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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Leonardo Barros Corrêa de Araújo

Dissolução de Consórcios Empresariais

Mestrado em Direito Comercial

São Paulo
2021
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP

Leonardo Barros Corrêa de Araújo

Dissolução de Consórcios Empresariais

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-


Graduação Stricto Sensu em Direito da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como parte dos
requisitos para a obtenção do título de Mestre em Direito
Comercial.
Área de Concentração: Direito Comercial.
Orientador: Prof. Dr. IVO WAISBERG

São Paulo
2021
Banca Examinadora:

_________________________________
_________________________________
_________________________________
AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, antes de tudo, por todas as benções e por ter me permitido chegar
até aqui.

Mas é importante anotar que eu jamais teria conseguido concluir esta dissertação sem
o apoio constante e inabalável de pessoas muito especiais. Nunca estive sozinho; e por isso
sou muito grato.

A Gabi, meu amor e minha companheira de todas as horas, eu agradeço pela


paciência, pelo carinho, pelo incentivo e pela cumplicidade nunca vacilante. Sem você este
trabalho não existiria; amo você.

Aos meus pais, Paula e Antonio, eu agradeço por tudo: pelas lições, pelo amor
incondicional, por terem me ensinado a nunca desistir, por nunca terem permitido me faltar
nada e, principalmente, pelo exemplo de caráter e de perseverança.

A minha irmã, Bia, agradeço pela amizade despretensiosa, pela alegria que enche a
casa e por sua ternura. Que orgulho eu tenho do que você se tornou. Hoje posso dizer, sem
medo, que aprendo mais com você do que eu poderia te ensinar.

Aos meus avôs e avós, que já partiram, muito obrigado pelo legado que deixaram.
Seus ensinamentos vivem em mim. Aos meus tios, tias, primos e primas (que são muitos,
graças a Deus), meu grande obrigado por manterem a base dessa nossa tão linda família. Aos
meus sogros e cunhados, também meu muito obrigado por todo o apoio de sempre.

Preciso agradecer, ainda, e de maneira especialíssima, a duas grandes pessoas; dois


verdadeiros mentores que, felizmente, hoje posso chamar também de amigos. A Rodrigo
Monteiro de Castro e Guilherme Setoguti meu, ao mesmo tempo simples e completo,
muitíssimo obrigado. Sou muito grato por tudo que vocês fizeram e fazem por mim.

Aos queridos e sempre presentes amigos de escritório, Ingrid, Cláudia, Débora,


Giovanna, João Vítor, Silvia, Amanda, Ana Carolina, Cássio e Daniel, obrigado pelas risadas,
pelo suporte e por terem segurado as pontas sempre que precisei.
Um obrigado também muito especial ao Prof. Ivo Waisberg, meu orientador, que é um
exemplo não só de grande advogado e professor, mas, também, de pessoa. Aprendi muito com
você e espero continuar aprendendo no futuro. Agradeço pelas lições e críticas.

Agradeço, igualmente, ao Prof. Marcelo Sacramone, por toda a atenção que, de forma
muito gentil, dispensou à revisão deste trabalho – o que muito me honra. Tenha a certeza,
Professor, que as suas observações foram fundamentais.

Por fim, meu muito obrigado aos Professores Marcelo Guedes Nunes, Ivanildo
Figueiredo, Marcos Nóbrega e Sady Torres, aos mentores Carlos Harten, Bruno Cavalcanti,
Luciano Caribé, Paulo Caribé e Horácio Mendonça, bem como aos amigos do BSF, da
Faculdade de Direito do Recife, do Colégio Marista São Luís, do futebol (e do Sport Club do
Recife) e do tênis; vocês fazem parte da minha trajetória.
RESUMO

ARAÚJO, Leonardo Barros Corrêa de. Dissolução de consórcios empresariais. 2021. 203 f.
Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2021.

A dissolução dos contratos de consórcios empresariais é um tema que não encontra uma
solução explícita na legislação brasileira. O regime jurídico principal, aplicável às relações
consorciais, previsto nos arts. 278 e 279 da Lei n. 6.404/1976, nada dispõe a respeito.
Também se discute se o consórcio seria, por exemplo, um tipo societário, um grupo de
sociedades ou outra espécie contratual, sujeita (ou não) a regramento geral, estabelecido por
lei. Além disso, a incompletude contratual é uma realidade de quaisquer contratantes,
inclusive daqueles que desejem celebrar um consórcio. Partindo da premissa de que o
encerramento da relação consorcial é, de fato, um problema que não se resolve por meio do
regime jurídico principal definido na Lei n. 6.404/1976, tampouco, em determinados casos,
pelo respectivo contrato, o presente trabalho busca analisar e identificar (inclusive com base
em pesquisa empírica) qual o regramento de dissolução compatível com o consórcio,
considerando as características e peculiaridades dessa espécie contratual.

Palavras-chave: Consórcio. Consórcio empresarial. Dissolução. Dissolução de consórcio.


ABSTRACT

ARAÚJO, Leonardo Barros Corrêa de. Dissolution of consortium of companies. 2021. 203 p.
Dissertation (Master) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2021.

Dissolution of consortium of companies is an issue that does not find an explicit solution in
Brazilian legislation. There are no solutions established in main legal regime, applicable to
consortium relations, provided for articles 278 and 279 of Law No. 6.404/1976. It is also
discussed whether consortium is, for example, a corporate type, a group of companies or
another type of contract, subject (or not) to a general rule, established by law. Furthermore,
incompletes contracts are a reality for any party, including those who wish to contract a
consortium. Starting from the premise that termination of a consortium relationship is, in fact,
a problem that is not resolved through main legal regime defined in Law No. 6.404/1976, nor,
in certain cases, by respective contract, this paper aims to analyze and identify (including
through empirical research) which dissolution rules are compatible with consortium,
considering its characteristics and peculiarities.

Keywords: Consortium. Consortium of companies. Dissolution. Consortium’s dissolution.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO: COLOCAÇÃO DO PROBLEMA E DELINEAMENTO DOS OBJETIVOS 12

Plano de trabalho ................................................................................................................ 17

1. O CONSÓRCIO NA LSA: DEFINIÇÕES E REGIME JURÍDICO .................................. 19

1.1 Características principais e tentativas de definição do instituto ................................. 19

1.1.1 O elemento da colaboração.............................................................................. 19


1.1.2 Relevância prática e motivadores da contratação de consórcio: colaboração e
flexibilidade ..................................................................................................... 20
1.1.2 Alocação de obrigações, riscos e responsabilidades ....................................... 25
1.1.4 Consórcio como técnica de reorganização associativa .................................... 25
1.2 Regime jurídico principal: arts. 278 e 279 ................................................................. 30

1.3 Requisitos contratuais................................................................................................. 36

1.3.1 Regime de invalidades: nulidade e anulabilidade............................................ 37


1.3.2 Consórcio informal .......................................................................................... 42
1.4 Personalidade jurídica e patrimônio ........................................................................... 48

1.5 Administração do consórcio: a consorciada líder....................................................... 53

1.6 Ainda sobre personalidade e patrimônio: a questão do fundo consórtil..................... 57

1.7 Exposição de motivos: a problemática classificação dos consórcios como sociedades


não personificadas ...................................................................................................... 69

1.8 Apenas a título ilustrativo, figuras semelhantes no direito estrangeiro ...................... 71

1.8.1 Portugal ............................................................................................................ 72


1.8.2 Espanha ............................................................................................................ 75
1.8.3 Itália ................................................................................................................. 76
1.8.4 França .............................................................................................................. 77

2. O CONTRATO DE CONSÓRCIO: CONTRATO ASSOCIATIVO E PLURILATERAL ... 79

2.1 A realidade contratual do consórcio ........................................................................... 79

2.1.1 Contrato plurilateral ......................................................................................... 83


2.1.2 Contrato associativo ........................................................................................ 85
2.1.3 Elemento da organização ................................................................................. 86
2.2 Consórcio como tipo societário .................................................................................. 92

2.2.1 A sociedade...................................................................................................... 92
2.2.2 Sociedade em comum ...................................................................................... 98
2.2.3 Sociedade em conta de participação ................................................................ 99
2.3 Consórcio como grupo de sociedades ...................................................................... 101

2.4 Consórcio como contrato associativo e plurilateral ................................................. 107

3. DISSOLUÇÃO: ASPECTOS CONTRATUAIS E SOCIETÁRIOS ................................ 109

3.1 O que é dissolução: precisões terminológicas e compreensão do fenômeno e de sua


importância............................................................................................................... 109

3.2 Dissolução societária: fundamentos de um procedimento complexo ...................... 112

3.3 Dissolução contratual: extinção por causa superveniente à formação do negócio


jurídico ..................................................................................................................... 121

3.3.1 Resolução....................................................................................................... 125


3.3.2 Resilição ........................................................................................................ 129
3.3.3 Rescisão ........................................................................................................ 131
3.4 Causas de dissolução x procedimento dissolutivo ................................................... 132

4. DISSOLUÇÃO DE CONSÓRCIOS ................................................................................. 134

4.1 O consórcio como contrato associativo e plurilateral e a sua compatibilidade com as


modalidades extintivas dos contratos em geral ........................................................ 134

4.2 A desnecessidade de um procedimento complexo para fins de dissolução do


consórcio. ................................................................................................................. 147

4.2.1 O consórcio não tem patrimônio ................................................................... 150


4.2.2 O consórcio não tem personalidade jurídica.................................................. 152
4.2.3 O consórcio não cria organização externa ..................................................... 153
4.3 Os efeitos da dissolução do consórcio ...................................................................... 158

4.3.1 As relações entre as consorciadas e a posição da administração ................... 158


4.3.2 As relações com terceiros .............................................................................. 163
4.3.3 Eventual fundo consórtil ................................................................................ 167
4.4 Disfunções ................................................................................................................ 168

5. Pesquisa empírica: o regramento da dissolução ................................................................ 170

5.1 Premissas da pesquisa .............................................................................................. 170

5.2 Base de pesquisa e coleta de dados .......................................................................... 170

5.3 Resultados gerais e estatísticas ................................................................................. 172

5.3.1 Partes ........................................................................................................ 172


5.3.2 Prazo de vigência ........................................................................................... 173
5.3.3 Fundo consórtil .............................................................................................. 174
5.3.4 Deliberações .................................................................................................. 175
5.3.5 Dissolução ..................................................................................................... 177
5.3.6 Cruzamento de dados..................................................................................... 179
5.3.6.1 Partes x dissolução ......................................................................... 179

5.3.6.2 Prazo de vigência x dissolução ...................................................... 181

5.3.6.3 Fundo consórtil x dissolução .......................................................... 182

5.3.6.4 Deliberações x dissolução .............................................................. 184

5.4 Constatações e conclusões a partir dos dados .......................................................... 184

5.5 A confirmação das premissas ................................................................................... 188

CONCLUSÕES ...................................................................................................................... 189

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 194


LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1. Quantidade de partes ............................................................................................. 173

Gráfico 2. Prazo de vigência .................................................................................................. 173

Gráfico 3. Fundo consórtil ...................................................................................................... 174

Gráfico 4. Previsão expressa de fundo consórtil .................................................................... 174

Gráfico 5. Regra deliberativa.................................................................................................. 175

Gráfico 6. Competência deliberativa ...................................................................................... 175

Gráfico 7. Quórum deliberativo ............................................................................................. 176

Gráfico 8. Mediação de votos ................................................................................................. 176

Gráfico 9. Cláusula com meio dissolutivo ............................................................................. 178

Gráfico 10. Meios dissolutivos ............................................................................................... 178

Gráfico 11. Previsão de procedimento dissolutivo ................................................................. 179

Gráfico 12. Procedimentos dissolutivos ................................................................................. 179


12

INTRODUÇÃO: COLOCAÇÃO DO PROBLEMA E DELINEAMENTO


DOS OBJETIVOS

O consórcio1 entre sociedades2 encontra-se, hoje, definido e disciplinado na Lei n.


6.404/76 (“Lei das S.A.” ou “LSA”),3 em seus arts. 278 e 279.4

Trata-se de uma regulação mínima, que reconhece o instituto jurídico e define um


enxuto regime jurídico principal a ele aplicável – o qual, como se verá adiante, pode nem
sempre ser suficiente, no âmbito da noção da lei como pretensa diretriz para a resolução de
problemas decorrentes da utilização de um instituto.

1
“CONSÓRCIO. Derivado do latim consortium, de consors (que participa, que compartilha, companheiro),
designa, na terminologia jurídica, o próprio casamento ou matrimônio. Consórcio. Mas, no sentido da
Economia Política, indica a associação de interesses promovida por várias empresas, que juridicamente se
conservam independentes” (SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 32. ed. Grupo GEN, 09/2016.
9788530972592. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530972592/. Acesso
em: 8 jul. 2020. p. 361.
2
Existe discussão acerca da possibilidade ou não de participação de empresários individuais, inclusive de
empresa individual de responsabilidade limitada, em consórcios, além das sociedades, que estão
expressamente reconhecidas no texto legal como aptas à contratação de figuras consorciais.
3
Criticando o fato de a LSA, e não o Código Civil, ter regulado o consórcio, Guerreiro diz que a Lei das S.A.
tem caráter de lei especial, conforme atestado pelo art. 1.089 do CC, que deveria servir como regime jurídico
principal das sociedades anônimas, às quais, nos casos omissos, deveriam ser aplicadas as disposições do
diploma civil; e que, ainda, os consórcios não são sociedades anônimas, modalidade de sociedade anônima
ou espécie de associação privativa de sociedade anônima (GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Regime
jurídico do consórcio. O Código Civil e a Lei das Sociedades por Ações. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro, n. 138, p. 202, 2005).
4
“Art. 278. As companhias e quaisquer outras sociedades, sob o mesmo controle ou não, podem constituir
consórcio para executar determinado empreendimento, observado o disposto neste Capítulo. § 1º O consórcio
não tem personalidade jurídica e as consorciadas somente se obrigam nas condições previstas no respectivo
contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de solidariedade. § 2º A falência de uma
consorciada não se estende às demais, subsistindo o consórcio com as outras contratantes; os créditos que
porventura tiver a falida serão apurados e pagos na forma prevista no contrato de consórcio.
Art. 279. O consórcio será constituído mediante contrato aprovado pelo órgão da sociedade competente para
autorizar a alienação de bens do ativo não circulante, do qual constarão: I – a designação do consórcio se
houver; II – o empreendimento que constitua o objeto do consórcio; III – a duração, endereço e foro; IV – a
definição das obrigações e responsabilidade de cada sociedade consorciada, e das prestações específicas; V –
normas sobre recebimento de receitas e partilha de resultados; VI – normas sobre administração do
consórcio, contabilização, representação das sociedades consorciadas e taxa de administração, se houver; VII
– forma de deliberação sobre assuntos de interesse comum, com o número de votos que cabe a cada
consorciado; VIII – contribuição de cada consorciado para as despesas comuns, se houver. Parágrafo único.
O contrato de consórcio e suas alterações serão arquivados no registro do comércio do lugar da sua sede,
devendo a certidão do arquivamento ser publicada” (BRASIL. Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976.
Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Palácio do Planalto Presidência da República, Brasília – DF, 15 de
dez. 1976. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6404consol.htm. Acesso em: 16 ago.
2018).
13

Ainda sem delinear o consórcio e seus elementos intrínsecos, no que toca à técnica
legislativa, a LSA teve méritos. Privilegiou a convergência das vontades das partes
contratantes, ao prever uma sistemática quase que “autorregulatória”: dispôs sobre alguns
aspectos mais fundamentais e listou requisitos que devem constar do contrato de consórcio,
cujo conteúdo, aliás, é definido pelas próprias consorciadas.

Apesar dos méritos, pois se permitiu aos agentes econômicos gozarem de um grau de
flexibilidade contratual, a Lei das S.A. não parece conseguir resolver, pelo regime jurídico
estatuído aos consórcios, uma questão que é inerente à celebração de pactos empresariais: a
incompletude.5

Incompleto é o contrato que se revela incapaz de prever todas as eventualidades que


afetarão – ou poderão afetar – os contratantes6 e o objeto contratado. E essa é uma realidade.
Diante das inúmeras possibilidades relativas ao ato de contratar, que pode exigir
flexibilizações e concessões de parte a parte, afora a dinamicidade e a imprevisibilidade do
mundo real, afigura-se quase impossível que os contratantes consigam antecipar, de maneira
exauriente, as hipóteses e situações relevantes à negociação e refleti-las no respectivo
instrumento contratual.

A consequência dessa constatação é que o consórcio, como relação negocial,


provavelmente tenderá a ser também, em maior ou menor grau, incompleto, devido aos custos
de transação7 envolvidos em sua pactuação.

Se o contrato for omisso ou dúbio ou, ainda, se os consorciados controverterem quanto


às cláusulas do pacto, e, nessas hipóteses, os arts. 278 e 279 da Lei das S.A. (que estatuem o
regime jurídico principal aplicável), bem como o próprio contrato de consórcio não
disponham de caminhos para suprir eventuais omissões e/ou sanar as falhas ou

5
HART, Oliver; HOLMSTROM, Bengt. The theory of contracts. World Congress of the Econometric Society.
Massachusetts, 1985. Disponível em: https://dspace.mit.edu/bitstream/handle/1721.1/64265/
theoryofcontract00hart.pdf%3Bjsessionid%3DD2F89D14123801EBB5A616B328AB8CFC?sequence%3D1.
Acesso em: 5 set. 2018, p. 112.
6
FORGIONI, Paula A. Teoria geral dos contratos empresariais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p.
71.
7
Em linhas gerais, são aqueles nos quais agentes econômicos incorrem ao realizarem suas transações.
Dahlman os descreveu como “custos de busca e informação, custos de barganha e decisão, custos de
monitoramento e cumprimento” (DAHLMAN, 1979 apud COASE, Ronald Harry. A firma, o mercado e o
direito. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016. Coleção Paulo Bonavides, p. 7.)
14

desinteligências, então, o regime jurídico principal dos consórcios, que tem na sua
simplicidade um trunfo, revelar-se-á insuficiente.

Nesse contexto, o tema da dissolução de consórcios é, de fato, intrigante.

Em especial por dois motivos: primeiro, a regulação da figura consorcial, trazida pela
Lei das S.A., nada dispõe a respeito de um regime dissolutivo (ou sequer de sua necessidade);
segundo, tem-se dúvidas sobre a natureza societária ou eminentemente contratual do
consórcio – o que poderia ensejar a aplicação de um ou outro regime dissolutório.

Investigar as características essenciais do consórcio e como ele se encaixa na


legislação societária e contratual brasileira é relevante para a compreensão de qual seria o
regime de dissolução dos consórcios.

Aliás, a própria necessidade de existir ou não um procedimento dissolutivo dos


consórcios deve ser investigada.

E isso decorre do seguinte fato: apesar de a legislação conferir aos contratantes


flexibilidade para regularem, em contrato, os principais aspectos daquela relação consorcial, o
regramento da dissolução não foi previsto pela Lei como uma cláusula essencial ou um
requisito do pacto. Tampouco a LSA regulou um regime dissolutivo próprio ou remeteu ao
regramento aplicável a outro contrato, reclamando aplicação supletiva ou subsidiária.

Ainda, como será exposto, em mais detalhes, no Capítulo 5 deste trabalho,


pesquisa empírica realizada pela análise de todos os contratos de consórcio arquivados na
Junta Comercial do Estado de São Paulo entre 01.01.2019 e 01.07.2020 (487 contratos,
dos quais 463 estavam disponíveis), revelou que aproximadamente metade desses
instrumentos (231) não continham qualquer previsão a respeito de dissolução. E mais:
apenas 138 (ou 29,80% da base amostral) apresentavam disposições sobre o modo pelo
qual essa dissolução deveria ocorrer.

Está-se diante, por conseguinte, de um problema também de ordem prática, pois, ao


que parece, a ausência de clareza (ou de regulação contratual suficiente) sobre a
dissolução dos consórcios é uma realidade vivenciada pelos agentes econômicos. E,
tratando-se de um problema, deve-se analisar de que modo este poderia ser resolvido, à
luz do ordenamento pátrio.
15

A partir disso, pode-se perguntar: os arts. 278 e 279 não estabelecem uma regra de
dissolução, ou sequer indicam a essencialidade de que as partes pactuem cláusula nesse
sentido, porque (i) o próprio sistema, com base nas características do consórcio, já
ofereceria solução a esse tema, emprestando-lhe procedimentos dissolutórios aplicáveis a
outros institutos; ou (ii) inexiste necessidade de regulamentar a dissolução consorcial?

Se a primeira hipótese, indicada supra, se confirma, precisa-se entender se o consórcio


poderia ser enquadrado em alguma outra classificação, mais genérica, que o comportasse e
oferecesse soluções sistêmicas para superar problemas não contemplados na regulação enxuta
dos arts. 278 e 279 da Lei das S.A.; ou se haveria alguma outra figura à qual o consórcio se
assemelhasse suficientemente para que a aplicação supletiva das regras dessa outra figura se
desse de forma segura e compatível com o ordenamento.

Entrar-se-ia, nesse caso, em uma discussão acerca da natureza jurídica do instituto.


Afinal, o que significa, em termos concretos, a natureza jurídica de um objeto de estudo de
direito?8 Há, de maneira precisa, classificações e critérios que nos permitam arrematar a
natureza jurídica de instituto como o consórcio?

Diante das dificuldades expostas, o que se pretende é, com base em conceituações


estabelecidas pela própria legislação, e classificações genéricas feitas pela doutrina,
investigar, a partir das características do consórcio, onde essa figura se coloca na legislação
societária e contratual brasileira e se poderia ser reconhecida como tipo (ou espécie, ou
exemplo) de algum outro instituto (mais especificamente, nesse caso, se o consórcio seria um
tipo de sociedade).

Como se verá adiante, trata-se de um contrato típico, previsto como tal pela Lei das
S.A. Aliás, contrato esse que encerra um instrumento de cooperação empresarial, e que foi
colocado, na topografia da legislação das sociedades por ações, logo em seguida aos grupos
de sociedades (de direito), concluindo a sequência de capítulos que tratam das sociedades

8
“A natureza jurídica de um instituto ou figura jurídica consiste (i) na determinação de seu lugar no esquema
global de ordenamento bem como (ii) na sua comparação com outros institutos ou figuras jurídicas,
procurando revelar aquilo que os aproxima ou afasta” (AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Natureza jurídica
do contrato de consórcio. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 832/2005, fev. 2005 [Versão eletrônica].
Disponível em: https://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad6
adc60000017ad569adbb195fe18f&docguid=I221d69f0f25111dfab6f010000000000&hitguid=I221d69f0f251
11dfab6f010000000000&spos=1&epos=1&td=1&context=154&crumb-action=append&crumb-label=
Documento&isDoc FG=false&isFromMultiSumm=&startChunk=1&endChunk=1. Acesso em: 12 jul. 2020).
16

anônimas. Por outro lado, a exposição de motivos da mesma lei o classifica como sociedade
não personificada (sem explicar as razões para tanto).

Tem-se dúvidas, assim, se o consórcio poderia ser entendido como uma sociedade
(despersonificada) ou um outro instituto.

Porque essas discussões são relevantes: se o consórcio for tipo de sociedade, dever-se-
á, em respeito a essa classificação, buscar na legislação societária brasileira o regime
societário adequado para regrar a dissolução dos consórcios. E, nesse contexto, analisar os
aspectos que fundamentam a existência de um regramento específico para a dissolução de
sociedades.

Em contraposição a essa ideia, se o consórcio não for um tipo de sociedade, mas uma
figura distinta, sui generis, afigura-se necessário entender, a partir de suas características, a
eventual adequação de lhe aplicar um regime dissolutivo, tal qual existe para as sociedades,
por exemplo.

Assim, pergunta-se: o encerramento do contrato de consórcio depende de um


procedimento próprio, que conduza, gradativamente, à sua extinção, ou não, e ele pode ser
extinto de outra maneira, de forma mais simples (ou automática), sem a necessidade de um
procedimento complexo? Aliás, quais são as causas de dissolução de um contrato de
consórcio?

Para fins de delimitação do escopo de análise deste trabalho, destaque-se que não se
cuida dos consórcios públicos – regulados pela Lei n. 11.107/2005 –, os quais gozam de
personalidade jurídica de direito público ou privado,9 tampouco dos consórcios para aquisição
de bens de consumo/financeiros;10 trata-se, portanto, apenas dos consórcios de sociedade (ou

9
Sobre o tema, ver: NEGRINI, Ricardo Augusto. Os consórcios públicos no direito brasileiro. Dissertação
(Mestrado) – Universidade de São Paulo, 2009.
10
“A Lei n. 11.795, de 08.10.2008, veio regular o sistema de consórcios no país. Segundo a nova lei, consórcio
é a reunião de pessoas naturais e jurídicas em grupo, com prazo de duração e número de cotas previamente
determinados, promovida por administradora de consórcio, com a finalidade de propiciar a seus integrantes,
de forma isonômica, a aquisição de bens ou serviços, por meio de autofinanciamento. O grupo de consórcio é
uma sociedade não personificada, que será representado por sua administradora, em caráter irrevogável e
irretratável, ativa ou passivamente, em juízo ou fora dele, na defesa dos diretos e interesses coletivamente
considerados e para a execução do contrato de participação em um grupo de consórcio, por adesão. O
interesse do grupo de consórcio prevalece sobre o interesse individual do consorciado. O grupo de consórcio
é autônomo em relação aos demais e possui patrimônio próprio, que não se confunde com o de outro grupo,
nem com o da própria administradora” (MARTINS, Fran. Curso de direito comercial – Contratos e
17

de empresas, como alguns costumam denominar), instituídos e regulamentados pelos arts. 278
e 279 da Lei das S.A.

E, com foco apenas nesses consórcios, serão analisados suas características, seus
elementos essenciais, sua eventual classificação como tipo de sociedade, as causas de
dissolução que lhes seriam adequadas, bem como a eventual necessidade de existência de
um processo dissolutivo, além dos efeitos relacionados à extinção do contrato de
consórcio.

Ao final, será apresentada pesquisa empírica, realizada a partir da análise de 487


contratos de consórcio ativos registrados na JUCESP, entre 01.01.2019 e 01.07.2020, com
enfoque nas cláusulas que digam respeito à dissolução.

Plano de trabalho

No capítulo 1, será apresentada, em linhas gerais, a regulação da figura consorcial na


Lei das S.A., como forma de subsidiar as discussões pretendidas a respeito da identificação do
regime aplicável ao encerramento dos consórcios.

No capítulo 2, o foco residirá nas principais características dos consórcios, a fim de


identificar ou afastar sua classificação como tipo societário ou outra figura.

Já no capítulo 3, serão desenvolvidas considerações a respeito do termo dissolução e o


que ele compreende nos âmbitos contratual e societário, com vistas ao delineamento dos
respectivos pressupostos e das modalidades extintivas dessas relações.

O capítulo 4, então, abordará, à luz de tudo quanto exposto nos capítulos anteriores, as
principais questões atinentes à dissolução do contrato de consórcio, passando-se pelas causas,
procedimento e efeitos, com base nas características e elementos pertinentes, a fim de
responder a pergunta acerca da necessidade ou não de um procedimento dissolutivo para a
relação consorcial.

obrigações comerciais. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. v. 3. Disponível em:
https://integrada.minhabiblioteca. com.br/#/books/9788530986421/. Acesso em: 8 jul. 2020, p. 307).
18

Encerrada a pesquisa dogmática, o capítulo 5 resumirá as premissas e os resultados de


pesquisa empírica realizada a partir da análise de contratos de consórcio ativos registrados
entre 01.01.2019 e 01.07.2020 na JUCESP, com foco no eventual regramento dissolutivo.

Por fim, as conclusões deste trabalho serão apresentadas.


19

1 O CONSÓRCIO NA LSA: DEFINIÇÕES E REGIME JURÍDICO

1.1 Características principais e tentativas de definição do instituto

1.1.1 O elemento da colaboração

Diversos doutrinadores, desde a edição da Lei das S.A. e, por consequência, da


regulamentação do contrato de consórcio – que era uma figura contratual já utilizada, antes
mesmo de sua positivação –, dedicaram-se a emprestar algumas ou muitas palavras para
definir ou conceituar a relação consorcial. Mas, em todas elas, verifica-se uma mesma espinha
dorsal: o escopo da colaboração ou cooperação.11 E essa, talvez, represente uma das
características mais marcantes do contrato de consórcio.

Conforme exposto por Nelson Eizirik, o consórcio consiste em um contrato de


colaboração de empresas, o qual, na visão de Fábio Konder Comparato, dá origem a uma
estrutura de cooperação institucional, substituindo um conjunto de operações isoladas.12

Por meio do consórcio, as partes contratantes combinam recursos e esforços para


executar determinado empreendimento,13 nos termos no art. 278 da Lei das S.A.; porém, se
mantêm independentes, preservando suas autonomias, e não dão origem a um novo ente,14 de

11
“[...] the concept of inter-firm cooperation refers, more precisely, to relations of mutual dependence between
organisations which retain their separate identity as legal and/or economic entities. In transaction-cost terms,
these relations are said to exemplify a distinct form of economic coordination which is ‘neither Market nor
hierarchy’ (Powell, 1990; Ring and Van de Vem, 1992). Examples of such ‘hybrids’ or ‘networks’ of firms
include franchising, patent licensing, joint ventures and (the focus of the presente study) customize
subcontracting” (DEAKIN, Simon; ARRIGHETTI, Alessandro; BACHMANN, Reinhard. Contract Law,
Social Norms and Inter-firm Cooperation. Working Paper n. 36. University of Cambridge, 1996. p. 1-2).
Tradução livre: “[…] o conceito de cooperação interempresarial se refere, mais precisamente, às relações de
mútua dependência entre organizações que preservam, em separado, suas identidades como entidades
jurídicas e/ou econômicas. Em termos de custos de transação, essas relações são utilizadas para exemplificar
uma forma diferente de coordenação econômica que não é ‘nem de mercado, nem de hierarquia’ (Powell,
1990; Ring and Van de Vem, 1992). Exemplos dessas entidades híbridas ou redes de empresas incluem
franquias, licenciamento de patentes, joint ventures e (que são o foco deste trabalho) subcontratação
personalizada”.
12
EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A comentada: arts. 206 a 300. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2015.
v. 4, p. 468.
13
A doutrina diverge, nesse aspecto, acerca da delimitação do objetivo do consórcio; isto é, se se poderia
admitir ou não uma ampliação um pouco maior do conceito de “determinado empreendimento” para abarcar
apenas uma atividade específica, um projeto, por exemplo, ou um conjunto de atividades.
14
“É que a constituição de um consórcio de empresas não enseja o surgimento de um novo ente jurídico; pelo
contrário, já que cada consorciada tem preservada sua individualidade jurídica, patrimonial e administrativa”
(VOLPATO, Marília Gabriela; COLLET, Aline. Consórcio de empresas: regime legal e riscos jurídicos. In:
20

modo que o consórcio gera efeitos internos, já que desprovido de personalidade jurídica,
como disposto no § 1º do art. 278 da LSA.

Colaboração,15 cooperação,16 independência e comunhão de objetivos são, portanto,


palavras que giram em torno da noção de consórcio.

Em sentido mais amplo, também, o consórcio é tido como uma técnica de


concentração empresarial, haja vista seu escopo pressupor combinações de recursos entre
pessoas distintas que partilham uma mesma pretensão.

No entanto, como, no consórcio, não se operam mudanças estruturais nos envolvidos,


mediante as quais apenas uma entidade passasse a desenvolver as atividades, concentrando as
pretensões nela mesma, um cuidado técnico e mais arguto motiva a classificação do consórcio
como meio de cooperação empresarial, e não de concentração (em sentido estrito), já que as
consorciadas preservam suas autonomias e permanecem como agentes atuantes e
independentes.17

1.1.2 Relevância prática e motivadores da contratação de consórcio: colaboração e


flexibilidade

Antes de se discutir as questões jurídicas a respeito do contrato de consórcio, e se


passar pelo seu regime jurídico principal, estatuído pela LSA – bem como pelas decorrências
deste –, é importante indicar alguns aspectos que denotam a relevância prática da utilização
do consórcio, além dos motivos que se costuma sugerir como aqueles que levam à escolha
desse tipo de contrato para estabelecer o arcabouço do relacionamento entre as partes.

FRADERA, Véra Maria Jacob; ESTEVEZ, André Fernandes; RAMOS, Ricardo Ehrensperger (coord.).
Contratos empresariais. São Paulo: Saraiva, 2014. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.
com.br/#/books/9788502214842/. Acesso em: 8 jul. 2020. p. 377).
15
Tratando de exemplo de contrato de colaboração marcado por interdependência das partes, Paula Forgioni
registra que “[m]anter-se-ão apartados seus custos, fontes de receitas, patrimônios e obrigações. Ou seja, as
atividades, as áleas, os lucros e os prejuízos de ambas são interdependentes mas não comuns” (FORGIONI,
Paula A. Contratos empresariais: teoria geral e aplicação. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019. p.
194).
16
“Ao formarem o consórcio as sociedades na realidade ordenam as atividades de forma que a cadeia produtiva
daí resultante leve ao fim comum. Sem cooperação isso seria impossível” (SZTAJN, Rachel. Teoria jurídica
da empresa. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 105).
17
TOMAZETTE, Marlon. As obrigações tributárias e os consórcios de sociedades necessidade de interpretação
restritiva da Lei 12.402/2011. Revista Tributária e de Finanças Públicas, v. 100, p. 2, set. 2011.
21

Não é implausível afirmar que os arranjos ou rearranjos empresariais acompanham


fatores econômicos, de modo que o tecnicismo jurídico deve se atentar para preocupações de
outras ordens ou sistemas (como financeiras, mercadológicas, contábeis etc.), e essas, por sua
vez, precisam estar em sintonia com aquelas, para que a estrutura escolhida pelas partes
funcione da melhor maneira possível.

Mas é preciso ter cuidado com conclusões apressadas, para que não se incorra em
erros.

Encontram-se na doutrina algumas passagens que parecem indicar a existência


(passada ou presente) de um senso comum de que consórcios serviriam apenas à execução de
empreendimentos de maior porte, como grandes obras, projetos infraestruturais, parcerias
público-privadas e negócios imobiliários mais robustos. De fato, trata-se de uma constatação
possível, decorrente da observância do cotidiano; mas que não se lastreia, pelo que me consta,
em estudo empírico que confirme tal afirmação. E, justamente por isso, corre o risco de
denotar imprecisões.

Isso é até curioso, porque, como se depreende do texto legal, não foi imposta qualquer
“reserva” de um ou outro mercado aos consórcios, os quais podem ser utilizados para atuação
em qualquer segmento econômico ou para desenvolvimento de empreendimento de qualquer
porte.

Se não há restrição de segmento ou de tipo de atividade, imposta por lei, para a


constituição de consórcio, quais são as razões possíveis para sua escolha como modelo
associativo? Por que escolher essa forma de associação de empresas, em vez de outras, como
as operações societárias (fusões, aquisições, incorporações, cisões etc.) ou a própria
constituição de sociedades, com propósito específico ou não?

Longe de querer esgotar essa discussão, até mesmo pela subjetividade e pela gama de
variantes que informam as vontades das partes, a preservação da autonomia e da
independência das partes contratantes – que é elemento, ao mesmo tempo, característico dos
contratos de consórcio, e diferenciador de outras formas de associação típicas, como o grupo
de sociedades previsto na LSA (em que há subordinação, como se analisará mais adiante), as
sociedades empresárias e as operações societárias – pode servir como aspecto importante para
a escolha das partes pela constituição de relação consorcial.
22

O contrato de consórcio pressupõe a manutenção das personalidades jurídicas e dos


patrimônios das partes intactos, como se demonstrará no Capítulo 2; diferentemente da
incorporação, por exemplo, na qual a sociedade incorporada será absorvida pela
incorporadora e terá sua personalidade jurídica extinta, de modo que o patrimônio da
incorporada será vertido na incorporadora, operando-se sucessão universal da sociedade
eliminada; ou da constituição de uma sociedade anônima ou limitada, em que as partes
transferem patrimônio para constituição de um novo ente, o qual, em substituição às
contratantes, titularizará os direitos, bens e obrigações relativos ao objeto contratado (que
também será desempenhado não pelas contratantes, mas por esse novo ente: qual seja, a
sociedade).

O consórcio se funda na combinação de negócios com vistas à execução de um


empreendimento comum, sem que isso implique criação de vínculo societário, seja para fins
de constituição de pessoa jurídica, seja para constituição de um centro de imputação, seja para
instituir uma comunhão de objeto (para além de uma comunhão de escopo18 ou objetivo19).

Há determinadas situações em que não há justificativa para a criação desse vínculo


societário, despontando o consórcio, forjado nas ideias de colaboração, cooperação,
independência e comunhão de objetivo, como alternativa viável.20

Como pontuaram Egberto Lacerda Teixeira e José Alexandre Tavares Guerreiro:

[...] a conjugação dos recursos técnicos e financeiros de diversas empresas


coloca-se como condição essencial à viabilidade de certos empreendimentos.
Muitas vezes, sem que se verifique tal conjugação, não podem as empresas
enfrentar, isoladamente, as dimensões e os riscos de determinados negócios,
de grande vulto ou de extrema complexidade tecnológica. A associação
delas, sem recurso à vinculação acionária, muitas vezes indesejável, ou à

18
“[...] o consórcio é o contrato plurilateral ou de comunhão de escopo que organiza os meios necessários para
a efetivação da colaboração empresarial e do objetivo comum, seja este qual for” (FERES, Marcos Vinício
Chein. Joint Ventures: o consórcio de empresas no direito brasileiro. Revista do IBRAC – Direito da
Concorrência, Consumo e Comércio Internacional, v. 8, p. 8, jan. 2001).
19
Acerca da discussão da caracterização de consórcio como tipo societário, ver o Capítulo 2.
20
Nesse sentido, aliás, importante a observação de Fábio Konder Comparato: “[...] a realidade é que as
verdadeiras soluções parecem advir das próprias empresas em si, por meio de técnicas adequadas de
colaboração. Esta, na verdade, a palavra- mestra. Onde a concentração se revela impossível ou inadequada, a
chave do êxito passa pela conjugação de esforços e recursos, sem a supressão da autonomia das diferentes
unidades em causa. Cada empresa continua a perseguir o seu próprio objetivo, sob o controle independente
de cada empresário, mas o método de trabalho não é mais individualista. Criam-se estruturas de cooperação
institucional, onde antes havia um conjunto de operações isoladas. Aí está em linhas gerais, a idéia
justificadora dos consórcios empresariais” (COMPARATO, Fábio Konder. Novos ensaios e pareceres de
direito empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 223).
23

fusão ou à incorporação, também não cogitadas, nem viáveis, pode, dessa


forma, ser obtida com sucesso através do mecanismo consorcial, sempre que
os esquemas contratuais tradicionais se revelem insuficientes, inadequados
ou inseguros para lograr a coordenação de meios necessários a atingir um
fim determinado.21

Motivações de outras ordens, em especial econômica, podem ainda ser ressaltadas a


favor do consórcio como modelo associativo. Sérgio Botrel traz algumas considerações sobre
os motivadores econômicos para a implementação de técnicas contratuais reorganizativas,
como o consórcio, a exemplo de economias de escala e de escopo, aumento de market share e
incremento sinérgico.22

Reforçando o que se expôs anteriormente: o estabelecimento de um sistema


cooperativo entre empresas, com escopo limitado, pressupõe a combinação de recursos e
esforços; mas, no caso do consórcio, além de essa cooperação se dar em um âmbito
específico, e com caráter transitório, não se verifica a perda das individualidades patrimoniais
das consorciadas, as quais se mantêm autônomas, com vistas à obtenção de incremento de
eficiência.23

Atuando individualmente, porém em esforço conjunto ou concertado,24 estabelecido


pelo consórcio, as partes se habilitariam a alcançar poder negocial mais elevado perante
terceiros, como para conseguir preços reduzidos, expansão no crédito e outros benefícios

21
TEIXEIRA, Egberto Lacerda; GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Das Sociedades Anônimas no direito
brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1979. 2 v, p. 794.
22
BOTREL, Sérgio. Fusões & aquisições. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 27 e ss.
23
Sobre fenômeno concentracional francês, similar ao consórcio, denominado groupement d’intérêt
économique, interessantes são as considerações de Yves Guyon, que direcionam a associação, nestes moldes,
para o fim de ganho de eficiência: “Ce sont des personnes morales qui, tout en respectant l’indépendance
juridique et économique des participants, leur permettent de mettre en commun des moyens de production et
donc de développer leurs affaires plus efficacement et à meilleur compte que s’ils étaient demeurés isolés”
(GUYON, Yves. Les groupements d’intérêt économique. Les Cahiers de droit, 22(2), p. 383-427, 1981, pp.
384-385. Disponível em: https://www.erudit.org/fr/revues/cd1/1981-v22-n2-cd3748/042442ar.pdf. Acesso
em: 8 jul. 2020).
Tradução livre: “São pessoas jurídicas que, respeitando a independência jurídica e econômica dos
participantes, permitem-lhes congregar meios de produção e, por conseguinte, desenvolver a sua atividade de
forma mais eficiente e com custos mais baixos do que se tivessem ficado isolados”.
24
Sobre a concertação, Paulo Vasconcelos assim anota: “Os membros do consórcio, independentes entre
si, obrigam-se a combinar, a ajustar, a harmonizar e a compatibilizar as respectivas actividades ou
contribuições, de forma a ser alcançado o fim comum. Esta acção de concertação é uma forma de
cooperação” (VASCONCELOS, Paulo Alves de Sousa. O contrato de consórcio no âmbito dos
contratos de cooperação entre empresas. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra, 2005. p. 39).
24

decorrentes do fortalecimento da estrutura necessária à realização do projeto que é objetivo do


consórcio.25

Também se cogite da constituição de vínculo consorcial para que as partes busquem


espaços em mercados até então inexplorados, em que tenham pouca penetração ou, ainda, em
que precisem reforçar a posição e o market share em face de outros concorrentes; bem como
da obtenção de redução dos custos de transação, decorrente do compartilhamento de
elementos empresariais,26 e da percepção de economias de escopo, na medida em que o
complemento de atividades que eram desempenhadas pelas consorciadas apenas de forma
isolada, sem qualquer tipo de cooperação com outros agentes, pode facilitar a realização do
empreendimento comum, do ponto de vista econômico.27

Outro exemplo que advém da praxe diz respeito às concorrências públicas, conforme
inclusive reconhecido pela Lei n. 8.666/1993 (ou a Lei de Licitações), que, em seu art. 33,
admite a constituição de consórcio para participação em procedimentos licitatórios. Vê-se, a
partir desse comentário, que empresas podem se associar, de maneira temporária e específica,
sem abalos às suas individualidades (personalidade e patrimônio, em especial), para conseguir
alcançar objetivos que, sozinhas, não conseguiriam.28 O somatório de acervos técnicos, pelas
consorciadas, admitido por lei,29 pode ser um atrativo à formação de um consórcio,
igualmente.

25
BOTREL, Sérgio. Fusões & aquisições cit., p. 30 e ss.
26
Ibidem, p. 28 e ss.
27
Ibidem, p. 29.
28
“The cooperative aspects of the inter-firm relationships help to minimize the disadvantages of small firm
size, while the competitive aspects, along with a high degree of specialisation, impart the dynamism and
flexibility that are often lacking in large, integrated firms” (DEAKIN, Simon; WILKINSON, Frank.
Contracts, cooperation and trust: the role of the institutional framework. Working Paper n. 10. University of
Cambridge, 1995. p. 16).
Tradução livre: “Os aspectos cooperativos das relações interempresariais ajudam a minimizar as
desvantagens de uma empresa de menor porte, enquanto os aspectos competitivos, junto a um elevado nível
de especialização, transmitem o dinamismo e a flexibilidade que costumam faltar em empresas de grande
porte, integradas”.
29
Lei n. 8.666, art. 33: “Quando permitida na licitação a participação de empresas em consórcio, observar-se-ão
as seguintes normas: [...]
III – apresentação dos documentos exigidos nos arts. 28 a 31 desta Lei por parte de cada consorciado,
admitindo-se, para efeito de qualificação técnica, o somatório dos quantitativos de cada consorciado, e, para
efeito de qualificação econômico-financeira, o somatório dos valores de cada consorciado, na proporção de
sua respectiva participação, podendo a Administração estabelecer, para o consórcio, um acréscimo de até
30% (trinta por cento) dos valores exigidos para licitante individual, inexigível este acréscimo para os
consórcios compostos, em sua totalidade, por micro e pequenas empresas assim definidas em lei”.
25

1.1.2 Alocação de obrigações, riscos e responsabilidades

Como contrato de associação30 entre agentes econômicos, no qual as partes gozam de


considerável flexibilidade para regrar suas relações, o consórcio também desponta como
instrumento hábil a permitir alocação de riscos31 de acordo com as vontades das partes, diante
do menor número de regras estatais, dispositivas.

O instrumento consorcial possibilita às partes contratantes a definição de obrigações e


responsabilidades da forma como entenderem mais adequado, não havendo presunção de
solidariedade entre as consorciadas32 – o que só ocorrerá se expressamente avençado. Parte-se
da premissa de independência das partes contratantes, algo inerente ao instituto, o que resulta
no afastamento da solidariedade. Cada uma das consorciadas pode se obrigar apenas por
questões específicas, afastando-se das matrizes de responsabilidade que estariam sob a égide
da atuação de outra consorciada.

1.1.4 Consórcio como técnica de reorganização associativa

Verificadas essas características dos consórcios, afigura-se possível compreendê-los


como técnica de reorganização associativa.33

30
“A palavra consórcio provém do latim ‘consortium’, significando associação, participação, comunidade de
bens” (CORREIA, Renata Nunes de Lima. Tributação no consórcio de empresas. Revista de Direito
Empresarial, v. 6, p. 2, nov.-dez. 2014).
31
Lembrando que, como registrou Fábio Ulhoa Coelho, é a perspectiva de reconhecimento judicial da alocação
de riscos, operada pelos agentes, que confere segurança jurídica sistêmica: “Para o direito comercial,
segurança jurídica é a efetivação judicial da alocação, legal ou contratual, dos riscos. Quando se pode, de
modo geral, nutrir a racional expectativa de que o Poder Judiciário irá efetivar a alocação dos riscos, segundo
o prescrito na lei ou previsto nos contratos, esta previsibilidade das decisões judiciais torna o ambiente de
negócios juridicamente seguro” (A alocação de riscos e a segurança jurídica na proteção do investimento
privado. Revista de Direito Brasileira, São Paulo, v. 16, n. 7. p. 296, jan./abr. 2017).
32
“Art. 278. [...] § 1º O consórcio não tem personalidade jurídica e as consorciadas somente se obrigam nas
condições previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de
solidariedade” (BRASIL. Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976 cit.).
33
“Há modalidades que não se enquadram nas descrições das reorganizações societárias ou empresariais. Não
deixam, por isso, de ter natureza de reorganização. Mas o propósito é associativo, sem modificação das bases
da sociedade ou da empresa. São as reorganizações associativas. Assim se caracterizam, por exemplo: (i) o
consórcio; (ii) o grupo; e (iii) a joint venture. Como o nome indica, a reorganização associativa implica uma
associação de duas ou mais pessoas, geralmente jurídicas, para desenvolvimento de atividade comum, com
contribuições isoladas de esforços ou ativos e participação nos resultados. Permite, em primeiro lugar, a
manutenção das estruturas societárias e empresariais, que continuam a ser empregadas e dirigidas aos
mesmos fins e sem qualquer solução de continuidade. Em segundo, a participação em empresa de vulto ou de
risco acentuado, em conjunto com outros partícipes, permitindo-se o compartilhamento do risco. Assim, se,
por um lado, limita-se percentualmente o ganho decorrente da participação em eventual negócio associativo,
26

Nos termos do art. 298 da Lei das S.A., sociedades anônimas ou de qualquer outro tipo
podem constituir consórcio para a realização de um empreendimento: ou seja, combinam
elementos destinados ao exercício de empresa – aqueles relacionados à “atividade econômica
organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”34 – como know-how,
recursos, técnicas, bens e profissionais – não entre si, cambiando titularidade e unindo
patrimônios –, mas, para a execução de um projeto.

Esses elementos combinados não são transferidos a um terceiro (que seria o consórcio)
– sem personalidade jurídica, conforme previsto no art. 278, § 1º, da Lei das S.A., desprovido
de capacidade para ser titular de patrimônio.35 O que ocorre é que as partes somam seus
esforços, e empregam seus recursos, cada uma na sua própria individualidade, para a
persecução do objetivo ou fim comum.36 Por isso, Ana Frazão registra que se cria, com o
consórcio, empresa comum,37 a partir das atividades que seriam exercidas individualmente,
sem cooperação, pelas consorciadas, caso não tivessem firmado o pacto associativo tipificado
como consórcio.

Nada ocorre, porém, no plano das relações societárias estabelecidas nas sociedades
consorciadas – entre si e entre seus sócios –, as quais mantêm as suas estruturas de poder
intactas.

limitação esta atrelada ao percentual de contribuição, por outro, se afasta o risco isolado do empreendimento”
(CASTRO, Rodrigo Rocha Monteiro De. Regimes jurídico das reorganizações. São Paulo: Saraiva, 2016. p.
119-120).
34
“Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a
produção ou a circulação de bens ou de serviços” (BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui
o Código Civil. Palácio do Planalto Presidência da República, Brasília – DF, 10 de jan. 2002. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 11 ago. 2018).
35
“Neste sentido, a expressão ‘consórcio’ não significa um ente distinto dos consorciados, titular de direitos e
obrigações próprias, antes é mera expressão abreviada ou simplificada que designa o exercício coletivo de
direitos individuais e o cumprimento coletivo das obrigações individuais pela totalidade dos consorciados”
(XAVIER, Alberto. Consórcio: natureza jurídica e regime tributário. Revista Dialética de Direito Tributário,
São Paulo: Dialética, n. 64, p. 19, jan. 2001).
36
“O ‘fim comum’ é o objetivo, expressa ou tacitamente, convencionado no contrato, que apresenta eficácia
funcional entre as contratantes, isto é, constitui um critério que orienta a política da empresa em comum, que
se traduz na concretização dos direitos e obrigações das partes. A determinação do ‘fim comum’ é
preponderante para o dever de lealdade entre os contratantes (Lima Pinheiro 2003, p. 138), uma vez que
estabelece entre as partes uma solidariedade de interesses, em que as vantagens de um são as vantagens do
outro (Silva Morais 2006, p. 178-182)” (CAIXETA, Deborah Batista. Contratos associativos: características
e relevância para o direito concorrencial das estruturas. RDC, v. 4, n. 1, p. 104, maio 2016).
37
“A diferença é que sociedades, consórcios e joint ventures criam uma empresa comum enquanto que os
acordos parassociais disciplinam o exercício de empresa já existente” (FRAZÃO, Ana. Joint ventures
contratuais. Revista de Informação Legislativa, v. 52, n. 207, p. 197, jul./set. 2015, p. 196. Disponível em:
http://www2.senado.gov.br/bdsf/handle/id/515194. Acesso em: 20 ago. 2018).
27

O fenômeno reorganizativo se dá entre elementos de empresa, para que combinação


de esforços das consorciadas – que são empreendidos individualmente – se somem e
propiciem o desenvolvimento de um objetivo comum.

Logo, o consórcio não é hipótese de reorganização societária – arranjo ou rearranjo


interno e estrutural que acontece em um plano superior ao da própria empresa (da atividade),
envolvendo pessoas (físicas ou jurídicas) titulares de direitos de sócios.38 Trata-se de técnica
concentracionista,39 mas sem abalos societários.

Não se confunda, contudo, com a figura do cartel – consubstanciada em um acordo


entre concorrentes para fixar preços, dividir mercados ou atingir qualquer outro fim ilícito
previsto na regulação da Lei n. 12.529/2011 –, como chegou a se cogitar no passado.40 Essa
ideia não subsiste, pois, a característica como cartel depende dos efeitos pretendidos e dos
objetivos das partes concertadas; a ilicitude estaria, assim, não no meio de associação, mas no
seu propósito. Não à toa a mesma legislação concorrencial atesta o consórcio como exemplo
de ato de concentração a ser submetido ao crivo do Conselho Administrativo de Defesa
Econômica – e, portanto, figura lícita –, na égide do controle de estruturas, de acordo com o
art. 90 da Lei 12.529/2011.41

O fenômeno reorganizativo, decorrente do consórcio, como se expôs, ocorre


apenas no âmbito dos componentes destinados ao exercício da empresa (os quais são
combinados), em virtude da necessidade de estabelecimento de um sistema de
colaboração. Assim, reforce-se: individualidades e autonomias patrimoniais, bem como as

38
CASTRO, Rodrigo Rocha Monteiro De. Regimes jurídico das reorganizações cit., p. 103.
39
“A concentração econômica, característica do moderno capitalismo, pode ser juridicamente implementada,
notadamente, mediante as seguintes formas: aquisição de controle acionário; fusão; incorporação de empresa
ou de ações; grupo de sociedades; formação de consórcio” (EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A comentada: arts.
206 a 300 cit., p. 467).
40
PENTEADO, Mauro Rodrigues. Consórcios de empresas. São Paulo: Pioneira, 1979. p. 40-42.
41
“Art. 90. Para os efeitos do art. 88 desta Lei, realiza-se um ato de concentração quando: I – 2 (duas) ou mais
empresas anteriormente independentes se fundem; II – 1 (uma) ou mais empresas adquirem, direta ou
indiretamente, por compra ou permuta de ações, quotas, títulos ou valores mobiliários conversíveis em ações,
ou ativos, tangíveis ou intangíveis, por via contratual ou por qualquer outro meio ou forma, o controle ou
partes de uma ou outras empresas; III – 1 (uma) ou mais empresas incorporam outra ou outras empresas; ou
IV – 2 (duas) ou mais empresas celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture. Parágrafo único.
Não serão considerados atos de concentração, para os efeitos do disposto no art. 88 desta Lei, os descritos no
inciso IV do caput, quando destinados às licitações promovidas pela administração pública direta e indireta e
aos contratos delas decorrentes” (BRASIL. Lei n. 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema
Brasileiro de Defesa da Concorrência entre outras providências. Palácio do Planalto Presidência da
República, Brasília – DF, 30 de nov. 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-
2014/2011/Lei/L12529.htm. Acesso em: 3 de set. de 2018).
28

próprias personalidades jurídicas das sociedades contratantes da figura consorcial, são


mantidas. Isto é: cada consorciada permanece como entidade autônoma, o que permite
observar que o consórcio pode ser resumido à ideia de conjugação de esforços 42 para a
realização de um empreendimento.

Somam-se, assim, esforços, recursos, bens, direitos e obrigações, entre outros


componentes identificados pelas partes como úteis ao consórcio contratado, sempre na
medida do definido no contrato de consórcio, o qual prevê obrigações e responsabilidades
específicas para cada consorciada.

Verifica-se, na prática, a constituição de consórcios (privados, ainda, entre


sociedades) para participação de licitações. Não à toa a própria Lei n. 8.666, em seu art.
33, trata do tema, exigindo alguns requisitos para que esses consórcios participem das
concorrências.43 Um deles, inclusive, a previsão de responsabilidade solidária entre os
consorciados, que, apesar de não ser exigida pela LSA, pode ser contratada pelas partes,
sem quaisquer óbices.44

42
“Em certos casos, o consórcio torna possível que diferentes empresas contribuam, cada uma, com um fator de
produção diferente – que lhe esteja disponível ou em que seja mais eficiente – para o desenvolvimento de
uma atividade” (CRISTÓFARO, Pedro Paulo. Consórcios de Sociedades. Validade e eficácia dos atos
jurídicos praticados por seus administradores, nessa qualidade. Titularidade dos direitos e das obrigações
deles decorrentes. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 44, p. 15, out.-dez.
1981).
43
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 29. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 2, p.
315: “O advento do instituto no Brasil ocorreu no ambiente dos contratos públicos, por indução da lei,
como se vê na Lei n. 8.666/93, art. 33. A disposição dirige-se ao administrador público, autorizando-o a
permitir a participação na licitação de consórcios de empresas, comprovada mediante compromisso de
constituição de consórcio, a ser implantado definitivamente se adjudicado o pacto. Procedia -se, após o
concurso, à formação definitiva do consórcio, que era levado a registro. O passo seguinte, em evolução
natural, foi dado pelo agente público, que fazia constar, no edital do concurso público, a exigência de
constituição de empresa especializada, uma vez adjudicado o contrato, para celebra ção deste. Tal
situação acabou respaldada pela Lei n. 9.074/95, que regula as concessões de serviços públicos, a qual
autoriza a participação de um consórcio na fase da concorrência, seguido da formação da pessoa jurídica
no caso de adjudicação17. “A administração pública evolui para a exigência de constituição de uma
sociedade que pudesse nitidamente separar os capitais, os recursos e as aptidões, voltada unicamente
para a execução do contrato público celebrado”, como ensina Modesto Carvalhosa (ob. cit., p ág 355).
Haverá a presença de uma pessoa jurídica especializada, em substituição do consórcio despersonalizado,
com vantagem daquela representar maior estabilidade, dado que os contratos de concessão públicos são
muito complexos e celebrados com prazos muito longos. A pessoa jurídica, ainda, segregando
obrigações, patrimônio, riscos, operações e contabilidade, permite melhor fiscalização por parte do
concedente, deixando mais nítida a responsabilidade da empresa concessionária e de seus sócios
componentes”.
44
Lei n. 8.666: “Art. 33. Quando permitida na licitação a participação de empresas em consórcio, observar-se-
ão as seguintes normas: [...] V – responsabilidade solidária dos integrantes pelos atos praticados em
consórcio, tanto na fase de licitação quanto na de execução do contrato”.
29

Nesse contexto de estabelecimento de parcerias empresariais, o consórcio pode ser


entendido como um exemplo de joint venture contratual, não societária.45-46-47

Veja-se, contudo, que a joint venture não é um contrato associativo típico,48 submetido
a um regime jurídico brasileiro específico; mas uma noção um pouco mais ampla,
correspondente a uma “forma ou método de cooperação entre empresas independentes”,49 na
qual se inclui o consórcio – esse, sim, instituto tipificado na LSA, que consiste em um modelo
de associação de empresas em caráter temporário.50

45
“No que se refere às unincorporated joint ventures, o grande obstáculo parece ser a falta de uma definição
jurídica adequada, que faz com que todos os tipos de instrumento jurídico sejam utilizados, desde as formas
de coligação de empresas com caráter temporário, do tipo das GIE, do Konzern, do consorzio italiano, do
consórcio do direito brasileiro, passando pelas sociedades atípicas e pelas em conta de participação, até os
procedimentos meramente contratuais, com os riscos da legislação antitruste e da resolução difícil de
eventuais disputas” (BAPTISTA, Luiz Olavo. A “joint venture” – uma perspectiva comparativa. Revista de
Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 42. p. 58, abr.-dez. 1981).
46
“A joint venture brasileira, por excelência, é o consórcio cuja forma e estrutura são regidas pela Lei de
Sociedades Anônimas. É fácil concluir que, embora localizado numa lei específica, o consórcio deve ser
entendido como um instituto de direito societário e não apanágio exclusivo das sociedades anônimas. O
consórcio, de caráter temporário, na sua essência, atende aos requisitos constitucionais da ordem econômica
porque apenas autoriza uma colaboração por prazo determinado que não tende a afetar, em princípio, a livre
concorrência e a economia de livre mercado” (FERES, Marcos Vinício Chein. Joint Ventures: o consórcio de
empresas no direito brasileiro cit., p. 19).
47
“O instituto da joint venture é resultado da criatividade empresarial e não encontra tipificação na legislação
brasileira. Trata-se de ação de empreendedor, pela qual se objetiva a concentração de esforços combinados
com a redução de risco empresarial. O traço da atividade é a cooperação empresária, como ocorre nos casos
mais comuns, em que o detentor de tecnologia especial, desejoso de explorá-la em determinado local, mas
inibido pelo desconhecimento de peculiaridades do mercado-alvo e pela necessidade de investir, às vezes
pesadamente, em estrutura física, industrial ou de comercialização, se alia à empresa ali estabelecida para
aproveitar-lhe as habilidades e conhecimentos bem como a própria organização já consolidada. Haverá
substancial economia de custos e diminuição de riscos com incremento de capacidade operacional, de lado a
lado. Modesto Carvalhosa, em Comentários à Lei de Sociedades Anônimas (Ed. Saraiva, 1998, vol. 2º, pág.
344) refere a existência de: a) joint venture agreement, ou seja, consórcio contratual que se traduz na
‘conjugação de aptidões e recursos empresariais de duas ou mais sociedades’, no qual se mantém ‘a
autonomia das consorciadas, que nomeiam o administrador do consórcio (operator)...’; b) joint venture
corporation, ou seja, a ‘conjugação de aptidões e recursos empresariais de duas ou mais sociedades, mediante
a constituição de uma nova companhia com o objetivo específico de levar avante o empreendimento comum’.
Segundo o autor, o característico de ambas as espécies é a “especificidade da exploração de determinada
atividade de natureza empresarial, de duração limitada..” (REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial
cit., p. 312).
48
“Criatura nascida da prática, com o reconhecimento dado pela jurisprudência do seu país natal, a joint
venture caracterizou-se pela extrema flexibilidade e facilidade de criação e pelos deveres que impunha aos
seus sócios, especialmente o de estrita lealdade, amparado o cumprimento deles por ações ex contractu e de
prestação de contas” (BAPTISTA, Luiz Olavo. A “joint venture” – uma perspectiva comparativa cit., p. 56).
49
BASSO, Maristela. Joint ventures: manual prático das associações empresariais. 3. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2002. p. 39.
50
Pedro Paulo Cristofaro: “Concentração é temporária. Dura enquanto dura o empreendimento. Desfaz -se
quando ele termina” (Consórcios de Sociedades. Validade e eficácia dos atos jurídicos praticados por
seus administradores, nessa qualidade. Titularidade dos direitos e das obrigações deles decorrentes cit.,
p. 15).
30

1.2 Regime jurídico principal: arts. 278 e 279

Como já se pôde destacar neste trabalho, o consórcio é regulado por apenas dois
artigos da LSA: 278 e 279; os quais se limitam a introduzi-lo no ordenamento, como uma
técnica associativa tipificada e, portanto, expressamente permitida por lei, e estabelecer o seu
regime jurídico principal de maneira sucinta.

Neste subcapítulo, passarei por todos esses artigos e seus parágrafos e incisos. Mas,
antes, faz-se necessário posicionar o consórcio na sistematização oferecida pela LSA.

Os arts. 278 e 279 encontram-se imediatamente após a regulamentação dos grupos de


sociedades e logo antes das regras a respeito da sociedade em comandita por ações – que é um
tipo societário diverso da sociedade anônima.

A sequência normativa estabelecida pela LSA, até chegar no regramento do consórcio,


parte dos capítulos XVII, que regulamenta “dissolução, liquidação e extinção”, e XVIII, que
trata de “transformação, incorporação, fusão e cisão”; ou seja, regras sobre o fim da sociedade
e operações societárias, respectivamente, que são eventos de abalo à personalidade jurídica.

Logo em seguida a LSA dispõe sobre as “sociedades de economia mista”, no capítulo


XIX, que são sociedades anônimas com características especiais em função da sua estrutura
de capital (com participação do Estado), passando pelos fenômenos de coligação e controle,
no capítulo XX, os quais decorrem de relações intersocietárias, estabelecidas por pessoas
jurídicas distintas e que encerram algum grau de dependência, até chegar no “grupo de
sociedades”, regulamentado pelo capítulo XXI.

O próximo capítulo da LSA, antes do atinente às “sociedades em comandita por


ações”, é o XXII, que regra a figura do “consórcio”.

Isto é: a sistematização da Lei das S.A. indica que o consórcio se apresenta em uma
ordem lógica de técnicas e fenômenos de associações e de estabelecimento de relações
31

intersocietárias51 entre sociedades distintas;52 antes de se partir ao tratamento de um tipo


societário diverso do das sociedades anônimas: a sociedade em comandita por ações.

