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FERNANDA POMORSKI DOS SANTOS

TREZE DE MAIO: ENTRE REGRAS E PADRÕES A BUSCA POR


VISIBILIDADE, RECONHECIMENTO E PARCERIAS
(1949-1982)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação


em História, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
da Universidade de Passo fundo, como requisito parcial e
final para obtenção do grau de mestre em História sob
orientação do Prof. Dr. Luiz Carlos Tau Golin.

Passo Fundo
2018
"Comovo-me em excesso, por natureza e por ofício.
Acho medonho alguém viver sem paixões."
Graciliano Ramos
RESUMO

A sociedade erechinense, desde muito cedo, organizou-se em associações de acordo


com suas etnias formando, desta maneira, clubes italianos, alemães, poloneses entre
outros. Assim como os demais grupos, a população negra e “não imigrante” constituiu
um espaço para confraternizar com "os seus", um espaço para lazer e cultura, esportes e
festas. Esta dissertação tem como objetivo a análise de parte da população negra da
cidade de Erechim através das ações desenvolvidas pelos sócios do Esporte Clube Treze
de Maio, fundado em 16 de dezembro de 1949. O recorte temporal, estabelecido entre
1949 e 1982, se inicia no ano da constituição da associação, atravessa o período
considerado de "glória" e chega aos últimos dias do clube. O foco desta reflexão
centrou-se na forma de organização desta associação, nas estratégias utilizadas na busca
por visibilidade e no desenvolvimento de novas redes de relacionamento. Para tanto,
vale-se da análise dos poucos documentos remanescentes da associação, entre eles:
algumas páginas de atas, fotografias, estatuto completo do Clube, parcos registros das
atas da ala feminina e matérias publicadas no jornal local A Voz da Serra. Através das
fontes analisadas, apresentamos a rede associativa formada na cidade a partir de cada
etnia e os motivos que levaram à constituição de um Clube dos negros. Ao traçar os
primeiros passos do Esporte Clube Treze de Maio e entendermos sua formação dentro
da sociedade, investigamos o processo de invisibilidade social sofrido por esta parcela
da população e os mecanismos utilizados para contornar esta situação. Procuramos
compreender o papel desempenhado pelas mulheres negras, assim como, a importância
do futebol, do carnaval e dos bailes de gala. Desta forma, verificamos como a
associação se constituiu em um importante espaço de sociabilidade para os negros e
“pessoas de cor” colaborando na quebra de estereótipos e na criação de uma imagem
positivada do Clube e seus associados.

Palavras-chave: Associativismo. Negros. Mulheres. Erechim.


ABSTRACT

From a very early age, the Eritrean society organized itself into associations according
to its ethnic groups, forming, in this way, Italian, German, Polish and other clubs. Like
the other groups, the black and "non-immigrant" population constituted a space to
fraternize with "their", a space for leisure and culture, sports and parties. This
dissertation aims at the analysis of part of the black population of the city of Erechim
through the actions developed by the members of the Sport Club Treze de Maio,
founded on December 16, 1949. The temporal cut, established between 1949 and 1982,
begins in the year of the association's formation, goes through the considered period of
"glory" and arrives at the last days of the club. The focus of this reflection centered on
the organization of this association, the strategies used in the search for visibility and in
the development of new networks of relationship. To do so, it is worth analyzing the
few remaining documents of the association, among them: some pages of minutes,
photographs, complete Club status, few records of the minutes of the women's wing and
articles published in the local newspaper A Voz da Serra. Through the analyzed sources,
we present the associative network formed in the city from each ethnicity and the
reasons that led to the constitution of a Black Club. In tracing the first steps of the Treze
de Maio Sports Club and understanding its formation within society, we investigate the
process of social invisibility suffered by this part of the population and the mechanisms
used to circumvent this situation. We seek to understand the role played by black
women, as well as the importance of football, carnival and gala dances. In this way, we
verified how the association was an important space of sociability for blacks and
"people of color" collaborating in the breakdown of stereotypes and in the creation of a
positive image of the Club and its associates.

Keywords: Associativism. Black. Women. Erechim.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1- Trajetória da ferrovia na região do Alto Uruguai ...................................................... 27


Figura 2 - Família de Gerônimo de Oliveira ............................................................................ 35
Figura 3 - Residência de Dona Arlete da Silva ......................................................................... 36
Figura 4- Moradores da Vila Operária ..................................................................................... 37
Figura 5 - Primeira sede da Sociedade Alemã Deutscher Verin (G.W.C.). ............................... 39
Figura 6- Primeira sede do 25 de julho .................................................................................... 40
Figura 7 - Primeira sede do clube Atlântico ............................................................................. 41
Figura 8 - Inauguração do Clube Treze de Maio. ..................................................................... 46
Figura 9- Fachada principal do Esporte Clube Treze de Maio .................................................. 51
Figura 10 - Time de futebol do Treze ...................................................................................... 65
Figura 11- Partida campeonato de Várzea................................................................................ 67
Figura 12- Ficha da liga erechinense de futebol varzeano ........................................................ 68
Figura 13- Equipe secundária de futebol do Esporte Clube Treze de Maio ............................... 69
Figura 14- baile para a escolha da rainha da primavera ............................................................ 72
Figura 15 - Festa no Treze....................................................................................................... 74
Figura 16 - Coroação da rainha da primavera .......................................................................... 77
Figura 17 - Músicos no Treze de Maio .................................................................................... 78
Figura 18 - Carnaval no Treze de Maio ................................................................................... 79
Figura 19- Festa da linguiça .................................................................................................... 80
Figura 20- Baile no Treze de Maio. ......................................................................................... 81
Figura 21- Mulheres no Treze de Maio .................................................................................... 84
Figura 22 - Rainha da primavera - Senhorita Lourdes de Oliveira ............................................ 85
Figura 23 - Coroação da rainha da primavera .......................................................................... 88
Figura 24- Senhorita Arlete da Silva........................................................................................ 89
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Censo de 1950.......................................................................................... p. 11


Tabela 2 – Presidentes do Clube................................................................................ p. 52
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 8
1 A CIDADE, OS SUJEITOS E AS ASSOCIAÇÕES ............................................. 22
1.1 A formação da cidade de erechim ................................................................... 22
1.2 O negro na historiografia local ........................................................................ 31
1.3 A "capital da amizade" e a formação de clubes étnicos.................................... 37
1.4 Um espaço para os negros ............................................................................... 42
1.5 A criação do esporte clube treze de maio ........................................................ 45
1.6 "Um clube eminentemente brasileiro, para o bem da nacionalidade e o progresso
da pátria” ................................................................................................................ 52
2 CONQUISTANDO ESPAÇOS DE VISIBILIDADE EFORMAÇÃO DE REDES
SOCIAIS ................................................................................................................. 59
2.1 Através da construção da nova sede... A busca por parcerias e reivindicações . 60
2.2 O futebol ........................................................................................................ 63
2.3 As festas: a beleza dos bailes e elegância dos sócios ....................................... 70
2.4 A coroação da rainha - a representação da mulher negra e seu papel na
associação ............................................................................................................... 82
2.5 O término da associação: algumas considerações ............................................ 95
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 98
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 101
ANEXOS .............................................................................................................. 107
8

INTRODUÇÃO

Em meados de 2013, enquanto cursava minha graduação na Universidade


Federal da Fronteira Sul, campus Erechim, tive a oportunidade de participar como
voluntária de um projeto intitulado A presença negra em Erechim(1908-1960),
coordenado pela professora Débora Clasen de Paula. Este tinha entre os objetivos
principais mapear e reunir fontes impressas sobre a participação negra na formação da
cidade; coletar depoimentos de membros desta comunidade; e investigar as formas de
organização associativa da etnia em Erechim. A participação no projeto me aproximou
do tema que me é tão caro, proporcionou-me momentos de debates e leituras, mas,
principalmente, forneceu-me o recorte para o trabalho de conclusão de curso:
Associativismo negro na cidade de Erechim através do Esporte Clube Treze de Maio.
Este trabalho, no entanto, mostrou-se limitado em alguns aspectos. Não pudemos
abordar e/ou aprofundar algumas questões que surgiram no decorrer da pesquisa. Meu
interesse na associação e na população negra de Erechim não estava esgotado. Esta nova
pesquisa tem o objetivo de aprofundar questões que foram pouco ou nada abordadas,
tais como o papel da mulher negra no clube e nas famílias e a análise das fotografias
disponíveis acerca da população negra do município.
Este estudo se propõe a contribuir com a construção de uma historiografia local
que tenha como foco parte da população negra do município, colaborando com a
historiográfica existente acerca desta parcela da população a partir das reflexões sobre a
importância de seu clube. Até o presente momento, os trabalhos acadêmicos a respeito
do município visam, na maioria das vezes, trabalhar o forte aspecto positivista, a
formação do espaço urbano e a imigração italiana e polonesa. Não intencionamos
compreender toda a história do negro no município, mas nos atrevemos a provocar
algumas discussões acerca da moralidade, da sociabilidade e dos laços formados entre
os negros de Erechim que frequentaram o Esporte Clube Treze de Maio. Propomos
pensar o papel desempenhado pelas mulheres da associação, verificar a existência de
vínculos estabelecidos entre o Treze de Maio e outras associações, mas, acima de tudo,
buscamos compreender como, por meio do associativismo, procuraram desvincular-se
da visão estereotipada e dos estigmas que lhes eram atribuídos. Sendo assim, é
9

conveniente elencar os caminhos trilhados para a construção deste estudo e sua


fundamentação teórica e metodológica.
A região sul do país foi vista por muito tempo como uma extensão da Europa
devido à forte presença de alemães, poloneses, italianos e judeus. A participação de
escravos no Rio Grande do Sul foi suprimida pela historiografia durante anos, sendo
que apenas na década de 1960, com os estudos produzidos pela escola sociológica
paulista é que esta lacuna foi parcialmente preenchida. Embora lance um novo olhar
para a escravidão no Rio Grande do Sul, o que pode ser considerado um avanço em
termos de reconhecimento da mesma, estes trabalhos deram ao negro um papel
secundário, tratando-os como meros expectadores da vida, sem poder algum de
negociação e barganha. Da mesma forma, a participação do negro na formação da
identidade Rio-grandense também é vista como secundária. Ruben George Oliven
afirma:

Ao passo que em outros Estados do Brasil, como a Bahia, o negro comparece


como um dos formadores da identidade, no Rio Grande do Sul sua imagem é
relegada a um segundo plano. De fato, a historiografia gaúcha tradicional,
apesar de reconhecer a existência generalizada do escravo no Estado, insistiu
1
na sua pouca importância no processo do trabalho.

Na década de 1980, a historiografia começou a rever a produção da década de 60


e estudos realizados em outras partes do país passaram a reivindicar o escravo enquanto
sujeito. Pesquisadores como Silvia Lara e João José Reis, começaram a dar papel de
destaque ao dia a dia do cativo, mostrando suas lutas e reivindicações abordando suas
ações, estratégias e as relações sociais estabelecidas ainda durante o cativeiro e no pós-
abolição. Assim, o negro passou a ser protagonista da história, deixando de ser mero
observador dos fatos. Ocultar o papel histórico do negro não foi particularidade dos
grandes centros, pois no interior do país esta prática também aconteceu. As principais
contribuições acerca da população negra de Erechim vêm de dois trabalhos de
conclusão de curso: O Negro e Sua História: O Clube Treze de Maio (década de 1950),
de Giovani Maraschin Scoton, ao qual não tivemos acesso 2; e A Presença Negra em

1
OLIVEN, Ruben George. A invisibilidade social e simbólica do negro no Rio Grande do Sul. In:
LEITE, Ilka Boaventura (Org.). Negros no sul do Brasil: Invisibilidade e territorialidade. Ilha de Santa
Catarina. Letras Contemporâneas, 1996. p. 26.
2
Apesar de tentativas de acesso ao trabalho monográfico defendido no curso de história da Universidade
Regional Integrada do Alto Uruguai (URI) não obtivemos sucesso na consulta ao mesmo, pois a
Universidade não possibilitou acesso ao trabalho e o autor não retornou as tentativas de contato.
10

Erechim: Da Colonização ao Esporte Clube 13 de Maio, de Rodrigo Pereira, que


servirá como importante fonte interlocutora para este trabalho. Pereira afirma que o
negro chega a Erechim quando esta ainda se chamava Paiol Grande, e constata em sua
pesquisa que a história local está alicerçada em um viés positivista que, por muito
tempo, excluiu os índios, caboclos e negros, negando-lhes a devida colaboração na
formação da cidade.
O tratamento dado ao assunto nos livros oficiais de história, bem como nos
textos históricos dos últimos noventa anos, demonstram claramente uma negligência
quanto à presença negra em Erechim, e a existência do Esporte Clube 13 de maio, tendo
em vista que há registros da presença negra mesmo antes dos primeiros colonizadores,
além de sua significativa migração ao longo dos primeiros cinquenta anos do município.
Existem poucos trabalhos que abordam o tema em questão dentro de uma metodologia
histórica, fato que também justifica a iniciativa dessa pesquisa. Registrar suas
experiências de vida representa uma parte da história de Erechim que apresenta lacunas;
a história de homens e mulheres negras que contribuíram para a formação e
prosperidade da “Capital da Amizade”.3
Quando afirma que negros, índios e caboclos foram menosprezados pela história
oficial, Pereira é acompanhado por Isabel Gritti, pois ambos corroboram a ideia de
minimização destes grupos étnicos. Gritti faz uma comparação entre negros e poloneses,
demonstrando que estes também não eram vistos como “bons” para a colonização e,
portanto, recebiam um tratamento inferior aos demais. Considerar determinada etnia
melhor que outra demonstra a ideia positivista da classificação social de Augusto
Comte, que estabeleceu uma hierarquia dos povos. É importante levar em consideração
essa classificação, tendo em vista que o Estado do Rio Grande do Sul, e desta forma
também Erechim, tiveram forte influência da doutrina positivista.
Alguns pesquisadores fizeram importantes contribuições no que diz respeito à
presença de índios e negros no município. Podemos encontrar algumas informações na
Revista Erechim, de julho de 1951, nos artigos de Vilson Weber4. Na revista
Perspectiva, o artigo “A presença negra em Erechim”, de Neusa Cidade Garcez, faz um
apanhado sobre o negro no Rio Grande do Sul, porém, no que se refere à localidade, a
autora afirma que "tentar-se-á recompor o mosaico da história negra em Erechim. O fio

3
PEREIRA, Rodrigo Alves. A presença negra no município de Erechim: da colonização ao Esporte Clube
13 de Maio. Erechim: URI, 2008. Monografia de conclusão de curso, p.10
4
WEBER, V. O velho Erechim. Revista Erechim, julho 1951 Ano 1.
11

condutor será a família de Arlindo e Julia da Silva [...]” 5. Cassol também contribui e
traz o resultado do censo de 1950, no qual Consta o número de negros no município 6.

Totais Brancos Pretos Amarelos Pardos

H M H M H M H M H M
60.267 59.262 57.316 56.450 1.118 1.073 - - 688 1.605
Tabela 1- Censo de 1950
Fonte: IBGE – Recenseamento Geral de 1950.

No entanto, os apontamentos sobre esta parcela da população geralmente surgem


de forma reduzida e são poucas informações, de maneira pouco detalhada. Uma das
últimas obras publicadas e que pretende fazer um levantamento histórico do município,
ao relatar "Os primeiros imigrantes" quando se refere aos negros, se limita à frase
"também se ressalta a contribuição do negro em nossa região, vindo de outras áreas do
Estado e do País”. 7
A grande diversidade étnica do início da constituição da cidade, que mais tarde
rendeu-lhe o título de "Capital da Amizade” 8, foi responsável pela origem de diversos
clubes e associações culturais e esportivas. Segundo Zambonatto, os grupos reuniam-se
conforme sua ascendência e criavam suas instituições,

O sentimento gregário do homem [...] provocou o aparecimento de


associações e agrupamentos conforme suas origens étnicas. Desta forma os
italianos e/ou seus descendentes, agruparam-se e criaram suas instituições.
Da mesma forma alemães e poloneses. 9

5
GARCEZ, Neusa Cidade. Colonização e imigração em Erechim: a saga das famílias polonesas (1900 -
1950). Erechim, RS: [s.n.], 1997. 188 p
6
CASSOL, Ernesto. Histórico de Erechim. Passo Fundo: Instituto social Padre Berthier, 1979. p.27
7
CHIAPARINI, Enori José et. al. Erechim: Retratos do Passado, Memórias no Presente. Erechim:
Graffoluz, 2012. (CHIAPARINI, 2012, p.66).
8
A cidade recebeu o título de "Capital da Amizade" nos festejos de cinquenta anos de emancipação,
"Naquele ano, 1968, foi realizada uma grande festa. Na praça da Bandeira, foram erguidos estandes
representativos de todas as etnias que compunham a população do município: franceses, italianos,
alemães, holandeses, judeus, espanhóis, portugueses, poloneses, índios, russos, entre outros. Esses
estandes mostravam um pouco da cultura de cada povo e sua inserção no município. Lembro que houve a
visita de vários cônsules que visitaram a cidade e havia shows típicos todas as tardes. Num desses shows,
Rubens Safro - popular e localmente conhecido como Buja - animava a festa e chamou a cidade de
"Capital da Amizade". Logo a alcunha foi adotada pelo município, devido à diversidade das etnias que
compunham a sua população e à harmonia de sua convivência." Disponível em
<http://www.pmerechim.rs.gov.br/pagina/150/origem-do-nome> acesso em 26 ago 2016.
9
ZAMBONATTO, Aristides Agostinho. Os Meus Erechim. Editora São Cristovão, 2000. p.173-174
12

Assim como os demais grupos, os negros que se instalaram em Erechim também


sentiram a necessidade de criar um espaço de sociabilidade formal: o Esporte Clube
Treze de Maio. De acordo com Pereira,

É nesta conjuntura que é fundado em Erechim uma sociedade de frequencia


quase que exclusiva de homens e mulheres negras e de pele escura, (também
chamados de mulatos e contemporaneamente de afro-descendentes). A
presença negra se faz presente na delimitação de um espaço de convivência
que apresenta regras e limites a seus membros e frequentadores. Os clubes
sociais da classe média estavam entre os lugares cujo acesso era difícil para
os negros, embora isso nunca estivesse explícitos nos seus estatutos e
regulamentos. 10

A formação do município contou com a participação de índios, caboclos, negros


e migração intensa, em um contexto positivista de colonização, levando a constituição
de uma grande rede associativa. A sociedade erechinense, desde muito cedo, organizou-
se em associações de acordo com a etnia de cada grupo, formando, desta maneira,
clubes italianos, alemães, poloneses entre outros. Da mesma forma, parte da população
negra do município criou, em 16 de dezembro de 1949, em Erechim, o Esporte Clube
Treze de Maio. Estas informações são de grande relevância para a compreensão do
surgimento de um clube destinado especificamente aos negros.
Para entender a formação e a importância dos clubes negros no Rio Grande do
Sul, fizemos uso da dissertação de Fabrício Gomes, "Sob a proteção da princesa e de
São Benedito: identidade étnica, associativismo e projetos num clube negro de Caxias
do Sul (1934 -1988)". Em seu trabalho, o autor procurou compreender a formação de
um clube de negros na cidade. De acordo com Gomes, em Caxias do Sul as associações
negras surgiram na década de 1930 quando fundados o Clube das Margaridas e o Sport
Clube Gaúcho, sendo que o primeiro era só de mulheres. Traçando algumas
considerações sobre estas organizações o autor enfatiza o cuidado com a aparência, com
os “bons modos”, com o consumo de bebida alcoólica e a vigilância severa com as
mulheres do clube sob a finalidade de diminuir os estereótipos acerca de população
negra. O autor elencou o preconceito racial como uma das principais razões para o
surgimento dos clubes negros. Segundo Gomes:

10
PEREIRA, Rodrigo Alves. A presença negra no município de Erechim: da colonização ao Esporte
Clube 13 de Maio. Erechim: URI, 2008. Monografia de conclusão de curso, p.48.
13

Percebe-se que a discriminação racial foi uma das motivações do grupo negro
em Caxias para a formação de associações. Dessa forma, em 12 de dezembro
de 1933, algumas mulheres negras da cidade se empenham na formação de
uma associação, de um clube, o Clube das Margaridas.11

O trabalho de Fernanda Oliveira da Silva, "Os negros, a constituição de espaços


para os seus e o entrelaçamento desses espaços: associações e identidades negras em
Pelotas (1820-1943)", também amparou a discussão da temática. Em suas análises a
autora verificou a colaboração das associações para a constituição de uma identidade
negra positiva, assim como as formas de resistência da coletividade negra. Seu trabalho
tem como foco os negros da pós-abolição na cidade de Pelotas. Silva destaca a ação
destes, que construíram seus espaços para fugir dos constrangimentos sociais a que
eram submetidos e, desta forma, conseguiram afirmar sua identidade.
Nesta mesma linha, a tese de Magna Lima Magalhães, "Entre a preteza e a
brancura brilha o Cruzeiro do Sul: associativismo e identidade negra em uma
localidade teuto-brasileira (Novo Hamburgo/RS)", aborda o associativismo negro como
uma forma de “fugir” das agruras do preconceito racial.
Embora não tratem especificamente de Erechim, o tema se aproxima muito em
vários aspectos e colaborou na compreensão da realidade vivenciada pela comunidade
negra e também sua relação com a sociedade.
Compreendermos o conceito de estigma tornou-se indispensável para pensarmos
as relações dentro e fora da associação e abarcarmos a variedade de estratégias que os
estigmatizados empregaram para lidar com a rejeição. Erving Goffman traz importante
contribuição ao caracterizar o estigma como uma construção antecipada de classificação
do indivíduo, que admite seu conhecimento sem a precisão de que um contato mais do
que superficial seja com ele realizado, tendo em vista a categorizações previamente
estabelecidas pela sociedade. 12
Nesta direção, a leitura de Norbert Elias e John Scotson13 indicou novos aportes,
pois as relações entre "estabelecidos" e "outsiders" estiveram no cerne da construção do
cotidiano da associação. Afinal, conforme definem os autores, os grupos estabelecidos,
detentores de recursos superiores, criam barreiras contra os grupos de menor poder. Os

11
GOMES, Fabrício Romani. Sob a proteção da princesa e de São Benedito: identidade étnica,
associativismo e projetos num clube negro de Caxias do Sul (1934 -1988). 2008. 219 f. Dissertação
(Mestrado) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em História. p. 7.
12
GOFFMAN, Erving. Estigma: Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. Rio de Janeiro:
LTC Editora, 1988.
13
ELIAS, Norbert; SCOTSON, John L. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder
a partir de uma pequena comunidade. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
14

grupos detentores do poder criam uma autoimagem superior em relação aos grupos
desfavorecidos.

As chamadas "relações raciais" [...] constituem ralações de estabelecidos-


outsiders de um tipo particular. O fato de os membros dos dois grupos
diferirem em sua aparência física, ou de os membros de um grupo falarem
com um sotaque e uma fluência diferente a língua em que ambos se
expressam serve apenas como um sinal de reforço, que tornam os membros
do grupo estigmatizado mais fáceis de reconhecer em sua condição.14

A exclusão e estigmatização são armas poderosas para conservar a imagem de


superioridade de determinado grupo e manter o outro em seu lugar. Os indivíduos
pertencentes ao grupo superior detêm meios de fazer com que os próprios inferiorizados
julguem-se humanamente indignos.
As fontes deixadas pelo Clube Treze de Maio apontam muitos caminhos, porém
são incompletas. Podemos entender estes resquícios como "indícios" que permitem abrir
uma janela em que é possível uma aproximação com o vivido no passado. Para tanto, a
teoria-metodológica da micro-história e o paradigma indiciário de Carlo Ginzburg
possibilitaram a pesquisa por meio de "pegadas" e "fragmentos", consentindo que
trabalhássemos, muitas vezes, com o não dito, com as ausências e com resíduos de
fontes, que forneceram subsídios para seguirmos os "rastros" do Esporte Clube Treze de
Maio e de parte de seus associados.
Parte da metodologia aplicada para a realização da pesquisa foi a história oral,
com base em Verena Alberti e Paul Thompson. Segundo Alberti "a história oral permite
o registro de testemunhos e o acesso a história dentro da história" 15. Se tomarmos a
história como uma construção a partir de determinado olhar, levando em consideração o
espaço e o tempo, a história oral pode ser uma ferramenta importante para mostrar o
protagonismo de homens e mulheres comuns dentro dos fatos da história.

A história oral não é necessariamente um instrumento de mudança; isso


depende do espírito com que seja utilizada. Não obstante, a história oral pode
certamente ser um meio de transformar tanto o conteúdo quanto a finalidade
da história. Pode ser utilizada para alterar o enfoque da própria história e
revelar novos campos de investigação; pode derrubar barreiras que existam
entre professores e alunos, entre gerações, entre instituições educacionais e o
mundo exterior; e na produção da história – seja em livros, museus, rádios ou

14
ELIAS, Norbert; SCOTSON, John L. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder
a partir de uma pequena comunidade. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. p. 32.
15
ALBERTI, Verena. Histórias dentro da história. PINSKI, Carla Bassanezi (Org.) Fontes Históricas. 3
ed. São Paulo: Contexto, 2011, p.155.
15

cinema – pode devolver às pessoas que fizeram e vivenciaram a história um


16
lugar fundamental, mediante suas próprias palavras.

Baseada em narrativas de memória de indivíduos que experienciaram, direta ou


indiretamente, determinados acontecimentos que marcaram suas vidas, a fonte oral
requer metodologia adequada. A história oral pode trazer à tona fenômenos subjetivos,
imperceptíveis no mundo das fontes tradicionais, porém, tão concreto quanto.
“Representações são tão reais quanto meios de transportes ou técnicas agrícolas, por
exemplo.” 17 Pollak18 afirma que as fontes tradicionais não trazem em si toda realidade,
pois vivemos muito mais um mundo de escolhas e contingências, acasos e intenções do
que de racionalidade pura. Afinal, os fatos que marcam a vida das pessoas nem sempre
coincidem com os registros oficiais, com as notas de jornais ou com os momentos
registrados em fotografias.
É preciso atenção ao analisar este material obtido por meio de memórias que
estão em constante disputa, fragmentadas, ambíguas e que são representações de quem a
impressa exige rigor teórico-metodológico (assim como qualquer fonte histórica). Fazer
o confronto das informações obtidas por meio das entrevistas com outras fontes, ou
vice-versa, é um dos cuidados que o pesquisador precisa ter19.
Cada recordação relatada nas entrevistas é um fragmento, são como as peças de
um quebra-cabeça tentando formar um resumo do que foi percebido. A memória torna-
se uma seleção dos fatos ocorridos e interpretados que se quer preservar no intuito de
definir e/ou reforçar sentimentos de pertencimento. Como sabemos, o passado não pode
ser inteiramente recordado, nem tudo pode ser lembrado. A memória não é depósito de
acontecimentos, é incapaz de congelar e cristalizar, é impossível fazermos um resgate
de resgate automático de tudo o que foi "colocado pra dentro"20. A memória é também
uma construção do passado, mas ajustada às emoções e vivências; ela é flexível e os
eventos são lembrados a partir das necessidades do presente.

