqueses para as matérias abrangidas pelo Reg. 2201/2003 não se
efeitos de processo de divórcio não estão obrigados a pronunciarem o divórcio; logo,
determina pelo disposto neste instrumento europeu e que o Reg. 2201/2003 não é
nada impede que os tribunais de um EM que reconhece um casamento entre pessoas
aplicável ao reconhecimento e à execução de decisões dinamarquesas nos EMs, nem
do mesmo sexo possam decretar a dissolução desse casamento. O mesmo critério
ao reconhecimento e execução de decisões destes Estados na Dinamarca.
pode ser utilizado quanto aos casamentos polígamos 289 • Quando reconhecidos pela lei
3. Interpretação do estado do foro, também nada impede a sua dissolução por divórcio nesses mesmos
tribunais.
As normas que constam do Reg. 2201/2003 podem ser interpretadas, a titulo
(ii) Estão excluídas do âmbito de aplicação do Reg. 2201/2003 as parcerias
prejudicial, pelo TJ nos termos do art. 267. 0 , § 1. 0 , al. b), TFUE. Salvo indicação
registadas do tipo do pacte civil de solidarité (PACS) francês e a eingetmgene
em contrário, deve considerar-se que os termos idênticos que são utilizados no Reg.
Lebenspartnerschafi alemã 290 • Estas parcerias não são- e não podem ser - equiparadas
2201/2003 e no Reg. 1215/2012 possuem o mesmo significado, sendo preferível uma
ao casamento.
interpretação autónoma desses termos e devendo ser reconhecida, em relação a eles,
a jurisprudência do TJ. 1.3. Análise casuística
(a) Quanto aos processos relativos ao divórcio, separação de pessoas e bens ou
II. Âmbito de aplicação anulação do casamento que se encontram submetidos ao Reg. 2201/2003, importa
1. Âmbito material considerar o seguinte:
Estão incluídos nessa categoria quaisquer processos não judiciais que
1.1. Generalidades sejam admissíveis nos EMs, dado que se deve entender por tribunal
O Reg. 2201/2003 aplica-se apenas a matérias civis, embora não releve a natureza todas as autoridades que nestes Estados tenham competência para esses
da jurisdição (cf. consid. (7)) 28 5. É por isso que, para efeitos do Reg. 2201/2003, o processos (art. 2. 0 , n.º !); assim, quanto ao direito português, o Reg.
termo tribunal abrange todas as autoridades que nos EMs tenham competência nas 2201/2003 é aplicável ao procedimento de separação e divórcio por
matérias às quais se aplica o Reg. 2201/2003 (art. 2. 0 , n.º 1).

1.2. Acções matrimoniais


2
s,;TJ 13/10/2016 (294/15).
(a) O Reg. 2201/2003 é aplicável, independentemente da natureza do tribunal, às 281
BoRRÁs, Relatório explicativo da Convenção, elaborada com base no artigo K.3 do
matérias civis relativas ao divórcio, à separação de pessoas e bens e à anulação do Tratado da União Europeia, relativa à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões
casamento (art. 1.0 , n.º 1, al. a)), incluindo, neste último caso, uma acção de anulação em matéria matrimonial (JO C 221, de 16/7/1998), n.Q 22; cf. RP 15/1/2013, COP 44 (2013),
37 (anot. SOUSA GONÇALVES).
moif. RAUSCHER, EuZPR-EuIPR (2015)/RAUSCHER, Brüssel Ua-VO Art 1, 6; GARBER, FS
Simotta (2012), 155 ss., embora criticando a orientação legal.
289 Dif. RAUSCHER, EuZPR-EuIPR (2015)/RAUSCHER, BrüsseI !Ia-VO Art 1, 6.
msobre o âmbito de aplicação do Reg. 2201/2003, cf. TEIXEIRA DE SOUSA, FamRZ 2005,
1612 ss.
"ºCf. RAUSCHER, EuZPR-EuIPR (2015)/RAUSCHER, Brüssel Ila-VO Art 1, 7. 233
232
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I- Processo Declarativo
IV. Aferição da Competência Internacional

mútuo consentimento apesar de o mesmo poder ser da competência da 1.5. Guarda e visita
conservatória do regis~o civil (art. 1773.º, n.º 2, e 1794.º, CC; art. 12.º, n.º
l DL 272/2001, de 13/10); (a) A responsabilidade parental abrange o conjunto dos direitos e obrigações
Não estão incluídos nessa categoria os processos de natureza puram~nte conferidos a uma pessoa singular ou colectiva por decisão judicial, por atribuição de
religiosa; porém, as decisões relativas à invalidade do casamento profendas pleno direito ou por um acordo em vigor relativo à pessoa ou aos bens de uma criança
0
pelos tribunais religiosos nos termos das con:ordatas cel~bradas pela Santa (art. 2. , n.º 7 l." parte). Esta responsabilidade abrange, nomeadamente, o direito de
Sé com Portugal, Itália, Espanha e Malta sao reconhecidas e executadas guarda e o direito de visita (art. 2.º, n.º 7 2.ª parte):
segundo as regras próprias do Reg. 2201/2003 (art. 63.º, n.º 2 e 4), embora, O direito de guarda contém os direitos e as obrigações relativos aos
nos Estados Contratantes, sem prejuízo do disposto nessas concordatas (ai:1. cuidados devidos à criança e, em particular, o direito de decidir sobre o seu
63.º, n.º I) (e, portanto, quanto a Portugal, sem prejuízo da ~?m.petência lugar de residência (art. 2.º, n.º 9);
exclusiva que é reconhecida aos tribunais e às repartições eclestashcas pelo O direito de visita integra nomeadamente o direito de levar uma criança,
art. 1625." CC). . . . por um periodo limitado, para um lugar diferente do da sua residência
habitual (art. 2.º, n.º IO).
(b) Quanto ao direito português, o Reg. 220 l/2003 abrang~ ,º ?'1vorcto ~em
consentimento do outro cônjuge (art. 1773. 0 , n. 0 l e 3, CC), o d1vorc10 por mutuo (b) O titular da responsabilidade parental é qualquer pessoa (singular ou colectiva)
consentimento (art. 1773.º, n.º 1 e 2, CC), a separação de ~essoas e ?ens (art. 179~.º que exerça essa responsabilidade em relação a uma criança (art. 2. 0 , n.º 8).
CC), a acção de anulação do casamento (art. 1632.º CC) e ainda a acçao de declaraçao 1.5. Reconhecimento de decisões
da inexistência do casamento (art. 1628.º CC).
No que respeita ao reconhecimento e execução de decisões, o Reg. 2201/2003 é
1.4. Responsabilidade parental aplicável às decisões proferidas pelos tribunais dos EMs em matéria matrimonial e de
(a) O Reg. 2201/2003 é aplicável aos process_os q.ue, _ind~~endenteme~t~ da responsabilidade parental (art. 21.º, n. 0 1) e à execução das decisões proferidas nos
EMs sobre o exercício da responsabilidade parental (art. 28. 0 , n. 0 l).
natureza do tribunal, respeitam a matérias civis relativas a atnbmçao, ao exerc1c10, à
delegação à limitação ou à cessação da responsabilidade parental (art. l.º, n.º l, al. 2. Âmbito espacial
b)): é O ca~o, por exemplo, da entrega de um menor a uma família d~~~lhimento 291 , ~a
2.1. Competência internacional
retirada urgente de um menor e da sua colocação fora da sua fam1ha . , da coloca_çao
de uma criança numa instituição de cuidados terapêuticos e educativos em ~egime (a) O Reg. 2201/2003 é aplicável sempre que um dos elementos de conexão
de internamento situada noutro EM 293 , da homologação de um acordo de partilha da 0
referidos nos art. 3.º a 7. ou 8. 0 a 15.º atribua competência aos tribunais de um EM.
herança celebrado pelo curador especial em nome de filhos menores 294 e, por ~m, da Para que o Reg. 2201/2003 seja aplicado, não é necessário que um dos cônjuges seja
acção pela qual um dos progenitores pede ao juiz que supra a falta de_ c?ns_ent1mento nacional de um EM (art. 3.0 , n.º 1, al. a)), ou que a criança cuja responsabilidade
do outro progenitor para o seu filho viajar para fora do EM da sua res1denc1a e para a parental é regulada tenha residência habitual num dos EMs (art. 12.º, n.º 4).
emissão de um passaporte em nome desse filho295 . (b) O Reg. 220 l/2003 admite, em vários aspectos, uma relação com Estados
(b)Ao contrário do que sucedia no Reg. 1347/2000 (art. l.º, ai. b), e_3.º, n.º l, Reg. terceiros (estabelecida, por exemplo, através da nacionalidade ou residência habitual
1347/2000), 0 Reg. 2201/2003 aplica-se independentemente da co~exao do_processo dos cônjuges ou da nacionalidade da criança) (art. 3.0 , n.º l, e 8.º, n. 0 !). Portanto, o
respeitante à responsabilidade parental com um processo matrimomal (cons1d. (5)). Reg. 2201/2003 não pressupõe necessariamente uma conexão do caso com outro EM.
2.2. Reconhecimento de decisões

O Reg. 2201/2003 é aplicável ao reconhecimento num EM de qualquer decisão de


divórcio, de separação de pessoas e bens ou de anulação do casamento proferida por
m Cf. TJ 27/11/2007 (435/06); cf. LIMA PINHEIRO, RFD 54 (2013), 287 ss. um tribunal de um outro EM (art. 21. 0 , n.º 1, e 22.º), bem como ao reconhecimento e
TJ 2/4/2009 (523/07).
292 execução num EM de qualquer decisão relativa à responsabilidade parental proferida
mTJ 26/4/2012 (92112 PPU). por um tribunal de um EM (art. 21.º, n.º 1, 23. 0 e 28.º, n. 0 l).
94
' TJ 6/10/2015 (404/14).
234 :rnTJ 21/10/2015 (215/15).
235
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo rv. Aferição da Competência Internacional

3. Âmbito temporal III. Aferição da competência


O Reg. 2201/2003 entrou em vigor em l/4/2004, embora só se tenha tomado 1. Princípios orientadores
aplicável a partir de 1/3/2005 (art. 72.º). O Reg. 2201/2003 só é a~licável às acç.ões
judicíais, aos actos autênticos e às transacções celebradas em tnbunal que seJam 1.1. Generalidades
·
postenores a' sua entrada em vigor
. (rt64"
a . . , n."!)"" . Os critérios de competência utilizados no Reg. 2201/2003 baseiam-se no princípio
de que deve existir um vínculo entre o interessado e os triblUlais competentes de
4. Relações entre regulamentações
um EM e, no que respeita às regras de competência em matéria de responsabilidade
4.1. Âmbito revogatório parental, nos princípios do respeito do superior interesse da criança, da proximidade e
da igualdade de tratamento de todas as crianças (consid. ( 12) e (5))297 .
O Reg. 2201/2003 revogou o Reg. I347/2000 (art. 71.º, n." l).
1.2. Concretização
4.2. Âmbito derrogatório
(a) O Reg. 2201/2003 substitui entre os EMs todas as convenções que tenham sido Para a determinação do tribunal competente para as acções de divórcio, de separação
celebradas entre dois ou mais Estados e relativas a matérias por ele reguladas (art. de bens e de anulação do casamento regem os art. 3.º a 7.º; na aferição do tribunal
59.º, n.º 1). Desta substituição pode inferiMe que essas convenções não deix~ .de competente para as questões relativas à responsabilidade parental são aplicáveis os
vigorar entre os EMs do Reg. 2201/2003, mas o que nelas se est~belece em matenas art. 8.0 a 15.º.
idênticas às do Reg. 2201/2003 é substituído pelo disposto neste mstrumento europeu
2. Competência territorial
(art. 62.º, n. 0 1). . . .
(b) O Reg. 2201/2003 prevalece sobre várias convenções multilaterais, ainda que O Reg. 220 l/2003 limita-se a atribuir competência internacional aos tribunais
delas não sejam partes apenas EMs, na medida em que aquelas convenções se refiram de um EM: é o que sucede quer em matéria matrimonial (art. 3.º), quer em matéria
a matérias reguladas pelo Reg. 2201/2003 (art. 60. 0 ). Essas convenções continuam a relativa às responsabilidades parentais (art. 8.º). Sendo assim, importa proceder à
vigorar entre os EMs em matérias que não sejam abrangidas pelo Reg: 220~/2003 e, determinação do tribunal português territorialmente competente, de acordo com as
mesmo nas matérias comuns, aquelas convenções continuam a produzir efeitos entre seguintes regras:
os EMs, pelo que se estabelece entre aqueles instrumentos internacionais e o Reg. Procura-se determinar, através dos critérios utilizados nos art. 72.º e 82."
2201/2003 uma relação de complementaridade (art. 62.º, n.º 2). CPC e no art. 9.º RGPTC, qual o tribunal territorialmente competente;
Se de nenhum desses preceitos resultar a competência territorial de um
4.3. Protecção de crianças
tribunal português, há que aferir o tribunal competente segundo os critérios
A CProtCr regula a lei aplicável às medidas de protecção de crianças e à constantes do art. 80.º, n.º 3, CPC.
responsabilidade parental (art. 1.º, al. a) e b), e 15.º a 22.º CProtCr), pelo que os IV. Acções matrimoniais
tribunais que são competentes segundo as regras específicas que constam do.s art. 8.º a
1. Generalidades
15.º determinam a lei aplicável às medidas de protecção de acordo com o disposto na
CProtCr. Isso sucede mesmo quando a regra de competência do Reg. 2201/2003 não 1.1. Enunciado dos critérios
coincida com aquela que se encontra na CProtCr.
(a) A aferição da competência para as acções de divórcio, de separação de pessoas
4.4. Regime concordatário e bens e de anulação do casamento é realizada através da aplicação dos vários critérios
O Reg. 2201/2003 não prejudica a vigência da Cone (art. 63.º, n.º 1). Qualquer queestãoprevístos no art. 3.0 , n. 0 1, sendo todos eles alternativos entre si e não havendo
entre eles qualquer hierarquia298 . Há assim a considerar:
decisão proferida pelas autoridades eclesiásticas e respeitante à i~va~idade d~ casamento
é reconhecida nos EMs não vinculados por nenhuma convençao mternacmnal com a
Santa Sé nos termos gerais previstos no Reg. 2201/2003 (art. 63.º, n.º 2 e 4).
mcf. LOPES PEGNA, Rdipp 49 (2013), 357 SS.
191
Cf. RE 28/3/2019 (2428/17.STSFAR.El); sobre os problemas suscitados pelos casais
236 216 Sobre a matéria, cf. TJ 17/6/2010 (312/09). com diferentes nacionalidades, cf. GOTlWALD, FS Simotta (20 !2), 191 s. 237
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo IV Aferição da Competência Internacional

- Vários critérios baseados na residência habitual de ambos os cônjuges ou 3. Competências residuais


do cônjuge demandado, todos eles consagrando o princípio actor sequitur
3.1. Noção
forum rei (art. 3.º, n. 0 1, al. a));
Vários critérios assentes na residência habítual do cônjuge demandante (a) Se nenhum tribunal de um EM for competente segundo as regras definidas no Reg.
(art. 3.º, n.º 1, ai. a)) 299 ; se o cônjuge dívidir a sua vida entre doís EMs, só 2201/2003, a competência é regulada, em cada um desses Estados, pela respectiva lei
300
pode ter a sua residência habítual num deles ; interna (art. 7.º, n.º 1). Para atribuir competência aos tribunais do foro pode ser utilizado
Um critério baseado na nacionalidade de ambos os cônjuges (art. 3.º, n.º qualquer critério definido pelo direito interno, incluindo o do forum necessitatis (art. 62.º,
1, al. b)) ou no "domicílio" de ambos os cônjuges na Irlanda (art. 3.º, n.º l, ai. e), CPC).
al. b), e 2ym 1 ; se ambos os cônjuges tiverem a nacionalidade de doí~ EM~, Atendendo a que a competência é estabelecida através da residência habitual num EM
são competentes, ao abrigo do disposto no art. 3.º, n.º l, al. b), os ~buna~s ou da nacionalidade de um dos EMs (art. 3.º, n. 0 1), o art. 7. 0 só pode ser aplicado se
de qualquer desses EMs, pelo que os cônjuges podem escolher os tnbunais n~o. houver nenhuma conexão relevante com um EM determinada por um dos elementos
0
de um deles302 . utilizados no art. 3. , n.º 1305 • Assim, do disposto no art. 7. 0 , n.º l, é possível extrair a regra
(b) A pluralidade de critérios e de compet~ncias concorrentes não deixa de segundo a qual, quando o requerido não tenha a sua residência habitual num EM e não
constituir um incentivo ao forum shopping. seja nacional de um desses Estados, os tribunais de um EM não podem basear a respectiva
competência no seu direito nacional, se os tribunais de outro EM forem competentes nos
1.2. Cônjuges plurinacionais 0
termos do art. 3. (nomeadamente em função da residência habitual do requerente)306.
Quando se utiliza o critério da nacionalidade comum de ambos os cônjuges e (b) Atenta a noção de decisão que consta do art. 2. 0 , n.º 4, a circunstância de a causa
algum deles ou ambos são plurinacionais, é irrelevante que a nacionalidade possa ser apenas apresentar uma conexão com Estados terceiros não impede que a decisão que
considerada efectiva no momento da propositura da acção, ou seja, releva qualquer venha a ser proferida no tribunal competente com base na lei interna do Estado do foro
nacionalidade comum dos cônjuges, ainda que não efectiva •
103 seja reconhecida e executada de acordo com as regras próprias do Reg. 220 l/2003.
3.2. Extensão
2. Extensão da competência
Quando seja aplicável o direito interno de um EM por força da competência residual
2.1. Pedido reconvencionai
prevista no art. 7.º, n.º l - isto é, quando o Reg. 2201/2003 não atribua competência
o tribunal no qual, ao abrigo do disposto no art. 3.0 , estiver pendente a acção a nenhum tribunal de um EM-, qualquer nacional de um destes Estados que tenha
matrimonial também é competente para conhecer de um pedido reconvencionai, deste a sua residência habitual num outro deles pode invocar, sem qualquer discriminação
que este pedido se integre no âmbito de aplicação do Reg. 2201/2003 (art. 4.º). em razão da nacionalidade, a lei interna daquele Estado (art. 7.º, n.º 2). Assim, por
exemplo, a mulher portuguesa, residente em França após a separação de facto, pode
2.2. Conversão da separação em divórcio
socorrer-se da competência exorbitante do art. 14 CcFR para propor em França uma
Sem prejuízo do estabelecido no art. 3.º,. o tribunal de um EM que proferiu~ acção de divórcio contra o seu marido suíço, que continua a residir na casa de morada da
decisão de separação de pessoas e bens é igualmente competente para converte-la família, situada na Suíça. Esta extensão a todos os nacionais dos EMs da competência
em divórcio (art. 5.º). É naturalmente necessário que o direito aplicável admita essa definida pelo direito interno de qualquer destes Estados - incluindo, portanto, as
conversão, como sucede no direito português (art. 1795.º-D CC). Note-se que, apes~ competências exorbitantes - é discutível, especialmente porque é inutilmente ofensiva
do disposto no art. 5.º, continua a ser possível propor a acção de divórcio nos tribunais para os Estados terceiros 307•
04
do EM que são competentes segundo um dos critérios estabelecidos no art. 3.º, n.º l 3 •

2'í9TJ 13/10/2016 (294/15).


305
lOOTJ 25/11/2021 (289/20). Cf. RAUSCHER, EuZPR-EuIPR (2015)/RAuscHER, Brüssel Ila-VOArt 7, 6; HESS, EuZPR
101 RC l/7/2014 (3355/13.JTBVIS-A.Cl); RP 11/7/2018 (1933/l8.3T8VNG.Pl). (2021),243.
3
302 TJ 16/7/2009 (168/08). (>6TJ 29/11/2007 (68/07).
)O) RAUSCHER, EuZPR-EuIPR (2015)/RAUSCHER, Brüssel lla-VO Art 3, 58.
107
Ainda no dominio do Reg. 1347/2000, HAU, ERA Forum 4 (2003). 16, referia-se a uma
238 J04Cf. BoRRÁ.s, Relatório, n.º 43. "Wàgenburg-Mentalitãt" (ou seja, a uma mentalidade do tipo My home is my castle). 239
Parte I- Processo Declarativo IY. Aferição da Competência Internacional
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa

4. Carácter exclusivo num dos EMs ou que sejam nacionais de um destes Estados não colide com O âmbito
de aplícação do art. 7.º, n. 0 1, respeitante às competências residuais:
4.1. Enunciado O art. 6.º só é aplicável quanto a cônjuges (demandados) residentes ou
(a) (i) O art. 6. 0 determina o carácter exclusivo da competência dos tribunais dos "domicíliados" num EM ou que possuam a nacionalidade de um destes
EMs definida nos art. 3.º a 5.º, verificando~se uma das seguintes condições: Estados; contra esses cônjuges apenas podem ser aplicados os critérios de
O cônjuge demandado tem a sua residência habitual no território de um competência estabelecidos nos art. 3.º a 5.º;
EM (art. 6.°, al. a))' 08 ; O art.? .º só é aplicável em relação a cônjuges (demandantes ou demandados)
O cônjuge demandado é nacional de um EM ou, no caso da Irlanda, tem o q~e nao te?ha~ residência habitual nem "domicílio" num EM ou que não
seu "domicílio"no território deste Estado (art. 6. 0 , al. b)). se1am nac1ona1s de um EM; esses cônjuges podem beneficiar do direito
(ii) Nas condições referidas no art. 6. 0 , apenas o Reg. 2201/2003 é aplicável nos interno dos EMs e contra eles pode ser aplicado este mesmo direito.
EMs. Ao impor a aplicação das normas dos art. 3.0 a 5.°, o art. 6. 0 afasta a possibilidade (b) E~tas conclusões permitem estabelecer a diferença entre os art. 6." e 7.º, n.º l,
de serem invocadas contra cônjuges com residência habitual ou "domicílio"num dos nos segumtes termos:
EMs ou com nacionalidade de um destes Estados quaisquer competências exorbitantes O art. 6.º limita os critérios de competência que podem ser utilizados contra
previstas nos respectivos direitos intemos 309 • Neste sentido, o art. 6. 0 protege a parte um cônjuge (demandado) com residência habitual ou "domicílio" num dos
demandada~ contra a qual só podem ser invocadas disposições do Reg. 2201/2003 EMs ou que possua a nacionalidade de um destes Estados: esses critérios
~ e realiza a mesma função que o art. 5.º, n.º 2, Reg. 1215/2012. Por exemplo: um são apenas aqueles que constam dos art. 3.º a 5_oJ11;
marido francês, residente em França, pretende divorciar~se da mulher alemã, residente O art. 7.°, n. º l, alarga os critérios de competência que podem ser invocados
na Alemanha; atendendo à protecção que lhe é concedida pelo art. 6.º, a mulher não contra um cônjuge (demandado) que não tenha residência habitual nem
pode ser demandada nos tribunais franceses com base na competência resultante do "domici~io_" num EM e que não seja nacional de um EM: se (mas apenas
art. 14 CcFR, pois que esta competência decorre da mera nacionalidade francesa do se) o con1uge demandante também não tiver residência habitual nem
demandante. "domicili~" num EM e não for nacional de um EM (hipótese em que
(b) Para se compreender o funcionamento da regra da exclusividade prevista no nenhum tribunal de um desses Estados é competente por força do disposto
art. 6. 0 , importa ainda considerar que essa exclusividade não visa impor nenhuma
nos art. 3.º a 5.º), então contra esse cônjuge pode ser invocado O direito
preferência do tribunal da residência habitual, do "domicílio" ou da nacionalidade interno de qualquer EM 312 •
do demandado em relação a qualquer outro tribunal igualmente competente segundo
os critérios enunciados nos art. 3.0 a 5.0 . Além disso, a exclusividade referida no art.
6.º também nada tem de comum com a competência exclusiva prevista no art. 24. 0
Reg. 1215/2012: este último preceito define competências exclusivas que afastam as
próprias competências previstas no Reg. 1215/2012; aquele art. 6." define em que
condições a competência prevista no Reg. 2201/2003 é considerada exclusiva310•
Finalmente, há que ter presente que a violação da regra da exclusividade estabelecida
no art. 6. 0 não obsta ao reconhecimento e à execução da decisão proferida pelo tribunal
de um EM (art.24. 0 ). 111
C:f.
J\ND~'.SCHREIBER, IPRax 2010, 79 ss., entendendo, de forma muito discutível, que
4.2. Delimitação o precei.to e aphcav~l~mesmo que, no momento da propositura da acção, ainda não estejam
p~enchtdas as cond1çoes para a aplicação desses critérios e, por isso, nesse momento, nenhum
(a) A exclusividade dos critérios de competência que se encontra definida no art. tribunal de um EM se possa considerar competente.
312
6. 0 para os cônjuges (demandados) que tenham residência habitual ou "domicílio" ~f. TJ 29/l 1/200_7 (6~/07), n.º 28: "[ ... ] os artigos 6. 0 e 7. 0 [ ••• J devem ser interpretados
no sen~td~ d.e que,.no amb1to de um processo de divórcio, quando um requerido não tenha a
s~ res~dencta habitual num Estado-Membro e não seja nacional de um Estado-Membro, os
tnbuna'.s de um Es_tad~-Membro. ~o pod~m, para se pronunciarem sobre esse pedido, basear a
l08TJ 29/\ l/2007 (68/07). respectiva competenc1a no seu dJreito nacional, se os tribunais de outro Estado-Membro forem
309 Cf., p. ex., BoNOMI, RDI 84 (2001), 329. competentes nos termos do artigo 3. º [... ]"; ; com diversa orientação cf. LIMA PINHEIRO DIP
HUI (2019), 277 ss. ' '
240 ' 1ºCf. BoRRÁS, Relatório, n.º 29. 241
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo 1Y. Aferição da Competência Internacional

V. Responsabilidade parental determinada integração num ambiente social e familiar3 14 . O que conta é, em suma, o
lugar onde, na prática, se situa o centro de interesses da vida da criançaJ 15 •
1. Generalidades (ii) Em especial, quanto a crianças em idade lactente, importa considerar o
1.1. Princípios orientadores seguinte:
Em geral, constituem, em conjunto, circunstâncias detenninantes o facto
As normas constantes do Reg. 2201/2003 sobre a competência para_a acção relati_va de a criança ter residido, desde o seu nascimento e até à separação dos seus
à responsabilidade parental orientam-se pelos p~ncípios do respeito do _supenor progenitores, em regra, com um deles, mun determinado lugar, o facto de o
interesse da criança e da proximidade (cf. cons1d. (12) e (13)). Aquele interesse progenitor que, na prática, exerce, desde a separação do casal, a guarda da
superior é, em alguns casos, critério atributivo da competência (art. 12.º, n ..º l: ~· criança continuar a viver diariamente com esta naquele lugar e aí exercer a
b), 3, al. b), e 4, e 15.º, n.º 4) e aquela prox_imidade é_assegurada fl\atnbmçao sua actividade profissional e, ainda, o facto de, no referido lugar, a criança
de competência ao tribunal da residência habitual da c~ança (art. 8., n,
0
!) e pela ter contactos regulares com o outro progenitor3 16;
necessidade de uma ligação particular da criança com o tnbunal (art. 12. , n. 3, al. a), Quando estã em causa a situação de uma criança que se encontra com a
e 15.º, n. 0 1 e 3). mãe apenas há alguns dias num EM diferente do da sua residência habitual
devem designadamente ser tidas em conta, por um fado, a duração, a
1.2. Autonomia da acção regularidade, as condições e as razões da estada e da mudança da mãe para
A igualdade de tratamento de todas as crianças implica que as .regras de competência o referido Estado e, por outro, as origens geográficas e familiares da mãe,
para as acções relativas à responsabilidade parental_devam valer_ mdependentemente da bem como as relações familiares e sociais mantidas por esta e pela criança
sua conexão com um processo matrimonial (cons1d. (5)). Designadamente, as regras no mesmo Estado 317 •
de competência relativas à responsabilidade parental que c~nstam do Reg: 2201/2003 (b) Para que o tribunal seja competente, é necessário que pertença ao Estado no
são aplicáveis mesmo que a necessidade de tomar uma med1d~ de pr.~tecçao ~ pessoa qual o menor tem a sua residência habitual no momento da propositura da acção (art.
0
ou dos bens da criança não decorra de uma decisão a profenr ou Ja profenda numa 8. , n.º l; cf art. 16.0 ). Ao contrãrio do que se dispõe no art. 5.0 , n.º 2, CProtCr, há
acção matrimonial. que entender que, se o menor mudar de residência habitual durante a pendência da
causa, o tribunal no qual a acção foi instaurada continua a ser competente, por força
2. Regra geral da regra da perpetuatio fori: é o que se pode extrair das regras sobre a litispendência
que constam do art. 19.º. Se o menor não tiver residência no Estado do tribunal no
2.1. Enunciado
momento da propositura da acção, mas vier a adquiri-la durante a sua pendência, há
De acordo com um principio de proximidade, os tribunais de ~ EM _são competentes que considerar que a incompetência do tribunal fica sanadam.
em matéria de responsabilidade parental quando a criança resida _habitualmente nesse
EM à data da instauração do processo (art. 8.0 , n.º 1). Nestamaténa, o Reg. 2201/2003 3. Deslocação lícita
acompanha a solução que também consta da CProtCr (art. 5.º, n.º l, CProtCr) e da 3.1. Definição da regra
CRapint (art. 4.° CRaplnt).
(a) O direito de visita integra-se na responsabilidade parental (art. 2.°, n.º 7) e
2.2. Residência habitual inclui, nomeadamente, o direito de levar uma criança, por um período limitado, para
(a) (i) A residência habitual do menor deve ser determinada com base n~m
conjunto de circun~âncias de facto relevantes em cada caso concreto, pelo que; alem
da presença física do menor num EM (que é sempre exigidam), devem tambem ser
3
tidos em consideração outros factores susceptíveis de demonstrar que essa presença '"Cf. TJ 2/4/2009 (523/07), n.-0 37 s.; cf. RL 1/10/2013 {1536/12.6T2AMD.Ll-7); STJ
28/1/2016 (6987/13.6TBALM.Ll.S1); RG 4/212016 (3330/10.0TBVCT-B.Gl); RG 12/712016
não tem um carácter temporário ou ocasional e que a residência do menor revela urna
(1691/15.3T8CHV-A.Gl); STJ 26/1/2017 (169J/J5.3T8CHV-A.G1.S1); RC 27/2/2018
(1356/15.6T8FIG-A.C 1); RE 30/1/2020 (205/09.9TBABT-H.E 1); RE 1312/2020 (881 1/15.6T8STB-H.E1 ).
3
,s TJ 28/6/2018 (512/17).
316
TJ 28/6/2018 (512/17).
317
TJ 22/10/2010 (497/JO PPU).
mTJ 17/10/2018 (393/18 PPU). 318
242 RAUSCHER, EuZPR-EuIPR (2015)1RAUSCHER, Brüssel IIa-VO Art 8, 10. 243
Parte I - Processo Declarativo IY. Aferição da Competência Internacional
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa

3.2. Âmbito da regra


um lugar diferente do da sua residência habitual (art. 2. 0 , n.º 10). A deslocação da
criança para um outro EM pode implicar a necessidade de modificar o regime do Como o art. 9.º só respeita à alteração de uma decisão relativa ao direito de visita
direito de visita que tinha sido definido, em decisão anterior, para o progenitor que ele não é aplicável nem quando se trate de definir, pela primeira vez, esse direito, ne~
permanece no Estado de origem da criança. quando esteja em causa o direito de guarda. Em qualquer dos casos, a competência
(b) (i) Quando uma criança for deslocada legalmente de um EM para outro e dos tribunais do Estado para o qual se deslocou a criança é apreciada nos termos
passar a ter a sua residência habitual neste último Estado, os tribunais do Estado da gerais, nomeadamente segundo o disposto no art. 8.0 , n.º 1.
anterior residência habitual da criança mantêm a sua competência durante um período O art. 9.º também não é aplicável quando a acção, proposta no tribunal da residência
de três meses após a deslocação, para alterarem uma decisão sobre o direito de visita habitual da criança segundo o disposto no art. 8.º, n.º 1, visa modificar uma anterior
proferida nesse Estado antes da deslocação da criança (art. 9. 0 , n.º 1). No entanto, a decisão sobre o direito de visita e a criança muda de residência habitual durante a
competência dos tribunais do Estado da anterior decisão pressupõe que o titular do
pendência daquela acção. Nesta situação, o tribunal da acção, de acordo com a regra
direito de visita continue a residir habitualmente nesse Estado (art. 9.º, n.º l) e que
da perpetuatio fori, continua competente durante toda a pendência da causa e não
não tenha aceitado a competência dos tnbunais do Estado da nova residência habitual apenas durante o prazo de três meses referido no art 9.º, n. º 1.
da criança, nomeadamente por ter participado no processo instaurado nesses tribunais
sem contestar a sua competência (art. 9.º, n.º 2). 4, Deslocação ilícita
Assim, para que se verifique o prolongamento da competência dos tribunais do EM
4.1. Generalidades
prevista no art. 9. 0 é necessário que:
O EM de origem da criança tenha proferido uma decisão respeitante ao O art. 2.º, n.º l 1, define, em termos próximos daqueles que constam do art. 3.º
direito de visita; CR.aplnt, a deslocação e a retenção ilícitas de uma criança. Esta deslocação ou retenção
A deslocação da criança para outro EM tenha sido lícita; implicam a violação do direito de guarda, no qual se inclui o direito de decidir sobre
O processo de modificação daquela decisão seja instaurado no prazo de três o lugar de residência da criança (art. 2.º, n. 0 9): o carácter ilícito da deslocação de
meses após a deslocação da criança; um menor para efeitos da aplicação do Reg. 2201/2003 depende exclusivamente
A criança tenha adquirido, nesse mesmo prazo, a sua residência habitual d~ existência de um direito de guarda, atribuído pelo direito nacional aplicável, em
no novo Estado, porque, a não ser assim, mantém-se a competência dos violação do qual essa deslocação teve lugar1 19• Os art. 10.0 e 1 l.º definem regras para
tribunais do Estado da residência habitual prevista no art. 8.º; o rapto internacional de crianças:
O titular do direito de visita mantenha a sua residência habitual no Estado O art. lO.º define em que condições o tribunal do Estado para o qual a
de origem da criança e não tenha aceitado a competência dos tribunais da criança foi deslocada ou se encontra retida é competente;
nova residência da criança. O art. 1 Lº contém, em conjugação com o disposto nos art. 12.º e 13.º
(ii) Verificadas estas condições, apesar de a criança ter fixado a sua residência CRaplnt, algumas adaptações de carácter procedimental à CRaplnt (cf.
habitual num outro EM, os tribunais deste Estado não são competentes durante os consid (l 7)yw,
três meses subsequentes à deslocação para uma acção destinada a obter a alteração
do direito de visita, embora esses tribunais se tomem competentes se o titular daquele 4.2. Regras de competência
direito não contestar a falta da sua competência (art. 9.º, n.º 2) ou se, por maioria No caso do rapto de uma criança. os tribunais do EM de origem da criança
de razão, esse titular instaurar a acção num desses tribunais. Esta excepção exclui a continuam a ser competentes até a criança passar a ter a sua residência habitual no
competência de qualquer outro tribunal para promover a modificação da decisão, pelo 0
outro EM (art. 10. caput) 321 e se verificar um dos seguintes factores:
que a competência atribuída pelo art. 9. 0 , n.º l, aos tribunais do Estado de origem da O consentimento à deslocação ou retenção da criança pela pessoa,
criança é, neste sentido, uma competência exclusiva. instituição ou organismo que é titular do direito de guarda (art. 10.º, al. a));
(c) A decisão que modifica a anterior decisão relativa ao direito de visita goza da
execução simplificada prevista no art. 41.º. Isto significa que, depois de homologada
no Estado de origem, a decisão pode ser executada, sem possibilidade de contestar o 319
TJ 5/to/2010 (400/10 PPU); cf. tamb6m STJ lO/to/2013 (1211/08.6TBAND-A.Cl.Sl).
seu reconhecimento, em qualquer outro EM.
msobre a articulação entre o Reg. 2201/2003 e a CRaplnt, cf. ToNor.o, Rdipp 47 (201 !),
81 ss.; LUPOI, Rtdpc 68 (2014), l l l ss.
244 mcf. RE 27/9/2012 (4249/10.0TBPTM-A.El). 245
l de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte 1- Processo Declarativo IV Aferição da Competência Internacional

Ern alternativa, a residência da criança no outro EM durante roais de um ao tribunal competente ou à autoridade central do EM da residência habitual
ano a contar do momento em que o titular do direito de guarda conheceu da criança antes da sua retenção (art. l 1.º, n.º 6);
ou devia ter conhecido o paradeiro da criança e a integração da criança no Excepto se uma das partes já tiver instaurado um processo nos tribunais
seu novo ambiente, tudo ern conjunto coro a não apresentação no mesmo do EM da residência habítual da criança imediatamente antes da retenção
prazo de qualquer pedido de regresso da criança (art. l0. 0 , al. b), subal. i)), ou deslocação ilícitas, o tribunal ou a autoridade central que recebe
a desistência pelo titular do direito de guarda do pedido de regresso e a não a informação deve notificá-la às partes e convidá-las a apresentar as
apresentação por ele de nenhum outro pedido no mesmo prazo (art. 10.0 , al. suas observações ao tribunal no prazo de três meses a contar da data da
b ), subal. ii)), o arquivamento do processo instaurado num tribunal do EM notificação, para que o tribunal possa analisar a questão da guarda da
da residência habitual da criança antes da deslocação ou retenção ilícitas criança (art. 11. 0 , n. 0 7, § l.ºY:'4;
(art. lO.º, al. b), subal. fü)) ou o proferimento pelos tribunais do EM dessa A decisão do tribunal do EM de origem da criança que ordena o seu regresso
residência de uma decisão sobre a guarda que não determine o regresso da não necessita de nenhum exequatur para ser executada no EM requerido
criança (art. 10.0 , ai. b), subal. iv))m. (art. l l.º, n.º 8; cf. art. 42.º, n. 0 l, § 1.0 ); assim também sucede quando essa
decisão não seja precedida por uma decisão definitiva do mesmo tribunal
4.3. Princípios orientadores relativa ao direito de guarda da criança325 •
(a) (i) Na hipótese de se verificar o rapto internacional de uma criança, a resolução (b) Relativamente a aspectos procedimentais há que observar o seguinte:
da situação rege-se pelo disposto no art. 11.º. Este preceito é aplicável, entre outras Os tribunais do Estado requerido devem garantir o direito de audição da
situações, quando a deslocação da criança tenha ocorrido em conformidade coro uma criança (art. 11.º, n. 0 2; consid. (19)}3 2~ e da pessoa que requereu o seu
decisão judicial provisoriamente executória que foi, em seguida, revogada por uma regresso (art. 11. 0 , n. 0 5); esta audição pode ser efectuada segundo o regime
decisão judicial que fixou a residência da criança no domicílio do progenitor que previsto no Reg. 1206/2001 quanto à obtenção de provas em matéria
pennanece no EM de origemm. civil e comercial (cf. consid. (20)) e é urna das condições para que possa
(ii) O estabelecido no art. 11.0 determina os seguintes princípios e regras mínimas ser emitida a certidão de homologação da decisão que possibilita a sua
execução em qualquer outro EM (art. 42.º, n.º 2, § l.", ai. a) e b));
de tutela:
Os tribunais do EM para o qual a criança foi deslocada ou no qual ela se As autoridades centrais do EM de origem da criança e do EM para o qual
ela foi deslocada ou no qual ela se encontra retida devem cooperar entre si
encontra retida devem assegurar o rápido regresso da criança (consid. (17)),
e prestar assistência aos tribunais no cumprimento das suas funções (art.
devendo ser utilizado o procedimento mais expedito previsto na legislação
l l.º, n.º 6 e 7, e 55.°, ai. c)).
nacional e verificar-se urna pronúncia, salvo casos excepcionais, no prazo
de seis semanas (art. 11.º, n. 0 3); 4.4. Decisão de retenção
O tribunal do Estado requerido não pode recusar o regresso da criança se
(a) Os tribunais do EM para o qual a criança tenha sido deslocada ou no qual tenha
tiver sido provado que foram tomadas as medidas adequadas para garantir
sido retida podem opor-se ao regresso da criança (art. 13.º CRaplnt), mas, no âmbito
a sua protecção após o regresso ao Estado de origem (art. 11.º, n." 4); esta
do Reg. 220 l/2003, essa decisão pode ser substituída por urna decisão posterior de um
impossibilidade de recusar o regresso da criança ao seu Estado de origem tribunal do Estado da residência habitual da criança antes da deslocação ou retenção
é uma clara manifestação do princípio da confiança que rege as relações ilícitas (consid. (17)). É por ísso que, se o tribunal do Estado para o qual a criança
entre os EMs; tiver sido deslocada ou no qual se encontrar retida recusar o regresso da criança, esse
O tribunal do EM para o qual a criança foi deslocada ou no qual ela se tribunal deve enviar uma cópia da sua decisão e dos documentos conexos ao tribunal
encontra retida, que recusar ordenar o regresso da criança, deve enviar competente ou à autoridade central do EM da residência habitual da criança antes da
imediatamente uma cópia da sua decisão e dos documentos a ela relativos deslocação ou retenção (art. 11.º, n.º 6).

322 Uma medida provisória não é considerada uma decisão que não determina o regresso da 124
Cf. TJ 9/1/2015 (498/14 PPU).
criança: TJ l/7/2010 (21 l/1 O PPU). 325
TJ 1/7/2010 (211/10 PPU).
246 323 TJ 9/10/2014 (376114 PPU); TJ 2/8/2021 (262/21 PPU). '""Cf. TEDH 7/12/2011 (14737/09). 247
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo IV. Aferição da Competência Internacional

O tribunal ou a autoridade central que tenha recebido esta informação deve (b )A extensão da competência cessa com o trânsito em julgado da decisão proferida
notificá-la às partes e convidá-las a apresentar observações nesse mesmo tribunal na acção matrimonial ou na acção relativa à responsabilidade parental ou com o fim
no prazo de três meses, para que este possa, se a questão ainda não lhe tiver sido da acção matrimonial ou da acção respeitante à responsabilidade parental por razão
submetida, analisar a questão da guarda da criança (art. 11.º, n.º 7, § l.º; cf. consid. diversa do trânsito em julgado (art. 12.º, n.º 2). É o caso, por exemplo, da desistência
(18)). A atribuição da definição da guarda da criança ao tribunal do lugar da sua da acção ou da inutilidade superveniente da acção por morte de um dos progenitores.
anterior residência resulta do disposto no art. 19.º CRaplnt a decisão do tribunal que
5.3. Ligação particular
recusa o regresso da criança nada define quanto a esse direito de guarda, matéria que
só pode ser apreciada pelo tribunal da anterior residência habitual da criança. (a) O tribunal com competência para a apreciação de uma acção não matrimonial
(b) Perante a notificação realizada às partes, são possíveis duas situações. Se as tem competência em matéria de responsabilidade parental quando a criança tenha uma
partes não apresentarem nenhumas observações, os tribunais do Estado no qual a relação especial com esse tribunal nomeadamente, estabelecida pela sua residência
criança se encontra depois da deslocação ou retenção ilícitas tornam-se competentes habitual ou pela sua nacionalidade - e quando a sua competência tenha sido aceite
(art. 10.º, al. b), subal. iii)). Se, pelo contrário, as partes apresentarem observações, o por todas as partes e seja exercida no superior interesse da criança (art. 12.0 , n. 0 3). A
tribunal deve pronunciar-se sobre elas, podendo suceder o seguinte: apreciação, necessariamente discricionária, que o tribunal tem de fazer deste interesse
Se o tribunal decidir que a criança deve regressar ao seu Estado de origem, da criança permite controlar se a residência habitual ou a nacionalidade da criança
a sua decisão tem força executória (art. 11.º, n. 0 8), não sendo necessária fornecem uma conexão suficiente com o Estado no qual se encontra pendente a acção
nenhuma declaração de exequatur se tiver sido homologada nesse Estado não matrimoniai3 27 • Dado que a acção na qual se verifica a extensão da competência
(art. 42. 0 , n. 0 l, § l.º); não é uma acção matrimonial, a competência do tribunal para essa acção não pode ter
Se o tribunal decidir que a criança não deve regressar ao Estado de origem, sido apreciada segundo o disposto no Reg. 2201/2003.
consolida-se a competência dos tribunais do Estado para o qual a criança (b) Se a criança tiver a sua residência habitual no território de um Estado terceiro
foi deslocada ou no qual ela se encontra retida para se pronunciarem sobre que não seja parte contratante da CProtCr, presume-se que a extensão da competência
a guarda da criança (art. 10.º, al. b), subal. iv)). é do interesse da criança (art. 12.°, n.º 4). Disto resulta que, se a criança residir
habitualmente num Estado que seja parte da CProCr, não se presume que a extensão da
5. Extensão da competência competência se verifica no interesse da criança: assim sendo, tem de ser demonstrado
pela parte interessada que essa extensão corresponde ao interesse da criança.
5.1. Generalidades
O tribunal de um EM pode ser competente para apreciar matérias relativas à 6. Presença da criança
responsabilidade parental através de uma extensão da sua competência, apesar Se não puder ser determínada a residência habitual da criança, nem for
de a criança não ter residência habitual nesse Estado (se a tiver, a competência é possível estender a competência de um tribunal para apreciar a questão relativa à
determinada pelo disposto no art. 8. 0 , n. 0 1). Há que distinguir entre a extensão responsabilidade parental, são competentes para uma acção respeitante a esta
fundada na pendência de uma acção matrimonial (art. 12.°, n. 0 l) e a extensão baseada responsabilidade os tribunais do EM no qual se encontre a criança (art. 13.0 , n. 0 1). O
na ligação particular da criança com esse tribunal (art. 12.°, n.º 3 e 4). mesmo vale quanto a crianças refugiadas ou a crianças internacionalmente deslocadas,
5.2. Acção matrimonial na sequência de perturbações ocorridas no seu país (art. 13.", n. 0 2). Neste caso, a
atribuição de competência aos tribunais do Estado no qual a criança se encontra (em
(a) O tribunal com competência para a acção de divórcio, de separação ou de sentido semelhante ao disposto no art. 6.º CProtCr) assegura um jôrum necessitatis.
anulação do casamento é igualmente competente, verificadas certas condições, para
decidir qualquer questão relativa à responsabilidade parental relacionada com essa 7. Forum non conveniens
acção (art. 12.º, n.º 1). Conforme se estabelece expressamente neste preceito, a
7.1. Generalidades
competência para a acção matrimonial tem de decorrer do disposto no art. 3.0 , pelo
que não é suficiente que se funde na competência residual prevista no art. 7. 0 , n.º I. O art. 15.0 - seguindo, aliás, o disposto nos art. 8.º e 9.° CProtCr - consagra um
Além disso, pelo menos um dos cônjuges deve exercer a responsabilidade parental regime, expressamente qualificado como excepcional, baseado no princípio do forum
em relação à criança (art. 12.º, n.º l, ai. a)) e a extensão da competência tem de ser
aceite, expressa ou tacitamente, pelos cônjuges ou pelos titulares da responsabilidade
parental (art. 12.º, n.º l, al. b)). mRAUSCHER, EuZPR-EuIPR (2015)/RAuscHER, Brüssel IIa-VO Art 12, 46. 249
248
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo IY. Aferição da Competência Internacional

non conveniens, ou seja, no reconhecimento, pelo tribunal no qual foi instaurada a da causa por um outro tribunal suplantem, de forma significativa, as desvantagens
acção respeitante à responsabilidade parental, de que existe um tribunal de um outro inerentes à transferência da acção. Noutros termos: a transferência do processo para o
EM em melhores condições de apreciar essa acção (cf. consid. (13)) 328 • Assim, os tribunal de um outro EM deve ser "susceptível de trazer um valor acrescentado real e
tribunais de um EM que sejam competentes para conhecer do mérito de urna acção concreto ao exame desse processo"m.
respeitante à responsabilidade parental podem, se considerarem que um trib~al de 7.3. Iniciativa
outro EM com o qual a criança tenha uma ligação particular, se encontra mais bem
colocado para conhecer do processo ou de alguns dos seus aspectos específicos, e se O tribunal da causa pode, por iniciativa própria, suspender a instância e convidar
tal servir o superior interesse da criança, suspender a instância em relação à totalidade as partes a apresentarem o pedido nos tribunais de um outro EM ou pedir ao tribunal
ou a parte do processo e convidar as partes a apresentarem um pedido nesse outro EM de um outro EM que se declare competente (art. 15.º, n.º 2, § l.º, ai. b)). Também o
(art. 15.º, n.º 1, al. a)) ou a pedirem ao tribunal de outro EM que se declare competente pode fazer a pedido de uma das partes (art. 15.º, n.º 2, § I.º, al. a)) ou do tribunal de
(rui. 15.', n.' !, ai. b)). um outro EM com o qual a criança tenha uma ligação particular e que considere ser
o forum conveniens (art. 15.º, n.º 2, § l. 0 , ai. c)). Sempre que a decisão de transferir
7,2. Condições
o processo não tenha sido tomada a pedido de uma das partes, é necessário que, pelo
(a) Conforme se refere expressamente no art. 15.º, n.º 1 caput, só um tribunal menos, uma delas aceite essa transferência (art. 15.º, n.º 2, § 2.º).
competente para conhecer do mérito da acção pode suspender a instância que nele está
pendente ou solicitar a um tribunal de outro EM que, apesar de não ser competente, 8. Prorogatio fori
se declare competente329. Como se pode inferir da referência aos art. 8.º a 14.º que
8.1. Extensão da competência
consta do art. 15.º, n.º 4, § 2.º, e 5 in fine, essa competência pode basear~se numa das
regras próprias dos art. 8.º a 13.º ou na regra de competência residual do art. 14.º. (a) No âmbito da responsabilidade parental, é possível estender a competência
Se o tribunal no qual foi proposta a acção não for competente, não lhe é permitido do tribuna! de um EM com base num acordo das partes do processo, que pode ser
suspender a instância ou provocar a competência de outro tribunal, devendo antes celebrado de forma tácita, desde que inequívoca (art. 9. 0 , n.º 2, e 12.º, n.º 1, al. b),
declarar-se incompetente nas condições previstas no art. 17 .º. e 3, ai. b)). Esta atribuição convencional de competência não pressupõe que esteja
Para que o tribunal da acção se possa considerar um forum non conveniens, é pendente nenhum outro processo no tribunal escolhido331 , mas só é válida se a
necessário que o reputado forum conveniens seja um tribunal de um outro EM e que pro roga tio corresponder ao superiorinteresse da criança (art. 12.º, n.º l, al. b ), e 3, ai.
a criança tenha uma ligação particular com este Estado (art. 15.°, n.º l caput). Esta b)), embora este interesse se presuma quando a criança tenha a sua residência habitual
ligação com um outro EM é estabelecida por diversos factores: a residência do menor no território de um Estado terceiro que não seja parte contratante da CProtCr (art.
(art. 15.º, n.º 3, al. a) e b)) ou de um dos titulares da responsabilidade parental nesse 12.º, n.º 4). A necessidade deste interesse é justificada pela circunstância de a matéria
Estado (art. 15.º, n.º 3, al. d)), a circunstância de o menor ser nacional desse Estado da responsabilidade parental não ser decidida no tribunal da residência habitual da
(art. 15.º, n.º 3, al. c)) e a localização de bens da criança nesse Estado (art. 15.º, cnança.
n.º 3, ai. e)). Indispensável é também que o envio do processo para outro tribunal O art. 12.º, n.º 1, al. b), e 3, ai. b), exige que a extensão da competência do tribunal
corresponda ao interesse superior da criança (art. 15.º, n.º 1). tenha sido aceite pelo cônjuge ou pelo titular da responsabilidade parental na data
(b) Para que o tribunal da acção se possa considerar umforum non conveniens, não da instauração da acção em juízo332 • Esta condição pode ser preenchida em certos
basta a verificação das condições acima enunciadas. Conforme se refere expressamente
no art. 15.º, n.º l caput, o tribunal da causa só pode concluir {}ue não é o foro mais
conveniente em casos excepcionais. Isto atribui ao tribunal da causa urna importante
l){)TJ 27/I0/2016 (428/15),
margem de ponderação e permite inferir que, além da verificação de todas aquelas
JJI TJ J2/J 1/2014 (656/13).
condições, é ainda necessário que as vantagens que possam resultar da apreciação 312
A competência do tribunal no qual uma parte instaurou um processo em matéria de
responsabilidade parental não pode ter-se por "aceite explicitamente ou de qualquer outra
forma inequívoca por todas as partes no processo", quando a parte demandada num primeiro
processo instaura, posterionnente, um segundo processo no mesmo tribunal e suscita, no
m Cf. FALCONI, Rdipp53 (2017), 662ss.;najurisprudência,RP 11/2/2021 (15/18.2T8BA0-C. âmbito do primeiro acto que lhe incumbe naquele primeiro processo, a incompetência desse
PJ). tribunal: TJ 12/11/2014 (656/13); o mesmo sucede quando o mandatário ad litem que representa
250 >l 9 TJ 4/10/20118 (478/17). o demandado, designado oficiosamente pelo tribunal devido à impossibilidade de notificar a 251
1 de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I Processo Declarativo
IV. Aferição da Competência Internacional

do O decretamento do divórcio tiver sido solicitado


casos - como, por exemplo, quan ~ .
336
(-- º n º l al a) 4.º travessão)-, mas principal (art 20.º, n.º 1) . A circunstância de a medida se restringír a pessoas e a
d do por ambos os conJuges "',. 3 · , · ' · ' . bens presentes no território do EM implica que os efeitos dessa medida se restringem
e comum acor ·, - da extensão da competência pelos interessados pode ven 6car-
nem sempre a ace1 açao . .da t 12 ° n o a esse território, pelo que ela não pode ser reconhecida noutros EMsm. A medida
to dada a forma inequívoca ex1g1 pe1O ar · · , ·
-se nesse momento. N;ae::it;ção da competência pelo cônjuge ou pelo titular da cautelar pode incidir sobre matérias não inseridas no âmbito do Reg. 2201/2003 33&;
l, al. b ), e. ~, ai. b ), pa l basta que na altura processualmente adequada, a pense-se, por exemplo, no arrolamento de bens dos cônjuges, de molde a assegurar a
responsabilidade parenta nunca ' . t ·tular333 sua divisão após o decretamento do divórcio.
competência do ~b~al não sej~ qu~stionada pelo c:~;;oº~=~:1::d; da de~isão (b) Na hipótese de deslocação ilícita de uma criança, o art. 20. 0 não pennite a um
(b) A competenc,a convenc10na cessa com 0 tribunal de um EM adoptar uma medida provisória em matéria de responsabilidade
proferida no processo 334 • parental, destinada a confiar a guarda da criança que se encontra no território desse EM
8.2. Forum non conveniens a um dos progenitores, quando um tribunal de outro EM, competente para conhecer do
mérito do litígio relativo à guarda da criança, já tiver proferido uma decisão confiando
A transferência de uma causa para um.,orum,, c~nveniens pode ser efectuada
EM (art 15por
º provisoriamente a guarda dessa criança ao outro progenitor e essa decisão tiver sido
iniciativa do tribunal da causa ou a pedido de um tnbunal de ~ ~utro a~~ declarada executória no território do primeiro EMJJ9. A medida provisória não pode
º 2 § 1 º al b) e c)). Em qualquer destas situações, a transfere~cia da caus § ser incompatível com outra medida provisória executória no Estado do foro.
:~ce~sit; da 0
~ceitação de, pelo menos, uma das partes da acçao (art. 15.0 ' n. 2 '
1.2. Efeitos
2.").
A medida provisória ou cautelar tomada pelo tribunal do EM deixa de produzir
9. Competência residual ..
efeitos quando o tribunal do EM competente quanto ao mérito, de acordo com as regras
Se nenhum tribunal de um EM for competente para a acç~o ~la~iva à~esponsabt~dade constantes do Reg. 2201/2003, tiver tomado as medidas que considerar adequadas
parental segundo o ~is~ost.o nos art. 8." a !
3·°, ª ~~:p:::~1:::::d:d::e~~aªá:
dos EMs pelo seu d1re1to mtemo (art. 14. 'prece, q ~ - tr· . ·s):ns
0
(art. 20.º, n. 2). Dá-se, assim, preferência à decisão do tribunal que se considera mais
bem colocado para decretar a medida provisória.
' d 7 ° 0 1 no domínio das acçoes ma 1momm .
Adec1saopro en por e
é
da res~~nsabilli~ddae pare::~,tri~:l ;;~onhecida e executada segundo o previsto no
. ~ o º4)
2. Delimitação
próprio Reg. 2201/2003 (sobre a noção de dec1sao, cf. art. 2 . , n. . 0
O arL 20. º, n. l, só se refere ao caso em que o tnbunal que decreta a medida
provisória ou cautelar não é o tribunal competente para a acção segundo o disposto
0
VI. Medidas cautelares nos art. 3. a 15.º. Assim, quando a medida for decretada pelo próprio tribunal com
t, Generalidades competência para essa acção, não há nenhuma restrição quanto à sua incidência sobre
pessoas ou bens.
t.1. Decretamento
VII. Actividade do tribunal
. . de um EM'.que
(a) Em caso de urgência, os tnbuna1s , .sejam competentes
l segundoa
!ativas
a sua lei interna, podem decretar asteme_~!~:
oas ou a bens presentes no seu m
qp~~;:;~:
º;re~~~ 3::
:u direito
. ~
1. Controlo da citação

mtemo, mesmo que um 1n·bunal de um outro EM seja competente para apreciar a acçao
~ess Se o réu tiver a sua residência habitual num Estado diferente daquele no qual foi
proposta a acção e não comparecer em juízo, o tribunal competente deve suspender

.
este último o requenmento . ~---'--tório da instância' não tenha suscitado a incompetência do
m"uuu mcf. PRETELLl, Yb. Priv. Jnt. L. 20 (2018/2019), l 13 ss.
17
tribunal: TJ 21/10/2015 (215/IS). ,. l ll VO Art 12 20 s ' TJ 15!712010 (256/09); dif. RADSCHER, EuZPR-EuIPR (2015)/RAuscHER, Brüsse! IIa-
lJJ RAUSCHER, EuZPR-EuIPR (2015)/R.AusCHER, Brusse a- , .
VO Art 20, 23; cf., ainda em referência ao Reg. 1347/20-00, SPELLENBERG, FS Beys II (20-03),
4 1583 ss.
" TJ 1/10/2014 (436/13). Fa RZ2005 1615· em sentido
335 Sobre a interpretação do preceito, cf. TEIXEIRA DE SOUSA'.. ~ II VO Àrt 14 ,3 33
~BORRÁs, Relatório, n." 59.
252 concorua..uw, n ·usCHER, EuZPR-EuIPR (2015)/RAUSCHER, Brusse
,. __ ._ IVI- a- , . mTJ 23/12/2009 (403/2009 PPU).
253
Parte I - Processo Declarativo IV Aferição da Competência Internacional
J, de Castro Mendes / M. Teixeira de Sousa

. _ . , Ih " . dada a oportunidade de receber a petição inicial, primeira acção (art. 19.0 , n.º l e 2). Porque os pedidos não são idênticos, não se verifica
a mstancia até se provar que e 101 f, a referida litispendência quando um tribunal de tun EM tiver de se pronuncíar apenas
ou acto equivalente, a tempo de poder pro~ídenciar pe~a su: d~!s~:~ :ei:e~ sobre determinadas medidas provisórias em matéria de responsabilidade parental (art.
efectuadas todas as diligências nesse sentido (art. 18., n. 1~ · g 20.º) e um tribunal de um outro EM tenha de conhecer de tun pedido com vista à
1
controlo da citação do demandado é substituído, entre os respectivos ~M!, ~\aq:e e obtenção das mesmas medidas, quer seja a titulo provisório, quer a título definitivo 344•
·- 19º Reg 1393/200'7341 (art. 18.º, n.º 2 e 3; cf. art. 5. 'n. ' eg.
que consta d o ru ,. · · O tribunal da segunda acção deve declarar-se incompetente a favor do tribunal da
1393/2007). primeira acção logo que a competência deste se encontre estabelecida (art. 19.", n.º 3,
§ l .º). É irrelevante que o tribunal da primeira acção tenha aferido a sua competência
2. Controlo da competência de acordo com os art. 3. 0 a 15.º ou segundo o seu direito interno, mas é essencial que
2.1. Generalidades aquele tribunal seja competente345 .
O tribunal do EM no qual foi instaurado um processo .para o qual careça de (b) De molde a evitar quaisquer dúvidas sobre o momento em que tuna acção se
_ . do Reg 220112003 e para O qual seJa competente, segundo considera proposta, o art. I 6. 0 contém uma norma material (semelhante àquela que se
competenc1~ nos termos trib. 1 de um outro EM, deve declarar~se oficiosamente encontra no art. 32.0 Reg. 1215/2012) que define esse momento, quer na hípótese -
este mesmo mstrumento, um una º º 1 e 14 o a que é a do direito português (art. 259. 0 , n.º 1, CPC) - de a citação ou notificação do
incom etente (art. 17.º). Deste modo, se, nos tennos dos art. 7., n. , 0
• ·~
requerido ser posterior ao início da causa (art. 16. º, ai. a)), quer no caso de a citação ou
com~ência tíver sido apreciada pelo direito inten:o d_o Estado do foro, o art. 17. nao
notificação do requerido ser anterior à proposítura da acção (art. 16. º, al. b)).
impõe o conhecimento oficioso daquela incompetencia. Em todo o caso, mesm~ q~e
não se verifi uem as condições previstas no art. 17.º, na~ i1'.1p~de que a apreciaçao 3.2. "Falsa litispendência"
da incompetincia seja realizada oficiosamente seg~do o direito :nterno do 9;s!adoº ~o (a) Se forem instauradas, em tribunais de EMs diferentes, acções de divórcío, de
fora342. É, aliás, essa a solução do direito portugues: cf. art. 96. , al. a), e · , n. ,
separação de pessoas e bens ou de anulação do casamento com pedidos e causas de
CPC. pedir distintos, o tribunal em que a acção tiver sido instaurada em segundo lugar
deve suspender oficiosamente a instâncía até que seja estabelecída a competência do
2.2. Consequências
tribunal em que a acção foi instaurada em primeiro lugar (art. l 9. 0 , n.º 1). Trata-se de
. . . d art 17 º impor a apreciação oficiosa da incompetência
Da circunstancia e O · · , l I pacto de situações de "falsa litispendência"346 ou de "quase litispendência": é o que sucede, por
decorre que, nas condições nele enunciadas, é inadmiss_1v,: qua:ee~emandada exemplo, quando, estando pendente nos tribunais de tun EM mna acção de divórcio,
jurisdição celebrado entre as partes e que é irrelevante a pos17ao da~ 2201/2003 for instaurada nos tribunais de um outro EM uma acção de separação de pessoas e
na acção pendente. Assim, desde que, segundo o estabe~~,;_ctº no e~. admissívei; bens ou de anulação do casamento.
exista um qualquer tribunal competente de um qualquer ' nunca sao Do regime desta "falsa litispendência" resulta que a propositura de qualquer acção
43
pactos tácitos de jurisdiçãol · matrimonial nos tribunais de mn EM - seja ela uma acção de divórcio, de separação de
pessoas e bens ou de anulação do casamento -- impede a pendência de qualquer outra
3. Controlo da litispendência acção matrimonial nos tribunais de um outro EM. Esta "falsa litispendência" verifica-
3.1. Generalidades -se mesmo que as duas acções pendentes produzam efeitos a partir de momentos
a uando forem instauradas em tribunais de EMs diferentes ~ções matrimoniais distintos, como acontece com a acção de divórcio - que só realiza efeítos ex nunc - e a
ou ~c~~s relativas à responsabilidade parental com o mesmo pedi~o,; mesma ca~sa
acção de anulação do casamento - que produz efeitos ex tunc. Em contrapartida, essa
"falsa litispendência" nunca se constitui após o trânsito em julgado de mna decisão,
de edir e entre as mesmas partes, 0 tribunal da segunda ac~ao. eve s~spen er
ofidosamente a instância até se encontrar estabelecida a competenc1a do tnbunal da pelo que, por exemplo, a improcedência de mna acção de separação de pessoas e bens
nunca obsta à admissibilidade de uma posterior acção de divórcio.