Isso não significa, contudo, que o consórcio seja necessariamente uma questão
decorrente das sociedades por ações. Como anota Rubens Requião:

A joint venture e a sociedade de propósito específico, assim como o


consórcio de pessoas jurídicas, não são questões diretamente ligadas ou
derivadas das sociedades por ações. O legislador, por ocasião da discussão e
edição da Lei n. 6.404/76, preferiu tratar o tema do consórcio no espaço
dessa lei, levado por questão de oportunidade do processo legislativo. Daí o
estudo que se faz do consórcio no capítulo das sociedades por ações,
destacando-o na seção que examina a concentração econômica de
empresas.53

A compreensão dessa sequência é importante para entender como o consórcio se


coloca na regulação societária; o que pode ser útil para a melhor compreensão do instituto.

O caput do art. 278 da LSA introduz a figura do contrato consorcial, delimitando suas
partes e seu objetivo, ao dispor que as companhias e quaisquer outras sociedades,
independentemente de estarem sob controle comum, podem constituir consórcio para
execução de determinado empreendimento.

Já a partir desse artigo surgem três importantes discussões: o que é o consórcio; que
tipos societários podem figurar em cada um dos polos da relação consorcial; e quão restritiva
é a limitação de “determinado empreendimento”.

A primeira discussão, mais complexa, será abordada com maior aprofundamento no


Capítulo 2 adiante; e decorre da ausência de uma classificação explícita, proposta pela própria
LSA – o que muito bem pode ter sido proposital, diante de uma possível desnecessidade de
classificação do consórcio no enquadramento de outro instituto, porque revestido de
características peculiares, as quais o tornam figura sui generis.

51
Para Sergio Campinho, o consórcio é um “ajuste intersocietário” (Curso de direito comercial: Sociedade
Anônima. 3. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. 9788553600472. Disponível em:
https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553600472/. Acesso em: 8 jul. 2020. p. 447).
52
Exposição de Motivos: “A Lei n. 6.404/76, depois de regular, até o Capítulo XIX, as companhias como
unidades empresariais distintas, disciplina, nos Capítulos XX a XXII, novas realidades: as sociedades
coligadas e os grupos de sociedades”.
53
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial cit., p. 312.
32

Acerca das possíveis partes de um contrato de consórcio, a própria legislação aparenta


restringir a utilização do modelo consorcial às companhias entre si, apenas, ou entre companhias
(necessariamente) e outra sociedades.54 Entretanto, autores como Nelson Eizirik defendem a
possibilidade de quaisquer outras sociedades constituírem, entre si, relações consorciais.55

Outro aspecto discutível, decorrente do caput do art. 278, é a delimitação ou a


especificidade do objetivo a ser perseguido em função do consórcio contratado. Apesar de
haver opinião contrária, entendo que o termo “determinado empreendimento” não impede a
realização de mais de um projeto sob a égide de uma mesma relação consorcial, pois
empreendimento é expressão mais abrangente, que pode representar um conjunto de
atividades. A exigência do artigo, portanto, estaria centrada na determinação, na especificação
do objetivo, que não poderia coincidir com todas as atividades das consorciadas, por exemplo,
sem óbices a que tenha alcance pouco mais ampliativo.

Além disso, discute-se a possibilidade de contratação de consórcio para desenvolver


atividade não lucrativa. Na opinião de Modesto Carvalho, não haveria impedimento, o que
caracterizaria tal consórcio como instrumental, e não operacional.56

Na sequência, o § 1º do art. 278 estabelece duas outras relevantes características do


consórcio: as ausências de personalidade jurídica e de solidariedade entre as consorciadas, as
quais se obrigam por suas obrigações individuais, conforme estabelecido no contrato.

Ambos os elementos são fundamentais para a correta compreensão de como o consórcio


se forma e se revela perante o mundo: as sociedades em consórcio preservam suas personalidades
jurídicas e patrimônios próprios e se obrigam a, na medida do consórcio, realizarem cada uma,
individualmente, suas atribuições e funções para que o somatório dessas atividades possa

54
Lamy Filho e Bulhões Pedreira, por exemplo, afirmam que podem ser partes do consórcio quaisquer
sociedades empresárias (Direito das companhias. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 1516). Na mesma
linha, Nelson Eizirik complementa opinando pela vedação de participação de pessoas físicas (A Lei das S/A
comentada: arts. 206 a 300 cit., p. 470). Carvalhosa, por sua vez, anota que “[...] a aplicação do presente
artigo e do subsequente (art. 279) demanda que, dentre as consorciadas, exista uma sociedade anônima, que,
no entanto, não deverá ser, necessariamente, a consorciada líder” (CARVALHOSA, Modesto. Comentários à
Lei de Sociedades Anônimas: arts. 243 a 300. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. v. 4, t. II, p. 451).
55
“A Lei das S.A. não exige que o consórcio seja integrado apenas por sociedades anônimas, podendo dele
participar as companhias e quaisquer outras sociedades” (EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A comentada: arts.
206 a 300 cit., p. 470).
56
O consórcio forma-se para agregar meios para a consecução de um fim próprio (consórcio operacional) ou
para habilitar as consorciadas – com a soma de seus recursos e aptidões – a contratarem com terceiros
serviços e obras (consórcio instrumental)” (CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades
Anônimas: arts. 243 a 300 cit., p. 434).
33

viabilizar a execução de um empreendimento comum; e tudo isso sem que se crie uma nova
entidade,57 personalizada ou não58 (ou um centro de imputação de interesses59), que assumiria
direitos e obrigações e realizaria, ela própria, essas atividades; bem como sem que as partes do
consórcio sejam responsáveis também pelas obrigações umas das outras, já que cada uma detém
suas próprias funções e atribuições, nos termos do que houver sido contratado.

Na mesma linha, o § 2º prescreve que a falência de uma das sociedades consorciadas


não gerará os mesmos efeitos para as demais, de modo que o consórcio permanecerá com as
outras consorciadas. Trata-se de texto que reforça a autonomia patrimonial e a individualidade
de cada uma das integrantes do consórcio, corroborando com a essência da relação consorcial
como associação sem qualquer tipo de integração vertical ou constituição de coligação.60 Ter-
se-ia algo como uma integração relativa entre as consorciadas.61

57
“Ora, no agrupamento ou consórcio de emprêsas não se constitui como nova sociedade; elas, ao contrário,
apenas se agregam umas às outras, num plano horizontal, mantendo cada uma a sua peculiar estrutura
jurídica. As emprêsas se unem sem prejuízo da intangibilidade da personalidade jurídica de cada uma”
(REQUIÃO, Rubens. Consórcio de emprêsas – necessidade de legislação adequada. Doutrinas Essenciais de
Direito Empresarial, v. 2, p. 2, dez. 2010 [Versão eletrônica]. Disponível em:
https://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad6adc50000017ad
554493f98828e51&docguid=I8eef5fc0682011e181fe000085592b66&hitguid=I8eef5fc0682011e181fe00008
5592b66&spos=1&epos=1&td=1&context=53&crumb-action=append&crumb-label=Documento&isDoc
FG=false&isFromMultiSumm=&startChunk=1&endChunk=1. Acesso em: 19 ago. 2020]).
58
“Destarte, não se deve entender o consórcio como uma entidade de direito despersonalizada. Trata-se de
simples contrato de colaboração de pessoas jurídicas, que se associam mediante cláusulas e condições
similares e alguns dispositivos análogos aos jacentes nos instrumentos constitutivos das sociedades. Porém,
falta aos consorciados a aftectio societatis, ou o desejo de formar uma sociedade, consoante a tradicional
definição, eis que, no consórcio, une-os o escopo comum e somente isto” (FRANCO, Claudia Werneck de
Melo. Associações de sociedades. Revista de Ciência Política, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, p. 73, maio 1981).
59
Tratando sobre fundos de investimento, Eduardo Cherez Pavia fornece considerações sobre a ideia de centro
de imputação: “Personalidade jurídica é a capacidade para o exercício de direitos e obrigações.
Conceitualmente, a personalidade delimita um centro autônomo de imputação. [...] Parece-nos, portanto, que
o fundo é um centro de imputação autônomo. Os bens e direitos que integram seu patrimônio, os ativos
financeiros, são de propriedade desse centro autônomo e não de seus cotistas. A existência ou não de
personalidade decorre, portanto, exclusivamente de escolha legislativa e do regulador para atingir objetivos
fiscais, evitando-se a dupla tributação” (PAVIA, Eduardo Cherez. Fundos de investimento: estrutura jurídica
e agentes de mercado como proteção do investimento privado. São Paulo: Quartier Latin, 2016. p. 55-56).
60
Sobre os contratos de colaboração, como o consórcio, e a inocorrência de integração, ver o seguinte: “São,
portanto, contratos específicos de longa duração em que as partes, mais do que estabelecer as obrigações
recíprocas, precisam estruturar, minimamente, um sistema de governança que possibilite, manter a
continuidade e adaptabilidade em face das modificações futuras do mercado (Willianson 1999). Tais
contratos não resultam necessariamente na integração entre os contratantes, pois, apesar de haver certa
interdependência entre as partes, elas mantêm autonomia com relação ao patrimônio, às atividades, aos lucros
e aos prejuízos de cada uma (Forgioni 2011, p. 173)” (CAIXETA, Deborah Batista. Contratos associativos:
características e relevância para o direito concorrencial das estruturas cit., p. 109) .
61
“Sob a perspectiva jurídica, ponderada a partir da intensidade econômica das operações de concentração (isto
é, intensidade de agregação dos fatores de produção), são estas classificadas em dois principais grupos: (i)
aquele que leva à perda da autonomia individual das sociedades, chegando a uma integração absoluta entre
elas (por exemplo, fusão e incorporação); (ii) aquele de associação de entidades que conservam sua
34

Ainda no § 2º do art. 278, parece-me que o texto encerra hipótese de dissolução parcial
do consórcio62 (em relação a uma única consorciada), por força da falência de uma das partes.
Isso será delineado, também com maior aprofundamento, nos Capítulo 3 e 4. Por ora registre-
se, apenas, que, ocorrido o desligamento de uma consorciada em razão de sua falência, os
créditos eventualmente detidos pela falida (no âmbito do consórcio) serão apurados e pagos
de acordo com o previsto no contrato. Essa regra igualmente será importante para as
considerações a respeito da dissolução consorcial, mais adiante.

Por fim, o art. 279 enfatiza a contratualidade inerente ao consórcio, registrando que
será constituído por meio de instrumento escrito, cuja aprovação deve ser obtida pelo órgão de
cada sociedade consorciada que seja competente para autorizar a alienação de bens do ativo
não circulante.

A correlação feita pelo texto, para fins meramente de atribuição de competência


deliberativa na estrutura interna de poderes de cada sociedade, pode levar a dúvidas a respeito
dos efeitos jurídicos que a constituição de um consórcio gera sobre os patrimônios das
consorciadas.

Inobstante a LSA atribuir a competência de aprovação societária, para participação no


consórcio, ao órgão responsável por autorizar a alienação de bens do ativo não circulante,
alienação de bens das consorciadas para o consórcio não ocorre; e por dois motivos: primeiro que
o consórcio não detém personalidade jurídica e não goza de capacidade para titularizar patrimônio
– como se explicará melhor adiante, a constituição de consórcio não dá origem a um patrimônio
autônomo ou separado, distinto dos das consorciadas, formado pelas “contribuições”, como se dá
nas sociedades empresárias, por exemplo; e segundo porque, ao firmar o consórcio, as
consorciadas não se obrigam a transferir, a alienar, a abrir mão da titularidade de bens, direitos ou
obrigações que fazem parte dos seus patrimônios individuais, os quais permanecem intactos.
Comentarei a respeito no item (vi) deste Capítulo, sobre o fundo consórtil.

autonomia, mediante a integração relativa das sociedades, que se efetiva tanto pela coligação societária (ou
seja, mera participação de uma sociedade em outra) quanto pela criação de grupos de sociedades
(organizados formalmente sob uma convenção de grupo) ou, ainda, pela constituição de consórcios”
(MENEZES, Mauricio Moreira Mendonça de. Reflexões sobre o regime jurídico da coligação societária e a
transferência de tecnologia entre sociedades coligadas. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro, n. 141, p. 151, 2006).
62
“O contrato pode ser dissolvido parcialmente, no sentido de se extinguir apenas no tocante a certas
obrigações, permanecendo vinculante quanto a outras. A dissolução parcial pode derivar de resilição ou
resolução” (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil: contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2016. v. 3 [livro eletrônico], p. 59).
35

Não há conferência ou disponibilização de bens a outrem; principalmente porque as


atividades que são do objetivo do consórcio não são desenvolvidas por um novo ente,
destacado das consorciadas e originado a partir da confluência de vontades, que dependeria de
uma massa patrimonial própria para viabilizar o exercício dessas atividades.

E isso não é negado pela possibilidade, prevista na LSA, de compartilhamento de


despesas comuns, o que poderia dar origem ao chamado fundo consórtil, que será comentado
mais adiante. Em resumo, o que se denomina fundo consórtil não é patrimônio, mas apenas
uma conta de créditos e débitos para rateio de despesas que são comuns às consorciadas,
tendo em vista a sua atuação concertada, para persecução de um objetivo compartilhado.

O art. 279, ainda, elenca os requisitos dos contratos de consórcio, indicando que
elementos devem constar do instrumento – os quais serão comentados no tópico adiante –, e
prescreve a obrigatoriedade de arquivamento do contrato e suas alterações no registro de
comércio, bem como da publicação da certidão de arquivamento.

O registro, contudo, não tem natureza constitutiva. A validade do consórcio, como


vínculo obrigacional assumido pelas consorciadas independe dos atos registrais. Objetiva-se,
com o registro, dar publicidade para terceiros da existência do contrato de consórcio, com
suas divisões de atribuições e responsabilidades. Trata-se de medida relacionada à eficácia
dos ajustes consorciais perante terceiros.63 A ausência desse registro poderia, no entender de
alguns doutrinadores, conduzir à solidariedade das consorciadas.64

63
“A adoção dessa providência visa assegurar que terceiros com quem o consórcio venha a se relacionar ou,
ainda, que tenham a necessidade de conhecer a sua existência (a exemplo de órgãos de fiscalização, agências
reguladoras etc.), tenham a possibilidade de conhecer e identificar, ao menos, quem são os consorciados e o
objeto do consórcio. Desse modo, o registro não representa elemento de existência, tampouco representa
condição de validade do negócio jurídico do contrato de consórcio. Essa providência está relacionada à
eficácia desse negócio jurídico. E aqui não se trata de eficácia do contrato de consórcio para os seus
consorciados, já que para os membros do consórcio o contrato produzirá efeitos regulares desde a sua
celebração. O registro e a publicação da respectiva certidão de arquivamento, na verdade, são providências
que visam conferir a eficácia desse negócio jurídico diante de terceiros” (AZEVEDO, Ciro Rangel;
TEIXEIRA, Pedro Freitas. Notas sobre contrato de consórcio empresarial. Revista de Direito Privado, v. 76,
p. 14, abr. 2017 [Versão eletrônica]. Disponível em: https://www.revistadostribunais.
com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad6adc50000017ad54ec76b9fe9b1ee&docguid=Ia9
76645009f711e7a16c010000000000&hitguid=Ia976645009f711e7a16c010000000000&spos=1&epos=1&td
=1&context=30&crumb-action=append&crumb-label=Documento&isDocFG=false&isFromMultiSumm=
&startChunk=1&endChunk=1. Acesso em: 20 set. 2020).
64
“No sistema do Código Civil, vale o princípio da responsabilidade solidaria e ilimitada dos sócios pelas
obrigações sociais, com relação às sociedades não personificadas e particularmente com relação àquela cujos
atos constitutivos não tenham sido submetidos ao registro próprio (sociedades em mão comum, art. 990). É
exatamente essa responsabilidade solidária e ilimitada das consorciadas que se elide no consórcio,
36

Também não se pode cogitar da criação de personalidade jurídica a partir do registro,


como ocorre nas pessoas jurídicas em geral. Essa cogitação simplesmente não faria qualquer
sentido, em função de o próprio texto da LSA (art. 278, § 1º) afastar, de maneira expressa, a
personificação do consórcio, e não fazer qualquer ressalva a respeito do registro – que é ato
obrigatório, mas não como requisito para atribuição de personalidade jurídica, porque o
consórcio jamais terá tal atributo, sob pena de se configurar como outro tipo de contrato
associativo.

Nos próximos tópicos serão abordados os requisitos contratuais: a omissão (proposital


ou não) quanto ao procedimento de dissolução; as considerações sobre nulidade e
anulabilidade; os efeitos da inobservância dos requisitos previstos no art. 279 da LSA; bem
como o consórcio informal.

1.3 Requisitos contratuais

Os requisitos do contrato de consórcio são indicados no art. 279 da LSA, dos quais,
em tese, esses contratos não poderiam prescindir.

São os seguintes, que devem constar do instrumento escrito: (i) a designação do


consórcio; (ii) o empreendimento que constitua o objetivo do consórcio; (iii) a duração,
endereço e foro; (iv) a definição das obrigações e responsabilidades de cada consorciada, bem
como das prestações específicas; (v) as normas sobre recebimento de receitas e partilha de
resultados; (vi) as regras sobre administração do consórcio, contabilização, representação das
consorciadas e taxa de administração, se houver; (vii) a forma de deliberação sobre assuntos
de interesse comum das consorciadas, com o número de votos que caberá a cada uma delas; e,
por fim, (viii) a contribuição de cada consorciada para as despesas comuns, se houver.

Existem também requisitos considerados facultativos, os quais não estão


expressamente previstos no art. 279, mas a doutrina e a praxe empresariais entendem que são
úteis para a regulação dos contratos de consórcio. Citem-se, por exemplo, normas quanto a

devidamente constituído e dado à regular publicidade mediante o registro, não se podendo falar em
obrigações sociais, como se houvesse sociedade, no instituto consorcial. A esta aplicam-se, especificamente,
as regras constantes dos §§ 1º e 2º do art. 278 da Lei das Sociedades por Ações, em oposição à norma do
referido art. 990 do Código Civil. Pouco importa que o registro em questão não tenha eficácia constitutiva, no
sentido da personificação do consórcio (que inexiste) ou da separação patrimonial entre consórcio e
sociedades consorciadas (que igualmente não há)” (GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Regime jurídico
do consórcio. O Código Civil e a Lei das Sociedades por Ações cit., p. 205).
37

sanções internas por descumprimentos de obrigações; hipóteses de saída ou exclusão de


consorciada; hipóteses de encerramento total e antecipado do contrato de consórcio,
regulando-se os efeitos disso.65

Enquanto contrato nominado e tipificado pela legislação, que definiu requisitos


mínimos a serem observados pelas partes na contratação, poder-se-ia discutir quais os efeitos
da inobservância, pelas consorciadas, de um ou mais desses requisitos prescritos pela LSA.

Ademais, apesar de o objeto deste trabalho ser a dissolução – elemento que não foi
previsto, expressamente, como objeto de regulação necessária nos contratos de consórcio –,
essa discussão se torna ainda mais importante diante da incompletude contratual e da
realidade de que podem existir contratos de consórcio que não contemplam todos os requisitos
dispostos no art. 279.

Deve-se levar em conta o seguinte: considerando o contrato de consórcio como


negócio jurídico que é, a falta de um dos seus requisitos essenciais (como o regramento do
procedimento deliberativo ou, ainda, a divisão do número de votos atribuídos a cada uma das
consorciadas) eivaria o contrato de consórcio por algum tipo de vício que, de acordo com
legislação civil brasileira, ensejaria sua invalidade?

1.3.1 Regime de invalidades: nulidade e anulabilidade

Nos termos do art. 104 Código Civil, são requisitos de validade de qualquer negócio
jurídico: agente capaz;66 objeto lícito, possível, determinado ou determinável; forma prescrita
ou não defesa em lei.

65
PENTEADO, Mauro Rodrigues. Consórcios de empresas cit., p. 90.
66
“Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16
(dezesseis) anos.”
“Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: I – os maiores de dezesseis e
menores de dezoito anos; II – os ébrios habituais e os viciados em tóxico; III – aqueles que, por causa
transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; IV – os pródigos. Parágrafo único. A
capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial.”
“Art. 5º A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos
os atos da vida civil. Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade: I – pela concessão dos pais,
ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial,
ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; II – pelo casamento; III –
pelo exercício de emprego público efetivo; IV – pela colação de grau em curso de ensino superior; V – pelo
estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o
menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.”
38

O Capítulo V de referido diploma prescreve o regime de invalidades.67 Em seus arts.


166 e 167 dispõe a respeito das causas gerais de nulidade (além das especiais, como nos arts.
54; 489; 497; 762; 907; parágrafo único do 912; 1.468; § 3º do 1.516; 1.548; 1.653; 1.749;
1.959), enquanto nos arts. 138, 141, 145 e 171 define as hipóteses mais gerais de
anulabilidade (além de outras mais específicas, dispostas no Código Civil, nos arts. 117; 119;
159; 496; 533, I; 1.550; 1.558; 1.649; 1.909; e 2.027).

Sobre as nulidades:

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: I – celebrado por pessoa


absolutamente incapaz; II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu
objeto; III – o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV
– não revestir a forma prescrita em lei; V – for preterida alguma solenidade
que a lei considere essencial para a sua validade; VI – tiver por objetivo
fraudar lei imperativa; VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-
lhe a prática, sem cominar sanção.
Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se
dissimulou, se válido for na substância e na forma. § 1º Haverá simulação
nos negócios jurídicos quando: I – aparentarem conferir ou transmitir
direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou
transmitem; II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não
verdadeira; III – os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-
datados. § 2º Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos
contraentes do negócio jurídico simulado.

E sobre as causas de anulabilidade:

Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de


vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa
de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.
Art. 139. O erro é substancial quando: I – interessa à natureza do negócio, ao
objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;
II – concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se
refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo
relevante; III – sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei,
for o motivo único ou principal do negócio jurídico.
Art. 141. A transmissão errônea da vontade por meios interpostos é anulável
nos mesmos casos em que o é a declaração direta.

67
“Invalidade é a sanção imposta ao ato que, embora existente, foi praticado em desobediência aos seus
requisitos legais, isto é, que não possui os requisitos necessários para a sua configuração objetiva. A
validade do ato, portanto, depende de sua sujeição às exigências legais, variando o grau da sanção de
ineficácia proporcionalmente à relevância que o ordenamento atribui aos requisitos desatendidos. Em regra,
um ato válido será também eficaz e, um inválido, ineficaz. [...] Invalidade é considerada gênero do qual
nulidade e anulabilidade são espécies. Essa posição é adotada pelo Código Civil, que intitula o Capítulo V do
Título I do Livro III da Parte Geral com a frase ‘Da invalidade do negócio jurídico” e distingue, nos artigos
nele contidos, nulidade de anulabilidade (arts. 166/184)’” (PEREIRA, Guilherme Setoguti Julio. Impugnação
de deliberações de assembleia das S/A. São Paulo: Quartier Latin, 2013. p. 52-53).
39

Art. 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua
causa.
Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o
negócio jurídico: I – por incapacidade relativa do agente; II – por vício
resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra
credores.

Grosso modo, os negócios jurídicos nulos não podem ser confirmados pelas partes,
tampouco convalescidos pelo decurso do tempo,68 enquanto os anuláveis podem ser
confirmados pelas partes, ressalvados os direitos de terceiro.69-70 Sobre os negócios anuláveis,
ainda, assim ensina Antonio Junqueira de Azevedo:

Quanto aos negócios anuláveis, sua situação não é muito diversa; no fundo,
tais atos estão provisoriamente em situação indefinida: após certo tempo, ou
estarão definitivamente entre os nulos (foram anulados), ou se equipararão
aos válidos como se nunca tivessem tido qualquer defeito.71

A decretação de nulidade (que pode ser alegada por qualquer interessado72) deve ser
pronunciada pelo juiz, “quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as
encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes”,
de acordo com o parágrafo único do art. 168.

Por sua vez, a anulabilidade não pode ser decretada de ofício, só pode ser alegada
pelos interessados e aproveitada pelos que a alegarem (ressalvadas hipóteses de solidariedade
ou indivisibilidade), e não terá efeito antes de julgada por sentença.73

De acordo com o art. 182 do Código Civil, uma vez anulado o negócio jurídico, as
partes deverão retornar ao estado que se achavam antes da sua celebração; se não for possível
restituí-las, receberão indenização equivalente.74

68
“Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo.”
69
“Art. 172. O negócio anulável pode ser confirmado pelas partes, salvo direito de terceiro.”
70
Se o vício for insanável, há nulidade absoluta ou de pleno direito e o contrato é como se não existisse, não
produzindo nenhum efeito entre as partes; se, porém, o vício for sanável, existirá apenas uma nulidade
relativa e o contrato será anulável a requerimento daqueles que tiverem interesse nele. Poderá, contudo,
haver ratificação, e nesse caso, reparado o vício, o contrato passará a produzir os seus efeitos legais”
(MARTINS, Fran. Curso de direito comercial – Contratos e obrigações comerciais cit., p. 93).
71
(AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Negócio jurídico – Existência, validade e eficácia. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2002. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788502146761/. Acesso
em: 8 jul. 2020, p. 64).
72
“Art. 168. As nulidades dos artigos antecedentes podem ser alegadas por qualquer interessado, ou pelo
Ministério Público, quando lhe couber intervir.”
73
“Art. 177. A anulabilidade não tem efeito antes de julgada por sentença, nem se pronuncia de ofício; só os
interessados a podem alegar, e aproveita exclusivamente aos que a alegarem, salvo o caso de solidariedade ou
indivisibilidade.”
40

Registre-se, por fim, que a invalidade do instrumento não induzirá a invalidade do


negócio jurídico sempre que este puder ser provado por outro meio,75 e que a invalidade
parcial de um negócio jurídico não prejudicará as suas partes que forem válidas, desde que
sejam separáveis, respeitando-se a intenção das partes; e, ainda, que a invalidade da obrigação
principal implica a das obrigações acessórias, mas a recíproca não é verdadeira.76

Importante distinguir invalidade de ineficácia. Um contrato é inválido quando não


preenche um dos pressupostos ou requisitos exigidos por lei. É ineficaz, por sua vez, quando,
ainda que válido, não produza seus efeitos (de forma temporária ou definitiva; parcial ou
totalmente). E é inexistente quando não possui os elementos configurativos para ser um ato
negocial.77

Conforme apontado por Silvio de Salvo Venosa, a nulidade gera efeitos retroativos,
operando-se ex tunc, enquanto a anulabilidade não retroage, projetando-se para o futuro.78-79

74
“Art. 182. Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e,
não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente.”
75
“Art. 183. A invalidade do instrumento não induz a do negócio jurídico sempre que este puder provar-se por
outro meio.”
76
“Art. 184. Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na
parte válida, se esta for separável; a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias,
mas a destas não induz a da obrigação principal.”
77
GOMES, Orlando. Contratos. 27. ed. Atualizadores Edvaldo Brito; Reginalda Paranhas de Brito. Rio de
Janeiro: Forense, 2019. p. 197-198.
78
“O contrato pode estar inquinado, desde o início de sua elaboração, de um vício. Se ocorrer vício insanável, a
nulidade opera desde a raiz do vínculo. Embora se decrete a nulidade ex tunc, é inegável que o contrato nulo
deixa rastros materiais que não podem ser ignorados. A compra e venda efetuada por agente incapaz, por
exemplo, pode ter transferido a posse da coisa e pode ter gerado benfeitorias, direito de retenção, perdas e
danos etc. Nesse caso, o desfazimento retroage à data do contrato, mas o momento em que se declara desfeito
o vínculo em juízo não deixa de ter importância. Quando se trata de anulabilidade, presentes os vícios de
vontade (erro, dolo ou coação), ou vícios sociais (fraude contra credores, não se esquecendo da lesão), os
efeitos operam ex nunc. Todavia, tanto nos casos de nulidade, incluindo-se nesta a simulação, como nos de
anulabilidade, as causas que desfazem o vínculo contratual existem desde o nascimento do negócio jurídico.
São hipóteses em que as causas de dissolução do contrato são contemporâneas a sua origem; o ato nasce com
a potencialidade do desfazimento. Essas formas de desfazimento do vínculo são modalidades que dizem, de
fato, respeito à extinção dos contratos” (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil – Contratos. 19. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2019. v. III. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/
9788597019704/. Acesso em: 10 ago. 2020, p. 160).
79
No mesmo sentido, Caio Mário da Silva Pereira: “É preciso não confundir a resolução do contrato por
atuação da cláusula resolutiva (tácita ou expressa) com a declaração de sua invalidade (nulidade ou
anulabilidade). A resolução pressupõe um negócio jurídico válido, e tem como consequência liberar os
contratantes, sem apagar de todo os efeitos produzidos pela declaração de vontade. Se é certo que opera
retroativamente, não faz abstração do negócio jurídico desfeito. Assim é que, nos contratos de execução
sucessiva, não se restituem as prestações efetuadas; nas demais, não se entrega a res debita, porque a relação
jurídica deixa de existir, mas aquele que dá causa à ruptura arcará com as perdas e danos, ou com a cláusula
penal se tiver sido estipulada. A ineficácia pressupõe, ao revés, uma declaração de vontade inoperante,
portadora de um defeito de ordem subjetiva, ou formal, e o desfazimento pode ter efeito ex tunc (nulidade),
41

Nulidade e anulabilidade – junto à redibição e ao abuso de direito80 – correspondem às


hipóteses de extinção do contrato por causas concomitantes à celebração do negócio jurídico.

Resumindo, de maneira bastante sucinta, acerca do regime de invalidades dos


negócios jurídicos instituído pelo Código Civil, indaga-se se a inobservância de um dos
requisitos do contrato de consórcio, previstos no art. 279, configuraria hipótese de nulidade ou
de anulabilidade, bem como quais as consequências disso.

Ao tratar dos requisitos essenciais aos estatutos das associações, o Código Civil, no
seu art. 54, dispôs que a inobservância de qualquer um dos requisitos lá listados acarretaria
nulidade do estatuto.81

Questiona-se se, quanto ao consórcio, à semelhança do previsto para as associações, a


inobservância de um requisito tido pela LSA como essencial indicaria hipótese de nulidade
(ou anulabilidade).

A análise mais cuidadosa das hipóteses de nulidade e anulabilidade nos permite


afirmar que a ausência de um dos requisitos estabelecidos no art. 279 da Lei das S.A. para o
contrato de consórcio não invalida o respectivo negócio jurídico.

Veja-se que, entre as causas de nulidade e anulabilidade delineadas mais acima, a falta
de um dos requisitos contratuais se aproximaria apenas da hipótese de “não revestir a forma
prescrita em lei”, que é indicativo de nulidade do negócio jurídico. No entanto, entendo que a
forma, em si, está atrelada à existência do instrumento escrito (para o contrato de consórcio),
como exigido pela LSA, e não à observância de todos os requisitos essenciais.82

fulminando a desde a origem, ou ex nunc (anulabilidade), atingindo-o a partir da sentença, mas sem sujeitar
qualquer dos contratantes a perdas e danos ou à incidência da multa convencionada” (Instituições de direito
civil: contratos. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. v. III, p. 63-64).
80
AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos. In: FERNANDES, Wanderley (coord.).
Contratos empresariais: fundamentos e princípios. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 418.
81
“Art. 54. Sob pena de nulidade, o estatuto das associações conterá: I – a denominação, os fins e a sede da
associação; II – os requisitos para a admissão, demissão e exclusão dos associados; III – os direitos e deveres
dos associados; IV – as fontes de recursos para sua manutenção; V – o modo de constituição e de
funcionamento dos órgãos deliberativos; VI – as condições para a alteração das disposições estatutárias e
para a dissolução; VII – a forma de gestão administrativa e de aprovação das respectivas contas.”
82
No mesmo sentido: “Começando pelo elemento de existência da forma, de acordo com o nosso ordenamento
jurídico, a forma deverá ser necessariamente escrita. Logo, caso a constituição do consórcio não atenda a esse
requisito de forma, embora seja ele existente, não será válido, com base nos arts. 104, III, e 166, IV, ambos
do Código Civil de 2002” (AZEVEDO, Ciro Rangel; TEIXEIRA, Pedro Freitas. Notas sobre contrato de
consórcio empresarial cit., p. 12-13).
42

Compreender essa situação como hipótese de nulidade significaria aplicar solução


demasiadamente drástica a um problema que poderia ser contornado por outros meios, que
não a invalidação do negócio jurídico, atingindo direitos de terceiros de boa-fé – e, talvez,
criando incentivos errôneos para que partes buscassem invalidação, em aproveitamento
próprio, em situações específicas (apesar de inexistir qualquer evidência empírica que
sustente essa elucubração; o que se faz apenas a título de argumentação).

1.3.2 Consórcio informal

O disposto no art. 279 objetiva delimitar quais as características principais do contrato


de consórcio, de modo que, para se configurar como um, aqueles requisitos devem ser
observados. A inobservância, no limite, atacaria essa caracterização.

Para além dos efeitos da ausência de arquivamento no registro de comércio (que,


conforme registrado anteriormente, não detém natureza constitutiva, mas se apresenta como
elemento de eficácia perante terceiros), Mauro Penteado,83 Leães84 e Roberto Lincoln85
apontam que, quando o contrato de consórcio não preenche todos os requisitos estabelecidos
nos arts. 278 e 279 da LSA, configura-se o consórcio informal:

Em outros termos, o “consórcio informal” é qualquer associação contratual


que, mesmo constituída com a finalidade de comunhão de esforços e
recursos para a consecução de um empreendimento comum, e mesmo tendo
escopo e características similares aos dos consórcios de empresas previstos
na LSA, não se enquadra no tipo legal, por faltar-lhe algum ou vários dos
elementos essenciais ao consórcio, ou mesmo por não ter sido o seu contrato
de constituição devidamente arquivado no registro de comércio.86

Essa constatação parte do pressuposto de que a legislação societária definiu os moldes


mínimos que determinado contrato, para se enquadrar na classificação de consórcio, enquanto
contrato típico, deve contemplar.87

83
PENTEADO, Mauro Rodrigues. Consórcios de empresas cit., p. 77.
84
LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. Pareceres. São Paulo: Singular, 2004. v. 1, p. 521).
85
“Diante disso, situação que merece análise especial é aquela em que o consórcio não se reveste dos requisitos
legais da LSA ou não tem seu instrumento de constituição arquivado no registro de comércio, hipóteses em
que se configura o chamado ‘consórcio informal’” (GOMES JUNIOR, Roberto Lincoln de Sousa.
Consórcios de empresas. Fundamentos e regime de responsabilidade. São Paulo: Quartier Latin, 2019. p. 82).
86
Ibidem, p. 211.
87
Ibidem, p. 82-83.
43

De um lado, Guerreiro defende que não se poderia admitir consórcios atípicos,


irregulares ou desviantes da tipificação prevista na LSA (o que negaria a possibilidade de um
“consórcio informal”).88 De outro, Eizirik destaca a possibilidade de um contrato de consórcio
não conter todos os requisitos tidos por essenciais e, nem por isso, revelar-se atípico.89

E me parece que a posição de Eizirik seja mais coerente. A descaracterização do


consórcio como tal – e a sua compreensão como “consórcio informal” – dependeria não da
inobservância de qualquer um dos requisitos que, na dicção do art. 279 da LSA, deveriam
constar do respectivo contrato; mas sim da inexistência de algum dos elementos que
componham o que pode ser entendido como o núcleo essencial do consórcio. Os elementos
previstos no art. 279 da LSA não seriam, por conseguinte, todos eles requisitos essenciais do
contrato de consórcio, para fins de atestação de existência, validade e eficácia desse negócio
jurídico.

A existência do contrato de consórcio dependeria da presença dos elementos de forma,


objeto, declaração de vontade, tempo, lugar e agentes;90 a validade, por sua vez, do
atendimento aos requisitos estabelecidos nos arts. 104 a 166 do Código Civil; e a eficácia,
internamente, da celebração de contrato existente e válido entre as partes, e, externamente,
perante terceiros, do seu registro – além da existência e validade do contrato, como exigido
pela LSA.

Para fins, então, de caracterização do contrato associativo como consórcio (ou,


negativamente, como consórcio informal), devem-se analisar quais seriam esses requisitos
essenciais, bem como as eventuais consequências de tal inobservância.

De acordo com Roberto Lincoln, o núcleo essencial do contrato de consórcio seria


composto pelos seguintes elementos: (i) vinculação a “empreendimento determinado”, com
respeito ao caráter temporário do consórcio; (ii) colaboração entre as consorciadas; (iii)
participação de pessoas admitidas pela legislação societária; (iv) constituição por instrumento

88
GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Regime jurídico do consórcio. O Código Civil e a Lei das
Sociedades por Ações cit., p. 206:
89
EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A comentada: arts. 206 a 300 cit., p. 477-478.
90
“Resumidamente, para que o contrato de Consórcio Empresarial exista, os seguintes elementos deverão estar
presentes: (i) forma; (ii) objeto; (iii) declaração de vontade à luz das circunstâncias negociais; (iv) tempo; (v)
lugar; e (vi) agentes” (AZEVEDO, Ciro Rangel; TEIXEIRA, Pedro Freitas. Notas sobre contrato de
consórcio empresarial cit., p. 12.).
44

escrito, que é o formato exigido pela LSA; e (v) definição das obrigações de cada
consorciada.91

A ausência de um dos aspectos que deveriam constar do contrato de consórcio, por


conseguinte, se não comprometer o núcleo essencial da figura consorcial, não acarretará a
informalidade ou atipicidade. Diante da realidade da incompletude dos contratos, essa posição
me parece adequada, por ser menos apegada a formalismos – que podem gerar repercussões
drásticas para as partes – e mais adstrita à autonomia da vontade dos contraentes que,
respeitando o núcleo essencial, quiseram, de fato, contratar um consórcio, tal como regulado
na LSA.

As reflexões sobre a configuração de consórcio informal são importantes para fins de


entendimento do regime de responsabilidade das consorciadas. Isso porque, conforme aponta
Roberto Lincoln, a doutrina entende que o risco da caracterização reside na compreensão de
determinado contrato de consórcio como sociedade em comum, o que, por sua vez, conduziria
ao afastamento da presunção de que as consorciadas não são solidariamente responsáveis e,
por consequência, ao estabelecimento da responsabilidade solidária e ilimitada de todas as
consorciadas no âmbito do consórcio.92-93 Mas essa consequência, também conforme anotado
por Roberto Lincoln, somente faria sentido se entendido o consórcio como um tipo
societário.94

Registro, contudo, que a tentativa de enquadramento do “consórcio informal” como


sociedade em comum é problemática por, pelo menos, dois motivos principais.

Primeiro, como já antecipado, na linha do externado por Roberto Lincoln, o consórcio


não é um tipo societário, conforme será mais bem exposto no Capítulo 2, de modo que não faz
qualquer sentido a caracterização como sociedade em comum.

91
GOMES JUNIOR, Roberto Lincoln de Sousa. Consórcios de empresas. Fundamentos e regime de
responsabilidade cit., p. 213.
92
Ibidem, p. 83.
93
Por exemplo, José Alexandre Tavares Guerreiro: “No sistema do Código Civil, vale o princípio da
responsabilidade solidária e ilimitada dos sócios pelas obrigações sociais, com relação às sociedades não
personificadas e particularmente com relação àquelas cujos atos constitutivos não tenham sido submetidos ao
registro próprio (sociedades em comum, art. 990). É exatamente essa responsabilidade solidária e ilimitada
das consorciadas que se elide no consórcio, devidamente constituído e dado a regular publicidade mediante
registro” (GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Regime jurídico do consórcio. O Código Civil e a Lei das
Sociedades por Ações cit., 202-206).
94
GOMES JUNIOR, Roberto Lincoln de Sousa. Consórcios de empresas. Fundamentos e regime de
responsabilidade cit., p. 83.
45

Nos termos do art. 981 do Código Civil, “celebram contrato de sociedade as pessoas
que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de
atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”, enquanto a base fundante, do
contrato de consórcio, conforme art. 278 da Lei das S.A., é o mutualismo, a cooperação
estabelecida entre partes para execução de um mesmo objetivo (ou empreendimento). Essa
diferenciação, como antes indicado, será explorada em detalhes no Capítulo 2.

Não se pode desconsiderar que as anotações daqueles doutrinadores que defendem a


caracterização do consórcio informal como tal, a exemplo de José Alexandre Tavares
Guerreiro, talvez decorram da compreensão destes de que o consórcio seria uma espécie de
sociedade não personificada – hipótese que não é pacífica na doutrina.

Também será mais detalhado adiante, no Capítulo 2, mas a sociedade em comum, em


síntese, remete (i) às sociedades que, de fato, existem, mas não foram consubstanciadas em
instrumento escrito e devidamente arquivado; e (ii) às sociedades que foram contratadas, em
atenção a determinado tipo societário previsto no ordenamento, mas ainda não tiveram seus
atos arquivados; englobaria noções que antes eram segregadas para identificar as sociedades
de fato e as sociedades irregulares, respectivamente.95

E isso tudo como corolário do pressuposto de aquisição da personalidade jurídica para


o direito pátrio: o registro dos atos constitutivos.

A sociedade em comum, portanto, revela caráter de transitoriedade ou de


informalidade, conforme o caso; mas, em ambas as hipóteses, há sociedade contratada entre
as partes, o que não se confunde com a situação do consórcio, que é um outro tipo de contrato

95
“A despeito das diferenciações encontradas na doutrina, denominaremos de sociedade de fato a sociedade
sem contrato escrito. Já a sociedade que tenha se constituído mediante instrumento público ou particular, mas
não dado a registro, chamaremos de sociedade irregular” (KALANSKY, Daniel. A sociedade em comum: um
novo tipo societário? In: FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes (coord.). Direito societário
contemporâneo I. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 513). O mesmo autor, mais adiante, anota que a ideia
de sociedades irregulares permanece existente no ordenamento (por referir-se a causas posteriores ao
registro), não tendo sido substituída pelas sociedades em comum, e as sociedades de fato apenas estariam
contempladas na ideia de sociedade em comum se esta não depender de instrumento escrito para sua
comprovação: “Importante notar que a sociedade em comum não substitui a sociedade irregular, uma vez que
não se compatibiliza com a existência de sociedades irregulares por causas posteriores ao registro
(irregularidade superveniente), conforme acima analisado. Com relação à sociedade de fato, somente
poderemos afirmar que ela foi absorvida pela sociedade em comum, se entendermos que ela não depende de
ato constitutivo escrito para sua existência. Se entendermos que a sociedade em comum depende de ato
constitutivo documental, a sociedade de fato continuará sobrevivendo no nosso ordenamento, com efeitos
legais práticos próprios” (Ibidem, p. 524).
46

associativo, desprovido de personalidade jurídica e cujo registro é exigido não para fins de
personificação, mas como fator de eficácia externa (perante terceiros).

Segundo, porque um consórcio poderia, na lógica da classificação anteriormente


proposta, ser entendido como “informal” não apenas pela ausência de registro (que é o
pressuposto da sociedade em comum), mas também pela inobservância de algum requisito
previsto na LSA, que perfizesse o núcleo essencial daquele contrato.

Essa segunda hipótese não é caracterizadora de sociedade em comum, como se


depreende do art. 986 do Código Civil,96 o qual restringe a classificação à ausência de registro
– que, como já exposto, é o pressuposto de aquisição da personalidade jurídica.

Veja-se, assim, que o enquadramento como sociedade em comum está intimamente


ligado a um requisito que não é peculiar aos consórcios: a personificação. Logo, há
incompatibilidades essenciais em se atribuir ao consórcio informal os efeitos de uma
sociedade em comum.

Feita essa breve análise acerca da impossibilidade de se entender o “consórcio


informal” como sociedade em comum, diante das incongruências que essa classificação
apresenta, cumpre delinear quais seriam os efeitos da informalidade do consórcio.

Uma primeira consequência possível seria a aplicação do comentado regime de


invalidades de negócios jurídicos ao consórcio considerado informal – o que não se sustenta.

O outro efeito, como já colocado anteriormente, refere-se ao regime de


responsabilidade das consorciadas, que seria afetado em função da informalidade/atipicidade
do contrato que se denominou, erroneamente, consórcio. A presunção (relativa) de ausência
de solidariedade entre os contratantes (decorrente do enquadramento da associação como
consórcio) restaria abalada e, por isso (e não por se caracterizar como sociedade em comum),
os contratantes seriam responsáveis solidariamente.97

96
“Art. 986. Enquanto não inscritos os atos constitutivos, reger-se-á a sociedade, exceto por ações em
organização, pelo disposto neste Capítulo, observadas, subsidiariamente e no que com ele forem compatíveis,
as normas da sociedade simples.”
97
GOMES JUNIOR, Roberto Lincoln de Sousa. Consórcios de empresas. Fundamentos e regime de
responsabilidade cit., p. 214.
47

O principal efeito do reconhecimento de uma responsabilidade solidária, entre os


contratantes, seria de que eventuais cobranças ou pretensões de terceiros poderiam ser
concentradas em (ou direcionadas a) uma ou mais das partes; e essa parte, por sua vez,
gozaria de direito de regresso contra as demais. Esse efeito se desdobra em duas perspectivas:
no âmbito externo, o credor poderá demandar qualquer uma ou mais das partes, para fins de
satisfação de sua pretensão, sem necessidade de a demandada ter incorrido diretamente para o
surgimento do crédito, nos termos do art. 275 do Código Civil;98 e no âmbito interno, a parte
que for atingida (em função da solidariedade, por obrigações que não eram exclusivas suas)
gozará da prerrogativa legal de reaver junto às demais o reembolso dos valores pagos além de
sua parcela de responsabilidade, conforme os arts. 283 e 284 do Código Civil.99

Acerca do objeto deste trabalho, então, duas provocações surgem a partir dessas
anotações: (i) regulação a respeito da dissolução de consórcio não é um requisito essencial,
previsto na LSA; logo, omissão a respeito do tema não poderia acarretar atipicidade (ou
caracterização como consórcio informal), mas, no máximo, identificação de uma lacuna a ser
integrada pelas partes – isso caso se entenda que há a necessidade de um procedimento de
dissolução claro, o que é algo a se verificar, a partir das características do consórcio; e (ii) sob
outra perspectiva, pode-se inferir que o regramento da dissolução não fora previsto como
requisito essencial do contrato de consórcio porque esse (assim como outros temas) seria
resolvido (ou até integrado, em caso de lacuna) por deliberação das consorciadas.

A segunda provocação decorre de uma suposição. Não há evidências que suportem a


afirmação de que a LSA foi omissa quanto ao regramento do procedimento dissolutório
porque atribuiu, implicitamente, essa competência à deliberação oportuna das consorciadas.
Logo, o que se tem, sob uma perspectiva objetiva, é a omissão do regime jurídico da figura
consorcial (contido nos arts. 278 e 279 da LSA) quanto à dissolução do consórcio; que não
fora indicada, ressalte-se, como requisito essencial do respectivo contrato.

98
“Art. 275. O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a
dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados
solidariamente pelo resto. Parágrafo único. Não importará renúncia da solidariedade a propositura de ação
pelo credor contra um ou alguns dos devedores.”
99
“Art. 283. O devedor que satisfez a dívida por inteiro tem direito a exigir de cada um dos co-devedores a sua
quota, dividindo-se igualmente por todos a do insolvente, se o houver, presumindo-se iguais, no débito, as
partes de todos os co-devedores.”
“Art. 284. No caso de rateio entre os co-devedores, contribuirão também os exonerados da solidariedade pelo
credor, pela parte que na obrigação incumbia ao insolvente.”
48

Diante do exposto, pode-se afirmar que quando um contrato de consórcio não


regulamenta o procedimento dissolutório ele não é atípico, nem se caracterizaria como um
consórcio informal. Em termos simples, trata-se de um contrato que, no máximo, possuiria
uma lacuna, a qual deveria ser suprida por regra estatal/dispositiva100 (se existente) ou
integrada – isso, novamente, se entendido como necessário um procedimento dissolutivo
especial.

Para analisar, portanto, o aspecto da dissolução de consórcios e investigar a


necessidade de existência de um conjunto de regras próprias para se promover a dissolução da
relação consorcial, passo ao estudo de alguns elementos e características desse tipo de
contrato importantes à análise pretendida.

1.4 Personalidade jurídica e patrimônio

Como será explicado, em maiores detalhes, nos Capítulo 3 e 4, ao estudo da


dissolução do consórcio impende a análise de dois elementos fundamentais: personalidade
jurídica e patrimônio.

O pressuposto da aquisição de personalidade jurídica, para as sociedades – assim


como as demais pessoas jurídicas, em virtude do disposto no art. 45 do Código Civil –, é o
registro dos seus atos constitutivos.101

De acordo com André Camargo, o entendimento dominante da doutrina, que está,


inclusive, positivado no direito brasileiro, influenciado por teoria eclética acerca da
personalidade jurídica, permite afirmar que a pessoa jurídica é uma “unidade jurídica de fins
próprios e autônomos, com capacidade de adquirir direitos e obrigações, formada por uma
organização de pessoas ou bens, com personalidade jurídica atribuída por força de lei”.102

100
“As normas dispositivas, por sua vez são ‘todas aquelas que não se impõem ao respeito dos indivíduos senão
supletivamente, visto poderem ser avulsas pela vontade dos interessados, e só na ausência desta são
chamadas a reger suas relações e assim obrigatoriamente aplicadas pelo juiz’ ou árbitro. As lacunas dos
contratos podem ser colmatadas a partir da aplicação de regras dispositivas previstas no ordenamento”
(FORGIONI, Paula A. Contratos empresariais: teoria geral e aplicação cit., p. 91).
101
“Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei,
dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150).”
102
CAMARGO, André Antunes Soares de. A pessoa jurídica: um fenômeno social antigo, recorrente,
multidisciplinar e global. In: FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes (coord.). Direito societário
contemporâneo I. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 293.
49

Já se viu que a própria LSA negou a existência de personalidade jurídica à figura


consorcial; o que já levaria à conclusão imediata de inexistência de patrimônio próprio do
consórcio,103-104 haja vista a sua incapacidade de titularizar bens, direitos e obrigações, pois
desprovido de personalidade jurídica. Bem como já se atestou que a natureza do registro do
contrato de consórcio, exigido pela LSA, não é constitutiva – diversamente do previsto no art.
45 do Código Civil –, consistindo em fator de eficácia perante terceiros.

Sobre o patrimônio, contudo, não se pode refutar a existência, no ordenamento pátrio,


de massas patrimoniais autônomas, separadas, afetadas ou especiais, como nos casos da
sociedade em conta de participação e sociedade em comum. Essas hipóteses evidenciam que o
direito brasileiro reconhece alguns tipos de especializações patrimoniais, que poderiam
justificar, para o consórcio, a existência de uma massa patrimonial afetada à realização dos
objetivos consorciais. Considerações a respeito desse tema serão retomadas no item 1.6
adiante.

Primeiro sobre a personalidade, registre-se que, de acordo com o art. 44 do Código


Civil, são pessoas jurídicas de direito privado: associações;105 sociedades;106 fundações;107
organizações religiosas; partidos políticos; empresas individuais de responsabilidade
limitada.108 A ausência de personalidade jurídica do consórcio, além de poder ser interpretada
a partir do art. 44 do Código Civil, está estampada no § 1º do art. 278 da Lei das S.A.109

Por se tratar o consórcio de uma figura despersonalizada, são as próprias consorciadas


que, nos termos de sua avença, desenvolverão as atividades com vistas à persecução do

103
“O consórcio não corresponde a uma pessoa jurídica e, por essa razão, não dispõe de patrimônio próprio, de
obrigações próprias, de direitos próprios” (BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 14. ed. São
Paulo: Atlas, 2015, p. 540).
104
“O consórcio não tem personalidade jurídica sendo, portanto, desprovido de patrimônio” (CAMPINHO,
Sergio. Curso de direito comercial: Sociedade Anônima cit., p. 447).
105
“Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.
Parágrafo único. Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos.”
106
“Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens
ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.
Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados.”
107
“Art. 62. Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública ou testamento, dotação especial
de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la.”
108
“Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular
da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior
salário-mínimo vigente no País.”
109 “
§ 1º O consórcio não tem personalidade jurídica e as consorciadas somente se obrigam nas condições
previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de
solidariedade.”
50

objetivo comum,110 que fundou a celebração do contrato de consórcio. O consórcio é incapaz


de agir, assumir direitos e obrigações – tampouco apurar lucros diretamente.111

Fazendo referência à associação em participação (que poderia ser equiparada à


sociedade em conta de participação e que, assim como os consórcios português e brasileiro,
não cria nova entidade, não faz com a que atividade seja exercida conjuntamente pelos
contratantes e não enseja a formação de patrimônio autônomo ou separado112), com base em
uma classificação de acordo com a matriz contratual ou organizativa da cooperação, Engracia
distingue o contrato em que a realização do fim comum se exaure no plano negocial, daquele
em que, como no caso da sociedade, se dá por meio de nova entidade comum.113 O primeiro é
o caso do consórcio: o fim comum das consorciadas é viabilizado no plano negocial, e não em
função de ente autônomo.

As consorciadas é que assumem esse papel, por meio de uma atuação concertada,
estabelecida, entre elas, em uma lógica de atribuições de riscos e funções, decorrente do
contrato associativo que celebraram. Não se opera a substituição das consorciadas por um
novo ente (despersonalizado ou não), que passaria a ser responsável por desenvolver o objeto
contratado, como no caso das sociedades (ou, na hipótese da sociedade em conta de
participação, por apenas uma classe específica de sócio – o ostensivo114).

Inobstante as imprecisões técnicas, e o fato de se tratar de um ato da Receita Federal


do Brasil – logo, infralegal –, a Instrução Normativa RFB n. 1.199, de 14.10.2011,115 a qual

110
Reconhecendo que o consórcio não cria um ente, Caio Mario: “Note-se que, embora sejam diversas as
executoras, não foram contratadas para a realização de determinados trabalhos, ou efetivação de serviços
destacados. Formando um conjunto, sob a designação adotada de EXECUTORAS; a elas, como conjunto, foi
confiada a realização de todo o empreendimento” (PEREIRA, Caio Mario da Silva. Contratos e obrigações –
Pareceres. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 385).
111
“Deve-se também esclarecer que o consórcio não aufere lucro diretamente. As receitas geradas a partir da sua
atividade serão auferidas direta e individualmente por suas consorciadas, na proporção estabelecida em
contrato” (TEIXEIRA, Guilherme Puchalski. Do consórcio entre sociedades: arts. 278 e 279 da Lei n.
6.404/1976. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 153-154, p. 95, jan./jul.
2010).
112
ANTUNES, José A. Engracia. Direito dos contratos comerciais. 3ª reimp. Coimbra: Almedina, 2014. p. 408.
113
Ibidem, p. 390-391.
114
“Do mesmo modo o consórcio não se ajusta à figura de sociedade em conta de participação. Nesse tipo
anômalo de sociedade um ou mais sócios são ostensivos e outros ocultos, sendo êstes prestadores de capitais.
Os bens conferidos à sociedade se transmitem para a propriedade pessoal do sócio ostensivo. Seguramente
não é o caso de consórcio, onde não existem sócios ocultos, pois todos ostensivamente dêle participam”
(REQUIÃO, Rubens. Consórcio de emprêsas – necessidade de legislação adequada cit., p. 3).
115
“A ausência de personalidade jurídica faz com que o consórcio em si não seja contribuinte de tributos e essa
é a diretriz principal da IN RFB 1.199/2011. A norma trata especificamente dos tributos federais. A
legislação brasileira ainda não tratou do instituto do consórcio com a devida importância que o tema possui.
51

dispõe sobre os procedimentos fiscais aplicáveis aos consórcios, reconhece a premissa


fundante da relação consorcial, que consiste na atuação individual das consorciadas, ao dispor
em seus arts. 3º e 4º, por exemplo, o seguinte:

Art. 3º Para efeito do disposto no caput do art. 2º, cada pessoa jurídica
participante do consórcio deverá apropriar suas receitas, custos e despesas
incorridos, proporcionalmente à sua participação no empreendimento,
conforme documento arquivado no órgão de registro, observado o regime
tributário a que estão sujeitas as pessoas jurídicas consorciadas.
§ 1º O disposto no caput aplica-se para efeito da determinação do lucro real,
presumido ou arbitrado, da base de cálculo da Contribuição Social sobre o
Lucro Líquido (CSLL), bem como para apurar a base de cálculo da
Contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da
Seguridade Social (Cofins) como também para apurar os créditos das
pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não cumulativa dessas
contribuições.
§ 2º A empresa líder do consórcio deverá manter registro contábil das
operações do consórcio por meio de escrituração segregada na sua
contabilidade, em contas ou subcontas distintas, ou mediante a escrituração
de livros contábeis próprios, devidamente registrados para este fim.
§ 3º Na ausência de empresa líder, ou se não houver disposições legais
exigindo a indicação de uma líder, deverá ser eleita uma das consorciadas
para os fins previstos no § 2º.
§ 4º Os registros contábeis das operações no consórcio, efetuados pela
empresa líder ou pela consorciada eleita para este fim, deverão corresponder
ao somatório dos valores das receitas, custos e despesas das pessoas jurídicas
consorciadas, podendo tais valores serem individualizados
proporcionalmente à participação de cada consorciada no empreendimento.
§ 5º Sem prejuízo do disposto nos §§ 2º a 4º, cada pessoa jurídica
consorciada deverá efetuar a escrituração segregada das operações relativas à
sua participação no consórcio em seus próprios livros contábeis, fiscais e
auxiliares.
§ 6º Os livros obrigatórios de escrituração comercial e fiscal utilizados para
registro das operações do consórcio e os comprovantes dos lançamentos
neles efetuados deverão ser conservados pela empresa líder ou pela
consorciada eleita de que trata o § 3º, e pelas empresas consorciadas até que
ocorra a prescrição dos créditos tributários decorrentes de tais operações.

Art. 4º O faturamento correspondente às operações do consórcio será


efetuado pelas pessoas jurídicas consorciadas, mediante a emissão de Nota
Fiscal ou de Fatura próprias, proporcionalmente à participação de cada uma
no empreendimento.
§ 1º Na hipótese de uma ou mais das consorciadas executar partes distintas
do objeto do contrato de consórcio, bem como realizar faturamento direto e
isoladamente para a contratante, a consorciada remeterá à empresa líder ou à
consorciada eleita de que trata o § 3º do art. 3º, mensalmente, cópia dos

O cerne da IN RFB 1.199/2011 é atribuir a cada consorciada a obrigação de recolhimento dos tributos na
proporção de sua participação. Assim, às receitas, custos, despesas, direitos e obrigações decorrentes das
operações relativas às atividades dos consórcios aplica-se o regime tributário a que estão sujeitas as pessoas
jurídicas consorciadas” (CORREIA, Renata Nunes de Lima. Tributação no consórcio de empresas cit., p. 11).
52

documentos comprobatórios de suas receitas, custos e despesas incorridos,


para os fins previstos nos §§ 2º a 4º do art. 3º.
§ 2º Nas hipóteses autorizadas pela legislação do Imposto sobre Operações
relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de
Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) e do
Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), a Nota Fiscal ou a
Fatura de que trata o caput poderá ser emitida pelo consórcio no valor total.
§ 3º Na hipótese do § 2º, o consórcio remeterá cópia da Nota Fiscal ou da
Fatura à empresa líder ou à consorciada eleita de que trata o § 3º do art. 3º,
às pessoas jurídicas consorciadas, indicando na mesma a parcela de receitas
correspondente a cada uma para efeito de operacionalização do disposto nos
§§ 2º e 3º, e no caput do art. 3º.
§ 4º No histórico dos documentos de que trata este artigo deverá ser incluída
informação esclarecendo tratar-se de operações vinculadas ao consórcio.

De modo semelhante, como também dispõe a Lei n. 12.402/2011, reforçando a


responsabilidade direta (e não por meio da suposta entidade consorcial – que não existe) de
cada uma das consorciadas (ainda que se preveja hipótese específica de solidariedade) pelas
obrigações tributárias decorrentes dos negócios feitos no âmbito do consórcio:116

Art. 1º As empresas integrantes de consórcio constituído nos termos do


disposto nos arts. 278 e 279 da Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de
1976, respondem pelos tributos devidos, em relação às operações praticadas
pelo consórcio, na proporção de sua participação no empreendimento,
observado o disposto nos §§ 1º a 4º.
§ 1º O consórcio que realizar a contratação, em nome próprio, de pessoas
jurídicas e físicas, com ou sem vínculo empregatício, poderá efetuar a
retenção de tributos e o cumprimento das respectivas obrigações acessórias,
ficando as empresas consorciadas solidariamente responsáveis.
§ 2º Se a retenção de tributos ou o cumprimento das obrigações acessórias
relativos ao consórcio forem realizados por sua empresa líder, aplica-se,
também, a solidariedade de que trata o § 1º.
§ 3º O disposto nos §§ 1º e 2º abrange o recolhimento das contribuições
previdenciárias patronais, da contribuição prevista no art. 7º da Lei n.
12.546, de 14 de dezembro de 2011, inclusive a incidente sobre a
remuneração dos trabalhadores avulsos, e das contribuições destinadas a
outras entidades e fundos, além da multa por atraso no cumprimento das
obrigações acessórias.

116
Sobre a Lei n. 12.402/2011, ver os comentários de Marlon Tomazette: “Dentro dessa ideia, ficou estabelecida
a responsabilidade de cada consorciada pelos tributos devidos, em relação às operações praticadas pelo
consórcio, na proporção de sua participação no empreendimento, mantendo-se o regime geral de separação
das obrigações das consorciadas. Todavia, as consorciadas serão solidariamente responsáveis, nos casos de
contratação, em nome próprio, de pessoas jurídicas e físicas, com ou sem vínculo empregatício, pela retenção
de tributos e o cumprimento das respectivas obrigações acessórias, ainda que a retenção seja feita pela líder
do consórcio. Tal solidariedade aplica-se aos tributos administrados pela Receita Federal do Brasil,
abrangendo “o recolhimento das contribuições previdenciárias patronais, inclusive a incidente sobre a
remuneração dos trabalhadores avulsos, e das contribuições destinadas a outras entidades e fundos, além da
multa por atraso no cumprimento das obrigações acessórias” (As obrigações tributárias e os consórcios de
sociedades necessidade de interpretação restritiva da Lei 12.402/2011 cit., p. 7).
53

§ 4º O disposto neste artigo aplica-se somente aos tributos administrados


pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.

