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FUNDAMENTOS DA

EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Autoria: Thais Benetti de Oliveira Lenhardt

2ª Edição
Indaial - 2020

UNIASSELVI-PÓS
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Prof. Hermínio Kloch

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD:


Carlos Fabiano Fistarol
Ilana Gunilda Gerber Cavichioli
Jóice Gadotti Consatti
Norberto Siegel
Julia dos Santos
Ariana Monique Dalri
Marcelo Bucci

Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais

Diagramação e Capa:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Copyright © UNIASSELVI 2020


Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.
L566f

Lenhardt, Thais Benetti de Oliveira

Fundamentos da educação ambiental. / Thais Benetti de Oliveira


Lenhardt. – Indaial: UNIASSELVI, 2020.

152 p.; il.

ISBN 978-65-5646-036-9
ISBN Digital 978-65-5646-037-6

1. Educação ambiental. - Brasil. Centro Universitário Leonardo


Da Vinci.

CDD 304.2

Impresso por:
Sumário

APRESENTAÇÃO.............................................................................5

CAPÍTULO 1
NATUREZA, AMBIENTE E MEIO AMBIENTE: ENTENDENDO E
DIFERENCIANDO OS CONCEITOS NO CENÁRIO DA
EDUCAÇÃO AMBIENTAL.................................................................7

CAPÍTULO 2
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO CAMPO TEÓRICO EM
CONSTRUÇÃO: ASPECTOS HISTÓRICOS,
EPISTEMOLÓGICOS E CONCEITUAIS.........................................53

CAPÍTULO 3
EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE...................................103
APRESENTAÇÃO
Essa disciplina foi estruturada com o objetivo de apresentar e problematizar
os principais conceitos pertencentes à Educação Ambiental, suscitando reflexões
e contextualizações com problemas e exemplos reais, de modo que você, aluno,
possa identificar as questões abordadas em seu cotidiano. Como futuro gestor
ambiental é muito importante que você compreenda a relação homem-ambiente
e, então, aplique esse entendimento em situações profissionais diversas como:
criação e acompanhamento de projeto sobre Educação Ambiental em diferentes
cenários; consultorias ambientais ou recuperação de áreas degradadas.

A Educação Ambiental (EA) é um campo de conhecimento cujo objetivo


principal é descrever e problematizar os mecanismos de inter-relação natureza-
homem em suas diversas dimensões e manifestações. Trata-se, portanto, de um
meio indispensável para a criação e aplicação de artifícios ou modos sustentáveis
de interação sociedade/natureza e de soluções para os problemas ambientais.
A partir disso, educar os brasileiros para que ajam de modo responsável e com
sensibilidade por meio de comportamentos e atitudes conscientes que propiciem a
manutenção do ambiente para futuras gerações. é de suma importância visto que
a manutenção desse ambiente depende, fundamentalmente, de sua relação com
o homem (influenciado por questões históricas, sociais, culturais e ideológicas),
de como a ação antrópica na maioria das vezes, sistematicamente, repetida)
interfere na dinâmica ambiental. Portanto, quando falamos de EA, não podemos
pensar apenas em critérios objetivos, em conteúdos teóricos específicos, mas,
devemos considerar, também, aspectos subjetivos da vida, inserindo, portanto,
o trabalho com vínculos de identidade e empatia com o entorno socioambiental.
Só quando se inclui, , a sensibilidade, a emoção e os sentimentos se obtêm
mudanças significativas de comportamento.

Por isso, a organização deste material primará, em seu primeiro capítulo,


a apresentação de definições e pontos consensuais da EA, sua inserção na
escola, a compreensão da diferença dos conceitos de ambiente, meio ambiente
e natureza, bem como a importância dessas conceituações para o entendimento
da área.

O segundo capítulo tem como foco o contexto do surgimento e consolidação


da EA: por que essa área ganhou tanto espaço nas pesquisas, nos discursos
acadêmicos e midiáticos? Quais as transformações e características da
sociedade contemporânea suscitaram reflexões sobre uma mudança premente
no comportamento do homem no que tange às ações sustentáveis? Qual a
relação entre o modo de produção capitalista e a emergência das questões
ambientais? Essas questões remetem a trajetória da EA no Brasil, bem como às
diferentes correntes teóricas que a definem e fundamentam e a transversalidade
e transdisciplinaridade que caracteriza esse campo de pesquisa.

O capítulo final deste material explora a questão da sustentabilidade e seus


mitos, procurando descontruir concepções equivocadas e simplistas do termo que
tem sido mobilizado em diferentes cenários, contextos e discursos, muitas vezes,
com conotações apelativas, propagandísticas e de senso comum.

A sustentabilidade tem sido difundida de forma irrefletida por meio de


mobilizações ingênuas cujo fundamento não contribui, efetivamente, para
promoção de estratégias que viabilizem a construção de uma sociedade
ecologicamente equilibrada. Assim, para concluirmos os conteúdos desta
disciplina, problematizaremos o conceito de sustentabilidade e a Educação para
sustentabilidade, bem como a sua relação e/ou contribuição para a formação
para cidadania.
C APÍTULO 1
NATUREZA, AMBIENTE E MEIO
AMBIENTE: ENTENDENDO E
DIFERENCIANDO OS CONCEITOS
NO CENÁRIO DA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL

A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� Compreender a EA e seus principais focos de estudo.

� Apresentar as potencialidades do trabalho com a Educação Ambiental na


escola.

� Compreender os conceitos de natureza, ambiente e meio ambiente por meio de


uma análise histórica e epistemológica, bem como seu significado na EA.

� Evitar o uso arbitrário e/ou equivocado dos termos pertencentes ao campo da


EA.
Fundamentos da Educação Ambiental

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NATUREZA, AMBIENTE E MEIO AMBIENTE: ENTENDENDO E
Capítulo 1
DIFERENCIANDO OS CONCEITOS NO CENÁRIO DA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL

1 CONTEXTUALIZAÇÃO

A temática ambiental é colocada em pauta na sociedade contemporânea


como uma preocupação que atinge, não apenas especialistas e profissionais
das Ciências da Natureza (biólogos e geólogos, por exemplo); mas manifesta-se,
também, em diversos segmentos sociais e figura no centro de muitos debates
nacionais e internacionais. Nesses contextos, frequentemente, a educação tem
sido apontada como uma das principais vias de enfrentamento dos problemas
ambientais já que pode contribuir para formação de pessoas capazes de provocar
mudanças significativas na situação de degradação socioambiental com a qual
nos deparamos (OLIVEIRA; CALDEIRA, 2018).

A EA surge, portanto, como uma resposta à crise ambiental e objetiva uma


mudança urgente nas relações entre sociedade e natureza. Para tanto, provê
mudanças culturais que culminam na formação de sujeitos com atitude ecológica,
que tenham consciência sobre a relação entre sociedade e ambiente e que ajam
para contribuir com a melhoria dessas relações (SOUZA; SALVI, 2012).

Apesar da ênfase atribuída à EA em diversos cenários, os conceitos


pertencentes à área têm constituído ideias simplistas e estereotipadas de senso
comum, o que não contribui para produção de material ou discursos críticos e
baseados em propostas ou projetos verossímeis.

Não basta reproduzir discursos ou levantar bandeiras sobre consciência,


preservação ambiental e reciclagem para que as pessoas adotem atitudes e
adquiram valores sustentáveis. A partir disso, algumas questões emergem e
tornam-se centro deste debate: “Como promover o senso de responsabilidade
individual e coletiva?” “Como formar pessoas comprometidas com valores sociais
e princípios de solidariedade e democracia?”.

É preciso, em um primeiro momento, definir e distinguir significados, evitando


o uso arbitrário de conceitos pertencentes à área. Por exemplo, o conceito de
ambiente é polissêmico e pode estar associado a vários significados e contextos:
pode ser substantivado (ambiente familiar); pode fazer menção à uma qualidade
(temperatura ambiente), pode ser usado para indicar determinado local e momento
(“... um filme ambientado em...”) e há, ainda, o nosso principal foco, o significado
deste vocábulo na Ecologia.

Assim como o ambiente, meio ambiente e natureza são conceitos axiomas


da EA e que, muitas vezes, são aplicados de maneira indiscriminada e/ou

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Fundamentos da Educação Ambiental

equivocada. Se estamos arguindo sobre os preceitos de uma EA genuína e que,


efetivamente, contribua para uma mudança de comportamento, precisamos
articular (de forma equitativa) as dimensões conceituais e valorativas.

2 INTRODUÇÃO À TEMÁTICA
AMBIENTAL NO CONTEXTO
DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL:
MAPEANDO OS PRINCIPAIS
CONCEITOS E QUESTIONAMENTOS
PERTENCENTES À ÁREA
Este tópico trata de um preâmbulo; um convite ao interesse para estudar a EA
apresentando e analisando, criticamente, suas diferentes facetas epistemológicas.
Essa leitura deve conduzi-lo ao entendimento de como essa área é constituída,
quais são seus objetivos e objetos de estudo e pesquisa; e como ela é definida.
Embora não serão apresentadas, neste momento, as diferentes correntes teóricas
que sustentam a EA, é oportuno adiantar que elas existem e devem ser analisadas
e distinguidas. Nesse primeiro momento, serão abordados pontos consensuais
questões pertencentes à área que a delimitam como um campo de conhecimento.
Mas, por que a EA é um campo de conhecimento?

Para que possamos definir um novo campo de conhecimento, é necessário


que esse campo cumpra critérios e possua atributos específicos. Para Cachapuz
et al. (2005), por exemplo, o desenvolvimento de um novo campo de conhecimento
está, na maior parte das vezes, associado às seguintes condições: a existência de
uma problemática relevante, a qual suscite interesse e esforços para seu estudo,
pesquisa e problematização; o caráter específico dessa problemática, ou seja,
que não haja outra área de conhecimento já consolidada e que possa estudá-la; e
a existência de condições externas favoráveis, como as conjunturas sociocultural,
histórica, econômica e os recursos humanos específicos (NETO, 2009).

É inegável que essas condições podem ser identificadas no campo da


EA, tanto no Brasil, como em outros países. Isso porque, esse campo traz
uma problemática – a questão ambiental, sua dinâmica de transformação,
sua degradação, a sustentabilidade ambiental, entre outros aspectos – de alta
relevância e discutida em âmbito mundial há mais de cinco décadas. Os estudos
acerca dessas problemáticas são cada vez mais abordados e aparentes em

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NATUREZA, AMBIENTE E MEIO AMBIENTE: ENTENDENDO E
Capítulo 1
DIFERENCIANDO OS CONCEITOS NO CENÁRIO DA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL

decorrência de um contexto sociocultural, político, econômico e ideológico que


exige medidas globais e imediatas para o tratamento das questões ambientais
(NETO, 2009).

Vê-se que a EA está associada a contextos socioculturais, políticos,


econômicos e ideológicos e prima pela mudança de comportamento frente a
relação homem-natureza. Decorrente disso, existem muitas definições e correntes
teóricas, as quais procuram estabelecer maneiras efetivas de mudar a relação
supracitada.

Nesse sentido, partimos da “compreensão de que o campo da EA é um


campo plural, diverso e diferenciado de tendências político-pedagógicas, éticas e
epistemológicas” (LIMA, 2005, p. 20).

Pode-se dizer que o campo da EA é composto por uma


diversidade de atores, grupos e instituições sociais que
compartilham, enquanto membros do campo, um núcleo
de valores, de normas e características comuns, mas que
se diferenciam entre si, por suas concepções sobre a crise
ambiental e pelas propostas político-pedagógicas que
defendem para abordar os problemas ambientais. Essas
concepções ambientais e pedagógicas, por sua vez se
fundamentam em interesses e posições políticas diversas que
oscilam entre tendências à conservação ou à transformação
das relações sociais e das relações que a sociedade mantém
com o seu ambiente” (LIMA, 2005, p. 16).

Em um artigo intitulado “(Re) pensando a EA”, a professora Marília Freitas


de Campos Tozoni-Reis faz uma compilação acerca de algumas das definições
da EA:

QUADRO 1 - DIFERENTES CONCEPÇÕES ACERCA DA EA

1. “Educação Ambiental é um processo permanente, no qual os indivíduos


e a comunidade tomam consciência do seu meio ambiente e adquirem
conhecimentos, valores, habilidades, experiências e determinação que
os tornam aptos a agir – individual e coletivamente – e resolver problemas
ambientais presentes e futuros.” (Ministério do Meio Ambiente – MMA).

2. “[...] a Educação Ambiental compreendida como o espaço onde se


engendram relações sociais resultantes de um passado instituidor que,
atualizando o presente, faz emergir as referências para futuras ações
educativas no campo das políticas públicas de meio ambiente. Significa, ainda,
desvelar para a sociedade experiências e propostas de Educação Ambiental,

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Fundamentos da Educação Ambiental

em tempos diferentes, muitas vezes até conceitualmente divergentes, mas,


todas, reveladoras de um nexo comum com as conjunturas política, social,
econômica e ambiental vivenciadas.” (Secretaria do Meio Ambiente – SP).

3. “A Educação Ambiental é definida como um processo de formação e


informação orientado para o desenvolvimento da consciência crítica sobre
as questões ambientais, e de atividades que levem à participação das
comunidades na preservação do equilíbrio ambiental.” (Conselho Nacional do
Meio Ambiente – Conama).

4. “O conceito de Educação Ambiental é complexo, abstrato e dificilmente


compartilhado, porque não está abrangentemente explicado. Pode ser visto
como uma forma de intervenção na problemática ambiental mediada por
projetos definidores de programas educativos. A Educação Ambiental envolve-
se na formação das pessoas na busca da utopia que significa oportunidade de
reinvenção do compromisso com a emancipação. A Educação Ambiental é um
processo continuado, permanente, com estratégias específicas desenvolvidas
pelos seus participantes, incluindo a de sobrevivência econômica,
comunitariamente articulada. Assim, o bairro, a microbacia, o ambiente urbano,
articulam a rede de cidadania, base do desenvolvimento sustentável. A prática
da Educação Ambiental deve objetivar a ser perpassada pela intencionalidade
de promoção e pelo incentivo ao desenvolvimento de conhecimentos, valores,
atitudes, comportamentos e habilidades que contribuam para a sobrevivência –
a nossa e de todas as espécies e sistemas naturais do planeta –, a participação
e a emancipação humana.” (Instituto Ecoar).

5. “A Educação Ambiental deve ser direcionada para a compreensão da busca


de superação das causas estruturais dos problemas ambientais por meio da
ação coletiva e organizada. Segundo esta percepção, a leitura da problemática
ambiental deve se realizar sob a ótica da complexidade do meio social e o
processo educativo deve pautar-se por uma postura dialógica, problematizadora
e comprometida com transformações estruturais da sociedade, de cunho
emancipatório. Neste sentido, acredita-se que, ao participar do processo
coletivo de transformação da sociedade, a pessoa estará, também, se
transformando.” (Secretaria do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável
– MG).

6. “A verdadeira Educação é ambiental em sua essência, uma vez que o


planeta não é uma somatória de sujeitos isolados por redomas… Sua tônica
deve ser a de conectar as várias áreas do conhecimento, com noção de
encadeamento dos fatos. E que o aprendizado se concretize em mudança de
comportamento, por adoção de uma nova filosofia de vida. Que as pessoas

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NATUREZA, AMBIENTE E MEIO AMBIENTE: ENTENDENDO E
Capítulo 1
DIFERENCIANDO OS CONCEITOS NO CENÁRIO DA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL

possam se conscientizar de seu papel na engrenagem e da importância e


consequência de suas ações.” (Maria Vitória Ferrari Tomé – Rede Ambiente).

7. “O conceito de Educação Ambiental foi mudando ao longo do tempo.


Inicialmente relacionado à ideia de natureza e o modo de percebê-la, tem se
acentuado a necessidade de levar em conta os vários aspectos que interferem
nas situações ambientais, incorporando as dimensões socioeconômica, política,
cultural e histórica de uma população” (Vidagua).

8. “A Educação Ambiental se constitui numa forma abrangente de


Educação, que se propõe atingir todos os cidadãos, através de um processo
pedagógico participativo permanente que procura incutir no educando uma
consciência crítica sobre a problemática ambiental, compreendendo-se como
crítica a capacidade de captar a gênese e a evolução de problemas ambientais.”
(Ambiente Brasil).

9. Art. 1° Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos


quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos,
habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio
ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e
sua sustentabilidade (Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999).

A “Educação Ambiental envolve o entendimento de uma educação cidadã,


responsável, crítica, participativa, em que cada sujeito aprende com
conhecimentos científicos e com o reconhecimento dos saberes tradicionais,
possibilitando a tomada de decisões transformadoras, a partir do meio ambiente
natural ou construído no qual as pessoas se integram. A Educação Ambiental
avança na construção de uma cidadania responsável voltada para culturas
de sustentabilidade socioambiental”. (Parecer CNE/CP nº 14/2012, aprovado
em 6 de junho de 2012 - Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Ambiental).

A Educação Ambiental é um processo, uma dimensão dada ao conteúdo


e à prática da educação que utiliza vários conhecimentos para promover a
compreensão dos mecanismos de inter-relação natureza- homem, em suas
diversas dimensões (Parâmetros Curriculares Nacionais- Temas Transversais).

FONTE: Adaptado de Tozoni-Reis (2004)

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Fundamentos da Educação Ambiental

Após fazer a leitura do Quadro 1, constituído por 11 definições


de EA, você consegue identificar referências comuns em todas
as conceituações que possam ser consensuais sobre a definição
de EA? Procure fazer esse exercício mentalmente ou por meio da
construção de um mapa conceitual. Para saber mais sobre mapa
conceitual, faça a leitura do artigo ou assista ao vídeo, disponíveis
nos links a seguir:
<http://pepsic.bvsalud.org/pdf/cc/v12/v12a08.pdf>.
<https://www.youtube.com/watch?v=F54SWctP7-E>.

Embora as definições apresentadas sejam plurais, enunciadas por diferentes


sujeitos, há elementos de intersecção que unificam o conceito de EA. Trata-se da
ideia de que a EA é um processo permanente, continuado. Se pensarmos que o
principal objeto de estudo dessa área é a relação do homem com a natureza e que
essa relação é transformada constantemente, essa constatação parece óbvia. Por
exemplo, imagine se ainda vivêssemos em uma sociedade cuja economia fosse
sustentada totalmente pelo escambo ou pela agricultura de subsistência... Será
que as questões correlatas à EA estariam tão emergentes?

Além disso, nenhuma definição menciona a EA apenas como um conjunto


de conceitos pertencentes à Biologia e suas subáreas (por exemplo, Ecologia ou
Geologia). Trata-se de um conhecimento transdisciplinar e multidimensional,
pautado em questões socioeconômicas, políticas, culturais e históricas. Ademais,
essa área é constituída não apenas por saberes conceituais, mas, também,
procedimentais e atitudinais. Envolve um saber, um saber-fazer e um saber
ser coletivo, solidário, além de uma tomada de consciência manifestada na
percepção de que o homem é parte da natureza e não externo a ela.

Em consonância a esses elementos consensuais, de acordo com os


Parâmetros Curriculares Nacionais, todas as recomendações, decisões e tratados
internacionais sobre o tema evidenciam a importância atribuída por lideranças
de todo o mundo para a EA como meio indispensável para se conseguir criar
e aplicar formas cada vez mais sustentáveis de interação sociedade-natureza e
soluções para os problemas ambientais (BRASIL, 1998).

Percebe-se assim, a ênfase na relação sociedade-natureza e nas diferentes


formas de explorá-la e derivar reflexões sobre as condições que configuram o

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NATUREZA, AMBIENTE E MEIO AMBIENTE: ENTENDENDO E
Capítulo 1
DIFERENCIANDO OS CONCEITOS NO CENÁRIO DA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL

“tipo” de relação predominante (exploratória, afetiva, irrelevante, por exemplo). É


fundamental que analisemos como o nosso modo de vida e organização social –
hoje geridos pelo capitalismo- afetam a nosso modo de lidar com a natureza.

A “EA apresenta-se como um campo novo e multidi­ mensional ainda


insuficientemente explorado em sua complexidade, diversidade, em sua(s)
identidade(s) e alcance social” (LIMA, 2005, p. 11). Igualmente, por não haver
estudos empíricos que possibilitem saber qual é a postura político-pedagó­gica da
EA em todos os setores da sociedade, ao menos entre os pesquisadores da área
“a ideia de que o conhecimento e a prática da EA devem incorporar as dimensões
sociais e políticas da questão ambiental parece ser na atualidade, uma conclusão
consensual” (Lima, 2005, p. 118). Isso significa que, os conhecimentos das
Ciências Naturais não são suficientes para sustentarem a área. Por exemplo,
a Sociologia é uma disciplina cujo objeto de estudo é a forma de organização
da sociedade. A partir da revolução industrial e suas consequências, uma nova
organização social foi instituída e, então, o estudo dessas organizações passou a
fazer mais sentido: as classes sociais emergentes, a divisão do trabalho, o êxodo
rural e concomitante urbanização, a emergência do capitalismo. Estudar essas
questões e compreender profundamente o modo de produção capitalista pode ser
uma ferramenta de análise para o entendimento do porquê a sustentabilidade é
tão aclamada dentro da questão ambiental.

Embora seja importante que a disciplina de Ciências dê a sua contribuição


para a compreensão dos fatores que compõem o ambiente e colabore na
formação de uma consciência ambiental, a EA tem natureza transversal e
interdisciplinar não sendo, portanto, objeto de estudo exclusivo das Ciências
Naturais. É importante questionar a concepção de mundo estritamente biológico
das Ciências Naturais e ampliar essa visão a partir de uma concepção de mundo
que inclua os valores culturais, o mundo das humanidades (BRASIL, 1998).

O estudo e a análise cartesiana (compartimentalizada) que influenciou o


modo de fazer ciência durante séculos (herança da proposição filosófica de
Descartes) subdivide os objetos de estudo a serem analisados por diferentes áreas
do conhecimento. Para o estudo dos fenômenos ambientais, esse critério não é
suficiente dado o próprio funcionamento sincrônico simultâneo dos fenômenos
ambientais, bem como a relevância da ação antrópica para compreendê-
los. BRASIL, 1998). Os elementos ou fenômenos da natureza não podem ser
estudados de forma isolada uma vez que atuam de forma interdependente. Por
exemplo, em uma cadeia alimentar, se qualquer um dos níveis tróficos tiver a sua
população alterada, a cadeia será afetada como um todo e, consequentemente, a
dinâmica e o equilíbrio do ecossistema também.

Sugere-se, dessa forma, uma mudança no olhar teórico e prático para a EA,

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Fundamentos da Educação Ambiental

de maneira a promover uma visão que integre as dimensões social, econômica,


ecoló­gica, geográfica e cultural (SACHS, 1989). Essa ideia tem como objetivo
desprender-se de um conceito reducionista que entende a EA apenas como uma
educação para a conservação da natureza, a conscientização da sociedade e
mudanças de comportamento (CORREIA, 2014).

O objetivo mais genuíno e profundo dessa área é propor estratégias e ações


de educação para a mudança da sociedade, para que a tomada de consciência
promova e/ou oriente um desenvolvimento humano que seja, concomitantemente,
causa e efeito da sustentabilidade e da responsabilidade global.

Portanto, a partir de um ponto de vista operacional, a EA


envolve tanto a análise crí­tica da estrutura socioeconômica
que tem determinado as atuais tendências insustentáveis
(informação e sensibilização), como o reforço das capacidades
humanas para transformar (agir), dando grande importância à
preparação de uma cidadania responsável e capaz de tomar
decisões num mundo globalizado e complexo (CORREIA,
2014, p. 10).

Toda a concepção de EA cujo eixo de pensamento desprende a dinâmica


“natural” das condições e contextos sociais e promove a ideia de que há uma
“natureza” idealmente perfeita, estática, fora do movimento da vida (que deve ser
ensinada por aqueles que a compreenderam e copiada pelos demais), nega a
vinculação educação-cidadania-participação e desconsidera a sustentabilidade
como uma construção permanente e decorrente das mediações (sociais e
ecológicas) que nos constituem. Em processos educativos participativos não
há uma única relação adequada, mas relações possíveis em determinados
contextos, ou seja, territórios organizados culturalmente com uma história social
a ser conhecida (no que tange ao passado) e transformada (no presente para
criar-se o futuro). Trata-se, portanto, de um movimento constante de redefinição e
aprimoramento das nossas relações sociais na natureza (LOUREIRO, 2004).

Dessa forma, é preciso incentivar as pessoas, por meio da EA, a refletirem


sobre a sua relação com a natureza, sobre como suas atitudes interferem na
dinâmica do ecossistema e sobre como entender uma atitude individual como
parte do bem coletivo.

O êxodo rural, a criação de ambientes urbanizados artificiais, e o novo


estilo de vida consumista e alheio às questões ambientais têm contribuído para
um distanciamento entre a população e o ambiente natural. Para muitos alunos,
o conhecimento sobre o ambiente é muitas vezes restrito ao que se ensina na
escola, principalmente dentro de espaços formais de aprendizagem. A falta
de possibilidades de interação das pessoas com a natureza pode ser um fator

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NATUREZA, AMBIENTE E MEIO AMBIENTE: ENTENDENDO E
Capítulo 1
DIFERENCIANDO OS CONCEITOS NO CENÁRIO DA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL

importante na falta de identificação e sensibilização acerca dos problemas


ambientais. Partindo de tal pressuposto, questões ambientais podem ser,
equivocadamente, entendidas como independentes da realidade urbana. Embora
seja uma ideia bastante, simplificada, é muito comum pensarmos que somos
excêntricos à natureza, que vivemos fora dela, em um ambiente urbanizado,
modernizado; que falar da relação do homem com a natureza não é falar de
atitudes diárias, que interferem no meio específico no qual cada um vive, mas
pensar em atitudes estritas à preservação de áreas verdes, em um local distante
da vida cotidiana.

De acordo com algumas perspectivas, a questão ambiental representa quase


uma síntese dos impasses que o atual modelo de civilização acarreta. Assim, o
que assistimos no início do século XXI não é só uma crise ambiental, mas uma
crise civilizatória. E a superação dessa crise exigirá mudanças profundas na
concepção de mundo, de natureza, de poder, de bem-estar, tendo por base novos
valores individuais e sociais. Faz parte dessa nova visão de mundo a percepção
de que o homem não é o centro da natureza (BRASIL, 1998).

No âmbito do contexto social atual no qual a educação constitui uma forma


de intervenção no mundo e sincroniza o ensino de conceitos, procedimentos
e atitudes (e não apenas a ênfase perpetuada na memorização e repetição),
diversas formulações teórico-metodológicas remetem-se à consolidação de
tendências em EA como meio de enfrentamento dos desafios postos pela crise
ambiental (SILVA; COSTA; ALMEIDA, 2012).

A EA é a herdeira mais próxima dos debates ecológicos e está dentro dos


movimentos de constituição de alternativas contra-hegemônicas que visam à
construção de outras formas de relacionamento entre sociedade-natureza (SILVA;
COSTA; ALMEIDA, 2012).

Assim, podemos considerar que a EA é uma atividade intencional da prática


social que imprime ao desenvolvimento individual um caráter social em sua relação
com a natureza e com os outros seres humanos, com o objetivo de potencializar
a atividade humana, tornando-a mais plena de prática social e de ética ambiental.
Essa atividade exige sistematização por meio de metodologia que organize
os processos de transmissão/apropriação crítica de conhecimentos, atitudes
e valores políticos, sociais e históricos. Assim, se a Educação é mediadora na
atividade humana, articulando teoria e prática, a EA é mediadora da apropriação,
pelos sujeitos, das qualidades e capacidades necessárias à ação transformadora
responsável diante do ambiente em que eles vivem. Podemos dizer que a gênese
do processo educativo ambiental é o movimento de fazer-se plenamente humano
pela apropriação/transmissão crítica e transformadora da totalidade histórica e
concreta da vida dos homens no ambiente (TOZONI-REIS, 2004).

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Fundamentos da Educação Ambiental

De forma geral e em consonância com Reigota (1994), entende-se que


a proble­mática ambiental é constituída pelo resultado da forma como estão
estabelecidas as relações entre sociedade e natureza e entre seres humanos,
havendo uma apropriação humana sobre o meio ambiente de forma desigual e,
em muitas vezes, em detrimento não só das demais formas de vida, mas também
contra os próprios seres humanos (SOUZA; SALVI, 2012).