- 1· • ti d 0 rt 18º nºl oquese


,-,ºComo resulta da comparação com outras versoes mguts c~ ª · ·EM '
exige é que o réu tenha residência habitual num outro Estado, e nao num CltltrO , • 3
""'TJ 9/11/2010 (296/10).
i•1 JO L 324 de 10/12/2007. "
5
RAuscHER, EuZPR-EuIPR (2015)/RAuscHER, Brüssel Ua-VO Art 19, 46.
142 RAuscHE~, EuZPR-EuIPR (2015)/RAuscHER, Brüssel Ila-VO Art 17, 13. 3
%BoRRÁs, Relatório, n.º 54. 255
141 Cf. BoRRÁS, Relatório, n.º 28.
254
i)'

J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I ,. Processo Declarativo rv. Aferição da Competência Internacional

1
(b) Quando estiver estabelecída a competência do tribunal em que a acção tiver sido VIII. Cooperação internacional
primeiramente proposta, o tribunal da segunda acção deve declarar-se incompetente
a favor daquele (art. 19.", n.º 3, § Lº). Neste caso, o pedido formulado na segunda 1. Autoridades centrais
acção pode ser submetido pelo autor ao primeiro tribunal (art. 19.º, n.º 3, § 2."), 1.1. Generalidades
bastando para tal que este tribunal seja competente nos termos do Reg. 2201/2003.
Esta faculdade é especialmente importante quando a acção preterida for prejudicial Cada EM deve designar uma ou várias entidades centrais encarregadas de o assistir
em relação à acção que subsiste (como sucede, por exemplo, entre a acção de anulação na aplicação do Reg. 2201/2003, com especificação das respectivas competências
do casamento e a acção de divórcio), porque permite que o cônjuge interessado possa territoriais ou materiais (art. 53.0 ). Portugal designou, nos termos do disposto no art.
impor a apreciação da acção preterida no tribunal da primeira acção (no qual, por 67.º, al. a), a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.
exemplo, se deve discutir a validade do casamento antes de se analisar o divórcio). As autoridades centrais devem comunicar informações sobre a legislação e
Em regra. não pode ser invocada nenhuma preclusão para impedir a formulação do procedimentos nacionais, tomar medidas para melhorar a aplicação do Reg. 2201/2003
segundo pedido na primeira acção 347 • No entanto, podem impor-se algumas limitações e, bem assim, reforçar a sua cooperação, utilizando, para todos estes efeitos, a RJE
à aplicação do art. 19.º, n.º 3, § 2.º, atendendo nomeadamente à impossibilidade de (art. 54.º). De molde a facilitar a aplicação do Reg. 2201/2003, as autoridades centrais
coadunar o novo pedido com a tramitação da primeira acção: é o que pode suceder devem reunir-se periodicamente (art. 58.º, n.º l).
3413
quando, por exemplo, esta já se encontre em apreciação num tribunal de recurso • 1.2. Funções específicas
3.3. Aferição da competência As autoridades centrais podem cooperar em casos específicos de responsabilidade
(a) A litispendência e a "falsa litispendência" referidas no art. 19.º pressupõe~ parental (art. 55.0 ), principalmente para favorecer a resolução amigável de litígios
que a acção continue pendente no primeiro tribunall4 9 e que o tribunal no qual foi familiares respeitantes a essa responsabilidade (cf. consid. (25)). Essa cooperação
proposta a segunda acção seja competente para a apreciar. Se tal não suceder, não faz pode nomeadamente verificar-se quando a criança seja colocada num outro EM
sentido que esse tribunal suspenda a instância (art. 19.º, n. 0 1 e 2) e possa declarar-se (art. 56.0 , n. 0 1), ainda que a lei interna deste Estado não preveja a intervenção de
incompetente a favor do tribunal da primeira acção (art. 19.º, n.º 3, § l.º). uma autoridade pública (art. 56.0 , n. 0 4), ou quando seja apresentado um pedido de
(b) Sendo assim, só há que considerar, quanto às relações entre a aferição da assistência pelo titular da responsabilidade parental (art. 57.º, n.º l ).
competência e o controlo da litispendência, as seguintes hipóteses: .
O tribunal da primeira e o da segunda acção são competentes para apreciar 2. Cooperação dil'ecta
as respectivas acções (como sucede quando, por exemplo, a competência Além da cooperação através das autoridades centrais dos EMs, também é admissível
para as acções matrimoniais é aferida com base, nwn caso, no critério da uma cooperação directa entre os tribunais envolvidos (art. l l.º, n.º 6, e 15.º, n.º 6).
residência habitual (art. 3.º, n.º l, ai. a)) e, no outro, no da nacionalidade
(art. 3.º, n.º l, al. b)): após o tribunal da primeira acção se considerar § 18." Reg. 4/2009 350
competente, o tribunal da segunda acção deve declarar-se incompetente a
favor daquele (art. 19.0 , n.º 3, § l.º); I. Generalidades
O tribunal da primeira acção é incompetente para apreciar a acção que foi
instaurada perante ele, mas o tribunal da segunda acção é competente para 1. Objectivos
a causa que nele foi proposta: depois de o tribunal da primeira acção se 1.1. Efectividade
declarar incompetente (eventualmente ex officio: cf. art. 17 ."), é levantada a
suspensão da instância na segunda acção e esta volta a ter a sua tramitação O Reg. 4/2009 visa criar wna série de medidas que permitam assegurar a cobrança
normal. efectiva das prestações de alimentos em situações transfronteiriças (consid. (45)) e,
bem assim, possibilitar que um credor de alimentos possa obter facilmente, num dos

347 Cf. BoRRÁs, Relatório, n.º 55.


35
) 48 R.AllSCHER, EuZPR-EuIPR (2015)/RAllSCHER, Brüssel lla-VO Art 19, 54. ºNeste parágrafo, os artigos, considerandos e anexos sem indicação da fonte pertencem
256 349 TJ 6/10/2015 (489/14). ao Reg. 4/2009. 257
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Parte I - Processo Declarativo IV. Aferição da Competência Internacional
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa

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(b) O conceito de obrigação alimentar deve ser interpretado de fonna autónoma
EMs de modo automático e sem quaisquer formalidades, uma_ decisão dotada de força (consid. (11)) 3, 4 • Por exemplo: é obrigação alimentar aquela que se refere ao
' ó. t EM (cons,·d (9)) Estefiavor creditoris manifesta-se nomeadamente
execut nanou ro . . • pagamento de uma quantia global por um dos ex~cônjuges ao outro e à transferência
\
nos seguintes aspectos: . ' da propriedade de certos bens 355 .
Na incompetência dos tribunais de qualquer outro EM para apreciar_uma
acção de alteração da obrigação de alimentos e~quant~ o credo: _:ontmuar 1.2. Relações familiares
'd' . hab'itual no EM no qual foi profenda a dec1sao a rever
a ter a sua res1 encta (a) O Reg. 4/2009 não define relação familiar, devendo entender-se que a referência
0
(art. 8. , n.º l); d ·- d 1 ar ao casamento que consta do art. 1.0 , n.º l, abrange o casamento entre pessoas do
Na possibilidade de o tribunal do EM de origem da ec1sao a ec ar mesmo sexo e que o Reg. 4/2009 também se aplica quando essa obrigação tenha como
executória provisoriamente (art. 39 .º); . .. d d fonte uma parceria registada (como, por exemplo, o pacte civil de solidarité (PACS)
Na maioria dos casos, no reconhecimento automático se~ possib1hda e ; francês e a eingetragene Lebenspartnerschaft alemã) 3si;.
contestação da decisão que reconhece a obrigação de .a1:mentos (~. l? ·'. Da circunstância de o Reg. 4/2009 ser aplicável aos casamentos entre pessoas
n.º 1) e na supressão do exequatur dessa mesma decisao (art. 17., n. 2, do mesmo sexo e às parcerias registadas não decorre que todos os EMs o tenham de
cf. consid. (5)). aplicar a obrigações alimentares decorrentes desses institutos. O reconhecimento do
casamento ou da parceria homossexual não é regulado pelo Reg. 4/2009, pelo que
1.2. Igualdade esse reconhecimento fica dependente do direito internacional privado de cada EM
O Reg. 4/2009 visa garantir a igualdade entr: to~~s os cre~ore~ (consid. (11)), (cf., qUàiltO ao casamento, art. l.º, n.º 2, ai. b),e 13.º Reg. 1259/2010). Por isso, pode
O suceder que esses institutos não sejam reconhecidos por serem considerados contrários
ual uer ue seja a fonte da respectiva obrigaçao. E isso que Justlfi~ª que ~~g.
t20Ó9 se{a aplicável às obrigações alimentares decorrentes das relaçoes de fam1ha, à ordem pública do Estado do foro, hipótese em que este Estado não aceita que os seus
de parentesco, de casamento ou de afinidade (art. Lº, n.º l). tribunais sejam competentes para apreciar uma acção de alimentos entre cônjuges ou
parceiros homossexuais com base no disposto no Reg. 4/2009 e, nos restritos casos em
2. Vinculação que possa haver impugnação do reconhecimento, esse mesmo Estado não reconhece
nem concede exequatur a uma decisão relativa a alimentos proferida entre essas partes
O R g 4/2009 é vinculativo para todos os EMs da UE, com excepção da Dinamarca
(art. 24. 0 , ai. a)). Seja como for, não é esse o caso do Estado português, dado que a
.; · )· cf art l o n ° 2) No entanto, na sequência do acordo entre a CE e a
(cons1 . (43 , : . . ' . . fi· corm·ssão da decisão de aplicar o conteúdo do sua ordem jurídica conhece o casamento homossexual (art. 1577.° CC) e, por isso,
Dinamarca a Dmamarca notl cou a . , . não pode considerar contrária à sua ordem pública nem o casamento, nem a parceria

-re--• -- •
R 4/2009 na parte em que altera o Reg. 44/2001 :i51. Isto significa que são ap!Ic_:1ve1s
homossexual.
cg. laç' o,·0 ,..,.,,,..,..,, todas as disposições do Reg. 4/2009, com excepçao do (b) Ainda que se considere que o Reg. 4/2009 é aplicável às obrigações alimentares
disposto nos Capítulos III (lei aplicável) e Vll (cooperação entre auton es cen~F s . decorrentes de parcerias registadas, o devedor (actual ou antigo parceiro) pode opor
à pretensão do credor a inexistência de obrigações para com este ao abrigo da lei do
II. Âmbito de aplicação Estado da sua residência habitual e da lei do Estado da nacionalidade comum das
partes, caso exista (art. 6.º ProtObrAl) 357•
1. Âmbito material
1.3. Acções de alteração
J.l. Generalidades
Como resulta do disposto no art. 8.", o Reg. 4/2009 também se aplíca às acções de
Rcg 4/2009 é aplicável às obrigações alimentares decorrentes das ~lações
(ª) O · fin'd d (art. l .O, n. º I) . Assim ' por alteração de obrigações de alimentos propostas pelo devedor contra o credor. Dai que
d família de parentesco de casamento ou de a l a e
!
n:o deco;erem de relaçõ~s de familia, 0 ~eg. 4/2009,n~o aplicável, entre outras, às
3
obrigações alimentares resultantes de regimes sucessonos
154 Cf., no âmbito da CBrux, TJ 6/3/1980 (120/79).
mn 27/2/1997 (220/95).
W•Cf. JUNKER, FS Simotta (2012), 264; RAUSCHER, EuZPR-EuIPR (2015)/ANDRAE, EG-
351 JO L 149, de 12/6/2009. UntVO Art 1, 5; dif. QUERZOLA, in TARUFFo!VARANO (Eds.), Manual e (20 ! 1), 149.
m JO L 149, de 12/6/2009; JO L 195, de 18/7/2013. 357
Cf. RAusCHER, EuZPR-EuIPR (2015YANDRAE, EG-UntVOArt 1, 17, 259
353 RAuscHER, EuZPR-EuIPR (2015)/ANDRAE, EG-UntVOArt 1, 21.
258
~
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa l.i Parte I - Processo Declarativo
IV Aferição da Competência Internacional
..
•·1:,
,i
..
. R 4/2009 também é aplicável a acções destinadas a obter a
se possa conc!mr que o eg.
·1
1 devedor (com base nomeadamente, numa e efeitos equivalentes a uma decisão de uma autoridade judiciária sobre a mesma
devolução do que fo!
pago e_m exces)so pe o e não teria sentido ~ue a competência para
alteração da prestaçao de ahmentos , porqu . .
0
matéria (art. 2.º, n. 2). As referidas autoridades administrativas devem, por isso,
as respectivas acções fosse apreciada de modo d1stmto 358 .
1 aplicar as regras do Reg. 4/2009 (consid. (12)).
1 (b) Apesar de a letra do art. 3.º possibilitar a aplicação do Reg. 4/2009 a casos
1.4. Apreciação negativa . . puramente internos - isto é, a casos em que o credor e o devedor da obrigação de
alimentos têm a sua residência habitual num mesmo EM ···, há que entender que o
Pode discutiMe se o Reg.
412 009
_se
- d ti das a declarar a mex1stencia
ª~ :ª
1·1 acções de apreciação negativa - isto
~ do direito a alimentos - propostas
. Reg. 4/2009 só á aplicável a casos transfronteiriços (cf. consid. (45)), nomeadamente
é, a acçoes es na . todavia que a acção de apreciação negativa porque a UE não tem competência para legislar sobre casos puramente intemos3ó 1•
pelo alegado devedor. ES1ranho sena, d~ ' . da acção de condenação contra ele
2.3. Reconhecimento de decisões
que foi proposta pelo de~edor duran:e a P: en~~:egime da Jitispendência que consta
instaurada pelo credor nao fi:_asseda rang.
do art. l2.º. Portanto, as acçoes e apreciaç
fo negativa também são abrangidas pelo O Reg. 4/2009 é aplicável ao reconhecimento, à força executória e à execução de
Reg. 4/2009 , 359 decisões proferidas nos EMs que sejam relativas a obrigações alimentares decorrentes
das relações de família, de parentesco, de casamento ou de afinidade proferidas nos
EMs (art. l.º, n. 0 1, e 16. 0 , n. 0 !).
2. Âmbito espacial
2.1. Âmbito universal . 2.4. Organismos públicos

O Reg. 4/2009 é aplicável mesmo que o reque~tao ·d tenha


a1 arremissão
sua residência
para ohabitual
direito Segundo a definição de credor que consta do art. 2.º, n. 0 l, n.º 10, este conceito
num Estado ter~eiro, pelo que deve deixar de 7; ~; 1
I : si:~fica que Reg. 4/2009
O
nacional (constd. (l 5); cf., no entanto, dart. tr · ~i:ade da situação decorra de uma
abrange apenas as pessoas singulares, daí decorrendo, por exemplo, que um organismo
público
0
não pode ser considerado credor para efeitos de aplicação dos art. 3.0 , al. b),
b , , r , el quando o elemento e es an . - e 8. , n.º l e 2, ai. b). No entanto, isto não significa que outras regras de competência
tam em e ap 1cav . . R 412009 tem um âmbito de aphcaçao - nomeadamente, aquela que se encontra no art. 3. º, ai. a)- não possam ser aplicáveis
conexão com um Estado tercerro. Asdstm, o eg. internas dos EMs deixam de ter a organismos públicos362 •
universaPw, pelo que as correspon entes regras
qualquer possibilidade de aplicação. 3. Âmbito temporal
2.2. Competência internacional . 3.1. Entrada em vigor
(ª) O Reg 4/2009 é aplicável, independentemente da natureza do tnbundalos'
· · - · (art 1 ° nº 1) sempre que um O Reg. 4/2009 entrou em vigorem 30/1/2010 (art. 76.º, § l.º) e tomou-se aplicável
às matérias relativas_ a obn~açoes ahme~~es º a~b~a ~om~etência aos tribunais a partir de 18/6/2011 (art. 76, § 3.º). A condição a que se refere o art. 76.º, § 3.º -
7
elementos de conexao :efe~do; no~:o · aªno~ão de tribunal inclui as autoridades
9 a aplicabilidade do Prot0brAP63 - ficou preenchida com a sua aprovação pela CE
O através da Decis. 2009/94l/CE364 .
de um EM. Para os efeitos eg. ' téria de obrigações alimentares, desde
administrativas dos EMs competentes ~m ma respeita à sua imparcialidade e ao 3.2. Direito transitório
t ·dades ofereçam garantias no que .
que
d . ·essas
da au on
artes a serem 'da
ouvi s e d es de que as suas decisões possam ser obJecto
e
de1fe1to
recursosp perante uma auton"dade JU. d.tcia
"'ria oudecontroloporestaetenhamJorça (a) O Reg. 4/2009 é aplicável apenas aos processos instaurados, às transacções
judiciais aprovadas ou celebradas e aos actos autênticos estabelecidos posterionnente
àsuadatadeaplicação(art. 75.º,n.º l).

l"GRUBER, IPRax 2010, 131; HAU, Fam RZ 2010, 516' quanto à competência prevista no

art. 3.º, ai. e). 3


b com o inaceitável argumento de que a
J>"Id. GRUBER, IPRax 2010.' ~ o, em_ ora . julgado quanto ao "se" da pretensão Joa GRUBER, IPRax 2010, 133; RMJsCHER, EuZPR-EuIPR (2015)/ANDRAE, EG~UntVO Art 3, l 7.
improcedência da acção de apreciaçao negativa ena ca 50
d 1. t ". HAu FamRZ 2010 518. l&2Cf. HAu, FamRZ 2010, 519; REuss, FS Simotta (2012), 483 ss.; RAusCHER, EuZPR-
do credor e a 1men o~, , ' . EG UntVO Vorbem zu Art 3 ff, 2; MoURA EuIPR (2015)/ANDRAE, EG-UntVO Art 3, 2.
13
ló(IRAuscHER, EuZPR*EuIPR (20!S)/ANDRAE, . • ANCEtlMUIR WATT, Rev. crit. DIP " Cf. BONOMI, Protocole du 23 novembre 2007 sur la loi applicable aux obligations
RAMOS, RLI 144 (2014), 84; reticentes quanto ao regime, cf.
alimentaires/Rapport explicatif (octobre 2009).
260 99 (2010), 480 s. 164
JO L 33 l, de l 6/12/2009.
261
Parte I - Processo Declarativo rv: Aferição da Competência Internacional
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa

(b) O Reg. 4/2009 também se coordena com a CLug II (art. 4.º, n.º 4, e 6.º).
(b) Quanto ao reconhecimento e à força executória das decisões (e ainda das
Re;or~e~se que os Estados que são parte na CLug II e que não são EMs da UE são a
transacções e dos actos autênticos: art. 75. 0 , n. 0 2, § 3.º) - na medida em que esse
Islandta, a Noruega e a Suíça.
reconhecimento e a declaração de força executória sejam necessários-, o regime é o
seguinte: 5.2. Efeito derrogatório
O Reg. 4/2009 aplica-se às decisões proferidas nos EMs antes da data da
(a} O Re~ ..4/2009 substitui, em matéria de obrigações alimentares decorrentes de
sua aplicação, se o reconhecimento ou a declaração da força executória
0 65 relaçoes fam1h~res, o Reg: 805/2004, excepto no que se refere aos títulos executivos
forem solicitados após essa data (art. 75.º, n.º 2, § 1. , ai. a)}3 ; e~opeus relativos a obngações alimentares emitidos num EM que não este·a
O Reg. 4/2009 aplica-se às decisões proferidas após a data da sua aplicação vmc.ulado pelo ProtObrAl (art. 68.º, n.º 2), que é a Dinamarca (cf: consid. (l I) e (l~)
na sequência de processos instaurados antes dessa data, se essas decisões, Dects. 2009/941/CE).
na perspectiva do reconhecimento e da execução, se enquadrarem no . .(b) Entre os EMs o ~eg. 4/2009 prevalece sobre as convenções e os acordos que
0 0
âmbito de aplicação do Reg. 1215/2012 (art. 75. , n. 2, § l.°, ai. b)). mctdam ~obre as maténas por ele regidas (art. 69.º, n.º 2). Através da cláusula de
desconexao que consta do art. 51.º, n.º 4, CCobrAI, o Reg. 4/2009 prevalece nos EMs
4. Competência territorial sobre a CCobrAI. Daí que, ainda que todos os EMs venham a ser Estado; partes d~
O art. 3.º detennina não apenas a competência internacional, mas também a CCobrAI, entre aqueles Estados se aplique exclusivamente O Reg. 4/2009.
competência territoriai 366 . Como esse preceito é dotado de uma dupla funcionalidade,
III. Aferição da competência
não há que recorrer às regras internas para determinar o tribunal territorialmente
competente. 1. Elementos de conexão

5. Relações entre regulamentações 1.1. Critério geral

5.1. Coordenação de regimes S~o competen.tes para apreciar acções em matéria de obrigações alimentares os
segumtes tnbuna1s dos EMs:
(a) O Reg. 4/2009 institui uma coordenação com dois instrumentos elaborados
O 1?~un~l do l~cal em que o requerido (normalmente o devedor) tem a sua
pela CHDIP: 363
res1denc1a habitual (art. 3.º, ai. a)}37º; o regime é paralelo ao que consta do
A CCobrAP 67 (art. 8.º, n.º l e 2, al. c) ed), e 57.º, n.º 5) ; além da referida art. 4.º, n.º l, Reg. 1215/2012, mas utiliza como elemento de conexão em
coordenação, são várias as disposições do Reg. 4/2009 que mantêm algum vez do domicilio, a residência habitual· '
0
paralelismo com as correspondentes disposições da CCobrAI (art. 8.°, 44. , O tribunal do local em que o credor te:n a sua residência habitual (art 3 "
46.", 67."); alb))ffl·
. , note-se que, apesar de, segundo a definição que consta do art 2 °•
O ProtübrAP 69 ; a coordenação do Reg. 4/2009 com o ProtObrAl levou n.º l, .n.º 10, um organismo público não poder ser considerado credor: u~
a que se instituísse um regime diverso quanto ao reconhecimento e à organismo que pretenda, através de uma acção de regresso, a cobrança dos
execução de decisões proferidas num EM vinculado pelo ProtObrAl (art. ~o~tantes ~agos a título de alimentos a um credor de alimentos, em cujos
0
16.º, n.º 2, e 17.º a 22.º) e num EM não vinculado pelo ProtüôrAI (art. 16. , dueltos e~ta ~ub-ro~ado em relação ao devedor de alimentos, pode invocar
n. 0 3, e 23.º a 38.0 ). a competencta do tnbunal do local da residência habitual desse credor312.
1.2. Extensão da competência
(a) (i) Se~~do um c~tério de ext~são da c?mpetência, são ainda competentes
lf>5 No sentido de que o Reg. 4/2009 só é aplicável se o tribunal de origem da decisão já for
para ~ aprec:~çao de acçoes em matena de obngações alimentares decorrentes de
um EM no momento do seu proferimento, cf. TJ 15/4/2021 (719/19). relaçoes fam1hares:
™R.AuscHER, EuZPR-EuIPR (2015)/ANDRAE, EG-UntVO Vorbem zuArt 3 ff, 2, e Art 3, 7.
367 Cf. BoRRÁs/DEGELING (DL'NCAN/LORTIE), Convention du 23 Novembre 2007 sur le

recouvrement intemational des aliments destinés aux enfants et à d'autres membres de la 11


ºCf. RL 4/2/2020 ( 1843/l 8.4T8CSC-A.Ll-7).
famille/Rapport explicatif (novembre 2009); LoNG, I.C.L.Q. 57 (2008), 984 ss.
Cf. TJ 18/12/2014 (400/13 e 408/13).
Jii
J6SCf. ANDRAE, FPR 2008, 196 ss.; BEAUMONT, RabelsZ 73 (2009), 526 ss.
mTJ 17/9/2020 (540/19). 263
369 Cf. ARNOLD, IPRax 2012, 311 ss.
262
Parte I -· Processo Declarativo IY. Aferição da Competência Internacional
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa

O tribunal que, de acordo com a lei do foro, tem competência para apreciar Ao tribunal ou aos tribunais do EM no qual uma das partes tenha a sua
uma acção relativa ao estado das pessoas, quando o pedido relativo à residência habitual (art. 4.º, n.º l, § 1.0 , ai. a));
obrigação alimentar for acessório dessa acção, salvo se esta competência Ao tribunal ou aos tribunais de um EM de que uma das partes tenha a
se basear unicamente na nacionalidade de uma das partes (art. 3.º, al. e)); nacionalidade (art. 4.º, n.º l, § 1.0 , ai. b)); em função da proibição da
O tribunal que, de acordo com a lei do foro, tem competência para apreciar discriminação que consta do art. 18.º, § 1.0 , TFUE, a possibilidade de
0
uma acção relativa à responsabilidade parental (na acepção do art. 2. , n.º 7, designação desse tribunal não é isenta de dúvidas 376;
Reg. 2201/2003), quando o pedido relativo a uma obrigação alimentar for No que se refere às obrigações alimentares entre cônjuges ou ex-cônjuges,
acessório desta acção, salvo se essa competência se basear unicamente na ao tribunal competente para deliberar sobre os seus litígios em matéria
nacionalidade de uma das partes (art. 3.0 , ai. d)); a circunstância de uma acção matrimonial ou ao tribunal ou aos tribunais do EM em cujo território estava
relativa ao estado das pessoas se encontrar pendente nos tribunais de um outro situada a sua última residência habitual comum durante um período de pelo
EM não impede a competência do tribunal no qual se encontra pendente uma menos um ano (art. 4. 0 , n.º 1, § l.º, ai. c)).
73
acção relativa à responsabilidade parental para a acção de alimentos3 • (ii) As condições de que depende a validade da designação têm de se encontrar
(ii) A ressalva da nacionalidade não opera se, apesar de o elemento de conexão ser reunidas aquando da celebração do pacto relativo à eleição do foro ou quando a acção
374
a nacionalidade de uma das partes, todas elas forem nacionais do Estado do foro • for instaurada no tribunal (art. 4.º, n.º l, § 2. 0 ). A competência conferida pelo pacto
Nos EMs - como é o caso da Irlanda- nos quais o conceito de "domicile" substitui o é exclusiva, a menos que as partes convencionem uma competência alternativa com
conceito de nacionalidade, é aquele conceito que releva como elemento de conexão para aquela que resulta do Reg. 4/2009 (art. 4.°, n.º l, § 3.º).
a aferição da competência (art. 2.º, n. 0 3, § 1.0 ; cf. consíd. (18)). (b) Pode suceder que as partes atribuam competência exclusiva a um tribunal ou
(b) O tribunal que é competente para apreciar a acção de alimentos também é aos tribunais de um Estado que seja parte na CLug II mas que não seja um EM do
competente para apreciar as questões prejudiciais que nela se levantem (art. 91.º, n.º l, Reg. 4/2009, ou seja, aos tribunais da Islândia, da Noruega e da Suíça. Nesta hipótese,
CPC), como, por exemplo, a relação de filiação entre o credor demandante e o devedor aplica-se a essa atribuição de competência o disposto no art. 23.º CLug II, excepto se
demandado. o pacto for inválido por respeitar a uma obrigação alimentar devida a um menor de 18
anos (art. 4.º, n.º 4).
1.3. Escolha do foro
Dos critérios determinativos da competência que constam do art. 3.º pode concluir- 2.2. Condições de validade
-se que, ao contrário do que sucede no âmbito do Reg. 1215/2012 (art. 4.º, n.º l, Reg. Atendendo à necessidade de proteger a parte mais fraca, o pacto de jurisdição
1215/2012), a regra actor sequitur forum rei não orienta a aferição da competência nunca é válido quanto a litígios relativos a uma obrigação alimentar respeitante a
segundo o Reg. 4/2009 375 • Além disso, os critérios constantes do art. 3.º são alternativos menores de 18 anos (art. 4. 0 , n. 0 3). O pacto deve ser celebrado por escrito (embora
entre si, o que significa que, havendo vãrios tribunais competentes em função desses não, como se dispõe no art. 25. 0 , n.º 1 3.ª parte, al. a), Reg. 1215/2012, verbalmente
critérios, o autor tem à sua escolha qualquer deles. com confirmação escrita), mas qualquer comunicação por via electrónica que permita
um registo duradouro do pacto equivale à forma escrita (art. 4.º, n.º 2; cf. art. 25.º, n.º
2. Prorogatio fori
2, Reg. 1215/2012).
2.1. Generalidades
2.3. Âmbito de aplicação
(a) (i) As partes podem atribuir competência aos tribunais dos EMs para decidir
quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir entre elas em matéria O Reg. 4/2009 é aplicável qualquer que seja o lugar da residência habitual das partes
de obrigações alimentares (art. 4.º, n.º 1 pr.). Em concreto, as partes podem atribuir (consid. (15)), ou seja, tem um âmbito de aplicação universal. Desta circunstância
competência aos seguintes tribunais: decorrem, no que respeita aos pactos de jurisdição, as seguintes consequências:
O regime constante do art. 4. 0 é aplicável quando tenha sido derrogada
a competência dos tribunais de um Estado terceiro e seja atribuída
competência aos tribunais de um EM;

l7lTJ 16/7/2015 (184/14).


314 HAt:, FamRZ20lO, 516 s.

315 Cf. HAU, in COESTER-WALTJENIL!PP/SCHUMANN (Eds.), Europãisches Unterhaltsrecht


376
HAU, FamZR 2010, 5I7. 265
264 (2010),61.
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I Processo Declarativo IV Aferição da Competência Internacional

O regime também é aplicável quando tenha sido derrogada a competência tribunais desse Estado não são competentes para a acção de alteração),
dos tribunais de um EM e seja atribuída competência aos tribunais de um importa assegurar que é possível obter essa decisão num EM;
outro EM 377 • A decisão proferida no Estado de origem que seja parte na CCobrAI não
possa ser reconhecida ou declarada executória no EM em que se pretende
2.4. Pacto tácito intentar a acção para obter uma nova decisão ou a alteração da decisão
O tribunal de um EM perante o qual o requerido compareça, sem arguir a (art. 8.º, n.º 2, ai. d)); nesta situação, dado que a decisão que viesse a ser
incompetência do tribunal, toma-se competente (art. 5."; cf. art. 26.º, n." l, Reg. proferida no Estado de origem não seria reconhecida num outro Estado,
1215/2012). Como os art. 3.º e 4. 0 regulam simultaneamente a competência não faz sentido que continue bloqueada a propositura da acção neste Estado.
internacional e a competência territorial, há que considerar que, se, nos termos (b) Para as demais acções de alteração de alimentos não se encontra no Reg.
daqueles preceitos, algum tribunal do Estado do foro for competente, o disposto no 4/2009 nenhuma disposição aplicável. Sendo assim, há que aplicar a essas acções as
art. 5.º também vale para a hipótese em que a acção não se encontre pendente no disposições gerais, nomeadamente aquelas que constam dos art. 3.º a 7. 038 º.
tribunal territorialmente competente378 • 3.2. Extensão do regime
3. Acções de alteração O regime constante do art. 8." também é aplicável no caso em que a obrigação de
alimentos tenha sido definida através de uma transacção ou de um acto autêntico, já
3.1. Definição do regime
que, como se estabelece no art. 48. 0 , n. 0 2, o Reg. 4/2009 é aplicável, na medida do
(a) (i) Quando uma decisão tiver sido proferida num EM ou num Estado que necessário, às transacções judiciais e aos actos autênticos381 • O favor credito ris que
seja parte na CCobrAI onde o credor tenha a sua residência habitual, o devedor não enforma o Reg. 4/2009 também confirma a extensão do regime.
pode propor uma acção para alterar ou obter uma nova decisão em qualquer outro /
EM enquanto o credor continuar a ter a sua residência habitual no Estado onde foi 4. Competência subsidiária
proferida a decisão (art. 8.0 , n.º l).A solução retoma o disposto no art. 18." CCobrAl e 4.1. Competência internacional
significa que, enquanto se mantiver a residência habitual do credor no EM no qual foi
proferida a decisão a modificar, o devedor só pode instaurar a acção de modificação Quando nenhum tribunal de um EM for competente por força do Reg. 4/2009 e
0
nesse mesmo Estado. A observância do disposto no art. 8.º, n. l, deve ser controlada nenhum tribunal de um Estado parte na CLug II que não seja um EM for competente
oficiosamente pelo tribunal da acção' 7''. por força do disposto neste instrumento, são competentes os tribunais do EM da
(ii)A regra da perpetuatio fori constante do art. 8.0 , n.º 1, não é aplicável e, portanto, nacionalidade comum das partes (art. 6. 0 ; cf. art. 2.°, n.º 3, § 2.º)>8l. Se alguma das
não há nenhum obstáculo à propositura da acção de modificação pelo devedor num partes for nacional de mais de um EM, é relevante qualquer dessas nacionalidades383•
Na Irlanda, a nacionalidade é substituída, como elemento de conexão, pelo "domicílio"
outro EM quando:
As partes tiverem celebrado um pacto de jurisdição atribuindo competência (art. 2. 0 , n.º 3, § l.º).
aos tribunais de outro EM (art. 8.", n. 0 2, al. a)); 4.2. Competência territorial
O credor, através de um pacto tácito, tiver aceitado a competência dos
O art. 6." só abrange a competência internacional. A competência territorial é
tribunais de outro EM (art. 8.º, n.º 2, al. b));
regulada pelo direito interno do Estado do foro.
- A autoridade competente do Estado de origem que seja parte na CCobrAl
não possa ou se recuse a exercer a competência para alterar a decisão ou
proferir uma nova decisão (art. 8. 0 , n.º 2, al. c)); perante a impossibilidade
de obter no Estado de origem uma nova decisão (porque, por exemplo, os

lWRAUSCHER, EuZPR-EuIPR (2015)/ANDRAE, EG-UntVO Art 8, 3.


381
BEAUMONT, RabelsZ 73 (2009), 532 s.; GRUBER, IPRax 2010, l35 s.
mRAuscHER, EuZPR-EuIPR (2015)/ANDRAE, EG-UntVO Art 4, 70. ,si Analisando as consequências decorrentes da circunstância de o preceito não incluir na
318 RAuscHER, EuZPR-EuIPR (2015)/.ANoRAE, EG-UntVOArt 5, 4 s. sua previsão a CCobrAI, cf. BEAUMONT, FamRZ 2010, 540 s.
383
266 3'.l'JR.AUSCHER, EuZPR-EulPR (2015)/ANDRAE, EG-UntVOArt 8, 17. GRUBER, lPRax 2010, 134. 267
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I. Processo Declarativo IV Aferição da Competência Internacional

5. Forum necessitatis nos art. 3.0 a 6. 0 , nenhum tribunal de um EM for competente para o decretamento da
medida provisória, os tribunais dos EMs também se tornam competentes para esse
5.1. Competência internacional decretamento se a competência pertencer aos tribunais de um Estado terceiro e se
(a) (i) Quando nenhum tribunal de um EM for competente por força do Reg. 4/2009, estiverem preenchidas as condições previstas no art. 7.º.
os tribunais de um EM podem, em casos excepcionais, conhecer do litígio se não
puder ser razoavelmente instaurado ou conduzido ou se revelar impossível conduzir 7. Casos omissos
um processo no Estado terceiro com o qual o litígio está estreitamente relacionado 7.1. Generalidades
(art. 7.º, § I.º). Trata-se de uma atribuição directa de competência aos tribunais dos
EMs, porque não se exige que esses tribunais sejam competentes segundo o seu direito Ao contrário do que sucede no Reg. 1215/2012, o Reg. 4/2009 não contém
nenhumas regras sobre a pluralidade de requerídos e sobre o forum reconventionis
nacional 384 •
(ii) Segundo o disposto no art. 7.°, § 1.0 , só importa averiguar a impossibilidade de (art. 8.º, n.º 1 e 3, Reg. 1215/2012)m. No entanto, não é difícil conceber hipóteses
propor ou de continuar a acção num Estado terceiro com o qual o litígio apresente uma em que pode haver uma pluralidade de demandados (por exemplo: os progenitores do
relação estreita. Tal é o que sucede nomeadamente quando, através da bilateralização credor de alimentos estão divorciados e têm a sua residência habitual em diferentes
dos critérios dos art. 3.º a 5.0 , os tribunais do Estado terceiro seriam competentes ou EMs) ou em que é pensável a fonnulação de um pedido reconvencionai (por exemplo:
quando qualquer das partes for nacional desse Estado ou aí tenha "domicílio" •
385 o requerido pretende obter, na acção que contra ele é proposta para aumento da
O forum necessitatis só é admissível se a circunstância que impede a propositura prestação alimentar, uma redução da prestação que está a pagar).
ou a continuação da acção for excepcional (art. 7.0 , § l. 0 ). É o que acontece quando, 7.2. Pluralidade de requeridos
por exemplo, o Estado terceiro está assolado por uma guerra civil (consid (16)) ou
algum dos interessados é refugiado desse Estado. A omissão da previsão da pluralidade de demandados não é particularmente gravosa
(b) Para que o tribunal de um EM se tome competente é necessário que o litígio para o requerente se este for- como sucederá normalmente - o credor da prestação de
apresente uma conexão suficiente com esse tribunal (art. 7.º, § 2.º). Esta conexão pode alimentos, porque este credor pode sempre intentar a acção contra vários devedores
ser estabelecida, por exemplo, através da nacionalidade ou do "domicílio" de uma das (por exemplo, contra ambos os progenitores) no tribunal da sua própria residência
partes (cf. consid. (16)). habitual (art. 3.0 , ai. b)). Nesta hipótese, cabe ao direito interno do EM detenninar
se é admissível demandar ambos os devedores no mesmo processo388 • O mesmo se
5.2. Competência territorial verifica, mutatis mutandis, na hipótese de serem dois os credores da prestação de
Como o art. 7. 0 só respeita à competência internacional, a competência territorial alimentos e um o seu devedor3 89 •
tem de ser aferida pelo direito interno do Estado do foro. 7.3. Pedido reconvencionai
6. Medidas provisórias O Reg. 4/2009 nada dispõe sobre a admissibilidade de o requerido (por exemplo, o
devedor de alimentos) formular um pedido reconvencional contra o demandante (isto
As medidas provisórias ou cautelares previstas na lei de um EM podem ser
é, contra o credor). Disto não se pode inferir, contudo, que a formulação de um pedido
requeridas às autoridades judiciais desse Estado, mesmo que, por força do Reg.
reconvencionai esteja excluída, porque tal seria incompatível com a igualdade das
4/2009, um tribunal de outro EM seja competente para conhecer da questão de fundo
partes. Por esta razão, se o pedido reconvenciona! couber no âmbito de aplicação do
(art. 14.º; cf. art. 35.º Reg. 1215/2012). À alternativa entre os tribunais dos EMs há
Reg. 1215/2012, há que entender que o requerido pode beneficiar do regime constante
que acrescentar oforum necessitatis resultante do art. 7.03 &6: se, segundo o disposto
do art. 8. 0 , n.º 3, Reg. 1215/2012.l?O_

JS4 RAUSCHER, EuZPR-EuIPR (2015)/ANDRAE, EG-UntVO Art 7, 4.


365 RAusCHER, EuZPR-EuIPR (2015)/ ANDRAE, EG-UntVO Art 7, 8.
387
386 Dif. HAu, FamRZ 2010, 519, entendendo que a aplicação do art. 7.º às medidas provísórias Detectando a omissão, cf. HAu, FamRZ 2010, 517 s.
retira qualquer espaço à aplicação do direito nacional dos EMs estabelecida no art. 14.º; a ,si RAuscHER, EuZPR-EuIPR (2015)/ ANDRAE, EG-UntVO Vorbem zu Art 3 ff, 11.
solução seria aceitável se o art. 7.º estatuísse umforum necessitatis nas relações entre os EMs J&>J RAuscHER, EuZPR-EuIPR (2015)/ ANDRAE, EG-UntVO Vorbem zu Art 3 ff, 11.
268 (e não, como realmente sucede, nas relações entre EMs e Estados terceiros). J<>{l RAuscmlR, EuZPR-EuIPR (20 J5)/ANDRAE, EG-UntVO Vorbem zu Art 3 ff, 10. 269
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte J. Processo Declarativo IV. Aferição da Competência Internacional

IV. Actividade do tribunal primeiro lugar (art. 12.0 , n. 0 1; cf. art. 29. 0 , n. 0 l, Reg. 1215/2012). A identidade de
acções ocorre não só nas situações em que uma mesma parte repete a acção, mas
1. Controlo da citação também naquelas em que uma das partes pede a redução do montante da prestação de
1.1. Regime geral alimentos e a outra pede o seu aumento 392 • Quando estiver estabelecida a competência
do tribunal a que a acção foi submetida em primeiro lugar, o segundo tribunal deve
Se o requerido tiver a sua residência habitual num Estado diferente daquele em declarar-se incompetente em favor daquele (art. 12.°, n.º 2; cf. art. 29.º, n.º 3, Reg.
que foi instaurada acção e não comparecer em juízo, o tribunal da acção suspende a 1215/2012).
instância, enquanto não se estabelecer que o requerido foi devidamente notifi~ado do
acto introdutório da instância, ou acto equivalente, a tempo para poder deduzir a sua 3.2. Momento da propositura
defesa ou que foram efectuadas todas as diligências nesse sentido (art. 11.º, n.º l; cf. Para que não se suscitem dúvidas sobre o momento da propositura da acção, esta
art. 28.º, n.º 2, Reg. 1215/2012). considera-se instaurada:
Na data em que é apresentado ao tribunal o documento que dá início à
1.2. Regime especial
instância ou um documento equivalente, desde que o requerente não tenha
Se O acto introdutório da instância, ou acto equivalente, tiver sido transmitido por posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que
um EM a outro através da aplicação do Reg. 1393/2007, é aplicável o disposto no art. seja feita a notificação ou citação ao requerido (art. 9. 0 , al. a); cf. art. 32.º,
19.º Reg. 1393/2007, o que, quanto a Portugal, se traduz no seguinte: tendo a citação n. 0 1, al. a), Reg. 1215/2012);
sido realizada num EM diverso daquele no qual a acção foi proposta e não tendo o Se o documento tiver de ser notificado ou citado antes de ser apresentado
demandado comparecido em juízo, o tribunal da acção deve suspender a instância até ao tribunal, na data em que é recebido pela autoridade responsável pela
se verificar que a citação foi regular e realizada em tempo útil (art. 19.º, n.º l, Reg. notificação ou citação, desde que o requerente não tenha posterionnente
1393/2007). deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que o acto seja
apresentado ao tribunal (art. 9. 0 , ai. b); cf. art. 32.º, n.º 1, al. b), Reg.
2. Controlo da competência 1215/2012).
O tribunal de um EM no qual tenha sido instaurada uma acção para a qual não
4. Controlo da conexão
tenha competência por força do Reg. 4/4009 deve declarar oficiosamente a sua
3 1
incompetência (art. 10.º; cf. art. 28.º, n. 0 l, Reg. 12~5/2012) : • ~orno? R.eg. 4/!009 4.1. Regime geral
abrange quer a competência internacional, quer a mcompe~nc~a te~tonal, h~ q~e
aplicar o regime a qualquer destas competências. As consequenc1as da mcompete:ic1! Quando acções conexas estiverem pendentes em tribunais de diferentes EMs, o
detenninam-se segundo o direito interno dos EMs (quanto a Portugal, cf. art. 99. , n. tribunal a que a acção foi submetida em segundo lugar pode suspender a instância
(art. 13.º, n." l; cf. art. 30.0 , n. 0 l, Reg. 1215/2012). Consideram-se conexas as acções
l, e 105.0 , n. 0 3, CPC).
ligadas entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídas
3. Controlo da litispendência e julgadas simultaneamente para evitar soluções que poderiam ser inconciliáveis se
as causas fossem julgadas separadamente (art. 13.º, n.º 3; cf. art. 30.º, n.º 3, Reg.
3.1. Regime aplicável 1215/2012). É o que sucede, por exemplo, entre a acção em que é pedido ao alegado
Quando acções com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir e entr~ as mesmas progenitor a prestação de alimentos e a acção em que este impugna a sua paternidade393 •
partes forem submetidas à apreciação de tribunais de diferente~ EMs, o tnbt:11al q~e! 4.2. Regime especial
a acção foi submetida em segundo lugar deve suspender ofic10samente a ms:811cia,
até que seja estabelecida a competência do tribunal a que a acção foi submetida em Se as acções estiverem pendentes em primeira instância, o tribunal a que a acção
foi submetida em segundo lugar pode igualmente declarar-se incompetente, a pedido

391 Entendendo que o preceito só é aplicável no caso de o demandado não ter comparecido
392
ou só ter comparecido para invocar a incompetência do tribunal, cf. RAuSCHER, EuZPR-EuIPR .R.AuscHER, EuZPR-EuIPR (2015)/ANDRAE, EG-UntVO Art 12, 6.
1 3
270 (2015)/ANoRAE, EG-UntVO Art IO, 6. º RAuscHER, EuZPR-EuIPR (2015)/ANDRAE, EG-UntVOArt 13, 6. 271
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo [Y. Aferição da Competência Internacional

de uma das partes, se o tribunal a que a acção foi submetida em primeiro lugar for O reconhecimento de uma decisão que conduza à suspensão, ou limite a
competente e a sua lei permitir a apensação das acções em questão (art. 13.º, n.º 2; cf. execução, de uma decisão anterior no EM requerido (art. 56.º, n.º 2, al. a));
art. 30.º, n.º 2, Reg. 1215/2012). A alteração de uma decisão proferida no EM requerido (art. 56.º, n.º 2, ai.
a));
V. Cooperação internacional A alteração de uma decisão proferida num Estado que não seja o EM
requerido (art. 56.º, n.º 2, ai. a)).
1. Generalidades (e) No âmbito da cooperação entre entidades centrais, o termo decisão engloba
Cada EM designa uma autoridade central encarregada de cumprir as obrigações igualmente as decisões proferidas em Estados terceiros (art. 2.º, n.º l, n.º 1 2.ª parte).
decorrentes do Reg. 4/2009 (art. 49. 0 , n. 0 l). Este regime acompanha o disposto nos Sendo assim, há que concluir que a cooperação das autoridades centrais também pode
art. 5.º a 13.º e 42.º CCobrAI. Seguindo o disposto no art. 71. 0 , n. 0 l, ai. d), Portugal ser pedida quanto a decisões provenientes de Estados terceiros.
designou a Direcção~Geral da Administração da Justiça. 3,2. Colaboração das autoridades

2. Funções gerais No que respeita aos pedidos dos interessados, a assistência prestada pelas
autoridades centrais pode consistir, nomeadamente:
As autoridades centrais realizam as seguintes funções gerais:
Na transmissão e recebimento desses pedidos (art. 51.º, n.º 1, ai. a));
Cooperam entre si, nomeadamente através do intercâmbio de informações,
Na propositura ou facilitação da propositura de uma acção em relação a
e promovem a cooperação entre as autoridades competentes nos seus EMs
esses pedidos (art 51.º, n. 0 1, ai. b)); neste caso, a autoridade central do EM
para alcançar os objectivos do Reg. 4/2009 (art. 50. 0 , n.º 1, al. a));
requerido pode exigir uma procuração ao requerente (art. 52.º).
Procuram encontrar, tanto quanto possível, soluções para as dificuldades
que surjam no âmbito da aplicação do Reg. 4/2009 (art. 50.0 , n.º l, ai. b)).
VI. Apoio judiciário
3. Funções especificas 1. Generalidades
3.1. Pedidos do interessado 1.1. Princípio orientador
(a) O credor que pretenda cobrar a prestação de alimentos pode apresentar à
As partes que estejam envolvidas num litígio abrangido pelo Reg. 4/2009 têm
autoridade central da sua residência (art. 55.º) os seguintes pedidos:
acesso efectivo à justiça noutro EM, nomeadamente no âmbito dos procedimentos
O reconhecimento ou o reconhecimento e a declaração de força executória
de execução e dos recursos (art. 44. 0 , n. 0 1, § l.º). Para esse efeito beneficiam de um
de uma decisão (art. 56.º, n.º l, al. a));
regime que completa aquele que é assegurado pela Direct. 2003/8/CE (consid. (36)
A execução de uma decisão proferida ou reconhecida no EM requerido § 2.º).
(art. 56.º, n. 0 l, al. b));
A obtenção de uma decisão no EM requerido quando não exista uma 1.2. Regime aplicável
decisão prévia, incluindo, se necessário, a determinação da filiação (art. O regime de prestação de apoio judiciário é distinto nos casos em que o interessado
56.0 , n.º 1, ai. c)); solicita assistência a uma autoridade central e nas hipóteses em que tal não sucede
A obtenção de uma decisão no EM requerido, quando não for possível (art. 44.", n." 3).
o reconhecimento e a declaração de força executória de uma decisão
proferida num Estado que não seja o EM requerido (art. 56.0 , n. 0 l, ai. d)); 2. Pedido de assistência
A alteração de uma decisão proferida no EM requerido (art. 56.º, n.º 1, al.
2.1. Concessão do apoio
e));
A alteração de uma decisão proferida num Estado que não seja o EM Se o requerente tiver solicitado assistência a uma autoridade central ainda há que
requerido (art. 56.0 , n.º 1, al. f)). distinguir duas hipóteses: '
(b) O devedor contra o qual tenha sido proferida uma decisão de prestação de Tratando-se de uma obrigação alimentar decorrente de uma relação de
alimentos pode apresentar os seguintes pedidos: filiação relativamente a um menor de 21 anos, o EM requerido deve prestar
272 273
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo IV Aferição da Competência Internacional

apoio judiciário gratuito (art. 46. 0 , n. 0 l; cf. art. 15.0 , n. 0 1, CCobrAl), a


§ 19.0 Direito interno
menos que, não sendo um pedido de reconhecimento, de declaração de
força executória ou de execução, a autoridade central considere que o 1. Generalidades
pedido ou o recurso é manifestamente infundado (art. 46.º, n.º 2; cf. art.
I5. 0 , n.º 2, CCobrAl); 1. Regime legal
Tratando-se de uma obrigação alimentar com outra fonte, o EM não é 1.1. Âmbito do regime
obrigado a prestar apoio judiciário quando, e na medida em que, os seus
procedimen'!os permitam que as partes instaurem a acção sem necessidade O art. 37.º, n.º 2, LOSJ dispõe que incumbe à lei de processo fixar os factores de
daquele apoio e a autoridade central faculte os serviços necessários para tal qu~ depende a competên.cia i~temacional dos tribunais judiciais. Por sua vez, 0 art.
a título gratuito (art. 44. 0 , n. 0 3); a situação não é susceptível de se verificar 59. e~tabelece que os tnbunais portugueses têm competência internacional quando
em Portugal, porque a concessão de apoio judiciário depende sempre da se venfique alguma das circunstâncias mencionadas nos art. 62.º e 63.º (competência
insuficiência económica do requerente (art. 7. 0 , n.º l, LADT), e nunca da legal) e no art. 94. 0 (competência convencional).l94 •
qualidade do pedido que é formulado. 1.2. Lei aplicável
2.2. Cobrança de custas
. Na ordem juridica portuguesa, a competência internacional é aferida
A autoridade competente do EM requerido pode cobrar custas à parte vencida que mdependen~emente ?a lei aplicável ao mérito da causa. Assim, os tribunais portugueses
foi beneficiária de apoio judiciário gratuito ao abrigo do disposto no art. 46.º, a título podem ser ~ternac1on.almente competentes mesmo que a causa deva ser apreciada
excepcional e se a situação financeira desta última o permitir (art. 67.º). O preceito é ~or uma lei estrangeira e, em termos idênticos, podem ser internacionalmente
aplicável, por exemplo, a uma pessoa abastada que tenha agido de má fé (consid. (36) mcompetentes mesmo que a acção deva ser apreciada pela lei portuguesa>9s.
§ 3.º).
2. Âmbito de apJicação
3. Pedido directo
Como se ac.autela no art. 59.º, n. 0 l, o regime interno só é aplicável quando não deva
Se o requerente não tiver solicitado a intervenção da autoridade central, vale um ceder peran_re mstnunentos internacionais e actos de direito europeu, designadamente
princípio de continuidade ou um princípio de avaliação pela lei foro. Em concreto: perante o disposto no Reg. 1215/2012, no Reg. 2201/2003, no Reg. 4/2009, no Reg.
Uma parte que, no Estado de origem, tenha beneficiado no todo ou em 650/2012 e no Reg. 2016/1103. Dito de outra forma: se o caso couber no âmbito
parte de apoio judiciário ou de isenção de preparas e custas beneficia, em de aplica~o .de. um des~es regulamentos europeus, é sempre por estes que se afere
qualquer processo de reconhecimento, de força executória ou de execução, a competencta mternac10nal dos tribunais portugueses. Deste primado do direito
do apoio judiciário mais favorável ou da isenção mais ampla prevista no europeu ~ob.re o direito interno português resultam, na matéria em análise, as seguintes
direito do EM de execução (art. 47.º, n.º 2); o mesmo vale para a hipótese consequencias:
de, no Estado de origem, o processo ter decorrido perante urna autoridade Qualquer divergência entre o disposto no Reg. 1215/2012, no Reg.
administrativa (art. 47.º, n.º 3); 2201/2003, no Reg. 4/2009, no Reg. 650/2012 ou no Reg.2016/1103 e 0
A apreciação da prestação de apoio judiciário no Estado requerido pode estabelecido no direito interno português é resolvida através da aplicação
ser feita de acordo com o direito nacional, em particular no que se refere daqueles actos europeus;
às condições de avaliação dos meios do requerente ou do mérito da causa Se for aplicável o Reg. 1215/2012, o Reg. 2201/2003, o Reg. 4/2009, 0 Reg.
(art. 47. 0 , n. 0 1). 650/2012 ou o Reg. 2016/ 1103 e dos seus preceitos não resultar a atribuição
de competência internacional aos tribunais portugueses, também não é
possível aferir essa competência através da aplicação do direito interno.