Dado que o consórcio é desprovido de personalidade jurídica, e diante da atuação


concertada e cooperativa que estabelece, cada consorciada ficará responsável por apropriar
suas receitas e despesas, promovendo os recolhimentos tributários necessários e o
cumprimento das obrigações acessórias correlatas.117

1.5 Administração do consórcio: a consorciada líder

Em que pese a relação consorcial se consubstanciar em um esquema de colaboração,


por meio da qual os contratantes somam suas atividades individuais em prol de um escopo
comum, a LSA (e a própria praxe empresarial) admite a estruturação de sistema
administrativo do consórcio, para fins de arrumação e/ou representação perante terceiros.118

A estruturação eventual de uma administração específica, encerrando uma estrutura


contratual de organização interna,119 para a relação consorcial, ou a mera designação de uma
consorciada-líder – hipóteses que não são obrigatórias, mas facultativas120 – não significam a

117
“Considerando que o consórcio não possui personalidade jurídica, nem tampouco responsabilidade tributária,
e que as receitas e despesas devem ser apropriadas por cada uma das consorciadas de acordo com a sua
participação no empreendimento, a tributação deverá seguir a mesma regra, ou seja, em cada uma das
consorciadas com base na sua participação no consórcio” (CORREIA, Renata Nunes de Lima. Tributação no
consórcio de empresas cit., p. 4); “Ora, se o consórcio não é uma pessoa jurídica e, portanto, para fins
tributários não responde pelo ICMS, as consorciadas serão as contribuintes do ICMS, pessoas físicas ou
jurídicas que possuem as características de contribuintes de tributos. Não se pode olvidar da tributação do
ICMS, tão somente por conta da operação ser realizada por meio de um contrato de consórcio, que nada mais
é que a associação de várias pessoas, para a consecução de um determinado objetivo” (CORREIA, Renata
Nunes de Lima. Tributação no consórcio de empresas cit., p. 7); e “Nesse sentido, a entrega das citadas
obrigações acessórias deverá ser realizada por cada uma das consorciadas, uma vez que já incluiu sua
participação no consórcio e, portanto, os efeitos fiscais da mesma em seus livros contábeis e fiscais”
(CORREIA, Renata Nunes de Lima. Tributação no consórcio de empresas cit., p. 10).
118
“Art. 279. O consórcio será constituído mediante contrato aprovado pelo órgão da sociedade competente para
autorizar a alienação de bens do ativo não circulante, do qual constarão: [...] VI – normas sobre
administração do consórcio, contabilização, representação das sociedades consorciadas e taxa de
administração, se houver.”
119
Ressaltando posições favoráveis de Erasmo Valladão, endossadas por Marcelo Adamek, Ernesto Luis Silva
Vaz pugna pela possibilidade de constituição de órgãos em estruturas despersonalizadas (os autores se
referiram às sociedades), como no consórcio (que pode encerrar alguma organização): “Há plena liberdade
quanto à organização da administração do consórcio, não havendo impedimentos a estruturas semelhantes às
das companhias, podendo inclusive serem previstos órgãos de administração do consórcio. Importa,
essencialmente, apenas que sejam definidas regras específicas e claras” (VAZ, Ernesto Luís Silva. Consórcio
de empresas. Regime jurídico. Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo, 2010. p. 105).
120
“Quanto à representação do consórcio, deve-se dizer que a nomeação de empresa líder não é da
essencialidade do instituto, podendo as empresas participantes tratar conjuntamente perante terceiros”
(TEIXEIRA, Guilherme Puchalski. Do consórcio entre sociedades: arts. 278 e 279 da Lei n. 6.404/1976 cit.,
p. 80).
54

substituição das consorciadas por um novo ente, como ocorre em relação aos administradores
de sociedade, que, em virtude da relação orgânica instituída, presentam aquela, atuando como
se ela fossem.121

Igualmente, não se atribui relação de hierarquia da consorciada-líder perante as


demais.122

O que ocorre no consórcio, em tais hipóteses, é a constituição de relação de


mandato,123-124 de representação,125 e não de presentação.126 Assim, os atos praticados pela
administração do consórcio vinculam imediatamente os patrimônios de cada uma das
consorciadas.127 Nesse sentido, Fabio Konder Comparato:

[...] o consórcio é mero contrato, não dá ensejo à criação de um novo ente


jurídico, e pode existir apenas no âmbito das estruturas internas das
empresas consorciadas, ou manifestar-se também exteriormente perante
terceiros. Neste último caso, há necessidade de se criar uma representação
comum, sendo que as responsabilidades assumidas gravam diretamente o
patrimônio dos consorciados, solidariamente.128

121
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte especial. t. L. Direito das
obrigações: sociedades por ações. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984. p. 412.
122
“Não haverá relação de hierarquia entre a sociedade líder, representante do grupo, e demais consorciadas – o que
confundiria o consórcio com os grupos de subordinação de que trata o art. 265 da Lei n. 6.404/1976. A figura do
líder simplificará o relacionamento entre consorciadas e do consórcio perante terceiros” (TEIXEIRA, Guilherme
Puchalski. Do consórcio entre sociedades: arts. 278 e 279 da Lei n. 6.404/1976 cit., p. 94).
123
“A representação dos membros dos consórcios também deve ser expressamente tratada e, como já
mencionamos, se dará por meio de mandato, podendo ser este outorgado à sociedade líder, ou a direção
autônoma” (VAZ, Ernesto Luís Silva. Consórcio de empresas. Regime jurídico cit., p. 105).
124
“Como contrato de coordenação, colaboração ou cooperação, é frequente no consórcio se designar, dentre as
sociedades consorciadas, uma sociedade líder, a quem caberá, nos termos do contrato, representar as
contratantes, funcionando como um agente de administração e coordenação dos interesses comuns. Ressalte-
se que a entidade líder não é um órgão do consórcio, pois é ele desprovido de personalidade jurídica. Ela não
o presenta, mas representa as sociedades consorciadas. A relação jurídica é de mandato. A sociedade líder
representa as consorciadas, nos termos do contrato” (CAMPINHO, Sergio. Curso de direito comercial:
Sociedade Anônima cit., p. 449).
125
“A representação será sempre exercida ou pela sociedade líder ou pela direção autônoma. Em ambos os
casos, como referido, a natureza da representação será a de mandato, em nada se confundindo com a
representação orgânica, própria das pessoas com personalidade jurídica” (CARVALHOSA, Modesto.
Comentários à Lei de Sociedades Anônimas: arts. 243 a 300 cit., p. 468).
126
“A representação pode, em tese, ser exercida tanto por pessoas físicas como por pessoas jurídicas. O termo
‘representação’, inserido no texto legal, dá ideia de relação de mandato (entre os consorciados e o
representante, consorciado ou não), afastando, assim, a cogitação sobre a ‘presentação’ orgânica, a que se
refere Pontes de Miranda” (PENTEADO, Mauro Rodrigues. Consórcios de empresas cit., p. 150).
127
CRISTÓFARO, Pedro Paulo. Consórcios de Sociedades. Validade e eficácia dos atos jurídicos praticados por
seus administradores, nessa qualidade. Titularidade dos direitos e das obrigações deles decorrentes cit., p. 19.
128
COMPARATO, Fábio Konder, apud CRISTÓFARO, Pedro Paulo. Consórcios de Sociedades. Validade e
eficácia dos atos jurídicos praticados por seus administradores, nessa qualidade. Titularidade dos direitos e
das obrigações deles decorrentes cit., p. 19-20.
55

Ainda que as atuações das consorciadas sejam individualizadas e performadas de


maneira direta, isso não significa que não se possa estruturar organização (ou um segmento)
comum, para coordenação129 do escopo colaborativo;130 hipótese em que se constitui sistema
de administração131 ou se delega a uma das consorciadas (denominada de consorciada-líder)
parte das ou todas as funções administrativas.132

No campo dessa atuação organizativa, a administração (que pode estar concentrada na


consorciada-líder) ficará responsável por, por exemplo, coordenar a contabilização das
atividades consorciais, que será um reflexo das contabilidades das consorciadas,133 conforme
previsto no art. 3º da IN RFB 1.199/2011.134

129
“[...] o fornecimento concertado de actividades ou bens directamente a terceiros pode tornar conveniente que
um dos membros do consórcio organize a colaboração entre as partes e promova as medidas necessárias à
execução do contrato” (VENTURA, Raúl Ventura. Primeiras notas sobre o contrato de consórcio. Revista da
Ordem dos Advogados, ano 41, 1981. p. 667).
130
“As empresas consorciadas, por se aplicarem, em conjunto, ao empreendimento, necessitam, normalmente,
de uma coordenação comum. Assim, é frequente a designação, dentre os consorciados, de uma empresa líder,
que, nos termos do contrato, passa a agir em nome dos vários consorciados, até mesmo para o recebimento de
receitas à conta dos consortes. Essas receitas não pertencem ao consórcio, posto que este não é um sujeito de
direito, mas a cada um dos consortes, nos termos e nas condições estabelecidas no respectivo contrato. A
empresa líder do consórcio atua, com efeito, na condição de mandatária dos demais consortes” (BORBA,
José Edwaldo Tavares. Direito societário cit., p. 540).
131
“O consórcio não tem órgãos como a sociedade; tem mandatários e agentes de coordenação e de tomada de
decisões de interesse comum” (Ibidem, p. 540).
132
“No consórcio, sem perder a individualidade, os consorciados normalmente se despem parcialmente do poder
de se administrarem, abrindo mão dele quanto a um determinado negócio que é o objeto do consórcio. No
que se refere a este, os poderes de administração são transferidos pelos consorciados no todo ou em parte
para um deles (chamado o líder do consórcio) ou para um órgão comum” (CRISTÓFARO, Pedro Paulo.
Consórcios de Sociedades. Validade e eficácia dos atos jurídicos praticados por seus administradores, nessa
qualidade. Titularidade dos direitos e das obrigações deles decorrentes cit., p. 15).
133
“De acordo com o art. 3º, § 2º, da IN RFB 1.199/2011, a empresa líder do consórcio deverá manter registro
contábil das operações do consórcio por meio de escrituração segregada na sua contabilidade, em contas ou
subcontas distintas, ou mediante a escrituração de livros contábeis próprios, devidamente registrados para
este fim. Apesar da contabilidade ser realizada na consorciada líder, cada pessoa jurídica consorciada deverá
efetuar a contabilização das operações correspondentes à sua participação no consórcio em seus próprios
livros. Com isso, a contabilidade da empresa líder deverá corresponder à soma dos valores contabilizados em
todas as empresas consorciadas” (CORREIA, Renata Nunes de Lima. Tributação no consórcio de empresas
cit., p. 3).
134
“Art. 3º Para efeito do disposto no caput do art. 2º, cada pessoa jurídica participante do consórcio deverá apropriar
suas receitas, custos e despesas incorridos, proporcionalmente à sua participação no empreendimento, conforme
documento arquivado no órgão de registro, observado o regime tributário a que estão sujeitas as pessoas jurídicas
consorciadas. § 1º O disposto no caput aplica-se para efeito da determinação do lucro real, presumido ou arbitrado,
da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), bem como para apurar a base de cálculo
da Contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) como
também para apurar os créditos das pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não cumulativa dessas
contribuições. § 2º A empresa líder do consórcio deverá manter registro contábil das operações do consórcio por
meio de escrituração segregada na sua contabilidade, em contas ou subcontas distintas, ou mediante a escrituração
de livros contábeis próprios, devidamente registrados para este fim. § 3º Na ausência de empresa líder, ou se não
houver disposições legais exigindo a indicação de uma líder, deverá ser eleita uma das consorciadas para os fins
previstos no § 2º. § 4º Os registros contábeis das operações no consórcio, efetuados pela empresa líder ou pela
56

Estruturação nesse sentido, entretanto, não implica a supressão da autonomia das


partes, mas tão somente a definição de quem ficará responsável por reger o sistema interno de
cooperação, estatuído pelas atribuições de funções constantes do contrato de consórcio, tal
qual faz um maestro de uma orquestra: cada consorciada permanecerá cumprindo seu papel,
mas com o apoio de uma coordenação, que dará o tom e ficará a cargo de (i) auxiliar as partes
para o cumprimento de seus objetivos, bem como (ii) verificar que a estrutura cooperativa
contratada está em seu devido funcionamento.

Quanto a esse aspecto, releva comentar sobre o disposto na Lei n. 8.666/93 a respeito
dos consórcios constituídos para participação em licitações, que, nos termos do seu art. 33, II,
exige a indicação de consorciada líder.135

Não se diga, porém, que a estruturação eventual de uma administração ou a escolha de


uma das consorciadas para liderar o consórcio implica a inauguração de um poder diretivo
unitário, como se as partes se despissem, ainda que em parte, de suas independências, para
fins de constituir um interesse geral ao qual estariam subordinadas. Consigne-se que as
consorciadas partilham de um objetivo comum (a realização do empreendimento
determinado), e não estão sob a égide de um interesse superior.136 O que decorre de uma

consorciada eleita para este fim, deverão corresponder ao somatório dos valores das receitas, custos e despesas das
pessoas jurídicas consorciadas, podendo tais valores serem individualizados proporcionalmente à participação de
cada consorciada no empreendimento. § 5º Sem prejuízo do disposto nos §§ 2º a 4º, cada pessoa jurídica
consorciada deverá efetuar a escrituração segregada das operações relativas à sua participação no consórcio em
seus próprios livros contábeis, fiscais e auxiliares. § 6º Os livros obrigatórios de escrituração comercial e fiscal
utilizados para registro das operações do consórcio e os comprovantes dos lançamentos neles efetuados deverão ser
conservados pela empresa líder ou pela consorciada eleita de que trata o § 3º, e pelas empresas consorciadas até
que ocorra a prescrição dos créditos tributários decorrentes de tais operações.”
135
“Art. 33. Quando permitida na licitação a participação de empresas em consórcio, observar-se-ão as seguintes
normas: I – comprovação do compromisso público ou particular de constituição de consórcio, subscrito pelos
consorciados; II – indicação da empresa responsável pelo consórcio que deverá atender às condições de
liderança, obrigatoriamente fixadas no edital; III – apresentação dos documentos exigidos nos arts. 28 a 31
desta Lei por parte de cada consorciado, admitindo-se, para efeito de qualificação técnica, o somatório dos
quantitativos de cada consorciado, e, para efeito de qualificação econômico-financeira, o somatório dos
valores de cada consorciado, na proporção de sua respectiva participação, podendo a Administração
estabelecer, para o consórcio, um acréscimo de até 30% (trinta por cento) dos valores exigidos para licitante
individual, inexigível este acréscimo para os consórcios compostos, em sua totalidade, por micro e pequenas
empresas assim definidas em lei; IV – impedimento de participação de empresa consorciada, na mesma
licitação, através de mais de um consórcio ou isoladamente; V – responsabilidade solidária dos integrantes
pelos atos praticados em consórcio, tanto na fase de licitação quanto na de execução do contrato. § 1º No
consórcio de empresas brasileiras e estrangeiras a liderança caberá, obrigatoriamente, à empresa brasileira,
observado o disposto no inciso II deste artigo. § 2º O licitante vencedor fica obrigado a promover, antes da
celebração do contrato, a constituição e o registro do consórcio, nos termos do compromisso referido no
inciso I deste artigo.”
136
“[...] no consórcio, espécie de contrato plurilateral, o interesse de todos os contraentes é satisfeito a partir de
prestações concertadas, convergentes e conjuntas, dirigidas em torno de um mesmo fim, qual seja, a
57

avença que crie uma estrutura de administração ou defina uma liderança é, simplesmente, a
atribuição de poderes representativos e, no limite, sistematizantes/organizativos (no plano
interno, ressalte-se). E por organizativo deve-se remeter à noção de ordenar as funções
estabelecidas no contrato de consórcio, não de transferência voluntária (ou involuntária) de
autonomia.

É traço característico (e essencial) do consórcio a manutenção, pelas consorciadas, de


suas independências e autonomias patrimoniais. E essa constatação se coaduna com o meio
pelo qual o objetivo do consórcio é perseguido, conforme comentado anteriormente; isto é,
pelas próprias consorciadas, diretamente, diante da despersonalização da figura consorcial.

Aliás, pode-se dizer que é corolário dessa autonomia a inexistência de solidariedade


entre as consorciadas,137 as quais respondem, nos termos da LSA – exceto se previsto no
contrato de forma diversa –, apenas na medida das suas obrigações assumidas no âmbito do
contrato de consórcio.138

1.6 Ainda sobre personalidade e patrimônio: a questão do fundo consórtil

Inobstante haver discussão a respeito do tema (em especial na doutrina estrangeira), a


capacidade de titularizar elementos patrimoniais é consequência da personalidade jurídica.
Logo, por ser despersonificado, o consórcio não pode assumir a titularidade de bens, direitos e
obrigações; não é, assim, sujeito de direitos.139

persecução do empreendimento objeto da associação consorcial” (SILVA, Fabiana Carsoni Alves Fernandes
da. Consórcios de empresas: aspectos jurídicos relevantes. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 64).
137
“A autonomia das sociedades consorciadas é afirmada no § 2º do artigo ora comentado, inclusive para os
efeitos da não presunção de solidariedade entre elas. E a solidariedade não se presume mesmo que o
consórcio tenha direção única, típica daquela de segundo grau. Muito menos quando se tratar de consórcio
com outorga de liderança a uma das participantes (consórcio de 32 grau). Aqui também prevalece o princípio
da limitação da responsabilidade de cada uma das consorciadas ao montante das obrigações assumidas no
instrumento de contrato consorcial” (CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades
Anônimas: arts. 243 a 300 cit., p. 452).
138
Ressalte-se o disposto no art. 33 da Lei n. 8.666/93, que exige, para participação de consórcio em licitação,
que as consorciadas sejam solidariamente responsáveis, devendo essa disposição constar do respectivo
contrato: “[...] V – responsabilidade solidária dos integrantes pelos atos praticados em consórcio, tanto na
fase de licitação quanto na de execução do contrato”.
139
Apesar de entenderem que seria uma hipótese de sociedade não personificada (o que talvez se justifique em
razão do conceito de sociedade que vigorava antes da edição do Código Civil), Egberto Lacerda Teixeira e
José Alexandre Tavares Guerreiro partilham dessa opinião: “[...] o consórcio não é então sujeito de direitos,
não podendo, correlatamente, assumir obrigações enquanto tal. Simples fórmula associativa de diversas
pessoas jurídicas, desprovido de personalidade e patrimônio e conotação marcadamente contratual, o
consórcio age, no mundo jurídico, por intermédio das empresas que o constituem, notadamente, e na prática,
58

Isso conduz a uma constatação que, a princípio, pode parecer uma obviedade, mas que
gera outros questionamentos: o consórcio não tem patrimônio próprio.

Entretanto, questiona-se se os recursos empreendidos por cada uma das consorciadas


para o desenvolvimento do empreendimento comum, as contribuições de cada uma para o
pagamento de despesas partilhadas entre elas (conforme admitido pela LSA) e/ou até mesmo
eventuais bens ou posições em negócios jurídicos que sejam adquiridas conjuntamente pelas
consorciadas, sob a égide ou em função da relação consorcial, são hábeis a formar um
patrimônio autônomo, em separado ou especial.

Como previsto no art. 279, VIII, da LSA, é possível que a relação consorcial demande
que seus participantes contribuam com recursos para satisfação de despesas comungadas,
decorrentes do desenvolvimento da atividade que é objetivo do consórcio;140 ou, ainda, que as
consorciadas adquiram, conjuntamente, direitos, bens e/ou obrigações, para viabilizar a
realização do empreendimento comum, a depender da forma como estabelecerem o modo de
execução desses objetivos.

Em tais hipóteses, poder-se-ia admitir a composição de um conjunto de elementos


patrimoniais que a doutrina resolveu chamar de fundo consórtil.141

A princípio, e de maneira imediata, a classificação do fundo consórtil como


patrimônio autônomo ou separado pareceria possível.142 Afinal, resulta de uma aparente

através de uma empresa líder escolhida pelas demais. São os consortes, portanto, que assumem obrigações e
responsabilidades perante os terceiros, cabendo-lhes igualmente exercer os direitos decorrentes dos atos
jurídicos” (TEIXEIRA, Egberto Lacerda; GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Das Sociedades Anônimas
no direito brasileiro cit., p. 797).
140
Sobre as diferenças entre os contratos de consórcio e os contratos de aliança, com enfoque na questão
patrimonial, Leonardo Toledo da Silva: “Não há, todavia, no consórcio o elemento patrimonial de troca a que
nos referimos no item 4.1.1.1, pelo qual os NOPs investem recursos em troca de remuneração a ser paga pelo
dono do projeto. No consórcio, tipicamente, as consorciadas investem recursos, ainda que sejam recursos de
naturezas distintas, e todos partilham a contraprestação que obterão na celebração de um contrato como uma
parte contratante. Nos contratos de aliança, a contratante é trazida para dentro da organização do contrato”
(Contratos de aliança. Direito empresarial e ambiente cooperativo. Dissertação (Mestrado) – Universidade
de São Paulo, 2014. p. 179).
141
FERES, Marcos Vinício Chein. Joint Ventures: o consórcio de empresas no direito brasileiro cit., p. 11: “O
fundo consórtil é composto de parcelas que as partes consorciadas contribuem a fim de dotar a
administradora ou líder dos meios necessários para a implementação do objetivo comum. É importante o
estabelecimento deste fundo para o qual as contribuições da consorciadas são vertidas, pois facilita o
pagamento de despesas ordinárias pela empresa líder que acaba se valendo de um verdadeiro patrimônio
separado para a administração do consórcio”.
142
“Para certa corrente da doutrina, aliás minoritária, os consórcios – embora destituídos de personalidade
jurídica – teriam uma certa capacidade de exercício de direitos que lhes permitiria um tratamento unificado
nas suas relações com terceiros, à semelhança de figuras como o condomínio, o espólio, etc. Tal unificação
59

alocação de recursos, pelas consorciadas, e/ou da aquisição conjunta de relações


obrigacionais, tudo isso com vistas à persecução do objetivo consorcial, o que geraria afetação
desse patrimônio a uma finalidade.

E aqui, antes, remeta-se à distinção feita pela doutrina entre patrimônio autônomo e
patrimônio separado (também tido por especial), apesar de ambos estarem compreendidos na
ideia de patrimônio de afetação.143

No patrimônio separado, ocorre a afetação de um conjunto de bens a uma finalidade,


que se separa do patrimônio geral, porém, sem impactos nos aspecto da titularidade; enquanto
no patrimônio autônomo esse efeito na titularidade se verifica, e os bens que o compõem são
desprendidos de seus antigos titulares para formação de uma massa patrimonial afetada a um
fim que poderá ser titularizada por novo sujeito.144

Em qualquer caso, no entanto, essa consequência, para que haja afetação patrimonial
(e assim se reconheça um patrimônio separado ou autônomo), depende de previsão legal nesse
sentido.145

Fábio Konder Comparato reforça o exposto, ao afirmar que a personalização é técnica


jurídica com objetivos determinados, a exemplo da atribuição de autonomia patrimonial ou
limitação de responsabilidades, mas, relembra que nem todo sujeito de direito é uma pessoa,
destacando que a lei pode reconhecer direitos a agregados patrimoniais, despersonificados,

decorreria da existência de um patrimônio comum dos consorciados destinado a uma afetação especial – a
sua vinculação a um empreendimento – o chamado ‘fundo consórtil’, que seria a base ou substrato
patrimonial de uma ‘organização’ dotada de certa autonomia, que a doutrina italiana chama umas vezes de
‘quase personalidade (Brunetti) e outras de personalidade jurídica de segundo grau ou segunda categoria’
(Bigiavi)” (XAVIER, Alberto. Consórcio: natureza jurídica e regime tributário cit., p. 11).
143
“O Código Civil de 2002 consagrou, nessa parte, a teoria do patrimônio de afetação, em contraposição à
tradicional teoria da universalidade do patrimônio. A diferença fundamental entre as duas correntes está em
que, enquanto a teoria da universalidade considera o patrimônio como uma relação subjetiva (cada pessoa
tem um patrimônio), a teoria da afetação entende que existem bens a compor os patrimônios de uma pessoa
(natural ou jurídica), objetivamente vinculados pela idéia de uma afetação a um determinado fim. [...] Pela
teoria da afetação, é possível uma espécie de separação ou divisão do patrimônio de uma pessoa pelo encargo
imposto certos bens, que são postos a serviço de um fim determinado. A afetação do bem não importa na sua
disposição e, portanto, na saída do patrimônio do sujeito, mas na sua imobilização em função de uma
finalidade” (GALIZZI, Gustavo Oliva. Sociedade em conta de participação. Belo Horizonte: Mandamentos,
2007. p. 85).
144
GOMES JUNIOR, Roberto Lincoln de Sousa. Consórcios de empresas. Fundamentos e regime de
responsabilidade cit., p. 151-159.
145
Ibidem, p. 159.
60

como ocorre no espólio, na massa falida e na sociedade em conta de participação.146 Todavia,


todas as hipóteses dependem de previsão legal.

Diante das características, o fundo consórtil poderia ser um “patrimônio autônomo,


representado pela soma de diversos patrimônios separados”.147

A existência de um patrimônio autônomo sem titular não se verifica como possível no


ordenamento brasileiro, em que o pressuposto da existência de um patrimônio é o seu
pertencimento a um sujeito de direitos, que possa titularizá-lo. Essa é a posição adotada pela
legislação brasileira, a partir do Código Civil, conforme explicado por Lucas Hildebrand.148

Quanto ao fundo consórtil, registre-se que a eventual titularidade jamais pertenceria ao


próprio consórcio, na medida em que este não é sujeito de direito,149 não detém personalidade
jurídica, como exposto supra, e, portanto, é incapaz de titularizar direitos e obrigações.

Roberto Lincoln, em análise detida sobre o fundo consórtil e sua natureza patrimonial,
anota que a titularidade desse possível patrimônio seria das próprias consorciadas, em
situação de comunhão de direitos (em sentido mais amplo), no que estaria incluído eventual
condomínio sobre bens que tenham sido adquiridos.150

Essa conclusão é acertada, pois as consorciadas são as partes que, diretamente, e de


maneira concertada, atuam e performam o objetivo do consórcio, assumindo, individual ou

146
COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na Sociedade Anônima. 6. ed. rev. e atual. Rio de
Janeiro: Forense, 2014. p. 299-300.
147
GOMES JUNIOR, Roberto Lincoln de Sousa. Consórcios de empresas. Fundamentos e regime de
responsabilidade cit., p. 165.
148
“Com o advento do Código Civil de 2002, a situação não se modificou, pois agora expressamente o art. 91,
que trata das universalidades de direito (entre as quais se inclui o patrimônio, como vimos, e justamente
porque existe o regime jurídico unificador representado principalmente pela regra da responsabilidade
patrimonial), elege a pessoa como ponto de referência unificador” (HILDEBRAND, Lucas Fajardo Nunes.
Patrimônio, patrimônio separado ou especial, patrimônio autônomo. In: FRANÇA, Erasmo Valladão
Azevedo e Novaes (coord.). Direito societário contemporâneo I. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 273).
Essa concepção, no entanto, admite a pluralidade patrimonial, o que viabiliza a noção de patrimônio separado
(Ibidem).
149
“A sociedade em conta de participação e o consórcio de sociedades não são propriamente entes
despersonalizados. São apenas contratos entre exercentes de atividade econômica. Não se enquadram, pois,
no conceito de sujeito de direito” (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa.
13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 3, p. 251).
150
GOMES JUNIOR, Roberto Lincoln de Sousa. Consórcios de empresas. Fundamentos e regime de
responsabilidade cit., p. 167.
61

conjuntamente, direitos e obrigações.151 E quando há administração, esta atua em


representação das consorciadas, no interesse direto delas, representando-as quanto aos direitos
de que são titulares (no âmbito do consórcio).152 Não se trataria, assim, de um possível
patrimônio sem titular.

Mas desvelar a titularidade não é suficiente para o enquadramento do fundo consórtil


como patrimônio (isto é, uma nova massa patrimonial, segregada dos patrimônios das
consorciadas).

Também nas considerações de Roberto Lincoln, afigurar-se-ia necessário identificar se


há ou não reconhecimento legal de uma afetação desse suposto patrimônio, que justificaria
sua segregação ou autonomia. E, à vista da legislação brasileira, isso não há.

Inexistem quaisquer dos elementos que informariam a segregação do fundo consórtil


como um patrimônio autônomo ou separado, dissociado dos patrimônios das consorciadas.

Além de o regime jurídico do consórcio nada dispor a respeito, limitando-se a


autorizar que as consorciadas compartilhem despesas comuns (art. 279, VIII), sobreleva notar
que as atribuições de afetação patrimonial, nos exemplos encontrados no ordenamento pátrio,
pressupõem (i) indicação expressa nesse sentido (de reconhecer a separação); (ii)
incomunicabilidade do patrimônio afetado com o patrimônio geral; e (iii) limitação da
perturbação do patrimônio específico, para fins de responsabilização, apenas às dívidas e
obrigações adstritas à finalidade para a qual fora afetado.153

Em sentido diverso, Pontes de Miranda defende que o fundo consórtil representa um


patrimônio autônomo, pois destinado a determinado fim, desde que o consórcio seja externo;
e anota, ainda, que se trata de patrimônio em separado, que pode existir mesmo sem a

151
“[...] a palavra consórcio deve ser entendida como mera abreviação que designa a totalidade das empresas
consorciadas, mas jamais como um sujeito distinto, titular de direitos e obrigações autônomas em relação à
esfera individual de cada participante” (TEIXEIRA, Guilherme Puchalski. Do consórcio entre sociedades:
arts. 278 e 279 da Lei n. 6.404/1976 cit., p. 79).
152
“Portanto, o administrador do consórcio, quando age de acordo e dentro dos limites do contrato, representa ex
vi legis os consorciados no exercício dos direitos de que eles sejam titulares em comum. Quando o
administrador do consórcio adquire, exerce ou aliena um direito, nessa qualidade e nos limites do contrato,
ele o faz como representante dos membros do consórcio” (CRISTÓFARO, Pedro Paulo. Consórcios de
Sociedades. Validade e eficácia dos atos jurídicos praticados por seus administradores, nessa qualidade.
Titularidade dos direitos e das obrigações deles decorrentes cit., p. 20).
153
GOMES JUNIOR, Roberto Lincoln de Sousa. Consórcios de empresas. Fundamentos e regime de
responsabilidade cit., p. 168-171.
62

personificação do consórcio, registrando, inclusive, que o consórcio poderia dever a terceiros


ou aos próprios consorciados.154 Parece-me conter algumas incongruências o raciocínio, em
especial diante da inexistência de atribuição legal à autonomia do que seria o patrimônio do
consórcio.

Além disso, apesar de reconhecer a despersonificação do consórcio (e, por


consequência, sua incapacidade de titularizar bens e direitos e de ser um sujeito de direito),
Pontes de Miranda consigna que o consórcio poderia dever a terceiros e aos consorciados. A
dívida, como se sabe, é consequência de um (ou um próprio) negócio jurídico. Além disso,
não se esclarece quem seria o titular desse patrimônio (haja vista que, no ordenamento pátrio,
não há patrimônio sem titular), limitando-se a escrever que “[e]nquanto dura o consórcio, os
consorciados não podem exercer direitos que entraram para o fundo consórtil: não são
dêles”.155

Ora, se não são dos consorciados, de quem seriam? A quem pertenceria a titularidade
do fundo consórtil, enquanto patrimônio separado? Se não aos próprios consorciados, nem ao
consórcio (por não ser sujeito de direito), a questão parece não ter sido respondida
adequadamente pelo mestre.

Não há como se defender a autonomia do fundo consórtil, como patrimônio separado


ou autônomo,156-157 ainda que se reconheçam as suas óbvias feições patrimoniais – mas
vinculadas, e assim mantidas, aos patrimônios individuais de cada uma das consorciadas. As
contribuições e alocações, portanto, geram efeitos apenas internamente, tendo em vista a
ausência de norma legal que autorize um destacamento patrimonial efetivo.158

154
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte especial. t. L. Direito das
obrigações: sociedades por ações cit., p. 253-254
155
Ibidem, p. 254.
156
“A tese da autonomia jurídica do consórcio – porventura sustentável face a outros direitos, como o italiano –
não tem qualquer fundamento no direito brasileiro, que é expresso em formular duas regras, constantes do §
1º do art. 278, que com aquela autonomia são redondamente antagônicas: a inexistência de personalidade
jurídica e a responsabilidade de cada um dos consorciados por suas obrigações, sem presunção de
solidariedade” (XAVIER, Alberto. Consórcio: natureza jurídica e regime tributário cit., p. 15).
157
No mesmo sentido, Marlon Tomazette: “Quaisquer obrigações comuns atinentes à execução do
empreendimento devem ser disciplinadas pelo instrumento de constituição do consórcio, dada a ausência de
personalidade e, por conseguinte, a ausência de autonomia patrimonial do consórcio” (As obrigações
tributárias e os consórcios de sociedades necessidade de interpretação restritiva da Lei 12.402/2011 cit., p. 5).
158
PEIXOTO, Maurício da Cunha. Consórcio de empresas. Dissertação (Mestrado) – Belo Horizonte:
Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, 2001. p. 261.
63

E essa constatação é especialmente importante ao tema da dissolução de consórcios,


porque, como se demonstrará adiante, a noção de dissolução societária em sentido amplo,
como procedimento complexo que conduz à extinção da sociedade, e no qual a fase de
liquidação é imprescindível, perpassa pela existência de um patrimônio autônomo ou
separado159 (para fins didáticos, apenas, trataremos patrimônio autônomo como termo
equivalente a patrimônio de afetação ou especial/separado).

Na sociedade em comum e na sociedade em conta de participação, a legislação


brasileira reconhece a criação de um patrimônio especial160-161-162-163-164 (ou seja, um
patrimônio separado), cujos titulares não são as respectivas sociedades, pois ambas

159
“O instituto da liquidação, que se desenvolveu logo que a pratica mercantil reconheceu a autonomia do
patrimônio social, tinha, inicialmente, por objetivo o pagamento dos débitos” (VALVERDE, Trajano de
Miranda. Sociedade por ações. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959. v. 3, p. 14).
160
“Por que se diz patrimônio especial? Porque é destinado a uma finalidade: a atividade negocial da sociedade
em comum, que pode ser de natureza simples ou empresária, consoante se demonstrou. Na medida em que a
sociedade em comum não tem personalidade jurídica, todavia, esse patrimônio separado permanece na
titularidade dos sócios, em comunhão” (FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. Sociedade em
comum. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 156).
161
“Rachel Sztajn, em ilustrativa passagem, afirma que ‘a cada patrimônio individual dos sócios está presa uma
‘fração ideal’ do patrimônio especial e que essa fração ideal dele se desprende quando a sociedade adquirir
personalidade jurídica’. Portanto, os elementos do patrimônio especial não se apartam dos patrimônios dos
sócios. São postos em destaque no patrimônio especial para responder em primeiro lugar pelas dívidas
contraídas na atividade da sociedade em comum” (LOBO, Carlos Augusto da Silveira. Contratos associativos
– sociedade e consórcio. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, v. 66/2014, out.-dez. 2014.
p. 7 [Versão eletrônica]. Disponível em: https://www.revistadostribunais.com.br/
maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad6adc50000017ad559362d9fe9b21a&docguid=Ia43e7200
9aed11e4a88b010000000000&hitguid=Ia43e72009aed11e4a88b010000000000&spos=1&epos=1&td=1&co
ntext=93&crumb-action=append&crumb-label=Documento&isDocFG=false&isFromMultiSumm=&start
Chunk=1&endChunk=1. Acesso em: 12 set. 2020).
162
Citando Ricardo de Santos Freitas, Eduardo Cherez Pavia anota que aquele autor entende que o patrimônio
especial é o conjunto de bens econômicos com finalidade específica, o qual só responde pelas dívidas
contraídas em razão dessa finalidade, e que, se não tiver titular, gozará de subjetivação jurídica e será uma
organização associativa. Afirma, ainda, que a organização associativa poderá ter ou não personalidade
jurídica, bem como ser ou não um centro autônomo de imputação. E, por fim, que a personalidade jurídica
seria o grau de capacidade jurídica da organização, a qual, se gozasse de um conjunto de capacidades para
exercício de direitos e obrigações, gozaria também de personalidade jurídica (PAVIA, Eduardo Cherez.
Fundos de investimento: estrutura jurídica e agentes de mercado como proteção do investimento privado cit.,
p. 42).
163
“De igual modo, não possui personalidade patrimonial, uma vez que os bens que a formam, como
contribuição dos sócios ostensivos e participantes, constituem “patrimônio especial”, objeto da conta de
participação relativa aos negócios sociais, em que a especialização patrimonial somente produz efeitos em
relação aos sócios (art. 994 e seu § 1º do CC)” (RAMIRES, Rogerio. A sociedade em conta de
participação no direito brasileiro. São Paulo: Almedina, 2014. p. 93).
164
“O patrimônio separado ou especial é aquele que se destaca do patrimônio geral para satisfazer um fim
específico que não é o de garantir as necessidades gerais da pessoa. Nota-se que o conceito de patrimônio
separado pressupõe, portanto, o de patrimônio geral” (HILDEBRAND, Lucas Fajardo Nunes. Patrimônio,
patrimônio separado ou especial, patrimônio autônomo cit., p. 273).
64

despersonificadas: no caso da sociedade em comum são os sócios em comunhão; e na


sociedade em conta de participação165 são os sócios ostensivos.166

Contudo, tanto na hipótese da sociedade em comum quanto na da sociedade em conta


de participação, está previsto em lei o fenômeno da especialização patrimonial. Algo
semelhante não se verifica no caso do consórcio, haja vista a inexistência de qualquer
previsão legal nesse sentido.

No caso das sociedades em comum, a própria legislação reconheceu a existência de


um patrimônio especial167 (ou separado, nos dizeres de Erasmo Valladão, mas não
autônomo168), que se compõe por elementos patrimoniais de cada um dos sócios (os quais
permanecem sob a titularidade desses), mas afetados à realização da atividade social. Aliás,
Erasmo anota que, apesar de desprovida de personalidade jurídica (a qual é adquirida com o
registro), a sociedade em comum existe e constitui um sujeito de direitos, porém
despersonificado.169

Similar afetação não ocorre para o consórcio; não se tem previsão legal nesse sentido.

Não é mandatório, nos consórcios, que as atividades necessárias para a realização do


empreendimento comum dependam da utilização dos elementos eventualmente alocados para
a composição do fundo consórtil.

Na verdade, sequer há obrigatoriedade de constituição de tal fundo; esse é um


reconhecimento doutrinário de uma prática que pode ser verificada, em função da autorização

165
“Em relação aos bens excedentes ao Fundo Patrimonial, compreendidos no patrimônio especial, por
compreender o acervo social intrinsecamente relacionado à exploração da atividade empresarial, regra geral,
devem ser concentrados no sócio ostensivo, por ser a pessoa legitimada ao exercício da atividade em seu
próprio nome e sob sua exclusiva responsabilidade na relação com terceiros” (RAMIRES, Rogerio.
A sociedade em conta de participação no direito brasileiro cit., p. 95).
166
“Cabe referir, por oportuno, a diferença de tratamento outorgada ao regime do patrimônio especial das duas
sociedades classificadas como não personificadas. Enquanto na sociedade em comum, o patrimônio especial
integra o patrimônio de todos os sócios, na sociedade em conta de participação, o patrimônio especial integra
somente o do sócio ostensivo” (WALD, Arnoldo. Direito civil: direito de empresa. São Paulo: Saraiva, 2012.
v. 8, p. 49).
167
“O patrimônio especial, a que se refere o art. 988, é composto, portanto, pela somatória dos ativos vinculados
ao exercício da atividade social. Ou seja, é aquele integrado pelos esforços e contribuições dos sócios, assim
como pelos créditos oriundos de relações jurídicas existentes entre a sociedade e seus sócios, ou entre ela e
terceiros, vinculado à satisfação das dívidas por ela assumidas em decorrência da atividade exercida”
(GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentários aos arts. 966 a 1.195 do Código
Civil. 7. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 187).
168
FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. Sociedade em comum cit., p. 152.
169
Ibidem, p. 150.
65

legal para compartilhamento de despesas (o que conversa com a sistemática de repartição de


receitas).

Como as atuações das consorciadas são individuais, porém concertadas, elas podem se
utilizar de seus respectivos patrimônios para realizarem suas atribuições consorciais.

E a formação de um fundo de contribuições para custeio de despesas comuns não nega


essa realidade, mas, apenas, confirma que é possível a estruturação de um sistema
colaborativo de compartilhamento de despesas.

Isso não equivale à constituição de patrimônio.170 Tampouco à aquisição de bens em


conjunto, que se reconhece na figura do condomínio,171 da copropriedade.

Situação semelhante, aliás, quanto ao regime de copropriedade, é verificada na


sociedade em comum, que, apesar de estar associada a um patrimônio especial (nos termos do
Código Civil) – o que não há no consórcio –, não é a titular deste, justamente porque
desprovida de personalidade jurídica. Assim, a titularidade desse patrimônio especial pertence
aos sócios, em regime de condomínio.172

Ademais, ainda que as responsabilidades sejam individuais, sem solidariedade, não se


pode cogitar da limitação das responsabilidades das consorciadas ao suposto patrimônio
encerrado pelo fundo consórtil. As consorciadas, observadas suas proporções e participações
no consórcio, respondem, cada, por suas obrigações (individuais ou assumidas
conjuntamente).

170
“Deve-se reconhecer a previsão legal, expressa no art. 279 da Lei n. 6.404/1976, de que o contrato deverá
prever que a “contribuição de cada consorciado para as despesas comuns” não implica a necessidade da
criação de um fundo comum, quanto menos confere a este qualquer autonomia e tampouco atuará como
limitador de responsabilidade a prejudicar o interesse de terceiros” (TEIXEIRA, Guilherme Puchalski. Do
consórcio entre sociedades: arts. 278 e 279 da Lei n. 6.404/1976 cit., p. 78).
171
Diferentemente do que ocorre nas sociedades personificadas, em que o patrimônio social pertente à
sociedade, e não aos sócios: “Destarte, cabe aduzir que a posição do sócio que se retira passa a ser a de
autêntico credor da sociedade, pelo valor de sua participação societária e não a de condômino da massa de
bens sociais” (WALD, Arnoldo. Direito civil: direito de empresa cit., p. 87).
172
“Como a sociedade não possui personalidade jurídica e, portanto, o atributo da autonomia patrimonial, tal
patrimônio especial pertence aos sócios em comum. Trata-se, portanto, de um patrimônio, destacado do
patrimônio individual dos sócios, do qual todos são titulares em condomínio. Isso implica a impossibilidade
de qualquer dos sócios exercer isoladamente os poderes inerentes ao domínio da massa patrimonial assim
formada, porquanto tal patrimônio fica submetido às disposições legais relativas ao condomínio voluntário
(CC, art. 1.314 e ss.)” (GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentários aos arts.
966 a 1.195 do Código Civil cit., p. 187).
66

Considerando que o fundo consórtil não corresponde a um patrimônio autônomo,


separado ou especial, as pretensões creditícias de terceiros, além de não estarem restritas à
dimensão do fundo, não devem observar qualquer ordem de preferência, a fim de se esgotar,
primeiro, tal fundo, antes de serem direcionadas aos patrimônios individuais dos
consorciados.

No caso das sociedades em conta de participação, observa-se a ocorrência de atos de


disposição patrimonial, para a formação do fundo social (haja vista que os bens afetados,
incluídos no chamado patrimônio especial, passam à titularidade do sócio ostensivo, que o
utilizará para a persecução do objeto social),173 que goza de destinação específica.174 Trata-se
de um regime incompatível com a figura do consórcio, dado que, neste, os objetivos das
consorciadas são perseguidos por elas mesmas, de maneira concertada.

As contribuições para o desenvolvimento do consórcio são feitas pelas consorciadas


não a título de transferência patrimonial, como no caso de integralização de capital social em
sociedade, que implica mudança de titularidade do bem aportado (do sócio para a sociedade).
Esse desprendimento não ocorre nos consórcios.

O que ocorre é o compartilhamento da utilidade de elementos patrimoniais, os quais


permanecem sob as titularidades dos respectivos consorciados, mas são utilizados em função
da relação consorcial, para que possam viabilizar a execução do empreendimento comum e a
geração dos resultados que são perseguidos pelas partes contratantes.

Parece-me possível, diante das características e da essência do consórcio, compreender


que quando as consorciadas: (i) “contribuem” para o pagamento de despesas comuns, estão
apenas compartilhando os custos para o alcance de um objetivo de todas elas, na proporção
estabelecida no contrato de consórcio, e que serão compensadas e remuneradas por força de
suas participações nos resultados do empreendimento comum; e não aportando recursos que
formarão patrimônio autônomo ou separado, a ser utilizado pelo consórcio; (ii) assumem

173
“É justamente o que ocorre na sociedade em conta de participação. Os fundos sociais, incorporados ao
patrimônio geral do sócio ostensivo, formam, nele, um patrimônio separado, atrelado à realização do objetivo
comum. No caso da conta de metade, pois, os bens destacados do patrimônio geral do titular (sócio
ostensivo) encontram-se vinculados a uma destinação de utilização” (GALIZZI, Gustavo Oliva. Sociedade
em conta de participação cit., p. 86).
174
“Ora, isso só faz sentido quando se admite que referidas contribuições serão incorporadas a um patrimônio
geral (o do sócio ostensivo), dentro do qual ganharão especialidade por força de sua destinação específica”
(WALD, Arnoldo. Direito civil: direito de empresa cit., p. 49).
67

direitos e obrigações, em geral, tornam-se, conjunta ou individualmente, parte dessas relações


com terceiros, de maneira direta, o que se integra aos seus respectivos patrimônios, sem
afetações ou segregações; e (iii) adquirem, conjuntamente, bens, instituem sobre esses bens
adquiridos um condomínio voluntário,175 uma situação de copropriedade, que deve ser
regulada como tal, à luz da legislação civil, observadas eventuais peculiaridades ou
especificidades que possam ter sido avençadas no respectivo contrato de consórcio.176 Veja-
se, aliás, comentário de Alberto Xavier a respeito:

Não existindo atividade comum no consórcio, mas atividades exercidas


individualmente, não há qualquer razão para a existência necessária de bens
comuns. Os bens com que cada um dos consorciados exerce a sua atividade
são próprios e singulares, salvo se voluntariamente e em caráter excepcional
forem colocados sob regime de propriedade comum.177

Condomínio, rememore-se, é “modalidade de comunhão específica do direito das


coisas. Trata-se de espécie de comunhão. Para que exista condomínio, há necessidade de que
o objeto do direito seja uma coisa; caso contrário, a comunhão será de outra natureza”.178
Comunhão, por sua vez, ocorre quando várias pessoas possuem os mesmos direitos incidentes
sobre coisa ou conjunto de coisas idênticas.179

E é importante dizer: o reconhecimento de que, do consórcio, pode decorrer a


constituição de um condomínio (quando há aquisição conjunta de bens) não equivale à
caracterização do próprio consórcio como condomínio; não se trata disso.180 É, apenas,

175
“Tendo em vista que não possui personalidade jurídica, o consórcio não dispõe de patrimônio próprio;
portanto deve ser regulado no contrato a qual consorciada pertence cada um dos bens, podendo eles
pertencer, ainda, a todas elas em condomínio” (EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A comentada: arts. 206 a 300
cit., p. 473).
176
“Sem que se torne necessário descer a minúcias e delongas enfadonhas, baste-nos como elemento
característico essencial fixar e determinar, de início, que no condomínio a ideia mestra está no exercício
conjunto das faculdades inerentes ao domínio pela pluralidade de sujeitos, por tal arte que cada um deles
tenha um poder jurídico sobre a coisa inteira, em projeção de sua quota ideal, sem excluir idêntico poder nos
consócios ou coproprietários” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e incorporações. 11. ed. rev.,
atual. e ampl. segundo a legislação vigente. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 59).
177
XAVIER, Alberto. Consórcio: natureza jurídica e regime tributário cit., p. 15.
178
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil – Direitos reais. Rio de Janeiro: Forense, 2020. v. 4. Disponível em:
https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597024715/. Acesso em: 10 ago. 2020. p. 366.
179
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil – Direitos reais cit., p. 366.
180
“Indo ao encontro desses entendimentos, pode-se dizer que a distinção entre o consórcio e a comunhão (o que
inclui o condomínio) deve ser buscada na causa do negócio jurídico, pois enquanto no consórcio há uma
‘comunhão de objetivos, consistente na procura, pelas consorciadas, de vantagens, benefícios e fins, que
estariam fora do alcance de suas ações isoladas’, na figura da comunhão, como apontam Fábio Konder
Comparato e Calixto Salomão Filho, a causa está no ‘uso e gozo em comum da mesma coisa, sem qualquer
referência a uma ulterior finalidade coletiva’, ou seja, ‘a comunhão é do objeto e não dos objetivos’”
68

reconhecer que não há excludência ou incompatibilidade. Do mesmo modo em que a


constituição de consórcio entre sociedades que já possuem, previamente, algum vínculo
societário (de coligação, por exemplo), não afeta ou modifica esse vínculo pretérito, é
possível que, a partir do consórcio ou por força de sua implementação, outros fenômenos
jurídicos (como uma comunhão de direitos, um condomínio) possam surgir. Ou seja: no
âmbito do consórcio, não há óbice a que se verifique a existência de outros institutos de
direito, cujos regimes serão diferentes, mas aplicáveis dentro dos limites de seus respectivos
objetos de tutela; algo que não necessariamente implicará incongruência.

Pode-se afirmar, assim, que o consórcio, além de não personificado, também não
detém ou enseja a criação de patrimônio autônomo ou separado.

Apesar dessas considerações, alguns defendem que o consórcio possua capacidade


negocial.181-182-183 Ou seja, que inobstante a preservação das individualidades, assumindo cada
consorciada as obrigações atinentes ao consórcio em nome próprio, haveria hipóteses em que
a entidade consorcial se apresenta como sujeito, parte de uma relação jurídica, a fim de
obrigar as consorciadas.

A afirmação, contudo, não me parece a mais acertada. Isso porque a tal capacidade
negocial, conforme delineada, corresponde, na prática, à aquisição de direitos e à assunção de
obrigações, por meio da participação de negócios jurídicos. Isso, no entanto, é impossível para

(GOMES JUNIOR, Roberto Lincoln de Sousa. Consórcios de empresas. Fundamentos e regime de


responsabilidade cit., p. 95).
181
“É inequívoco que o consórcio tem capacidade para adquirir direitos e contrair obrigações, o que faz
mediante órgãos de administração e representação, que podem ser formados por pessoas diversas das
consorciadas. A administração do consórcio compreende a representação externa e a gestão dos negócios
internos da entidade, à semelhança do que ocorre nas sociedades personificadas” (EIZIRIK, Nelson. A Lei
das S/A comentada: arts. 206 a 300 cit., p. 483).
182
“Na realidade, a execução do empreendimento será do consórcio, não de cada sociedade isoladamente, ou de
uma determinada sociedade coadjuvada por outras. Nessa execução cada sociedade realizará sua parte no
empreendimento assumindo responsabilidade pela mesma, deixando, portanto, de existir uma sociedade líder
que, perante os interessados na realização do empreendimento, se responsabiliza pelo mesmo, pois a lei
estatui expressamente que cada um dos participantes do consórcio responde pelas obrigações assumidas. E
essa responsabilidade é, naturalmente, para com a outra parte contratante na execução da obra, isto é, a
contratante com o consórcio, perante a qual a sociedade consorciada responde individualmente” (MARTINS,
Fran. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas: arts. 206 a 300. Rio de Janeiro: Forense, 1985. v. 3, p.
493).
183
Para o Professor Modesto Carvalhosa, o consórcio detém personalidade judicial e negocial, por conta da
existência de representação (por mandato) e de administração, com capacidade negocial e processual, ativa e
passiva, e permite a constituição de um fundo consorcial, para implementação dos objetivos dos consórcios e
para responder pelas atividades deste (Comentários à Lei de Sociedades Anônimas: arts. 243 a 300 cit., p.
433-434).
69

o consórcio, pois desprovido de personalidade jurídica e porque não consiste em um sujeito


de direitos.

O consórcio é o instrumento de congregação dos direitos e obrigações que são


assumidos pelas consorciadas, na verdade, no âmbito da relação consorcial, na proporção de
suas participações no consórcio. Pode-se dizer que o consórcio resulta do somatório e da
concentração dos esforços aplicados individualmente pelas consorciadas, que destinam partes
de seus patrimônios individuais (sem segregação, afetação ou especialização) para cada uma
atuar individualmente, porém de maneira orquestrada ou alinhada, com vistas à persecução de
um objetivo comum (a realização do empreendimento que deu origem à constituição do
consórcio).

Não é o consórcio que atua de maneira autônoma, em nome próprio, tampouco contrai
direitos ou obrigação para si; na qualidade de ente despersonalizado e desprovido de
capacidade, o consórcio não se compromete perante terceiros.

A capacidade negocial, portanto, é das próprias consorciadas, reunidas em consórcio;


mas não do consórcio autonomamente, pois é isso impossível. E essa, apesar de parecer sutil,
é uma diferença relevante de compreensão. Não à toa as matrizes de responsabilidade são
assumidas, de maneira direta, por cada uma das consorciadas (com ou sem solidariedade), e as
atividades são executadas também por cada uma delas, em esforço conjunto, na medida do
contratado. As relações jurídicas, por conseguinte, são ostentadas pelas consorciadas, e nunca
pelo consórcio.

1.7 Exposição de motivos: a problemática classificação dos consórcios como


sociedades não personificadas

Passadas as considerações a respeito do regime jurídico principal do consórcio,


estatuído pelos arts. 278 e 279 da LSA, dos seus requisitos, motivadores e, em especial, dos
elementos da personalidade jurídica e da autonomia ou especialização patrimonial (e como
esses não se apresentam no instituto consorcial), cumpre investigar se o contrato de consórcio
seria um instituto à parte ou espécie de algum outro instituto já regulado pela legislação
pátria.
70

Essa investigação é necessária diante do fato de o regime jurídico principal dos


consórcios ser bastante enxuto e, em especial no que toca ao tema deste trabalho, não regular
o aspecto da dissolução.

Assim, se o contrato de consórcio for omisso a respeito (considerando que, como


visto, a regulamentação da dissolução não é um requisito estabelecido pelo art. 279 da LSA),
e haja vista que o regime jurídico principal dos consórcios também não regula o tema, a
solução para o problema talvez passe pelo enquadramento da relação consorcial como espécie
de um gênero que, este sim, goze de regulamentação sobre a etapa dissolutiva, a ser aplicada
supletivamente.

Nesse sentido, a exposição de motivos da LSA aparenta pôr uma pá de cal e solver a
controvérsia, pois define que o consórcio seria uma sociedade não personificada. Mas é
preciso ter cuidado: primeiro porque a exposição de motivos, obviamente, não é lei, e a LSA,
que regula a figura consorcial, não realizou o mesmo enquadramento; segundo porque o
Código Civil, que pode ser tido como lei geral em matéria societária, é posterior à edição da
LSA, e, igualmente, não classificou o consórcio como tipo societário; terceiro porque a
indicação feita pela exposição de motivos pode ter sido equivocada ou imprecisa,
tecnicamente, diante das características essenciais de um e de outro instituto.

Por essas razões é que se propõe partir do exame das particularidades do consórcio,
enquanto contrato que é, buscando-se classificações que decorram de sua essência, para, em
seguida, investigar se o consórcio seria mesmo uma sociedade não personificada, a reclamar a
aplicação supletiva de regras societárias.

Caso contrário, o entendimento da dissolução do consórcio (se, de fato, necessária


como procedimento) deverá partir não da utilização de regras supletivas, mas daquelas que se
coadunem com as características da relação consorcial, conforme se analisa neste trabalho.

Antes de se partir a essas verificações, um último comentário se faz necessário: no afã


da investigação da natureza jurídica do consórcio, doutrinadores realizaram comparações
desse instituto com outros. Não se discute a utilidade delas.

Contudo, para os fins deste trabalho, considerando (i) a realidade contratual e os


aspectos que serão indicados no Capítulo 2 sobre associatividade e plurilateralidade do
consórcio; (ii) o regramento geral da dissolução contratual, estabelecido pelo Código Civil;
71

(iii) o fato de que o regime de dissolução societária é um regime dissolutivo especial,


decorrente de elementos presentes na (ou decorrentes da) sociedade; e (iv) a exposição de
motivos caracterizou o contrato consorcial como um tipo de sociedade não personificada;
interessa, nesta oportunidade, enquadrar ou afastar o consórcio como um tipo societário, para
fins de avaliação de como as relações consorciais deveriam ser dissolvidas.

1.8 Apenas a título ilustrativo, figuras semelhantes no direito estrangeiro

Fixado o ponto de partida para o estudo do contrato de consorcial dentro das


regulamentações contratual e societária, providas pelo direito brasileiro, apresento
considerações breves sobre instrumentos de cooperação empresarial tidos por semelhantes ao
contrato de consórcio no Brasil, para que se possa, de maneira sucinta, apreender os seus
caracteres gerais e utilizá-los, eventualmente, como referência para o apontamento de
soluções que se coadunem com o nosso sistema legal.

Ernesto Luiz da Silva Vaz, em dissertação de mestrado sobre o regime jurídico do


contrato de consórcio, fez importante estudo de direito comparado, em que analisou figuras
como os agrupamentos europeus de interesse econômico (instituto comunitário), o consorzio
italiano e o groupement d’interêt économique francês, os quais, segundo o autor,
influenciaram o disciplinamento de instrumentos de colaboração semelhantes ao consórcio.184
Suas considerações com relação a pontos essenciais desses institutos, e, em especial, as
formas de extinção/dissolução, serão aproveitadas para fins de ilustração e, eventualmente,
aproveitamento como bases comparativas.

Os agrupamentos europeus de interesse econômico são uma figura comunitária,


utilizável em toda a União Europeia. Foram baseados nos groupement d’interêt économique, e
são disciplinados pelo Regulamento (CEE) n. 2.137/1985.185 Embora desprovidos de
personalidade jurídica,186 gozariam de ampla capacidade jurídica, podendo titularizar direitos
e obrigações e celebrar negócios jurídicos,187 mas não podem exercer atividades próprias, de
modo que seu objetivo deve ser o de auxiliar os seus membros.188 Constituído por contrato

184
VAZ, Ernesto Luís Silva. Consórcio de empresas. Regime jurídico cit., p. 26.
185
Ibidem, p. 28.
186
Ibidem, p. 30.
187
Ibidem, p. 29.
188
Ibidem, p. 30.
72

escrito, tem suas decisões dependentes de deliberações dos membros, que, a princípio, devem
ser tomadas por unanimidade, exceto se previsto de forma diversa contratualmente.189 A
dissolução do agrupamento pode se dar por deliberação (unânime ou, se assim previsto no
contrato, por quórum diverso) de seus membros, decurso do prazo, realização do objetivo,
impossibilidade ou por outras causas estabelecidas contratualmente.190 Decretada a
dissolução, ocorrerá a liquidação, a ser providenciada de acordo com os direitos nacionais.191

Ernesto Luiz Silva, antes de analisar instrumentos de colaboração empresarial


regulados, especificamente, nos países europeus, trata de como determinadas nações
recepcionaram essa figura comunitária dos agrupamentos europeus de interesse econômico.
Em Portugal, Itália, França, Alemanha, Reino Unido e Espanha, tais agrupamentos foram
internalizados, tendo sido previstas, por exemplo, regulamentações supletivas a tal instituto,
como feito em Portugal, Alemanha e Espanha, por exemplo, que definiram ser aplicáveis
supletivamente aos agrupamentos as regras a respeito da sociedade em nome coletivo.192
Parte-se, agora, aos comentários sobre os institutos nacionais.

1.8.1 Portugal

O consórcio português partilha de características similares às detidas pelo consórcio


brasileiro, a exemplo de (i) realização concertada, pelos consorciados, para consecução do
objetivo comum (o que poderia implicar a constituição de organização comum193); (ii)
exigência de instrumento escrito; (iii) ausência de personalidade jurídica; e (iv) indicação de
chefe (ou líder) do consórcio, que fica responsável por organizar a cooperação e representar
os consorciados, por mandato específico; e (v) ausência de presunção de responsabilidade
solidária entre os membros.194

189
VAZ, Ernesto Luís Silva. Consórcio de empresas. Regime jurídico cit., p. 33.
190
Ibidem, p. 36.
191
Ibidem, p. 36.
192
Ibidem, p. 37-40.
193
Paulo Machado aponta, ainda, que os contratos associativos podem dar origem a uma organização e que essa
não necessariamente será provida de personalidade jurídica, podendo ter fundamento meramente contratual.
Na visão do autor, o consórcio português (que, relembre-se, assim como o brasileiro é um contrato
associativo, de cooperação interempresarial, despersonificado) implica criação de uma organização
(VASCONCELOS, Paulo Alves de Sousa. O contrato de consórcio no âmbito dos contratos de cooperação
entre empresas cit., p. 214-215).
194
VAZ, Ernesto Luís Silva. Consórcio de empresas. Regime jurídico cit., p. 41-45.
73

Diferentemente do consórcio brasileiro, o português tem em sua matriz legislativa as


admissibilidades expressas de participação de pessoas físicas ou jurídicas195 e de realização de
objetos além da execução de determinado empreendimento (o que não afasta a
transitoriedade, peculiar a ambos).196 Também de maneira diversa, existe proibição expressa à
constituição de fundos comuns197 (o que, no Brasil, poderia equivaler ao fundo consórtil, de
maneira genérica, sem que isso implique no surgimento de patrimônio autônomo ou separado
– o que não ocorre no consórcio brasileiro, como exposto anteriormente).

O contrato de consórcio, à luz das leis de Portugal, pode ser resolvido em relação a
qualquer um de seus membros, se verificada, pelos demais membros, justa causa (falência,
falta grave ou impossibilidade de cumprimento das obrigações),198 e a extinção do consórcio
ocorre quando há decisão unânime das partes, realização do objeto ou impossibilidade deste,
decurso do prazo, extinção da pluralidade dos consorciados ou verificação de outra causa
prevista no próprio contrato.199

Os próprios núcleos de definição dos contratos de consórcio em Portugal e no Brasil


reforçam pontos de coincidência. Segundo o art. 1º do Decreto-Lei n. 231/81 de 28 de julho,

[c]onsórcio é o contrato pelo qual duas ou mais pessoas, singulares ou


colectivas, que exercem uma actividade económica se obrigam entre si a, de

195
DL n. 231/81, de 28 de Julho
“ART. 1º
(Noção)
Consórcio é o contrato pelo qual duas ou mais pessoas, singulares ou colectivas, que exercem uma actividade
económica se obrigam entre si a, de forma concertada, realizar certa actividade ou efectuar certa contribuição
com o fim de prosseguir qualquer dos objectos referidos no artigo seguinte.”
196
DL n. 231/81, de 28 de Julho
“ART. 2º
(Objecto)
O consórcio terá um dos seguintes objectos:
a) Realização de actos, materiais ou jurídicos, preparatórios quer de um determinado empreendimento, quer
de uma actividade contínua;
b) Execução de determinado empreendimento;
c) Fornecimento a terceiros de bens, iguais ou complementares entre si, produzidos por cada um dos
membros do consórcio;
d) Pesquisa ou exploração de recursos naturais;
e) Produção de bens que possam ser repartidos, em espécie, entre os membros do consórcio.”
197
“[...] no Direito português há vedação expressa quanto à constituição de fundos comuns, composto por bens
destinados à atividade comum do consórcio” (TEIXEIRA, Guilherme Puchalski. Do consórcio entre
sociedades: arts. 278 e 279 da Lei n. 6.404/1976 cit., p. 78).
198
VAZ, Ernesto Luís Silva. Consórcio de empresas. Regime jurídico cit., p. 44.
199
Ibidem, p. 44.
74

forma concertada, realizar certa actividade ou efectuar certa contribuição


com o fim de prosseguir qualquer dos objectos referidos no artigo seguinte.

O art. 278 da LSA não contempla todos esses aspectos, mas, como já se demonstrou, é
da essência do consórcio a atuação concertada das partes, que se mantêm autônomas, para
persecução de objetivo comum, consistente na realização de determinado empreendimento.

Diante dessas similaridades, alguns comentários adicionais sobre o consórcio


português se mostram úteis.