16
THOMPSON, Paul. A voz do passado: História Oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. p.22.
17
ALBERTI, Verena. Ouvir Contar: textos e história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. p. 9.
18
POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro: Ed
UFRJ, v. 5, n. 10, p. 200-212, 1992.
19
TEDESCO, João Carlos. Passado e presente em interfaces: introdução a uma análise sócio-histórica da
memória. Passo Fundo; Xanxerê; Porto Alegre: Universidade de Passo Fundo; Universidade do Oeste de
Santa Catarina; Suliani Letras & Vida, 2011.
20
TEDESCO, João Carlos. Passado e presente em interfaces: introdução a uma análise sócio-histórica da
memória. Passo Fundo; Xanxerê; Porto Alegre: Universidade de Passo Fundo; Universidade do Oeste de
Santa Catarina; Suliani Letras & Vida, 2011. p. 106.
16

Conforme observa Maurice Halbwachs, é necessário analisar a memória como


fenômeno social. Nestes termos, as memórias sociais são resultado de uma construção
coletiva, ou seja, as memórias de um indivíduo se constituem por meio de negociações,
colocadas socialmente entre aqueles que lhe circundam. O sociólogo enfatiza o lugar
social tomado pelo indivíduo que lembra.
Halbwachs faz apontamentos importantes para refletirmos a questão da
memória, sobretudo a memória coletiva, que nos é tão cara neste estudo. Segundo o
autor, o fenômeno de recordação e localização das lembranças não pode ser
efetivamente ponderado se os contextos sociais que atuam como base para o trabalho de
reconstrução da memória não forem levados em consideração. A memória deixa de ter
exclusivamente a dimensão particular, afinal as memórias de um sujeito nunca são
apenas suas, nenhuma lembrança pode coexistir isolada de um grupo social.

Não basta reconstituir pedaço por pedaço a imagem de um acontecimento


passado para obter uma lembrança. É preciso que esta reconstituição
funcione a partir de dados ou de noções comuns que estejam em nosso
espírito e também no dos outros, porque elas estão sempre passando destes
para aqueles e vice-versa, o que será possível se somente tiverem feito e
continuarem fazendo parte de uma mesma sociedade, de um mesmo grupo.21

A construção das recordações se dá através do convívio social dos indivíduos


com outros grupos ou pessoas; as recordações pessoais estão ligadas às memórias dos
diferentes grupos a que o indivíduo pertence, seja a família, escola, igreja, grupo de
amigos, no ambiente de trabalho ou associações. As recordações necessitam de uma
comunidade afetiva, a constituição da memória de um indivíduo é a combinação das
memórias dos diferentes grupos aos quais está inserido e, consequentemente, é
influenciado por eles.
Além das três entrevistas de antigos sócios do Esporte Clube Treze de Maio e
seus descendentes, também foram analisados documentos como atas, algumas páginas
disponíveis do livro ata da ala feminina, o estatuto do clube, algumas páginas do livro
ouro, fotografias e exemplares disponíveis do jornal A Voz da Serra. Estas pertencem a
dois acervos distintos: Arquivo Histórico Municipal Juarez Miguel Illa Font e o
Laboratório de História Oral da Universidade Federal da Fronteira Sul - Campus
Erechim.

21
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. 2ª ed. São Paulo: Centauro,
2013. p. 39.
17

A invisibilidade, presente durante as décadas de 1950 até 1970, na produção


historiográfica local, também é percebida nos meios de comunicação escrita do período.
Ao analisarmos os exemplares do A Voz da Serra, percebemos a referência ao negro em
poucos momentos. Embora traga colunas que tratam da questão do racismo nos Estados
Unidos, pouco é mencionado em relação ao município ou até mesmo ao Rio Grande do
Sul.

No Rio Grande do Sul, os negros, como grupo social, estão em boa medida
invisibilizados como sujeitos históricos, seja por preconceito ou indiferença.
Esta invisibilidade social decorre do estigma e do preconceito que surge de
fatores sociais, econômicos, estéticos e principalmente culturais.22

O levantamento feito nas notícias publicadas nos exemplares disponíveis


tornou-se fonte importante para o estudo. Com base nas poucas matérias publicadas,
percebemos os dispositivos acionados pela imprensa na tentativa de minimizar a
presença de negros no município, mas também para justificar a construção do Clube
Treze de Maio, um espaço que seria destinado a população negra. Utilizar matérias
publicadas nos exigiu maior reflexão sobre o uso de periódicos como fonte histórica,
sem esquecermos as armadilhas para a produção historiográfica, procuramos identificar
quem, o que, e para quem escrevia o jornal A Voz da Serra. Neste sentido foi importante
atentarmos para as reflexões de Heloisa Cruz e compreendermos as nuances presentes
nestes documentos.
O emprego de materiais da imprensa está cada vez mais generalizado na área da
História sobre os mais variados temas e problemáticas. O tempo em que a imprensa era
vista como uma fonte de credibilidade duvidosa foi, certamente, deixado para trás.
Afastamos a ingenuidade e passamos a compreender a imprensa como monumento.
Assim como todo documento, a mesma remete ao campo de subjetividade e da
intencionalidade com o qual devemos lidar. A linguagem é característica do social, que
detém uma historicidade própria e demanda ser trabalhada e compreendida como tal,
desvendando, a cada momento, as relações imprensa/sociedade e os movimentos de
constituição e instituição do social que esta relação propõe. Não basta simplesmente

22
GIRON, Loraine Slomp, RADÜNZ, Roberto. Invisíveis: negros nas memórias dos brancos. Revista
brasileira de História e Ciências Sociais, v. 4, n. 7, p. 143-161, 2012.
18

apontar que a imprensa “tem uma opinião”, é necessário percebermos em sua atuação as
delimitações de espaços, os temas demarcados e as opiniões mobilizadas23.
Independente do perfil adotado, o jogo de interesses está continuamente presente
nos periódicos, pois seus relatos nem sempre correspondem aos fatos. Estão em jogo
defesas de posicionamentos políticos, poder econômico e causas sociais. O simples fato
de algo ter se tornado notícia é significativo. O local destinado à matéria, as palavras
escolhidas, o destaque ou a minimização de determinados temas demonstram os
interesses do próprio jornal. Tania Regina de Luca afirma:

O pesquisador dos jornais e revistas trabalha com o que se tornou notícia, o


que por si só já abarca um espectro de questões, pois será preciso dar conta
das motivações que levaram à decisão de dar publicidade a alguma coisa.
Entretanto, ter sido publicado implica atentar para o destaque conferido ao
acontecimento, assim como o local em que se deu a publicação: é muito
diverso o peso do que figura na capa de uma revista semanal ou na principal
manchete de um grande matutino e o que fica legado às páginas internas. [...]
os discursos adquirem significados de muitas formas, inclusive pelos
procedimentos tipográficos e de ilustração que os cercam. A ênfase em certos
temas, a linguagem, e a natureza do conteúdo tampouco se dissociam do
público que o jornal ou revista pretendem atingir.24

Em casos de escassa documentação escrita, como nas fontes deixadas pelos


negros de Erechim, as fotografias tornaram-se indispensáveis fontes de pesquisa. Com
bibliografia e documentação diminutas, foi de fundamental importância a análise das
imagens referentes a população negra, disponíveis nos acervos pessoais, no arquivo
histórico municipal e nas poucas fotos retratadas no Jornal a Voz da Serra. As
fotografias tornaram-se janelas para o passado, fornecendo informações que não foram
registradas textualmente.
Como qualquer fonte histórica, exigiu que tomássemos alguns cuidados
específicos nas análises. Neste aspecto, tomamos por base as reflexões feitas por
Kossoy ao afirmar que "a realidade da fotografia reside nas múltiplas interpretações, nas
diferentes leituras que cada receptor dela faz num determinado momento, tratamos pois
de uma expressão peculiar que suscita inúmeras interpretações"25.

23
CRUZ, Heloisa de Faria; PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha. NA OFICINA DO HISTORIADOR:
CONVERSAS SOBRE HISTÓRIA E IMPRENSA. Projeto História: Revista do Programa de Estudos
Pós-Graduados de História, [S.l.], v. 35, dez. 2009. ISSN 2176-2767. Disponível em:
<https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/2221>. Acesso em: 07 fev. 2017. p.254.
24
LUCA, Tania Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY.
p.144.
25
KOSSOY, Boris. Fotografia e história. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. p.38.
19

A fotografia representa um traço da realidade, revela indícios, silêncios, sofre


influências culturais, sociais, revela o que se desejou mostrar. Sofre também influências
do fotografo, que seleciona o que terá destaque e o que será ocultado. Segundo Kossoy:

O ato do registro, ou o processo que deu origem a uma representação


fotográfica, tem seu desenrolar em um momento histórico específico
(caracterizado por um determinado contexto econômico, social, político,
religioso, estético etc.); essa fotografia traz em si indicações acerca de sua
elaboração material (tecnologia empregada) e nos mostra um fragmento
selecionado do real (o assunto registrado).26

Assim como as demais fontes utilizadas pelo historiador, as fotografias também


são fruto de uma construção e estão sujeitas a seleções que possibilitam a construção de
representações e de construção social. Segundo Maria Inês Turazzii, a fotografia é uma
visão de si, para si e para os outros.
As fotografias disponíveis nos acervos da Universidade Federal da Fronteira Sul
e do Arquivo histórico Juarez Miguel Illa Font contribuíram no desenvolvimento de
toda pesquisa e possibilitaram analisarmos as representações do negro por meio da
seleção de fotos (dos sócios do clube).
Aline lima apresenta importantes apontamentos a respeito das representações
negras em álbuns de famílias, tornando este, significativo aporte teórico. A autora
destaca a importância de dar conta da fotografia não apenas como objeto, mas também
como meio pelo qual determinado grupo social constrói uma imagem para si e para os
outros. A fotografia torna-se uma fusão entre quem opera a câmera e o sujeito
fotografado a partir das possibilidades técnicas, dos padrões de representação existentes
e das escolhas individuais feitas pelo fotógrafo e seu objeto de registro27.
Ana Maria Mauad ressalta a importância de atentarmos para além da gênese
automática da fotografia e a percebermos como uma elaboração do vivido. Analisá-la
requer olhar crítico por parte do historiador. Pode representar tanto um estilo de vida
quanto documentar um fato, tornando-se respectivamente imagem/documento e como
imagem/monumento.

26
KOSSOY, Boris. Fotografia e história. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. p. 39.
27
LIMA, Aline Mendes. "Ofereço minha foto como recordação": representações negras em álbuns de
familiares (Pelotas 1930-1960). 2009. 129 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de História, Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas, PUC RS, Porto Alegre, 2009.
p. 28-29
20

No primeiro caso, considera-se a fotografia como índice, como marca de uma


materialidade passada, na qual objetos, pessoas, lugares nos informam sobre
determinados aspectos desse passado - condições de vida, moda,
infraestrutura urbana ou rural, condições de trabalho etc. No segundo caso, a
fotografia é um símbolo, aquilo que, no passado, a sociedade estabeleceu
como a única imagem a ser perenizada para o futuro. Sem esquecer jamais
que todo documento é monumento, se a fotografia informa, ela também
conforma uma determinada visão de mundo.28

A imagem não fala por si só, é necessário que as perguntas sejam feitas. Ela
precisa ultrapassar o caráter de mera ilustração e, dessa forma, permitir certa
"presentificação" do passado. "A história embrenha as imagens, nas opções realizadas
por quem escolhe, uma expressão e um conteúdo, compondo através de signos, de
natureza não verbal, objetos de civilização, significados de cultura” 29.
30
Conforme Miriam Moreira Leite , “a imagem não se comunica com clareza”.
Ela pode traçar fatos que somente após constantes e persistentes olhares, incorporados à
capacidade dos sentidos em captar aquilo que não observamos na superfície, pode nos
levar a reconhecer outros teores que transponham aquela primeira impressão que se
tenta estabelecer.
No caso das fotografias analisadas, na maioria delas, não sabermos quem são os
autores, tampouco como foram produzidas ou o ano exato. Mas os personagens
retratados contam histórias a partir da forma de organização das pessoas, do cenário, do
figurino, do ângulo e plano da foto. Não dispomos de retratos de estúdio pousados e
montados, mas sim de representações das ações, tiradas nos bailes e almoços festivos do
Treze.
Tendo discorrido brevemente sobre a temática e as fontes utilizadas passamos
agora a apresentar a estrutura da dissertação, que está dividida em dois capítulos. No
primeiro capítulo elaboramos uma rápida explanação sobre a formação do município,
fortemente influenciada pelo positivismo, que colocou à margem a participação de
índios, caboclos e negros, privilegiando a migração intensa de descendentes europeus.
Fizemos alguns apontamentos acerca da grande diversidade étnica e do espaço
destinado ao negro na historiografia local.

28
MAUAD, Ana Maria. Através da imagem: fotografia e história: Interfaces. 1996, Revista Tempo, vol.1
n. 2, p. 73-98. p.80.
29
MAUAD, Ana Maria. Através da imagem: fotografia e história: Interfaces. 1996. Revista Tempo, vol.1
n. 2, p. 73-98. p.87.
30
LEITE, Miriam Moreira. Imagem e educação. In: SEMINÁRIO PEDAGOGIA DA IMAGEM NA
PEDAGOGIA. Anais... Rio de Janeiro: UFF, 1996. p. 83.
21

Para tanto, foi essencial a leitura de parte da obra de Enori José Chiaparini, de
Ernesto Cassol, além de outros historiadores locais que embasaram as análises e
possibilitaram a compreensão da formação de Erechim e seu impacto para os diversos
grupos presentes, especialmente os negros. Ainda no primeiro capítulo focamos o
Esporte Clube Treze de Maio com o objetivo de traçarmos os primeiros passos da
associação e entender sua formação dentro da sociedade local.
No segundo capítulo, nosso interesse foi evidenciar os pequenos espaços
conquistados pelo clube no jornal A Voz da Serra. Abordamos a tentativa de
invisibilisar o negro e as formas encontradas para ganhar visibilidade na sociedade
local. O conceito de invisibilidade é empregado conforme entendido por Loraine Slomp
Giron e Roberto Radünz quando afirmam que "a invisibilidade social decorre do
estigma e do preconceito"31. Segundo os autores esta invisibilidade também fez com que
o negro estivesse ausente nas pesquisas realizadas pela história regional. Desta forma
foi possível perceber como parte da população de Erechim tornou-se invisível e quais
foram os meios que encontraram para driblar esta conjuntura. A partir das matérias
publicadas verificamos a importância do futebol, do carnaval e dos demais bailes para o
clube e, consequentemente, para seus sócios. Analisamos também, neste segundo
capítulo, o papel da mulher negra dentro do clube e a forte cobrança em relação a moral
de seus associados, sobre tudo das sócias.

A relevância deste trabalho está em percebermos as histórias e memórias de uma


parcela da população local. Olhar para a construção do associativismo negro em
Erechim possibilitou-nos pensar nas complexas tramas em que este se encontrava
inserido. Nos deparamos com um espaço repleto de significação e atravessado por
relações de poder no qual uma parcela da população buscou, como veremos, estratégias
para fugir do processo de estigmatização e meios para lutar contra os estereótipos
atribuídos aos seus. Respondendo, assim, a questão que norteou nossa pesquisa.

31
GIRON, Loraine Slomp, RADÜNZ, Roberto. Invisíveis: negros nas memórias dos brancos. Revista
brasileira de História e Ciências Sociais, v. 4, n. 7, p. 143-161, 2012. p. 144.
22

1 A CIDADE, OS SUJEITOS E AS ASSOCIAÇÕES

O presente capítulo traz uma breve explanação acerca da formação do município


de Erechim por meio da colonização da região do Alto Uruguai e da importância da
estrada de ferro Itararé/Santa Maria neste contexto. Analisamos a migração, a grande
diversidade étnica resultante deste processo e a maneira como a população local foi
afetada. Elaboramos uma revisão bibliográfica a fim de estabelecer o papel do negro na
historiografia local. Abordamos, também, dos clubes recreativos e esportivos criados
por diversos grupos e a influência destes na formação do Esporte Clube Treze de Maio,
um espaço destinado aos negros do município.

1.1 A formação da cidade de Erechim

Não seria possível, nesta pesquisa, tratar da formação do Esporte Clube Treze de
Maio em Erechim, sem analisarmos os fatores influentes na constituição do município e
suas especificidades, além de compreendermos a política de colonização, mediada pelo
Estado a partir dos anos finais do século XIX e início do século XX, de que foi alvo o
Alto Uruguai, juntamente com toda a região Norte do Rio Grande do Sul.
Sendo uma das últimas reservas florestais do estado, a região habitada por
índios jê/Kaingang e caboclos, a partir do século XIX, com a Revolução Farroupilha 32

32
Revolução Farroupilha, também chamada de guerra dos Farrapos, foi uma guerra civil que ocorreu no
Rio Grande do Sul entre os anos de 1835 e1845.Tratou-se de um movimento reivindicatório dos
estancieiros e charqueadores contra a taxação das terras e do charque. Sobre Revolução Farroupilha, ver,
por exemplo: FLORES, Moacyr. A Revolução Farroupilha. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1984. Ou:
PESAVENTO, Sandra. A Revolução Farroupilha. Coleção Tudo é História. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1985.
23

(1835/1845), com o advento do Abolicionismo (1888) e da Revolução Federalista 33


(1893/1895), outros grupos étnicos se refugiaram naquela região de relevo acidentado e
florestado.34
Sendo assim, antes da chegada das frentes pioneiras35 que colonizaram a região,
muitos já se aventuravam a morar no Alto Uruguai apesar do afastamento e do
isolamento que isso poderia representar. E várias podem ter sido as razões para que o
fizessem entre elas a busca por melhores condições de vida, aproveitando o amplo
espaço para plantação ou criação de gado. Também é possível que alguns tenham se
valido justamente do isolamento para se refugiarem de alguma punição por qualquer
crime cometido em outra localidade 36.
Se florestas de Erechim foram habitadas por índios, invadidas por bandeirantes e
foragidos entre os mais diversos nos séculos XVII a XIX, foi com as frentes pioneiras,
na primeira década de 1900 que o processo colonizador começou. Segundo Isabel Rosa
Gritti, a diversidade étnica e cultural da população é um dos pontos a ser destacado no
que se refere a região, "nos livros de registros de entrada de imigrantes correspondentes
aos anos de 1911 a 1914 encontramos o registro de nacionalidade alemã, austríaca,
polaca, russa, italiana, sueca, holandesa e até dois japoneses." 37
Colaborando com a ideia de diversidade étnica na formação do município,
Cassol afirma que "a instalação do núcleo se dá em 1910, com 36 colonos (4 famílias
com 28 pessoas e 8 solteiros). Neste mesmo ano a colônia atingiu 226 pessoas, com 31
famílias de russos, alemães, franceses, austríacos e outras nacionalidades." 38 Afirma
também que "em 1915 a população da Colônia já ascendia para 27.359 habitantes, dos
quais 7114 brasileiros, 5721 poloneses, 246 suecos, 3652 alemães, 1827 italianos, 722

33
A Revolução Federalista foi uma guerra civil ocorrida, principalmente, no território do Rio Grande do
Sul. Colocou em lados opostos Federalistas e Republicanos e caracterizou-se por atos violentos de ambos
os lados. Sobre Revolução Federalista, ver, por exemplo: PESAVENTO, Sandra. A Revolução
Federalista. Coleção Tudo é História. São Paulo: Editora Brasiliense, 1983.
34
PIRAN, Nédio. Agricultura Familiar: lutas e perspectivas no Alto Uruguai. Erechim: EdiFAPES,
2001. p.25
35
A concepção de frente pioneira traz a ideia de avanço social, de modernização. A chegada do imigrante
ao território do Alto Uruguai possibilitou novas formas de produzir e alterações nas relações sociais.
Sobre frente pioneira, ver: GOLIN, Tau . A Fronteira: governos e movimentos espontâneos na fixação
dos limites do Brasil com o Uruguai e a Argentina. Porto Alegre: L&PM, 2002. 400p.
36
DUCATTI, Antônio Neto. O Grande Erechim e sua história. Porto Alegre: EST. 1981. p.61.
37
GRITTI, Isabel Rosa. Imigração e Colonização Polonesa no Rio Grande do Sul: a emergência do
preconceito. Porto Alegre: Martins Livreiro, 2004. p.117.
38
CASSOL, Ernesto. Histórico Erechim. Passo Fundo: Instituto social Padre Berthier, 1979. p.28
24

austríacos, 106 espanhóis, 74 franceses, 734 portugueses e 7863 de diferentes


nacionalidades."39
Parte dos imigrantes chegados a partir de 1910 não vinha diretamente da Europa
e sim das antigas colônias da região do Vale dos Sinos ou de outras partes do estado e
do país. Eles não ficaram abandonados no processo de fixação da terra, encontraram, em
Erechim, uma infraestrutura que contava com um órgão oficial de colonização
trabalhando a seu favor, uma ferrovia, além de compatriotas dispostos a colaborar e
falando o mesmo idioma.40

Ao chegarem, os colonos europeus e os migrantes das colônias velhas


encontram aqueles antigos moradores, com suas capoeiras (áreas
desmatadas), roças (plantações de milho, mandioca, feijão), extraindo e
cancheando erva-mate. Geralmente possuíam pequenas criações de animais
domésticos (porcos, aves, a vaca leiteira, terneiros), bois, cavalos e muares,
pois o único meio de transporte existente é o lombo de burro, a carreta, a
carrocinha. Na maioria são descendentes de paulistas ou vindos de outros
lugares. Entre eles há também alguns descendentes de alemães e italianos.
[...] As famílias que chegavam iam se instalando um tanto desordenadamente
na área da Praça Júlio de Castilhos e à frente do quadro ferroviário.41

Entre os anos de 1911 e 1912 muitos poloneses 42 emigraram para o Brasil, vários
destes para a colônia. Embora estivessem na região desde 1907, a primeira família a ser
registrada oficialmente em Erechim data do dia 10 de abril de 1910. Os primeiros
poloneses que chegaram vieram da região do Rio das Antas e do porto de Rio Grande. 43
Orientados pela companhia JewishColonizationAssociation, em 1911 e 1912
chegaram também os primeiros judeus, originários da Romênia, Alemanha,
Bielorrússia, Áustria, Espanha e Itália, os quais se instalaram, inicialmente, em Quatro
Irmãos. Os italianos, que eram em número menor que os poloneses até 1918, tiveram
um aumento significativo com a intensificação da migração originária das colônias
antigas. Os primeiros imigrantes alemães chegam a Erechim no ano de 1912 e se
estabelecem em Paiol Grande. Entre eles encontrava-se o primeiro alfaiate, o Sr.
Augusto Stefano. Porém, a maior parcela de alemães se estabeleceu em Lageado Grande

39
Ibidem. p.115.
40
SCHMIDT. Rémis Alice Perin. Erechim cidade construída para imigrantes - Poder simbólico na
conquista do espaço urbano. 2009. Dissertação. (Mestrado) – Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Pós-Graduação em História, PUCRS . p.75
41
SHMITD, Remis apud ILLA FONT, 1983, p. 12
42
Para aprofundar os conhecimentos acerca da imigração polonesa ver trabalho de GRITTI, Isabel Rosa.
43
CHIAPARINI, Enori José et. al. Erechim: Retratos do Passado, Memórias no Presente. Erechim:
Graffoluz, 2012. p.66
25

(atual Ponte Preta) e em Rio Novo (atual Aratiba), com 30% da população de origem
alemã. 44
A região de Erechim foi uma das últimas a ser colonizada no Estado do Rio
Grande do Sul. A distância da capital, Porto Alegre, foi um dos motivos para a demora
na ocupação, assim como o terreno acidentado, que não despertava o interesse dos
grandes latifundiários para as terras da região.45 Localizadas no Alto Uruguai rio-
grandense, as terras começaram a ser demarcadas juntamente com a elaboração do
traçado por onde deveria passar a ferrovia que ligaria o Rio Grande do Sul a São Paulo,
cortando a região conhecida como Sertão do Alto Uruguai, ligando Passo Fundo a
Marcelino Ramos. As estações ferroviárias que foram construídas ao longo dos trilhos
deram origem a diversos núcleos urbanos 46. Segundo Enori José Chiaparini,

A São Paulo-Rio Grande foi a última grande ferrovia concluída no Rio


Grande do Sul na primeira década do século XX, em seu último trecho - de
Passo Fundo a Marcelino Ramos. Essa construção contribuiu para a
colonização e criação de núcleos urbanos. Em torno de cada estação e de
cada caixa de água, destinada ao abastecimento das locomotivas, surgiram
povoados, vilas e cidades. Assim nasceram as estações construídas a partir de
Passo Fundo, que deram nome as localidades: as estações de "cochilha",
"Sertão", "Erechim" (no atual município de Estação, que pertenceu a Getúlio
Vargas), "Erebango", "Capo-Êre", "Paiol Grande" (atual Erechim), "Baliza",
"Barro" (atual Gaurama, ambas localizadas no município), "Viaductos",
"Cannavial" e "Alto Uruguai" (atual Marcelino Ramos).47

A construção da estrada de ferro Itararé/Santa Maria é considerada um dos


fatores decisivos para a exploração das terras do Alto Uruguai. Inicialmente, a
construção da ferrovia foi concedida à companhia belga Cie. Auxiliaire de Chemins de
Fer.48, porém, várias foram as empresas que participaram de sua construção, entre elas a
CompagnieCheminsFerSud-OuestBrèsiliens, a Companhia União Industrial e também a
Brazil Railway Co. do americano Percival Farquhar. Foi o trecho instalado por
Farquhar, (Porto União-Rio Uruguai) que chegou ao Alto Uruguai em 1910, ligando-se
à linha que vinha sendo construída de Passo Fundo em direção ao rio Uruguai. 49

44
DUCATTI, Antônio Neto. O Grande Erechim e sua história. Porto Alegre: EST. 1981. p. 95-96.
45
ZANELLA, Anacleto.A trajetória do sindicalismo no alto Uruguai gaúcho 1937-2003. Passo Fundo:
UPF, 2004. p. 26.
46
CHIAPARINI, Enori José et. al. Erechim: Retratos do Passado, Memórias no Presente. Erechim:
Graffoluz, 2012. p.29.
47
Ibidem, p.62.
48
CASSOL, Ernesto. Histórico de Erechim. Passo Fundo:Instituto social Padre Berthier, 1979. p.27.
49
CHIAPARINI, Enori José et. al. Erechim: Retratos do Passado, Memórias no Presente. Erechim:
Graffoluz, 2012. p.60.
26

A linha que atravessou o Estado, com início na cidade de Santa Maria (RS),
fazendo a ligação desta com o restante do Rio Grande do Sul e também com Santa
Catarina, Paraná e São Paulo, passando pela região do Alto Uruguai, foi primordial para
a colonização desta região. Conforme o plano do governo, o local seria
progressivamente ocupado na medida em que a ferrovia fosse implantada. Cada estação
significava a origem de um novo povoado onde os excedentes de imigrantes das antigas
colônias50 e também imigrantes oriundos da Europa poderiam instalar-se. Segundo
Neusa Cidade Garcez,

A colonização foi um sucesso graças à construção da ferrovia Itararé (SP) ao


Rio Grande do Sul, o que facilitou e humanizou o transporte de imigrantes,
quer daqueles que vinham direto da Europa, ou daqueles que procediam das
Colônias Velhas como Caxias, Bento Gonçalves, Monte Negro, Garibaldi
entre outras.51

A estrada de ferro da Colônia Erechim foi inaugurada em 03 de agosto de 1910.