Assim, é de importante considerar a Educação Ambiental como um campo
que:
1. Gira em torno do educativo e do ambiental de forma que não é possível subtrair
dos debates ambos os campos disciplinares;
2. Requer aportes de outras disciplinas e formas de conhecimento de ma­neira a
compor-se dentro de uma natureza interdisciplinar;
3. Tem construído sua própria especificidade e importância na arena da produção
de conhecimento e de práticas sociais (NIETO-CARAVEO, 2001).

Se o objetivo maior da EA e das ações derivadas desse campo de pesquisa


e atuação é construir um novo patamar societário e de existência integrada às
demais espécies vivas e em comunhão com o mundo, é preciso superar as formas
de alienação que culminam na dicotomia sociedade/natureza (LOUREIRO, 2004).

O desafio maior está, portanto, no desenvolvimento de uma educação que


aumente a oferta de alternativas para a formação de sujeitos que construam um
futuro sustentável. A realidade atual exige uma reflexão cada vez menos linear,
e isto se produz na inter-relação entre saberes e práticas coletivas que criam
identidades e valores comuns e ações solidárias face à reapropriação da natureza,
numa perspectiva que privilegia o diálogo entre saberes (JACOBI, 2004).

O adjetivo ambiental acrescentado à Educação diferencia a EA da Educação


geral, inserindo como eixo notório de preocupação elementos da relação socie­
dade e natureza. Destacam-se duas grandes tarefas nesse contexto: a realização
de “uma crítica radical e permanente aos processos objetificantes promovidos
e sustentados pela ética antropocêntrica do racionalismo moderno” (GRÜN,
1996, p. 51) e a divulgação de saberes que têm possibilidades de fomentar uma
sociedade ecologicamente sustentada.

A proposta e a fundamentação da EA dependem, também, da concepção


de Educação que está em jogo. Se pensarmos na educação apenas como
possibilidade para memorizar conceitos, termos, teorias e reproduzi-los em
condições específicas dentro da escola (provas, trabalhos e chamadas orais)
ou em situações correlatas (aprovação em vestibulares), a EA será um conjunto
de conceitos sobre Ecologia a ser decorado. Se pensarmos na educação com
o objetivo de formação cidadã e de aprendizagem permanente de modo que o

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NATUREZA, AMBIENTE E MEIO AMBIENTE: ENTENDENDO E
Capítulo 1
DIFERENCIANDO OS CONCEITOS NO CENÁRIO DA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL

indivíduo saiba situar-se e intervir na sociedade, contribuindo para o bem comum,


a EA poderá ser trabalhada com base nas dimensões conceituais, atitudinais
e procedimentais e, então, contribuir para conscientização e mudança de
comportamento frente a diferentes contextos sociais. Por isso, é imprescindível, a
discussão sobre o papel da EA na escola e como a escola trabalha a EA.

O Relatório Final da Década da Educação para Desenvolvimento


Sustentável (UNESCO/UNEP, 2005), destaca a importância do papel
da sociedade civil e das ONGs enquanto organizações que devem
estimular a sensibilização dos cidadãos, as campanhas e os grupos
de pressão, prestar consultoria e contribuir para a formulação de
políticas públicas, implantar a educação para o desenvolvimento
sustentável, especialmente nos espaços educativos não formais,
promover a aprendizagem e a ação participativa e mediar as relações
entre o governo e o público.

A educação não formal, objeto do trabalho educativo das ONGs,


refere-se às atividades organizadas, com caráter de intencionalidade,
realizadas fora da instituição formal de ensino, com determinado
grau de sistematização e estruturação, com a finalidade de oferecer
tipos selecionados de ensino a subgrupos específicos da população
(COLLEY et al., 2002; TRILLA, 1996; LA BELLE, 1980).

No Brasil, as ONGs ambientais têm desempenhado um


importante papel no processo de aprofundamento e expansão
das ações de educação ambiental não formal e, muitas vezes,
impulsionam iniciativas governamentais e dão apoio às organizações
da iniciativa privada interessadas no desenvolvimento de projetos
na área. Estas organizações fazem parte do grupo de interessados
preocupados com a problemática ambiental. São os denominados
stakeholders das demandas ambientais como: os órgãos estatais
encarregados de proteger o meio ambiente, gestores públicos,
instituições e grupos científicos, gestores de empresas privadas,
imprensa, profissionais ligados à implementação da questão
ambiental na gestão de processos produtivos, consumidores
“verdes”, comunidade acadêmica, cidadãos etc.

As ONGs ambientalistas são entidades privadas com fins


públicos, sem fins lucrativos e com alguma participação voluntária
que atuam em problemas socioambientais. Seu foco de ação é

19
Fundamentos da Educação Ambiental

impedir a degradação ambiental e promover formas sustentáveis de


desenvolvimento. Nas últimas décadas, muitas delas têm atuado em
parceria com a comunidade, governos e iniciativa privada para dar
conta da complexidade do campo ambiental, que demanda soluções
multifacetadas para um público bastante heterogêneo (PIGNATTI,
2005; PRINCEN; FINGER,1996).

FONTE: Trechos retirados do artigo: TALAVEIRA VALENTINI


TRISTÃO, VIRGÍNIA; MARTELLI TRISTÃO, JOSÉ AMERICO. A
contribuição das ONGS para a Educação Ambiental: Uma avaliação
da percepção dos Stakeholders. Ambiente & Sociedade, v. 19, n. 3,
2016.

Como gestor ambiental, você poderá atuar, também, junto às


organizações não governamentais. Seguem alguns exemplos de
importantes ONGs cujo principal objetivo gira ao redor de ações
ambientais.

Greenpeace: <https://www.greenpeace.org/brasil/>.

WWF-Brasil: <https://www.wwf.org.br/>.

SOS Amazônia: <https://doe.sosamazonia.


org.br/?gclid=EAIaIQobChMIjrmI8-SE4gIVRgmR
Ch0hBQ5BEAAYASAAEgKH1_D_BwE>.

Akatu: <https://www.akatu.org.br/>.

2.1. EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO


CONTEXTO DA ESCOLA
Para incorporar o sentido da EA dentro da escola, pensando em seus
objetivos e contribuições formativas, é preciso, inicialmente, especificar alguns
posicionamentos gerais acerca da educação como um todo.

A partir dos anos 1990, a centralidade da discussão sobre ensino de Ciências


é a “formação para a cidadania”, analisada como reflexo do contexto sociopolítico
da sociedade contemporânea brasileira. Portanto, as preocupações com a intensa

20
NATUREZA, AMBIENTE E MEIO AMBIENTE: ENTENDENDO E
Capítulo 1
DIFERENCIANDO OS CONCEITOS NO CENÁRIO DA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL

degradação ambiental, com a escassez de recursos naturais e com a melhoria


da qualidade de vida incitaram uma (re)formulação dos objetivos do Ensino
de Ciências: não se primaria mais a formação de cientistas, mas de cidadãos
capazes de compreender e interferir na realidade por meio de um pensar lógico e
crítico ( POZO; CRESCPO, 2009).

A escola passa então, a ser concebida como um recurso em direção à


cidadania, uma cidadania que favorece a cooperação, a discussão e a resolução
de problemas. Essa organização é fundamental para que o ser humano aprimore
sua qualidade de vida, tome decisões e continue a aprender (POZO; CRESPO,
2009).

As disposições gerais sobre o ensino e o papel da formação para a cidadania


são reafirmadas coerentemente quando se analisam textos dirigidos a áreas
específicas, como o ensino de Ciências.

Percebe-se nos trechos mencionados que a cidadania, como descreve a


Lei n. 9.394/1996 (LDB), compreende participação social e política; exercício de
direitos e deveres políticos, civis e sociais; atitudes de solidariedade, cooperação e
repúdio às injustiças; respeito mútuo; reconhecimento e valorização da pluralidade
do patrimônio sociocultural brasileiro; postura contrária a discriminações.

A escola que sonhamos é aquela que assegura a todos a formação cultural


e científica para a vida pessoal, profissional e cidadã, possibilitando uma relação
autônoma, crítica e construtiva com a cultura em suas manifestações: a cultura
provida pela ciência, pela técnica, pela estética, pela ética, bem como pela cultura
paralela (meios de comunicação em massa) e pela cultura cotidiana (LIBÂNEO,
2013).

Esse pensamento tem como objetivo formar cidadãos participantes em todas


as instâncias da vida social contemporânea, o que implica articular os objetivos
convencionais da escola- transmissão-assimilação ativa de conteúdos escolares,
desenvolvimento do pensamento autônomo, crítico e criativo, formação de
qualidades morais, atitudes, convicções- às exigências postas pela sociedade
comunicacional, informática e globalizada: maior competência reflexiva, interação
crítica com as mídias e multimídias, conjunção da escola com outros universos
culturais, conhecimento e uso da informática, formação continuada (aprender a
aprender), capacidade de diálogo e comunicação com os outros, reconhecimento
das diferenças, solidariedade, qualidade de vida, preservação ambiental. Trata-se
de conceber a escola de hoje como espaço de integração e síntese (LIBÂNEO,
2013).

Essas tarefas da educação assumem uma importância crucial ante as

21
Fundamentos da Educação Ambiental

transformações do mundo atual. Num mundo globalizado, transacional, nossos


alunos precisam estar preparados para uma leitura crítica das transformações
que ocorrem em uma escala mundial. Num mundo de intensas transformações
científicas e tecnológicas, precisam de uma formação geral sólida, capaz de ajudá-
los na sua capacidade de pensar cientificamente, de conhecer cientificamente
os problemas humanos. Por outro lado, diante da crise de princípios e valores,
resultantes da deificação do mercado e da tecnologia, do pragmatismo moral
ou relativismo ético, é preciso que a escola contribua para uma nova postura
ético-valorativa de recolocar valores humanos fundamentais como a justiça, a
solidariedade, a honestidade, o reconhecimento da diversidade e da diferença,
o respeito à vida e aos direitos humanos básicos, como suportes de convicções
democráticas (LIBÂNEO, 2013). A partir disso, a escola tem um grande papel no
fortalecimento da sociedade civil, das entidades, das organizações e movimentos
sociais (LIBÂNEO, 2013).

Formar para a cidadania é formar pessoas que têm compreensão do próprio


papel como cidadão do mundo; que respeitam e valorizam a diversidade; têm
um entendimento de como o mundo funciona economicamente, politicamente,
culturalmente, socialmente, tecnologicamente e ambientalmente; que são
contrárias à injustiça social; que participam e contribuem com a comunidade
de vários modos em nível local e global; que estão dispostas a agir para
tornar o mundo um lugar mais igualitário e sustentável; e que assumem as
responsabilidades de suas ações (RATCLIFFE; GRACE, 2003). Os mesmos
autores consideram que apesar de serem distintas as formas como se pode dar
significado à educação para cidadania, é defendida a ideia de que os cidadãos
precisam de conhecimento e compreensão do sistema social, jurídico e político
em que vivem e operam. Eles precisam de habilidades e aptidões para fazer
uso desse conhecimento e precisam ser dotados de valores para que o uso de
tais conhecimentos e habilidades seja direcionado a fins benéficos. Questões
sociocientíficas podem ser determinantes na formação de opinião e tomada de
decisão em níveis pessoais e sociais, sendo com frequência reportadas pela
mídia, normalmente tratadas por meio de informações incompletas devido à
apresentação de evidências científicas conflitantes ou insuficientes; podem incluir
dimensões locais, nacionais e globais de quadros políticos e sociais e envolvem
algumas análises de custo e benefício, nas quais riscos interagem com valores.
Podem envolver considerações acerca de desenvolvimentos sustentáveis e
envolvem raciocínios éticos e de valores morais (RATCLIFFE; GRACE, 2003).

Como já mencionado, o objetivo precípuo da EA é gerar uma reflexão sobre


a relação homem- natureza em suas múltiplas perspectivas e não, estritamente,
a biológica, que possa legitimar-se na mudança de comportamento. Isto posto,
a EA no âmbito da escola, assume a responsabilidade de contribuir para uma
mudança de comportamentos, para uma atuação cidadã. Quando bem proposta

22
NATUREZA, AMBIENTE E MEIO AMBIENTE: ENTENDENDO E
Capítulo 1
DIFERENCIANDO OS CONCEITOS NO CENÁRIO DA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL

e organizada, a EA leva a mudanças de comportamento pessoal, de atitudes e


valores de cidadania que podem ter importantes consequências sociais.

No entanto, a EA é entendida por muitos professores da Educação Básica


como uma possibilidade de trabalho prático com um tema que envolva o meio
ambiente. As escolas, por muitas vezes, assumem desenvolver projetos de EA
que ficam reduzidos a práticas pontuais como a “separação de lixos” ou a ideia
de que levar a própria caneca para beber água é sinônimo de desenvolvimento
sustentável. Essa falta de sentido epistemológico para caracterizar a
complexidade da EA deve ser problematizada. O que, de fato, constitui um projeto
de EA? Como a EA realizada nas escolas pode contribuir para uma mudança
de comportamento nos estudantes? Como proporcionar ou contribuir para o
desenvolvimento da responsabilidade coletiva, do respeito e do diálogo?

Como já foi diagnosticado anteriormente, a EA é constituída, em termos


pedagógicos, não apenas por conceitos, mas por procedimentos e atitudes. Só
haverá mudança de comportamento se o trabalho e o entendimento da EA envolver
essas três dimensões. Entende-se dessa forma, que a EA tem como finalidade
garantir certo nível de conhecimento, o desenvolvimento de determinadas atitudes
e a promoção de certos valores por meio de processos em que o indivíduo e
a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e
competências voltadas para a conservação do meio ambiente.

Isso requer uma concepção de Educação, também, baseada em conceitos,


procedimentos e atitudes. O ensino de conceitos é supervalorizado no âmbito
curricular e escolar e, muitas vezes, não está acompanhado de uma preocupação
pedagógica com o “saber-fazer” e o “saber ser”.

A tradicional e perpetuada ideia de que o aluno precisa memorizar termos


científicos sem, no entanto, saber apropriar-se da ciência em situações cotidianas
e ainda entendê-la como neutra, salvacionista e feita por pessoas que se
especializaram muito e trabalham em laboratórios de pesquisa , ainda, bastante
presente. Por exemplo, quando um produto ou uma informação vem com a frase
“cientificamente comprovado” em destaque, em geral, as pessoas não contestam
a plausibilidade desse produto ou dessa informação. Isso porque, de acordo com
o “senso comum científico”, a ciência só produz benefícios e oportunidades
para a sociedade como um todo. Se assim fosse não faria sentido, por exemplo,
o uso de pesticidas por grandes empresas que, evidentemente, sabem o efeito
deste produto químico na cadeia alimentar e no equilíbrio do ecossistema. Por
que não há um controle biológico em detrimento de um controle químico?

Vamos pensar, por exemplo, no problema criado pelos fertilizantes químicos


e pesticidas que, a partir da Segunda Guerra Mundial, produziram uma verdadeira

23
Fundamentos da Educação Ambiental

revolução agrícola, incrementando de forma notável a produção. Recordemos que


a utilização de produtos de síntese para combater os insetos, pragas, parasitas e
fungos aumentou a produtividade num período em que um notável crescimento da
população mundial o exigia. E recordamos igualmente que, alguns anos depois, a
Comissão Mundial do Meio Ambiente e do Desenvolvimento (1988) advertia que
o seu excesso constituía uma ameaça para a saúde humana, provocando desde
malformações congênitas até ao cancro, sendo, por sua vez, autênticos venenos
para peixes, mamíferos e pássaros (PRAIA; PÉREZ; PEÑA, 2007).

Assim, as referidas substâncias que se acumulavam nos tecidos dos seres


vivos chegaram a ser denominadas, conjuntamente com outras igualmente tóxicas,
como “Contaminantes Orgânicos Persistentes” (COP). Este envenenamento do
planeta pelos produtos químicos de síntese, e em particular pelo DDT, já havia sido
denunciado, em finais dos anos 1950, por Carson (1980) no seu livro Primavera
Silenciosa (título que faz referência ao desaparecimento dos pássaros), em que
se refere a abundantes e contrastadas provas dos efeitos nocivos do DDT, o que
não impediu de ser violentamente criticada e de sofrer uma acusação muito dura
por parte da indústria química, dos políticos e numerosos cientistas, que negaram
o valor das suas provas e a acusaram de estar contra um progresso que permitia
dar de comer a uma população crescente e salvar, assim, muitas vidas humanas
(PRAIA; PÉREZ; PEÑA, 2007).

Contudo, apenas dez anos mais tarde, se reconheceu que o DDT era
realmente um perigoso veneno e se proibiu a sua utilização nos países
desenvolvidos, ainda que se tenha continuado a utilizar nos outros países. O que
podemos perceber com esse exemplo? defensores da manutenção do DDT eram
grandes “produtores de ciências” e, em um primeiro momento, por interesses
pessoais não reconheceram os perigos associados ao uso de pesticidas. Esse
exemplo elucida o caráter não neutro da ciência bem como de quem a produz
(PRAIA; PÉREZ; PEÑA, 2007).

Partindo ainda desse exemplo, peço para que faça uma reflexão: A partir
do conceito de DDT e pesticidas, você conseguiria explicar, a relação do uso do
DDT e seu efeito na cadeia alimentar? Você conseguiria analisar criticamente a
proposta de uma empresa e criar argumentos próprios (sem “copiar” ideias de
outras pessoas)? Você conseguiria não se iludir com uma ciência enviesada
cuja tônica seja a mobilização de argumentos apelativos (acabar com a fome de
milhões de pessoas)?

O saber conceitual não implica, sozinho, em um saber procedimental e, muito


menos, em um atitudinal. Muitas vezes, esse saber isolado, fica restrito à sala de
aula, às condições de avaliação, reprodução em provas ou chamadas orais. Por
isso, o ensino precisa balizar-se em competências.

24
NATUREZA, AMBIENTE E MEIO AMBIENTE: ENTENDENDO E
Capítulo 1
DIFERENCIANDO OS CONCEITOS NO CENÁRIO DA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL

Na literatura, encontramos muitas definições para o conceito de competência,


que são elaboradas a partir de diferentes referenciais. No contexto escolar, esse
termo refere-se ao que qualquer pessoa necessita para responder aos problemas
que enfrentará. Diz respeito à intervenção efetiva nos diferentes âmbitos da vida
por meio de ações nas quais se mobilizam, ao mesmo tempo e de maneira inter-
relacionada, componentes atitudinais, procedimentais e conceituais (ZABALA,
2010).

O ensino de competências tem como finalidade formar o ser humano em todas


as suas capacidades, para que seja possível responder aos problemas que se
apresentam não só dentro da escola como nos mais diversos contextos. Cumpre
uma função orientadora, a fim de permitir a cada um dos alunos, o acesso aos
meios para que possam se desenvolver conforme suas possiblidades, em todas
as etapas da vida. Trata-se de um ensino que busca favorecer o desenvolvimento
pessoal, interpessoal, social e profissional (ZABALA, 2010).

Agora, pensemos de forma análoga- a importância da sincronicidade entre


conceito, procedimento e atitude- considerando a abordagem da EA nas escolas.
Saber seus objetivos e propostas não provê, necessariamente, uma mudança
de comportamento e atitudes. Ribeiro e Cavassan (2016) argumentam que os
componentes conceituais, procedimentais e atitudinais podem, sincronicamente,
constituir o que esses autores denominaram de competência ambiental. Essa
competência considera a multidimensionalidade da EA e incorpora elementos
da área que, muitas vezes, não são legitimados como objetos de ensino-
aprendizagem.

QUADRO 2 - ELEMENTOS ESTRUTURANTES DA COMPETÊNCIA AMBIENTAL


Conhecimentos - Objetos de ensino e de aprendiza-
Conteúdos
gem

Conhecimentos curriculares do campo das Ciências Natu-


Conteúdos conceituais rais e Sociais. Conteúdos socialmente relevantes, selecio-
nados de acordo com suas potencialidades formativas.

Habilidades sociais e comunicativas que fundamentam as


relações interpessoais (saber dialogar, relacionar-se, con-
Conteúdos procedimentais viver, partilhar informações, cooperar, ouvir e reconsiderar
ideias, saber respeitar e valorizar a diversidade de perspec-
tivas etc.).

Conteúdos atitudinais Respeito, cooperação, autonomia e democracia.

FONTE: Ribeiro e Cavassan, (2016, p. 25)

25
Fundamentos da Educação Ambiental

O quadro discrimina como cada um dos conteúdos podem ser trabalhados


para constituir, integralmente, a competência ambiental. Retome as definições de
EA descritas e problematizadas no item anterior e veja que todas as definições
envolvem mudanças de comportamentos e atitudes, principalmente no que se
refere ao pensamento e ação coletiva. Desta forma, a escola, ao trabalhar a EA
deve permitir que os estudantes adquiram essa competência e possam intervir na
sociedade.

No entanto, há um distanciamento considerável entre o que fundamenta os


referenciais teóricos e o que, de fato, se faz na escola.

Os currículos escolares destacam os conceitos e simples generalizações


de modo que os alunos, raramente, são convidados a refletir ou protagonizar
o processo de ensino-aprendizagem. Almeida (2007) argumenta que muitos
professores acreditam que a abordagem de temáticas sobre o ambiente e
temas adjacentes é suficiente para que os alunos desenvolvam atitudes e
comportamentos favoráveis ao ambiente. Segundo esse autor, predominam, nas
escolas, práticas pedagógicas centradas na política dos 3Rs (reduzir, reutilizar
e reciclar), refletindo uma concepção de EA focada na gestão dos recursos que
está associada a uma perspectiva antropocêntrica da relação homem-natureza
(CORREIA, 2014).

Outro problema que devemos evitar diante do trabalho nas escolas é que ele
fique no plano do discurso vazio de “salvação pela educação” ou da normatização
de comportamentos “ecologicamente corretos” (LOUREIRO, 2007).

Há uma ampliação na compreensão do mundo e o repensar das relações eu-


eu, eu-outro, eu-nós no mundo. Temas anteriormente tratados como meio para a
preservação ou respeito à natureza (elementos importantes, mas insuficientes ao
reforçarem a dicotomia cultura-natureza) devem ser problematizados em várias
dimensões (cultural, econômica, política, legal, histórica, geográfica, estética etc.)
(LOUREIRO, 2007).

Pensando em afastar-se da reprodução de jargões ou de projetos


estereotipados, para que trabalho com a EA contribua para uma mudança de
pensamento e comportamento diante de um contexto capitalista e de consumo
exagerado, pode-se sugerir as atividades de campo uma vez que o contato com o
ambiente permite a sensibilização acerca dos problemas ambientais. Além disso,
surgem oportunidades de reflexão sobre valores, imprescindíveis às mudanças
comportamentais e, sobretudo, atitudinais.

Assim, uma caminhada no entorno do ambiente escolar, por exemplo, pode


embasar uma ótima atividade a partir da observação e exploração dos problemas

26
NATUREZA, AMBIENTE E MEIO AMBIENTE: ENTENDENDO E
Capítulo 1
DIFERENCIANDO OS CONCEITOS NO CENÁRIO DA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL

locais. Ao pensar na EA como prática educativa, é preciso inserir as atividades


de campo dentro de uma perspectiva onde o ambiente “é pensado como sistema
complexo de relações e interações da base natural e social e, sobretudo, definido
pelo modo de sua apropriação pelos diversos grupos, populações e interesses
sociais, políticos e culturais que aí se estabelecem” (VIVEIRO; DINIZ, 2009).

Apoiados na observação direta, os alunos podem fazer uma releitura crítico-


construtiva da realidade, identificar seus problemas socioambientais, estabelecer
relações entre as informações levantadas e elaborar propostas de transformação
da mesma (SANTOS; COMPIANI, 2005).

Cabe sugerir a utilização de propostas metodológicas como a problematização


(BERBEL, 2011) e a aprendizagem baseada em problemas (ABP) (SOUZA;
DOURADO, 2015). São metodologias ativas de aprendizagem cujo objetivo
principal é colocar o aluno no centro do processo de ensino-aprendizagem por
meio de problemas contextualizados (MORAN, 2015). Na primeira, os alunos
identificam um problema por meio da observação da realidade, trazem o problema
para a sala de aula para teorizá-lo, debatê-lo, estudar pontos específicos e/ou
novos para, então, criar planos de ação que visam a transformação da realidade
observada (e não, necessariamente, a extinção do problema). Trata-se de um
movimento de ação-reflexão-ação por meio do qual o aluno tem a chance de
conhecer e estudar a realidade e propor ações de intervenção.

Já na segunda, o problema é elaborado e proposto pelo professor em sala


de aula, que poderá, portanto, construí-lo a partir de uma problemática ambiental,
e então, por meio de estudos individuais e, em grupo, o aluno deverá investigar a
solução desse problema.

Na educação científica, as estratégias de ensino usadas naABP podem contribuir


para a tomada de decisões e na formação para cidadania.  A elaboração do caso pode
considerar    os    problemas    socioambientais    reais    com    os    quais    os
cidadãos se defrontam cotidianamente.

Questões como transgênicos, uso de biocombustíveis, uso de produtos


ou controle químico para aumento da produção, entre outras, envolvem
consideráveis implicações científicas, tecnológicas, políticas e ambientais que
podem ser trabalhadas com o intuito de favorecer a participação ativa dos
estudantes em discussões escolares que enriqueçam seu crescimento pessoal e
social além de contextualizar o conhecimento e/ou o conteúdo abordado.

Imagine, por exemplo, em uma aula sobre transgênicos, você solicitar


que os alunos assistam a dois vídeos que reverberam e descrevem sobre
posicionamentos distintos acerca da produção e consumo dos alimentos

27
Fundamentos da Educação Ambiental

transgênicos: um da Companhia Monsanto e um do Greenpeace. A partir dos


vídeos, você constrói um problema semelhante à: “Imaginem que vocês foram
consultados por um empresário que abrirá uma empresa agrícola e gostaria, de,
em sua proposta de divulgação inicial, apresentar o posicionamento da empresa
frente à questão da transgenia. Como você elaboraria argumentos sobre a
produção (ou não) desse tipo de alimento pela empresa? Qual a orientação que
daria ao empresário? Focar na produção orgânica ou em alimentos transgênicos?

Outro exemplo de problema que pode ser trabalhado: Maior multinacional


brasileira de cosméticos e pioneira em produção sustentável, a Natura é uma das
vencedoras do prêmio da Organização das Nações Unidas (ONU) Campeões da
Terra 2015, na categoria Visão Empresarial. Com o Programa Amazônia, lançado
em 2011, a Natura busca fomentar a criação de negócios sustentáveis na região
amazônica, impulsionando o desenvolvimento de uma economia de floresta em
pé. A companhia lançou uma linha de produtos que usa um novo ativo amazônico,
a ucuuba. A ucuuba é uma árvore da Amazônia ameaçada de extinção, muito
procurada por sua madeira leve e clara, porém, quem a derruba não vê que o seu
verdadeiro valor está nas sementes. Antes derrubada para exploração madeireira,
a árvore em pé passou a render três vezes mais ao ano às comunidades locais
com o manejo sustentável para fornecer cosméticos à Natura. Só em 2016, uma
área equivalente à 150 campos de futebol foi conservada.

Você é dono de uma empresa de cosméticos e tem a chance de expandir


seu negócio junto ao mercado nacional. Para tanto, precisa elaborar e lançar
uma linha de produtos fundamentada no desenvolvimento sustentável. Pense
em como você faria a divulgação de seu produto visto que a sua concorrente
direta é a Natura. Você conseguiria responder essas questões com argumentos
fundamentados e baseados em pesquisas científicas?

É importante perceber que a construção das respostas exige pesquisa,
reflexão, análise de argumentos, análise das fontes de informações (a
plausibilidade do conteúdo informativo depende da fonte que a emite, do objetivo
dessa fonte e do interesse dessa fonte), e principalmente, um posicionamento
crítico, fundamentado e contextualizado (o que, certamente, não é possível
apenas com a mobilização de conceitos retirados de livros didáticos ou apostilas).

O uso de problemas ou cases que envolvem questões sobre ciência,


tecnologia, sociedade e ambiente (CTSA) é uma estratégia para contextualização
dos conhecimentos, para exercitar a tomada de decisão e para o trabalho com
conceitos (o que se sabe), procedimentos (o que fazer) e atitudes (como agir
eticamente respeitando os valores de sustentabilidade, por exemplo). Envolver os
conhecimentos teóricos em ações reais é de suma importância para que saibamos
aplicar os conhecimentos e avaliar as consequências dessas aplicações para a
qualidade de vida social e ambiental.
28
NATUREZA, AMBIENTE E MEIO AMBIENTE: ENTENDENDO E
Capítulo 1
DIFERENCIANDO OS CONCEITOS NO CENÁRIO DA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL

Ao tratar das atividades de campo como estratégia para EA, Krasilchik


(2004) alerta para que haja coerência entre o discurso de conservação que se
utiliza em sala de aula e saídas a campo e o comportamento do professor e dos
estudantes. Por exemplo, os impactos gerados pela atividade devem ser mínimos,
somente o essencial deve ser coletado para estudo, desde que não cause danos
significativos ao ambiente (o que também poderá ser uma estratégia para o
trabalho com atitudes).