Apesar de referível à legislação estrangeira, são pertinentes as considerações de José


Engracia Antunes e Raúl Ventura a respeito do contrato de consórcio, diante das semelhanças
essenciais que o instituto consorcial português e o brasileiro possuem. Em ambos, não se dá
origem a uma nova entidade, provida de personalidade jurídica, e as sociedades consorciadas
atuam de forma concertada; ou seja, cada uma “desenvolve separadamente a respectiva
actividade ou contribuição económicas, obrigando-se apenas a coordená-la ou harmonizá-la
com as dos demais consortes no quadro de uma acção concertada ou articulada [...]”.200
Engracia revela, ainda, em função dessas características, a natureza intuitus personae do
consórcio, “assente na confiança recíproca e na igualdade das partes”.201

Fazendo uso da mesma classificação proposta por Mauro Penteado,202 que separa os
consórcios internos dos externos,203 José Engracia Antunes anota que, nos segundos, o papel
da estrutura organizativa é enaltecido.204 De igual modo, reconhece que os consórcios
portugueses também não dispõem de patrimônio (diferentemente das sociedades); o que não

200
ANTUNES, José A. Engracia. Direito dos contratos comerciais cit., p. 402.
201
Ibidem, p. 403.
202
PENTEADO, Mauro Rodrigues. Consórcios de empresas cit., p. 63
203
“Diz-se externo quando o consórcio assume obrigações perante terceiros. Em sentido oposto, será interno
quando o contrato apenas disciplinar a coordenação das atividades entre as sociedades consorciadas, não se
relacionando conjunta e diretamente perante terceiros. As obrigações perante terceiros, nesse caso, serão
tratadas diretamente, uti singuli, por cada consorciada, sem a representação de uma das sociedades
integrantes” (TEIXEIRA, Guilherme Puchalski. Do consórcio entre sociedades: arts. 278 e 279 da Lei n.
6.404/1976 cit., p. 81). Preservando a coerência com a posição adotada por esse mesmo autor, apesar de
anotar que, no consórcio externo, o consórcio se relacionaria com terceiros, referiu-se ao consórcio como a
palavra que significa a atuação conjunta das consorciadas; e não como se partisse da premissa de que o
consórcio é sujeito de direitos: “Como referido linhas atrás, a denominação consórcio servirá como a
designação coletiva de todos os consorciados, permitindo que sejam identificados de modo abreviado”
(TEIXEIRA, Guilherme Puchalski. Do consórcio entre sociedades: arts. 278 e 279 da Lei n. 6.404/1976 cit.,
p. 83).
204
ANTUNES, José A. Engracia. Direito dos contratos comerciais cit., p. 403-404.
75

impede as consorciadas de estabelecerem repartições de lucros e perdas e atribuições de


responsabilidades – tal como admitido na legislação brasileira.205

Também previsto no direito português, o Agrupamento Complementar de Empresas


(ACE), inspirado no groupement d’interêt économique francês, possui personalidade jurídica
(e, portanto, capacidade para titularizar patrimônio), não pode ter escopo lucrativo como
finalidade principal, e seus membros são responsáveis solidariamente entre si (o que é
presumido, mas pode ser afastado contratualmente); características que os diferem
substancialmente do consórcio brasileiro.206

A presença desses elementos parece impor a existência de um sistema de dissolução e


liquidação do ACE, o qual não se verifica para os consórcios (que, como já exposto, tanto no
direito brasileiro, quanto no direito português, é desprovido de personalidade jurídica e
autonomia patrimonial):207

Em qualquer dos casos, uma vez verificada a dissolução dará lugar à


abertura das operações de liquidação do património do ACE (que poderá ser
judicial ou extrajudicial), devendo o saldo positivo remanescente ser
partilhado entre os membros proporcionalmente ao valor das suas entradas
para o capital próprio e das contribuições realizadas (art. 17º do Decreto-Lei
n. 430/73).208

O Grupo de Coordenação – Contrato de Grupo Paritário, que seria uma terceira figura
portuguesa, pressupõe vínculo de subordinação a uma direção unitária e comum, o que não é
característico do consórcio brasileiro, instrumento tipicamente de cooperação e
coordenação.209

1.8.2 Espanha

Na Espanha, tem-se a Unión Temporal de Empresas e a Agrupación de Interés


Económico. A primeira figura, de união temporária de empresas, é instrumento de cooperação
interempresarial, com prazo determinado (por isso a denominação temporária) e desprovido

205
ANTUNES, José A. Engracia. Direito dos contratos comerciais cit., p. 405.
206
VAZ, Ernesto Luís Silva. Consórcio de empresas. Regime jurídico cit., p. 45-47.
207
ANTUNES, José A. Engracia. Direito dos contratos comerciais cit., p. 412-417.
208
Ibidem, p. 421.
209
VAZ, Ernesto Luís Silva. Consórcio de empresas. Regime jurídico cit., p. 47.
76

de personalidade jurídica,210 assim como o consórcio brasileiro. Difere-se, contudo, pela


limitação do seu objeto (apenas execuções de obras, serviços ou fornecimentos concretos) 211 e
pela responsabilidade solidária e ilimitada obrigatória de seus membros “perante terceiros
pelos atos realizados na busca do benefício comum”.212 A segunda figura, por sua vez, de
agrupamento de interesse econômico, assim como o groupement d’interêt économique, é
auxiliar, não podendo objetivar a obtenção de lucros, e goza de personalidade jurídica 213 –
características não possuídas pelo consórcio brasileiro.

1.8.3 Itália

Já na Itália, o consorzio214 seria a figura que teria influenciado institutos semelhantes


em outros ordenamentos.215 A legislação italiana prescreve os consorzios externos, em que se
estabelece “escritório comum para o desenvolvimento de atividades com os terceiros”,216 e os
internos, sem intenção de estabelecer relações com terceiros;217 os quais gozariam de regime
jurídicos distintos, sendo, por exemplo, o consorzio externo tido como centro autônomo de
imputação de interesses.218 Estes, os consorzios externos, diferentemente dos consórcios
brasileiros, gozam de autonomia patrimonial219-220 e titularizam obrigações (razão pela qual

210
VAZ, Ernesto Luís Silva. Consórcio de empresas. Regime jurídico cit., p. 55.
211
Ibidem, p. 56.
212
Ibidem, p. 51.
213
Ibidem, p. 52-53.
214
“Como se vê, o consórcio no direito positivo italiano se constitui pelo contrato, sendo estranho à figura da
sociedade. Acentuou bem, nesse sentido, Messineo: Da quanto procede, può desumersi che il consorzio non
ha nulla in comune con la società, poiche mancano conferimenti e ripartizione degli utili; e, soprattutto
manca la formazione di um soggetto giuridico nuovo (Manuale di Diritto Civile e Commerciale, vol III/23).
Mas o consórcio de que trata o Código italiano tem por objeto a disciplina da atividade mediante uma
organização comum, o que leva os juristas a estudarem-no como objetivando finalidades econômicas
diversas, ou como o analisa Messineo, na disciplina dos preços e de condições de venda, contingenciamento
da produção, repartição de zonas territoriais e mercado. Em uma palavra, conclui o jurista italiano, como se
expressa a lei, com uma alocução plena de significado, a disciplina dos consórcios consiste na coordenação
da produção e das trocas (ob. cit., pág. 23)” (REQUIÃO, Rubens. Consórcio de emprêsas – necessidade de
legislação adequada cit., p. 5)
215
VAZ, Ernesto Luís Silva. Consórcio de empresas. Regime jurídico cit., p. 53.
216
Ibidem, p. 54.
217
Sobre os consórcios na Itália, Penteado explica que “subsiste [...] a distinção fundamental entre os consórcios
com atividade interna e os consórcios com atividade externa, sendo que nos primeiros a organização comum
diz respeito exclusivamente à articulação da atividade dos consorciados, com o controle do cumprimento das
obrigações assumidas. Nos chamados consórcios externos os órgãos comuns (organi consortili) desenvolvem
atividades que implicam no relacionamento com terceiros, com o intuito de alcançar os fins colimados pelos
participantes” (PENTEADO, Mauro Rodrigues. Consórcios de empresas cit., p. 125).
218
VAZ, Ernesto Luís Silva. Consórcio de empresas. Regime jurídico cit., p. 54.
77

diz-se consistir em um centro autônomo de imputação de interesses), as quais são assumidas,


em nome do consórcio, por seus representantes.221 Aliás, a legislação italiana também admite
que os consórcios externos sejam formados por meio de estrutura societária, sendo admitido
às sociedades de qualquer tipo assumirem objetos consórteis, bem como permitida a
transformação de consórcio em sociedade consórtil e vice-versa.222

Segundo Mauro Penteado, as causas de dissolução do consorzio são “decurso do prazo


de duração, consecução do objeto ou impossibilidade de atingi-lo, decisão tomada segundo o
disposto no contrato ou por maioria, havendo justa causa, ou ainda por deliberação unânime,
inexistindo aquela e, finalmente, por decisão das autoridades governamentais, nas situações
previstas em lei”.223

1.8.4 França

Por sua vez, o groupement d’interêt économique (GIE),224 estabelecido na França,


também teria influenciado outros ordenamentos, segundo Ernesto Luiz da Silva Vaz, e, como
meio de colaboração entre empresas, estaria situado, quanto ao regime jurídico, entre as
sociedades e as associações.225 Diversamente dos consórcios brasileiros, os GIE possuem
personalidade jurídica226 – e, logo, detêm capacidade para titularizar direitos e obrigações – e
seus membros respondem solidária e ilimitadamente quanto às dívidas assumidas pelo
agrupamento.227 Também é de se notar que os GIE podem ser transformados em sociedades

219
“Tal coisa foi possível na lei italiana, porque, dentro da dogmática civil peninsular, não se nega relevância
jurídica ao que chamaríamos de organização de fato, que, se não adquirem a personalidade jurídica
(relativamente a estas organizações não pode sequer falar-se duma personalidade atenuada ou reduzida), são
todavia elevadas pela lei à categoria de centros autônomos de relações jurídicas” (LEÃES, Luis Gastão Paes
de Barros. Sociedades coligadas e consórcios. Revista de Direito Mercantil, São Paulo, ano XII, n. 12, p.
147-148, 1973).
220
PENTEADO, Mauro Rodrigues. Consórcios de empresas cit., p. 126.
221
VAZ, Ernesto Luís Silva. Consórcio de empresas. Regime jurídico cit., p. 55.
222
Ibidem, p. 58.
223
PENTEADO, Mauro Rodrigues. Consórcios de empresas cit., p. 126.
224
Segundo Mauro Penteado, o GIE surgiu como uma alternativa ao modelo clássico francês de grupo de
empresas calcado na relação de subordinação (p. 116). Trata-se de uma pessoa jurídica, constituída por duas
ou mais pessoas, reunidas para desenvolver suas atividades (que remanescem independentes). Segundo
Penteado, é a “fórmula mais bem sucedida para a disciplina do consórcio de empresas” (PENTEADO, Mauro
Rodrigues. Consórcios de empresas cit., p. 116).
225
VAZ, Ernesto Luís Silva. Consórcio de empresas. Regime jurídico cit., p. 58-59.
226
Ibidem, p. 59.
227
Ibidem, p. 60.
78

em nome coletivo, independentemente de dissolução ou criação de nova pessoa jurídica,228


hipótese incompatível com o ordenamento brasileiro a respeito dos consórcios.

A dissolução do GIE – que pode ser motivada por decurso do prazo de duração,
realização ou extinção do objeto, decisão assemblear ou judicial, morte ou dissolução de um
dos seus membros, incapacidade das partes ou proibição de exercício de atividades comerciais
– impõe a liquidação do agrupamento, que, quando encerrada, conduzirá à extinção da
personalidade jurídica e do GIE em si.229

Como alertado no início deste tópico, não se objetiva realizar estudo de direito
comparado, mas, tão somente, entender as figuras estrangeiras e como suas características se
relacionam com a fase dissolutiva de cada uma delas.

Diante da similaridade do consórcio português com o brasileiro, por exemplo, aquele


instituto – ainda que inserido em ordenamento diverso – poderia servir como uma referência
doutrinária para o delineamento de soluções que sejam compatíveis com o sistema legal pátrio
e, ainda, adequados às características da relação consorcial. Não se pretende impor essa
correlação. Apenas lançá-la, a título provocativo, para as reflexões que se fazem necessárias a
respeito do tema.

228
VAZ, Ernesto Luís Silva. Consórcio de empresas. Regime jurídico cit., p. 63.
229
Ibidem, p. 63-64.
79

2 O CONTRATO DE CONSÓRCIO: CONTRATO ASSOCIATIVO E


PLURILATERAL

2.1 A realidade contratual do consórcio

Para iniciar este capítulo, recorro a uma obviedade: o consórcio é um contrato, como
estampado no art. 279 da LSA. Contrato típico (haja vista estar definido e regulado em lei
própria), cujo arcabouço encontra-se estabelecido pela lei societária, e de duração,230-231-232-233
dado que as relações e obrigações que exsurgem do consórcio se protraem no tempo, não se
esgotando em único momento; ou seja, o negócio jurídico consubstanciado no consórcio se
prolonga, ainda que seja transitório, e é sucessivamente implementado, em vários momentos
distintos, até a sua extinção. Não é estático; é dinâmico.

O contrato de consórcio, porém, não se baseia numa relação de troca, de prestações


correspectivas, em que há interesses contrapostos. É um tipo de contrato diferente, que tem
fundamento em causa diversa da que funda um contrato de compra e venda, por exemplo, no
qual a prestação do vendedor (de entregar a coisa) tem lastro direto na prestação do
comprador (de pagar o preço), dela dependendo, e vice-versa. Essa relação de contrapartida

230
“Finalmente, uma terceira hipótese, é a da execução continuada, no sentido próprio; por exemplo, no contrato
de trabalho, no de locação de coisas (quanto à colocação da coisa à disposição), no contrato de sociedade etc.
Nas duas últimas hipóteses, contratos de trato sucessivo e de execução continuada, o tempo corresponde ao
interesse das partes na satisfação de uma necessidade duradoura; ele faz parte da causa final do contrato.
Tem-se adimplemento continuado ou protraído no tempo” (AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Natureza
jurídica do contrato de consórcio cit., p.8)
231
“É a natureza da prestação que determina a existência dos contratos de duração. Tais serão, tão-só, aqueles
nos quais a execução não pode cumprir-se num só instante. Por esse motivo, somente há contratos de duração
por sua própria natureza. [...] Os contratos de duração subdividem-se em contratos de execução periódica e
contratos de execução continuada. Os de execução periódica, que se executam mediante prestações
periodicamente repetidas, seriam, propriamente, os contratos de trato sucessivo [...]. Os de execução
continuada, aqueles em que a prestação é única, mas ininterrupta” (GOMES, Orlando. Contratos cit., p. 78).
232
“Deve-se, a ‘tal propósito, distinguir os contratos chamados de execução instantânea, em que a solução se
efetua de uma só vez, e por uma única prestação, como, por exemplo, ocorre nas vendas a vista; os de
execução diferida ou retardada, em que a prestação de uma das partes não se dá num ato apenas, porém a
termo; e os de execução sucessiva ou de trato sucessivo (continuada ou periódica) em que sobrevivem com a
persistência da obrigação, ou seja, os pagamentos não acarretam a extinção da obrigação, que permanecerá
até o final do termo contratual” (BULGARELLI Waldirio. Contratos mercantis. 11. ed. São Paulo: Atlas,
1999. p. 157).
233
Sobre a questão do prazo, Ascarelli pontua que esse aspecto, nos contratos plurilaterais, está associado “ao
momento até o qual deve perdurar a organização no seu conjunto”, razão pela qual tais contratos são de
execução continuada (ASCARELLI, Tullio. Problemas das Sociedades Anônimas e direito comparado.
Campinas: Bookseller, 1999. p. 398-399).
80

entre partes individual e isoladamente, que estabelece o elemento do sinalagma imediato não
se verifica.234

Na verdade, no consórcio, há interesses compostos, e não contrapropostos. Ou seja, os


interesses de cada consorciada se somam para que, juntas, possam atingir um escopo comum.
Há reciprocidade entre essas contraprestações, mas de maneira mediata, e sem que se
identifique uma relação de contrapartidas isoladas. Isso porque as prestações de uma das
consorciadas não dependem das prestações das outras consorciadas, apenas; mas cada uma
delas depende do sistema de colaboração que foi contratado pelos contraentes e forma um
pacote de direitos e obrigações, o qual é implementado em comunhão de objetivo. A relação
sinalagmática, portanto, existe em face do conjunto de obrigações assumidas por todas as
partes do contrato de consórcio. Daí se defender que, na figura consorcial, existe sinalagma
indireto.235

A causa236 do consórcio não é o câmbio, é a comunhão de um objetivo, é o escopo de


congregação de esforços, para a persecução de um interesse compartilhado.237 E, para tanto,

234
Nas relações plurilaterais, verifica-se o espírito de cooperação, e não de reciprocidade ou correspectividade
(o que caracteriza o sinalagma imediato), de modo que os interesses são compostos, e não contrapostos
(PEREIRA, Guilherme Setoguti Julio. Impugnação de deliberações de assembleia das S/A cit., p. 49).
235
“Entretanto, não são somente os contratos de troca (com ou sem equivalência) que são sinalagmáticos. O que,
de fato, os caracteriza é que são causais, isto é, exigem causa – que, para distinguir de outros significados da
palavra, causa, seria melhor se pudéssemos escrever Kausa. A causa, no sentido próprio (causa naturalis) é o
deslocamento patrimonial que justifica outro deslocamento patrimonial. Uma obrigação é, então, causa da
outra; por exemplo, na compra e venda, a obrigação de pagar o preço justifica a obrigação de entrega da
coisa. A causa, no sentido fundamental (causa naturalis), é, pois, consubstancial aos contratos onerosos. Nos
contratos de colaboração, ou ‘associativos’, o sinalagma é indireto mas a causa continua presente: um sócio
se obriga porque o outro também se obriga, ainda que seus interesses não sejam opostos – não há troca –, e
haja escopo comum. Afirma Tullio Ascarelli, em profundo estudo sobre a natureza dos contratos de
colaboração (por ele ditos plurilaterais): ‘Nos contratos bilaterais, podemos identificar uma relação
sinalagmática, enquanto a obrigação de uma das partes dependa da existência de uma obrigação válida da
parte contrária ou enquanto a inexecução da obrigação de uma das partes autorize a não-execução da
obrigação da parte contrária. Ora, nos contratos plurilaterais, essa relação, em lugar de ter um caráter direto e
imediato, como nos contratos de permuta, adquire um caráter indireto e mediato; a invalidade ou inexecução
das obrigações de uma parte não exclui, só por si, a permanência do contrato entre as demais, a não ser
quando torne impossível a consecução do objetivo comum’ (Problemas das sociedades anônimas e direito
comparado. Campinas: Bookseller, 2001. p. 420; grifos nossos)” (AZEVEDO, Antonio Junqueira de.
Natureza jurídica do contrato de consórcio cit., p. 12).
236
“Considerada sob a sociabilidade exigida dentro da autonomia privada pelo controle externo aplicado a
qualquer negócio jurídico, a causa do negócio representa a função econômico-social caracterizadora desse
tipo de relação jurídica formada, sendo fonte normativa da determinação dos limites impostos aos direitos
subjetivos como recurso salutar de estabelecer os requisitos mínimos e necessários que todo contrato deve
seguir. A causa, neste contexto, coíbe excessos no exercício do direito subjetivo, exaltando a sua função
socialmente relevante do negócio-tipo” (SILVA, Vivien Lys Porto Ferreira da. Extinção dos contratos limites
e aplicabilidade. São Paulo: Saraiva, 2010. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.
com.br/#/books/9788502112995/. Acesso em: 8 jul. 2020, p. 107).
81

prestações múltiplas são contratadas, por cada uma das partes, de modo que essas prestações
convergem (ou deveriam convergir) para que seja possível o alcance daquele objetivo comum.
E tudo isso, claro, com conotação colaborativa ou cooperativa entre as partes, que contratam
uma espécie de ajuda mútua, com vistas à realização de conquistas que, isoladamente e sem
qualquer cooperação, talvez não conseguissem alcançar – razão pela qual o contrato de
consórcio se encaixa como um contrato colaborativo.238-239

A própria restrição à existência de dois polos ou tipos de posição contratuais, que são
opostos, como nos contratos de troca, não se verifica no consórcio. Inexiste limite máximo,
imposto por lei, para a quantidade de polos contratuais. Afinal, as prestações não se
contrapõem, não são dependentes umas das outras, isoladamente, mas se somam, convergem.

Diz-se, portanto, que o contrato de consórcio é típico, de duração, associativo, de


colaboração e plurilateral – e com um sinalagma indireto ou mediato.

Além da tipicidade e da continuidade da relação consorcial, que já foram indicadas no


início deste capítulo e não demandam maiores explicações, diante da simplicidade e da
evidência de suas adequações ao contrato de consórcio, os aspectos da associatividade,
colaboração e plurilateralidade serão abordados adiante.

Registro que as classificações propostas supra não são excludentes e, para além dos
formalismos, remetem à função econômica do contrato de consórcio.240 Ao mesmo tempo,

237
“O consórcio, nessas condições, constitui negócio jurídico causal, tendo em vista que ele se realiza em razão
de uma finalidade perseguida pelas consorciadas, consistente na consecução de empreendimento” (SILVA,
Fabiana Carsoni Alves Fernandes da. Consórcios de empresas: aspectos jurídicos relevantes cit., p. 63).
238
“Por contratos de cooperação empresarial designamos genericamente aqueles acordos negociais, típicos ou
atípicos, celebrados entre duas ou mais empresas jurídica e economicamente autónomas (singulares ou
colectivas, públicas ou privadas, comerciais ou civis), com vista ao estabelecimento, organização e regulação
de relações jurídicas duradouras para a realização de um fim económico comum” (ANTUNES, José A.
Engracia. Direito dos contratos comerciais cit., p. 389).
239
Nessa linha, os contratos de colaboração podem ser identificados por seu ânimo cooperativo, que tende a se
estender no tempo, por prazo indeterminado, disciplinando eventuais questões futuras,27 organizar uma
relação perene e estável entre as partes e, em razão da óbvia imprevisibilidade dos acontecimentos futuros,
incompletos, com cláusulas gerais adaptáveis caso a caso. Em contratos desse tipo, o dever de cooperação é
mais evidente, ao mesmo tempo em que é nesse tipo de contrato que surgem as maiores questões sobre qual a
extensão desse dever” (ZIMMERMANN DE MEIRELES, Vanessa; SILVA NETO, Orlando Celso da.
Breves notas sobre o conteúdo e a extensão do dever de cooperação em contratos empresariais. Revista
Justiça do Direito, v. 30, n. 1, p. 119, maio 2016).
240
“Para o Direito Comercial interessa sobremaneira o estudo dos contratos, no seu aspecto funcional (ou
substancial), ou seja, em relação à função econômica que desempenham, agrupando -os pois, sob tal
critério, em tipos e categorias para a sua melhor e mais correta compreensão. E, justamente em tal
sentido, encontrou guarida e ampla difusão a classificação elaborada por Messineo, que os classifica
perante a sua função econômica em grupos ou categorias, segundo suas afinidades, não sem advertir que
82

contudo, não indicarão ou reclamarão a aplicação de um regime jurídico próprio de pactos


associativos, plurilaterais e/ou de colaboração, pois inexistem tais regimes em nosso
ordenamento – inclusive, defende-se até a desnecessidade de um tal regime,241 de modo que
as regras aplicáveis aos contratos bilaterais, por exemplo, se estenderiam, de maneira geral,
aos plurilaterais.242 Essas constatações decorrem da observância de características essenciais
do contrato de consórcio e poderiam servir para aproximá-lo de outro instituto, que, aí sim,
gozasse de regime próprio.

Parte-se, assim, à análise de cada um dos elementos indicados anteriormente, quais


sejam, plurilateralidade, associatividade e colaboração.

um mesmo contrato pode pertencer, ao mesmo tempo, a várias categorias, e também que tal
classificação quase sempre é irrelevante do ponto de vista jurídico” (BULGARELLI Waldirio.
Contratos mercantis cit., p. 80).
241
Diante das características do contrato de consórcio, de escopo comum ou um causa associativa, tratar-
se-ia de um contrato de colaboração, em oposição aos contratos de interesses conflitantes. Contudo, na
visão de Junqueira, apoiada na opinião de Galgano, os contratos associativos, como o consórcio, não
gozariam de uma disciplina normativa específica, diferente da que se aplica aos contratos de troca:
“Uma classificação interessante, e que importa para o consórcio, é a que opõe os contratos de interesses
conflitantes, por exemplo, a troca e a compra e venda, e os de colaboração, ditos às vezes de escopo
comum ou com causa associativa. Se não se fizer confusão especialmente entre esses contratos de
colaboração e os ‘atos estatutários’, o que temos, na verdade, é que os ‘associativos’ são, em bom
português, os contratos cujo objeto é cooperação, ou parceria. Galgano afirma que a doutrina não logrou
identificar, entre as normas gerais dos contratos, aquelas inaplicáveis aos contratos com comunhão de
escopo, concluindo: ‘À doutrina do contrato com comunhão de esco po resta, assim, o único mérito de
ter sublinhado como o contrato, longe de exaurir a própria função na composição de interesses
contrastantes, também é instrumento idôneo para a realização de interesses comuns a diversos sujeitos.
Desaparece, contudo, a possibilidade de identificar o fenômeno associativo como um específico modo
de conformação da relação contratual: ele não apresenta, deste ponto de vista, elementos idôneos a
diferenciá-lo de qualquer outra espécie de contrato, nem postula disciplina normativa diversa daquela
aplicável aos chamados contratos de troca’ (op. cit., p. 175; grifos nossos)” (AZEVEDO, Antonio
Junqueira de. Natureza jurídica do contrato de consórcio cit., p. 6).
242
Sobre a suposta demanda dos contratos plurilaterais por um regime jurídico diverso do aplicável aos
contratos bilaterais, Antonio Junqueira de Azevedo discorda, pontuando que isso decorreria, apenas, da
confirmação do princípio geral de não contaminação do útil pelo inútil; assim, os contratos plurilaterais
seriam regidos pela disciplina geral dos contratos: “Há, todavia, quem distinga os negócios jurídicos
bilaterais dos plurilaterais. De fato, o Código Civil italiano traz alguns dispositivos (arts. 1.420, 1.446,
1.459 e 1.466) que estabelecem que a nulidade, a anulabilidade, a resolução por inadimplemento e a
impossibilidade de prestação, se relacionadas somente a uma das partes do contrato plurilateral, não
produzirão efeitos em relação ao contrato como um todo, a menos que a participação do contratante em
questão deva ser considerada essencial, à luz das circunstâncias concretas. Na verdade, porém, essas
regras são meras confirmações do princípio geral de que o útil não é ‘contaminado’ pelo inútil, utile par
inutile non vitiatur, aplicado aqui aos casos específicos de nulidade parcial subjetiva (art. 1.420),
anulabilidade parcial subjetiva (art. 1.446), resolução parcial subjetiva (art. 1.459) e impossibilidade
parcial subjetiva (art. 1.466). Não são, pois, nada que possa pôr os contratos plurilaterais em uma classe
diversa da dos bilaterais. Daí que, segundo Santoro-Passarelli, ‘não há dúvida de que aos contratos
plurilaterais se aplica, quanto ao resto, a disciplina geral dos contratos’ (Dottrine generali del diritto
civile. 9. ed. reimp. Napoli: Jovene, 1997. p. 215)” (AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Natureza
jurídica do contrato de consórcio cit., p. 5).
83

2.1.1 Contrato plurilateral

Delineados alguns dos elementos essenciais à configuração do contrato de consórcio,


verificou-se que os contraentes estabelecem, entre si, direitos e obrigações recíprocos para a
persecução de um mesmo objetivo. Não há, ainda, restrição ao surgimento de mais de dois
polos contratuais; como inexiste contraposição, mas composição de interesses,243 o contrato
de consórcio pode ser formado por ilimitado número de partes ou posições contratuais, de
maneira diversa do que ocorre nos contratos de troca, por exemplo, marcadamente
bilaterais.244

Elementos como esses, em especial a existência de direitos e obrigações de cada parte


para com as demais245 e a comunhão de finalidade ou escopo,246-247 evidenciam, entre outras
características, a plurilateralidade definida por Tullio Ascarelli.248

Somem-se a isso outros aspectos relevantes que distinguem esse modelo contratual de
outros, como a possibilidade de sobrevida do contrato mesmo quando ocorre a sua extinção

243
“Uma classificação interessante, e que importa para o consórcio, é a que opõe os contratos de interesses
conflitantes, por exemplo, a troca e a compra e venda, e os de colaboração, ditos às vezes de escopo comum
ou com causa associativa” (AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Natureza jurídica do contrato de consórcio
cit., p. 115-137).
244
Ascarelli anota que os contratos plurilaterais são abertos; ou seja, admitem a entrada e a saída de partes, em
que isso abale ou modifique, necessariamente, o contrato celebrado – hipótese, segundo ele, inconcebível aos
contratos de permuta, por exemplo, em que há limitação a apenas duas partes (ASCARELLI, Tullio.
Problemas das Sociedades Anônimas e direito comparado cit., p. 411-412).
245
Ao analisar os direitos das partes em um contrato plurilateral, Ascarelli registra que eles se prendem ao
objetivo comum (encerrado pelo contrato plurilateral, enquanto contrato de escopo) e que seriam do mesmo
tipo, sem diferenças qualitativas, mas apenas quantitativas, eventualmente (Ibidem, p. 400).
246
Para Ascarelli, o escopo nos contratos plurilaterais constitui o elemento que unifica as várias adesões das
partes contratantes e “concorre para determinar o alcance dos direitos e deveres das partes. Ele se prende,
justamente, àquela atividade ulterior, a que o contrato plurilateral é destinado” (Ibidem, p. 395).
247
“Nos contratos, ao contrário, a gênese do regulamento de interesses necessariamente se estabelece por meio
do envolvimento de dois ou mais centros de interesses, cujas manifestações complementam-se para a
individuação dos efeitos jurídicos a serem perseguidos. Sob essa acepção ampla de bilateralidade se
encontram abrangidos também os negócios que se convencionou chamar de plurilaterais, eis que também
abrangidos na seara dos contratos, em clara distinção frente à estrutura dos negócios unilaterais. Trata-se de
categoria construída doutrinariamente para ressaltar a peculiaridade de contratos que envolvem diversos
centros de interesse reunidos na persecução de um objetivo comum, como nos contratos de sociedade. Tais
contratos possuem função instrumental, no sentido de organizar os interesses das várias partes para o
desenvolvimento de atividade ulterior. Assim, no tocante à sua formação, isso geraria traços normativos
próprios, como a abertura ao ingresso de outras partes no curso de sua execução, em um processo de
conclusão prolongado, bem como o fato de os vícios da declaração de vontade de uma das partes não
afetarem o contrato como um todo” (TEPEDINO, Gustavo; KONDER, Carlos Nelson; BANDEIRA, Paula
Greco. Fundamentos do direito civil – Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2020. v. 3. Disponível em:
https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530989927/. Acesso em: 8 jul. 2020. p. 5).
248
ASCARELLI, Tullio. Problemas das Sociedades Anônimas e direito comparado p. 387-424.
84

perante uma das partes, conforme observou Mariana Conti Craveiro249 e o seu caráter de
duração.250

Pontes de Miranda, ao tratar do tema, observou que, nos consórcios, as prestações são
plúrimas, o que distingue esse contrato daqueles bilaterais, os quais possuem, por sua vez,
correspectividade.251

Nos pactos bilaterais, como o contrato de compra e venda, também passíveis de


enquadramento como sinalagmáticos diretos, os interesses são contrapostos e as
prestações são recíprocas de tal modo que quando executadas, tendem a se equivaler, com
vistas à equalização daquela relação contratada. No caso dos consórcios, não: as
obrigações dos consorciados se complementam, e não se satisfazem umas nas outras, mas
no conjunto de todas as outras que formam o escopo associativo, revelando o sinalagma
indireto.252-253

249
“Como é cediço, o caráter plurilateral de um contrato é caracterizado pela possibilidade de sobrevida mesmo
diante de uma ruptura do vínculo com uma das partes e pela revisão de regras e obrigações vinculantes
àquele grupo, em vista de um escopo comum, e não de parte a parte, como sucede nos contratos bilaterais
sinalagmáticos” (CRAVEIRO, Mariana Conti. Contratos entre sócios. São Paulo: Quartier Latin, 2013, p.
135.)
250
Sobre a questão do prazo, Ascarelli pontua que esse aspecto, nos contratos plurilaterais, está associado “ao
momento até o qual deve perdurar a organização no seu conjunto”, razão pela qual tais contratos são de
execução continuada (ASCARELLI, Tullio. Problemas das Sociedades Anônimas e direito comparado p.
398-399).
251
“O consórcio tem por fito a apreciação coletiva dos interesses, ou do interesse. Substitui à atividade
individual, singular, a atividade uniforme. As prestações são plúrimas convergentes (bilaterais ou
plurilaterais), o que distingue o contrato de consórcio, mesmo de duas sociedades, dos contratos bilaterais,
que têm correspectividade” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado:
parte especial. t. L. Direito das obrigações: sociedades por ações cit., p. 238-239).
252
Ascarelli: “Nos contratos bilaterais, podemos identificar uma relação sinalagmática, enquanto a
obrigação de uma das partes dependa da existência de uma obrigação válida da parte contrária ou
enquanto a inexecução da obrigação de uma das partes autorize a não-execução da obrigação da parte
contrária. Ora, nos contratos plurilaterais, essa relação, em lugar de ter um caráter direto e imediato,
como nos contratos de permuta, adquire um caráter indireto e mediato; a invalidade ou inexecução das
obrigações de uma parte não exclui, só por si, a permanência do contrato entre as demais, a não ser
quando torne impossível a consecução do objetivo comum” (ASCARELLI, Tullio. Problemas das
Sociedades Anônimas e direito comparado p. 420).
253
Rafael Setoguti anota que, apesar da falta de correspectividade, considerando a existência de um fim comum,
diz-se que estaria presente nos contratos plurilaterais o sinalagma indireto e mediato, decorrente do fato de as
prestações (ainda que não se deem uma pela outra) são reunidas e dirigidas a um mesmo objetivo, de modo
que a prestação de uma contratante seria contraparte das prestações de todos os outros contratantes, e assim
sucessivamente (PEREIRA, Guilherme Setoguti Julio. Impugnação de deliberações de assembleia das S/A
cit., p. 51).
85

2.1.2 Contrato associativo

Para além da plurilateralidade indicada anteriormente, o contrato de consórcio tem sua


causa (ou função econômica) na associação254 de empresas com vistas ao alcance de um
objetivo comum. Diante dessa realidade, outra classificação importante, no estudo contratual,
propõe o enquadramento do consórcio como um contrato associativo,255-256 haja vista o seu
elemento central pressupor a existência de um escopo comum que fundamenta a aliança entre
partes.

Márcio Ferro Catapani anota que a teoria do contrato plurilateral não foi suficiente
para concluir a evolução do contratualismo, como vínculo jurídico que explica as bases das
corporações, razão pela qual se afigurou necessária a definição de uma teoria jurídica do
fenômeno associativo,257 que “diz respeito a um tipo específico de atividade: aquela exercida
em comum e dirigida a um certo resultado”.258 O contrato associativo seria, então, a forma
jurídica por meio de que o fenômeno associativo se manifesta.259

Assim, enquanto a classificação de contrato plurilateral, formulada por Ascarelli, seria


baseada mais em critérios formais, afigurou-se necessário distinguir os contratos a partir de
uma classificação funcional, do que resultou a contraposição, por Ferro-Luzzi, dos contratos
de escambo aos contratos associativos.260

São, portanto, classificações distintas, que partem de perspectivas também distintas.


Sob um aspecto mais formalístico, a classificação do consórcio como contrato plurilateral é

254
“Para o direito brasileiro, o instituto do consórcio é uma forma de associação entre empresas que se enquadra
nesse último modelo – vínculo contratual e manutenção da autonomia patrimonial das empresas envolvidas”
(VOLPATO, Marília Gabriela; COLLET, Aline. Consórcio de empresas: regime legal e riscos jurídicos cit.,
p. 372)
255
“Sua feição é, destarte, a de um contrato do tipo associativo, visando à colaboração, à cooperação entre
sociedades na gestão comum de um empreendimento específico, o qual cada uma delas, isoladamente, não
estaria apta a realizar” (CAMPINHO, Sergio. Curso de direito comercial: Sociedade Anônima cit., p. 447).
256
“Como já visto, o consórcio empresarial é formado a partir de um contrato entre as empresas consorciadas. É,
pois, um contrato associativo, já que duas ou mais sociedades se obrigam à realização de determinado
empreendimento ou negócio” (VOLPATO, Marília Gabriela; COLLET, Aline. Consórcio de empresas:
regime legal e riscos jurídicos. In: FRADERA, Véra Maria Jacob; ESTEVEZ, André Fernandes; RAMOS,
Ricardo Ehrensperger (coord.). Contratos empresariais. São Paulo: Saraiva, 2014. Disponível em:
https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788502214842/. Acesso em: 8 jul. 2020. p. 383).
257
CATAPANI, Márcio Ferro. Os contratos associativos. In: FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes
(coord.). Direito societário contemporâneo I. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 90-92.
258
Ibidem, p. 92.
259
Ibidem, p. 93.
260
Ibidem.
86

subsistente. Por outro lado, adotando-se viés funcional, é possível caracterizar o contrato
consorcial como do tipo associativo.261-262

Não são excludentes, já que partem de bases de análise distintas. É possível cumulá-
las para classificar os contratos de consórcio como plurilaterais e associativos. Aliás, o maior
exemplo dos contratos plurilaterais é o mesmo dos contratos associativos: a sociedade.263-264

Não há óbice a que se entenda o consórcio, cumulativamente, como contrato


plurilateral e associativo, portanto; são classificações que se somam a fim de indicar as
principais peculiaridades desse tipo contratual que ora se estuda.

Nesse sentido, conceituações propostas que encaram o consórcio como contrato do


tipo associativo, outras que registram a plurilateralidade da figura consorcial, não são opostas
ou contraditórias; mas complementares. Pode-se afirmar terem partido, apenas, de vieses
analíticos distintos.

2.1.3 Elemento da organização

O valor essencial do contrato associativo reside na criação de uma organização,265 cuja


constituição, modificação e extinção seriam os propósitos que informariam a celebração

261
“Segundo o entendimento difundido na Itália, “contratos associativos” é espécie do gênero dos contratos
plurilaterais, em razão do aspecto funcional e causal da comunhão de escopo (Sabetta 2009, p.14) 108. A
comunhão de propósitos é a própria razão de ser do contrato e pode ser perceptível em todos os seus
elementos: na origem, no desenvolvimento e nos resultados da relação, mantendo sempre a paridade ente os
participantes no concurso pela participação nos resultados. A identidade de escopo é, desta forma, uma
exigência funcionalística do contrato que chega a se confundir com a sua própria causa” (CAIXETA,
Deborah Batista. Contratos associativos: características e relevância para o direito concorrencial das
estruturas cit., p. 110-111).
262
“Dessa maneira, tem-se que uma nota característica dos contratos associativos é o fato de as partes
compartilharem os mesmos propósitos e estruturarem uma organização comum – ainda que possa ser em
nível inferior ao das sociedades – para o atendimento destes. É fácil compreender, portanto, porque a
doutrina portuguesa denomina os contratos associativos como contratos de organização17. No mesmo
sentido, Galgano (2004) sustenta que os contratos associativos são simultaneamente contratos plurilaterais
com comunhão de escopo e contratos de organização. O elemento organizativo é tão importante que o autor
chega a diferenciar consórcios, como exemplos de contratos associativos, de cartéis, precisamente porque os
primeiros dão vida a uma organização comum a quem compete coordenar a atividade econômica dos
consorciados e vigiar a sua execução” (FRAZÃO, Ana. Joint ventures contratuais cit., p. 196-197).
263
ASCARELLI, Tullio. Problemas das Sociedades Anônimas e direito comparado p. 398-399.
264
CATAPANI, Márcio Ferro. Os contratos associativos cit., p. 90-92.
265
“Os escopos almejados em contratos associativos, na maioria dos casos, não são atingidos de uma vez e
requerem que se crie uma organização para realizá-los. Frequentemente, essa organização é perene, por se
tratar de escopo que se prolonga no tempo através de atividade cotidiana e complexa, exigindo a
arregimentação de pessoas e bens. Daí a modalidade de contratos associativos de organização, em oposição
aos contratos associativos instantâneos ou de curto prazo. Portanto, os contratos associativos de organização
87

daquele tipo contratual.266 Assim, “[n]os contratos associativos, por sua vez, regula-se a
utilização de bens por uma coletividade organizada, para a consecução de uma determinada
atividade”.267

Catapani, citando Ferro-Luzi, aponta um conceito jurídico de organização como a


coordenação da influência recíproca entre atos, pressupondo a noção de atividade; mas
registra que há uma pluralidade de noções jurídicas acerca da organização.268-269

Ascarelli, ressaltando o caráter instrumental do contrato plurilateral, ao identificar que


o seu objeto não é, de certo modo, ensimesmado, fixa as bases para a compreensão de que
esse contrato projeta e regula a realização de uma atividade posterior; ou seja, o contrato
plurilateral serve como base de organização para que as partes contratantes possam
desenvolver uma atividade, não se esgotando as relações contratadas no âmbito do próprio
contrato, mas dali para fora.270

Veja-se, assim, que tanto na classificação dos contratos plurilaterais, quanto na dos
associativos, o elemento da organização apresenta relevância.271 E se revela, sem dúvidas, na
relação consorcial (que seria contrato plurilateral e associativo).

criam uma entidade perene, personificada ou não, que reúne ordenadamente pessoas e coisas dedicadas à
consecução do escopo comum. A organização das pessoas importa a adoção de uma estrutura hierárquica,
com a atribuição de funções de comando, de operação e de representação, que se relaciona com terceiros”
(LOBO, Carlos Augusto da Silveira. Contratos associativos – sociedade e consórcio cit., p. 3).
266
CATAPANI, Márcio Ferro. Os contratos associativos cit., p. 93-94.
267
Ibidem, p. 95, nota de rodapé 31.
268
Ibidem, p. 94.
269
Traz-nos uma concepção mais econômica do fenômeno Rachel Sztajn: “Organização parece ser o elemento
central, essencial, necessário porém não suficiente, para determinar a existência da empresa, porque gera o
aparato produtivo estável, estruturado por pessoas, bens e recursos, coordena os meios para atingir o
resultado visado. Tanto a organização de pessoas, centrada nas relações de trabalho subordinado, cuja
disciplina é a dos contratos de trabalho, quanto a organização dos meios patrimoniais (recursos e bens) para o
exercício de uma atividade estão presentes no desenho da empresa” (SZTAJN, Rachel. Teoria jurídica da
empresa cit., p. 97).
270
ASCARELLI, Tullio. Problemas das Sociedades Anônimas e direito comparado cit., p. 435.
271
“Além de serem contratos de comunhão de fim, os contratos associativos também apresentam a importante
característica de requererem algum tipo de organização comum entre as partes. Para entender esse aspecto
organizacional, é preciso destacar que os contratos associativos são igualmente contratos plurilaterais, até
porque a plurilateralidade é uma consequência do fato de não haver óbice a que determinada comunhão de
fins seja compartilhada por várias partes. Como se sabe, a teoria dos contratos plurilaterais foi difundida no
Brasil por Tullio Ascarelli (2001, p. 394-397), que também parte da premissa de que tais contratos,
caracterizados pela comunhão de comunhão de fim, são distintos dos contratos de permuta: enquanto estes
visam a uma distribuição de bens, aqueles visam a disciplinar a utilização dos bens a que se referem. Daí por
que, do ponto de vista da função econômica, os contratos plurilaterais são essencialmente contratos de
organização, o que os diferenciaria essencialmente dos contratos de permuta (ASCARELLI, 2001, p. 424)”
(FRAZÃO, Ana. Joint ventures contratuais cit., p. 195).
88

Essa organização no consórcio, contudo, opera-se internamente, na medida em que as


relações com terceiros são firmadas pelas consorciadas, e não por um ente que surgiria a partir
da relação consorcial, para atuação no plano jurídico.

Conforme pontuado por Rachel Sztajn, a respeito da tipicidade societária, o elemento


da organização assume importância jurídica por estabelecer conjunto de competências e,
assim, definir sistema de cargos e funções que possibilita a imputação da atividade e a
produção de efeitos, objetivando-se, desse modo, o aspecto organizativo e permitindo a
adoção de tal ideia “quer como forma de estrutura jurídico-societária da coletividade
organizada, quer como o sistema jurídico de funcionamento da sociedade”.272 Na opinião da
autora, a “organização leva à determinação da imputação, ou seja, à distinção entre cada
pessoa individualmente considerada e a própria organização, isto é, a sociedade”.273

Por outro lado, além de despersonalizado, o consórcio não encerra um centro de


imputação de interesses; não goza de patrimônio, nem tem capacidade de titularizar direitos e
obrigações ou, sequer, capacidade negocial.

Ao distinguir os contratos plurilaterais internos dos externos, Ascarelli indica que em


contratos como o de sociedade a execução do fim comum depende de as partes agirem
conjuntamente, com vistas a se relacionarem com terceiros, mediante a criação de nova
“empresa”, distante das dos sócios.274 Ele reconhece, no entanto, a possibilidade de existirem
contratos plurilaterais em que as partes, apesar de estarem vinculadas por um instrumento
definidor de seus direitos e obrigações, no âmbito daquela relação, não precisam atuar
conjuntamente para atingir o fim comum.275 Este último parece ser o caso do consórcio,
diante dos apontamos feitos sobre o instituto.

Em virtude de sua característica associativa, que gira em torno da necessidade de


realização de um escopo comum (o qual acaba se protraindo no tempo de forma contínua,
ainda que transitória), o contrato de consórcio pressupõe a criação de uma organização
interna – mesmo que não mediante a constituição de ente personificado. Essa organização
decorre do alinhamento e do ordenamento de funções e atribuições, entre as consorciadas,

272
SZTAJN, Rachel. Contrato de sociedade e formas societárias. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 37.
273
Ibidem.
274
O contrato externo “visa a constituição de uma organização destinada a entrar, como tal, em relação com
terceiros” (ASCARELLI, Tullio. Problemas das Sociedades Anônimas e direito comparado cit., p. 417).
275
Ibidem, p. 408-410.
89

para que o objetivo partilhado por elas (a realização do empreendimento) possa ser atingido –
algo que é inerente a contratos relacionais276 como o consórcio.277

Trata-se de uma estrutura organizativa mitigada, relativa, que pode ser mínima (ou
sequer existir de forma muito acentuada, consubstanciando-se na mera divisão de funções
entre as consorciadas), e que se opera internamente. Não se cria, de maneira obrigatória,
órgãos como há na sociedade,278 haja vista que inexiste, no consórcio, o surgimento de um
novo sujeito de direitos. Tratar-se-ia, então, de uma organização comum:

O consórcio pode aparentar ser como unidade distinta de organização social,


mas dele não nasce necessariamente nova organização produtiva, como
ocorre no contrato de sociedade; e se cria uma nova unidade de organização,
ela é segmento comum das empresas das sociedades consorciadas. [...] essa
unidade de produção não é empresa distinta, e sim segmento comum das
organizações consorciadas, semelhante a filial comum.279

A organização nem sempre depende de uma personificação (como na hipótese de


sociedades limitadas ou anônimas). Pode ser instituída mediante acerto contratual entre as
partes, por outra modalidade de contrato associativo, independentemente da constituição de
ente autônomo; basta a estruturação dessa separação e coordenação de funções e atribuições.
Veja-se, nesse sentido, comentário de Carlos Lobo:

Os escopos almejados em contratos associativos, na maioria dos casos, não


são atingidos de uma vez e requerem que se crie uma organização para
realizá-los. Frequentemente, essa organização é perene, por se tratar de

276
“Procurando adaptar essas idéias ao nosso mundo conceptual, o que se percebe é que há, no contrato
relacional, um contrato de duração e que exige fortemente colaboração. São relacionais todos os contratos
que, sendo de duração, têm por objeto colaboração (sociedade, parcerias etc.) e, ainda, os que, mesmo não
tendo por objeto a colaboração, exigem-na intensa para poder atingir os seus fins, como os de distribuição e
da franquia, já referidos. O consórcio, sendo de colaboração e de duração, não resta dúvida, é um contrato
relacional” (AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Natureza jurídica do contrato de consórcio cit., p. 7).
277
“Cooperation in relational contracts, wether intra or inter-firm, therefore rests on the presence, beyond the
contract, of organisational forms and institutional regulation of a certain kind. These institutional forms are
more or less rigid and operate to a large degree independently of the motivations and behavioural traits of the
economic actors themselves. Institutions and organisations are distinguishable from each other in terms of
degree of rigidity or permanence attached to them as sources of contractual governance” (DEAKIN, Simon;
WILKINSON, Frank. Contracts, cooperation and trust: the role of the institutional framework cit., p. 22).
Tradução livre: “cooperação em contratos relacionais, seja inter ou intra-empresarial, repousam, portanto, na
existência, além do próprio contrato, de formas organizacionais e de regulação institucional de algum tipo.
Essas formas institucionais são mais ou menos rígidas e operam em grande medida independentemente das
motivações e dos traços comportamentais dos agentes econômicos. Instituições e organizações são
distinguíveis, umas das outras, em termos de grau de rigidez ou permanência relacionadas a fontes de
governança contratual”.
278
“O consórcio não tem órgãos como a sociedade; tem mandatários e agentes de coordenação e de tomada de
decisões de interesse comum” (BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário cit., p. 540).
279
LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Direito das companhias cit., p. 1516-1517.
90

escopo que se prolonga no tempo através de atividade cotidiana e complexa,


exigindo a arregimentação de pessoas e bens. Daí a modalidade de contratos
associativos de organização, em oposição aos contratos associativos
instantâneos ou de curto prazo. Portanto, os contratos associativos de
organização criam uma entidade perene, personificada ou não, que reúne
ordenadamente pessoas e coisas dedicadas à consecução do escopo comum.
A organização das pessoas importa a adoção de uma estrutura hierárquica,
com a atribuição de funções de comando, de operação e de representação,
que se relaciona com terceiros.280

E é exatamente isso que ocorre em razão do contrato de consórcio: a estruturação de


uma organização comum, interna e desassociada de personificação;281-282 o que se coaduna
com as considerações expendidas a respeito da ausência de personalidade jurídica e
patrimônio no consórcio, que decorriam do surgimento de uma organização personificada (a
exemplo do que ocorre nas sociedades). A respeito, Ascarelli:

A possibilidade da constituição de um patrimônio separado e de uma pessoa


jurídica é, no entanto, obviamente limitada às hipóteses em que, com o
contrato, se constitui uma organização externa; fora destas, com efeito, a
constituição de um patrimônio separado ou de uma pessoa jurídica não tem
sentido. Se, de fato, não há nenhuma organização externa, se cada parte
continua entrando pessoalmente e, apenas quanto ao próprio interesse
individual, então, em relação com terceiros, é impossível falar em
patrimônio de débitos ou créditos dos que participam dele, pois tal distinção
concerne, justamente, às relações para com terceiros”.283

A organização eventualmente criada não faz com que o consórcio goze de


personalidade ou autonomia. Pode-se dizer, assim, que os seus efeitos seriam internos, a fim
regular as relações e o modo de funcionamento da cooperação.

O estudo promovido por Rachel Sztajn, com base inclusive nas conclusões de Ferro-
Luzzi, traz outra importante consideração a respeito da relação entre o aspecto organizativo
(como característico da tipicidade societária) e o aspecto patrimonial, que, de certo modo,

280
LOBO, Carlos Augusto da Silveira. Contratos associativos – sociedade e consórcio cit., p. 3.
281
“Dessa maneira, tem-se que uma nota característica dos contratos associativos é o fato de as partes
compartilharem os mesmos propósitos e estruturarem uma organização comum – ainda que possa ser em
nível inferior ao das sociedades – para o atendimento destes. É fácil compreender, portanto, porque a
doutrina portuguesa denomina os contratos associativos como contratos de organização17. No mesmo
sentido, Galgano (2004) sustenta que os contratos associativos são simultaneamente contratos plurilaterais
com comunhão de escopo e contratos de organização. O elemento organizativo é tão importante que o autor
chega a diferenciar consórcios, como exemplos de contratos associativos, de cartéis, precisamente porque os
primeiros dão vida a uma organização comum a quem compete coordenar a atividade econômica dos
consorciados e vigiar a sua execução” (FRAZÃO, Ana. Joint ventures contratuais cit., p. 196).
282
De acordo com Arnaldo Rizzardo, “[...] não tem o consórcio personalidade jurídica, externando-se a
organização através de um protocolo de compromissos e obrigações” (p. 583).
283
ASCARELLI, Tullio. Problemas das Sociedades Anônimas e direito comparado cit., p. 426-427.
91

confirma o exposto acima a respeito do consórcio. A autora sustenta que a organização não
atinge apenas as pessoas, mas também os bens aportados pelos sócios, os quais são destinados
ao exercício da atividade. Essa transferência, gerada pelo aporte, produziria efeitos tanto em
relação aos sócios, quanto em relação a terceiros. Tratar-se-ia, nesse caso, de um efeito
chamado de “relevo real”, conforme lição de Ferro-Luzzi: isto é, os atos de organização
teriam um efeito real,

porque a transferência à sociedade de bens pertencentes aos sócios obriga


não só o sócio transferente, mas também os demais sócios e os terceiros –
credores do sócio – que não poderão satisfazer suas pretensões sobre aqueles
bens. Entende-se que esse efeito acaba por impor a tipificação de certas
estruturas mais ou menos rígidas em sua forma, visando especialmente à
tutela de terceiros, agora os credores da sociedade que conhecem os bens a
ela pertencentes.284

Diante das características patrimoniais da figura consorcial ora delineadas, não parece
haver a geração do efeito de “relevo real”, o que corrobora com a ideia de o consórcio
encerrar, sim, uma espécie de organização, mas mitigada (ou interna), diversa do que ocorre
nas entidades societárias.

Apesar disso, Rachel Sztajn, no mesmo trabalho referenciado nos parágrafos


anteriores, e que foi publicado antes da edição do Código Civil, afirmou, sobre os consórcios
(os quais incluiu entre os grupos de coordenação), que sua estrutura organizacional “também
se assemelha à de sociedade de capitais, pois os eventuais órgãos grupais supra-societários
constituem forma de hetero-organicismo” e que o fundo consórtil estaria afetado ao
pagamento das despesas consorciais e, por consequência, subtraído das “pretensões de cada
um dos sócios e de seus credores particulares”.285

Pelas razões expostas neste item, a respeito do elemento da organização, e no item 1.6
do Capítulo 1, acerca do fundo consórtil (e da ausência de afetação, bem como
impossibilidade de caracterização como patrimônio autônomo), tenho percepção sobre o tema
diversa da apresentada pela ilustre autora.

284
SZTAJN, Rachel. Contrato de sociedade e formas societárias cit., p. 38-39.
285
Ibidem, p. 126-129.
92

2.2 Consórcio como tipo societário

Viu-se que o contrato de consórcio se enquadra nos arquétipos dos contratos


plurilaterais e associativos e que ambas as classificações têm na sociedade o seu maior
exemplo.286 Diante disso e, sobretudo, do fato de a exposição de motivos da LSA ter rotulado
o contrato de consórcio como espécie de sociedade não personificada, cumpre aproximar ou
afastar a figura consorcial da societária, para fins de verificação da eventual aplicabilidade
supletiva do regime das sociedades aos contratos de consórcio – especialmente no que toca à
dissolução, considerando que o regime jurídico principal das relações consorciais, estatuído
pela LSA, é omisso a respeito.

Deixado de lado o aspecto da personalidade jurídica – que inexiste no consórcio e,


caso existisse, motivaria comentários a respeito de tipos societários personificados (como
sociedades simples, limitadas e anônimas) –, deve-se consignar que o Código Civil regulou
duas modalidades de sociedades sem personalidade jurídica: a sociedade em comum; e a
sociedade em conta de participação. Assim, o consórcio poderia ser compreendido, no caso de
se enquadrar como tipo societário, como hipótese de uma dessas modalidades societárias
despersonalizadas ou, então, como uma terceira modalidade, também de sociedade
despersonificada.

2.2.1 A sociedade

De qualquer modo, é imperioso identificar o núcleo da sociedade, os elementos que


estão presentes em todo e qualquer tipo societário, a fim de se atestar ou rechaçar a pecha de
sociedade ao contrato de consórcio.

O art. 981 do Código Civil dispõe que “[c]elebram contrato de sociedade as pessoas
que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de
atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”.287

286
LOBO, Carlos Augusto da Silveira. Contratos associativos – sociedade e consórcio cit., p. 1.
287
“Apesar de críticas que se possam fazer à teoria do contrato plurilateral, ou a outras concepções
contratualistas, a legislação brasileira, ao menos nominalmente, sempre tendeu a considerar a sociedade
como um contrato” (CATAPANI, Márcio Ferro. Os contratos associativos cit., p. 90).
93

A definição legal, no ordenamento brasileiro, de sociedade se sustenta nesses


elementos centrais: estabelecimento de direitos e obrigações recíprocos, mediante o
compromisso de conjugação de esforços e recursos, para o exercício de uma atividade – que
encerra uma comunhão de objeto – e a divisão dos resultados (positivos ou negativos) obtidos
a partir da execução do objeto pela nova entidade (personalizada ou não), surgida a partir do
contrato firmado entre as partes.

À primeira vista, poder-se ia, de imediato, reconhecer o consórcio nesse conjunto de


características. Contudo, existem sutilezas que merecem ser destacadas.

Primeiramente, no consórcio, as consorciadas não contribuem288 com bens ou serviços


para formação de capital social ou, mais adiante, de patrimônio. Conforme reconhecido pela
própria legislação, as sociedades consorciadas mantêm suas autonomias patrimoniais; e a
comunhão de recursos ou bens, para fins de desenvolvimento do empreendimento comum,
não provoca transferência de titularidade, que dê origem à formação de patrimônio (a ser
titularizado pelo consórcio, como no caso da sociedade). Afinal, o consórcio não é sujeito de
direitos.

288
“A fórmula ‘combinar esforços e recursos’ contém dois elementos que servem para distinguir o conceito de
sociedade no Código de 1916 e no de 2002: (a) ‘combinar’ não significa que a contribuição dos sócios deva
necessariamente ser transferida para um fundo social comum, podendo manter-se na esfera jurídica dos
sócios; (b) ‘esforços e recursos’ é a mais lata expressão para designar a colaboração dos sócios, que
compreende até a participação desinteressada em atividades pias e caritativas. Ao utilizar a expressão
‘contribuir com bens e serviços’ o art. 981 do CC/2002 limitou substancialmente a fórmula adotada pelo art.
1.363 do CC/1916, para definir com maior precisão o contrato de sociedade, distinguindo-o da generalidade
dos contratos associativos. O verbo ‘contribuir’ vem do latim contribuere, que, por sua vez, resulta da
aposição do prefixo con ao verbo tribuere. O prefixo é por todos conhecido: dá a ideia de ação praticada em
conjunto com outras pessoas ou de vários atos da mesma natureza praticados em concerto, cada um por uma
pessoa. O verbo tribuere significa ‘imputar’, ‘dar’. Na língua portuguesa, o radical ‘tribuir’, derivado de
tribuere, produziu vários verbos, como ‘atribuir’, ‘distribuir’, ‘retribuir’ e ‘contribuir’. Do particípio passado
do verbo tribuere, adveio ‘tributo’, que significa o que é dado a alguém mais poderoso, por lhe ser devido.
Portanto, ‘contribuir com bens e serviços’ é uma fórmula muito mais estreita e específica do que ‘combinar
esforços e recursos’: confere precisão à definição de contrato de sociedade: colocando-o no seu devido lugar
de espécie de contrato associativo. Ao contribuir com bens e serviços os sócios estão combinando esforços e
recursos; entretanto, a recíproca não é verdadeira: a combinação de esforços e recursos não importa
necessariamente em contribuição com bens e serviços. A expressão ‘contribuir com bens e serviços’ traz à
baila o fato de que, na sociedade, forma-se um fundo, constituído pelas prestações dos sócios, que é o
instrumento básico da atividade econômica a ser exercida. O fundo é a consequência natural da reunião das
contribuições. Encerra-se este capítulo com a observação de que o Código Comercial tinha a contribuição dos
sócios para o fundo social como elemento essencial do contrato de sociedade. A concepção larga do art.
1.363 do CC/1916, a rigor, nunca se aplicou às sociedades comerciais, que continuaram a reger-se pelo
estatuído nas leis comerciais, por determinação do § 2º do art. 16 do CC/1916. Portanto, em se tratando de
sociedade comercial, a contribuição dos sócios para o fundo social continuou a ser da essência, embora a
amplidão dos termos do art. 1.363 se aplicasse na definição dos demais negócios associativos, que o Código,
de modo equívoco, também denominava sociedade” (LOBO, Carlos Augusto da Silveira. Contratos
associativos – sociedade e consórcio cit., p. 5-6).
94

No contrato consorcial, também não se verifica comunhão de objeto, mas de objetivos.


A LSA até se utiliza da expressão “objeto” do consórcio, mas isso não significa a
convergência dos objetos de cada uma das consorciadas para constituição de um objeto único,
novo, titularizado e perseguido pelo consórcio, enquanto sujeito de direitos.

Os objetos das sociedades consorciadas permanecem intactos e elas passam a partilhar,


então, um objetivo comum: a realização do empreendimento que deu ensejo à contratação do
consórcio.

Registre-se que as atuações das consorciadas são independentes, apesar de


concertadas, e feitas de forma individual por cada uma delas; algo que não ocorre na
sociedade, a qual, esta sim, é a responsável por substituir os seus sócios e, como entidade
resultante da comunhão de seus contratantes, realizar, em seu nome e por si, o objeto para o
qual foi constituída. Na hipótese do consórcio, há, tão somente, confluência de objetivos. Não
se verifica, portanto, a criação de um centro de imputação distinto, autônomo.

O consórcio é uma confluência de objetivos, uma coordenação de atividades, uma


organização de cooperação interempresarial; uma relação de mutualismo.

As sociedades, por seu turno, são “centro de imputação subjetiva distinto dos seus
sócios. A sociedade, ainda que sem personalidade jurídica, entre outras características, detém
patrimônio próprio e pode figurar em negócios jurídicos”.289

Conforme bem anotado por Rodrigo Tellechea,

a maior peculiaridade do contrato de sociedade está na existência de um


escopo comum entre os indivíduos que compõem essa relação jurídica, cuja
orientação é tão profunda que direciona a vontade singular das partes e
condiciona, como regra, a prevalência da vontade coletiva sobre a individual.
O fenômeno traduz-se em uma relação entre uma comunidade de indivíduos
e o indivíduo propriamente dito, atribuindo-se à coletividade, como ente
próprio, uma espécie de poder de vincular os demais membros nas situações
em que prevalece o interesse comum.290

Isso, entre outras consequências, permite a afirmação de que a sociedade possui


resultados. O consórcio, não. O resultado auferido é sempre das consorciadas, diretamente, na

289
FERES, Marcelo Andrade. Sociedade em comum – Disciplina jurídica e institutos afins. São Paulo: Saraiva,
2011. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788502140172/. Acesso em: 8 jul.
2020, p. 49.
290
TELLECHEA, Rodrigo. Autonomia privada no direito societário. São Paulo: Quartier Latin, 2016., p. 47.
95

medida dos percentuais de repartição contratados.291 E essa constatação afasta outro elemento
indicado pelo art. 981 para configuração do contrato de sociedade.

A despeito das constatações supra, parte relevante da doutrina já se manifestou pela


caracterização do consórcio como tipo societário.

Egberto Lacerda Teixeira e José Alexandre Tavares Guerreiro,292 Agnes Pinto


Borges,293 acompanhados por outros autores em trabalhos posteriores, como João Luiz
Coelho da Rocha294 e Fabiana Carsoni,295 adotaram tal posição. Parece-me, contudo, que se
apegaram demasiadamente à exposição de motivos da Lei das S.A.

