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Resumo
Diogo da Rocha Figueira, mais propósitos desse trabalho, essa obra não
conhecido por Dioguinho, foi um é significativa por apresentar uma leitura
bandido que atuou no interior paulista no romanesca envolvendo o personagem e
final do século XIX. Seus crimes foram por não ter a intenção de veracidade.
cometidos entre os anos de 1894 e 1897, As narrativas de Antônio de
a maioria de cunho político a mando dos Godói também assemelham-se aos
poderosos coronéis da região que
folhetins ou mesmo às crônicas policiais1.
dominavam as pequenas vilas e cidades
Juntamente com as narrativas do também
no contexto da cultura cafeeira.
delegado João Amoroso Neto, publicadas
Dioguinho espalhava terror pelas cidades
no Correio Paulistano em 1949, são os
onde passava. Sua fama de bandido cruel
textos mais referenciados e talvez tenham
e sanguinário percorreu toda a região de
sido também os mais lidos, embora hoje
Ribeirão Preto alimentando a imaginação
sejam extremamente raros. Essas
popular. narrativas além de permitirem uma visão
Sobre a vida, crimes e aventuras particularizada do bandido, foram
de Dioguinho há cinco narrativas, escritas transformadas, pelos leitores, no
por delegados, jornalistas e folcloristas, “discurso oficial” por serem oriundas de
algumas mesclam relatos orais e homens da lei.
documentos escritos atribuindo certo Por esse prisma, ambas
enfoque local às descrições. Existem
apresentam-se, indiretamente, ao leitor
também filmes, cordéis, canções, entre como uma possibilidade de análise
outras produções. Uma das primeiras
criminal realizada por “especialistas” a
obras que representa Dioguinho foi
escrita por Antônio de Godói, delegado
encarregado pela perseguição do bandido
em 1897. Dioguinho foi dado como 1 De acordo com Mariza Romero, apesar de a
divulgação de relatos de crimes na Europa
morto nesse ano, porém seu corpo nunca remontar ao século XV (occasionnels), é no século
foi encontrado. XIX que esse tipo de literatura ganha um enorme
espaço na mídia impressa coincidindo com a
Em 1903, quando surgiram crescente industrialização, urbanização (e
boatos acerca da sobrevivência do pauperização) e criminalidade urbana, e também
bandoleiro, Antônio de Godói publicou com o aumento geral nos níveis de alfabetização
uma série de narrativas no jornal Correio em decorrência da escolarização obrigatória.
Paulistano intitulada Dioguinho vivo? A Nesse período, os exemplos mais contundentes
dessa espetacularização da morte e da violência
partir da leitura dessas narrativas, são o francês Petit Journal de Polydore Millaud
posteriormente publicadas em livro com (que durante a cobertura de alguns casos de
o título Dioguinho: narrativa de um cúmplice assassinatos em série chegou a quase seiscentos
em dialecto (1903), o objetivo é analisar o mil exemplares diários) e, do outro lado do
modo como Dioguinho foi representado Atlântico, o periódico americano World de Joseph
Pulitzer que chegou a tiragens de impressionantes
e o quanto as características destacadas oitocentos mil exemplares em 1898. Um pouco
pelo delegado auxiliou na configuração da mais tarde, na imprensa sensacionalista no Brasil,
imagem lendária do bandoleiro também especialmente as crônicas policiais, já são
transmitidas oralmente. encontradas no fim do século XIX em jornais
paulistas, como o Diário Popular (em geral,
Antes das narrativas de Godói, acusando os imigrantes, mendigos e desocupados
João Rodrigues Guião, um médico e pelo aumento da criminalidade) e, mais
escritor da região de Ribeirão Preto, já discretamente, em jornais mais respeitáveis como
O Estado de São Paulo e O Correio Paulistano.
havia publicado um romance Entretanto, essa imprensa sensacionalista só
compreendendo aspectos da vida e ganha contornos de literatura de massa a partir da
história de Dioguinho. Esse romance foi década de 1940 quando houve um aumento
publicado no formato folhetim no Correio significativo nos níveis de alfabetização e de
de Jaú em meados de 1901. Para os urbanização. (ROMERO, 2008, p 105-112 e 115-
118).