394
Cf., com alguns apontamentos críticos, MOURA RAMOS, RLJ 143 (2013), 85 ss.· MouRA
RAMos, BFD 93 (2017), 577 ss. '
274 395
Cf., p. ex., LIMA PINHEIRO, DIP III/! (2019), 38 ss.; ÜE!MER, IZPR (2020), 370 s. 275
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I Processo Declarativo IY. Aferição da Competência Internacional

3. Critérios aferidores Ora, se esse lugar se encontrar em Portugal, por esse facto os tribunais portugueses são
!ntemac~onalmente competentes. É o princípio da coincidência entre a competência
3.1. Enunciado
mtemacmnal e a competência interna territorial.
Os tribunais portugueses não se encarregam de julgar todo e qualquer litígio. Para Esta coincidência não alarga nem restringe a competência interna a casos que
que um tribunal português seja competente para apreciar um litígio, é necessário que apresentam elementos de estraneidade, pelo que o sentido útil do princípio da
entre o litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento de conexão que seja coíncidência encontra-se no "reenvio intra-sistemático"397 para o disposto no art. 63.º:
suficientemente relevante para justíficar o julgamento desse litígio. Esses elementos este pre~eito entu:cia as hipóteses em que a competência dos tribunais portugueses
de conexão fonnam o conteúdo de quatro critérios: o critério da coincidência (art. 62.º, é exclus1va,. ou s~Ja, os casos em que, na perspectiva da ordem jurídica portuguesa,
al. a); art. 63."), o critério da causalidade (art. 62. 0 , al. b)), o critério da necessídade apenas os tnbunais portugueses são exclusivamente competentes.
(art. 62.º, ai. c)) e o critério da vontade das partes (art. 94.º). Estes critérios são
1.2. Competência exclusiva
alternativos entre si: basta a verificação de um deles para os tribunais portugueses
serem internacionalmente competentes. Em algrnnas situações em que os tribunais portugueses são competentes segundo
o critério da coincidência, essa competência é exclusiva. O art. 63.º concretiza as
3.2. Apreciação
hip?tese~ de competência exclusiva dos tribunais portugueses, quando não sejam
O problema que deve ser resolvido pelo legislador nacional no âmbito da aplicáveis regulamentos europeus ou outros instrumentos internacionais que devam
competência internacional é o seguinte: atendendo aos elementos da causa e às pre~ale~er sobre o direito interno (art. 59.º). Essas hipóteses~ que, em grande parte,
conexões que estes estabelecem com certa ordem jurídíca, cabe averiguar quais são estão almhadas com as correspondentes disposições do Processo Civil Europeu~ são
os tríbunais que a devem apreciar. Se a causa apresentar uma conexão com uma única as seguintes:
ordem jurídica, a solução é intuitiva: devem ser os tribunais dessa ordem que devem Em matéria de direitos reais sobre imóveis e de arrendamento de imóveis
ser competentes para apreciar a causa. Se a causa apresentar uma conexão com várias situados em território português (art. 63. 0 , ai. a) 1.ª parte; cf. art. 24. º, n.º l,
ordens jurídicas, a solução não é tão intuitiva, mas é exactarnente do mesmo género: § 1. º, Reg. 1215/2012)398; todavia, em matéria de contratos de arrendamento
trata-se ainda e sempre de escolher os tribunais de certa ordem jurídica que serão de imóveis celebrados para uso pessoal temporário por um período máximo
competentes para apreciar uma acção. de seis meses consecutivos, são igualmente competentes os tribunais do
É por isso que, pela perspectiva de qualquer legislador nacional, as regras sobre EM da UE onde o requerido tiver domicílio, desde que o arrendatário seja
a competência internacional só podem encontrar justificação para, em relação a uma pessoa singular e o proprietário e o arrendatário tenham domicílio
situações jurídicas plurilocalizadas, alargar esta competência a casos não abrangidos no mesmo EM (art. 63.º, ai. a) 2.ª parte; cf. art. 24.º, n.º J, § 2.º, Reg.
pelas regras da competência interna ou para excluir essa competência em relação a 1215/2012);
hipóteses que, apesar de se encontrarem compreendidas nas regras da competência Em matéria de validade da constituição ou de dissolução de sociedades
interna, apresentem uma conexão relevante com outras ordens jurldicas396 • ou de outras pessoas colectivas que tenham a sua sede em Portugal, bem
como em matéria de validade das decisões dos seus órgãos (art. 63.º, ai.
II. Critérios de conexão b) l.ª parte; cf. art. 24.º, n." 2 l." parte, Reg. 1215/2012); para detenninar
essa sede, o tribunal português aplica as suas regras de direito internacional
1. Critério da coincidência
privado (art. 63.º, ai. b) ! .ªparte; cf. art. 24.", n.º 2 2." parte, Reg. 1215/2012);
1.1. Generalidades Em matéria de validade de inscrições em registos públicos conservados em
Portugal (art 63.º, ai. c); cf. art. 24.", n.º 3, Reg. 1215/2012);
O art. 62.º, ai. a), estabelece que os tribunais portugueses são competentes quando
a acção deva ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial
estabelecidas na lei portuguesa. Os art. 70. 0 a 84.ºprocuram fixar para cada litígio uma 397
sede territorial e indicam como competente o tribunal do lugar onde essa sede se situa. Cf. MOURA VICENTE, tn AAVV, Aspectos (1997), 84.
m A partilha de bens imóveis do património comum do casal numa acção de divórcio não
se enquadra na competência exclusiva dos tribunais portugueses: STJ 9/3/2004 (04B3808); RL
8/3/2007 (9936/2006-6); RL 24/5/2007 (5499/2006-6); RC 3/3/2009 (237/07.IYRCBR); STJ
276 l9ó Sobre os elementos relevantes para essa conexão, cf. RP 23/5/2006 (0620651 ). 12nl201 I (987/10.5YRLSB.S1); RG 4/12/2012 (94/11.3YRGMR). 277
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte 1- Processo Declarativo IV. Aferição da Competência Internacional

Em matéria de execuções sobre imóveis situados em território português 62. 0 , ai. b )). A causa de pedir é o acto ou facto jurídico que individualiza a pretensão
(art. 63.º, al. d)); o preceito limita-se a concretizar, quanto aos bens imóveis, material ou o direito potestativo alegado pelo autor, pelo que, para que os tribunais
0 que resulta do princípio da territorialidade das medidas executivas para portugueses sejam competentes segundo o critério da causalidade, é necessário que,
qualquer bem móvel ou imóvel localizado em Portugal, pelo que é algo pelo menos, um dos factos que integram a causa de pedir tenha sido praticado em
redundante399 ; Portugal40!J. A prática em Portugal de um facto complementar ou concretizador não
Em matéria de insolvência ou de revitalização de pessoas domiciliadas em chega para atribuir competência aos tribunais portugueses.
Portugal ou de pessoas colectivas ou sociedades cuja sede esteja situada Assim, por exemplo, basta que o contrato de seguro tenha sido celebrado em
em território português (art. 63.º, ai. e)); esta regra diverge daquela que se Portugal, para atribuir competência internacional aos tribunais portugueses para
extrai do art. 3.º, n.º l, Reg. 2015/848 (que considera competente o tribunal a apreciação da acção proposta pelo segurado contra a seguradora401 • Do mesmo
do EM onde se situar o centro dos interesses principais do devedor, mesmo modo, se um moçambicano pretender de outro moçambicano, ambos domiciliados
que este não coincida com o local da respectiva sede estatutária), pelo no Maputo, o cumprimento de uma obrigação emergente de um mútuo que devesse
que este preceito prevalece sempre que o devedor tenha o centro dos seus ser realizada no Maputo, os tribunais portugueses são competentes para a acção se o
interesses principais (que não coincide necessariamente com a sua sede mútuo tiver sido celebrado em Portugal.
estatutária) num EM.
2.2. Apreciação
1.3. Efeitos da competência exclusiva
A justificação do critério da causalidade é bastante discutível, porque a conexão que
(a) A competência exclusiva dos tribunais portugueses obsta à validade do pacto
permite estabelecer com a ordem jurídica portuguesa está longe de ser algo que possa
privativo de jurisdição (art. 94.º, n.º 3, al. d); cf. art. 25. 0 , n.º 4, Re~. 1215/2012) e .ao
reconhecimento em Portugal de uma decisão proferida por um tnbunal estrangeiro ser considerado, de uma forma incontroversa, suficiente para justificar a competência
(art. 980.º, ai. c); cf. art. 45. 0 , n. 0 l, al. e) ii), Reg. 1215/2012). . . internacional dos tribunais portugueses 4º2. É difícil que o critério da causalidade não
(b) No âmbito do processo de insolvência encontra-se um re~ime excep_cmna!: conduza a urna competência exorbitante desses tribunais.
apesar de o art. 63.º, ai. e), estabelecer a competência exclusiva d?~ .tnbuna1s 3. Critério da necessidade
portugueses para os processos de insolvência re!ativos a pe_sso~s dorruc1Itada_s .e~
Portugal e a pessoas colectivas ou sociedades cuJa sede esteJa situada em terntono 3.1. Generalidades
português, a verdade é que o art. 288.º, n.º l, CIRE não_faz depender o i:_ec~nhecime_nto
Segundo o princípio da necessidade, os tribunais portugueses são internacionalmente
da decisão de declaração de insolvência da observância dessa competencia exclusiva.
competentes no caso de o direito não poder tomar-se efectivo senão por meio de acção
1.4. Matéria sucessória proposta em tribunal português ou na hipótese de constituir para o autor dificuldade
Da conjugação com o critério da coincidência há que excluir º. disposto no art. apreciável a sua propositura no estrangeiro, desde que entre o objecto da acção e o
72.º-A. Tudo o que neste preceito se refira a elementos de estranetdade tem de ser território português exista um elemento ponderoso de conexão pessoal ou real (art.
62.º, al. c))4º3.
visto em conjugação com o disposto nos art. 4. 0 e 10.0 Reg. 650/20~2, ?ado que estes
preceitos não deixam nenhum campo de aplicação para qualquer regra_ mterna sobre a 3.2. Concretização
competência internacional e têm, por isso, um campo de aplicação universal.
(a) (i) A impossibilidade pode ser uma impossibilidade jurídica ou uma mera
2. Critério da causalidade dificuldade prática. Existe impossibilidade jurídica quando, pela conjugação das
2.1. Enunciado
Por força do critério da causalidade, a competência internacional dos tribunais
portugueses resulta de ter sido praticado em território português o facto que serve 4{]ºCf. RP 1/6/2017 (10310/16.0T8PRT-A.Pl).
de causa de pedir na acção ou algum dos factos que integram essa causa petendi (art. 4!ll Ass. STJ 6/94, de 30/3.

•oi Exigindo "uma conexão suficientemente forte entre o caso e o Estado português" de

molde a evitar competências exorbitantes, cf. LIMA PINHEIRO, DIP III/1 (2019), 349.
403
Cf. fERRER CoRRE1AiMouRA RAMOS, Um Caso de Competência Internacional dos
278 309 Cf. MoURA R.AMos, BFD 93 (2017), 584 ss. Tribunais Portugueses ( 1991 ), 39 ss. 279
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I -· Processo Declarativo IY. Aferição da Competência Internacional

regras de competência internacional dos vários países, o litígio fica sem tribunal atribuído competência aos tribunais de um EM (art. 25.º, n.º l pr., Reg. 1215/2012).
competente para o dirimir, isto é, quando se verifica um conflito negativo de De igual modo, o disposto no art. 94.º também cede perante o estabelecido no art. 23.º
competências internacionais. Suponha-se, por exemplo, um país x, em que seja regra CLug II e no art. 3.º CE!Foro. Nestes termos, a possibilidade de aplicação do direito
absoluta a da competência do tribunal do domicílio do réu; admita-se ainda que wn interno português é bastante residual. Este direito só é aplicável quando, apesar de o
português celebra nesse país com outro português domiciliado no país y um mútuo a objecto da causa respeitar a matéria civil ou comercial, seja atribuída competência:
pagar no mesmo país x; os tribunais portugueses não são competentes pelo critério da A tribunais de EMs em matérias não abrangidas por nenhum instrumento
coincidência(art. 62. 0 , ai. a), e 71. 0 , n.º 1), porque o réunãotemdomicílioem Portugal; europeu ou convenção internacional;
os do país x também não, porque o demandado também não tem domicílio nesse país; A tribunais de Estados que não sejam EMs da UE, nem Estados contratantes
nenhum tribunal seria internacionalmente competente para esta acção; sê-lo-ão então da CLug II ou da CEIForo;
os tribunais portugueses por força do art. 62. 0 , al. c), dado que a nacionalidade das No caso em que nenhuma das partes tenha domicílio num Estado contratante
partes e o domicílio do autor constituem um elemento ponderoso de conexão pessoal da CLug II, a tribunais de um Estado contratante da CLug II; recorde-se
com a ordem jurídica portuguesa.
que o dísposto no art. 23.º CLug II só é aplicável se alguma das partes tiver
(ii) A impossibilidade juridica também ocorre quando:
domicílio num Estado contratante da CLug II.
O MP, na sequência de uma investigação oficiosa, deva propor, actuando
iure proprio, a acção de investigação de paternidade de dois menores 4.2. Admissibilidade do pacto
registados em Portugal contra um português domiciliado no estrangeiro404 ; (a) Se a relação controvertida tiver conexão com várias ordens jurídicas, as
- Quando um outro tribunal potencialmente competente tenha declinado a
partes podem convencionar qual é a jurisdição competente para apreciar um litígio
sua competência405 •
determinado ou os litígios eventualmente decorrentes dessa relação (art. 94.º, n.º 1).
(b) A dificuldade prática verifica-se quando, em virtude de facto, natural ou
A designação convencional pode envolver a atribuição, aos tribunais portugueses
material, resultante, por exemplo, de uma guerra, do corte de relações diplomáticas,
ou estrangeiros, de competência exclusiva ou alternativa, presumindo-se, em caso
da qualidade de refugiado político ou de um facto de relevância análoga, a propositura
de dúvida, que é exclusiva (art. 94. 0 , n. 0 2). Suponha-se que A, português, residente
da acção no estrangeiro constituir para o autor dificuldade apreciável. Esta dificuldade,
aliada a urna relação do objecto ou das partes com a ordem jurídica portuguesa, toma no Brasil, compra a B, brasileiro, igualmente residente no Brasil, uma partida de
o tribunal português um forum conveniens. mercadorias; no respectivo contrato, as partes podem convencionar que os tribunais
brasileiros serão competentes para julgar as causas dele emergentes; há então um
4. Competência convencional pacto privativo de jurisdição, se for retirada competência aos tribunais portugueses;
as partes também podem estabelecer que a competência que atribuem aos tribunais
4.1. Generalidades
brasileiros é exclusiva ou alternativa com a de outros tribunais.
(a) No estabelecimento da competência internacional dos tribunais portugueses, (b) O art. 94. 0 , n.º 2, refere-se apenas à hipótese de a concorrência se verificar com
o direito interno português também admite a conexão resultante da vontade das a competência (legal) dos tribunais portugueses, mas há igualmente que considerar
partes. Trata-se do chamado pacto atributivo e privativo de jurisdição (assim a hipótese de a alternatividade se verificar entre a competência (convencional) que
designado porque tem a ver com o exercício da jurisdição pelos tribunais portugueses é atribuída aos tribunais portugueses e a competência (legal) que pertence a outros
relativamente a questões plurilocalizadas), matéria que se encontra regulada pelo art. tribunais. Sendo assim, se as partes nada disserem, presume-se que a competência
94.º. Na perspectiva da ordem jurídica portuguesa, o pacto é atributivo, se conceder que é atribuída a um tribunal estrangeiro ou português é sempre exclusiva, pelo que,
competência internacional aos tribunais portugueses, ou privativo, se retirar essa na perspectiva da ordem jurídica portuguesa, a celebração do pacto de jurisdição
competência aos tribunais portugueses. obsta a que a acção possa ser instaurada, respectivamente, num tribunal português ou
(b) O regime estabelecido no art. 94.º cede perante o regime que consta do art. 25.º estrangeiro.
Reg. 1215/2012, sempre que as partes - qualquer que seja o seu domicílio - tenham
4.3. Validade do pacto
(a) O pacto de jurisdição só é válido se se verificarem as seguintes condições:
A disponibilidade do objecto do processo pelas partes (art. 94. 0 , n. 0 3, ai.
404
STJ 15/5/2014 (2082/12.3TVLSB.Ll.Sl). a));
280 •
0
s STJ 15/1/2019 (27881/J 5.0T8LSB-A.Ll.A.Sl ). 281
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo IY. Aferição da Competência Internacional

O respeito da competência exclusiva dos tribunais portugueses (art 94.º, ~ribunal .do domicílio do réu; esta regra pode ser atributiva de competência
n.º 3, ai. d)); mternac1onal aos tribunais portugueses, em conjugação com O art. 62.º,
A aceitação da atribuição da competência pela lei do tribunal designado al. a); por exemplo: a acção de investigação de paternidade segue O foro
(art. 94.°, n." 3, ai. b)); geral do art. 80.º, rLº l; por força do art. 62.º, al. a), pode-se investigar
A existência de wn interesse sério de, pelo menos, uma das partes, e a em Portugal a paternidade se o réu ou réus (investigado ou herdeiros do
inexistência de um inconveniente grave para a outra (art. 94.º, n.º 3, al. investigado) tiverem domicílio em Portugal;
c); no âmbito das cláusulas contratuais gerais, cf. art. 19.°, al. g), e 20.º O art. 80.ºcontémainda regras de outro tipo: regras que, falhando a conexão
LCCG)406 ; primária (domicílio do réu), estabelecem uma conexão secundária: é 0
- A celebração através da forma escrita ou de uma confirmação por escrito ca~o d? n.º ~ l.ª parte; assim, se uma pessoa (estrangeiro ou português)
(art. 94. 0 , n.º 3, aL e), e 4). quiser mvest1gar a sua filiação de um investigado ausente ou sem residência
(b) O pacto de jurisdição é wn negócio jurídico, pelo que a sua validade depende habitual, pode fazê-lo nos tribunais portugueses se ele (autor) tiver
igualmente do preenchimento de todos os respectivos requisitos substantivos de domicílio em Portugal;
validade. - Por fim, há no art. 80.º regras por assiro dizer de recurso, regras que
estabelecem, no âmbito da competência interna, um forum necessitatis
III. Competência territorial segundo critérios que se não podem considerar de ligação ou conexão
~lev:inte com o litígio (lugar onde o réu se encontrar ou mesmo Lisboa),
1. Generalidades
isto _e, re~ras de competência territorial que não são dotadas de dupla
Alguns critérios aferidores da competência internacional aferem igualmente func10nal1dade, mas que permitem, em todo e qualquer caso, referenciar
o tribunal territorialmente competente. É o caso do critério da coincidência (art. UT_TI tnbunal português territorialmente competente, nem que seja O de
62. 0 , al a)), dado que o mesmo assenta numa coincidência entre a competência Lisboa: é o que se dispõe no seu n.º 3.
territorial e a competência internacional. Por exemplo: os tribunais portugueses são 2.2. Forum necessitatis
internacionahnente competentes, porque o facto ilícito ocorreu em Portugal (art. 62.º,
ai. a), e 71.º, n. 0 2); o tribunal territorialmente competente é o do lugar onde ocorreu Para e~eitos do art. 62.º, ai. a), e do princípio da coincidência, as regras de recurso
o facto (art. 71.º, n.º 2). estabelecidas no art. 80.º, n. 0 3, não podem contar. Elas pressupõem que os tribunais
Também pode suceder que não seja possível aferir em simultâneo a competência portugueses são internacionalmente competentes e arranjam maneira de encontrar um
internacional e a competência territorial: é o que se verifica quando os tribunais trib_unal territorialmente competente, nem que seja o de Lisboa. A tomar em conta para
portugueses são internacionalmente competentes por força dos critérios da causalidade e~ettos do art. 62.º, al. a), o disposto art. 80.0 , n. 0 3, então haveria que concluir que os
(art. 62. 0 , al. b)), da necessidade (art. 62.º, aL c)) ou da vontade das partes (art. 94.º). tnbunais ~ortugueses seriam sempre competentes para qualquer acção em que O autor
Nesta hipótese, importa então averiguar como se determina o tribunal territorialmente ou o réu tivessem domicílio no estrangeiro (sendo certo que esses mesmos tribunais
competente: a solução resulta da aplicação do disposto nos art. 80. 0 , n.º l e 2, ou 81.0 nem sempre o seriam se o réu ou o autor tivessem domicilio em Portugal). Portanto, 0
e, em última análise, do estabelecido no art. 80.º, n.º 3. art. 80._º, n.º 3, não r_ode atribuir, por si só, nenhuma competência territorial e só pode
ser aphcado em conJugação coro as regras da competência internacional.
2. Concretização
2.1. Enunciado das regras
O art. 80.0 contém regras de três géneros:
O art. 80.º contém, antes de mais, uma regra primária de atribuição de
competência, de carácter geral - é a que está prevista no n. 0 1: em todos os
casos não previstos em disposições especiais é competente para a acção o

282 -cf. RL 24/l 1/2005 (8211/2005-6). 283


Parte 1- Processo Declarativo V. Partes do Processo

partes recaem o dever de cooperação (art. 7.º, n.º 3, e 417.º, n.º 1) e a proibição da
litigância de má fé (art. 8. 0 ), bem como os ónus de impulso do processo (art. 3.0 , n. 0
l, e 6. 0 , n. 0 1), de alegação dos factos relevantes (art. 5.0 , n.º l} e de prova dos factos
controvertidos (art. 342.º a 344.° CC).

V. PARTES DO PROCESSO 3. Qualidade de parte


3.1. Generalidades
§ 20.º Noções gerais
A qualidade de parte pertence ao autor e ao réu (bem como ao requerente e ao
I. Generalidades requerido ou ao exequente e ao executado). Quem não é autor ou réu é terceiro perante
o processo, mas nestes terceiros há que considerar três grupos:
I. Aspectos metodológicos O dos terceiros que têm a mesma qualidade jurídica do autor ou do réu;
Na análise das partes processuaís importa considerar três aspectos que,. embora não O dos terceiros que, apesar de não terem a mesma qualidade jurídica do
sejam completamente autónomos entre si, são distintos. São eles os segUt~tes: autor ou do réu, têm uma relação com o objecto do processo;
A noção de parte, respeitante ao problema de saber o que e uma parte O dos terceiros que não têm a mesma qualidade jurídica do autor ou do réu,
processual; , _ , . nem têm qualquer relação com o objecto do processo.
A qualidade de parte, respeitante a questao de saber q_ue_m e_ parte,
3.2. Partes em sentido material
indirectamente, a qualidade de parte também serve para d1stmgmr entre
quem é parte e quem é terceiro; O terceiro pode ser terceiro perante o processo, mas não o ser perante algumas
A susceptibilídade de ser parte, relativo ao problema de saber quem pode das suas partes. Isso é assim, porque a identidade de partes é aferida pela qualidade
ser parte processual; apenas este aspecto encontra uma solução legal (art, jurídica dos sujeitos (art. 581.º, n.º 2), o que justifica, por exemplo, que o de cuius e o
11.º a 13.º). herdeiro ou o transmitente e o adquirente sejam a mesma parte. Os terceiros perante
o processo que têm a mesma qualidade jurídica de qualquer das partes são partes em
2. Noção de parte sentido material.
2.1. Enunciado 3.3. Terceiros legitimados
Parte é aquele que pede em juízo uma determinada forma ~e tutela jurídica e aquele O terceiro também pode ser terceiro, simultaneamente, perante o processo e
contra O qual essa forma de tutela é pedida. As partes acti:as chamam~se aut_ores perante qualquer das suas partes, mas não ser terceiro perante o objecto do processo2 •
em processo declarativo e exequentes em processo ~x,e~utivo; .as_ p~s passivas, Os terceiros que, apesar de não terem a mesma qualidade jurídica de qualquer das
respectivamente, réus e executados. Assim, em face do hbg10, res .m _iu~1c_w deduc_ta, ? partes, têm uma relação com o objecto do processo, são terceiros legitimados, porque
autor é O res in iudicio deducens e o réu é aquele contra quem res m mdicw deduc1tur · têm legitimidade para ser partes na causa. É o caso, por exemplo, daqueles que podem
2.2. Relevância intervir como partes principais (art. 31 Lº e 316.º, n.º 1) ou como partes acessórias
(art. 326.º, n.º l) numa acção pendente.
A noção de parte tem relevância para determínad?~ efeit~s, ~omeadament~ os de
determinar O âmbito subjectivo das excepções de httspendencta e de caso Julgado 3.4. Terceiros não legitimados
(art. 580.°, n.º I, e 581.º, n.º 2), o tribunal territorialmente competente (art. 7~.º, n.º
O terceiro pode ser terceiro, simultaneamente, perante o processo, perante qualquer
1, 72.º e 80.º a 82.º), 0 impedimento do juiz (art. 115.º, n.º }· al.. a) e _b)) e ainda a
das partes e ainda perante o objecto do processo. Estes terceiros são terceiros não
admissibilidade do depoimento como testemunha (art. 496. ). Alem dtsso, sobre as
legitimados, porque não têm legitimidade para ser partes na causa.

, Sobre a primeira formulação da concepção formal de parte, cf. ÜETKER, JurL_Bl _2


(1890), 189; ÜETKER, Konkursrechtliche Grundbegriffe l (1891), 317; sobre wna apreciaçao icf. BEITi, D.42, I, 63. (1922), 13 s., 15 e 17, distinguindo entre um critério de estraneità
contemporânea, cf. CosTEDE, LA Henckel (2015), 33 ss. ai rapporto proeessuale e um critério de estraneità al mpporto litigioso. 285
284
Parte I - Processo Declarativo V. Partes do Processo
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa

objecto"); isto implica que esse autor pode discutir em juízo a sua alegada
II. Delimitação das partes
inexistência;
1. Princípios orientadores A inexistência do réu implica quer a falta de personalidade judiciária, quer
a falta de citação da parte (art. 188.º, n. 0 1, al. d)), que é uma nulidade
1.1. Determinação da parte processual de conhecimento oficioso (art. 196.º, por remissão para o art.
(a) Pelo menos inicialmente, a identificação das partes está_na dis~on!bilidade do 187.º, al. a)).
autor ou dos autores _ ele formula ou eles fo~ul~ os pedidos e md1cam c_on~a (ii) Em conclusão: sob o ponto de vista processual, não há nenhum fundamento
quem os querem formular. A este respeito, convem de_,xar firmes duas observaçoes. para distinguir entre a parte sem personalidade judiciária e a parte inexistente. Falta
_ Parte é quem o é, não quem o devia ou podia ser; se A quer_fazer anular~ em ambas as situações a susceptibilídade de ser parte a quem tem na acção a qualidade
juízo um contrato que celebrou com B e C, deve propor a acçao contr~ ~1:>°s, de autor ou de réu.
se propuser só contra B, ou só contra C, cada um ~est:~ é parte tle!:'tuna (b) Pode ainda perguntar-se o que sucede se, ao contrário do que dispõe o art.
(art. 33.º, n.º 1); mas só O demandado~ p:me, embora ileg1~; qu~m nao for 269.º, n.º 1, al. a), não se suspender a instância, vindo a transitar uma sentença a
?
demandado (embora devendo sê-lo) nao e parte, enquanto nao for, . favor de autor ou contra réu falecido ou extinto. A não suspensão da instância após o
Estando a parte representada, parte é o representado, e nao o r~:ese~tante, falecimento ou a extinção da parte consubstancia uma nulídade processual (art. 195. 0 ,
se A como tutor de C, propõe contra B uma acção, p_artes em JlllZO sao C e n.º l ), pelo que devem ser anulados os actos subsequentes ao falecimento ou extinção
0
B; ir~porta, no entanto, ter presente a posiçã? especia~ do MP, que, ape:ar (art. 195. , n.º 2). O trânsito em julgado não pode implicara sanação deste vício, pelo que
0
de assumir a representação de entidades públicas ou pnvada~ (~rt. 4. , n. l, a decisão proferida a favor ou contra uma parte inexistente tem de ser considerada ineficaz.
al. b), e 9.º, n.º l, al. a) ac), EMP), intervém :omoparte ~nnc:pal. 1.3. Dualidade das partes
(b) Se a acção se funda numa situação de representaçao, a determmaçao das partes
(a) Todo o processo exige duas partes, isto é, uma ou mais partes activas e uma
deve fazer-se através da demandante e julgar-se como esta (a demandante) configura a
ou mais partes passivas: é o que pode ser designado por princípio da dualidade das
situação, não como a devia configurar. Assim, se A, afi1111;ando~se representante de~'
partes. Deste princípio decorre a proibição dos "processos consigo próprio", isto é,
sem O ser, propõe uma acção contra e, partes são B e C. _Ha: porem, uma repre~entaçao
dos processos em que o autor e o réu são a mesma pessoa4 • Assim, por exemplo: não é
irregular pelo que B não pode ser vinculado ou preJu~1cado por esta acçao _(se a
admissível o processo em que duas sucursais de urna mesma sociedade litigam entre si;
repudiar). Pelo contrário, se D, representante de E, propuser co!tra Fuma acçao e;;
também não é admissível a acção de dívida em que, posteriormente à sua instauração,
nome próprio, pretendendo fazer valer direitos_ de,~, partes sao D e F, embora ,
se verifique a confusão, isto é, a reunião na mesma pessoa da qualidade de credor e de
porque estranho ao objecto da causa, seja parte ileg1t1ma. devedor (art. 868.º CC), como pode suceder, por exemplo, em consequência de uma
1.2. Inexistência da parte fusão de sociedades. Do mesmo modo, deixa de ser admissível urna acção em que
uma das partes se toma sucessora da outra, excepto se houver outros sucessores que
(a) (i) Pode imaginar-se que seja proposta uma acção por uma_entidade inexistente
não sejam partes na acção e que possam substituir a parte falecida\
(designadamente, por uma sociedade comercial que já não existe) ou contr_a uma
A inobservância do princípio da dualidade das partes implica a impossibilidade
pessoa ou entidade inexistente (nomeadamente, por já se encontrar falecida. no
juridica do processo. Esta impossibilidade pode ser originária, se se verifica desde o
·
momento da propositura - (art. 351 .°, º 2) ou por já se encontrar extmta
da acçao n: ._ . . .. . início da causa, ou superveniente, se sobrevém em momento posterior. Em qualquer
nesse momento). Os dados do direito positivo obngam a d1stmguir entre a mex1stencia dos casos, a impossibílidade constitui fundamento para a extinção da instância (sobre
doautoreadoréu: . 'bTd d d a impossibilidade superveniente, cf. art. 277.°, ai. e)).
_ A inexistência do autor deve ser tratada como uma msuscept1 '.; .ª e e (b) O princípio da dualidade das partes não impede a admissibilidade de acções
s e rrtp aPe ortanto
e , , como uma falta de personalidade _, judiciana t
(art.
'l entre órgãos da mesma pessoa colectiva. Por exemplo: o órgão de fiscalização de uma
11.º, n.º 1)3; o principio da auto-suficiência do processo, nao e comp~.1"..e
com uma "não parte" (tal como também não é compat1vel com um nao

4
Cf. RC 9/3/2010 (121/08. JTBANS.Cl).
5
>cf. ScHEMMANN, Parteifiihigkeit iro ZivilprozeB (2002), 5 ss.; cf., no entanto, SnEPER, RL 21/9/2017 (2467-13.8TBCSC.Ll-8); RP 26/9/2019 (487/l7.2T8STS-A.P1) decidiu
um caso em que os demandantes eram os herdeiros da herança jacente demandada. 287
286 ZZP 121 (2008), 354 ss.
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo V Partes do Processo

sociedade pode propor, contra a própria sociedade (art. 60.º, n.º l, CSC), uma acção 1.5. Partes incertas
de declaração de nulidade ou de anulação de uma deliberação social de um outro (a) Em regra, as partes da acção são pessoas ou entidades detenninadas. Em certos
órgão (art. 57.º, n.º 2, e 59.0 , n.º l, CSC). casos, porém, quando não seja possível identificar os interessados, a lei pennite que a
1.4. Identificação das partes acção possa ser proposta ou continuar contra incertos. Assim, por exemplo:
No processo de justificação judicial, aplicável à rectificação do registo e a
Nos termos do art. 552.º, n.º l, al. a), as partes devem ser identificadas pelo autor certos óbitos, são citados, entre outros, os interessados incertos (art. 235.º,
através da indicação dos seus nomes, domicílios ou sedes e, sempre que possível, n. 0 l, ai. b), CRegC);
números de identificação civil e de identificação fiscal, profissões e locais de trabalho. Falecendo uma das partes, são citados, para efeitos de habilitação, os
Quanto ao autor (ou autores), será certamente muito rara qualquer divergênci~ entre~ a sucessores incertos (art. 35I.º, n.º l, e 355.°, n.º l).
parte identificada e aquela que propõe a acção. Mais frequente pode ser a ~enficaç~o (b) Depois de se proceder à citação edital dos incertos (art. 243. 0 ), é pensável
de problemas quanto à parte identificada como réu, havendo que considerar tres que ninguém apareça a assumir a posição de parte. Nesta hipótese, a acção continua
situações: contra incertos, cabendo ao MP a sua representação (art. 22.º, n.º I; art. 4.°, n. 0 l, ai.
- O réu é correctamente identificado pelo autor, mas é diferente da pessoa b), e 9.º, n. 0 l, ai. c), e 3, EMP). Esta representação só cessa quando todos os citados
que ele queria demandar (indicação errada do r~u); por exe_mp!o: na petição intervierem na acção (art. 22.º, n.º 3), o que, como a acção é proposta contra incertos,
inicial o autor identifica como causador do acidente de vmçao Manuel da não é certamente fácil de determinar quando acontece.
Costa' motorista residente em Lisboa, quando o envolvido no acidente foi
1.6. Representação voluntária
0 mot~rista Manuel da Costa residente em Sintra; nesta hipótese, a citação
do motorista Manuel da Costa residente em Lisboa é correcta e, com essa Nos casos de patrocínio judiciário obrigatório (art. 40. 0 , n.º l, e 58. 0 ), as partes
citação, ele toma-se parte da acção; o erro só pode ser corrigid~ através de têm de estar representadas por advogado: trata-se de uma representação voluntária,
uma desistência do pedido pelo autor (art. 283.º, n.º l); se tal nao suceder, embora imposta pela lei, ou seja, de uma representação voluntária necessária. Fora
a acção será julgada improcedente; das referidas hipóteses, é possível uma verdadeira representação voluntária das partes,
O réu é incorrectamente identificado pelo autor, não havendo, contudo, mas, como decorre do disposto no art. 42.º, essa representação tem de ser realizada,
dúvidas sobre a sua identidade (identificação errada do demandado); pelo menos, por um advogado estagiário ou por um solicitador. Disto decorre que,
por exemplo: na petição inicial, o réu é identificado como .c~~d~-se ainda que a parte tenha um procurador geral ou especial, este não pode assumir a
José António Silva quando, na verdade, se chama Joel Antoruo Silva, se representação da parte em juízo.
a citação puder ser dada como realizada na pessoa certa, não há nenhum
2. Espécies de partes
vício e O erro pode ser corrigido, por analogia com o disposto no art. 614.º,
n.º I, a requerimento do autor6; 2.1. Partes principais e acessórias
O réu é correctamente identificado pelo autor, mas é citada uma pessoa
(a) A noção que foi formulada de parte convém às chamadas partes principais;
diferente da indicada pelo demandante (citação de um não demandado);
quando se fala de partes, tout court, alude-se às partes principais. Ao lado destas
por exemplo: na petição inicial, o réu é identificad~ com_o s~ndo João há as partes acessórias, que são os titulares de interesses conexos com os interesses
Maria Silva, mas é citado alguém com o nome de Jose Mana Stlva; nesta em causa e que, por isso, podem auxiliar uma das partes principais. As partes
hipótese, a citação é inexistente (art. 188.º, n.º l, al. b)) - tan~ p~ra o acessórias defendem no processo um interesse próprio, conexo com o de uma das
verdadeiro demandado, como para o indevidamente citado -, pois ha que partes principais, auxiliando esta parte principal, perante a qual tomam uma posição
entender que este nunca chega a tomar-se réu da acção (há apenas um réu de subordinação.
aparente, pelo que há que proceder à citação do verdadeiro réu). (b) Caso típico de parte acessória é o assistente (art. 326.º a 332. 0 ). O assistente
começa por ser um terceiro interessado, que passa a parte em virtude de um incidente
de intervenção de terceiros, chamado intervenção acessória (cf. epígrafe da secção
que se inicia no art. 321.º).
ºCf. STJ 12/12/1996, BMJ 462,384, admitindo-se a substituição de "Câmara Municipal"
288 por "Munícípio"; cf. também STA 3/11/2005, AD 530,267. 289
'f
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa 1 Parte 1~ Processo Declarativo V. Partes do Processo

2.2.MP
(a) O MP pode intervir como parte principal ou como parte acessória:
- o MP intervém como parte principal designadamente quando representa
0 Estado- seja o Estado-colectividade, seja o Estado-administração -, as
regiões autónomas, as autarquias locais e os incapazes, incertos e ausentes
7
l de todo o processo. Mas, no que diz respeito às partes, pode haver especialidades da
relação jurídica processual de dois tipos:
- Especialidades de carácter estático, constituidas pela pluralidade de partes,
cumulação subjectiva ou litisconsórcio lato sensu;
Especialidades de carácter dinâmico, constituídas pelas modificações
em parte incerta (art. 4.º, n.º I, ai. b), e 9.º, n.º 1, aL a) a c), 2 e 3, EMP) e subjectivas da instância, que são fundamentalmente a sucessão e a
ainda quando assume a defesa e a promoção dos direitos e interesses das intervenção de terceiros.
crianças, jovens, idosos, adultos com capacidade diminuída, bem como de
outras pessoas especialmente vulneráveis (art. 4.º, n.º l, ai. i), e 9.º, n.º 1, § 21." Personalidade judiciária
a!. d), EMP);
o MP intervém como parte acessória nomeadamente quando, não se I. Enquadramento geral
justificando a sua intervenção como parte principal, sejam interessado~ na
1. Noção
causa as regiões autónomas, as autarquias locais, outras pessoas colecttvas
de utilidade pública, incapazes ou ausentes ou quando a acção vise a realização O art. 1 l.º, n.º l, estabelece que a personalidade judiciária consiste na
de interesses colectivos ou difusos (art. 1O.º, n.º l, al. a), EMP). susceptibilidade de ser parte.
(b) Quando O MP representa incapazes ou ausentes e:° _P~~ ince_rta, a sua
intervenção principal cessa logo que seja constituído mandatãrio Jud1_c1~l ~~ incapaz ?u 2. Caracterização
ausente, ou quando, deduzindo o respectivo representante legal opos1~0 a mtervençao 2.I. Eficácia processual
principal do MP, o juiz, ponderado o interesse do representado, a considere proc~den~e
(art. 9.º, n.º 3). Este regime coincide com o disposto no art. 23.º, n.º 2, mas e mais ': personalidade judiciári~ é limitada pela sua eficácia ou relevância: só produz
amplo do que este último, dado que, não se limitando às situações em que o MP tenha efeitos dentro do processo. E isso que justifica a existência de entidades dotadas de
proposto a acção em representação de capazes ou de ausentes, vale para todas as personalidade judiciária, mas não de personalidade jurídica (art. 12.º e 13.º). Morto 0
situações em que o MP represente esses interessados. réu, sem deixar herdeiros detenninados, para não demorar o processo em prejuízo do
autor, pode este mover a acção contra a herança como sucessora do mesmo réu (art.
III. Pressupostos processuais 12.º, ai. a)).': ~erança é tida para efeitos processuais como sucessora do réu, quer
quanto aos direitos e deveres processuais deste, quer mesmo quanto aos direitos e
1. Regime paradigmático deveres de carácter substantivo (que a compõem). Para efeitos processuais a herança
Para a apreciação do mérito da causa, a lei exige que as partes apr_esentem um _certo ~e _ti~l~r ~ão d~tenninado é pessoa Uudiciária: art. 12.º, al. a)). A pe~onalidade
número de características que funcionam como pressupostos processuats: a personah~ Jud1c1ária e, por isso, um conceito processual, apenas eventualmente coincidente com
judiciária, a sujeição à jurisdição portuguesa, a capacidade judiciária, ~ patrocíruo o de personalidade jurídica e nunca dependente de qualquer capacidade de gozo8.
judiciário obrigatório, a legitimidade e ainda o interesse processual (ou em agir).
2.2. Eficácia casuística
2. Regime especial A perso~~lídftde judiciária das pessoas meramente judiciárias é restrita ao campo do
Durante esta análise, a relação processual é considerada, em regra, na sua fonna processo c1vtl. E mesmo possível avançar um pouco mais: essa personalidade é restrita
mais simples: formada apenas por duas partes, que se mantêm as mesmas no decorrer ao ~ampo de certo processo civil. Assim, se A pedir a condenação de certa agência da
sociedade B (art. 13.º, n.º 1) e vir a certa altura do processo este mal parado, não pode
d~~andar noutr~ processo a própria sociedade B; a diferenciação como duas pessoas
d1stmtas da sociedade B e da sua agência não produz efeitos fora do processo de A
?Sobre a multiplicidade dos títulos de intervenção do MP, cf. L ALEXANDRE, RMP 131
(2012), 9 ss.; o Estado não é representado pelo MP nos julgados de paz (CCPGR 21/4/200~
(PGRP00002598)), nos tribunais arbitrais (CCPGR 21/11/1991 (PGRP00000432),
CCPGR 11/3/2004 (PGRP00002337)), nem em tribunais estrangeiros (CCPGR 14/10/1982
ij Defendendo uma qualificação material da personalidade judiciária cf. BERANEK, Die
290 (PGRP00007!85)). Parteifühigkeit (2009), 60 ss. ' 291
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I ·· Processo Declarativo
V. Partes do Processo