O trabalho de Educação Ambiental deve ser desenvolvido a fim


de ajudar os alunos a construírem uma consciência global das
questões relativas ao meio para que possam assumir posições
afinadas com os valores referentes à sua proteção e melhoria.
Para isso é importante que possam atribuir significado àquilo
que aprendem sobre a questão ambiental. E esse significado
é resultado da ligação que o aluno estabelece entre o que
aprende e a sua realidade cotidiana, da possibilidade de
estabelecer ligações entre o que aprende e o que já conhece, e
também da possibilidade de utilizar o conhecimento em outras
situações. A perspectiva ambiental oferece instrumentos para
que o aluno possa compreender problemas que afetam a sua
vida, a de sua comunidade, a de seu país e a do planeta. Muitas
das questões políticas, econômicas e sociais são permeadas
por elementos diretamente ligados à questão ambiental. Nesse
sentido, as situações de ensino devem se organizar de forma
a proporcionar oportunidades para que o aluno possa utilizar o
conhecimento sobre Meio Ambiente para compreender a sua
realidade e atuar sobre ela (BRASIL, 1998, p. 35).

A EA prospecta elementos para propostas pedagógicas centradas na


conscientização, mudança de comportamento, desenvolvimento de competências,
capacidade de avaliação e participação dos educandos, que devem ser
consonantes a uma ideia de educação com os mesmos objetivos (JACOBI, 2004).
Além disso, o que deve ser muito bem previsto é a coerência entre objetivos e
ações e/ou propostas que serão desenvolvidas com cunho de EA. Os objetivos,
aquilo que se deseja alcançar com determinado projeto ou proposta, devem ser
consonantes ao que se pode desenvolver ou fazer. Por exemplo, não se deve dizer
que uma escola tem um projeto de EA cujo objetivo é desenvolver a competência
ambiental nos estudantes e na comunidade, promovendo uma mudança de
comportamento e aquisição de novos valores se o que a escola se propõe a fazer
é colocar coletores identificados – papel, vidro, plástico, metal, não reciclável
e orgânico - no pátio e avisar aos alunos sobre a necessidade de identificar os
objetos antes de jogá-los no lixo. Essa ação pontual, irrefletida, proposta apenas
por meio da reprodução e condicionamento de comportamentos não levará a uma
mudança de valores.

Atualmente, o desafio de fortalecer uma educação ambiental


convergente e multirreferencial se coloca como prioridade
para viabilizar uma prática educativa que articule de forma

29
Fundamentos da Educação Ambiental

incisiva a necessidade de se enfrentar concomitantemente


a degradação ambiental e os problemas sociais. Assim, o
entendimento sobre os problemas ambientais se dá por uma
visão do meio ambiente como um campo de conhecimento e
significados socialmente construídos, que são perpassados
pela diversidade cultural e ideológica, como pelos conflitos
de interesse. Neste universo de complexidades precisa ser
situado o aluno, onde os repertórios pedagógicos devem
ser amplos e interdependentes, na medida que a questão
ambiental seja um problema híbrido, associado às diversas
dimensões humanas. Os professores devem estar cada vez
mais preparados para reelaborar as informações que recebem,
e entre elas as ambientais, para poder transmitir e decodificar
para os alunos a expressão dos significados em torno do meio
ambiente e da ecologia nas suas múltiplas determinações e
intersecções. A ênfase deve ser a capacitação para perceber
as relações entre as áreas e como um todo, enfatizando uma
formação local/global, buscando marcar a necessidade de
enfrentar a lógica da exclusão e das desigualdades. Nesse
contexto, a administração dos riscos socioambientais coloca
cada vez mais a necessidade de ampliar o envolvimento
público através de iniciativas que possibilitem um aumento do
nível de consciência ambiental dos moradores, garantindo a
informação e a consolidação institucional de canais abertos
para a participação numa perspectiva pluralista. A educação
ambiental não pode se restringir apenas aos problemas
ambientais que decorrem da desordem e degradação da
qualidade de vida nas cidades e regiões (JACOBI, 2004, p. 32).

Entende-se, portanto, que a prática da EA nas escolas só será efetiva se


estiver inserida no contexto de valores sociais, mesmo que se refira a mudanças
de hábitos cotidianos e não reduzida ao tratamento de alguns temas e princípios
ecológicos nas diversas disciplinas que formam os currículos, ou na geração de
ofertas educativas específicas relacionadas com o tema (JACOBI, 2004).

A declaração de Tbilisi (UNESCO, 1978) estabeleceu os seguintes


objetivos da EA: promover a aquisição de conhecimentos acerca dos fatores
bio­lógicos, físicos, socioeconômicos, de cuja interação o ambiente depende;
promover atitudes de preservação do ambiente nos indivíduos; desenvolver nos
membros das comunidades um sentido crítico para o exercício de uma cidadania
responsável, que se traduza na participação ativa e empenhamento na resolução
dos graves problemas ambientais que enfrentamos.

A EA apresenta três componentes prin­cipais: educação acerca do ambiente


(aquisição de conhecimentos); educação no am­biente (utilização do meio
como recurso, quer de processos investigativos, quer como palco material para
múltiplas atividades); educação pelo ambiente (desenvolvimento de atitudes e
valores que conduzam a um comprometimento tanto pessoal como comunitário
com as questões do ambiente). Esta última com­ponente implica o envolvimento

30
NATUREZA, AMBIENTE E MEIO AMBIENTE: ENTENDENDO E
Capítulo 1
DIFERENCIANDO OS CONCEITOS NO CENÁRIO DA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL

individual e coletivo dos alunos em uma abordagem interdisciplinar de resolução


de problemas focada em problemas reais das comunida­des. Essas metodologias
de ensino podem incluir métodos diversificados, como: atividades de discussão;
pesquisa bibliográfica; elaboração de mapas conceituais; realização de in­quéritos;
recurso a analogias; recurso às tecnologias da informação e comunicação;
trabalho laboratorial e trabalho de campo (ALMEIDA, 2007).

Para exemplificar essa questão, podemos citar a metodologia da


problematização, ressaltando a sua potencialidade para o trabalho com a EA.
Em síntese, Berbel (1998) explica que o desenvolvimento dessa metodologia se
dá a partir de um determinado aspecto da realidade. Então, a primeira etapa é a
da observação da realidade e definição do problema. É o início de um processo
de apropriação de informações pelos estudantes, que são levados a observar a
realidade em si, com seus próprios olhos e a identificar as características, a fim
de, mediante os estudos, poderem contribuir para a transformação da realidade
observada. Imagine que são os próprios alunos que trarão o problema para ser
teorizado e trabalhado em sala de aula.

Dessa forma, após uma observação do contexto em que vivem, os alunos,


apoiados pelo professor, selecionam uma das situações e a problematizam.
Definido o problema a estudar/investigar, inicia-se uma reflexão acerca
dos possíveis fatores e determinantes maiores relacionados ao problema,
possibilitando uma maior compreensão da complexidade e da multideterminação
dele.

Essa reflexão culminará na definição dos pontos-chave. Os pontos-chave


podem ser expressos de forma variada: questões básicas que se apresentam para
o estudo; afirmações sobre aspectos do problema; tópicos a serem investigados
ou, ainda, de outras formas. Assim, possibilita-se a criatividade e flexibilidade
nessa elaboração, após a compreensão do problema pelo grupo.

A terceira etapa – a da Teorização – é o momento da construção de respostas


mais elaboradas para o problema. Os dados obtidos, registrados e tratados, são
analisados e discutidos, buscando-se um sentido para eles, tendo sempre em
vista o problema. Todo estudo, até a etapa da Teorização, deve servir de base
para a transformação da realidade ou para gerar possibilidades de melhoria ou
minimização do problema que fora identificado no início.

Então se chega à quarta etapa, a das Hipóteses de Solução, em que a


criatividade e a originalidade devem ser bastante estimuladas para se pensar,
planejar e propor as alternativas de solução e intervenção. Bordenave afirma
que “o aluno usa a realidade para aprender com ela, ao mesmo tempo em que
se prepara para transformá-la” (BORDENAVE, 1989, p. 25). É nesse momento

31
Fundamentos da Educação Ambiental

que, após estudar teoricamente o problema visto na prática e/ou realidade, o


aluno começa a engendrar ideias de intervenção social: “O que posso fazer para
minimizar o problema?”, “O que é necessário para que o problema não ocorra?”,
“Quais são as ações que eu posso desencadear na direção de melhoria ou
extinção do problema?”, dentre outras.

Por fim, a última etapa, a da Aplicação à Realidade, é aquela que possibilita


o intervir, o exercitar, o manejar situações associadas à solução do problema. A
aplicação permite fixar as soluções geradas e contempla o comprometimento do
pesquisador para voltar para a mesma realidade, transformando-a em algum grau.

Assim, a Metodologia da Problematização diferencia-se de outras


metodologias de mesmo fim, e consiste em problematizar a realidade, em virtude
da peculiaridade processual que possui, ou seja, seus pontos de partida e de
chegada; efetiva- se por meio da aplicação à realidade na qual se observou o
problema, ao retornar posteriormente a esta mesma realidade, mas com novas
informações e conhecimentos, visando à transformação. “Trata-se de uma
concepção que acredita na educação como uma prática social e não individual ou
individualizante” (BERBEL, 1998, p. 36).

Em suma, o aluno irá:

1. Partir da observação da realidade de uma sala de aula, durante alguns dias/


horas, para a identificação de problemas e a escolha de um deles para o
desenvolvimento da investigação.
2. Refletir sobre os possíveis fatores e determinantes maiores do problema eleito
e definição dos pontos-chave do estudo.
3. Investigação de cada um dos pontos-chave, buscando informações e
analisando-as para responder ao problema, compondo assim a teorização;
4. Elaboração de hipóteses de solução para o problema.
5. Aplicação de uma ou mais das hipóteses de solução, como um retorno do
estudo à realidade investigada (COLOMBO; BERBEL, 2007).

O arco de Maguerez, apresentado inicialmente por Bordenave e Pereira


(1982), elucida essas cinco etapas e resume, esquematicamente, o percurso
metodológico da problematização.

32
NATUREZA, AMBIENTE E MEIO AMBIENTE: ENTENDENDO E
Capítulo 1
DIFERENCIANDO OS CONCEITOS NO CENÁRIO DA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL

FIGURA 1 - ARCO DE MAGUEREZ

FONTE: Adaptado de Bordenave e Pereira (1989)

A problematização leva os alunos a observarem e investigarem a realidade


a sua volta, identificando problemas e/ou dificuldades para, então, a partir de
estudos e levantamentos de dados teóricos e práticos, elaborarem um projeto
de transformação e intervenção da realidade. Dessa forma, são os próprios
alunos que trarão o problema a ser teorizado e trabalhado em sala de aula.
Essa metodologia parte de uma questão prática – observação da realidade e
levantamento de um problema; transita por uma questão teórica – estudo sobre o
problema identificado e volta para uma questão prática – elaboração de uma ação
cujo objetivo seja intervir na realidade (BERBEL, 1998).

Há, portanto, nessa metodologia uma ideia de educação crítica visto que
os alunos precisarão conhecer a realidade social que o cercam, dialogar com
a comunidade, investigar formas de intervir nessa sociedade e, inerentemente,
buscar um posicionamento crítico para direcionar escolhas e decisões. Além
disso, o processo de ensino-aprendizagem envolve a observação da realidade,

33
Fundamentos da Educação Ambiental

a investigação, o trabalho em grupo, a cooperação e a orientação e mediação


desse processo por parte do professor, atribuindo o protagonismo das ações aos
alunos.

Por exemplo, os alunos vão a uma empresa e/ou indústria e identificam


diversos fatores que aumentam a pegada de carbono da empresa. O problema é
trazido para sala com o objetivo de criar estratégias para diminuição da pegada
de carbono (pegada de carbono: mede a quantidade de dióxido de carbono que
produzimos diariamente e a forma como essas emissões de gás influenciam o
meio ambiente). Quais sugestões você pode dar a essa empresa- após estudar a
temática- para que a pegada de carbono diminua?

Partindo disso, e considerando que a polissemia do termo pode gerar


equívocos não só na escola, mas em diversos âmbitos e para diversas pessoas
e/ou atores que querem falar e compreender sobre a EA, é de suma importância,
estabelecer distinções entre alguns conceitos bastante mencionados na área e
que podem levar a entendimentos distintos e, portanto, gerar ações, também,
distintas da EA.

Como Gestor Ambiental, você será capacitado para criar e


implementar projetos de EA em escolas. Para tanto, é fundamental
conhecer exemplos e problematizações. O material “Vamos cuidar
do Brasil: conceitos e práticas em educação ambiental na escola “é
um ótimo guia para auxiliar na elaboração e liderança de projetos que
possam, factualmente, fazer a diferença na relação homem-ambiente.

Os textos foram organizados em quatro capítulos. O primeiro


apresenta as ações estruturantes e diretrizes desenvolvidas pelo Órgão
Gestor da Política Nacional de Educação Ambiental, uma parceria entre
o Ministério da Educação (MEC) e o Ministério do Meio Ambiente (MMA),
elucidando a inovação e os desafios políticos e institucionais. Nos textos
que compõem este capítulo surgem algumas áreas de atuação para
universalizarmos a educação ambiental no Brasil. Com elas fazemos
uma educação com o planeta na mente e no coração.

O material está disponível no link: <http://www.unoparsetelagoas.


com.br/educacao_%20ambiental/downlod/publicacao_3.pdf#page=58>.

34
NATUREZA, AMBIENTE E MEIO AMBIENTE: ENTENDENDO E
Capítulo 1
DIFERENCIANDO OS CONCEITOS NO CENÁRIO DA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL

Os sites a seguir são fontes de consulta bem interessantes


sobre diferentes perspectivas e abordagens acerca da EA e seus
desdobramentos. Como já mencionado, essa é uma área presente
em muitos setores, centro de muitos discursos, debates e polêmicas
e, portanto, é necessário conhecer e avaliar diversas fontes e suas
propostas, bem como a linguagem e as estratégias construídas para
falar da EA.
Os 3 primeiros sites apresentados foram sugeridos em um
trabalho da professora Marília de Freitas Tozoni Reis – (Re)
Pensando a EA, 2004.

1. <https://edukatu.org.br/>.
O que você irá encontrar: Conteúdo sobre consumo consciente.
O site reúne vídeos, games, atividades e relatos de projetos ligados à
sustentabilidade desenvolvidos por escolas.
Por que é relevante? Você encontra informações diversificadas
sobre o tema e o site também tem um espaço chamado “Rede”
para incentivar a troca de conhecimentos e práticas sobre consumo
consciente e sustentabilidade em escolas de Ensino Fundamental de
todo o país. Destaque para as animações da seção “De onde vem
para onde vai” que explicam o processo de produção, os impactos
ambientais e as alternativas sustentáveis para o uso de objetos do
nosso dia a dia, como a sacola plástica e os celulares.

2. <https://www.wwf.org.br/>.
O que você irá encontrar: Respostas para dúvidas sobre temas
conspícuos e, invariavelmente, mencionados por meio de ideias
equivocadas ou enviesadas, como desenvolvimento sustentável,
mudanças climáticas e unidades de conservação.
Por que é relevante? A seção “Nosso mundo” explica de forma
didática os temas ambientais mais discutidos no momento. Destaque
para a seção “Pegada ecológica” que apresenta o conceito de
que nosso modo de vida e hábitos de consumo deixam “rastros” e
impactam de alguma maneira o meio ambiente. Além de explicar com
mais detalhes essa ideia, o site oferece um teste para medir nossas
pegadas. Essa contextualização com a realidade é muito importante
para a tomada de consciência e a mudança de comportamento.

3. <https://www.sosma.org.br/blog-categorias/educacao-ambiental/>.
O que você irá encontrar: Muitas notícias, dados e mapas sobre
a degradação do bioma da Mata Atlântica e informações sobre

35
Fundamentos da Educação Ambiental

projetos de preservação.
Por que é relevante? Você encontra um blog sobre EA com
relatos da equipe da organização SOS Mata Atlântica sobre
atividades e projetos de sustentabilidade desenvolvidos com escolas.

4. <http://www.mma.gov.br/educacao-ambiental/politica-de-educacao
-ambiental/programa-nacional-de-educacao-ambiental>.
O que você irá encontrar: Descrição e problematização sobre o
Programa Nacional de EA.
Por que é relevante? Além de descrever as linhas de ação e
a forma de atuação do programa, apresenta conteúdos científicos
muito pertinentes à área: áreas protegidas, biodiversidade, biomas,
cidades sustentáveis, clima, desenvolvimento rural, responsabilidade
socioambiental etc. É uma fonte muito importante e confiável para
consulta de conceitos.

A notícia a seguir transcreve uma entrevista com a coordenadora


dos temas transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais cuja
temática são as propostas de EA nas redes estaduais de ensino.
Disponível em: <https://novaescola.org.br/conteudo/899/neide-
nogueira-fala-sobre-educacao-ambiental-no-brasil>.

Após a leitura e os conhecimentos teóricos já adquiridos, faça


uma reflexão sobre as possibilidades e limitações do trabalho com a
EA nas escolas.

Antes de fazer a leitura do artigo indicado, pense na seguinte


questão:
O homem é um ser vivo mais importante ou de maior valor
do que os outros? Devemos conceber a relação homem-natureza
apenas considerando os interesses e vontades dos homens?

Faça a leitura do artigo: “Dos Direitos morais aos Direitos

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NATUREZA, AMBIENTE E MEIO AMBIENTE: ENTENDENDO E
Capítulo 1
DIFERENCIANDO OS CONCEITOS NO CENÁRIO DA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL

Constitucionais: para além do especismo elitista e eletivo”,


disponível no link: <https://portalseer.ufba.br/index.php/RBDA/article/
view/10300/7358>.

Resenha: Para que a dimensão socioambiental seja


devidamente discutida em sala de aula, o antropocentrismo, ou
seja, o pensamento que confere maior valor ao homem do que aos
demais seres vivos, precisa ser problematizado. O antropocentrismo
acompanha a trajetória humana há mais de 2 mil anos, sendo que por
todo esse tempo os seres vivos foram reduzidos a um entendimento
que subdivide os seres em “úteis” ou “nocivos” ao interesse humano.
Discutir a temática ambiental por vias antropocêntricas pode resultar
na formação de cidadãos que analisem a devastação em termos
de riscos e benefícios somente para a espécie humana, quando na
verdade os primeiros e mais afetados são as demais espécies vivas.

A ótica antropocêntrica tem sido problematizada? A lógica


antropocêntrica se refere a uma suposta superioridade humana em
relação às demais espécies e a partir dela são elaboradas legislações
direcionadas somente a direitos humanos e, se são incluídos outros
seres, a inserção de um ou de outro é determinada por critérios
especistas.

O especismo refere-se à desconsideração moral de humanos


aos animais não humanos, ou seja, aqueles interesses de animais
não humanos não equivalem ao peso moral de interesses humanos.
Podem-se distinguir dois tipos de especismo: o elitista e o eletivo.
O especismo elitista considera os interesses de sujeitos racionais
mais relevantes, ou seja, sobrepõe direitos humanos sobre direitos
de animais não humanos. Já o especismo eletivo, confere maior
importância aos animais escolhidos segundo a predileção humana
por critérios afetivos, estéticos e econômicos.

Os animais sinantrópicos, aqueles que compartilham habitats


com o homem, tais como baratas, ratos, aranhas e sapos, são
constantemente alvo de comportamentos humanos negativos e tal
resposta atitudinal aversiva resulta de interpretações pejorativas do
significado da aparência dos animais. A interpretação da aparência
geralmente depende do estabelecimento social de padrões de
beleza que se referem à cor, textura, tamanho, delicadeza e
proporção. Frequentemente não é considerada a importância desses
animais para o ambiente, o que normalmente resulta em ações de
aniquilamento.

37
Fundamentos da Educação Ambiental

A perspectiva biocêntrica, que consiste em considerar a


totalidade dos seres vivos como sujeitos com direitos legislativos
e morais, independente de proporcionarem interesse afetivo ou
econômico ao ser humano, e é uma forma viável (talvez a única)
para o ensino da problemática ambiental. O biocentrismo nega que
a natureza deva atender às necessidades humanas, pois o homem
passa a estar em um mesmo patamar de toda a natureza viva.

O conceito de natureza não é natural

(PORTO-GONÇALVEZ, 1990).

É comum entre aqueles que se envolvem com a problemática


ecológica citar outras sociedades como modelos de relação entre os
homens e a natureza. As comunidades indígenas e as sociedades
orientais são, via de regra, evocadas como modelos de uma relação
harmônica com a natureza. Se em diferentes religiões o paraíso
é projetado no reino dos céus, para diversos ecologistas este se
localiza em outras sociedades. Há uma virtude nesse procedimento:
ele oferece um consolo, enquanto ideia, para o mundo em que
vivemos- que concretamente não tem consolo. Isto não deixa de ser,
a sua moda, uma crítica à sociedade que não é tal e qual os modelos
citados, daí as utopias.
Nesse sentido, as utopias têm lugar concreto num mundo onde
não existem concretamente, sendo por isso sonhadas e projetadas
enquanto utopias. Por outro lado, esse procedimento não deia de ser
também uma fuga dos problemas concretos, muitas vezes, derivada
de uma incompreensão das razões pelas quais em nossa sociedade
e cultura as coisas são do jeito que são.
Toda sociedade, toda cultura, cria, inventa, institui uma
determinada ideia do que seja a natureza. Nesse sentido, o conceito
de natureza não é natural, sendo na verdade criado e instituído pelos
homens. Constitui um dos pilares através do qual os homens erguem
as suas relações sociais, sua produção material e espiritual enfim, a
sua cultura.
Dessa forma, é fundamental que reflitamos e analisemos como
foi e como é concebida a natureza na nossa sociedade, o que tem

38
NATUREZA, AMBIENTE E MEIO AMBIENTE: ENTENDENDO E
Capítulo 1
DIFERENCIANDO OS CONCEITOS NO CENÁRIO DA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL

servido como um dos suportes para o modo de produzirmos e


vivermos, que tantos problemas nos tem causado e contra o qual
construímos o movimento ecológico.

Após a leitura do texto, faça a seguinte reflexão:


1. Como viviam as sociedades cuja base econômica era
a agricultura de subsistência? Você consegue imaginar qual a
concepção de natureza que essas sociedades tinham?
2. Como o modo de produção capitalista pode ter
influenciado a sua concepção de natureza?
3. Você acha que o capitalismo incita a utilização do
patrimônio natural como uma mercadoria e uma externalidade em
relação a nós?
4. Como contribuir para a criação de novos padrões culturais
cujos valores propiciem repensar a natureza e, ao mesmo tempo,
nos realizarmos em sociedade?

Sugestão de material para aprofundamento de pesquisa:


<https://www.pensamentoverde.com.br/meio-ambiente/agricultura-
subsistencia-brasil/>.

3 IDENTIFICANDO E
DIFERENCIANDO OS CONCEITOS
DE AMBIENTE, MEIO AMBIENTE
E NATUREZA NO CONTEXTO DA
TEMÁTICA AMBIENTAL

Os termos ambiente, meio ambiente e natureza são aludidos em muitos
discursos ou assuntos que envolvem a temática ambiental e, na maior parte dos
casos, referidos indiscriminadamente como sinônimos cujo significado remete a
uma entidade com a qual a humanidade se relaciona, na qual está inserida e que
deve ser preservada para que as futuras gerações possam usufruir de condições
saudáveis de sobrevivência e manutenção da vida (RIBEIRO; CAVASSAN, 2013).

Assim, faz-se presente nos discursos de ambientalistas, conservacionistas,


educadores, ecólogos e outros grupos ligados à questão, o seguinte slogan:

39
Fundamentos da Educação Ambiental

“Cuidar do ambiente/meio ambiente/natureza e dos recursos para que não se


esgotem” e para que “possamos construir e manter uma sociedade sustentável”
(RIBEIRO; CAVASSAN, 2013).

Esses discursos perpetuam ideias não refletidas, acríticas que, por sua
vez, endossam perspectivas ingênuas e simplistas sobre a EA. Já apontamos
várias questões que contribuem para isso: a abordagem estritamente biológica
da EA; a ideia de que o ensino de conceitos é suficiente para a mudança de
comportamentos; e a não discussão sobre aspectos socioculturais e econômicos
para entender a EA. Neste tópico, discutiremos como o uso arbitrário das palavras
natureza, ambiente e meio ambiente interfere, contundentemente, na construção
da concepção de EA.

Há na “linguagem ambiental” ou “campo ambiental”, uma tendência à confusão


univocidade de significados conceituais e a disseminação de interpretações
vazias de significados coerentes que são cada vez mais reproduzidos pelo senso
comum.

A partir de uma revisão de literatura bastante criteriosa, Ribeiro e Cavassan


(2013) concluíram que as diferentes definições de natureza têm em comum
o princípio de que a natureza é uma abstração e o que se pensa sobre ela é
influenciado pelo contexto sócio-histórico. Daí os diferentes significados existentes
uma vez que que o contexto sócio-histórico pode ser subjetivamente interpretado
de diferentes formas e caracterizado pelo momento específico em que está sendo
analisado- não se trata de uma análise atemporal

Por exemplo, a concepção moderna de natureza apoiou-se nas teorias


evolucionistas as quais possibilitaram entendê-la como submetida a um estado
constante de mudança. Embora houvesse elementos mecânicos na natureza,
esta não mais poderia ser considerada uma máquina; isto porque, uma máquina
é essencialmente um produto pronto, um sistema fechado e, portanto, não se
modificaria ao longo do tempo (COLLINGWOOD, 1978).

O que varia de uma concepção para outra é, na verdade, como a natureza é


representada, isto é, o que se pensa sobre a sua composição, a sua origem ou a
sua finalidade (RIBEIRO; CAVASSAN, 2013).

Você já usou os conceitos de natureza e ambiente como sinônimos? Já


pensou se existe diferença de sentido entre eles?

Para Ribeiro e Cavassan (2013), é necessário utilizar diferentes terminologias


para os significados de natureza real ou causal e natureza representada ou
pensada. Os autores consideram que a natureza existe independentemente de

40
NATUREZA, AMBIENTE E MEIO AMBIENTE: ENTENDENDO E
Capítulo 1
DIFERENCIANDO OS CONCEITOS NO CENÁRIO DA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL

se pensar sobre ela. Imagine, por exemplo, a Terra sem humanos; a natureza
existiria em si mesma, continuaria seu curso normalmente. Quando, no entanto,
elaboramos qualquer raciocínio sobre ela, ou seja, quando essa entidade passa
a ser representada por uma mente, passamos a falar de ambiente, não mais de
natureza. Assim, argumentam que o conceito de natureza se refere ao objeto
no mundo natural e a expressão ambiente à interpretação/representação desse
objeto (RIBEIRO; CAVASSAN, 2013).

Dessa forma: ao conjunto de tudo que existe, damos o nome de natureza.


Esta é uma entidade real que também pode ser pensada/representada. Quando
assim o é, passamos a denominá-la de ambiente. Não conhecemos todos
os elementos da natureza e somente aquilo que conhecemos e que, portanto,
podemos representar compõe o ambiente. Consequentemente, se o homem não
existisse, a natureza continuaria a existir, mas o ambiente não, pois não mais
existiria a natureza representada (RIBEIRO; CAVASSAN, 2013).

Temos de considerar, ainda, a diferença entre ambiente e meio ambiente


que, na maioria das vezes, são usados, também, como sinônimos.

A natureza existe em si mesma ao passo que o ambiente se


refere aos elementos que pensamos compô-la, que nossa
capacidade humana alcança e representa e é, portanto,
constantemente ressignificado. Dentre todos os elementos que
se acredita compor o ambiente e que se localizam num dado
instante em determinado espaço geográfico, somente aqueles
que são percebidos pelas capacidades perceptivas e sobre os
quais cada organismo age e opera podem ser considerados
integrantes do ambiente individual, ou seja, do meio ambiente,
do umwelt ou do ambiente operacional (RIBEIRO; CAVASSAN,
2013, p. 72).

Logo, no contexto das sociedades humanas compreendemos o meio


ambiente não como a soma de tudo que existe, mas como um lugar determinado
ou percebido, onde os elementos naturais e sociais estão em relações dinâmicas
e em interação. Essas relações implicam processos de criação cultural e
tecnológica e processos históricos e sociais de transformação do meio natural e
construído (REIGOTA, 1998, p.14).