Por outro lado, sustentando que o contrato de consórcio não é, de fato, tipo de
sociedade, autores como Fábio Comparato,296 Nelson Eizirik,297 Mauro Penteado,298 Lamy
Filho e Bulhões Pedreira,299 Carlos Lobo,300 José da Silva Pacheco,301 entre outros juristas de

291
“Veja-se o que se dá com os consórcios de sociedades; embora não sejam organizados para exercício em
comum de atividade econômica, já que cada consorciado continua a exercer individualmente (uti singulus)
sua atividade, nem se pretenda partilhar os resultados do negócio, é certo que os ganhos pecuniários das
sociedades consorciadas resultam do esforço individual de cada consorciado para o resultado do negócio ou
da atividade “comum”, aquela prevista no instrumento de constituição do consórcio. Galgano afirma que a
disciplina dos consórcios aproxima-se daquela prevista para as associações não reconhecidas como
sociedades,8 e essa é a mesma argumentação de Carrabba, que centra seu argumento no art. 17 do codice
civile, determinando congruência entre atividade econômica e finalidade da associação” (SZTAJN, Rachel.
Teoria jurídica da empresa cit., p. 58).
292
TEIXEIRA, Egberto Lacerda; GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Das Sociedades Anônimas no direito
brasileiro cit., p. 796-798.
293
De acordo com Agnes Pinto Borges, o consórcio, em conjunto com as sociedades em conta de participação,
seria uma forma societária de parceria empresarial (Parceria empresarial no direito brasileiro. São Paulo:
Saraiva, 2004).
294
ROCHA, João Luiz Coelho da. Conta de participação, consórcio e parceria – formas associativas não
personalizadas. Revista de Direito Mercantil, n. 105, 39-40.
295
SILVA, Fabiana Carsoni Alves Fernandes da. Consórcios de empresas: aspectos jurídicos relevantes cit., p.
64-65.
296
“Espero, igualmente, não venha a prevalecer entre os intérpretes o conceito, expresso na ‘exposição de
motivos’ do Projeto, de que o consórcio por ele regulado é uma ‘modalidade de sociedade não personificada’.
Estariam, com isto, excluídos automaticamente da disciplina legal os agrupamentos empresariais, cujo objeto
não é a produção e partilha de lucros entre os seus membros” (COMPARATO, Fábio Konder. Novos ensaios
e pareceres de direito empresarial cit., p. 234).
297
“Ainda que a Exposição de Motivos o conceitue como ‘modalidade de sociedade não personificada’, a
estrutura do instituto, tal como disciplinado na Lei das S.A., é inequivocamente a de um contrato do tipo
associativo, não de uma sociedade” (EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A comentada: arts. 206 a 300 cit., p. 469).
298
“A análise detida no texto legal, que estamos a encerrar, demonstrou que, tal como estão redigidos, os arts.
278 e 279 da nova lei das sociedades por ações estruturam um instituto que não se contém nas lindes
geralmente reconhecidas às sociedades” (PENTEADO, Mauro Rodrigues. Consórcios de empresas cit., p.
160).
299
“O consórcio pode aparentar ser como unidade distinta de organização social, mas dele não nasce
necessariamente nova organização produtiva, como ocorre no contrato de sociedade; e se cria uma nova
unidade de organização, ela é segmento comum das empresas das sociedades consorciadas. [...] essa unidade
96

renome, apresentaram justificativas relevantes para o afastamento da figura consorcial da


classificação como sociedade sem personalidade.302

Inclusive, Carlos Augusto da Silveira Lobo, com foco na peculiaridade do regime de


colaboração empresarial que deriva do contrato de consórcio, resumiu da seguinte forma o
núcleo distintivo entre sociedade e a figura consorcial:

Então, onde está o elemento de distinção entre a sociedade e o consórcio? A


diferença está no regime de colaboração entre as partes para atingir o
objetivo comum. Como nota Astolfi, trata-se de dois fenômenos contratuais
bem diversos, que requerem diferentes disciplinas das relações entre os
participantes, apesar de ambos serem voltados à satisfação de um interesse
comum das partes. No consórcio, cada uma executa de modo autônomo a
atividade que lhe compete; na sociedade, as contribuições dos sócios formam
o fundo social, que será o instrumento de as partes exercerem em comunhão
a atividade econômica prevista no contrato social.303

De maneira diversa do que ocorre nas sociedades, o consórcio não dá origem a uma
nova organização produtiva, com a criação de novo ente que passa a exercer um objeto social
em substituição aos seus membros; a relação consorcial pressupõe atuação coordenada das
suas partes, diretamente, que detêm funções e responsabilidades próprias, ainda que possam

de produção não é empresa distinta, e sim segmento comum das organizações consorciadas, semelhante a
filial comum” (LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Direito das companhias cit., p.
1516-1517).
300
“Essa perda do conteúdo genérico da definição de contrato de sociedade resultou em que a sociedade passou
a ser uma espécie de negócio associativo e o consórcio foi guindado de sua condição de subespécie para a de
espécie de contrato associativo, ombro a ombro com a sociedade. Daí tornar-se incorreto, na vigência do
Código Civil de 2002, o entendimento, antes procedente, de que o consórcio é modalidade de sociedade sem
personalidade jurídica. Na sociedade, os sócios contribuem para um fundo comum destinado ao exercício de
atividade econômica e partilha dos resultados, enquanto, no consórcio, cada consorciada executa atividade
econômica em separado, embora visando a uma finalidade comum. Por ser o consórcio um tipo contratual
diverso da sociedade, não é possível considerá-lo sociedade em comum, se lhe faltar registro na junta
comercial” (LOBO, Carlos Augusto da Silveira. Contratos associativos – sociedade e consórcio cit., p. 11).
301
“Agora, com a edição das novas regras da Lei n. 6.404/76, embora muito genéricas, tem-se contrato
nominado de consórcio entre sociedades. Não se confunde com sociedade cooperativa, em que a atividade é
dela e não das sociedades associadas, ao passo que, no consórcio, a atuação é de todas as sociedades
consorciadas, visando um objetivo ou resultado comum. Não é sociedade em conta de participação nem tão
pouco sociedade solidária [...]” (PACHECO, José da Silva. Tratado de direito empresarial: Sociedades
Anônimas e valores mobiliários. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 533).
302
“Embora o consórcio se assemelhe à sociedade empresária em diversos aspectos, com ela não se confunde:
na sociedade, a causa de sua constituição é o exercício de determinada atividade por ente distinto do sócio,
dotado de personalidade jurídica e capaz de direitos e obrigações; já no consórcio, a atividade é exercida
diretamente pelas partes consorciadas, as quais assumem direitos e obrigações em nome próprio, nos termos
do contrato. Ademais, o consórcio constitui uma alternativa mais flexível do que a sociedade; quando 2
(duas) ou mais empresas desejam levar adiante, em conjunto, determinado empreendimento, o consórcio
pode ser mais adequado do que a constituição de uma nova sociedade” (EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A
comentada: arts. 206 a 300 cit., p. 471).
303
LOBO, Carlos Augusto da Silveira. Contratos associativos – sociedade e consórcio cit., p. 8.
97

indicar uma administração ou uma consorciada-líder para organizar esse sistema de


coordenação e, eventualmente, representá-las (nunca presentá-las)304 – algo que encerraria
uma organização comum e interna, conforme explicado antes.

A falta de criação de um novo sujeito de direito, ainda que despersonalizado, é


elemento fundamental na distinção entre consórcio e sociedade. Nas palavras de Alfredo
Assis Gonçalves Neto,

a sociedade é um negócio jurídico que tem por propósito criar um novo


sujeito de direito, distinto das pessoas (ou da pessoa) que o ajustam, capaz de
direito e de obrigações na ordem civil, para facilitar o intercâmbio no mundo
do direito, interpondo-se entre seus criadores (ou seu criador) e terceiros na
realização de negócios.305

O consórcio não dá ensejo a um novo sujeito de direito, mas a mera organização


comum, encerrada por um sistema colaborativo. Desse modo, não há que se falar em
sociedade.306 Aliás, diante dos tipos societários já existentes e regulados no ordenamento
pátrio, caso quisessem as partes, de fato, contratar sociedade, poderiam se servir de institutos
que já são oferecidos pela legislação, atraindo, então, o regime jurídico peculiar, em vez de se
pactuar a relação consorcial, cujo regime jurídico é diverso. Nesse mister, Rubens Requião:

[a] lei deu guarida ao consórcio sem personificação jurídica. E fez bem,
agindo assim. Temos para nós que se diversas sociedades conjugarem seus
objetivos, para formar uma organização com personalidade jurídica,
desnaturariam o consórcio, formando nada mais do que uma nova sociedade.
Nada impede que sociedades comerciais se reúnam, como sócias, para
constituir uma nova sociedade com personalidade jurídica. A disciplina
desta, evidentemente, não será o consórcio, mas sim o estatuto da sociedade

304
“Em vista da divergência existente em doutrina, nosso entendimento é de que o consórcio regulado pela Lei
n. 6.404/1976 não é uma sociedade – segundo definição do art. 981 do Código Civil. Isso porque as
consorciadas não se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de atividade econômica. Há,
isso sim, o comprometimento de sociedades para uma ação conjunta e coordenada, com vistas à execução de
determinado investimento.27 Trata-se, em realidade, de contrato associativo, no qual duas ou mais
sociedades obrigam-se a executar empreendimento ou negócio determinado. Como bem refere Ary Azevedo
Neto, “dele não nasce necessariamente nova organização produtiva, como ocorre no contrato de sociedade
[...], é segmento comum das empresas das sociedades consorciadas” (TEIXEIRA, Guilherme Puchalski. Do
consórcio entre sociedades: arts. 278 e 279 da Lei n. 6.404/1976 cit., p. 76).
305
GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentários aos arts. 966 a 1.195 do Código
Civil cit., p. 154.
306
“O propósito de criar novo sujeito de direito é essencial; sem ele não há sociedade. Como sujeito de direito,
dotado ou não de personalidade jurídica, a sociedade passa a ter, em maior ou menor grau, patrimônio e
vontade próprios, distintos das partes que a constituem. Trata-se de particularidade marcante da sociedade,
que a isola dos demais negócios jurídicos, principalmente daqueles que, sem obter tal resultado, buscam,
como a sociedade, a reunião de recursos ou esforços para a realização de empreendimento comum, como é o
caso dos consórcios, dos grupos de sociedade, dos ajustes de participação e assim por diante” (Ibidem, p.
154-155).
98

comercial que lhe der forma. Resultaria, assim, uma nova sociedade e não
um consórcio de sociedades.307

Existe, ainda, um argumento de revestimento formal, calcado na tipicidade societária,


mas que não deixa de ser válido.

O Código Civil, como lei geral em matéria de sociedades (dado que regula ou indica a
regulação aplicável às entidades societárias no ordenamento brasileiro), delimitou quais são
os tipos de sociedade existentes no ordenamento brasileiro: simples; em nome coletivo; em
comandita simples e por ações; limitada; anônima; cooperativa; em comum; e em conta de
participação. Veja-se que o consórcio não figura nessa lista.308-309

Rememore-se que a Lei das S.A., reguladora da figura consorcial, é posterior à edição
do Código Civil e, ainda, reveste-se como lei especial.310 Não houve derrogação ou alteração
do rol de sociedades, em função da edição da LSA e da criação da figura do consórcio, o que
não permitiria, sob o aspecto formal, defender que o consórcio seria um tipo de sociedade não
personificada.

Sob esses viés mais formalista, restaria, portanto, enquadrar o consórcio como uma
das duas modalidades de sociedade não personificada – inobstante já se ter exposto,
parágrafos antes, que o consórcio não reúne os elementos essenciais para a configuração de
um tipo societário.

2.2.2 Sociedade em comum

Sem maiores delongas, porque desnecessárias, diga-se que a sociedade em comum


está vinculada a uma conotação de irregularidade, o que afasta a sua aproximação dos

307
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial cit., p. 311.
308
Guerreiro anota que os caracteres contratual típico e convencional do consórcio são inquestionáveis,
afirmando, ainda, a impossibilidade de reconhecer-lhe como sociedade, dada a tipicidade estatuída pelo art.
983 do CC (no qual não está previsto o consórcio), ainda que se possa aproximá-lo dos requisitos previstos
no art. 981 do mesmo Código (GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Regime jurídico do consórcio. O
Código Civil e a Lei das Sociedades por Ações cit., p. 203).
309
“Os tipos societários são numerus clausus e os particulares podem, tão somente, eleger um deles para
explorar a atividade econômica desejada, havendo, portanto, pouco espaço para as manifestações criativas
quando o assunto é a criação de novos tipos societários. Deve-se, portanto, respeitar o princípio da tipicidade
societária, previsto, no Código Civil, no art. 983” (SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luis Felipe.
Sociedade em conta de participação. São Paulo: Quartier Latin, 2014. p. 203).
310
Código Civil: “Art. 1.089. A sociedade anônima rege-se por lei especial, aplicando-se-lhe, nos casos omissos,
as disposições deste Código”.
99

consórcios em virtude de que estes dependem, para serem validamente constituídos, de


registro público.311

Já se pôde expor que existe sociedade em comum quando (i) as partes constituíram, de
fato, uma sociedade, mas esta não fora consubstanciada em instrumento escrito e devidamente
arquivado; e (ii) as partes contrataram a sociedade, em atenção a determinado tipo societário
previsto no ordenamento, e por meio de instrumento inscrito, mas ainda não promoveram o
registro exigido.

A sociedade em comum revela caráter de transitoriedade ou de informalidade. Em


qualquer caso, entretanto, há sociedade contratada entre as partes, o que não se confunde com
a situação do consórcio, que é um outro tipo de contrato associativo, desprovido de
personalidade jurídica e cujo registro é exigido não para fins de personificação, mas como
fator de eficácia externa (perante terceiros).

2.2.3 Sociedade em conta de participação

Já a sociedade em conta em participação, além do seu caráter oculto (desnecessidade


de registro ou publicidade do contrato), pressupõe a atuação por um dos sócios, o ostensivo,
apenas, ocorrendo oclusão do outro sócio (participante), que não fica incumbido de exercer a
atividade objeto da SCP;312-313 algo que, também por essência, não se assemelha ao consórcio,

311
“O consórcio não se confunde com a sociedade de fato, ou irregular, de que tratava o revogado art. 305 do
Código Comercial. Configura-se a sociedade de fato pela promiscuidade das relações mercantis e negociação
indiscriminada entre pessoas. Desde a promulgação da vigente Lei das S.A. distinguiu-se o consórcio das
sociedades de fato, já que se passou a exigir o arquivamento de seu contrato constitutivo no Registro Público
de Empresas Mercantis” (EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A comentada: arts. 206 a 300 cit., p. 471).
312
“Apesar dessa natureza de contrato associativo, o consórcio não se confunde com a sociedade em conta de
participação, embora possua com ela afinidade. A sociedade em conta de participação, a despeito de ter sido
incluída pelo Código Civil no rol das sociedades não personificadas, não é, tecnicamente falando, uma
sociedade, mas sim um contrato associativo ou de participação (cf. nossa posição aprofundada sobre o
assunto em Curso de direito comercial: direito de empresa, p. 85-86). Mas, na conta de participação, as
atividades objeto do contrato, ao contrário do contrato de consórcio, serão exercidas unicamente pelo sócio
ostensivo, em seu nome individual e sob a sua própria e exclusiva responsabilidade. O sócio oculto ou
participante, geralmente prestador de capital, tem por escopo a participação nos resultados da exploração do
objeto, sem, contudo, assumir riscos pelo insucesso do empreendimento junto a terceiros” (CAMPINHO,
Sergio. Curso de direito comercial: Sociedade Anônima cit., nota de rodapé 22, p. 447).
313
“Como se sabe, há mais sujeitos de direitos do que pessoas no mundo jurídico, pois existem entidades não
personificadas com certo grau de subjetivação, como, por exemplo, o condomínio, a massa falida e o espólio,
os quais possuem capacidade negocial (possibilidade de contratar) e capacidade processual (possibilidade de
estarem em juízo), porém não se pode dizer que possuem personalidade jurídica e, portanto, patrimônio
autônomo. Assim, não é exatamente pela falta de personalidade jurídica que a SCP carece de capacidade
negocial. Como efeito, a conta de participação não possui capacidade de titularizar obrigações simplesmente
porque não precisa, uma vez que os sócios se valem da personalidade do ostensivo para atuar no mundo
100

no qual todas as consorciadas assumem obrigações e atuam, de forma concertada, para


satisfação do escopo comum.314

Isso tudo além da ausência de patrimônio especial (ou qualquer outro tipo de
patrimônio) no caso do consórcio: elemento presente tanto na sociedade em comum, quanto
na sociedade em conta de participação.

O contrato de consórcio não seria, por conseguinte, um novo tipo de sociedade não
personificada, ou sequer um exemplo de alguma das sociedades despersonalizadas (em
comum ou em conta de participação). Seria um contrato plurilateral, associativo, diverso.315
Então, porque a exposição de motivos atribuiu à figura consorcial esse enquadramento?

Nem o texto da LSA, tampouco o de sua motivação, fornecem elementos suficientes


para oferecer uma resposta segura; isto é, se decorreu de uma compreensão fundamentada ou,
simplesmente, de uma imprecisão despreocupada.

Mas o regramento societário, vigente à época da edição da LSA, parece colocar um


pouco de luz sobre o questionamento.

De acordo com Carlos Lobo,316 a definição de sociedade no Código Civil de 1916


(diploma em vigor quando da promulgação da Lei das Sociedades Anônimas, que data de
1976 – lembrando-se que o novo Código Civil fora editado em 2002) era ampla o suficiente
para abarcar todo e qualquer tipo de contrato associativo:

Art. 1.363 do CC/1916: Celebram contrato de sociedade as pessoas que


mutuamente se obrigam a combinar seus esforços ou recursos, para lograr
fins comuns.

jurídico. A SCP é ineficaz perante terceiros e não possui qualquer grau de subjetivação. No mundo exterior,
todos os atos são praticados pelo sócio ostensivo em seu próprio nome. Em outras palavras, a conta de
participação depende do sócio ostensivo para adquirir direitos e para contrair obrigações no mundo jurídico,
sendo este último quem contrata com fornecedores, trabalhadores e consumidores, por exemplo, ou quem é
sujeito passivo em uma relação tributária oriunda de um fato gerador ocorrido no exercício da atividade
prevista no objeto social da conta de participação” (SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luis Felipe.
Sociedade em conta de participação cit., p. 95-96).
314
“Também não se confunde o consórcio com a sociedade em conta de participação, ainda que ambos
originem-se de um contrato e sejam desprovidos de personalidade jurídica. [...] na sociedade em conta de
participação, as atividades são exercidas unicamente pelo sócio ostensivo, com a utilização dos recursos
aportados pelo sócio oculto” (EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A comentada: arts. 206 a 300 cit., p. 472).
315
Mauro Penteado anota que a natureza jurídica do consórcio é de contrato plurilateral, e não de sociedade (não
personificada, na forma da exposição de motivos da Lei das S.A.) ou associação (diante da possibilidade ou
não de perseguir lucro) (PENTEADO, Mauro Rodrigues. Consórcios de empresas cit., p. 160-161).
316
Contratos associativos – sociedade e consórcio cit.
101

Art. 981 do CC/02: Celebram contrato de sociedade as pessoas que


reciprocamente se obrigam a contribuir com bens e serviços, para o exercício
de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.

Por esse motivo, quando da edição da Lei das S.A. em 1976 (e, por consequência, da
regulamentação do consórcio), fazia sentido a classificação da relação consorcial como
sociedade não personificada, já que ainda sob a vigência do Código Civil anterior, em que
constava esse conceito mais amplo de sociedade:

O art. 1.363 do CC/1916 desenhou para o contrato de sociedade um tipo


legal tão amplo, que servia para definir todo o gênero do que hoje se entende
por contratos associativos. No conceito de sociedade compreendia-se toda a
gama de negócios associativos, inclusive as associações civis. Assim, na
vigência do Código Civil de 1916, era correto classificar o consórcio como
sociedade não personificada. Assim o faziam a Exposição de Motivos do
Projeto da Lei de Sociedades por Ações, que é de 1976, e, entre outros, o
autorizadíssimo Leães, em parecer proferido na vigência do Código
anterior.317

Ainda que coerente – e, a meu ver, subsistente – essa constatação não modifica as
bases dos raciocínios desenvolvidos até aqui, pois, independentemente do inserto na
exposição da motivos da LSA e das razões que levaram a tanto, inexiste dispositivo legal que
classifique o contrato de consórcio como tipo societário (relembre-se, a exposição de motivos
não é texto normativo), bem como os elementos necessários para a caracterização da figura
consorcial como sociedade (despersonificada) não estão presentes.

Por outro lado, enquanto fenômeno de agrupamento de empresas – e até mesmo


quando considerada a posição do regramento do consórcio na LSA –, o consórcio talvez se
aproximasse do grupo de sociedades, também regulamentado pela legislação societária.

2.3 Consórcio como grupo de sociedades

Assim como os consórcios, os grupos de sociedades são tidos, pela exposição de


motivos da LSA, como modelo de sociedade não personificada.

Nos termos do art. 265 da LSA, “[a] sociedade controladora e suas controladas podem
constituir, nos termos deste Capítulo, grupo de sociedades, mediante convenção pela qual se

317
LOBO, Carlos Augusto da Silveira. Contratos associativos – sociedade e consórcio cit., p. 4.
102

obriguem a combinar recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetos, ou a


participar de atividades ou empreendimentos comuns”.

Igualmente não fora atribuído ao grupo societário personalidade jurídica, na medida


em que o texto do art. 266 prescreve as conservações, por cada sociedade participante do
grupo, de suas respectivas personalidades jurídicas e patrimônio, bem como a exposição de
motivos consigna que “o grupo são sociedades associadas a caminho da integração, que se
opera mediante incorporação ou fusão; mas, até lá, as sociedades grupadas conservam a sua
personalidade jurídica, e podem voltar à plenitude da vida societária, desligando-se do
grupo”.318

O art. 265 complementa, no seu § 1º, que a relação entre a sociedade de comando do
grupo e as sociedades filiadas deve ser de controle direto ou indireto, por meio da titularidade
de direitos de sócio ou acordo parassocial.

É evidente, nesse sentido, que os grupos de sociedades regulados na LSA pressupõem


a existência de vínculos societários entre as participantes; aliás, não de qualquer vínculo, mas
de controle.319

Essa necessidade não existe para o consórcio, que, enquanto instrumento de


colaboração interempresarial, pode ser celebrado entre quaisquer sociedades,
independentemente da presença de vínculos societários (ou de controle) entre os membros.

Já surge, a partir daí, a primeira diferença importante entre os grupos de sociedades e


os consórcios.

O grupo instituído pelo art. 265 da LSA não é o único de tipo grupal admitido pela
praxe societária, contudo.

318
Exposição de motivos da Lei das Sociedades Anônimas.
319
“Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas
vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe
assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia-geral e o poder de
eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades
sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia. Parágrafo único. O acionista controlador deve
usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres
e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a
comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.”
103

Este é tido como grupo de direito, em oposição aos grupos de fato,320 em uma
classificação comum, decorrente da adoção da doutrina alemã a respeito do tema.321 No
direito brasileiro, os grupos de direito são aqueles regulados a partir do art. 265 da LSA:
resultam de instrumento escrito (convenção), assinado pelas partes, e encerram vínculo formal
instituidor do agrupamento, observando-se as regras constantes da legislação societária. Os
grupos de fato, por outro lado, são aqueles que independem de uma convenção, formal,
celebrada entre as partes; resultam de relações societárias estabelecidas entre as sociedades,
geralmente de controle e coligação.

Ambos, contudo, decorrem de vínculos societários entre as partes – sejam


formalizados em convenção própria, sejam consequência da realidade societária delas; algo
que não se verifica no consórcio.322

Na visão de Rubens Requião, o consórcio seria uma técnica de concentração


empresarial,323 por meio da qual empresas poderiam se associar, instituindo-se uma integração

320
“Em oposição aos grupos de fato, existem os grupos de direito, regulados no Capítulo XXI, em que a
sociedade controladora e suas controladas instituem um vínculo de natureza obrigacional entre si, celebrando,
de acordo com o caput, um contrato – a convenção do grupo – pelo qual se obrigam a combinar recursos ou
esforços para a realização dos respectivos objetos, ou a participar de atividades ou empreendimentos
comuns” (EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A comentada: arts. 206 a 300 cit., p. 430-431).
321
“Os grupos de direito e de fato não representam uma terceira forma de organização ou de disposição das
sociedades dentre de um grupo societário. Trata-se apenas da forma de constituição dos grupos, sendo os de
direito aqueles constituídos mediante a celebração de um contrato entre as sociedades participantes e os de
fato existem independentemente da existência de uma convenção grupal. Essa distinção (‘de fato’ e ‘de
direito’) decorre do modelo dualista do direito alemão, que prevê diferentes formas de agrupamento de
empresas, os Konzern (grupos) contratuais (Vertragskonzerne), os grupos fáticos (faktische Konzerne) e,
ainda, as sociedades encadeadas (eingegliederte Gesellschaften). Seguem o dualismo alemão o direito
brasileiro (Lei das Sociedades Anônimas, nº 6.404/76) e o direito português (Código das Sociedades
Comerciais de 1986). Noutras legislações, como a norte-americana, a italiana e a da Comunidade Européia,
por exemplo, não há distinção geral entre os grupos de fato e de direito, tratando-se a primeira duma
regulação parcial e as outras duas da regulação global e orgânica, conforme também será disposto em
seguida” (HOLLANDA, Pedro Ivan Vasconcelos. Os grupos societários como superação do modelo
tradicional da sociedade comercial autônoma, independente e dotada de responsabilidade limitada.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Paraná, 2008. p. 78).
322
Apesar de, ao longo do seu texto, admitir a possibilidade de o consórcio se revestir de caráter societários (em
uma lógica de joint venture societária ou institucional, talvez), Marcos Feres ressalta, em sentido diverso, a
figura consorcial como um grupo de direito: “[o] consórcio pode, pois, ser definido como o contrato
plurilateral ou de comunhão de escopo que dá origem a um grupo de direito, formado por empresários
individuais ou coletivos, com o propósito de realizar um empreendimento comum. Classifica em societário
ou contratual, de investimento ou não, dependendo se chegar ou não a compor-se uma nova sociedade a
partir do acordo base” (FERES, Marcos Vinício Chein. Joint Ventures: o consórcio de empresas no direito
brasileiro cit., p. 20).
323
“Classifica esse autor as operações concentracionistas em dois grandes grupos: a) operações que levam à
perda da autonomia individual das sociedades (fusão e incorporação), chegando a uma integração absoluta;
b) operações de associação de empresas autônomas, pretendendo-se uma integração relativa, podendo ser
mais flexível, como a mera participação de uma sociedade em outra; ou então mais radical com a criação de
grandes grupos societários, ou ainda temporária, como no caso do consórcio. Pensamos, entretanto, que, sob
104

horizontal324 – diferentemente do que se verifica em um grupo de sociedades marcado por


relação de subordinação ou, no caso de um grupo de fato decorrente de vínculos de controle,
em que a integração se dá de forma vertical.

Registre-se, ainda, quanto a outras diferenças entre os grupos de sociedades de direito


(instituídos pelo art. 265 da LSA) e os consórcios, que estes se destinam a um escopo
temporário e específico, enquanto os grupos buscariam encerrar relações mais duradouras ou
perenes.325

A classificação que propõe a separação entre grupos de direito e de fato consiste em


uma classificação formalista, como se pôde verificar. Entre outras divisões possíveis, destaca-
se também a que separa os grupos entre os calcados em vínculo de subordinação e os que se
baseiam em relação de coordenação.

Para José Engracia Antunes, nos grupos de subordinação as sociedades agrupadas


conservam, entre elas, relação hierárquica de dependência, enquanto nos grupos de
coordenação, apesar de as sociedades agrupadas estarem submetidas a uma mesma direção
econômica, unitária, preservam-se independentes uma das outras.326

Baseando-se na concepção existente no direito alemão, Comparato aponta que a


característica fundamental do grupo de subordinação é a unidade de controle, enquanto no
grupo de coordenação seria a unidade de direção (hipótese em que as empresas seriam
juridicamente autônomas).327-328

o ponto de vista jurídico, o primeiro grupo, que resulta na integração absoluta de sociedades, tem a sua
conotação própria, pois importa não mais em grupo societário, para se tornar uma sociedade mais
dimensionada, resultante da transformação, da fusão ou da incorporação. Voltar-nos-emos nesta dissertação,
portanto, para as legítimas associações de empresas, nas quais não perderão elas sua feição jurídica própria.
Seriam, pois, as operações de integração relativa. Desse tipo de associação trata, especificamente, o texto da
lei, ao enunciar o Capítulo XX, ou seja, as ‘Sociedades coligadas, controladoras e controladas’; o Capítulo
XXI, dos ‘Grupos de sociedades’, como espécie, e, finalmente, o Capítulo XXII, do ‘Consórcio’”
(REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial cit., p. 291).
324
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial cit., p. 309-310 (digital).
325
“Nesta perspectiva, os consórcios diferenciam-se dos grupos de sociedades, primordialmente, pela
permanência inerente aos grupos que é alheia à caracterização dos consórcios, que se destinam a
empreendimentos determinados” (TOMAZETTE, Marlon. As obrigações tributárias e os consórcios de
sociedades necessidade de interpretação restritiva da Lei 12.402/2011 cit., p. 3).
326
ANTUNES, José A. Engracia. Os grupos de sociedades. Estrutura e organização jurídica da empresa
plurissocietária. Coimbra: Almedina, 1993. p. 53.
327
“É por isso que, contrariamente a uma opinião assaz difundida, a melhor doutrina considera a unidade de
direção o único critério geral de identificação de todos os grupos econômicos, e não a unidade de controle,
105

Assim, enquanto a subordinação decorrida de uma dependência em grau superior,


decorrente do exercício do poder de controle,329 os grupos de coordenação330 teriam natureza
horizontal e pressuporiam a

transferência voluntária das competências decisórias de várias sociedades


independentes para uma instância superior de direcção, na qual todas as
sociedades participam paritariamente e em pé de igualdade, instância essa
responsável pela coordenação das actividades empresariais das sociedades
agrupadas e pela definição da política económica geral do agrupamento.331

Veja-se que, como anotado por Eduardo Munhoz, a doutrina converge para o
“reconhecimento de que a direção unitária constitui o elemento central dos grupos
societários” – apesar da ressalva de que esse não seria um conceito unívoco.332 A direção
unitária, para o mesmo autor, apesar de ser um conceito aberto, poderia ser entendida como “o
poder de definir uma orientação administrativa geral para os integrantes do grupo, afetando,
em maior ou em menor grau, sua independência econômica”.333

que só ocorre no grupo econômico de subordinação, muito embora este seja, de fato, o mais importante”
(COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na Sociedade Anônima cit., p. 36-37).
328
“A classificação mais importante que se deve fazer sobre os grupos de sociedades é a sua distinção entre
grupos de subordinação e de coordenação. Por subordinação compreendem-se os grupos em que a sociedade
principal exerce o seu poder de controle sobre as demais sociedades componentes do ente grupal. Conforme
se verá adiante (Subseção 1.2, Capítulo 1, Parte 3), o exercício do poder de controle pode se dar de variadas
formas e se caracteriza pela possibilidade da sociedade de comando buscar o atendimento dos seus interesses
próprios ou de interesses do grupo, mediante a subordinação das sociedades subsidiárias à sua vontade
dominante. Tal subordinação pode se dar em razão de participação acionária, de vínculos contratuais ou de
outras formas de controle externo que as sociedades subsidiárias podem se submeter. Trata-se do império da
vontade da sociedade dominante sobre as suas dominadas. Já nos de coordenação, também se faz presente a
dominação, ou a dependência entre sociedades, mas essa se apresenta apenas em caráter mínimo, pois se
destina ao atendimento da direção unitária preconizada pelo grupo. Os consórcios de sociedades do direito
brasileiro são o melhor exemplo dos grupos de coordenação no Brasil” (HOLLANDA, Pedro Ivan
Vasconcelos. Os grupos societários como superação do modelo tradicional da sociedade comercial
autônoma, independente e dotada de responsabilidade limitada cit., p. 77).
329
Para Sheila Cerezetti, a característica definidora de um grupo de sociedades de subordinação é “presença do
poder de controle por sociedade sobre sociedade(s) capaz de garantir direção una na condução das atividades
daquelas que compõem o conjunto” (CEREZETTI, Sheila Christina Neder. Grupos de sociedades e
recuperação judicial: o indispensável encontro entre direitos societário, processual e concursal. In:
PEREIRA, Guilherme Setoguti Julio (org.) Processo societário, II. São Paulo: Quartier Latin, 2015. v. 2, p.
4).
330
“Está ausente no grupo de coordenação aquela unidade de investimento e de centro decisório que, no dizer de
Galgano, permitira a um economista afirmar com segurança que se encontra diante de uma única empresa”
(VIO, Daniel de Avila. Ensaio sobre os grupos de subordinação, de direito e de fato, no direito societário
brasileiro. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, 2014. p. 189).
331
ANTUNES, José A. Engracia. Os grupos de sociedades cit., p. 54.
332
MUNHOZ, Eduardo Secchi. Empresa contemporânea e direito societário. Poder de controle e grupos de
sociedades. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 109-110.
333
Ibidem, p. 112.
106

A apresentação desses elementos distintivos fez parte da doutrina reconhecer no


consórcio a figura do grupo de coordenação no direito brasileiro,334-335-336 em oposição aos
grupos societários regulados no art. 265 da LSA, que representariam tipo de grupo de
subordinação. No consórcio, as sociedades se mantêm independentes, mas perseguiriam uma
direção unitária comum.337

Por outro lado, autores como José Engracia Antunes (tratando do consórcio português,
mas que se assemelha bastante ao consórcio brasileiro) e, mais recentemente, Daniel Vio,
rechaçaram essa possibilidade, ao atestarem que a relação consorcial não consiste no grupo de
coordenação. Engracia explica que não está presente no consórcio o poder de direção unitária,
haja vista que a figura consorcial é um acordo de cooperação interempresarial em que suas
partes se mantêm totalmente independentes, sob o ponto de vista econômico.338 Daniel Vio,

334
“Como se sabe, a lei disciplina o consórcio como modalidade de contrato de colaboração interempresarial, no
gênero dos grupos de sociedades, na espécie dos “grupos de coordenação”. Temos, portanto, em nosso
direito, em matéria de grupos de sociedades, os chamados grupos de subordinação, em que as empresas se
põem em relação de controle uma com as outras (Lei 6.404, art. 265 e seguintes), e os chamados grupos de
coordenação, em que as empresas se põem em relação de colaboração, sem subordinação de umas com outras
(Lei 6.404, arts. 278-279). Entre esses últimos estão os consórcios, cujo conteúdo é assim a coordenação de
atividades complementares das empresas consorciadas” (LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. Pareceres cit.,
p. 523).
335
“Perante regimes legais que disciplinam o fenômeno grupal em sua inteireza, como é o caso da Lei 6.404/76,
é possível vislumbrar o quadro mais amplo em que se inserem os grupos de sociedades, abrangendo não
apenas aqueles estruturados segundo relações de subordinação (grupos de subordinação), mas também as
combinações societárias em que as empresas participantes se encontram em pé de igualdade, sem que uma
exerça o controle sobre a outra (grupos de coordenação). O consórcio de empresas, em princípio, inclui-se
entre estes últimos” (PENTEADO, Mauro Rodrigues. Consórcios de empresas cit., p. 39).
336
“Mas a ligação de sociedades que dele provém tem sentido mais restrito do que aquele perseguido na
formação do grupo de direito. Esse grupamento é marcado por uma relação de subordinação entre as
sociedades controladas e a sociedade controladora para o atingimento dos fins colimados. No consórcio, que
se estabelece entre sociedades que estejam ou não sob o mesmo controle, a relação é de coordenação,
colaboração ou cooperação. As consorciadas atuam, pois, coordenadamente para a consecução do fim
pretendido, constituindo essa ligação uma forma específica de concentração” (CAMPINHO, Sergio. Curso
de direito comercial: Sociedade Anônima cit., p. 447).
337
“Em suma, analisando-se as diversas formas de associação de empresas, pode-se oferecer, dentre outras, a
seguinte classificação: grupos de subordinação, que são unificados pelo poder de controle; grupos de
coordenação, em que não há controle, mas em que há direção unitária, ou seja, uma direção administrativa
comum (v.g., consórcios); e cartéis ou outras formas associativas, que não constituem grupos, em sua
acepção jurídica, na medida em que é mantida a independência econômica de seus integrantes” (MUNHOZ,
Eduardo Secchi. Empresa contemporânea e direito societário. Poder de controle e grupos de sociedades cit.,
p. 113)
338
Desde logo, cremos que existirá aqui igualmente um poder de direcção, algo à semelhança de poder
congénere consagrado expressamente no âmbito do contrato de subordinação. Que tal pode deverá existir e
que se deve traduzir no direito de a entidade sua titular emitir instruções vinculantes às sociedades agrupadas,
parece algo que resulta necessariamente da própria noção legal, que postula a submissão daquelas a uma
direcção económica unitária (art. 492º, n. 1, ‘in fine’): não existisse um tal poder, então deixaríamos de estar
perante um contrato de grupo paritário para passar a estar em face de um daqueles meros acordos de
cooperação interempresarial nos quais as entidades participantes conservam inteiramente a respectiva
independéncia económica e que vão destinados à realização concertada de empreendimentos concretos ou de
107

apesar de compreender o consórcio como sociedade não personificada, na linha de exposição


de motivos da LSA, registra que a relação consorcial tem como fundamento o encontro de
vontades, e não a afirmação de uma vontade, como ocorre no grupo de sociedades.339

A despeito da validade da discussão, ainda que se entenda o consórcio como modelo


de grupo de coordenação,340 é importante observar que essa constatação não induz à aplicação
de algum regime diverso, em caráter supletivo. Isso porque, se não é sociedade (como exposto
no item anterior), nem espécie do grupo de subordinação, tem-se que o consórcio foi regulado
pela legislação como instituto específico,341 justamente por conta de suas diferenças em
relação aos agrupamentos em que exista vínculo de subordinação, como no caso dos grupos
de direito (art. 265 da LSA) e dos grupos de fato que exsurgem das relações de controle,
independentemente da celebração de instrumento escrito (tal qual a convenção grupal).

Por esses motivos, revelar-se-ia incompatível estender aos consórcios regras aplicáveis
aos grupos de sociedades regulados na LSA, pois estes são baseados no elemento da
subordinação, decorrente da presença do poder de controle exercido, pela sociedade que
comanda o grupo, em face das filiadas.

2.4 Consórcio como contrato associativo e plurilateral

As considerações feitas neste Capítulo reforçam a caracterização do consórcio como


contrato associativo e plurilateral, que não consiste em tipo societário, nem grupo de
sociedades (tal qual regulado na LSA). Trata-se de instituto sui generis, cujo regime jurídico

práticas de reorganização do quadro concorrencial (maxime, contrato de consórcio, acordos de empresa)”


(ANTUNES, José A. Engracia. Os grupos de sociedades cit., p. 764).
339
“Ao contrário do grupo, caracterizado pelo fato da posição de controle, vale dizer, pela afirmação de uma
vontade, o consórcio tem como marca fundamental o encontro de vontades. Nesse sentido, a ele sim é
efetivamente cabível a classificação de sociedade não personificada, tal como, aliás expressamente
mencionado na própria Exposição de Motivos da lei acionária” (VIO, Daniel de Avila. Ensaio sobre os
grupos de subordinação, de direito e de fato, no direito societário brasileiro cit., p. 189).
340
Sobre o consórcio, Osmar Brina Corrêa-Lima anota: “Neste grupo existe mera coordenação” (Sociedade
Anônima. 3. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 396).
341
“Diferentemente, nos grupos por coordenação (consórcio) não se faz necessária a participação, direta ou
indireta de uma sociedade em outra, inocorrente, portanto, relação de controle ou de hierarquia entre as
empresas agrupadas. Como se viu nesse estudo, existe, pois, uma relação horizontal, onde as participantes
estão em pé de igualdade, dividindo tarefas e obrigações em busca de um objetivo comum, qual seja: a
execução de empreendimento determinado (art. 278, caput). Nos agrupamentos por subordinação as
empresas reúnem-se em caráter permanente e poderão visar uma diversidade de objetos. O consórcio,
conforme já referido, deverá ater-se a um empreendimento temporário” (TEIXEIRA, Guilherme Puchalski.
Do consórcio entre sociedades: arts. 278 e 279 da Lei n. 6.404/1976 cit., p. 89).
108

principal está previsto nos arts. 278 e 279 da Lei das S.A., e ao qual não podem ser aplicados,
supletivamente, seja o regime jurídico societário, seja o regime jurídico dos grupos
societários, em virtude de representarem figuras jurídicas distintas.

Essa constatação é importante para a compreensão de que, diante da ausência de regras


a respeito da dissolução dos consórcios, no âmbito do seu regime jurídico principal, as
soluções que eventualmente se façam necessárias, para resolver a suposta omissão, devem
partir dos elementos essenciais e característicos do consórcio, considerando os delineamentos
feitos até aqui, para que se possa tentar construir o modelo adequado à figura consorcial e o
seu processo de extinção.
109

3 DISSOLUÇÃO: ASPECTOS CONTRATUAIS E SOCIETÁRIOS

3.1 O que é dissolução: precisões terminológicas e compreensão do fenômeno e de sua


importância

A expressão dissolução do consórcio é utilizada, de maneira genérica, em referência à


extinção daquele contrato, à sua extirpação do mundo jurídico; isto é, ao momento a partir do
qual o vínculo consubstanciado na figura consorcial é encerrado e ele, o consórcio,
desaparece.

Mas, para a melhor compreensão do tema, é preciso, antes, identificar a significância


da expressão “dissolução”, bem como apreender os seus fundamentos, para que se possa
delinear os aspectos relacionados à extinção do contrato de consórcio. Deve-se, aliás,
confirmar se o termo “dissolução” é o mais adequado, sob o viés técnico, para o tratamento da
matéria.

Contratualmente, dissolução deve ser compreendida como a extinção do contrato por


força de causas supervenientes à sua formação.342-343-344 Em adição às hipóteses de nulidade e
anulabilidade, que impõem o encerramento do contrato em razão de questões contemporâneas
à celebração do negócio jurídico, as causas de dissolução contratual são aquelas que implicam
a extinção do contrato devido a motivos surgidos após a pactuação. Nesse sentido, o regime
do direito civil brasileiro prescreve, a partir do art. 472 da Lei n. 10.406/2002, as modalidades
por meio das quais a dissolução se implementará, formando o capítulo “Da Extinção do

342
“A dissolução, por sua vez, consiste no ato das partes ou decisão judicial causada, em última instância, pela
perda do interesse (de um dos contratantes ou de todos) na eficácia do contrato. Os fatos jurídicos
dissolutórios do vínculo contratual são necessariamente posteriores à constituição; dizem respeito à execução
do contrato. São fatos como o inadimplemento de obrigação contratada, onerosidade excessiva, inexecução
involuntária, revogação e outros. De comum apresentam o desinteresse de pelo menos um dos contratantes na
manutenção da eficácia do contrato, razão pela qual ele deixa de existir” (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de
direito civil: contratos cit., p. 52).
343
Silvio de Salvo Venosa propõe utilização da nomenclatura de extinção, apenas, para se referir às hipóteses de
desfazimento de contratos a posteriori: “Contudo, parece-nos que o termo extinção apresenta noção mais
clara para os contratos que tiveram vida normal e por qualquer razão vieram a ser extintos, seja porque o
contrato foi cumprido, seja porque o vínculo extinguiu-se a meio caminho de seu cumprimento. Parece mais
apropriado reservar o termo extinção para essas hipóteses” (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil –
Contratos cit., p. 160).
344
“Ao lado dos contratos que se extinguem naturalmente, outros há que são dissolvidos por outras causas que
não o cumprimento das obrigações avençadas. Fala-se então em anulação (se as causas de ruptura foram
anteriores ou contemporâneas à conclusão do contrato) e de dissolução (quando essas causas forem
posteriores.)” (BULGARELLI Waldirio. Contratos mercantis cit., p. 157).
110

Contrato”, inserido no regramento geral dos contratos brasileiros (Título V – Dos Contratos
Em Geral).

Como consequência dessa premissa genérica, regramentos específicos de


encerramento de outras figuras contratuais também se utilizam da expressão dissolução para
designar o encerramento da respectiva relação.

No âmbito do direito societário,345 há especial cuidado acerca da dissolução, de


modo que existe uma regulamentação geral sobre o tema, em que pese a previsão de
normas específicas para cada um dos tipos societários. Assim, em matéria societária,
distingue-se dissolução em sentido estrito (ou dissolução-ato), que corresponde à
verificação da causa de dissolução do contrato de sociedade, da dissolução em sentido
amplo (ou dissolução-procedimento), equivalente ao processo completo que vai desde a
causa da dissolução, passando pela liquidação, até a extinção do contrato de sociedade.346
Não obstante essa distinção, a dissolução de uma sociedade é um modo especial de
dissolução contratual.

Em sentido amplo, a dissolução societária pressupõe um complexo rol de atos que,


apesar de também conduzirem à extinção da sociedade, perpassam por etapas que vão do
entendimento das causas dissolutórias, passando pela liquidação, até se chegar à partilha347 e,

345
“Começando pela palavra ‘dissolução’ (‘do latim dissolutio, de dissolvere – desatar, desligar, separar’), há
que se registrar que não tem ela, em matéria societária, o mesmo significado que se lhe atribui a partir de sua
expressão gramatical, e, especialmente, do sentido com que é empregada no direito contratual, onde, segundo
Orlando Gomes, exprime, como gênero, a extinção extraordinária do contrato, sem que este tenha alcançado
o seu fim, em decorrência de causa posterior à sua formação, desdobrando-se nas espécies resolução,
resilição e rescisão” (PENTEADO, Mauro Rodrigues. Dissolução e liquidação de sociedades. 2. ed. rev.,
ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 16-17).
346
“Dissolução é um conceito ambíguo, no direito societário. Em sentido amplo, significa o procedimento de
terminação da personalidade jurídica da sociedade empresária, isto é, o conjunto de atos necessários à sua
eliminação, como sujeito de direito. A partir da dissolução, compreendida nesse primeiro sentido, a sociedade
empresária não mais titulariza direitos, nem é devedora de prestação. Em sentido estrito, a dissolução se
refere ao ato, judicial ou extrajudicial, que desencadeia o procedimento de extinção da pessoa jurídica. Os
atos de encerramento da personalidade jurídica da sociedade empresária (a dissolução, em sentido amplo)
distribuem-se nas fases de dissolução (sentido estrito), liquidação e partilha (Bulgarelli, 1978:87). Para
contornar a ambiguidade, quando necessário, farei uso das expressões dissolução-procedimento e dissolução-
ato” (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa cit., p. 569).
347
“A partilha é o ato final da liquidação. Uma vez atendidos todos os credores, o saldo patrimonial apurado
pertence aos sócios, devendo ser distribuído entre estes na proporção dos respectivos quinhões sociais. É
possível que, depois de pago todo o passivo, ainda existam na sociedade bens a serem transformados em
dinheiro. Poderão os sócios, se o preferirem, e de comum acordo, dividir entre si esses bens, ainda in natura.
Resultado inverso ao da partilha será o ocorrente no caso de insuficiência patrimonial. Se os bens sociais não
atingirem o nível necessário ao atendimento dos credores, a liquidação se converterá, conforme o caso, em
insolvência civil ou falência” (BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário cit., p. 110).
111

então, à extinção da entidade (com a morte da personalidade jurídica).348 Trata-se de um


modo especial de dissolução de um contrato também especial,349 que, por conta de suas
peculiaridades, impõe a existência de certos cuidados anteriores à decretação de extinção do
contrato.

Não há dúvidas de que, tanto sob enfoque contratual quanto societário, dissolução
corresponde ao fim do negócio jurídico consubstanciado no contrato sob análise. Opera-se em
contrato existente, válido e eficaz, mas que, por motivo posterior à celebração do respectivo
negócio jurídico, torna-se ineficaz; ou seja, a dissolução do contrato encerra ineficácia
superveniente.350

Por se tratar de um contrato especial – aquele que dá origem ao negócio da sociedade


–, a legislação definiu um modelo dissolutivo também especial,351 com vistas ao cuidado de
elementos que estão presentes na relação societária. A mesma atenção, já se viu, não fora
dispensada aos contratos de consórcio, cujo regime jurídico principal nada dispõe a respeito
da dissolução daquele contrato.

A omissão quanto ao tema, e a defesa, por alguns doutrinadores, de que o consórcio


seria um tipo de sociedade não personificada (como estampado na exposição de motivos da
LSA, inclusive), conduzem à interpretação de que os consórcios deveriam ser dissolvidos do
mesmo modo que as sociedades a eles assemelhadas, como se por força de uma aplicação
supletiva de outro regime jurídico, incidente em função do enquadramento do vínculo
consorcial como societário.

348
“Dissolução já não significa, pois, extinção ou morte da sociedade, a que sucedia um estado de comunhão; é,
tão-sòmente, o fim da vida normal da sociedade e o princípio ou o ponto de partida de sua desagregação ou
extinção” (VALVERDE, Trajano de Miranda. Sociedade por ações cit., p. 11) “Para se sair da dificuldade,
não há outro remédio senão dar ao têrmo dissolução um significado amplo, abrangendo todo o período que
vai do fato que determinou a cessação da atividade da pessoa jurídica, tendente ao fim para que fora criada,
até a liquidação definitiva do seu patrimônio, normalmente, até a partilha pelos sócios do remanescente dêsse
patrimônio. Chegando a esse ponto, a pessoa jurídica se extingue” (Ibidem, p. 12).
349
“A dissolução surge no direito societário em razão da necessidade prática de se disciplinar o final do contrato
de sociedade diferentemente dos outros contratos, pois mesmo após o aparecimento da causa de extinção, o
contrato de sociedade continua a produzir efeitos. [...] a dissolução representa a extinção específica do
contrato de sociedades” (ALBUQUERQUE, Luciano Campos de. Dissolução de sociedades. 2. ed. rev. e
atual. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 102).
350
“Naturalmente, poderá ocorrer que, uma vez existindo, valendo e produzindo efeitos, o negócio venha, de-
pois, por causa superveniente, a se tornar ineficaz. Haverá, então, ineficácia superveniente, isto é, resolução
do negócio” (AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Negócio jurídico – Existência, validade e eficácia cit., p.
60).
351
“A partir da especialização do contrato de sociedade, a dissolução surge como forma especial de extinção, de
um contrato especial” (ALBUQUERQUE, Luciano Campos de. Dissolução de sociedades cit., p. 116).
112

Já se elucidou, no entanto, que o consórcio não é sociedade.

Qualquer tentativa de se estender aos pactos consorciais regras societárias estaria


fundada em uma aplicação por analogia – o que não pode prescindir da análise das
características do contrato de consórcio e, principalmente, dos aspectos que justificam o
modelo dissolutivo societário como tal.

Para tanto, é imprescindível compreender, de maneira geral, que elementos informam


a estrutura da dissolução societária em sentido amplo, como procedimento complexo, para
que se confirme se essa aplicação de regras societárias para o encerramento do consórcio
seria, de fato, adequada.

Aliás, essa análise se revela fundamental para, antes, até, confirmar a necessidade ou
não de um procedimento dissolutivo especial, para os contratos de consórcio, assim como
existe para os contratos de sociedade.

3.2 Dissolução societária: fundamentos de um procedimento complexo

Como ato, a dissolução consiste na identificação de uma causa que deverá levar à
extinção da sociedade; como procedimento, corresponde à sequência de etapas que precisam
ser cumpridas para que se alcance a extinção da sociedade. Verifica-se, portanto, que o
encerramento da sociedade não pode prescindir da observância da dissolução-procedimento,
calcada nas fases de (i) dissolução-ato (identificação da causa dissolutiva); (ii) liquidação; (iii)
partilha; e, por fim, (iv) extinção.

Nos termos do art. 1.033 do Código Civil, as sociedades simples são dissolvidas, de
pleno direito, quando ocorrer:

I – o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição


de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará
por tempo indeterminado; II – o consenso unânime dos sócios; III – a
deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo
indeterminado; IV – a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no
prazo de cento e oitenta dias; V – a extinção, na forma da lei, de autorização
para funcionar.
113

Ressalva-se que, conforme parágrafo único do mesmo artigo, a falta de pluralidade


pode ser saneada.352 O diploma civil também prescreve como hipóteses dissolutivas, porém
dependentes de interpelação judicial, por pedido de qualquer sócio, a anulação da constituição
e o exaurimento ou inexequibilidade do fim social; além de eventuais outras causas de
dissolução, previstas no contrato social.353

Quanto às sociedades limitadas, o art. 1.087 do Código Civil determina que também
serão dissolvidas de pleno direito no caso de ocorrência de qualquer um dos eventos do art.
1.033 e, se for empresária, por conta da decretação de sua falência. O art. 1.071, VI, também
admite a possibilidade de os sócios deliberarem, por quórum não inferior a três quartos do
capital social, a dissolução da sociedade.

O art. 994 do Código Civil, na regulamentação da sociedade em conta de participação,


determina que a falência do sócio ostensivo implicará a dissolução da sociedade. Já à
sociedade em comum se aplica, subsidiariamente, as normas da sociedade simples, em acordo
com o art. 986 da legislação civil.

E a Lei das S.A., por sua vez, a respeito das causas de dissolução das sociedades
anônimas, determina que as companhias são dissolvidas: (i) de pleno direit o: a) pelo
término do prazo de duração; b) nos casos previstos no estatuto; c) por deliberação da
assembleia-geral (art. 136, X); d) pela existência de 1 (um) único acionista, verificada em
assembleia-geral ordinária, se o mínimo de 2 (dois) não for reconstituído até à do ano
seguinte, ressalvado o disposto no art. 251; e) pela extinção, na forma da lei, da
autorização para funcionar; (ii) por decisão judicial: a) quando anulada a sua constituição,
em ação proposta por qualquer acionista; b) quando provado que não pode preencher o seu
fim, em ação proposta por acionistas que representem 5% (cinco por cento) ou mais do
capital social; c) em caso de falência, na forma prevista na respectiva lei; e (iii) por
decisão de autoridade administrativa competente, nos casos e na forma previstos em lei
especial.

352
“Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV caso o sócio remanescente, inclusive na hipótese de
concentração de todas as cotas da sociedade sob sua titularidade, requeira, no Registro Público de Empresas
Mercantis, a transformação do registro da sociedade para empresário individual ou para empresa individual
de responsabilidade limitada, observado, no que couber, o disposto nos arts. 1.113 a 1.115 deste Código.”
353
“Art. 1.035. O contrato pode prever outras causas de dissolução, a serem verificadas judicialmente quando
contestadas.”
114

De acordo com Mauro Penteado, o que ocorre com a dissolução é “a alteração da


situação jurídica da companhia, desde então não mais voltada à normal exploração de
empresa com fim lucrativo (art. 2º). Instaura-se, com a verificação de um daqueles eventos, o
estado de liquidação, que impõe o início do procedimento respectivo, judicial ou
ordinário”.354

Trata-se de um processo complexo que tem fundamento nas peculiaridades do negócio


societário,355 especialmente a personalidade jurídica (nos casos das sociedades
personificadas), o patrimônio356 e a existência de uma organização que gera efeitos
externamente. De qualquer modo, a dissolução da sociedade pressupõe a dissolução do
respectivo contrato.357

Conforme se indica no art. 51 do Código Civil, há relação imediata entre a existência


de personalidade jurídica e a necessidade de um procedimento dissolutório, devendo-se
registrar também a importância da etapa de liquidação, cujo regime geral, aplicável, no que
couber, a todas as pessoas jurídicas, é aquele estabelecido para as sociedades:

Art. 51. Nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a autorização


para seu funcionamento, ela subsistirá para os fins de liquidação, até que esta
se conclua. § 1º Far-se-á, no registro onde a pessoa jurídica estiver inscrita, a
averbação de sua dissolução. § 2º As disposições para a liquidação das
sociedades aplicam-se, no que couber, às demais pessoas jurídicas de
direito privado. § 3º Encerrada a liquidação, promover-se-á o cancelamento
da inscrição da pessoa jurídica (destaques nossos).

Importante notar que o consórcio não é pessoa jurídica: primeiro porque o próprio § 1º
do art. 278 afasta a personificação da figura consorcial; e segundo porque não consta do rol

354
PENTEADO, Mauro Rodrigues. Dissolução e liquidação de sociedades cit., p. 18.
355
“A primeira ideia que se pode ter da dissolução é que ela representa o término, a extinção, o final da existência
de um órgão social, da pessoa jurídica ou do contrato realizado pelos sócios. O estudo que se faz da
dissolução das sociedades sempre ocorreu em direito societário e muito pouco no ramo de contratos do
direito civil, diante das enormes diferenças já referidas no que concerne ao contrato de sociedade. Assim, as
considerações sobre a dissolução têm como referência o estudo do órgão e da vida societária”
(ALBUQUERQUE, Luciano Campos de. Dissolução de sociedades cit., p. 39).
356
“Diferentemente do que ocorria no direito romano, não são mais os sócios diretamente que realizam os
negócios e que ficam pessoalmente responsáveis pelas obrigações. É a nova pessoa de direito. O patrimônio
autônomo é a garantia dos credores. Deve-se ressaltar que, muito embora a liquidação tenha recebido grande
importância a partir do surgimento da pessoa jurídica, uma não se liga diretamente à outra, mas à ideia de
patrimônio autônomo. Corolário da personalidade moral, esse patrimônio separado pode existir mesmo em
uma sociedade sem personalidade” (Ibidem, p. 97-98).
357
“Assim, a dissolução da sociedade é também dissolução do contrato de sociedade. [...] o processo extintivo
flui concomitantemente no contrato e no órgão social. Enquanto o órgão social vai sendo desfeito, o mesmo
ocorre com os laços jurídicos” (Ibidem, p. 115).
115

taxativo de pessoas jurídicas de direito privado, previsto no art. 44 do Código Civil.


Entretanto, também se cuida, na legislação pátria, da dissolução de sociedade não
personificada – como no caso das sociedades em conta de participação.

É por isso que se afigura relevante entender que a dissolução de uma sociedade
pressupõe a inauguração de um processo de liquidação para que, gradualmente, a entidade
seja extinta.358 A liquidação é conduzida pela figura do liquidante, que substitui a
administração da companhia, para atuar no sentido não mais de perseguir o objeto social, mas
cumprir os expedientes necessários à extinção da sociedade.359 Por tal motivo o Capítulo IX
do Subtítulo II, do Título II, prescreve, além de deveres do liquidante, que compete a este
“representar a sociedade e praticar todos os atos necessários à sua liquidação, inclusive alienar
bens móveis ou imóveis, transigir, receber e dar quitação”, nos termos do art. 1.105.

Há, portanto, fases interligadas, que se concatenam de modo ao alcance do último ato,
consistente no encerramento do contrato.360

Não à toa o art. 219 da Lei das S.A. (lei especial das sociedades por ações),361 o art. 51
do Código Civil (regra geral de dissolução das pessoas jurídicas),362 o art. 1.036 do Código

358
“Entrementes, não se pode negar que alguns contratos, em razão de sua extrema complexidade, não podem
ter um final instantâneo porque eles não se extinguem enquanto produzem efeitos e, em alguns contratos, os
efeitos permanecem após o aparecimento da causa de sua extinção” (ALBUQUERQUE, Luciano Campos de.
Dissolução de sociedades cit., p. 41).
359
“Após o evento dissolutório a sociedade permanece a mesma, mantendo as respectivas estrutura e
organização, embora significativamente alteradas pelas normas legais atinentes à liquidação, que impõem
limitações aos poderes assembleares e modificação na administração da companhia. Esta última não mais
será exercida pelos administradores ordinários, mas pelo liquidante, que pode ser qualificado como órgão
administrativo de liquidação, atuando juntamente com o conselho de administração, se a assembléia decidir
mantê-lo – art. 208, § 1º” (PENTEADO, Mauro Rodrigues. Dissolução e liquidação de sociedades cit., p.
84).
360
“Na realidade, há fases sequenciais interligadas, porém distintas, que configuram a dissolução, a liquidação e
a final extinção – que é exatamente o que afirma Serpa Lopes7 ao dizer que as duas primeiras ‘representam
duas fases distintas relativas à extinção da sociedade, embora interligadas por uma relação de causa e efeito’”
(BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Dissolução, liquidação e extinção da sociedade empresária à luz das
legislações civil e falimentar (a falência como causa (ou não) de extinção da personalidade jurídica da
sociedade empresária). In: ADAMEK, Marcelo Vieira Von. Temas de direito societário e empresarial
contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 627).
361
“Art. 219. Extingue-se a companhia: I – pelo encerramento da liquidação; II – pela incorporação ou fusão, e
pela cisão com versão de todo o patrimônio em outras sociedades.”
362
“Art. 51. Nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a autorização para seu funcionamento, ela
subsistirá para os fins de liquidação, até que esta se conclua. § 1º Far-se-á, no registro onde a pessoa jurídica
estiver inscrita, a averbação de sua dissolução. § 2º As disposições para a liquidação das sociedades aplicam-
se, no que couber, às demais pessoas jurídicas de direito privado. § 3º Encerrada a liquidação, promover-se-á
o cancelamento da inscrição da pessoa jurídica.”
116

Civil (aplicável às sociedades simples)363 e o art. 1.102 também do Código Civil (norma que
deve ser observada por todas as sociedades)364 estabelecem a liquidação como etapa
imprescindível da dissolução, que levará à extinção da sociedade. São os seguintes os tipos de
liquidação societária: voluntária ou ordinária (por deliberação social), judicial, concursal (em
caso de falência) e forçada ou coativa (por decisão de autoridade competente, na forma da
legislação).365

Vige o princípio de que os negócios sejam ultimados, os ativos e passivos realizados e


o remanescente, se houver, partilhado, como, aliás, previsto no inciso IV do art. 1.103 do
Código Civil, a respeito de um dos deveres do liquidante366 – norma inserta nas regras gerais
do diploma civilista, aplicáveis a todas as sociedades. E, assim, direitos de terceiros sejam
protegidos367 também, evitando-se a extinção abrupta da sociedade.368

A existência de uma organização externa, personificada ou não,369 a partir da qual os


negócios e o patrimônio sociais são conduzidos e formados, respectivamente, impõem a
necessidade de um percurso de extinção gradativa da sociedade,370 a fim de se acautelar as
relações imbrincadas a partir e em função do negócio societário.371-372

363
“Art. 1.036. Ocorrida a dissolução, cumpre aos administradores providenciar imediatamente a investidura do
liquidante, e restringir a gestão própria aos negócios inadiáveis, vedadas novas operações, pelas quais
responderão solidária e ilimitadamente. Parágrafo único. Dissolvida de pleno direito a sociedade, pode o
sócio requerer, desde logo, a liquidação judicial.”
364
“Art. 1.102. Dissolvida a sociedade e nomeado o liquidante na forma do disposto neste Livro, procede-se à
sua liquidação, de conformidade com os preceitos deste Capítulo, ressalvado o disposto no ato constitutivo
ou no instrumento da dissolução.”
365
PENTEADO, Mauro Rodrigues. Dissolução e liquidação de sociedades cit., p. 21.
366
“Art. 1.103. Constituem deveres do liquidante: [...] IV – ultimar os negócios da sociedade, realizar o ativo,
pagar o passivo e partilhar o remanescente entre os sócios ou acionistas.”
367
“Os preceitos legais sobre a dissolução-procedimento visam, de um lado, assegurar a justa repartição, entre
os sócios, dos sucessos do empreendimento comum, no encerramento deste; e, de outro, a proteção dos
credores da sociedade empresária” (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa
cit., v. II, p. 570).
368
“Na dissolução e liquidação da sociedade, deve ser considerada, por um lado, a tutela dos terceiros credores,
a fim de impedir que o patrimônio social lhes seja subtraído, e, por outro lado, as relações internas, entre os
sócios, quanto à repartição do ativo líquido social” (ASCARELLI, Tullio. Problemas das Sociedades
Anônimas e direito comparado cit., p. 27).
369
“Na sociedade despersonalizada o raciocínio é idêntico. Seja qual for a teoria que se adote para explicar a
natureza de uma sociedade sem personalidade, ainda assim o ente subjetivo realiza negócios em nome
próprio, fazendo com que exista um patrimônio autônomo a ser desconstruído, com apuração de haveres e
pagamento” (ALBUQUERQUE, Luciano Campos de. Dissolução de sociedades cit., p. 107).
370
“Aos poucos vai surgindo a ideia de se desenvolver um processo extintivo completo para a sociedade,
fazendo com que as obrigações sejam quitadas antes da extinção do órgão social. [...] é a partir do surgimento
da pessoa jurídica e do patrimônio autônomo que se percebe uma consciência jurídica geral de que a extinção
da sociedade deve ser feita por meio de um processo. O avanço trouxe consigo a criação de um processo de
117

Como já se expôs antes, de maneira diversa do que ocorre no consórcio, a constituição


de sociedade dá origem a um novo ente que, ainda que despersonificado, como um centro de
imputação de interesses, passa a desempenhar os negócios resultantes da comunhão de objetos
dos sócios. Encerra-se, então, uma organização autônoma que não pode ser dissolvida de uma
hora para a outra, de maneira abrupta, sob pena de imputar prejuízos àqueles que negociaram
com a sociedade como tal, haja vista que o contrato de sociedade, mesmo após a identificação
de uma causa extintiva, permanece produzindo efeitos.373 A sociedade, então, não se extingue,
quando se dissolve, mas entra em fase de liquidação.374-375

Nesse contexto, a autonomia ou a especialização patrimonial também se destacam


como justificativas para a dissolução em sentido amplo, no caso das sociedades. A massa
patrimonial, segregada em relação aos patrimônios dos sócios, e que está afetada ao
desenvolvimento dos negócios sociais, oferecendo-se como garantia imediata aos credores,
deve ser liquidada, antes de que a sociedade desapareça do mundo jurídico.376 O termo de

liquidação complexo. [...] ressalta-se o nexo entre a moderna liquidação e o patrimônio autônomo” (Ibidem,
p. 98).
371
“Assim, apesar de a sociedade poder ser criada por um único ato de fundação de seus sócios (celebração do
contrato social ou realização da assembléia de constituição com eventual posterior arquivamento
assegurando-lhe personalidade jurídica), seu desaparecimento não se dá de forma instantânea’ ; requer que as
relações jurídicas, com os sócios e com terceiros (internas e externas), estabelecidas durante sua vigência,
sejam previamente equacionadas determinando- se o destino dos bens que eventualmente venham a compor
seu patrimônio. Seu encerramento demanda um procedimento, que é chamado pela doutrina e pela lei
societária de “dissolução”, ou “dissolução em senso amplo” (SATIRO, Francisco. Breves notas sobre o
estado de liquidação da sociedade. In: CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de; ARAGÃO, Leandro Santos de.
Direito societário. Desafios atuais. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 442-443).
372
“Após o surgimento de uma causa de extinção do contrato de sociedade ainda existirá um emaranhado de
relações jurídicas entre as partes contratantes e, ainda, destas para com terceiros” (ALBUQUERQUE,
Luciano Campos de. Dissolução de sociedades cit., p. 44).
373
“A dissolução surge no direito societário em razão da necessidade prática de se disciplinar o final do contrato
de sociedade diferentemente dos outros contratos, pois mesmo após o aparecimento da causa de extinção, o
contrato de sociedade continua a produzir efeitos. [...] a dissolução representa a extinção específica do
contrato de sociedades” (Ibidem, p. 102).
374
“Modificação e não extinção. A sociedade, como relação e como pessoa colectiva, não se extingue quando se
dissolve. Outros factos jurídicos devem produzir-se para que a extinção se verifique. O carácter específico
desta modificação indica-se sinteticamente dizendo que a sociedade entrou na fase de liquidação”
(VENTURA, Raúl Ventura. Dissolução e liquidação de sociedades: comentário ao Código das Sociedades
Comerciais. Coimbra: Almedina, 2011. p 17).
375
“Dissolvida, entra a sociedade na fase da liquidação. Esta, no sentido Cód. Comercial, compreende a
conclusão das operações iniciadas antes da dissolução, o reconhecimento ou verificação do valor exato do
ativo, a transformação dêste ativo em dinheiro, de modo que o patrimônio da sociedade se torne inteiramente
um capital em espécie, e o pagamento aos credores, para ser partilhado o saldo entre os sócios”
(MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial. São Paulo: Freitas Bastos, 1963. v.
III, livro II, parte III, p. 234-235).
376
“Dissolvida, entra a sociedade na fase da liquidação. Esta, no sentido Cód. Comercial, compreende a
conclusão das operações iniciadas antes da dissolução, o reconhecimento ou verificação do valor exato do
ativo, a transformação dêste ativo em dinheiro, de modo que o patrimônio da sociedade se torne inteiramente
118

liquidação, não se esqueça, deriva do ato de liquidar, que, como destacado por J.X. Carvalho
de Mendonça, corresponde a “reduzir a dinheiro até onde e por quanto seja possível o
patrimônio social”.377

Nas palavras de Luciano Albuquerque, “[a] presença do patrimônio autônomo torna


impensável que a sociedade se extinga sem um acerto de contas com referência às obrigação
do ente separado da pessoa dos sócios”.378

Nem toda hipótese de extinção de sociedade, contudo, importará a inauguração da fase


liquidatória. Somente nos casos em que se buscar a extinção de direitos e deveres do ente, é
que se afigurará necessária a liquidação. É nesse sentido que se dispensa, nas hipóteses de
fusão, incorporação e cisão, por exemplo, a etapa de liquidação, pois, nestas, os direitos e
obrigações são automaticamente transferidos a outrem,379 e a extinção da personalidade
jurídica decorre da própria reorganização implementada.

