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OSTEOSSÍNTESE DE RÁDIO E ULNA EM UM CÃO ALVEJADO POR

PROJÉTIL DE ARMA DE FOGO – RELATO DE CASO

INTRODUÇÃO
As fraturas de rádio e ulna são consideradas a terceira de maior ocorrência em
cães, correspondendo a aproximadamente 8,5-10,7% das fraturas, e
geralmente ocorrem por trauma (FERRIGNO et al., 2008; GIGLIO et al., 2006).
O local de maior ocorrência é a diáfise, principalmente no seu terço distal
(MEIRELLES, 2013). Dentre as causas mais comuns, podemos citar os
acidentes automobilísticos e com armas de fogo, além de quedas e saltos
quando relacionadas a animais menores. Elas podem ser completas ou
incompletas e variam desde uma fratura em galho verde até a uma forma
cominutiva (COSTA & SCHOSSLER, 2002). Em cães de médio a grande porte,
com menos de um ano, o prognóstico é positivo, com consolidação completa,
enquanto nas raças pequenas e minis, com mais de um ano, há uma taxa de
75% de ocorrência de problemas na síntese como: angulação e rotação no
local, não-união, união retardada ou má-união, rigidez articular e hiperextensão
do carpo, além do
desenvolvimento do desvio valgo. Tais exemplos demonstram a complexidade
do problema, visto que há uma menor vascularização, canal medular estreito e
pouco tecido muscular, aumentando as chances de fraturas abertas
(MEIRELLES, 2013; PIERMATTEI et al., 1986). O diagnóstico é realizado
através do histórico do paciente (presença de claudicação sem a sustentação
do peso), com exame físico podendo demonstrar edema, dor e crepitação, e
através de exames radiográficos para observação da extensão de lesão em
tecidos moles e ósseo (JOHNSON, 2014). Já o tratamento vai depender do tipo
de fratura e de sua localização. As técnicas variam de tratamento conservador,
em casos de fraturas oblíquas curtas ou transversais, fixação externa, indicada
para todos os tipos de fratura desses ossos, ou placas e parafusos, que são
recomendadas em caso de politraumatizados e no tratamento de não-união em
cães pequenos e de fraturas distais (COSTA & SCHOSSLER, 2002).
RELATO DE CASO
No dia 5 de agosto de 2021 foi encaminhado ao hospital veterinário, um cão,
macho, com cinco anos, não castrado, da raça Pitbull, pesando 25,5kg, com
histórico de lesão por arma de fogo em membro torácico direito após tentativa
de assalto na propriedade onde se localizava o animal. O tutor relata que o
acidente ocorreu quatro dias antes e que o animal foi levado, inicialmente, a um
veterinário local e foram solicitados exames radiográficos que confirmaram a
presença de fratura diafisária do tipo aberta, completa e cominutiva em terço
médio de rádio e ulna direitas, podendo ser classificada como fratura do tipo 2
por arma de fogo.
Logo na primeira consulta, o animal apresentava impotência funcional do
membro torácico direito e apresentava parâmetros vitais dentro do fisiológico.
Foi realizada tricotomia ampla do membro e a limpeza dos pontos de entrada e
saída do projétil, pois havia contaminação do local, posteriormente sendo
elaborada uma tala em calha para proporcionar apoio ao membro acometido.
Foram requisitados nova radiografia e cultura e antibiograma da secreção
contaminada localizada nos pontos de entrada e saída (verificando-se a
presença de Staphylococcus aureus). Para uso em domicílio, foi receitado
Carprofeno BID durante 7 dias, Dipirona BID durante 5 dias, Tramadol BID
durante 5 dias, além de Amoxicilina + Clavulanato de Potássio BID por 7 dias.
Quatro dias da consulta, o paciente retornou para nova confecção de tala.
Apresentava forte odor e secreção no local, além de nova lesão ocasionada
pelo componente rígido da tala, sendo realizada limpeza com clorexidine. Dois
dias após a limpeza ambulatorial das feridas, o paciente retornou para nova
avaliação em mesmo estado. Após sedação, foi realizada nova limpeza com
desbridamento das lesões, pois apresentava sinais de necrose tecidual. Nessa
ocasião foram transmitidas informações e recomendações à proprietária, tendo
em vista a necessidade de tratamento cirúrgico da lesão.