O meio ambiente humano é determinado temporalmente e percebido em


função de representações particulares, estando em relação dinâmica no sentido
de que é permanentemente construído e, portanto, estabelecido e caracterizado
por diferentes culturas em espaços específicos (REIGOTA, 1998) e também de
acordo com a ontogenia da espécie humana.

Essa entidade é compreendida como um espaço relacional no qual o indivíduo

41
Fundamentos da Educação Ambiental

está inserido e age sobre todo um sistema social, político e econômico, pois é
capaz de percebê-lo. Assim, construímos nosso próprio mundo externo, nosso
umwelt, nosso meio ambiente subsidiado por processos sígnicos (perceptivos),
ou seja, pelas atividades receptoras e efetoras que caracterizam a nossa espécie
(RIBEIRO; CAVASSAN, 2013).

Portanto, o conhecimento sobre a natureza, baseia-se na apreensão


dos processos e elementos existentes e que podem ser observados.
Consequentemente, elaboramos esquemas mentais que estão intimamente
relacionados com as experiências individuais. Cada ser humano está cercado por
um mundo “adequado” ou acomodado que se refere ao mundo circundante, ao
meio ambiente (RIBEIRO; CAVASSAN, 2013).

Ribeiro e Cavassan (2013) organizam um quadro para sistematizar e


sumarizar as principais diferenças entre os conceitos de natureza, ambiente e
meio ambiente.

QUADRO 3 - PRINCIPAIS DIFERENÇAS ENTRE OS CONCEITOS


DE NATUREZA, AMBIENTE E MEIO AMBIENTE
Natureza Entidade real factível de ser percebida.

Trata-se de uma realidade oferecida ao conhecimento e passível de pensamento,


mas que dele independe.

Constituída por elementos que podem não estar diretamente e imediatamente


em reação com um organismo.
Ambiente Refere-se à natureza pensada ou representada pela mente humana, isto é, à
realidade apreendida, àquilo a que estamos cônscios através da percepção. Pode
ser entendido como o que da natureza é conhecido pelo sistema social, o que
está no horizonte perceptível humano. Uma construção humana historicamente
construída. Faz alusão ao conjunto dos meios ambientes conhecidos pelo homem
e é constituído de fenômenos que podemos representar e que são capazes de
entrar em reação com um organismo, mas que ainda não foram chamados a
fazer. Inclui aqueles fenômenos que não são imediatamente utilizados, mas que
estão em condição de serem empregados operacionalmente pelo organismo.
Meio ambiente Diz respeito aos elementos que envolvem ou cercam uma espécie ou indivíduo
em particular, que são relevantes para o mesmo e que entram em interação
efetiva. É caracterizado por ser um espaço definido pelas atividades do próprio
ser; determinado em função de peculiaridades morfofisiológicas e ontogenéticas,
sendo uma propriedade inerente aos seres vivos. Refere-se, portanto, aos
fenômenos que entram efetivamente em relação com um organismo particular,
que são imediatos, operacionalmente diretos e significativos. Sinônimos: mundo
externo, mundo relevante, ambiente operacional, ambiente percebido, umwelt,
mundo circundante, mundo associado, ambiente comportamental e campo de
relações.
FONTE: Ribeiro e Cavassan (2013, p. 71)

42
NATUREZA, AMBIENTE E MEIO AMBIENTE: ENTENDENDO E
Capítulo 1
DIFERENCIANDO OS CONCEITOS NO CENÁRIO DA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL

Dentro da área de EA é muito importante pensarmos sobre a


diferença de alguns termos que são usados de forma indiscriminada.
Além dos conceitos abordados neste capítulo, existem outros que
também geram confusão semântica dentro da área. Você sabe
qual a diferença entre os termos: conservação; preservação e
recuperação?

PRESERVAÇÃO CONSERVAÇÃO RECUPERAÇÃO

Preservação é a ação de Conservação é a utilização Recuperação, no vocabulário


proteger contra a destruição racional de um recurso qualquer, comum, é o ato de recobrar o
e qualquer forma de dano ou de modo a se obter um rendimento perdido, de adquiri-lo novamente.
degradação um ecossistema, considerado bom, garantindo-
O termo “recuperação ambiental”
uma área geográfica ou se, entretanto, sua renovação
aplicado a uma área degradada
espécies animais e vegetais ou sua autossustentação.
pressupõe que nela se
ameaçadas de extinção, Analogamente,
restabeleçam as características
adotando-se as medidas
conservação ambiental quer do ambiente original. Nem sempre
preventivas legalmente
dizer o uso apropriado do meio isso é viável e às vezes pode não
necessárias e as medidas de
ambiente dentro dos limites ser necessário, recomendando-se
vigilância adequadas.
capazes de manter sua qualidade então uma reabilitação. Uma área
O Código Florestal estabelece e seu equilíbrio em níveis degradada pode ser reabilitada
áreas de preservação aceitáveis. Para a legislação (tornar-se novamente habilitada)
permanente, ao longo dos brasileira, “conservar” implica para diversas funções, como a
cursos d’água (margens de rios, manejar, usar com cuidado, cobertura por vegetação nativa
lagos, nascentes e mananciais manter; enquanto “preservar” local ou destinada a novos usos,
em geral), que ficam impedidas é mais restritivo: significa não semelhantes ou diferentes do
de qualquer uso. usar ou não permitir qualquer uso anterior à degradação. A
intervenção humana significativa lei prevê, na maioria dos casos,
Essas áreas se destinam, em
(BRASIL, 1998, p. 34). que o investimento necessário à
princípio, à vegetação ou mata
recuperação ou reabilitação seja
ciliar especialmente importante
para garantir a qualidade assumido pelo agente degradador.
e a quantidade das águas, Além disso, o agente responsável
prevenindo o assoreamento e pelo dano ambiental deve
a contaminação. A Constituição reparar esse dano. Reparação
brasileira impõe, também, a é o ressarcimento, para efeito
preservação do meio ambiente de consertar ou atenuar dano
da Serra do Mar, da Floresta causado a pessoa ou patrimônio,
Amazônica, da Mata Atlântica, e, no caso de dano ambiental,
do Pantanal Mato-Grossense e além de provável pagamento de
da Zona Costeira (Constituição multa, pode envolver a obrigação
Federal, art. 225, § 4°;BRASIL, de recuperar ou reabilitar a área
1998, p.24). degradada (BRASIL, 1998, p. 34).

FONTE: Adaptado de Brasil (1998, p. 34)

43
Fundamentos da Educação Ambiental

O desafio está não somente em considerar os aspectos etimológicos do


conceito de ambiente, mas também os aspectos semânticos, abordando as
mudanças ocorridas espaço-temporalmente em suas significações. Questão essa
fundamental àqueles que se dedicam tanto à Ecologia quanto à EA (RIBEIRO;
CAVASSAN, 2012).

O termo ambiente pode se relacionar a uma variedade de significados e


contextos. Podemos dizer que determinado ambiente é tranquilo, que o ambiente
familiar é aconchegante ou que o ambiente entre amigos é descontraído. Em
todos esses casos nos referimos à um ambiente substantivado. É possível
pronunciarmos também outras expressões, tais como: temperatura ambiente, luz
ambiente e até mesmo cor ambiente, onde se manifesta a ideia de um ambiente
como qualidade. Por sua vez, temos que uma peça teatral, um filme ou um fato
são ambientados, ou seja, ocorrem em determinado local e em determinado
momento (COIMBRA, 2002).

O ambiente para a EA compõe-se dos elementos bióticos e


abióticos que a espécie humana exclusivamente percebe e
com os quais interage. Todavia sua percepção e/ou ação é
mediada por sistemas simbólicos. Nesse sentido, a maneira
pela qual o homem interage com os indivíduos de sua mesma
espécie, com os demais seres e com os componentes
abióticos são influenciados por questões socioculturais. Logo,
o equilíbrio das sociedades é de natureza sociológica e não
somente ecológica (BRANCO, 1995, p. 229).

Podemos dizer que a percepção de ambiente sob as perspectivas da EA


e da Ecologia é diferente. Em uma abordagem ambiental torna-se necessário o
diálogo entre as Ciências Humanas e as demais Ciências da Natureza. Não se
trata de descrever as interações entre os elementos do ambiente, mas de buscar
as causas que sustentam moralmente as relações humanas para com os demais
povos e seres (LOUREIRO, 2009). Assim, o “modelo ambiental” refere-se ao
conjunto de todos os elementos bióticos, abióticos e também sociais existentes à
volta do ser humano, com os quais este interage.

É possível destacar, portanto, que o sentido dado ao ambiente em Ecologia


é influenciado pelas Ciências Naturais, enquanto na EA esse mesmo termo é
interpretado à luz das Ciências Humanas.

Em suma, a diferenciação entre esses termos, bem como o entendimento


de suas menções, especificamente, no contexto de estudos da EA é importante
para não compactuarmos com a perpetuação do uso ingênuo e equivocado dos
conceitos pertencentes e/ou relacionados à área, bem como simplificarmos o
significado da EA, dada a sua complexidade epistemológica e prática. Ter critérios
para escrever, debater ou falar sobre EA contribui para que essa área de estudo

44
NATUREZA, AMBIENTE E MEIO AMBIENTE: ENTENDENDO E
Capítulo 1
DIFERENCIANDO OS CONCEITOS NO CENÁRIO DA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL

seja encarada com mais seriedade principalmente no que tange à elaboração


de projetos cujos objetivos têm como base a mudança de comportamento e
valores na direção da edificação de uma sociedade sustentável. Para falar de EA
ou propor uma ação com esse sentido é preciso entendê-la, estudá-la e romper
obliterar com a reprodução de discursos formados e simplificados de preservação
e sustentabilidade.

De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, a Mata Atlântica


ocupava, originalmente, mais de 1,3 milhões de km² em 17 estados
do território brasileiro, estendendo-se por grande parte da costa do
país. No entanto, devido à ocupação e atividades humanas na região,
hoje resta  cerca de  29% de sua cobertura original. Mesmo assim,
estima-se que existam na Mata Atlântica cerca de 20 mil espécies
vegetais (35% das espécies existentes no Brasil, aproximadamente),
incluindo diversas espécies endêmicas e ameaçadas de extinção. 
Essa riqueza é maior que a de alguns continentes, a exemplo
da América do Norte, que conta com 17 mil espécies vegetais
e Europa, com 12,5 mil. Esse é um dos motivos que torna a Mata
Atlântica prioritária para a conservação da biodiversidade mundial. 
Com relação à fauna, o bioma abriga, aproximadamente, 850
espécies de aves, 370 de anfíbios, 200 de répteis, 270 de mamíferos
e 350 de peixes.
FONTE: Disponível em: <http://www.mma.gov.br/biomas/mata-
atl%C3%A2ntica_emdesenvolvimento>.

Onde podemos encontrar a Mata Atlântica e como preservá-


la?
<https://novaescola.org.br/conteudo/2281/onde-podemos-
encontrar-a-mata-atlantica-e-como-preserva-la>.
Sugestão de site para esclarecimentos sobre a Mata Atlântica:
<https://www.sosma.org.br/>.

45
Fundamentos da Educação Ambiental

Assista ao vídeo: <https://www.youtube.com/watch?v=dX-


tu2ODL5g> que trata, primordialmente, sobre a ação do homem
sobre o mundo e como essas ações podem ser repensadas e/ou
transformadas.

A proposta é que o vídeo seja um meio de reflexão e um convite


para os capítulos subsequentes cuja ênfase será sobre a discussão
da sustentabilidade, a educação para sustentabilidade e o papel do
homem nessa problemática.

1 Sobre o que exige a ideia de Educação Ambiental descrita ao


longo desse material, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) O meio ambiente deve ser preservado e o mais intocado


possível, possibilitando a sobrevivência das espécies
existentes, inclusive a humana.

b) ( ) A interpretação do meio ambiente como um campo de


interações entre a cultura, a sociedade e as bases física e
biológica dos processos vitais.

c) ( ) Reconhecimento da separação entre aspectos culturais e


sociais daqueles ditos naturais para possibilitar a manutenção
da vida na Terra.

d) ( ) Interpretações das intervenções humanas no ambiente,


baseadas mais em valores socioculturais e menos nos
aspectos ecológicos.

2 Por que a problematização é uma metodologia adequada para


trabalhar a Educação Ambiental?

R.: ____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

46
NATUREZA, AMBIENTE E MEIO AMBIENTE: ENTENDENDO E
Capítulo 1
DIFERENCIANDO OS CONCEITOS NO CENÁRIO DA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL

____________________________________________________
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__________________________________________________

3 A Aprendizagem Baseada em Problema (ABP) é uma metodologia


muito utilizada para trabalhar questões sobre a Educação
Ambiental. Pensando em uma temática/conteúdo sobre Educação
Ambiental, construa um problema para ser trabalhado de acordo
com essa abordagem.

R.: ____________________________________________________
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__________________________________________________

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Neste capítulo, procuramos descrever e problematizar a EA como uma
área polissêmica, multidimensional e que precisa ser entendida por meio da
sincronia entre as dimensões biológica, social, cultural, ideológica e histórica.
Apresentarmos o seu principal objeto de estudo: a relação entre o homem e a
natureza e como essa relação pode ser transformada e (re) significada dentro
das fundamentações teóricas e práticas da EA, proporcionando a mudança
de ações e a aquisição de valores que contribuam para a construção e a
manutenção de uma sociedade sustentável. Além disso, discutimos sobre como
a EA deve ser trabalhada nas escolas, enfatizando a necessidade da abordagem
não apenas de conceitos, mas, também, de procedimentos e atitudes que
levem os estudantes a uma aprendizagem permanente, ao desenvolvimento de
competências voltadas ao bem comum e a coletividade, bem como à resolução
de problemas e a investigação e análise de notícias ambientais exploradas pela
mídia ou de acontecimentos correlatos que exijam uma intervenção consciente e
fundamentada.

47
Fundamentos da Educação Ambiental

Para que possamos compreender os elementos discutidos pela EA e formular


argumentos coerentes e científicos, discutimos a diferença entre os conceitos de
natureza, ambiente e meio ambiente, entendendo que o seu uso indiscriminado
pode perpetuar equívocos e concepções estereotipadas que afetam a
compreensão sobre a EA e seus desmembramentos. O principal objetivo deste
primeiro capítulo foi, então, apresentar uma visão geral sobre a EA, reiterando
posições consensuais sobre a área, de modo a iniciar a construção de uma visão
crítica e problematizadora.

No próximo capítulo, abordaremos, de forma mais específica, as questões


que levaram (e ainda levam) à emergência da EA e a discussão efervescente sobre
essa temática em diversos âmbitos: a trajetória histórica da EA e sua consolidação
como campo de pesquisa; a caracterização transversal e interdisciplinar da
área e como essa caracterização influi na abordagem e entendimento das
questões ambientais e a conceituação das diferentes correntes que definem a
EA, discriminando seus objetivos, distanciamentos, aproximações, referenciais,
enfatizando a EA crítica e sua contribuição para a mudança de comportamento e
valores voltados ao desenvolvimento sustentável.

48
NATUREZA, AMBIENTE E MEIO AMBIENTE: ENTENDENDO E
Capítulo 1
DIFERENCIANDO OS CONCEITOS NO CENÁRIO DA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL

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52
C APÍTULO 2
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO
CAMPO TEÓRICO EM CONSTRUÇÃO:
ASPECTOS HISTÓRICOS,
EPISTEMOLÓGICOS E CONCEITUAIS

A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� Compreender o contexto histórico de consolidação da Educação Ambiental,


bem como as justificativas que levaram ao crescimento desse campo de
pesquisa.

� Definir e circunscrever a constituição e os objetivos da Educação Ambiental.

� Identificar as caraterísticas e fundamentações teóricas da Educação Ambiental


crítica.

� Reconhecer a relação entre o cenário ambiental e a emergência da Educação


Ambiental.

� Descrever as principais correntes teóricas da Educação Ambiental e seus


pressupostos em cenários epistemológicos, políticos e históricos.
Fundamentos da Educação Ambiental

54
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO CAMPO TEÓRICO EM
Capítulo 2 CONSTRUÇÃO: ASPECTOS HISTÓRICOS, EPISTEMOLÓGICOS E
CONCEITUAIS

1 CONTEXTUALIZAÇÃO

A Educação Ambiental (EA) constitui uma importante tarefa desempenhada


por diferentes nações. Tendo em vista as mudanças estruturais e funcionais do
ambiente devido às atividades humanas, torna-se cada vez mais importante e
necessária a efetividade de programas de educação voltados para a preocupação
ambiental. A globalização, em associação com o crescimento populacional e o
consequente aumento do consumo tem gerado problemáticas complexas que já
não podem mais ser solucionadas por um grupo isolado, ou mesmo por um país
isolado. As ações requerem planejamento, conhecimento científico e conduta
ética cooperativa entre as diferentes nações.

Ações que socializem os conhecimentos já acumulados acerca do ambiente,


acerca das ações humanas e acerca de habilidades socioemocionais necessárias
para a atividade democrática são necessárias para repensar a sociedade atual e
sua relação com o meio ambiente através de um movimento cooperativo.

Assim, nesse capítulo será explorada a natureza das conjunturas que


constituem a contemporaneidade as quais fizeram emergir a necessidade da
EA em larga escala. Também serão indicados os principais marcos históricos
da estruturação da EA no Brasil e no mundo, bem como as principais correntes
que se formaram para atender a finalidades formativas distintas. O caráter
interdisciplinar e transversal da EA será exemplificado e ressaltado para subsidiar
sua atuação enquanto profissional, por meio de uma visão sistêmica e integrada
que fundamente um comportamento apropriado para as demandas de nosso
tempo.

2 OS PROBLEMAS AMBIENTAIS E
A EMERGÊNCIA PLANETÁRIA: POR
QUE SE FALA COM TANTA ÊNFASE
SOBRE A EDUCAÇÃO AMBIENTAL?
Contemporaneamente, a espécie humana experimenta um status de
dominância na Terra, visto que ao associar-se coletivamente em ambientes
rurais e urbanos, produz modificações importantes na configuração ambiental.
Se o homem não atuasse de forma conjunta, desfrutando da sinergia das forças
cooperativas para a produção da cultura material e imaterial, será que teria obtido

55
Fundamentos da Educação Ambiental

tanto sucesso em colonizar os mais longínquos e inóspitos espaços terrestres?

Enquanto animal, o homem não é caracterizado por ser um predador


vigoroso, mas sim, uma presa fácil. No entanto, tal consideração somente se
aplica quando o homem é pensando individualmente, sob a ótica da análise de
suas capacidades físicas para a luta pela sobrevivência. Ao contrário, admitindo
o caráter gregário do ser humano, se considerarmos o homem coletivo, que
constitui populações organizadas em grupos de tamanhos variáveis, é possível
enumerar diferentes estratégias e recursos que podem ser mobilizados para
reduzir as chances do homem se tornar presa, assim como é possível elencar
diferentes meios pelos quais o homem aumenta seu poder predatório.

Pense em como os ambientes urbanizados significam justamente a conquista


coletiva do homem para proteger-se enquanto presa e para estabelecer-se
enquanto predador. O historiador Yuval Noah Harari (2017), em seu best-seller
internacional denominado “Sapiens: Uma breve história da humanidade”, faz uma
interessante análise da cooperação coletiva interpretada como a principal causa
da ascensão humana na Terra ao longo do tempo. O autor indica, por exemplo,
que humanos pré-históricos não causavam mais impacto do que os gorilas ou
águas-vivas sobre o ambiente. No entanto, ao longo da trajetória humana, a
coletividade foi continuamente estimulada, e, em associação com a produção de
tecnologias como as ferramentas do homem pré-histórico, o homem atravessou
uma transição na qual o ponto de partida era sua posição de caçar criaturas
menores e coletar o que era possível para um ponto de chegada, que é a posição
de topo da cadeia alimentar.

No livro “Sapiens: uma breve história da humanidade”, Harari


(2017) teoriza que o homem apresentou uma importante diferença
em relação aos outros animais, o que favoreceu um nível de
cooperação entre indivíduos em uma escala crescente até a
dimensão global de forma incomparável. A linguagem humana,
extremamente versátil, permitiu transmitir muitas informações sobre
o mundo a nossa volta, aumentando os laços entre os seres e o
compartilhamento de experiências acumuladas, o que denominamos
de dimensão educativa. Entretanto, mais do que transmitir
informações concretas sobre o mundo, Harari defende que o mais
importante a ser transmitido por meio da linguagem é o conjunto de
informações sobre coisas que não existem. Ou seja, o autor defende
que a capacidade humana de transmitir ficções é algo singular e
extremamente importante para o homem. Lendas, mitos e deuses,

56
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO CAMPO TEÓRICO EM
Capítulo 2 CONSTRUÇÃO: ASPECTOS HISTÓRICOS, EPISTEMOLÓGICOS E
CONCEITUAIS

por exemplo, permitem que os sapiens cooperem de um modo


totalmente novo, incluindo convivência pacífica com um número
incontável de estranhos em um mesmo ambiente compartilhado.

Perceba que outros animais não possuem tal capacidade,


ao menos não nas escalas populacionais de seres humanos.
Chimpanzés, por exemplo, têm a ordem social desestabilizada
quando o número de um bando atinge níveis muito altos, o que
causa a ruptura e formação de subgrupos menores. Como o
homem consegue ultrapassar dezenas de milhares a centenas de
milhões de habitantes convivendo em cidades sob o governo de um
mesmo império? Para Harari, o segredo é o surgimento da ficção
constituída como informação veiculada por meio da linguagem, pois
“um grande número de estranhos pode cooperar de maneira eficaz
se acreditar nos mesmos mitos” (p. 35). Mais do que utilizar ficções
para interpretar o mundo, o homem também executa práticas sociais
como o comércio, que são totalmente fundamentadas em ficções.
Como o comércio estaria apoiado em ficções? Antes de responder, é
preciso explicar que, para Harari, as ordens imaginadas (ou ficções)
não podem se sustentar pela força, pois é preciso que as pessoas
realmente acreditem nela. Quando as pessoas acreditam de fato,
ficções imaginadas por humanos se tornam uma das forças mais
importantes da história. Veja o poder de se acreditar coletivamente,
por exemplo, no dinheiro, nas leis ou nos deuses. Todos esses
itens são intersubjetivos, ou seja, existem somente na rede de
comunicação ligando a consciência subjetiva de vários indivíduos.
O dinheiro seria o item intersubjetivo com maior repercussão na
determinação das atividades humanas. Dinheiro não é uma moeda
ou uma cédula, pois não se trata da dimensão material, mas sim
de “qualquer coisa que as pessoas estejam dispostas a usar para
representar sistematicamente o valor de outras coisas com o
propósito de trocar bens e serviços” (p. 185). Assim, dinheiro não
é uma realidade material, mas uma construção psicológica e o seu
valor está no fato de que “todos sempre querem dinheiro porque
todos os outros também sempre querem dinheiro, o que significa
que você pode trocá-lo por qualquer coisa que desejar ou precisar”
(p.186). Deste modo, dinheiro é um sistema de confiança mútua que
é compartilhado inclusive por pessoas que falam línguas mutuamente
incompreensíveis, pois ambas acreditam e querem dinheiro. Veja
que “enquanto a religião nos pede para acreditar em algo, o dinheiro
nos pede para acreditar que outras pessoas acreditam em algo” (p.
193). Por que o dinheiro é uma ficção humana tão determinante
no resultado de ascensão predatória do homem? Porque devido

57
Fundamentos da Educação Ambiental

ao dinheiro, até pessoas completamente desconhecidas que não


confiam nada umas nas outras cooperam de maneira efetiva. Assim,
o dinheiro é a ficção que fundamenta a atividade de comércio.

Essa reflexão proposta visa produzir uma desnaturalização


da dimensão do dinheiro, que é tomado no cotidiano como uma
construção objetiva, mas que na verdade tem uma dimensão
intersubjetiva. Com base nessa ressignificação do conceito de
dinheiro, questiona-se: Quando a abstração mental do dinheiro se
tornou uma ideia generalizada entre diferentes nações humanas,
quais foram as consequências para a relação homem-ambiente?
Como foi que as ações humanas passaram a ser determinadas
por ele? Quais são os valores que norteiam as escolhas do
comportamento humano consciente após a consolidação do
capitalismo?

Diferente de outros animais que ocupam o topo da pirâmide (como leões e


tubarões), o homem se deslocou muito rapidamente para essa posição. Deste
modo, a natureza não desenvolveu formas de compensação e equilíbrio que
fossem capazes de minimizar os efeitos da ação humana de destruição acelerada
com sua ação exploratória e predatória (HARARI, 2017).

Atualmente, a ação humana causa sérios impactos no ambiente e no


próprio bem-estar da espécie, principalmente por meio de três vias: crescimento
econômico, crescimento corporativo e crescimento populacional. Os economistas
continuam fundamentados na ilusão da viabilidade de crescimento ilimitado e
relutam a incluir os custos sociais e ambientais das atividades econômicas em
suas teorias (CAPRA; LUISI, 2014).

Assim, pode-se dizer que os fluxos financeiros da economia global não foram
planejados por critérios éticos, o que pode ser evidenciado pela desigualdade
social inerente à globalização. O livre comércio estimula o crescimento econômico
e corporativo, de modo a promover o consumo excessivo caracterizado pelo
desperdício. A consequência é o exacerbado uso de recursos naturais da Terra,
a produção massiva de resíduos e poluentes e um grande consumo de energia,
exemplificados pela redução do volume de água de lençóis freáticos, perda de
rios e lagos que secaram, florestas sendo radicalmente reduzidas, indústrias de
pesca em colapso, erosão do solo, pastagens originando desertos, dentre muitos
outros (CAPRA; LUISI, 2014).

58
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO CAMPO TEÓRICO EM
Capítulo 2 CONSTRUÇÃO: ASPECTOS HISTÓRICOS, EPISTEMOLÓGICOS E
CONCEITUAIS

Bem no meio do Oceano Pacífico, um pouco a leste do Japão


e a oeste do Havaí, formou-se um gigantesco monumento dos
resíduos do consumismo moderno. A grande mancha de lixo do
Pacífico é o maior depósito de lixo do mundo, apesar de não ser em
terra, mas sim, no oceano. Estima-se que este turbilhão de lixo tenha
aproximadamente o dobro do tamanho do Texas e, em algumas
partes, chegue a mais de 30 metros de profundidade, se não mais.
Trata-se de uma confusão flutuante de 3,5 milhões de toneladas
de lixo, sendo que 90% são compostos de plástico, de tampas de
garrafas e brinquedos, a sapatos, isqueiros, escovas de dente, redes,
chupetas, invólucros, embalagens para viagem e sacolas de compras
de todos os cantos do mundo. Durante vários anos, a mancha de
lixo ficou fora da vista e fora da mente das pessoas, encontrando-se
logo abaixo da superfície da água, invisível aos satélites. A mancha
está localizada em uma parte remota do oceano que costuma ser
evitada por marinheiros por causa das suas brisas suaves e sistemas
de pressão extremamente altos, e rejeitada pelos pescadores, que
a chamam de “deserto” devido à sua falta de peixes (BOTSMAN;
ROGERS, 2010).

Charles Moore, marinheiro, ambientalista e agricultor orgânico,


descobriu a mancha por acaso no dia 03 de agosto de 1997.
Infelizmente, a grande mancha de lixo do Pacífico não é um fenômeno
isolado, apesar de, talvez, ser a maior de todos. Então, um quarto do
nosso planeta é um vaso sanitário que nunca dá descarga. A grande
mancha de lixo do Pacífico é uma ilustração terrível da maneira como
ignoramos as consequências negativas do consumismo moderno.
Nos últimos 50 anos, consumimos mais bens e serviços do que
em todas as gerações anteriores reunidas. Uma grande parte do
problema é que muitos dos nossos comportamentos de consumo
tornaram-se tão habituais que nós não temos consciência do impacto
que causamos (BOTSMAN; ROGERS, 2010).

Os psicólogos chamam esse fenômeno de “cárcere” de


consumo, uma vez que pode ser difícil fazer escolhas sobre o que
comprar e o que não comprar porque hábitos, rotinas, normas sociais
e valores culturais nos prendem em comportamentos insustentáveis.
Estes comportamentos firmam-se porque indivíduos que agem de
acordo com seu interesse próprio recebem um ganho imediato, mas
eles não sentem as perdas com o impacto das suas ações durante
muitos anos. Como indivíduos, fazemos estas coisas o tempo

59
Fundamentos da Educação Ambiental

todo, todos os dias. Mas, quando milhões de pessoas têm esses


comportamentos inconscientes, eles podem se acumular e gerar
consequências catastróficas, que ninguém gostaria ou pretenderia
que ocorressem (BOTSMAN & ROGERS, 2010).