contra a agência, nem mesmo para impedir a excepção de !itispendência (ou de caso 2. Outros critérios
julgado) por falta do requisito do art. 581.0 , n. 0 2 (identidade de partes com a mesma
2.1. Generalidades
qualidade jurídica). Se A propuser duas acções de condenação pela mesma dívida,
uma contra a agência, outra contra a sociedade B, simultaneamente, há lítispendência; (~) É difícil enumerar com ex.actidão os casos de pessoas judiciárias não jurídic
se sucessivamente, há caso julgado; no entanto, A pode, no mesmo processo, accionar mas _isso por razões de direito substantivo: é que, a respeito de algumas das entidad~~
simultaneamente a sociedade e a sua agência, como litisconsortes, escolhendo depois previstas nos art. 12.º e 13.", pode discutir-se se são ou não pessoas colectivas· é 0
a entidade a executar. caso sob_retudo das sociedades civis (art. 12.º, al. c)). Estes problemas são de di~eito
substanhvo, pelo que os casos duvidosos previstos nos art 12 ° e 13 ° pode
3. Função 1 d · ·
ana 1~ ?s ~se~ a Rreocupação de destacar quais os que representam excepções à regra
m•
A personalidade judiciária ocupa um lugar muito especial entre os pressupostos da comc:dencia (ia que essa questão exigiria, repita-se, resolver O problema, de direito
processuais (tal como a personalidade jurídica entre os estados pessoais): é o substantivo,_ de _s:ber se essas e?tidades carecem de personalidade jurídica).
pressuposto dos restantes pressupostos processuais subjectivos relativos às partes. Com (b) A atnb.mça? ,d~ person~~l~de ju~iciária a entidades sem personalidade jurídica
efeito, a legitimidade ou a capacidade judiciária, por exemplo, são atributos das partes, decorre de_ dois cntenos: o cnteno da diferenciação patrimonial (art. 12.º) e O critério
pelo que estas é que são legítimas ou ilegítimas, capazes ou incapazes judiciariamente. da afectaçao do acto (art. 13.º).
Estes pressupostos por seu turno pressupõem uma parte, de que são atributos e de que a 2.2. Herança jacente
susceptibilidade de o ser funciona, num plano anterior, como pressuposto.
Se falta a legitimidade, por exemplo, a instância trava-se entre o tribunal e duas (a) O_rien~do_-~~ ~or um critério de diferenciação patrimonial, 0 art. 12.º atribui
partes, sendo uma (pelo menos) ilegítima. Se falta a personalidade judiciária, falta a pe1:'onahda~e Judic1ana. a v~os patrimónios autónomos. Segundo O disposto no art.
própria susceptibilidade para ser parte, legítima ou ilegítima. 12. , ai. a), tem personalidade Judiciária a herança jacente e os patrimóni s a tó.
semlht ··i. ounomos
e an es CUJO tltu ar amda não esteja detenninado 9. Considere-se O seguinte
exe~plo: A é devedor de B; morre, deixando a sua herança sem titular determinado
IL Critérios de atribuição
A !e, pro:ura que ~ não seja com isso prejudicado: permite-lhe mover acção (d~
1. Critério da coincidência
O art. l l .°, n.º 2, estabelece a seguinte regra: quem tiver personalidade jurídica tem
~~::.!
condenaçao, executiva ou qualquer outra) contra a própria herança jacente isto é
~~~~ça aberta, mas ainda não aceita nem declarada vaga para O Es~do (art'.
personalidade judiciária Esta regra não tem nenhuma excepção: nenhum caso há de A inde«:rrninaçã~ do titular pode verificar-se em dois graus diferentes: ela pode
pessoa civil não judiciária. Toda a pessoa jurídica tem personalidade judiciária, seja resultai: de mdeten::unação dos sucessíveis (A morre, sem se saber se tem e, caso
pessoa singular, stja pessoa colectiva lato sensu - incluindo, portanto, as associações ~finnativ?, q~em sao os seus parentes mais próximos ou se tem testamento) ou de
(art. 158.º, n.º l,CC),as fundações(art. 158.º, n. 0 2, CC)eas sociedadescomerciais(art. mdet~nnmaç~o dos sucessores (A morre sem testamento e deixando um só filho, B;
5. º CSC)-, stja entidade personalizada ad hoc - como, por exemplo, os agrupamentos este e sucess1vel; mas enquanto não aceitar a herança, não se sabe se será sucessor)
complementares de empresas (base V L 4/73, de 4/6) e os agrupamentos europeus de Num e_ noutro caso, a herança é jacente e, nwn e noutro caso, 0 seu titular não é
interesse económico (art. l.° DL 148/90, de 9/5). determ!~ado (enquanto não for aceite ou declarada vaga a favor do Estado sucessor
A regra enunciada é apenas uma faceta do principio geral da coincidência entre necessano ). '
a personalidade jurídica e a personalidade judiciária. Este princípio abrange a , (b) f:- P~~ca nã? se tem socorrido muitas vezes deste meio que a lei põe
regra fonnulada no art. l l.º, n.º 2: todo aquele que tem personalidade jurídica tem a sua dispos'.çao. E isso talvez P?~que a própria lei, depois de no art. 12.º, ai. a),
personalidade judiciária; mas esse princípio abrange estoutra regra ainda: só aquele t~r esta~elec1do em termos exphcitos a personalidade judiciária das heranças de
que tem personalidade jurídica tem personalidade judiciária. Esta última regra ll~lar.º:º detenninado, ?ão toma, regra geral, em atenção esse facto. Raras são as
apresenta, porém, excepções: há entidades desprovidas de personalidade jurídica a disposiçoes ~ue ~ão seg~11m~nto à i~i~ do art. 12.º, ai. a): entre elas pode contar-se a
que os art. 12.º e 13.º atribuem personalidade judiciária. do art. 1034. , n. 1, no amb1to do direrto de preferência pertencente à herança.

292 "Cf RP 19/10/2015 (443/14.2T8PVZ-A.PJ).


293
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I Processo Declarativo V. Partes do Processo

2.3. Habilitação da herança ~ii) ,A. circun~tãncia de o art. 12.º, aL a), só atribuir personalidade judiciária aos
(a) Morta a parte no decorrer do processo, pode perguntar-se se o processo pode patnmomos autonomos sem titular determinado exclui que possa ser concedida
continuar com a herança. O art. 355.º, n.º 4, no âmbito da habilitação de incertos, dá personalidade judiciária ao estabelecimento individual de responsabilidade limitada
uma resposta positiva a esta questão: a herança jacente, representada pelo sucessível, dado que este tem um titular determinado 12 : qualquer pessoa singular que exerç~
pelo curador ou pelo cabeça-de-casal (art. 2047. 0 , 2048. 0 e 2079.º CC), pode habilitar- ou pretenda exercer uma actividade comercial pode constituir um estabelecimento
-se como sucessora do de cuius. in~ividual de responsabilidade limitada, ao qual afecta uma parte do seu património,
(b) (i) Há casos em que a herança não pode suceder ao de cuius - são os casos CUJO valor representa o capital inicial do estabelecimento (art. l.º, n.º I e 2, DL 248/86
de acções respeitantes a direitos pessoais, necessariamente não contidos na própria de 25/8); o p~trimónio assim afectado responde unicamente pelas dívidas contraída~
herança, como sejam as acções de investigação de paternidade. Há casos, pelo no desenvolvimento das actividades compreendidas no âmbito da respectiva empresa
contrário, em que a lei impõe a habilitação da herança. Assim, querendo o sucessível, (art. IJ.º, n ..º l,.DL 248/86). Porém, esse património tem um titular determinado, pelo
mesmo antes de aceitar a herança, prosseguir uma causa com ela relacionada, pode que nao se Justifica a sua personalização judiciária. O mesmo se pode dizer ainda da
fazê-lo nos termos do art. 2047.º CC; habilitar-se-á então, não nomine proprio, mas massa insolvente, ou seja, da massa constituída pelo património do devedor à data
como substituto processual da herança, em qualquer caso se afastando o art. 355.º, n.º 1. da declaração de insolvência e pelos bens e direitos que ele adquira na pendência do
(ii) Se o cabeça-de-casal ou o curador agirem como substitutos processuais da processo (art. 46.º, n.º 1, CIRE; cf., no entanto, art. 146.º, n.º I, CIRE)l3.
herança jacente (nos termos dos art. 2088. 0 , 2089." e 2048.° CC, remetendo para o (b) Por disposição legal, há outros patrimónios que são igualmente dotados de
art. 94. 0 , n. 0 2, CC), propondo, em nome próprio, acções em substituição da herança, personalidade judiciária:
também se pode afastar a aplicação do art. 355.º, n.º 1. A própria substituição As associações sem personalidade jurídica (art. 12.º, al. b); cf. art. 195.º
processual do MP (art. 355.º, n.º 2) pode ser vista como uma substituição primo gradu a 198.º CC), como se vê inclusivamente do disposto no art. 198.º, n.º 3,
da herança (art. 12. 0 , al. a)) e só reflexamente de incertos (art. 22.º; cf. art. 4.", n.º 1, CC sobre a representação em juízo do fundo comum das associações sem
ai. b), e 9. 0 , n.º l, al. c), EMP) 10• personalidade jurídica;
As comissõ~s especiais (art. 12.º, al. b); cf. art. 199.º a 20I.º CC), que
2.4. Patrimónios autónomos
formam aquilo que se costuma chamar património de subscrição ou de
(a) (i) A herança já é considerada, em si, património autónomo; a palavra oblação; note-se que se está a referir apenas a subscrição por comissão;
"semelhante" do art. 12.º, al. a), tem de referir-se à indeterminação do titular. Estão se for aberta por uma pessoa, é esta que deve demandar e ser demandada·
nessas condições os bens doados ou legados a um nascituro (art. 952. 0 , 2033. 0 , n. 0 2, As sociedades civis (art. 12.º, ai. c)); '
al. a), e 2240.º CC) e os bens com que foi dotada uma fundação ainda não constituída As .sociedades comerciais, até à data do seu registo (art. 12.º, al. d)); as
(art. 185.° CC). Subjacente a esta solução está a consideração de que devem ter sociedades comerciais só gozam de personalidade jurídica a partir da data
personalidade judiciária os patrimónios que possam constituir um centro autónomo do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem (art. 5.º CSC); no
de imputação de direitos e deveres. entanto, se dois ou mais indivíduos, quer pelo uso de uma firma comum,
Segundo o disposto no art. 12.º, al. a), apenas os patrimónios autónomos cujo titular quer por qualquer outro meio, criarem a falsa aparência de que existe entre
não esteja determinado podem possuir personalidade judiciária. Isto não significa que, eles um contrato de sociedade, eles respondem solidária e ilimitadamente
através de uma interpretação extensiva, não possa aplicar-se o disposto no art. 12.º, pelas obrigações contraídas (art. 36.º, n.º 1, CSC);
al. a), a patrimónios com múltiplos titulares: a multiplicidade dos titulares aproxima- O condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às
-os da indeterminação. Pode pensar-se mun fundo de investimento imobiliário: o acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador (art. 12.º, al.
fundo é gerido por uma instituição financeira, mas os titulares do fundo são os seus e)); entre as acções relativas aos poderes do administrador inserem-se também
subscritores; no entanto, atendendo ao carácter apenas detenninável (e, nesse sentido, aquelas que são propostas pelo condomínio contra o administrador; o disposto
não determinado) dos seus titulares, pode ser~lhe reconhecida personalidade judiciárian. no preceito não afasta a função de substituto processual que é atribuído ao
administrador da insolvência pelo art. 1437.º, n.º l, CC;

1
ºDif., resolvendo o problema com base na representação da herança pelo cabeça-de-casa!,
cf. REMÉDIO MARQUES, Acção Declarativa (2011), 355. •icr. COSTA E SILVA, Dir. 140 (2008), 579 s.
11 13
294 Cf. STJ 6/3/2008 (088402); RE 2/5/2019 (2921/17.2T8PTM-A.El). Dif. SOVERAL MARrrNs/M. J. CAPEW, RLJ 148 (2019), 374 ss. 295
l de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I Processo Declarativo V. Partes do Processo

Os navios (art. 12.º, ai. f); cf. art. 7.º DL 201/98, de l0/7; art. 28.º, n.º 2, 2.6. Critérios avulsos
DL 352/86, de 21/l O); se os conhecimentos de carga forem nulos por terem
A lei pode atribuir, em disposições avulsas, personalídade judiciária a determinadas
sido emitidos por quem não tenha a qualidade de transportador marítimo
entidades. Por exemplo: os art. 57.º, n. 0 2, e 59.º, n.º l, CSC atribuem legitimidade ao
ou se o transportador marítimo não for identificável com base nas menções
órgão de fiscalização de uma sociedade para a propositura, contra a própria sociedade
constantes do conhecimento de carga, o navio que efectua o transporte
(art. 60.º, n.º 1, CSC), de uma acção de declaração de nulidade ou de anulação de
responde perante os interessados na carga nos mesmos termos em que
uma deliberação social de um outro órgão da mesma sociedade; esta concessão de
responderia o transportador (art. 28. 0 , n.º l, DL 352/86).
legitimidade activa pressupõe que aquele órgão de fiscalização tem personalidade
2.5. Sucursais ou agências judiciária. Outro exemplo: o art. 4.º, n. 0 l, L 75/2017, de 17/8, atribui personalidade
judiciária às comunidades focais que possuem e gerem os baldios e outros meios de
(a) Seguindo um critério de afectação do acto, o art. 13.0 , n. 0 l , atribui personalidade
produção comunitários.
judiciária às sucursais, agências, filiais, delegações ou representações em acçõe~ cuja
causa de pedir seja um acto ou facto por elas praticado. A atribuição de pe~sonah~~de 3. Natureza jurídica
judiciária às sucursais, agências, filiais, delegações ou representações visa facthtar
a tutela dos interesses do demandante, pelo que nada impede que esta parte escolha 3.1. Generalidades
propor a acção contra a própria sociedade. . É controvertído o recorte da personalidade judíciária que não é acompanhada da
O autor também pode, no mesmo processo, accionar simultaneamente a sociedade personalidade jurídica. Quando aquela personalidade é atribuída a uma parte activa,
e a sua agência, como litisconsortes (art. 32.º, n.º 1 l.ª parte), escolhendo depois a é possível concluir que o património se administra a si próprio; quando o património
entidade a executar. Mais difícil é a resposta à questão de saber se, depois de obtida a é demandado, a sua personalidade judiciária é apenas uma condição para permitir
condenação da agência, o autor pode mover a execução contra a sociedade; atendendo que o património, a par de outros responsáveis, também possa ser responsabilizado
a que a sociedade é a única titular de bens penhoráveis e que a ag~ncia e. a ~o_ciedade pelo pagamento de certas dívidas 16 . É o que resulta do disposto no art. 198.º, n.º
não podem ser consideradas partes distintas segundo a sua qualidade JUrtdtca (art. l e 2, CC, quanto às dívidas da associação sem personalidade, no art. 200.º, n.º 2,
58 l.º, n.º 2), a resposta tem de ser afirmativa 14 • CC, relativamente às dívidas da comissão especial, e ainda no art. 997.º, n.º 1, CC,
(b) As sucursais, agências, filiais, delegações ou representações têm igualme.nte quanto às dívidas da sociedade civil, dado que, em todos estes casos, o património é
personalidade judiciária quando a respectiva sede esteja situada num país estrangeiro, responsável por certas dívidas.
desde que a obrigação tenha sido contraída pela administração principal com um
3.2. Consequências
português ou com um estrangeiro domiciliado em Portugal (art. 13.º, n.º 2) ou tenha
sido cedida a uma destas pessoas 15 • Esta regra cede perante o disposto no art. 7.º, n.º Um aspecto que deve ser salientado a propósito da natureza da personalidade
5, Reg. 1215/2012, dado que este preceito só permite que a sociedade-mãe com sede meramente judiciária é o da relação entre os entes sem personalidade jurídica e os
num EM da UE (e não a própria sucursal) seja demandada no tribunal da localização entes com personalidade jurídica (e, portanto, com personalidade judiciária: cf. art.
da sucursal num outro EM quando se tratar de um litígio relativo à exploração desta 11.º, n.º 2) que podem ser considerados seus sucessores. Pense-se, por exemplo,
sucursal. Portanto, a verificação das condições previstas no art. 13.º, n.º 2, não é na relação entre a sociedade comercial antes e depois do registo: antes do registo,
suficiente para atribuir personalidade judiciária a sucursais de sociedades de um EM a sociedade comercial só tem personalidade judiciária (art. 12.º, ai. d)); depois do
e para justificar a possibilidade da demanda da sucursal num tribunal português, dado registo, a sociedade comercial tem personalidade jurídica (art. 5.º CSC) e judiciária
que esta demanda ocorreria numa situação em que o art. 7.º, n.º 5, Reg. 1215/2012 (art. 11. º, n.º 2). Perante esta situação, é possível retirar duas consequências:
não o permite. Na hipótese de a sociedade demandante ou demandada adquirir personalidade
jurídica durante a pendência da causa, deve verificar-se a substituição da
sociedade não registada pela sociedade registada; a intervenção desta
sociedade deve ser realizada através de um incidente inominado;

14Cf.ANSELMO DE CASTRO, DPC II (1982), 108 s.; menos assertiva, COSTA E SILVA, Dír. 140
(2008), 584 ss.
"Cf. ANSELMO DE CASTRO, DPC lf, 107; COSTA E SILVA, Dir. 140 {2008), 594 SS. 16 Cf. ANSELMO DE CASTRO, DPC II, 109.
296 297
J. de Castro Mendes! M. Teixeira de Sousa Parte I- Processo Declarativo V. Partes do Processo

Qualquer que seja o momento de aquisição da personalidade juridica a contestação do réu e demais actos deste demandado; se tal suceder, falta
pela sociedade demandante ou demandada, a sociedade não registada e a apenas um pressuposto de actos processuais, o que não inquina todo o
sociedade registada têm de ser consideradas a mesma parte sob o ponto processo.
de vista da sua qualidade jurídica (art. 581.º, n. 0 2), o que é relevante
1.2. Regimes especiais
nomeadamente para efeitos da verificação das excepções de litispendência
e de caso julgado e para a vinculação da sociedade registada ao caso (a) O art. 35I.º, n.º 2, prevê a instauração do processo contra urna parte falecida e,
julgado da decisão proferida na acção em que tenha sido parte a sociedade portanto, care7e.ndo de personalid~_e judiciária; segundo o estabelecido no preceito,
não registada; assim, por exemplo, condenada a sociedade não registada neste caso o VICIO sana-se pela hab1htação dos sucessores.
a pagar uma dívida, esta pode ser cobrada à sociedade que entretanto se (b) O a~. _162.º, n._º l, CSC estabelece que as acções em que urna sociedade
registou. entre~!º hqmdada seJa_parte continuam após a sua extinção, considerando aquela
subs~tu'.d~ pe_la .gen~rahdade dos sócios, representados pelos liquidatários. Esta
III. Consequências da falta substttu1çao nao implica a suspensão da instãncia e não requer sequer a habilitação
daqueles sócios (art. 162.º, n.º 2, CSC).
1. Sanação do vício (c) A jurisprudência aceita a sanação da falta de personalidade judiciária activa
em casos em que a mesma pode ser sanada através da intervenção dos interessados
1.1. Regime geral
em subs~ituiçã~ ~ ~~~dade desprovida dessa personalidade. Por exemplo: a falta de
(a) (i) Importa analisar o que se verifica se for intentada uma acção carecendo o perso~al1da?e Ju_d1cia?a da herança indivisa (que é a herança que já foi aceite, mas
autor ou o réu de personalidade judiciária. Por exemplo: A propõe uma acção contra o que am~ nao foi partilhada) pode ser sanada através da intervenção na acção de todos
estabelecimento comercial B ou contra o navio Cem hipóteses em que os demandados os herdelfos 16•
não possuem personalidade judiciária. 2. Cessação do vício
(ii) Em regra, a falta de personalidade judiciária não é sanável, mas o art. 14.0
admite a sanação da falta de personalidade judiciária das sucursais, agências, filiais, Ve_ri_fica-se a sanação do vício quando, persistindo este, se lança mão de um remédio
delegações ou representações mediante a intervenção da administração principal e a permitido por lei para possibilitar a marcha do processo e regularizá-lo ex tunc (por
ratificação ou repetição do processado17 . A intervenção daquela administração não ~x~~l~, a administração principal intervém para sanar a falta de personalidade
pode ser realizada nos termos do art. 311.º (intervenção de um litisconsorte), pois que Jud1c1ana da sucursal: art. 14."). Coisa diferente é a relevância da cessação da causa
não se trata de constituir uma pluralidade de partes, mas antes de substituir uma parte do víc~o. Por exemplo: mesmo depois de efectuado o registo da sociedade, o contrato
sem personalidade judiciária por outra parte dotada dessa personalidade. O art. 14.º de sociedade pode padecer de vícios que determinam a sua nulidade (art. 42.º, n.º I,
refere-se, por isso, a uma intervenção inominada. CSC); se estes vícios forem sanados por deliberação dos sócios (art. 42.º, n.º 2, CSC),
(b)Apesar de a letra do art. 14.º exigir sempre a ratificação do processado (no caso cessa a falta de personalidade judiciária que decorria da irregularidade da sociedade.
de concordância da administração) ou a sua repetição (no caso de discordância dessa 3. Subsistência do vício
administração), a verdade é que há que distinguir consoante a falta de personalidade
afecte a parte activa ou passiva: ~~~d~ .ª falta de personalidade judiciária for insuprível e manifesta logo na
Se o vício atingir a parte activa, exige-se sempre que a administração pet~çao m~c1al, es~ d_eve, quando haja despacho liminar (art. 226. 0 , n.º 4), ser objecto
principal ratifique ou repita o processado, porque não é possível manter de mdefenmento hmmar (art. 590.º, n. 0 1, conjugado com o disposto nos art. 577.º, ai.
uma acção sem petição inicial; se assim não suceder, falta um pressuposto ~),? ~78.º). Se não .for, o réu é absolvido da instância (art. 278.º, n.º l, al. c)), ex officio
processual; 1ud1c1s ou por argmção da parte (art. 578.º).
Se o vício afectar a parte passiva, não se exige que a administração principal ~ó ~or .força do princípio da auto-suficiência é possível falar de uma absolvição
repita ou ratifique o processado, pois que um processo pode manter-se sem da_ m~~cia e d~ uma parte sem personalidade judiciária: sem a consideração desse
pnnc1p10, havena que falar de urna absolvição de aparência de instância (se a "não-

298 n Cf. RL 28/3/2019 (6564/l 7.2T8LRS.Ll-6). 18


Cf. RC 24/9/2019 (348/I8.8T8FND-A.CJ).
299
Parte 1- Processo Declarativo V. Partes do Processo
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa

-parte" fosse autora) ou uma aparente absolvição da instância (se a "não-parte" U, Estados estrangeiros
fosse ré). É também aquele princípio que justifica que, sendo a entidade carecida de 1. Enquadramento geral
personalidade judiciária ré, ela possa defender-se ou ter representante que o faça.
1.1. Âmbito da imunidade
§ 22. Sujeição à jurisdição portuguesa
0
O ,E~tado português submete~se à jurisdição dos seus próprios tribunais. Pelo
contráno, para Estados estrangeiros vale a regra de direito internacional comum de
I. Preliminares
q~e par in parem non habet jurisdictionem (ou imperium ou ainda potestatem) (art.
1. Generalidades 5. CNUimuEst). No entanto, a imunidade de Estados estrangeiros não é irrestrita
prevalecendo hoje a distinção entre actos de império e actos de gestão: '
Para o processo se constituir e correr regularmente ante tribunais portugueses é
- Por actos de soberania ou de império (acta iure imperii) não se pode
preciso não só que estes sejam competentes e as partes dotadas de personalidade
demandar U'_l:1 Estado estrangeiro (a não ser que este se submeta a tal);
judiciária, mas ainda que ambas as partes estejam sujeitas à jurisdição portuguesa. A
estes actos sao aqueles que cumprem finalidades de soberania e envolvem
não sujeição de uma das partes à jurisdição portuguesa gera uma excepção dilatória os actos de guerra e de controlo alfandegário (incluindo os realizados por
0
(inominada) que conduz à absolvição da instância (art. 576.º, n.º 2, e 278. , n.º 1, al. aviões ou barcos)2°;
e))19. P:los ~ctos ~ue.o Estado estrangeiro pratique como pessoa colectiva, que
Uma sentença proferida em Portugal com violação da sujeição à jurisdição ~ao seJan:1 pr?pnos d~ suaqua~ida_de de ente soberano e que sejam praticados
portuguesa é ineficaz e não constitui, por isso, titulo executivo, dado que, sem iure gestwms (acta 1ure gestwms) ··como a compra de mercadorias ou a
renúncia pelo beneficiário, os tribunais portugueses não têm jurisdição em relação contratação de um empreiteiro para fazer obras no edifício da embaixada
a essa parte. Uma sentença proferida no estrangeiro em relação a uma parte não ~o~ e~e~plo .,., é (independentemente de renúncia à imunídade) sujeito à
sujeita à jurisdição do foro não pode ser reconhecida em Portugal: na falta de melhor Junsdiçao co~o ~uai quer outra pessoacolectiva (art. l O.º ss. CNUimuEst)21 ;
fundamento para essa recusa de reconhecimento, pode invocar-se a violação da ordem o mesmo regime .e a~licável a empresas pertencentes a Estados estrangeiros,
0
pública internacional do Estado português (art. 980. , al. t)). dado que estas d1fic1lmente praticam actos de soberania.

2. Imunidades 1.2. Qualificação do acto


Em regra, todas as pessoas singulares ou colectivas, nacionais ou estrangeiras, O direi~o inte~aci?nal púb~ico é firme em conceder ao Estado estrangeiro uma
domiciliadas ou não em Portugal, estão sujeitas à jurisdição portuguesa. Sendo o certa medida d.e 1mun1dade de Jurisdição civil: é o que vale para os acta iure imperii.
tribunal português o competente, é possível a A, português ou estrangeiro, demandar Isso pode considerar-se regra consuetudinária de direito internacional público e, como
B, estrangeiro domiciliado no estrangeiro; o processo corre os seus termos e B pode tal, regra do ordenamento jurídico português (art. 8.º, n.º 1, CRP). Note-se no entanto
ser condenado; se tiver aqui bens, esses bens podem ser penhorados em execução. Em que a qualificação co_mo acta iure imperii ou gestionis é realizada p~la lex Jori:
Portugal, nunca funcionou um regime de extraterritorialidade · não sujeição de uma portanto, quanto a acçoes propostas nos tribunais portugueses, pelo direito português.
classe de estrangeiros às autoridades normais, designadamente judiciárias, de um país.
Há, no entanto, algumas entidades que gozam da imunidade, que se traduz em
não poderem ser, sem o seu consentimento, sujeitos à jurisdição portuguesa. Estão
nessas situações os Estados estrangeiros, as organizações internacionais e as pessoas
singulares dotadas de imunidade. 20
Cf. TJ l~/2/2007 (292/05), que recusou aplicar a CBrux às acções judiciais intentadas
por pessoas smg_u!ares num Estado contratante (Grécia) contra outro Estado contratante
(~!emanha), dest1~adas a obter uma indemnização pelos danos sofridos pelos sucessores das
v1~1m~s da actuaçao de Forças Annadas no âmbito de operações de guerra no território do
pnmeiro Estado.
l< A imunidade de jurisdição não conduz à incompetência absoluta do tribunal da acção,
21
Cf. STJ 4/2/1997 (96A809); STJ 13/11/2002 (OIS2172); RL 22/6/2005 (2014/2005-4);
dado que não se verifica nenhuma violação das regras que definem essa competência: di[ STJ RL 21/9/2005 (4107/2005-4); RL 10/11/2016 (9677/15.IT8LSB-A.L\-6)· dif STJ 18/2/2006
(05S3279). ' . 301
300 8/9/2021 (l 9354/20.6T8LSB.S).
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I Processo Declarativo
V. Partes do Processo

2. Renúncia à imunidade
consequência de danos causados por acidente de veículo, navio ou aeronave ocorrido
O Estado estrangeiro pode renunciar à sua imunidade. A propositura por um Estado no Estado receptor.
estrangeiro de uma acção nos tribunais de outro Estado envolve necessariamente
1.2. Renúncia à imunidade
sujeição à jurisdição do mesmo e, portanto, renúncia tácita à imunidade.
. (a! O agente diplomático e o funcionário consular podem renunciar à sua
III. Organizações internacionais imumdad~ (~. 32.º: n.º 1, CRe!Dipl; art. 45.º, n. 0 1, CRelCons), mas não necessitam
dest~ re~~nc1~ para mtentar uma acção no Estado receptor. Nesta acção, 0 agente ou
É comum serem reconhecidos às organizações internacionais os privilégios e as
f\mc1onano n~ pode alegar a sua imunidade quanto a qualquer pedido de reconvenção
imunidades necessãrios à realização dos seus objectivos: é o que se encontra previsto,
d1rectamente hgado à demanda principal (art. 32.º, n.º 3 CRe!Dipl· art. 45 ° o 3
quanto às Nações Unidas, no art. 105.º, n.º l, CtONU, e, quanto à UE, ao BCE e ao CRe!Cons). ' ' · , n. ,
Banco Europeu de Investimento, no art. 343.0 TFUE.
_ (?)A.renúncia à imunidade de jurisdição quanto a acções civis ou administrativas
nao I~pl~ca a ren,ú~cia à imunidade quanto a medidas de execução da sentença, para
IV. Imunidades pessoais
as quais e necessana uma renúncia distinta (art. 32.º n.º 4 CRe!Dipl· art 45 ° o 4
CRelCons). ' ' ' · · , n. ,
1. Enquadramento geral
1.3. Imunidades espácio-objettivas
1.1. Imunidades pessoais
(a) De acordo com a antiga regra de direito internacional ne impediatur legatio Es Os locais ?ª miss~o diplomática e consular são invioláveis, pelo que os agentes do
(cf. PAULUS, D. 5.1.24.2), gozam de imunidade de jurisdição (civil e criminal) certos taíio acreditador nao podem neles penetrar sem o consentimento do chefe de missão
representantes de Estados estrangeiros: é o caso dos Chefes de Estado em visita e dos (a~. 22.º, n.º l, CRelDipl; art. 31.º, n.º 1 e 2, CRelCons). Os arquivos e documentos da
agentes diplomáticos e consulares. Estas imunidades pessoais são definidas ratione missão também ~ão invioláveis, em qualquer momento e onde quer que se encontrem
personae, mas, porque não são estabelecidas no interesse dos beneficiários, só valem (art._ 24.º CRelDipl; art. 33.º CRelCons). O mesmo pode ser dito da correspondência
relativamente a actos praticados no âmbito das suas funções oficiais. oficial e da mala diplomática ou consular (art. 27.º, n.º 2 e 3 CRe!Dipl· art 35 ° •
2 e 3, CRelCons). ' ' · · , n.
(b) A imunidade de jurisdição faz parte das chamadas imunidades diplomáticas,
embora seja renunciável. No que diz respeito aos agentes diplomáticos, a matéria está
2, Disposições específicas
regulada pelo art. 31.°, n.º 1, CRelDipl, que estabelece que o agente goza de imunidade
de jurisdição penal, civil e administrativa no EstaOO acreditador, salvo se se tratar de Para além das referi?as ~isposições de carácter genérico, algumas disposições
uma acção real sobre imóvel privado situado no território do Estado acreditador e avulsas garantem certas 1mumdades pessoais. Assim, por exemplo:
o agente diplomático não o possuir por conta do Estado acreditante para os fins da O 3:_1· 105.~, n.º 2, CtONU garante aos representantes dos membros das
missão, de uma acção sucessória na qual o agente diplomático figure, a título privado Naçoe~ ~mdas e aos funcionários da ONU os privilégios e imunidades
e não em nome do Estado, como executor testamentário, administrador, herdeiro necessanos ao exercício independente das suas funções relacionadas com
ou legatãrio, ou ainda de uma acção referente a qualquer actividade profissional a Organização;
ou comercial exercida pelo agente diplomático no Estado acreditador fora das suas No âmbito da UE há que considerar vãrios Protocolos anexos ao TFUE
funções oficiais. Os agentes diplomáticos gozam, no mesmo âmbito, de ímunidade de no~eadamente o Protocolo (n.º 3) Relativo ao Estatuto do Tribunal d;
execução (art. 31.0 , n.º 3, CRelDipl). Jusu?a da União Europeia, o Protocolo (n.º 4) Relativo aos Estatutos
Quanto aos funcionãrios e empregados consulares, rege o art. 43.º CRe!Cons, do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu 0
que estabelece o âmbito da respectiva imunidade de jurisdição: esses funcionários e Protocolo (n.º 5) Relativo aos Estatutos do Banco Europeu de Investimen~o
empregados não estão sujeitos à jurisdição das autoridades judiciárias e administrativas 0
Protocolo (~:º 6) relati_vo ao Estatuto do Tribunal de Justiça Anexo a~
do Estado receptor pelos actos realizados no exercício das funções consulares, excepto Tratado da Umao Eur?p~ta, ao Trat~ que Institui a Comunidade Europeia
em acção civil resultante da conclusão de um contrato feito por um funcionãrio consular eª? Trat~d? que Institru a Comumdade Europeia da Energia Atómica e 0
ou um empregado consular que não o tenha cumprido expressa ou implicitamente ma~~ genenco. Protocolo (n.º 7) Relativo aos Privilégios e Imunidades da
como mandatãrio do Estado que envia ou que seja intentada por um terceiro como Umao Europeia (cf. também art. 286.º, n.º 8, TFUE).
302
303
Parte I Processo Declarativo V. Partes do Processo
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa

§ 23." Capacidade judiciária A representação também releva para impor a suspensão da instância (art. 269.º,
n. 0 1, ai. b), e 276. 0 , n. 0 1, al. b)), bem como para aferir o impedimento do juiz (art.
I. Enquadramento geral 115.º, n.º 1, ai. a) e b)), o justo impedimento (art. 140.º, n.º 1), a regularidade da
citação de incapazes, incertos e pessoas colectivas (art. 223.º, n. 0 1), a validade de
L Enquadramento geral desistência, confissão ou transacção (art. 287.º) e da confissão de factos (art. 453.º, n."
1.1. Noção 2), a litigância de má fé (art. 544.0 ) e a simulação processual (art. 63 l.º, n.º 3).
0
A capacidade judiciária é definida no art. 15.º, n. l, coi:11? a sus~e~tibilidade de II. Representação orgânica
estar, por si, em juízo. Trata-se de uma capacidade de exerc1c10 de d1r~1t~s .~ ~everes
processuais. Procurando caracterizá-la com maior rigo~, a capacida?e JUd1c1ana P?d.e 1. Pessoas colectivas
ser definida como a susceptibilidade de a pessoa por s1, pessoal e hvrement:, d:_c1dtr
1.1. Representante normal
sobre a orientação da defesa dos seus interesses em juízo, em aspectos que nao sao de
mera técnica jurídica. (a) Depois de o art. 24. 0 , n. 0 1, dispor que o Estado (incluindo o Estado-
-administração22) é representado pelo MP (cf. também art. 4.º, n.º 1, al. b), e 9.º, n.º
1.2. Patrocínio obrigatório
1, ai. a), e 2, EMP), o art. 25. 0 , n.º l, estatui que as demais pessoas colectivas e as
Nos casos de patrocínio judiciário obrigatório (art. 40.º, n.º l, e ~8_.º), também ~e sociedades são representadas por quem a lei, os estatutos ou o pacto social designarem.
verifica, em última análise, um fenómeno de incapacidade de exerc1c10: a parte r:_ao Este artigo é puramente remissivo, pelo que deve ser completado nomeadamente pelas
pode estar por si em juízo, só representada pelo seu advogado; Esta r~p~esenta7a.,?, leís a que faz referência. Assim, em concreto:
porém, é limitada à técnica do processo (por exemplo, .com? _ha-de red1g1r a petlçao Quanto às pessoas colectivas stricto sensu, o art. 163.º, n.º l, CC dispõe
inicial a contestação ou a alegação de recurso); quanto a poht1ca do processo, a p~rte que a sua representação, em juízo e fora dele, cabe a quem os estatutos
guar~ 0 seu poder de disposição sobre as grandes linhas (nã_o já o pormenor técmco) detenninarem ou, na falta de disposição estatutária, à administração ou a
da defesa judicial dos seus interesses (é ela que deve dec1dir de°?~dar, con~estar quem por ela for designado; portanto, a representação em juízo cabe ao
a acção ou recorrer). Assim se conjugam, como realidades compattve1s, capacidade órgão determinado nos estatutos e, na falta deste, à administração ou a
judiciária e patrocínio judiciário obrigatório. quem ela designar;
Quanto às sociedades civis, dispõe o art. 996.º, n.º l, CC que elas são
2. Organização da capacidade representadas, em juízo e fora dele, pelos seus administradores, nos
A capacidade de exercício pode ser jurídica ou naturalmente org~iz~: . tennos do contrato ou de harmonia com as regras legais (art. 985.º CC);
,. A capacidade das pessoas colectivas (lato s~nsu) e Jundt~a_mente esta regra tem de se entender como supletiva, pelo que a representação em
_organizada: as pessoas colectivas têm uma capacidade de exerc1c~o que juízo cabe primeiro a quem o contrato atribuir e, em segundo lugar, aos
resulta designadamente da existência de órgãos através do~ gurus elas administradores;
estão (em sentido jurídico) por si em juízo; pode falar-se, por isso, de uma As sociedades em nome colectivo e as sociedades por quotas são
representação orgânica; . , representadas pelos gerentes (art. 192.º, n.º l, e 252.º, n.º 1, CSC) e as
A capacidade das pessoas singulares é natural: ~s pe~s?as smgulares tem sociedades anónimas pelo conselho de administração (art. 405.º, n.º 2, e
capacidade judiciária quando possam estar por si em JUlZO, sendo que por 408.º, n.º l, CSC); às sociedades em comandita aplica-se, consoante o caso,
si significa pessoal e livremente, na sua i~dividualidade concreta~ quanto o regime das sociedades em nome colectívo ou o das anónimas (art. 474.º
às pessoas singulares só se pode falar, por isso, de uma representaçao legal. e 478.º CSC).
(b) A lei estabelece uma ligação - supletiva·, entre a administração e a representação
3. Relevância da representação em juízo. Note~se também que a lei ou os estatutos podem condicionar a intervenção
Na medida em que seja relevante para a prática de um acto pr~ess~al .º em juízo de certo órgão a autorização ou deliberação de outro (cf., por exemplo, art.
conhecimento ou a ignorância de certos factos, este conhecimento ~u esta 1gnoranc1a 192.º, n. 0 2, 260.º, n.º l, e 409.º, n.º 1, CSC).
reporta-se à pessoa do representante (art. 259. 0 , n.º 1, CC). Assim, por ex~mplo,
para a superveniência subjectiva de um facto (art. 588.º, n.º 2), o que conta e o seu
conhecimento pelo representante. 22 Cf.
I. ALEXANDRE, RMP 131 (2012), 19 ss. 305
304
Parte I ·- Processo Declarativo
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa V. Partes do Processo

1.2. Representante especial capaz substantivamente (de exercício) para aceitar a doação, o donatário seria capaz
judiciariamente para qualquer acção derivada desta doação, que a tenha como causa
Quando a pessoa colectiva ou sociedade não tiver representante ou quando for com de pedir; ora, é esse o caso da reivindicação. Pela segunda das teorias, a resposta terá
o seu representante que surja o litígio, aplica-se o regime dos n.º 2 e 3 do art. 25.º: essa de ser negativa; efeito possível da reivindicação, se o donatário perder, é ficar sem a
representação é atribuída, em regra, a um representante especial. coisa doada; ora, alienar o computador, privar-se da sua propriedade, é um efeito que
o donatário B não pode provocar livremente; portanto, B tem de estar representado
2. Pessoas judiciárias
em juízo.
Quanto às pessoas meramente judiciárias, dispõe o art. 26.º que, salvo disposição
1.2. Critério adoptado
em contrário, a sua representação é a seguinte:
Os patrimónios autónomos são representados pelos seus administradores (a) Para ajuizar da capacidade judiciária, têm de analisar-se os efeitos possíveis
(art. 2047.º, 2048.º e 2079.º CC, quanto à herança jacente; art. 28.º, n.º da acção: o efeito vantajoso, em caso de vencimento; o efeito prejudicial (risco
2, DL 352/86, quanto ao navio; note-se que o art. 1437.º CC atribui ao processual), em caso de perda. A parte tem em regra capacidade judiciária quando
administrador a qualidade, não de representante, mas de substituto pode em direito substantivo, por si, pessoal e livremente, provocar qualquer dos efeitos
processual do condomínio); jurídicos possíveis do processo. O art. 15. 0 , n. 0 2, está na linha de disposições como as
- As sociedades e as associações que careçam de personalidade jurídica, bem do art. 289.º, n.º 1, ou do art. 354. 0 , al. b), CC: o efeito indisponível substantivamente
como as sucursais, agências, filiais ou delegações, são representadas pelas deve continuar a sê-lo em processo.
pessoas que actuem como directores, gerentes ou administradores (art. A interpretação do art. 15.º, n.º 2, deve ser esta: sempre que um dos efeitos
195.º, n.º l, e 163.º, n.º l, CC, quanto às associações sem personalidade possíveis da acção seja um efeito que a pessoa não pode produzir por si, pessoal e
jurídica (cf., no entanto, art. 198.º, n. 0 3, CC); art. 996.º CC, quanto às livremente, para essa acção a pessoa é judiciariamente incapaz. Esta solução está de
sociedades civis; art. 38.º a 40.º CSC, quanto às sociedades comerciais não
harmonia com o princípio da instrumentalidade: aquilo que se não pode fazer por
registadas).
vontade das partes através de negócio jurídico, também não se pode fazer por vontade
das partes através do processo.
III. Representação legal
(b) Num exame mais pormenorizado da regra constante do art. 15.º, n.º 2, convém
1. Aferição da incapacidade assentar na distinção entre capacidade judiciária activa (para propor por si e livremente
acções) e capacidade judiciária passiva (para estar por si em juízo como parte ré).
1.1. Critérios possíveis
(a) O art. 15.º, n.º 2, dispõe que a capacidade judiciária tem por base e por_medida
2. Aplicação do critério
a capacidade de exercício de direitos. Este basilar, mas vago e genérico, preceito pode 2.1. Parte activa
ser interpretado de duas maneiras:
- Pela primeira., a capacidade ou incapacidade judiciária resulta da capacidade No domínio da capacidade para agir pessoal e livremente em juízo como parte autora,
ou incapacidade para a prática do acto jurídico substantivo que é causa de a regra impõe que, se certa pessoa não pode dispor de um bem senão representada por
pedir na acção; certa outra ou autorizada por certa outra, não poderá correspondentemente pôr em
Pela segunda, a capacidade ou incapacidade judiciária decorre da capaci~ade jogo a titularidade desse bem através da propositura de uma acção, senão representada
ou incapacidade para, voluntariamente, provocar efeitos jurídicos idênticos ou autorizada. Este regime pode ser desenvolvido através da sua análise em dois sub-
aos efeitos possíveis da acção. princípios:
(b) Para ajudar a situar o problema, suponha-se o seguinte exemplo: A doa um A regra da representação: quem não possa celebrar negócios jurídicos, isto
computador ao incapaz B; a doação pode ser aceite pelo incapaz, tanto mais que é, provocar efeitos jurídicos através de negócios, sem ser por intermédio
ela produz efeitos independentemente da aceitação deste incapaz (art. 951.º, n.º 2, de representante legal, também não pode propor acções senão através de
CC); recusando-se o doador A a entregar o computador doado (art. 954.º, ai. b), CC), representante legal; quem não possa praticar certos negócios jurídicos sem
por alegar que a doação é anulável, o donatãrio B pode reivindicar o computador;
ser por intermédio de representante legal, também não pode propor, senão
pode perguntar-se, no entanto, se o pode fazer sem estar repre.sentado pelo _seu
através de representante legal, as acções de que seja efeito possível algum
representante legal. Pela primeira das teorias, a resposta devena ser afirmativa;
306 efeito que seja conteúdo dos negócios para que é incapaz (art. 16. 0 , n.º l);
307
Parte I - Processo Declarativo V. Partes do Processo
l de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa

A regra de autorização: se certa pessoa - porexemplo um maior acompanhado 123.° CC), pelo que, por força do art. 16. 0 , n.º 2, carecem de capacidade judiciária.
- pode praticar certos actos pessoal, mas não livremente, carecendo de A incapacidade dos menores é suprida pelo exercício das responsabilidades parentais
autorização para a prática de determinados actos ou categorias de actos e, subsidiariamente, pela tutela (art. 124.º CC), havendo ainda que contar, em alguns
(art. 145.º, n.º 2, ai. d), CC), para propor qualquer processo que possa ter casos, com a administração de bens (art. 1922.º e 1967.0 a 1972.º CC).
como eventum litis um efeito semelhante ao do acto, carece de autorização;
2.2. Representação do menor
esta autorização é prévia em relação à acção e não se repete durante ela
(é necessária uma autorização para propor a acção, não uma para o acto (a) (i) O suprimento da incapacidade dos menores faz-se em regra por representação,
de propositura, outra para replicar ou outra para recorrer); deve, contudo, como se pode concluir do estabelecido nos art. 1878. 0 , n. 0 l, 1881.0 e 1888. 0 a 1900.º
entender-se que quaisquer actos que impliquem disposição dos interesses CC. Correspondentemente, o menor não pode estar em juízo por si, mas, em regra,
nela envolvidos - maxime, a desistência do pedido ou a transacção (art. só por intermédio dos progenitores (art. 1878.º, n.º l, CC); se as responsabilidades
283.º) exigem igualmente autorização prévia (art. 290.º, n.º 3). parentais não puderem ser exercidas pelos progenitores, a representação do menor
cabe, em regra, ao tutor (art. 1921.º, n.º 1, CC) e, em certas circunstâncias, ao
2.2. Parte passiva
administrador de bens (art. 1922.º CC).
Quanto à capacidade judiciária passiva, o regime é diferente, já que não é possível (ii) Quando os progenitores se encontrem ambos na titularidade do poder paternal,
deixar a posição do réu dependente de uma autorização (ou mesmo a defesa como aplica-se a regra do art. 1901.º, n. 0 1, CC, a qual, transposta para o domínio da
réu). No entanto, se a lei substantiva impuser um regime de representação, o menor capacidade judiciária, dá o seguinte:
ou o maior acompanhado será igualmente representado em processo (art. 16.0 , n. 0 1). - A representação do filho em juízo compete aos dois progenitores, se ambos
Assim, em concreto: estiverem no exercicio das responsabilidades parentais (art. 16.0 , n.º 2 e
- Movida uma acção contra um maior acompanhado quanto a actos sujeitos 3): é necessário que ambos confiram procuração a mandatário judicial ou
a autorização (art. 145.º, n. 0 2, al. d), CC), o acompanhado pode estar por
assinem as peças processuais;
si pessoal e livremente em juízo como réu e deve ser citado para a acção
Se houver desacordo dos progenitores sobre a conveniência de intentar
(art. 19.º, n.º l);
wna acção, qualquer deles pode requerer ao tribunal competente (que é o
Movida uma acção contra um menor ou um maior acompanhado sujeito
a representação, ele deve em regra ser representado nessa acção pelo juízo de familía e menores: cf. art. 123.º, n.º l, al. d), LOSJ) a resolução do
representante legal (art. 16.º, n.º 1). diferendo (art. 18.0 , n.º l);
Se, estando pendente uma acção, se verificar o desacordo dos progenitores
IV. Formas de suprimento sobre a orientação da representação, qualquer deles pode requerer ao juiz
da causa que providencie sobre a forma de o menor ser representado (art.
1. Generalidades 18.º, n.º 2); depois de ouvir o outro progenitor, o juiz da causa, orientado
A diferença na aferição da capacidade judiciária activa e passiva está reflectida nas pelo interesse do menor, pode atribuir a representação a um único dos
disposições fundamentais que constam dos art. 16.º, n.º 1, e 19.º, n.º 2: os incapazes progenitores, a um curador especial ou ao MP (art, 18.0 , n. 0 3).
só podem estar em juízo por intermédio dos seus representantes ou autorizados pelo (b) (i) Os representantes legais do menor não têm em regra liberdade para propor
seu acompanhante, excepto quanto aos actos que possam exercer pessoal e livremente. acções. Segundo o art. 1938.º, n.º 1, ai. e), CC, o tutor, como representante do pupilo,
Os regimes previstos no CC para as duas espécies fundamentais de incapazes que necessita de autorização para intentar acções, salvo as destinadas à cobrança de
a lei contempla - menores e maiores acompanhados - devem ser conjugados com prestações periódicas e aquelas cuja demora possa causar prejuízo. A competência
a regra da representação e da autorização, quanto à parte activa, e com a regra da para a autorização pertence ao MP (art. 2. 0 , n.º l, ai. b), DL 272/2001, de 13/10). Esta
representação, quanto à parte passiva. doutrina aplica-se também ao acompanhante de maiores em regime de representação
(art. 145.º, n.º 4, CC), ao administrador de bens do menor (art. 1971.º, n.º 1, CC) e,
2. Menores portanto, ao acompanhante de maiores ao qual tenha sido atribuída a administração
2.1. Generalidades de bens (art. 145.0 , n. 0 5, CC). Como se vê, trata-se de autorização para accionar
(capacidade judiciária activa), porque, no âmbito da capacidade judiciária passiva, não
É menor quem não tiver completado dezoito anos de idade (art. 122.º CC). Os
há nenhuma restrição.
menores carecem, em princípio, de capacidade para o exercício de direitos (art. 309
308
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I Processo Declarativo V. Partes do Processo

(ii) Os progenitores gozam de um regime muito especíal de favor. Com efeito, não (b) Também não se verifica nenhuma extensão de capacidade no caso do art.
carecem de nenhuma autorização para representar o menor em juízo, excepto em duas 126.º CC. Este preceito não prevê, aliás, uma extensão da capacidade de exercício (é
hipóteses constantes do art. 1889.º, n.º 1, al. n), CC: acções de divisão de coisa comum absurdo dizer que o menor, se usar de dolo, é capaz), mas tão-só uma paralisação da
(art. 1412.º e 1413.º CC; cf. art. 925.º a 930.º) e acções de liquidação e partilha de anulabilidade que, regra geral, é gerada pela incapacidade, nos termos do art. 125.º
patrimónios sociais (cf. Anexo III DL 76-A/2006, de 29/3). A estas excepções há que CC.
acrescentar, por força do princípio da instrumentalidade, a hipótese prevista no art.
1889.º, n.º I, ai. a), CC: os progenitores também necessitam de autorização quando 3. Maiores acompanhados
o efeito possível da acção seja algo de equivalente à alienação ou oneração de bens, 3.1. Generalidades
salvo tratando-se de alienação onerosa de coisas susceptíveis de perda ou deterioração.
Quando necessária, essa autorização cabe ao MP (art. 2.º, n.º 1, ai. b), DL 272/2001). Pode beneficiar das medidas de acompanhamento aquele que, por razões de saúde
(c) Todos os representantes gerais estão sujeitos à regra constante, no domínio ou de deficiência ou pelo seu comportamento, esteja impossibilitado de exercer,
paradigmático das responsabilidades parentais, do art. 1889.º, n.º 1, al. o), CC, plena, pessoal e conscientemente os seus direitos ou de cumprir os seus deveres (art.
extensível ao acompanhante de maiores em regime de representação (art. 145.º, n.º 138.º CC). A medida de acompanhamento é decretada judicialmente (art. 139.º, n.º l,
4, CC), ao administrador de bens do menor (art. 1971.º, n.º 1, CC) e, portanto, ao CC), segundo o processo regulado nos art. 891.º a 904. 0 • O tribunal pode atribuir ao
acompanhante de maiores ao qual tenha sido atribuída a administração de bens (art. acompanhante, entre outras, as funções de representação, geral ou especial, do maior
145.º, n.º 5, CC): não podem, sem autorização, negociar transacção, nem celebrar acompanhado (art. 145.0 , n. 0 2, al. b), CC), de administração total ou parcial de bens
convenção arbitral relativamente a actos para os quais necessitem de autorização, nem (art. 145.º, n.º 2, al. e), CC) ou de autorização prévia para a prática de determinados
negociar concordata com os credores (hoje, aprovar plano de insolvência: cf. art. 209.º actos ou categorias de actos pelo acompanhado (art. 145.0 , n.º 2, al. d), CC).
a216.ºCIRE). 3.2. Regime processual
2.3. Capacidade do menor
(a) (i) Transpondo o regime substantivo relativo ao maior acompanhado para o
(a) (i) Há casos em que o menor recebe da lei capacidade de exercício de direitos e campo processual, resulta o seguinte, quanto à propositura de uma acção:
deveres substantivos: então, acompanha-o em regra uma igual medida de capacidade Se for proposta uma acção por um maior acompanhado sujeito a
judiciária. Entre outros, são excepcionalmente válidos: . . representação ou à administração de bens (art. 145.º, n.º 2, al. b), e c), CC),
- Os actos de administração ou disposição dos bens que o mamr de dezasseis ele deve, em regra, ser representado nessa acção pelo acompanhante (art.
anoshajaadquiridopeloseu trabalho(art. 127.º, n.º l,al. a), CC); sobre estes 16.º, n.º 1);
bens, pode o menor intentar as acções que quiser e conduzi-las livremente, Se for instaurada uma acção por um maior acompanhado quanto a actos
assim como será pessoalmente (e não representado) que conduzirá as sujeitos a autorização (art. 145.º, n.º 2, al. d), CC), esse acompanhado pode
acções propostas contra ele; estar por si pessoal e livremente em juízo, embora necessite da autorização
Os negócios juridicos relativos à profissão, arte ou ofício que o menor tenha
do acompanhante (art. 19.0 , n. 0 l); em caso de divergência entre o maior
sido autorizado a exercer ou os praticados no exercício dessa profissão, arte
acompanhado e o acompanhante, prevalece a orientação deste último (art.
ou oficio (art. 127.º, n.º l, ai. c), e 2, CC); também aqui se verifica uma
19.º, n.º 2).
extensão correspondente da capacidade judiciária.
(ii) Relativamente à propositura de uma acção contra um maior acompanhado, o
(ii) São também válidos os negócíos jurídicos próprios da vida corrente do
regime é o seguinte:
menor, que, estando ao alcance da sua capacidade natural, só impliquem despesas,
Se for proposta uma acção contra um maior acompanhado sujeito
ou disposições de bens, de pequena importância (art. 127.º, n.º 1, ai. b), CC). No
entanto em virtude da natureza deste caso, o mesmo não pode ser acompanhado de a representação ou à administração de bens, ele deve, em regra, ser
um au~ento correspondente de capacidade judiciária. Se, por exemplo, a compra representado nessa acção pelo acompanhante (art. 16. 0 , n.º l); neste caso,
de um bem de baixo valor por um menor de dez anos, por qualquer extraordinária não se impõe a citação do maior acompanhado (art. 19.º, n.º 1, a contrario);
circunstância, der origem a uma acção em juízo, está~se necessariamente fora do Se for proposta uma acção contra um maior acompanhado quanto a actos
campo em atenção ao qual a capacidade foi concedida, o campo dos actos "próprios sujeitos a autorização do acompanhante, o acompanhado pode estar por si
da vida corrente do menor[ ... ] ao alcance da sua capacidade natural"(art. 127.º, n.º 1, pessoal e livremente em juízo e deve ser citado para a acção (art. 19.º, n.º 1),
ai. b), CC); sendo assim, o menor deve ser representado em juízo. embora necessite da autorização do acompanhante para praticar quaisquer 311
310
Parte I Processo Declarativo V. Partes do Processo
l de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa

Estarem em conflito entre si os interesses de vários incapazes representados


actos em juízo; pode falar-se, nesta situação, de uma "semi-capacidade
pelo mesmo representante geral; este caso também é abrangido pelo
judiciária" do maior acompanhado (cf. também art. 948.°, al. a), e 1001.º,
disposto no art. 1881.º, n.º 2, CC, procedendo-se à nomeação de um
n.º l ); caso se verifique alguma divergência entre o maior acompanhado e o
curador especial para cada um dos incapazes pelo juiz da causa segundo o
acompanhante, prevalece a orientação deste último (art. I 9.º, n.º 2).
estabelecido no art. 17.0 , n. 0 3.
(b) Deve entender-se que, se a pessoa não carece de autorização quando propõe
(ii) A nomeação de curador provisório ou especial deve ser promovida pelo MP,
a acção (por ser no momento capaz) e se se tomar incapaz no decorre~ da acção,
bem como por qualquer parente sucessível, quando o incapaz haja de ser autor, ou
não carece de autorização para prosseguir a acção. Se, contudo, se tomar mcapaz em
pelo autor da acção, quando o incapaz figure como réu (art. 17. 0 , n. 0 4). O MP, quando
tennos de carecer de representação, esta toma-se necessária. não seja o requerente da nomeação, deve ser ouvido (art. 17.0 , n. 0 5).
(b) (í) O regime estabelecido para os progenitores no art. 1881.° CC é aplicável ao
4. Curador especial
tutor de menores por força do art. 1935.º, n.º 1, CC. Portanto, o tutor não tem de, em
4.1. Generalidades representação do tutelado, litigar contra um filho, nem pode fazê-lo: o menor deve ser
Em alguns preceitos legais fala-se de uma representação eventual do incapaz por represeutado por um curador especial. Há, porém, que levar em conta o seguinte: a
curador provisório (art. 17.º, n.º 1 e 2, e 243. 0 , n.º 3) ou especial (art. 17.º, n.º 3, e 18.º, tutela envolve normalmente a constituição de um conselho de família, com a inerente
criação do cargo de protutor (art. 1955.°, n. 0 l, CC). Não há nem conselho de famílía
n.º 3; cf. art. 1846.º, n.º 3, 1870.º, 1881.0 , n.º 2, e 1891.º, n.º 1, CC; cf. art. 123.~, n.º 2,
nem protutor na hipótese especial do art. 1962.º CC - menor confiado à assistêncía
ai. a), LOSJ). Também na ausência se recorre, por vezes, a um curador especial (art.
pública, por não existir pessoa em condições de exercer a tutela. Havendo protutor,
89.º, n.º 3, e 92. 0 , n.º 2, CC).
é a ele que cabe, em principio, a representação do menor, quando o tutor não possa
4.2. Concretização intervir, mas o tribunal pode afastá-lo em favor de um curador especial: é o que resulta
do estabelecido no art. 1956. 0 , ai. c), CC.
(a) (i) Excepcionalmente, a representação do incapaz (menor ou maior
(ii) As regras quanto ao tutor de menores são aplicáveis, mutatis mutandis, ao
acompanhado) cabe, não ao representante geral, mas a um repre_sentante ad hoc,
administrador de bens de menores (art. 1971.º, n.º 1 e 2, CC) e ao acompanhante de
chamado, consoante as situações, curador provisório, curador especial ou curador ad
maior (art. 145.º, n.º 4, CC).
!item. Esses casos são fundamentalmente três:
Não ter O incapaz representante geral, sendo a acção urgente; nesta 5. Subsuprimento
hipótese, logo que a acção seja proposta, deve requerer-se ao juiz da_ causa
a nomeação de um curador provisório, segundo o regime estabelecido no
5.1. Incapazes
art. 17.º, n.º l; este curador é provisório, porque cessa as suas funções logo O art. 2l.º, n. 0 l, prevê um subsuprimento da íncapacidade pelo MP, sempre que
que O representante geral entretanto nomeado assuma as suas funções no o incapaz ou os seus representantes não deduzirem oposição. Como se infere do
processo (art. 17.º, n.º 2); disposto no art. 21.°, n. 0 3, e do, aliás mais amplo, art. 9. 0 , n. 0 3, EMP, para que o MP
Estarem em conflito os interesses do incapaz com os do representante intervenha, não basta que o representante do incapaz não conteste (situação de revelia
geral; este caso - que é paralelo ao disposto no art. 25.º, n.º 2 - é regido relativa); é preciso que não conteste e que não constitua mandatário judicial (hipótese
0
fundamentalmente pelo estabelecido no art. 1881. , n.º 2, CC (alargável de revelia absoluta: cf. art. 566.0 ) e que o representante legal não se oponha, com a
pelos art. 1935.º e 156.º CC); neste caso, o juiz da causa procede à nome:ção concordância do juiz, a essa intervenção.
de um curador especial nos tennos do art. 17.º, n.º 3; note-se que nao é Repare-se ainda que o MP é citado para garantir a defesa dos interesses do incapaz,
abrangida a hipótese em que o conflito se verifica entre o representado mas não necessariamente para contestar. Assim, se o autor tiver razão, o MP não irá
e familiares do representante (nonnalmente também familiares do contestar de má fé.
representado), o que não deixa de ser criticável; por exempl?: A e B têm
5.2. Ausentes
dois :filhos, C e D; se houver um litígio entre C e A, nomeia-se curador
especial (note-se que B não assume a representação de C); mas se houver O regime anterionnente descrito quanto à incapacidade aplica-se, mutatis mutandis,
um litígio entre C e o pai de A (avô de C), A e B conservam - e têm de usar à ausência, como é comprovado pelo disposto no art. 21.º, n.º I.
portanto - os poderes de representação;
313
312
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I Processo Declarativo V. Partes do Processo

6. Incapacidade de facto Nwn e noutro caso falta um pressuposto processual subjectivo relativo a uma das
partes: a capacidade judiciária. Essa falta, se não for sanada, conduz, de um modo
6.1. Regime aplicável
geral, à absolvição do réu da instância: é a doutrina que se extrai do disposto nos art.
A lei parte do princípio - aliás, algo simplista.,. de que, se o autor, incapa~ de facto, 27.º a29.º, 278.º, n.º 1, al. c), 576.º, n.º 2, e 577.º, ai. c).
não pode intentar a acção, não a intenta e não há em regra problema. Efectivamente,
1.3. Pressuposto de actos
a lei só se ocupa da incapacidade de facto quanto ao réu, embora, de novo, por forma
algo simplista, a respeito do primeiro acto que o réu é ch~ado a praticar no pro:esso: (a) Pode suceder que a incapacidade atinja, não a parte, mas uma extensão maior
receber a citação. Os art. 20.º e 234.º ocupam-se do supnmento, por representaçao, da ?u me~o: da sua actuação. Assim, o autor incapaz propõe a acção em juízo por
incapacidade de facto das pessoas impossibilitadas de receber a citação realizada pelo mtermed10 d~ seu repr:sentante legal, mas apresenta-se a replicar por si, a interpor