Grande parte dos imigrantes da região foi transportada até a região no trem que, ao
longo de nove estações, cortava toda a Colônia. Além das pessoas, uma grande
variedade de produtos chegava à região através da ferrovia. Por ela chegavam couro,
ferro, madeira e demais produtos necessários. O mapa a seguir mostra a planta da
Colônia de Erechim e a trajetória da ferrovia.

50
Localizadas na região do Rio dos Sinos e de Caxias do Sul estas colônias antigas foram criadas ainda
durante o império.
51
GARCEZ. Neusa. Colonização e imigração em Erechim: a saga das famílias polonesas. 1997. p.24.
27

Figura 1- Trajetória da ferrovia na região do Alto Uruguai


Fonte: https://www.ihgrgs.org.br/mapoteca/cd_mapas_rs/CD/Guia_Mapoteca.htm

A ocupação destas terras e a criação da Colônia se encaixaram nas políticas de


imigração e colonização do governo 52 do Estado da época, com o objetivo de resolver
problemas múltiplos, como a falta de produtos alimentícios, crises de abastecimento e
pecuária. Com a grande demanda de imigrantes europeus que vinham para o Brasil, as
52
Entre os anos de 1908-1913 o Rio Grande do Sul foi governado por Carlos Barbosa Gonçalves, do
PRR.
28

antigas colônias já não comportavam o número crescente de pessoas, que se tornavam


um problema de ordem social. Uma das saídas encontradas foi o deslocamento de parte
desta população para novas terras a serem colonizadas. Por fazer parte de uma
colonização programada pelo Estado, a corrente positivista teve grande relevância na
maneira de preparar, planejar e executar a vinda e instalação dos imigrantes. Outro fator
importante, além da construção da estrada de ferro e da política de imigração, foi a
participação de empresas particulares de colonização, como a Empresa Colonizadora
Luce Rosa & Cia. Ltda. e JewishColonizationAssociation (ICA). De acordo com
Cassol:
Carlos Barbosa, presidente do Rio Grande do Sul, cria a Colônia Erechim
com sede em Capoerê em 06 de outubro de 1908. O ato se insere na política
de imigração e colonização, que, no período, o governo do Estado
implementava. Trata-se, pois de colonização oficial, planejada segundo a
legislação vigente. Sobre tudo de 1899/1900, executado pelo organismo
competente, a inspetoria de terras. Permite-se também a colonização
privadade acordo com a legislação pública. Destacam-se várias companhias
particulares como Bertei, a Sertaneja e sobre tudo a Luce-Rosa e a
JewishKolonizationAssociation.53

Empresas particulares receberam parte dos loteamentos coloniais, sendo


encarregadas pela demarcação e comercialização dos lotes. Em Erechim, a Comissão de
Terras foi responsável pela colonização de 436.716 hectares nas cidades de Erechim,
Getúlio Vargas, São Valentim, Barão de Cotegipe, Erval Grande, Capo-Êre e Itatiba do
Sul.54 Duas empresas particulares também tiveram grande participação durante a
colonização. A judaica JewishKolonizationAssociation55,instalada em Quatro Irmãos,
no ano de 1910, possuía uma área de 93.850 hectares. Segundo Chiaparini:

Foi dividida em colônias de 150 hectares, rodeadas de arame farpado, com


uma casa de madeira. Cada família recebia 14 vacas, 4 bois, um touro,
2cavalos, uma carroça, uma grade e instrumentos para o cultivo da terra. O
valor total era de sete contos e quinhentos mil réis pagos no espaço de 15 a
20 anos com juro de 4% ao ano. 56

53
CASSOL, Ernesto. Histórico Erechim. Erechim: Passo Fundo: Instituto social Padre Berthier, 1979. p.
28.
54
CHIAPARINI, Enori José et. al. Erechim: Retratos do Passado, Memórias no Presente. Erechim:
Graffoluz, 2012. p.50.
55
Para aprofundar os conhecimentos acerca da JewishKolonizationAssociation ver trabalho de GRITTI,
Isabel Rosa.
56
CHIAPARINI, Enori José et. al. Erechim: Retratos do Passado, Memórias no Presente. Erechim:
Graffoluz, 2012. p.50.
29

Outra empresa colonizadora particular instalou-se na região em 1916. A Luce-


Rosa& Cia Ltda, mais conhecida como Luce e Rosa, estabeleceu-se na atual Gaurama,
na época conhecida como Barro. Esta se tornou responsável pela colonização de
Gaurama, Severiano de Almeida, Três Arroios e Aratiba, com uma área total de 91.015
hectares.57
Por sugestão de Carlos Torres Gonçalves, Carlos Barbosa Gonçalves (presidente
do Estado), criou a Colônia de Erechim no dia 06 de outubro de 1908. No ano seguinte,
Torres Gonçalves chegou para chefiar a Diretoria de Terras. Em 1916, a Comissão, até
então localizada na região da atual Getúlio Vargas, foi transferida para Paiol Grande,
hoje Erechim58. Em 1918, a Colônia conseguiu emancipação política e administrativa. 59
Base do planejamento urbano e ocupacional do município, o positivismo 60 teve
fundamental importância também na formação de sua história, por servir de modelo
historiográfico aos primeiros pesquisadores. A ideia acerca de uma hierarquização das
raças colaborou para o fortalecimento do preconceito entre os diferentes grupos de
imigrantes e seus descendentes que se estabeleceram na então Colônia de Erechim.
O início do século XX marcou o cenário internacional por meio da crescente
importância da ciência além dos ideais positivistas. Representou, para parte da
população brasileira, a modernidade. O crescimento das cidades de São Paulo e Rio de
Janeiro era uma realidade; a luz elétrica, as campanhas sanitárias e as periferias estavam
surgindo. Segundo Remis,

A ideologia em voga era positivista, da qual os militares e políticos


brasileiros que proclamaram a República, em 1889, estavam fortemente
influenciados, o que acabou se refletindo no espaço urbano. Para parte das
elites brasileiras, o Positivismo representava a Modernidade e justificava
meios autoritários para alcançá-la.61

57
DUCATTI, Antônio Neto. O Grande Erechim e sua história. Porto Alegre: EST. 1981. p. 95-96.
58
A cidade de Erechim teve várias designações: Paiol Grande, até 1918; Boa Vista, até 1922; Boa Vista
do Erechim, até 1938; José Bonifácio, até 1944.
59
CASSOL, Ernesto. Histórico Erechim. Passo Fundo: Instituto social Padre Berthier, 1979. p. 29.
60
O positivismo é uma corrente filosófica que surge na França e tem Augusto Comte como principal
idealizador. Para o positivismo o progresso do País está nas mãos da elite, que é também responsável pelo
governo, o trabalho cabe ao povo. Caracteriza-se por defender uma acentuada hierarquia social.
(CHIAPARINI, 2012. p. 34).
61
SCHMIDT. Rémis Alice Perin. Erechim cidade construída para imigrantes - Poder simbólico na
conquista do espaço urbano. 2009. Dissertação. (Mestrado) – Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Pós-Graduação em História, PUCRS. p. 27.
30

Este período caracterizou-se pela chamada Belle Époque62 que se revelou nas
construções, nos costumes urbanos e na rejeição das elites à cultura popular. Neste
mesmo período ocorreu um aumento significativo no número de casas de teatro e
cinemas.
Neste contexto, as populações nativas - principalmente indígenas e caboclas-
eram percebidas, na visão positivista do Estado, como arcaicas. Era grande a
importância dada aos imigrantes na participação comercial, industrial e na produção
agrícola durante este período.63
Neste momento, o elemento nacional representou o extrativismo e as maneiras
rudimentares de cultivar a terra. Já o imigrante, visto como elemento civilizador fez a
modernização do campo e implantou técnicas modernas na agricultura tradicional. 64
Gritti65 traz significativas contribuições para a compreensão desta visão acerca
das populações nativas e dos imigrantes ao analisar a classificação hierárquica dos
povos, criada por Augusto Comte. A autora destaca a importância de levar em
consideração essa classificação de povos e nações, tendo em vista que o Estado do Rio
Grande do Sul, e desta forma, também Erechim, tiveram forte influência da doutrina
positivista.
Outro ponto que deve ser levado em consideração é a imagem de superioridade
dos imigrantes em relação à população local. Nédio Piran66 afirma que a existência da
ideia de superioridade dos imigrantes em relação aos caboclos, índios e negros, que já
habitavam a região, era uma "questão de sobrevivência", uma vez que estes grupos
representavam uma ameaça ao sucesso dos imigrantes.
Os imigrantes que chegaram à Colônia receberam apoio e oportunidades de
desenvolvimento, o Estado os via com bons olhos. Todavia, o mesmo não aconteceu
com os antigos habitantes da região, os quais foram marginalizados e sofreram com

62
"A Belle Époque foi um movimento que perpassou o Realismo, o Impressionismo, o simbolismo, o
Pontilhismo e a Art Nouveau. O movimento da Belle Époque foi iniciado na Europa (França) nos anos de
1880, século XIX, tendo declínio, em 1914, com o início da Primeira Guerra Mundial. Muitos estudiosos
desse movimento ressaltam a dificuldade de delimitá-lo temporalmente e espacialmente, sobretudo por
sua influência em vários países do mundo e em períodos que ultrapassaram a delimitação atual: 1914. No
Brasil, a Belle Époque teve seu auge nos anos de 1889 a 1922, perdurando até 1925. A Belle Époque
brasileira foi uma verdadeira europeização dos hábitos e costumes de uma sociedade. Vale ressaltar que a
maior influencia desse movimento se deram em cidades como Rio de Janeiro e Belo Horizonte."
(CHIAPARINI, 2012. p. 35).
63
SCHMIDT. Rémis Alice Perin, op. cit.
64
ZARTH, Paulo. História Agrária do Planalto Gaucho 1850 - 1920. Ijuí, Editora Unijui, 1997.
65
GRITTI, Isabel Rosa. Imigração e Colonização Polonesa no Rio Grande do Sul: a emergência do
preconceito. Porto Alegre: Martins Livreiro, 2004.
66
PIRAN, Nédio. Agricultura Familiar: lutas e perspectivas no Alto Uruguai. Erechim: EdiFAPES,
2001.
31

desintegração de terras. Desta maneira, as desigualdades foram implantadas. A exclusão


dos índios e dos caboclos para a instalação dos pequenos, médios e grandes
proprietários fomentou o surgimento de conflitos e aprofundou as diferenças.

1.2 O negro na historiografia local

Como vimos, no período de formação de Erechim o meio urbano era visto como
o lugar do progresso, identificado como racional e planejado, fazendo oposição ao
mundo rural, entendido como atrasado, ultrapassado. Estes traços, característicos do
período positivista, estiveram presentes em outros aspectos do município. Rodrigo
Pereira67 constata em sua pesquisa que, por estar alicerçada em um viés positivista, a
história local, por muito tempo, excluiu os índios, caboclos e negros, negando-lhes a
devida colaboração na formação da cidade. O autor afirma:

O tratamento dado nos livros de história oficiais, bem como os textos


históricos nos últimos noventa anos, demonstram claramente uma
negligência quanto à presença negra em Erechim [...] tendo em vista que há
registros da presença negra mesmo antes dos primeiros colonizadores, além
de sua significativa migração ao longo dos primeiros cinquenta anos do
município. Não existem trabalhos que tratem dentro de uma metodologia
histórica o presente tema [...]. Registrar suas experiências de vida representa
uma parte da história de Erechim, que não foi contada, a história de homens e
mulheres negras que contribuíram para a formação e prosperidadeda “Capital
da Amizade”.68

Quando assegura que negros, índios e caboclos foram menosprezados pela


história oficial, Pereira faz-se acompanhado de Gritti, ambos corroboram a ideia de
minimização destes povos. A autora faz uma comparação entre poloneses e negros,
demonstrando, em suas pesquisas, que esses também não eram vistos como “bons” para
a colonização e, portanto, receberam um tratamento inferior ao das demais etnias. 69
Embora, durante muito tempo, a historiografia local não tenha se dedicado a
pesquisar caboclos, índios e negros, alguns autores fazem contribuições no que diz
respeito a presença negra no município de Erechim. Podemos encontrar algumas
67
PEREIRA, Rodrigo Alves. A presença negra no município de Erechim: da colonização ao Esporte
Clube 13 de Maio. Erechim: URI, 2008. Monografia de conclusão de curso.
68
PEREIRA, Rodrigo Alves. A presença negra no município de Erechim: da colonização ao Esporte
Clube 13 de Maio. Erechim: URI, 2008. Monografia de conclusão de curso. p.10.
69
GRITTI, Isabel Rosa. Imigração e Colonização Polonesa no Rio Grande do Sul: a emergência do
preconceito. Porto Alegre: Martins Livreiro, 2004.
32

informações na Revista Erechim, de julho de 1951, nos artigos de Vilson Weber 70; na
revista Perspectiva o artigo A presença negra em Erechim, de Neusa Cidade Garcez,
apresentou um apanhado sobre o negro no Rio Grande do Sul, porém, no que se refere a
cidade, a autora afirma que "tentar-se-á recompor o mosaico da história negra em
Erechim. O fio condutor será a família de Arlindo e Julia da Silva [...]" 71. Cassol
também fez algumas contribuições significativas e publicou o resultado do censo de
1950 com o número de negros no município 72. Quando feitos, os apontamentos sobre a
população negra surgem de forma reduzida e são poucas informações, nunca de maneira
detalhada. Uma das últimas obras publicadas e que pretende fazer um levantamento
histórico do município ao relatar "Os primeiros imigrantes", quando se refere aos
negros, se limita à frase "também se ressalta a contribuição do negro em nossa região,
vindo de outras áreas do Estado e do País" 73.
A Revista Erechim, como mencionamos, trouxe algumas contribuições que
apontaram para a presença negra em Erechim, ainda antes da grande imigração e
colonização da região,

O Sr. Augusto Stefanus, todos o conhecem, pois nunca saiu de nossa cidade,
chegou em 28 de outubro de 1912 indo residir em rio Negro Dourado, e aqui
ainda é alfaiate. Quando ele morava lá para os lados do Dourados, existia
uma colônia de negros, no lugar denominada Italiana e onde hoje reside a
família Coan. Quatro ou cinco famílias de negros ali tinham suas casinholas e
também foram desaparecendo, sumindo, ninguém sabe para onde.74

E ainda:

Naquela época, lá pelos anos de 1912, já moravam em nossa terra três tipos, e
com o decorrer dos anos, se tornaram populares em nossa cidade. Eram eles
tia Eva, tio Avelino e Pedro Praxedes, os quais a grande maioria dos
erechinenses ainda recorda e talvez desta maneira: Era bem preta, bem preta
era a tia Eva. E nossos olhos ainda parecem ver essa figura tão popular de
tempos atrás. Tia Eva, tia Eva todos gritavam... ela não era de brincadeira e
não gostava de troças. A negra velha nada temia e coitado daquele que lhe
assoviasse... Se caísse em suas mãos sofreria um bocado, fosse grande ou
pequeno, tia Eva então nada via... e quantas pedras ela atirou nos moleques.
Na sua pobre morada lá perto da primeira ponte do rio Dourado, a tia Eva
morava com seu marido, um francês, de origem, ou que viera da França
talvez... Tio Avelino, oh que alma boa, a alma branca em corpo negro. Algum
recado, qualquer serviço, pazes de rivais, lá estava o bom Avelino, no tempo

70
WEBER, V. O velho Erechim. Revista Erechim, julho 1951. Ano 1.
71
GARCEZ, Neusa Cidade. A presença negra em Erechim. Perspectiva, v.74, 1997. p.91.
72
CASSOL, Ernesto. Histórico Erechim. Passo Fundo: Instituto social Padre Berthier, 1979.
73
CHIAPARINI, Enori José et. al. Erechim: Retratos do Passado, Memórias no Presente. Erechim:
Graffoluz, 2012. p. 66.
74
WEBER, V. O velho Erechim. Revista Erechim, julho 1951, Ano 1, p.36.
33

do cabo Cezário até parece foi autoridade. Todos lembram como falava o tio
Avelino, que sempre dizia após cada palavra um termo esquisito, um colorido
ao seu linguajar. 75

É possível perceber, a partir destes dois relatos, a presença do negro na região


mesmo antes da chegada das frentes pioneiras. A primeira citação da revista indica a
existência de famílias negras naquelas terras no período anterior a 1912. Na referência
seguinte percebemos o preconceito existente em relação aos negros. Enquanto tia Eva
não "era de brincadeira", e quem caísse em suas mãos iria sofrer. Seu marido, tio
Avelino, era uma "boa alma". Tia Eva costumava atirar pedras em crianças, sendo
apresentada como uma pessoa má, e assim permaneceu no imaginário local ajudando na
formação da imagem do negro.
Observamos, no segundo relato, a expressão "alma branca em corpo de preto".
Esta afirmação possui, em certa medida, fundamentação nas teorias racialistas do século
XIX. Isso não quer dizer, porém, que as pessoas justificavam a utilização dessas
palavras por meio de um embasamento teórico. Mas, essas "doutrinas científicas,
baseadas em uma ideia biológica errônea", são eficazes na construção, manutenção e
reprodução das diferenças76. No caso específico da população negra, os estereótipos
atribuídos aos seus são reflexos de uma construção social do que é "ser negro" e, muitas
vezes, são baseados em teorias que afirmavam sua inferioridade moral, cultural e
biológica.
Recentemente, a historiografia local tem dedicado maior atenção a população
negra, sobretudo às associações esportivas. A principal referência acerca da temática
desta pesquisa, A Presença Negra em Erechim: Da Colonização ao Esporte Clube 13 de
Maio, de Rodrigo Pereira, é um exemplo desta mudança e serviu como importante fonte
interlocutora para este trabalho.
A partir da monografia de Pereira podemos acompanhar parte da trajetória de
duas famílias negras. Pereira utilizou-se da história oral para desenvolver seu trabalho e
fornecer informações importantes sobre as motivações que levaram as famílias a se
deslocarem para Erechim. Aponta, ainda, suas ocupações e profissões. Apesar das
dificuldades encontradas em reunir informações para sua pesquisa, devido à escassez de
fontes, marca detalhes importantes na trajetória destas famílias.

75
WEBER, V. O velho Erechim. Revista Erechim, julho 1951, Ano 1, p.14-15.
76
GUIMARÃES, Antonio Sergio Alfredo. Racismo e antirracismo no brasil. 2. ed. rev. São Paulo:
Fundação de apoio a Universidade de São Paulo, Ed. 34, 2005, p. 67.
34

Segundo Pereira, a primeira delas chegou a Erechim na década de 1930, vinda


de Passo Fundo. Galdino Alves Pereira chegou a Paiol Grande no ano de 1935,
acompanhado de sua esposa Maria Francisca Alves Pereira e de cinco filhos, todos
registrados no cartório erechinense. Natural de Tupanciretã, Galdino morou também em
Cruz Alta. A busca de trabalho motivava as constantes mudanças. Trabalhou,
primeiramente, como domador de cavalos, depois como carroceiro, transportando e
comercializando nó de pinho e outros produtos pela cidade. Também atuou como
agricultor em diversas propriedades, estabelecendo-se na região do rio Tigre (atual
Bairro Bela Vista). Embora exercesse diversas atividades, considerava-se tropeiro e
domador de cavalos.
A outra família relatada instala-se em Erechim no ano de 1948, originária de São
Luis Gonzaga.Tratava-se de Armandino do Nascimento (o Bié) e Júlia do Nascimento.
No início, Armandino tirava seu sustento ao fazer versos de improviso e cantar na
estação ferroviária municipal. Depois, com a colaboração de amigos, conseguiu se
estabelecer na cidade preparando cal virgem no forno de sua propriedade. 77
Nos dois casos, percebemos a variedade de profissões exercidas pelos homens,
geralmente trabalhos informais, dificultando a permanência nos mesmos afazeres por
tempo prolongado. Notamos a importância dos laços criados pela família de Armandino
do Nascimento, pois, por meio da ajuda de amigos, conseguiu fixar residência e também
estabelecer uma rotina de trabalho. A partir da década de 1950, o principal trabalho
desenvolvido pelos homens passou a ser o de mestre de obras, alguns trabalhavam em
moinhos e um pequeno número na agricultura. A grande maioria encontrava-se no meio
urbano.
Embora não representadas por Pereira, outras famílias negras habitavam a
região. Na fotografia a seguir vemos uma delas.

77
PEREIRA, Rodrigo Alves. A presença negra no município de Erechim: da colonização ao Esporte
Clube 13 de Maio. Erechim: URI, 2008. Monografia de conclusão de curso. p.40.
35

Figura 2 - Família de Gerônimo de Oliveira


Fonte: Arquivo Histórico JuarezMiguel Illa Font

Gerônimo de Oliveira, patriarca da família, está sentado em uma cadeira ao lado


de sua esposa Luciana de Oliveira e de sua pequena filha, Edir de Oliveira. Em pé, seu
cunhado Marcelo Martins, também fica retratado. A simplicidade do espaço: Ao fundo,
uma parede de madeira, provavelmente da moradia do casal, mostra-se envelhecida e
cheia de rachões. O "chão batido" também remate a um ambiente humilde. Percebemos
as vestes simples e a criança descalça. É quase impossível não atentarmos para o violão
nas mãos de Marcelo e a importância deste por estar retratado com a família. É possível
pensarmos na possibilidade de, assim como Armandino, Marcelo Martins tirar seu
sustento de versos de improviso ou de tocar em bailes da região. Marcelo, Luciana e
Edir apresentam traços indígenas.
O número de famílias negras vivendo em Erechim na década de 1950 era
grande, porém, encontravam-se, na grande maioria, nas periferias do município, na
Região da vila Operária (atual Av. Farrapos), e um pequeno número no bairro
36

Matadouro (atual Progresso)78.Os relatos de uma das entrevistas analisadas corrobora


com esta informação. Margarete afirma: "Porque onde que moravam os negros? Tem
que visualizar por aí, onde que moravam os negros? Eles moravam em periferia"79.

Figura 3 - Residência de Dona Arlete da Silva


Fonte: Arquivo Histórico JuarezMiguel Illa Font

Na figura 3 observamos a residência de Arlete da Silva. A pequena casa,


construída em 1964, no bairro São Vicente de Paula, foi parte de um projeto para
realojar os moradores de um bairro central deslocando-os a uma região periférica. A
obra é acompanhada pelo prefeito Eduardo Pinto e por alguns funcionários. Segundo
Margarete, os negros também estavam instalados nas regiões de vertentes de água,
possibilitando às mulheres exercerem função de lavadeiras. As tarefas eram divididas
entre alas: algumas lavavam as roupas, outras engomavam e passavam e as crianças
faziam as entregas. Porém, como o desenvolvimento e crescimento da cidade, foram
sendo empurrados cada vez mais para as periferias. A foto anterior representa um destes
momentos. A família de Arlete, que antes morava em determinada região (hoje

78
PEREIRA, Rodrigo Alves. A presença negra no município de Erechim: da colonização ao Esporte
Clube 13 de Maio. Erechim: URI, 2008. Monografia de conclusão de curso
79
SILVA, Margarete Fátima da. Margarete Fátima da Silva: depoimento [2014]. Entrevistadores: Débora
Clasen de Paula e Fernanda Pomorski dos Santos. Erechim: UFFS, 2014. 1 CD sonoro. Entrevista
concedida ao Projeto A presença negra em Erechim (1908-1960).
37

considerada área central da cidade) foi realocada no bairro São Vicente de Paula,
periferia de Erechim na década de 1960.
A fotografia a seguir apresenta mulheres e crianças, moradoras da vila operária.

Figura 4- moradores da Vila Operária


Vila Operária, atual Bairro São Cristóvão. Da esq. P/ dir.: Mariquinha de Oliveira, Júlia do Nascimento,
Ubiratan Dimas da Silva (bebê), Edolinda, Nelci de Oliveira, Atanajara de Oliveira (bebê), Ica do
Nascimento; 2ªfila: Carlos Alberto da Silva, Fátima de Oliveira, Luiz Antônio da Silva, Mari Magali da
Silva, Mara Vanja da Silva e Paulo Pedro da Silva.
Fonte: Arquivo Histórico Juarez Miguel Illa Font.

1.3 A "capital da amizade" e a formação de clubes étnicos

A importância dos clubes recreativos e esportivos como espaços de convivência,


de oportunidades para extensão da rede de afinidades e de poder, foi observada nas mais
diversas categorias sociais, nas elites, nos trabalhadores urbanos e aqueles pertencentes
aos mais diversos grupos étnicos. Consequentemente, os clubes representavam a
38

mobilização de grupos específicos com o objetivo de auxiliar de maneiras múltiplas.