Você já assistiu ao vídeo “A História das Coisas” (The Story of


Stuff)?
De autoria de Annie Leonard, o conteúdo analisa a produção de
bens de consumo em seus diferentes estágios. Dados importantes
são apontados, como a informação de que apenas 1% do que é
produzido continua sendo utilizado por mais de seis meses, ou seja,
99% dos materiais produzidos são descartados em menos de seis
meses. Quer saber mais? Acesse ao vídeo original disponível no
YouTube: <https://www.youtube.com/watch?v=3c88_Z0FF4k>.

As configurações das relações de causa e efeito que resultam da interação


entre o homem e o ambiente são de risco iminente. O sociólogo alemão Ulrich
Beck (1944-2015), em sua obra intitulada “Sociedade de Risco”, aponta que,
na modernidade, há riscos que são assumidos coletivamente, mas sem o
consentimento da maioria dos envolvidos. Cristóvão Colombo, por exemplo, que
se lançou em navegações em busca de outras terras, assumiu riscos, porém o
risco contido em tal narrativa tem caráter de ousadia e aventura, não de destruição
generalizada da vida na Terra. Além disso, o risco de Colombo tinha um caráter
individual assumido por ele. Ao contrário, os riscos produzidos pela modernidade
têm caráter coletivo, pois atingem de modo sistêmico as populações humanas de
diferentes nações.

No passado, anterior ao uso de veículos motorizados e à intensa


industrialização, as ameaças (na forma de poluição por excrementos de
cavalos, por exemplo) eram sentidas pelo nariz ou pelos olhos sendo, portanto,
“sensorialmente perceptíveis”, enquanto os riscos atuais, embora globais,
escapam à percepção. Hoje, as ameaças são oferecidas pela radioatividade,
toxinas e poluentes no ar, na água e nos alimentos, o que escapa completamente
à percepção humana imediata (BECK, 2011).

60
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO CAMPO TEÓRICO EM
Capítulo 2 CONSTRUÇÃO: ASPECTOS HISTÓRICOS, EPISTEMOLÓGICOS E
CONCEITUAIS

Sendo fundamentalmente invisíveis, tais ameaças exigem interpretações


causais, apresentando-se, portanto, somente por meio de conhecimento
sistematizado. Assim, a discussão sobre o teor de poluentes e toxinas do ar, da
água e dos alimentos é conduzida por categorias e fórmulas das ciências naturais.

Pense sobre um cenário no qual os humanos faziam uso de cavalos para


se locomoverem. Esses cavalos, quando ociosos, tinham que ficar próximos
às moradias, onde produziam excretas. Imagine o cheiro característico e
desagradável de um ambiente como esse: visualmente e olfativamente a poluição
era muito perceptível. Compare esse ambiente com as organizações urbanas
contemporâneas: o lixo é afastado de nossos olhos, assim como o esgoto;
a poluição atmosférica nem sempre tem cheiros detectáveis, assim como os
produtos químicos adicionados à água e aos alimentos também não têm. Com
base nessa comparação, reflita: Qual é a importância da EA para promover a
leitura de mundo em um contexto contemporâneo?

Atualmente, as constatações de riscos estão baseadas em possiblidades


matemáticas e interesses sociais, o que Beck (2011) chama de “casamento
polígamo” da ciência com a economia, a política e a ética. Os estudos de
segurança dos reatores, por exemplo, limitam-se a estimar riscos quantificáveis
em razão de acidentes prováveis. A dimensão ética é, continuamente, dilacerada.

Em 26 de abril de 1986, ocorreu o acidente nuclear de maiores


proporções da história, localizado em Chernobil, na Ucrânia. Uma
explosão de um dos quatro reatores da usina nuclear lançou na
atmosfera uma nuvem radioativa. Aproximadamente 8.400.000
pessoas estiveram expostas à radiação. Várias mortes foram ligadas
ao acidente e, ademais, a longo prazo, vários casos de câncer,
especialmente de tireoide, foram associados ao evento. O Estado
não admitiu a ocorrência do acidente, o que impediu a distribuição
de medicamentos que evitariam o acúmulo de radiação na tireoide.
A radioatividade ainda se faz presente no solo do local e pode se
espalhar com chuvas, derretimento de neve, erosão por vento,
incêndios e transporte por cursos d’água (XAVIER et al., 2007).

61
Fundamentos da Educação Ambiental

FIGURA 1 - O REATOR NUCLEAR APÓS O DESASTRE


DO ACIDENTE NUCLEAR DE CHERNOBIL

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Chernobyl_Disaster.jpg>.

É importante notar que a distribuição de riscos se atém ao esquema de classe


social, pois as mesmas substâncias tóxicas podem ter um significado inteiramente
distinto para pessoas pertencentes a diferentes classes sociais. As riquezas se
acumulam em cima e os riscos embaixo. Os abastados compram segurança e
diversas possibilidades de estarem livres do risco. A instrução dos indivíduos
também é determinante no que diz respeito ao poder de contornar os riscos, pois
a educação pode fornecer possibilidade de esquiva, como por exemplo, a escolha
de evitar determinados produtos.

Atualmente, no que tange às escolhas que são feitas pelas populações


humanas, é central a questão da dualidade do visível e invisível que se
projetam, respectivamente, na riqueza e nos riscos. Embora exista visibilidade
na comparação entre a magreza da fome e a saciedade robusta, entre prédios
caros e favelas, os riscos tendem a ser imperceptíveis. Assim, a competição
entre a riqueza perceptível e os riscos imperceptíveis é ganha pela riqueza, pois
o crescimento econômico, corporativo e populacional não cessa. O invisível não

62
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO CAMPO TEÓRICO EM
Capítulo 2 CONSTRUÇÃO: ASPECTOS HISTÓRICOS, EPISTEMOLÓGICOS E
CONCEITUAIS

pode competir com o visível. O paradoxal é que, justamente por isso, os riscos
invisíveis acabam ganhando e tomam conta, gradualmente, de todo o sistema,
instalando seus efeitos (BECK, 2011).

Pense, por exemplo, em uma situação hipotética na qual uma nova empresa
se instala em uma cidade. Essa empresa precisa de muitos funcionários
para contratação imediata. Ela acaba de ser construída e passa a realizar
as admissões. Apesar de estar empregando muitas pessoas, essa empresa
oferece risco ao ambiente no qual se instalou, pois, além de produzir muita
poluição atmosférica, também produz resíduos tóxicos, que podem prejudicar
a população do entorno ou mesmo a água de abastecimento da cidade. Será
que as informações referentes aos riscos seriam tratadas de modo transparente
pela instituição? Em outras palavras, será que a empresa tornaria públicas as
informações referentes aos riscos ambientais? Como a população enxergaria
essa empresa: um risco iminente ao ambiente e à saúde ou uma salvação que
vai minimizar e/ou solucionar o desemprego local? Beck (2011) chama a atenção
para essa predileção que as comunidades demonstram por compreender a
instalação de novas empresas a partir da perspectiva da produção de empregos
imediatos e não a partir da perspectiva da produção de riscos. Novamente, o
invisível não consegue competir com o visível se não há um processo de EA que
tenha preparado as pessoas para ler o mundo de modo integrado.

Quanto aos órgãos responsáveis pela proteção do ambiente e da saúde


pública, a regulamentação que protege contra os riscos, normalmente, não
é suficiente por necessitar de cooperação entre nações, e, quando existe,
comumente é letra morta. Quando há catástrofes, muito facilmente os países
oferecem uma política de contenção que minimiza e encobre efeitos desastrosos.
Aqueles que apontam os riscos são difamados como estraga-prazeres. Em sua
defesa, instituições afirmam que os riscos não são comprovados e os efeitos
para o ser humano e para o meio ambiente são apontados como exagerados ou
mentirosos (BECK, 2011).

Em de novembro de 2015, ocorreu uma das maiores tragédias


socioambientais do Brasil: o vazamento de mais de 70 milhões
de metros cúbicos de lama de rejeitos da mineração de ferro em
Mariana, em Minas Gerais. Causado pelo rompimento de uma
barragem pertencente à Samarco, foram causados 17 óbitos e
mais de 1.200 pessoas ficaram desabrigadas. A lama percorreu 663
km ao longo de cursos de água doce, chegando a afetar, também,
ecossistemas marinhos. Em torno de 1,2 milhão de pessoas foram

63
Fundamentos da Educação Ambiental

prejudicadas pela falta d’água e temiam a contaminação da água do


rio Doce, uma vez que ela voltou a ser fornecida para consumo após
uma avaliação da qualidade da água. Os danos a outras espécies
incluem 11 toneladas de peixes mortos que foram recolhidas,
sendo que há suspeita de que cinco espécies tenham sido extintas
(PORTO, 2016).

A mineração de ferro não produz só bilhões de dólares e


“progresso”: ela está repleta de perigos, mortes e destruição
socioambiental. Trabalhadores morrem e adoecem; grandes
áreas são desmatadas; caminhões e trens circulam atropelando
pessoas e animais; as usinas de beneficiamento geram
poluição atmosférica; aquíferos formados em regiões ferríferas
são contaminados e destruídos; em tempos de crise hídrica
a água consumida é enorme, inclusive pelos minerodutos;
a quantidade de rejeitos é gigantesca e acumulada em
barragens; e o rompimento delas com lamas com diferentes
graus de toxicidade pode se transformar em grandes tragédias”
(PORTO, 2016, p. 1).

Atualmente, a Samarco é gerida por dois acionistas: a anglo-


australiana BHP Billiton e a brasileira Vale S.A. Inserida em uma
perspectiva neoliberal, as escolhas da empresa coincidem com
o intuito do aumento das forças produtivas para obter a maior
lucratividade possível. No entanto, partindo desse viés, a natureza
passa a constituir-se apenas como um recurso a ser explorado, ou
seja, é transformada em objeto de consumo. Os elementos que
dão suporte a esse argumento são as próprias características do
funcionamento da empresa: não havia um monitoramento 24 horas,
sendo que o plano de contingência (em desacordo com a legislação
vigente) foi aprovado pela autoridade de fiscalização. Além disso,
havia irregularidades no licenciamento da barragem, o que indica
que o Estado de Minas Gerais estava ciente do risco de ruptura. É
importante notar que mais barragens próximas se encontram em
condições semelhantes (DIAS, 2018).

O exemplo do desastre ambiental ocorrido em Mariana em 2015 indica o


quanto as atividades econômicas podem ignorar questões éticas referentes
à defesa da coletividade humana e do ambiente. Os riscos são causados pela
atividade de certos grupos, porém, as consequências são compartilhadas
por muitos outros grupos que não consentiram (ou não foram consultados) a
implementação de tais atividades.

64
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO CAMPO TEÓRICO EM
Capítulo 2 CONSTRUÇÃO: ASPECTOS HISTÓRICOS, EPISTEMOLÓGICOS E
CONCEITUAIS

Em janeiro de 2019, outra barragem da Vale se rompeu e a


contabilização de óbitos já constatou um número que ultrapassa 200
mortes humanas. A lama da barragem alcançou o Rio São Francisco,
que passou a exibir turbidez acima dos limites legais, bem como
altas concentrações de metais pesados, impossibilitando o uso pela
população. Quer saber mais? Acesse:

• Brumadinho: estudo de ONG afirma que lama de barragem já


chegou ao Rio São Francisco. Disponível em: <https://g1.globo.
com/mg/minas-gerais/noticia/2019/03/22/brumadinho-estudo-do-
ong-afirma-que-lama-de-barragem-ja-chegou-ao-rio-sao-francisco.
ghtml>.
• Brumadinho: sobe para 210 o número de mortos identificados em
tragédia. Disponível em: <https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/
noticia/2019/03/21/brumadinho-sobe-para-210-o-numero-de-
mortos-identificados-em-tragedia.ghtml>.

FIGURA 2 - VISTA AÉREA DA PONTE FERROVIÁRIA DESTRUÍDA PELA PASSAGEM


DA LAMA APÓS O ROMPIMENTO DA BARRAGEM EM BRUMADINHO

FONTE: Foto: Mauro Pimentel/AFP. Disponível em: <https://g1.globo.com/


natureza/blog/andre-trigueiro/post/2019/03/22/as-aguas-sujas-do-brasil.ghtml>.

65
Fundamentos da Educação Ambiental

Embora existam possibilidades de esquiva dos riscos pelos grupos sociais


privilegiados, há riscos que são completamente compartilhados como a água
para consumo, que é encanada de forma igual para todos. Ou seja, a viabilidade
de proteção realmente eficaz sob essas condições seria: não comer, não beber
e não respirar. Sendo assim, os riscos possuem uma tendência à globalização,
ao universalismo das ameaças. No pior dos casos, a bomba atômica aniquila
até mesmo os causadores dos riscos. Assim, o risco não reconhece diferenças
entre classes. Quando os países desenvolvidos importam alimento barato, por
exemplo, necessariamente estão importando riscos, devido às interdependências
do mercado global (BECK, 2011).

Segundo Beck (2011), percebe-se certa ausência de causas específicas


e responsabilidades isoláveis. A agricultura contamina o solo, mas são os
agricultores ou as autoridades que deveriam limitar o uso de venenos? As
autoridades frequentemente fornecem patentes para “inofensivas” produções de
agrotóxicos. Então, como interpretar essa relação? A própria divisão de trabalho
implica em uma cumplicidade geral, que se traduz em uma irresponsabilidade
generalizada. Quando tudo se converte em ameaça, diferentes grupos podem
chegar à conclusão de que o melhor é não pensar mais na questão, o que se
caracteriza como um fatalismo ecológico, ou seja, agir passa a ser, de todo modo,
algo ultrapassado.

Em contrapartida, a EA precisa romper com a imobilização do pensamento


fatalista. É comum que as pessoas se sintam paralisadas ou confusas diante de
informações acerca das condições da contemporaneidade, assumindo posturas
comodistas, defendendo que “sempre foi assim” e que “não há o que fazer” ou
ainda que um comportamento isolado não alteraria todo o panorama vigente.
No entanto, a realidade precisa ser entendida como histórica e construída pelo
homem, sem que se naturalize as conjunturas. Somente desta forma, a realidade
deixa de ser concebida como imutável.

Tendo em vista proporcionar a capacidade de desconstruir a visão fatalista


aos indivíduos, de modo que a inércia do comportamento humano seja desafiada,
a EA tem como finalidade uma ação humanizadora, uma vez que compreende
uma ação educativa de ressignificação da relação entre o homem e a natureza
por meio de novas perspectivas que acarretem em novas convicções e,
principalmente, novas práticas. Assim, muito mais do que ensinar ecologia e mais
do que doutrinar indivíduos para reduzir comportamentos ambientais predatórios,
a EA abrange um processo de construção de uma relação homem-ambiente
caracterizada pela responsabilidade e pela democracia.

A necessidade de promover a EA em escala global provém, portanto, das


iminentes ameaças aos recursos da Terra, à saúde e estabilidade das sociedades.

66
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO CAMPO TEÓRICO EM
Capítulo 2 CONSTRUÇÃO: ASPECTOS HISTÓRICOS, EPISTEMOLÓGICOS E
CONCEITUAIS

É urgente a promoção de uma cidadania global informada.

A preocupação pública sobre o estado da Terra e nossa relação com


ele aumentou muito nas últimas duas décadas. Existe uma grande demanda
por informações acerca de quais são as ações concretas adequadas para o
enfrentamento das conjunturas atuais. Tais informações se fazem necessárias,
pois todo programa instrucional que vise o estímulo à cidadania esclarecida e
comportamentos éticos diante da problemática ambiental requer que haja
conhecimento acerca do próprio ambiente. Alguns aspectos do cenário
contemporâneo estão elencados a seguir, segundo Palmer (2002):

• Cerca de 60 a 70 milhões de pessoas morrem de fome e de doenças


relacionadas à fome, anualmente.
• A produção de grãos per capita na América Latina, na África e na Índia
tem decrescido, principalmente, devido à degradação dos solos.
• O solo tem sofrido processos de salinização, alagamento e perda de
fertilidade em importantes locais de produção agrícola.
• A intensa irrigação de culturas está esgotando o abastecimento de água
subterrânea em várias localizações.
• O controle químico de pragas de alimentos tem sido amplamente
utilizado, mas é um método muito caro e prejudicial já que produtos
químicos agrícolas (fertilizantes, pesticidas e herbicidas) estão poluindo
as águas subterrâneas e superficiais e prejudicando pessoas e a vida
selvagem em muitos locais.
• O desmatamento de florestas tropicais aumenta em uma velocidade de
cerca de 11 milhões de hectares destruídos por ano, sendo substituídas
por áreas agrícolas, pecuária, projetos de desenvolvimento em grande
escala ou são destruídas para extração de madeira. Além da extinção
de espécies biológicas, o desmatamento de florestas tropicais tem
consequências para atividades humanas, pois são fonte de alimentos,
de matérias-primas essenciais para a agricultura, para a produção de
medicamentos e para uma variedade de produtos que possuem valor
comercial ou industrial.
• A poluição do ar, causada pelo uso de combustíveis fósseis, está
prejudicando a saúde humana, danificando ecossistemas inteiros,
causando um maior acúmulo de CO2 atmosférico e consequentemente
contribuindo para o aquecimento global.

Considerando que o planeta tem cerca de 4,5 bilhões de anos e a vida na


Terra mais de 3,5 bilhões de anos, o tempo da vida humana é uma pequena
porção de toda essa história. Durante o tempo remoto no qual a Terra foi
desprovida do ser humano, existiu um equilíbrio sustentável entre diferentes
formas de vida. Foi somente com a ascensão humana, especialmente nos últimos

67
Fundamentos da Educação Ambiental

dois séculos, que a atividade antrópica teve o que pode ser caracterizado como
um impacto significativo sobre o meio ambiente e seus recursos. Talvez se possa
afirmar que, apenas a partir da última metade do século XX, tenha se tornado
evidente que esse impacto é extremamente grave, o que coincide com o período
de intensificação das atividades de EA pelo mundo (PALMER, 2002).

3 O CARÁTER TRANSVERSAL E
INTERDISCIPLINAR DA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL

A EA é composta por contribuições de diferentes áreas do conhecimento. Não
há uma abordagem biológica ou geográfica, por exemplo, que possa contemplar
todas as finalidades formativas da EA, assim como, discussões políticas, éticas
e econômicas não são suficientes sem o estudo das características bióticas e
abióticas e dos processos biofísicos do planeta Terra.

Para entender o caráter interdisciplinar da EA, pense na ideia de poluição


ambiental, por exemplo. Seja rural, urbana, do solo, da água ou da atmosfera, não
se trata de algo apenas biológico, físico ou químico. Um ambiente poluído precisa
de uma interpretação que não cabe dentro dos limites de uma disciplina das
ciências naturais, pois além de articular biologia, física e química, são necessários
os conteúdos e interpretações das ciências humanas (BRASIL, 1999a).

Essa abordagem interdisciplinar não nega a especificidade do conhecimento


científico disciplinar, substituindo-o por sínteses estritamente integradoras. Desta
forma, é necessária a preparação de conteúdos organizados tanto de forma
multidisciplinar quanto interdisciplinar já que a compreensão global das questões
ambientais exige tanto conhecimentos de cada disciplina individual como aqueles
que emergem da interação entre as disciplinas.

Para a compreensão da temática socioambiental contemporânea é


necessário o estabelecimento de pontes entre diferentes áreas do saber, pois se
trata de uma dimensão tanto científico-tecnológica como histórico-geográfica. É
preciso que se identifique a ciência e a tecnologia como construções humanas
relacionadas, o que requer a integração entre saberes das Ciências Naturais e
das Ciências Humanas.

Estudos sobre a ocupação humana, através de alguns


entre os diversos temas existentes, aliados à comparação
entre a dinâmica populacional humana e a de outros seres

68
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO CAMPO TEÓRICO EM
Capítulo 2 CONSTRUÇÃO: ASPECTOS HISTÓRICOS, EPISTEMOLÓGICOS E
CONCEITUAIS

vivos, permitirão compreender e julgar modos de realizar


tais intervenções, estabelecendo relações com fatores
sociais e econômicos envolvidos. Possibilitarão, ainda, o
estabelecimento de relações entre intervenção no ambiente,
degradação ambiental e agravos à saúde humana e a
avaliação do desenvolvimento sustentável como alternativa ao
modelo atual (BRASIL, 1999a, p. 17).

A Geografia pode articular-se de forma interdisciplinar com a área de


estudo da Economia e também com a História, especialmente quando se
trata de questões ligadas aos processos de formação da divisão do trabalho
e a formação dos blocos econômicos que têm repercussões importantes em
questões contemporâneas, tais como crises financeiras, globalização do sistema
econômico, poder do Estado e sua relação com a economia e as novas questões
resultantes das desigualdades sociais e dos problemas ambientais. Essa
caracterização do funcionamento da sociedade atual é uma discussão que pode
emergir de um diálogo entre Geografia, Economia e Sociologia. No que concerne
a descrição mais minuciosa dos problemas ambientais e da biotecnologia
também é necessário estabelecer conexões com a Biologia, a Física, a Química,
a Filosofia e, mais uma vez, a Economia (BRASIL, 1999b).

Para minimizar a fragmentação dos conteúdos da EA, diferentes autores


buscam estudar formas para integrar as subáreas das Ciências Naturais e
Ciências Humanas para assim planejar e propor um ensino por meio de conceitos
inter-relacionados.

Efeito estufa, poluição, transgênicos, produção de energia elétrica e


impactos ambientais são exemplos de temáticas que exigem uma incursão em
redes conceituais que incluem mais de uma disciplina. Assim, a EA configura-se
como um tema transversal (BRASIL, 1999a), que deve ser objeto de preocupação
de diferentes profissionais que atuam como educadores em suas abordagens
disciplinares e interdisciplinares.

A legislação brasileira estruturou na Lei N° 9.795, de 27 de abril de 1999 a


“Política Nacional de EA”, que é conceituada como:

Os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade


constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades,
atitudes e competências voltadas para a conservação do meio
ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia
qualidade de vida e sua sustentabilidade (BRASIL, 1999c).

A EA é entendida como um direito de todos, devendo ser oferecida em


diferentes instâncias, tais como: em todos os níveis de ensino; em outras
instituições educativas; programas de conservação, recuperação e melhoria do

69
Fundamentos da Educação Ambiental

meio ambiente organizados pelo Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama);


meios de comunicação em massa que podem colaborar com a disseminação de
informações e práticas educativas sobre o meio ambiente; e empresas ou outras
instituições públicas e privadas que podem promover programas destinados aos
trabalhadores (BRASIL, 1999c).

Para todas essas instâncias, a “Lei 9.795, de 27 de abril de 1999” que institui
a Política Nacional de Educação Ambienta recomenda que a EA seja realizada
por meio de um enfoque “humanista, holístico, democrático e participativo”, de
modo a conceber o meio ambiente em sua totalidade, destacando as conexões
entre o meio natural, o socioeconômico e o cultural, sob a abordagem da
sustentabilidade. Deve-se vincular a ética, a educação, o trabalho e as práticas
sociais. Assim, o caráter interdisciplinar da EA é endossado na legislação, pois
o objetivo dessa área é propiciar “o desenvolvimento de uma compreensão
integrada do meio ambiente em suas múltiplas e complexas relações, envolvendo
aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos,
científicos, culturais e éticos” (BRASIL, 1999c).

Considerando que, segundo a legislação supracitada, a EA visa “à formação


de valores, atitudes e habilidades que propiciem a atuação individual e coletiva
voltada para a prevenção, a identificação e a solução de problemas ambientais”,
mais do que interligar as grandes áreas do conhecimento científico e filosófico,
é preciso admitir que a efetividade do processo educativo requer o aprendizado
de elementos socioemocionais. O (re) aprender a sentir, a ser e conviver são
habilidades que são essenciais para uma conduta ética dos indivíduos. Uma
formação técnico-científica de alto nível não garante uma postura ética. Ou seja,
os indivíduos precisam ser sensibilizados, precisam desenvolver empatia pelo
outro. O “outro” é o coletivo de seres humanos que vivem e que ainda irão viver
nas próximas gerações e também o coletivo de seres de outras espécies, que são
vítimas diretas dos problemas ambientais.

Assim, muito mais do que ensinar como o ecossistema se estrutura, como a


natureza absorve impactos e se recompõe, como ocorre a sucessão ecológica,
como ecossistemas diferem e como se equilibram (aspectos das ciências
naturais), também é necessário ensinar sobre a interação desses ecossistemas
com a intervenção humana, o que prospecta explicações de dimensão histórica,
geográfica, sociológica, filosófica e econômica da EA (aspectos das Ciências
Humanas). Ainda assim, para além dos conteúdos das Ciências Naturais e
Ciências Humanas que podem propiciar uma visão integrada acerca de como o
mundo funciona nas dimensões natural e humana, é preciso reeducar o indivíduo
para que estabeleça uma relação de pertencimento com a questão ambiental,
para que se sinta responsável por ser um agente de transformação da realidade
(habilidades socioemocionais). Deste modo, os objetivos da EA têm maiores

70
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO CAMPO TEÓRICO EM
Capítulo 2 CONSTRUÇÃO: ASPECTOS HISTÓRICOS, EPISTEMOLÓGICOS E
CONCEITUAIS

chances de serem concretizados já que a formação do indivíduo passa a ser


multidimensional e sistêmica.

O pensamento organizado em visões sistêmicas é explorado por


alguns autores, como James Lovelock, que defende que o planeta
Terra como um todo pode ser entendido como um sistema vivo com
capacidade auto-organizadora. Trata-se da Hipótese de Gaia. A
partir da década de 1960, quando se torna possível visualizar nosso
planeta por meio de voos espaciais, a Terra passa a ser percebida
visualmente como uma totalidade integrada. Para além do campo
visual, Lovelock também apontou a dimensão de totalidade da Terra
no aspecto funcional: identificou que gases atmosféricos estão em
contínua reposição quando sofrem reações químicas, o que confere
à atmosfera terrestre a propriedade de ser um sistema aberto,
caracterizada por um constante fluxo de matéria e energia. O autor
postulou que a Terra é capaz de regular não somente sua atmosfera,
mas também sua temperatura e outras condições planetárias, como
a salinidade oceânica. Assim, em vez de conceber a Terra como
um “planeta morto”, constituído por rochas, oceanos e atmosfera
inanimados, ele propôs pensá-la como um sistema complexo, que
inclui a vida e o seu ambiente. Segundo a visão de Lovelock:

Não podemos mais pensar em rochas, animais e plantas


como separados. A teoria de Gaia mostra que há um estreito
entrelaçamento entre as partes vivas do planeta – plantas,
microrganismos e animais – e suas partes não vivas – rochas,
oceanos e atmosfera. Os ciclos de feedback que interligam
esses sistemas vivos e não vivos regulam o clima da Terra, a
salinidade de seus oceanos, e outras importantes condições
planetárias (CAPRA; LUISI, 2014, p. 209).

A teoria de Gaia sofre resistências da comunidade científica,


pois rompe com uma perspectiva tradicional que concebia uma
abordagem da Terra considerada em seus aspectos físico-químicos e
biológicos de modo fragmentado.

Edgar Morin, sociólogo, filósofo e antropólogo francês, é adepto


da hipótese de Gaia e postula que
A Terra não é a soma de um planeta físico, de uma biosfera
e da humanidade. A Terra é a totalidade complexa físico-
biológica antropológica, onde a vida é uma emergência da
história da Terra, e o homem, uma emergência da história da
vida terrestre. A relação do homem com a natureza não pode

71
Fundamentos da Educação Ambiental

ser concebida de forma reducionista, nem de forma disjuntiva.


A humanidade é uma entidade planetária e biosférica. O ser
humano, ao mesmo tempo natural e supranatural, deve ser
pesquisado na natureza viva e física, mas emerge e distingue-
se dela pela cultura, pensamento e consciência” (MORIN,
2009, p. 40).

Ambos os autores, Lovelock e Morin, produziram sínteses


que permitem repensar as relações entre os elementos biofísicos
e sociais da Terra. Ainda que não sejam consensuais para a
comunidade científica, tais sínteses podem contribuir para a
formação epistemológica do educador ambiental, tendo em vista que
se faz necessária a produção de uma visão de totalidade acerca dos
elementos que compõem as problemáticas ambientais.