Etapa primordial ao processo de dissolução societária, que culminará na extinção da


sociedade, é a liquidação:

[...] a extinção representa a conjugação e a conclusão de uma série de atos e


negócios jurídicos legalmente previstos para que se ponha termo à
sociedade, ao contrato social e à pessoa jurídica. Em razão disso, a doutrina
mais atualizada a qualifica como uma fattispecie de formação sucessiva, que
tem em qualquer uma das causas de dissolução o seu “fato prodrômico”, ao
qual se segue o procedimento de liquidação, que visa, basicamente, a
realização do ativo, o pagamento de todo o passivo e a partilha do
remanescente entre os acionistas.380

Aliás, a existência de uma fase intermediária, entre a causa de extinção e a extinção,


propriamente, difere o contrato de sociedade de outros contratos, a respeito do encerramento,
haja vista que, em outros (como os contratos bilaterais, por exemplo), a identificação de uma

um capital em espécie, e o pagamento aos credores, para ser partilhado o saldo entre os sócios” (Ibidem, p.
234-235).
377
MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial cit., p. 246.
378
ALBUQUERQUE, Luciano Campos de. Dissolução de sociedades cit., p. 98.
379
“[...] nem toda dissolução traz como consequência um procedimento de liquidação. Este se faz prescindível
nos casos da incorporação, fusão e cisão. A liquidação tem razão de existir pela necessidade de se
extinguirem os direitos e deveres do ente subjetivo, para que a sociedade não mais os tenha na hora de se
extinguir. Ocorre que, quando do aparecimento destas figuras, os direitos e obrigações são transferidos a
outra pessoa. A liquidação não será necessária” (Ibidem, p. 124).
380
PENTEADO, Mauro Rodrigues. Dissolução e liquidação de sociedades cit., p. 55-56.
119

causa dissolutiva, se implementada, implicará extinção imediata do vínculo contratual, sem a


necessidade de um encerramento gradativo.

Segundo Nelson Eizirik, a liquidação, no âmbito do processo dissolutivo da sociedade,


constitui

um procedimento, um conjunto de atos interligados, cujo fim é a extinção da


companhia objetivando: (i) apurar e vender os ativos; (ii) identificar e pagar
os passivos; e (iii) partilhar o remanescente entre os acionistas. Trata-se de
uma nova fase na existência da companhia, em que o interesse social não é
mais o da realização do objeto com fim lucrativo, mas o de proceder à sua
extinção da melhor forma possível, pagando os credores e dividindo o saldo
existente entre os acionistas.381

Inaugurada pela dissolução-ato, a fase de liquidação da sociedade tem por objetivo


ultimar os negócios sociais e realizar o patrimônio,382 até a extinção do ente383-384 (o que
acarreta, no caso das sociedades personificadas, a manutenção da personalidade jurídica385-386-
387
até a extinção).388-389

381
EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A comentada: arts. 206 a 300 cit., p. 45.
382
“A finalidade precípua da liquidação da sociedade por ações é a de extinguir, pelo pagamento das dívidas e
do resíduo, que se retira, aos acionistas, o patrimônio social” (PONTES DE MIRANDA, Francisco
Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte especial. t. L. Direito das obrigações: sociedades por ações cit.,
p. 49).
383
“O processo de liquidação é inaugurado pelo ato deliberativo que aprova a dissolução de uma sociedade
simples ou empresarial. Durante o referido processo são apuradas e resolvidas as obrigações sociais
pendentes, identificando-se e quantificando-se as dívidas vencidas e vincendas, bem como os ativos, com
vistas à realização dos créditos e eliminação dos passivos, para viabilizar o rateio entre os sócios do saldo que
restar, chegando-se, finalmente, à extinção da sociedade, com o cancelamento do registro da pessoa jurídica,
perante o cartório competente” (WALD, Arnoldo. Direito civil: direito de empresa cit., p. 321).
384
“O têrmo liquidação, portanto, no sentido único que aqui pode ter, designa uma fase ou estado transitório, em
que se praticam atos e operações destinados a exonerar o patrimônio social das dívidas e a preparar a partilha
do remanescente, reduzido a dinheiro, pelos sócios. Abrange, pois, o período que vai da data em que a
sociedade cessa a exploração normal do seu objeto até a partilha, exclusive” (VALVERDE, Trajano de
Miranda. Sociedade por ações cit., p. 14).
385
Art. 51 do Código Civil: “Nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a autorização para seu
funcionamento, ela subsistirá para os fins de liquidação, até que esta se conclua. § 1º Far-se-á, no registro
onde a pessoa jurídica estiver inscrita, a averbação de sua dissolução. § 2º As disposições para a liquidação
das sociedades aplicam-se, no que couber, às demais pessoas jurídicas de direito privado. § 3º Encerrada a
liquidação, promover-se-á o cancelamento da inscrição da pessoa jurídica”.
386
Art. 207 da Lei das S.A.: “A companhia dissolvida conserva a personalidade jurídica, até a extinção, com o
fim de proceder à liquidação”.
387
“A discussão longa, que se travou em torno da sobrevivência da pessoa jurídica no período final da existência
da sociedade, acabou por ser resolvida com o reconhecimento de que a indispensável eliminação das
obrigações ativas e passivas da organização societária impunha a sobrevivência o ente” (PENTEADO, Mauro
Rodrigues. Dissolução e liquidação de sociedades cit., p. 26).
388
“Anote-se, ainda, que a dissolução da sociedade não tira dela sua personalidade jurídica; o que faz com que
desapareça tal personalidade é a extinção da sociedade” (BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Dissolução,
120

Pode-se dizer, então, que o procedimento complexo de dissolução, contemplando a


fase de liquidação, é consequência da autonomia ou especialização patrimonial e da
existência, nas sociedades, de um centro de imputação de interesses, que, para extinção da
figura societária em si, precisam ser, antes, dissolvidos. E é justamente esse desfazimento da
massa patrimonial, bem como da entidade que decorre da organização societária, que perfaz o
objetivo do procedimento de dissolução. Nesse sentido, Mauro Penteado:

No caso da dissolução e liquidação, esse prisma apresentar particular


interesse, por evidenciar que a afirmação do instituto, tal como é
modernamente regulado, decorreu do reconhecimento da autonomia
patrimonial das sociedades e da identificação, nestas, do centro de imputação
de relações jurídicas, desvinculado, pelo menos em linha de princípio, de
seus sócios. Na aguda observação de Rocco, a liquidação é, ao mesmo
tempo, uma consequência e uma conquista da autonomia patrimonial e da
personalidade jurídica, ou seja, a dissolução, que num primeiro momento
coincidia com a própria extinção, desta apartou-se para que entre ambas
fosse inserido o procedimento de liquidação, indispensável à desativação do
mecanismo societário, de forma mais ou menos demorada, dependendo da
complexidade deste, após a verificação de uma causa de dissolução.390

Um último e breve comentário, a respeito dos procedimentos de dissolução da


sociedade em comum e da sociedade em conta de participação, faz-se necessário.

Apesar de despersonificados, ambos os tipos societários dispõem de patrimônios


especiais.

Na sociedade em comum, o patrimônio é titularizado em comunhão por todos os


sócios, mas a massa patrimonial se destina ao exercício da atividade social. A dissolução
daquela, portanto, elimina o elemento que justifica a afetação, de modo que faz sentido se
falar de uma fase com propósitos semelhantes ao da liquidação.391 Não à toa o Código Civil

liquidação e extinção da sociedade empresária à luz das legislações civil e falimentar (a falência como causa
(ou não) de extinção da personalidade jurídica da sociedade empresária) cit., p. 627).
389
Segundo Mauro Penteado, a noção de liquidação na esfera societária “tanto expressa o estado jurídico em que
é posta a companhia após a verificação de uma das causas de dissolução legal ou estatutariamente previstas
quanto designa o procedimento instaurado, voluntária ou judicialmente, com vistas à realização do ativo, o
pagamento do passivo e a partilha do acervo remanescente entre os sócios ou acionistas. [...] a companhia
pode ingressar no estado de liquidação e nele permanecer, por mais ou menos tempo, sem que seja iniciado o
procedimento de liquidação” (PENTEADO, Mauro Rodrigues. Dissolução e liquidação de sociedades cit., p.
20).
390
PENTEADO, Mauro Rodrigues. Dissolução e liquidação de sociedades cit., p. 25-26.
391
“Os sócios são titulares de um patrimônio especial (CC, art. 988). Se a sociedade permanece irregular e nessa
condição tem seu término, há que se pensar em um procedimento que apure haveres, pague terceiros e divida
créditos ou débitos entre os sócios, mesmo que a responsabilidade pelas obrigações sociais seja solidária e
ilimitada (art. 990). Na análise histórica do instituto da dissolução (item 3.1), procurou-se demonstrar que,
121

prevê regência subsidiária das sociedades simples (que dispõe de regime dissolutivo
complexo).

Por sua vez, a sociedade em conta de participação, apesar de a legislação também ter a
ela atribuído um patrimônio especial, não dá origem a um patrimônio comum – pois os
elementos patrimoniais, afetados à realização da atividade social, são incorporados ao
patrimônio do sócio ostensivo. Assim, em que pese o Código Civil tratar da liquidação da
SCP, diferentemente do que ocorre nos demais tipos societários, ela se opera por simples
prestação de contas dos sócios ostensivos aos sócios participantes.392-393

Considerações mais aprofundadas sobre os aspectos da dissolução societária, inclusive


quanto às sociedades despersonificadas, e sua eventual compatibilidade com o contrato de
consórcio serão desenvolvidas adiante.

Antes, à luz da realidade contratual do consórcio, que não se caracteriza como tipo
societário, é necessário delinear as modalidades extintivas das relações contratuais (por causas
posteriores à formação do negócio jurídico) estabelecidas pela legislação brasileira.

3.3 Dissolução contratual: extinção por causa superveniente à formação do negócio


jurídico

Viu-se que o regime de dissolução societária não contempla apenas a indicação de


causas extintivas, mas também define um procedimento complexo, de extinção gradual,394

mesmo antes da sociedades personalizadas, existia um procedimento extintivo, ainda que diverso da forma
atual. Para a fase de extinção aplicar-se-á, no que forem compatíveis, as disposições referentes ao processo de
extinção da sociedade simples” (ALBUQUERQUE, Luciano Campos de. Dissolução de sociedades cit., p.
128).
392
“Art. 996. Aplica-se à sociedade em conta de participação, subsidiariamente e no que com ela for compatível,
o disposto para a sociedade simples, e a sua liquidação rege-se pelas normas relativas à prestação de contas,
na forma da lei processual. Parágrafo único. Havendo mais de um sócio ostensivo, as respectivas contas serão
prestadas e julgadas no mesmo processo.”
393
“A conta de participação é sociedade, embora não personificada; é, portanto, contrato; e, respeitadas as regras
próprias do tipo societário (que exige sempre a presença de pelo menos um sócio ostensivo e um
participante), não há óbice para que nela não possam operar certas hipóteses de dissolução parcial stricto
sensu, como, dentre outras, a exclusão. Por isso, não se vê razão para afastar peremptoriamente a disciplina
processual (em sentido contrário, porém: Humberto Theodoro Jr., Curso de Direito Processual Civil, cit., 50a
ed., vol. III, n. 139, p. 224). É certo, porém, que a liquidação segue as regras da prestação de contas (CC, art.
996)” (FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes; ADAMEK, Marcelo Vieira von. Direito processual
societário. Comentários breves ao CPC/2015. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2021. p. 27, nota de rodapé 14).
394
“[...] a relação jurídica criada pelo contrato de sociedade pode e deve ser encaminhada para uma extinção
gradual, em vez de ser sujeita a um termo brusco. As legislações modernas realizam geralmente este
122

que se justifica em função da presença de elementos peculiares ao contrato de sociedade – o


que resulta em um também especial processo de encerramento.

O regime jurídico principal dos consórcios, estabelecido pelos arts. 278 e 279 da LSA,
nada dispôs a respeito da dissolução; nem no que toca às causas (dissolução em sentido
estrito), nem quanto ao procedimento a ser observado pelas partes a fim de se extinguir o
respectivo contrato (dissolução em sentido amplo).

Assim, diante da ampla discricionariedade que foi conferida, pela própria legislação,
aos contratantes, serão admitidas como causas de dissolução todas aquelas que tiverem sido
previstas no contrato (desde que não sejam, por outros motivos, eivadas de algum vício).

Contudo, a incompletude contratual é inerente a contratos complexos395 e, por esse


motivo, os contratos de consórcio podem não conter sequer dispositivos indicando as causas
de sua dissolução (para além de um eventual procedimento a ser adotado pelas partes nesse
momento).

Não se revela suficiente a afirmação de que o próprio contrato suprirá a omissão


legislativa, portanto. E essa insuficiência conduz à verificação de se e quais causas de
dissolução seriam aplicáveis, indistintamente, aos consórcios, considerando as regras contidas
no ordenamento pátrio bem como a identificação da necessidade ou não de um procedimento
dissolutivo complexo, tal qual existe para as sociedades.

Apesar de tipificado, com características associativas e plurilaterais, o contrato de


consórcio, enquanto instrumento de constituição de um negócio jurídico especial, não nega,
nem afasta a sua contratualidade. A dissolução de um consórcio é, por essência, a dissolução
de um contrato.

objectivo pela concatenação da dissolução e da liquidação da sociedade” (VENTURA, Raúl Ventura.


Dissolução e liquidação de sociedades: comentário ao Código das Sociedades Comerciais cit., p. 12).
395
“Os contratos de colaboração tendem a não prever a disciplina de todos os problemas que podem ser
enfrentados pelas partes durante o negócio. [...] no momento da celebração é impossível deter todas as
informações sobre o negócio e sobre seu contexto, inclusive futuro. [...] Por isso, muitos contratos,
especialmente os complexos, são natural e inexoravelmente incompletos” (FORGIONI, Paula A. Contratos
empresariais: teoria geral e aplicação cit., p. 203)
123

Ascarelli, inclusive, utiliza o termo “dissolução” para tratar do encerramento do


contrato plurilateral, estabelecendo-o como consequência do não preenchimento dos
requisitos para o caráter instrumental desse tipo de pacto.396

E os meios de extinção de um contrato (que é a consequência da implementação de


uma causa de dissolução) são regulados pelo Código Civil, nas modalidades de resolução e
resilição, principalmente. São formas de extinguir, exclusivamente, a relação contratual,397
para além das formas de extirpação de obrigações (as quais, por via de consequência, podem
levar à eliminação do vínculo contratual).398-399

O modo natural de extinção dos contratos é por meio de sua execução: pelo
cumprimento de todas as obrigações nele pactuadas, pelo alcance do seu fim ou, então, pelo
advento do seu termo final (se de prazo determinado). Cumprido seu fim (ou todo o conjunto
de obrigações contratadas) ou atingido seu prazo, o contrato será extinto, por execução,
extinguindo-se também todos os direitos e obrigações consubstanciados no pacto.400

396
ASCARELLI, Tullio. Problemas das Sociedades Anônimas e direito comparado cit., p. 397-398.
397
“Existem, todavia, formas de extinção exclusivas das relações contratuais. Trata-se de causas extintivas
próprias dos contratos, peculiares, portanto, às relações oriundas de negócios jurídicos bilaterais e
patrimoniais. A terminologia utilizada para sistematizar as formas de extinção dos contratos é bastante
diversificada, abordada pela doutrina com riqueza de designações e significados” (TEPEDINO, Gustavo;
KONDER, Carlos Nelson; BANDEIRA, Paula Greco. Fundamentos do direito civil – Contratos cit., p. 137).
398
Sobre as modalidades extintivas do contrato, Caio Mario aponta que consistem em “causas específicas de
terminação da vida do contrato”, e não nas “causas extintivas das obrigações que, por via de consequência,
dissolvem o contrato (De Page)” (PEREIRA, Caio Mario da Silva. Contratos e obrigações – Pareceres cit., p.
56-57).
399
O regime de extinção das obrigações não equivale ao regime de extinção dos contratos; não à toa, é possível
que se extinga obrigação, sem que o contrato também seja extinto. Deve-se anotar, contudo, as hipóteses
chamadas de extinção indireta do contrato, quando as causas extintivas das obrigações coincidem com causa
de dissolução do contrato (pp. 59-60): “[e]xemplo clássico é a inexecução de uma obrigação principal, de
grande relevância para a relação contratual, que contamina todo o contrato e o deixa imprestável aos fins a
que se destinava” (PEREIRA, Rafael Setoguti Julio. A extinção do acordo de acionistas. São Paulo: Quartier
Latin, 2019. p. 60).
400
“O vocábulo extinção deve reserva-se para todos os casos nos quais o contrato deixa de existir. [...]
Cumpridas as obrigações, o contrato está executado, seu conteúdo esgotado, seu fim alcançado. Dá-se, pois, a
extinção. [...] A execução é, essencialmente, o modo normal de extinção dos contratos. pode ser instantânea,
diferida, ou continuada. Nesta última hipótese os efeitos do contrato prolongam-se, repetindo-se as
prestações, sendo comum a aposição de termo para limitar a sua duração. Diz-se, então, que o contrato é por
tempo determinado, no qual o advento do termo final lhe acarreta a extinção, também por execução. [...] A
extinção normal do contrato, por execução, não suscita qualquer problema em relação à forma e aos efeitos.
Executado o contrato, estão extintas, por via de consequência, as obrigações e direitos que originou”
(GOMES, Orlando. Contratos cit., p. 173).
124

O contrato, porém, pode ser extinto antes mesmo de que seu fim tenha sido atingido,
que todas as obrigações nele pactuadas tenham sido adimplidas.401 Afinal, os contratos, em
especial os comerciais, estão condenados a um dia serem encerrados.402

Orlando Gomes explica que, nessas hipóteses, deve-se distinguir a extinção do


contrato por causas anteriores ou contemporâneas à formação do contrato, daquela decorrente
de causas posteriores. Na primeira situação, tem-se a extinção do contrato por anulação; na
segunda, por dissolução.403-404

As modalidades de dissolução dos contratos (ou seja, extinção por causas supervenientes),
de acordo com o regramento civil pátrio, são as seguintes: resolução, resilição e rescisão (apesar
de esta não consistir em uma modalidade autônoma, como se verá a seguir).405 Trata-se do
conjunto de casos de ineficácia em sentido estrito, já que a extinção se dá por motivo posterior à
celebração do contrato, seja por vontade de todas as partes, por vontade de apenas uma delas, por
força de inadimplemento ou por força de onerosidade excessiva.406

Em breve síntese, antes de se adentrar nos detalhes de cada uma das modalidades
dissolutivas, a resolução é cabível nas situações de inexecução, a resilição ocorre por força de
declaração de vontade de uma ou todas as partes e a rescisão (que por vezes assume feição de
resolução e por outras de resilição) corresponde à “ruptura de contrato em que houve lesão”.407

401
“O contrato se extingue, porque na origem há impossibilidade absoluta ou invalidade (nulidade ou
anulabilidade), ou porque a relação que nasceu possível e válida é alvo de fenômeno superveniente, que
destrói os seus efeitos e, com isso, extingue a própria relação originária. [...] Ademais, a extinção do contrato
que deriva do pagamento é o que se pode chamar de dissolução normal do negócio, enquanto a resolução por
impossibilidade da prestação ou inadimplemento da outra parte reflete uma situação de anormalidade”
(AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos cit., p. 417-418).
402
“Os contratos comerciais, como todos os restantes, estão condenados ao desaparecimento: mais tarde ou mais
cedo, o complexo dos vínculos negociais criado pelo contrato será extinto, seja por disposição da lei,
iniciativa das partes ou intervenção judicial” (ANTUNES, José A. Engracia. Direito dos contratos
comerciais cit., p. 320).
403
GOMES, Orlando. Contratos cit., p. 174.
404
No mesmo sentido, o Prof. Fabio Ulhoa Coelho: “Afora as causadas pelo fim das obrigações contratadas, são
duas as espécies de extinção de contrato: invalidação (item 8) e dissolução (item 9). Na extinção por
invalidação, a existência do contrato desintegra-se pela ausência de validade; na extinção por dissolução, em
função do desinteresse na sua eficácia ou impossibilidade. [...] A invalidação consiste em fatos jurídicos
contemporâneos à constituição do contrato que importam a sua nulidade ou anulabilidade. Já a dissolução diz
respeito a fatos jurídicos posteriores, em virtude dos quais pelo menos um dos contratantes perde o interesse
na eficácia do contrato” (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil: contratos cit., p. 52).
405
GOMES, Orlando. Contratos cit., p. 174.
406
AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos cit., p. 419-420.
407
GOMES, Orlando. Contratos cit., p. 194.
125

3.3.1 Resolução

A resolução de um contrato é o meio de extingui-lo (ou dissolvê-lo) em razão do


inadimplemento,408 por uma das partes, de uma ou mais de suas obrigações.409 Ou seja,
quando um dos contratantes deixa de cumprir parte das ou todas as obrigações que assumiu
perante o outro, em função do contrato, o contratante prejudicado poderá executar a obrigação
inadimplida ou, então, resolver o contrato.410

Distinguindo as causas de extinção das obrigações das causas de extinção do


contrato, Orlando Gomes anota que quando a causa extintiva das obrigações coincide com
a causa específica da dissolução do contrato, este é extinto por via de consequência. De
outro lado, as obrigações são extintas, por consequência, quando a causa específica de
dissolução contratual atinge, de maneira direta, essas obrigações. Registra, ainda, que se
pode exigir a execução do contrato, para fins de cumprimento da obrigação inadimplida,
ou, caso se opte pela resolução do contrato, exigir o pagamento de indenização, para
reparar as perdas e os danos.411 Em sentido semelhante, aliás, posiciona-se José Engracia
Antunes.412

A possibilidade de resolução do contrato por inexecução é tida como cláusula


implícita em todo e qualquer contrato; o que não afasta a prerrogativa das partes de disporem

408
“Opera-se a resolução em decorrência de descumprimento de cláusula contratual, bem como por onerosidade
excessiva. A cláusula resolutiva pode ser expressa ou tácita. A primeira opera-se quando há específica
previsão de dissolução do contrato diante de inexecução de obrigação. O art. 474 da Lei Civil, para este caso,
dispensa a interpelação, uma vez que a mora se verifica automaticamente – dies interpellat pro homine. [...]
Na falta de cláusula resolutiva expressa e diante de descumprimento da obrigação, a parte interessada deverá
interpelar o inadimplente, a fim de caracterizar a mora, seguindo-se, então, o pedido judicial. Quando
expressa, a resolução é de pleno direito” (NADER, Paulo. Curso de direito civil: contratos. 8. ed. rev., atual.
e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. v. 3, p. 106).
409
“A resolução cabe nos casos de inexecução. Classifica-se esta em falta de cumprimento ou inadimplemento
stricto sensu, mora, e cumprimento defeituoso. A inexecução pode ser imputável ou inimputável ao devedor”
(GOMES, Orlando. Contratos cit., p. 174).
410
“Algumas vezes, entretanto, uma das partes não cumpre ou não pode cumprir a obrigação oriunda do
contrato. A outra parte fica, assim, prejudicada pelo fato de não ser cumprida, pela parte contrária, a
obrigação assumida. Pode, em tal caso, a parte prejudicada pôr fim ao contrato. Diz-se que, em tal caso, há
resolução. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe
o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos (Código Civil, art. 475)”
(MARTINS, Fran. Curso de direito comercial – Contratos e obrigações comerciais cit., p. 87).
411
GOMES, Orlando. Contratos cit., p. 174-175.
412
“De acordo com a visão clássica dos contratos, os negócios jurídicos bilaterais ou plurilaterais nascem apenas
com o encontro de vontades dos sujeitos jurídicos e morrem com a extinção das obrigações emergentes (por
cumprimento, compensação, remissão, etc.) ou do negócio no seu todo (por resolução, revogação,
caducidade, etc.)” (ANTUNES, José A. Engracia. Direito dos contratos comerciais cit., p. 328).
126

cláusula resolutiva expressa, conforme indicado no art. 474 do Código Civil.413 Caso esta não
exista, contudo, a resolução dependerá de interpelação judicial.414

Orlando Gomes anota que a resolução se opera retroativamente (ex tunc), a fim de que
as partes retomem o estado anterior à celebração do contrato, mediante restituições recíprocas;
exceto se se tratar de contrato de duração, pois, nesse caso, as prestações já realizadas não são
afetadas, operando-se a resolução de modo ex nunc.415-416 O mesmo autor defende, ainda, que
os efeitos da resolução perante terceiros devem ser os mesmos que os aplicáveis às partes.417

Em sentido contrário, o Prof. Fabio Ulhôa Coelho aponta que nenhuma das hipóteses
de dissolução contratual (no que se inclui a resolução) é operada retroativamente; no caso de
contratos de execução instantânea, em que, de fato, se defende a restituição das prestações, o
comercialista pontua que a restauração do status quo é subsequente ao fato dissolutório.418

413
“Em relação a terceiros que hajam adquirido direitos medio temporis, isto é, entre a conclusão e a resolução
do contrato, a retroação somente atinge os direitos de crédito. Se o terceiro houver adquirido direito de
natureza real, este não se resolve por via de consequência. Nesse caso, pode o credor pedir indenização do
dano que sofreu. Outra solução é, no entanto, defendida, com apoio no princípio de que ninguém pode
transferir mais direito do que tem. Assim, os efeitos da resolução devem ser os mesmos em relação às partes
e a terceiros” (GOMES, Orlando. Contratos cit., p. 180).
414
“Por disposição legal, há, em todo contrato bilateral, implicitamente, uma cláusula resolutiva, pela qual a
inexecução de uma parte autoriza a outra a pedir a resolução” (Ibidem, p. 176).
415
“A resolução pressupõe inadimplemento, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o fato e o
prejuízo. Resulte de pacto comissório expresso ou não, a resolução produz efeitos, assim entre as partes como
em relação a terceiros. O efeito específico da resolução é extinguir o contrato retroativamente. Opera ex tunc.
Esse efeito corresponde à intenção presumida das partes. Extinto o contrato pela resolução, apaga-se o que se
executou, devendo-se proceder a restituições recíprocas, se couberem. Contudo, só é possível remontar à
situação anterior à celebração do contrato se este não for de trato sucessivo, pois, do contrário, a resolução
não tem efeito em relação ao passado; as prestações cumpridas não se restituem. O efeito da resolução entre
as partes varia, pois, conforme o contrato, seja de execução única ou de duração. No primeiro caso a
resolução opera ex tunc, no segundo, ex nunc” (GOMES, Orlando. Contratos cit., p. 179).
416
No mesmo sentido, sobre a resolução de contratos de longo prazo, Giuliana Bonanno Schunck: “Nos casos de
resolução de contrato de longa duração, entendemos que, na maioria das hipóteses, a resolução se operará
apenas com efeitos a partir daquela data, ou seja, ex nunc, já que as prestações entregues e acabadas muitas
vezes não poderão ser devolvidas ou até mesmo o credor não terá interesse em devolvê-las e nem o devedor
em recebê-las de volta. [...] Assim, na maioria dos casos de contratações de longo prazo, a resolução vai se
operar de forma ex nunc, não retroagindo ao passado, mas tendo efeitos apenas a partir do descumprimento à
frente” (Contratos de longo prazo e dever de cooperação. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo,
2013. p. 207).
417
GOMES, Orlando. Contratos cit., p. 180.
418
“Não produz efeitos retroativos a dissolução do vínculo contratual. É certo que na dissolução de contrato de
execução instantânea, muitas vezes as partes devem retornar à situação jurídica anterior à da contratação,
tendo direito à restituição do que entregou e devendo devolver o que recebeu. Essa consequência da
dissolução, entretanto, não caracteriza a retroatividade da decisão judicial ou do ato das partes, apesar de
alguma tecnologia em contrário (Aguiar Jr., 2004:63/64). A restauração da situação jurídica anterior ao
contrato é subsequente ao fato dissolutório, que apenas aproveita a estrutura fática pretérita como parâmetro
para a definição dos direitos e obrigações que passam a titular os antigos contratantes” (COELHO, Fábio
Ulhoa. Curso de direito civil: contratos cit., p. 53).
127

A inexecução que motive a resolução, contudo, pode ser voluntária ou involuntária, de


maneira que haverá diferenças quanto aos efeitos gerados em cada uma dessas situações
resolutivas.

Na inexecução voluntária, o inadimplemento se dá por vontade, por culpa da parte;


houve, de fato, a intenção de descumpri-lo. Isso acarreta, na visão de Orlando Gomes,
também a sujeição do inadimplente à reparação dos prejuízos sofridos pela outra parte.419

Já na inexecução involuntária, a parte não cumpre sua obrigação por fato alheio à sua
vontade, que caracterize impossibilidade superveniente, objetiva, total e definitiva de cumprir
a obrigação. A resolução, em tais moldes, também se opera de pleno direito, porém não
sujeita a parte faltosa à obrigação de indenizar o outro contratante.420

Outra modalidade de resolução está prevista no art. 478 do Código Civil: resolução
por onerosidade excessiva. Funda-se na possibilidade de alterações substanciais das bases
contratadas.421-422

Nessa hipótese, a prestação cabível a uma das partes torna-se demasiadamente


onerosa, por força de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis que dificultem, de
maneira grave, o cumprimento da obrigação.

São estabelecidos quatro requisitos para a resolução por onerosidade excessiva:


contrato de execução diferida, continuada ou periódica; onerosidade excessiva da prestação de
uma das partes; extrema vantagem para a outra parte; e fatos supervenientes extraordinários e
imprevisíveis.

419
“A resolução por inexecução culposa não produz apenas o efeito de extinguir o contrato para o passado.
Sujeita ainda o inadimplente ao pagamento de perdas e danos. A parte prejudica pelo inadimplemento pode
pleitear a indenização dos prejuízos sofridos, cumulativamente com a resolução” (GOMES, Orlando.
Contratos cit., p. 180).
420
GOMES, Orlando. Contratos cit., p. 180-182.
421
“Costuma-se, ainda, admitir a resolução do contrato quando, por motivos não previstos e não desejados pelas
partes, uma prestação se torna de tal modo onerosa que seria, evidentemente, injusto o seu cumprimento pela
parte obrigada a realizá-la. Em tal situação, tendo em vista que, em princípio, as prestações devem ser
equivalentes, existiria um sensível prejuízo para uma das partes que, ao contratar, não visava fazer prestação
assim onerosa. A justificativa desse modo de resolução está amparada na teoria da imprevisão. À base dessa
teoria é o fato de não ser razoável que, por circunstâncias estranhas, uma das partes seja levada ao sacrifício
em proveito da outra” (MARTINS, Fran. Curso de direito comercial – Contratos e obrigações comerciais
cit., p. 88).
422
“Na verdade, o que importa, para os fins do art. 478, é a onerosidade (“excessiva onerosidade”), e não tanto o
caráter sinalagmático que, como vimos, não é inteiramente unívoco” (AZEVEDO, Antonio Junqueira de.
Natureza jurídica do contrato de consórcio cit., p. 12).
128

Preenchidas essas condições, o devedor da obrigação (e não a parte credora) é quem


deverá requerer a resolução por onerosidade excessiva, que não se operará de pleno direito,
dependendo de interpelação judicial.423

De acordo ainda com Orlando Gomes, o efeito dessa resolução é retroativo, mas, em
um contrato de duração, as prestações satisfeitas não serão atingidas, pois já exauridas; e não
haverá que se cogitar de indenizar perdas e danos do outro contratante, o qual estará
exonerado de cumprir suas obrigações.424-425

Importa, ainda, distinguir a resolução da anulação, por conta de possíveis semelhanças


práticas entre elas. Ambas dependem de interpelação judicial, têm efeitos retroativos
(ressalvadas exceções como as dos contratos de duração, por exemplo) e geram a extinção do
contrato, como se jamais tivesse existido (apesar de terem produzido efeitos enquanto
existiam).426

No entanto, como exposto parágrafos antes, a anulação não é hipótese de dissolução


do contrato, como a resolução, pois decorre de causa anterior ou contemporânea à formação
da relação contratual. E aí está sua principal diferença: são distintas em função da causa.427

423
GOMES, Orlando. Contratos cit., p. 182-186.
424
Ibidem, p. 187.
425
No mesmo sentido, sobre a irretroatividade em contratos sucessivos, Gustavo Tepedino: “A resolução por
inadimplemento pode, ainda, ter efeitos retroativos, salvo se se tratar de obrigação de execução continuada ou
periódica” (TEPEDINO, Gustavo; KONDER, Carlos Nelson; BANDEIRA, Paula Greco. Fundamentos do
direito civil – Contratos cit., p. 147).
426
“Seja qual for a causa, a resolução é modo de dissolução dos contratos com traços nítidos e inconfundíveis,
embora se assemelhe, no modo de exercício e nos efeitos, à anulação. Um contrato anulável deixa de existir
no momento em que sua invalidade é decretada por iniciativa do interessado. Ao contrário do contrato nulo,
que não produz efeitos desde sua formação, o contrato anulável é eficaz até o momento em que é anulado,
produzindo efeitos, portanto, durante algum tempo. Mas declarada a sua anulação, extingue-se como se fosse
resolvido” (Ibidem, p. 187).
427
“No modo de exercício, por conseguinte, anulação e resolução se parecem, pois que se realizam mediante
ação judicial. Assim também nos efeitos. A anulação, assim como a resolução, tem efeito retroativo. Tudo o
que foi executado anteriormente desaparece como se o contrato jamais tivesse existido. Sob esse aspecto,
também [se assemelha à] resolução. Mas não se confundem. Distinguem-se pela causa. A anulação tem as
seguintes causas: 1ª) incapacidade relativa de um dos contratantes; 2º) vício do consentimento. A resolução é
a consequência [da inexecução das obrigações contratuais, voluntária ou involuntária, ou da onerosidade
excessiva de uma das prestações]. As causas determinantes da anulação de um contrato são necessariamente
anteriores ou contemporâneas à sua formação. As causas de resolução, supervenientes. Consequentemente, a
anulação não deve ser incluída entre os modos de dissolução do contrato [...]. A resolução, no entanto,
pressupõe contrato válido. Desata vínculo validamente formado. Dissolve relação que existiu normalmente.
A anulação é apenas o reconhecimento de que o negócio é defeituoso, embora sua deficiência não seja tão
grave que dispense a iniciativa da parte interessada em sua decretação” (GOMES, Orlando. Contratos cit., p.
187)
129

3.3.2 Resilição

Resilição é a modalidade de extinção de contrato pela vontade de uma ou todas as


partes428 – ou seja, desfazimento voluntário do contrato;429 tem-se, no primeiro caso, resilição
unilateral,430 e, no segundo, resilição bilateral (ou distrato, consistente no acordo para desfazer
o vínculo antes existente entre os contratantes431).

No distrato, meio de resilição bilateral, um outro negócio jurídico é celebrado para


extinguir ou modificar o anterior, caso efeitos já tenham sido produzidos, sem limitação de
conteúdo, mas apenas de forma (se a lei exigir, para o contrato distratado, forma
específica).432 Diz-se que o distrato seria um fator de ineficácia superveniente, não ligado à
formação do negócio jurídico.433 Consiste em desfazimento voluntário do contrato, por acordo
entre todas as partes. Sobre seus efeitos, defende-se que se operam ex nunc, apesar de Ruy
Rosado de Aguiar Junior anotar que competiria aos distratantes convencionar sobre os efeitos,
ressalvados os direitos adquiridos por terceiros, bem como eventuais impossibilidades de
restituição de prestações já consumidas.434-435

428
“A liberação dos contratantes opera-se então, por via da resilição voluntária. Consiste na dissolução do
vínculo contratual, mediante atuação da vontade que a criara. Pode ser bilateral ou unilateral” (PEREIRA,
Caio Mario da Silva. Contratos e obrigações – Pareceres cit., p. 57).
429
(VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil – Contratos cit., p. 161).
430
“A resilição unilateral poderá decorrer da lei ou ser estabelecida no próprio instrumento contratual. Assim,
somente nas hipóteses consensualmente previstas, ou em que a lei expressa ou implicitamente o permita,
poderá a manifestação de vontade de apenas um dos contratantes por fim aos efeitos do negócio. Mesmo
quando autorizada, a resilição poderá não gerar efeitos imediatos se houver a necessidade de resguardar o
outro contratante que confiava na manutenção do vínculo.15 O contrato continuará a produzir efeitos nos
termos do parágrafo único do art. 473 do Código Civil, por prazo que for compatível com a natureza e o vulto
dos investimentos, levando em conta: (i) o tipo e as características do negócio, como, por exemplo, a
existência de exclusividade e o tempo de vigência do contrato; (ii) eventual assimetria (técnica ou
econômica) entre as posições contratuais, de modo a permitir que o outro contratante mitigue os prejuízos
resultantes do fim daquela relação; ou, ainda, (iii) o interesse social subjacente à execução do contrato, para
que se mantenha o trânsito jurídico advindo do contrato até que se encontre alternativa à satisfação dos
interesses existenciais de terceiros atingidos pela relação contratual” (TEPEDINO, Gustavo; KONDER,
Carlos Nelson; BANDEIRA, Paula Greco. Fundamentos do direito civil – Contratos cit., p. 141).
431
GOMES, Orlando. Contratos cit., p. 189.
432
Ibidem, p. 189-190.
433
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Negócio jurídico – Existência, validade e eficácia cit., p. 61.
434
AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos cit., p. 426.
435
No mesmo sentido, Gustavo Tepedino: “Trata-se, portanto, de negócio jurídico por meio do qual as partes de
determinado contrato promovem sua extinção, regulamentando, da forma que melhor lhes aprouver, os
efeitos de tal dissolução” (TEPEDINO, Gustavo; KONDER, Carlos Nelson; BANDEIRA, Paula
Greco. Fundamentos do direito civil – Contratos cit., p. 138).
130

Segundo ainda Orlando Gomes, “[o] distrato não é um instituto unitário. Compreende,
no parecer de alguns escritores, três figuras: (a) um ato de revogação; b) um contrato
extintivo; c) um contrato modificativo. Só na última forma não possui eficácia retroativa”.436

Sobre a resilição unilateral, Orlando Gomes anota que pode ser exercida nos contratos
por tempo indeterminado, de execução continuada ou periódica, nos contratos em geral cuja
execução não tenha começado, nos benéficos e nos de atividade. Produz-se por revogação,
desistência, denúncia, arrependimento, renúncia ou resgate.437

No caso das sociedades simples, à luz do art. 1.029 do Código Civil, o exercício de
direito de retirada de sócio corresponde à hipótese de resilição unilateral: imotivada, quando
se tratar de sociedade por prazo indeterminado, e motivada, quando a sociedade for de prazo
determinado (caso em que há necessidade de se provar justa causa para tanto).438

Para os contratos de tempo indeterminado, a resilição seria a modalidade própria de


dissolução, haja vista assegurar às partes o direito individual de se liberarem do vínculo, ainda
que sofrendo discordância da outra parte, por meio do oferecimento de denúncia,439 conforme
estampado no art. 473 do Código Civil.440

Fábio Ulhoa Coelho entende que a resilição unilateral seria hipótese excepcional,
admissível apenas nos casos em que prevista no contrato ou na lei.441 Ruy Rosado de Aguiar

436
GOMES, Orlando. Contratos cit., p. 190.
437
AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos cit., p. 420.
438
Ibidem, p. 437.
439
“Nos contratos por tempo indeterminado a resilição unilateral é o meio próprio de dissolvê-los. Se não fosse
assegurado o poder de resilir, seria impossível ao contratante libertar-se do vínculo se o outro não
concordasse. O poder de resilir é exercido mediante declaração de vontade da parte a quem o contrato não
mais interesse. Costuma-se designá-la pelo nome de denúncia” (GOMES, Orlando. Contratos cit., p. 191).
440
“Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante
denúncia notificada à outra parte.”
441
“Como dito, a resilição unilateral (também chamada de denúncia, revogação, renúncia ou retratação) é
exceção. O vínculo contratual só pode ser desfeito por vontade de um dos contratantes se ele titular tal direito
em decorrência de previsão na lei ou contrato. Não existindo norma legal ou cláusula contratual atribuindo ao
contratante o direito de dissolver o contrato por sua exclusiva vontade, descabe a resilição unilateral. A
previsão legal do direito à resilição pode ser expressa ou implícita, consoante dita o Código Civil (art. 473);
mas não há cláusula resilitória implícita, por dela não cuidar a lei. No Código Civil, estão previstas algumas
hipóteses expressas de resilição unilateral: a) o adquirente de coisa locada pode denunciar a locação, a menos
que do contrato registrado conste cláusula de vigência em caso de alienação (art. 576); b) o mandato cessa
pela revogação do mandante ou pela renúncia do mandatário (art. 682, I); c) o passageiro pode desistir da
viagem antes de iniciada, desde que comunique o transportador a tempo de viabilizar a renegociação da
passagem (art. 740). Ademais, abriga uma hipótese em que a resilição unilateral é implícita, por se encontrar
nos meandros da noção imprecisa de “suspensão do objeto do contrato”: trata-se do direito titulado pelo dono
da obra de, a qualquer momento, desconstituir o contrato de empreitada, mediante indenização do
131

Junior, por sua vez, assim como Orlando Gomes,442 posiciona-se pela admissão implícita da
resilição unilateral nos contratos por tempo indeterminado e nos de execução continuada,
como forma de proteção contra a permanência infinita do vínculo, através do jus
poenitendi.443

Para alguns contratos, ainda, como o de mandato e o de doação, Orlando Gomes


aponta a possibilidade de resilição unilateral por “revogação”; e, em outros, a depender de se
e como contratado, a prerrogativa de uma das partes resilir por arrependimento (jus
poenitendi).444

Os efeitos da resilição unilateral não são retroativos445. Orlando Gomes ressalta


também que não caberia nos contratos por tempo determinado (apesar de alguns admitirem
denúncia) e, quanto aos contratos de trato sucessivo, não atacaria os efeitos já produzidos.446

3.3.3 Rescisão

Quanto ao termo rescisão, Orlando Gomes registra que é utilizado no sentido de


resilição ou de resolução, conforme o caso; não à toa o Código Civil não o empregou.
Rescisão seria, assim, “ruptura de contrato em que houve lesão”, já que nem sempre a
ocorrência de lesão implicará dissolução do contrato.447-448

empreiteiro (art. 623). Nesses e noutros casos expressa ou implicitamente previstos no Código Civil ou
noutra lei, o contrato pode ser unilateralmente resilido. Quando não existir norma legal atribuindo ao
contratante o direito, a resilição unilateral só extingue o contrato se ele o comportar. Quer dizer, para que a
denúncia seja cabível é necessário que as partes, ao celebrarem o negócio contratual, tenham alcançado o
consenso no sentido de facultar a qualquer uma, ou a uma delas somente, o seu desfazimento. Como dito, não
existe cláusula resilitória implícita” (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil: contratos cit., p. 54).
442
“Nos contratos por tempo indeterminado a resilição unilateral é o meio próprio de dissolvê-los. Se não fosse
assegurado o poder de resilir, seria impossível ao contratante libertar-se do vínculo se o outro não
concordasse. O poder de resilir é exercido mediante declaração de vontade da parte a quem o contrato não
mais interesse. Costuma-se designá-la pelo nome de denúncia” (GOMES, Orlando. Contratos cit., p. 191).
443
AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos cit., p. 431.
444
GOMES, Orlando. Contratos cit., p. 192.
445
“A resilição unilateral dos contratos por tempo indeterminado produz efeitos para o futuro. Dá-se ex nunc.
Não opera retroativamente como a resolução, nem precisa de pronunciamento judicial para ser eficaz”
(Ibidem).
446
Ibidem, p. 194.
447
Ibidem.
448
“Quando opera como causa extintiva, aproxima-se da nulidade porque a rescisão somente pode ser obtida
mediante ação judicial ad hoc, enquanto a nulidade é decretável independentemente de provocação. Ademais,
a ação de prescreve. Da anulabilidade se aproxima mais, porque há de ser pleiteada em ação proposta pelo
interessado, mas se vem entendendo, ultimamente, que a lesão não consiste apenas na desproporção ou
132

Seus efeitos seriam retroativos (até a data de celebração do contrato), devendo ocorrer
restituições de parte a parte, e os terceiros não poderiam ser prejudicados por força da
rescisão.449

O termo rescisão é empregado no cotidiano da praxe contratual, para se referir, de


maneira genérica, ao desfazimento do contrato; e essa utilização, apesar de imprecisa
tecnicamente, reflete, de certa forma, a ideia de que só há mesmo duas modalidades
dissolutivas de um contrato, à luz do regime civil: resolução e rescisão;450-451 as quais se
diferenciam por seus fundamentos, como exposto nos parágrafos anteriores.

3.4 Causas de dissolução x procedimento dissolutivo

Em razão das considerações antes expostas, é importante reforçar a distinção entre as


causas de dissolução452 – isto é, as hipóteses que, quando verificadas, imporão a extinção do
contrato, por motivo superveniente à celebração daquele (o que, no caso das sociedades, é tido
por dissolução-ato) – e o procedimento dissolutivo – qual seja, um conjunto de atos que
partem da verificação da causa dissolutiva até a efetiva extinção do contrato, cuidando-se, no
ínterim, da resolução dos vínculos e relações que devem ser ultimados, antes do encerramento
da figura contratual, como consequência da necessidade de um gradativo desfazimento
daquele contrato.

desequilíbrio entre as prestações de um contrato comutativo, nem é vício de consentimento. Exige-se, para
sua caracterização, um elemento subjetivo. A vantagem obtida desproporcionalmente, por uma das partes, há
de ser fruto da exploração da inexperiência ou necessidade do outro no momento da celebração do contrato.
Configura-se pela conjunção desse elemento subjetivo ao clássico elemento objetivo. [O Código Civil de
2002 trata da lesão como causa de anulabilidade do contrato]” (GOMES, Orlando. Contratos cit., p. 194).
449
GOMES, Orlando. Contratos cit., p. 194.
450
“A questão semântica não se resolve com facilidade. Mas enquanto for ambíguo o termo ‘rescisão’, é
necessário que os argumentos tecnológicos que se pretendam rigorosos esclareçam, de início, a opção
adotada. Nesse Curso, ‘rescisão’ tem o significado coincidente com o seu uso cotidiano na prática
profissional, e indica qualquer desfazimento do contrato, independentemente da causa. Mas o conceito é
parcamente empregado, dando-se preferência aos termos técnicos cujo significado serão logo esclarecidos:
resilição e resolução” (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil: contratos cit., p. 54).
451
“A partir dos entendimentos doutrinários referenciados no início do capítulo, pode-se afirmar que a rescisão
(que é o gênero) possui as seguintes espécies: resolução (extinção do contrato por descumprimento) e
resilição (dissolução por vontade bilateral ou unilateral, quando admissível por lei, de forma expressa ou
implícita, pelo reconhecimento de um direito potestativo). Todas as situações envolvem o plano da eficácia
do contrato, ou seja, o terceiro degrau da Escada Ponteana” (TARTUCE, Flavio. Direito civil – Teoria geral
dos contratos e contratos em espécie. Rio de Janeiro: Forense, 2020. v. 3. Disponível em:
https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530989347/. Acesso em: 10 ago. 2020. p. 288).
452
Para Raúl Ventura, causa de dissolução é o fato jurídico que produz a dissolução da sociedade ou lhe permita
ser dissolvida (Dissolução e liquidação de sociedades: comentário ao Código das Sociedades Comerciais
cit., p. 28).
133

O regime societário explora essa distinção, tratando das duas situações; o que não se
verificou no regime jurídico dos consórcios. As dúvidas que surgem são, portanto, acerca de
quais seriam as causas dissolutivas da relação consorcial, para além das que eventualmente
estejam previstas no respectivo contrato, e da necessidade ou não de um procedimento
complexo dissolutivo.

Assim, no capítulo seguinte serão analisadas as compatibilidades (i) das modalidades


extintivas do regime civil e (ii) do procedimento dissolutivo societário com os contratos de
consórcio, a fim de se tentar entender como se dá a dissolução da relação consorcial.
134

4 DISSOLUÇÃO DE CONSÓRCIOS

4.1 O consórcio como contrato associativo e plurilateral e a sua compatibilidade com


as modalidades extintivas dos contratos em geral

Enquanto contrato plurilateral, associativo, de prazo determinado e de duração, o


consórcio encontrará o seu fim natural com o exaurimento do seu objetivo (consistente na
conclusão do empreendimento comum, que implicará a satisfação de todas as obrigações
recíprocas) ou, simplesmente, o advento do prazo que lhe tiver sido definido, sem que haja
prorrogação pelas partes. Mas o consórcio também pode ser dissolvido (ou extinto, em outras
palavras) antes do término de seu período de vigência ou do cumprimento de todas as
obrigações nele pactuadas.

O caráter transitório (ou não perene) do consórcio não significa impossibilidade de


extinção do consórcio antes do fim do prazo ou do empreendimento que havia sido estipulado
pelas partes.

Na qualidade de contrato associativo e plurilateral (como também é o consórcio), as


causas de dissolução de uma sociedade, pelo menos naquelas de caráter marcadamente
contratual, como as simples e as limitadas, também têm fundamento em causas de dissolução
contratuais estabelecidas pelo Código Civil.453-454-455 A celebração do distrato social, v.g.,

453
“Impende ter em consideração a natureza obrigacional do contrato de sociedade, consoante o art. 981 do CC
– e a característica plurilateral do contrato de sociedade em nada altera essa dinâmica –, o que enseja a sua
dissolução. Por esse motivo, a teoria da extinção da relação contratual aplica-se, indubitavelmente, ao
contrato de sociedade. Desta feita, o contrato pode extinguir-se de modo normal ou anormal. No primeiro
caso, há execução; no segundo, inexecução. [...] A inexecução do contrato de sociedade, ou a extinção
anormal, no bojo da teoria da extinção dos negócios jurídicos, dá-se por causas anteriores e contemporâneas
ou posteriores à sua formação. Na primeira situação, a extinção por causas anteriores decorre de nulidade,
absoluta ou relativa; e, no segundo, isto é, por causas supervenientes à formação do negócio jurídico social, a
extinção exsurge em decorrência de resilição (ou rescisão), resolução ou morte” (RESTIFFE, Paulo Sergio.
Dissolução de sociedades. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 48-49).
454
Sobre dissolução de sociedades, Silvio de Salvo Venosa: “As causas de dissolução elencadas na lei não são
exaustivas, pois aplicam-se as regras gerais de extinção dos negócios jurídicos, além de situações particulares
que podem ocorrer no curso da existência associativa” (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil – Contratos
cit., p. 945).
455
“Os regimes dissolutórios, no Direito Brasileiro, são de duas ordens, conforme se trate de sociedade
contratual ou institucional. Desta feita, às sociedades contratuais aplicam-se os arts. 1.033 a 1.038 do vigente
CC, e, para as sociedades institucionais, aplicam-se os arts. 206 e s. da Lei n. 6.404/76. A distinção básica
está na aplicação, nas primeiras, das regras pertinentes ao direito dos contratos, o que não ocorre nas últimas,
pois, quanto às questões, de fundo, nenhuma distinção existe, já que, em ambas, há um ato formal, seja dos
sócios, seja judicial, que marca o início do procedimento, que é seguido da liquidação, a qual visa resolver as
135

nada mais é, em essência, que um meio de resilição bilateral do respectivo contrato.456 Assim
como a hipótese de dissolução parcial equivale à resilição unilateral, com efeitos de
desfazimento do vínculo incidentes sobre a parte que resiliu, apenas.457-458

Observadas as características da resolução por inadimplemento e da resilição


(unilateral ou bilateral), por exemplo, não se vislumbra incongruência na aplicação dessas
modalidades para fins de extinção dos contratos de consórcio, ainda que estes sejam contratos
associativos e plurilaterais.459

Em resumo, hipóteses de inexecução de obrigações ou de declaração de vontade das


partes podem configurar causas460 de dissolução do contrato de consórcio – que são aquelas
que conduzem à extinção do vínculo por força de causas supervenientes à formação do
negócio –, para além daquilo que estiver (ou não estiver) previsto no respectivo instrumento.

pendências obrigacionais da sociedade, para, ao fim, repartir-se entre os sócios o patrimônio eventualmente
remanescente” (RESTIFFE, Paulo Sergio. Dissolução de sociedades cit., p. 43).
456
“Por opção das partes, é possível o distrato. Tecnicamente este desenlace pressupõe a existência de efeito
pendente ou em curso, como nos contratos de execução continuada. Denomina-se distrato social a resilição
bilateral de uma sociedade” (NADER, Paulo. Curso de direito civil: contratos cit., p. 104).
457
“A resilição ou rescisão é o desfazimento do contrato de sociedade por vontade de uma das partes (resilição
unilateral ou denúncia) ou todas (resilição bilateral ou distrato). A resilição unilateral (ou denúncia) enseja,
tão somente, a dissolução parcial do contrato de sociedade, pela saída voluntária de um ou alguns sócios. Há
a resilição bilateral (ou distrato), por sua vez, porque leva à extinção, enseja a dissolução total da sociedade”
(RESTIFFE, Paulo Sergio. Dissolução de sociedades cit., p. 49).
458
“Na concepção contratualista da sociedade, constitui o direito de retirada uma forma da resilição unilateral ou
denúncia, entendida como forma de rescisão parcial do contrato de sociedade, justificada pela modificação de
cláusulas essenciais que levaram o sócio a participar de determinada sociedade. Pode ser concebida como
uma consagração legal, no campo societário, da cláusula rebus sic stantibus ou da teoria da pressuposição,
ambas invocadas na área contratual. É um remédio excepcional de proteção aos não controladores contra ato
voluntário da maioria que altera as regras básicas que ensejaram a criação da empresa e definiram as suas
metas” (WALD, Arnoldo. Direito civil: direito de empresa cit., p. 173).
459
Mauro Penteado entende que, pelo caráter plurilateral do consórcio, faltar-lhe-ia correspectividade, de modo
que não haveria que se cogitar de resilição por inadimplemento ou de exceção de contrato não cumprido
(PENTEADO, Mauro Rodrigues. Consórcios de empresas cit., p. 160-161). Quanto à resolução (e não
resilição) por inadimplemento, viu-se, no entanto, que ela é possível, em razão da presença de sinalagma
indireto. Na mesma obra, aliás, o autor Penteado indica ainda a pertinência de se regular admissão ou
desligamento de participantes, assim como exclusão de consorciado e “resilição contratual, por comum
acordo, ou, então, a rescisão contratual promovida por uma das partes, com base nas hipóteses de denúncia
previamente acordadas” (Ibidem, p. 153).
460
“O natural na vida dos contratos é o cumprimento das obrigações, por ambas as partes, até que os resultados
finais previstos sejam alcançados. Se o negócio é contrato preliminar de compra e venda, com pagamento
parcelado e outorga de escritura definitiva após o último recibo, o cumprimento das obrigações se dará com o
contrato definitivo. Com a celebração deste, o contrato se exaure. Tratar-se-á de contrato cumprido. Afora
esta hipótese, a mais comum, diversas outras situações podem levar à dissolução do vínculo contratual. A
extinção ou dissolução do contrato, na palavra de Massimo Bianca, ‘indica em geral a definitiva perda de
eficácia do contrato’. Para o notável civilista italiano, ‘As duas fundamentais figuras de extinção do contrato
são a anulação e a resolução’. A estas duas figuras devemos acrescentar a resilição bilateral (distrato) e a
unilateral” (NADER, Paulo. Curso de direito civil: contratos cit., p. 104).
136

Apesar de alguns doutrinadores sustentarem que não há sinalagma na relação


consorcial, vimos que existe, sim, vínculo sinalagmático, porém indireto e mediato, e não
direto, como nos contratos de troca (bilaterais).

Também se anotou que o inadimplemento de uma obrigação pode motivar pedido de


resolução de contrato plurilateral (como o de consórcio), desde que esse incumprimento atinja
elemento essencial à implementação ou continuidade do próprio contrato, de modo a impedir
ou despir de utilidade o cumprimento das prestações remanescentes.

Inobstante haver doutrina restringindo as hipóteses de resolução aos contratos


bilaterais,461 não se verifica óbice à admissão da resolução de um contrato plurilateral, como o
de consórcio, em que exista sinalagma indireto, de modo que o incumprimento de uma
prestação, a depender da sua substancialidade, pode justificar o pedido de desfazimento do
contrato, por inviabilizar o próprio objeto daquele.

É claro que a aplicação dessas modalidades, como causas de dissolução da relação


consorcial, esbarra em alguns temperamentos necessários, em função, principalmente, das
características de associatividade e plurilateralidade. Isso não significa, contudo, a aceitação,
sem justificativas plausíveis para tanto, do afastamento imediato da aplicabilidade de um meio
extintivo de relação contratual, a despeito da demonstrada inexistência de incompatibilidade
essencial.

A ausência de correspectividade imediata nas prestações das partes, o que conduz à


constatação de ausência também de um sinalagma direto, impede a aplicação da ideia de
exceção de contrato não cumprido, causando reflexos também na própria lógica de
inexecução; afinal, a exceção de contrato não cumprido atine aos contratos em que se verifica,
de maneira nítida, a dependência da prestação de uma parte em relação à prestação da outra,
individualmente (como ocorre nos contratos de troca, que são bilaterais).462

461
AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos cit., p. 441-442.
462
“As prestações são plúrimas convergentes (bilaterais ou plurilaterais), o que distingue o contrato de
consórcio, mesmo de duas sociedades, dos contratos bilaterais, que têm correspectividade. O consorte não
presta ao outro consorte, mas à emprêsa consorcial, razão por que não há de se pensar em resilição por
inadimplemento, nem em exceção non adimpleti contractus ou non rite adimpleti contractus. As prestações
estão destinadas ao fim comum, e não ao patrimônio do outro figurante” (PONTES DE MIRANDA,
Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte especial. t. L. Direito das obrigações: sociedades por
ações cit., p. 238-239).
137

Desse modo, o incumprimento da obrigação de uma das consorciadas somente poderia


configurar uma causa de dissolução se esse inadimplemento atingir essencialmente o
consórcio; ou seja, trate-se de obrigação de tamanha relevância que o seu inadimplemento
prejudica a própria implementação do contrato de consórcio. As consequências de situação
como essa são a possibilidade de execução da obrigação específica ou o pedido de dissolução
(por resolução).

É que, como exposto anteriormente, o contrato de consórcio contém sinalagma


indireto, pois as prestações de cada uma das partes encontram reciprocidade no conjunto de
prestações de todas as outras partes;463 não há, assim, interesses contrapostos, tampouco
dependência de uma prestação para com outra, individualmente. Cada uma das prestações
depende do conjunto de obrigações assumidas por todas as partes, em torno de um objetivo
comum.

Nesse sentido, Antonio Junqueira de Azevedo:

O contrato de consórcio é, quanto ao número de partes, ato jurídico bilateral


ou plurilateral; é espécie dos contratos de colaboração, isto é, de parceria ou
comunhão de escopo. É contrato de duração (ainda que de duração limitada)
e há, nele, prestação e contraprestação, com conexidade causal (por isso,
pode ser qualificado como sinalagmático, além de oneroso). São
perfeitamente cabíveis, portanto, respondendo em tese, os chamados
“remédios sinalagmáticos”. No caso, porém, não cabem a excceptio non
adimpleti contractus, pela razão já dita, nem a lesão, porque esta é inicial,
contemporânea à emissão da declaração de vontade, e depende também de
outros pressupostos.464

Com base nessas constatações, é possível sustentar a aplicabilidade da resolução aos


contratos de consórcio; observando-se, no entanto, que o inadimplemento que fundamente
intento resolutivo deve ser substancial465 ou absoluto466 e atacar o objetivo comum (ou a

463
“As obrigações recíprocas e correspectivas estabelecidas denotam nos contratos bilaterais e plurilaterais a
causa sinalagmática formadora pelo nexo de causalidade criado no feixe de prestações de um lado e de outro,
havendo a interpedependência entre elas. Essa relação de reciprocidade das prestações estipuladas
fundamenta os deveres jurídicos e exige o seu respectivo cumpri- mento pelas partes contratantes” (SILVA,
Vivien Lys Porto Ferreira da. Extinção dos contratos limites e aplicabilidade cit., p. 123)
464
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Natureza jurídica do contrato de consórcio cit., p. 17.
465
“[a] resolução por inadimplemento é própria dos contratos sinalagmáticos; só se justifica quando o não-
cumprimento tem importância considerável” (GOMES, Orlando. Contratos cit., p. 176).
466
“O inadimplemento absoluto pode surgir de duas diferentes situações: quando a prestação se revela
impossível ou quando ela se revela inútil. No primeiro caso, o devedor da obrigação não mais consegue
prestá-la, por conta de obstáculos intransponíveis, como na hipótese de perda de objeto. No segundo, é o
credor que não detém mais interesse em receber a prestação, o que pode ser algo imediato ou mediato
138

realização deste).467 Esse incumprimento, por conseguinte, será substancial e admissível como
hipótese de pedido de resolução se inviabilizar a consecução do objetivo do contrato.468

A própria noção, aliás, de que um contrato associativo somente poderá ser resolvido –
isto é, ser-lhe aplicada a resolução, que é modo de dissolução por inexecução – se a obrigação
inadimplida for essencial ao contrato, demonstra que as obrigações das partes não dependem
isolada e individualmente, umas das outras – em razão do sinalagma indireto.