agente de execução ou por funcionário judicial. recurso por si ou a praticar outro acto. Outra hipótese: o réu incapaz é demandado e
citado na pessoa do seu representante legal, mas apresenta-se a contestar só ele ou só
6.2. Aplicação do regime ele por si a assistir à audiência prévia.
A acção é proposta contra a pessoa juridicamente capaz, mesmo que o autor saiba Então a incapacidade é um vício de certo acto processual, não do processo
que se encontra, por demência ou outra causa, impossibilitado de facto de rec:_ber a através de um dos seus elementos essenciais ·- uma das partes. Falta um pressuposto
citação e defender-se. Quando a citação seja efectuada por agente de execuçao ou de actos processuais, não do processo. O acto é inválido ou inadmissível com as
por funcionário judicial (art. 231.º, n.º I e 9), a citação pode frustrar-se por o citando respectivas consequências; assim, nos exemplos indicados, tudo se passa c~mo se o
estar impossibilitado de a receber em consequência de notória anomalia psíquica ou autor não houvesse replicado ou não houvesse recorrido (e neste último caso a decisão
de outra incapacidade de facto (art. 234. 0 , n. 0 l 1.ª parte). Nessa hipótese, o agente ou transita em julgado), ou o réu não tivesse contestado (entra em revelia) ou não tivesse
0 funcionário dá conta da ocorrência (art. 234.º, n.º 1 2.ªparte) e, se o juiz reconhecer
compar:cido à audiência prévia. Como se estatuí no art. 27.º, n.º 2, nesta hipótese, fica
essa incapacidade, nomeia um curador provisório (ou especial) ao citando (art. 234.º, sem :feito to~o o processado indevidamente depois do momento em que a falta se deu
n.º 3; cf. art. 29.º, n.º l). É mais uma hipótese de curador especial ou ad litem. ou a megulandade foi cometida.
(~) Quanto à espécie de incapacidade lato sensu constituída pela falta de
V. Incapacidade judiciária auton~ção ou deliberação, verificando-se ela quanto à parte ré, a mesma só pode
dar ongem a este vício, não ao de falta de capacidade como pressuposto processual.
1. Enquadramento legal O autor, por hipótese, indicou correctamente a parte e o seu representante e este foi
citado; a parte está regularmente constituída no processo; se internamente se exige
1.1. Generalidades
qualquer autorização ou deliberação para o representante actuar no processo (para
A incapacidade lato sensu pode apresentar-se sob duas formas: como pressuposto contestar, por exemplo), a falta de tal autorização ou deliberação só fere a actuação do
processual, ferindo a própria parte e o processo no seu conjunto, e como pressuposto representante. É por isso que o art. 29. 0 , n.º 2 infine, dá a este caso sempre o efeito da
de actos processuais, ferindo ou viciando apenas certos actos. incapacidade como vício de actos processuais, e não da instância: o processo segue
como se o réu não deduzisse oposição.
1.2. Pressuposto processual
(c) A incapacidade judiciária pode verificar-se quanto ao processo ou quanto a um
Se o autor propuser uma acção, por si só, sendo menor ou maior acompanhado, ou ~cto p~oc.e~s~al. No primeir.o .caso, dá origem à absolvição da instância; no segundo, à
se estiver irregularmente representado, ou ainda se, sendo maior acompanhado, não madm1ss1b1hdade do ado Vlciado. No primeiro caso, a capacidade judiciária é tomada
tiver obtido autorização do acompanhante, a demanda, determinativa ou constitutiva como uma :aracterístic~ ~parte·- é um pressuposto processual. No segundo caso, ela
do processo, e, consequentemente, o próprio processo, nascem inquinados. É o é tomada so como reqms1to do agente em certo acto ou actuação - é um pressuposto
próprio autor que é incapaz, um elemento essencial da instância ou relação pr?ce~sual. de actos processuais.
Do mesmo modo, se o autor instaurar uma acção contra um incapaz, sem md1car o 1.4. Ónus da prova
representante ou indicando-o mal, a parte ré (tal como a determina o autor e fica
determinada no processo) é, ela própria, incapaz. Para evitar esta incapacidade, o autor . ~a) ~uanto ao ónus da ~rova ~ incapacidade judiciária do autor ou do réu, há que
tem O ónus de indicar a incapacidade do réu e o modo do seu suprimento (incluindo a d1stmgmr cons?ante essa mcapac1dade assente ou não assente num facto duplo, isto
0
nomeação de um curador especial do réu: cf. art. 17. , n.º 4). é, assente ou nao assente numa incapacidade de exercício que seja relevante para a
314 315
Parte 1- Processo Declarativo V. Partes do Processo
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa

apreciação dessa incapacidade e do mérito da causaD. Se, a in~apacidade judiciária ~e Incapacidade judiciária em sentido estrito; verifica~se incapacidade
basear num facto duplo, a distribuição do ónus da prova e r~ahz~da nos termos gerais judiciária em sentido estrito quando um incapaz que carece de representação
do art. 342.º, n.º l e 2, CC, o que implica considerar duas s1tuaçoes: . . está por si em juízo, contra o estabelecido no art. 16.º, n.º 1: por exemplo,
- A incapacidade de exercício de qualquer das partes é um. f~ct_o c,o~st1tut1vo; ele assina os articulados e peças processuais, confere mandato ao advogado
por exemplo: A propõe uma acção de anulação de um negoc1? Jund1c_o contra e recebe a citação;
B, alegando a sua incapacidade de exercício; B impugna a mc~pac1da_d~ de Irregularidade da representação; verifica-se a irregularidade da
exercício de A e, portanto, a necessidade da sua represe~taçao e_m Ju1zo; representação quando está em juízo um incapaz ou uma pessoa colectiva
cabe a A (ou melhor, ao representante de A) provar a mcapac1dade do representada por pessoa diferente daquela a quem compete a representação;
próprio autor (art. 342.º, n.º l); . . .. . é o caso, por exemplo, de o avô, em discordância com o pai quanto à defesa
A incapacidade de exercício de qualquer dasyartes e um facto 1m~ed1t1vo, dos interesses do neto, propor uma acção em nome do neto (violando
por exemplo: Cpropõe uma acção contra D, invocando a celebraçao_de_ u~ assim o disposto no art. 1878.0 , n. 0 l, CC); de notar ainda que a figura da
contrato de mútuo e pedindo a condenação deste demandado na rest~tmçao irregularidade da representação excede os quadros da própria incapacidade
dos€ I 0.000 que lhe emprestou; D ínvoca a anulabilidade do negóc10 com judiciária lato sensu: ela verifica-se sempre que alguém invoca poderes de
base na sua incapacidade de exercício; cabe a D (ou ao seu representante) representação - de um capaz, como de um incapaz - que não tem;
demonstrar esse facto impeditivo (art. 342.º, n.º 2, CC); . Falta de autorização, deliberação ou consentimento exigido por lei e do
(b) Se a capacidade judiciária da parte não constituir um fac~o duplo, ou seJa, seu suprimento judicial, quando possível; o vício consiste em carecer o
se relevar apenas para a aferição desse pressuposto processual, o onus da prova(~ representante de uma autorização, deliberação ou consentimento alheio
capacidade) cabe ao autor. Por exemplo: admi~*se q~e E_ ~~o~õe con~a F uma acçao ou do seu suprimento judicial, quando possível, e não se mostrar munido
de reivindicação; se o réu F invocar a incapacidade JUdtciana de E, mcumbe a este desse requisito; por exemplo: o tutor propõe uma acção, em representação
autor provar a sua capacidade judiciária. do menor, sem ter obtido a autorização exigida pelo art. 1938.º, n.º l, ai.
1.5. Sanação e cessação e), CC; o regime é igualmente aplicável quando seja a própria parte que
necessita de uma autorização para estar em juízo.
Além do suprimento - que corresponde à ideia de instituir um sistema que, ap~s'."'
(b) O sentido lato de incapacidade judiciária é, repita-se, um sentido doutrinário.
da incapacidade judiciária, permita propor e fazer seguir pro:e~sos sem qualquer ~c!O
Na terminologia legal, distinguem-se os três vícios (cf. epígrafes dos art. 27.º e 29.º)
-, também quanto à incapacidade judiciária há que fazer a dist1nção entre a sanaçao e
e chama-se incapacidade judiciária sempre e só à incapacidade judiciária em sentido
a cessação da incapacidade judiciária: . . estrito. Qualquer destes vícios só produz efeitos se não for sanado (art. 278.º, n.º 2 in
_ A sanação da incapacidade judiciária verifica-se quando essa mcapac1dade
viciou o processo, mas a lei faculta um meio de fazer cessarretroactivamente fine), pelo que, por isso, convém analisar, a respeito de cada vício, a forma de sanação
e os efeitos (se insanado).
os efeitos do vício;
A cessação da incapacidade judiciária verifica-se quando, por exemplo, 2.2. Incapacidade stricto sensu
no decorrer do processo o menor atinge a maioridade ou é levantado o
beneficio de acompanhamento. (a) A incapacidade judiciária em sentido estrito apresenta-se como a falta de um
pressuposto processual:
2. Sanação da incapacidade No lado activo, quando se verifica desde a demanda;
No lado passivo, quando o autor tenha desrespeitado o ónus de indicar o
2.1. Espécies de incapacidade
representante legal do incapaz ou, a fortiori, quando não tenha cumprido,
(a) Com a designação - doutrinária - de incapacidade judiciária lato sensu pode~ por exemplo, o estabelecido no art. 17.0 , n. 0 l e 3, quanto ao curador
ser designados vários vícios que a lei distingue e que se podem agrupar em tres especial.
espécies (art. 27. 0 a 29.º): (b) Em qualquer destes casos, de duas, uma:
A incapacidade é patente e manifesta em face da petição inicial; como não
se trata de uma excepção dilatória insuprível, não pode haver indeferimento
"A questão é muito discutida na doutrina alemã, mas sem a consideração desta necessária liminar da petição inicial (art. 590.º, n.º l), devendo antes o juiz, com base
distinção: cf. Stein/Jonas/JACOBY (2014), § 56, 10 ss.; ROSENBERG/ScuwAB/GOTIWALD, ZPR nos poderes que lhe são conferidos pelo art. 6. 0 , n.º 2, ordenar a notificação
317
316 (2018), 243.
Parte I - Processo Declarativo V Partes do Processo
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa

de quem deva representar o autor ou ordenar a citação do réu em quem o 1 e 3, e do art. 9. 0 , n. 0 l, ai. c), e 3, EMP, para, se quiser impedir a revelia,
deva representar (art. 27. 0 , n.º l, e 28.º, n.º 2)24; praticar de novo os actos que ficaram sem efeito.
A incapacidade não é patente ou escapa ao juiz no momento do. despacho 2.5. Diferença nos regimes
liminar; tendo-se dado pelo vício no decurso do processo, oficiosamente
ou por arguição das partes, o juiz deve ordenar a citação do representa~te Em caso de incapacidade passiva, basta a citação do representante para sanar o
legal, fixando-lhe um prazo para tomar urna atitude em face do sucedido vício: cítado o representante legal, com ratificação do processado, com renovação do
(art. 27.º, n.º 1, e 28. 0 , n.º 1 e 2). processado ou com revelia do réu, o processo continua e pode conduzir à decisão de
mérito. Na hipótese de incapacidade activa, a mera citação do representante legal não
2.3. Incapacidade activa chega para sanar o vício: tem de haver, por parte deste, ratificação ou repetição dos
Após a citação do representante legal do autor, este tem três condutas p.ossíveis: actos irregularmente praticados, sob pena de absolvição da instâncía. Note-se ainda
_ Nada faz ou recusa-se expressamente a ratificar os actos praticados pelo que, se sponte sua, mesmo sem citação, o representante legal vier tomar alguma destas
seu representado; neste caso, o processo termina por absolvição do réu atitudes no processo, ela deve ser aceíte e considerada relevante.
da instância (art. 278.º, n.º l, al. e), 576.0 , n.º 2, e 577.º, al. c)), pelo que a
2.6. Irregularidade da representação
incapacidade judiciária produz os seus efeitos de excepção dilató~a;
Ratifica pura e simplesmente tudo quanto o seu representado ou o irregular (a) O regime da irregularidade de representação é próximo do da incapacidade
representante tenha praticado no processo; então, o processo segue como judiciária stricto sensu (art. 27.º, n.º l e 2, 28.º e 6.º, n.º 2). Assim, em concreto:
se o vício não existisse (art. 27.º, n. 0 2; cf. art. 125.º, n.º 2, CC); A irregularidade de representação, no lado activo, sendo manifesta em face
Nega a ratificação apenas desde certa altura do processo; neste caso,. deve da petição inicial e havendo despacho liminar (art. 226.º, n. 0 4), dá origem
ser-lhe reconhecido o direito de intervir desde esse momento, ou seJa, de a um despacho de citação do verdadeiro representante legal do autor (art.
praticar de novo os actos irregularmente praticados: .suponha-~e que -:!-• 27.º, n.º l, e 28.º, n.º 2); este representante pode tomar qualquer das atitudes
menor, por si (numa causa em que tal lhe não é penmtido por lei), P1;°Pºe do representante legal, em caso de incapacidade judiciária stricto sensu;
certa acção e, na réplica, contesta a reconvenção deduzida pelo .reu na A irregularidade de representação, no lado passivo, se manifesta em face da
contestação (art. 584.º, n.º l); os progenitores ou o tutor podem ratificar a petição inicial, corrige-se pura e simplesmente ordenando o juiz a citação
demanda, mas negar a ratificação à réplica; nesta hipótese, podem abs.ter.·se do verdadeiro representante legal (art. 27.º, n.º l, e28.º, n.º 2); por exemplo:
de substituir a réplica (aplicando-se então o art. 587.º, n.º 1), ou substltmr a A move uma acção contra o menor B, indicando como representante C, mas
réplica, continuando o processo de novo a partir desta substituição. sendo patente pela própria petição que C não é representante; neste cenário,
de duas, uma: ou quem é o representante consta com segurança da petição
2.4. Incapacidade passiva
inicial e o juiz manda citar esse representante (despacho liminar positivo,
Sendo citado O representante legal do réu depois da contestação, de novo tem este de citação), ou não consta e o juiz lavra despacho de aperfeiçoamento,
representante legal uma tripla conduta possível: . . convidando o autor a fornecer essa informação;
_ Ratifica pura e simplesmente tudo o que fo1 feito; neste caso, o processo Se passar o momento do despacho liminar, o juiz manda proceder à citação
segue como se o vício não tivesse existido (art. 27.º, n.º 2 ~·ª parte); do representante legal (art. 27. 0 , n. 0 l, e 28. 0 ), tudo se passando como na
Pratica de novo os actos que foram irregularmente praticados ou parte
hipótese da incapacidade judiciária stricto sensu.
deles (art. 27. 0 , n.º 2 2." parte); . . (b) Na sanação da irregularidade de representação, há que contar com a seguinte
Nega pura e simplesmente a ratificação do acto praticado; _ne~ta h1~ót:se,
especialidade: se a irregularidade tiver consistido na preterição de algum dos
0
processo segue à revelia, ficando sem efeito a contestaçao madm1ss1vel
progenitores, tem-se por ratificado o processado anterior quando o preterido, depois de
(e os actos, praticados pelo incapaz ou pelo irregular representante, que s:
notificado, nada diga dentro do prazo fixado (art. 27.º, n.º 3 Lª parte). Se os progenitores
lhe seguiram) e procedendo-se à citação do MP, nos termos do art. 21.º, n.
não acordarem quanto à repetição da acção ou à renovação dos actos, aplica-se o regime
estabelecido no art. 18.º (art. 27.º, n.º 3 2.ª parte). De molde a não prejudicar o menor
que seja autor, os prazos de prescrição e de caducidade são prolongados (art. 27. 0 , n. 0 4),
24 Assim, num caso em que o autor não havia indicado o representante do condomínio, RP
seguindo, aliás, o regime paralelo constante dos art. 327.º, n.º 3, e 332.º, n.º l, CC.
319
318 14/6/2011 (268/09.ITBMBR.Pl).
Parte I Processo Declarativo V. Partes do Processo
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa

2.9. Pressuposto de actos


2.7. Falta de autorização
O exposto aplica~se, mutatis mutandis, ao caso da incapacídade como falta de
(a) Como já se referiu, a autorização pode ser exigida:
Ao representante da parte; por exemplo, os progenitores carecem de pressuposto de actos processuais2s. Assim, se for proferida uma sentença de mérito
autorização judicial para a acção de divisão de coisa comum ou para contra um meno,: representado pelo seu tutor e se o menor interpuser recurso or si
requerer a liquidação e partilha de patrimónios sociais (art. 1889.°, n.º 1, al. sem ':°presentaçao, o representante deve ser notificado para ratificar a interposi~ão o~
n), CC), o tutor, o curador (enquanto representante) e o administrador de repetir o acto ~ e o recurso corre--· ou negar a ratificação - e o recurso cessa.
bens carecem, em princípio, de autorização judicial para a propositura de
3. Cessação da incapacidade
acções (art. 1938.0 , n.º 1, al. e), 139.º, 156.0 e 1971.º, n.º 1, CC), o gerente
da sociedade por quotas necessita da deliberação dos sócios para propor 3.1. Notificação do ex-incapaz
acções contra outros gerentes, sócios ou membros do órgão de fiscalização
~uponha-se que um _menor propõe uma acção e que, antes de o vício roduzir
da sociedade (art. 246. 0 , n.º 1, al. g), CSC);
À própria parte; por exemplo, o maior acompanhado sujeito a autorização um m no processo,- atmge a maioridade·' admita-se ainda que e, propostap contra
efeitos
só pode propor a acção autorizado pelo acompanhante (art. 145.º, n.º 2, ai. rod e~or u~a acçao, na qu~l é citado e contesta por si, mas que, antes de O vício
p . UZ!f efe1t~s, se torna maior. Dado que o ex-menor, atingida a maioridade pode
d), CC; art. 19.º, n.º 1). p:d1t a anulaçao dos actos que praticou enquanto menor (art. 125.º, n.º l, ai b)' CC)
(b) A falta de autorização, deliberação ou consentimento exigido por lei, no lado
passivo, só pode constituir a falta de pressuposto de actos processuais, e nunca a falta h\1t ;ntender que, quando se dê no processo pelo vício, 0 ex-incapaz·d~e se;
no l ca o para tomar uma das atitudes que nos termos do art 28 ° no 2 c b
de um pressuposto processual. Assim, se, depois de o representante ter sido notificado representante Pel - ' · · , · , a e ao seu
· ~ m_:sma razao, 0 ex-incapaz deve poder tomar uma dessas atitudes
para obter a autorização ou deliberação (art. 29.º, n.º 1), a falta não for 0
sanada, o
processo segue como se o réu não tivesse deduzido oposição (art. 29.º, n. 2 2.ª parte). sponte sua, sem citaçao.
(c) Quanto ao representante da parte activa, a lei impõe uma distinção entre o caso 3.2. Ratificação tácita
da falta de autorização exigida ao tutor e outras hipóteses:
O art. 1940.º, n.º 3, CC dispõe que, se o tutor do menor intentar alguma A prática de qualquer acto no processo posteriormente à maioridade à . -
ou ao levantament d ben f' . d , emanc1paçao
acção sem ter obtido a necessária autorização judicial, o tribunal deve a ratificação tácitaºdeºtud e tem ~ ~c?mpanhamento, se~ qualquer reserva, significa
ordenar oficiosamente a suspensão da instância, depois da citação, até que o quanto io1 1tregularmente praticado.
seja concedida a autorização necessária; assim, ainda que seja patente a
falta de autorização do tutor, o tribunal deve mandar citar o réu e só depois § 24.º Patrocínio judiciário obrigatório
suspender a instância; a solução - que também vale para o administrador
I. Enquadramento geral
de bens (art. 197I.º, n.º l, CC) e, em alguns casos, para o acompanhante de
maior (art. 145.º, n.º 3, CC) - é algo criticável; 1. Patrocínio judiciário
Fora deste caso, o tribunal fixa o prazo dentro do qual o representante deve
0
obter a autorização ou deliberação (art. 29. , n.º l); se essa autorização ou 1.1. Noção
deliberação não for obtida, o réu é absolvido da instância (art. 29.º, n.º 2 l.ª O patrocínio judiciário é a representação das partes por profissionais do foro
parte, 577.º, al. d), e 278. 0 , n.º l, ai. c)). (~v?gª?º~' _advogados estagiários ou solicitadores) na condução e orientação
tecmco-Jund1ca , · de actos processuais 26. Considerad
. do processo, med·,an te a pratica
2.8. Extensão do regime
1
::r~~:p(:; ~a p:rtleC, 0 patrocínio judiciário é um direito constitucionalment:
O regime descrito para a falta de autorização do representante também vale para · 0 · , n. , RP; cf. art. 26.º, n.º 2, LOSJ).
a hipótese em que a autorização deve ser obtida pela própria parte. A favor desta
aplicação pode invocar~se a circunstância de que, enquanto o art. 29.º trata 0
da falta
0 0
de autorização do representante da parte, os art. 278. , n. l, al. c), e 577. , al. d), se
referem à falta de autorização da parte. O regime tem, assim, de ser unitário para estas "Dif. ANSELMO DE CASTRO, DPC JI (1982), 133 s.
26
Sobre a evolução histórica da representação das
duas situações. Stellvertretung im Prozess. ), ss. partes em juízo, cf. RosENBERO,
0908 301 321
320
Parte I , Processo Declarativo V. Partes do Processo
J. de Castro Mendes/ M, Teixeira de Sousa

1.2. Justificação Uma pessoa pode passar procuração a outra qualquer para a representar em
juízo; somente, se esta não for advogado, advogado estagiário ou solicitador,
São duas as razões justificativas da necessidade da representação da parte por um os seus poderes cifram-se em constituir um destes como representante do
profissional forense. De um lado, uma razão técnica: a não ser quando elas próprias seu mandante.
sejam licenciadas em Direito e práticas em assuntos fo:enses, as part_es carecem
de preparação e de conhecimentos para saberem conduzir a prossecuçao dos seus 1.2. Deveres profissionais
interesses em juízo. Por outro lado, uma razão psicológica: as p~es ~ão têm, em regra, (a) Os advogados e os solicitadores devem agir com total independência e
a serenidade suficiente para ajuizarem objectivamente das s1tuaçoes e ponderarem autonomia técnica e de forma isenta e responsável, encontrando-se apenas vinculados
com inteira racionalidade os seus direitos e deveres. Por estes motivos se permite - e a critérios de legalidade e às regras deontológicas próprias da profissão (art. 12.º, n.º
se impõe até, por vezes- o patrocínio judiciário, que o art. 208.º CRP qualifica como 3, e 15.º, n.º 2, LOSJ; art. 81.º, n.º 1, EOA; art. 119.º E0SAE) 2R. Os advogados e os
um elemento essencial à administração da justiça (art. 12.º, n.º l, LOSJ). solicitadores estão obrigados ao segredo profissional no que respeita a todos os factos
que lhes tenham sido revelados ou de que tenham conhecimento no exercício das suas
2. Mandato judicial funções (art. 92. 0 , n.º 1, EOA; art. 127.0 , n.º l, e 141.º, n. 0 1, E0SAE) 2 9. A obrigação
O patrocínio judiciário representa o exercício de pode:es de repre~ntação em do segredo profissional cessa quando tal seja absolutamente necessário para a defesa
qualquer tribunal - os chamados poderes forenses-, ao conJunto dos qurus se chama da dignidade ou dos direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou solicitador
mandato judicial; como resulta do disposto no art. 67.º, n.º l, aL a), EOA, º.m~n?at~ ou do cliente ou seus representantes, devendo, no entanto, o advogado ou o solicitador
judicial é uma das espécies do mais vasto mandato forense. O mandato JUd1cial e obter prévia autorização de dispensa do segredo (art. 92.°, n. 0 4, EOA; art. 141.º, n.º
sempre um mandato com representação (isto é, com contemplatio domini), mas o 6, EOSAE). Essa obrigação também não se mantém na acção de honorários proposta
pelo advogado contra o seu cliente, já que o segredo profissional do advogado ou do
mandato forense pode não ser representativo. . . .
A expressão mandato judicial pode ter ainda um outro se~t'.do. Na g".1-nde mamna solicitador visa proteger o cliente perante terceiros, não o advogado ou o solicitador
dos casos, o patrocínio judiciário é uma representação voluntàna, que den:3, .P?rtanto, perante o seu cliente'º·
de um contratü' a este contrato pode chamar-se igualmente mandato Judicial (art. (b) A relação entre o advogado e o cliente deve fundar-se na confiança recíproca
1157.º CC). É, ~o entanto, no sentido do conjunto de poderes de representação em (art. 97. 0 , n.º 1, EOA), não devendo o advogado aceitar o patrocínio de uma questão
se souber, ou dever saber, que não tem competência ou disponibilidade para dela se
tribunal que importa analisar o mandato judicial.
ocupar prontamente (art. 98.º, n.º 2, BOA) ou se se verificar uma situação de conflito de
interesses pela relação quer do advogado com a parte contrária, quer do advogado com
li. Exercício do mandato judicial
ambas as partes (art. 99.º EOA). O advogado assume uma obrigação de meios perante
1. Generalidades o cliente e responde a título de responsabilidade contratual pelo incumprimento dos
seus deveres profissionais 31 • Assim, se, na execução do mandato forense, o advogado
1.1. Habilitação profissional
estiver confrontado com uma diversidade de hipóteses teoricamente admissíveis
Nos termos do art. l.º, n.º 1, L 49/2004, de 24/8, apenas os licenciados em Direito e optar por prosseguir uma delas, aquele não incorre no incumprimento das suas
com inscrição em vigor na OA e os solicitadores inscritos na OSAE podem praticar os obrigações contratuais se a opção escolhida for, num juízo de prognose e do ponto
actos próprios dos advogados e dos solicitadores (cf. também art. 66.º, n.º 1, EOA; art. de vista técnico, razoável e plausível para acautelar os interesses do cliente, ainda
l36.º, n.º 1, EOSAE); entre esses actos inclui-se o exercício do mandato forense (art.
l.º, n.º 5, L 49/2004/ 7• Esta regra justifica duas observações:
... Isto é exacto ainda quando o patrocínio não seja obrigatório e a parte possa
28
pleitear por si; o patrocínio forense é admissível em qual~u7r processo No âmbito do processo perante o TJ, cf. TJ 4/2/2020 (515/J 7 P e 561/17).
19
(art. 12.º, n.º l, LOSJ), pelo que, a fazer-se representar em JUlZO, mesmo Cf. STJ 2/10/2003 (03B212I); RG 14/3/2013 (171/l !.OTCGMR-A.Gl): tendo as partes
assim a parte só pode ser representada através de alguma das categorias de encomendado uma perícia no âmbito de negociações tendentes à resolução amigável de litígio
pendente em tribunal, o relatório da perícia está abrangido pelo segredo profissional exigido
entidades referidas no art. 1.0 , n.º 1, L 49/2004 (cf. também art. 42.º);
aos mandatários.
30
RP 26/4/2012 (2573/10.0TJVNF-B.Pl).
1
' STJ 26/l0/2010 (1410/04.0TVLSB.LI.Sl); RL 31/1/2012 (5817/09.8TVLSB.Ll-l); STJ

11 Sobre a não inconstitucionalidade do dever de inscrição na OA, cf. TC 497/89 (13/7/1989). 29/05/2012 (8972/06.STBBRG.Gl. S! .); STJ 18/10/2012 (5817/09.8TVLSB.Ll .SI). 323
322
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo V. Partes do Processo

que venha a resultar em insucesso e se identifique a posteriori que uma outra solução exemplo, quando o advogado deixa de impugnar uma sentença na qual se verifica uma
teria sido mais adequada32 • Para assegurar a reparação do cliente lesado, o advogado deve contradição na fundamentação e um claro erro de direito), a obrigação de indemnizar
celebrar e manter um seguro de responsabilidade civil (art. 104.º, n.º l, EOA). deve orientar-se pelo montante do pedido pelo lesado¼.

1.3. Responsabilidade civil 1.4. Imunidades do mandatário


(a) O não cumprimento dos deveres profissionais por parte do advogado · como, A lei assegura aos advogados as imunidades necessárías ao exercícto do
por exemplo, a não apresentação da contestação ou a não interposição de um ~ecur:o mandato (art. 208.º CRP; art. 13.º, n.º 1, LOSJ). A imunidade que a lei garante aos
dentro do prazo legal -~ fá~lo incorrer em responsabilidade contratual, por. vwlaçao mandatários é aquela que é necessária ao exercício do mandato, o que pressupõe o
do mandato judicial. Muito discutível é a quantificação dos da~os sofrid~s pelo exercício do mandato de acordo com o princípio da necessidade, da adequação e da
constituinte, dado que nunca se pode garantir que, se o advogad.o tivesse praticado o proporcionalidade17 • Em concreto, a lei assegura aos advogados:
acto que deixou precludir, a parte não teria sofrido nenhum preJuí~o - por exemplo, O direito à protecção do segredo profissional (art. 13.0 , n. 0 2, ai. a), LOSJ);
não teria sido condenada na acção ou teria ganho o recurso. Amda que parta do O direito ao livre exercício do patrocínio e ao não sancionamento pela
pressuposto de que a doutrina da perda de chance ou de oportunidade, isto é, da perda prática de actos conformes ao estatuto da profissão (art. 13.", n. 0 2, ai. b),
da probabilidade de obter uma futura vantagem, só em casos muito raros pode. ser LOS!);
aplicada no direito português, a jurisprudência tem entendido que podem ser ressarcidos O direito à especial protecção das comunicações com o cliente e à
os danos decorrentes da conduta negligente de um advogado no desempenho de um preservação do sigilo da documentação relativa ao exercício da defesa (art.
mandato forense quando se prove que, sem essa conduta negligente, o lesado teria 13. 0 , n. 0 2, ai. c), LOSJ);
33
wna vantagem ou evitaria uma desvantagem • , , • O direito a regimes específicos de imposição de selos, arrolamentos e buscas
(b) Para a quantificação da indemnização baseada na perda de chance e necessano em escritórios de advogados, bem como de apreensão de documentos (art.
proceder a uma dupla avaliação: em primeiro lugar, realiza~se ª. avaliação do dano 13.º, n.º 2, ai. d), LOSJ).
final, fixando-se, em seguida, o grau de probabilidade de consegmr a vantagem ou de 2. Advogados
evitar O prejuízo; obtidos estes valores, aplica-se o valor percentual que representa o
4
grau de probabilidade ao valor correspondente à avalíação do dano finaP . E~ termos 2.1. Generalidades
práticos, isto significa que o tribunal tem de formar um juízo sobre a probab1ltffil;de ~de (a) (i) Os advogados são profissionais do foro, dotados de competência para exercer,
êxito do acto que o advogado deixou de praticar, o que não dispensa uma apreciaçao, em princípio, plenamente, o mandato judicial e outras funções de carácter técnico-juridico
ainda que perfunctória, sobre o mérito do acto omitido (tanto quanto possível, dentro que compõem a advocacia (art. 12.º, n.º 2, LOSJ). Têm de ser licenciados em Direito,
do enquadramento em que decorreu a primeira acção, considerando,. n~meadamen~~, exigindo a lei terem-se inscrito, após um estágio, na OA (art. 66.º, n.º 1, EOA), sendo
as preclusões ocorridas e as decisões nela tomadas antes da om1ssao do acto) . crime (de procuradoria ilícita) o exercício da advocacia fora destas condições legais
Deste modo, se a probabilidade de sucesso do meio processual que o advogado não (rui. 7.° L 49/2004).
utilizou e que era exigível que tivesse utilizado for muito elevada (como sucede, por (ii) Há a registar as seguintes excepções:
Os magistrados judiciaís podem advogar em causa própria, do seu cônjuge
ou descendente (art. 2Lº, n. 0 l, EMJ); o mesmo vale para os juízes da
jurisdição administrativa (rui. 57.º ETAF) e para os magistrados do MP
3lTP 22/1/2013 (1007/lO.STBSTS.Pl). (art. 114.º, n.º 1, EMP);
ncf. STJ 26/10/2010 (1410/04.0TVLSB.Ll.Sl); STJ 29/05/2012 (8972/06.5TBBRG.Gl. O patrocínio judiciário dos membros do Governo, quando demandados em
SI.); STJ 18/10/2012 (5817/09.8TVLSB.LLSI); RL 13/12/2012 (1156/10.0TVLSB.Ll-2); virtude do exercício das suas funções, pode ser assegurado pelos consultores
RP 28/2/2013 (l773/06.2TBVNG.P1); STJ 14/3/2013 (78/09.lTVLSB.Ll.Sl); STJ 1/7/2014 do Centro de Competências Jurídicas do Estado (JurisAPP) (art. 2.0 , n.º l, DL
(824/06.5TVLSB.L2.S1); STJ 30/9/2014 (739/09.5TVLSB.L2-A.DS1); STJ 3014'.2015 148/2000, de 19/7; art. 2.º, n.º 2, ai. d), DL 149/2017, de 6/12);
(1187/08.0TBTMR-A.Cl.Sl); sobre o problema, cf. J. GOMES, CDP - Número Especial 02
(2012), 17 ss.; s. CASTANHEIRA, Est. Lebre de Freitas I (2013), 555 ss.; CARDONA FERREIRA,
ROA 73 (2013), 1301 ss.; MOTA PrNTO, RLJ 145 (2016), 174 ss.
J1STJ 5/2/2013 (488/09.4TBESP.Pi.S1); STJ 30/4/2015 (1187/08.0TBTMR-A.Cl.Sl).
3SCf. MOTA P!NTO, RLJ 145 (2016), 195 ss.; na jurisprudência, cf. STJ 24/3/2017 '"STJ 4/12/2012 (289/10.7TVLSB.L \ .S 1).
17
324 (389/l4.4T8EVR.E1.S1). RE 28/212012 (213f07.4TAARL.EJ ). 325
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo V. Partes do Processo

O patrocínio judiciário dos directores-gerais, dos secretários-gerais, dos 3. Advogados estagiários


inspectores-gerais e equiparados para todos os efeitos legais, bem como
3.1. Generalidades
dos encarregados de missão, pode ser assegurado pelos serviços jurídicos
dos respectivos ministérios ou, na sua falta, por advogados contratados (a) Para se ser advogado é necessária a licenciatura em Direito e um estágio (art.
especificamente para a prática daquele patrocínio (art. 2.º, n.º 2, DL 148/2000). 66.º, n.º 1, e 199.º, n.º 1, EOA). Durante esse estágio, o estagiário está na categoria de
(b) Os advogados podem exercer a profissão constituindo ou ingressando em advogado estagiário e, nessa categoria, inscrito na OA (art. 195.º EOA). O estágio é
sociedades de advogados, como sócios ou associados (art. 213.°, n.º 1, EOA). As
em regra de 18 meses (art. 195.º, n.º l, EOA) e feito sob a direcção de advogado com,
sociedades de advogados gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres aplicáveis
pelo menos, cínco anos de exercício efectivo de profissão (art. 192.º, n.º 2, EOA), 0
aos advogados que sejam compatíveis com a sua natureza (art. 213.º, n.º 5, EOA).
qual toma o nome de patrono do estagiário (art. 192.0 , n.º l, EOA).
As sociedades de advogados podem ser sociedades de responsabilidade ilimitada ou
(b) O estágio comporta duas fases:
limitada (art. 213.º, n. 0 10, EOA).
A primeira fase do estágio, com a duração mínima de seis meses, destina-
2.2. Advogados europeus -se a habilitar os estagiários com os conhecimentos técnico-profissionais e
Os advogados provenientes de EMs da UE podem exercer a sua actividade em deontológicos essenciais para a prátíca de actos próprios da profissão (art.
Portugal com o seu título profissional de origem e com a indicação da organização 195.", n º 2, EOA);
profissional a que pertencem ou da jurisdição junto da qual se encontram admitidos A segunda fase do estágio visa uma fonnação alargada, complementar e
nos termos da lei do seu Estado de origem (art. 204.º, n. 0 1, EOA)38 • A actividade dos progressiva dos advogados estagiários através da vivência da profissão,
advogados de outros EMs da UE pode ser exercida de diferentes maneiras: nomeadamente através de intervenções judiciais, contactos com a vida
Os advogados podem prestar ocasionalmente serviços profissionais de judiciária e demais serviços relacionados com a actividade profissional
advocacia em Portugal, devendo dar prévio conhecimento desse facto à OA (art. 195.º, n.º 4, EOA).
(art. 205. 0 , n.º 1, EOA);
3.2. Competência
Os advogados podem exercer a representação e o mandato judiciais perante
os tribunais portugueses sob a orientação de advogado inscrito na OA (art. Concluída a primeira fase do estágio, o advogado estagiário pode, sob orientação
204. 0 , n.º 2, EOA) 39; do patrono, praticar todos os actos da competência dos solicitadores e exercer a
Os advogados podem exercer a sua actividade em Portugal com o título de 0
consultajuridica (art 196. , nº 1, EOA). Além disso, o advogado estagiário pode
advogado, mediante prévia inscrição na OA (art. 204. 0 , n.º 3, EOA; cf. art. praticar quaisquer actos de advocacia quando acompanhado pelo respectivo patrono
208.ºEOA). (art. l96.º,nº2,EOA).
2.3. Advogados estrangeiros
4. Solicitadores
Relativamente aos demais estrangeiros, há que considerar o seguinte:
4.1. Generalidades
Os estrangeiros diplomados por qualquer instituição de ensino superior
portuguesa podem inscrever-se na OA, nos mesmos termos dos portugueses, (a) Os solicitadores são licenciados em solicitadoria ou em direito, inscritos, após
se a estes o seu pais conceder reciprocidade (art. 201.º, n.º 1, EOA); a realização de um estágio, na OSAE (art. 91.º, n.º 1, e 105.º, n.º 1, ai. a), e 3, al. c),
Os advogados brasileiros cuja fonnação académica superior tenha sido EOSAE); os advogados inscritos na OA podem inscrever-se no colégio dos agentes
realizada no Brasil ou em Portugal podem inscrever-se na OA em regime de execução, desde que não exerçam o mandato judicial (art. 85.º, n.º 3, EOA; cf.
de reciprocidade (art. 201.°, n.º 2, EOA). art. 9.º, n.º 3, ai. b), EOSAE). Constitui crime de procuradoria ilícita o exercício da
solicitadoria por alguém que não esteja inscrito na 0SAE (art. 7.º L 49/2004).
(b) Os solicitadores podem constituir ou participar em sociedades com o objecto
exclusivo do exercício da solicitadoria (art. 212.º, n. 0 1, EOSAE). Às sociedades de
solicitadores é aplicável o regime estabelecido para as sociedades de advogados (art.
223.º EOSAE).
HCf. P. CABRAL, ROA 59 (1999), 589 ss.; na jurisprudência, cf. TJ 17/7/2014 (58/13 e
59/13); TJ 7/5/2019 (431/17).
19
326 Cf. TJ 10/3/2021 (739/\9).
327
parte I - Processo Declarativo V. Partes do Processo
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa

Instrumento público avulso (art. 43.°, ai. a));


4.2. Competência
Documento particular (art. 43.º, ai. a); cf. art. único DL 342/91, de 14/9;
Os solicitadores podem exercer o mandato judicial (art. 15.º, n.º l, LOSJ; art. art. único, n.º l, DL 267/92, de 28/l l);
136.º, n.º l, EOSAE), embora apenas nos tribunais de l .ª instância em ca1;,5as em q~e Declaração verbal da parte no auto de qualquer diligência que se pratique
0
não seja obrigatória a constituição de advogado (art. 42.º; cf._ art. 40., n. 1, e ~8. ). no processo (art. 43.", ai. b));
Os solicitadores podem fazer, em qualquer processo, requenmentos em que nao se Requerimento, no caso dos assistentes técnicos (art. 50.º, n.º 2).
levantem questões de direito (art. 40.º, n.º 2). Ao documento donde consta o mandato chama-se procuração. No caso do
art. 43.º, ai. b)-- a atribuição do mandato por declaração verbal da parte-, verifica-se
5. Assistentes técnicos a chamada procuração apud acta.
Para além do mandato judicial geral, para a condução técnico-jurídica do proces_so, (b) (i) Em direito processual civil, como em teoria geral do direito privado, há que
prevê-se um mandatário (e, portanto, um mandato) judicial limitado e es~e~1al: distinguir entre o contrato de mandato e o acto (unilateral) de procuração:
0 do assistente técnico (art. 50.º, n.º 1), ao qual são atribuídos os mesmos d1re1tos O contrato de mandato pode traduzir-se num mandato sem representação
e impostos os mesmos deveres do advogado (art. 50.º, n.º 4)40 • Isto significa que o ou com representação (art. 1157.º e 1180.º CC); a segunda espécie é a única
assistente técnico é, tal como o mandatário judicial, um representante da parte.. _ em que se insere o mandato judicial;
Quando no processo se suscitem questões de natureza té_cn_ica para as quais n~o A procuração é um acto unilateral, pelo qual a parte confere poderes de
tenha a necessária preparação, o advogado pode fazeMe ass1st~r, ~urante ~ produçao representação; desde o momento em que é passada em seu favor procuração,
da prova e a discussão da causa, de pessoa dotada .de comp:tencm e~pecial para_ se o mandatário pode praticar actos judiciais em nome do representado; se
ocupar das questões suscitadas (art. 50.º, n.º l). A mtervenç~o do ass1~ten:e técmco a procuração for junta a certo processo, pode praticar tais actos nesse
pode ser recusada pelo tribunal quando se julgue desnecessána (art. 50. , n. 3). processo.
(ii) Se a procuração não representar o desenvolvimento de um contrato de mandato
III. Atribuição do mandato judicial implicando o consentimento do mandatário, não envolve para este o dever de usar o;
poderes que lhe são conferidos. Também nunca é demais frisar-se que o contrato de
1. Generalidades mandato é um contrato livremente celebrado por mandante e mandatário. A advocacia
Os advogados, os advogados estagiários e os solicitadores só podem representar as orienta-se por um princípio de independência, sendo proibido ao advogado negligenciar
partes, em princípio, desde que tenham sido investidos no poder de o fazer, po~ um dos a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal
modos previstos na lei e tendo-se respeitado as formali':8d~s por ela ~n~sc.nt~ .. ~?1 ou a terceiros (art. 89.º EOA) e advogar contra o direito (art. 90.º, n." 2, al. a), EOA) 41 •
princípio - há que ressalvá-lo-, porque, em casos de urgenc1a, o patrocmm Jud1c1ano 2.2. Escolha do mandatário
pode ser exercido como gestão de negócios (art. 49.º, n.º l), embora sempre por
pessoas com a devida habilitação. . . _ , . . Em regra, a escolha do mandatário é uma escolha pessoal e livre do mandante (art.
Normalmente, a representação forense resulta de atr1bu1çao previa dos res~ec~1~os 67.º, n.º 2, EOA). Há casos, no entanto, em que a escolha e investidura do mandatário
poderes através do mandato judicial. Entre as fonnas ~e conferir o man?8to 1ud1cial, não são feitas pela própria parte que vai ser por ele representada, mas por outrem.
há que estabelecer uma primeira classificação, distingumdo as duas segumtes grandes Importa considerar a nomeação pela OA e a nomeação oficiosa pelo juiz. Em concreto:
categorias: a nomeação do mandatário pela própria parte rep~esentada (ou pelo seu O mandatário é nomeado pela OA se tiver sido concedida à parte apoio
representante legal) e a nomeação do mandatário por outra entidade. judiciário na modalidade de nomeação de patrono (art. 30.º, n.'-' l, LADT;
cf. art. 16.º, n.º l, ai. b) e d), LADT), se tal for solícitado pelo juiz da causa
2. Forma de atribuição (art. 641, n.º 3) ou se a parte não encontrar na circunscrição judicial quem
2.1. Generalidades aceite voluntariamente o seu patrocínio (art. 51.º, n.º 1);
- O juiz nomeia ou pode nomear advogado a uma das partes em várias
(a) A parte representada, mandante ou constituinte (ou o seu representante legal),
hipóteses, nomeadamente em casos de urgência (art. SI.º, n.º 3; cf. art. 60.º
pode conferir o mandato judicial pelas seguintes formas:

41 Cf. TRIGO MORAIS, ROA 16 (2006), 1361 ss.


4{lcf. M. J. CAPELO, Est. Lebre de Freitas I (2013), 1048 ss. 329
328
l de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo V. Partes do Processo

CPP) e ainda em algumas outras hipóteses (cf., por exemplo, art. 275.º, n.º IV. Extensão do mandato judicial
1, e 420.º, n. 0 2 2.ª parte).
1. Extensão normal
3. Apoio judiciário Segundo o art. 44. 0 , n. 0 l, o mandato conferido pela parte atribui poderes ao
3.1. Concessão mandatário para a representar em todos os actos e termos do processo principal e
respectivos incidentes, mesmo perante os tribunais superiores, sem prejuízo, porém,
Segundo o art. 20.º, n.º 1, CRP, a todos é assegurado o acesso aos tribunais para
das disposições que exijam a outorga de poderes especiais por parte do mandante (art.
a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça
45. 0 , n.º l). Nos poderes que a lei presume conferidos ao mandatário está incluído o
ser denegada por insuficiência de meios económicos. O instituto do apoio judiciário
de substabelecer o mandato (art. 44. 0 , n. 0 2), ou seja, o de investir uma outra pessoa,
- que é uma das modalidades de que se pode revestir a protecção jurídica (art. 6.º,
igualmente para tal habilitada, nos poderes de representação forense da parte e no
n.º l, LADT) - visa garantir, na prática, o acesso aos tribunais aos economicamente
dever de os exercer, quer com exclusão do primeiro mandatário (substabelecimento
carenciados, através, nomeadamente, da nomeação e pagamento, total ou faseado,
sem reserva: art. 44.º, n.º 3), quer conjuntamente com o primeiro mandatário, que
de patrono (art. 16.º, n.º l, ai. b) e e), LADT) ou do pagamento, total ou faseado, de
permanece vinculado (substabelecimento com reserva). O substabelecimento sem
defensor oficioso (art. 16.0 , n. 0 1, ai. c) e f), LADT).
reserva envolve uma renúncia ao mandato (art. 44.º, n.º 3), que deve ser notificada ao
O apoio judiciário é concedido aos cidadãos nacionais e da UE e aos estrangeiros
mandante e à contraparte (art. 47.º, n.º 1).
e apátridas residentes num EM da UE que demonstrem estar em situação de
insuficiência económica (art. 7. 0 , n.º 1, LADT), ou seja, às pessoas que, atendendo 2. Extensão especial
ao seu rendimento, património e despesa permanente do seu agregado familiar, não
2.1. Actos processuais
tenham condições objectivas para suportar os custos de um processo (art. 8.º, n.º l,
LADT). Aos estrangeiros sem título de residência válido num EM da UE é reconhecido Uma restrição importante à normal extensão do mandato judicial é a que se
o direito à protecção jurídica, na medida em que ele seja atribuído aos portugueses encontra referida no art. 45. 0 , n. 0 2: os mandatários judiciais só podem confessar
pelas leis dos respectivos Estados (art. 7.º, n.º 2, LADT). o pedido, transigir sobre o seu objecto e desistir do pedido ou da instância quando
estejam munidos de procuração que os autorize expressamente a praticar qualquer
3.2. Exclusão
desses actos (art. 283. 0 ).
Excluídos do apoio judiciário estão, em principio, as pessoas colectivas com fins
1.2. Acção executiva
lucrativos (ou seja, as sociedades comerciais) e os estabelecimentos individuais de
responsabilidade limitada (art. 7. 0 , n. 0 3, LADT). Note~se, porém, que o TC declarou a Do estabelecido nos art. 44.º e 45. 0 não resulta que a procuração para a acção
inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma do art. 7.º, n.º 3, LAD, na declarativa vale para a (eventual) posterior acção executiva. Claro que o constituinte
parte em que recusa protecção jurídica a pessoas colectivas com fins lucrativos, sem pode, logo no início da acção, conferir poderes para a acção e para a execução que
consideração pela concreta situação económica das mesmas42 • eventualmente se siga; nesse caso, se a execução correr nos próprios autos (art. 85.º,
n.º 1), nem carece de juntar qualquer documento procuratório novo. Se não conferir
4. Extinção do mandato de início poderes para a execução, querendo o mandatário seguir com a execução nos
O mandato judicial pode ser revogado pelo mandante e o mandatário pode autos, verifica-se uma insuficiência do mandato; se a execução seguir sem ser nos
renunciar ao mandato (art. 47.º, n.º 1). Assim, apesar de o mandato judicial ser em próprios autos, uma falta de mandato.
regra oneroso, não se lhe aplica o disposto no art. 1170.º, n.º 2, CC: o mandato judicial
pode ser revogado pelo mandante, mesmo sem o consentimento do mandatário. V. Obrigatoriedade do patrocínio

1. Generalidades

Em certos casos, a lei impõe que a parte .. se não puder litigar em nome próprio - se
faça assistir por advogado. Neste caso, recusa-se à parte o ius postulandi, o direito de

330 42 TC 242/2018 (8/5/2018). 331


Parte l - Processo Declarativo V. Partes do Processo
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa

pleitear por si4'. A hipótese é de representação necessária, m~s mais objectivam_ente acção, transigir sobre o seu objecto e desistir do pedido ou da instância (art. 45.º, n.º
2), mas não possa praticar ela própria esses actos em juízo.
necessária (necessária em virtude das características especiais dos ~t~s a pratlc~)
que subjectivarnente necessária (necessária em virtude das caractensticas pessoais
daqueles que os deveriam de outro modo praticar por si). . . _
VI. Vício do patrocínio
A este propósito convém observar que, nos demais ca~os, a_con~t~tmçao de _ad~o_gado
1. Generalidades
não é proibida, só que não é imposta. Também nunca e obngatona a constttu1çao de
outro mandatário judicial qua tale (advogado estagiário ou solícitador). 1.1. Modalidades dos vícios
Quanto ao patrocínio judiciário, podem verificar-se fundamentalmente dois vícios:
2. Exigência legal Não haver advogado constituído, em caso de patrocínio judiciário
2.1. Patrocínio obrigatório obrigatório (art. 41.º; cf. art. 577.º, al. h));
A enumeração dos casos de patrocínio judiciário obrigatório é diferente para o Haver mandatário juilicial meramente aparente, quer porque não há
processo em geral, designadamente, para o processo declarativo, e para o processo mandato validamente conferido (porque, por exemplo, não foi conferido
executivo (art. 40.º, n.º 1, e 58.º). Para o processo em geral, designadamente _P~_ o pela parte ou pelo representante legal da parte), quer porque o mandato
declarativo, rege fundamentalmente o art. 40.º, n.º 1, que determina que a constttmçao foi revogado, quer ainda porque a sua extensão não justifica a acção do
mandatário ou este mandatário não age como gestor de negócios (art. 48.º);
de advogado é obrigatória: . . ,
- Nas causas de competência de tribunais com alçada, em que seJa adm1ss1:el são os casos a que a lei chama de falta, insuficiência ou irregularidade do
recurso ordinário (art. 40.º, n.º 1, ai. a), isto é, nas causas com valorsupenor mandato judicial (art. 48.º; cf. art. 577.º, ai. h)).
a€5.000(art.44.º,n.ºI,L0SJ); . , . 1.2. Irregularidade de representação
Nas causas em que seja sempre admissível recurso ordmano,
independentemente do valor da causa (art. 40.º, n.º 1, al. b)); esse recurso é O mandato pode ser inválido pela falta de poderes de representação de quem o
sempre admissível nas situações previstas no art. 629.º, n.º 3, al. a) (acções concedeu em nome da parte representada. Nesta hipótese, o regime aplicável é o da
em que se aprecie a validade, a subsistência ou a cessação de_ co~trat?s irregularidade de representação (art. 27.º).
de arrendamento, com excepção dos arrendamentos para hab1taçao nao
2. Arguição dos vícios
permanente ou para fins especiais transitórios);
Nos recursos e nas causas propostas nos tribunais superiores (art. 40.º, n.º Os art. 41.º e 48.º permitem que o réu invoque a falta de constituição de advogado
I, al. c); cf., por exemplo, art. 18.º, n.º 1, RGPTC). pelo autor e a falta, insuficiência ou irregularidade do mandato concedido por essa
mesma parte. A justificação para o reconhecimento desta legitimidade ao réu encontra-
2.2. Patrocínio não obrigatório
-se na circunstância de que só após a sanação daqueles vícios o demandado pode vir a
As partes podem pleitear por si ou fazerem-s~ representar por ad~ogado estagiário
obter wna decisão de improcedência.
ou solicitador nos restantes casos (art. 42. 0 ). E o que sucede designadamente nas
causas em que, atendendo ao valor da causa, não seja admissível recurso ordinário. 3. Sanação dos vícios

3. Actos pessoais Os vícios que afectam o patrocínio judiciário podem sanar-se. Logo que por eles
se dê, em qualquer altura do processo (inclusivamente no momento do despacho
A obrigatoriedade do patrocínio não envolve a p~ática de acto_s eminen~emente
liminar), o juiz deve marcar um prazo para a sua sanação (art. 6.º, n.º 2). Em concreto:
pessoais das partes, designadamente quanto aos negocms proce~s~1s_que extm~em,
No caso de o vício consistir na falta de advogado em causas de patrocínio
total ou parcialmente, a instância (como a confissão e a des1stenc1a do pedido, a
obrigatório, a necessidade de suprir a falta e o prazo em que tal pode ser
desistência da instância e a transacção: cf. art. 283.º e 286.º). Aliás, não faz sentido
feito devem ser notificados à própria parte, consistindo a fonna de sanação
que a parte tenha de conceder poderes especiais ao seu mandatário para confessar a
simplesmente na constituição de advogado (art. 41. 0 )44;

4J Sobre a não inconstitucionalidade do patrocínio judiciário obrigatório, cf. TC 489/99


44 Cf. RG 28/2/2013 (11009/12.IYIPRTGI). 333
332 (21/9/1999).
l de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I Processo Declarativo V. Partes do Processo

No caso de o vício consistir na falta, insuficiência ou irregularidade do 2. Justificação


mandato do mandatário que intervém no processo ou em algum acto dele,
a necessidade de sanar a falta e o prazo marcado pelo juiz nos termos do A atribuição da qualidade de parte não pressupõe nenhuma ligação com o objecto
art. 48.º, n.º 2, devem ser notificados quer à parte, quer ao mandatário do processo. A legitimidade processual destina-se a assegurar que estão em juízo,
aparente 45 ; a forma de sanação consiste (cumulativamente) tanto no como autor e como réu, sujeitos que têm uma relação com esse objecto. Noutros
suprimento da falta ou insuficiência do mandato ou na correcção do vício termos: a legitimidade processual define quem pode exercer e contra quem pode ser
que ele apresenta, como na ratificação pela parte (apenas) do processado exercido o direito de acção.
indevidamente46 • 3. Modalidades
4. Efeitos dos vícios 3.1. Enunciado
Os efeitos de cada um dos referidos vícios quando não sanados- são os seguintes: (a) Em processo civil, é usual distinguir, pela perspectiva do (alegado) titular do
Quando se verifiquem em relação à petição inicial (e portanto digam objecto do processo, entre tuna legitimidade directa e uma legitimidade indirecta:
respeito ao autor), não pode haver indeferimento liminar da petição inicial, A legitimidade directa é aquela que é reconhecida ao (alegado) titular da
porque nenhum desses vícios constitui uma excepção dilatória insuprível situação subjectiva e a alguém que tem interesse em discutir com ele a
(art. 590.º, n,º 1); assim, o juiz deve ordenar a notificação tanto da parte para titularidade dessa situação; a legitimidade directa visa assegurar que estão
constituir mandatário (art, 41.º), como da parte e do mandatário aparente em juízo os sujeitos que são titulares da situação subjectiva litigiosa;
para sanar a falta ou corrigir o vício (art. 48. 0 , n. 0 2); se o vício não for A legitimidade indirecta é aquela que é concedida a alguém que se substitui
sanado, o réu é absolvido da instância (art. 41.º e 577.º, aL h)); o regular ao (alegado) titular do objecto do processo; a legitimidade indirecta visa
patrocínio judiciário quanto à demanda é um pressuposto processual; definir as condições em que um sujeito que não é o (alegado) titular da
Quando se verifiquem em relação a qualquer outro acto de uma parte situação subjectiva pode litigar, em nome próprio, sobre esta.
(qualquer acto do réu ou qualquer acto do autor que não a demanda), esses (b) A legitimidade indirecta (Prozefistandschaft4 7, na designação original que é
vícios determinam a invalidade desse acto (art. 41.º e 48.º, n.º 2); o regular habitualmente traduzida por substituição processual 48 ) assenta necessariamente numa
patrocínio judiciário quanto a qualquer outro acto de parte, que não a regra que impõe ou permite a substituição do titular do direito ou numa regra que
demanda, é pressuposto apenas desse acto; por exemplo: se, num processo permite que as partes convencionem esta substituição. Neste último caso, fala-se de
em que seja obrigatório o patrocínio judiciário, o réu contestar por si, é substituição processual voluntária49 •
como se não contestasse, se o autor replicar pessoalmente, é como se não
replicasse. 3.2. Atribuição
Genericamente, pode dizer-se que a legitimidade pode pertencer quer a quem
§ 25.º Legitimidade singular é o alegado titular, activo ou passivo, da situação subjectiva invocada em juízo
(legitimidade directa), quer a quem, apesar de não ser esse titular, está autorizado, por
1. Generalidades
lei ou por acto negocial, a estar em juízo como parte (legitimidade indirecta). Como se
1. Noção compreende, a atribuição de legitimidade processual não se distribui uniformemente
por estas duas situações:
A legitimidade processual é a possibilidade de estar em juízo quanto a certo objecto.
Mais em concreto, a legitimidade ad causam é a faculdade de demandar (legitimidade
activa) e a sujeição a ser demandado (legitimidade passiva) quanto a determinado
47
objecto. A legitimidade processual é independente de qualquer titularidade efectiva KoHLER, JhJb 24 (1886), 319; KoHLER, ZZP 12 (1888), 101 "=KoHLER, Gesammelte
do objecto do processo: aquela legitimidade é um pressuposto processual; esta Beitrãge (1894), 297; no âmbito processual, cf. HELLWJG, Lehrbuch I ( 1903), 322 ss.; HELLWIG,
titularidade é uma condição da procedência da acção. System I (1912), 166 ss.
48
Sostituzione processuale, na tradução de Cm oVENDA, Principii (1928), 596; cf. também
CHIOVENDA, Istituzioni II/1 (1935), 214.
49
Sobre a evolução dogmática da substituição processual voluntária, cf. FRANK, ZZP 92
45
RP 28/6/2012 (758/09.ITBLMG.Pl). (1979), 327 ss.; BENEDUZI, St. Senesi 126 (2014), 220 ss.; critico perante a necessidade e a
334 4"Cf. ALBERTO DOS REIS, CPC anot. I (1948), 136. autonomia desta modalidade da substituição processual, cf. STAMM, ZZP 132 (2019), 416 ss. 335
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I · Processo Declarativo V. Partes do Processo

Em regra, quem é o alegado titular do objecto do processo (por exemplo, habilitação ~o adquirente ou cessionário na acção pelo substituto processual (ou seja,
quem é o alegado credor e quem é o alegado devedor) tem legitimidade pe~o ~ansm1tente ou cedente), a parte contrária pode opor-se a essa habilitação_
processual; apenas em casos excepcionais o alegado titular do objecto do e, md1:ec~amente, à pró~ri.a transmíssão ou cessão com o argumento de que essa
processo não tem legitimidade processual; transm1ssao ou cessão fm feita para tornar maís difícil a sua posição no processo. No
Em regra, quem não é o alegado titular do objecto do processo não tem fundo,?. que se permite é que a contraparte alegue que o substituto processual agiu
legitimidade processual; somente em casos excepcionais quem não é titular como litigante de má fé, tendo utilizado os mecanismos processuais da substituição
do objecto do processo tem legitimidade processual. processual e da habilitação para fazer um uso manifestamente reprovável do processo
(art. 542. 0 , n.º 2, ai. d)).
II. Substituição processual 1.2. Fundamento negocial
1. Fundamento (a) A substituição processual também pode ser voluntária, isto é, também pode
1.1. Fundamento legal ter por .fundame~to um acto de carácter negocial: dado que, apesar de a autorização
concedida pelo titular da situação jurídica ser regida pelo direito substantivo os seus
(a) A substituição processual verifica-se nas situações em que a parte legitimada efeitos essenciais se produzem em processo, a concessão de legitimidade ao' terceiro
não é o titular do objecto do processo, ou seja, nas hipóteses em que alguém faz valer não ~ode deixar de ser um acto processual. Por exemplo: um dos cônjuges pode
em juízo, em nome próprio, um direito alheio 50• A sua cobertura legal encontra-se no autonzar o outro a propor uma acção relativa a um bem comum (art. 34.°, n." 1) e
art. 30.º, n.º 3, preceito que admite que a legitimidade possa ser reconhecida a quem pode conceder mandato ao outro cônjuge para administrar os seus bens próprios (art.
não seja o (alegado) titular do objecto da acção. A parte legitimada que não é titular 1678.º, n.º 2, ai. g), CC); a assembleia de condóminos pode autorizar o administrador
desse objecto é o substituto processual; o seu titular é a parte substituída. do prédi~ _no regime de propriedade horizontal a agir em juízo, em representação do
A ressalva feita no art. 30.º, n.º 3, aponta para uma necessária previsão legal da condomm10 mas actuando em nome próprio, contra qualquer condómino ou contra
substituição processuaP 1• O ftmdamento legal dessa substituição, ou seja, o motivo um terceiro (art. 1437.º, n.º l, CC).
pelo qual a lei permite a actuação do substituto processual, pode ser muito variado: o A substituição processual voluntária só pode verificar-se quanto à parte activa e,
substituto pode intervir, por exemplo, porque é contitular do direito litigado (art. 512.0 , porque, com excepção da transmissão ou cessão do direito litigioso na pendência da
n.º 1, e 1405.º, n.º 2, CC), porque tem poderes de administração ou de disposição causa (art. 263.º, n.º 1), não é admissível a substituição voluntária de uma parte por
sobre um património pertencente a um terceiro (art. 81.°, n.º 1, CIRE) ou porque é outra, essa substituição só é eficaz se for autorizada antes da propositura da acção. De
transmitente ou cedente da coisa litigada (art. 263. 0 , n. 0 1)52 . molde a assegurar que a parte contrária não é prejudicada com a substituição do titular
(b) A substituição que decorre da transmissão ou cessão da coisa litigada é uma do direito por um outro sujeito, a substituição processual voluntária só é admissível
substituição legal, dado que é por força da lei ~ em concreto, do disposto no art. quando a lei a preveja53 .
263.º, n.º l - que o transmitente ou cedente continua a ter legitímidade para a acção, (b) Se a substituição processual voluntária for revogada pela parte substituída