4 A TRAJETÓRIA DA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL
A EA não é nova, tampouco é resultante de projetos curriculares recentes.
Graças ao trabalho de pioneiros do passado, que lançaram, concomitantemente,
um olhar educacional e ambiental para a história da relação da humanidade
com a Terra, foram construídos eventos importantes, conferências, publicações,
conceitos, currículos e estudos de caso que constituíram as bases para a
estruturação da EA (PALMER, 2002).

Qual seria o marco inicial da EA na história? Até 1960, os termos “ambiente”


e “educação” não eram utilizados de forma sincronizada. Considera-se que o
início tenha ocorrido no Reino Unido, quando o professor Patrick Geddes (1854-
1933) foi o primeiro a associar a qualidade do meio ambiente com a qualidade da
educação. Além de suas teorizações, o professor também aplicou a articulação
ambiente-educação em práticas escolares, que colocavam os estudantes em
contato direto com o ambiente. As ideias inovadoras e a metodologia do professor
se tornaram o suporte para a EA moderna, uma vez que foram disseminadas para
outros professores e, também, para formadores de professores (PALMER, 2002).

No início do século XX, algumas instituições de “estudos ambientais”,


expressão utilizada até então, foram estruturadas com finalidades instrucionais.
Os estudos ambientais constituíam uma combinação de ensino de geografia,
história e estudo da natureza local. O primeiro registro da expressão “EA” ocorreu
na conferência The Keele Conference on Education and the Countryside, realizada

72
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO CAMPO TEÓRICO EM
Capítulo 2 CONSTRUÇÃO: ASPECTOS HISTÓRICOS, EPISTEMOLÓGICOS E
CONCEITUAIS

em 1965, na Grã-Bretanha. A conferência resultou na construção do Conselho


de EA em 1968 e, no ano de 1970, foi organizada a Associação Nacional de
Educação Ambiental (PALMER, 2002; MORALES, 2009).

Com a determinação de um termo próprio, a EA passa a caminhar para uma


maior consolidação por meio de atribuição coletiva de significados e promoção de
legitimidade. As organizações envolvidas nessa iniciativa produziam eventos nos
quais objetivos eram definidos, como por exemplo, o objetivo de introduzir a EA
em escolas, no ensino superior e na formação de profissionais que estivessem
ligados às intervenções no ambiente (PALMER, 2002).

Em 1968, a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação,


a Ciência e a Cultura) organizou, em Paris, a Conferência da Biosfera, na
qual foi determinada a necessidade de produção de materiais curriculares que
incluíssem o estudo do meio ambiente para todos os níveis de ensino, bem
como a promoção de conhecimento técnico e o estímulo à conscientização dos
problemas ambientais. Também ficou determinada a meta de criação de órgãos
nacionais de coordenação da EA em todo o mundo (PALMER, 2002).

Provavelmente, o mais importante marco na história da tentativa de conceituar


o termo "Educação Ambiental" ocorreu na reunião internacional International
Working Meeting on Environmental Education in the School Curriculum realizada
em 1970, em Nevada nos Estados Unidos. Há um conceito que pode ser descrito
como a definição "clássica" de EA que foi formulada e adotada a partir desse
marco, que consiste em afirmar que a EA é um processo de reconhecimento de
valores e de elucidação de conceitos com o intuito de desenvolver habilidades e
atitudes requeridas como condições para a compreensão e apreciação da relação
entre o homem, a cultura e o meio biofísico. Assim, a EA implicaria em uma prática
de tomada de decisão e definição particular de normas de conduta referentes às
questões relativas à qualidade ambiental (PALMER, 2002).

Uma série de conferências se concretizaram por meio de reuniões no Reino


Unido, Índia, Holanda, Canadá, Quênia e Argentina. O conceito supracitado foi
adotado pela Associação Nacional de Educação Ambiental da Grã-Bretanha e
no ano de 1970, uma alteração na legislação dos Estados Unidos estimulou a
receptividade coletiva para a promoção da conscientização ambiental (PALMER,
2002).

O apoio das principais instituições internacionais continuou a elevar o perfil


da EA durante a década de 1970, levando à expansão da compreensão das
justificativas, objetivos e abordagens do assunto. Em uma conferência realizada
em Estocolmo, na Suécia, em 1972, declarou-se que a educação referente
às questões ambientais precisaria estar voltada, principalmente, aos mais
desfavorecidos (PALMER, 2002).
73
Fundamentos da Educação Ambiental

Denominado “Conferência de Estocolmo”, o evento ressaltou o crescente


interesse global e a preocupação com o meio ambiente na década de 1970. Foi
produzida a primeira declaração intergovernamental sobre EA, na qual constavam
justificativas, objetivos, conceitos-chave e princípios orientadores. O breve, mas
abrangente, conjunto de objetivos para a EA resume-se da seguinte maneira:

a. promover a consciência e a preocupação com a interdependência econômica,


social, política e ecológica nas áreas urbanas e rurais;
b. proporcionar a todas as pessoas oportunidades de adquirir conhecimentos,
valores, atitudes, comprometimento e habilidades necessárias para proteger e
melhorar o meio ambiente;
c. criar novos padrões de comportamento individuais, de grupos e da sociedade
como um todo com relação ao meio ambiente (PALMER, 2002).

Uma característica importante do evento foi que, embora fosse frequentado


por educadores, a conferência teve o envolvimento de políticos. Assim, esperava-
se que as recomendações fossem traduzidas em políticas públicas em nível
nacional nos países onde a EA ainda não estava integrada às estratégias
de desenvolvimento (PALMER, 2002). No entanto, o evento foi marcado por
contradições que reduziam a discussão à polarização conservacionistas versus
preservacionistas. Assim, “uma delas, preocupada com a ameaça da vida humana
e dos recursos naturais necessários para manter a qualidade de vida; a outra,
preocupada com a destruição das belezas naturais e das espécies animais em
extinção” (RAMOS, 2001, p. 204).

Os esforços para reunir representantes do governo nos projetos da agenda


da EA resultaram na Primeira Conferência Intergovernamental sobre Educação
Ambiental realizado em Tbilisi, na antiga União Soviética, em 1977. Essa
foi a primeira conferência intergovernamental da UNESCO sobre EA, com a
participação de delegações oficiais do governo de 66 países, juntamente com
representantes de numerosas ONGs. A Conferência preparou recomendações
para ampliar a aplicação da EA na educação formal e não formal (PALMER, 2002).

Nas recomendações de Tbilisi, a EA vincula-se à compreensão


de três conceitos fundamentais: aquisição de novos
conhecimentos e valores, novos padrões de conduta e a
interdependência. Ressalta-se, também, que a EA deve
resultar de uma dimensão do conteúdo e da prática
educacional, orientada para a preservação e a resolução
dos problemas concretos do meio ambiente, através de um
enfoque interdisciplinar; levar a compreensão do meio
ambiente em sua totalidade e interdependência utilizando
o enfoque sistêmico para as questões globais que envolvem o
meio ambiente (RAMOS, 2001, p. 205).

74
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO CAMPO TEÓRICO EM
Capítulo 2 CONSTRUÇÃO: ASPECTOS HISTÓRICOS, EPISTEMOLÓGICOS E
CONCEITUAIS

Assim se estabeleceu uma estrutura para um consenso internacional que


tem sido uma influência determinante no desenvolvimento de políticas de EA
em todo o mundo. De fato, o evento em Tbilisi e as publicações subsequentes
fundamentadas nele continuam a fornecer um modelo para o desenvolvimento da
EA em muitos países (PALMER, 2002).

Consolida-se a ideia de que como uma abordagem educacional, a EA pode


permear uma série de disciplinas, bem como pode compor elos de uma rede de
muitos cursos integrados. Ressaltando tais preocupações, algumas das diretrizes
definidas em 1974, em um relatório produzido na Escócia, foram:

a. a educação formal e a educação informal devem usar os ambientes locais bem


como ambientes mais longínquos para fornecer exemplos e experiências;
b. os aprendizes devem ser introduzidos aos conceitos e valores ambientais,
tendo em vista a promoção de uma prática de tomada de decisões por meio de
oportunidades de envolvimento pessoal;
c. aprendizes precisam desenvolver a habilidade de avaliar criticamente as
múltiplas opiniões expressas contemporaneamente sobre as questões
ambientais atuais;
d. a Educação Ambiental deve permear todo o currículo;
e. toda escola deve ter organização adequada para planejar e implementar um
programa de Educação Ambiental;
f. tornar a Educação Ambiental um assunto ou tópico isolado não é desejável
nem possível;
g. o programa de Educação Ambiental iniciado na escola primária e levado para
a escola secundária deve ter continuidade na educação informal e por toda a
vida (PALMER, 2002).

Em outras palavras, o relatório escocês supracitado determina que a


finalidade da Educação Ambiental é estimular atitudes responsáveis e o
desenvolvimento de uma ética ambiental.

Várias reorientações dos objetivos formativos da EA estão ocorrendo até os


dias atuais e o fato de existir uma multiplicidade de abordagens é um resultado
das oportunidades relacionadas para a inovação das perspectivas que atendem a
diferentes realidades concretas.

Outro importante relatório produzido na Conferência de Tbilisi estabeleceu


grandes "metas de Educação Ambiental”, que incluíam os objetivos de promover
a consciência esclarecida e a preocupação com a interdependência econômica,
social, política e ecológica nas áreas urbanas e rurais, além de proporcionar a
todas as pessoas oportunidades de adquirir conhecimento, valores, atitudes,
comprometimento e habilidades necessárias para proteger e melhorar o meio

75
Fundamentos da Educação Ambiental

ambiente. De modo geral, trata-se de criar novos padrões comportamentais nos


indivíduos e na sociedade como um todo no que se refere ao meio ambiente
(PALMER, 2002).

O corpo teórico e as metas da EA alcançaram um notável nível de


disseminação de país para país muito rapidamente. A partir do ano de 1980,
a internacionalização se intensificou e, em 1987, dez anos após a primeira
Conferência de Tbilisi, foi realizada, em Moscou, uma nova conferência
denominada Tbilisi Plus Ten, na qual houve a participação da UNESCO. Uma
série de temas importantes surgiram das deliberações deste evento, como
a determinação de que é preciso admitir que a longo prazo, nada significativo
acontecerá no sentido de reduzir as ameaças locais e globais ao meio ambiente,
a menos que ascenda uma consciência pública generalizada sobre as conexões
essenciais entre a qualidade ambiental e a satisfação das necessidades
humanas. Reconhece-se que a ação humana depende da motivação e que a
motivação depende da compreensão. Ou seja, o único meio para promover novos
comportamentos é promovendo a motivação por meio da compreensão, por isso
torna-se tão importante a necessidade de que todos se tornem ambientalmente
conscientes por meio de uma EA adequada (PALMER, 2002).

Dois tratados internacionais de grande proporção foram


produzidos com a finalidade de propor diretrizes para o enfrentamento
de problemas ambientais de dimensões globais: o Protocolo de
Montreal, em 1987 e o Protocolo de Kyoto, em 1997.

Como a atmosfera é universal e os problemas causados


por esses gases não são restritos a territórios ou nações,
a necessidade de acordos internacionais sob a égide das
Nações Unidas tornou-se imperiosa. Assim, os Protocolos de
Montreal e de Kyoto foram criados para promover o controle
do uso de alguns gases nefastos à vida e ao meio ambiente
(SILVA, 2009, p. 156).

O Protocolo de Montreal é um tratado internacional que objetiva


substituir substâncias que reagem com o ozônio na parte superior da
estratosfera, como o grupo dos clorofluorcarbonetos (CFCs) emitidas
em todo o globo devido aos processos de industrialização (SILVA,
2009).

O Protocolo de Kyoto é outro acordo internacional que determina


objetivos para reduzir a poluição gerada na queima de combustíveis

76
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO CAMPO TEÓRICO EM
Capítulo 2 CONSTRUÇÃO: ASPECTOS HISTÓRICOS, EPISTEMOLÓGICOS E
CONCEITUAIS
fósseis causadores do efeito estufa. A redução prevista pelo protocolo
era de 5,2% a partir de 2008 em comparação com os níveis de 1990,
mas os resultados concretos do protocolo não foram exitosos devido
à participação deficiente das nações que mais emitiam gases (SILVA,
2009).

Em 1992, no Rio de Janeiro, foi realizada a Conferência das Nações Unidas


sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – que ficou conhecida como A Cúpula da
Terra, Rio-92 ou Eco-92. Participaram da conferência em torno de 120 líderes de
Estado e representantes de mais de 170 países. Vários documentos importantes
foram assinados coletivamente no evento, o que estimulou o início de um longo
processo de interpretação, ação e implementação de recomendações e acordos
destinados a mudar o futuro do planeta Terra. É construída a “Agenda 21” (recebe
esse nome por se tratar de estratégias para o próximo século), um programa de
ação que determina as tarefas que as nações devem desempenhar para alcançar
o desenvolvimento sustentável no século XXI, abrangendo tópicos, como:
pobreza, produção de resíduos tóxicos, educação e livre comércio (PALMER,
2002).

Este evento representou, também, um processo pontuado por


divergências e interesses contraditórios entre os países ricos
e pobres. Ficou notória a falta de compromisso por parte de
alguns países do Norte que não assumiram responsabilidades
diferenciadas quanto aos recursos financeiros para viabilizar o
desenvolvimento sustentável proposto (RAMOS, 2001, p. 205).

Em 2012, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento


Sustentável realizada no Rio de Janeiro se estabelece a necessidade do
desenvolvimento de um marco global para a sustentabilidade. Durante os
próximos três anos, foi estruturada a Agenda 2030 que estabeleceu 17 Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável para serem aplicados em diferentes nações. De
modo geral, a agente inclui o objetivo de promover a sustentabilidade globalmente
para garantir a sobrevivência da humanidade, com especial destaque para a
relação entre a pobreza e a economia: se torna estabelecido que a erradicação
da pobreza e o desenvolvimento econômico precisam estar em maior harmonia.
Alguns objetivos incluem a erradicação da pobreza, agricultura sustentável,
fome zero, garantir saúde e bem-estar a todos, realizar gestão da água visando
à sustentabilidade, promover saneamento para todos, entre outros (UNESCO,
2017).

77
Fundamentos da Educação Ambiental

Em 2015, foi realizada a 21ª Conferência das Nações Unidas


sobre as Mudanças Climáticas (COP 21 ou “Conferência das
partes”), em Paris. Foi determinada a proposta “4 por mil”, que exige
um plano de ação para aumentar o carbono orgânico do solo até
uma profundidade de 40 cm. A estratégia é promover o sequestro
de carbono orgânico do solo por meio da adoção de certas práticas
de manejo da agricultura como o reflorestamento, o pastoreio
melhorado e a restauração de solos degradados.

A importância dessa ação está nos efeitos adversos do uso


indevido do solo que tem causado o esgotamento do carbono orgânico
e a consequente degradação do solo, o que pode comprometer os
principais serviços ecossistêmicos essenciais ao bem-estar humano
e à preservação da natureza. Assim, a transição para o manejo
sustentável do solo é crucial para as tendências futuras no clima, na
eficiência do uso de recursos, na segurança alimentar e no bem-estar
humano (LAL, 2016). De modo geral, a COP21 buscou alcançar um
novo acordo internacional sobre o clima, aplicável a todos os países
cujo objetivo fora manter o aquecimento global abaixo dos 2°C.

FIGURA 3 - MOMENTO DO ACORDO DURANTE A COP21

FONTE: <https://nacoesunidas.org/cop21/>.

78
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO CAMPO TEÓRICO EM
Capítulo 2 CONSTRUÇÃO: ASPECTOS HISTÓRICOS, EPISTEMOLÓGICOS E
CONCEITUAIS
TABELA 1 - MARCOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL NO MUNDO INTERNACIONAL
1962 Publicação do livro “Primavera Silenciosa” de Rachel
Carson, que denunciava ameaças causadas pela in-
terferência humana, como o uso de agrotóxicos que se
acumulam na cadeia alimentar.
1965 Primeiro registro da utilização do termo “Educação Am-
biental” na Grã-Bretanha
1968 A UNESCO realiza a “Conferência da Biosfera” que de-
staca a necessidade de incluir EA no currículo escolar
e de construir instituições nacionais para coordenar a
EA em todas as nações
1970 Criação da “Associação Nacional de Educação Ambi-
ental” na Grã-Bretanha
1970 A definição clássica de EA é proposta em uma reunião
internacional
1972 “Conferência de Estocolmo” resulta na produção da
primeira declaração intergovernamental referente à EA
1974 Novo evento intergovernamental produz uma série de
diretrizes acerca dos objetivos formativos da EA
1975 “Congresso de Belgrado” que produz a “Carta de Bel-
grado” na qual se estabelece metas e princípios da EA
1977 Primeira Conferência Intergovernamental sobre Edu-
cação Ambiental realizada pela UNESCO resulta em
um consenso mundial, diretrizes e modelo para a con-
cretização da EA em diferentes nações
1980 Internacionalização da EA se intensifica
1987 O evento Tbilisi Plus Ten resulta em conclusões acerca
das finalidades da EA diante das ameaças da moderni-
dade
1992 É realizada a Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), que resul-
ta na produção a Agenda 21.
1997 Realização da “Conferência Internacional sobre Meio
Ambiente e Sociedade: Educação e Consciência Públi-
ca para a Sustentabilidade”, em Thessaloniki (Grécia),
que denuncia a insuficiência de ações estabelecidas
como metas no evento Rio-92.
2002 A Assembleia Geral das Nações Unidas estabelece o
ano de 2005 como o início da “Década da Educação
para o Desenvolvimento Sustentável”, atribuindo à Un-
esco a responsabilidade para a aplicação da iniciativa.
2015 Assembleia Geral da ONU adota a agenda 2030 para
o desenvolvimento sustentável na Conferência das
Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável
(Rio+20)
FONTE: Adaptado de Palmer (2002)

79
Fundamentos da Educação Ambiental

No Brasil, foi principalmente pela discussão ambientalista e por movimentos


ecológicos que o campo da EA se estabeleceu. Inicialmente, as áreas mais
responsabilizadas eram a Biologia e a Geografia por possuírem conteúdos mais
explícitos sobre a interação homem-ambiente. A fase inicial da EA no Brasil foi
caracterizada por um normativo, baseado na apresentação de regras sobre
o que fazer em relação ao meio ambiente caráter, porém, em trabalhos mais
recentemente analisados, há maior ênfase à pluralidade de abordagens que inclui
contribuições de áreas como: filosofia, geografia humana, sociologia, política,
epistemologia, meio ambiente, cultura, ecologia, arte, teatro, poesia e educação
(KAWASAKI; CARVALHO, 2009).

Embora a exploração predatória ambiental brasileira tenha sido iniciada


desde o período colonial, foi somente a partir dos anos 1970 que a consciência
ambiental começou a conquistar espaço nos meios de comunicação e na opinião
pública, devido ao acelerado crescimento do país (LOUREIRO; PACHECO, 1995).

No Brasil, a política ambiental pode ser dividida em duas grandes fases


até o ano de 1992: a fase de EA para sensibilização da população sobre a
deterioração ambiental iniciada no Rio Grande do Sul (1971-1986), e a fase
de institucionalização a partir de 1987 (VIOLA; VIEIRA, 1992). Vale ressaltar
que em 1972, na Conferência de Estocolmo, o Brasil, ao lado de outros países
emergentes, posicionou-se a favor do crescimento acelerado em detrimento de
questões sobre a preservação do ambiente, declarando que o pais estava aberto
à poluição, porque o que o país precisava era de dólares, de desenvolvimento e
de empregos (LOUREIRO; PACHECO, 1995).

O início do movimento ambiental no Brasil foi desencadeado por fatores


como a globalização da mídia e a devastação ambiental causada por um intenso
período de crescimento econômico (VIOLA; VIEIRA, 1992). Os principais
problemas ambientais resultantes do acelerado período de crescimento brasileiro
são: a erosão do solo, adição de produtos químicos nas práticas agroindustriais e
queimadas na região amazônica, principalmente, na década de 80. Tais problemas
devem ser somados ao impacto que a Mata Atlântica sofreu anteriormente devido
ao cultivo de cana-de-açúcar e café. A partir dos anos 1980, a preocupação
ambiental se disseminou e passou a atingir movimentos sociais, partidos
políticos, universidades, pesquisas sobre meio ambiente, setores empresariais e
estratégias de marketing – que culminaram na criação de um mercado ambiental
com empresas de consultoria e tecnologia ambiental (LOUREIRO; PACHECO,
1995).

As propostas mais difundidas entre os ecologistas que mobilizaram algumas


parcelas da sociedade no século XX foram: produção de energia flexível que
trabalha com os ciclos do sol, da água e do vento; agricultura de regeneração

80
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO CAMPO TEÓRICO EM
Capítulo 2 CONSTRUÇÃO: ASPECTOS HISTÓRICOS, EPISTEMOLÓGICOS E
CONCEITUAIS

que reabastece o solo e incorpora meios naturais de controle das pragas; fim
da devastação das fontes de recursos naturais (renováveis e não renováveis);
parada do envenenamento da biosfera pelo descarregamento de lixo tóxico;
drástico controle da poluição do ar efetuada pelas indústrias e meios de transporte
e redução dos níveis aceitáveis de exposição radioativa (VIOLA, 1987).

Como citamos anteriormente, a institucionalização da EA no Brasil é


intensificada a partir da década de 1980, o que se concretizou a partir de políticas
públicas, tais como:

• Lei n. 6.938/81, que estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente: a


EA é entendida como um dos elementos que compõem as soluções para
problemas ambientais e, portanto, deve ser ofertada em todos os níveis
de ensino da educação formal e não formal.
• Constituição Federal de 1988: que destaca (Artigo 225, capítulo VI) que
em todos os níveis de ensino deve-se visar a conscientização pública
para a preservação do meio ambiente.
• Criação do Programa Nacional de Educação Ambiental (PRONEA) em
parceria com o Ministério do Meio Ambiente e Ministério da Educação e
Cultura.
• Promulgação da Lei n. 9795/99 que institui a Política Nacional de
Educação Ambiental.

O crescimento do movimento ambiental a partir dos anos 1990 foi pautado na


crítica aos efeitos da prosperidade econômica e do desenvolvimento tecnológico
em detrimento da qualidade ambiental (VIOLA, 2004, p. 85). Para Viola e Vieira
(1992), ações ambientais devem provir de respostas sociopolíticas amplas, que
envolvam a sociedade civil por meio de planejamentos centrais, regionais e locais.
A partir da criação de ambientes tecnológicos altamente artificiais, há uma maior
insensibilidade da população devido à falsa impressão de proteção contra as
consequências da devastação ambiental (VIOLA, 2004).

O Brasil rejeitou a proposta da diminuição do ritmo de desenvolvimento em


1972 na Conferência de Estocolmo, como já mencionamos, e para o nosso país,
durante, o século XX, o entendimento sobre a relação desenvolvimento-ambiente
estava pautada em afirmar “que a pior forma de poluição é a pobreza e que a
proteção ambiental deveria vir somente após o aumento significativo da renda per
capita” (VIOLA, 2004, p. 86).

Segundo Viola e Vieira (1992), problemas ambientais diferem em países de


primeiro mundo e em países menos desenvolvidos. Em países desenvolvidos, a
devastação é causada pelo excessivo desenvolvimento. Nos países de terceiro
mundo, porém, a extração de recursos naturais se deve principalmente a obtenção

81
Fundamentos da Educação Ambiental

de meios de subsistência de populações cujo acesso a necessidades básicas


não existe. Assim, quando a preservação ecológica é preconizada, pode atingir
questões como a perpetuação de condições precárias de acesso a recursos em
sociedades mais pobres.

Ainda hoje, a proteção ambiental e o desenvolvimento sustentável são


entendidos como entraves para o desenvolvimento, ou seja, a ideologia do
progresso é preconizada em detrimento das questões ambientais e o resultado
de tal posicionamento é claro: “perda de biodiversidade, degradação da qualidade
ambiental nas grandes cidades dos países em desenvolvimento e redução dos
recursos não renováveis” (JACOBI, 2005, p. 239).

Durante o período militar o debate ambiental foi se estabelecendo, mas ainda


sob a ótica conservacionista proveniente de uma elite europeia. Tratar da questão
ambiental era o mesmo que tratar de ecologia, distanciando a dimensão ecológica
de dimensões sociais. Nesse contexto, a Educação Ambiental se inseriu nos
setores governamentais e científicos vinculados à conservação dos bens naturais,
com forte sentido comportamentalista e tecnicista, e voltada para o ensino da
ecologia (LOUREIRO, 2008, p. 4).

Por outro lado, ao mesmo tempo em que se fortalecia uma abordagem


tradicional da temática ambiental, na década de 1980 educadores fundamentados
na pedagogia de Paulo Freire e na Teoria Crítica passaram a propor novas formas
de conceber a relação entre a sociedade e a ecologia. Tanto integrantes de
instituições de ensino superior como militantes ambientalistas em geral passaram
a produzir propostas críticas, que atribuíam aos personagens da sociedade a
relação causal que explica os problemas ambientais (LOUREIRO, 2008).

Em dezembro de 1994, com base na Constituição Federal de 1988 e das


metas internacionais estabelecidas na Conferência do Rio em 1992, passa a
existir por ação da Presidência da República, o Programa Nacional de Educação
Ambiental (Pronea).

Anos mais tarde, em 1999 é instituída a “Política Nacional de Educação


Ambiental” (Lei nº. 9.795/99), representando a primeira legislação do gênero na
América Latina.

Há na Lei uma preocupação com a construção de atitudes


e condutas compatíveis com a “questão ambiental” e a
vinculação de processos formais de transmissão e criação
de conhecimentos a práticas sociais. Há também efetiva
preocupação em fazer com que os cursos de formação
profissional insiram conceitos que os levem a padrões de
atuação profissional minimamente impactantes sobre a

82
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO CAMPO TEÓRICO EM
Capítulo 2 CONSTRUÇÃO: ASPECTOS HISTÓRICOS, EPISTEMOLÓGICOS E
CONCEITUAIS

natureza e que todas as etapas do ensino formal tenham a


Educação Ambiental de modo interdisciplinar (LOUREIRO,
2008, p. 7).

O Programa Nacional de Educação Ambiental, sob coordenação do MEC, do


IBAMA e do MMA realiza diferentes ações, a saber (BRASIL, 2018):

• Capacitação de gestores e educadores;


• desenvolvimento de ações educativas;
• desenvolvimento de instrumentos e metodologias para a EA.

Considerando-se a Educação Ambiental como um dos


instrumentos fundamentais da gestão ambiental, o ProNEA
desempenha um importante papel na orientação de
agentes públicos e privados para a reflexão, construção
e implementação de políticas públicas que possibilitem
solucionar questões estruturais, almejando a construção de
sociedades sustentáveis, com base no Tratado de Educação
Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade
Global. Assim, propicia-se a oportunidade de ressaltar o
bom exemplo das práticas e experiências exitosas, como
a integração entre equipe gestora e comunidade escolar,
gestores e técnicos ambientais em programas e projetos de
formação. A democracia e a participação social permeiam as
estratégias e ações – sob a perspectiva da universalização
dos direitos e da inclusão social – por intermédio da geração e
disponibilização de informações que garantam a participação
social na discussão, formulação, implementação, fiscalização
e avaliação das políticas ambientais voltadas à construção de
valores culturais comprometidos com a qualidade ambiental e
a justiça social; e de apoio à sociedade na busca de um modelo
socioambiental (BRASIL, 2018, p. 24).

Em 1995, o MMA cria um Grupo de Trabalho para ações de EA que realizou


atividades diversas pelo como a 1ª Conferência Nacional de Educação Ambiental,
em 1997, na qual se produziu um Documento, a “Carta de Brasília para a Educação
Ambiental”. Também em 1997, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) são
aprovados pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e o meio ambiente passa
a ser tratado como um tema transversal – ao lado de outros temas transversais, a
saber: ética, pluralidade cultural, orientação sexual, trabalho e consumo (BRASIL,
2018).

83
Fundamentos da Educação Ambiental

Você já ouviu falar do CONAMA? É o Conselho Nacional do


Meio Ambiente, cujo Conselho atua sob coordenação do Ministro do
Meio Ambiente, com reuniões a cada três meses no Distrito Federal.
Entre suas funções estão (a) estabelecimento de normas e critérios
para licenciar atividades poluidoras, (b) realização de estudos de
impacto ambiental de projetos públicos ou privados, (c) decidir sobre
multas e outras penalidades a serem empregadas pelo IBAMA
(Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis), (d) normatizar os padrões de poluição proveniente de
veículos automotores, aeronaves e embarcações, e várias outras.
O CONAMA é parte de um sistema maior denominado SISNAMA
(Sistema Nacional do Meio Ambiente), na qual também está inserido
o MMA (Ministério do Meio Ambiente) e o IBAMA (Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), que tem
função de fiscalização e fornecimento de licenças ambientais.