Sete dias após a primeira consulta no hospital, o paciente foi encaminhado
para a cirurgia. No bloco cirúrgico, após a preparação do paciente, dos
materiais e da equipe cirúrgica, houve o início do procedimento de
osteossíntese de rádio e ulna. De forma fechada, foram posicionados dois
pinos de Steinmann de 3,5 milímetros lateromedialmente de forma obliqua
entre si proximal à linha de fratura e um pino de Schanz de 2,5 milímetros,
sendo repetida a técnica distalmente a fratura, com dois pinos Steinmann de
3,5 milímetros e um Schanz de 2,5 milímetros, todos de forma lateromedial.
Após a inserção dos pinos, as extremidades externas laterais e mediais foram
conectadas e fixas por meio da resina de metilmetacrilato, formando um fixador
esquelético externo tipo II.
No pós-operatório foi prescrito a utilização de Carprofeno 75 mg BID, Dipirona
625 mg BID, Tramadol 50 mg BID e Metronidazol 400 mg BID, todos durante
cinco dias, além de Amoxicilina + Clavulanato de Potássio 250 mg BID durante
14 dias e limpeza do fixador externo duas vezes ao dia com solução fisiológica
até a remoção. Após 11 dias do procedimento, o paciente retornou para revisão
apoiando o membro torácico operado, ativo e com boa evolução das lesões de
pele. A tutora relatou que o paciente estava internado para repouso e limpeza
do fixador externo em uma clínica particular pois ele não aceitava a
manipulação. Foi solicitado exame radiográfico após 67 dias da cirurgia para
acompanhamento, mostrando reação periosteal em rádio e ulna com sugestão
de osteomielite, sem evolução de consolidação óssea comparado ao exame
anterior realizado no pós-cirúrgico imediato, além de instabilidade do implante
em diáfise proximal do rádio.
A escolha de tratamento foi Clindamicina 300 mg BID durante 21 dias. Após o
tempo previsto de tratamento, o paciente retornou para nova radiografia e
avaliação da possibilidade de remoção do fixador esquelético externo e terapia
antimicrobiana. Durante a remoção dos pinos, houve a visualização de miíase
em um dos pontos de inserção. O veterinário optou por continuar com a
Clindamicina por mais sete dias, Dipirona BID por 5 dias e Capstar SID por 3
dias, além da manutenção dos cuidados com a limpeza da ferida, repouso e
com a recomendação de novo retorno, onde apresentou apoio do membro
afetado e cicatrização completa por segunda intenção das lesões abertas.
DISCUSSÃO
A definição da fratura, é gerado pelo tipo de energia cinética, a fratura em si e
as lesões dos tecidos moles acometidos. Como características nessa
classificação, há ferida de saída, presença de fragmentos balísticos grandes e
poeiras, fratura de média segmentação e danos moderados em musculatura.
Essas informações são importantes para a escolha de tratamento cirúrgico que
será executado pelo médico veterinário (PIERMATTEI et al., 1986).
Sabe-se que esse tipo de acidente acomete, na maioria dos casos, cães
jovens, machos, de raças de trabalho, em dias com menor tempo de
luminosidade, podendo ser em áreas urbanas ou rurais. Os projéteis podem
lesionar por três formas: esmagamento e laceração (os de baixa velocidade
causam danos na área definitiva, enquanto os de alta acometem tecidos
próximos também), cavitação (dilatação dos tecidos no percurso do projétil no
corpo) e ondas de choque (quando o projétil ultrapassa o tecido causando
compressão e distensão dos tecidos). O tipo de lesão que depende de alguns
fatores, como velocidade, composição, ângulo da entrada e o tipo de osso
lesionado, os últimos dois sendo com principal relevância em relação ao tipo de
fratura (NUNES E SILVA, 2015)
A osteomielite é uma infecção de tecido ósseo que acomete geralmente córtex,
periósteo e endósteo. Tem sua etiologia relacionada a entrada de patógenos,
usualmente bactérias, através de feridas expostas, como mordeduras, com
presença de sangue, podendo inclusive estar associada a implantes metálicos.
Os animais acometidos podem apresentar sinais de inflamação local (dor,
calor, edema, perda de função, rubor) e contaminação, com presença de
conteúdo purulento. No exame radiográfico, pode-se observar reação
periosteal. O diagnóstico diferencial com neoplasias se dá por meio do histórico
clínico, muitas vezes necessitando de exames complementares como a biópsia
para confirmação. O acompanhamento radiográfico do paciente é essencial
para a observação da progressão do tratamento (GOMES et al., 2019). A
escolha da técnica fechada ocorreu pela fratura ser aberta e cominutiva,
estimulando a osteossíntese biológica e facilitando a higienização do membro.