agora como substituto processual do transmíssãrio ou cessionário. No entanto, a durante a pendênc~a da causa, há que proceder à habilitação desta parte: 0 regime
circunstância de essa substituição ter na sua base um acto negocial de transmissão legal resulta da aplicação analógica do disposto no art. 356.º, n.º l.
ou cessão justifica o estabelecido no art. 356.0 , n." 1, al. a): se for requerida a
2. Tipologia
2.1. Representativa vs, não representativa

'ºSteinlJonas/JACOKY (2016), vor § 50, 28; ROSENBERG/SCHWABIÜOTTWALD, ZPR (a) A substituição representativa (ou altruísta) é aquela em que o substituto
(2018), 247; cf. KELLER, Profilii evolutivi della legitimíttazione ad agire (2018), 102 ss.; dlf. proce_ss~a~ defende, primordialmente, interesses alheios. Como exemplos de
GARBAGNATl, La sostituzione processuale (1942), 218 e 223 ss., entendendo que o substituto subst1tu1çao representativa podem invocar-se a legitimidade do administrador da
processual não exerce um direito alheio, mas antes um ''potere di azione" próprio. insolvência para ser parte em substituição do insolvente (art. 85.º, n.º 3, CIRE) e
1
' Cf. STJ 27/10/2009 (9812/03.2TVLSB.Ll .SI.).
51 Quanto a esta última hipótese, cf. RosENBERG/ScHWAB/GOTTWALD, ZPR (2018), 601 ss.;

SteinlJonas/RoTH (2016), § 265, 4 ss.; cf. também COSTA E SILVA, Repensando a Transmissão
53
da Coisa ou Direito em Litigio (2009), 70 ss.; critico perante a necessidade de um regime Sobre o problema, cf. GARBAGNAT!, La sostituzione processuale, 23 l ss.; dif., com
336 próprio para este caso. cf. STAMM, ZZP 131 (2018), 143 ss. acentuação da autonomia privada das partes, cf. HOFFMANN, ZZP 130(2017), 403 ss. 337
Parte 1- Processo Declarativo V. Partes do Processo
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa

para cobrar os créditos que os credores da sociedade possuem contra os gerentes, de substituição processual própria a legitimidade do transmitente do direito ou da
administradores ou directores e decorrentes da inobservância por estes das disposições coisa litigiosa (que age como substituto processual) enquanto o adquirente (que é a
0
legais ou contratuais destinadas à protecção daqueles (art. 78. , n.º 1 e 4, CSC), a parte substituída) não intervier na acção (art. 263.º, n.º !), a legitimidade de cada um
legitimidade do cônjuge sobrevivo ou de qualquer ascendente, innão, sobrinho ou dos credores ou devedores solidários para demandar ou ser demandado (art. 512.º,
herdeiro do ofendido nos seus direitos de personalidade ou no seu bom nome para n.º l, CC), a legitimidade de cada um dos credores para exigir por inteiro a prestação
requerer as providências adequadas a evitar a consumação da ameaça ?~ ª. atenuar indivisível (art. 538.º, n.º l, CC), a legitimidade de cada um dos comproprietários ou
os efeitos de ofensa já cometida (art. 71.º, n. 0 2 e 3, e 73.º CC), a leg1tim1dade de compossuidores para reivindicar ou defender a posse da coisa comum (art. 1405.º, n.º
cada um dos credores ou devedores solidários para demandar ou ser demandado (art. 2, e 1286.º, n.º 1, CC), a legitimidade de cada um dos herdeiros para pedir a totalidade
512.º, n.º I, CC), a legítimidade do administrador do prédio no regime de propriedade dos bens da herança em poder de terceiro (art. 2078.°, n.º 1, CC), a legitimidade
horizontal para demandar, em execução das suas funções, qualquer dos condóminos do cônjuge não administrador para propor acções relativas a providências de
ou um terceiro e para ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do administração dos bens do casal (art. 1679.º CC), a legitimidade do cabeça-de-casal
edifício (art. 1437.º, n.º 1 e 2, CC), a legitimidade do parente para intentar a acção para intentar acções possessórias e cobrar dívidas da herança (art. 2088.º e 2089.º CC)
de divórcio em nome do cônjuge que seja maior acompanhado quando o outro e a legitimidade da empresa de seguros quando o pedido indemnizatório por acidente
cônjuge for o representante legal (art. 1785.0 , n.º 2, CC), a legítimidade do cônjuge de viação contra ela fonnulado se contiver dentro do capital mínimo obrigatório do
ou dos descendentes do filho para a propositura das acções de reconhecimento da seguro obrigatório (art. 64.º, n.º 1, al. a), DL 291/2007, de 21/8).
maternidade e da paternidade (art. 1818.º e 1873.º CC), a legitimidade passiva do (b) A substituição imprópria é aquela em que se exige a presença simultânea do
cônjuge sobrevivo, descendentes, ascendentes e innãos para essas mesmas acções substituto processual e da parte substituída. Por exemplo: a sub~rogação judicial
(art. 1819.º, n.º l, e 1873.º CC), a legitimidade da mãe do menor para intentar, em requer a citação do devedor (art. 608.° CC), o que significa que a acção sub-rogatória
representação do filho, a acção de reconhecimento da paternidade (art. 1870.º CC) e deve ser proposta não só contra o devedor do devedor do autor, mas também contra
ainda a legitimidade do cabeça-de-casal para intentar acções possessórias e acções de este último devedor, que é a parte substituída54 ; a acção de responsabilidade proposta,
cobrança de dívidas (art. 2088.º e 2089." CC). a favor da sociedade, pelos sócios contra os gerentes, administradores ou directores da
(b) A substituição não representativa (ou egoísta) é aquela em que o substituto sociedade requer a presença da própria sociedade (art. 77.º, n.º 1 e 4, CSC).
processual age na defesa, ainda que não exclusiva, de interesses próprios. Podem
referir-se, como exemplos de substituição não representativa, a legitimidade dos 3. Efeitos
herdeiros do doador para a acção de revogação, por ingratidão, da doação (art. 976.º, 3.1. Caso Julgado
n.º 3, CC), a legitimidade dos parentes, herdeiros ou adoptantes dos cônjuges para
a acção de anulação do casamento (art. 1639.0 , n.º 1, CC), a legitimidade de quem Um dos efeitos típicos da substituição processual é a extensão à parte substituída
tiver um interesse moral ou patrimonial na procedência da acção de impugnação da do caso julgado formado na acção em que intervém o substituto processuaP5• Essa
maternidade (art. 1807.º CC) ou da perfilhação (art. 1859.º, n.º 2, CC), a legitimidade extensão é facilmente compreensível nos casos de substituição representativa, mas
do cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e dos descendentes do filho encontra-se igualmente estabelecida noutras situações, nomeadamente na substítuição
para instaurar ou prosseguir a acção de reconhecimento da maternidade (art. 1818.º do adquirente pelo transmitente da coisa ou direito litigioso (art. 263.º, n.º 3), na
CC), a legitimidade do cônjuge do presumido pai, dos descendentes e ascendentes solidariedade entre devedores ou credores (art. 522.º e 531.º CC) e na acção relativa a
da mãe, do cônjuge do filho e dos seus descendentes para a acção de impugnação prestação indivisível (art. 538.º, n.º 2, CC).
da paternidade (art. 1844.º, n.º 1, CC) e ainda a legitimidade dos descendentes e
3.2. Habilitação
ascendentes do perfilhante e de todos os que mostrem ter sido prejudicados nos seus
direitos sucessórios por efeito da perfilhação para a propositura ou prossecução da A substituição processual implica um regime especial na hipótese de falecimento
acção de anulação da perfilhação (art. 1862.º CC). do substituto processual. Perante a morte deste substituto deve habilitar-se a ocupar
2.2. Própria vs. imprópria
(a) A substituição processual também pode ser própria ou imprópria. A substituição
própria é aquela em que o substituto processual pode estar em juízo sem a presença 54 Com diferente enquadramento da questão, cf. LIMA REao, Themis 7 (2003), 82 s.
simultânea do titular (ou dos demais titulares) do direito litigioso. A generalidade das ''Critico, sob um ponto de vista doutrinário, desta extensão, cf. ÜARBAGNAn, La sostítuzione
situações de substituição processual corresponde a esta caracterização. São exemplos processuale, 290 ss. 339
338
Parte I - Processo Declarativo V Partes do Processo
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa

IV. Elemento processual


a sua posição como parte, não os seus herdeiros, mas a parte substituída. A esta
habilitação há que aplicar, por analogia, o disposto nos art. 351.º a 354.º. 1. Delimitação positiva
1.1. Regra de coincidência
III. Legitimidade directa
. Dado que o direito subjectivo representa uma posição de vantagem para o seu
1. Elementos titular e porque, em regra, esse direito pode ser tutelado através dos tribunais, o titular
1.1. Enunciado de um d~re~to su?jec.tivo é igualmente titular do interesse em demandar. Sempre que
Em comparação com a substituição processual - que assenta sempre na lei ou a~uele dtreito seJa v10lado, sempre que sobre ele exista uma situação de incerteza ou
num negócio jurídico -, a aferição da legitimidade directa (correspondente à antiga amda sempre que ele só possa ser exercido através dos tribunais, coloca-se o problema
Iegitimatio ad causam) é bastante mais complicada. Esta legitimidade deve ser d~ s~ber quem pode reagir contra essa violação ou incerteza ou quem pode exercer o
dtre1t?. ~ resposta é intuitiva: esse interesse em demandar cabe, em primeira tinha, ao
apreciada em função de dois elementos:
- O interesse em demandar e em contradizer, ou seja, o interesse da parte na própno titular activo do direito.
obtenção de urna tutela favorável através de uma decisão de procedência A coincidência entre a titularidade do direito subjectivo e a titularidade do interesse
ou de improcedência; a faculdade em que se traduz a legitimidade activa em d~?1a~dar e .em contradizer é o critério utilizado no art. 30.º, n.º l, para aferir
tem por base um interesse em demandar e a sujeição que decorre da a leg1t1m1dade smgular: o autor é parte legítima quando tiver interesse directo em
legitimidade passiva assenta num interesse em contradizer56; demandar e o réu possui legitimidade quando tiver interesse directo em contradizer58•
O poder de produção, pela parte, dos efeitos que podem decorrer da decisão O art. 30.º, n.º 3, concretiza a aferição da legitimidade singular através da titularidade
de procedência ou de improcedência da acção 57 ; isto significa que, para ser desses interesses, afinnando que são partes legítimas os titulares da relação material
parte legítima, não basta ter interesse em demandar ou em contradizer, pois ~ontrovertida'. o~ seja, os titulares do direito subjectivo'9 • Em conclusão: os (alegados)
que é ainda necessário que a parte, activa ou passiva, possa produzir, sem tt~ares ~o dtre1to ~ossuem um interesse em demandar e em contradizer que decorre
a presença na acção de qualquer outra parte que a acompanhe, os efeitos da tttulandade do direito e são, por isso, partes legítimas numa acção cujo objecto seja
substantivos que decorrem da procedência ou improcedência da acção. esse mesmo direito.

1.2. Qualificação 1.2. Impossibilidade da coincidência


O interesse em demandar e em contradizer é o elemento processual da legitimatio (a) Dado que os titulares do direito são igualmente titulares do interesse em
ad causam e o poder de produção de efeitos jurídicos constitui o elemento material demandar e em contradizer, a função específica deste interesse é a de detenninar as
da legitimidade processual. Ambos estes elementos são necessários para determinar partes legíti!71as quando estas não possam ser consideradas titulares de um direito
subjectivo. E o que sucede quando o objecto da acção não seja um direito subjectivo
quem é parte legítima.
ou quando se trate de uma parte demandada numa acção cujo objecto é um direito
2. Falta real.
A falta de legitimidade singular constitui urna excepção dilatória (art. 577 .°, ai. e)) (b) (i) O critério de aferição da legitimidade é o interesse em demandar e em
co~tradizer r7fe~do no art. 30.º, n.º l, pois que é pelo interesse em obter a procedência
que conduz à absolvição do réu da instância (art. 576.0 , n.º 2, e 278.º, n.º 1, ai. d)). A
ou tmprocedencia da acção que se pode detenninar a parte que pode demandar ou que
lei não prevê nenhum mecanismo de sanação da ilegitimidade singular.
pode ser demandada. Um exemplo típico do reconhecimento pela lei de um interesse
em demandar é aquele pelo qual se afere a legitimidade para pedir a declaração de

58
Aproximando este critério de uma aferição da legitimidade através do efeito útil normal
da decisão a ser proferida no processo, cf. M. GALVÃO TELES, Est. Lebre de Freitas I (2013)
56 Aferindo a legitimidade em função de um persOnliches Interesse do autor, cf. ScttÕNKE,
1077. '
Das Rechtsschutzbedürfuis (1950), 38 s. wcr., p. ex.,ALBEIITO DOS REIS, BFD 8 (1923/1925), 69 e 86 ss.
57 Cf. HENCKEL, Parteilehre und Streitgegenstand iro Zivilprozefl (1961), 105 e 187.
341
340
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I · Processo Declarativo V. Partes do Processo

nulidade ou a anulação de um acto jurídico: a legitimidade para instaurar esta acção 2. Análise do direito positivo
pertence a qualquer interessado (art. 286. 0 e 287 .º, n." 1, CC), o que significa que é parte 2.1. Titularidade do direito
legítima quem retirar alguma vantagem da decisão que reconhece a invalidade do acto
juridico60 • Outro exemplo: ajunta de freguesia tem legítimidade para instaurar acção O art. 30.º, n.º l, afere a legitimidade das partes através de um interesse em
judicial de reivindicação de uma parcela de terreno baldio situado na área territorial da demandar ou em contradizer, pelo que o que conta para a aferição desses interesses
respectiva autarquia, se o vem administrando, em representação da comunidade local, é.~ ~e!ação .- que o art. 30.º, n.º l, exige que seja directa - entre a parte e o objecto
por falta de constituição dos órgãos próprios do baldio 61 • Portanto, em certos casos, há ht1g10so. D1to de outro modo: o que o art. 30.º, n." !, estabelece é que tem interesse em
que procurar encontrar um critério diferente do da titularidade do direito para aferir o demandar e contradizer quem for o titular, activo e passivo, do objecto do processo.
interesse em demandar. 2.2. Interesse na tutela
(ii) A legitimidade do possuidor ou detentor para ser demandado numa acção
de reivindicação (art. 1311.º, n." l, CC) ou numa acção de petição da herança (art A titularidade do direito que está subjacente ao disposto no art. 30.º, n.º I, não pode
2075.°, n.º l, CC) constitui exemplo de uma situação em que a legitimidade é atribuída ser transposta para o interesse em demandar e o interesse em contradizer definidos no
em função do interesse em contradizer. O possuidor ou detentor tem interesse em art. 30.º, n.º 2: estes interesses exprimem-se pela utilidade decorrente para o autor da
continuar na posse ou detenção da coisa, pelo que é ele que tem interesse em discutir procedência da acção e pelo prejuízo sofrido pelo réu com essa mesma procedência.
com o autor a propriedade da coisa e em obter uma decisão de improcedência numa Não se trata, pois, de um interesse decorrente da titularidade do direito mas de um
acção de reivindicação proposta pelo proprietário. Assim, a necessidade de restringir interesse que é aferido pela utilidade da tutela jurisdicional. Os interesses :m demandar
contra quem é que o proprietário pode obter a declaração do seu direito de propriedade e em co~tradizer do art. 30.º, n. 0 2, são aferidos pela utilidade ou pelo prejuízo que
é conseguida através da limitação dos sujeitos aos quais é reconhecido interesse para uma decisão de procedência importa, respectivamente, para a parte activa e para a
parte passiva.
a obtenção de uma decisão de improcedência. Seguindo uma tradição que remonta à
atribuição pelo direito romano de legitimidade passiva àqueles que tenent et habent Esta avaliação pressupõe uma comparação das situações que existem antes e depois
restituendi facultatem (ULPIANUS, D. 6.l.9.)62, o direito positivo reconhece esse da concessão daquela tutela jurisdicional. Assim, o autor tem interesse em demandar
quand~, r~lativamente à situação em que se encontra antes do processo, aquela tutela
interesse ao possuidor ou detentor da coisa em litígio 63 •
lhe atribuir uma vantagem e o réu tem interesse em contradizer quando, em relação
1.3. Autonomia dos interesses a e~sa mesm~ situação, aquela tutela representar para ele uma desvantagem. Pode
assim conclurr-se que o interesse em demandar e em contradizer referidos no art.
O interesse em demandar e o interesse em contradizer aludidos no art. 30.", n. 0 1,
~O.", _n_.º ~· não correspondem ao interesse em demandar e em contradizer subjacente
são interesses independentes entre si, porque cada uma das partes possui um interesse
a leg1tlm1dade processual, mas ao interesse processual ou em agir.
próprio numa tutela favorável ( que é, para o autor, a procedência da acção e, para o
réu, a improcedência da causa). O interesse em demandar e o interesse em contradizer V. Elemento material
são aferidos separadamente para cada uma das partes da acção, pelo que, mesmo
quando o autor seja parte legítima por lhe pertencer um interesse em demandar, 1. Generalidades
isso nada assegura quanto ao interesse em contradizer e à legitimidade do réu que
O interesse em demandar e em contradizer não é suficiente para atribuir legitimidade
tenha sido demandado na acção. Do mesmo modo, do interesse em contradizer
a uma ~arte processual. Para além disso, é ainda indispensável que esta parte possa
do réu demandado, e, portanto, da sua legitimidade, nada se pode extrair quanto à prodUZir todos os efeitos materiais que podem resultar da decisão de procedência ou
legitimidade do autor. Os interesses em demandar e em contradizer referidos no art. de improcedência que é solicitada ao tribunal, ou seja, que tenha legitimidade material
30.º, n. 0 1, são preenchidos e aferidos com total autonomia entre si, o que justifica que para produzir esses efeitos.
a legitimidade de uma das partes nada implique quanto à legitimidade da outra.
2. Concretização
2.1. Legitimidade activa
60 C[ LEBRE DE FREITAS, Est Dias Marques (2007), 374 ss.=RePro 161 (2008), 50 ss. (~) A procedência da acção produz para o autor um efeito semelhante à aquisição
61 RP 2/2/2012 (732/10.STBBGC.Pl). do drreito litigioso, assim como a sua improcedência realiza para essa parte um efeito
02 Cf., p. ex.., KAsER, ZRG RA 98 (1981), 80 ss. equivalente à disposição desse direito. Relativamente a uma parte que é (alegadamente)
342 óJ Cf. ANDRADE PISSARRA, Das Ações Reais II (2021 ), 1674 ss. 343
Parte I Processo Declarativo V. Partes do Processo
l de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa

titular do direito controvertido, não se coloca o problema de determinar a quem Quanto ao efeito vinculativo, ele pode, em regra, ser produzido pelo sujeito que
pertence O património em que se integra o direito reconhecido e, por iss~, ~o há_ q~e contraiu a obrigação, pelo que, quando isso suceda, este sujeito tem legitimidade
analisar o poder de aquisição, mas importa averiguar se o autor da acçao e o suJe1to para ser demandado na respectiva acção de cumprimento. No entanto, a faculdade
que, no caso de o direito ser disponível, tem poderes de disposição sobre ele. de vinculação pode não ser suficiente: pense-se nos casos em que a responsabilidade
(b) Em regra, o titular pode dispor do seu direito, mas, em certos_ cas~s:. a patrimonial pela satisfação da obrigação não pertence, ou não cabe exclusivamente,
titularidade do direito não é acompanhada de um correspondente poder de d1spos1çao. ao sujeito obrigado, ou seja, nas hipóteses em que não coincidem o sujeito que
Assim, a legitimidade tem de ser aferida não apenas pelo interesse em demandar contraiu a obrigação e o titular do património responsável pela obrigação. Assim, por
e em contradizer que resulta da titularidade do direito, mas também, sempre que a exemplo, ainda que a dívida tenha sido contraída por apenas um dos cônjuges, a acção
acção incida sobre um direito que está na disponibilidade do seu titular, pelo poder de cobrança da mesma deve ser proposta contra ambos se a dívida for comunicável e
de disposição da parte sobre o direito litigioso 64 • Deste modo, pode suceder que se, portanto, por ela deverem responder bens comuns do casal (art. 1695.º, n.º 1, CC;
o titular do direito não possa ser reconhecido como parte legítima por lhe faltar o art. 34.º, n.º 3).
correspondente poder de disposição. Exemplo típico é o do litisconsórcio necessário 2.3. Substituição processual
entre os cônjuges casados num regime distinto do de separação de bens numa acção
cujo objecto seja um imóvel ou um estabelecimento comercial próprio de um deles: Também são possíveis situações nas quais a legitimidade é atribuída a uma parte
como, apesar de esse imóvel ou estabelecimento ser um bem próprio de um dos que não possui nenhum poder de disposição sobre o direito litigioso, mas essas
cônjuges, a sua alienação carece do consentimento de ambos os cônjuges (art. 1682.º: situações só podem ocorrer no âmbito de uma substituição processual. Assim, por
0
A, n.º I, CC), ambos têm de demandar nessa acção (art. 34. , n.º 1). Outro exemplo e exemplo, cada comproprietário pode reivindicar de um terceiro a coisa comum (art.
1405.0 , n. 0 2, CC), apesar de a não poder alienar sozinho (art. 1408.°, n.º 1, CC); o
0 do insolvente: com a declaração de insolvência, ele perde os poderes de disposição
sobre os bens que integram a massa insolvente (art 81.º, n.º 1, CIRE), pelo que não mesmo se verifica quanto a cada um dos herdeiros: também cada um deles pode pedir
tem legitimidade para propor uma acção relativa a esses bens. a totalidade dos bens da herança em poder do demandado (art. 2078.º, n.º 1, CC).

2.2. Legitimidade passiva § 26.º Pluralidade de partes


(a) Para o réu, a improcedência da acção importa um efeito liberatório, porq~e
não é atingido na sua situação jurídica por qualquer obrigação ou oneração; todavia, 1. Enquadramento geral
a procedência da acção produz, para o réu, um efeito dispositivo, quando o bem é
1. Ámbito da análise
reconhecido como pertencendo à esfera jurídica do autor, ou um efeito vinculativo,
quando o réu fica vinculado a urna obrigação ou sujeito a uma mudança na sua Na sua forma mais simples, o processo tem duas partes: demandante e demandado,
situação jurídica. Quando o réu litiga com base num direito ou interesse próprio, não autor e réu; pode suceder, porém, que o processo tenha mais de duas partes. A essa
se coloca nenhum problema quanto à determinação do sujeito que beneficia do efeito situação, assim genericamente descrita, chama-se cumulação subjectiva ou pluralidade
liberatório, mas coloca~se sempre o problema de saber se o réu pode produzir os de partes. Pluralidade é um termo que, em rigor, se opõe a unidade e abrange a
mencionados efeitos dispositivo e vinculativo. dualidade; mas, neste contexto, a pluralidade significa, por convenção, a situação em
(b) A titularidade do direito nem sempre é acompanhada do poder de disposição: que há mais do que duas partes.
quando assim suceda, o titular do direito, tal como não tem legitimidade para Das considerações subsequentes exclui-se um tipo integrado na categoria da
demandar, também não a possui para ser demandado. Assim, por exe~plo, apesar cumulação subjectiva: o da pluralidade de partes por subordinação, situação que se
de o imóvel ou o estabelecimento comercial ser próprio de um dos cônJuges, estes verifica quando há, em processo, além das duas partes principais, uma ou mais partes
devem, em regra, ser demandados numa acção de reivindicação desse imóvel ou desse acessórias (art. 326.0 , n. 0 l, e 328.0 , n.º 1). Ou seja: de momento, analisa-se apenas
estabelecimento (art. 34.º, n.º 1 e 3), porque, excepto se entre eles vigorar o regime de a pluralidade de partes por coordenação, situação em que existem mais do que duas
separação de bens, a alienação de qualquer daqueles bens carece do consentimento de partes principais.
ambos (art. 1682.º-A, n. 0 1, CC).
2. Litisconsórcio lato sensu
À pluralidade de partes principais dá-se o nome de litisconsórcio, no sentido lato
desta palavra- aliás, usada tanto na legislação processual (art. 32.0 , 33.º, 34.º, 288.º e
64 Cf. HENCKEL, Parteilehre, 105 e 187. 345
344
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo V. Partes do Processo

630.º, n.º I e 2), como na legislação civil (art. 353.º, n. 0 2, e 517.º CC). Há que analisar 3. Litisconsórcio simples e recíproco
as hipóteses possíveis de Jitisconsórcio e as condições em que cada uma delas pode 3.1. Caracterização
ocorrer.
(a) O litisconsórcio é simples quando, aumentando o número de partes, não
II. Modalidades do litisconsórdo aumenta o número de oposições, mantendo-se o processo como bipolar: um ou
maís demandantes, de um lado, opõem-se a um ou mais demandados, do outro. O
1. Litisconsórcio e coligação litisconsórcio simples pode ser activo (mais do que um demandante), passivo (mais
1.1. Enquadramento do que um demandado) ou misto (mais do que um demandante contra mais do que
um demandado).
o litisconsórcio é uma pluralidade de partes principais que pode (mas não tem (b )(i) O litisconsórcio é recíproco quando existe mais do que uma oposição entre
de) coexistir com uma pluralidade de pedidos. Quer dizer: pelos ou con~a o~ v_ários as partes e, por isso, o processo é multipolar6 6• Considere-se a seguinte hipótese: A
litisconsortes pode ser formulado um único pedido. Por exemplo: dots con3uges demanda B, pedindo a declaração da propriedade de x; mas C considera-se ele - e não
odem reivindicar de um terceiro um imóvel que consideram que lhes pertence. O A ou B - proprietário de x; a lei permite-lhe que deduza um incidente de intervenção
~roblema da distinção entre o litisconsórcio e a coligação só se coloca.q.1-1ando ~elos de terceiros, chamado justamente oposição (voluntária), regulado nos art. 333.º a
ou contra os vários litisconsortes (em sentido amplo) são formulados vanos pedidos. 337. º; por este incidente, o terceiro opoente coloca-se na posição de opositor quer de
1.2. Distinção A, quer de B; há assim três partes em oposição todas entre si e existe, por isso, um
Jitisconsórcio recíproco.
O que distingue o litisconsórcio da coligação é quem formula ou contra quem são Este litisconsórcio recíproco é sucessivo; mas também pode haver litisconsórcio
formulados os pedidos 65 • Assim, em concreto: ~ recíproco inicial. Suponha-se que D, E e F são proprietários de um prédio indiviso, e
- No litisconsórcio (art. 32.º a 35.º e 39.0 ) pode haver ou nao haver uma D quer pôr termo judicialmente à indivisão (art. 1412.º, n.º 1, CC); pode propor contra
pluralidade de pedidos, mas, quando se verifique esta pluralidad~, tod~s E e Fuma acção de divisão de coisa comum (actio communi dividundo), que segue
os litisconsortes formulam os mesmos pedidos ou os mesmos pedidos sao a forma do processo especial regulado nos art. 925. 0 a 930.º; E e F encontram-se em
formulados contra todos os litisconsortes; por exemplo: os litisconsortes litisconsórcio recíproco - os seus interesses, opostos aos de D (se D receber mais, eles
A e B formulam contra C os pedidos de entrega de um automóvel e de recebem menos), são na mesma medida opostos entre si.
indemnização por responsabilidade contratual; (ii) O estabelecido no art. 608.° CC impõe uma hipótese de litisconsórcio recíproco.
Na coligação (art. 36.º a 39.º) há sempre uma plurali~d.e de pedidos e cada Na acção sub-rogatória (em que o credor (A) do devedor (B) demanda o devedor ( C)
um dos pedidos é formulado por ou contra partes d1stmtas; por exemplo:
deste devedor), o devedor (B), cujos direitos são exercidos pelo autor-credor (A), tem
0 autor D formula contra o demandado E o pedido de anulação de um de ser chamado a juízo como parte; a sua situação pode ser oposta quer à do autor (A),
negócio e contra o demandado F o pedido de indernniza~ã~ pel?s danos quer à do réu ( C).
resultantes dessa anulação, por ter sido ele a dar causa a mvahdade do
negócio. 3.2. Modalidades
(a) O litisconsórcio recíproco pode ser material ou formal:
2. Litisconsórcio inicial e sucessivo
O litisconsórcio é material quando continua a haver, na estrutura do
Há litisconsórcio inicial quando o litisconsórcio se verifica logo desde o início processo, autor ou autores e réu ou réus; assim, no caso da acção de divisão
do processo; há litisconsórcio sucessivo ou subsequente quando o litis~?nsórc~o ~e de coisa comum proposta por D contra E e F, D é autor, E e F réus; mas os
·fica só a partir de um momento posterior da marcha do processo. O httsconsorcm interesses destes opõem-se entre si tanto como os de cada um com D, e a
;:essivo resulta de uma intervenção de terceiros numa acção pendente (art. 31 l.º, acção podia ser proposta também por D e E contra F ou por E contra D e F;
316.ºe333.º,n.0 1). O litisconsórcio é formal quando o litisconsorte excede o quadro autor-réu;
é o caso do opoente no incidente de oposição (art. 333.º, n.º 1, e 338.º).

o;:; Dif., utilizando o critério da unidade ou pluralidade de relações jurídicas, cf. PALMA

346 CARLOS, Ensaio sobre o Litisconsórcio (1956), 113 ss. MCf. CAR"!ELUTn, Sistema 1(1936), 926. 347
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I- Processo Declarativo
V. Partes do Processo

(b) No litisconsórcio simples, os litisconsortes podem ser todos representados pelo 5.2, Caracterização
mesmo representante legal e mandatário judicial; no recíproco, ainda que material,
isso não é admissível (art. 99.º, n.º 3, EOA), pois que as partes em litisconsórcio . (a) J?á-se o litisco?sórcio voluntário quando existe uma pluralidade de partes
recíproco são todas partes contrárias entre si. pnnc,pais po~que a le, o .permite: a lei concede "a vários sujeitos a possibilidade,
sem a ~~cessidade, de ag1r em conjunto num juízo único''69; dá-se O litisconsórcio
4. Litisconsórcio horizontal e subsidiário nece~sar10 quando existe uma pluralidade de partes principais porque a lei, 0 contrato
4.1. Caracterização que e ~o~te da relaç~o controvertida ou o efeito útil da acção o impõe. O litisconsórcio
voluntário é ~ previsto por regra permissiva, o necessário por regra técnica. Note-se
Enquanto no Jitisconsórcio horizontal os litisconsortes estão todos no mesmo que a propositura _de uma a.cção em !itisconsórcio necessário não é objecto de um
plano, no Jítisconsórcio subsidiário há uma parte principal que deduz ou contra a dever, ~s ~e~~ om~ ~or isso fal~-se em regra técnica, e não imperativa).
qual são deduzidos um ou vários pedidos e uma parte subsidiária que formula ou (b) So ~ ht1sconsorc10 necessário quando a consequência da violação desse ónus
contra a qual são formulados um ou vários pedidos. O art. 39.0 admite o litisconsórcio forª. abso.1;1ção da instância ( ou o indeferimento liminar) por ilegitimidade (exceptio
subsidiário (activo ou passivo) quando exista dúvida fundada sobre o sujeito da relação 1;tunum littsco~so~tium) (art. 33.º, n ..º I; cf. art 278.º, n.º I, al. d), e 577.º, ai. e)), isto
controvertida (cf. também art. 316.º, n.º 2)67 • É o que sucede, por exemplo, quando o e, q~~do a a~nc~~ d~ uma ~arte ?nginar a ílegitimidade do autor ou do réu presente
autor da acção desconhece, de entre dois sujeitos, quem tenha sido, ao certo, o autor em Jmzo. Esta tlegit1m1dade e, porem, sanável nos seguintes termos:
do facto ilícito. --· Através da i.ntervenç~ espontânea do terceiro (art. 311.º); esta intervenção
4.2. Extensão ~de revestir a modalidade de intervenção adesiva (art. 313.º, n.º 1) ou de
mtervenção autónoma (art. 314.º);
O art. 39.º permite que o autor estabeleça uma diferença entre uma parte principal Através da intervenção do terceiro provocada por qualquer das partes até
e uma parte subsidiária. Nada impede, no entanto, que o autor, em vez de indicar ~o termo~ fase ~os articulados (art. 316.º, n.º l, e 318.º, n.º J, al. a)); esta
uma parte como principal e a outra como subsidiária, indique ambas as partes em m~e1:ençao ~bém pode ser provocada pelo autor ( ou reconvinte) até ao
alternativa: esta possibilidade também cabe na situação de exclusão recíproca de transito e~ Julgad·o· da de~isão que tenha julgado alguma parte ilegítima
sujeitos que está subjacente ao art. 39.º. Pode falar-se então de um litisconsórcio por pretençao de httsconsorcio necessário (art. 26 l.º, n.º l ).
altemativo68 . 5.3. Consequências
5. Litisconsórcio voluntário e necessário (a) Para. o litisconsórcio stricto sensu estabelece O art. 35.º que a ,.,,.,.,.~
r· .......,,ao em
5.1. Generalidades ths~~s 6rc1~ n~cessário ~e.toma sempre como una (há uma única relação processual),
em litisconsorcm voluntário sempre como plúrima (há tantas relações processuais
O \itisconsórcio também se distingue em voluntário e necessário. Esta classificação quantos os litisconsortes)7°. Desta regra decorrem as outras diferenças de regime
é apresentada pela lei como limitada ao litisconsórcio stricto sensu. No entanto, nada 0
como as que constam dos art. 190. (falta de citação), 288.º (confissão, desistêncí~
há que se oponha a que se fale em coligação voluntária e necessária; e até o próprio e tra,:isa:ção) e 634.º, n.º 1 e 2 (extensão do recurso a compartes), bem como do art.
litisconsórcio recíproco pode ser voluntário ( caso da oposição) e necessário (caso da 353. , n. 2, CC (confissão de factos).
acção de divisão de coisa comum). Assim, a distinção habitual entre litisconsórcio .. (b) O art. 35.º refere-se mais às consequências dos actos de cada wn dos
necessário e voluntário refere-se ao litisconsórcio lato sensu. Porém, para comodidade htisconsortes do ~ue a estes mesmos actos. Efectivamente, nesta matéria a regra é
de exposição, a distinção é estudada apenas no campo em que normalmente mais s.e~pre a au.tonom~a de cada um dos litisconsortes, qualquer que seja a modalidade do
releva: o do litisconsórcio inicial, simples e em sentido estrito. htisc?nsórc,.o.' Assn~, se o litisconsórcio for activo, cada autor pode replicar e recorrer
por s1; se o httsconsorcio for passivo, cada réu pode contestar por si. O que pode variar

69
REDENTI, Arch. giur. 79 (1907), l~REDENTI, Scritti e discorsi giuridici di un mezzo
A admissibilidade do litisconsórcio subsidiário é nonnalmente rejeitada na doutrina
67
secolo I (1962), 16.
alemã: cf. RosENBERG/ScHWAB(ÜOTTWALD, ZPR (2018), 367. 0
68 Cf. RONCO, Rtdpc 58 (2004), 905 ss. ' Sobre a matéria, cf. TARZIA, Ii litisconsorzio facoltativo ne! processo di primo grado
348 (1972), 163 ss.
349
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I Processo Declarativo V. Partes do Processo

em função do tipo de litisconsórcio é a oponibilidade dos efeitos do acto aos demais de obter uma decisão uniforme para os vários interessados71 : é isso que se encontra
litisconsortes. consagrado no chamado litisconsórcío necessário natural, regulado no art. 33.º, n.º 2 e 3.
Com esta restrição, pode dizer-se que, quanto ao litisconsórcio necessário, (b) A distinção entre o litisconsórcio parciário e unitário está subjacente a algumas
vigora o princípio da interdependêncía dos litisconsortes e, quanto ao voluntário, o soluções legais:
princípio da independência. Note-se, no entanto, que estes princípios nem sempre são O art. 288.º, n.º l, admite que cada um dos litisconsortes voluntários pode
respeitados pela lei (art. 528.0 , n.º 1, quanto à responsabilidade pelas custas, 568.º, ai. confessar, desistir ou transigir, mas apenas dentro dos limites do interesse
a), quanto à revelia inoperante, e 569.0 , n.º 2 e 3, quanto ao prazo para a apresentação de cada um na causa; portanto, a desistência, a confissão e a transacção
da contestação) e, ao contrário do que o art. 35.° CPC parece pressupor, nem sempre não são admissíveis se, apesar de o !itisconsórcio ser voluntário, houver
podem basear-se na distinção entre o litisconsórcio necessário e o voluntário. A razão é um interesse indivisível comum a todos os litisconsortes isto é se o
simples: não é verdade que o litisconsórcio necessário não possa ser um litisconsórcio liti~consórcio for unitário; por exemplo: (i) a acção pode se~ propo~ta, no
em que possa haver decisões distintas para cada um dos litisconsortes •
71 regime de litisconsórcio voluntário, contra todos os devedores solidários
~art. 32.º, n.º 2; art. 517.º, n. 0 l, CC); todavia, nenhum dos demandados pode
6. Litisconsórcio parciário e unitário isoladamente confessar o pedido, dado que, não obstante o litisconsórcio ser
voluntário, a obrigação só pode ser reconhecida por todos os devedores; (ii)
6.1. Caracterização os art. 57.°, n.º 2, e 59.º, n. 0 l, CSC permitem que qualquer sócio proponha
(a) O litisconsórcio parciário é aquele em que a decisão da causa pode ser distinta uma acção de declaração de nulidade ou de anulação de uma deliberação
para cada um dos litisconsortes: se, por exemplo, dois devedores forem demandados social; no entanto, se a acção for proposta por vários sócios, apesar de
para pagamento de uma dívida, um deles pode ser condenado e outro absolvido por o litisconsórcio entre eles ser voluntário, nenhum deles pode desistir do
já ter pago a sua quota-parte. O litisconsórcio unitário é aquele em que a decisão da pedido, dado que a mesma deliberação social não pode ser válida para
causa tem de ser uniforme para todos os litisconsortes72 • Se, por exemplo, for proposta alguns sócios e inválida para outros sócios; o mesmo pode ser dito do art.
0
uma acção de impugnação da paternidade pelo MP (art. 1841.º, n. 1, CC) acção que 353.º, n.º 2, CC, relativo à confissão de factos;
tem de ser proposta contra a mãe, o filho e o presumido pai (art. 1846.º, n.º 1, CC) ~, O art. 288.º, n.º 2, estabelece que, no caso de o litisconsórcio ser necessário
é claro que a decisão de procedência ou de improcedência tem de ser uniforme para a confissão, a desistência ou a transacção de algum dos litisconsorte~
todos os demandados. só releva quanto a custas, ou seja, não é admissível enquanto negócio
(b)O litisconsórcio unitário pode ser voluntário ou necessário, isto é, o litisconsórcio processual; no entanto, este regime só vale para o caso de o litisconsórcio,
pode ser unitário independentemente de ser voluntário ou necessário. O que releva além de necessário, também ser unitário; por exemplo: numa acção proposta
é que, estando em juízo uma pluralidade de partes principais (por opção do autor contra ambos os cônjuges para pagamento de uma dívida comum (art. 34.º,
ou autores ou por imposição dessa pluralidade a estas partes), a decisão tem de ser n.º 3) não é admissível a confissão do pedido por apenas um dos cônjuges
uniforme para todos os autores ou para todos os réus. demandados; em contrapartida, nada obsta à validade da confissão
desistência ou transacção de um dos litisconsortes quando o litisconsórcio'.
6.2. Consagração legal apesar de ser necessário, é parciário; por exemplo: se A emprestar a B e C
(a) A distinção entre o litisconsórcio parciário e unitário não encontra nenhuma uma certa quantia e for estipulado que a quantia tem de ser exigida a ambos
consagração expressa na lei processual civil. Ainda assim, o legislador acabou por os devedores, nada impede que, na acção proposta contra ambos, cada um
definir uma das modalidades do litisconsórcio necessário em função da necessidade deles confesse a sua parte na dívida;
O art. 634.º, n.º l, dispõe que o recurso interposto por uma das partes
vencidas aproveita aos seus compartes no caso de o litisconsórcio ser
necessário; no entanto, mesmo que o litisconsórcio seja necessário, essa
71 O equívoco é de origem chiovendiana: entendendo que, no litisconsórcio necessário,

a decisão deve ser única para todos os !itisconsortes, cf. CHIOVENDA, Saggi II (1993), 455;
na doutrina italiana contemporânea, cf. B!AvA'.n, in Ü!TTR!CH (Ed.), Dpc l (2019), 991: "nel
13
litisconsorzio necessario vi euna causa sola, con piU parti; in quello faco/tativo, vi sono piU Refira-se que PALMA CARLOS, Ensaio, 155, definia o litisconsórcio necessário em função,
cause". entre outros elementos, da "necessidade de uma decisão uniforme para todos os interessados";
ncr. BARBOSA MOREIRA, Litisconsórcio Unitário (1972), 13 e 18 ss. (dados de direito estabelecendo algumas relações entre o litisconsórcio necessário e a uniformidade da decisão
comparado); MENCHINJ, li processo Jitisconsortile I ( 1993), 455 ss. cf. CHIOVENDA, Principii (1928), 1077 ss. ' 351
350
Parte l - Processo Declarativo V. Partes do Processo
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa

extensão dos efeitos do recurso não se verifica se não houver um interesse totalidade (art. 32. 0 , n. 0 l). Assim, o litisconsórcio voluntário permite evitar que o
comum a todos os litisconsortes, ou seja, se o Htisconsórcio, apesar de tribunal decida apenas sobre urna quota-parte de um direito nos casos em que só a
ser necessário, não for unitário; por exemplo: o litisconsórcio entre dois presença em juízo de todos os titulares do direito pode obviar a essa decisão pro parte.
devedores pode ser necessário, nomeadamente por imposição do negócio Por exemplo: A é credor de B e C por€ 60.000; pede essa quantia em juízo só a B; se
celebrado entre as partes (art. 33.º, n.º 1); mas se ambos os devedores forem a obrigação for conjunta, o tribunal condena-o a pagar€ 30.000, pelo que A só pode
condenados e só um deles recorrer, a extensão dos efeitos do recurso só se obter a totalidade da quantia em dívida se demandar B e C.
verifica se a decisão incidir sobre um interesse comum e indivisível entre 2.3. Legitimidade concorrente
eles (e, por isso, o reconhecimento de que o devedor recorrente já pagou
não se pode estender ao devedor não recorrente); portanto, o que releva, (a) A legitimidade concorrente é aquela que é atribuída a cada um dos titulares
para que se verifique o aproveitamento do recurso, não é se o litisconsórcio do direito ou interesse em substituição de todos os demais titulares desse direito ou
interesse. Dito de outro modo: a legitimidade concorrente verifica-se nas situações
é necessário, mas sim se é unitário.
de substituição processual em que, havendo uma pluralidade de titulares, a parte
substituta é um desses titulares e substitui todos os demais titulares do direito ou
III. Litisconsórcio voluntário
interesse.
1. Generalidades (b) A legitimidade concorrente verifica-se, além de outras, nas seguintes situações:
Em caso de contítularidade de direitos obrigacionais em que a lei ou o
A regra é, havendo uma pluralidade de interessados, a da liberdade do autor na
contrato pennite que um só dos contitulares possa agir em juízo pela
escolha das partes da causa: este pode, em regra, intentar a acção contra t?dos os totalidade do direito (art. 32.º, n.º 2); por exemplo: (i) A é credor de B
interessados ou contra alguns deles ou mesmo um só, e pode fazê-lo sozmho ou e C por€ 40.000; pede essa quantia em juízo só a B; se a obrigação for
acompanhado por todos os interessados ou parte deles. Assim, tomando como
solidária, o tribunal condena B a pagar€ 40.000 (art. 512.º, n.º 1, e 519. 0 ,
exemplo wna relação jurídica obrigacional, se um credor na mesma relação tiver três
n.º l, CC); neste caso, o litisconsórcio é voluntário, pois que, se A quisesse,
devedores, pode, em regra, propor a acção contra um só, dois ou todos eles; mutatis
demandava B e C; (ii) D e E são credores de F quanto a uma prestação
mutandis, se três credores tiverem um devedor ou três credores três devedores. Assim, indivisível; qualquer deles tem o direito de exigi-la por inteiro (art. 538.0 ,
não se pode ficar com a ideia de que o litisconsórcio voluntário passivo é o que é
n.º l, CC);
pennitido aos réus; quanto ao litisconsórcio inicial, o activo é pennitido aos autores e
Em caso de atribuição de legitimidade processual a um dos contitulares
o passivo é também pennitido ao autor, embora quanto aos réus. de direitos não obrigacionais; fundamental é o art. 1405.º, n. 0 2, CC,
segundo o qual cada consorte pode reivindicar de terceiro a coisa comum,
2. Regime jurídico
sem que este possa opor-lhe que lhe não pertence por inteiro; as regras da
2.1. Regime geral compropriedade são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à comunhão
O litisconsórcio voluntário é aquele que se verifica quando o que podia ser repartido de quaisquer outros direitos, sem prejuízo do disposto especialmente para
por várias acções é obtido numa única acção. Este litisconsórcio pode ter por base cada um deles (art. 1404.° CC; cf., quanto à posse, o art. 1286.º, n.º l, CC
e, quanto à petição da herança, o art. 2078. 0 , n. 0 l, CC);
uma de três situações:
O direito apreciado na acção é divisível por vários titulares activos ou Em caso de atribuição de legitimidade processual a um de entre os
vários titulares do direito (sem que se possa falar de uma situação de
passivos;
A lei atribui a qualquer titular do direito ou interesse legitimidade para contitularidade); por exemplo: na hipótese de nulidade ou de anulabilidade
tutelar esse direito ou interesse; de uma deliberação social, qualquer sócio pode propor uma acção de
A lei faz depender a produção de certos efeitos da presença dos vários declaração de nulidade ou de anulação de uma deliberação social (art. 57 .º,
interessados emjuízo. n. 0 1 e 2, e 59.º, n.º 1, CSC).

2.2. Divisibilidade do direito 2.4. Litisconsórcio conveniente

Se a acção for intentada por um só ou parte dos interessados ou contra um só Uma modalidade específica de litisconsórcio voluntário é o litisconsórcio
ou parte dos interessados, o tribunal deve conhecer unicamente das qu~tas-parte~ do conveniente, que é o litisconsórcio que a lei impõe, não como pressuposto processual
interesse ou da responsabilidade das partes em juízo, ainda que o pedido abranJa a e para evitar a absolvição da instância (então seria necessário), mas para conseguir 353
352
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I Processo Declarativo V. Partes do Processo

Móveis pertencentes exclusivamente ao cônjuge que os não administra, acção, fica - juridicamente - sem a mobília; a acção deve ser proposta por
salvo tratando~se de acto de administração ordinária (art. 1682.º, n.º 3, A e B ou por B com o consentimento de A;
ai. b ), CC); os casos em que o cônjuge administra os móveis do outro C ou E consideram-se enganados quanto à compra da carrinha ou do táxi,
resultam do art. 1678.º, n." 2, ai. e) a g), CC: utilização exclusiva pelo enganados pelo vendedor; não podem pedir a anulação da compra e venda
cônjuge não proprietário como instrumento de trabalho, impossibilidade por dolo, sem consentimento respectivamente de D ou de F;
de administração pelo cônjuge proprietário, conferência de mandato Q, que está na posse da máquina agrícola de E, recusa-se a devolvê-la e
por este cônjuge; neste caso - administração dos bens de que se não é E quer reivindicá-la; não o pode fazer sem o consentimento de F; note-se
proprietário·-, a regra de que quem administra pode alienar (art. 1682.0 , n.º que é assim quanto à acção de reivindicação (art. 131 l.º CC), em que é
2 CC) não se aplica: o cônjuge que administra bens de que é proprietário posta em jogo a propriedade da coisa (eu sou proprietário e o réu mero
o outro cônjuge não os pode alienar, e o outro cônjuge também não - é possuidor, logo condenem a restituir); se a acção for com base no aluguer
necessário o consentimento de ambos; por exemplo: (i) E e F são casados; (aluguei, o locatário não restituiu, logo condenem), o consentimento já não
E é proprietário de um táxi, que F guia e explora; (ii) E é proprietário de é necessário;
uma máquina agrícola, que arrenda aos agricultores próximos, e cai doente R tomou de arrendamento o prédio x e recusa-se indevidamente a restitW-lo;
ou ausentase, sendo F que passa a administrar a máquina, tratando com se G tiver de o reivindicar, carece do consentimento de H; para a acção de
os agricultores; (iii) E passa mandato a F, para este explorar a máquina; resolução do arrendamento, não; já/ pode reivindicar y sozinho;
em todos estes exemplos, E não pode vender o táxi ou a máquina sem L pretende fazer declarar nulo o trespasse de que resultou a sua propriedade
consentimento de F; do estabelecimento z; não o pode fazer sem consentimento de M; suponha-se
Imóveis, salvo vigorando o regime de separação de bens (art. 1682.ºA, n.º 1, agora que L, com o consentimento de M, trespassa o estabelecimento a S,
ai. a), CC); por exemplo: {i) G e H são casados sem convenção antenupcial e este não lhe paga; a acção de condenação no pagamento de modo algum
e, portanto, em regime de comunhão de adquiridos; G é proprietário do põe em causa a propriedade dez, pelo que pode ser proposta por L, sem o
prédio x; não o pode vender sem consentimento de H; (ii) mas, se / e J consentimento de M;
forem casados com separação de bens e/ for proprietário do prédio y, pode O senhorio de N pretende que a casa foi arrendada só para férias e,
aliená-lo livremente (art. 1735.º CC); portanto, entende que o arrendamento já terminou; N quer fazer declarar
Estabelecimento comercial, salvo vigorando o regime de separação de pelo tribunal que o seu arrendamento é para habitação permanente; não
bens (art. 1682.ºA, n." 1, ai. b), CC); por exemplo: L e Msão casados sem pode propor a respectiva acção sem consentimento de O.
convenção antenupcial, L é proprietário do estabelecimento comercial z; 3.4. Bens comuns: base substantiva
não o pode trespassar sem o consentimento de M;
(a) (i) Quanto aos bens comuns, há que fazer uma importante distinção entre
Casa de morada da família, própria (art. 1682.ºA, n. 0 2, CC) ou arrendada
bens comuns administrados por um só dos cônjuges e bens comuns administrados
(art. 1682.º-B CC); por exemplo: N e O são casados; N é inquilino da casa
por ambos os cônjuges. Os bens comuns administrados por um só dos cônjuges são
onde vivem ambos; não pode denunciar o contrato de arrendamento, e,
fundamentalmente os das ai. b) a e) do n.º 2 do art. 1678.º CC, ou seja:
portanto, abandonar a casa, sem autorização de O.
Bens que constituem proventos do trabalho do cônjuge;
3.3. Bens próprios: regime processual Bens levados pelo cônjuge para o casamento ou adquiridos posteriormente
a título gratuito, assim como os bens sub-rogados; note-se que esta ressalva
Importa analisar a tradução processual do esquema substantivo, que é a seguinte:
só tem valor no regime de comunhão geral de bens: nos outros regimes
só os dois cônjuges, ou um deles com o consentimento do outro, podem propor acções
estes bens são próprios e caem sob a alçada do n.º l do art. 1678.º CC;
que ponham em causa este tipo de bens (art. 34.º, n.º 1), de modo a poder-se verificar, Bens doados ou deixados a ambos os cônjuges com exclusão da
através de qualquer das duas hipóteses de eventum litis possíveis (ganhar a causa ou administração de um deles;
perdê-ia), a saída, da esfera jurídica do cônjuge, de um bem para alienação do qual era Bens comuns utilizados exclusivamente por um dos cônjuges como
necessário o consentimento dos dois. Considerem-se alguns exemplos, moldados nas instnunento de trabalho.
hipóteses anteriores do regime juódico substantivo: (ii) Estes bens comuns são administrados por um só dos cônjuges - o cônjuge
P põe em dúvida que a mobília seja de B; este quer propor uma acção que os adquiriu, designadamente pelo seu trabalho, o que os levou para o casamento,
de simples apreciação para estabelecer a sua propriedade; se perder esta o cônjuge não excluído da administração ou o cônjuge que os utiliza {art. 1878.º,
356 357
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I Processo Declarativo
~-----·· V. Partes do Processo

n.º 2, CC). A possibilidade de alienar vai unida à administração, nos termos do art. administração e acções de disposição. As primeiras não põem em causa a titularidade
1682.", n.º 2, CC, pelo que é possível retirar a seguinte conclusão: o regime dos bens dos bens, mas apenas a sua utilização jurídica: é o caso da acção em que se pede a
comuns administrados por um só dos cônjuges é o regime dos bens próprios. Estes condenação a restituir uma coisa comodatada; as segundas põem em jogo ou risco
bens podem ser em regra administrados e inclusivamente alienados pelo cônjuge em essa titularidade: é o caso da reivindicação. Em concreto:
causa, só não sendo assim nos casos das excepções já referidas; correspondentemente, As acções de administração podem ser propostas por qualquer dos
o cônjuge que os administra pode propor acerca desses bens as acções que entender, cônjuges; por exemplo: A e B, casados, administram em conjunto o prédio
com a ressalva constante do art. 34.", n." l, nos termos explicitados atrás quanto aos comum x; A vende a colheita de laranjas do prédio a C, que não paga; A
bens próprios. Considerem-se os seguintes exemplos: ou B (tanto faz) podem sozinhos accionar C; nesta hipótese, a situação
A e B são casados em regime de comunhão geral de bens; A era, à data do jurídica do prédio não é posta em causa, só as consequências da normal
casamento, proprietário do prédio x; o prédio é bem comum (art. 1732.º administração deste;
CC), mas administrado só por A (art. 1678.0 , n.º 2, ai. c), CC); no entanto, As acções de disposição carecem de ser propostas por ambos os cônjuges
A não tem legitimidade para o reivindicar de C, sem o consentimento de B ou, quando por um só, com consentimento do outro.
(art. 1682.ºA, n. 0 1, al. a), CC; art. 34.º, n." 1); (b) As acções de arrendamento, como designadamente a acção de resolução
No seu testamento, D lega a E e F, casados, o prédio y, excluindo a do arrendamento, são casos muito especiais. O arrendamento típico é um acto de
administração de F; em regime de comunhão (geral ou de adquiridos), administração extraordinária, mesmo independentemente dos seis anos a que se
o prédio é bem comum administrado por E; em regime de separação, o referem os art. I024.º e 1889.º, n.º l, ai. m), CC. É possível deduzir este regime -
prédio é bem próprio de ambos os cônjuges, em compropriedade; sendo além de razões de doutrina-do art. 1682.ºA, n.º 1, CC, que equipara o arrendamento
assim, no primeiro caso, E não tem legitimidade para o reivindicar de G (qualquer que seja o prazo) à alienação ou oneração.
sem o consentimento de F(art. 1682.ºA, n.º l, al. a), CC; art. 34.º, n. 0 l), no
segundo caso, E tem legitimidade para essa reivindicação (art. 1682.º, n. 0 l 4, Litisconsórcio conjugal passivo
pr., CC e, inclusivamente, art. 1405.", n.º 2, CC; art. 34.º, n.º 1).
4.1. Base substantiva
(b) A administração por ambos os cônjuges é, quanto aos bens comuns, teoricamente
a regra; praticamente, porém, só se verifica na hipótese de bens adquiridos a título (a) Antes de analisar o art. 34.º, n.º 3, convém registar duas regras que muito
oneroso após o casamento. O regime dos bens comuns que são administrados por ajudam a justificar o seu regime. São elas as seguintes: as dívidas íncomunicáveis
ambos os cônjuges é distinto para a administração e para a possibilidade de disposição podem fazer-se valer contra o cônjuge devedor, só ele; as dívidas comunicáveis só
ou alienação: podem fazer-se valer contra ambos os cônjuges.
Quando se diz que a administração dos bens comuns pertence a ambos (b) Chamam-se dívidas incomunicáveis às que são da exclusiva responsabilidade
os cônjuges, entende-se isto, quanto aos actos de administração ordinária, do cônjuge a que respeitam (art. 1692.° CC); são as que constam dos art. 1692.º e
disjuntivamente: qualquer dos cônjuges pode administrar; só quanto 1693.º CC e ligam-se ao regime do art. 1696.º, n.º 1, CC: só respondem em regra por
aos actos de administração extraordinária a administração tem de se elas (como é lógico) os bens próprios do cônjuge devedor (nesses bens próprios se
realizar conjuntamente: apenas ambos podem decidir (podendo suprir-se devendo incluir, com um regime especial, a meação dos bens comuns). Esta regra tem
judicialmente o consentimento de um deles, art. 1684.º, n. 0 3, CC); este excepções: alguns bens comuns respondem ao mesmo tempo que os bens próprios:
regime resulta do disposto no art. 1678.º,n.º 3 CC; são os previstos no art. 1696.º, n.º 2, CC.
A prática de actos de disposição quanto a bens administrados por ambos os (c) (i) Chamam-se dívidas comunicáveis as que são da responsabilidade de ambos
cônjuges exige o consentimento de ambos; isto é assim por força, quanto a os cônjuges (art. 169I.º CC). Estas dívidas constam dos art. J69I.º e 1694.º CC e
móveis, do art. 1682.º, n.º l, CC e, quanto a imóveis, do art. 1682.ºA CC. ligam-se ao regime do art. 1695 .º, n.º 1, CC: pelas dívidas que são da responsabilidade
de ambos os cônjuges respondem os bens comuns do casal e, na falta ou insuficiência
3.5. Bens comuns: regime processual
deles, solidariamente, os bens próprios de qualquer dos cônjuges. Do que se trata é
(a) Conhecido o regime substantivo relativo aos bens comuns, há que traduzi- de uma solidariedade entre os patrimónios dos cônjuges, não de uma solidariedade
-lo processualmente. Isso aconselha a importação, para o domínio do processo civil, entre estes cônjuges. Quer dizer: do disposto no art. 1695.", n.º 1, CC decorre que,
da distinção entre administração e disposição. Assim como se distingue entre actos uma vez condenados ambos os cônjuges e se os bens comuns forem insuficientes para
de administração (quer de mera administração ou administração ordinária, quer de o pagamento da dívida comum, então respondem os bens próprios de qualquer deles.
358 administração extraordinária) e actos de disposição, também se pode falar de acções de Portanto, havendo uma solidariedade entre patrimónios, e não entre devedores, não 359
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo V. Partes do Processo

se pode aplicar o estabelecido no art. 32.º, n.º 2, pelo que o litisconsórcio entre os considerar o disposto no art. 1696.º, n.º 2, CC, do qual resulta que é admissível
cônjuges nunca pode ser voluntário. penhorar bens comuns:
(ii) Por uma dívida comlUlicável, o credor paga-se primeiro pelos bens comW1s; Se, no momento em que a dívida foi contraída, eram próprios do cônjuge
antes de excutir os bens comuns, não pode pagar-se por bens próprios de qualquer dos executado (art. 1696. 0 , n.º 2, al. a), CC) ou foram sub-rogados no lugar
cônjuges. É por isso que o credor de uma dívida comunicável tem de ter a possibilidade destes (art. 1696.º, n.º 2, a!. c), CC); por exemplo: A contrai uma dívida
de executar os bens comuns, sob pena de não poder executar nenhuns e de não vir a de€ 40.000 para com B, tendo€ 50.000 de património para responder por
obter a satisfação do seu crédito. Neste pressuposto, é possível estabelecer a seguinte ela; em seguida, casa com comunhão geral de bens com C; na falta daquela
regra: para que a execução possa vir a incidir sobre bens comuns, a acção executiva, disposição legal, o crédito de B não se poderia fazer pagar pelos€ 50.000
bem como a declarativa que a prepare, têm de ser movidas contra os dois cônjuges. que A comunicou à mulher, o que seria injusto;
Isso resulta de um raciocínio assente em dois pontos: Se são bens comuns adquiridos posteriormente por um dos cônjuges a
Não se pode, em regra, penhorar bens comlUls sem ambos os cônjuges título gratuito (art. 1696.0 , n. 0 2, al. a), CC) ou pelo trabalho ou exercício
serem partes na execução; sendo executado só um dos cônjuges, só podem de direitos de autor (art. 1696.º, n.º 2, ai. b), CC); estes bens comuns são
ser penhorados os bens próprios e a meação nos bens comuns (art. 1696.0 , aqueles que são administrados por um só dos cônjuges e de que ele pode
n.º I, CC); é este regime que justifica o disposto nos art. 741. 0 , n. 0 1, e dispor sozinho, ou seja, são os referidos nasal. a), b) e c) do n.º 2 do art.
742.º, n.º l; se forem penhorados bens comuns, o cônjuge não demandado 1678.º CC.
pode defendê-los mediante um meio especial de defesa, os embargos de A extensão das excepções não prejudica, porém, nem a regra, nem a construção
terceiro (art. 343.º);
exposta. Com efeito, para, numa acção relativa a uma dívida comunicável, se poderem
Não podem ambos os cônjuges ser partes na acção executiva, ou seja,
penhorar bens próprios é necessária a excussão dos comuns (art. 1695.º, n.º J, CC).
não se pode mover execução contra ambos os cônjuges, sem terem sido
Portanto, em caso de dívida comunicável e havendo bens comuns, a acção deve ser
ambos partes na acção declarativa precedente (art. 53. 0 , n. 0 1); note-se que
proposta em termos de permitír essa excussão, portanto contra ambos os cônjuges.