TABELA 2 - MARCOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL.


PARA SABER MAIS MARCOS HISTÓRICOS DA EA NO BRASIL, CONSULTE
O SÍTIO ELETRÔNICO DO MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE DO BRASIL
Ano Evento

1970 EA passa a estar presente nos meios de


comunicação e opinião pública.
1981 Promulgação da Lei n. 6.938 de 1981, que
estabeleceu a Política Nacional do Meio
Ambiente, instituindo o CONAMA (Conselho
Nacional do Meio Ambiente).
1987 Intensificação da fase de institucionalização.
O MEC aprova o a legislação que prevê a
necessidade de inclusão da Educação
Ambiental nos currículos escolares.
1988 É promulgada a Constituição Federal, que
indica ser necessária a conscientização
para a preservação nos espaços educativos.

1989 Criação do IBAMA (Instituto Brasileiro do


Meio Ambiente)

84
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO CAMPO TEÓRICO EM
Capítulo 2 CONSTRUÇÃO: ASPECTOS HISTÓRICOS, EPISTEMOLÓGICOS E
CONCEITUAIS

1990 Crítica à prosperidade econômica que au-


mentava às custas da qualidade ambiental.
1991 MEC passa a propor que todos os currícu-
los dos distintos níveis de ensino devem
contemplar conteúdos de Educação Ambi-
ental.
1994 Criação do Programa Nacional de Edu-
cação Ambiental (PRONEA).
1999 É promulgada a nova Lei nº 9.795 de 27 de
abril de 1999 que institui a Política Nacional
de Educação Ambiental (PNEA).
FONTE: A autora

5 AS DIFERENTES CORRENTES DA
EDUCAÇÃO AMBIENTAL
As diferentes formas de conceber e de praticar a EA compartilham da mesma
preocupação com o meio ambiente e reconhecem a importância fundamental da
educação como um meio para melhorar a relação homem-ambiente. No entanto,
existem algumas especificidades que compõem algumas concepções e práticas,
uma vez que são adotados diferentes discursos para o que aqui vamos denominar
como “correntes” da EA.

Existem algumas categorizações que classificam correntes de EA em


categorias numerosas que trazem critérios específicos para organizar a
distribuição das formas de EA em correntes. Outras categorizações são mais
genéricas, como: EA conservadora versus EA crítico-reflexiva (MORALES, 2009).

A EA conservadora é caracterizada por exaltar a beleza da natureza, com


ênfase para a gestão ambiental que viabilize a conservação dos recursos. A
corrente crítico-reflexiva de EA está enviesada por uma perspectiva emancipatória
e crítica, fundamentada por teorizações de Paulo Freire e da Teoria Crítica
frankfurtiana. Normalmente, a EA crítico-reflexiva fundamenta-se na Pedagogia
Histórico-Crítica (PHC) de Dermeval Saviani, no Brasil (MORALES, 2009). Pode-
se dizer que enquanto a EA conservadora tem a finalidade formativa de:

Busca por mudança cultural e individual como suficiente para


gerar desdobramentos sobre a sociedade e como forma
de aprimorar as relações sociais, tendo como parâmetro as
relações vistas como naturais, adotando geralmente uma
abordagem funcionalista de sociedade e organicista de ser
humano (LOUREIRO, 2001, p. 2).

85
Fundamentos da Educação Ambiental

Ao contrário, a EA crítico-reflexiva desafia as concepções e visões pré-


concebidas acerca da prática, pois visa a “transformação social, o que engloba
indivíduos, grupos e classes sociais, culturas e estruturas, como base para a
construção democrática de “sociedade e sustentáveis” e novos modos de se viver
na natureza” (LOUREIRO, 2001, p. 2).

Outras categorizações, ao contrário, sustentam a discriminação de cada


corrente com base em critérios mais específicos, como a categorização que será
apresentada a seguir. O intuito desta seção é organizar categorias semelhantes
em categorias, para permitir caracterizar as peculiaridades de cada uma e
distingui-las de modo a relacioná-las, enfatizando as divergências, intersecções,
oposições e complementaridades.

Serão abordadas as 15 correntes da EA que foram categorizadas e


caracterizadas na proposta de Sauvé (2008), a saber: naturalista, conservacionista/
recursista, resolutiva, sistêmica, científica, humanista, moral/ética, holística,
biorregionalista, práxica, crítica, feminista, etnográfica, da ecoeducação, e da
sustentabilidade. No quadro abaixo podemos observar a subdivisão cronológica
de tais correntes.

QUADRO 1 - CATEGORIZAÇÃO DAS CORRENTES DA EA SEGUNDO SAUVÉ (2008)


Correntes da Educação Ambiental Correntes da Educação Ambiental
com tradição de longo prazo mais recentes
Naturalista Holística
Conservacionista ou recursista Biorregionalista
Resolutiva Práxica
Sistêmica Crítica
Científica Feminista
Humanista Etnográfica
Moral/ética Da ecoeducação
Da sustentabilidade
FONTE: A autora

Por meio de critérios como (a) a concepção dominante de meio ambiente para
a corrente; (b) a finalidade mais importante da EA; (c) os enfoques preconizados; e
(d) os exemplos de ações ou de metodologias que representam a corrente, serão
apresentadas a seguir as características de cada uma das correntes supracitadas
no Quadro 1.

86
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO CAMPO TEÓRICO EM
Capítulo 2 CONSTRUÇÃO: ASPECTOS HISTÓRICOS, EPISTEMOLÓGICOS E
CONCEITUAIS

5.1 CORRENTE NATURALISTA


De tradição muito antiga, o principal enfoque é que a relação com a
natureza, seja por meio cognitivo (aprender elementos sobre a natureza), por
meio experiencial (vivenciar a natureza e aprender a partir dessa vivência – o
que corresponderia à educação ao “ar livre”), por meio afetivo, artístico (associa
criatividade humana com a criatividade da natureza) ou espiritual. A natureza é
concebida como dotada de um valor próprio, independente de recursos ou dos
saberes que ela pode fornecer.

Sua prolongada duração desde os tempos mais primórdios se deve ao modo


de aprendizagem por imersão ou por imitação em grupos sociais, nos quais a
cultura é muito conectada em relação ao meio natural.

Um dos ícones que atuaram de forma determinante na EA de corrente


naturalista foi o norte-americano Steve Van Matre. Em sua obra “A Educação para
a Terra”, apresenta uma crítica que denuncia a ineficácia da EA que se centra na
resolução de problemas. O autor liderou uma instituição educativa, na qual os
participantes viviam experiências cognitivas e afetivas em um ambiente natural,
realizando jogos e outras atividades que permitiriam a aprendizagem voltada para
compreender fenômenos ecológicos e para o desenvolvimento de vínculo com a
natureza.

Assim, a corrente naturalista preconiza o contato direto com a natureza


para estimular os sentidos humanos e para explorar a dimensão simbólica, que é
produzida pela mente humana em sua relação com o meio. Objetiva-se estimular
a compreensão de que os indivíduos são parte da natureza, assim, a natureza se
torna educadora e também o meio de aprendizagem.

5.2 CORRENTE CONSERVACIONISTA/


RECURSISTA
Centrada na conservação de recursos como água, solo, energia, plantas
e animais, tanto na dimensão da quantidade como da qualidade. No que diz
respeito às plantas, prioriza-se a conservação de espécies que contribuem para a
alimentação humana e para a medicina; no que tange aos animais, o enfoque é a
gama de recursos que podem ser fornecidos para o uso humano.

Assim, ainda que sob um discurso de conservação do patrimônio genético,


a conservação da natureza nessa corrente faz alusão a conservar recursos com

87
Fundamentos da Educação Ambiental

importância antrópica. Essa perspectiva corresponde à uma preocupação que


seria uma boa administração do ambiente, ou seja, uma boa gestão ambiental.

Em sua essência, a “educação para a conservação” sempre compôs parte da


educação familiar ou coletiva em conjunturas de recursos escassos. Os clássicos
três “R” da EA (Redução, Reutilização e Reciclagem) estão situados em uma
corrente conservacionista. Igualmente articuladas à corrente conservacionista
são as preocupações referentes à gestão ambiental (gestão da água, do lixo, da
energia etc.).

FIGURA 4 - OS TRÊS “R” DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

FONTE: A autora

É objetivo da EA conservacionista o desenvolvimento de habilidades de


gestão ambiental por meio da ação, que pode ser configurada por comportamentos
individuais, por projetos coletivos, ou ambos.

Com base nessa perspectiva, propõe-se o ecoconsumo, que consiste em


consumir/comprar produtos somente após analisar alguns questionamentos, a
saber:

88
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO CAMPO TEÓRICO EM
Capítulo 2 CONSTRUÇÃO: ASPECTOS HISTÓRICOS, EPISTEMOLÓGICOS E
CONCEITUAIS

QUADRO 2 - LISTA DE PERGUNTAS QUE COMPÕEM


O COMPORTAMENTO DE ECOCONSUMO
Questionamentos pertinentes para o comportamento de ecoconsumo
Esta compra representa uma necessidade relevante?
Esta compra não representa um produto repetido com relação ao que já tenho?
Esse produto é constituído por componentes inofensivos?

Seus componentes provêm de materiais renováveis?

E de materiais reciclados?

A fabricação do produto respeita critérios éticos e ambientais?


Onde o produto foi feito?

Como pode ser adquirido?

Como é a embalagem do produto? É reciclável?


O uso do produto tem efeitos negativos no meio ambiente ou na saúde?
O uso do produto implica em um maior consumo de recursos como água e energia?
O material é passível de reutilização?

É possível consertar/recarregar?
Quando concluída sua utilização, o mesmo pode ser utilizado para novas aplicações?
O objeto pode ser reciclado?

Quando não pode ser reciclado, existem formas de descarte controlado?


Quais são os gastos envolvidos no descarte do produto caso ele se torne lixo?
FONTE: Adaptado de Sauvé (2008)

Quais são os critérios para definir o que é um recurso? O homem define


recursos com base na importância de sua utilidade para finalidades humanas.
Não necessariamente seu valor está ligado ao que são, mas ao que podem vir
a ser. Aliás, esta é a conceituação de recurso: “Um recurso é uma coisa que não
cumpre seu fim senão quando é transformada em outra coisa: seu valor próprio se
volatiliza ante a pretensão de interesses superiores” (SAUVÉ, 2008, p. 20).

Uma mata fornece a madeira, uma rocha fornece o mineral e o alimento


é fornecido a partir da raiz de uma planta. Tais relações são automaticamente
produzidas pelo pensamento, pois nossa percepção já está habituada a identificar
recursos nos elementos da natureza. Os elementos naturais são objetificados,
uma vez que passam a estar sujeitos à gestão de planejadores.

89
Fundamentos da Educação Ambiental

5.3 CORRENTE RESOLUTIVA


Iniciada no começo dos anos 1970, com a intensificação dos problemas
ambientais nas dimensões de amplitude, gravidade e velocidade, a corrente
resolutiva concebe o ambiente como um conjunto de problemas. Em consonância
com a visão de EA da UNESCO, consiste em informar devidamente as pessoas
no que se refere aos problemas ambientais. Além de aumentar a instrução acerca
dos problemas, também é objetivo da corrente resolutiva desenvolver habilidades
de resolução de tais problemas. Na prática, a corrente se concretiza pela mudança
de comportamentos individuais ou coletivos.

Assim, a EA resolutiva está centrada na exploração de problemas ambientais,


tanto no que diz respeito aos componentes sociais como componentes biofísicos.
Com base em controvérsias formadas, identifica-se uma situação problema
que investiga situações para determinar diagnósticos, soluções, avaliações e
determinação das melhores opções/alternativas para tais soluções. Não faz parte
dos objetivos a obrigatoriedade de se alcançar a implementação do plano de
solução.

5.4 CORRENTE SISTÊMICA


Nessa corrente, a finalidade central é a de identificação de componentes
plurais de um sistema ambiental, bem como a identificação das relações entre
tais componentes. Por exemplo, são identificados os elementos biofísicos e os
elementos sociais de uma dada situação, assim como suas relações. Assim, a
corrente sistêmica visa aumentar a compreensão de realidades e de problemáticas
ambientais por meio de uma visão de conjunto, ou seja, uma síntese da realidade.

As realidades ambientais são, portanto, trabalhadas por meio da cognição,


objetivando a tomada de decisões esclarecidas. São necessárias as análises
visando decompor o todo em parte para explorar cada parte individualmente
e também sínteses. A fundamentação da corrente sistêmica é a contribuição
da ecologia em conformidade com os objetivos de uma ciência biológica
transdisciplinar.

Para iniciar a atividade de uma EA com enfoque sistêmico, pode-se apontar


uma realidade ou um fenômeno ambiental para explorar seus componentes
e relações. Espera-se alcançar uma compreensão global da problemática em
estudo, para produzir a visão de conjunto que irá subsidiar a escolha de soluções
e decisões mais adequadas.

90
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO CAMPO TEÓRICO EM
Capítulo 2 CONSTRUÇÃO: ASPECTOS HISTÓRICOS, EPISTEMOLÓGICOS E
CONCEITUAIS

Assim, pode-se dizer que se trata de um trabalho interdisciplinar que visa


contemplar a complexidade de objetos e de fenômenos estudados ao incluir
o estudo concomitante de elementos plurais e suas relações, por exemplo:
quais são os fatores causais responsáveis por uma condição (ou mudança da
condição)? As interações entre esses elementos resultam em efeitos sinérgicos
ou contraditórios? Quais são as estruturas envolvidas nessa condição (fronteiras,
transporte, comunicação, depósitos, uso de energia etc.)? Quais são as regras ou
leis (naturais e humanas) que regem esses elementos?

O exercício de obter respostas para tais questionamentos pode resultar


em uma visão integrada que permita identificar as relações causais entre os
acontecimentos e objetos que compõem a situação observada. Essa visão
sistêmica produzida deve fundamentar as soluções que serão viabilizadas, tendo
em vista a tomada de decisões mais apropriada para o meio ambiente.

5.5 CORRENTE CIENTÍFICA


O processo científico está no centro dessa corrente, no sentido de utilizar
observações e verificação de hipóteses para abordar realidades e problemáticas
ambientais. O conhecimento é produzido com o rigor científico interdisciplinar,
assim, o enfoque preconizado é cognitivo, assim como na corrente sistêmica, uma
vez que o ambiente se torna um objeto de conhecimento para o qual se objetiva
buscar soluções apropriadas.

Normalmente, as proposições que podem ser categorizadas na corrente


científica provêm de educadores que reúnem EA e o viés da didática das ciências.
Os didáticos justificam tal união defendendo que o meio ambiente tornaria o
conteúdo científico mais “atraente” e interessante, porque envolve a dimensão
social e ética para a interpretação da dimensão científica.

Atividades que norteiam uma abordagem científica de EA, podem ser,


por exemplo: exploração do meio, observação de fenômenos, elaboração de
hipóteses, verificação de hipóteses e delineamento de um projeto de resolução
de problemas.

5.6 CORRENTE HUMANISTA


Trata-se de uma corrente que destaca a relação entre a natureza e a cultura.
Mais do que abordar os elementos biofísicos do ambiente com objetividade e

91
Fundamentos da Educação Ambiental

rigor, o ambiente também deve incluir dimensões históricas, culturais, políticas,


econômicas, estéticas etc. Assim, faz-se necessário abordar os sentidos
atribuídos, o valor simbólico, pois o “ambiente” é ressignificado para também
incluir a cidade, a praça, os jardins e outros ambientes construídos pelo homem a
partir de recursos naturais.

A paisagem é utilizada como ponto de partida do aprendizado, mesmo


quando se trata de paisagens intensamente modificadas pelo homem. É uma
corrente empregada principalmente por educadores que preconizam a ótica da
geografia e de outras ciências humanas. Há maior dependência da dimensão
cognitiva pois inclui observação, análise e síntese nas atividades da corrente
humanista, embora também sejam necessárias as dimensões sensorial, afetiva
e criativa. São produzidos projetos a partir de estudos prévios e a construção
deve ser subsidiada por representações coletivas que descrevam as melhores
condições para realizar intervenções.

5.7 CORRENTE MORAL/ÉTICA


Alguns educadores defendem que a relação entre o homem e o ambiente
precisa ser viabilizada pela dimensão da ética. Assim, esse deveria ser o centro
da preocupação da EA: a dimensão moral e ética.

Nessa corrente, são elencados valores que compõem uma “moral” ambiental,
por meio de critérios de comportamentos que são socialmente desejáveis, porém,
o ideal é desenvolver uma competência ética própria constituída pelo próprio
sistema de valores.

Para a análise das correntes éticas pode-se adotar as distinções entre


antropocentrismo, biocentrismo, sociocentrismo, ecocentrismo etc. O conflito
moral é uma estratégia empregada para a EA de corrente ética, por meio de
situações que requerem dos alunos a determinação das próprias escolhas. É a
estratégia do “dilema moral”: apresenta-se um caso, analisa-se o caso em suas
dimensões sociais, científicas e morais, determina-se uma solução e argumenta-
se sobre a escolha, de modo a estabelecer relações com o próprio sistema de
referência ética.

5.8 CORRENTE HOLÍSTICA


Nessa corrente, o sentido de “global” é deslocado para significar mais do que

92
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO CAMPO TEÓRICO EM
Capítulo 2 CONSTRUÇÃO: ASPECTOS HISTÓRICOS, EPISTEMOLÓGICOS E
CONCEITUAIS

“planetário”, uma vez que abrange não apenas realidades socioambientais, mas
também a relação pessoa-mundo, ou seja, o modo de “ser-no-mundo”. Trata-se de
uma dimensão holística, porque inclui a totalidade de cada ser, de cada realidade
e de cada rede de relações que se estabelecem na produção de sentidos.

Algumas proposições objetivam a produção de uma cosmologia (visão de


mundo) que implique a descrição das conexões entre todos os seres para produzir
uma visão orgânica do mundo.

Devem-se abordar, efetivamente, as realidades ambientais


de uma maneira diferente daquelas que contribuíram para a
deterioração do meio ambiente. O processo de investigação
não consiste em conhecer as coisas a partir do exterior, para
explicá-las; origina-se de uma solicitação, de um desejo de
preservar seu ser essencial permitindo-lhes revelar-se com sua
própria linguagem. Permitir aos seres (as plantas, os animais,
as pedras, as paisagens, etc.) falar por si mesmos, com sua
própria natureza, antes de encerrar essas naturezas a priori
ou logo a seguir em nossas linguagens e teorias, permitirá que
nos ocupemos melhor deles” (SAUVÉ, 2008, p. 27).

Assim, a corrente holística visa se comprometer com os seres e com a


natureza, para participar dos processos por meio da atividade criativa, por meio da
escuta da linguagem das coisas, para colaborar com as forças do meio ambiente
e produzir paisagens nas quais os aspectos naturais e construídos possam ser
harmonizados.

5.9 CORRENTE BIORREGIONALISTA


Essa corrente faz uso do conceito de “biorregião”, que seria o espaço
geográfico constituído mais por suas características naturais que por fronteiras
criadas pela dimensão política. Também pode ser entendido de outra forma,
quando se concebe o conceito de biorregião a partir de um sentimento de
identidade compartilhada por comunidades humanas que habitam um espaço.

Assim, biorregião é um espaço localizado onde normalmente contém uma


bacia hidrográfica, características específicas de relevo, altitude, flora e fauna,
mas também uma história e uma cultura de humanos que habitam e definem essa
região.

O biorregionalismo surge, entre outros, no movimento de


retorno à terra, em fins do século passado, depois das
desilusões com a industrialização e a urbanização massivas.
Trata-se de um movimento socioecológico que se interessa em
particular pela dimensão econômica da “gestão” deste lar de

93
Fundamentos da Educação Ambiental

vida compartilhada que é o meio ambiente” (SAUVÉ, 2008, p.


28).

Essa corrente pode ser entendida sob a ótica da ética ecocêntrica, uma vez
que direciona a EA para a produção de uma relação com o meio local ou regional,
de modo que se estabeleça uma relação de pertencimento e valorização desse
meio.

5.10 CORRENTE PRÁXICA


A palavra chave para o entendimento dessa corrente é “ação”, pois nem
mesmo se almeja a produção prévia de conhecimentos e habilidades. O início
é a própria ação, para que seja possível aprender a partir do projeto e por meio
da reflexão sobre o projeto em curso. Assim, emerge a dimensão de práxis, que
consiste na integração entre reflexão e ação.

Por meio da pesquisa-ação, mudanças são desenvolvidas de maneira


participativa, visando objetivos educacionais e socioambientais. Assim, “não se
trata de saber tudo antes de passar pela ação, mas de aceitar aprender na ação e
de ir reajustando-a. Aprende-se também sobre si mesmo e se aprende a trabalhar
em equipe” (SAUVÉ, 2008, p. 30).

Por meio de uma abordagem de práxis, objetiva-se que jovens se tornem


atores que transformam o mundo atual e futuro.

5.11 CORRENTE DE CRÍTICA SOCIAL


O principal foco dessa corrente é analisar dinâmicas sociais que se
encontram nas relações causais das problemáticas ambientais, identificando
intenções, posições, argumentos e valores (sejam eles implícitos ou explícitos). A
postura crítica perpassa um viés político e são engendrados projetos de ação que
devem visar a emancipação, ou seja, a libertação de alienações.

Estrutura-se pela crítica, pela resistência e pela transformação da realidade,


por meio da rejeição do individualismo e da busca pela coletividade e pela
cooperação. Os projetos elaborados podem ser apresentados às autoridades
para que sejam subsidiados.

94
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO CAMPO TEÓRICO EM
Capítulo 2 CONSTRUÇÃO: ASPECTOS HISTÓRICOS, EPISTEMOLÓGICOS E
CONCEITUAIS

Um exemplo de EA caracterizada por um viés de crítica social foi


realizado na cidade de Bauru, no estado de São Paulo. Professores
e pesquisadores selecionaram um caso de dano socioambiental que
ocorreu em decorrência de contaminação por chumbo proveniente
de uma unidade metalúrgica que reciclava partes de baterias de
carros. Até 2002, foi detectada a concentração excessiva de chumbo
no sangue de mais de 300 crianças que moravam no entorno
da metalúrgica. O caso teve importante repercussão na mídia e
envolvimento de diferentes setores da sociedade. A abordagem
da intervenção proposta em uma escola bauruense preconizava a
identificação de interesses e de atores envolvidos nas conjunturas do
caso de contaminação por chumbo. Vários questionamentos foram
direcionados aos alunos, de modo que fosse estimulada a discussão,
a reflexão e a produção de argumentações consistentes. Após
as intervenções, os resultados positivos foram evidenciados por
pesquisadores: os estudantes apontaram relações entre a ciência,
a tecnologia e a resolução de problemas, destacando o quanto os
objetivos lucrativos são importantes na determinação dos objetivos
da ciência e da produção de tecnologias. Os alunos também
apontaram as contradições entre os interesses dos empresários e
os interesses da sociedade e identificaram a influência da mídia no
episódio ocorrido (ALVES; CARVALHO, 2005).

5.12 CORRENTE FEMINISTA


A corrente feminista de EA está fundamentada na corrente de crítica social
supracitada. Também se ocupa de discussões referentes às relações de poder de
grupos sociais, especialmente no que tange ao poder que homens exercem sobre
mulheres. São objetos de enfoque as necessidades de integrar valores feministas
aos modos de produção, de consumo e de organização da sociedade.

A relação entre o meio ambiente e o feminismo está na visão de que é preciso


reestabelecer relações harmônicas tanto com a natureza como com a sociedade,
ou seja, deve-se visar um projeto social que harmonize as relações entre os
humanos (especificamente entre homens e mulheres) e destes com o ambiente.

Se no começo o movimento feminista aplicou-se principalmente


em remanejar e denunciar as relações de poder entre os

95
Fundamentos da Educação Ambiental

homens e as mulheres, a tendência atual é, antes, a de


trabalhar ativamente para reconstruir as relações de “gênero”
harmoniosamente, por meio da participação em projetos
conjuntos, nos quais as forças e os talentos de cada um
e de cada uma contribuam de maneira complementar. Os
projetos ambientais oferecem um contexto particularmente
interessante para estes fins, porque implicam (certamente
em graus diversos) a reconstrução da relação com o mundo
(SAUVÉ, 2008, p. 33).

Trata-se de uma conotação política de mobilização conjunta para desenvolver


o poder-fazer (empowerment) das mulheres na prática da transformação
socioambiental para além de seus lares e comunidades.

5.13 CORRENTE ETNOGRÁFICA


A EA categorizada na corrente etnográfica é caracterizada pela ênfase no
caráter cultural da relação com o meio ambiente. Trata-se de destacar a cultura
de referência de populações em particular, ao invés de impor uma visão de mundo
extrínseca à comunidade. Assim, trata-se de realizar um diálogo intercultural que
permita questionar os problemas concretos que possuem as sociedades.

Ao invés de realizar o processo educativo por meio de transmissão de


informações, ocorrem relações de companheirismo e imersão na realidade local,
o que permite adaptar as intervenções educativas à diferentes realidades.

5.14 CORRENTE DA ECOEDUCAÇÃO


O enfoque dessa corrente se desloca em atribuir maior importância para a
dimensão educativa, pois para além de resolver problemas, deve-se utilizar a
relação com o meio ambiente como meio para o desenvolvimento pessoal. Na
interação direta com o ambiente, o indivíduo desenvolve seus modos de “ser-no-
mundo”.

5.15 CORRENTE DA
SUSTENTABILIDADE
A sustentabilidade, que se configurou como um ideário dominante a partir de
meados de 1980, foi integrada à EA gradualmente. A sustentabilidade pressupõe

96
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO CAMPO TEÓRICO EM
Capítulo 2 CONSTRUÇÃO: ASPECTOS HISTÓRICOS, EPISTEMOLÓGICOS E
CONCEITUAIS

que o desenvolvimento econômico é a base do desenvolvimento humano, sendo


indissociável de processos de conservação de recursos naturais, de forma que
seja possível usufruir de recursos no futuro.

Partindo da perspectiva sustentável, a EA é um meio para se atingir a


finalidade de promover o desenvolvimento sustentável. Assim, passa a ser
menos um projeto social, para ser mais um instrumento de manutenção do
sistema produtivo. Essa corrente pode ser considerada uma estratégia que
tem repercussões para os modos de produção e para os modos de consumo,
influenciando diretamente na economia das sociedades.

A partir da exploração das características das 15 correntes de EA, pode-


se afirmar que as correntes supracitadas apresentam certamente pontos de
convergência, mas diferem principalmente em suas ênfases conceituais ou
práticas. Trata-se de uma categorização dinâmica e não estática, pois pode ser
reinterpretada de outras formas e está sujeita às mudanças impostas pelo próprio
caminho da EA ao longo do tempo.

1 Com base na categorização das correntes da EA, classifique V


para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A corrente de EA conservacionista é aquela que valoriza uma


região com uma bacia hidrográfica própria e a história social de
um determinado conjunto de pessoas.
( ) A corrente resolutiva consiste em uma abordagem cognitiva,
voltada para os passos de exploração do meio, observação de
fenômenos, elaboração de hipóteses, verificação de hipóteses e
delineamento de um projeto de resolução de problemas.
( ) A corrente naturalista estimular a compreensão de que os
indivíduos são parte da natureza, assim, a natureza se torna
educadora e também o meio de aprendizagem.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) F – F – F.
b) ( ) F – V – V.
c) ( ) V – V – V.
d) ( ) V – F – V.

97
Fundamentos da Educação Ambiental

2 A Educação Ambiental está alicerçada em dimensões científicas,


tecnológicas, políticas, éticas e humanas. Dessa forma, é preciso
comprometer-se e incentivar comportamentos éticos diante da
problemática ambiental e conhecer os danos e consequências
que já ocorreram ou ainda ocorrem em nosso planeta. Descreva
dois problemas ambientais que ocorreram ou ainda ocorrem e
que podem ser minimizados ou poderiam ter sido evitados.

R.:____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
___________________________________________________
___________________________________________________

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
A EA é uma atividade humana coletiva que foi pensada para atender
finalidades que emergem como necessidades do momento contemporâneo. A
história da EA é marcada por esforços para o estabelecimento de uma agenda
internacional de ações que possam resultar na transformação do comportamento
humano no que tange a sua relação com o meio ambiente. No Brasil e no mundo,
a história da EA é recente, haja vista que os processos de sua institucionalização
e parametrização legal se deram somente a partir do século XX.