Disseminados pelas inúmeras cidades do país, uniram pessoas e reforçaram laços.80
Na década de 1950, Erechim já possuía diversos espaços recreativos. A grande
diversidade étnica do início de sua constituição, que mais tarde rendeu-lhe o título de
"Capital da Amizade", também foi responsável pela origem de diversos clubes e
associações culturais e esportivas. Segundo Zambonato81, os emigrantes reuniam-se
conforme sua ascendência e criavam suas instituições.
Diante desta realidade, serão apresentadas algumas das associações de Erechim,
fundadas entre os anos de 1912 e 1949. Estas objetivavam a busca por melhores
condições de vida, a formação e fortalecimento de laços, bem como o desenvolvimento
de referenciais de comportamento. As sociedades de socorro mútuo iam além,
proporcionavam amparo aos pobres e desempregados, abrigo para mendigos, asilo para
órfãos entre outras inúmeras estratégias de sobrevivência.
Com estes objetivos, os imigrantes alemães, que chegaram à Colônia Erechim
em 1912, fundaram três sociedades. A primeira delas foi a "Deutscher Cabral", fundada
em 1914 que, posteriormente, recebeu o nome de Club Germânia. Possuía biblioteca,
campo para esporte, aparelhos de ginástica e cancha de bolão. A segunda chamava-se
Concórdia e se destinava à ginástica. A terceira denominava-se Waldesgruss e estava
voltada aos cantores. Em 1933 estas três associações se uniram e formaram a Sociedade
Alemã DeutscherVerin (G.W.C.).

80
TANNO, Janete Leiko. Clubes recreativos em cidades das regiões sudeste e sul: identidade,
sociabilidade e lazer (1889-1945), UNESP – FCLAs – CEDAP, v.7, n.1, p. 328-347, jun. 2011.
81
ZAMBONATTO, Aristides Agostinho. Os Meus Erechim. Editora São Cristovão, 2000. p. 173-174.
39

Figura 5 - Primeira sede da Sociedade Alemã Deutscher Verin (G.W.C.).


Fonte: Arquivo Histórico JuarezMiguel Illa Font

No dia 18 de abril de 1938, o governo promulgou o decreto lei 383, proibindo os


brasileiros natos ou naturalizados de pertencerem a clubes ou associações beneficentes
formadas por imigrantes. Para contornar esta situação, muitos nacionalizaram os nomes
das sociedades esportivas. A associação mudou de nome em virtude de exigências82 do
governo federal e passou a se chamar Sociedade Recreativa Cultural Caixeiral, aberto à
filiação de sócios de todas as nacionalidades. Insatisfeitos com a adesão de outras
etnias, a velha guarda da associação fundou, em 1954, um clube próprio: a sociedade
Cultural 25 de Julho 83, em homenagem aos primeiros colonos alemães que chegaram no
Brasil em 1824.
O 25 de julho possuía biblioteca, um grupo de teatro e, durante a administração
de Frederico Goldschimidt, adquiriu um aparelho de projeção cinematográfica. Com o
passar do tempo o número de sócios foi diminuindo, até que, em 1978, restaram apenas
sete, inviabilizando a manutenção e sustentabilidade do clube. O estatuto da associação
proibia a venda da sede ou do terreno, fazendo com que os sócios remanescentes

82
Durante o Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945) houve a Campanha de Nacionalização, onde um
conjunto de medidas visou minimizar as influências dos imigrantes que estavam no Brasil. Neste período
tornou-se obrigatório o ensino da língua portuguesa nas escolas, os estrangeiros foram proibidos de
praticar a língua materna em público, ruas e clubes tiveram seus nomes nacionalizados.
83
Essa denominação se refere ao desembarque dos pioneiros alemães da primeira leva cujo desembarque
se deu no dia 25 de Julho de 1924, nas margens do Rio dos Sinos, povoado de São Leopoldo.
40

decidissem, por unanimidade, doar o prédio à prefeitura, sob a condição de que o


mesmo permanece para fins culturais. A doação do terreno foi formalizada no dia 12 de
julho de 1978. Em 03 de maio de 1981, houve o lançamento da pedra fundamental e
iniciou-se a construção da nova sede de alvenaria do 25 de Julho. A nova sede do Centro
Cultural 25 de Julho, foi inaugurada no dia 30 de abril de 1983.

Figura 6- Primeira sede do 25 de julho


Fonte: Arquivo Histórico JuarezMiguel Illa Font

Com a finalidade de prestar assistencialismo aos compatriotas e seus


descendentes, os italianos formaram, em 20 de setembro de 1915, a Società Italiana de
Mutuo Soccorso XX de Setembro. Em dezembro de 1929, em homenagem ao aviador
italiano Carlo Del Prete, passou a se chamar Società Italiana de Mutuo Soccorso Carlo
Del Prete. Além do Clube do Comércio, tradicional clube social da cidade, fundado em
18 de março de 1935 durante reunião realizada na Società Italiana de Mutuo Soccorso
Carlo Del Prete.84

84
CHIAPARINI, Enori José et. al. Erechim: Retratos do Passado, Memórias no Presente. Erechim:
Graffoluz, 2012. p.173.
41

Na esteira da "campanha de nacionalização” a associação Società Italiana de


Mutuo Soccorso Carlo Del Preteso freu mais uma mudança de nome e tornou-se Clube
Esportivo e Recreativo Atlântico. Em 1954, com a instalação da cancha de bocha,
iniciou a fase de socialização e lazer. O local servia também para jogo de cartas, bailes e
outras atividades recreativas da comunidade. 85

Figura 7 - Primeira sede do clube Atlântico


Fonte: Arquivo Histórico JuarezMiguel Illa Font

Seguindo a mesma lógica, Os poloneses criaram, em 1931, seu espaço de


convivência. a Sociedade Polonesa Nikolaya Kopernica, a qual, como a alemã e a
italiana, também precisou mudar de nome por ordem do governo,

Obedecendo às determinações do decreto-lei que determina que sejam


nacionalizadas as associações estrangeiras, a sociedade polonesa "Nicolau
Copérnico", em reunião de assembleia geral realizada a 28 de outubro
próximo findo, resolveu mudar sua denominação para sociedade Rui
Barbosa.
A numerosa e benquista colônia polonesa desta cidade vem, assim, prestar
uma homenagem que sensibiliza a todos os brasileiros que sabem reverenciar
a memória dos grandes vultos, como Rui Barbosa, a "Águia de Haya", a
fundação cultural de nossa raça. 86

85
CHIAPARINI, Enori José et. al. Erechim: Retratos do Passado, Memórias no Presente. Erechim:
Graffoluz, 2012. p.170
86
Jornal A Voz da Serra, 11 de novembro de 1938, p.3.
42

A cidade contava ainda com o clube Ypiranga, fundado em 18 de agosto de


1924. Local de bailes tradicionais cedia espaço para a realização de programas de rádio,
para inspeção de saúde e escolha de rainha estudantil. E também com o Clube Brasil,
inaugurado em 19 de novembro de 1938, situado em Três Vendas, bairro industrial na
época, onde eram realizados festas e jogos de bocha e bolão.87 O clube Brasil, assim
como o Clube Ypiranga, não pertencia ou foi constituído por um grupo étnico
específico.
Estes ambientes, segundo Pereira88, não permitiam a presença de "homens e
mulheres de pele escura", embora esta normativa não estivesse explícita nos
regulamentos e estatutos de suas associações. Nas histórias de família de Dona
Margarete eram recorrentes os relatos de seus avós sobre a falta de liberdade em
frequentar determinados espaços da sociedade."Onde eles iriam se divertir? Eles não
podiam entrar nos clubes. Eles eram barrados"89. O que poderia ser feito? A partir desta
realidade buscaram auxilio e consolidaram um clube, um lugar para, juntamente com
seus filhos, formassem um espaço de sociabilidade formal onde pudessem
confraternizar com seus pares.

1.4 Um espaço para os negros

Como vimos, desde muito cedo, a sociedade erachinense se organizou em


associações de acordo com suas etnias, formando, desta maneira, clubes italianos,
alemães, poloneses entre outros. Assim como os demais grupos, a população negra
constituiu um espaço para confraternizar com "os seus", um espaço para lazer e cultura,
esportes e festas. Sentiam a necessidade de formar associações ou grupos onde
pudessem criar e estreitar laços.
O associativismo negro não é um fenômeno identificável somente no pós-
abolição. Mesmo durante o período da escravidão, os negros já procuravam formas de

87
ZAMBONATTO, Aristides Agostinho. Os Meus Erechim. Editora São Cristovão, 2000. p.180.
88
PEREIRA, Rodrigo Alves. A presença negra no município de Erechim: da colonização ao Esporte
Clube 13 de Maio. Erechim: URI, 2008. Monografia de conclusão de curso.
89
SILVA, Margarete Fátima da. Margarete Fátima da Silva: depoimento [2014]. Entrevistadores: Débora
Clasen de Paula e Fernanda Pomorski dos Santos. Erechim: UFFS, 2014. 1 CD sonoro. Entrevista
concedida ao Projeto A presença negra em Erechim (1908-1960).
43

estabelecer e fortalecer laços entre os seus. Inúmeros trabalhos acerca da escravidão no


Brasil refletem a organização dos escravos e libertos em associações, especialmente
irmandades, que conferiam a seus membros, espaços de autonomia e construção de
identidade. Reis 90 afirma que a irmandade representava um espaço de autonomia, no
qual seus membros constituíam significativas identidades sociais em um mundo
sufocante e incerto. Influenciadas ou não por estas irmandades, o fato é que no pós-
abolição muitos grêmios e/ou associações negras surgiram em todo Brasil. 91
A bibliografia clássica dos anos de 1950 interpretou as associações das
populações de origem africana como formas de organizações puramente recreativas,
destinadas a danças e de formação moral. Júlio Cesar da Rosa afirma que tais análises
apontavam estes grupos como homogêneos, "espaços “culturais e beneficentes”,
desprovidos da função da “arregimentação da raça”, e sim, “desvirtuando e virando
bailes”. Segundo Rosa, autores como Florestan Fernandes, Octavio Ianni e Clovis
Moura, viram nestas organizações espaços desvinculados de qualquer aspecto político,
destinadas apenas ao divertimento. No entanto, o caráter assistencial, a mobilidade
social alcançada por meio das associações e a visibilidade que esses espaços
possibilitaram, podem ser percebidas como estratégias que permitiram galgar certa
ascensão social em uma sociedade que os rejeitava de todas as formas. 92
Neste sentido, percebemos as agremiações como espaços não só de lazer e
diversão nos quais festas e bailes eram realizados. Existe a preocupação com melhores
condições de vida, alcançadas através do estudo e do trabalho qualificado. Visavam à
criação e o fortalecimento de laços e parcerias não apenas com membros da
comunidade, mas também com políticos e personalidades importantes, além da
preocupação com a educação e o trabalho na busca de melhores condições de vida. E,
sobretudo, a tentativa da quebra de estereótipos, objetivo percebido nas normas rígidas
de comportamento estabelecidas em seus estatutos e que deveriam ser seguidas tanto
dentro quanto fora das associações. Dessa maneira, podemos pensar na constituição
desse espaço como um lugar para estar “entre os seus pares”, onde era possível
reconhecerem-se como sujeitos, além da oportunidade de conviver com pessoas
preocupadas com as mesmas aspirações, tentando viver da melhor forma possível.

90
REIS, João José. Identidade e diversidade étnicas nas irmandades negras no tempo da escravidão.
Tempo, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 7-33, jun. 1997. p.10.
91
DOMINGUES, Petrônio. Uma história não contada: negro, racismo e branqueamento em São Paulo no
pós-abolição. São Paulo. Editora Senac São Paulo. 2004. p. 60
92
ROSA, J. C. Sociedades Recreativas E Associativismo Negro: Agremiações em Santa
Catarina No Pós-Abolição (1903-1950). Revista ABPN, v. 9, p. 223-248, 2017.
44

No Rio Grande do Sul, a formação destas associações aconteceu em grande


número. Loner93 traz importantes informações a respeito de Pelotas e Rio Grande ao
identificar a criação de uma rede associativa que objetivava apoiar os associados e
congregá-los entre iguais. Em Porto Alegre, a partir de 1870, os negros fundaram
associações recreativas e beneficentes com o objetivo de marcar espaços de lutas para
sua integração na sociedade. Só na capital foi identificada a fundação de 62 entidades
exclusivamente negra. Segundo Muller 94, a participação nestas associações trazia
dignidade e autoestima para seus integrantes, além de colaborar para afastá-los do
sentimento de inferioridade proporcionado pelo preconceito.
Autores como Andréa A. de Moraes Cândido Carvalho e Maria das Graças
Maria divergem quanto a algumas características das agremiações no tocante às normas
de conduta de seus integrantes. Carvalho trabalha com a ideia de assimilação. Para o
autor, as associações eram um espaço nos quais padrões comportamentais dominantes
eram assimilados e, frequentá-las, significava aceitar e incorporar os moldes impostos.
Absorver os padrões de comportamento tornou-se uma necessidade aos que carregavam
o peso da herança da escravidão.95Maria, em suas análises, discorda da ideia de
assimilação proposta por Carvalho. A autora compreende as normas de conduta como
estratégias de sobrevivência. As rígidas regras de comportamento visavam estabelecer a
integridade das sociedades recreativas e a de seus integrantes em relação ao restante da
sociedade; significava, portanto, uma forma de adaptação à intransigente comunidade
local96. Congregar estes valores da sociedade dominante significava garantia de alcançar
respeito e distinção nos espaços públicos e privados.
Neste aspecto aquiescemos com Maria e entendemos as normas rígidas de
comportamento estabelecidas nas agremiações, não como uma "assimilação", mas sim
como uma tática de sobrevivência utilizada na tentativa de ultrapassar barreiras
estabelecidas pela sociedade.

93
LONER, Beatriz Ana. Construção de classe: operários de Pelotas e Rio Grande (1888-1930). Pelotas,
RS: Universidade Federal de Pelotas. Editora Universitária: Unitrabalho, 2001. p. 266.
94
MÜLLER, Liane Susan. "As contas do meu rosário são balas de artilharia" - irmandade, jornal e
associações negras em Porto Alegre (1889-1920). 252 f. Dissertação (Mestrado em História) - Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1999.
95
CARVALHO, Andréa Aparecida de Moraes Cândido. Negros de Lages: memória e experiência de
afrodescendentes no planalto serrano. Monografia (Trabalho de conclusão de Curso em História) -
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Florianópolis, 2001. p. 61.
96
MARIA, Maria das Graças. Imagens invisíveis de Áfricas presentes: experiências das populações negras
no cotidiano da cidade de Florianópolis (1930-1940). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis, 1997. p. 52.
45

Em Erechim, se comparado aos demais municípios, a organização negra


aconteceu de forma tardia. Pereira 97 afirma que apenas em meados da década de 1940,
pouco antes da formação do Esporte Clube Treze de Maio, surgiu um espaço utilizado
para confraternização e reuniões de parte da população negra. Tratava-se do "Salão da
Sinhá Mariana", na pedreira da Prefeitura Municipal. Propriedade de Maria e Fabiano
dos Santos, o local era considerado "de respeito", "de família", no qual só se entrava
com convite e os convidados seguiam regras de convivência e conduta, que se
mostravam severas. Os bailes e matinês 98 eram frequentados por negros em sua grande
maioria, e as pessoas desconhecidas dos proprietários não participavam.
Além dos bailes, o "Salão da Sinhá Mariana" era famoso por seus pastéis. A
venda deste quitute atraia pessoas de diversas partes da cidade. Entretanto, as atividades
do Salão foram encerradas em 1953 devido a morte do proprietário. 99
Embora não existam mais informações sobre o "Salão da Sinhá Mariana",
entende-se que o espaço tratou-se de uma “primeira experiência” de agremiação. Local
de reunião, de base familiar, que apresentava regras rígidas de comportamento e
presença de maioria negra. Sem estatutos ou atas as únicas informações dobre o Salão
chegaram a partir dos relatos de pessoas que frequentaram as matines e demais
atividades realizadas no local.
Os primeiros passos do associativismo negro tinham sido dados. Percebemos
que algumas exigências impostas aos frequentadores do Salão da Sinhá Mariana se
estenderam aos sócios do Clube Treze de Maio, como veremos.

1.5 A criação do esporte clube treze de maio

Os registros em ata da primeira reunião deste grupo de pessoas abrem uma


pequena janela para vislumbrarmos as expectativas em relação à criação do Esporte
Clube Treze de Maio. Em uma noite típica de dezembro de 1949, reunidos na casa do
Sr. Arlindo da Silva, na Rua Porto Alegre, dez homens encontraram-se com a única

97
PEREIRA, Rodrigo Alves. A presença negra no município de Erechim: da colonização ao Esporte
Clube 13 de Maio. Erechim: URI, 2008. Monografia de conclusão de curso
98
Reunião social que se realiza na parte da tarde, baile que começa e termina cedo.
99
PEREIRA, Rodrigo Alves. A presença negra no município de Erechim: da colonização ao Esporte
Clube 13 de Maio. Erechim: URI, 2008. Monografia de conclusão de curso. p.49.
46

finalidade de fundar o Treze de Maio. Desejavam uma sociedade "sem finalidade


política ou subversiva", que trouxesse à classe operária um espaço de congregação.
Almejavam um espaço onde pudessem conviver com "os seus", no qual, juntamente
com seus filhos e filhas, encontrassem divertimento sadio e pudessem estabelecer laços.
Desta forma, parte da população negra do município criou, em 16 de dezembro
de 1949, o Esporte Clube Treze de Maio. Conforme a declaração de antigos sócios, o
espaço fez-se indispensável devido ao preconceito racial, que os impedia de frequentar
os demais ambientes de sociabilidade existentes no município. A sociedade mostrava-se
fechada para a população negra, fato que acontecia há gerações. Sem a possibilidade de
frequentar os clubes locais, pois eram barrados nas entradas, um grupo de negros foi em
busca da consolidação de um espaço onde pudessem se divertir com seus familiares. E a
partir desta necessidade fundaram o Esporte Clube Treze de Maio 100.

Figura 8 - Inauguração do Clube Treze de Maio na Rua Farrapos, provavelmente em1949.


Fonte: Arquivo Histórico Juarez Miguel Illa Font

A necessidade de criação de um clube para se divertir também é referida por


Fabrício Romani Gomes em Associativismo negro em Caxias do Sul. O autor faz

100
SILVA, Margarete Fátima da. Margarete Fátima da Silva: depoimento [2014]. Entrevistadores: Débora
Clasen de Paula e Fernanda Pomorski dos Santos. Erechim: UFFS, 2014. 1 CD sonoro. Entrevista
concedida ao Projeto A presença negra em Erechim (1908-1960).
47

algumas considerações sobre as primeiras organizações negras surgidas na cidade de


Caxias do Sul e, constata que lá, também, o preconceito racial foi um dos fatores
responsáveis pela formação dos primeiros clubes de negros. Segundo Gomes:

Percebe-se que a discriminação racial foi uma das motivações do grupo negro
em Caxias para a formação de associações. Dessa forma, em 12 de dezembro
de 1933, algumas mulheres negras da cidade se empenham na formação de
uma associação, de um clube, o Clube das Margaridas.101

Apesar de o autor tratar especificamente da cidade de Caxias, o tema de sua


pesquisa se aproxima do associativismo negro em Erechim em vários aspectos, e pode
ajudar na compreensão da realidade vivenciada pela comunidade negra da cidade. Da
mesma forma, também colabora na análise de sua relação com a sociedade. Como já
abordado, grande parte da população que colonizou Erechim é procedente das antigas
colônias, entre elas Caxias do Sul. Sendo assim, é possível estabelecer relações entre as
cidades de Erechim e Caxias e empregá-las na tentativa de compreender parte da
sociedade local.
De acordo com Gomes, em Caxias do Sul as associações negras surgiram um
pouco antes, ainda na década de 1930, quando fundados o Clube das Margaridas e o
Sport Clube Gaúcho, sendo que o Clube das Margaridas era só para as mulheres.
Em Erechim, este processo demorou um pouco mais. Como vimos, apenas no
ano de 1949 foi fundado oficialmente um clube de negros102 como forma de reunião de
um grupo, criando integração e vínculos entre os sócios e frequentadores. Neste espaço
foi possível estabelecer relações e fortalecer laços, buscando a oportunidade de
permanecerem "entre os seus", através do qual foi possível reconhecer a identidade do
grupo.
Sendo assim, Pereira afirma que o Esporte Clube Treze de Maio

[...] foi um clube social, recreativo e esportivo, como rezam os estatutos,


onde os negros, e não os brancos, é que davam as ordens. Numa sociedade
que, de modo geral, reserva para os negros os degraus inferiores da escala
social e, em consequência, associa-lhes valor, comportamentos, estereótipos
próprios de uma condição subalterna. Foi essa sociedade uma das maneiras

101
GOMES, Fabrício Romani. Sob a proteção da princesa e de São Benedito: identidade étnica,
associativismo e projetos num clube negro de Caxias do Sul (1934 -1988). 2008. 219 f. Dissertação
(Mestrado) –Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em História. p. 7.
102
Refere-se aqui a existência formal de um espaço com Estatuto, atas, registro junto a Prefeitura.
48

de perceber a condição do negro na sociedade brasileira em particular a


sociedade erechinense.103

Mas afinal, quem eram estas pessoas que, no fim da década de quarenta, uniram-
se com o objetivo de formar um Clube para os negros de Erechim? Existem
divergências nos documentos pesquisados. O Diário da Justiça informa que:

São sócios fundadores: Edmundo Palhano104 Sobrinho, casado, brasileiro,


funcionário público; Doravone Rodrigues dos Santos, casado, brasileiro,
tipógrafo; Antônio Lima, casado, brasileiro, carpinteiro; Arlindo da Silva,
casado, brasileiro, pedreiro; Osorio Alves Pereira, solteiro, brasileiro,
pedreiro; Doralicio da Silva Oliveira, casado, brasileiro, operário; João Maria
Alves Pereira, solteiro, brasileiro, pedreiro; José Claudio Villela, casado,
brasileiro, pedreiro; Pedro Albino Vianna, casado, brasileiro, mecânico;
Alberico Passos, casado, brasileiro, industriário; Antônio Mariano da Silva,
casado, brasileiro, operário.105

E ainda:

São Membros da diretoria atual: Presidente: Arlindo Silva.


Vice-Presidente: Antônio Mariano Silva.
1º Secretário: Doravone Rodrigues dos Santos.
2º Secretário: Antônio Lima.
1º Tesoureiro: Pedro Caetano.
2º Tesoureiro: Doralisio da Silva Oliveira.
Guarda esporte: Alberico Passos.
Orador oficial: José Claudio Vilella.106

Enquanto a ata da primeira reunião define:

Presidente de honra: Sr. Flory Lamaison Rosa


Presidente: Edmundo Palhano Sobrinho
Vice-presidente: Justino Alves dos Santos
1ºSecretário: Doravone Rodrigues
2º Secretário: Júlio Henrique da Silva
1° Tesoureiro: Arlindo da Silva
2° Tesoureiro: Pedro Oliveira
Parte Esportiva
Técnico: Alberico
Presidente e guarda esporte: José Vilela
Vice-presidente:
Antonio Mariano da Silva107.

103
PEREIRA, Rodrigo Alves. A presença negra no município de Erechim: da colonização ao Esporte
Clube 13 de Maio. Erechim: URI, 2008. Monografia de conclusão de curso. p.48
104
(N.E) Conhecido do grande público erexinense por Panela, foi fundador do CTG Heróis do Ibirapuitã e
do Clube Treze de Maio, além de figura atuante no carnaval de Erechim.
105
Diário da Justiça, (1949?). Acervo particular de Margarete Fátima da Silva.
106
Ibidem.
107
Ata da primeira reunião.
49

É possível que esta diferença nos nomes que compõe a diretoria aconteça devido
às datas de cada documento, sendo aceitável pensarmos em uma nova eleição. A ata da
primeira reunião estabelece uma diretoria provisória e um período de noventa dias para
nova votação em que seja eleita nova diretoria. No entanto, as pesquisas nos
documentos não fornecem o dia nem mês exato da publicação no Diário da Justiça, o
que nos impede de afirmar qual a diretoria vigente no ano de 1949.
As entrevistas de antigos sócios nos fornecem mais algumas informações sobre
estes primeiros passos da associação. Segundo Dario França foram 26 as pessoas
responsáveis pela constituição do Clube 108. Porém, oficialmente, os sócios fundadores
eram onze, todos homens e brasileiros. Percebemos, através deles, que os
frequentadores do Clube exerciam ocupações variadas, na maioria profissões autônomas
e de serviços braçais como pedreiros, carpinteiros e mecânicos. Também participavam
do Clube alguns operários e funcionários públicos, principalmente ligados à Prefeitura.
Entre os fundadores do Treze se destaca o nome de Edmundo Palhano Sobrinho.
Toda cidade possui figuras folclóricas, em Erechim, Palhano permanece na memória
dos antigos moradores como uma pessoa simples, festeira e com grande amor pelo
carnaval. Mais conhecido como “Panela” este alegretense fez parte do quadro da
Brigada Militar de Machadinho e Viadutos. Aos 30 anos mudou-se para Erechim e
passou a trabalhar como funcionário na secretaria de saúde. Além de colaborar na
formação do Treze, Panela fundou o CTG Heróis do Ibirapuitã. Sua ligação com o
grupo tradicionalista pode ter contribuído com algumas características do Clube, como
veremos.
A associação estava constituída e contava com Estatuto a ser seguido por seus
sócios. Este Estatuto era composto por três capítulos: Capítulo 1º - Do Clube e seus
afins - está dividido em 11 Artigos; Capítulo 2º - Dos sócios, suas categorias, seus
direitos e deveres, sua admissão e exclusão - também dividido em 11 Artigos; e Capítulo
3º- Da administração - Assembleia Geral- Diretoria e Conselho Consultivo- dividido em
28 Artigos109.
O primeiro endereço do Esporte Clube Treze de Maio foi a residência do casal
Silva, na Rua Porto Alegre. O segundo, no Bairro da Usina e o terceiro, e último, na
Avenida Farrapos. No dia 12 de agosto de 1965 foi lavrada a escritura de compra do

108
FRANÇA, Antônio Dario. Antônio Dario França: depoimento [2014]. Entrevistadores: Débora Clasen
de Paula e Aldori Nascimento da Silva. Erechim: UFFS, 2014. 1 CD sonoro. Entrevista concedida ao
Projeto A presença negra em Erechim (1908-1960).
109
Além dos Artigos que compõem o Estatuto mais um escrito à mão foi acrescentado posteriormente.
50

terreno onde se estabeleceu definitivamente. O lote urbano nº17 "A", localizado na Av.
Farrapos, esquina com Rua General Câmara, medindo 371,70 m², foi adquirido pelo
preço de CR$ 2.602 (dois mil seiscentos e dois cruzeiros).
Conforme assegura um dos entrevistados, o terreno para a construção da sede
definitiva foi fruto da doação de uma senhora110. Esta, ao doar o terreno, fez a exigência
de que o mesmo não fosse vendido e, se por ventura algum dia o clube viesse a fechar
as portas, o terreno seria doado a outra instituição. Segundo consta no Estatuto do
Clube, Artigo 6º: "[...] no caso de dissolução todo o montante de seus bens será
depositado em um instituto de beneficência." 111.
No entanto, ao buscarmos descobrir o nome da benfeitora do 13, verificamos ser
da prefeitura o terreno adquirido. Provavelmente, a referida senhora fez a doação do
dinheiro para a compra e não do terreno propriamente dito. E, infelizmente, seu nome
não consta na documentação nem sequer na memória dos antigos sócios.
A tão aguardada construção definitiva concretizou-se em um prédio 112 de
madeira com área de 153 m². Entre os documentos consultados há uma lista113
datilografada contendo a relação dos móveis e objetos existentes nas dependências do
Clube. Esta lista, contendo uma pequena quantidade de objetos, pode nos dar uma
noção dos elementos encontrados no espaço interno do Treze de Maio e do quanto
dispunham os sócios. Este inventário nos fornece uma ideia acerca da quantidade de
pessoas que frequentavam o Clube, não descartando a possibilidade de se conseguir
mais cadeiras e mesas emprestadas para as festas maiores.
Nos documentos disponíveis para a pesquisa não foi encontrada nem sequer uma
fotografia da frente do Clube, dispomos apenas de uma planta simples, sem muitos
detalhes da fachada.