As prestações plúrimas devem ser convergentes, até mesmo para possibilitar a


persecução do escopo comum; mas isso não significa que haja uma dependência isolada e
específica. Uma parte pode adimplir sua obrigação, e com isso contribuir para o
desenvolvimento do objeto contratado, ainda que outra parte tenha descumprido a sua.

Por exemplo: no consórcio, quanto a eventual obrigação de disponibilização de


recursos para pagamento das despesas comuns, o fato de uma consorciada falhar no
pagamento de sua cota para quitação das despesas compartilhadas não deveria autorizar que
todas as demais partes deixassem de pagar as suas parcelas. Aliás, não impediria sequer que
as outras suprissem a carência provocada pelo inadimplemento de uma das partes, e gerassem,
desse modo, direito de crédito contra a parte faltosa – que poderia ser compensado quando da
repartição de resultados ou, eventualmente, ajustado nos próximos pagamentos de rateio das
despesas. Ou, ainda, no limite, poder-se-ia executar a obrigação contratada, por meio de ação
de obrigação de fazer, a fim de compelir a consorciada a realizar o pagamento devido. A
resolução do contrato, por força de inexecução, nesse caso, não parece ser a solução mais
adequada – como consequência da já demonstrada inaplicabilidade do instituto da exceção de
contrato não cumprido, inclusive.

(convolação do inadimplemento relativo em inadimplemento absoluto)” (PEREIRA, Rafael Setoguti Julio. A


extinção do acordo de acionistas cit., p. 78-82).
467
“Nos contratos bilaterais, podemos identificar uma relação sinalagmática, enquanto a obrigação de uma das
partes dependa da existência de uma obrigação válida da parte contrária ou enquanto a inexecução da
obrigação de uma das partes autorize a não-execução da obrigação da parte contrária. Ora, nos contratos
plurilaterais, essa relação, em lugar de ter um caráter direto e imediato, como nos contratos de permuta,
adquire um caráter indireto e mediato; a invalidade ou inexecução das obrigações de uma parte não exclui, só
por si, a permanência do contrato entre as demais, a não ser quando torne impossível a consecução do
objetivo comum” (ASCARELLI, Tullio. Problemas das Sociedades Anônimas e direito comparado cit., p.
420).
468
GOMES JUNIOR, Roberto Lincoln de Sousa. Consórcios de empresas. Fundamentos e regime de
responsabilidade cit., p. 110.
139

Em um contrato de compra e venda, que é exemplo de contrato de troca, a entrega do


bem dependerá do pagamento (ou da assunção da obrigação de pagamento, se não for
contratado à vista). Há vínculo indissociável entre essas obrigações, que, se quebrado, deve
motivar o desfazimento do negócio. Essa quebra de contrapartidas é, sem dúvida, essencial ao
contrato de troca.

Já no contrato associativo resta mais dificultosa a missão de identificar situação


semelhante. Por isso que se diz, na doutrina, que a resolução por inexecução de um contrato
plurilateral, associativo, somente deve ser autorizada quando o inadimplemento for essencial à
manutenção do contrato – o que significaria, em outras palavras, dizer que o contrato não
pode ser implementado em função da inexecução;469 algo que faz todo sentido e não deixa de
ser uma obviedade. Afinal, se não pode atingir seu fim, perde a razão de existir. E isso se
justifica pela presença de um sinalagma indireto, resultante da dependência da prestação de
uma das partes em face não de outra prestação individual, mas do conjunto de todas as demais
prestações, que dão contorno ao sistema cooperativo fundante da relação consorcial.

Outra discussão possível consiste em avaliar se o contrato de consórcio poderia ser


dissolvido por força de prática de ato grave por uma das consorciadas, como o envolvimento em
uma questão com repercussão reputacional negativa. Na linha do exposto acima, considerando os
elementos inerentes à relação consorcial, notadamente o sistema cooperativo contratado – e, a
depender da estruturação firmada, a criação de uma organização comum e interna para regrar essa
colaboração entre as partes –, deve-se analisar se o ato em questão compromete de maneira
substancial ou impede a persecução do objetivo pactuado em consórcio. Não se trata, pois, de uma
análise de elemento de cunho subjetivo, apenas, como de affectio societatis ou de quebra de
confiança, puramente, por exemplo, haja vista que esse intento não se verifica no contrato de
consórcio – que não é tipo societário. Mas, sim, avaliar se a prática de determinado ato,
independentemente de sua natureza, abala o desenvolvimento da organização colaborativa e, por
consequência, o alcance do escopo comum, correspondendo à quebra daquilo que Karl Larenz
pontuou como a base objetiva do contrato.470

469
Tratando do acordo de acionistas, tido pelo autor como contrato plurilateral, Rafael Setoguti afirma que
somente se poderia admitir a extinção indireta daquele contrato nos casos em que a extinção da obrigação
comprometa o fim comum (PEREIRA, Rafael Setoguti Julio. A extinção do acordo de acionistas cit., p. 61).
470
“O jurista alemão Karl Larenz desenvolveu a chamada teoria da base objetiva, na qual distinguiu a base
subjetiva da base objetiva. A base negocial subjetiva ‘traduziria a representação, pelas partes, no fecho do
contrato, dos factores que tenham tido um papel dominante no seu processo de motivação’ e deveria ser
140

Apenas a título de ilustração, a legislação portuguesa previu, de maneira explícita, a


possibilidade de resolução do contrato de consórcio em relação a algum dos consorciados, por
justa causa, verificada nas hipóteses desse consorciado falir, cometer falta grave, restar
impossibilitado de realizar determinada atividade ou contribuição.471

Veja-se que o regime de dissolução de sociedades simples admite, no art. 1.034 do


Código Civil, o pedido de dissolução da sociedade, por qualquer dos sócios, em caso de
anulação da constituição (causa contemporânea à formação do vínculo) ou de exaurimento ou
inexequibilidade do fim social (causa posterior à celebração do negócio); essa
inexequibilidade, pois, pode decorrer do inadimplemento substancial, por um ou mais sócios,
que atinja o núcleo essencial do contrato de sociedade, impedindo sua manutenção, por
impedir o alcance do objetivo (que é o fim social).

Some-se a isso a possibilidade de o contrato social conter cláusula resolutiva, por


interpretação cumulativa do disposto nos arts. 1.035 e 473 do Código Civil. Ou seja: até
mesmo no contrato de sociedade, que é um contrato plurilateral provido de regime especial
dissolutivo, causas de dissolução contratual também são verificadas.

Sobre resolução por onerosidade excessiva, especialmente para consórcio, existe


opinião bem fundamentada de Antonio Junqueira de Azevedo, na qual, destacando a presença
do sinalagma indireto nas relações consorciais, pugna pela admissibilidade de tal modalidade
resolutiva.472

objeto de análise à luz da teoria do erro e dos vícios consensuais. Já base objetiva corresponderia ‘ao
conjunto das circunstâncias cuja existência ou manutenção, com ou sem consciência das partes, seria
necessária para a salvaguarda do sentido contratual e do seu escopo’” (LEITE, Ana Paula Parra. Equilíbrio
contratual. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, 2013. p. 73).
471
DL n. 231/81, de 28 de Julho
“ART. 10º
(Resolução do contrato)
1 – O contrato de consórcio pode ser resolvido, quanto a alguns dos contraentes, por declarações escritas
emanadas de todos os outros, ocorrendo justa causa.
2 – Considera-se justa causa para resolução do contrato de consórcio quanto a algum dos contraentes:
a) A declaração de falência ou a homologação de concordata;
b) A falta grave, em si mesma ou pela sua repetição, culposa ou não, a deveres de membro do consórcio;
c) A impossibilidade, culposa ou não, de cumprimento da obrigação de realizar certa actividade ou de
efectuar certa contribuição.
3 – Na hipótese da alínea b) do número anterior, resolução do contrato não afecta o direito à indemnização
que for devida.”
472
“Compreende-se, pois, a aplicação das conseqüências jurídicas da onerosiva excessiva, resultante de
alteração das circunstâncias, também aos contratos de colaboração. Rodolfo Sacco observa com precisão:
141

O mesmo há de se falar das resilições unilateral e bilateral. Como o contrato de


consórcio é de prazo determinado, a resilição unilateral, salvo se previsto de forma diversa
contratualmente, pode ser requerida desde que de forma motivada, mediante interpelação
judicial, assim como ocorre na sociedade de prazo determinado.473

Aliás, a falência de uma consorciada é hipótese legalmente prevista de dissolução parcial


(não por vontade da parte, mas por consequência de um fato jurídico que a ela foi imposto – a
falência), tendo em vista que o contrato de consórcio é dissolvido em relação à falida,
continuando com as demais consorciadas, na forma do art. 278, § 2º, da LSA;474 tal qual acontece
no caso de dissolução parcial de sociedade (que é hipótese de resilição unilateral).475 Registre-se,
assim, que o efeito da resilição unilateral deve ser com relação à parte que a requereu, não
ensejando, necessariamente, a dissolução do contrato de consórcio em relação a todas as partes;
mas apenas em face de quem resiliu, como ocorre na dissolução parcial.

Sobre a resilição bilateral, operada por distrato, nenhum comentário mais complexo se
faz necessário: é uma obviedade reconhecer, diante das inegáveis feições contratuais do
consórcio, que as partes podem celebrar outro pacto para dar fim ao primeiro.

Apenas um adendo se afigura relevante: a formação de vontade para fins de celebração


do distrato pode partir, a depender de como tiver sido contratada a sistemática deliberativa do
consórcio, de uma decisão não unânime; isto é, se as partes tiverem, previamente, decidido
que a deliberação sobre a dissolução do consórcio poderia ser tomada por quórum de alguma
maioria (simples, absoluta ou qualificada), o distrato poderá ser operado por decisão final de
menos que todas as consorciadas.

‘Também são contratos com prestações correspectivas os contratos de sociedade. A função associativa não
exclui que a prestação do sócio e do associado seja reciprocamente condicionada à prestação dos outros
sócios e ao direito à partilha final. Não excluem essa solução as complicações decorrentes do fato de ser o
contrato plurilateral e de que, se a sociedade é personificada, a troca ocorre entre a contribuição inicial dos
sócios [conferimento] e a aquisição da quota social’” (AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Natureza jurídica
do contrato de consórcio cit., p. 13).
473
“Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se
de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias;
se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa.”
474
“§ 2º A falência de uma consorciada não se estende às demais, subsistindo o consórcio com as outras
contratantes; os créditos que porventura tiver a falida serão apurados e pagos na forma prevista no contrato
de consórcio.”
475
“De fato, a dissolução parcial implica a extinção parcial do contrato de sociedade em relação ao sócio que se
retira, é excluído ou falece, na medida em que não se procede à resilição do contrato social por inteiro,
desprendendo-se apenas os vínculos existentes entre o sócio retirante e os demais sócios e a sociedade”
(WALD, Arnoldo. Direito civil: direito de empresa cit., p. 77).
142

Isso não descaracteriza o distrato como meio de resilição bilateral, contudo, porque a
sua implementação dependerá da subscrição de todos, ainda assim; os quais, ao cabo,
formalizarão concordância unânime com a dissolução do consórcio (mediante assinatura do
instrumento de distrato).

É que, também por unanimidade, quando da celebração do contrato de consórcio, as


partes pactuaram regra por meio qual decidiram se submeter a uma vontade da maioria; a
formação dessa vontade, seguidos os expedientes adequados, é vinculante, e, portanto,
conduzirá à necessária unanimidade para fins de implementação do distrato em si,
caracterizando-se, então, como resilição bilateral.

Essas constatações sobre a aplicabilidade das causas de dissolução da relação


contratual, previstas no Código Civil, não podem prescindir de outras ressalvas.

O consórcio não é qualquer contrato: é associativo, plurilateral e de duração.

Pelo fato de suas prestações serem consumadas continuamente, as já efetivadas não


podem ser atingidas, retroativamente, pela dissolução contratual.476 De igual modo, direitos
adquiridos de terceiros devem ser protegidos.

Inobstante Ruy Rosado de Aguiar Junior – que também defende a impossibilidade de


resolução de contrato que não seja bilateral, e, talvez por isso, chegue à conclusão adiante –
pontuar que a resolução tem efeitos retroativos, já se ressaltou a impossibilidade de retroação
nos contratos de duração (como o consórcio).

José Engracia Antunes, em análise acerca do direito comercial português, mas


partindo do mesmo princípio que vige no direito contratual brasileiro, afirma que contratos de
duração mais longos, como os de consórcio, que tendem a se protrair no tempo, são passíveis
de causas extintivas, posteriores à sua celebração, como a denúncia de contratante (o que, no
direito pátrio, corresponde à resilição unilateral).477 Isso favorece a compreensão de que não
há incompatibilidade do regime geral de extinção contratual com o consórcio, na qualidade de

476
“Assim, nos contratos de execução prolongada, como costuma ser o caso do acordo de acionistas, os efeitos
da resolução não se projetam para o passado, e sim em direção ao futuro. Mantêm-se intocadas as prestações
já consumadas, e encerra-se a exigibilidade das obrigações dali em diante” (PEREIRA, Rafael Setoguti Julio.
A extinção do acordo de acionistas cit., p. 65).
477
ANTUNES, José A. Engracia. Direito dos contratos comerciais cit., p. 321-323.
143

contrato associativo ao qual a legislação brasileira não atribuiu um regime distinto (ou
especial) de encerramento.

Apesar de se discutir a possibilidade de resilição unilateral de contrato por prazo


determinado,478 como o consórcio, já que não há previsão legal expressa nesse sentido – nem
se verifica indeterminação do prazo, o que conduziria ao entendimento de que há cláusula
implícita de resilição unilateral –, Orlando Gomes muito bem pontua que, em certos casos,
inexiste incongruência em se permitir a adoção dessa modalidade extintiva.479

Sem prejuízo da força obrigatória dos contratos, assim como se opera nas sociedades
simples (exemplo clássico de contrato associativo e plurilateral) a dissolução parcial
(chamada pelo Código de resolução da sociedade em relação a um sócio, mas que, na
verdade, configura hipótese de resilição unilateral), o contrato pode ser dissolvido em relação
a uma das partes, por vontade desta, desde que haja justa causa para tanto.

No caso das sociedades, essa resilição unilateral dependerá de interpelação judicial,


diante da determinação do prazo; solução essa que se afigura compatível com o contrato de
consórcio.

Rememore-se que já existe a possibilidade de dissolução parcial do consórcio, no caso


de falência de uma das consorciadas (que poderia até não ser entendida propriamente como
resilição unilateral, por não decorrer da vontade da parte, mas ser consequência de uma
situação jurídica que lhe foi acometida – a falência), o que privilegia a preservação da relação
contratual, em face às demais partes.

478
Arnoldo Wald, em artigo publicado na Revista de Direito Mercantil, defendeu a impossibilidade de denúncia
unilateral do acordo de sócios, que é pacto parassocial. Em que pese suscitar alguns argumentos relativos ao
regime civil e às características do acordo de sócios, o argumento essencial para a posição adotada pelo
Professor foi a da vinculação desse contrato parassocial ao contrato de sociedade, que seria o contrato
principal, de modo que a extinção daquele implicaria alteração unilateral deste: “Finalmente, qualquer que
seja a qualificação atribuída ao contrato parassocial, protocolo ou acordo firmado pelas partes, devemos
reconhecer que caracteriza negócio jurídico condicionante da constituição, organização e funcionamento da
sociedade, e denunciá-lo corresponde, exatamente, em alterar unilateralmente as condições do contrato
principal, ou seja, do contrato de sociedade, o que contraria os princípios da obrigatoriedade dos contratos e
da boa-fé e lealdade que devem presidir as relações entre os contratantes” (WALD, Arnoldo. Do
descabimento de denúncia unilateral de pacto parassocial que estrutura o grupo societário. Revista de Direito
Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 81, p. 21, jan./mar. 1991). Sem entrar no mérito da
discussão, entendo que esse argumento não pode ser aproveitado para o caso do consórcio por inexistir
relação semelhante de dependência com os vínculos societários das consorciadas.
479
GOMES, Orlando. Contratos cit., p. 130.
144

Logo, se, diante das considerações expostas, viu-se que a resolução do contrato de
consórcio por inadimplemento substancial que conduza à impossibilidade de persecução do
seu objetivo – o que gera o rompimento do vínculo em relação a todas as partes – é adequada,
não parece haver óbice a que se opere, desde que por justa causa comprovada e admitida
judicialmente, a extinção do contrato de consórcio em relação a uma de suas partes,480
caracterizando resilição unilateral.

Outras causas de dissolução implícitas podem ser tidas como possíveis no caso dos
consórcios, além das modalidades extintivas de relações contratuais (conforme reguladas no
Código Civil) e das já comentadas acima, em função das características da figura consorcial.
Fabiana Carsoni Alves, sobre o tema, sugere as seguintes hipóteses: execução total do
empreendimento; vencimento do prazo de duração (se não houver prorrogação); deliberação
das consorciadas; outra causa prevista no contrato.481

Pontes de Miranda – inesgotável – já sugeria que os seguintes fatos poderiam resultar


na extinção do contrato de consórcio:

a) de causa que se preestabeleceu com a manifestação de vontade dos


consorciados, por ocasião da conclusão do contrato, ou por modificação
(termo, condição, atingimento do fim ou objeto do contrato, ou outra
cláusula prevista, explícita ou implicitamente); ou b) da manifestação de
vontade, unânime, dos consorciados; ou c) manifestação de vontade e
maioria, depois de decorrido algum tempo, o que mais há de se considerar
prorrogação tácita se tal maioria não delibera, ou manifestação de vontade da
maioria, por haver justa causa; ou c) por fato estranho à vontade dos
consorciados (lei posterior que vede a continuação, ou ato judicial ou
administrativo, que aplique lei com tal eficácia; impossibilitação do
conseguimento do fim ou objeto).482

A necessidade de pluralidade de partes, por exemplo, pode implicar dissolução do contrato


de consórcio caso a saída de membros (por quaisquer motivos) implique a permanência de apenas
uma consorciada, sem possibilidade de substituição ou retomada da pluralidade.483

480
Aliás, Ascarelli: “Nos contratos plurilaterais, ao contrário, a impossibilidade ou a resolução concernem somente à
adesão da parte a cuja obrigação se referem: o contrato permanece, se o seu objetivo continua a ser alcançável”
(ASCARELLI, Tullio. Problemas das Sociedades Anônimas e direito comparado cit., p. 418-419).
481
SILVA, Fabiana Carsoni Alves Fernandes da. Consórcios de empresas: aspectos jurídicos relevantes cit., p.
89-90.
482
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte especial. t. L. Direito das
obrigações: sociedades por ações cit., p. 267-268.
483
“Naturalmente que se o consórcio for integrado por apenas duas empresas, caso não exista a previsão da
possibilidade de substituição da empresa falida no contrato, a falência de qualquer partícipe ocasionará a
145

Afora o esgotamento do objetivo ou a conclusão do empreendimento objeto da relação


consorcial, como corolários da transitoriedade do consórcio, por óbvio.

Em que pese se tratar de instituto regulado no âmbito de outro ordenamento, diante


das semelhanças apontadas no Capítulo 1, a regulação portuguesa acerca das causas de
dissolução do seu contrato de consórcio serve como útil referência para identificação de
hipóteses que, desde que compatíveis com a essência e as características do consórcio
brasileiro e, claro, com a legislação pátria, poderiam levar à dissolução da relação consorcial.

De acordo com o art. 12º do DL n. 231/81, de 28 de Julho, o consórcio português se


extingue (i) por acordo unânime dos seus membros; (ii) pela realização do seu objeto ou por
este se tornar impossível; (iii) pelo decurso do prazo fixado no contrato, não havendo
prorrogação; (iv) por se extinguir a pluralidade dos seus membros; (v) por qualquer outra
causa prevista no contrato.

Todas esses hipóteses são compatíveis com a figura do consórcio no Brasil: (i) as
consorciadas podem deliberar pela dissolução do consórcio, haja vista que a lei autoriza a
constituição, no contrato, de sistema deliberativo – o que pode se dar, inclusive, por quórum
inferior à unanimidade, desde que esteja assim acertado contratualmente pelas partes; (ii)
diante da especificidade do consórcio, o esgotamento do seu objetivo (isto é, a conclusão do
empreendimento que lhe deu causa) ou a impossibilidade de seu alcance (inexequibilidade do
objetivo) devem, sim, levar à extinção daquele contrato; (iii) por força do elemento da
transitoriedade, que é peculiar ao consórcio, se as partes não decidirem prorrogar, o decurso
do prazo determinado também ensejará encerramento da relação consorcial, como uma
consequência natural do que as partes pactuaram previamente; (iv) como deixa claro o art.
278 da LSA, a contratação de consórcio pressupõe a existência de mais de uma parte, não
podendo existir com apenas uma consorciada, já que impossível instituir um sistema de
colaboração ou cooperação com somente um membro – o que comprometeria a própria lógica
do contrato de consórcio, que não é negócio jurídico unilateral; e (v) a flexibilidade conferida
pela LSA para as partes pactuarem, em contrato, o modelo que melhor lhes aprouver para
regulamentação de sua relação consorcial, permite que se estabeleça qualquer outra hipótese –
desde que lícita – como causa de dissolução do consórcio.

extinção do consórcio, tendo em vista que é da essência do consórcio a pluralidade de partes” (TEIXEIRA,
Guilherme Puchalski. Do consórcio entre sociedades: arts. 278 e 279 da Lei n. 6.404/1976 cit., p. 93).
146

Parece-me, assim, que essas hipóteses cabem perfeitamente no modelo jurídico do


consórcio brasileiro; e não negam a aplicabilidade de meios extintivos de relação contratual
previstos no Código Civil, com os temperamentos necessários por se tratar de um contrato
associativo.

Afinal: (i) a vontade das partes no sentido dissolutivo ensejará a celebração de distrato
(resilição bilateral); (ii) a impossibilidade de alcance do objetivo do consórcio pode decorrer
de inadimplemento definitivo de consorciada(s) (o que motivaria pedido de resolução por
inexecução);484 e (iii) resilição unilateral, como já colocado, em um contrato plurilateral,
conduzirá à dissolução do vínculo consorcial em face apenas de quem resiliu (caso haja outras
consorciadas – aliás, como é previsto, inclusive, no art. 278, § 2º, na hipótese de falência de
uma das partes, subsistindo o consórcio em relação às demais) ou de todas as partes, como
consequência de uma eventual supressão da pluralidade de partes, eventualmente não
recomposta.

Como já se demonstrou, é possível que o contrato de consórcio seja dissolvido,


observadas particularidades e ressalvas decorrentes de se tratar de um contrato
associativo, plurilateral e de duração, pelas causas de extinção da relação contratual
previstas no Código Civil, notadamente, resolução (por inadimplemento que leve à
impossibilidade de continuação do consórcio) e resilição (bilateral, no caso de distrato, e
unilateral, se previsto no contrato ou por denúncia cheia); além, é claro, das hipóteses de
fim de duração, cumprimento do objeto (ou, melhor, exaurimento do seu objetivo),
impossibilidade jurídica ou física do consórcio (que não por inadimplemento que motivo
resolução) ou previsão contratual (a exemplo de condições resolutivas ou estabelecimento
de outras causas dissolutivas).485

484
“O fim que não mais pode ser atingido faz com que o contrato perca sua função social, devendo torná-lo
juridicamente ineficaz. [...] A impossibilidade de obtenção do fim último visado pelo contrato constitui, a
nosso ver, juntamente com a ofensa a interesses coletivos (meio-ambiente, concorrência etc.) e a lesão à
dignidade da pessoa humana, os três casos em que a função social do contrato deve levar à ineficácia
superveniente” (AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Natureza jurídica do contrato de consórcio cit., p. 15).
485
Em sentido semelhante, Ernesto Luis Silva Vaz: “A extinção do consórcio, em regra, se dá com o fim de
sua duração, com o cumprimento de seu objeto, ou ainda quando este tenha se tornado, jurídica ou
fisicamente, impossível. Pode também extinguir-se o consórcio por força de previsão contratual ou por
vontade unânime das partes” (VAZ, Ernesto Luís Silva. Consórcio de empresas. Regime jurídico cit., p.
100). Importante ressalvar que o autor entende que o consórcio seria espécie de sociedade não
personificada. Apesar de não concordarmos com a posição, suas constatações a respeito da extinção do
consórcio são compatíveis, em termos gerais, com a lógica de dissolução do contrato de consórcio,
enquanto figura não societária.
147

Considerando a inexistência, no direito brasileiro, de um regramento específico para


contratos de colaboração, como o consórcio, não resta alternativa senão se basear nas regras
gerais, aplicáveis aos contratos de intercâmbio (com as necessárias compatibilizações).486

Um último comentário se faz necessário: não se objetiva, com as observações acima,


substituir o papel do legislador e impor regras que, talvez, não foram positivadas justamente
para conferir maior flexibilidade às partes consorciadas.

Busca-se, na verdade, identificar que consequências jurídicas, à luz do ordenamento


brasileiro, decorrem da situação do consórcio como um contrato associativo que não se
confunde com um tipo societário.

Ou seja: reconhecer como e em que medida aplicar as regras já oferecidas pela


legislação, considerando o arquétipo consorcial, para auxiliar na resolução de situações
omissas, obscuras ou controversas.

4.2 A desnecessidade de um procedimento complexo para fins de dissolução do


consórcio.

Os comentários feitos no item anterior dizem respeito às causas dissolutivas, e não se


debruçam sobre a eventual necessidade de que, quando verificada a ocorrência de uma dessas
hipóteses de dissolução, inicie-se um processo gradativo de extinção do consórcio, a fim de
desfazer ou ultimar relações e negócios, respectivamente, estabelecidos em decorrência do
contrato.

Verificou-se que há essa necessidade em relação às sociedades porque estas


pressupõem (i) a existência de estrutura organizacional que se apresenta externamente487 e

486
Segundo Paula Forgioni “o direito ainda não desenvolveu instrumental satisfatório para operar os contratos
de colaboração, calcando-se a teoria geral dos negócios de intercâmbio”. E, analisando a questão do
inadimplemento recíproco (que não é o foco deste trabalho, mas serve como um dos aspectos que podem ser
afetados pela incompletude contratual, assim como a dissolução), afirma que, atualmente, as respostas devem
ser buscadas a partir do que se chama de “vértices gerais do sistema de direito comercial”, a exemplo de: (i)
vedação ao enriquecimento sem causa; (ii) respeito à boa-fé objetiva; (iii) proteção da legítima expectativa da
outra parte; (iv) usos e costumes; e (v) proibição de aproveitamento da própria torpeza. (pp. 204-205).
Segundo Forgioni, “[o]u seja, a solução dos problemas concretos baseia-se no recurso às cláusulas gerais,
com a imprevisibilidade a elas inerente” (p. 205). E conclui: “[p]ara tanto, é preciso reconhecer que contratos
complexos são naturalmente incompletos; seu tratamento jurídico há de ser feito de maneira a azeitar o fluxo
de relações econômicas no mercado. O contrato de colaboração, acima de tudo, é uma estrutura econômica e
jurídica” (FORGIONI, Paula A. Contratos empresariais: teoria geral e aplicação cit., p. 207).
148

que encerra um centro de imputação de interesses, revestido ou não de personalidade jurídica,


bem como (ii) a presença de patrimônio autônomo ou separado;488 elementos os quais
precisam ser desmontados, antes de se alcançar a efetiva extinção da sociedade, com a
intenção de proteger interesses das partes e dos terceiros.489

Entendida, então, a dissolução em sentido amplo (ou seja, na qualidade de


procedimento complexo) como consequência desses aspectos e necessidades, é possível
chegar à conclusão de que a dissolução do contrato de consórcio se dá de maneira imediata,
independentemente da inauguração de uma sequência de etapas que vão sendo implementadas
– e gerando a liquidação de direitos e obrigações – até que, enfim, a relação contratual seja
encerrada.

A implementação de uma causa dissolutiva do contrato de consórcio imporá,


automaticamente, a extinção deste.

Isso não significa que as partes, diante da autonomia que lhes é concedida e, em
especial, da flexibilidade conferida pelos arts. 278 e 279 da LSA para moldagem do pacto
consorcial, não possam avençar um modelo de extinção gradual do consórcio, com fases e
procedimentos a serem observados pelos contraentes.

No caso de uma dissolução amigável, por decisão das partes, as próprias partes
indicarão e deverão resolver o modo pelo qual se dará o encerramento do consórcio,
regulando a situação no competente distrato (resilição bilateral).

O mesmo deve ser comentado quanto ao contrato de consórcio que, além de dispor
sobre as causas de dissolução, também contenha regras atinentes a uma espécie de
procedimento dissolutivo, até que se chegue à extinção do consórcio.

487
PENTEADO, Mauro Rodrigues. Dissolução e liquidação de sociedades cit., p. 3-4.
488
“Constatou-se, aqui, o corolário lógico da existência de um patrimônio autônomo, cuja devolução e partilha
entre os sócios – sua vocação natural – não podem ser feitas antes de serem pagos todos os credores sociais
que tinham nele a sua primeira e principal garantia” (PENTEADO, Mauro Rodrigues. Dissolução e
liquidação de sociedades cit., p. 26).
489
“Os comparatistas ensinam que, na generalidade das legislações, a extinção das sociedades é um facto (ou
processo) complexo, porque não se trata exclusivamente de extinguir as relações contratuais entre os sócios,
mas de atender a uma rede de vínculos jurídicos com terceiros, que merecem ser protegidos” (VENTURA,
Raúl Ventura. Dissolução e liquidação de sociedades: comentário ao Código das Sociedades Comerciais cit.,
p. 13).
149

O que se coloca, na verdade, é a desnecessidade de tal procedimento, para as relações


consorciais, as quais, em razão de suas características, independem de maiores complexidades
para encerramento de seu vínculo.

Além de uma decorrência das faltas de personalidade jurídica e de patrimônio no


consórcio, bem como do fato de a figura consorcial dar origem, eventualmente, a uma
organização interna e relativa, apenas – que não se apresenta como um centro de imputação
de interesses no plano externo –, a dissolução simplificada, imediata ou automática do
contrato de consórcio é compatível com a maleabilidade que motiva as partes a contratarem o
pacto consorcial, em vez de uma sociedade personificada, por exemplo.

Se se busca, com o consórcio, maior flexibilidade, facilidade e celeridade para


constituição de sistema de colaboração para persecução de um objetivo comum,490-491 espera-
se, também, que a desconstituição desse sistema e dos vínculos dele resultantes seja menos
burocrática do que no campo societário.

Dado que os consórcios não são sociedades, e despontam como uma alternativa à
rigidez societária – a qual é calcada em vínculos cujo desfazimento se afigura mais
tormentoso, por envolver procedimentos mais complexos –, não parece fazer sentido que a
dissolução de consórcio deva seguir parâmetros igualmente rígidos.

Emprestar-se-ia, assim, complexidade a um instrumento que foi construído como


alternativa à criação de novo vínculo societário. Pela própria essência do consórcio, não seria
adequado aplicar uma regra rígida como o processo de dissolução; se o consórcio tem como
um de seus pilares a maior flexibilidade de construir e romper relações – porque não calcadas
em vínculo societário, propriamente –, emprestar-lhe o regramento de dissolução de
sociedades seria contraditório.

Tratando do consórcio português, mas com considerações que são aplicáveis ao


consórcio no direito brasileiro, Engracia anota que a figura consorcial veio endereçar a
necessidade por instrumento capaz de

[...] organizar uma cooperação temporária e limitada entre empresas que lhes
permita, a um tempo, criar vinculações mútuas para efeitos de realização de

490
EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A comentada: arts. 206 a 300 cit., p. 471.
491
LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. Pareceres cit., p. 521.
150

um determinado empreendimento, organizando flexivelmente o quadro de


relações internas e externas, e libertar-se facilmente dessas amarras logo que
tal objectivo tenha sido atingido. Esta flexibilidade é especialmente
marcando no caso do contrato de consórcio, o qual, ao contrário de outras
figuras de matriz cooperativa afim (v.g., sociedade, cooperativa,
agrupamento complementar de empresas), não dá origem ao nascimento de
uma nova entidade com personalidade jurídica.492

São anotações como essa, denotadoras da flexibilidade e da maleabilidade inerentes à


figura consorcial, que reforçam a inadequação de qualquer proposta ou interpretação que
impute ao consórcio a necessidade de procedimento complexo de encerramento, pois
contrário à essência do instituto; menos rígido, em sua base, que o contrato de sociedade, por
exemplo.

Não há que se falar da aplicação aos consórcios de um regime de liquidação – que é


indispensável ao regime de dissolução societária.493 E isso se deve a 3 motivos principais,
comentados adiante.

4.2.1 O consórcio não tem patrimônio

O fundo consórtil não equivale a um patrimônio autônomo, especial ou separado,


conforme exposto no Capítulo I.

Quando existente (pois, relembre-se, não é requisito obrigatório aos consórcios),


resulta do somatório de recursos destinados pelas consorciadas para fazer frente a
despesas comuns, como autorizado pelo art. 279, VIII, da LSA. Não ocorre
desprendimento, contribuição, transferência de titularidade sobre elementos patrimoniais,
para constituição de um novo patrimônio ou de patrimônio comum, destacado dos
patrimônios gerais das sociedades consorciadas;494 tampouco existe qualquer tipo afetação
à finalidade do consórcio.

492
ANTUNES, José A. Engracia. Direito dos contratos comerciais cit., p. 399.
493
“Art. 1.102. Dissolvida a sociedade e nomeado o liquidante na forma do disposto neste Livro, procede-se à
sua liquidação, de conformidade com os preceitos deste Capítulo, ressalvado o disposto no ato constitutivo
ou no instrumento da dissolução.”
494
Diferentemente do que ocorre no direito italiano, em relação ao consorzio, que goza de “autonomia
patrimonial, pois os bens do fundo constituem um patrimônio de destinação, preservado em relação aos
sujeitos, que não têm nenhum direito próprio sobre o mesmo enquanto dura a afetação, e em relação aos seus
credores pessoais, para os quais é intangível (arts. 37 e 41, n. I)” (LEÃES, Luis Gastão Paes de Barros.
Sociedades coligadas e consórcios cit., p. 148).
151

Igual comentário deve ser a respeito dos bens que, eventualmente, sejam colocados
pelas consorciadas à disposição para desenvolvimento do empreendimento comum: do
mesmo modo não há aporte, contribuição, mudança de titularidade. Os bens permanecem sob
a titularidade do consorciado que os destinou, passando a ser utilizado em proveito das
consorciadas, diante do objetivo comungado. Aliás, o uso desses bens pode ser remunerado ao
titular, no âmbito da repartição dos resultados.495

E, quanto a ativos adquiridos em conjunto pelos consorciados, o efeito também não é


de constituição de patrimônio. De forma diversa do que ocorre nas sociedades (inclusive as
não personificadas, que dispõem de patrimônio especial, nos termos da lei), inexiste previsão
legal de composição de uma massa patrimonial autônoma formada a partir de bens em
comunhão das partes de um consórcio, que estaria destinada ao objetivo da relação consorcial.

Relembre-se que o contrato de consórcio não dá ensejo à criação de um interposto


sujeito ou ente que, em substituição aos consorciados, adquire o ativo; são os próprios
consorciados (ainda que representados pela consorciada-líder, por exemplo), que realizam a
aquisição.

Passam, portanto, a titularizar esses ativos de forma conjunta, em situação de


copropriedade ou comunhão.

Quando isso ocorre, tem-se, então, a formação de um condomínio voluntário entre as


consorciadas.496-497

495
“O consórcio responde justamente aos interesses presentes no caso em que o empreendimento comum não
demanda desenvolvimento de novas classes de ativos de utilidade específica, mas compartilhamento dos
ativos existentes nos patrimônios das empresas parceiras (independentemente do fato de que tais ativos
devam ser renovados). A “remuneração” em última instância pela utilização de tais ativos é refletida na
forma pela qual as parceiras pactuam as cláusulas no instrumento consorcial, a que se referem os incisos IV e
V do art. 279 da Lei das S.A. (respectivamente, a definição das obrigações e responsabilidade de cada
sociedade consorciada, e das prestações específicas e as normas sobre recebimento de receitas e partilha de
resultados)” (KIRSCHBAUM, Deborah; CANADO, Vanessa Rahal; MEIRA, Thais de Barros. Consórcio e
sociedade em conta de participação: planejamento tributário ilícito. In: PRADO, Roberta Nioac; PEIXOTO,
Daniel Monteiro; SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Direito societário: estratégias societárias, planejamento
tributário e sucessório. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.
com.br/#/books/9788502120822/. Acesso em: 28 jul. 2020. p. 448.
496
“O condomínio pode ter origem voluntária (ou convencional): duas ou mais pessoas adquirem um mesmo
bem. Trata-se da hipótese mais correntia” (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil – Direitos reais cit., p.
368).
497
Spinelli e Scalzilli admitem o surgimento de situação semelhante no âmbito da SCP, para além da formação
do patrimônio especial (que é uma exclusividade da sociedade em conta de participação, não verificada no
caso dos consórcios): “Pode, ainda, constituir-se uma copropriedade entre o sócio oculto e o ostensivo. Para
152

Conforme Mauro Penteado, a fase de liquidação, no campo do direito societário, tem


por objetivo transferir o patrimônio da sociedade para os sócios, mediante desmontagem
gradual da organização empresarial, com ultimação dos negócios sociais e realização do ativo,
pagamento do passivo; etapas indispensáveis e prévias à partilha do saldo remanescente.498

Um estado499 de liquidação como esse, com vistas à ultimação dos negócios sociais e
partilha do patrimônio remanescente, não se faz necessário nos consórcios, já que os bens,
direitos e obrigações são titularizados diretamente pelas consorciadas, não constituindo
patrimônio autônomo ou separado.500

São os patrimônios individuais das consorciadas, nas proporções do contrato de


consórcio (com presunção relativa de ausência de solidariedade entre elas), que servem de
garantia aos credores (que, aliás, são credores das consorciadas, e não do consórcio).

4.2.2 O consórcio não tem personalidade jurídica

Já se demonstrou que há íntima relação entre a personalidade jurídica e a necessidade


de uma extinção gradual do respectivo contrato, calcada numa fase de liquidação, até que a
extinção se implemente501 – como estampado no art. 51 do Código Civil,502 aliás.

A despersonificação do consórcio, nos termos do art. 278, § 1º da LSA, além de


incontestável, afasta o contrato consorcial da necessidade de um regime dissolutivo, em
sentido amplo.

tanto, é necessária uma convenção entre os sócios, já que por si mesma a conta de participação não acarreta
tal efeito, uma vez que o efeito natural é a transferência da propriedade. No entanto, a convenção deve ser
presumida, por exemplo, caso ocorra a compra em comum de um objeto destinado à revenda ou mesmo a
aquisição conjunta de um maquinário para ser utilizado na exploração do objeto da SCP. Mas é claro que,
existindo a copropriedade sobre um determinado bem, o sócio participante deve, de qualquer forma,
transferir o uso de sua parte ideal para o ostensivo, seja a título real, seja a título obrigacional” (SCALZILLI,
João Pedro; SPINELLI, Luis Felipe. Sociedade em conta de participação cit., p. 237).
498
PENTEADO, Mauro Rodrigues. Dissolução e liquidação de sociedades cit., p. 87.
499
Ver, a propósito: SATIRO, Francisco. Breves notas sobre o estado de liquidação da sociedade cit.
500
“Já a ausência de regulamentação da liquidação encontra explicação no fato de que, pelas obrigações contraídas em
benefício da comunhão, porque desconhecida a noção de patrimônio autônomo, respondia direta e exclusivamente
o sócio que as contraíra; internamente, entre os sócios, prevaleciam as regras atinentes à comunhão e ao
condomínio” (PENTEADO, Mauro Rodrigues. Dissolução e liquidação de sociedades cit., p. 28).
501
Sobre a liquidação (que é uma das fases do procedimento dissolutório), Mauro Penteado anota que “[a]
consolidação do instituto, tal como é disciplinado, deu-se com o surgimento das sociedades anônimas, o
reconhecimento da personalidade jurídica e da autonomia do patrimônio social” (PENTEADO, Mauro
Rodrigues. Dissolução e liquidação de sociedades cit., p. 30).
502
“Art. 51. Nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a autorização para seu funcionamento, ela
subsistirá para os fins de liquidação, até que esta se conclua.”
153

Se o consórcio não consiste em sujeito de direitos, que atua no mundo jurídico,


contraindo direitos e obrigações (o que é consequência da personalidade jurídica), não há que
se falar em uma fase de liquidação, pois não há um sujeito que, com o fim da dissolução,
deixará de existir, desaparecendo dos negócios jurídicos firmados. Afinal, são as
consorciadas, mantendo suas personalidades e individualidades patrimoniais, que performam
as atividades. O desfazimento da figura consorcial, assim, não imporá a necessidade de
ultimação das relações, pois elas não foram assumidas pelo consórcio (e sim pelas
consorciadas, individualmente)

Apesar da inexistência de personalidade ou autonomia ou especialização patrimonial,


o consórcio pode dar origem a uma organização – interna, porém.

4.2.3 O consórcio não cria organização externa

Quando se estrutura uma organização no âmbito do consórcio, ela se dá apenas no


plano interno, calcada no sistema cooperativo estabelecido entre as partes para que atuem de
maneira concertada e atinjam o objetivo comum. Não se constrói uma organização externa,
que passa a atuar como se o consórcio fosse, vinculando-se perante terceiros; sobretudo
porque é pressuposto da figura consorcial a manutenção das individualidades dos
contratantes, que permanecem agindo, cada uma, para fins de persecução do objetivo comum.

Eventual estruturação de uma administração do consórcio, ou a designação de uma


consorciada-líder, tem como efeitos externos a mera representação, e não a presentação
(como ocorre nas sociedades personificadas), de modo que os representantes passam a agir
em nome das próprias consorciadas, na qualidade de mandatários destas.

Já no plano interno, essa organização tem por objetivo a coordenação de assuntos de


interesse comum (como aspectos contábeis, processos etc.), bem como do sistema de
colaboração que foi instituído a partir do consórcio. A desmontagem dessa organização
interna e relativa interessa, portanto, apenas aos consorciados, e não afeta terceiros, já que não
se cria centro de imputação, pois são os consorciados que atuam diretamente, em nome
próprio.503

503
“Como já foi salientado, a noção que se tinha no direito romano sobre as sociedades não exigia a elaboração
de regras próprias a respeito de sua liquidação, posto que as obrigações assumidas pelos sócios perante
154

Diante de todo o exposto, a dissolução do consórcio não deve ser entendida como
procedimento para dar fim à personalidade jurídica (ou a uma organização externa), ou para
liquidar o patrimônio, pois esses atributos não são identificados no consórcio.

O pressuposto da dissolução da relação consorcial é o encerramento, de modo


adequado e em atenção às características do consórcio, do contrato e do negócio jurídico que
àquele deu causa. Em termos mais simples, pôr fim à relação que fora contratada entre as
sociedades consorciadas – o que se opera internamente.

Afora as hipóteses de nulidade, que impõem a extinção por causas anteriores ou


contemporâneas à formação do contrato, o consórcio sujeita-se a extinção por causas
supervenientes à sua celebração, as quais atingem a convergência de vontade das partes que
deu origem à relação contratual e/ou o adimplemento das obrigações atribuídas a cada uma
das consorciadas.

Apesar de um contrato associativo, de duração, não se configura como sociedade (que


goza de um regime próprio de encerramento) ou outra figura contratual que disponha de um
tratamento específico.

Logo, enquanto contrato, submetido ao regime geral pátrio, a dissolução do consórcio


– atendidas as eventuais especificidades contratadas pelas partes no respectivo instrumento –
observará, com os devidos temperamentos (diante de suas peculiaridades), também as regras
do Código Civil.

Viu-se também que, para além da dissolução em sentido estrito, as características de


associatividade, plurilateralidade e continuidade do consórcio, assim como se verifica nas
sociedades, poderiam justificar a necessidade de uma dissolução em sentido amplo, baseada
em um procedimento complexo que imporia uma extinção gradual da relação consorcial,
contemplando fase pré-extintiva de liquidação de patrimônio.

Todavia, o consórcio não possui os elementos que justificam, na essência, o complexo


procedimento de dissolução societária, em especial, a personalidade jurídica (ou a existência
de uma organização externa) e o patrimônio.

terceiros eram tidas como próprias, pessoais, a despeito de se destinarem a atender os interesses da
comunhão, que no entanto tinha caráter interno, adstrita que era a eles, apenas, sem reflexos externos”
(PENTEADO, Mauro Rodrigues. Dissolução e liquidação de sociedades cit., p. 28).
155

A dissolução como processo tem por objetivo conduzir a sociedade à sua extinção
gradual e, nesse contexto, a liquidação se apresenta como etapa imprescindível, que cuidará
do desfazimento dos nós que impediriam uma extinção abrupta da sociedade.

A liquidação pressupõe, principalmente, a existência uma organização externa


(revestida ou não de personalidade jurídica) e de patrimônio, os quais devem ser liquidados,
para que se possa chegar ao encerramento do respectivo contrato:

Aos poucos vai surgindo a ideia de se desenvolver um processo extintivo


completo para a sociedade, fazendo com que as obrigações sejam quitadas
antes da extinção do órgão social. [...] é a partir do surgimento da pessoa
jurídica e do patrimônio autônomo que se percebe uma consciência jurídica
geral de que a extinção da sociedade deve ser feita por meio de um processo.
O avanço trouxe consigo a criação de um processo de liquidação complexo.
[...] ressalta-se o nexo entre a moderna liquidação e o patrimônio
autônomo.504

Nas considerações de Mauro Penteado, não se afigurava necessária uma fase


liquidatória, na acepção de sociedade do Direito Romano, pois as obrigações eram tidas como
assumidas diretamente pelos sócios perante terceiros.505

Não à toa, o que se vem a denominar de liquidação nas sociedades de conta de


participação é entendido como um acerto de contas entre os sócios,506 com eficácia apenas no
planto interno da SCP,507 diante da inexistência de personalidade jurídica508 – o que se difere
do consórcio pela existência, na sociedade em conta de participação, de patrimônio especial.

504
ALBUQUERQUE, Luciano Campos de. Dissolução de sociedades cit., p. 98.
505
“Como já foi salientado, a noção que se tinha no direito romano sobre as sociedades não exigia a elaboração
de regras próprias a respeito de sua liquidação, posto que as obrigações assumidas pelos sócios perante
terceiros eram tidas como próprias, pessoais, a despeito de se destinarem a atender os interesses da
comunhão, que no entanto tinha caráter interno, adstrita que era a eles, apenas, sem reflexos externos”
(PENTEADO, Mauro Rodrigues. Dissolução e liquidação de sociedades cit., p. 28).
506
“Observa-se, portanto, que a liquidação da conta de participação é, grosso modo, um acerto de contas entre
os sócios, mesmo porque, quando a SCP é dissolvida, a única relação afetada é aquela existente entre os
sócios, pois, perante terceiros, todos os atos foram praticados em nome do sócio ostensivo. Não há
patrimônio a liquidar, crédito para cobrar e pagamento a fazer. Vale lembrar que o rito dissolutório previsto
para as sociedades personificadas, todo detalhado, tem razão de ser em atenção à necessidade de tutelar os
terceiros que entraram em relação com a sociedade, notadamente os seus credores” (SCALZILLI, João
Pedro; SPINELLI, Luis Felipe. Sociedade em conta de participação cit., p. 308).
507
Quanto às sociedades em conta de participação, Mauro Penteado registra que “[o] procedimento de
liquidação apresenta, para essa espécie societária, características especiais, visto que, como observa Pontes de
Miranda, ‘para os terceiros, o fato da liquidação e dissolução da sociedade em conta de participação, que eles,
no plano eficacial, não viam, é quase sem relevância. Os sócios participantes ativos praticaram os atos como
só seus. Se não houve mancomunhão de bens destinados aos fins sociais, o que se pode chamar liquidação é
156

Com considerações sobre a dissolução da sociedade em conta de participação e a


impropriedade de se tratar de um regime de liquidação societária,509 diante da inexistência um
sujeito de direitos e de patrimônio comum (relembre-se, o patrimônio especial, previsto no
Código Civil, pertence ao sócio ostensivo), mas que emprestáveis ao encerramento do
consórcio (exatamente por também lhe faltar personalidade jurídica, autonomia patrimonial
ou a formação de patrimônio comum), assim expôs Alfredo Assis Gonçalves Neto:

Ocorrendo a dissolução, deve seguir a liquidação da sociedade. Como ela


não se apresenta como um sujeito de direito, com patrimônio próprio, não
faz sentido que se lhe apliquem as disposições relativas à liquidação das
sociedades, que se segue ao momento dissolutivo, regulada no art. 1.102 e
ss. do mesmo Código. Em verdade, ocorrendo qualquer das causas de
dissolução, cumpre ao sócio ostensivo simplesmente prestar contas aos
sócios ocultos. Nesse sentido, expressava-se, aliás, o art. 2.552, 3.ª alínea, do
Código Civil italiano de 1942. No domínio do regime anterior, a maioria dos
autores já entendia que sua liquidação resumia-se a uma simples prestação
de contas, amigável ou judicial. E essa foi a orientação incorporada pelo art.
996 do Código Civil. [...] Não se fala em liquidação, como dito, porque não
há patrimônio comum a liquidar.510

No mesmo sentido, a respeito dos consórcios portugueses (os quais partilham de


características essenciais ao consórcio brasileiro também), Raúl Ventura confirma a
inadequação de uma fase liquidatória aos contratos consorciais:

simples tomada de contas’” (PENTEADO, Mauro Rodrigues. Dissolução e liquidação de sociedades cit., p.
131).
508
“As peculiaridades da conta de participação também determinam o afastamento das regras gerais sobre
liquidação de sociedades, constantes do Capítulo IX, do Subtítulo II do Código Civil (arts. 1.102 a 1.112),
muito embora as normas relativas à dissolução de sociedade sejam perfeitamente compatíveis com a
sociedade em conta de participação. De acordo com o art. 996, a liquidação se fará pelas normas referentes à
prestação de contas, conforme estabelecido na lei processual (cf. arts. 914 a 919 do CPC). Assim, a
dissolução da sociedade será procedida de acordo com as disposições dos arts. 1.033 e 1.034, acrescentando-
se, ao elenco de situações que suscitam a dissolução, a falência do sócio ostensivo, conforme estipula o § 2º
do art. 994” (WALD, Arnoldo. Direito civil: direito de empresa cit., p. 47).
509
“Não há a necessidade de seguir o procedimento de liquidação típico dos demais tipos societários, uma vez
que não existem interesses externos (credores) a serem tutelados; a liquidação da conta de participação
objetiva, principalmente (ou, talvez, unicamente), satisfazer os interesses dos sócios. O sócio ostensivo,
mesmo após a liquidação e consequente extinção da conta de participação, continua garantindo os credores;
não existe, portanto, qualquer proteção especial dos credores. Portanto, há a necessidade de, levantadas as
contas, apurar o saldo de acordo com o estabelecido no contrato social (sendo que o sócio oculto participa,
inclusive, do incremento patrimonial ocorrido no fundo social). Realiza-se, assim, um acerto de contas entre
os sócios, a fim de verificar o que deve ser pago a qual sócio, para posterior pagamento – se houver saldo.
Quando são vários os sócios ostensivos, o art. 996, parágrafo único, do Código Civil, estabelece que a
prestação de contas será una e que deve ser realizada em conjunto. Assim, as contas devem ser prestadas de
modo uniforme, de acordo com um mesmo critério e em conjunto, seja dissolução judicial, seja amigável”
(SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luis Felipe. Sociedade em conta de participação cit., p. 309-310).
510
GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentários aos arts. 966 a 1.195 do Código
Civil cit., p. 209.
157

A semelhança com regulamentação da extinção das sociedades não se


estende à obrigatória fase de liquidação destas. Isso resulta da falta, no
contrato de consórcio, de personalidade jurídica ou pelo menos de um
património autónomo, pelo qual devam ser satisfeitos certos credores;
também entre os sócios, sendo individuais as actividades desenvolvidas e
não havendo fundo comum, não há lugar a uma partilha, preparada por uma
liquidação do activo.511

A dissolução de uma sociedade pressupõe a inauguração de um processo de liquidação


para que, gradualmente, a entidade seja extinta. Mas, no caso dos consórcios, os elementos
justificadores da existência de tal procedimento não se verificam. Não é o consórcio que
responderá perante terceiros; não é o consórcio que figura como parte contratual; não é o
consórcio o titular dos direitos e obrigações, créditos e débitos, que interessam aos terceiros;
assim como não há negócios do consórcio a serem ultimados, nem ativos e passivos do
consórcio a serem realizados.512 Porque o consórcio nada detém.

São as consorciadas, na exata medida e proporção que contrataram no âmbito do


consórcio; e são elas que, por meio do contrato de consórcio, titularizam, diretamente (mesmo
que, numa eventualidade, de forma conjunta), esses direitos e obrigações. Não à toa
preservam suas individualidades patrimoniais.

A extinção do consórcio levará, tão somente, ao fim do acerto que as partes


estabeleceram para comunhão de esforços e recursos, com vistas à realização de um
empreendimento comum.

Essa análise é relevante porque os contratos de consórcio, até mesmo em razão do que
anota a exposição de motivos da LSA, podem ser compreendidos – erroneamente, na minha
visão – como um tipo societário, atraindo aplicação supletiva do regime dissolutivo de
sociedades (entre outras regras); sobretudo pelo fato de o regime jurídico principal dos
consórcios empresariais nada dispor a respeito.

511
VENTURA, Raúl Ventura. Primeiras notas sobre o contrato de consórcio cit., p. 666.
512
Veja-se, a respeito, anotação de Mauro Penteado quanto à dissolução de sociedades, na época do direito
romano, em que não existia personalidade jurídica: – “Como já foi salientado, a noção que se tinha no direito
romano sobre as sociedades não exigia a elaboração de regras próprias a respeito de sua liquidação, posto que
as obrigações assumidas pelos sócios perante terceiros eram tidas como próprias, pessoais, a despeito de se
destinarem a atender os interesses da comunhão, que no entanto tinha caráter interno, adstrita que era a eles,
apenas, sem reflexos externos. [...] Já a ausência de regulamentação da liquidação encontra explicação no
fato de que, pelas obrigações contraídas em benefício da comunhão, porque desconhecida a noção de
patrimônio autônomo, respondia direta e exclusivamente o sócio que as contraíra; internamente, entre os
sócios, prevaleciam as regras atinentes à comunhão e ao condomínio” (PENTEADO, Mauro Rodrigues.
Dissolução e liquidação de sociedades cit., p. 28).
158

Assim, nas hipóteses em que o contrato não regular a matéria, ou as próprias consorciadas
deliberarem acerca do tema (numa situação de encerramento amigável, por exemplo), inexistirá
necessidade de observar um procedimento dissolutivo ao contrato de consórcio, pois sua extinção
pode se dar automaticamente, quando implementada uma causa de dissolução.

Não se nega, porém, que efeitos podem decorrer da dissolução do consórcio, tanto
internamente, quanto externamente513 – é disso que cuidará o item a seguir.

4.3 Os efeitos da dissolução do consórcio

Em virtude das características do contrato de consórcio, entendo que existem três


questões principais que precisam ser compreendidas quanto à extinção imediata da figura
consorcial: (i) as relações entre as consorciadas e a posição da administração; (ii) as relações
com terceiros; e (iii) eventual fundo consórtil.

4.3.1 As relações entre as consorciadas e a posição da administração

Considerando que cada uma das partes do consórcio tem suas atribuições e atua,
conforme previsto no contrato, de maneira concertada, ensejando a constituição de créditos e
débitos no âmbito da realização das atividades que têm por finalidade a persecução de um
objetivo comum, o encerramento do sistema colaborativo instituído entre as contraentes
(consubstanciado no contrato de consórcio) deve conduzir a um rito de prestações de
contas514 mútuas entre as consorciadas, justamente para verificação de eventuais saldos
devidos de uma parte a outra.

513
“Não significa isto que, extinto o contrato de consórcio em determinado momento, estejam findas, sempre e
totalmente, as respectivas relações. Não só pode haver questões relativas a incumprimento do contrato por
algum dos contraentes, como o próprio desfazer da colaboração existente durante algum tempo pode ainda
manter algumas relações entre os contraentes. Quanto a isto, pode o contrato providencia e, no silêncio deste,
aplicar-se-ão as regras gerais de direito que no caso couberem” (VENTURA, Raúl Ventura. Primeiras notas
sobre o contrato de consórcio cit., p. 666).
514
“A prestação de contas, não custa lembrar, é o ato pelo qual a pessoa que atua em nome de outra ou que lhe
administra os negócios justifica o resultado de sua gestão. Possui a finalidade de apurar qual o estado, em
dado momento, das relações contrapostas de débito e crédito entre os interessados. Só depois de prestadas as
contas é que se poderá saber quem tem a receber, isto é, a quem o saldo é favorável, colocando-se o credor,
por fim, na condição de exigir o pagamento desse saldo. Cabe ao sócio ostensivo o dever de prestar contas da
gestão social, obrigação advinda da própria natureza da posição deste último, que á a de administrador de
bens ou, no mínimo, de interesses alheios. Decorre, também, do genérico ‘dever de informar’, imposto a
todos aqueles que geram o patrimônio de outrem” (SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luis Felipe.
Sociedade em conta de participação cit., p. 167-168).
159

Assim, diante também das regras contábeis e dos deveres de boa-fé e de informação515
que permeiam o vínculo cooperativo,516 a extinção do consórcio impõe a que todas as
consorciadas (e não só a líder, por ser mandatária517) compartilhem, entre si, seus registros e
saldos contábeis, para que possam promover os devidos acertos de contas518 – considerando,
inclusive, a eventual sistemática de compartilhamento e repartições de despesas e resultados
que tenha sido avençada no pacto a ser dissolvido.519

515
Sobre a importância da existência de um regime que assegure transparência informacional em grupos
societários, Klaus Hopt traz importante consideração, suportada por evidências empíricas relativas a
companhias abertas: “The arguments for mandatory disclosure are both theoretical and empirical. 87 Without
mandatory disclosure, there is an underproduction of information. Bad news is preferably suppressed.
Voluntary disclosure of bad news may harm the company, in particular if other companies hide such news.
Standardized mandatory disclosure helps the investors and the market to evaluate disclosure. Empirical
evidence seems to support these arguments for publicly traded firms” (HOPT, Klaus J. Groups of Companies.
A Comparative Study on the Economics, Law and Regulation of Corporate Groups. Law Working Paper n.
286/2015, 2015. Disponível em: http://ssrn.com/abstract=2560935. Acesso em: 8 jul. 2020. p. 12).
Tradução livre: “os argumentos a favor da divulgação obrigatória de informações (ou transparência) são, ao
mesmo tempo, teóricos e empíricos. Sem divulgação obrigatória, há baixa produção informativa. Más
notificas são preferencialmente suprimidas. Divulgação voluntária de más notícias pode gerar danos à
companhia, especialmente se outras companhias esconderem essas notícias. A existência de um padrão de
divulgação obrigatória ajuda investidores e o mercado a precificar a transparência. Evidências empíricas
parecem sustentar esses argumentos para companhias de capital aberto”.
516
“Inter-firm cooperation in the sense used here also implies a degree of risk-sharing and Exchange of
information and expertise during performance, which may take such forms as the joint ownership or cross-
ownership of patentes and machines, the joint development of products and processes, the shared
development of marketing strategies, or the Exchange of staff” (DEAKIN, Simon; ARRIGHETTI,
Alessandro; BACHMANN, Reinhard. Contract Law, Social Norms and Inter-firm Cooperation cit., p. 2).
Tradução livre: “Cooperação interempresarial, na acepção aqui utilizada, também implica um grau de
compartilhamento de riscos e troca de informações e conhecimentos durante o desempenho da atividade, que
pode assumir formas como propriedade conjunta ou propriedade cruzada de patentes e máquinas, o
desenvolvimento conjunto de produtos e processos, o desenvolvimento compartilhado de estratégias de
marketing ou o intercâmbio de equips”.
517
“O mandatário age em nome do mandante, para esse devendo ser todas as vantagens do negócio, uma vez que a
remuneração do procurador não depende do sucesso das operações praticadas, e sim da mera execução do
mandato. Uma vez terminada essa execução, deve o mandatário prestar contas ao mandante, ‘transferindo-lhe as
vantagens provenientes do mandato, por qualquer título que seja’ (Código Civil, art. 668). Se, por acaso, o
mandatário, por culpa própria, provocar prejuízos ao mandante, não pode compensá-los com as vantagens que, por
outro lado, possa ter obtido para este (Código Civil, art. 669). A prestação de contas tem justamente por finalidade
fazer com que o mandatário demonstre a fiel execução das ordens do mandante, para tanto transferindo-lhe as
vantagens advindas do negócio ou, se não houve vantagens, mostrando o que realmente ocorreu” (MARTINS,
Fran. Curso de direito comercial – Contratos e obrigações comerciais cit., p. 254).
518
Em sentido semelhante, a respeito das joint ventures, Rubens Requião: “Dado característico da joint venture
é o prazo determinado. Na modalidade contratual, as partes devem defini-lo, seja indicando data especial ou a
consumação do objeto do contrato, por exemplo. Na modalidade associativa, a extinção também deverá estar
prevista no ato constitutivo, no modo mais apropriado às expectativas dos sócios. No primeiro caso,
encerrada a joint venture, as obrigações das partes devem ser liquidadas, com o acerto de contas final. Tal
perspectiva deve levar ao segregamento da contabilidade dos atos relativos à joint venture, a fim de que se
distanciem da atividade comum das partes, ao menos no que concerne aos registros” (REQUIÃO, Rubens.
Curso de direito comercial cit., p. 314).
519
“[...] a colaboração, concertação, cooperação de actividade exige a prestação de informações por todos os
membros do consórcio” (VENTURA, Raúl Ventura. Primeiras notas sobre o contrato de consórcio cit., p.
661).
160

No plano das relações entre as consorciadas, a consequência da extinção do contrato


de consórcio é a apuração dos créditos e débitos eventualmente detidos por cada uma das
consorciadas – o que se opõe de umas às outras, e não ao consórcio. Sobretudo porque o
consórcio encerra um sistema colaborativo que pode dar origem a um fluxo de receitas e
despesas comuns e partilhadas entre as contraentes.

É recomendável que a prestação de contas se dê na forma mercantil,520 assim como


ocorre na sociedade em conta de participação, diante da empresarialidade inerente aos
consórcios.

Veja-se que, aqui, eventual menção ao termo liquidação somente poderia ser feita em
referência à finalização das obrigações mútuas e recíprocas estabelecidas entre as
consorciadas; mas não a uma fase pré-extintiva, calcada nos mesmos procedimentos
aplicáveis à dissolução de sociedades.