a comunicabilidade da divida só pode ser estabelecida na própria execução
se o título executivo não for urna sentença proferida num anterior processo 4.2. Regime processual
declarativo (art. 741.0 , n. 0 l, e 742.º, n.º 1).
(a) Descrita a situação de base, é possível proceder agora à análise do art. 34.º, n."
(iii) Esta solução não é aceite por alguma doutrina, entendendo que a regra que
3. Este preceito estatui que os cônjuges devem estar ambos em juízo como réus em
consta do art. 1695.º, n.º 1, CC é uma regra de protecção ao cônjuge devedor, que
três casos:
a ela pode renunciar, permitindo que os seus bens próprios sejam penhorados e
Acções emergentes de facto praticado por ambos os cônjuges;
vendidos antes dos comuns; e entende-se que renuncia se não cumprir um ónus que
a lei lhe impõe - o de chamar o outro cônjuge a intervir na acção nos termos do art. Acções emergentes de facto praticado por um dos cônjuges, mas em que
316.º, n.º l76• A verdade é que a prioridade da execução dos bens comuns não está na pretenda obter-se decisão susceptível de ser executada sobre bens comuns
disponibilidade do devedor- está estabelecida no art. 1695.º, n.º l, CC e reflectida ou sobre bens próprios do outro;
nos art. 741.º, n.º l, e 742.º, n.º 1. Daqui resulta que a acção movida só contra um dos Acções do tipo das contempladas no art. 34.º, n.º !, ou seja, acções de que
cônjuges, por uma dívida comunicável, está de antemão votada ao insucesso, pelo possa resultar a perda ou a oneração de bens que só por ambos possam ser
menos no plano prático77. Para evitar este resulta.do, o art. 34.0 , n. 0 3, manda propor a alienados ou a perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos.
acção contra ambos os cônjuges. (b) Segundo o estabelecido no art. 34.º, n.º 3, devem ser propostas contra ambos
(d) A este propósito importa focar um ponto complementar: o de que a regra os cônjuges as acções emergentes de acto praticado por ambos: se ambos pediram
segundo a qual só se podem penhorar bens comuns com a presença dos dois cônjuges empresta.do ou compraram a crédito e não pagaram, ambos devem ser demandados.
na acção executiva apresenta excepções importantes. Para as enunciar, é necessário Se for demandado um só, este é parte ilegítima: há litisconsórcio necessário imposto
pelo art. 34.0 , n." 3, pelo que se aplica o art. 33.º, n.º 1. Exige-se nesta hipótese a
presença dos dois cônjuges, porque as dívidas provenientes de acto praticado por
ambos são comunicáveis, nos termos do art. 169I.", n.º l, al. a), CC. Ora, as dívidas
7"Cf. ANSELMO DE CASTRO, Acção Executiva (1977), l 19 ss.; LOPES DO REGO, Com. CPC I comunicáveis têm de fazer~se valer contra ambos os cônjuges: só assim se poderão
(2005), 64; LEBRE DE FREITASll. ALEXANDRE, CPC Anot. l (2018), 102 s. executar antes de mais bens comuns, como o exige o art. 1696.°, n. 0 l, CC.
360 77
ld. ANDRADE PISSARRA, Dir. 146 (2014), 746 ss. 361
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I ·- .Processo Declarativo
V Partes do Processo

Note-se que este regime não é o geral, aplicável a todos: ele só vale para os (d) Atendendo à remissão realizada pelo art 34 ° º 3 · ji
cônjuges. Se A e B pedirem€ 4.000 emprestados a C, este pode, em regra, demandar I d
0 · .,n. m ne paraoart 34º
n. , evem ser propostas contra ambos os côn · ' · ·,
só A ou só B, por€ 2.000 (art. 32.", n." 1 2.ªparte); mas se A e B forem cônjuges, C só os bens cuja faculdade de disposiça-o so· em ambo lJUges_ ~ acções de disposição de
s os conJuges resid . -
pode demandar aos dois, em litisconsórcio necessário. q~e possa resultar quer a perda ou a oneração de bens que só ªb as acçoes de
(c) (i) De acordo com o estatuído no art. 34. 0 , n. 0 3, também devem ser propostas alienados, quer a perda de direitos que só por ambos possam s!°r am .;s p;ssam ser
contra ambos os cônjuges as acções emergentes de facto praticado por um deles, mas propostas contra ambos os cônjuges. O princípio continua a ser :ee:c: os ev~~ ser
em que pretenda obter-se decisão susceptivel de ser executada sobre bens comuns !J?de colo:ar em risco sozinho, como autor ou réu, bens de cuja titu1an:::.~onpoduuge
ou sobre bens próprios do outro cônjuge. Estes actos podem ser actos dispositivos d1spor sozinho. ao e
(transmissão de direitos sobre os bens comuns ou próprios do outro cônjuge) ou actos
vinculativos ou obrigacionais (actos constitutivos de obrigações patrimoniais, a que os 5. Litisconsórcio necessário convencional
bens do devedor estão afectados como garantia comum). Em concreto: 5.1. Caracterização
Quanto aos actos dispositivos, tudo se reduz a ver se o bem de que se
dispõe pode ser penhorado ou apreendido em execução sem estar em juízo
o outro cônjuge; o problema resolve-se, em última análise, pela consulta
dos art. 1682.º a 1683.º CC;
~ litisconsórcio necessário convencional pressupõe a vontade da art . ,

s:b::~~~: ~º
(~ Impõe que~ direito só possa ser exercido por todos ou contra tod:tou
p;;~~~:t 1:i:e:; du~"º·
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saber se esta vdontade incide no domínii
:
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Quanto aos actos vinculativos, os casos em que, por acto praticado por , . convencional
necessano é sem fl d
0 eve enten er-se que O rtis
0 ó ·
1 cons rcm
um só dos cônjuges, poderão ser executados bens comuns ou próprios do A empresta € 1O 000 a B C pre re exo_ e um pacto substantivo. Por exemplo; (i)
outro são os previstos no art. I69 l.º CC (com exclusão da ai. a) do n.º 1), · e e convenciona-se que só dos d · ·
conjugado com o art. 1695.º CC. :er exi~id~a qu~tia mutuada; por força da instrumentalidade ;~:;:s~:iJ~n~~ :~e
(ii) Sendo assim, importa considerar, no âmbito dos actos vinculativos, o regime
de bens em vigor entre os cônjuges: p;:;te~ ~/::d:;, :~r:::n:~~a:ó~:;:/q~:~:~!efa~:~ (ii) parte d~s ~er~ei_ro:
O regime de bens entre os cônjuges é tal que possa haver bens comuns; ~ c:rresdpondente acção de execução específica desse contrat:::!:::ç;::;sa;
neste caso, na futura execução, a penhora deve começar pelos bens comuns; ms ura a por todos os promitente-vendedores78 ser
por isso, devem ser demandados ambos os cônjuges, em litisconsórcio 5.2. Limites
necessário;
O regime de bens entre os cônjuges é tal que não possa haver bens comuns 4 o~io ~possível uma convenção meramente processual. Por exemplo: D empresta€
(separação de bens, designadamente, art. 1735.0 a 1737.º CC); ainda . . a e F e pretende que se estabeleça que a obrigação será (extrajudicialmente)
assim, o litisconsórcio é necessário, porque, apesar de a responsabilidade ~oi)unta.' ~~s 2que, se D for a juízo, só poderá ir contra os dois· então o direito
patrimonial dos cônjuges não ser solidária (art. 1695. 0 , n." 2, CC), isso e ex1g1~ .. 000 a E ou a F não teria acção, o que é contrári~ ao rincí io
não significa que a condenação no pagamento da dívida não tenha de ser correspondencia do direito com a acção (art. 2.º, n.º 2). P P da
exigida a ambos os cônjuges e que o litisconsórcio entre estes não seja 6. Litisconsórcio necessário natural
necessário; por exemplo: se A, casado com B em regime de separação,
contrai perante C uma divida para ocorrer aos encargos normais da vida 6.1. Enquadramento
familiar, esta é da responsabilidade de ambos os cônjuges (art. 1691. 0 , n."
. (a) O art. 33.º, n.º 2, determina que é necessária a ínterven ão de to
l, al. b), CC); por ela respondem -dado que não há bens comuns - os bens
mteressa~o~ quando, pela própria natureza da relação juridica, ela sej: necessJ:s ;s
próprios, primeiro, do cônjuge que contraiu a dívida e, depois, os bens
que a d~,sao a obter produza o seu efeito útil normal. No art 3 º o p a
próprios do outro cônjuge (art. 1695.º, n.º 2, CC), mas disto não decorre
que o credor possa demandar apenas um dos cônjuges nem pela totalidade, ;;:eretizar o que seja :ste ~feito útil normal: a decisão produz~:e~ 'e~~it!' :~~:::~
nem por parte da dívida. a sit~:iou:~::~:~;:;;~~::~~:~~~t~~:~::~o:,f~:::~~~lar definitivamente
Note-se que, num e noutro caso, o cônjuge presente na acção pode sanar a
ilegitimidade resultante de preterição de litisconsórcio necessário, chamando o
cônjuge que não é réu a intervir na acção nos termos do art. 316.0 , n.º 1.
362 7
'STJ 25/6/2009 (351/09.9YFLS8).
363
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I Processo Declarativo V. Partes do Processo

(b) A definição legal deve ser entendida, não tanto como detenninando pela litisconsórcio necessário é o da acção de divisão de coisa comum (art. 1412.º, n.º t, e
positiva a necessidade do litisconsórcio natural, mas mais como delimitando pela 1413.º, n.º l, CC; cf. art. 925.º a 930. 0 ) ou hipóteses análogas (como, por exemplo, a
negativa os casos em que não é necessário o litisconsórcio natural: este litisconsórcio do art. 462.º CC quanto à divisão da prestação), pois que, devendo uma coisa ou uma
não é necessário quando, havendo vários interessados, a decisão proferida em relação quantidade ser repartida entre vários interessados, a divisão só é definitiva se todos
a alguns deles seja definitiva, ou seja, não possa vir a ser questionada, na sua eficácia eles estiverem presentes numa mesma acção.
prática, por uma outra decisão vinculativa para outros interessados. Suponha-se, por Também constituem exemplos de litisconsórcio necessário natural a instauração
exemplo, que A celebra com B, C e D um contrato, que posteriormente pretende de uma acção de simulação de um contrato contra todos os que o celebraram81 , a
anular, por dolo, coacção ou outro vício; se propuser a acção só contra B, a sentença de propositura da acção de preferência por todos os comproprietários que são titulares do
anulação, produzindo caso julgado só em face deste, deixa o acto nulo em face de uns, respectivo direito 82 , a instauração da acção de resolução de um contrato~promessa por
válido em face dos outros; por esta razão, tem-se entendido que, para a decisão a obter todos os promitentes-compradores que o subscreveram83 , a propositura da acção para
produzir o seu efeito útil nonnal, a acção de anulação deve ser proposta contra todos reconhecimento da aquisição por usucapião de uma fracção autónoma contra todos
9
os celebrantes do negócio anulando; é um caso de lítísconsórcio necessário naturaF • os condóminosª4, a instauração da acção de alteração da pensão de alimentos devida
Esta solução só se impõe, no entanto, quando o vício envolver todos os interessados, por um dos progenitores contra ambos os progenitores85 e, por fim, a exigência da
ou seja, quando o objecto da causa for indivisível pelas várias partes processuais, prestação de contas por todos os interessados86 • É ainda exemplo de um litisconsórcio
pelo que, da circunstância de o objecto da causa afectar directamente os interesses de necessário natural a detenninação sobre quem é o credor de um devedor: a questão só
várias pessoas não decorre a necessidade de intervenção de todas elas80 • Assim, por pode ser resolvida numa única acção proposta por um dos alegados credores contra 0
exemplo, não impõe um litisconsórcio natural a impugnação, por invalidade, de um outro e contra o devedor. Em conclusão, o litísconsórcio necessário é natural quando
testamento que beneficia vários herdeiros, porque o testamento pode ser válido em a ausência de algum dos interessados conduziria a uma sentença que seria inutiliter
relação a certos herdeiros e inválido (nomeadamente, por erro, dolo ou coacção: cf. data.
art. 2201.° CC) em relação a outros. (b) O que conta para se exigir o litisconsórcio natural não é a definitividade de uma
decisão global entre todos os interessados, mas a não definitividade de uma decisão
6.2. Caracterização que seja proferida apenas em relação a alguns interessados87 • É, aliás, por isso, que
O litisconsórcio natural é um litisconsórcio necessário e unitário, dado que o que não se verifica nenhum litisconsórcio natural entre vários credores ou devedores: o
o justifica é a circunstância de a decisão do tribunal da causa ter de ser unifonne em que um deles obtém num processo pode ser diferente do que um outro consegue num
relação em todos os litisconsortes. Por exemplo: (i) a acção de impugnação pauliana outro processo, mas a decisão proferida em relação a um deles nunca é inutilizada
tem de ser instaurada pelo terceiro prejudicado contra o alienante e o adquirente (art. pe.la de~isão proferida em relação a outro (por exemplo: a condenação do devedor que
610.º CC); essa impugnação só pode ser julgada procedente ou improcedente contra foi obtida por um dos credores em nada é afectada por uma decisão absolutória do
ou a favor de ambos os demandados; (ii) a acção proposta por um alegado sócio de devedor proferida num outro processo instaurado por um outro credor).
uma sociedade em nome colectivo ou por quotas para a verificação da sua qualidade Assim, não é a circunstância de haver vários interessados que toma o litisconsórcio
de sócio tem de ser proposta contra todos os sócios e a decisão tem de ser unifonne necessário; o que impõe o litisconsórcio natural é a circunstância de uma decisão
em relação a todos eles. O litisconsórcio natural não esgota, no entanto, o campo do
lítisconsórcio unitário, dado que este também se pode verificar quando demandam ou
são demandadas várias partes em regime de litisconsórcio voluntário. 11
STJ 27/l 1/2012 (752/2001.G 1.S 1).
82
STJ 16/1/2015 (1010/06.0TBLMG.Pl.Sl).
6.3. Critério 83
RL 16/1/2007 (8121/2006-1); RP 25/1/2007 (JTRP00040011); STJ 22/10/2015
(a) A maneira mais impressiva de mostrar a necessidade do litisconsórcio natural (2394/11.3TBVCT.G 1.S 1).
é recorrer a um aspecto temporal: o litisconsórcio é necessário se tiver de haver s.STJ 4/10/2018 (4080/l6.9T8BRG-A.GLS1).
8
' Ass. STJ 6/95, de 10/10.
uma decisão simultânea para todos os interessados. Assim, um caso indiscutível de
'ºCf. RL 25/5/2006 (2073/2006-8); RP 1/3/2007 (0730520): RP 22/1 J/2010
(2327/09.7TVPRT.Pl); cf. PINTO-FERREIRA, Themis 19 (2010), 101 s.
7
• ~ C.f., p. ex., RL 9/11/2017 (3831/153T8LS8.Ll-2), na situação em que, numa acção de

J<J Cf. M. DE ANDRADE, Sei. 7 ( 1958), 185 ss. re1vmd1cação de um bem com base em usucapião, se exigiu a presença de um credor hipotecário
364 ""Cf. STJ 27/4/1999, BMJ 486,276. e de vários credores exequentes. 365
Parte ! - Processo Declarativo V. Partes do Processo
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa

are e lar entre apenas alguns interessados correr o risco de se tomar incompatível com A utilidade da tutela pode referir-se à necessidade de um meio processual
~utra decisão igualmente parcelar obtida entre outros interessados. Admita-se, por concreto para obter um resultado ("utilità pmcessuafe"); nesta hipótese,
hipótese, que um terceiro propala que é ele, e não o credor que consta do contrato, ~ue falta o interesse processual se a parte não necessitar do meio processual
é O credor (porque, segundo alega, o crédito lhe foi cedido); se aquele credor quiser concreto para conseguir o resultado, ou seja, se o puder alcançar pela via
obter a declaração de que é ele realmente quem tem direito à prestação, a acção de extraprocessual ou evitando uma duplicação de processos 91 ;
apreciação tem de ser proposta por aquele credor contra o terceiro e contr_a o dev~~or, A utilidade da tutela pode respeitar à utilidade do resultado a obter ("utilità
dado que uma decisão obtida entre os dois alegados credores nunca sena defimttva, sostanziale"); nesta situação, o interesse processual só falta se o resultado
a obter for, em abstracto, inútil.
porque não seria vinculativa para o devedor não demandado.
3.2. Concretização
§ 27.º Interesse processual
(a) Qualquer das referências do interesse processual é doutrinariamente aceitável,
sendo mesmo admissível a conjugação de ambas: o interesse processual pode faltar
I. Aspectos gerais
quer quando, em concreto, o processo não é o meio necessário para obter um resultado,
1. Noção quer quando, em abstracto, o resultado a obter é inútil para a parte que requer a tutela.
O interesse processual (ou interesse em agir) pode ser definido _como o interesse Sendo assim, tudo depende dos dados do direito positivo para se compreender qual a
da parte activa em obter a tutela jurisdicional e o cor~e~pondente mtere.ss~ d~ ~arte referência do interesse processual mun determinado ordenamento processual.
passiva em impedir a concessão daquela tutela;_ A, u~1hdade, da _tutela Juns~,c~onal Quanto ao direito português, importa ter em atenção especialmente o disposto no
constitui (aliás, segundo o velho brocardo pas d mteret pas d achon) a referencia do art. 535 .º, n. 0 l e 2, ai. c) e d). As ai. c) e d) do n.º 2 do art. 535.º respeitam à inutilidade
da acção declarativa atendendo à admissibilidade do processo executivo ou do recurso
interesse processual88 •
extra?rdinário de revisão, ou seja, enumeram dois casos em que a acção é inútil porque
2. Justificação o me10 processual é, em concreto, inútil; no entanto, o n.º 1 do art. 535.º estabelece para
O art. 20.º, n.º I, CRP atribui a todos o direito de acesso aos tribunais. O int~r~sse essas acções inúteis que, se o réu não contestar, o autor fica responsável pelas custas da
processual define as condições do exercício deste direit~ à _ac~ã?, dado que ~ond1c1ona acção. Isto significa que, no direito português, a desnecessidade do meio processual
recurso aos tribunais à utilidade em obter a tutela Jurisdicional requenda. A s.ua concretamente utilizado pela parte não implica a falta de interesse processual 92 , pelo
0
justificação prende-se com razões de econ?mia, porqu~ a _administr~çã~ ~a ~u!t1ça que resta referenciar o interesse processual à utilidade, em abstracto, do resultado a
é um bem escasso que não deve ser ex.aundo na aprecmçao de acçoes mute1s . O obter pelo requerente da tutela ( ou seja, à referida "utilità sostanziale").
interesse processual visa evitar que sejam impostos custos e inc~Od_?s a~ 1?b~_al e~ Em suma: a necessidade da tutela processual concretamente solicitada pela parte
demandado numa situação em que não se justifica o recurso aos orgaos Junsd1c10na1s. não é relevante para aferir o interesse processual; o que é relevante é apenas se a tutela,
em abstracto, é útil ou inútil. Portanto, o interesse processual está assegurado sempre
3. Referência que, em abstracto, a tutela jurisdicional seja útil.
(b) A solução do direito positivo é dogmaticamente antiquada 93 e algo discutível.
3.1. Generalidades
A principal desvantagem da referida solução consiste em permitir uma muito
o interesse processual respeita à utilidade da tutela processual, mas, em teoria, há
90
duas referências possíveis para esta utilidade :

91
É esta a orientação prevalecente na doutrina alemã: cf. RoSENBERGIScHWAB/GoTIWALD,
ZPR (2018), 537.
91 Entendendo que o senhorio tem interesse processual para instaurar uma acção de despejo,
~s As origens do interesse processual remontam à pretensão à tutela j~dica
(Rechtsschutzanspruch): cf. ScHÕNKE., Das Rechtsschutzbedürfnis, 19 ss.; sobre a maténa, cf. mesmo quando pode obter a resolução do contrato de arrendamento pela via extrajudicial, cf.
também MARINELLl, La clausola generale de!l'art. 100 CPC (2005), 23 ss. STJ 6/5/2010 (438/08.5YXLSB.LS.S1); RP 605/2014 (747/13.lTBPVZ.Pl); RP 17/10/2013
s9Cf. METTENHEIM, Der Grundsatz der ProzeBõkonomie im ZivilprozeB (1970), 34 ss.; (2541/l 1.5TBOAZ.Pl).
negando a relevância do interesse processual, porque a consagração legal de um meio de tutela n A solução assenta, no essencial, na distinção entre o interesse processual (ou "interesse na
envolve o reconhecimento de um interesse nessa tutela, cf. ALLORIO, Jus 5 (1954), 548 s. tutela jurídica") e a conduta do réu que dá causa à acção (que releva para efeito de custas) que
9ºCf. SASSANI, Note sul concetto di interesse ad agire ( l 983), 30 ss. era defendida por WACH, Handbuch I ( ! 885), 20 n. 18. 367
366
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo V. Partes do Processo

questionável duplicação de acções, dado que, por exemplo, nada i~pede que, mes~o 2.2. Concretização
quando a acção de condenação seja admissível, a parte comece por mstaura:_ ~a acçao
(a) Os interesses em demandar e em contradizer são, na própria definição que
de simples apreciação e, depois de obter uma decisão favorável ~est~ acçao, t~sta~e
lhes é dada pelo art. 30.0 , n.º 2, interesses correlativos entre si. Isto é: a utilidade
então a acção de condenação. A única consequência desta duphcaçao de a~çoes e a
de que, se o réu não contestar a acção de condenação, o autor fica responsavel pelas decorrente da procedência da acção que justifica o interesse em demandar do autor é
necessariamente correlativa do prejuízo que fundamenta o interesse em contradizer do
custas (art. 535.º, n.º l).
réu. O que uma parte ganha com a procedência da acção é exactamente o mesmo que
a outra perde com essa mesma procedência, e vice-versa.
II. Análise do interesse
Isto permite concluir que, apenas quando o autor tenha ínteresse em demandar,
1. Dualidade do interesse o réu tem interesse em contradizer, porque, somente quando o autor pode conseguir
alguma vantagem através da tutela jurisdicional que solicitou, o réu tem interesse
1.1. Análise da dualidade
em obstar à atribuição dessa vantagem ao autor. Pelo contrário, se o autor não tiver
O interesse processual desdobra-se num interesse em demandar (na expressão do interesse em demandar, porque da tutela jurisdicional requerida não lhe pode advir
art. 30.º, n.º 2) e num interesse em contradizer (igualmente segundo a letra do art. nenhum benefício, então o réu também não tem interesse em contradizer, dado que a
30.º, n.º 2)• • . a· · sua situação não é afectada pela concessão ao autor da tutela jurisdicional solicitada.
- O interesse em demandar é o interesse na obtençao da tutela JU 1cm1 e (b) O interesse processual é um pressuposto que, apesar de ser aferido relativamente
afere-se pelas vantagens decorrentes dessa tutela para a parte acti~a; assi~, a ambas as partes (autor e réu), apresenta a particularidade de ser preenchido
o autor não tem interesse processual quando, em abstracto, nao extrair simultaneamente para ambas as partes: ou ambas têm interesse processual, ou
nenhuma vantagem da concessão da tutela judiciária; nenhuma delas tem interesse processual. Por exemplo: se ao autor não for reconhecido
O interesse em contradizer é o interesse na não concessão dessa tutela interesse em demandar, porque não se reveste de nenhuma utilidade a obtenção de
e avalia-se pelas desvantagens impostas ao réu pela atríbuição daquela uma condenação do réu a abandonar o imóvel quando, dali a dois anos, terminar 0
tutela à contraparte; por isso, o réu não tem interesse processual quando contrato de arrendamento, então ao réu também não pode ser reconhecido interesse em
a concessão dessa tutela, em abstracto, não lhe importar nenhuma contradizer, porque, mesmo que essa condenação ín futurum fosse desde já decretada,
desvantagem. essa parte não sofreria nenhum prejuízo; em contrapartida, se o arrendatário tiver
1.2. Momento da aferição afirmado perante o locador que o seu contrato de arrendamento só termina passados
três anos, então já há que reconhecer quer interesse em demandar ao locador para
A vantagem do autor e a desvantagem do réu são necessariamente apreciadas em obter a condenação do arrendatário a abandonar o imóvel dali a dois anos, porque
relação à situação das partes no momento da propositura d~ ~cção. Só c~nh~c_endo esta condenação se traduz para ele numa utilidade, quer interesse em contradizer ao
esta situação se pode saber se o autor vai obter algum benefic10 com a atnbu1çao da arrendatário, porque aquela condenação implica para essa parte um prejuízo. Em
tutela requerida ou se o réu vai sofrer algum prejuízo com a concessão dessa tutela. suma: se o autor nada ganha com a condenação do réu, então esta parte também nada
2. Correlatividade dos interesses pode perder; se o autor ganha algo com a condenação do réu, então esta parte também
perde algo.
2.1. Generalidades
Qualquer vantagem do autor é naturalmente correlativa d~ u~~ desv~nta~em do III. Aferição do interesse
réu, e vice-versa. Só se o autor beneficiar algo com a tutela Jud1cial obt~da e que o
1. Generalidades
réu terá algum prejuízo; e o autor só aufere alguma vantagem se a conce~sao _da tutela
implicar para o réu alguma desvantagem. Disto resulta que, se o auto~ tive~ mteresse O interesse processual é um pressuposto processual respeitante à parte activa e
em demandar (ou seja, se essa parte extrair alguma vantagem na sua s1tuaçao perante correlativamente ao réu, que é aferido pela posição de ambas as partes perante a
o réu com a concessão da tutela judiciária), então o réu tem igualmente interesse em utilidade da tutela jurisdicional. O interesse processual é aferido objectivamente com
contradizer, porque tem interesse em opor-se à vantagem que o autor pretende obter base na referida utilidade: se, objectivamente, a tutela jurisdicional solicitada for útil
com a tutela judicial requerida. ao requerente, está assegurado o interesse processual. Aspectos subjectivo-volitivos
368 369
l de Castro Mendes/ M, Teixeira de Sousa Parte 1- Processo Declarativo V. Partes do Processo

(como o "querer da tutela jurídica") não têm nenhuma importância para a aferição do 3. Legitimidade vs, interesse
interesse processual9''.
3.1. Prioridade da legitimidade
2. Utilidade da tutela O interesse processual pressupõe a legitimidade processual, no sentido de que, se
2.1. Aspecto positivo as pa~~s da a~ção não forem partes legítimas, nem sequer se coloca a necessidade
da análise do mteresse processual. Por exemplo: se o credor propuser a acção
(a) Sempre que se possa estabelecer a correspondência entre um ius e a actio, cob rança da d'IV1'da, nao
- contra o devedor, mas contra um familiar abastado do de para
d
ou seja, sempre que o autor seja titular de um direito de acção (art. 2.º, n.º 2), está 1 -~
e c aro qu~ nem sequer se coloca o problema do interesse processual. Não pode deixar
assegurado, em princípio, o interesse processuar. Quando, por exemplo, o autor
de ser assim, porque, de outro modo, como o familiar do devedor sofre um prejuízo
alega um direito a uma prestação já exigível (nomeadamente, um direito de crédito),
o interesse em obter a tutela judicial está normalmente preenchido, porque o autor com a sua c.ondenação ~' portanto, segundo o disposto no art. 30.°, n.º 2, tem interes~e
pode conseguir, através da sentença proferida na acção condenatória, a realização em contradizer, ser-se-ta levado ao absurdo de reconhecer que o interesse processual
coactiva dessa prestação numa subsequente acção executiva. O mesmo se passa se se encontra preenchido na acção em que é demandado um familiar do devedor.
o autor invoca um direito potestativo (o direito ao divórcio, por exemplo): também 3.2. Prioridade do interesse
nesta hipótese está implicitamente reconhecida a utílidade da tutela judicial, porque
a mudança jurídica decorrente do exercício daquele direito subjectivo só é realizável (a) Se a regra é a da priori~ade da legitimidade perante o interesse processual, há,
no entanto, que contar com a situação da tutela de direito absolutos isto é de dire't los
através de uma sentença judicial. À • ' ,

~ue apenas.tem t1t:nlares e não_ titulares (e não, como sucede nos direitos relativos,
(b) A situação é diferente quando o ius invocado pela parte não seja suficiente para
~1~18:1'es actlv~s e titulares passivos). Se, sendo o objecto da tutela um direito relativo,
lhe atribuir o direito de acção. Por exemplo: se a obrigação ainda não está vencida, a
e fa~Il determt~ar quem são as partes legítimas (que são, naturalmente, o titular activo
mera invocação pelo autor do seu direito de crédito não lhe permite intentar uma acção
e o btularpass1vo do direito), o mesmo não sucede se o objecto da tutela for um direito
exigindo o cumprimento da prestação, pelo que só através da análise do interesse
absoluto. Nesta hipótese, sabe-se que uma das partes tem de ser o titular do direito
processual se pode determinar se o credor é titular do direito de acção e pode exigir
mas, em teoria, qu~lquer não ~it:n~ar tem legitimidade para ser demandado em juízo. '
a condenação infuturum do devedor no cumprimento (futuro) dessa obrigação (art.
De molde a evitar a poss1b1hdade de qualquer não titular ser demandado numa
557. 0 )%.
acção de.si~ples a~re~iação de um direito absoluto (como, por exemplo, numa acção
2.2. Aspecto negativo de. aprecmçao do d1re1to de propriedade de um imóvel), exige-se que O demandado
A utilidade da tutela judicial garante o interesse processual, pelo que a ausência seJa, de e~tre todos os não titulares, apenas alguém que sofra algum prejuízo com esse
reconhecimento, ou seja, exige-se que o demandado tenha interesse em contradizer na
daquela utilidade implica a falta deste interesse. Falta o interesse processual, porque
falta qualquer interesse em exercer o direito de acção. Por exemplo: o requerente da acepç~o ~o art. 30.º, n.º 2.· .N~sta hipótese, excepcionalmente, o interesse processual
tem pnondade sobre a leg1ttm1dade processual, porque a determinação do demandado
revisão de uma sentença estrangeira não tem interesse processual quando, por força
é realizada pelo interesse processual.
de um regulamento europeu, essa sentença já se encontra reconhecida em Portugal; a
(b) O problema não se coloca noutras formas de tutela de direito absolutos. Se,
tutela pretendida - o reconhecimento da sentença - é, mesmo em abstracto, inútil 97 •
por exemplo, em vez de se tratar de uma acção de apreciação da propriedade de um
apartamento, se tratar de uma acção de reivindicação desse apartamento sabe-se
contra quem é que esta acção deve ser proposta: a acção de reivindicação não' pode ser
04 Dif. WJESER, Das Rechtsschutzinteresse des Klãgers im Zivi!prozeB ( 1971 ), 40 ss., 44 ss., proposta contra qualquer não titular, mas, segundo o disposto no art. 131 l.º, n.º l, CC
238 e 241. apenas contra um possuidor ou um detentor do apartamento. '
" 5 Cf. RP 9/1/1990, ROA 50 (1990), 159 (anot. MENEZES CORDEIRO); STJ 7/11/1990, ROA

50 (1990), 703 (anot. MENEZES CORDEIRO). IV. Qualificação do interesse


%Entendendo que, se o réu não utiliza cláusulas contratuais gerais que atentem contra a boa
fé, não pode ser demandado em acção inibitória destinada a proibir o uso, para o futuro, dessas 1. Pressuposto processual
cláusulas, cf. STJ 12/5/2011 (1593.08.0TJLSRLL.Sl).
97
RC 20/11/2008 (232/08.3YRCBR); RC 20/11/2008 (480/07.3YRCBR); RE 2/4/2020 O interess~ proc~ssual é °1:1
pressuposto processual, pelo que, como qualquer outro
370 (12/20.8YREVR). pressuposto, e afendo exclusivamente perante o objecto definido pelo autor. Por este
37!
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo
V. Partes do Processo

motivo, a sua apreciação deve ser totalmente autonomizada do julgamento do mérito (ii) Perante este enunciado, um problema que é suscitado pelo art. 535.º, n.º I, é
da acção. o de saber se os casos em que se considera que o réu deu causa à acção são apenas
Disto decorre que a contestação do mérito não envolve a contestação do interesse aqueles q~e constam do, art. 535.º, n.º 2, ou se aquele preceito pode ter o sentido
processual: o réu que contesta o interesse limita-se a alegar que o autor não retira
de uma clausula geral. E preferiveJ esta segunda solução, dado que O disposto no
nenhuma utilidade da tutela judicial requerida; quando o réu contesta o mérito, está a
~·, 535.º, n.º l, pode ter um campo de aplicação mais vasto do que o conjunto das
contestar, não a utilidade daquela tutela, mas a própria concessão dessa tutela.
htpoteses reguladas no art. 535.0 , n. 0 2. Por exemplo: o réu, demandado numa acção de
2. Orientações negativistas condenaç~o (art. 10.º, n.º 3, ai. b)), não deu causa a esta acção quando, no momento
da propositura pelo mesmo demandante de uma anterior acção de simples apreciação
2.1. Apresentação (a:1· 10.º, n~º 3; al. aJ),já se verificava a situação de incumprimento que teria justificado
(a) O art. 535.º, n.º l, estabelece que, quando o réu não tenha dado causa à acção a tns~uraçao imediata de uma acção condenatória; assim, se o réu não contestar esta
e a não conteste, as custas são pagas pelo autor. Perante o disposto no art. 535.º, n. 0 postenor acção de condenação, é sobre o autor que recai a obrigação do pagamento
l, alguma doutrina nega a qualificação do interesse processual como um pressuposto das custas, mesmo que venha a obter na acção uma decisão de procedência.
processual" porque a falta daquele interesse implica, não a inadmissibilidade de 2.2. Valoração
conhecer do mérito da causa, mas a responsabilidade do autor pelas custas da acção,
ainda que esta seja considerada procedente98 • Importa avaliar esta orientação. Do disposto no art. 535.
0
,
0
n. 2, pode retirar-se uma conclusão negativa e uma
(b) (i) As eventualidades nas quais o autor, apesar da procedência da acção, é conclusão positiva:
responsável pelas custas encontram-se referidas no art. 535.0 , n.º 2, segundo o qual o A co~cl~são negat~va é a de que o interesse processual não pode ter como
pagamento das custas incumbe a essa parte nas seguintes situações: refer~ncia a necessidade da tutela jurisdicional; o disposto nas ai. c) e d) do
O autor exerce um direito potestativo que não tem origem em nenhum facto prece1~0 mo~tra q.u~ a desnecessidade do emprego do meio processual não
ilícito praticado pelo réu (art. 535.º, n. 0 2, al. a)); por exemplo: o autor obsta a adm1ss1bthdade da acção; esta conclusão impede que o interesse
propõe uma acção para constituição de urna servidão de passagem (art. 1550.º processual tenha como referência a necessidade do meio processual·
CC), não tendo o réu jamais colocado qualquer obstáculo a essa constituição; A .conclusão positiva é a de que a utilidade da tutela jurisdicional as~gura
A obrigação do réu só se vence com a sua citação ou depois da propositura o mteresse processual; o estabelecido nasal. a) e b) do preceito demonstra
da acção (art. 535.", n.º 2, al. b); cf. art. 805.º, n.º 1, CC); por exemplo: o que_bast~ que ~ r~querente tenha interesse na tutela requerida para qua a
autor intenta uma acção pedindo a condenação do réu no pagamento de acçao seJa adm1ss1vel; esta conclusão mostra que o interesse processual e a
uma obrigação pura; responsabilidade pelas custas se movem em planos distintos.
O autor, munido de um título executivo, intenta uma acção condenatória
Em suma: n? o~enament~ processual português, o interesse processual não pode
(art. 535.º, n.º 2, al. c)); por exemplo: o sacador de uma letra propõe uma ~er como referencia a necessidade do meio processual, mas nada obsta a que esse
acção condenatória do sacado (art. 703. 0 , n.º l, al. c)); mteresse tenha como referência a utilidade da tutela requerida.
O autor, podendo interpor recurso de revisão, usa sem necessidade do
processo de declaração (art. 535.0 , n.º 2, ai. d); cf. art. 696."); por exemplo: V. Regime jurídico-positivo
o confitente ou desistente, em vez de recorrer ao recurso de revisão para
impugnar a decisão transitada com fundamento na nulidade da confissão ou 1. Função
desistência (art 696.º, ai. d)), intenta uma acção para declaração daquela
nulidade ou da desistência (art. 291. 0 , n.º l); apesar de o art. 291.º, n.º 2, O ~tere!se pr?ce~sual _visa definir as condições nas quais a mera alegação de
admitir a alternativa entre a propositura da acção de declaração de nulidade uma situa?ª~ ~ub3ectiva nao mostra a utilidade da tutela requerida pelo seu titular.
e a interposição do recurso de revisão, a verdade é que, pelo menos na l!m propnet~o, apenas pelo facto de alegar sê-lo, não pode intentar uma acção de
perspectiva do autor, a escolha não é indiferente. simples apreciação contra qualquer sujeito, pois que não é evidente que utilidade é
qu.e ~sse proprietário pode retirar da declaração do seu direito contra todo e qualquer
SUJet1?; ~~ntudo, se houver uma ameaça grave à violação desse seu direito, então 0
propnetário pode propor uma acção para reconhecimento do seu direito contra o autor
98 Cf., neste sentido, LEBRE DE FREITAs!I. ALEXANDRE, CPC Anot. II (2017), 441; R. P:lNTO,
da ameaça. Portanto, o interesse processual visa assegurar a utilidade da acção nas
372 O Recurso Civil (2017), 193.
373
J. de Castro Mendes / M. Teixeira de Sousa Parte J Processo Declarativo V. Partes do Processo

hipóteses nas quais a mera alegação da situação subjectiva pelo demandante não é pode ser reconhecido o interesse em demandar, traduzido na utilidade decorrente
suficiente para mostrar a sua utilídade 99 • da procedência de uma acção de simples apreciação, se não tiver sido criada uma
situação de incerteza objectiva sobre o seu direito e se essa acção não se destinar a
2. Consagração dissipar as dúvidas sobre a titularidade do direito de propriedade. Aquele proprietário
2.1. Apreciação geral é parte legítima segundo o critério do art. 30.0 , n. 0 l, mas falta-lhe, segundo o disposto
no art. 30.º, n. 0 2, o necessário interesse processual para a propositura dessa acção de
(a) (i) A exigência do interesse processual consta do. art. 30.º, n.º. 2, no q~a! se simples apreciação.
define O interesse em demandar e o interesse em contradizer. O preceito, segumdo a (b) A distinção entre o interesse em demandar e em contradizer referidos no art.
concepção dominante na época da sua elaboração (art. 27.º CPC/1939), enquadra o 30.º, n.º l, e os homónimos interesses definidos no art. 30.º, n.º 2, reflecte a diferença
interesse processual no âmbito da legitimidade processuaP 00 • Actualmente: contudo, o entre a legitimidade e o interesse processual e a prioridade daquela legitimidade
interesse deve ser distinguido da legitimidade processual: enquanto pelo mteresse se perante este interesse. Em concreto:
determinam as condições em que a parte pode recorrer aos tribunais, pela legitimidade A legitimidade processual (a que se refere o art. 30.º, n.º l) afere se estão
1
define-se qual o sujeito que pode discutir em juízo u~ certo objecto ~ro~essualto : , em juízo as partes que têm interesse em obter a tutela jurisdicional; a
Um interesse que é aferido pela vantagem proveniente da proceden_cia da ac~a? e legitimidade processual visa evitar que estejam em juízo terceiros estranhos
necessariamente correlativo do interesse que é detenninado em funçao do preJmzo ao objecto da acção;
decorrente dessa procedência para a contraparte: a vantagem conseguida pelo O interesse processual (a que respeita o art. 30.º, n.º 2) avalia a utilidade
autor corresponde ao prejuízo imposto ao réu, e vice-versa. Neste caso, o interesse da tutela jurisdicional, isto é, averigua se, pressupondo que ambas as partes
é O mesmo embora perspectivado pela diferente posição de cada uma das partes são legítimas, aquela tutela implica alguma vantagem para o autor e alguma
processuais'..- é esse o interesse definido no art. 30.0 , n.º 2. ,Pelo contrário: um interesse correlativa desvantagem para o réu; o interesse processual destina-se a evitar
que é apreciado pela utilidade resultante da tutela favoravel ao a.utor e o, oposto ~o que, entre partes legítimas, existam acções inúteis.
interesse que é aferido pela utilidade derivada de uma tutela fav?ravel ao re~: a acçao
2.2. Inutilidade superveniente
só pode ser julgada favoravelmente ao autor ou ao réu, pelo que so.um dess~s ~nteresses
pode ser satisfeito pela decisão final. Nesta hipótese, há que considerar dms interesses Além do disposto no art. 30.º, n.º 2, o interesse processual encontra uma
antagónicos - é a estes interesses opostos que alude o art. 30.º, n.º 1. concretização na extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (art.
Em conclusão: 0 art. 30.º, n.º 2, refere-se ao interesse processual (o interes~ de 277.º, al. e)). O interesse processual tem de existir durante toda a pendência da causa,
uma das partes implica o interesse da outra); o ar:t· 30:º, n.º l, .~s~eita à legitim1~:ie ocorrendo aquela extinção quando o autor perde o interesse na tutela requerida e,
das partes (a legitimidade de uma das partes não 1mphca a leg1ttm1dade .da outra) . . por isso, o interesse processual durante a pendência da acção (art. 849.º, n.º 1, al. c)).
(ii) A demonstração de que os interesses em dem~~ e e1;1 contradizer r~fendos Por exemplo: o autor intentou uma acção para protecção de uma patente; durante a
no art. 30.º, n.º 1, nada têm em comum com os homommos mtere~ses defimd~s no pendência da causa verifica-se a caducidade da patente; o autor deixou de ter interesse
art. 30.º, n.º 2, pode ser realizada através de um exemplo. Considere-se o tJ.tular processual, porque a tutela judicial lhe é inútil.
de um direito de propriedade; este sujeito possui um interesse em demandar:, por
3. Apreciação
isso, é parte legítima, porque é titular do objecto do processo; no entanto, nao lhe
3.1. Caracterização
(a) A falta de interesse processual é uma excepção dilatória, porque corresponde
9'J Restringindo O interesse processual às acções de mera apreciação e aos procedimentos
à falta de um pressuposto processual (art. 576.º, n.º 2). Como a generalidade das
cautelares, cf. ATIARDI, Interesse ad agire {1955), l 71 e 230 s. . . . . excepções dilatórias, também a falta desse pressuposto implica a absolvição do réu da
IOOCf. ALBERTO DOS REIS, Com. CPC I {1960), 40 s.; na área do contencioso ~dmm1strat1vo, instância (art. 576.º, n.º 2, e 278.º, n.º 1, ai. e)).
cf. M. CAETANO, Dir. 91 {1959), 169 ss.·-M. CAETANO, A construção de uma doutnna portuguesa (b) Porque o interesse processual é um pressuposto que, além de procurar obviar
deDireitoPúb!ico{2012), 163 ss. à sobrecarga da administração da justiça com acções inúteis, também visa evitar que
1o, Cf., p. ex., M. J. CAPELO, Interesse Processual e Legítimídade Singular nas Acções de
o réu seja inutilmente incomodado, o reconhecimento da falta desse interesse cede
Filiação (1996), 31 ss. _ . perante a improcedência da acção: é o que decorre do disposto no art. 278.º, n.º 3 2.ª
374 ioiDif. CASTANHEIRA PEREIRA, Interesse Processual na Acçao Declarativa (20! l ), 29 ss. 375
Parte 1- Processo Declarativo V Partes do Processo
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa

renda mensal pode pedir a condenação do obrigado no cumprimento das prestações


parte. Assim, 0 réu não deve ser absolvido da instância por falta ~esse p~essupost~ se1? em atraso e daquelas que se vencerem futuramente.
que O tribunal averigúe se, nesse momento, lhe é possí:el concl~u ~ela 1m~rocedenc1: (b) As acções inibitórias são aquelas em que o autor requer a condenação do réu na
da acção: se houver elementos que justificam esta 1mpr~c:denc1_a., ~ tn.bunal dev omissão ou abstenção da prática de um acto lesivo de um direito de que é titular aquela
absolver O réu do pedido. Não faria sentido impor a absolv1çao da mstan~ta pela falta
parte activa. Estas acções visam impor a omissão de qualquer conduta futura do réu
de um pressuposto processual cuja finali~de_ é exact~ente proteger o reu, da~o q~: que represente uma violação de um direito do autor, que pode ter origem contratual ou
esta parte passiva obtém com a improcedenc1a da acçao um resultado qu~ lhe e ma legal. São, por isso, distintas das acções condenatórias cujo objecto é uma prestação de
favoráveJ1º3. Por exemplo: 0 autor propõe uma acção de conden!ção/n~turum sem nonfacere, porque nestas últimas o autor requer o cumprimento imediato da conduta
que estejam preenchidas as condições estabelecidas no art. 557., n. 2 mfine; 0 r~u omíssiva.
demonstra que não celebrou nenhum negócio com o autor do qual de_corra a prestaç~o
A ameaça de lesão do direito do autor pelo réu não é um elemento constitutivo
que este exige· a decisão de improcedência é a que melhor tutela os mteresse~ do reu,
do interesse processual, mas da própria pretensão à omissão que está subjacente à
pelo que O tribunal não deve absolvê-lo da instância com base na falta de mteresse
acção inibitória 1°5 • Por exemplo: o autor pode requerer as providências adequadas para
processual. evitar a consumação da ameaça da ofensa à sua personalidade física ou moral (art.
3.2. Conhecimento 70. 0 , n. 0 2, CC; cf. art. 878.0 ); o possuidor que tiver justo receio de ser perturbado
ou esbulhado por outrem pode requerer que o autor da ameaça seja intimado para se
o interesse processual é um pressuposto de conheci~ent~ oficioso. É o que ~esulta abster de qualquer violação da sua posse, sob pena de condenação no pagamento de
da circunstância de a generalidade das excepções ddatónas ser de conhecimento
uma multa e dos prejuízos que causar àquele possuidor (acção de prevenção da posse,
oficioso (art. 578.º). art. 1276.° CC). Em ambos os casos, a ameaça da violação faz surgir uma pretensão à
omissão contra o autor da ameaça.
4. Casuísmo
4.1. Acções condenatórias 4.2. Acções constitutivas
(a) As acções condenatórias in futurum são ~quelas em ~ue o autor: pr~e~do (a) As acções constitutivas são aquelas em que o autor pretende obter uma mudança
a violação do dever de cumprimento, pede - a titulo ~reven~vo, po~e dtzer se a na ordem jurídica existente (art. 10.0 , n. 0 3, al. c)), nomeadamente com fundamento
condenação do réu no cumprimento de uma prestação amda nao vencida e, ~ortanto, num direito potestativo. O interesse processual está assegurado nestas acções se esse
- · , (-- !Oº n º 3 a1 b)). É reconhecido interesse processual para mstaurar direito não puder ser exercido fora do processo. Assim, existe interesse processual
naoex1g1ve1 '"" , , · , · . 7º A ·
uma acção de condenação infaturum nas situações previstas no art. 55 . . ~stm, o para instaurar uma acção de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, porque
autor tem interesse processual quando a falta de titulo executivo na data do vencm:ento o correspondente direito potestativo só pode ser exercido através de uma acção judicial
da prestação lhe puder causar grave prejuízo (art. 557.º, n.º 2 infine): es~ ~c7ao de (art. l 773.º CC); pela mesma razão o interesse processual está assegurado na acção de
condenação in faturum tem carácter preventivo. Por exemplo, o devedor _sol~dáno, que anulação do casamento (art. 1632.º CC) ou na acção de declaração da insolvência pelo
já foi condenado pela totalidade da dívida, pode solicitar a condenaçao m futurum devedor(art. 18. 0 , n. 0 l, e 20. 0 , n. 0 l, CIRE).
dos demais devedores, prevenindo a hipótese de vir a_ser.obriga~~ a satisfazer uma (b) Nas demais situações, o autor tem, em princípio, interesse processual, porque
restação de valor superior à sua quota-parte nas relaçoes mtemas . a acção constitutiva lhe garante a utilidade decorrente da mudança na ordem jurídica.
p o autor, credor de obrigações periódicas, também te,.111 in~eresse processual y~ Note-se, no entanto, que o autor pode ficar responsável pelas custas quer se o réu não
pedir a condenação do réu no cumprimento das prestaçoes vmcendas (a~.. 557. , n. tiver dado causa à acção e a não contestar (art. 535.0 , n.º 1) - é o que sucede quando
1): esta acção de condenação in futurum assegura ao cre_dor. uma tutela umca P~ o o direito potestativo puder ser exercido por acto unilateral do demandante ··, quer
seu direito. Se, por exemplo, 0 comprador a prestações nao tive~ pa~o u~a prestaça~, quando o autor se propuser exercer um direito potestativo que não tenha origem num
vendedor pode intentar uma acção pedindo a condenação do reu nao so na prestaçao acto ilícito do réu (art. 535.0 , n. 0 2, ai. a)) - como sucede na acção de constituição ou
0
vencida, como também nas prestações vincendas (art. 934.° CC); o credor de uma extinção de uma servidão legal (cf., por exemplo, art. 1550.º, n.º l, CC).

10, Cf. SCHUMANN, AvaµVT]Çl"LKOÇ Toµoç Eµµavouri"- MtKEÀtlKl"j (1972), 553 ss. º Cf. FRITZSCHE, Unter!assungsanspruch und Unterlassungsklage (2000), 585.
1 1
377
376 104STJ 27/9/2012 (663/09.lTVLSB.Ll.Sl).
Parte 1- Processo Declarativo V: Partes do Processo
J. de Castro Mendes J M. Teixeira de Sousa

4.5. Apreciação negativa


4.3. Acções de simples apreciação
Nas acções de simples apreciação- que são aquelas em que o autor pede a declaração Nas acções de símples apreciação negativa, o interesse processual resulta de o réu
da existência ou da inexistência de um direito ou de um facto (art. 10.º, n.º 3, ai. a)) -- imputar, de forma expressa, tácita ou implícita, um dever ao autor que é negado por
esta parte. Por exemplo: o autor tem interesse para instaurar uma acção de simples
não se faz valer um direito subjectivo (porque não há um direito à declaração), pelo que
apreciação na qual pede que seja declarado que o réu não é titular do direito de crédito
a utilidade da tutela que afere o interesse processual só pode tomar como referência
que afirma possuir contra o autor. É evidente que não se pode considerar admissível
a própria declaração da existência ou inexistência do direito ou do facto 106 . Não há,
uma acção proposta por um sujeito contra qualquer outro sujeito para que nela se
quanto a este aspecto, nenhuma especialidade das ac~ões de sim~les ap~eciação, declare que o demandado não possui nenhum direito contra o demandante se aquela
dado que também nas acções condenatórias e nas acçoes constitutivas o mteresse parte passiva jamais alegou qualquer direito contra o autor. Daí que, quanto às
processual é aferido em função da utilidade da tutela requerida pelo autor. Nas acções acções de simples apreciação negativa, o interesse processual só esteja preenchido
de simples apreciação, o interesse processual encontra-se preenchido quando o autor se o réu afirmar ser titular de um direito contra o autor; neste caso, é reconhecido ao
tem um interesse atendível na declaração da existência ou não existência do direito autor interesse processual para propor uma acção na qual é pedida a declaração da
ou do facto. inexistência do direito invocado pelo réu.
4.4. Apreciação positiva 4.6. Consequências da apreciação
(a) Nas acções de simples apreciação positiva, o interesse processual exige que o (a) Se estiver pendente uma acção de mera apreciação (positiva ou negativa), a
direito se encontre numa situação de incerteza objectiva, resultante normalmente da parte demandada não pode instaurar uma acção condenatória contra o autor, dado que
sua negação pelo réu. Por exemplo: o autor tem interesse em intentar uma acção de a citação daquela parte obsta a que ela possa propor contra o autor uma outra acção
simples apreciação para obter a declaração da sua propriedade sobre um imóvel que destinada à apreciação da mesma questão jurídica (art. 564.º, al. c)). Possível é, no
é reivindicado (extrajudicialmente) pelo réu 1º7 • O interesse processual exige que o entanto, a dedução na acção de simples apreciação de um pedido reconvencionai do
direito exista e seja controvertido no momento da propositura da acção, ou seja, não réu de conteúdo condenatório do autor (art. 266.º, n.º 1 e 2, ai. d)).
pode ser um eventual direito futuro ou um direito eventualmente controvertido no (b) Quando, depois da acção de apreciação, o autor instaure contra o mesmo réu,
futuro 1º8 • Neste último caso, o interessado tem à sua disposição a acção de condenação uma acção condenatória, esse autor duplica inutilmente as acções propostas, pois
infuturum (art. 557.0 , n.º 2). que podia ter instaurado apenas uma acção condenatória em que podia obter quer a
(b) Uma acção de apreciação positiva sobre uma questão prejudicial sem qualquer declaração do direito, quer a condenação do réu no cumprimento de uma prestação
autonomia perante o respectivo efeito jurídico não é admissível, dado que a mera decorrente do direito. Assim, se o réu não contestar a acção condenatória, há que
entender que o autor fica responsável pelas custas, porque o réu não deu causa à acção
apreciação daquela questão não se reveste de nenhuma utilidade jurídica (embora
ou, mais propriamente, porque não deu causa à duplicação de acções (art. 535.º, n.º 1).
possa resolver uma dúvida do demandantef 09 • Por exemplo: não é admissível a acção
destinada à verificação (sem declaração) da nulidade de um acto jurídico, à declaração 4.7. Apreciação incidental
da anulabilidade de um negócio jurídico ou à declaração da modificabilidade de uma As acções de apreciação incidental são aquelas em que o autor ou o réu pede que
decisão respeitante a uma obrigação duradoura. Em contrapartida, é admissível uma determinada questão prejudicial suscitada nessa acção seja apreciada com força de
acção de apreciação negativa relativa a essa questão prejudicial. Por exemplo: é caso julgado material (art. 91. 0 , n. 0 2). Deste modo, se, por exemplo, o autor pede o
admissível uma acção que visa a declaração de que um negócio jurídico não é nulo. pagamento de uma indemnização por violação de uma propriedade de que afirma ser
titular, essa mesma parte pode pedir que o tribunal aprecie e declare essa titularidade
com força de caso julgado material; também o réu, que contesta a acção invocando
a nulidade do contrato, pode pedir que o tribunal aprecie esta nulidade com força de
caso julgado material.
Nas acções de apreciação incidental, o interesse processual é igualmente aferido
1 °" Sobre o enquadramento doutrinário do interesse em agi mas acções de simples apreciação, pela incerteza objectiva que se formar sobre a existência ou inexistência do direito e,
cf. GARlGLlA, in DITTRJCH (Ed.) Dpc I, 834 ss. e 840 ss. portanto, pela utilidade da tutela pretendida. Simplesmente, como a propositura ou a
'º7Cf. ANTUNES VARELA.IM. P. BELEZA, CJ 87/1, 10 ss. contestação da acção principal indiciam normalmente essa incerteza, esse interesse
10scf. JACOBS, Der Gegenstand des Feststellungsverfahrens (2005), 278 ss. processual está assegurado por regra.
l09Cf. ROSENBERG/SCHWAB/ÜOTIWALD, ZPR (2018), 540 s. 379
378
J. de Castro Mendes / M. Teixeira de Sousa Parte I Processo Declarativo V. Partes do Processo

§ 28." Modificações subjectivas da instância x a B; eu sou sucessor de A (habilitacão-legitimidade activa) e C é sucessor de B


(habilitação-legitimidade passiva); por isso, peço a condenação de C a entreganne x.
[. Preliminares Neste caso, não há nenhuma modificação subjectiva da instância: a parte ou partes
As partes iniciais são determinadas pelo autor na petição inicial; citado o réu, a iniciais são, desde logo, os transmissários do direito ou situação jurídica. A apreciação
instância deve, em princípio, manter-se a mesma quanto a essas partes (art. 260.º). No pelo juiz, favorável ou desfavorável ao autor, da habilitação-legitimidade não produz
entanto, podem verificar-se modificações subjectivas da instância. Tais modificações efeitos de caso julgado, por ser um mero fundamento da decisão, excepto se essa parte
podem fundamentalmente ser de dois tipos, que o art. 262 ..º refere: _ . fizer uso do disposto no art. 91.º, n.º 2.
A habilitação, que é utilizada para promover a mtervençao de um terceiro (b) Uma outra fonnaé a que se verifica nos processos que têm como objecto principal
perante o processo, mas não perante alguma das partes, isto é, a intervenção ou como um dos objectos principais a demonstração da sucessão na titularidade de
de uma parte em sentido material (art. 351.0 , quanto à habili~ação do um complexo de situações jurídicas: é o caso da acção de petição de herança (art.
sucessor mortis causa, e art. 356.º, quanto à habilitação do adquirente ou 2075.º a 2078.º CC). É a habilitaçãoacção ou habilitação-principaJll1, cuja decisão
cessionário); deixa definitivamente resolvida a questão da sucessão.
A intervenção de terceiros, que é utilizada para promover a intervenção de
(c) A prova da aquisição por transmissão de certa situação jurídica pode dever fazer-
alguém que é terceiro perante o processo e perante qualquer das partes do
se no decurso de um processo, a fim de o transmissário se substituir ao transmitente
processo, ou seja, a intervenção de um terceiro em sentido (apenas) formal
também na titularidade da relação jurídica processual que tem essa situação jurídica
(art. 311. 0 a 350.º).
por objecto. Está-se então na presença da habilitaçãoincidente 112 , regulada nos art.
351.º a 357 .º. Das hipóteses analisadas é a única em que há uma modificação subjectiva
II. Habilitação
da instância (art. 262.º, al. a)) e, por isso, o único caso que agora importa analisar.
1. Generalidades 2.2. Habilitação-incidente
1.1. Noção (a) Quando a necessidade de habilitação resulta de uma eventualidade que se
Chama-se habilitação à prova da aquisição, por sucessão ou transmissão, da verifica quanto ao objecto do processo - a transmissão ou a sucessão-, a habilitação
titularidade de um direito ou complexo de direitos ou de outra situação jurídica ou processa-se através de uma tramitação particular e, portanto, através de um incidente,
complexo de situações jurídicas. o incidente de habilitação (art. 351.º e 357.º). Este incidente pode ser de dois tipos
diferentes, consoante resulte da sucessão por morte ou nos bens de uma pessoa
1.2. Admissibilidade
colectiva extinta (art. 351.0 , n.º l, e 354.º, n.º 3) ou da transmissão entre vivos da
A habilitação possibilita a mudança da parte inicial por uma pru:te subs:que~te. No situação jurídica litigiosa (art. 263.º, n.º l). Existe uma diferença profunda entre a
entanto, a habilitação só pode verificar-se nos casos previstos na lei, o que 1mphca que habilitação por sucessão por morte e a habilitação por transmissão entre vivos: a
não é admissível uma mudança voluntária de uma parte por outra parte. primeira é obrigatória, a segunda facultativa.
Em caso de morte (ou extinção de pessoa colectiva), a lei pretende que o processo
2. Espécies de habilitação
não continue nem finde sem que se dê a habilitação, condição da admissibilidade do
2.1. Enunciado mesmo processo; em caso de transmissão entre vivos, a lei permite a habilitação, mas
(a) Em processo, a prova da aquisição da titularidade do direito ou situação jurídica se ela se não fizer, nem por isso o processo deixa de correr os seus termos até final.
pode fazer-se por uma de três formas. Uma delas é ~tr~vés da .petição ou requerimento (b) Se for parte na causa uma pessoa colectiva que se extinga, a habilitação dos
inicial da acção e dos actos de prova subsequentes (md1ferenciados dos outros actos de sucessores faz-se em conformidade com o regime geral (art. 354. 0 , n.º 3). Há que
prova do processo) para a demonstração da titularidade da situação jurídica invocada. considerar, no entanto, o regime especial aplicável às sociedades comerciais: após a
É a habilitaçãolegitimidadell°, à qual se refere, por exemplo, o art. 54.º, n.º 1 2.ª parte extinção da sociedade comercial, esta considera~se substituída pela generalidade dos
(e O regime da acção declarativa é idêntico). Por exemplo, o autor diz: A emprestou

111
ALBERTO DOS REIS, CPC anot. I (1948), 574.
380 llO ALBERTO DOS RE1s, CPC anot. l (1948), 574. Ili ALBERTO DOS REIS, CPC anot. I (1948), 573. 381
J. de Castro Mendes f M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo V. Partes do Processo

§ 28.º Modificações subjectivas da instância x a B; eu sou sucessor de A (habilitacão-legitimidade activa) e C é sucessor de B


(habilitação*legitimidade passiva); por isso, peço a condenação de C a entregarme x.
I. Preliminares Neste caso, não há nenhuma modificação subjectiva da instância: a parte ou partes
As partes iniciais são determinadas pelo autor na petição inicial; citado o réu, a iniciais são, desde logo, os transmissários do direito ou situação jurídica. A apreciação
instância deve, em princípio, manter*se a mesma quanto a essas partes (art. 2~0.º). ~o pelo juiz, favorável ou desfavorável ao autor, da habilitação-legitimidade não produz
entanto, podem verificar-se modificações subjectivas da instância. Tais mod1ficaçoes efeitos de caso julgado, por ser um mero fundamento da decisão, excepto se essa parte
podem fundamentalmente ser de dois tipos, que o art. 262.º refere: . fizer uso do disposto no art. 91.º, n. 0 2.
A habilitação, que é utilizada para promover a intervenção de um terceuo (b) Uma outra forma é a que se verifica nos processos que têm como objecto principal
perante o processo, mas não perante alguma daslartes, ist~ é, a i~~erv~nção ou como um dos objectos principais a demonstração da sucessão na titularidade de