110
O nome desta senhora não consta nas documentações do clube.
111
Estatuto Esporte Clube Treze de Maio. Capitulo 1º, Artigo 6º, p. 3.
112
Cf. anexo A.
113
Cf. anexo B.
51

Figura 9- Fachada principal do Esporte Clube Treze de Maio


Fonte: Arquivo Margarete

Os documentos deixados pelo Esporte Clube Treze de Maio são escassos e


incompletos. Para tentarmos vislumbrar parte de seu passado foi preciso atentar para os
pequenos detalhes, os "rastros" e "indícios" foram essenciais. Para tanto, foi primordial
lançarmos mão do paradigma indiciário de Carlo Ginzburg, que nos possibilitou fazer
alguns apontamentos a partir de detalhes sutis, "não necessariamente, só o que é típico
[...] vai levar a caracterização de um fenômeno ou de um processo [...] – o marginal, o
negligenciável – [...] constitui um caminho mais rico e produtivo, embora mais
114
acidentado [...].” Trabalhamos com resíduos de fontes que nos permitiram uma
aproximação com o vivido e nos forneceram informações acerca do Clube e de seus
associados.
A pesquisa possibilitou a elaboração de um quadro com alguns dos presidentes
do Clube e os anos em que estiveram na diretoria. Segundo o estatuto, todo terceiro
domingo de dezembro uma nova diretoria seria eleita, permanecendo no cargo durante o
ano seguinte. Os documentos disponíveis apontam:

114
TINEM, Nelci; BORGES, Lucia. Ginzburg e o paradigma indiciário. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE
HISTÓRIA, 22., 2003, João Pessoa. Anais do XXII Simpósio Nacional de História: História,
acontecimento e narrativa. João Pessoa: ANPUH, 2003. CD-ROM. p.5.
52

PRESIDENTE ANO
Edmundo Palhano Sobrinho 1949
Arlindo da Silva 1950
Edmundo Palhano Sobrinho 1955
Arsenio Tomas da Costa 1956
Ayr Bindé Salazar 1963
Nelson do Nascimento 1972
Arlindo da Silva 1973
Arlete da Silva 1981
Arlindo da Silva 1982
Arlindo da Silva 1992
Tabela 2 – Lista de presidentes do Clube

Entre a primeira reunião, no dia 16 de dezembro de 1949, e a compra do terreno


definitivo em 12 de agosto de 1965, passaram-se quase duas décadas. Este foi um
período de constante luta por espaço, visibilidade e respeito. A inabalável procura por
melhorias levou a três mudanças de endereço, demolições de prédios precários e
construções de novas edificações. Veremos, no capítulo 2, os esforços da comunidade
para a construção da sede própria.

1.6 "Um clube eminentemente brasileiro, para o bem da nacionalidade e o


progresso da pátria” 115

Embora o artigo 10º do Estatuto do Esporte Clube Treze de Maio afirme que
"Não se fará distinção de raças e nacionalidades para admissão de sócios” 116, na ata da
primeira reunião, nas primeiras linhas, fica evidente a quem estava destinado o Treze,
pois, tinha a "finalidade exclusiva de congregar o operariado de COR"117.
Constatamos, por meio das entrevistas, nos primeiros anos a existência de uma
oposição em aceitar sócios "brancos". No início da associação, somente os negros
entravam. Esta prática permaneceu durante os anos sessenta, pois, algumas pessoas da
115
(N.E) Trecho retirado do Estatuto, diz muito sobre a preocupação em apresentar-se como um clube "de
bem".
116
Estatuto Esporte Clube Treze de Maio, Capítulo 1°, Artigo 10º, p.4.
117
Ata da primeira reunião.
53

geração formadora do clube demonstravam ainda certo "rancor" em relação à postura


racista que os impedia de entrar em determinados estabelecimentos da cidade. O
preconceito por eles sofrido foi um dos fatores que direcionou a escolha dos sócios do
Treze de Maio, optando por aceitarem apenas pessoas negras como sócias. Com o
passar do tempo essa exigência foi deixada de lado. No final da década de 1970 a
conduta dos sócios já havia mudado, outras famílias começaram a frequentar o clube,
que passou a aceitar sócios de variadas etnias. 118
Nos primeiros anos o Clube se dedicava à prática do futebol, aos bailes e às
festas que o tornaram conhecido na cidade. No entanto, tinha finalidades que iam além
de proporcionar um espaço de sociabilidade. Era por meio dele que parte da população
negra de Erechim, a partir dos laços formados, encontrava espaço para enfrentar a
segregação racial, o que também acontecia em outros clubes, como o Gaúcho fundado
em 1934, na cidade de Caxias, no qual

[...] o relacionamento dentro do grupo étnico negro auxilia na identificação


dos problemas comuns, enfrentados muitas vezes no dia a dia pelos seus
integrantes. Unidos os negros tem força para suportar e enfrentar práticas
racistas e segregacionistas [...]. "119

Embora conhecido na cidade como pertencendo aos negros, com registro em ata
estabelecendo que estava destinado as pessoas "de cor", em momento algum o Estatuto
do Esporte Clube Treze de Maio faz referência às restrições quanto a presença de
brancos no Clube. Para ajudar a compreender essa situação é possível fazer uma
comparação com o Clube Gaúcho. Segundo Gomes:

Em nenhum momento, em seus estatutos, existe algum artigo que diga que o
clube é de negros ou que só pode ser freqüentado por negros. A existência de
um artigo nos estatutos do clube, dizendo que esse se destinava somente aos
negros, poderia impedir sua existência. Se isso ficasse exposto, o clube
poderia ser visto como uma organização do movimento negro, por exemplo,
o que não era permitido. Sendo assim, durante os seus primeiros anos de
existência, dizer que o Clube Gaúcho era um clube de negros poderia
acarretar o seu fechamento.120

118
SILVA, Margarete Fátima da. Margarete Fátima da Silva: depoimento [2014]. Entrevistadores: Débora
Clasen de Paula e Fernanda Pomorski dos Santos. Erechim: UFFS, 2014. 1 CD sonoro. Entrevista
concedida ao Projeto A presença negra em Erechim (1908-1960).
119
GOMES, Fabrício Romani. Sob a proteção da princesa e de São Benedito: identidade étnica,
associativismo e projetos num clube negro de Caxias do Sul (1934 -1988). 2008. 219 f. Dissertação
(Mestrado) –Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em História p. 70.
120
GOMES, Fabrício Romani. Sob a proteção da princesa e de São Benedito: identidade étnica,
associativismo e projetos num clube negro de Caxias do Sul (1934 -1988). 2008. 219 f. Dissertação
(Mestrado) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em História. p.113.
54

Desta forma, declarar-se exclusivo para os negros poderia acarretar problemas


para esta associação erechinense. Talvez, a situação fosse ainda mais complexa, pois
também é possível que a ausência de um artigo declarando que apenas os negros
frequentassem o Clube abrisse uma brecha para que brancos pudessem se associar. Não
barrar por completo a presença de brancos poderia ser uma questão estratégica. Permitir
a entrada e a associação de pessoas que pudessem, de alguma forma, conferir maior
prestígio ou benefícios ao Clube Treze de Maio não parece algo absurdo visto que
acontecia em outros clubes, como no clube Cruzeiro do Sul, fundado na cidade de Novo
Hamburgo. Magalhães afirma:

A seleção dos participantes brancos evidencia a percepção dos integrantes do


Cruzeiro sobre a relevância dos contatos e das relações políticas entre a
associação e as autoridades locais. Estabelecer parcerias e alianças com
personalidades locais era uma das estratégias adotadas pelas organizações de
negros [...].121

Há também a possibilidade da existência de casamentos mistos entre os sócios.


Desta forma, a restrição completa da entrada de brancos no Clube não se torna viável,
pois restringiria a participação de prováveis sócios.
Em relação ao Clube Treze de Maio, existe ainda uma particularidade quanto a
presença ou não de brancos. Edmundo Palhano Sobrinho, um dos sócios fundadores do
Clube, não era negro, o que, provavelmente, é um dos motivos para a aceitação de
alguns brancos no Clube.
Um aspecto importante no primeiro capítulo do Estatuto trata-se da declaração
de que o clube era uma sociedade "eminentemente brasileira", alheia às lutas políticas e
religiosas, dispondo-se a fazer tudo para o "progresso" e o "bem da pátria".122 Percebe-
se aqui a necessidade de mostrar a existência do sentimento de nacionalismo entre os
sócios. Este mesmo anseio é referido por Gomes ao analisar o clube Gaúcho de Caxias.
Segundo o autor, a escolha do nome tinha como objetivo demonstrar o orgulho em ser
gaúcho, orgulho em ser brasileiro. Orgulho que os demais habitantes da região não
sentiam, pois se consideravam italianos;123 "o orgulho de ser gaúcho e brasileiro,

121
SILVA, Joselina. A união dos homens de cor: aspectos do movimento negro dos
anos 40 e 50. Estudos afro-brasileiros, n.2, p.215-235, 2003. p.219.
122
Estatuto do Esporte Clube Treze de Maio. Capítulo 1º, artigo 10º. p. 4.
123
GOMES, Fabrício Romani. Sob a proteção da princesa e de São Benedito: identidade étnica,
associativismo e projetos num clube negro de Caxias do Sul (1934 -1988). 2008. 219 f. Dissertação
(Mestrado) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em História. p.72.
55

durante a década de 1930, contrastava com o sentimento de italianidade em Caxias.” 124


Ainda segundo o autor, os negros de Caxias estavam tentando afirmar seu
pertencimento ao Rio Grande do Sul e, desta forma, ao Brasil.
Talvez seja possível fazer esta mesma afirmação para o Clube Treze de Maio.
Ao expor em seu Estatuto a brasilidade de sua associação os integrantes manifestaram
seu desejo de pertencimento ao país. Após um período de brasilidade, fortalecido por
programas do Estado Novo de Vargas (1937-1945), o gauchismo começa a ganhar
força. Aderir a estes dois movimentos pode ter sido uma das maneiras encontradas pelo
grupo para incorporar a cultura negra na cidade de Erechim, pois se declarando
brasileiros, declaravam, também, brasileira sua cultura. O gauchismo, por sua vez,
ocupava espaço importante no Treze, pois um de seus fundadores, como observamos,
também fez parte da criação de um CTG.

Ao analisarmos o Estatuto constatamos a preocupação com a conduta dos


futuros sócios. No Capítulo 2º - Dos sócios, suas categorias, seus direitos e deveres, sua
admissão e exclusão - é interessante considerarmos o Artigo 16º, no qual estão
estipulados os deveres dos sócios:

c) - ter vida operosa e de cidadão honesto;


d) - defender a honra e a fama do Club e dos sócios;
e) - sustentar a instituição social na sua integridade, servindo-se dos meios
civis, sem prática de atos de violência, contrárias a boa educação e proibidas
por lei;
f) - respeitar todos os sócios que se acham no desempenho dos cargos
diretivos do Club;
g) - não promover escândalos e nem discutir assuntos que não se relacionem
com os tratados nas reuniões do Club. 125

Em geral, o Estatuto de um clube é o instrumento que materializa e dá


personalidade a ele. É, portanto, o documento que serve para estruturar e disciplinar o
funcionamento do clube e no qual estão estipuladas as funções dos membros diretoria e
os direitos e deveres de cada associado. As obrigações dos sócios do Treze de Maio
estavam relacionadas, sobretudo, às questões de comportamento. Fica evidente na
seleção de sócios a exclusão de qualquer um com má conduta, ou seja, o clube não era
para todos, fossem negros ou não, havia critérios claros a serem observados. O Treze de

124
Ibidem.
125
Estatuto do Esporte Clube Treze de Maio. Capítulo 2º, artigo 16º. p. 5.
56

Maio era um Clube de "honestos" e de "vida operosa", para os que respeitavam os


demais sócios, demonstravam boa educação e não promoviam a desordem. 126
Segundo Gomes, essa atitude pode ser analisada como "parte de um projeto que
busca construir uma identidade valorativa, que afaste os estereótipos negativos do grupo
étnico negro associado ao clube. Assim, o grupo procura ser identificado com aqueles
que andam direito”.127
A preocupação com o trabalho também é percebida no clube Cruzeiro de Novo
Hamburgo, onde, assim como no Treze de Maio, era importante ter uma "vida operosa".
Quanto a importância do trabalho para os sócios do Cruzeiro, Magalhães afirma:

[...] Em um primeiro momento, percebemos a importância de ser trabalhador.


Tal quesito possivelmente estivesse relacionado ao discurso de valorização
do povo ordeiro e trabalhador propagado na cidade de Novo Hamburgo.
Além de opor-se à marca do negro indolente, preguiçoso e desordeiro, o ser
trabalhador sintonizava-se com o discurso local. Ao mesmo tempo, marcava
a contribuição negra para a prosperidade da cidade ordeira e laboriosa.128

Por meio do trabalho, os negros buscaram fugir da imagem pejorativa que lhes
era atribuída, procuraram valorizar o grupo. Além do trabalho, outras cobranças foram
feitas, todas com o objetivo de manter a boa imagem do Clube. Alguns entrevistados
relatam a rigidez das regras de comportamento exigidas pelos sócios,

Eles lá brincavam tudo, mas dentro dos seus limites. Eu digo assim porque a
mãe sempre disse que quem não tinha um comportamento adequado né, o
adequado era beber, era sei lá enfim, tu olhar para o vizinho do lado, essas
coisas assim. Não ter um comportamento moral, dentro do clube, adequado,
era convidado a se retirar de dentro do clube. 129

Esta prática foi comum em outros clubes negros. Em Pelotas, o clube Fica Aí Pra
Ir Dizendo seguia um estatuto severo quanto às normas de conduta. Beatriz Loner
afirma que em relação às normas de conduta o clube pelotense:

126
SANTOS, Fernanda Pomorski dos. Esporte Clube Treze De Maio: O Associativismo Negro Em
Erechim. 2014. TCC (Graduação) - Curso de História, Universidade Federal da Fronteira Sul, Erechim,
2014.
127
GOMES, Fabrício Romani. Sob a proteção da princesa e de São Benedito: identidade étnica,
associativismo e projetos num clube negro de Caxias do Sul (1934 -1988). 2008. 219 f. Dissertação
(Mestrado) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em História. p.114
128
MAGALHÃES, Magna Lima. Entre a preteza e a brancura brilha o Cruzeiro do Sul: associativismo e
identidade negra em uma localidade teutobrasileira (Novo Hamburgo/RS) 2010. 219 f. Tese (Doutorado
em História) – Unisinos, São Leopoldo-RS p.145.
129
SILVA, Margarete Fátima da. Margarete Fátima da Silva: depoimento [2014]. Entrevistadores: Débora
Clasen de Paula e Fernanda Pomorski dos Santos. Erechim: UFFS, 2014. 1 CD sonoro. Entrevista
concedida ao Projeto A presença negra em Erechim (1908-1960).
57

conta com uma estrita vigilância por parte da diretoria sobre a moral e o
comportamento de seus membros, especialmente sobre o sexo feminino,
mantendo uma acesa e feroz discriminação contra aqueles que não aceitavam
suas imposições de moral e de costumes. Sua influência ia muito além do
estreito espaço de sua sede, imiscuindo-se na vida privada de seus sócios,
ditando regras e comportamentos a serem seguidos em todas as
circunstâncias da vida, inclusive em termos de amizades e companhias a
serem evitadas. 130

No Artigo 19º do Estatuto do Treze fica evidente a preocupação com quem tinha
a intenção de se tornar sócio. Este "candidato" precisava ter mais de 15 anos e
apresentar sua proposta à diretoria por intermédio de um sócio. Desta forma, uma rede
de confiança era estabelecida desde o início; ao apresentar um aspirante o sócio atestava
a boa conduta e, de certa maneira, se tornava responsável por ele. Na proposta
apresentada constava nome e sobrenome, profissão, nacionalidade, residência e estado
civil. A indicação era analisada pela diretoria e, se aceita, comunicada ao candidato. 131
Na documentação disponível para pesquisa foi possível encontrar uma lista com
os nomes dos "futuros sócios" do Clube. Esta lista, datilografada, é composta por 35
nomes, sendo dois deles policiais militares (os únicos que têm a profissão ao lado do
nome).
O cuidado com a escolha dos sócios também esteve presente em outros clubes
negros do Rio Grande do Sul. Ao analisar o clube Gaúcho, Gomes afirma:

a seleção de sócios feita pelo clube, pretende afastar dele os “desordeiros”, os


“sem educação”, que confirmariam os estereótipos atribuídos aos negros. O
clube não é para todos os negros, há uma seleção entre eles. [...] Com isso,
aqueles que queriam se associar ao clube, deveria apresentar uma proposta
que seria aprovada, ou não, pela diretoria.132

Entretanto, mesmo com o cuidado demonstrado nos estatutos, em algumas


ocasiões determinados associados não satisfizeram as expectativas da diretoria,
comportando-se de forma considerada inadequada para os padrões da associação. A
solução encontrada para resolver estas questões foi a expulsão do sócio, ancorada pelo
Estatuto. Este determinava também que o sócio expulso do Clube teria direito a
apelação, "Ao sócio eliminado é facultado o direito de apelação, para a Geral, dentro

130
LONER, Beatriz Ana. Classe, etnia e moralidade: estudo de clubes negros. In: SIMPÓSIO
NACIONAL DE HISTÓRIA, 23., 2005, Londrina. Anais do XXIII Simpósio Nacional de História –
História: guerra e paz. Londrina: ANPUH, 2005. CD-ROM. p.4.
131
Estatuto do Esporte Clube Treze de Maio. Capítulo 2º, artigo 19º. p. 6
132
GOMES, Fabrício Romani. Sob a proteção da princesa e de São Benedito: identidade étnica,
associativismo e projetos num clube negro de Caxias do Sul (1934 -1988). 2008. 219 f. Dissertação
(Mestrado) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em História. p. 114
58

do prazo máximo de vinte dias contado da data da comunicação, desde que apresente a
diretoria um requerimento subscrito por vinte sócios, no mínimo, inclusive o
eliminado."133 Desta forma, ao abrir a possibilidade de apelação por parte do sócio, este
precisava contar com o apoio de parte dos associados, uma vez que estabelecia um
mínimo de 20 sócios respaldando seu retorno.
Um exemplo de caso que resultou em expulsão é relatado na Ata de uma das
reuniões da Ala Feminina do dia 20 de setembro de 1961. Veremos esse caso com mais
detalhes no capítulo seguinte.
Por meio dos bailes e do futebol, como veremos, o clube ganhou maior espaço
no jornal local e tolerância por parte da população da cidade. O cuidado com as
vestimentas, com o comportamento dos rapazes e, sobretudo, das moças, trouxeram
para os sócios do clube uma nova imagem, diferente daquela estereotipada atribuída
pela segregação e racismo local.

133
Estatuto do Esporte Clube Treze de Maio. Capítulo 2º, artigo 21º. p. 6.
59

2 CONQUISTANDO ESPAÇOS DE VISIBILIDADE E FORMAÇÃO


DE REDES SOCIAIS

A invisibilidade do negro, presente na produção historiográfica local, também é


percebida nos meios de comunicação escrita do período. Ao analisar os exemplares do
jornal local A Voz da Serra, percebe-se a referência ao negro em poucos momentos.
Embora o jornal traga colunas que tratavam da questão do racismo nos Estados Unidos,
nada é mencionado em relação ao município ou até mesmo ao estado. A população
negra de Erechim é pouco representada na imprensa escrita local - Revista Erechim e
Jornal A Voz da Serra, ambas pertencentes à família Carraro -, o que provavelmente
reflete sua situação na sociedade como um todo.
Por receber grande parte de imigrantes europeus durante sua colonização,
Erechim tornou-se uma cidade onde a população é predominante branca. Pereira 134 faz
uma análise embasada em Piran e defende que a população de imigrantes procurou, por
questão de garantias futuras, demonstrar superioridade, impor sua cultura e segregar o
negro, o caboclo e o índio, que já habitavam as terras do norte gaúcho. Afinal, esses
grupos representavam uma ameaça ao seu sustento e conforto.135 Os imigrantes e seus
descendentes acreditam que fizeram parte de um processo civilizador. Por isto, sempre
demonstraram segregação contra os povos originários, aos escravizados e suas gerações
futuras; aos mestiços, em especial aos caboclos da região norte. No geral, a nominação
genérica de “brasileiro” indicava todos aqueles que consideravam “desclassificados”.
No entanto, durante os anos de 1950 até 1980, período que abrange o auge do
Esporte Clube Treze de Maio, a população negra de Erechim conquistou um pequeno,
mas importante espaço na imprensa local. A partir das matérias publicadas podemos
acompanhar um pouco dos acontecimentos da associação. Percebemos diferentes épocas
e momentos na trajetória do Esporte Clube Treze de Maio nas notícias que encontraram
espaço no jornal local. Decompomos estas "etapas” em três, sendo a primeira tratada
como "do futebol", pois até novembro de 1951 as únicas citações referentes ao clube
estavam ligadas ao futebol de várzea. Classificamos a segunda etapa como a "das
festas", de dezembro de 1951 até 1954. Neste momento o Clube encontrou espaço nos
jornais através da divulgação das festas que realizava e que eram "famosas" na
134
PEREIRA, Rodrigo Alves. A presença negra no município de Erechim: da colonização ao Esporte
Clube 13 de Maio. Erechim: URI, 2008. Monografia de conclusão de curso
135
Ibid., p.34.
60

cidade136. E, finalmente, a terceira etapa, a construção da sede, em 1955 e 1956, ganhou


destaque. Após este período as notícias eram cada vez mais escassas, até cessarem por
completo.137
Portanto, alguns momentos e/ou atividades deram destaque positivo ao Clube e
permitiram que fosse visto, juntamente com seus associados, por meio das páginas da
imprensa local. O Futebol, a elegância e beleza da mulher negra, os bailes
cuidadosamente ornamentados trouxeram relevância aos associados. Também veremos
os laços criados na tentativa de valorização do grupo. Estes são os principais pontos
abordados no próximo capítulo.