Por esses motivos, aliás, o art. 279 da LSA lista como requisitos do contrato que as
partes estabeleçam regras a respeito de contabilização, recebimento de receitas e partilha de
resultados, bem como contribuições para despesas comuns às consorciadas; sem prejuízo das
regras constantes da IN RFB 1.199/2011 no sentido que as consorciadas apropriem,
individualmente, seus custos e receitas,521 fazendo suas próprias escriturações em separado, e
que a consorciada-líder (ou outra indicada para tanto) promova os registros contábeis das
operações relativas ao objetivo do consórcio, a qual deverá refletir “o somatório dos valores
das receitas, custos e despesas das pessoas jurídicas consorciadas, podendo tais valores serem
individualizados proporcionalmente à participação de cada consorciada no
empreendimento”.522

520
Segundo Spinelli e Scalzilli, a forma mercantil equivaleria à forma contábil, a fim de que as contas sejam
apresentadas com colunas de débito, crédito, lançados cronologicamente ingressos e saídas, com
discriminações de origem, destino e data, além dos documentos de suporte comprobatório e, enfim, o saldo
(SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luis Felipe. Sociedade em conta de participação cit., p. 174).
521
“Qualquer “excedente” recebido pelo consórcio não é de sua titularidade, mas sim dos consorciados, que
partilham as receitas conforme previsto no contrato consorcial, como determina a norma contida no art. 279,
V, da Lei das S.A” (KIRSCHBAUM, Deborah; CANADO, Vanessa Rahal; MEIRA, Thais de Barros.
Consórcio e sociedade em conta de participação: planejamento tributário ilícito cit., p. 448).
522
Art. 3º Para efeito do disposto no caput do art. 2º, cada pessoa jurídica participante do consórcio deverá
apropriar suas receitas, custos e despesas incorridos, proporcionalmente à sua participação no
empreendimento, conforme documento arquivado no órgão de registro, observado o regime tributário a que
estão sujeitas as pessoas jurídicas consorciadas. § 1º O disposto no caput aplica-se para efeito da
determinação do lucro real, presumido ou arbitrado, da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro
Líquido (CSLL), bem como para apurar a base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da
161

Apenas a título ilustrativo, vale o destaque a respeito da sociedade em conta de


participação, tida pela legislação como sociedade não personificada (apesar das discussões a
respeito de sua natureza, em que parte da doutrina defende classificação como contrato não
societário),523-524 para a qual a dissolução se opera pelo mecanismo de prestação de contas.525
Questiona-se, inclusive, se o regime de prestação de contas equivaleria à liquidação ou se
seria um outro tipo de etapa intermediária, anterior à extinção efetiva do contrato a que se
refere.526

Havendo administradores do consórcio ou consorciada-líder, estes, na qualidade de


mandatários das consorciadas, devem, ao final da relação de mandato527 decorrente do vínculo
consorcial (que se impõe com a determinação da causa de dissolução do contrato de

Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) como também para apurar os créditos das
pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não cumulativa dessas contribuições. § 2º A empresa líder
do consórcio deverá manter registro contábil das operações do consórcio por meio de escrituração segregada
na sua contabilidade, em contas ou subcontas distintas, ou mediante a escrituração de livros contábeis
próprios, devidamente registrados para este fim. § 3º Na ausência de empresa líder, ou se não houver
disposições legais exigindo a indicação de uma líder, deverá ser eleita uma das consorciadas para os fins
previstos no § 2º. § 4º Os registros contábeis das operações no consórcio, efetuados pela empresa líder ou
pela consorciada eleita para este fim, deverão corresponder ao somatório dos valores das receitas, custos e
despesas das pessoas jurídicas consorciadas, podendo tais valores serem individualizados proporcionalmente
à participação de cada consorciada no empreendimento. § 5º Sem prejuízo do disposto nos §§ 2º a 4º, cada
pessoa jurídica consorciada deverá efetuar a escrituração segregada das operações relativas à sua participação
no consórcio em seus próprios livros contábeis, fiscais e auxiliares. § 6º Os livros obrigatórios de escrituração
comercial e fiscal utilizados para registro das operações do consórcio e os comprovantes dos lançamentos
neles efetuados deverão ser conservados pela empresa líder ou pela consorciada eleita de que trata o § 3º, e
pelas empresas consorciadas até que ocorra a prescrição dos créditos tributários decorrentes de tais
operações.
523
Analisando a natureza jurídica da sociedade em conta de participação, Spinelli e Scalzilli expõem opiniões de
juristas como Ascarelli, Eunápio Borges e Alfredo Assis Gonçalves Neto que negam a SCP como sociedade,
e, na mesma linha, outros comercialistas tais como José Edwaldo Tavares Borba, Sérgio Campinho e Fábio
Ulhoa Coelho (SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luis Felipe. Sociedade em conta de participação cit., p.
50-52).
524
“Definidas as sociedades empresárias como pessoas jurídicas, seria incorreto considerar a conta de
participação uma espécie destas. Embora a maioria da doutrina conclua em sentido oposto (Lopes, 1990), a
conta de participação, a rigor, não passa de um contrato de investimento comum, que o legislador,
impropriamente, denominou sociedade. [...] Outros de seus aspectos também justificam não considerá-la uma
sociedade: a conta de participação não tem necessariamente capital social, liquida-se pela medida judicial de
prestação de contas e não por ação de dissolução de sociedade, e não possui nome empresarial” (COELHO,
Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa cit., v. II, p. 603).
525
“Art. 996. Aplica-se à sociedade em conta de participação, subsidiariamente e no que com ela for compatível,
o disposto para a sociedade simples, e a sua liquidação rege-se pelas normas relativas à prestação de contas,
na forma da lei processual. Parágrafo único. Havendo mais de um sócio ostensivo, as respectivas contas serão
prestadas e julgadas no mesmo processo.”
526
SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luis Felipe. Sociedade em conta de participação cit., p. 308.
527
“[...] a empresa líder não tem delegação em sentido próprio para a tomada de decisões em nome do
consórcio, mas na realidade age como representante das demais parceiras, a relação que se estabelece entre
elas é de mandato” (KIRSCHBAUM, Deborah; CANADO, Vanessa Rahal; MEIRA, Thais de Barros.
Consórcio e sociedade em conta de participação: planejamento tributário ilícito cit., p. 450-451).
162

consórcio528), realizar o expediente da prestação de contas,529 conforme exigido pelo art. 668
do Código Civil;530 e, ainda, por força das suas responsabilidades contábeis, como
determinado pela IN RFB 1.199/2011, conduzir e coordenar do processo de prestação de
contas de todas as consorciadas.

Ademais, considerando que inexiste a fase de liquidação, também não há que se falar
da necessidade de um liquidante, nesse contexto, que substituiria a administração para não
mais perseguir o objeto social, e sim ultimar os negócios sociais e buscar a extinção.

Como não há patrimônio do consórcio, o que existe são os resultados da parceria


encerrada pelos consorciados por meio dessa relação consorcial que precisa ser dissolvida. E,
considerando a obrigatoriedade de se manter uma contabilidade específica para as operações
relativas ao consórcio (além das contabilidades individuais das consorciadas),531 bem como as

528
Nos termos do art. 682 do Código Civil, uma das hipóteses de extinção do mandato é o término do prazo ou a
conclusão do negócio. Obviamente que o encerramento do contrato que baseia a relação de mandato
pressupõe tanto a terminação do prazo, quanto impõe a conclusão do negócio objeto do mandato.
529
Tratando do contrato de agência, em que o agente atua como mandatário, enquanto gestor de negócios
alheios, Humberto Theodoro Junior discorre sobre o dever de prestação de contas: “Durante a execução do
contrato de agência, o agente tem, como o mandatário, o dever de prestar contas ao preponente, pois afinal é
ele um gestor de negócios alheios. Essas contas têm duplo sentido: a priori, o agente tem o dever de informar
ao preponente tudo que de relevante esteja ocorrendo no mercado em relação aos produtos e serviços de cuja
difusão se acha encarregado (nesse sentido, fala-se que o agente deve dar contas de sua missão); a posteriori,
isto é, depois de ter cumprido sua tarefa tem, periodicamente, de fazer um balanço das operações realizadas
no interesse do preponente: são as contas financeiras de sua atividade, nas quais, com discriminação de
gastos e receitas, se arrolarão recebimentos, custos, pagamentos, transferências de fundo para o mandante,
enfim toda a movimentação de valores efetuada por ordem ou conta do preponente, para estabelecer o saldo
de sua gestão financeira (nesse sentido, fala-se que o agente deve dar as contas de sua missão)”
(THEODORO JUNIOR, Humberto; MELLO, Adriana Mandim Theodoro de. Contratos de colaboração
empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 2019. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.
com.br/#/books/ 9788530986834/. Acesso em: 10 ago. 2020. p. 224). O autor faz considerações semelhantes
ao contrato de comissão, no qual também se celebra relação de mandato: “Com efeito, encarregando-se o
comissário de realizar uma negociação em favor de terceiro e com emprego de bens e recursos alheios, torna-
se um gestor de negócios de outrem. E, como todo gestor, impende-lhe observar a obrigação enunciada no
art. 668, ou seja: tão logo cumprido o negócio objeto da comissão, fica o comissário obrigado a prestar contas
detalhadas e justificadas das operações realizadas, historiando as transferências de bens, as despesas feitas, os
recebimentos efetuados e os valores a receber nas vendas a prazo. A prestação de contas na forma contábil
completa-se com a efetiva transferência de bens e valores líquidos ao comitente, ficando sempre claro e
expresso o saldo das contas, seja em favor de uma ou de outra das partes contratantes” (Ibidem, p. 153).
530
“Art. 668. O mandatário é obrigado a dar contas de sua gerência ao mandante, transferindo-lhe as vantagens
provenientes do mandato, por qualquer título que seja.”
531
“As sociedades consorciadas têm o dever legal de manter escrituração, e o consórcio, como segmento comum
das organizações das consorciadas, deve escriturar os fatos patrimoniais a ele relativos. À semelhança da
filial comum, ao fim de cada período de determinação, deve levantar balanço patrimonial e demonstração de
resultado, com base nas quais as consorciadas reconhecem em suas escriturações a parte dos bens, obrigações
e resultados que compete a cada uma. A Lei requer que o contrato defina as regras de escrituração em função
das obrigações e direitos das consorciadas, de modo a possibilitar a repartição de valores entre as
consorciadas. A escrituração do consórcio, tal como a de uma filial, deverá satisfazer a todos os requisitos
legais, sob os aspectos dos livros e registros contábeis e autenticação, e os assentamentos devem observar os
163

responsabilidades inerentes à Consorciada Líder – exceto se essa atribuição específica tiver


sido designada a outra consorciada, é claro –, a prestação de contas se revela como algo
natural à própria essência do consórcio, não sendo procedimento incongruente com o que se
espera de referida organização.

O aceite formal pelas consorciadas acerca da prestação de contas será suficiente para
que se prossiga com as compensações entre consorciadas, na exata proporção de suas
participações no consórcio. A falta de aceite, contudo, não atrasará ou impedirá a extinção do
consórcio – que, como visto, é automática e independe de qualquer procedimento.

Se o resultado dessa prestação de contas não for aceito por todas as partes,
inevitavelmente levará a uma disputa, que pode ser resolvida judicialmente, por arbitragem ou
outro mecanismo, a depender do meio de resolução de conflitos escolhido pelas consorciadas
no respectivo contrato.

Por fim, considerando o caráter sucessivo do contrato de consórcio, a extinção do


consórcio não se operará retroativamente, pois não poderá afetar prestações já consumadas.
Créditos e débitos, decorrentes do sistema de cooperação, por conta de despesas e receitas
comuns, serão apurados e pagos de parte a parte (eventualmente compensados), e, caso
qualquer parte entenda que foi lesada, por qualquer motivo, precisará se socorrer do sistema
de reparação civil, estatuído pelo Código, mediante reclamação de perdas e danos.

4.3.2 As relações com terceiros

O consórcio dá origem a uma organização mais simples, interna, relativa,


caracterizada pelo modo pelo qual as partes colaborarão entre si, realizando diretamente de
suas atividades e funções, com vistas a um objetivo comum. Uma vez promovida a extinção
do consórcio, essa organização deixa de existir e cada parte, então, continua a titular de seus
direitos e obrigações. Assim, não se verifica comprometimento indevido de direitos de
terceiros (ou sequer das próprias consorciadas) ao se admitir a extinção imediata do contrato

preceitos legais aplicáveis. A autenticação dos livros permite que ao término de cada exercício social o
inventário de ativo e passivo e os resultados do período sejam registrados resumidamente, pelos seus saldos
na escrituração das consorciadas. A escrituração do consórcio distingue-se da de uma filial porque nesta
todos os valores registrados são incorporados na escrituração da matriz, enquanto que no consórcio os saldos
das contas do ativo, do passivo e de resultado são distribuídos entre as consorciadas segundo as normas do
contrato” (LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Direito das companhias cit., p. 1520-
1521).
164

de consórcio, sem que se passe por um estado de liquidação ou qualquer outra fase
intermediária, que imponha um encerramento gradual.

Diferentemente do que ocorre na sociedade, a dissolução do consórcio não imporá o


desfazimento automático das relações firmadas com terceiros, ainda que tenham sido
celebradas por força da existência do consórcio (exceto se previsto no contrato com terceiro
que a extinção do consórcio é causa de dissolução daquele contrato, claro).

Isto porque, como o consórcio não é sujeito de direitos, titular da posição contratual
(que pertence a uma, parte das ou todas as consorciadas), a extinção do consórcio não
modificará a titularidade daquela posição perante terceiros. Logo, os outros contratos poderão
seguir com as respectivas consorciadas que já figurarem na relação, mesmo que o consórcio
seja extinto.

Situação diferente é a da dissolução da sociedade: nessa hipótese, a parte do contrato


deixou de existir, devendo sua posição ser cedida a alguém ou o contrato ser resolvido, haja
vista a impossibilidade de sua continuidade com uma parte que não mais existe.

É claro que a extinção do consórcio poderá gerar efeitos para terceiros, porque
relações contratuais podem provocar incidências reflexas (e não extensão de eficácia).532 Mas
isso não implica, de forma necessária, modificação da pretensão desses terceiros, os quais
jamais poderiam executar o consórcio, mas as consorciadas. E isso se mantém, a despeito da
dissolução da figura consorcial.

Partindo para situações mais específicas, como na esfera das contratações públicas, no
âmbito de licitações, o desfazimento do contrato de consórcio poderá acarretar hipóteses
cruzadas de extinção ou comprometimento do contrato para execução do objeto licitado.
Veja-se, contudo, que essa consequência não mudaria caso houvesse uma etapa intermediária,
pré-extintiva, tal qual a liquidação.

Como o contrato de consórcio não faz surgir novo ente, e as relações são assumidas,
de forma direta, pelas consorciadas, os direitos de terceiros já adquiridos devem ser
preservados, a despeito da dissolução do consórcio, porque os efeitos deste estão associados

532
“Para além dos efeitos diretos ligados ao adimplemento das obrigações contratadas, todavia, reconhece-se
que o contrato produz efeitos reflexos sobre terceiros” (CRAVEIRO, Mariana Conti. Contratos entre sócios.
São Paulo: Quartier Latin, 2013. p. 119).
165

aos seus contratantes. Aos olhos de terceiros, portanto, a dissolução do consórcio não afeta o
titular de direitos e/ou obrigações no âmbito das relações que foram contratadas em referência
ao consórcio, que permanece como sendo uma ou mais das consorciadas.

Situação semelhante ocorre quanto à sociedade de conta em participação, que, apesar


de ser oculta (diferentemente do consórcio, que é público – lembrando-se, todavia, de que a
publicidade do consórcio não tem natureza constitutiva, mas apenas para dar ciência aos
terceiros das matrizes de responsabilidade alocadas entre as consorciadas), também não
constitui novo ente, autônomo; na SCP, são os sócios ostensivos que firmam negócios
jurídicos com terceiros; no consórcio, são as próprias consorciadas.533

Logo, a existência do consórcio não muda o fato de que as consorciadas se


comprometeram perante terceiros, e as expectativas e os direitos legitimamente contraídos por
esses devem ser preservados.534

A respeito da dissolução da SCP e seus efeitos perante terceiros, as anotações de


Arnoldo Wald:

Sobre esse aspecto, ressaltamos que a ausência de personificação jurídica e


seus efeitos perante terceiros acarretam a inexistência de um patrimônio
social a ser inventariado, para dedução das dívidas a serem pagas com a
venda dos ativos sociais. Assim, todas as obrigações com terceiros,
vinculando diretamente o sócio ostensivo, não serão afetadas com a
dissolução, que produz efeitos apenas entre os sócios. Dissolvido o vínculo
societário, cabe ao sócio ostensivo prestar contas de suas atividades aos
demais sócios, como já acontecia antes, na vigência do Código Comercial,
em que parte da doutrina já observava que a liquidação da sociedade em
conta de participação era, na verdade, apenas um processo de prestação de
contas por parte do sócio ostensivo.

533
“Na medida e na proporção do que dispuserem os contratos de consórcio (Lei de S/A/ art. 279, IV),
pertencerão aos consorciados os direitos e lhes incumbirão as obrigações que decorrerem dos atos jurídicos
praticados pelos seus administradores” (CRISTÓFARO, Pedro Paulo. Consórcios de Sociedades. Validade e
eficácia dos atos jurídicos praticados por seus administradores, nessa qualidade. Titularidade dos direitos e
das obrigações deles decorrentes cit., p. 20-21).
534
Spinelli e Scalzilli tecem considerações semelhantes a respeito da SCP: “Realizada a liquidação, dá-se a
extinção da conta de participação sem maiores formalidades, visto que não há a necessidade de se dar baixa
no Registro Público de Empresas Mercantis (a cargo das Juntas Comerciais) ou no Registro Civil de Pessoas
Jurídicas. Com efeito, não se extingue qualquer pessoa jurídica, porque nunca existiu. O que ocorre é o
desaparecimento do vínculo e dos direitos e obrigações que ligavam os sócios. De qualquer forma, a extinção
da sociedade em conta de participação em nada afeta eventuais terceiros que possuam créditos contra o sócio
ostensivo, uma vez que tais créditos existem contra uma pessoa que continuará na cena jurídica mesmo
depois do desaparecimento da SCP” (SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luis Felipe. Sociedade em conta
de participação cit., p. 313).
166

Por outro lado, quanto aos direitos e obrigações que tiverem causa535 na relação
consorcial, nada impede que as consorciadas busquem o encerramento desses negócios (haja
vista que a causa deles fora afetada em função da dissolução do consórcio); o que não
ocorrerá automaticamente, mas dependerá, primeiro, de alinhamento entre as consorciadas, e,
segundo, de concordância dos terceiros afetados.

Afinal, apesar dos possíveis efeitos reflexos, deve-se atentar à relatividade dos
contratos,536 de modo que não se pode modificar, extinguir ou criar obrigações para pessoas
que não fazem parte da relação contratual (do consórcio). Trata-se de proteger direitos
contraídos por outrem, o que também leva à conclusão de que as relações e prestações já
consumadas não poderão ser afetadas, sob pena de imputar prejuízos a terceiros de boa-fé;
sobretudo porque os efeitos da dissolução de contratos associativos não são retroativos.537

Eventual decisão das partes de desconstituírem as relações com terceiros, constituídas


em função do consórcio, contudo, não equivale ao reconhecimento da adequação de uma fase
liquidatória, pois a extinção da figura consorcial independerá dos esforços das consorciadas
para liquidação das obrigações assumidas perante terceiros.

Hipótese distinta remete aos contratos coligados e à invalidação538 de um deles, em


que, como defendido por Francisco Marino, a invalidade de um contrato acarretará a
ineficácia superveniente do contrato que àquele for coligado, operando-se como condição

535
“A moderna teoria objetiva não confunde a causa, com as motivações do agente (móveis e motivos), mas
como aquela concretizada na função sócio-econômica que o contrato desempenha.[...] Nessa linha de idéias,
a causa não é um requisito extrínseco ou intrínseco destacado, mas integrado na função economico-social do
negócio. A corrente objetiva conceitua, pois, a causa por três formas diversas: 1. Como função econômico-
social do contrato. 2. Como o resultado jurídico objetivo que os contratantes pretendem ao concluir o
contrato. 3. Como a razão determinante que impulsiona as partes à celebração do contrato” (BULGARELLI
Waldirio. Contratos mercantis cit., p. 75-76).
536
“Essa é, de certa forma e guardadas as devidas proporções, a mesma discussão que entre os civilistas se colhe
a respeito da chamada regra de relatividade dos contratos. Por ela, o contrato faz lei entre as partes
contratuais e, assim, seus efeitos produzem-se apenas entre estas, isto é, não beneficiam nem prejudicam
terceiros, pois não podem ser impostos efeitos obrigacionais aos que não participaram da criação do vínculo
obrigacional. A própria doutrina, contudo, ressalva que, enquanto fato social que são, os contratos acabam
por produzir efeitos perante terceiros, que não podem ignorar a sua existência e comportarem-se alheios a
eles” (PEREIRA, Guilherme Setoguti Julio. Impugnação de deliberações de assembleia das S/A, p. 262).
537
“Assim, nos contratos de execução prolongada, como costuma ser o caso do acordo de acionistas, os efeitos
da resolução não se projetam para o passado, e sim em direção ao futuro. Mantêm-se intocadas as prestações
já consumadas, e encerra-se a exigibilidade das obrigações dali em diante” (Ibidem, p. 65).
538
Invalidade, relembre-se, corresponde à extinção do contrato por causas contemporâneas ao negócio jurídico;
enquanto dissolução diz respeito a causas supervenientes à formação do contrato.
167

resolutiva de eficácia, pois a validade do primeiro seria condição de manutenção da eficácia


do contrato dependente.539

4.3.3 Eventual fundo consórtil

Os elementos que compõem o fundo consórtil não encerram um patrimônio do


consórcio em si; não se desprendem dos patrimônios dos consorciados e se somam para
formar massa patrimonial distinta. Decorrem, na verdade, da alocação de recursos pelas
consorciadas para fazer frente a despesas comuns.

O fundo consórtil, nesse sentido, assemelha-se a uma conta gráfica instituída para fins
de controle dos fluxos de receitas e despesas entre as partes que cooperam entre si; mas
jamais como um patrimonial autônomo.

Nesse sentido, o rito da prestação de contas, comentado mais acima, cuidará das
composições e compensações devidas entre as contraentes, a fim de quitar os saldos de
créditos e débitos existentes.

Por outro lado, se houver condomínio de bens entre as consorciadas – decorrente da


eventual aquisição conjunta, pela contraente, no âmbito da relação consorcial –, esses ativos
permanecerão em comunhão, independentemente da extinção do consórcio, porque não
compõem massa patrimonial autônoma que é liquidada pela dissolução da figura consorcial;
mas fazem parte, nos respectivos quinhões, dos patrimônios individuais de cada uma das
consorciadas. O desfazimento do condomínio, por conseguinte, não é consequência
automática da dissolução do consórcio e, se desejado, deverá ser perseguido pelas partes
interessadas à luz das regras previstas no Código Civil.540

539
MARINO, Francisco Paulo de Crescenzo. Contratos coligados no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva,
2009. p. 195-204.
540
“A utilização livre da coisa, conforme sua destinação (destino não é termo jurídico e deveria ter sido evitado
na lei, como ocorre com o diploma em vigor), é corolário do direito de propriedade, que encontra limitação
apenas no direito dos demais consortes. Compete à maioria decidir o destino da coisa: desfrutá-la, emprestá-
la, alugá-la. O exercício do direito do condômino deve sujeitar-se e harmonizar-se com o interesse da
maioria. Nesse sentido, deve ser entendida a expressão usar livremente, evitada pelo diploma de 2002. Se a
maioria decide utilizar a coisa para fins comerciais, não pode o condômino nela pretender residir, por
exemplo. Nesse sentido, aduz o parágrafo único do art. 1.314: ‘Nenhum dos condôminos pode alterar a
destinação da coisa comum, nem dar posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros’”
(VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil – Direitos reais cit., p. 372).
168

Um último comentário se faz necessário: as considerações expostas acima têm por


objetivo apresentar elementos que devem ser considerados para resolver eventuais situações
litigiosas ou controversas a respeito da dissolução do consórcio. Isso porque, novamente, a
LSA conferiu ampla discricionariedade para as partes contratarem e decidirem como quiserem
a respeito – inclusive com a possibilidade de se deliberar, em reunião de consorciadas, sobre
qualquer tema.

Ocorre que, em função, principalmente, da objetividade do regime jurídico consorcial,


previsto nos arts. 278 e 279 da LSA, e da incompletude contratual, que é uma realidade de
contratos complexos, como o de consórcio: (i) nem sempre o próprio contrato oferecerá as
soluções; e (ii) também nem sempre as próprias partes conseguirão solucionar a controvérsia.

Nesses cenários, faz sentido que se busque, a partir das características do contrato de
consórcio e do enquadramento destas no ordenamento pátrio, os elementos que poderão
informar os meios de resolver as desinteligências entre os contratantes.541

4.4 Disfunções

Todo o exposto resulta de interpretação das características e dos regramentos


estatuídos em lei, como forma de oferecer soluções a problemas decorrentes de lacunas ou
desinteligências contratuais, em casos típicos de relações consorciais.

Isso não significa, por outro lado, que não possam existir situações nas quais os
contratantes desejem instituir (ou acabem instituindo) uma relação pretensamente societária,
travestida de consorcial. O instrumento e as regras contratados servem como referência, mas a
sua aplicação, na prática, é que de fato revela a vontade das partes.

Deve-se anotar, nesse sentido, que se as partes tiverem contratado uma estrutura
marcadamente societária, ou tiverem desenvolvido tal relação – ainda que a partir de contrato

541
“The role of the legal system in a underpinning relation contracting is arguably greater than has been
previously allowed for; certainly, there can be no assumption that the role of the law necessarily decreases as
cooperation grows in importance within a relationship” (DEAKIN, Simon; ARRIGHETTI, Alessandro;
BACHMANN, Reinhard. Contract Law, Social Norms and Inter-firm Cooperation cit., p. 27).
Tradução livre: “O papel do sistema jurídico em contratações de bases relacionais é indiscutivelmente maior
do que foi anteriormente permitido; certamente, não pode haver nenhuma suposição de que o papel da lei
necessariamente diminui à medida que a importância da cooperação cresce em um relacionamento”.
169

com regras diversas –, as soluções ao encerramento desse vínculo deverão ser pautadas nos
procedimentos compatíveis com a realidade identificada.

Caso, por exemplo, o comportamento dos “consorciados” tenha levado à constituição


de uma sociedade, mediante a apresentação de seus elementos constitutivos, ainda que sem
personificação, essa realidade não poderá ser ignorada. Afinal, a essência deve prevalecer
sobre a forma, pois o modelo que se escolheu dar àquilo que foi contratado não pode se
sobrepor à sua implementação.

As soluções dissolutivas eventualmente aplicáveis às relações consorciais devem


partir, portanto, de análise também do “mundo dos fatos”, para se identificar o que é, e não o
que deveria ou parece ser – e, assim, serem utilizadas as regras corretas e adequadas à
realidade.
170

5 Pesquisa empírica: o regramento da dissolução

5.1 Premissas da pesquisa

Como exposto no início deste trabalho, para contextualizar as considerações


apresentadas nos capítulos acima, com base nas características e nas regras dos contratos
consorciais advindas, em especial, do seu regime legal, previsto na Lei das S.A., e de sua
classificação como contrato plurilateral e associativo, porém diverso de sociedade, foi
realizada uma pesquisa empírica, a fim de confirmar a premissa principal, de que a ausência
de regramento contratual (ou regramento suficiente) a respeito da dissolução do consórcio é
uma realidade, bem como a premissa secundária, de desnecessidade de previsão de um
procedimento complexo de dissolução de consórcio, como é a liquidação, para os casos de
sociedades personificadas, por força da ausência dos elementos de patrimônio, personalidade
jurídica e criação de organização externa.

O objetivo da pesquisa empírica consistiu em observar se, na prática, os contratos de


consórcio apresentam cláusulas que estabelecem regramentos sobre dissolução e, se o caso,
mecanismos dissolutivos complexos, tal qual a liquidação, não obstante a desnecessidade, em
função das características do instituto.

Tentou-se, ainda, verificar se o regramento ou a existência de determinados aspectos,


relativos a prazo, quantidade de partes, fundo consórtil e sistemas deliberativos, por exemplo,
possuem algum vínculo ou influência na previsão de procedimentos dissolutivos complexos.

5.2 Base de pesquisa e coleta de dados

A fim de confirmar ou não as premissas indicadas acima, foram analisados 487


contratos de consórcio, registrados na Junta Comercial do Estado de São Paulo – JUCESP –
entre 01.01.2019 e 01.07.2020.

Escolheu-se intervalo de 18 meses, a partir do mês de janeiro de 2019, por três


motivos: (i) permitir uma análise com base em dados mais recentes; (ii) o volume de registros
de consórcio se revelou (até para minha surpresa) bastante considerável, de modo que, em um
ano e meio, quase 500 contratos foram arquivados – o que parece ser uma base amostral
171

relevante –, e uma quantidade de contratos superior a essa inviabilizaria um estudo cuidadoso


dos contratos dentro do prazo necessário para conclusão deste trabalho; e (iii) o encerramento
da coleta de dados necessitava ser promovido a tempo da qualificação deste trabalho perante a
PUC-SP.

A opção pela utilização da base de dados da JUCESP, por sua vez, se deu porque,
principalmente: (i) o Estado de São Paulo representa 31,2% do Produto Interno Bruto (PIB)
brasileiro (2020),542 ostentando posição relevante no volume de negócios gerados no país, de
maneira que poderia oferecer uma base de contratos consorciais, para análise, em quantidade
considerável (o que acabou por acontecer); (ii) o sistema da JUCESP permite a consulta e a
extração gratuita de todos os contratos registrados, o que permitiu a formação de uma base de
dados confiável e de acesso facilitado.

Todos os dados foram coletados mediante a análise dos contratos de consórcio


registrados na JUCESP e obtidos por meio de acesso ao seu sistema eletrônico.

A análise foi construída a partir da construção e alimentação de uma planilha, em que


foram compiladas todas as informações desses contratos relevantes ao presente estudo. A
planilha preenchida contém as seguintes colunas: (i) nome; (ii) número de partes; (iii) prazo
de vigência; (iv) há alguma cláusula que institua alguma espécie de fundo consórtil ou, ao
menos, partilha de despesas/resultados comuns? (iv.i) prevê expressamente um fundo
consórtil (ou ao menos uma conta corrente)? (iv.ii) caso sim, tenta-se atribuir características
de patrimônio autônomo? (v) há cláusula de deliberações sobre matérias de interesse do
Consórcio? (v.i) caso sim, pelos próprios consorciados ou por meio de órgão de
administração? (v.ii) caso sim, dissolução está especificamente prevista como matéria
deliberativa? (v.iii) qual o quórum deliberativo? (v.iv) os votos são medidos por cabeça ou
pelo % no consórcio? (vi) há cláusula sobre dissolução (incluindo encerramento, resolução,
extinção)? (vi.i) caso sim, qual a nomenclatura utilizada? (vi.ii) caso sim, prevê
causas/hipóteses de dissolução? (vi.iii) há procedimento de dissolução? (caso sim, qual?).

Os critérios de alimentação da planilha foram estabelecidos por força dos seguintes


motivos: (i) nome, para permitir a relação dos dados a determinado consórcio; (ii) número de
partes, para tentar identificar se a quantidade de partes envolvidas indicaria (ou permitiria)

542
Disponível em: https://www.investe.sp.gov.br/por-que-sp/economia-diversificada/pib/. Acesso em: 10 jul.
2021.
172

alguma relação com o regramento dissolutivo; (iii) prazo de vigência (isto é, determinado,
determinável ou indeterminado), apesar da previsão na LSA a esse respeito, também para
tentar identificar se a quantidade de partes envolvidas indicaria (ou permitiria) alguma relação
com o regramento dissolutivo; (iv) previsão de fundo consórtil, para identificar que
características foram atribuídas a tal elemento pelos consorciados, se revelaria mera conta de
partilha de resultados/despesas, ou, então, se as partes contrataram a constituição de
patrimônio autônomo, inobstante o regime jurídico consorcial, e se (ou como) esse
regramento acarretaria impacto à dissolução do consórcio; regra de deliberação, para
visualizar se a ausência de regra dissolutiva seria, eventualmente, suprida pela deliberação das
partes a esse respeito; e, por fim, o cerne desta pesquisa, (vi) a existência de cláusula sobre
dissolução, nomenclatura utilizada, hipóteses dissolutivas e eventual procedimento (apesar da
desnecessidade de haver um procedimento, conforme os elementos consorciais, como exposto
ao longo deste trabalho).

5.3 Resultados gerais e estatísticas

Dos 487 contratos que compõem a base de dados, 24 não puderam ser analisados, pois
(i) ou a respectiva documentação não estava disponível no site da JUCESP; (ii) ou a
documentação disponível não consistia em qualquer contrato, mas sim em outros documentos
(como formulários da própria JUCESP etc.).

Tem-se, então, que a base amostral é de 463 contratos – quantidade essa que passará a
ser adotada como a totalidade (100%) dos contratos analisados.

Primeiro, serão apresentados, adiante, os resultados gerais da pesquisa, de acordo com


cada critério adotado, para, depois, serem feitas considerações e correlações possíveis, a partir
dos estudos desenvolvidos no âmbito desta análise empírica.

5.3.1 Partes

305 consórcios possuem apenas 2 partes; 108 consórcios possuem 3 partes; 36


consórcios possuem 4 partes; 6 consórcios possuem 5 partes; 5 consórcios possuem 6 partes;
2 consórcios possuem 7 partes; e 1 consórcio possui 13 partes:
173

Gráfico 1. Quantidade de partes

5.3.2 Prazo de vigência

66 consórcios possuem prazo determinado; 359 consórcios possuem prazo


determinável (como vinculado a outro contrato ou necessário à conclusão do respectivo
empreendimento, por exemplo); 35 consórcios possuem prazo indeterminado (apesar da
vedação legal); e 3 consórcios não possuem qualquer previsão de prazo (apesar também da
vedação legal):

Gráfico 2. Prazo de vigência


174

5.3.3 Fundo consórtil

429 consórcios possuem alguma espécie de fundo consórtil ou, ao menos, cláusula que
institua mecanismo de repartição de despesas e/ou resultados comuns; e 34 consórcios não
possuem qualquer espécie de fundo consórtil ou, ao menos, cláusula que institua mecanismo
de repartição de despesas e/ou resultados comuns:

Gráfico 3. Fundo consórtil

147 consórcios possuem previsão expressa de um fundo consórtil (como fundo


também de reservas ou de contingências, por exemplo), ainda que sob a referência de uma
conta corrente “do consórcio”, para recebimento, movimentação e partilha de recursos; e 316
consórcios não possuem previsão expressa de fundo consórtil ou conta corrente:

Gráfico 4. Previsão expressa de fundo consórtil


175

48 consórcios possuem uma ou mais cláusulas que podem ser interpretadas como
tentativa de atribuição de características de patrimônio autônomo (do “consórcio”).

5.3.4 Deliberações

68 consórcios não possuem qualquer previsão de regra deliberativa; e 395 consórcios


possuem cláusulas de deliberações sobre matérias de interesse dos consorciados:

Gráfico 5. Regra deliberativa

a) em 179 consórcios as deliberações competem aos consorciados, em 215 competem


a algum órgão administrativo e em 1 não houve atribuição expressa a algum órgão:

Gráfico 6. Competência deliberativa


176

b) em 49 consórcios a dissolução está prevista expressamente como matéria


deliberativa e em 346 não está;

c) em 239 consórcios o quórum deliberativo é de unanimidade, em 118 é de maioria


(simples, qualificada e absoluta) e em 38 não há previsão:

Gráfico 7. Quórum deliberativo

d) em 115 consórcios o quórum é medido “por cabeça”, em 68 por participação e em


172 não há previsão de como contabilizar os votos:

Gráfico 8. Mediação de votos


177

5.3.5 Dissolução

231 consórcios não possuem qualquer cláusula acerca de dissolução;

232 consórcios possuem alguma cláusula que trata de dissolução (utilizando qualquer
meio dissolutivo, como encerramento, rescisão, resolução, extinção, dissolução etc.),
observado o seguinte:

a) os meios dissolutivos previstos foram:

• 76 dissolução (inclusive em conjunto com extinção, resolução e rescisão);

• 76 extinção;

• 34 resolução;

• 26 rescisão (inclusive em conjunto com extinção);

• 11 encerramento (inclusive em conjunto com extinção);

• 5 fim do prazo ou término da vigência;

• 3 desconstituição ou desfazimento;

• 1 liquidação;

b) 207 preveem hipóteses/causas de dissolução;

c) 94 não possuem qualquer previsão a respeito do modo de dissolução do consórcio;

d) Dos 138 que possuem alguma previsão a respeito do modo de dissolução, tem-se
que:

• 44 preveem extinção automática;

• 28 preveem prestação de contas;

• 22 preveem apuração de valores;

• 21 preveem retorno ao status quo;


178

• 17 preveem liquidação;

• 5 preveem partilha; e

• 1 prevê notificação.

Veja-se, a esse respeito, os gráficos seguintes que ilustram os dados obtidos:

Gráfico 9. Cláusula com meio dissolutivo

Gráfico 10. Meios dissolutivos


179

Gráfico 11. Previsão de procedimento dissolutivo

Gráfico 12. Procedimentos dissolutivos

5.3.6 Cruzamento de dados

5.3.6.1 Partes x dissolução

• Dos 365 consórcios com apenas 2 partes:


i. 138 não possuem cláusula sobre dissolução;
ii. 167 possuem cláusula sobre dissolução, dos quais:
180

1. A respeito dos meios dissolutivos:


a. 67 preveem os meios de extinção, encerramento,
fim do prazo ou término da vigência;
b. 50 preveem os meios de resolução ou rescisão;
c. 49 preveem “dissolução” como o meio dissolutivo;
2. A respeito dos procedimentos dissolutivos:
a. 61 não preveem qualquer procedimento;
b. 36 preveem o procedimento de extinção
automática;
c. 34 preveem o procedimento de prestação de contas,
partilha ou apuração de valores;
d. 20 preveem o procedimento de retorno ao status
quo;
e. 15 preveem o procedimento de liquidação.
• Dos 108 consórcios com 3 partes:
i. 65 não possuem cláusula sobre dissolução;
ii. 43 possuem cláusula sobre dissolução, dos quais:
1. A respeito dos meios dissolutivos:
a. 19 preveem os meios de extinção, encerramento,
fim do prazo ou término da vigência;
b. 19 preveem “dissolução” como meio dissolutivo;
c. 5 preveem os meios de resolução ou rescisão;
2. A respeito dos procedimentos dissolutivos:
a. 26 não preveem qualquer procedimento;
b. 9 preveem o procedimento de prestação de contas
ou apuração de valores;
c. 5 preveem o procedimento de extinção automática;
d. 2 preveem o procedimento de liquidação;
e. 1 preveem o retorno ao status quo.
• Dos 50 consórcios com 4 partes ou mais:
i. 28 não possuem cláusula sobre dissolução;
ii. 22 possuem cláusula sobre dissolução, dos quais:
1. A respeito dos meios dissolutivos:
181

a. 9 preveem os meios de extinção, desconstituição ou


encerramento;
b. 8 preveem “dissolução” como meio dissolutivo;
c. 5 preveem os meios de resolução ou rescisão;
2. A respeito dos procedimentos dissolutivos:
a. 7 não preveem qualquer procedimento;
b. 12 preveem o procedimento de prestação de contas,
partilha ou apuração de valores;
c. 3 preveem o procedimento de extinção automática;

5.3.6.2 Prazo de vigência x dissolução

• Dos 66 consórcios com prazo determinado:


i. 36 não possuem cláusula sobre dissolução;
ii. 30 possuem cláusula sobre dissolução, dos quais:
1. A respeito dos meios dissolutivos:
a. 17 preveem os meios de resolução ou rescisão;
b. 8 preveem os meios de extinção, encerramento, fim
do prazo ou término da vigência;
c. 5 preveem o meio dissolução;
2. A respeito dos procedimentos dissolutivos:
a. 18 preveem o procedimento de extinção
automática;
b. 5 não preveem qualquer procedimento;
c. 5 preveem o procedimento de prestação de contas
ou apuração de valores;
d. 1 prevê o procedimento de retorno ao status quo;
e. 1 prevê o procedimento de liquidação.
• Dos 359 consórcios com prazo determinável:
i. 186 não possuem cláusula sobre dissolução;
ii. 173 possuem cláusula sobre dissolução, dos quais:
1. A respeito dos meios dissolutivos:
a. 68 preveem o meio dissolução;
182

b. 65 preveem os meios de extinção, encerramento,


fim do prazo, término da vigência, desconstituição
ou desfazimento;
c. 39 preveem os meios de resolução ou rescisão;
2. A respeito dos procedimentos dissolutivos:
a. 86 não preveem qualquer procedimento;
b. 47 preveem o procedimento de prestação de contas,
partilha ou apuração de valores;
c. 24 preveem o procedimento de extinção
automática;
d. 15 preveem o procedimento de liquidação;
e. 1 prevê o procedimento de retorno ao status quo;
• Dos 35 consórcios com prazo indeterminado:
i. 6 não possuem cláusula sobre dissolução;
ii. 29 possuem cláusula sobre dissolução, dos quais:
1. A respeito dos meios dissolutivos:
a. 3 preveem o meio dissolução;
b. 22 preveem os meios de extinção ou encerramento;
c. 4 preveem os meios de resolução ou rescisão;
2. A respeito dos procedimentos dissolutivos:
a. 19 prevê o procedimento de retorno ao status quo;
b. 3 não preveem qualquer procedimento;
c. 3 preveem o procedimento de partilha;
d. 2 preveem o procedimento de extinção automática;
e. 1 prevê o procedimento de liquidação;
f. 1 prevê o procedimento de notificação;
• Dos 3 consórcios sem previsão de prazo no contrato, nenhum possui
qualquer cláusula sobre dissolução.

5.3.6.3 Fundo consórtil x dissolução

• Dos 147 consórcios que preveem expressamente um fundo consórtil:


i. 46 não possuem cláusula sobre dissolução;
ii. 101 possuem cláusula sobre dissolução, dos quais:
183

1. A respeito dos meios dissolutivos:


a. 61 preveem os meios de extinção, encerramento,
fim do prazo, término da vigência ou
desconstituição;
b. 31 preveem o meio dissolução;
c. 9 preveem os meios de resolução ou rescisão;
2. A respeito dos procedimentos dissolutivos:
a. 51 não preveem qualquer procedimento;
b. 25 preveem o procedimento de prestação de contas,
partilha ou apuração de valores;
c. 19 prevê o procedimento de retorno ao status quo;
d. 3 preveem o procedimento de extinção automática;
e. 3 prevê o procedimento de liquidação.
• Dos 316 consórcios que não preveem expressamente um fundo consórtil:
i. 185 não possuem cláusula sobre dissolução;
ii. 131 possuem cláusula sobre dissolução, dos quais:
1. A respeito dos meios dissolutivos:
a. 51 preveem os meios de resolução ou rescisão;
b. 45 preveem o meio dissolução;
c. 34 preveem os meios de extinção, encerramento,
fim do prazo, término da vigência ou desfazimento;
2. A respeito dos procedimentos dissolutivos:
a. 43 não preveem qualquer procedimento;
b. 41 preveem o procedimento de extinção
automática;
c. 30 preveem o procedimento de prestação de contas,
partilha ou apuração de valores;
d. 14 preveem o procedimento de liquidação;
e. 2 preveem o procedimento de retorno ao status
quo;
f. 1 prevê o procedimento de notificação.
• Dos 48 consórcios em que se verificou alguma tentativa de atribuição de
características de patrimônio autônomo:
184

i. 14 não possuem cláusula sobre dissolução;


ii. 34 possuem cláusula sobre dissolução, dos quais:
1. A respeito dos meios dissolutivos:
a. 21 preveem o meio de extinção;
b. 11 preveem o meio dissolução;
c. 2 preveem os meios de resolução ou rescisão;
2. A respeito dos procedimentos dissolutivos:
a. 22 não preveem qualquer procedimento;
b. 10 preveem o procedimento de prestação de contas,
partilha ou apuração de valores;
c. 2 preveem o procedimento de liquidação;

5.3.6.4 Deliberações x dissolução

• Dos 68 consórcios em que não há qualquer cláusula de deliberação sobre


matérias de interesse dos consorciados:
i. 41 não possuem cláusula sobre dissolução;
ii. 27 possuem cláusula sobre dissolução, dos quais 15 não preveem
qualquer procedimento e 12 preveem algum procedimento.
• Dos 395 consórcios em que há cláusula de deliberação:
i. 190 não possuem cláusula sobre dissolução;
ii. 205 possuem cláusula sobre dissolução, dos quais 79 não preveem
qualquer procedimento.
• Dos 49 consórcios em que dissolução está especificamente prevista como
matéria deliberativa:
i. 3 não possuem cláusula sobre dissolução;
ii. 46 possuem cláusula sobre dissolução, dos quais 20 não preveem
qualquer procedimento.

5.4 Constatações e conclusões a partir dos dados

A primeira constatação é que 49,89% (231) dos contratos de consórcio estudados não
possuem qualquer cláusula a respeito de um meio dissolutivo.
185

Esse dado, de imediato, já serve para confirmar a premissa principal, de que a ausência
de regramento sobre dissolução é uma realidade vivenciada no âmbito dos contratos de
consórcio.

Como se indicou mais acima, a dissolução não corresponde, apenas, à existência de


um procedimento complexo, tal qual a liquidação, mas sim ao encerramento do contrato por
causas supervenientes à sua formação; ou seja, a resolução e a rescisão, por exemplo, são
meios dissolutivos.

Nesse sentido, a existência de cláusulas a respeito de extinção, encerramento,


resolução, rescisão, desconstituição, além de dissolução, foi admitida como regramento de
meio dissolutivo contratual.

Entre as nomenclaturas utilizadas pelos pactuantes, somente em 16,63% (77) de todos


os casos se usou dissolução ou liquidação, como meio dissolutivo. Em 19,43% (90) se tratou
de extinção, encerramento, desconstituição ou desfazimento. E em 12,95% foram previstos os
meios de resolução ou rescisão.

Acerca dos procedimentos dissolutivos, tem-se o dado, talvez, mais importante para
confirmar a premissa secundária: apenas em 29,80% (138) dos contratos de consórcios
analisados as partes estabeleceram algum procedimento para se chegar à dissolução
contratual; e tão somente em 3,67% (17) do todo esse procedimento foi de liquidação.

Em 9,50% (44) dos casos o regramento foi de extinção automática (ou seja, na
essência, sem qualquer procedimento especial); em 4,53% (21) se regrou o retorno ao status
quo; e em 11,87% (55) dos contratos de consórcio o procedimento estabelecido foi de
prestação de contas, apuração de valores ou partilha de resultados apurados (isto é,
mecanismos bastante similares, com a mesma finalidade).

Tem-se, portanto, que os contratos de consórcio analisados, em sua quase totalidade,


confirmaram a ausência de previsão contratual de um procedimento complexo, como a
liquidação societária, para fins de dissolução do vínculo estabelecido.

Tomando-se por base apenas os 138 contratos que continham alguma regra
procedimental, 38,85% estabeleciam prestação de contas, partilha ou apuração de valores
(procedimentos que, como exposto anteriormente, são compatíveis com as características do
186

consórcio); 31,88% estabeleciam extinção automática (ou nenhum procedimento, na


realidade); 15,21% estabeleciam retorno ao status quo; e 12,31% estabeleciam a liquidação.

A partir do cruzamento dos dados obtidos, conforme resumidos no item (iii) acima,
algumas anotações serão feitas adiante.

Para fins destas análises, quando o procedimento tiver sido regulado como “extinção
automática”, isso será considerado também como inexistência de um procedimento, em
função da similaridade dos efeitos em ambos os casos, no cômputo dos percentuais.

Quanto à quantidade de partes, não foi possível constatar influência direta e


significativa do aumento do número de contratantes no surgimento de cláusulas sobre meios
de dissolução. No que toca à existência de procedimentos (além de extinção automática),
26,57% dos contratos com 2 partes, 28,70% dos contratos com 3 partes e 20% dos contratos
com 4 partes ou mais não regraram qualquer procedimento dissolutivo.

A respeito do prazo de vigência: dos 66 consórcios com prazo determinado, 45,45%


(30) preveem meio dissolutivo e apenas 10,60% (7) regram algum procedimento de
dissolução; dos 359 com prazo determinável, 48,18% (173) preveem meio dissolutivo e
17,54% (63) regram algum procedimento de dissolução; dos 35 consórcios com prazo
indeterminado, 82,85% (29) preveem meio dissolutivo e 82,75% regram algum procedimento
de dissolução. Percebe-se que, nesses casos, quanto maior o grau de indefinição do prazo de
vigência, maior a incidência de regras acerca dos meios e procedimentos dissolutivos.
Destaque-se, também, que dos 17 contratos com cláusulas de liquidação, 15 deles possuíam
também prazo de vigência determinável.

Sobre o elemento do fundo consórtil: dos 147 consórcios com previsão expressa de tal
fundo (ou de uma conta corrente para movimentação dos recursos do consórcio, ao menos),
68,70% (101) preveem algum meio de dissolução e 31,97% (47) dispõem procedimento
dissolutivo, anotando-se, ainda, que 17% (25) têm regra de prestação de contas, partilha ou
apuração de valores e só 2,04% (3) têm regra de liquidação; e dos 316 consórcios sem
previsão de fundo consórtil, 41,45% (131) preveem algum meio de dissolução – sendo
16,13% (51) rescisão ou resolução – e apenas 14,87% (47) dispõem procedimento dissolutivo
– curiosamente, dos 17 casos de contratos com regras liquidatórias, 14 fazem parte dos
consórcios sem previsão de fundo consórtil. Diante dos dados verificados snteriormente, a
187

inexistência de fundo consórtil parece acarretar, portanto, menor incidência de regras a


respeito de meios e procedimentos de dissolução.

Dos 463 contratos de consórcio analisados, apenas 10,36% (48 contratos)


apresentaram uma ou mais cláusulas que indicavam tentativas de atribuição de características
de patrimônio autônomo, a exemplo de previsões que tratavam de bens ou ativos de
titularidade do próprio “consórcio” (e não dos consorciados, individual ou conjuntamente) ou
de direitos e obrigações que seriam assumidos pela figura consorcial, como se ente
independente fosse – às vezes sendo até explicitada a intenção de que o consórcio operasse
como “sociedade independente”, em alguns casos.

Isto permite a constatação de que quase a totalidade dos contratos de consórcio


reconheciam, implícita ou explicitamente, uma das principais características da figura
consorcial, analisada ao longo deste trabalho: a ausência de criação de um patrimônio
autônomo, a partir da contratação do consórcio.

Em grande parte desses contratos, inclusive, foi possível verificar a existência de


cláusulas que indicavam, de maneira expressa, o pertencimento a cada um dos consorciados
dos seus próprios bens e ativos, e que os contratantes, no limite, repartiriam despesas e/ou
resultados comuns. Em alguns casos, inclusive, identificou-se cláusulas a respeito de
aquisição conjunta, em condomínio, de bens de interesse dos consorciados.

Dos 48 contratos de consórcio com tentativas de caracterização de patrimônio


autônomo, 70,83% (34) possuem cláusulas com previsão de algum meio dissolutivo.
Curiosamente, no entanto, 64,70% (22) desses contratos com regramento dissolutivo não
estabeleceram qualquer procedimento, expressamente.

E, por fim, no que se refere às cláusulas de deliberação sobre matérias de interesse dos
consorciados: dos 68 consórcios sem qualquer regra deliberativa, 39,70% (27) estabelecem
meio de dissolução e somente 17,64% (12) definem procedimento dissolutivo; dos 395
consórcios com regra deliberativa, 51,89% (205) estabelecem meio de dissolução e 20% (79)
definem procedimento dissolutivo; e dos 49 consórcios em que dissolução está
especificamente prevista como matéria deliberativa, 93,87% (46) estabelecem meio de
dissolução e 53,06% (26) definem procedimento dissolutivo. Não foi possível identificar,
conforme as estatísticas apuradas, correlação entre a previsão expressa de regra deliberativa e
a ausência de cláusulas sobre meios ou procedimentos dissolutivos.
188

5.5 A confirmação das premissas

O presente estudo partiu de premissa principal de que a ausência de regramentos, em


contratos de consórcio, acerca da dissolução seria uma realidade e, por consequência, um
problema a ser superado pela análise doutrinária do tema. Com base nos dados encontrados,
em especial de que aproximadamente metade dos contratos analisados não possui qualquer
regra acerca de um meio dissolutivo, foi possível confirmar tal premissa.

Ressalte-se, também, que as análises promovidas, ao longo deste trabalho, a partir das
características do contrato de consórcio, em especial à luz do seu regime jurídico e demais
normas incidentes, por força do ordenamento pátrio, indicaram a desnecessidade de haver um
procedimento complexo (como a liquidação) para fins de dissolução da figura consorcial.

O estudo empírico, por sua vez, confirmou que foram pouquíssimos os casos nos quais
os consorciados optaram por prever um mecanismo liquidatório, como etapa precedente ao
encerramento da relação advinda do consórcio: apenas 3,67% dos contratos componentes da
base de dados analisada.

Essa constatação reforça a incompatibilidade do instituto do consórcio com a presença


de uma forma complexa – que é a liquidação – para promover o seu fim; ainda que os
consorciados possam estabelecer, como melhor lhes aprouver, as regras de seu
relacionamento – desde que não firam o ordenamento, claro.

É importante registrar que as correlações promovidas podem servir como referências


e, eventualmente, até tendências comportamentais dos contratantes, mas não consistem, de
forma alguma, como apontamentos definitivos e exaurientes; até mesmo porque, apesar de a
base de dados ser considerável, o intervalo analisado é de apenas 18 meses, então, trata-se de
uma amostra que não necessariamente reflete a realidade de todos os contratos de consórcio.

Ademais, a impossibilidade de estabelecer algumas outras correlações, a partir dos


contratos firmados, não significa que elas não façam sentido, do ponto de vista dogmático.
Até mesmo porque não se pode ignorar fenômenos como a incompletude contratual e, ainda,
eventuais atecnias que possam ter sido cometidas, por acaso, pelos contratantes.
189

CONCLUSÕES

A dissolução dos consórcios empresariais se apresentou, antes do início desta


pesquisa, como um tema desafiante; um problema para o qual não parecia haver solução
explícita no respectivo regime jurídico e que, em função do fenômeno da incompletude
contratual, também não seria resolvido, em todos os casos, pelas cláusulas pactuadas entre as
partes.

O desafio se confirmou ao longo do presente trabalho.

Esta análise, que se desdobrou em uma perspectiva dogmática e em outra de natureza


empírica, teve por propósitos (i) compreender a figura consorcial, à luz de suas características,
similaridades e diferenças com outros institutos, bem como seu posicionamento no
ordenamento brasileiro, e (ii) tentar desvelar não só como e de que modo a sua dissolução
deveria ocorrer e se operar, de acordo com as regras compatíveis às peculiaridades do
consórcio, mas também se e como as partes (em determinado espaço amostral) vinham
definindo, contratualmente, os respectivos regramentos dissolutivos.

Partiu-se, assim, de uma premissa principal, de que haveria um problema de ordem


prática; isto é, diante da inexistência de regra explícita, nos arts. 278 e 279 da Lei das S.A. (ou
em qualquer outra lei brasileira), a respeito da dissolução dos consórcios, se os instrumentos
contratados entre os consorciados não estabelecessem cláusulas acerca da dissolução, como
poderiam ser resolvidas eventuais desinteligências ou dúvidas relacionadas ao encerramento
da relação consorcial?

Apesar de no âmbito de uma pesquisa restrita, delimitada ao período de 18 meses de


arquivamentos na JUCESP (entre 01.01.2019 e 01.07.2020), a partir da qual foram analisados
463 (de 487 registrados no intervalo) contratos de consórcio, pode-se afirmar que a premissa
principal restou confirmada: 49,89% dos instrumentos estudados não possuem qualquer
cláusula a respeito de um meio dissolutivo e apenas em 29,80% deles as partes estabeleceram,
expressamente, algum procedimento para se chegar à dissolução contratual.

Nesses cenários de indefinição, portanto, é preciso oferecer soluções sistêmicas e


seguras, compatíveis com o instituto consorcial e a legislação pátria, para resolver
controvérsias e/ou questionamentos dos contratantes.
190

Não se tem a pretensão, claro, de que este trabalho sirva como a única, tampouco
definitiva, ferramenta para solucionamento de tais situações. Mas, sem dúvidas, os esforços
aqui empreendidos, bem como as análises despendidas nestas páginas, poderão ser úteis, ao
menos como ponto de partida, para que os operadores do direito, diante de disputas ou
omissões contratuais acerca da dissolução do consórcio, possam construir os caminhos
necessário ao solucionamento das desinteligências ou ao preenchimento das lacunas,
conforme o caso.

Os requisitos e os elementos essenciais do contrato de consórcio foram, nesse sentido,


estudados, bem como comparados com outros institutos, a exemplo das sociedades, para as
quais o ordenamento já prescreve regimes dissolutivos.

Também a dissolução, como extinção do contrato por força de causas supervenientes à


sua formação, e como ato, de um lado, e procedimento, de outro, foi analisada, sob uma
perspectiva não apenas de suas características, mas igualmente de suas justificativas.

Chegou-se, após esses estudos, a algumas conclusões, como a de que o contrato de


consórcio não é uma sociedade ou um grupo de sociedades, por exemplo, e sim um contrato
típico, de duração, associativo, de colaboração e plurilateral; porém sui generis, cujo regime
jurídico principal está previsto nos arts. 278 e 279 da Lei das S.A., e ao qual não podem ser
aplicados, supletivamente, seja o regime jurídico societário, seja o regime jurídico dos grupos
societários, em virtude de representarem figuras jurídicas distintas.

Foi possível constatar que a dissolução (além de corresponder, sob um enfoque


contratual, à extinção do contrato por força de causas supervenientes à sua formação),
distingue-se, em matéria societária, entre (i) em sentido estrito (ou dissolução-ato), que
corresponde à verificação da causa de dissolução do contrato de sociedade; e (ii) em sentido
amplo (ou dissolução-procedimento), equivalente ao processo completo que vai desde a causa
da dissolução, passando pela liquidação, até a extinção do contrato de sociedade.

Viu-se, ainda, que a dissolução em sentido amplo consiste em um processo complexo


que tem fundamento nas peculiaridades do negócio societário, especialmente a personalidade
jurídica (nos casos das sociedades personificadas), o patrimônio e a existência de uma
organização que gera efeitos externamente; e que, nesse procedimento complexo, a fase de
liquidação é etapa intermediária imprescindível, para se chegar à extinção do contrato.
191

Logo, o procedimento complexo de dissolução, contemplando a fase de liquidação, é


consequência da autonomia ou especialização patrimonial e da existência, nas sociedades, de
um centro de imputação de interesses, que, para extinção da figura societária em si, precisam
ser, antes, dissolvidos.

Ocorre que esses elementos, fundantes e justificadores da aplicação de um


procedimento dissolutivo complexo, como ocorre para as sociedades, não são verificados no
contrato de consórcio, pois ele: não tem patrimônio; não tem personalidade jurídica; e não cria
organização externa.

O expediente da liquidação (que é fase fundamental na dissolução-procedimento) não


se revela compatível com a figura consorcial. E a dissolução simplificada, imediata ou
automática do contrato de consórcio condiz com a maleabilidade que motiva as partes a
contratarem tal pacto.

Aliás, o estudo empírico permitiu confirmar que foram pouquíssimos os casos nos
quais os consorciados optaram por prever um mecanismo liquidatório, como etapa precedente
ao encerramento da relação advinda do consórcio: apenas 3,67% dos contratos componentes
da base de dados analisada.

Assim, enquanto contrato que é, e sujeito ao regime geral brasileiro, o consórcio deve
ter um regime dissolutivo (atendidas as eventuais especificidades contratadas pelas partes no
respectivo instrumento) que observe, com os devidos temperamentos (por se tratar de contrato
associativo, plurilateral etc.), também as regras do Código Civil; mas sem a necessidade
(exceto se assim for contratado) de atender a um complexo e gradual procedimento de
dissolução.

A extinção do consórcio levará, tão somente, ao fim do acerto que as partes


estabeleceram para comunhão de esforços e recursos, com vistas à realização de um
empreendimento comum. Afinal, não é o consórcio que responde perante terceiros; não é o
consórcio que figura como parte contratual; não é o consórcio o titular dos direitos e
obrigações, créditos e débitos, que interessam aos terceiros; assim como não há negócios do
consórcio a serem ultimados, nem ativos e passivos do consórcio a serem realizados.

Não se nega, contudo, que efeitos podem decorrer da dissolução do consórcio, tanto
internamente, quanto externamente.
192

Por força das relações entre as consorciadas, cada uma com suas atribuições e
obrigações para alimentação do sistema colaborativo, o encerramento do consórcio (ou dessa
cooperação) deve conduzir a um rito de prestações de contas mútuas entre as consorciadas,
justamente para verificação de eventuais saldos devidos de uma parte a outra. No plano das
relações entre as consorciadas, a consequência da extinção do contrato de consórcio é a
apuração dos créditos e débitos eventualmente detidos por cada uma das consorciadas – o que
se opõe de umas às outras, e não ao consórcio.

Registre-se, ainda, que o aceite formal pelas consorciadas acerca da prestação de


contas será suficiente para que se prossiga com as compensações entre consorciadas, na exata
proporção de suas participações no consórcio. A falta de aceite, contudo, não atrasará ou
impedirá a extinção do consórcio – que, como visto, é automática e independe de qualquer
procedimento – mas dará ensejo, provavelmente, a uma disputa sobre os valores a serem
pagos/recebidos, a ser resolvida judicialmente ou em arbitragem, conforme o caso.

Quanto às relações com terceiros, a dissolução do consórcio não imporá o


desfazimento automático das relações firmadas com terceiros, ainda que tenham sido
celebradas por força da existência do consórcio (exceto se previsto no contrato com terceiro
que a extinção do consórcio é causa de dissolução daquele contrato, claro). Como o consórcio
não é sujeito de direitos, a extinção do consórcio não modificará a titularidade daquela
posição perante terceiros. Logo, os outros contratos poderão seguir com as respectivas
consorciadas que já figurarem na relação, mesmo que o consórcio seja extinto – ressalvada a
hipótese dos contratos que tiverem causa na relação consorcial, para os quais as partes
poderão buscar o respectivo encerramento.

O elemento do fundo consórtil, se existente, por não se tratar de patrimônio autônomo


ou separado, também será resolvido no âmbito da prestação de contas. E caso haja bens
adquiridos, pelos consorciados, em condomínio, esses ativos permanecerão em comunhão,
independentemente da extinção do consórcio, porque não compõem massa patrimonial
autônoma que é liquidada pela dissolução da figura consorcial. O desfazimento do
condomínio não é consequência automática da dissolução do consórcio e, se desejado, deverá
ser perseguido pelas partes interessadas à luz do Código Civil.

As considerações resumidas anteriormente, e que foram desenvolvidas, em detalhes,


nos parágrafos antecedentes, respondem as perguntas lançadas no início deste trabalho.
193

Entretanto, é importante ressaltar, mais uma vez: as análises e conclusões promovidas


não visam substituir a vontade das partes – que, repita-se, são livres para pactuar, nos seus
contratos de consórcio, desde que não firam a legislação aplicável, os regimes que melhor
lhes aprouver.

Busca-se, tão somente, oferecer caminhos possíveis para o solucionamento de


questões controvertidas ou omissões que não encontrarem guarida seja no regime jurídico
principal, previsto na Lei das S.A, seja no próprio contrato firmado.

E a construção desses caminhos, aliás, não poderá ignorar a realidade dos


contratantes, haja vista a possibilidade de desvirtuamentos ou disfunções na utilização do
consórcio tal como emoldurado nos arts. 278 e 279 da LSA – a exemplo da instituição de uma
sociedade, por exemplo, travestida de consórcio; apesar de que, conforme constatado no
estudo empírico, pelo menos no que toca, por exemplo, ao aspecto patrimonial, quase a
totalidade dos contratos de consórcio analisados reconheciam, implícita ou explicitamente, a
ausência de criação de um patrimônio autônomo (que é um dos elementos justificadores da
aplicação de procedimento dissolutivo complexo, por meio de liquidação).

Tem-se, portanto, que o instrumento e as regras contratados servem como referência,


mas a sua aplicação, na prática, é que de fato revela a vontade das partes. As soluções ao
encerramento de cada vínculo deverão ser pautadas nos procedimentos compatíveis com a
realidade identificada; e não se limitarem à forma encontrada.
194

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Site consultado:

https://www.investe.sp.gov.br/por-que-sp/economia-diversificada/pib/

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