O número de pinos recomendado é de no mínimo dois por fragmento, para
enrijecimento do fixador e divisão de área de pressão pino/osso, que poderia
levar a reabsorção óssea e consequente afrouxamento dos pinos no pós-
operatório (JONHSON, 2014). No caso em questão, a utilização de três pinos
inteiros distalmente e três proximais a fratura fizeram a distribuição de carga
entre os pinos, aumentando a força e rigidez do fixador. A angulação dos pinos
lisos, como o Steinmann, em 70º em relação ao osso é importante para que se
tenha uma maior rigidez e não ocorra deslocamento dos pinos acidentalmente.
Os pinos rosqueados de fixação positiva, como o Schanz, podem ficar em 90º
em relação ao osso, pois fazem bloqueio e resistem a tração e afrouxamento
(PIERMATTEI et al., 1986; DIAS & FILHO, 2009).
A escolha de tratamento com Clindamicina se deu devido ao seu espectro de
atuação, abrangendo bactérias Gram Positivas e anaeróbias, com grande
concentração e ação intraóssea. O tratamento deve se estender por um tempo
mínimo de 14 dias, mas pode ser prolongado de acordo com o
acompanhamento radiográfico da lesão (GOMES et al., 2020).
Segundo Piermattei et al., (1986) as fraturas causadas por armas de fogo que
tiveram tratamento correto, em bom prognóstico para fraturas simples,
enquanto há prognóstico reservado nos casos de fraturas mais complicadas,
como no caso em ocorrência, com um tempo de consolidação óssea em média
de 6 a 10 semanas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pode-se observar que a técnica de osteossíntese biológica utilizando o fixador
esquelético externo tipo II teve resolução no caso da fratura no cão alvejado
por arma de fogo. Essa técnica permitiu a consolidação óssea para o tipo de
fratura indicado, custo reduzido de execução, mínima lesão tecidual e
estabilidade do membro. Foi essencial para o sucesso da técnica o
conhecimento do cirurgião sobre as classificações e técnicas de tratamento,
além das possíveis complicações, além das informações repassadas ao tutor
sobre a importância do repouso, cuidados e dos acompanhamentos
radiográficos para que houvesse a cicatrização e recuperação das estruturas.

REFERÊNCIAS
DIAS, L.; FILHO J. Dinamização de fixador esquelético externo conectado ao
pino extramedular “Tie-in” em tíbia de nove cães. Revista científica eletrônica
de medicina veterinária. v. 7, n.12, p. 22-30. 2019.
FERRIGNO, C.; SCHMAEDECKE, A.; PATANÉ, C.; BACCARIN, D.; SILVEIRA,
L. Estudo crítico do tratamento de 196 casos de fratura diafisária de rádio e
ulna em cães. Pesquisa Veterinária Brasileira, v. 28, p. 371-374, 2008.
GIGLIO, R.; STERMAN, F.; PINTO, A.; UNRUH, S.; SCHMAEDECKE, A.;
FERRIGNO, C. Estudo retrospectivo de radiografias com fraturas rádio e ulna
em cães. Brazilian Journal of Veterinary Research and Animal Science. v.
44, p.122-124, 2007.
GOMES, R.; COLPANI, A.; ALMEIDA, F.; QUEIROZ, S. Osteomielite. Revista
scientia rural. v.1 2019.
JOHNSON, A. Fundamentos de cirurgia ortopédica e tratamento de fraturas. In:
FOSSUM, T. et al. Cirurgia de pequenos animais. 4 ed. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2014. p. 1033-1105
MEIRELLES, A. Fraturas de rádio e ulna em cães no período de janeiro de
2001 a dezembro de 2011. 2013. 61f. Dissertação de conclusão de mestrado
em Cirurgia Veterinária – Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade
Estadual Paulista
NUNES E SILVA. Urgências: abordagem médico-cirúrgica de lesões
provocadas por armas de fogo em cães. 2015. 95f. Dissertação de
conclusão de mestrado em Medicina Veterinária – Faculdade de Medicina
Veterinária, Universidade Federal de Lisboa.
PIERMATTEI, D.; DECAMP, C.; FLO, G. Ortopedia e tratamento de fraturas
de pequenos animais. 4 ed. São Paulo. 1986. 947p.

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