2.1 Através da construção da nova sede... A busca por parcerias e


reivindicações

Podemos acompanhar, a partir do jornal local, os esforços da comunidade para a


construção do prédio destinado ao Clube. Além dos empenhos coletivos da comunidade,
percebemos a chamada para doações e apelos políticos, estes nem sempre atendidos.
Uma das manchetes do ano 1955 apontava: "Reina grande entusiasmo entre os
associados do Clube 13 de Maio, para a construção da sua sede própria [...]"138.
Intitulada "Sede para o 13 de Maio", a primeira nota sobre a construção do
Clube classifica como "elogiável" a iniciativa de Edmundo Palhano Sobrinho, então
presidente da associação. Aponta a existência de uma lista para adesões para o
"erguimento da sede própria", além de informar o recebimento de madeira para a
construção do imóvel139.
Os esforços na arrecadação de doações para construção da sede teve resultados
positivos. Madeireiros de Campinas, Erebango, Jacutinga e Quatro Irmãos tornam-se
colaboradores através da concessão de madeira para a edificação do Clube.
Representantes da imprensa, industriários e políticos locais foram acionados e
chamados a participar da associação, na tentativa de aumentar a importância do clube

136
Os entrevistados afirmam que as festas realizadas no clube eram famosas na cidade.
137
SANTOS, Fernanda Pomorski dos. Esporte Clube Treze De Maio: O Associativismo Negro Em
Erechim. 2014. TCC (Graduação) - Curso de História, Universidade Federal da Fronteira Sul, Erechim,
2014.
138
SEDE para o 13 de Maio. Jornal A voz da Serra, Erechim, p. 2, 13 de jan 1955.
139
Jornal A Voz da Serra, 13 de janeiro de 1955, nº 43 p.2
61

aos olhos da comunidade e aumentar sua rede de relações. Estevam Carraro140, José
Mandelli Filho 141, Ângelo Emilio Grando, João A. Franklin da Silva, Fausto
Demoliner 142, Benevenuto Faccin, Euclides Tramontini143, Santos S. dos Santos e
Salvador Donida passaram a ser considerados sócios beneméritos da entidade 144.
Esta situação também é verificada no clube Gaúcho de Caxias do Sul. Gomes
afirma que "os integrantes do clube conseguiram aumentar sua rede de relações. Esse
relacionamento com os políticos locais propiciou um aumento no status do grupo, que
em diversas ocasiões assumiu as negociações com esses políticos."145 Ao aproximar-se
de políticos, jornalistas, radialistas, comerciários e industriários, o Clube e seus
dirigentes aumentaram o seu prestígio e conseguiram um pouco de visibilidade na
sociedade.
Os dirigentes do Clube também tentaram auxílio com o governo do Estado,
durante a administração de Ernesto Dornelles146. Em 1955, após solicitar auxílio
financeiro, a secretaria do clube recebeu uma correspondência de Leonel Brizzola, então
Secretário das obras públicas, informando credito de Cr$ 30.000,00 (trinta mil
cruzeiros) da verba do plano de obras.147 No entanto, o dinheiro não chegou e, com a
troca de governo, outra correspondência foi enviada, desta vez direcionada a Estevam
Carraro, do jornal A Voz da Serra. O telegrama acabou com as esperanças da diretoria
do Clube Treze de Maio.
Adail Morais, Secretário do Governo, pediu a Estevam o favor de informar ao
presidente do Treze a negativa do Tribunal de Contas em relação ao auxilio prometido
ao clube148. Edmundo Palhano Sobrinho demonstrou grande descontentamento pela
"demagogia manifesta no governo trabalhista" e deu "graças aos céus" por este ter
acabado149.
A notícia da quebra da promessa ganhou destaque no exemplar de 21 de abril de
1955, saindo na primeira página da edição. A ênfase pode ser entendida uma vez que,
como referiu o próprio jornal, Estevam Carraro, seu proprietário, era sócio benemérito

140
Proprietário do jornal A Voz da Serra.
141
Tabelião e Prefeito eleito de Erechim entre 1960-1963.
142
Industrial de Erechim.
143
Radialista na Rádio Erechim.
144
Jornal A Voz da Serra, 29 de março de 1955, nº 88, p.4
145
GOMES p.137
146
Ernesto Dornelles foi Interventor Federal no Rio Grande do sul entre os anos de 1943-1945;
Governado- pelo PTB- eleito em Sufrágio Universal entre 1951- 1955.
147
Jornal A Voz da Serra, 21 de abril de 1955, nº 100 p.1
148
Jornal A Voz da Serra, 21 de abril de 1955, nº 100, p.1
149
Jornal A Voz da Serra, 21 de abril de 1955, nº 100, p.1
62

do Clube. O que nos ajuda a entender o espaço concedido ao Clube nas páginas do
Jornal. A matéria gerou grande repercussão, podemos entender este espaço de destaque
através do viés político. É possível pensá-la como um ataque direto, no qual jornal e
governo assumem posições político/partidárias opostas e, desta maneira, a primeira
página tem a intenção de atingir o governo, mesmo que chegando apenas ao eleitorado
local.
Sem desistir de seus objetivos, Panela continuou com suas investidas fazendo
campanhas no jornal e recordando a quebra da promessa de auxilio por parte do
governo. Atirou-se de corpo e alma na busca por parcerias e donativos.
Desta vez, apelou ao "bom povo erechinense". Solicitou a colaboração com o
que fosse possível para que a sede se concretizasse. O Presidente do Clube apontou os
sócios trabalhadores humildes, sem recursos financeiros, para erguer o local "onde farão
seu ambiente social". Afinal, "os homens responsáveis por erguer o país" merecem a
ajuda das "classes abastadas” 150. Percebemos a intenção de mostrar os sócios do Clube
como homens de valor, "trabalhadores que constroem a grandeza do país". O presidente
do Clube procurou positivar a imagem dos sócios através dos adjetivos utilizados.
Após intensa campanha para arrecadar fundos e algumas frustrações, finalmente
o clube consegue o dinheiro necessário e, no dia 13 de maio de 1956, inaugurou sua
nova sede. A solenidade contou com a presença de autoridades políticas e militares.
Edmundo Palhano, um dos grandes responsáveis por elevar a associação, deixou a
presidência no mesmo dia, lamentando ser, por muitos, incompreendido.151
Nas notícias divulgadas no jornal entre os anos de 1955 e 1956, relacionadas a
construção da sede do clube, é possível perceber o quão árdua foi esta etapa, e quais
elementos foram acionados para dar destaque à importância da sede a seus associados e
à comunidade em geral. Em quase todos os textos pode-se notar a tentativa de
evidenciar o trabalho, mostrando os sócios como fazendo parte do operariado humilde
da cidade. Esta valorização do trabalhador se faz presente em trechos como: " o clube
operário por excelência"152, "o 13 de Maio é uma entidade essencialmente operária [...].
Os operários são heróis anônimos" 153. Fazendo a relação entre o sócio do Clube e o
trabalhador humilde que impulsiona o país, Edmundo Palhano Sobrinho procurou
positivar a imagem das pessoas ligadas ao Clube perante os leitores do jornal.

150
Jornal A Voz da Serra, 24 de junho de 1955, nº 137, p.1
151
Jornal A Voz da Serra, 18 de abril de 1956, nº 115, p.4
152
Jornal A Voz da Serra, 21 de abril de 1955, nº 100, p.1
153
Jornal A Voz da Serra, 24 de junho de 1955, nº 137, p.4
63

Pessoas influentes intercederam e tornaram viável a construção da sede. Por


meio das matérias publicadas e, sobretudo, das parcerias estabelecidas com indivíduos
respeitáveis buscaram melhores condições para o Clube e os seus. Ligar-se a
empresários, radialistas, industriários, políticos, entre outros, possibilitou alcançarem
melhorias financeiras para a instituição. E, embora as fontes não apontem, é possível
pensarmos a extensão destes laços para além das paredes do Treze, abrindo novas
possibilidades individuais para os associados e para os beneméritos, pois se vive no
auge do populismo de centro e de direita, onde relações com as massas são importantes
para garantir votos nas eleições. Podemos analisar a formação destes vínculos como
estratégias cotidianas na busca por melhores condições sociais.
.

2.2 O futebol

Nesta seção, apresentamos um dos espaços em que os sócios obtiveram


destaque, o futebol. No jornal, foi possível encontrar alguns registros dos jogos entre
"morenos e brancos". A visibilidade que o negro possui nesta área torna-se uma maneira
de legitimar determinadas posições deste sujeito. Nestes espaços lhes é possibilitado ser
"melhor". Sansone154 aponta, em seus estudos, a presença de áreas leves e pesadas no
que diz respeito à convivência de negros, brancos e mestiços. Nesta perspectiva, quanto
mais brancos os espaços, mais difícil o acesso para a população negra. "As áreas leves
das relações sociais são todos os espaços em que ser negro não constitui empecilho e,
em certas ocasiões, pode até trazer prestígio” 155. Percebemos, em Erechim, a existência
destas "áreas leves", onde os conflitos são deixados de lado. Embora, possamos notar
tentativas de minimizar sua presença.
O futebol chegou ao Brasil no final do século XIX e se configurava um esporte
de elite. Aos negros era proibida a participação como atletas ou sócios. O mesmo
ocorria nas cidades pequenas, tendo em vista que os jogos e torneios aconteciam nas
associações voltadas à população abastada.156

154
SANSONE, Livio. Negritude sem etnicidade: o local e o global nas relações raciais na produção
cultural negra do Brasil. Salvador: Edufba; Pallas. 2004.
155
SANSONE, Livio. Negritude sem etnicidade: o local e o global nas relações raciais na produção
cultural negra do Brasil. Salvador: Edufba; Pallas. 2004. p.80.
156
WESCHENFELDER, Viviane Inês. Processo de (in) visibilidade do sujeito negro: o jornal de
Venâncio Aires /RS em questão. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2015.
64

A inserção do negro no futebol brasileiro refletia os conflitos raciais do século


XX. Segundo Mackedanz157, as tentativas de barrar os jogadores negros nos clubes
ocorreram em diversos estados do Brasil. Entretanto, o Rio Grande do Sul apresentava
uma particularidade em relação aos outros estados: as ligas negras. Em Pelotas, existiu a
Liga José do Patrocínio e, em Rio Grande, a Liga Rio Branco, todas exclusivas para
atletas negros e com auge nos anos 1920. O racismo presente na sociedade erechinense
também é visível através dos times de futebol, refletindo a conjuntura nacional.
Muitos clubes negros buscaram interagir nas sociedades em que estavam
inseridos por meio da prática do futebol. Com o Treze de Maio não foi diferente. Já em
seu Estatuto ficava clara a importância do futebol. No Capítulo 1º - Do Clube e seus
afins - estavam, além da definição do nome do Clube e a localização na cidade de
Erechim, algumas das finalidades do clube, entre elas, "tem por fim a prática de todos
os esportes, especialmente o futebol. Promover reuniões sociais em sua sede e todos os
divertimentos lícitos entre os sócios e suas famílias."158

157
MACKEDANZ, Christian Ferreira. Racismo “nas quatro linhas”: os negros e as ligas de futebol em
Pelotas (1901-1930). 2016. 140 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de História, Instituto de Ciências
Humanas, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2016. p.91
158
Estatuto do Esporte Clube Treze de Maio. Capítulo 1º, artigo 2º. p. 3.
65

Figura 10 - Time de futebol do Treze da esq. p/ dir.: podemos identificar o presidente do clube, Sr.
Arlindo da Silva e ao seu lado, o Sr. João Maria Alves Pereira. Ano: 1952/1953.
Fonte: Arquivo Histórico Juarez Miguel Illa Font.

A pesquisa nos exemplares do Jornal A Voz da Serra, considerando os


acontecimentos a partir de 1951159, mostrou a conquista de espaço, obtida a partir do
futebol, na imprensa local. A página de esporte geralmente dedicava algumas linhas para
o "futebol de várzea", trazendo informações sobre o campeonato local. Nas raras vezes
em que a população negra foi mencionada na imprensa, durante o período pesquisado,
se deu nas colunas de esportes, mais precisamente nas notícias de campeonatos de
várzea, nas quais encontraram espaço e eram denominados "morenos" ou "mulatinhos",
como pode ser visto em uma notícia sobre uma partida do campeonato: "Agradou
bastante o encontro entre Brancos e Morenos, realizado domingo último, em que os
Morenos levaram vantagem de 3 a 0. [...] os Brancos solicitaram revanche a seus
160
adversários. Esta foi aceita pelos "mulatinhos" .
A escolha dos termos "morenos" e "mulatinhos" chama a atenção tendo em vista
a imprecisão no emprego dos termos, utilizados de maneira intercambiável, tornando
possível considerar a preocupação em não destacar a negritude do grupo.

159
Não há exemplares do jornal referentes aos anos de 1949 e 1950 no acervo do Arquivo Municipal
Juarez Miguel Illa Font.
160
NOVA partida entre brancos e morenos domingo na baixada. Jornal A Voz Da Serra, Erechim, p. 4, 10
ago 1951.
66

Conforme Sansone161, as redes sociais urbanas são complexas, formando um


sistema "fluido", em que as regras estão sempre mudando. Desta forma, os termos
utilizados na classificação do outro variam dependendo da situação. O constante uso dos
termos "morenos" e "mulatinhos" empregados para nomear o negro erechinense pode
ser entendido como uma maneira de minimizar o peso da diferença, como algo que deve
ser evitado, não proferido. No entanto, o caso do time Treze de Maio é complexo, pois
na foto percebemos a existência de jogadores multiétnicos. A opção por “mulatinhos” e
“morenos” pode indicar a utilização de um termo mais acertado por perceber a presença
de caboclos ou traços indígenas. Entretanto, na memória local o time é lembrado como
dos “pretos” ou dos “negros”. Percebemos o quão fluído se torna este sistema de
classificação, deslocando os sujeitos em diversas categorias, dependendo da
circunstancia em que se encontra.
Weschenfelder 162 traz importante contribuição ao abordar o esforço linguístico
feito para contornar a diferença a partir do discurso politicamente correto; por meio
deste procura-se evitar ofender a autoestima dos negros. Para a análise do uso do termo
"moreno", é preciso salientar os sentidos agregados ao termo, sempre carregado de
significados, pois, além da própria linguagem, ele se refere a um determinado grupo: os
negros. A seguir apresentamos outras matérias que utilizaram os termos "moreno" e
"mulatinhos".
Outra notícia, intitulada "Nova Partida Entre Brancos e Morenos Domingo na
Baixada", relata que após ganhar pelo placar de 3x0, os "mulatinhos" foram convidados
para uma revanche, tendo em vista que o time dos “brancos” estava desfalcado. O
espaço dedicado à notícia é relativamente grande, dando ênfase a escalação dos times,
mas sem entrar em detalhes sobre quem foram os autores dos gols. O time dos
"morenos" era formado por jogadores "de cor" que atuaram nos três principais times de
futebol na cidade. Conforme mostra dona notícia, "Morenos e Brancos voltarão a
cotejar na baixada"163.
O resultado da revanche dos "Brancos" também foi apresentado e apareceu de
forma mais detalhada. Informava a vitória por 3x2 dos Brancos, divulgando a escalação
do grupo e afirmando que o resultado do prélio “agradou”. No time dos brancos

161
SANSONE, Livio. Negritude sem etnicidade: o local e o global nas relações raciais na produção
cultural negra do Brasil. Salvador: Edufba; Pallas. 2004. p 60.
162
WESCHENFELDER, Viviane Inês. Processo de (in)visibilidade do sujeito negro: o jornal de
Venâncio Aires /RS em questão. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2015. p.117.
163
BRANCOS e morenos voltarão a cotejar na baixada. Jornal A Voz da Serra, Erechim, p. 6, 12 ago
1951.
67

jogaram: Miguel, Ivo Roschetti e Celso; Bino, Borgese Dirceu; Carlinhos, Alexandre,
Fossati, Marimba e Cirinho. Já os morenos entraram em campo com: Valdemar,
Gonzales e Francisco; Nazareno, Ribeiro e Rico; Francisco Toinho, Quinzinho, Chinês e
Peruca.164
O time de futebol do Esporte Clube Treze de Maio teve sua primeira aparição
nos exemplares disponíveis para consulta com a notícia: "União Erechim, Jacinto
Godoy, Botafogo e 13 de Maio, os vencedores da primeira rodada do varzeano." 165 A
notícia fez um apanhado geral do resultado dos jogos da primeira rodada, divulgando a
escalação de cada time e também o resultado de cada partida. Na ocasião, o Esporte
Clube Treze de Maio venceu o Brasil por 2x0. O próximo apontamento referente ao
166
Clube, "O 13 de Maio passou a liderar sozinho o campeonato varzeano” . Com uma
nota relativamente grande, a notícia divulgou o placar dos jogos da segunda rodada do
campeonato varzeano local, além da escalação dos times. Nestapartida o Treze de Maio
venceu o Flamengo, de Capo-Êre, pelo placar de 3x0, dois gols de Nenê e um de
Cassol.

Figura 11- Partida campeonato de Várzea


Fonte: Acervo Margarete Fátima da Silva

164
Os brancos triunfaram na partida revanche. Jornal A Voz da Serra, Erechim, p. 4, 14 ago 1951.
165
UNIÃO Erechim, Jacinto Godoy, Botafogo e Treze de Maio, os vencedores da primeira rodada do
varzeano. Jornal A Voz da Serra, Erechim, p. 4, 18 set 1951.
166
O 13 passou a liderar sozinho o campeonato varzeano. Jornal A Voz da Serra, Erechim, p. 4, 25 set
1951.
68

A partir das fichas do Treze de Maio da Liga erechinense de futebol varzeano 167,
pudemos verificar a nacionalidade declarada, idade média dos jogadores e, também,
parte do quadro de profissões seguidas pelos associados, ma maioria operários,
mecânicos ou pedreiros. Foi interessante verificar que um dos jogadores se declarou
alemão, e desta maneira percebemos que o time do Treze não era composto apenas por
atletas negros e mulatos.
A ficha a seguir pertencia a Aristides de Almeida, na época com 22 anos.

Figura 12- Ficha da liga erechinense de futebol varzeano


Fonte: Acervo de Margarete Fátima da Silva

Por meio do futebol os sócios do Clube criaram outros espaços de convivência e


formaram novos laços.
Usar o esporte para conquistar maior espaço na sociedade foi um dos recursos
utilizados pelos negros e por todos os demais sócios . Assim como no Treze de Maio,
outros clubes também se valeram do futebol para facilitar a aproximação com outras
entidades. O clube Gaúcho de Caxias é um exemplo. Gomes168 afirma, "o time de
futebol do Clube Gaúcho participou de campeonatos organizados pelo próprio clube e

167
No total foram analisadas 15 fichas disponíveis no acervo de Margarete Fatima da Silva.
168
GOMES, Fabrício Romani. Sob a proteção da princesa e de São Benedito: identidade étnica,
associativismo e projetos num clube negro de Caxias do Sul (1934 -1988). 2008. 219 f. Dissertação
(Mestrado) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em História. p.144.
69

por outras entidades. Eram oportunidades para o convívio com os outros, fora do espaço
físico do clube".
O time representou uma das formas empregadas para buscar interação com os
demais. Foi uma das atividades que auxiliaram na visibilidade do negro e na construção
de sua identidade étnica. Os esportistas participaram de campeonatos organizados pelo
próprio clube e por outros. Era uma oportunidade de convívio com variadas pessoas
fora do espaço físico do clube.
Se o futebol em alguns momentos reproduziu, no campeonato de várzea, o
contexto racista enfrentado por negros e/ou “não brancos” da cidade diariamente, por
outro lado, através do mesmo, a comunidade “de cor” erechinense experimentou um
espaço de sociabilidade e organização que contribuiu não somente para o lazer, mas
proporcionou contato com outros espaços de convivência.
Na foto a seguir, vemos a equipe secundaria de futebol do Treze, ou segundinha,
como era chamada:

Figura 13- Equipe secundária de futebol do Esporte Clube Treze de Maio


Fonte: Arquivo Histórico Municipal Juarez Miguel IllaFont.

Os documentos comprovam a importância social do futebol. Por meio deles


observamos o relacionamento do clube com demais associações. Lamentavelmente,
70

grande parte da documentação do Treze de Maio, até mesmo atas, não possui o registro
da data, dificultando estabelecermos uma ordem cronológica. Podemos atribuir este
inconveniente à falta de hábito em registrar os fatos por escritos, devido à grande parte
dos associados, entre eles o senhor Arlindo da Silva, ser iletrado. No entanto, existem
vários convites para partidas de futebol em outras localidades, assim como pedidos de
doações dirigidos a empresários locais para a manutenção do time.
O time de futebol tornou-se mais um espaço de reivindicações por meio do qual
divulgaram a associação e suas necessidades. O esporte possibilitou as primeiras
aparições nos jornais, trazendo visibilidade positiva às “pessoas de cor”.

2.3 As festas: a beleza dos bailes e elegância dos sócios

Motivo de orgulho para os sócios, os bailes realizados na sede do Clube também


contribuíram para a aproximação de outros indivíduos ao grupo. Pessoas de outras
cidades podiam compartilhar das festas realizadas pelo Treze de Maio desde que
portassem os convites distribuídos aos conhecidos que desejassem participar. Essa
integração é relatada em uma das entrevistas: "[...] de outros lugares vinha gente
conhecida, tinha conhecido de Passo Fundo que vinha aqui, mas aqueles amigos de
todos. Lá de Passo Fundo tinha bastante gente, Getúlio tinha bastante gente que vinha
aqui, mas eram os amigos deles aqui".169 O entrevistado afirma que todos os
frequentadores podiam convidar seus amigos para os bailes organizados pelo Clube, o
que demonstra que a rede criada pelos negros associados ao Clube ia muito além das
estabelecidas entre os sócios e extrapolava os limites da cidade.
Já a relação do Clube Treze de Maio com outros clubes é pouco detalhada. Em
uma das Atas da Ala Feminina, do dia 20 de setembro de 1961, fica estabelecido que se

169
FRANÇA, Antônio Dario. Antônio Dario França: depoimento [2014]. Entrevistadores: Débora Clasen
de Paula e Aldori Nascimento da Silva. Erechim: UFFS, 2014. 1 CD sonoro. Entrevista concedida ao
Projeto A presença negra em Erechim (1908-1960).
71

fará um convite para o clube Visconde do Rio Branco, de Passo Fundo 170. O texto não
informou para qual evento destinava-se o convite e nem mesmo foi possível confirmar
se foi aceito ou não. Os contatos com outros clubes da região não aparecem nas
entrevistas e quando questionados sobre a relação com outras associações, os
entrevistados disseram não saber ou, simplesmente, que estes laços não existiam,
indicando que o Clube tinha pouco relacionamento com as demais associações
existentes. O importante aqui é perceber que, embora a memória dos entrevistados até o
momento não refira, e supondo que houvesse pouco contato com outros clubes, não
significa que os contatos com outras associações fora da sede não existissem ou mesmo
não tivessem sido tentadas pelos dirigentes do Treze de Maio.
O Clube é destacado pelos entrevistados pela beleza de suas festas,
demonstrando um investimento nos trajes por parte dos associados. As fotografias dos
bailes realizados corroboram com a preocupação da boa aparência, pois todos
compareciam muito bem vestidos. Segundo depoente, o "Treze foi um clube assim, de
gabarito!"171. A elegância dos sócios em dias de bailes é recorrente nos clubes negros,
Magalhães afirma que:

Luxo e pompa serviam como indicadores de elegância e distinção. Atestavam


a organização e a capacidade dos negros de promoverem eventos assim como
outros clubes de Novo Hamburgo. Nesse sentido, a conduta e a vestimenta
impecável tornavam-se fundamental para a autoestima, bem como para
receber adequadamente os “convidados especiais”, que poderiam ser
autoridades locais e pessoas importantes da localidade, bem como os
representantes de associações negras de outras cidades. 172

Estar bem vestido durante as festas provava competência e colocava o negro em


igualdade aos demais clubes. Desta maneira, mostravam-se capazes de proporcionar
noites de encantamento aos convidados, evidenciando a preocupação com o esmero da
associação. Magalhães173 afirma que a preocupação com a aparência e o capricho

170
O clube Visconde do Rio Branco, fundado em 1916, na cidade de Passo Fundo, destinava-se a parte da
população negra da cidade, no ano de 1973 o Visconde entrou no concurso "Miss Passo Fundo" e elegeu
a primeira miss negra da cidade. http://www.projetopassofundo.com.br 30/09/2014.
171
FRANÇA, Antônio Dario. Antônio Dario França: depoimento [2014]. Entrevistadores: Débora Clasen
de Paula e Aldori Nascimento da Silva. Erechim: UFFS, 2014. 1 CD sonoro. Entrevista concedida ao
Projeto A presença negra em Erechim (1908-1960).
172
MAGALHÃES, Magna Lima. Entre a preteza e a brancura brilha o Cruzeiro do Sul: associativismo e
identidade negra em uma localidade teutobrasileira (Novo Hamburgo/RS) 2010. 219 f. Tese (Doutorado
em História) – Unisinos, São Leopoldo-RS. p. 137
173
MAGALHÃES, Magna Lima. Entre a preteza e a brancura brilha o Cruzeiro do Sul: associativismo e
identidade negra em uma localidade teutobrasileira (Novo Hamburgo/RS) 2010. 219 f. Tese (Doutorado
em História) – Unisinos, São Leopoldo-RS
72

significava a negação ao estigma do negro relaxado, pobre, ignorante, insensível. Estes


elementos auxiliam para a compreensão do sentido de “ter condições”, que, segundo
Magalhães, não significa condição econômica, mas sim à conduta moral, ao
comportamento e ao ser trabalhador174 algo que é reivindicado como qualificativo dos
sócios do Treze.
O vestir-se bem também servia de linguagem para expressar e manter a
estabilidade nesses espaços sociais. Dessa forma, a aparência física é importante para
reafirmar a condição social dos negros perante o grupo dominante175. Assim, era por
meio da festa, da aparência cuidadosa e impecável, com luvas, rendas, cetins, brilhos,
pérolas, que as mulheres negras se faziam representar no interior do Treze de Maio. Na
imagem a seguir, podemos comprovar o cuidado com a aparência, tanto de homens
quanto de mulheres e crianças.

Figura 14- baile para a escolha da rainha da primavera


Fonte:Arquivo Histórico JuarezMiguel Illa Font

As festas, para além de proporcionarem momentos de sociabilidade e lazer,


serviam de estratégia de visibilidade. Os elegantes bailes foram, por diversas vezes,
174
MAGALHÃES, Magna Lima. Entre a preteza e a brancura brilha o Cruzeiro do Sul: associativismo e
identidade negra em uma localidade teutobrasileira (Novo Hamburgo/RS) 2010. 219 f. Tese (Doutorado
em História) – Unisinos, São Leopoldo-RS. p. 147.
175
CARVALHO, Andréa Aparecida de Moraes Cândido. Negros de Lages: memória e experiência de
afrodescendentes no planalto serrano. Monografia (Trabalho de conclusão de Curso em História) -
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Florianópolis, 2001. p. 61.
73

matéria do jornal local e fomentaram novas relações. Os constantes convites


direcionados a políticos, militares, empresários e pessoas da imprensa falada e escrita,
permitiram estabelecerem relacionamentos impossíveis ou, no mínimo, difíceis de
ocorrer fora das paredes do Treze.
No exemplar do jornal A Voz da Serra, de 20 de dezembro de 1951, foi relatada a
comemoração do segundo aniversário do Clube 176. Uma pequena notícia, de pouco mais
de 60 palavras, descreveu os festejos da agremiação em comemoração ao seu segundo
aniversário, oferecendo uma mesa de frios e bebidas a seus associados e atletas,
destacando alguns dos entes presentes: "o Sr. Edmundo Palhano Sobrinho; Sr. José
Mandelli Filho, prefeito Municipal eleito; Sr. Pedro Caetano, presidente da entidade...”
177
.
No ano seguinte, o baile de gala para a comemoração de mais um
aniversário foi, novamente, destaque no jornal. Segundo a matéria, a diretoria não
poupou esforços para a realização do evento e a animação do baile de gala ficou nas
mãos de um excelente "Jazz-Típica". Embora tenha assegurado que personalidades de
destaque estariam presentes, o jornal não trouxe mais detalhes. Por fim, a nota nos
informou que o clube havia convidado os diretores do jornal para a festa de aniversário,
pois A Voz da Serra agradece à diretoria do Esporte Clube treze de Maio pelo honroso
convite178.