de uma parte em sentido material (art. 351. , quanto a hab1htaçao do um complexo de situações jurídicas: é o caso da acção de petição de herança (art.
sucessor mortis causa, e art. 356.°, quanto à habilitação do adquirente ou 2075.º a 2078.° CC). É a habilitaçãoacção ou habilitação-príncipaJl 11, cuja decisão
cessionário); deixa definitivamente resolvida a questão da sucessão.
A intervenção de terceiros, que é utilizada para promover a intervenção de
(c) A prova da aquisição por transmissão de certa situação jurídica pode dever fazer-
alguém que é terceiro perante o processo e perante qualquer das partes do
se no decurso de um processo, a fim de o transmissário se substituir ao transmitente
processo, ou seja, a intervenção de um terceiro em sentido (apenas) formal
também na titularidade da relação jurídica processual que tem essa situação jurídica
(art. 31 Lº a 350.0 ).
por objecto. Está-se então na presença da habilítaçãoincidente 112 , regulada nos art.
351.º a 357 .º. Das hipóteses analisadas é a única em que há uma modificação subjectiva
II. Habilitação
da instância (art. 262.º, ai. a)) e, por isso, o único caso que agora importa analisar.
1. Generalidades 2.2. Habilitação-incidente
1.1. Noção (a) Quando a necessidade de habilitação resulta de uma eventualidade que se
Chama-se habilitação à prova da aquisição, por sucessão ou transmissão, da verifica quanto ao objecto do processo - a transmissão ou a sucessão -, a habilitação
titularidade de um direito ou complexo de direitos ou de outra situação jurídica ou processa-se através de uma tramitação particular e, portanto, através de um incidente,
complexo de situações jurídicas. o incidente de habilitação (art. 351.0 e 357.0 ). Este incidente pode ser de dois tipos
diferentes, consoante resulte da sucessão por morte ou nos bens de uma pessoa
1.2. Admissibilidade
colectiva extinta (art. 35l.º, n.º l, e 354.º, n.º 3) ou da transmissão entre vivos da
A habilitação possibilita a mudança da parte inicial por uma parte subsequente. No situação jurídica litigiosa (art. 263. 0 , n. 0 I). Existe uma diferença profunda entre a
entanto, a habilitação só pode verificar-se nos casos previstos na lei, o que implica que habilitação por sucessão por morte e a habilitação por transmissão entre vivos: a
não é admissível urna mudança voluntária de urna parte por outra parte. primeira é obrigatória, a segunda facultativa.
Em caso de morte (ou extinção de pessoa colectiva), a lei pretende que o processo
2. Espécies de habilitação
não continue nem finde sem que se dê a habilitação, condição da admissibilidade do
2.1. Enunciado mesmo processo; em caso de transmissão entre vivos, a lei permite a habilitação, mas
(a) Em processo, a prova da aquisição da titularidade do direito ou situação j~dica se ela se não fizer, nem por isso o processo deixa de correr os seus termos até final.
pode fazer-se por uma de três formas. Uma delas é através da petição ou requenmento (b) Se for parte na causa uma pessoa colectiva que se extinga, a habilitação dos
inicial da acção e dos actos de prova subsequentes (indiferenciadas dos outros actos de sucessores faz-se em conformidade com o regime geral (art. 354.0 , n.º 3). Há que
prova do processo) para a demonstração da titularidade da situação jurídica invocada. considerar, no entanto, o regime especial aplicável às sociedades comerciais: após a
É a habilitaçãolegitimidade 110, à qual se refere, por exemplo, o art. 54.°, n.º 1 2.ª parte extinção da sociedade comercial, esta considera-se substituída pela generalidade dos
(e o regime da acção declarativa é idêntico). Por exemplo, o autor diz: A emprestou

Ili ALBERTO DOS REls, CPC anot. I (1948), 574.


380 "º AulERrO DOS REIS, CPC anot. l (1948), 574. ''
2
ALBERTO DOS Rms, CPC anot. I (1948), 573. 38!
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte l Processo Declarativo V. Partes do Processo

sócíos, representados pelos liquidatários (art. I62.º, n.º l, CSC), não havendo lugar 3.5. Habilitação-incidente
nem a suspensão da instância, nem à habilitação de sucessores (art. 162.°, n.º 2, CSC).
. (a) Abs~ai~do destes casos particulares, a morte de uma das partes não dá lugar,
3. Morte ou extinção dtrecta ou mdtrectamente, à extinção ou limitação da instância: o processo continua
com o mesmo objecto. Vão então suceder-se nele três fenómenos:
3.1. Generalidades
A comunicação e prova da morte; em caso de morte de uma das partes,
Se falecer uma das partes, quatro sub*hipóteses se podem verificar: a extinção do qualquer das partes sobrevivas tem o dever de comunicar esse facto no
processo por inutilidade superveniente da lide, a continuação do processo para fins processo e de o documentar(art. 270.º, n.º 2); igual dever tem o mandatário
limitados, a extinção do direito material e, por fim, a habilitação. · · se o houver - da parte falecida: trata*se de uma manifestação do dever de
colaboração com a justiça, porque o mandato caducou com a morte (art.
3.2. Inutilidade superveniente
1174.º, ai. a), e 1175.º CC);
Em certas hipóteses, falecendo uma das partes, o processo extingue*se, por A suspensão da instância; o juiz deve lavrar despacho, suspendendo a
impossibilidade superveniente da lide (art. 269.º, n. 0 3; cf. art. 277.º, al. e)). Assim instância, retroactivamente ao momento da morte em si: este regime resulta
sucede quanto ao divórcio ou separação judicial de pessoas e bens por mútuo do disposto nos art. 269.º, n. 0 l, ai. a), e 270.º, n.º 3; a suspensão, ex vi do
consentimento (art. 1775.0 , n. 0 1, CC); o mesmo acontece se, no processo de art. 269.º, n.º l, al. a), deve ser ordenada ex ojficio, inclusivamente valendo-
acompanhamento de maiores, falecer o requerido (se falecer o requerente, pode ser -se o juiz dos poderes que lhe confere o art. 436.º para documentar O facto
substituído pelo MP ou por outra pessoa com legitimidade ex vi do art. 141.º CC) no processo; são nulos os actos praticados no processo posteriormente
antes do interrogatório e do exame. à data em que ocorreu o falecimento ou extinção em relação aos quais
fosse admissível o exercício do contraditório pela parte que faleceu ou se
3.3. Restrição da finalidade extinguiu (art. 270.º, n.º 3);
Em alguns casos, falecendo uma das partes, o processo continua para fins limitados. A habilitação (art. 351.º, n.º 1); suspensa a instância, deve procedeMe à
Verifica-se tal situação: habilitação; e.sta não é de iniciativa oficiosa, podendo ser requerida pelas
Na acção de divórcio litigioso ou separação de pessoas e bens sem o pessoas refendas no art. 351. 0 , n.º l: qualquer das partes sobreviventes e
consentimento de um dos cônjuges (art. 1785.º, n.º 3, e 1794.º CC); qualquer dos sucessores.
Nas restantes acções de estado civil: anulação de casamento (art. 1639.0 , (b) Um ponto que pode acarretar dúvidas é o da retroactividade da suspensão da
1640.º, n.º 2, e 1641.° CC), investigação da maternidade (art. 1818.º e instância. A lei prevê como facto primário determinador da suspensão da instância
1825.º CC), impugnação de paternidade (art. 1844.º e 1846.º, n.º 2, CC), a morte~ parte ('.111. 269.º, n.º l, ai. a)); os restantes factos necessários para que
anulação da perfilhação (art. 1862.º CC) e investigação de paternidade (art. a suspensao efectJ.vamente opere - comunicação, documentação, despacho (art.
1873.' CC). 270.º)- são meros factos secundários. Sendo assim, deve seguir-se a regra geral, que
aflora ~cerc~ do facto secundário prototípico (condição, art 276. ° CC): se é certo que
3.4. Extinção do direito os efe1t?s so se produzem pela verificação do facto secundário, no entanto devem
Das hipóteses em que o processo se deve extinguir por perder o seu objecto, há retrotralf-se ao momento do primário.
a diferençar aquelas em que a morte da parte é facto extintivo do direito material. 1;}e ~~tra form~, o regime traria injustiças. Suponha-se que num processo em que
0 _reu htJ.ga por s1 (art. 40.º, n.º 1, ai. a)), ele guarda a contestação para o último
Suponha-se, por exemplo, que A, usufrutuário de x, o reivindica da posse de B;
falecendo A, extingue-se o usufruto{art. 1476.º, n.º 1, al. a), CC); da mesma forma, dia do prazo que tem para contestar; mas falece nesse dia. Caso a suspensão se não
se C litiga com D acerca de uma pensão vitalícia ou de alimentos (art. 2013.º, n. 0 l, reportasse a esse momento, mas houvesse de tomar em conta a demora (mesmo a
ai. a), CC). Nestes casos, a morte ou extinção da parte não geram a impossibilidade d:mor~ no~!) de comunicação, documentação e despacho, o prazo perder-se-ia e 0
ou inutilidade da lide: é pura e simplesmente um facto superveniente extíntivo, que o reu sena considerado revel.
tribunal deve considerar na sentença final (art. 611. 0 , n.º 1). Deve, portanto, proceder- 3.6. Prova da habilitação
-se à habilitação (os sucessores podem querer impugnar a eficácia extintiva do facto)
(a) (i) A habilitação demonstra-se através de uma das seguintes formas:
e aplicar-se, quanto à alegação daquele facto superveniente, o regime estabelecido nos
art. 588.º e 589.º para os articulados supervenientes. - Se a. q~lidade de herdeiro ou aquela que legitimar o habilitado para
382 substitmr a parte falecida já estiver declarada noutro processo, por decisão
383
l de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I Processo Declarativo V. Partes do Processo

transitada em julgado, a habilitação tem por base certidão da sentença (art. art. 1639.°, n.º 2 (acção de anulação do casamento fundada em impedimento
353.º, n.º l); o outro processo a que se refere o art 353.º, n.º 1, pode ser dirimente), 1640. 0 , n.º 2 (acção de anulação do casamento fundada na falta
um processo dirigido especificamente a habilitar~ habilitação-acção ~ ou de vontade), 1641.º (acção de anulação do casamento fundada em vícios da
um processo em que se realizou a habilitação-incidente; mas tem de ser um vontade), 1819.º (acção de investigação da maternidade) e 1862.º (acção de
processo em que hajam sido partes as pessoas a quem se opõe a habilitação, anulação da perfilhação) CC;
pois que a decisão sobre esta não produz efeitos erga omnes (art. 353.º, n.º Sucessão particular alteradora: suponha-se que A. casado no regime de
2); separação de bens com B, morreu deixando dois filhos, C e D, e, por
Se a qualidade de herdeiro ou aquela que legitimar o habilitando para testamento, instituiu herdeiro da sua quota disponível E; à data da morte,
substituir a parte falecida estiver reconhecida em habilitação notarial, A era parte nas seguintes acções pendentes em juízo: (i) como autor, numa
a habilitação tem por base certidão da escritura (art. 353.º, n.º l); a acção de reconhecimento de paternidade movida contra F; (ii) como réu,
habilitação notarial está regulada nos art. 82. 0 a 85.º CNot: é a declaração numa acção de condenação em€ 10.000 movida por G; na primeira acção,
feita, em escritura pública, por três pessoas que o notário considere dignas só se habilitam B, C e D (art. 1818.º e 1873.° CC); na segunda acção,
de crédito, de que os habilitandos são herdeiros do falecido e não há quem habilitam-se B, C, D e E.
lhes prefira na sucessão ou quem concorra com eles (art. 83.º CNot); os (b) Se, depois de habilitados certos sucessores, estes (todos ou alguns) repudiarem
efeitos desta habilitação vêm estabelecidos no art. 86.º, n.º l, CNot: a a herança, este repúdio tem de ter reflexo na legitimidade da parte. O repúdio da
habilitação notarial tem os mesmos efeitos da habilitação judicial, isto é, herança representa o desaparecimento não físico, mas jurídico --- dos sucessores
daquela que é realizada em processo, naturalmente não vinculando aqueles habilitados. O habilitado tem o ónus de comunicar esse repúdio no processo, seguindo-
que a não promoveram ou não aceitaram; -se a suspensão da instância e nova habilitação. Se a demora no repúdio tiver sido
Se a qualidade de herdeiro estiver dependente da decisão de alguma causa determinada pelo desejo de perturbar ou demorar o processo, o herdeiro litiga de má
ou de questões que devam ser resolvidas noutro processo, a habilitação não fé (art. 542.º, n.º 2, ai. d)).
se suspende, não se aplicando, por isso, o regime geral do art. 272.º, n.º 1;
3.7. Tramitação do incidente
a lei segue antes o sistema de chamar todos os interessados a serem partes
(art. 354. 0 , n. 0 2); O incidente de habilitação é autuado por apenso (art. 352.º, n.º 2) e consta
Se correr inventário, têm-se por habilitados os herdeiros que nele forem fundamentalmente dos seguintes trâmites:
reconhecidos (art. 353.º, n.º 4); Requerimento, com junção dos documentos probatórios e indicação dos
Não se verificando nenhum dos casos anteriores, a habilitação é feita com restantes meios de prova (art. 351.º, n.º I; cf. art. 293.º, n.º l); no caso
base na prova apresentada pelo requerente (art. 351.0 , n.º l, e 293.º, n.º 1). de a legitimidade do sucessor já se encontrar estabelecida, observa-se o
(ii) A solução dos quatro primeiros casos só se mantém se a sucessão no primeiro disposto no art. 353. 0 ;
processo, ou indicada notarialmente, for válida no segundo. Com efeito, deve notar-se Citação dos sucessores do falecido que não forem nem requerentes, nem
que certas causas têm uma sucessão particular. Em regra, o sucessor ou sucessores in partes e notificação das partes não requerentes (sejam ou não sucessoras
universum ius recebem todos os direitos e continuam todas as obrigações do de cuius;
mas há acções com sucessão particular, de três tipos:
J:: do falecido); por exemplo: A demanda B e C; B morre, deixando como
herdeiros D e E; qualquer dos sobreviventes - A, C, D ou E - pode requerer
a habilitação, suponha-se que é A quem a requer; C é notificado do facto
Sucessão particular limitativa·. entre todos os sucessores, JX)dem prosseguir
as acções de reconhecimento judicial de maternidade ou de paternidade
tt e D e E são citados (art. 219.º, n.º 1 e 2); esta citação é edital no caso de
incertos (art. 355. 0 , n.º l);
apenas o cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou os
Contestação no prazo de lO dias (também com junção de documentos e
descendentes do filho (art. 1818.º CC, aplicável ao reconhecimento judicial
indicação dos restantes meios de prova: cf. art. 293. 0 , n. 0 1 e 2); a falta de
da paternidade por força do art. 1873 .º CC);
contestação é inoperante (art. 353.º, n.º 3, e 354.º, n.º 1), pois que, de outra
Sucessão particular aumentativa: a sucessão na posição do autor de uma
forma, não se compreenderia a exigência, realizada pelo art. 354.º, n.º l, da
acção de responsabilidade civil por ofensa ilícita, ou ameaça de ofensa à
produção da prova depois de findo o prazo da contestação (e não depois da
sua personalidade física e moral, cabe ao cônjuge sobrevivo ou qualquer
apresentação da contestação);
descendente, ascendente, innão, sobrinho ou herdeiro do falecido (art. 73 .º e
Produção de prova, se a ela houver lugar (art. 354.º, n.º l, conjugado com
71.º, n.º 2, CC); outras soluções de uma idêntica sucessão encontram-se nos
384 os art. 352. 0 , n. 0 2, e 353. 0 ); 385
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo V. Partes do Processo

Decisão, que tem o valor de sentença: sentença de habilitação (art. 353.º, à necessária liberdade do comércio jurídico" 113 • Já não era essa a solução no direito
n.º 3, e 354.º, n.º l); português mais antigo (art. 786.º a 788.º e 1557." CC/1867) e continua a não ser no
- Notificação desta decisão às partes na habilitação, notificação que faz direito actual (art. 579. 0 a 581.º, 876.º e 1202.º a 1204.º CC). Tanto a transmissão da
cessar a suspensão da instância, nos termos do art. 276.º, n.º 1, al. a). posição do autor - direito de crédito, direito real -, como a transmissão da posição
3.8. Decisão do incidente jurídica do réu - dever, posse, direito de crédito, direito real·~ justificam a habilitação.
(c) A habilitação do adquirente ou do cessionário é facultativa e não pode ser
O valor da decisão de habilitação é o seguinte: suscitada oficiosamente. Isso quer dizer que a transmíssão entre vivos do direito
A qualidade de herdeiro ou aquela que legitimar o habilitando para
litigioso não afecta, em princípio, o processo: o transmitente ou cedente continua
substituir a parte falecida (meeiro, legatário), declarada noutro processo
0 em juízo como substituto processual do adquirente ou cessionário (art. 263.°, n.º 1),
por decisão transitada em julgado, serve de base à habilitação (art. 3 53.º, n.
pelo que, se ninguém solicitar a habilitação, o juiz julga à mesma de mérito (entre as
1); a decisão de habilitação produz caso julgado fora do processo, embora
partes iniciais), ignorando a transmissão. Podem requerer a habilitação o cedente ou
não erga omnes, pois que não vincula os interessados que não foram parte
transmitente, o cessionário ou transmissário e ainda a parte contrária (art. 356.0 , n. 0
no primeiro processo (art. 353.º, n.º 2);
2). Assim, se A reivindica x contra B e se A vende x a C, A, B e C podem requerer a
A improcedência da habilitação não obsta a que o requere~te deduza o~tra,
habilitação de C; se B vender x a D, A, B e D podem requerer a habilitação de D.
com fundamento em factos diferentes ou em provas diversas relativas
ao mesmo facto (art. 352.°, n.º 3); quer dizer: a sentença de habilitação 4.2. Aspectos do procedimento
favorável produz efeito de caso julgado, dentro e fora do processo, embora
A habilitação pode ter por base termo de cessão ou requerimento de habilitação em
só entre as partes, mas a sentença de habilitação desfavorável vê os seus
conjunto com o título da aquisição ou da cessão (art. 356.º, n.º 1, ai. a)). Depois de ser
efeitos fortemente atenuados pelo disposto no art. 352.º, n.º 3, pois que
lavrado o termo de cessão ou junto o requerimento de habilitação, é notificada a parte
este preceito permite a renovação da habilitação, no processo em que foi
contrária para contestar (art. 356.0 , n. 0 1, ai. a) l.ª parte). O notificado pode impugnar
proferida ou noutro, invocados ou novos factos ou novas provas, ou ambas
as coisas; apesar de a redacção do art. 352.°, n.º 3, dar a entender que, no a validade do acto ou alegar que a transmissão foi feita para tomar mais difícil a sua
posição no processo (art. 356.º, n.º 1, al. a) 2.ª parte), isto é, invocar que o substituto
mesmo processo, a habilitação só pode ser requerida com base em n?:'ªs
provas, a renovação com base em novos factos também deve ser adm1hda processual agiu de má fé (art. 542.0 , n. 0 2, al. d)). Se houver contestação, o requerente
pode responder-lhe e em seguida, depois de produzidas as provas, é proferida decisão
afortiori.
(art. 356.0 , n. 0 1, ai. b) !.ªparte); se não houver contestação, verifica-se se o documento
4. Transmissão entre vivos prova a aquisição ou a cessão e, no caso afirmativo, declara-se habilitado o adquirente
ou cessionário (art. 356.º, n.º 1, ai. b) 2.ª parte).
4.1. Características da habilitação
4.3. Âmbito do caso julgado
(a) A habilitação por transmissão entre vivos encontra-se regulada no art. 356.º,
devendo ainda considerar-se o art. 263.º quanto à qualidade de substituto processual O problema que se levanta não é tanto o da admissibilidade da habilitação, como
que é atribuída ao transmitente ou cedente. A habilitação por transmissão entre viv~s o dos efeitos do caso julgado sobre a parte não presente no processo quando este for
pressupõe a transmissão de direito ( ou coisa) ou dever litigioso. Apesar de, em relaçao decidido. O problema desdobra-se em dois: cabe averiguar se, não havendo habilitação,
ao réu, a propositura da acção só produzir efeitos depois da c~tação (art. 2:9.º, n.º o caso julgado obtido vincula o cessionário ou adquirente; impõe-se ainda verificar se,
2), há que entender que qualquer transmissão ocorrida depois da propo~1tli~ra ~ havendo habilitação, o caso julgado obtido vincula o cedente ou transmitente.
acção determina a aplicação do art. 263. 0 , o que significa que, se a transm1ssa~ fot
realizada pelo réu antes da sua citação, essa parte é citada já na qualidade de substituto
processual do adquirente.
(b) A lei pode tomar, sobre a matéria da transmissão do direito litigioso, ~ma
posição extrema, que consiste em "proibir as alienações, durante a lide, das c?1~as
l!lCHIOVENDA, [stituzioni II/\ (1935), 495; cf. também WIDMANN, in Ü!TTRICH (Ed.), Dpc
litigiosas [ .. .)", mas "este remédio radical, que encontramos adoptado no d~1~0 I (2019), 942 ss. e 961 ss.; sobre a situação no direito romano, cf. MARJNI AvoNzO, I Jimiti
romano e no direito comum, tem muitos inconvenientes, sendo, sobretudo, contrano alia disponibi!ità del!a «res litigiosa)) nel diritto romano (1967), !73 ss.; RucKTESCHLER, Die
386 VerãuBerung streitbefangener Gegenstãnde (2021 ), 24 ss. 387
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo V. Partes do Processo

4.4. Vinculação do adquirente acção, vende x a C; C habilita-se, deixando A de ser parte; B ganha o processo, e esta
(a) O problema da vinculação do cessionário ou adquirente é resolvido pelo art decisão transita em julgado; cabe perguntar se A pode, depois do trânsito em julgado,
263.°, n.º 3. Suponha-se que A move uma acção contra B, pedindo a declaração de d~mandar de novo, alegando a transmissão para C e negando que o caso julgado o
ser ele A, e não B, proprietário de x; suponha-se ainda que, no decurso da acção, vincule. Dado que a decisão de habilitação deixou assente um nexo de sucessão entre
A e C, estes sujeitos são a mesma parte do ponto de vista da sua qualidade jurídica
A transmite a C entre vivos os seus direitos sobre x ou que B transmite a D entre
(art. 581.º, n.º 2), ou seja, são partes em sentido material, pelo que há que concluir que
vivos os seus direitos sobre x. Como continuação da hipótese, suponha-se que esta
o caso julgado vincula A e C.
transmissão não dá lugar a nenhuma modificação subjectiva da instância, pelo que
sobrevém sentença - seja condenatória, seja absolutória, mas sempre entre A e B - e III. Intervenção de terceiros
que esta transita em julgado. O problema é o de saber se esta sentença vincula C ou
D (podendo, em caso afirmativo, A mover acção executiva contra o mesmo D ou C 1. Preliminares
contra B).
1.1. Generalidades
A resposta é afirmativa, como se vê do referido art. 263.º. Mantém-se a legitimidade
do transmitente (art. 263.º, n. 0 l) - mesmo sem necessidade de qualquer alteração do (a) Iniciado o processo, ficam determinadas as partes principais e, correlativamente,
pedido 1J4 - e a sentença proferida entre A e B vincula C e D, excepto no caso de a aqueles que o não são ficam na posição de terceiros. Estes terceiros, no entanto, podem
acção estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o passar a partes do processo: ou por se habilitarem como sucessores de uma das partes
registo da acção (art. 263.º, n. 0 3). Este regime não é contrário à limitação subjectiva (art. 262.º, ai. a)) ou através das várias formas de intervenção de terceiros (previstas no
do caso julgado, porque o transmissário C ( ou D) é, em relação a A ( ou B), a mesma art. 262.º, ai. b), e nos art.311. 0 a 350. 0 ). A intervenção pode mesmo ser espontânea
parte, sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (art. 581.º, n.º 2). Declarado por (desde que o terceiro tenha conhecimento da pendência da acção).
sentença contra B que A é proprietário de x, ou que o não é, isso beneficia ou vincula (b) O terceiro interveniente pode assumir uma posição paralela à do autor ou do réu
tanto A e B, como todos os seus sucessores, entre vivos ou por causa de morte. uma oposição ao autor ou ao réu (intervenção ad impediendum ou ad removendum)
(b) Os interesses dos cessionários ou adquirentes - que podem ter a correr contra ou ainda uma posição de auxílio ao autor ou ao réu (intervenção ad assistendum ou
si e conduzidos por outrem um processo em que se trate dos seus interesses - são ad aux_ifiandum ). Sendo assim, são três as figuras a analisar: a intervenção principal,
garantidos: a oposição e a assistência.
Pela possibilidade, nos termos gerais, de anular por erro (simples ou 1.2. Tramitação do incidente
qualificado) a compra se não souberem que x é litigioso (art. 251. 0 e 253.º
CC); Como incidentes da instância, são aplicáveis às intervenções de terceiros as
Pelas regras dos art. 892.0 a 904.° CC sobre a venda de bens alheios; disposições gerais dos art. 292.º a 295.º.
Pela possibilidade de deduzirem a habilitação; o art. 263. 0 , n.º l, mostra 1.3. Pressupostos processuais
que o cessionário ou adquirente pode ser admitido a substituir o cedente ou
transmitente, promovendo, ele, cessionário ou adquirente, a habilitação (cf. A i.ntervenção do terceiro é um acto processual que exige personalidade juríilica,
capacidade judiciária, legitimidade para intervir e, eventualmente, representação por
também art. 356.º, n.º 2) 115• mandatário judicial.
4.5. Vinculação do transmitente 1.4. Produção de efeitos
Se o cedente ou o transmitente tiverem saído da causa, por habilitação do cessionário
A intervenção do terceiro produz, a partir da intervenção espontânea ou da citação
ou do adquirente, importa analisar se, mesmo assim, ele fica vinculado pelo caso
do interessado, os efeitos enumerados no art. 564.º, aplicado analogicamente. Nenhum
julgado. Suponha-se que A reivindica x em poder de B, e, durante a pendência da
efeito é, no entanto, produzido com eficácia retroactiva, isto é, reportado ao momento
da citação do réu inicial, nem mesmo quando a intervenção do terceiro sana uma
situação de ilegitimidade (art.311. 0 , 316.º, n.º l, e 261.º, n.º J).
114
0 ponto é muito discutido na doutrina alemã: cf., p. ex., DINSTHÜLER, ZZP t 12 (1999), Este regime comporta uma excepção. Os credores intervenientes beneficiam da
61 ss. e 81 ss.; RucKTESCHLER, Die Verãuflerung. 101 ss. e 166 ss. interrup~ão da~rescrição decorrente da citação do réu (art. 323.º, n. º !, CC), apesar de
388 115
ALBERTO DOS RE1s. CPC anot. l (1948), 604. esse efeito ter sido produzido num momento em que ainda não eram partes na acção. 389
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo V: Partes do Processo

2. Intervenção principal causa, no estado em que esta estiver. Essa intervenção não é admissível, se a parte
contrária tiver uma defesa pessoal a opor ao interveniente e o estado do processo
2.1. Modalidades gerais já não lhe pennitir fazer valer essa defesa (art. 313.°, n.º 4). Por exemplo: estando
(a) Se estiver pendente uma causa entre duas ou mais pessoas, pode intervir nela pendente uma acção entre A, um dos credores solidários, e B, C, um outro dos
como parte principal aquele que em relação ao objecto da causa tiver um interesse igual credores solidários, adere ao processo; a intervenção não é admissível se o demandado
ao do autor ou do réu (art. 31 l .º), isto é, aquele que for titular de um direito próprio, B invocar que o estado do processo já não lhe permite invocar uma defesa pessoal
mas paralelo ao do autor ou do réu (art 312.0 ), e que, por isso, se possa litisconsorciar contra C (art. 514.º, n. 0 2, CC). Em regra, tal é o que sucede quando o processo já não
com qualquer daquelas partes. A intervenção principal dá origem a um litisconsórcio se encontrar na fase dos articulados.
sucessivo, do tipo de um só pedido ou pedidos idênticos ou indiscriminados, mas o (ii) Na hipótese de a parte contrária - fundamentalmente o réu - ainda poder fazer
litisconsórcio decorrente da intervenção pode ser voluntário (art. 31 l.º (em referência valer uma defesa pessoal contra o interveniente e de, por conseguinte, a intervenção
ao art. 32.º) e 316.º, n.º 2 e 3) ou necessário (art. 31 l.º (em referência aos art. 33. 0 e adesiva ser admitida (art. 313. 0 , n. 0 4), o interveniente pode responder num articulado
34.º) e 316.º, n.º 1). a apresentar num prazo de 10 dias (regra geral dos incidentes da instância: art. 293.º,
(b) A intervenção principal caracteriza-se por se destinar a pennitir a intervenção n.º 2). Em tennos sistemáticos, esta solução não é muito coerente: se uma semelhante
de um terceiro que se vai litisconsorciar com uma das partes primitivas e fazer valer defesa pessoal for deduzida contra o autor originário na contestação e se o processo
um direito próprio contra a outra parte. Esta intervenção pode ser espontânea · isto é, não comportar réplica nos termos do art. 584.º, a resposta daquela parte só pode
da iniciativa do terceiro (art. 31 l .º) - ou provocada por qualquer das partes já presentes acontecer na audiência prévia ou, subsidiariamente, na audiência final (art. 3.º, n.º 4).
no processo (art. 316.º). A intervenção espontânea pode ser activa ou passiva (art. A lei fornece respostas diferentes para hipóteses semelhantes.
311. 0 ) e qualquer destas pode ser adesiva ou autónoma (art. 312.º).
2.3. Intervenção espontânea autónoma
2.2. Intervenção espontânea adesiva
A intervenção principal espontânea também pode ser autónoma: nesta hipótese, o
(a) A intervenção adesiva visa permitir a mera adesão de um terceiro que é interveniente formula, até ao tenno da fase dos articulados, a sua própria petição, se
titular de um direito próprio, mas paralelo ao do autor ou do réu, aos articulados pretender intervir como autor, ou contesta a pretensão do autor, se pretender intervir
de uma destas partes. A intervenção adesiva pode ter por base um litisconsórcio como réu (art. 314.º). Por exemplo: (i) A, B e C são credores (conjuntos) de D de€
voluntário ou necessário (art. 311.º) e é deduzida em simples requerimento, fazendo 60.000; D nega a dívida; A demanda D por€ 20.000; no decurso do processo, C e D
o interveniente seus os articulados do autor ou do réu (art. 313.º, n.º 2). Por exemplo: podem espontaneamente vir tentar cobrar as suas parcelas no crédito, entrando para a
(i) A, um dos credores solidários, propõe uma acção contra B; C, um outro desses posição de autores ao lado de A; (ii) E é credor de uma dívida solidária de F, G e H;
credores, pode intervir como aderente ao lado de A; (ii) D, cônjuge de E, propõe uma E demanda F; G e H podem intervir como réus, procurando demonstrar que o crédito
acção de reivindicação de um terreno contra F; E pode aderir à acção como autor. A alegado por E não existe.
circunstância de a intervenção adesiva pennitir a constituição de um litisconsórcio O interveniente principal autónomo faz valer um direito próprio, paralelo ao do
necessário possibilita que essa intervenção seja utilizada para sanar a ilegitimidade autor ou do réu, através da apresentação de um articulado próprio (art. 314.º). Ambas
decorrente da preterição desse Jitisconsórcio. as partes primitivas podem responder à intervenção requerida pelo terceiro (art. 315.º,
(b) (i) O interveniente tem de aceitar a causa no estado em que esta se encontrar n.º 1). Se a intervenção for admitida, seguem-se os demais articulados (art. 315.º, n.º
e é considerado revel quanto aos actos e tennos anteriores à sua intervenção, mas 1): à petição inicial do interveniente segue-se a contestação do réu, mas, em regra, à
goza do estatuto de parte principal a partir do momento da intervenção (art. 313.0 , n.º contestação desse interveniente, não se segue a réplica (art. 584. º).
3). Assim, pela natureza da intervenção adesiva, o interveniente não pode apresentar
2.4. Intervenção provocada geral
nenhum articulado próprio e nem sequer se pode substituir ao réu na contestação da
acção, mas pode participar em todas as audiências da causa, apresentar e requerer (a) A intervenção provocada pode ser utilizada para sanar a preterição de um
provas, depor como parte, impugnar decisões e intervir em negócios processuais litisconsórcio necessário (art. 316.º, n.º l), para pennitir a constituição de um
(como os de desistência, confissão e transacção). litisconsórcio voluntário (art. 316.º, n.º 2 e 3) e para reconhecer o direito de regresso
A intervenção principal adesiva é admissível a todo o tempo enquanto a causa não de um co-devedor solidário (art. 317.º, n.º 1).
estiver definitivamente julgada (art. 313.º, n.º 1): trata-se de uma simples adesão à (b) Se ocorrer preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode
390
chamar ajuízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu 391
J. de Castro Mendes f M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo V. Partes do Processo

associado, seja como associado da parte contrária (art. 316.º, n.º l). Por exemplo: da sociedade civil (art. 997.º, n.º 2, CC) ou da sociedade em nome colectivo
(i) numa acção destinada a exigir o cumprimento de uma obrigação indivisível, foi e dos demais sócios por iniciativa do sócio demandado (art. 175.º, n.º l,
demandado apenas um dos devedores; o autor pode provocar a intervenção dos demais CSC), a intervenção da sociedade em comandita por iniciativa do sócio
devedores (art. 535.º, n.º 1, CC); (ii) numa acção que tem por objecto o pagamento comanditado (art. 465. 0 , n.º 1, CSC) e, na acção cambiária proposta contra
de wna dívida comunicável, foi demandado apenas um dos cônjuges; o demandante o sacador da letra, a intervenção do aceitante 117 ;
pode promover a intervenção do outro cônjuge (art. 34.º, n.º 3; art. 1695.º, n.º l, CC). A intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor (art.
Esta intervenção pode ser provocada por qualquer das partes até ao termo da fase 316. 0 , n. 0 3, al. b)).
dos articulados ou até ao trânsito em julgado da decisão que julgue ilegítima alguma
2.5. Intervenção provocada especial
das partes por não se encontrar em juízo determinada pessoa (art. 318.º, n.º 1, al. a)).
O autor pode ainda provocar a intervenção da parte ausente até ao trânsito em julgado Existe uma subespécie de intervenção principal provocada na qual o réu demandado
da decisão de absolvição da instância (art. 261.º, n. 0 l) ou, no caso de esta absolvição como co-devedor solídário pode chamar para o seu lado os outros, ou algum ou alguns
pôr termo ao processo, nos 30 dias posteriores ao seu trânsito em julgado (art. 261.º, dos outros, co-devedores, visando acautelar um eventual direito de regresso: é o
n. 0 2 l.ª parte). regime que se encontra estabelecido no art. 317.º, n.º 1.
(c) (i) Nas situações de litisconsórcio voluntário, as hipóteses de intervenção Esta intervenção tem de ser deduzida na contestação ou no prazo desta (art. 318.º,
provocada são distintas consoante a iniciativa da intervenção seja do autor (art. 316.º, n.º l, ai. c)) e visa obter apenas a condenação do coMdevedor chamado na satisfação
n.º 2) ou do réu (art. 316.º, n.º 3). O autor pode provocar, até ao termo da fase dos do direito de regresso que possa vir a assistir ao demandado inicial (art. 317.º, n.º 1;
articulados (art. 318.º, n. 0 l, al. b )): , cf. art. 524.º CC). É isto que justifica que, se estiver em causa somente este direito de
- A intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado regresso (e não a própria dívida), o primitivo réu seja condenado no pedido e se passe
inicialmente (art. 316.º, n.º 2); por exemplo: (i) o autor demanda apenas a discutir no processo apenas o direito de regresso invocado pelo demandado inicial
um dos devedores solidários (art. 32.º, n. 0 2); pode provocar a intervenção contra o interveniente (art. 317.°, n.º 2).
de um outro devedor solidário, embora apenas se se verificar alguma
2.6. Aspectos do procedimento
das condições previstas no art. 519.°, n.º 2, CC (risco de insolvência do
primitivo demandado ou dificuldade em obter deste a prestação); (ii) o autor Quanto aos aspectos de procedimento, há que considerar o seguinte:
demanda, pela totalidade da dívida, somente um dos devedores conjuntos Se não for formulado um pedido distinto daquele que foi fonnulado pelo
(art. 32.º, n.º l); pode provocar a intervenção de outros devedores; autor, o interveniente não tem de pagar taxa de justiça (art. 530.º, n.º 2);
A intervenção de terceiro contra quem pretenda dirigir, subsidiariamente, o Depois de ouvida a parte contrária, o tribunal decide da admissibilidade do
pedido (art. 316.º, n.º 2; cf. art. 39.º); por exemplo: o autor dirige o pedido chamamento (art. 318.º, n.º I);
indemnizatório contra o demandado; da contestação apresentada por esta Se a intervenção for admitida, o interessado é citado (art. 319.º, n.º l);
parte surgem dúvidas sobre se o agente do acto ilícito não foi um terceiro; depois disso, o interveniente pode oferecer o seu articulado ou declarar
o autor pode provocar a intervenção deste terceiro 116 • que faz seus os articulados do autor ou do réu (art. 319.º, n.º 3); mas, se a
(ii) O réu pode provocar, na contestação ou, se não quiser contestar, em requerimento intervenção ocorrer depois do prazo da contestação, o interveniente tem de
apresentado no prazo de que dispõe para o efeito (art.318.º, n.º 1, ai. c)): aceitar os articulados da parte a que se associa (art. 319.º, n.º 4).
A intervenção de outros sujeitos passivos da relação material controvertida
2.7. Caso julgado
(art. 316.º, n.º 3, al. a)); por exemplo: o devedor demandado pode provocar
a intervenção de um outro devedor da obrígação solidária (art. 518.º CC) A sentença proferida sobre o mérito da causa aprecia a relação jurídica de que
e o fiador demandado pode promover a intervenção de um co-fiador (art. o chamado a intervir seja titular e constitui, quanto a ele, caso julgado (art. 320.º).
649.°, n.º 1, e 518.º CC); a titularidade da relação material controvertida tem Para respeitar o princípio do contraditório (art. 3. 0 , n.º 2) e não violar a proibição da
de ser entendida num sentido amplo, pelo que a previsão também abrange indefesa, este regime tem de ser objecto de uma interpretação restritiva: só pode valer
a intervenção do devedor por iniciativa do fiador (art. 641.º, n.º l 2.ª parte, para a hipótese em que o interveniente, atendendo ao momento da sua intervenção,
CC) ou do avalista demandado (art. 32.º e 77. 0 , § 3.º, LULL), a intervenção podia ter defendido a sua posição em articulado próprio ou, dito de outra forma,

17
392 ""Cf. RG 2f5f2Dl3 (3I3fl2.9TBVCT-A.Gl). ' Ass. STJ 3(81, de 20(1 J. 393
l de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo V. Partes do Processo

aquele regime não pode valer na situação em que o interveniente já só pode ade?r 3.2. Modalidades da oposição
aos articulados da parte a que se associa (art. 319.º, n.º 4). Por exemplo: a acçao A oposição pode ser espontânea (art. 333.º, n.º l) ou provocada pelo réu, quando
relativa a wna dívida comum foi proposta apenas contra um dos cônjuges; o cônjuge esta parte esteja pronta a satisfazer a prestação, mas tenha conhecimento de que um
demandado invoca, na contestação, a sua ilegitimidade (cf. 33.º, n.º l, e 34.º, n.º 3; terceiro se arroga ou pode arrogar-se direito incompatível com o do autor (art. 338.0 ).
cf. art. 1695.º, n.º l, CC); depois da notificação da apresentação desse articulado, o A distinção reflecte-se na posição das partes e do opoente.
autor provoca a intervenção do outro cônjuge (art. 316.º, n.º l); este cônjuge não pode
apresentar articulado próprio (art. 319.º, n. 0 4) e, por isso, não !he pode ser opo~ível 3.3. Oposição espontânea
um caso julgado desfavorável. Portanto, o chamamento do terceiro pode ser suficiente (a) No caso da oposição espontânea. o opoente deduz a sua pretensão por meio de
para assegurar a observância do litísconsórcio necessário, mas pode não o ser para petição (art. 334.º) e assume a posição de parte principal (art. 335. 0 , n. 0 1), podendo
fundamentar a vinculação do interveniente ao caso julgado. verificar-se, depois disso, as seguintes situações:
Se alguma das partes da causa principal reconhecer o direito do opoente,
3. Oposição
o processo segue apenas entre a outra parte e o opoente (art. 337 .º, n. 0 l );
3.1. Generalidades Se ambas as partes impugnarem o direito do opoente, a instância segue
(a) A noção de oposição pode ser extraída do disposto no art. 333_.º, ~·º 1: e_stando entre as partes, havendo neste caso duas causas conexas, uma entre as
pendente uma causa entre duas ou mais pessoas, pode um terceiro mtervtr nela partes primitivas e outra entre o opoente e aquelas (art. 337. 0 , n. 0 2).
como opoente para fazer valer, no confronto de todas, um direito ~róprio, total ou (b) (i) A parte (autor ou réu) que reconhecer o direito do opoente é excluída da acção
parcialmente incompatível com a pretensão do autor ou do reconvmte. Em termos (art. 337.0 , n.º 1), porque o litigio se verifica apenas entre a outra parte e o opoente. O
mais simples, a oposição pode ser definida como a intervenção que dá origem a um reconhecimento pode ser realizado pelo primitivo autor, mas a situação mais comum
litisconsórcio reciproco formal. Enquanto na intervenção principal o interveniente se é aquela em que é o réu que reconhece o direito do opoente. Por exemplo: o devedor
Jitisconsorcia com tuna das partes primitivas e se opõe à outra (art. 312.º), na oposição demandado numa acção de cobrança de divida reconhece que o terceiro é o verdadeiro
o interveniente opõe-se a ambas as partes (art. 333.º, n.º 1). credor; a acção continua apenas entre o primitivo autor e o opoente, para se determinar
A oposição assegura wna tutela do terceiro contra a "usurpação de direi~os que_ lhe qual deles é o credor da prestação do réu.
pertencem"ll 8• Como exemplos de oposição podem ser ref~ridos_ os segumt~s: (1) A O objecto deste segundo processo é distinto do objecto do primeiro processo entre
reivindica x a B; C, que se considera proprietário de x, pode mterv1r nesta acçao como o autor e o primitivo réu, no qual o primitivo autor pede que o opoente o reconheça
terceiro opoente, reivindicando x para si; (ii) D propõe uma acção contra E, pedin~o como titular do direito. Normalmente, o opoente não pretende obter tuna decisão
0 cwnprimento de um crédito; F pode intervir como opoente, alegando que a cessao de improcedência (que determina apenas que o primitivo autor não é o titular do
do crédito que fez para D é inválida e que, portanto, continua a ser o credor. Em geral, direito), mas antes wna decisão de condenação desse primitivo autor a reconhecer a
0 opoente pede contra o autor da acção a apreciação de um facto e contra o réu a sua titularidade do direito. Para isso, o opoente tem de formular wn pedido de tipo
condenação numa prestação. reconvencional contra o primitivo autor.
(b) A intervenção do opoente é admitida enquanto não estiver designado dia para a (ii) Muito frequentemente, o segundo processo termina com uma decisão que
audiência final em 1.ª instância ou, não havendo lugar a esta audiência, enquanto não reconhece uma das partes (o primitivo autor ou o opoente) como titular do direito.
estiver proferida sentença (art. 333.º, n.º 2). A admissibilidade da oposição favorece a Não se pode excluir, no entanto, que esse processo finde com uma decisão de
concentração processual e evita o proferimento de decisões incompatíveis. improcedência: então nenhuma das partes é reconhecida como titular do direito.
O fundamento da oposição é a alegação pelo opoente de que é titular de um direito (c) Se ambas as partes impugnarem o direito do opoente, passa a haver duas causas
incompatível com a pretensão do autor ou do reconvinte. Isto significa que, para a conexas, uma entre as partes primitivas e a outra entre o opoente e aquelas partes (art.
admissibilidade da oposição, basta a alegação do direito incompatível pelo opoente. 337.0 , n. 0 2). Apesar desta pluralidade de acções, a decisão delas tem de ser conjunta.
Se esse direito realmente existe e se o opoente é reconhecido como seu titular, isso é
3.4. Oposição provocada
uma questão atinente ao mérito da causa.
(a) O réu pode estar disposto a satisfazer a prestação que lhe é exigida pelo autor,
mas conhecer que wn terceiro se arroga ou pode arrogar-se de um direito incompatível
com o desta parte: nesta hipótese, o réu pode requerer, dentro do prazo que tem para
394 118 PlCKER, FS Flume I (l 978), 665. 395
1 de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo V. Partes do Processo

contestar, que o terceiro seja citado para deduzir, querendo, a sua pretensão, desde 4. Intervenção acessória
que aquele demandado inícial proceda à consignação em depósito da quantia ou coisa
4.1. Noção
devida (art. 338.º; cf. art. 916. 0 , n. 0 3) 119 .
(b) Realizado este depósito, procede-se à citação do terceiro, para que este deduza A_ íntervenção acessória (ou íntervenção ad adiuvandum ou ainda intervenção
a sua pretensão (art. 339.º). Depois da citação do terceiro, pode acontecer o seguinte: adesiva) pode definir-se como a intervenção de uma parte acessória 121 • A parte
Se o terceiro não deduzir a sua pretensão, tendo sido ou devendo considerar- acessória é alguém que pode ser atingido pela decisão da causa e que, por isso, auxilia
-se citado na sua própria pessoa e não se verificando nenhuma das excepções uma das partes principais a evitar que uma decisão desfavorável venha a ser proferida.
ao efeito cominatório da revelia, é proferida sentença a declarar extinta a
4.2. Delimitação
obrigação em consequência do depósito realizado pelo réu (art. 340.º, n."
l; sobre as referidas excepções, cf. 567.º, n.º l, e 568.º); nesta hipótese, N~o é di~cil distinguir entre a intervenção acessória e a intervenção principal
a sentença tem força de caso julgado relativamente ao terceiro que foi adesiva. A diferença entre ambas reside tanto nos pressupostos, como no resultado: a
chamado a intervir (art. 349.º, n.º 2) 110; intervenção acessória pressupõe que o interveniente é titular de uma situação subjectiva
Se o terceiro deduzir a sua pretensão, declara-se igualmente extinta a dependente daquela que constitui o objecto do processo (art. 321.º, n.º l, e 326.º, n.º
obrigação do réu, mas a acção continua entre o autor inicial e o opoente 1) e conduz à entrada de uma parte acessória na acção (art. 323.º, n.º l, e 326.º, n.º
(art. 341.º e 922.º, n. 0 3). ~); em contrap~rtida, a intervenção principal adesiva requer que o interveniente seja
titular de uma situação subjectiva paralela à do autor ou do réu (art. 312.º) e ocasiona
3.5. Embargos de terceiro
a fonnação de um litisconsórcio sucessivo (art 313.º, n.º l).
(a) Uma das modalidades mais importantes da intervenção espontânea é constituída
4.3. Intervenção espontânea
pelos embargos de terceiro, que são um meio de reacção de um terceiro contra um
acto, judicialmente ordenado, de apreensão ou entrega de bens que ofenda a sua posse (a) (i) A intervenção acessória pode ser espontânea (art. 326.º, n.º l) ou provocada
ou um seu direito que seja incompatível com a realização ou o âmbito da diligência (art. 321.º, n.º l, e 325.º, n. º 1). Estando pendente uma causa, pode intervir nela como
(art. 342.º, n.º l). Por exemplo: o cônjuge que não seja executado pode embargar de assistente quem tiver interesse juridico em que a decisão do pleito seja favorável a uma
terceiro numa execução em que sejam penhorados bens próprios ou bens comuns (art. das ~artes principais (art. 326.º, n. 0 1). O interesse tem de ser pessoal - não, portanto,
343.º). Embora os embargos de terceiro tenham um campo de aplicação mais vasto, a um. mteresse geral, colectivo ou difuso- e actual" isto é, tem de existir no momento
sua aplicação mais frequente é a de meio de oposição a uma penhora decretada numa da mte~venção ou depender exclusivamente da decisão da causa. À legitimidade para
acção executiva. ser assistente chama-se legitimatio minar.
(b) Os embargos de terceiro podem ser repressivos (art. 342.0 , n.º 1) ou preventivos ~~o ~~ento da inte;ve~ção basta a titularidade de uma relação juridka cuja
(art. 350.° CC) e são deduzidos através de um incidente que corre por apenso à causa cons1stencia pratlca ou econom1ca dependa da pretensão do assistido (art. 326.º, n.º
em que haja sido ordenado o acto ofensivo da posse ou do direito do embargante (art. ~). At~ndendo a que não há nenhum obstáculo a que quem tem legitimidade para
344.°, n.º 1). Estes embargos apresentam a particularidade de, depois de deduzidos, mt~rv1r como parte principal possa intervir como assistente e que pode intervir como
a sua continuação ficar dependente da prova da verosimilhança (probabilidade séria, ~s,,stente me_smo quem não tenha legitimidade para intervir como parte principal, as
na equivocada expressão da lei) do direito invocado pelo embargante (art. 345.0 ). h1poteses m~1s frequentes de intervenção como assistente são as seguintes:
Dado que o embargante invoca um direito incompatível com o acto de apreensão ou Situações de extensão do caso julgado; por exemplo: o fiador pode intervir
entrega, a sentença de mérito proferida nos embargos constitui caso julgado quanto à na acção proposta pelo credor contra o devedor, dado que beneficia de um
existência e titularidade desse direito (art. 349.º). caso julgado favorável a este devedor (art. 635. 0 , n.º 1, CC);
Relações de prejudicialidade; por exemplo: A celebra com Bum contrato

119 Entendendo que o regime só é aplicável se a divida se encontrar vencida, cf. LEBRE DE 2
Sobre alguns aspectos históricos, cf. SEGNl, L'intervento adesivo I ( l 919), J ss. (direito
' '
FREITAS, ROA 73 (2013), 48. romano), 33 ss. (processo italiano), 68 ss. (processo germânico após a recepção) e 87 ss.
11 ºA. J. CL'NHA, Limites Subjectivos do Caso Julgado e a Intervenção de Terceiros (201 O),
(processo francês); sobre a intervenção acessória no direito romano e no processo comwn cf.
396 156 ss. SCHÃFER, Nebenintervention und Streitverkündung (1990), 9 ss. e 54 ss. ' ·
397
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I · Processo Declarativo
V. Partes do Processo

de arrendamento do prédio x; C reivindica x em acção proposta contra A; B


?64.º)._ No entanto, o assistente pode depor como parte (art. 455.º), pelo que está
(arrendatário) pode intervir nessa acção como assistente de A, porque tem
1mped1do de depor como testemunha (art. 496.º).
interesse em que o seu senhorio seja reconhecido como proprietário;
Direito de regresso: o terceiro contra o qual o demandado tenha acção de
~b) Se ? assi~tido for reveJ - ísto é, se o assistido não tiver contestado -, 0
assistente. e considerado como. seu substituto
. processual (mi. 329 .º) , 0 que s1gm
· ·fica
regresso pode intervir como assistente, dado que esse terceiro pode ser
que o a_ss1stente passa a assumir a posição de parte principal. Assim, durante O prazo
chamado a intervir como parte acessória por aquele demandado (art. 321.º,
c~nce~tdo para a contestação, o assistente pode contestar logo que saiba que O assistido
n. 0 1); por exemplo: D propõe uma acção contra E, pedindo a anulação do
contrato de compra de um bem, dado que este apresenta defeitos que o nao vai contestar, mas também pode apresentar uma contestação (subsidiária) para 0
caso de esse assistido não vir a contestar.
vendedor não podia desconhecer (art. 913.º e 905.º, n. 0 1, CC)~F, que tinha
vendido a coisa a E, pode intervir nessa acção, procurando auxiliar esta 4.5. Cessação da assistência
parte a não perder a acção.
(ii) O chamado pode suscitar o chamamento de terceiros que considerem ser seus ~a) A assistência cessa com a extinção da instância. Além disso, por analogia com
devedores em via de regresso (art. 323.°, n.º 3), mas, passados 60 dias sobre a data o ,d~sposto no art ~8~.º, n.º 2, _quanto à desistência da instância pela parte principal, 0
em que foi inicialmente deduzido o incidente de intervenção acessória provocada sem ass~stente pod~ des1st1r da sua mtervenção. Esta desistência não tem, contudo, nenhum
que se mostrem realizadas todas as citações, o autor pode requerer o prosseguimento efeito r~troacnvo, pelo que permanecem eficazes os actos anterionnente praticados
pelo assistente.
da causa principal (art. 324.º).
(b) Quando o MP deva intervir como parte acessória (art. 10.º, n.º 1, EMP), devem _(b~ Ao contrário do que sucede quanto ao falecimento ou extinção de uma parte
ser-lhes notificados oficiosamente a pendência da acção (art. 325.º, n. 0 1) e todos os actos prmcipa! (art.. 26?.º·. n.º !·
al.. a)), a morte ou extinção do assistente não conduz à
e diligências (art. 325.º, n.º 3). Sem prejuízo das preclusões legais, o MP pode alegar o que susp~nsao da 1~stãncia. Nmguem se pode habilitar a ocupar a posição de um assistente
se lhe oferecer em defesa dos interesses da pessoa ou entidade assistida (art. 325.0 , n.º 4). falecido ou extmto.

4.4. Posição do assistente 4.6. Intervenção provocada

(a) O assistente tem de aceitar o processo no estado em que este se encontrar no (a) A ideia geral da intervenção acessória provocada é a de O réu chamar ao
momento da intervenção (art. 327.º, n. 0 l). O assistente tem no processo a posição processo, para zelar por que este seja bem conduzido, uma pessoa que, caso O réu
de auxiliar de uma das partes principais (art. 328.0 , n.º 1) - é uma parte acessória, perca o pro~esso, terá de_ indem~izar o mesmo réu: o réu que tenha acção de regresso
pelo que, embora possa praticar os mesmos actos que a parte principal, não pode contra terce,1ro, p~a ser_ mdemmzado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda,
praticar actos que estejam em oposição com os do assistido (art. 328.0 , n.º 2). Quer po~~ c~ama-lo a 1~terv1~ como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de
dizer: o assistente pode completar todos os actos praticados pelo assistido, mesmo leg1ttm1dade para mterv1r como parte principal (art. 321.º, n.º 1). A intervenção só
que contra a vontade deste, mas não pode substituir-se à vontade do assistido quanto pode ser ~rovocad': pelo ré~~ a~ena~ com fundamento na sua possível condenação,
a actos que este não tenha praticado (desde logo, porque a não prática do acto pelo mas esta mtervençao acessona e mais ampla do que a intervenção principal que se
assistido preclude, de vez, a sua realização). A assistência não afecta os direitos das encontra regulada no art. 317.º, n.º 1.
partes principais, que podem livremente confessar, desistir ou transigir, findando em Esta_ f~~a de inte'"".'enção acessóri_a cumpre a mesma função que a antiga litis
qualquer destes casos a intervenção (art. 331.º)122 . ~enunttat~o. dar conhecimento ao terce1ro da pendência da causa e proporcionar-lhe a
O assistente não é uma parte principal, pelo que não pode formular pedidos para mte~e~çao nesta, de modo a poder acompanhar a actuação do chamante que é titular
defesa dos seus interesses próprios (não pode, por exemplo, fonnular um pedido do d1r~,t~ de regresso: Por exemplo: (i) a sociedade de seguros A segura B, dono de
reconvencionai: cf. art 266. º, n. 0 l ), nem contra ele podem ser fonnulados quaisquer uma fabnca de explosivos, ~ontra terceiros; dá-se uma explosão que danifica O prédio
pedidos. Pela mesma razão, o assistente não pode desistir do pedido, confessar o de C, o qual ~~anda B pedmdo uma indemnização; B pode fazer intervir a sociedade
pedido ou transigir sobre o objecto da causa (art. 283.º) e também não pode acordar seguradora; (u)? comprou_a E um prédio que F reivindica de D; se D perder, havendo
com a contraparte do seu assistido a alteração do pedido ou da causa de pedir (art. estado de boa fe, pode ped1r a E o preço que pagou e a indemnização a que se refere
0
art. 898.º C~; E tem assim interesse em que D ganhe o pleito, pelo que D pode
provocar a sua mtervenção em juízo.
122 (b) O chamamento é deduzido pelo réu na contestação ou, se O réu não quiser
A posição da parte acessória era bastante controvertida na doutrina do processo comum:
398 cf. ScHÃFER, Nebenintervention, 70 ss. contestar, no prazo em que aquela devia ser apresentada (art. 322.º, n.º J). O chamamento
399
J. de Castro Mendes/ M. Teixeira de Sousa Parte I - Processo Declarativo V. Partes do Processo

só é deferido quando o juiz entenda que a íntervenção do terceiro não perturba (c) O regime demonstra que o fundamento para a intervenção acessória não é a
indevidamente o normal andamento do processo e quando, face às razões alegadas, extensão ao terceiro do caso julgado da decisão proferida na acção entre as partes
se convença da viabilidade da acção de regresso e da sua efectiva dependência das principais. De outro modo, não se compreenderia que, como resulta do disposto no
questões a decidir na causa principal (art. 322.º, n. 0 2) 123 • A intervenção do chamado art. 332.º, só o terceiro que efectivamente intervém na acção fique víncu\ado ao caso
circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso julgado (e, mesmo assim, com certas restrições).
(art. 321.º, n.º 2), mas esse chamado pode contestar a acção e passa a beneficiar do
estatuto de assistente (art. 323.º, n. 0 1). O chamado fica vinculado ao caso julgado da 5. Intervenções inominadas
decisão da causa nos mesmos termos do assistente (art. 323.º, n.º 4). 5.1. Casuísmo
(c) O chamamento interrompe a prescrição do direito de regresso do réu contra o
terceiro, pois que a citação deste mostra a intenção do réu de vir a exercer esse seu Além destes casos de intervenções de terceiros, ainda conta a lei processual com
direito (art. 323.º, n.º 1, CC). outras hipóteses em que se verifica igualmente a entrada de um novo sujeito no
processo, sem suceder aos que aí se encontram já, para nele defender os seus interesses
4.7. Caso Julgado
na posição de parte: é o caso do disposto, quanto à acção executiva, nos art. 74 l.º, n.º
(a) A decisão proferida no processo em que se verificou a intervenção da parte 2, 742.º, n.º 1 (quanto ao cônjuge do executado) e 786.º, n.º 1 (quanto aos titulares
acessória adquire valor de caso julgado (material) nos termos gerais. Importa de direitos reais de garantia sobre os bens penhorados). Na Jegíslação extravagante,
verificar, no entanto, em que condições é que a parte acessória fica vinculada ao caso há que considerar o disposto no art. 17. 0 , n.º 5, L 98/2009, de 4/9, segundo o qual
julgado: a resposta é dada pelo disposto no art. 332.°, regime igualmente aplicável ao o empregador e a sua seguradora são titulares do direito de intervir como parte
interveniente provocado (art. 323.0 , n. 0 4). princípal no processo em que o sinistrado exige a outro trabalhador ou a terceiro a
O assistente fica vinculado ao caso julgado da decisão nos termos do art. 332.º: indemnização pelo acidente de trabalho: esta intervenção destina-se a permitir que o
a sentença proferida na causa constitui caso julgado em relação ao assistente, que é empregador ou a sua seguradora possam fazer valer nessa acção o direito de regresso
obrigado a aceitar, em qualquer causa posterior entre ele e a parte assistida, os factos contra os responsáveis pelo acidente pelo que pagaram ao sinistradom.
e o direito que a decisão judicial tenha estabelecido. Portanto, ficam abrangidos pelo
5.2. Transacção
caso julgado oponível pela parte assistida ao assistente todos os fundamentos de facto
e de direito da decisão, o que mostra que esse caso julgado é mais extenso do que Se as partes puderem e quiserem fazer extinguir a instância por uma transacção
sucede normalmente, dado que, em regra, os fundamentos de facto e de direito não judicial, podem, se isso lhes convier, alargar o objecto da transacção objectivamente
são vinculativos num outro processo. É por isso que esse caso julgado não vale nem para fora do pleito e subjectivamente a outras pessoas, ainda que não partes na causa.
nas relações entre o assistente e a contraparte da parte assistida, nem nas relações Essas pessoas intervêm no processo unicamente para transigirem, pelo que, quanto
entre esta parte e a sua contraparte. a elas, a transacção é extrajudicial. Não há nenhuma razão que se oponha a que a
(b) O assistente deixa de ficar vinculado ao caso julgado se excepcionar a condução transacção judicial resolva litígios ultra petita (art. 264. 0 ) e para além das partes
deficiente do processo pela parte assistida. Com efeito, o assistente não fica vinculado inícíais do processo.
ao caso julgado se:
Alegar e provar, na causa posterior, que o estado do processo no momento
da sua intervenção ou a atitude da parte principal o impediram de fazer uso
de alegações ou meios de prova que poderiam influir na decisão final (art.
332.0 , ai. a));
Mostrar que desconhecia a existência de alegações ou meios de prova
susceptíveís de influir na decisão final e que o assistido não se socorreu
deles intencionalmente ou por negligência grave (art. 332.º, ai. b))l 24.

121 Cf. RP 3/5/2011 (1870/09.2TBVCD-B.Pl).


4-00 124Cf. A. J. CtlNHA, Limites Subjectívos, 126 ss. mcf. RL 4/3/2010 (l366/09.2TVLS8-A.Ll-6). 401

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