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mas há sempre quem tenha ouvido escolta, sendo que foi o Joaquim
a <<alguem>> que o viu, (também capanga de Diogo) quem teve
affirmação vehemente de que elle que seguir os policiais e ajudar na caça ao
ainda vive... (MATTAS, 1903, p. 5). Dioguinho. Há várias lacunas como essa
A fama de Dioguinho, de no decorrer da obra e um erro crasso,
bandido valente, cruel e invulnerável, se pois Curytibano não poderia saber a
espalhara e a ausência de seu corpo deu trajetória final realizada nem por Diogo
margem para todo tipo de crença, nem pela escolta porque já estava preso.
principalmente a de que ele havia fugido Ademais, há momentos em que o autor
e a de que voltaria para se vingar daqueles se esquece do “dialeto” empregado na
que o tinha traído. Diante de tal lenda, escrita e modifica a grafia das palavras
narrativas que recontassem a história do que vinha utilizando.
personagem certamente obteria sucesso O narrador começa o relato a
de público. Ao ser escrita por Godói, ela partir da emboscada contra um ex-
teria ainda mais autenticidade por tratar- delegado de Mato Grosso de Batatais, Zé
se de uma pessoa que havia tido contato Venâncio. Esse, de acordo com Selma
com toda a preparação e “desfecho” da Siqueira de Carvalho (1988)3, foi um dos
diligência, que havia escrito os relatórios últimos crimes cometidos por Dioguinho,
policiais e entrevistado os capangas sucedido apenas pelo “crime do
presos. Cerrado”. O autor deixa de lado a
Ainda no prefácio, “antes de dar suposta iniciação romântica do
a palavra a Curytibano”, a quem, ele personagem no mundo do crime. Não há
afirma autoritariamente, “faço falar em crimes honrosos, nem atos de Diogo que
toda a narrativa”, Antônio de Godói encorajem uma leitura mais romantizada.
reitera que Depois de matar Zé Venâncio e
seu companheiro de estrada (o fazendeiro
A história que ahi se narra é
perfeitamente veridica. Todos os
Zé Maia), Diogo e mais dois capangas se
factos e a sequencia delle são puseram em fuga:
inteiramente reaes, e não foi sem
Quando sahimos da tocaia, seu
trabalho que consegui reunil-os e
Dioguinho foi na frente quebrando
achar-lhes o fio. De forma que ao
o matto, assobiando, até adonde
menos um merito não se pode
estavam os alimaes, e ganhamos a
negar a este trabalho: o da
estrada de Matto Grosso. Seu
veracidade (MATTAS, 1903, p. 6).
Diogo parece que vinha da missa,
O compromisso com a verdade diabo de homem! - alegre que só
é o veículo propulsor da narrativa. A vendo. Aquilo não havia perdiz que
iniciativa de colocar Curytibano como sahisse de ponta de aza que elle
não derrubasse. Era só tumba... e
narrador faz parte da concepção de que
terra! Uma hora lá perto de uma
este teria mais familiaridade para relatar o bica, onde nós paramos para beber
cotidiano do bando e as práticas o damnado até acertou num cobre
criminosas de Dioguinho, no entanto, o que o Joaquim atirou p'ra o ar!
discurso que embasa a obra é apenas o do (MATTAS, 1903, p. 10)
autor. A construção do narrador deixa
bastante a desejar. Durante alguns A representação de Diogo,
capítulos Curytibano conta os crimes de nesse trecho, é a de um homem
Diogo e as perambulações do grupo pelo insensível, para o qual nada significava
sertão paulista. Após o momento em que matar dois homens, visto que aparentava
ele é preso pela polícia, e Dioguinho foge
com o irmão para a Fazenda Santa
Eudóxia, sua narrativa acompanha a 3Socióloga autora da pesquisa Dioguinho: estudo
de caso de um bandido paulista (1988).
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GARRET, Pat. Billy the Kid. Tradução de civilização do delegado: modernidade, polícia e
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doutorado em História]. USP, 2013.
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Central, 1903.
[Tese de doutorado em História], PUC-SP, 2008.
MARTINS, Marcelo Tadeu Quintanilha. A
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