176
Como o Arquivo Municipal Juarez Miguel IllaFont não dispõe dos exemplares do ano de 1950 não foi
possível verificar se o aniversário de um ano de fundação do Clube foi noticiado na imprensa escrita.
177
FESTEJADO o segundo aniversário do E. C. 13 de Maio. Jornal A Voz da Serra, Erechim, p. 4, 20 dez
1951.
178
BAILE de gala no E. C. 13 de Maio. Jornal A Voz da Serra, Erechim, p. 4, 10 dez 1952.
74

Figura 15 - Festa no Treze


Fonte: Acervo Margarete Fátima da Silva

Conforme legenda no verso da fotografia, na imagem vemos: em pé, com bolsa


na mão, a senhora Luiza, associada do Treze; sentados, Pedro Simon e Tânia Simon, as
pessoas ao fundo estão identificadas por sua profissão ou atividade em exercício, são
eles, deputado Jorge, professor/ advogado, prefeito e vereador/odontólogo Alves. A
parceria com pessoas influentes é novamente destacada. A imagem representa as amplas
relações estabelecidas entre os sócios e demais setores da comunidade.
O ano de 1953 passou em completo "silêncio", não havendo ao menos uma
pequena nota em relação ao clube. Não foram mencionados os bailes, festejos ou
qualquer outro informe sobre a associação. Porém, um evento realizado nos últimos dias
de 1953 foi destaque nos primeiros exemplares do ano seguinte.
Os bailes de encerramento do ano de 1953 foram noticiados e relataram as
festividades nos mais diversos clubes da cidade. Foram citados: Atlântico, Ipiranga,
Caixeiral e Treze de Maio. A notícia, relativamente grande, dizia:

"Assinalando o desfecho derradeiro do ano de 1953, a sociedade erechinense,


reuniu-se nos diferentes clubes da cidade, para participar de elegantes
reuniões dançantes.
Acolhendo um número relativamente elevado de dançarinos o Ipiranga
proporcionou momentos de vibrante entusiasmo à todas as pessoas que se
encontravam presentes, divertindo-se sob os ritmos melodiosos, criados pela
batucada regida pelo maestro Osvaldo Engel.
O salão cheio de luzes iluminava as dependências completamente tomadas,
colocando o baile em apreço entre os mais animados já realizados em nossa
cidade.
75

A noitada dançante já se prolongava pelo ano de 1954 quando os pares


começaram a deixar a pista de danças.
No clube Atlântico, as danças seguiram uma sequência de acentuada
animação evidenciando um acontecimento social de destaque aliado a ampla
colaboração dos associados que compareceram em massa superlotando as
galerias, além da numerosa afluência existente no recinto de danças e nas
mesas que circundam o salão.
A orquestra comandada pelo maestro Ernesto Kreische sobrinho, apresentou-
se melhorada, o que sem dúvida assegurou um sucesso retumbante.
Pessoas de destaque se locomoveram até as dependências do Odeon Serrano
emprestando ao aludido baile um brilho excepcional notadamente nas
primeiras horas cujo entusiasmo superou as expectativas.
Na madrugada do dia primeiro, quando nosso cronometro assinalava 4 horas,
o baile foi encerrado.[...]
O Clube 13 de Maio se impôs pela atmosfera de alegria intensa e espontânea
que paira entre seus filiados, conquistando fartos elogios das pessoas que lá
estiveram. Na ocasião foi empossada a nova diretoria que tem como
Presidente de Honra o Dr. Flory Lamaison Rosa."179

Percebemos a relativa diferença no espaço destinado ao Treze, significativamente menor


que o concedido aos demais. A notícia referente ao baile de fim de ano do Esporte Clube
Treze de Maio destaca a presença do Presidente de Honra180, Flory Lamaison rosa,
único nome em evidência da nova diretoria, foi diretor da rádio Erechim entre os anos
de 1947/1948, personalidade conhecida na cidade. Enquanto os outros clubes são
lembrados pela beleza do salão, elegância de seus frequentadores, pelo grande número
de pessoas e também pelos maestros e músicos que tocaram. É provável que a maioria
dos leitores do jornal tenha interesse em matérias acerca dos demais clubes, que acabam
ganhando mais espaço, o que pode explicar a publicação quase diária de notas e
matérias que fazem menção aos mesmos.
Durante o ano de 1954, verificamos algumas notícias alusivas às festas e bailes
realizados no Clube, como é o caso do evento promovido pela entidade em
comemoração ao dia 13 de maio. Nesta ocasião, segundo o jornal, se realizou uma fala
sobre o significado do dia 13 de maio. Foi destaque o encantamento do baile e a música
de qualidade, que é oferecida aos frequentadores. Também fez menção a
"numerosíssima" família pertencente ao clube. 181

179
ENCERRADO o ano de 1953 com esplêndidas noitadas dançantes. Jornal A Voz da Serra, Erechim,
p.4, 3jan 1954.
180
O título de Presidente de Honra é concedido a uma pessoa de destaque na sociedade e tem o objetivo
de valorizar o Clube e aproximá-lo de pessoas importantes. O mesmo acontece com outros clubes ao
analisar o clube Gaúcho. Gomes afirma que "o clube terá entre os membros da diretoria a figura simbólica
do Presidente de Honra, [...] será um “título” concedido a pessoas importantes da cidade com o objetivo
de aproximá-las, para estabelecer algum tipo de vínculo com essas pessoas. (GOMES, 2008, p.134)
181
ANIMADO baile promoveu o E. C. 13 de Maio. Jornal A Voz da Serra, Erechim, p. 4, 24 de maio
1954.
76

Embora poucas, as matérias publicadas entre os anos de 1951 e 1954 foram


sempre alusivas aos bailes realizados. As publicações destacam "a beleza", "a
grandiosidade", "a boa música" presentes nas festas realizadas por esta associação. O
jornal enfatizou também, o esforço dos dirigentes para dar prestígio aos eventos
realizados. Contudo, o espaço ocupado pelo Esporte Clube Treze de Maio nas páginas
do jornal A voz da Serra é relativamente pequeno quando comparado a outros clubes da
cidade, como Atlântico, Ipiranga e Caixeiral, que possuem certa constância nas
publicações referentes a seus respectivos clubes.
Nos elegantes bailes, os espaços de fronteira se formavam. Em meio ao salão
cuidadosamente ornamentado e a aparência impecável das moças e rapazes fortaleciam-
se as relações de poder entre homens e mulheres. Momento de sociabilidade por
excelência, o encontro do grupo desempenhava papel central na vida coletiva e na
formação dos indivíduos.
Observamos nos aspectos referentes às vestimentas e ao comportamento, os
cuidados empregados na tentativa de minimizar os estereótipos atribuídos aos negros. A
imagem a seguir apresenta a rainha da primavera, no dia de sua coroação, praticamente
"escondida" por seu acompanhante, representando a necessidade de preservar a imagem
das moças da associação.
77

Figura 16 - Coroação da rainha da primavera. À direita o presidente do Clube Arlindo da Silva, ao seu
lado a rainha Lourdes Therezinha de Oliveira.
Fonte: Arquivo Histórico Juarez Illa Font.

O Clube realizava diversas festas todos os anos, além das habituais matinês. Os
bailes de Gala davam espaço aos mais diversos festejos. "A mãe comentava, e os meus
irmãos também que as festas eram muito envolventes, [...], por exemplo, todas elas
envolviam um tema"182.Sendo assim, além dos tradicionais Aniversários do Clube e do
baile de escolha da Rainha da Primavera, havia, também,festa junina, carnaval, baile em
comemoração ao 13 de maio e a Festa da Linguiça.
As festas, todas animadas por bandas, tornaram-se famosas pela boa música que
é recordada com carinho por seus mais antigos frequentadores. Os músicos contratados
para as matinês ou bailes tocavam por aproximadamente 4 horas. Durante os primeiros
anos da década de 1970, o grupo Os Corsários animou as festas do Treze. Outras
bandas também se apresentaram na associação, entre elas The King Boys e Os Águias. O
grupo The King Boys, conjunto que acompanhava o coral do Colégio Medianeira,
formado por Rui Morcellino contrabaixo, Sérgio Monli na guitarra base, Luci Vanderlei

182
SILVA, Margarete Fátima da. Margarete Fátima da Silva: depoimento [2014]. Entrevistadores: Débora
Clasen de Paula e Fernanda Pomorski dos Santos. Erechim: UFFS, 2014. 1 CD sonoro. Entrevista
concedida ao Projeto A presença negra em Erechim (1908-1960).
78

Dondé na guitarra solo, além de Paulo Souza na bateria, com influência musical vinda
de gêneros como o tango, bolero, maxixe, samba e choro. Pedro Souza tocou também
no Jazz Típica Ideal e no Grupo Os Águias Negras (em bailes de carnaval).
Na imagem a seguir vemos um grupo musical no interior do Treze. A foto não
apresenta nem uma legenda indicando quem são os músicos ou o nome do grupo, assim
como a grande maioria das fotografias disponíveis para pesquisa. Margarete Fátima da
Silva (que disponibilizou a foto) desconhece a origem da foto e seus componentes,
sendo assim não pode fornecer mais informações acerca do grupo.

Figura 17 - Músicos no Treze de Maio


Fonte:Acervo Margarete Fátima da Silva

Assim como os bailes de gala, o carnaval também representou outro espaço de


destaque para os associados do Treze. Segundo Damatta183 mesmo sendo uma festa que
ocorre apenas uma vez ao ano, o carnaval demanda um longo tempo de organização e
trabalho. É um ritual que mobiliza muitas pessoas, que valoriza as dramatizações, a
música, a alegria, a dança. O carnaval é o momento em que as hierarquias caem e que se
ensaia viver com liberdade e individualidade. Ou seja, esta prática merece ser pensada
como um espaço de visibilidade do sujeito negro.
Os carnavais promovidos pelo Treze de Maio eram famosos. Além dos bailes e
do desfile de rua havia também um espaço reservado às crianças que podiam brincar o
183
DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 4. ed.
Rio de Janeiro: Zahar Ed, 1983. p. 33.
79

carnaval no salão do Clube, durante as matinês infantis. O carnaval de rua, puxado pelo
Clube Treze de Maio, foi atribuído principalmente a Edmundo Palhano Sobrinho
(Panela). Segundo entrevistados, ele foi o grande responsável pela organização do
carnaval de rua em Erechim:

Tanto é que o clube ele é que puxou o carnaval de rua, o carnaval de rua
quem começou, iniciou o carnaval de rua aqui em Erechim foi o clube Treze
de Maio, aonde frequentava o... como é que é o nome dele que eu não
lembro... aí tinha um apelido. Panela. Ele que frequentava o clube e ele era
um dos membros do clube Treze de Maio e ele que incentivou o carnaval de
rua aqui em Erechim.184

As ações promovidas por "Panela" levaram o Carnaval para as ruas da cidade.


Os desfiles trouxeram os mais diversos clubes para uma grande festa popular. Na
imagem a seguir vemos os integrantes do Treze com instrumentos musicais
característicos do carnaval, mas também a presença de uma gaita representando a
mescla cultural dos associados.

Figura 18 - Carnaval no Treze de Maio


Fonte:Arquivo Histórico Juarez Illa Font

Não foi possível, a partir das fontes utilizadas, verificar a existência de


relacionamento do Treze de Maio com os demais clubes de Erechim durante o período

184
SILVA, Margarete Fátima da. Margarete Fátima da Silva: depoimento [2014]. Entrevistadores:
Débora Clasen de Paula e Fernanda Pomorski dos Santos. Erechim: UFFS, 2014. 1 CD sonoro. Entrevista
concedida ao Projeto A presença negra em Erechim (1908-1960).
80

de carnaval. Garcez185 afirma que existia uma união entre os clubes nesta época do ano,
quando os sócios desfilavam nas ruas indo de clube em clube onde eram bem recebidos,
festejados e homenageados186. No entanto, a pesquisa não corrobora esta afirmativa e os
entrevistados foram unânimes ao negar a participação coletiva dos clubes no carnaval de
rua, assim como as visitas supostamente feitas entre eles. As confraternizações ocorriam
das portas dos clubes para fora.
A Festa Caipira também era uma tradição do Clube e reunia os sócios que,
tipicamente caracterizados, participavam de brincadeiras e do casamento caipira. Havia
também o cuidado em decorar o salão com palhas e bambus. A festa da linguiça,
retratada na imagem a seguir, do mesmo modo, mobilizava os associados que
esmeravam nos ornamentos e trajes característicos.

Figura 19- Festa da linguiça


Fonte: Arquivo Histórico Juarez Illa Font

Ocorria também, anualmente, a festa comemorativa ao aniversário do Treze de


Maio, uma das principais festas, que conforme consta no Estatuto, deveria acontecer
todo dia 16 de dezembro, data de fundação do Clube.

185
GARCEZ, Neusa Cidade. A presença negra em Erechim. Perspectiva, v.74, p. 90, 1997.
186
GARCEZ, Neusa Cidade. A presença negra em Erechim. Perspectiva, v.74, p. 91, 1997.
81

Figura 20- Baile no Treze de Maio. Dançando Nelcido Nascimento e o prefeito Carlos Irineo Pietá; à
esquerda Machado.
Fonte: Arquivo Histórico Juarez Illa Font

Os bailes realizados pelo Clube e o carnaval de rua representam algumas das


formas utilizadas pelo Clube para buscar a interação com os outros, o que nem sempre
acontecia. Os relatos dos entrevistados deixam evidente que o carnaval não significava
maior aproximação com os demais clubes erechinenses. Mesmo assim, essas duas
atividades auxiliaram na quebra de estereótipos do grupo negro associado ao Clube
Treze de Maio. Os bailes estiveram presentes desde a fundação do Clube,
permanecendo até o fim da década de 1970, quando começou a entrar em decadência. O
carnaval de rua, organizado no bloco carnavalesco e liderado por "Panela", trazia os
integrantes do Clube para as ruas onde podiam demonstrar o orgulho pela associação.
82

2.4 A coroação da rainha - a representação da mulher negra e seu papel na


associação

A participação das mulheres nas associações negras é expressiva. Loner 187 traz
significativa contribuição para compreendermos seu papel nas associações ao destacar
as ações desempenhadas por elas. O espaço ocupado por estas senhoras difere muito das
mulheres brancas, que não exerciam nenhuma, ou quase nenhuma função na estrutura
associativa de seus clubes. Comparando com outras etnias, as negras ocupavam lugar de
maior destaque dentro de seu grupo étnico.
A administrações dos clubes, no entanto, ficava a cargo dos homens, costume
comum nas décadas de 1950 e 1960. Durante este período o homem ainda era visto
como provedor do lar e cabia à mulher os trabalhos subsidiários. O homem era o "chefe
da família". Competia à mulher o cuidado com a casa, os filhos e os maridos, o modelo
de lar do pós guerra influenciou, também, as brasileira, que foram incentivadas, através
das propagandas, a voltarem para dentro de seus lares. Delas também era cobrado
instinto materno, pureza, candura, paciência, características que, lhes eram entendidas
como intrínsecas. Entretanto, as mulheres negras, acostumadas às dificuldades da vida,
deixavam de lado, por exigência do dia a dia, a imagem de esposa submissa, passiva e
dedicada exclusivamente ao lar. Sua maior preocupação era obter meio de conseguir seu
sustento e não tornar-se dependente economicamente de seu parceiro. Estas nuances
interpuseram obstáculos na mobilidade social destes sujeitos. As mulheres conseguiam
espaço no mercado de trabalho atuando como lavadeiras, passadeiras, quituteiras,
empregadas domésticas. Ao contrário dos homens negros, que não conseguiam
colocação no mercado de trabalho, as mulheres negras arranjavam ocupações
constantes, colocando os homens em estado de dependência, devido à impossibilidade
de emprego durável.188
Ao trabalharmos com as mulheres negras integrantes do Treze de Maio,
percebemos os mesmos aspectos apontados por Loner, Magalhães e Schemes. Fica
evidente o papel de articuladoras entre brancos e negros, circulando entre os dois
mundos por meio das atividades de empregada doméstica ou mesmo lavadeiras;
entravam em contato com espaços distintos, criavam vínculos que favoreciam certa
ascensão social. Quebraram estereótipos ao serem vistas como mulheres trabalhadoras,

187
LONER, Beatriz Ana. Construção de classe: operários de Pelotas e Rio Grande (1888-1930). Pelotas,
RS: Universidade Federal de Pelotas. Editora Universitária: Unitrabalho, 2001.
188
Magalhães e Claudia Schemes
83

limpas e com bom comportamento. Os laços criados em seus empregos, muito


provavelmente, lhes traziam benefícios nas vendas de fichas para almoços ou jantares,
na arrecadação de donativos.
A análise documental apontou o trabalho de lavadeira como a principal função
das mulheres sócias do Treze. Algumas destas mulheres, além de lavarem roupas
também limpavam casas para senhoras importantes da cidade. O contato com estas
famílias ajudou na formação de novos espaços e novas relações pessoais e abriram
pequenas brechas sociais, possibilitando que transitassem por espaços antes
impensados.
A autonomia financeira conquistada por estas mulheres foi um grande avanço
para uma comunidade à qual era negada a maioria dos meios de sustento. As mulheres
negras possuíam a capacidade de conseguir empregos que podem ser avaliados como
um salva-vidas financeiro. Os trabalhos domésticos, refugos de uma economia em
expansão, foram executados por muitas destas mulheres. 189
A liderança feminina presente nas famílias negras era transferida para suas
associações, embora de maneira mais velada, algumas vezes agiam de modo discreto,
sem ocupar cargos da diretoria. Porém, em outras situações tomavam a frente e
formavam agremiações exclusivamente femininas, as quais eram compostas, na grande
maioria, por mulheres dos sócios e dos membros da diretoria do clube. No interior dos
clubes recreativos e em suas casas ou fora delas, estas mulheres colaboraram social e
politicamente na construção de outra perspectiva de vida, impondo-se como
protagonistas de sua própria história, conquistando respeito, reconhecimento,
visibilidade para si e seus pares; quebraram estereótipos e preconceitos direcionados a
homens e mulheres de seu grupo.

189
ANDREWS, George Reid. Negros e brancos em São Paulo (1888-1988). Tradução Magda Lopes.
Bauru, São Paulo: EDUSC, 1998.
84

Figura 21- Mulheres no Treze de Maio


Fonte Acervo de Margarete Fátima da Silva

Da mesma maneira, a exemplo de outros clubes, a Ala Feminina do Treze de


Maio, não só zelou pela harmonia das famílias associadas como também desenvolveu os
mais diversos trabalhos em benefício do Clube e seus associados. Estava nas mãos das
mulheres do clube a representação da beleza negra, do bom comportamento e da
arrecadação de verba para manutenção da associação.
Entre todas as festas e bailes realizados, a noite mais esperada pelos sócios do
Treze, principalmente pelas moças da associação, era a noite do Baile da Primavera.
Neste dia era coroada a rainha do clube e o evento movimentava a Ala Feminina. A
escolha da rainha envolvia diversas candidatas e era aguardada com grande ansiedade
por elas,

Sempre tinha muitas candidatas, por isso que eu digo assim que essa coisa
esvaziou com o tempo. Muitas candidatas, muitas pretendentes ao trono, né.
Olha que interessante, tinha.[...] Chegava naquela época ali todas as famílias
tinham bastante filhos, chegavam naquela época ali era o comentário
(risos)de quem para seria a rainha do clube.190

Durante algumas épocas o clube ficou longos períodos longe das páginas do
jornal e, algumas vezes, uma matéria era publicada meses após o ocorrido, como o caso
do baile da escolha da rainha. Embora tenha ocorrido no dia 18 de outubro de 1952, a

190
SILVA, Margarete Fátima da. Margarete Fátima da Silva: depoimento [2014]. Entrevistadores: Débora
Clasen de Paula e Fernanda Pomorski dos Santos. Erechim: UFFS, 2014. 1 CD sonoro. Entrevista
concedida ao Projeto A presença negra em Erechim (1908-1960).
85

notícia só ganhou as páginas do jornal quase dois meses depois, no dia 07 de dezembro.
Localizada na segunda página, a nota destacou o "grandioso baile" promovido pela
diretoria do Clube, "que não poupou esforços para proporcionar a seus associados uma
noite especial"191. A coroação da senhorita Lourdes de Oliveira contou com trono
cuidadosamente ornamentado.192 Esta foi a única notícia referente ao Clube Treze de
Maio encontrada no jornal, que se faz acompanhada de uma fotografia.

Figura 22 - Rainha da primavera - Senhorita Lourdes de Oliveira


Fonte: Jornal A voz da Serra, 07 de dezembro de 1952, nº 31, p.2

O ano de 1961 pode ser tomado como referência para compreendermos como se
dava o processo de escolha da titulada. Neste ano foram apresentadas três candidatas a

191
CONCURSO rainha da Primavera. Jornal A voz da Serra, Erechim, p. 2, 07 dez 1952.
192
CONCURSO rainha da Primavera. Jornal A voz da Serra, Erechim, p. 2, 07 dez 1952.
86

Rainha da Primavera: Berenice Ribeiro; Eloí dos Santos e Mariza Rodrigues. A


primeira apuração dos votos colocava Berenice Ribeiro em primeiro lugar.

Foi dada a reunião a fim de ser feita a primeira apuração que ficou tendo o
seguinte resultado:
Berenice Ribeiro em primeiro lugar com 577 votos;
2º lugar Mariza Rodrigues;
3º lugar Eloy dos Santos com 150 votos. 193

A segunda apuração trazia Berenice com 135 votos, Eloy com 615 votos e os
votos de Mariza não apareceram, possivelmente significando nenhum voto194. O
resultado da apuração dos votos para a escolha da Rainha da Primavera de 1961 foi o
seguinte:

Total da segunda apuração com a primeira apuração:


1º lugar Eloy dos Santos = 765 votos
2º lugar Berenice Ribeiro = 712 votos
3º e último Mariza Rodrigues = 100 votos. 195

O número de votos obtidos pelas candidatas soma mais de 1.500, o que indica
grande participação da comunidade na escolha da Rainha. Não foi permitido verificar,
pois se estes votos eram vendidos, como ocorria em outros clubes. As atas são pobres
em detalhes e muitas vezes não constam nem sequer as datas das reuniões.
Mas, além dos votos, havia outros critérios para a escolha desta moça que
representaria o Clube? Mesmo que as visitações a outras associações acontecessem
esporadicamente - como é o mais provável – uma vez que a única menção sobre uma
visita foi quando o Jornal A Voz da Serra noticiou que: "O Centro de Tradições Heróis
Ibirapuitã prestará sábado próximo, uma significativa homenagem a gentil senhorita
Jane Silva, Rainha do E. C. 13 de Maio, a exma. Sra. Theodora da Silva, ex-presidente
da Ala Moça daquela sociedade."196 Assim, ela representava as mulheres da associação.
Desta maneira esperava-se que seu comportamento fosse exemplar. Um relato mais
detalhado sobre as obrigações de uma rainha de clube é fornecido por Gomes quando
apresenta as funções da rainha do clube Gaúcho:
Ao se tornar Rainha do Clube Gaúcho, a senhorita passava a representá- lo.
Dessa forma, a vencedora deveria ser possuidora de beleza, sim, mas também
de uma série de outras características valorizadas pelo grupo dirigente.

193
Livro Ata da Ala Feminina. 1961, p.18
194
Livro Ata da Ala Feminina, dia 16 de setembro de 1961 p. 21
195
Livros Ata da Ala Feminina p. 25
196
Jornal A Voz da Serra, 23 de janeiro de 1958, p.4
87

Deveria saber se portar, dançar de forma adequada, ser estudante (de


preferência), usar roupas decentes, ser elegante etc. Depois de eleita, a
Rainha era o exemplo a ser seguido pelas demais integrantes. Dessa forma, a
figura da Rainha tinha um caráter educacional, pois informava as demais
associadas qual o modelo de sócia ideal para o clube. Junto com o título,
então, vinha a responsabilidade de representar bem o clube nos mais diversos
eventos, tanto em sua sede social como na sede social dos outros clubes com
os quais o Gaúcho mantinha relações. Seu papel, quando está em outro clube
também é extremamente importante, pois, informa aos outros como são as
mulheres do seu clube.197

É muito provável que as obrigações da Rainha do Clube Treze de Maio fossem


praticamente as mesmas da rainha do clube Gaúcho. Desta forma, não era apenas a
beleza que importava, e a moça precisava de muitos outros atributos para que pudesse
representar e servir de exemplo para as demais frequentadoras da associação. Os
concursos realizados pelo Clube tinham outros objetivos além de eleger uma
representante que servisse de modelo. A promoção de bailes para a coroação da rainha
possibilitava a arrecadação de dinheiro para a associação, que certamente via seu
público aumentar no Baile da Primavera. Também é possível pensar na promoção da
beleza negra, pois elegendo uma rainha negra estavam colocando a beleza de sua raça 198
em destaque, valorizando as mulheres do Clube. Desta forma, deixavam de lado a ideia
de que o belo está apenas nas pessoas de pele clara.

197
GOMES, Fabrício Romani. Sob a proteção da princesa e de São Benedito: identidade étnica,
associativismo e projetos num clube negro de Caxias do Sul (1934 -1988). 2008. 219 f. Dissertação
(Mestrado) –Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em História. p.132.
198
Uso "raça" conforme conceito defendido por Guimarães quando afirma a “Necessidade de teorizar as
“raças” como elas são, ou seja, construtos sociais, formas de identidade baseadas numa ideia biológica
errônea, mas socialmente eficaz para construir, manter e reproduzir diferenças e privilégios”
(GUIMARÃES, 2002, p.67). O que ajuda a compreender a construção do clube articulada ao contexto da
cidade, e também a relação entre o “eu” e o “outro”.
88

Figura 23 - Coroação da rainha da primavera


Fonte:Acervo de Margarete Fátima da Silva

A escolha das representantes nem sempre ocorria de forma harmoniosa. Quando


Arlete da Silva conquistou a coroa muitos a consideraram inadequada para o título.
Segundo sua filha199, na visão de alguns sócios, Arlete não possuía os traços
considerados os de uma mulher negra e, desta maneira, não poderia representar o Treze
de maneira adequada. A seguir vemos um retrato de Arlete referente à época da
coroação.

199
SILVA, Margarete Fátima da. Margarete Fátima da Silva: depoimento [2014]. Entrevistadores:
Débora Clasen de Paula e Fernanda Pomorski dos Santos. Erechim: UFFS, 2014. 1 CD sonoro. Entrevista
concedida ao Projeto A presença negra em Erechim (1908-1960).
89

Figura 24- Senhorita Arlete da Silva


Fonte: Acervo de Margarete Fátima da Silva

Porém, não apenas por meio da beleza a mulher negra deveria se destacar. Dela,
também, se esperava um comportamento exemplar. Podemos pensar o cuidado com a
conduta das moças, sobretudo as candidatas à rainha, como uma maneira encontrada
pelos dirigentes do clube e ala feminina, de protegê-las. Certamente não desejavam
passar uma representação errônea, o cuidado em apresentar harmonia entre a beleza e
moral pode ser entendido como uma tentativa de desvincular da mulher negra a visão
extremamente sexualizada. As moças que, por algum motivo, tivessem atitudes
consideradas inadequadas eram punidas e, às vezes, expulsas do Clube.
No dia 20 de setembro de 1961 as mulheres pertencentes a Ala Feminina do
Treze reuniram-se para tratar de um baile e também da notificação dada a uma das
sócias por mau comportamento, mas sem entrar em detalhes sobre o acontecido. Está
registrada em ata a repreensão de uma moça "por ter se comportado mal na sociedade na
última soirée realizada neste clube". 200 No dia 21 de outubro, um mês após a
notificação, em nova reunião, foi feita uma votação para decidir se esta sócia
continuaria ou não frequentando o Clube. A decisão foi pelo cancelamento de sua

200
Livro Ata do Esporte Cube Treze de Maio, 1961, p. 22. Acervo pessoal de Margarete Fátima Silva.
90

entrada, sendo 12 votos a favor e nenhum contrário. 201 A expulsão de sócios devido a
comportamento julgado inadequado também é relatada em uma das entrevistas,

E teve casos que foram expulsos do clube Treze de Maio, teve casos. Eu
lembro relatos da mãe, do meu avô e coisa e tal que teve casos que eles
expulsaram pessoas devido ao comportamento moral dentro do clube Treze
de Maio. O que é moral? É beber demais, é não ter atitudes adequadas em
relação a outros jovens que estavam ali, é não se vestir corretamente para o
evento, nossa era uma coisa assim... E esses maus comportamentos, querer
briga, essas coisas que gerariam um fato, um fato diferente para o clube. E
teve casos que eles disseram que tiveram que expulsar do clube. 202

Esta é mais uma das características do Clube Treze de Maio, que o coloca em
sintonia com o clube Gaúcho de Caxias, uma vez que lá também o autor encontrou
casos de expulsão de sócios. No episódio do clube Gaúcho a expulsão significava
também o afastamento completo da sociedade. As demais pessoas eram incentivadas a
cortar relações com o "excluído" para que não houvesse a menor possibilidade de
ligação entre os sócios do clube e as pessoas consideradas inadequadas para continuar
na associação. Assim, quando algum associado era expulso por mau comportamento,
acabavam as suas relações com o clube e com os seus sócios. Havia uma tentativa de
desvincular, completamente, o “desordeiro” do clube “203.
Esta situação pode ser pensada para o Treze de Maio, porém, a escassez de
fontes não permite uma análise mais detalhada a respeito das práticas dos sócios. A
hipótese de que uma pessoa expulsa era totalmente afastada do grupo é plausível.
Afinal, alguém que é considerado inadequado para frequentar o Clube provavelmente
também seria considerado inadequado para frequentar as residências familiares. Sendo
assim, afastado por completo.
A preocupação evidenciada pela ata da ala feminina, pelos artigos do estatuto e
pelos relatos dos entrevistados em relação ao bom comportamento dos seus sócios,
principalmente o comportamento feminino, revelam a importância da imagem passada
pelos integrantes do Clube à cidade de Erechim. Desta forma, os sócios procuravam

201
Livro Ata do Esporte Cube Treze de Maio, 1961, p. 26. Acervo pessoal de Margarete Fátima Silva
202
SILVA, Margarete Fátima da. Margarete Fátima da Silva: depoimento [2014]. Entrevistadores:
Débora Clasen de Paula e Fernanda Pomorski dos Santos. Erechim: UFFS, 2014. 1 CD sonoro. Entrevista
concedida ao Projeto A presença negra em Erechim (1908-1960).
203
GOMES, Fabrício Romani. Sob a proteção da princesa e de São Benedito: identidade étnica,
associativismo e projetos num clube negro de Caxias do Sul (1934 -1988). 2008. 219 f. Dissertação
(Mestrado) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em História. p.115.
91

derrubar os estereótipos relacionados à população negra204. Segundo relato de uma das


entrevistadas era preciso manter uma imagem positiva,

O Clube ele tinha um padrão moral [...]. Claro que para os padrões da época,
[...] era muito importante isso, até porque eles, uma coisa que sempre se
falava que além de eles terem um clube, eles tinham que preservar uma
imagem, por eles serem negros né. Que qual é o dito?[...] como é que eles
diziam sempre, meu avô e minha avó, eles sempre estavam com aquela coisa
de, a se o negro não faz na entrada faz na saída. Isso quer dizer o quê? Que se
eles não se portassem, não tivessem essas atitudes ou fecharia o clube, ou os
vizinhos do lado iam telefonar para a polícia, enfim. Então eles tinham que
manter uma regra dentro do clube e estabelecer isso como um limite, para
que o clube funcionasse e fosse realmente respeitado dentro da sociedade
erechinense.205

As regras de comportamento eram rígidas, principalmente com as mulheres.


Caso alguma das frequentadoras passasse do limite considerado aceitável, poderia ser
repreendida pela representante da Ala Feminina. Conforme relatos era comum as
mulheres que compunham a Ala Feminina ficarem "de olho" no comportamento das
moças durante os bailes. Caso julgassem necessário, poderiam tomar atitudes
repreensivas. Segundo um dos sócios do Treze de Maio, a vigilância com os namoros
era constante: "não deixavam muito namorar lá dentro, bom a minha mãe estava sempre
em cima ali, ela era, era muito, muito rígida." 206 Nesta mesma entrevista a esposa do
depoente completa:“[...] mas quando via que começava muito os agarramentos, lá pelos
cantos, ela pegava, ela ia lá, pegava a guria: 'Vamos, vamos lá um pouquinho'. Levava
lá no banheiro a menina [risos] e tacava os panos na guria."207
A cobrança com a conduta apresentada pelas moças do clube parece ser maior
do que a enfrentada pelos rapazes. Mais uma vez é aceitável fazermos uma analogia
com o Gaúcho de Caxias onde o zelo com as moças era grande, principalmente com as
solteiras. Gomes afirma que:

Havia também, certa preocupação com as mulheres solteiras que


participavam do clube. A Ala Feminina chegou a solicitar ao presidente que
os associados ou responsáveis pelas associadas às acompanhassem quando

204
(N.E) Os critérios impostos pela associação refletem um esforço para afastar a sociedade e seus
associados dos estereótipos atribuídos aos negros, como ser embriaguez, preguiça e desordem.
205
SILVA, Margarete Fátima da. Margarete Fátima da Silva: depoimento [2014]. Entrevistadores: Débora
Clasen de Paula e Fernanda Pomorski dos Santos. Erechim: UFFS, 2014. 1 CD sonoro. Entrevista
concedida ao Projeto A presença negra em Erechim (1908-1960).
206
NASCIMENTO, Nelson do. Nelson do Nascimento: depoimento [2014]. Entrevistadores: Débora
Clasen de Paula e Fernanda Pomorski dos Santos. Erechim: UFFS, 2014. 1 CD sonoro. Entrevista
concedida ao Projeto A presença negra em Erechim (1908-1960).
207
Ibidem.
92

elas fossem ao clube. [...] Mulheres chegando sozinhas ao clube para bailes à
noite poderiam levantar suspeitas sobre sua conduta moral. [...] A presença
do pai, da mãe, ou de algum outro familiar informava sobre a boa conduta
das jovens. [...] Essa preocupação pode ser entendida também, como uma
vontade de manter o clube como um espaço de divertimento familiar.208

Segundo Gomes, era preciso quebrar com os estereótipos relacionados aos


negros, que os classificavam como “assaltantes, prostitutas, assassinos, bêbados,
209
desordeiros, bruxos, agressores” . Estas ideias preconcebidas deveriam ser
combatidas por meio do bom comportamento dos sócios do clube.
Mesmo com as regras rígidas em relação aos namoros, vários casais se
conheceram, casaram e formaram suas famílias dentro do Clube Treze de Maio. Muitas
festas de casamento foram realizadas na sede do Clube.

Conheci minha mulher ali dentro do 13 de maio. Conheci ela dentro do 13 de


maio. Minha mulher que já morreu né, eu sou viúvo. Aí ela...um dia tinha
uma festa, fui no cinema e voltei tinha uma festa ali, eu nem me lembro mais
de quem que era aquela festa, são tantos anos que a gente esquece. 210

Embora a Ala Feminina do Clube não conste no Estatuto, ela é de grande


importância no desenvolvimento das atividades diárias da associação. Nas atas escritas
por estas sócias, percebe-se quão variadas e importantes eram suas atividades.
Geralmente elas agiam atrás das cortinas, deixando o palco para os homens do Clube. À
elas estava destinado atividades como decoração das festas, o trabalho na cozinha, a
organização de "soirée"211, a compra de material para o Clube (copos, cinzeiros, vasos),
a limpeza após as festas e a venda de doces para arrecadar fundos para o caixa do
Clube. Sendo assim, o funcionamento interno do Clube estava nas mãos das mulheres,
cabendo a elas a função de arrecadar dinheiro por meio da venda de seus bolos e
também de almoços com pratos típicos,

O movimento das mulheres sempre fazia qual parte? A parte das panelas né
(risos). Era parte desse movimento, que vendia as coisas no bar, elas faziam
essas coisas de quem sabia fazer o bolo melhor, tinha a rifa dos bolos, tinha
essas coisas que envolviam a sociedade para arrecadar um pouquinho mais de

208
GOMES, Fabrício Romani. Sob a proteção da princesa e de São Benedito: identidade étnica,
associativismo e projetos num clube negro de Caxias do Sul (1934 -1988). 2008. 219 f. Dissertação
(Mestrado) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em História. p.122
209
Ibidem, p.118
210
FRANÇA, Antônio Dario. Antônio Dario França: depoimento [2014]. Entrevistadores: Débora Clasen
de Paula e Aldori Nascimento da Silva. Erechim: UFFS, 2014. 1 CD sonoro. Entrevista concedida ao
Projeto A presença negra em Erechim (1908-1960).
211
Reunião social que ocorre a noite.
93

dinheiro para o clube. Elas faziam esse movimento, e tinha muitas


confeiteiras. Porque na época assim, tinha muita confeiteira, tinha, a minha
avó trabalhava muito essa parte cultural da comida também, do negro, que
era feijoada essas coisas que se envolvia muito, que tinha esse cotidiano
também, ‘Ah vamos fazer uma feijoada no clube Treze de Maio em um
domingo’, aí se fazia a tal da feijoada. Essas coisas também eram promovidas
a título de arrecadação de dinheiro.212

Esta prática que destinava às mulheres os afazeres na cozinha, preparando bolos


e almoços nos salões, antes e depois das festas (antes para que organizassem/fizessem a
decoração e depois para que realizassem a limpeza do local), além de arrecadar mais
dinheiro para o Clube, também cortava despesas, pois dispensava a contratação de
terceiros para que fizessem o trabalho. Em outros clubes este procedimento se repetia.
Gomes afirma que:

No Clube Gaúcho elas pertenciam a Ala Feminina [...] essa Ala, também, foi
responsável pela organização de muitos dos eventos realizados pelo clube.
Além disso, foram convocadas para prestar auxílio de outras maneiras, por
determinação do presidente Florêncio Machado, as moças deviam “visitar o
comércio e a indústria locais para arrumar fundos”. Foram, ainda, designadas
para fazer a limpeza do salão após as festividades. Mas, sua principal
atividade durante esses anos, foi, sem dúvida, a organização dos eventos da
associação. Para isso, eram acionadas em diversos momentos, mas,
principalmente, quando o clube passava por dificuldades financeiras.213

O clube Cruzeiro de Novo Hamburgo é mais um caso em que a Ala Feminina é


responsável pelo funcionamento interno da associação. Magalhães afirma que:

Falar das sociabilidades e da integração do negro a partir do Sport Club


Cruzeiro do Sul necessariamente reporta aos bailes e aos encontros
familiares. Tais momentos ao que tudo indica, estavam sob a
responsabilidade das integrantes, ou poderíamos dizer, aos cuidados da ala
feminina da Associação. [...] Notadamente, os fragmentos e os indícios
permitem destacar a significativa participação das mulheres e o papel
relevante exercido por eles junto à Associação. Sociabilidades, integrações,
momentos de encontros familiares, captação de doações e recursos para o
clube nortearam as ações das mulheres, ao mesmo tempo, elas fortaleciam os
vínculos entre os iguais. 214

212
SILVA, Margarete Fátima da. Margarete Fátima da Silva: depoimento [2014]. Entrevistadores: Débora
Clasen de Paula e Fernanda Pomorski dos Santos. Erechim: UFFS, 2014. 1 CD sonoro. Entrevista
concedida ao Projeto A presença negra em Erechim (1908-1960).
213
GOMES, Fabrício Romani. Sob a proteção da princesa e de São Benedito: identidade étnica,
associativismo e projetos num clube negro de Caxias do Sul (1934 -1988). 2008. 219 f. Dissertação
(Mestrado) –Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em História. p. 87-85
214
MAGALHÃES, Magna Lima. Entre a preteza e a brancura brilha o Cruzeiro do Sul: associativismo e
identidade negra em uma localidade teutobrasileira (Novo Hamburgo/RS) 2010. 219 f. Tese (Doutorado
em História) – Unisinos, São Leopoldo-RS, p.133-134
94

Percebemos o quanto este espaço de sociabilidade buscou proteger a imagem de


suas mulheres, pois cercava estes espaços com normas de condutas muito mais severas
para as mulheres. Ao mesmo tempo, reconheceu sua força como articuladoras de
relacionamentos importantes para a associação. Embora fora dos espaços de poder, pois
por muitos anos não assumiram cargos nas diretorias, estas mulheres influenciaram na
formação dos jovens e não deixavam de contribuir e traçar suas próprias articulações.
O papel da mulher negra no Treze de Maio sofreu transformações e adaptou-se a
realidade vivenciada. Nos primeiros anos atuaram nos bastidores, deixando os holofotes
aos homens. Contudo, aos poucos conquistaram espaços nas diretorias e, por fim,
assumiram a presidência do clube nos anos derradeiros da associação. Hoje, são as
guardiãs da memória e orgulham-se do passado de festas e glamour, mas, sobretudo de
reconhecimento que ajudaram a construir.
95

2.5 O término da associação: algumas considerações

Como vimos, entre os anos de 1949 e 1982, a população negra e de “gente de


cor” de Erechim criou um conservou um espaço de sociabilidade “não branca”, ou
acentuadamente “não imigrante”. Festas, bailes, carnavais, casamentos, entre tantas
outras atividades, realizaram-se nas dependências do Treze. Para além das festividades,
a associação também cumpriu o importante papel de fomentar novas redes de
relacionamento, permitindo a circulação por espaços antes inalcançáveis.
A década de 1950 representou um momento de lutas e conquista de espaços. Por
meio do esporte alcançaram, pela primeira vez, espaço na imprensa e fizeram-se vistos.
Apoiados por políticos locais e pessoas influentes angariaram fundos para a construção
da sede de madeira na qual realizaram grandes eventos.
Nos anos de 1960, embora perdendo espaço na imprensa local, foram
movimentados e continuam vivos na memória dos sócios. Entretanto, a partir do final da
década de 1960 e início da década de 1970 o clube entra em um período de decadência,
até encerrar por completo as atividades no ano de 1982. Mas, afinal, quais foram os
motivos que levaram o Esporte Clube 13 de Maio a encerrar suas atividades? As
pesquisas assinalaram alguns caminhos.
A escassa documentação não permite que façamos afirmações aceitáveis quanto
aos ensejos que levaram o Treze a fechar suas portas. No entanto, as fontes disponíveis
apontam alguns indícios capazes que lançar pontos de luz na trajetória final do Clube.
Assinalamos os fatores que consideramos decisivos no desfecho da associação.
As crises financeiras, que sempre estiveram presentes na história do Clube, se
agravaram, dificultando a manutenção do mesmo. Na tentativa de solucionar a questão,
os dirigentes passaram a alugar o salão a terceiros. A análise documental apontou
períodos de aluguel com duração de três a quatro meses, por vezes renovada. As
cláusulas dos contratos garantiam aos sócios o uso do salão nos finais de semana assim
como, na realização de bailes, almoços ou outras festas. Embora renovados por diversas
vezes, o aluguel não solucionou os problemas financeiros da associação.
A falta de dinheiro levou o clube à inadimplência com, ao menos, um
funcionário, contratado para realizar serviços de limpeza. Levando o então presidente da
96

associação, Nelson Nascimento, a justiça do trabalho em outubro de 1972.215 A situação


se agravava.
Contudo, a falta de recursos pode não ser a única explicação. Segundo uma das
entrevistas216, a má administração do final da década de 1960 e inicio da década de 1970
teria agravado a, já delicada, realidade do Treze. Não constatamos, em qualquer outro
documento analisado, algo que corrobore esta afirmativa. No entanto, não é possível
descartá-la.
Verificamos, nos anos da década de 1970 e início de 1980, constantes mudanças
na presidência, alternando entre Nelson do Nascimento, Arlete do Nascimento e Arlindo
da Silva. No final de 1972 a presidência é exercida por Arlindo da Silva e Agenor de
Poncio Dias. No ano de 1981, Arlete da Silva assume a presidência. Em 1982,
novamente, Arlindo da Silva. Na memória dos antigos sócios, Arlete da Silva
permanece como a última presidente do Treze. Sua assinatura consta em documento de
1981 no qual solicita cancelamento de dívida com a prefeitura:

O Esporte Clube 13 de Maio, aqui representado por seu presidente, Sr.ª Arlete
da Silva, vem através do presente solicitar a V. Sa., se digne determinar o
cancelamento da dívida referente ao serviço de pavimentação executados na
Av. Farrapos e na rua General Câmara, em frente ao lote de nº 17 de
propriedade do Clube, pois os sócios do referido clube não possuem recursos
para satisfazer o pagamento de quantia tão elevada, e pelo motivo que o
Clube não está em atividade a vários anos pois está o prédio em precárias
condições de estabilidade, pelo que foi requerida também sua demolição,
217
demolição esta embargada em vista da dívida existente.

Outro fator observado como determinante corresponde ao desinteresse dos mais


jovens. Com a morte dos antigos sócios fundadores, as novas gerações deixaram de
frequentar a associação, e esta, aos poucos, perdeu sua função e deixou de ser atrativa
aos sócios. As pesquisas também apontam a saída de parte da juventude negra em busca
de melhores condições de vida, deslocando-se para outras regiões do Rio Grande do Sul
ou para outros estados. Desta forma, deixavam a cidade e também a associação, que aos
poucos foi esvaindo-se.
É possível pensarmos, ao mesmo tempo, em uma sociedade mais aberta. O
racismo dos anos de 1940 já não é mais tão presente (ou tão aberto) e tornou possível o

215
Documento do acervo de Margarete Fátima da Silva
216
Documento do acervo de Margarete Fátima da Silva
217
Documento do acervo de Margarete Fátima da Silva
97

deslocamento dos jovens negros em espaços antes restritos. Frequentar outros clubes e
outras festas fez o Treze perder parte de seu papel na comunidade.
O fato, independente das circunstancias, é que no início da década de 1980, mais
precisamente em 1982 a tão sonhada sede é demolida. O Esporte Clube Treze de Maio
não estava mais ativo e deixa de existir fisicamente, permanecendo proprietário do
terreno até 1992. Em 27 de fevereiro deste mesmo ano é doado à prefeitura para tornar-
se o sindicato dos municipários de Erechim. No documento de doação do terreno fica
estabelecido o direito aos sócios do Treze e seus descendentes de utilizarem as
dependências do sindicato para fins não lucrativos.
O Treze permanece nas memórias dos antigos sócios e de seus descendentes
como um espaço de lazer, reconhecimento e respeito.
98

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste trabalho acompanhamos a formação de Erechim, as diversas


associações criadas a partir de grupos distintos e analisamos parte da população negra e
“não branca”do município a partir da criação e participação no Esporte Clube Treze de
Maio, fundado em 1949.
Tendo em vista os aspectos observados, a grande diversidade étnica do
município foi responsável pela criação de diversos clubes esportivos e recreativos,
ligados diretamente à origem de seus sócios. Estes clubes não permitiam a entrada de
negros, sendo este um dos motivos que levou a constituição do Treze de Maio.
O trabalho com as entrevistas, sempre permeado pela sensibilidade, nos permitiu
perceber o orgulho dos entrevistados de serem do “Treze”, a satisfação de pertencerem a
um espaço no qual realizaram grandes festejados, com muita elegância e glamour. A
possibilidade de cotejar os demais documentos com imagens da associação
proporcionou melhor entendimento dos rituais de afastamento do cotidiano sofrido
pelos sócios do clube.
Este espaço de sociabilidade com normas rígidas de comportamento colaborou
no esforço para afastar os estereótipos e estigmas relacionados aos negros e aos demais
sócios que, embora não explicitados nas fontes impressas consultadas, aparecem de
forma recorrente nas fontes orais. A cobrança em relação ao bom comportamento dos
associados, a forma como as mulheres deviam se portar, a proibição da entrada de
pessoas julgadas inadequadas, o cuidado com a aparência demonstrado na elegância dos
trajes e o apreço ao trabalho, foram alguns dos dispositivos acionados para quebrar os
estereótipos e positivar a imagem do grupo, além da valorização da beleza da mulher
negra demonstrada por meio dos concursos de Rainha da Primavera. Beleza esta,
sempre ancorada na moral e na delicadeza das moças.
Constatamos o orgulho das mulheres que ao “arregaçarem as mangas”
posicionavam-se, articulavam-se e mostravam o quão eram importantes para a
manutenção da associação e para muitas famílias negras que encontravam no Treze de
Maio um espaço realmente seu. Vinculadas à sociedade, esmeravam-se na organização
de atividades e eventos, caprichavam na decoração do salão e no preparo dos alimentos.
Estas mulheres tiveram de se enquadrar aos estatutos que cerceavam seus espaços.
Entretanto, não deixaram de traçar e tecer suas vidas e mesmo quando não se
99

encontravam representadas nos cargos de diretoria, não deixavam de decidir e serem


consultadas.
A invisibilidade social sofrida pelos sócios do Treze foi, de certa forma,
minimizada a partir da concretização de seu Clube, e por meio dele conseguiram
estabelecer laços com empresários, políticos, comerciantes e membros da imprensa
local. Esta rede de relacionamentos possibilitou aos associados à conquista de um
espaço na imprensa erexinense, ainda que pequeno se comparado aos espaços
destinados aos demais clubes da cidade. Vimos que, por meio das publicações no jornal
A Voz da Serra, os integrantes do Clube se mostravam aos leitores como pessoas
"honestas", reforçando sua identificação como "trabalhadores" e, com isso, acionando
elementos positivos para fugir dos estereótipos que lhes eram atribuídos.
Percebemos no carnaval uma forma de estabelecer (ou ao menos tentar
estabelecer) laços com os demais clubes. Apesar das visitas não acontecerem, o carnaval
de rua permitiu que interagissem com pessoas de outros clubes. Também colaborou para
diminuir a invisibilidade do grupo, que durante o período festivo levava seu estandarte
às ruas.
Por meio do futebol levaram em sua camisa verde a amarelo o orgulho da
nacionalidade e a força no esporte, conquistando vitórias e, algumas vezes, a antipatia
de torcedores adversários. Contudo, constituíram relações e outros espaços de
sociabilidade, deslocando-se para outras localidades nas disputas dos campeonatos ou
recebendo times visitantes.
Outra contribuição deste trabalho está em constatar que a criação e a
participação no Esporte Clube Treze de Maio colaboraram para a formação de uma
imagem positiva e para a valorização do grupo, minimizando, em certa medida, a visão
estereotipada que lhes eram atribuídos. Colaborou, também, na criação e fortalecimento
de relações impensadas antes da criação do Treze, pois, com as festas, almoços e bailes,
trouxeram para seu convívio personalidades importantes do município.
A elegância e a grandeza dos bailes demonstraram a capacidade da promoção de
eventos à altura dos demais clubes da localidade. Além disso, promovia status aos
integrantes da diretoria do clube negro, especialmente frente às autoridades locais,
frequentemente convidados ilustres nos bailes. Comportamento exemplar, vestimentas
impecáveis, eventos permeados pela elegância e salão decorado configuravam
indicadores do esforço dos dirigentes da Associação para constituir um diferencial para
os negros do Treze de Maio.
100

Levando para a rua seu estandarte, parte da população negra de Erechim buscou
diminuir sua invisibilidade por meio de um espaço de sociabilidade que se construiu ao
longo do tempo como respeitável. Este grupo de pessoas que formava o Esporte Clube
Treze de Maio procurou afastar seus associados das imagens negativas atribuídas aos
negros, estabeleceu laços com pessoas de outros municípios e se distanciou dos que
eram considerados inadequados. Acreditaram que, desta forma, sofreriam menos as
consequências da discriminação. Assim, o Clube foi um importante espaço de
sociabilidade, que contribuiu para a quebra de estereótipos relacionados a seus
frequentadores e que, embora extinto, continua vivo na memória de seus associados e
seus descendentes como exemplo da organização negra da cidade.
Por meio do Esporte Clube Treze de Maio uma parcela da população negra de
Erechim se viu representada e retratada no jornal local. A pesquisa mostrou que os anos
de "Glória" do clube foram também os anos nos quais um maior número de matérias
relacionadas a associação foram publicadas. Conforme o Clube foi perdendo força na
comunidade, as matérias foram diminuindo até cessarem por completo, encerrando-se,
também, as referências à população negra de Erechim no Jornal A Voz da Serra.
É indispensável que outros se dediquem à temática para que as lacunas
relacionadas à história da população negra de Erechim possam diminuir. Esta pesquisa
abriu uma pequena brecha e documentos estão à espera de novos olhares e novas
perguntas, tendo em vista que parte das fontes pesquisadas que pertenciam a um acervo
particular, agora estão disponíveis para consulta e certamente possibilitarão novas
pesquisas.
101

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107

ANEXO

Anexo A - Planta baixa do Esporte Clube Treze de Maio.


108

Anexo B - Lista dos objetos encontrados dentro do Clube


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