Os esforços para estabelecer a EA em todo o mundo decorrem de admitirmos


enquanto humanidade que as intervenções antrópicas no meio ambiente têm
efeitos locais e globais cuja repercussão não é apenas imediata, mas, também,
futura. No entanto, a ausência de elementos prontamente detectáveis pelos
sentidos humanos dificulta a sensibilização acerca da seriedade das questões
ambientais e seus desmembramentos, que podem escapar das preocupações
diárias dos indivíduos. Justamente pelo fato de os problemas ambientais não
serem tão perceptíveis, emerge a necessidade da EA.

Assim, reeducar as visões e as práticas humanas é uma tarefa


multidimensional que requer conhecimento científico (tanto das Ciências Naturais

98
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO CAMPO TEÓRICO EM
Capítulo 2 CONSTRUÇÃO: ASPECTOS HISTÓRICOS, EPISTEMOLÓGICOS E
CONCEITUAIS

como das Ciências Humanas) e requer, também, intervenções na dimensão


socioemocional. Trata-se de uma atividade que tem natureza interdisciplinar e
complexa, o que explica a necessidade de se produzir um número considerável de
“correntes” de EA. Diferentes sociedades estabelecem relações homem-natureza
específicas, o que requer adaptações para a prática da EA. O que as “Educações
Ambientais” têm em comum é a produção de sentidos coletivos que ressignificam
a concepção e a prática do homem em relação a sua interação com a natureza,
de modo a produzir condições mais harmônicas de ser e estar no mundo para que
seja possível controlar de forma consciente as diferentes intervenções antrópicas
realizadas em nosso planeta.

99
Fundamentos da Educação Ambiental

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100
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO CAMPO TEÓRICO EM
Capítulo 2 CONSTRUÇÃO: ASPECTOS HISTÓRICOS, EPISTEMOLÓGICOS E
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102
C APÍTULO 3
EDUCAÇÃO PARA
SUSTENTABILIDADE

A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� Definir o conceito de sustentabilidade e o contexto de seu surgimento.

� Elencar os pressupostos de uma Educação para Sustentabilidade.

� Exemplificar ações que visam a sustentabilidade no contexto contemporâneo.

� Relacionar e discutir as aproximações teóricas e práticas entre a Educação


Ambiental, a Sustentabilidade e a Cidadania.

Entender a Educação para sustentabilidade como um processo de



aprendizagem permanente cujo objetivo seja a contribuição para as
transformações socioambientais.

� Discutir estratégias para a construção de sociedades sustentáveis, socialmente


justas e ecologicamente equilibradas.
Fundamentos da Educação Ambiental

104
Capítulo 3 EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE

1 CONTEXTUALIZAÇÃO

A contemporaneidade é marcada por importantes movimentos que visam


minimizar os efeitos agressivos que o sistema produtivo tem sobre o ambiente
e sobre a sociedade. São produzidos estudos, teorizações e práticas que
reorganizam a lógica que concebe a relação homem-ambiente e as relações de
poder que se estabelecem na sociedade. Tendo em vista o enfrentamento das
conjunturas problemáticas de nosso tempo, é preciso considerar a importância de
se discutir a sustentabilidade enquanto meta de todas as nações.

A sustentabilidade é representada por uma pluralidade de concepções e


ações, haja vista que pode responder a diferentes objetivos que são contexto-
dependentes. É preciso pensar a variedade de sentidos que podem ser atribuídos
ao termo, para que você, como um profissional, possa se posicionar com
autonomia para fazer uma opção esclarecida e fundamentada. Assim, neste
capítulo várias vertentes de sustentabilidade serão exploradas e comparadas.
Algumas concepções e práticas tomadas como sustentáveis serão criticadas
e algumas alternativas serão apontadas, inclusive com exemplos de projetos
sustentáveis de grande porte.

Pensando a dimensão de larga escala para a qual a sustentabilidade deve


se dirigir, é necessário incluir processos de socialização acerca dessa meta, para
que se torne um objetivo comum a todas as nações e a todas as gerações. É
somente por meio da educação que a sustentabilidade pode se propagar como
uma meta compartilhada por todas as comunidades humanas.

O processo educativo voltado para a sustentabilidade requer desafiar o status


quo da tradição da educação ambiental acrítica centrada apenas nos aspectos
ecológicos. Uma sociedade sustentável não será construída por indivíduos que
sabem muito sobre como a Terra funciona, mas por aqueles que além de entender
minimamente sobre a Terra também exibem valores solidários, cooperativos
e éticos. É preciso formar pessoas que se interessem pelo bem comum e que
tenham iniciativa para transformar a realidade.

Ensinar valores como esses não é uma tarefa simples, uma vez que
são necessários processos nos quais os educandos possam desaprender
para aprender de novo, ou seja, é preciso mudar visões, mudar atitudes e
comportamentos. É preciso questionar, problematizar a ir para a prática:
os educandos precisam experienciar situações de exercício democrático e
cidadão, para que possam desenvolver habilidades e atitudes próprias para o
desenvolvimento da autonomia e emancipação.

105
Fundamentos da Educação Ambiental

Muito mais do que discursar para os educandos ouvirem, é preciso


sensibilizar, inspirar, ser exemplo e promover experiências concretas para a ação.
Adequar os meios aos fins é um passo necessário para obter resultados exitosos.
A adequação, quando se trata da educação para a sustentabilidade, refere-se a
determinar qual é o tipo de cidadão que se deseja formar. Quando se admite que
a meta é formar cidadãos ativos, críticos, engajados, éticos e solidários, torna-
se inadequado educar os indivíduos por meio de abordagens de transmissão de
conceitos. Como planejar um processo educativo que propicie essa formação
multidimensional?

O presente capítulo irá abordar os pressupostos teóricos necessários para


fundamentar a prática da educação ambiental para sustentabilidade e irá teorizar
possíveis estratégias práticas para viabilizar situações educativas plurais e
abrangentes.

2 O CONCEITO DE
SUSTENTABILIDADE NO CENÁRIO
CONTEMPORÂNEO
A partir da percepção de que o atual estado do planeta Terra precisa de
atenção, visto que importantes recursos tais como água, solo, ar, biodiversidade e
energia se encontram em avançado e contínuo processo de degradação, entende-
se que a globalização segue por conjunturas que não podem ser consideradas
sustentáveis. Decorre disso, uma preocupação evidente com o comportamento
humano, pois se forem perpetuadas as mesmas configurações atuais a nossa
própria espécie e também o equilíbrio terrestre estão em risco.

A Carta da Terra, produzida no início do século XXI, representa a


preocupação que se formou diante das ameaças eminentes de nosso tempo. A
carta indica um chamado para os riscos e declara uma série de valores a serem
adotados de modo generalizado pela humanidade, objetivando novas formas
de viver e conviver neste planeta. Trata-se de uma questão de vida ou morte,
segundo a carta. É defendido o uso do princípio de precaução, pois, antes
prevenir do que ter postura de indiferença, ou seja, mesmo que a ciência não
tenha produzido evidências suficientes para que se tenha certeza dos riscos, não
se pode adiar a tomada de medidas que minimizem ou suspendam a exploração
exacerbada dos recursos e a modificação danosa do meio.

Assim, a carta admite que é necessário promover um sentimento coletivo de

106
Capítulo 3 EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE

interdependência e de responsabilidade universal, a partir das seguintes ideias,


segundo Boff (2017):

• A humanidade e a Terra possuem um destino comum, pois formamos


uma única entidade.
• É preciso repensar e fundar novamente outro pacto social com a Terra
a partir de um novo começo fundamentado em novos sonhos, em novas
visões e em novas formas de empregar a ciência e a tecnologia.
• Além da razão intelectual, é preciso mobilizar inteligência emocional
e inteligência cordial, pois somente por meio dessas últimas é que se
torna possível perceber o mundo como um todo interligado para tomar
posturas corajosas e éticas.
• É preciso usar a imaginação para criar outros mundos possíveis.
• A sustentabilidade deve extrapolar a preocupação relacionada ao
crescimento/desenvolvimento, para incluir preocupações individuais e
coletivas, locais e globais, presentes e futuras.

Nos aspectos defendidos pela Carta da Terra, nota-se um direcionamento


para que sejam formados indivíduos com conhecimentos, habilidades, mas
também com sonhos, com criatividade, com inteligência emocional e com ética.
Também são feitas considerações acerca da sustentabilidade, que é tratada
como um objetivo para a sociedade atual e que se tornou um termo amplamente
utilizado no momento contemporâneo.

Tão citado em discursos políticos e em propagandas de produtos


comercializáveis, o adjetivo “sustentável” tornou-se um rótulo com significado
fluido, muitas vezes falacioso. Em certos casos, trata-se muito mais de um
greenwash (“pintar de verde” para causar ilusão para o consumidor) do que de
uma característica propriamente relacionada com a sustentabilidade. Para permitir
a discriminação de tais falácias, é preciso que se admita uma conceituação do
que é aqui defendido como sustentabilidade:

O conjunto de processos e ações que se destinam a manter


a vitalidade e a integridade da Mãe Terra, a preservação de
seus ecossistemas com todos os elementos físicos, químicos
e ecológicos que possibilitam a existência e a reprodução
da vida, o atendimento das necessidades da presente e das
futuras gerações, e a continuidade, a expansão e a realização
das potencialidades da civilização humana em suas várias
expressões” (BOFF, 2017, p. 16).

A necessidade de reestabelecer conexões menos danosas com o planeta


resultam de fatores sistêmicos que tem se agravado ao longo do tempo. Veja a
seguir algumas evidências da importância de repensar o mundo sob a ótica da

107
Fundamentos da Educação Ambiental

sustentabilidade, segundo Boff (2017):

• O sistema econômico entrou em profunda crise desde 2007 e


intensificou-se em 2011. A economia tornou-se o principal eixo de
ligação entre as nações a partir da industrialização e do modo de vida
consumista. O livre mercado substitui a ação estatal, de modo a subjugar
a política aos interesses econômicos. Tudo se torna mercadoria e a
ética é esvaziada em uma lógica de que “é preciso ganhar dinheiro”. Ser
honesto, justo e solidário não são prioridades, pois os valores defendidos
são concorrência, individualismo e acúmulo ilimitado.
• A concentração de renda intensificou-se em consequência da criação de
grandes multinacionais e devido à globalização. A riqueza se concentra
para poucos grupos e os números são alarmantes: os 20% mais ricos
consomem 82,4% das riquezas e os 20% mais pobres consomem
apenas 1,6%. Nos Estados Unidos, por exemplo, existe 1% que ganha
o correspondente à renda de 99% da população. É esperado que
um sistema insustentável como esse tenha cíclicas crises que são
deflagradas em países centrais (como Estados Unidos, Japão e países
europeus) com efeitos generalizados para várias outras nações.
• O sistema capitalista levado às últimas consequências destrói e depois
se propõe a reconstruir, porque ambos os processos são lucrativos. Cada
vez mais são colocadas barreiras intransponíveis: os limites da Terra e
a crescente escassez de recursos podem conduzir a uma catástrofe de
dimensões globais.
• As crises dilaceram as camadas sociais mais vulneráveis e multiplicam
o número de desempregados e de precarizados (aqueles que atuam em
trabalhos precários a baixos salários).
• Há milhões de famintos na África, na Ásia e na América Latina.
• O uso intensivo de agrotóxicos dizima microrganismos que deveriam
habitar o solo de modo a garantir a fertilidade, assim como dizima
populações de abelhas tão sabidamente necessárias para garantir a
produção de frutos e sementes por meio da polinização. A biodiversidade
como um todo tem sido subtraída como consequência da ação antrópica
a um ritmo de milhares de extinções por ano. Como resultado, há um
aumento do processo de desertificação e erosão em várias regiões do
mundo, inclusive no Brasil.

A Terra e a biosfera se mostraram resilientes diante de vários desafios


experienciados ao longo dos milênios. A biosfera resistiu e se recuperou até
mesmo da queda de meteoros. No entanto, mais recentemente, estabeleceu-se
uma nova fase desafiadora, que foi a tarefa de comportar os efeitos da presença
do homem na Terra. Essa relação entre homem e o planeta já foi caracterizada de
formas muito diferentes ao longo de fases:

108
Capítulo 3 EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE

• Fase de interação: homem e planeta experimentavam uma relação


cooperativa e sinérgica;
• Fase de intervenção: homem passa a utilizar instrumentos para fazer
uso de recursos terrestres, para vencer obstáculos e para modificar a
natureza;
• Fase de agressão: a tecnologia se torna sofisticada de modo a permitir
que o homem submeta a natureza aos seus desígnios em dimensões
totalizantes, pois passa a perfurar montanhas, abrir minas subterrâneas,
represar rios, furar poços de petróleo, trilhar estradas ligando locais
distantes, criando cidades, fábricas, conquistando mares etc. (BOFF,
2017).

Embora o homem tenha se mostrado muito poderoso a partir de sua


capacidade de produzir aparatos que aumentam suas formas de domínio sobre o
planeta, a Terra também dispõe de “forças” para as quais o homem não se mostra
capaz de suportar, tais como: terremotos, tsunamis, erupções vulcânicas, tufões,
secas, inundações... Esses fenômenos indicam como é importante conhecer o
funcionamento natural do planeta e os diferentes fatores que influenciam tais
processos para tornar possível o estabelecimento de relações mais harmoniosas
que garantam qualidade de vida para a nossa e para outras espécies.

2.1 AS ORIGENS DO CONCEITO DE


SUSTENTABILIDADE
Imagine um ambiente antigo com características medievais, no qual madeira
era a matéria prima para construção de casas, móveis, ferramentas agrícolas e
ainda era a matéria da lenha que aquecia a casa e que permitia cozinhar. Nesse
período, a madeira também era empregada para a construção de grandes barcos
que desbravariam os mares. Para permitir todos esses usos da madeira, florestas
sofreram crescentes perdas significativas, o que causou preocupação para os
personagens dessa história, cujo cenário era o ambiente europeu.

Assim, na Alemanha, em 1560, são iniciadas ações de preocupação pelo


uso racional das florestas, visando sua contínua recuperação para garantir
a perpetuação do recurso da madeira. Nesse contexto, emerge o termo
sustentabilidade (BOFF, 2017).

Em 1713, com o aumento dos fornos de mineração que demandavam


muito carvão, intensifica-se a necessidade do uso sustentável de madeira para
garantir o lucro. Assim, políticas locais incentivavam o reflorestamento dos

109
Fundamentos da Educação Ambiental

locais de extração. Na Europa, foram organizadas instituições de estudo para


a extração sustentável de madeira e, em 1970, o relatório intitulado “Os limites
do crescimento” estimulou uma série de discussões acaloradas e diferentes
movimentos (BOFF, 2017).

Um dos movimentos foi o evento organizado pela ONU (Organização das


Nações Unidas) entre 5 e 16 de junho de 1972, em Estocolmo. Denominado
“Primeira Conferência Mundial sobre o Homem e o Meio Ambiente”, o evento
não resultou em produção de muitos projetos significativos, mas nela foi criado
o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. É por volta de
1990 que o significado de desenvolvimento sustentável foi consolidado como
aquele caracterizado para atender às necessidades das gerações atuais sem
comprometer a viabilidade do atendimento das necessidades das gerações
futuras (BOFF, 2017).

Outros eventos e relatórios foram produzidos no final do século XX, mas a


prática dos países (especialmente os países mais ricos) não teve modificações
substanciais. A contradição existente entre a lógica do capitalismo – que maximiza
os lucros às custas dos danos ambientais, criando desigualdades e injustiças – e
as características do ambiente – que é regido por interdependência, equilíbrio e
ciclagem – inviabiliza tais modificações.

De forma geral, as pressões sobre governos e empresas reivindicam por


redução das emissões de dióxido de carbono e outros gases relacionados com o
efeito estufa e pela prática dos três “erres” (r) elencados desde a Carta da Terra:
reduzir, reutilizar e reciclar. Outros erres emergiram ao longo do tempo, tais como:
rejeitar o consumismo, respeitar todos os seres, redistribuir os benefícios e
reflorestar o máximo possível (BOFF, 2017).

Você já ouviu falar da iniciativa Sou Resíduo Zero?


Todos os dias o brasileiro produz aproximadamente um quilo
de resíduos sólidos. Pensando a destinação desse montante de lixo,
a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), amparada pela
Lei 12.305/2010, determinou que até agosto de 2014 os resíduos
sólidos e rejeitos deveriam ter destinação adequada ambientalmente.
No entanto, em muitas cidades do Brasil os lixões ainda estão
ativos. O movimento Sou Resíduo Zero tem o objetivo de minimizar
esse quadro mobilizando diferentes setores da sociedade, como
comunidades em geral, empresas, ONGs, cooperativas, consultorias
ambientais etc. A mobilização tem a finalidade de aumentar o

110
Capítulo 3 EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE

planejamento e a gestão dos resíduos produzidos. São cinco pilares


que compõem a iniciativa:
• Não geração.
• Redução.
• Reutilização.
• Reciclagem.
• Compostagem (resto de comida).

De forma geral, a iniciativa visa tornar a produção de resíduos


mais afinada com os ciclos naturais da Terra, permitindo que
“materiais descartados sejam projetados para tornarem-se recursos
para a produção de outros materiais”. Quer participar do movimento
com pequenas ações diárias? Você pode. Comece por iniciativas,
como:
• compre alimentos naturais e sem embalagens;
• escolha produtos com embalagens menores e que incentivem a
reciclagem;
• destine corretamente seus resíduos: lixo orgânico para compostagem,
dejetos no lixo e recicláveis para a coleta seletiva;
• privilegie empresas com o selo Resíduo Zero;
• questione marcas e fabricantes sobre seus resíduos;
• compartilhe a campanha #souresiduozero.

Para saber mais, acesse: <https://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/


fileDownload.jsp?fileId=8A8182A1576F5DD1015782699E2A1ABD>.

Em abril de 2019, o Ministério do Meio Ambiente lançou o


Programa Nacional Lixão Zero. A prática será o estímulo para que
municípios façam a destinação correta do lixo produzido. Assim,
cinco grandes fases compõem as ações do Lixão Zero:
• Primeira fase: diagnóstico do problema dos resíduos sólidos no
Brasil.
• Segunda fase: apresentação da situação desejada relativa à gestão
integrada dos resíduos.
• Terceira fase: listagem dos indicadores para auxiliar o monitoramento
dos avanços relativos à implementação da Política Nacional de
Resíduos Sólidos.

111
Fundamentos da Educação Ambiental

• Quarta fase: destaque dos eixos de implementação para a


concretização da situação desejada.
• Quinta fase: apresentação do plano de ação com as medidas
prioritárias e detalhadas para enfrentamento da realidade dos
resíduos sólidos urbanos no país.

A destinação correta do lixo produzido será realizada por meio


de algumas diretrizes, tais como:
• Apoiar municípios na realização de coleta seletiva das frações seca e
úmida, de forma a aumentar o índice de reciclagem;
• Apoiar municípios na realização de compostagem e biodigestão
anaeróbia de resíduos orgânicos;
• Apoiar a recuperação ambiental de áreas contaminadas.

Para saber mais, acesse: <http://www.mma.gov.br/component/k2/


item/15466-mma-lan%C3%A7a-programa-nacional-lix%C3%A3o-
zero.html>.

Embora os encontros internacionais não tenham promovido mudanças de


posturas que resultassem em novos rumos em direção à sustentabilidade, há
de se considerar uma maior propagação das ideias defendidas por um ideário
sustentável. Os meios de comunicação, os discursos oficiais e, até mesmo
empresas (inclusive em rótulos e propagandas), passaram a fazer menção à
“bandeira da sustentabilidade”. Ser sustentável ou prezar pela sustentabilidade
tornou-se um modismo ora com significados importantes, ora com discursos
retóricos e cheios de ações estereotipadas.

Se discursos governamentais e corporativos fazem uso do conceito de


sustentabilidade, é possível indicar que há diferentes vieses que permitem
conceber a sustentabilidade, pois a sustentabilidade mencionada por essas
instâncias não tem o mesmo sentido da sustentabilidade apreendida por
educadores.

Para permitir uma análise de diferentes tendências teóricas e práticas


referentes à sustentabilidade, algumas categorias propostas e caracterizadas por
Boff (2017) são apresentadas no Quadro 1.

112
Capítulo 3 EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE

QUADRO 1 - CATEGORIAS DE MODELOS DE SUSTENTABILIDADE


Propostas de sustentabilidade
1. O modelo-padrão de desenvolvimento sustentável
2. Melhorias no modelo padrão de sustentabilidade
3. O modelo do neocapitalismo
4. O modelo do capitalismo natural
5. O modelo da economia verde
6. O modelo do ecossocialismo
7. O modelo do ecodesenvolvimento ou da bioeconomia
8. O modelo da economia solidária
FONTE: Boff (2017)

2.1 O MODELO-PADRÃO DE
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL:
SUSTENTABILIDADE RETÓRICA
É um modelo comumente mobilizado em discursos de empresas e
discursos oficiais. A tese central está fundada nos famosos três pilares (tripé):
economicamente viável, socialmente justo e ambientalmente correto. Também
pode ser resumido como os três “pês” (p): profit, people e planet (produto/renda,
população e planeta). Vejamos uma análise desses três elementos:

• Economicamente viável: é um conceito medido a partir do PIB (Produto


Interno Bruto), ou seja, pelo crescimento econômico, modernização
industrial, progresso tecnológico, acúmulo de bens, aumento de renda
etc. Trata-se de uma quantidade que deve sempre crescer. Trata-
se de um desenvolvimento concebido em termos antropocêntricos,
pois dificilmente inclui preocupações para além da nossa espécie, e
contraditórios, pois desenvolvimento e sustentabilidade são regidos por
lógicas opostas. Normalmente, trata um efeito como causa, ao alegar que
a pobreza origina a degradação ambiental, quando ambos (desigualdade
e degradação ambiental) decorrem do próprio sistema capitalista.
Além disso, nessa perspectiva, o uso do termo “desenvolvimento
sustentável” já é propriamente enganoso, uma vez que utiliza um termo
ecológico (sustentável) para mascarar o verdadeiro ideal da economia
(crescimento/desenvolvimento).
• Socialmente justo: trata-se de uma característica da qual o sistema
capitalista é desprovido. No Brasil, por exemplo, cinco mil famílias detêm
46% do PIB e 1% da população é dona de 48% das terras brasileiras.
• Ambientalmente correto: neste aspecto há um discurso vazio e

113
Fundamentos da Educação Ambiental

retórico, haja vista que há uma abordagem agressiva e predatória da


relação homem-natureza decorrente do modo capitalista global. Existem
algumas iniciativas pontuais referentes à redução da emissão de dióxido
de carbono, ao uso de energias alternativas, ao reflorestamento de áreas
degradadas, à criação de sumidouros de resíduos; mas tais ações têm
em comum a característica de não afetar os lucros e não atrapalhar a
competição.

2.2 MELHORIAS NO MODELO


PADRÃO DE SUSTENTABILIDADE
Pensando nas limitações do tripé econômico, social e ambiental, autores
passaram a incluir outros pilares, tais como: gestão da mente sustentável,
generosidade, cultura, neuroplasticidade do cérebro e outros.

O acréscimo do pilar de “gestão da mente sustentável”, por exemplo, consiste


em criar outros designs mentais, com ênfase para valores de sensibilidade, para
permitir que o homem tenha maior autocontrole na compulsão pelo crescimento,
produtividade e consumismo. Assim, é priorizado o desenvolvimento integral do
ser humano para que se sinta parte da natureza.

O pilar da “generosidade” representa uma categoria ética a ser admitida na


agenda da sustentabilidade, para defender a postura altruísta do homem, o qual
é capaz de colocar os interesses dos outros acima ou em mesmo nível que os
próprios interesses. Trata-se de um valor que contraria diretamente o pensamento
ganancioso de priorizar o acúmulo de dinheiro.

A “cultura” foi sugerida como um novo pilar a ser considerado na


sustentabilidade para incluir as dimensões artísticas, religiosas, criativas,
científicas e outras formas de expressão que permitam canalizar as energias
humanas para outras direções diferentes da obsessão pelo lucro e consumo.

A “neuroplasticidade do cérebro” é um pilar proposto que visa promover


investigações acerca de como o cérebro tem um caráter plástico que assume
comportamentos desejáveis como moderação, consumo solidário e consciente
ou comportamentos inadequados como aqueles compatíveis com a visão
industrialista e consumista.

Tais pilares adicionais são sugeridos por diferentes autores contemporâneos


para ampliar a forma tradicional de conceber a sustentabilidade, visando torná-la
mais ética e eficaz no desafio de contrariar a lógica instrumental capitalista.

114
Capítulo 3 EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE

2.3 O MODELO DO NEOCAPITALISMO:


AUSÊNCIA DE SUSTENTABILIDADE
Críticas ao modelo do capitalismo estimularam a emergência de uma versão
alternativa, o neocapitalismo, caracterizado por uma tendência neokeynesiana, de
maior intervenção estatal. Admite-se que o mercado sob a lógica da concorrência
atravessa fases de tensão e instabilidade, assim, para garantir a manutenção
do próprio sistema, o Estado deveria intervir. No entanto, após a crise de 2007,
permanece na prática a mesma configuração concorrencial de antes, com baixa
regulação estatal e contínua extração indiscriminada de recursos da natureza. É
o caso, por exemplo, da intensa importação de produtos fabricados na China que
os Estados Unidos realizam, um modelo que não tem sustentabilidade.

2.4 O MODELO DO CAPITALISMO


NATURAL: A SUSTENTABILIDADE
ENGANOSA
Apesar da inerente exploração do capitalismo, o chamado “capitalismo
natural” pretende incorporar os fluxos biológicos em seus processos econômicos
para aumentar a produtividade da natureza, fazendo melhor uso de espaços e
recursos, imitando processos biológicos em modelos produtivos, utilizando
produtos biodegradáveis ou reutilizáveis e monitorando todos os recursos
utilizados.

Embora seja permeado por características mais ajustadas ao ambiente,


esse modelo ainda concebe a natureza como repositório de recursos para fins
econômicos, ou seja, o homem não se percebe como parte indissociável da
natureza.

2.5 O MODELO DA ECONOMIA


VERDE: A SUSTENTABILIDADE
FRACA
Um dos objetivos do modelo é beneficiar os pobres e pequenos agricultores
por meio da oferta de sementes, tecnologias e crédito e outro é a produção com

115
Fundamentos da Educação Ambiental

baixo carbono, por meio de produção orgânica, uso de energias renováveis


e ações de baixo impacto nas intervenções. De forma geral, a economia verde
(limpa, como energia solar e eólica) objetiva substituir a economia marrom (suja:
energia fóssil).

Não são questionados os padrões intensivos de consumo, ou seja, os


níveis de exploração do planeta visando a produtividade são mantidos. A meta
de produção verde é inalcançável, uma vez que seja na fase de extração, de
transporte, de produção, de uso ou de descarte sempre haverá elementos tóxicos
danosos ao meio, ou seja, se considerados em sua totalidade, os processos
sempre têm algo que não se encaixa na categoria “verde”.

Para permitir uma análise mais concreta do argumento acima, acompanhe o


exemplo do etanol. Com uma imagem de energia limpa alternativa à energia fóssil
suja originada do petróleo, o etanol representa uma energia limpa apenas para a
percepção nas bombas de combustível. O processo de sua produção é altamente
poluente: agrotóxicos no solo que matam minhocas e bactérias, queimadas,
transporte viabilizado por caminhões que emitem gases, emissão de fábricas,
efluentes líquidos e produção de bagaço da cana.

2.6 O MODELO DO ECOSSOCIALISMO


Trata-se de uma ruptura com o modelo do capital e significa um socialismo
produtivo. Assim, propõe-se como um novo modelo de socialismo que se
distingue dos dois últimos modelos supracitados, principalmente, no aspecto de
explorar a terra sem considerar seus limites. É uma proposta teórica ainda não
implementada e visa a produção harmônica que se ajusta aos ritmos da natureza
e preconiza valores de justiça, cooperação e equidade. Ainda não se mostra
aplicável ou compatível em um mundo industrializado e capitalista.

2.7 O MODELO DO
ECODESENVOLVIMENTO OU DA
BIOECONOMIA
O modelo inclui uma economia que acompanha os níveis de preservação e
regeneração da natureza, por meio de uma abordagem de economia, ecologia,
democracia, justiça e equidade. Antes de alcançar níveis avançados de
sustentabilidade, será necessário reduzir a desigualdade e aumentar os níveis de

116
Capítulo 3 EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE

participação pública numa perspectiva democrática de respeito aos valores éticos


e ao meio ambiente. A desigualdade discutida no contexto do ecodesenvolvimento
é referente, majoritariamente, ao desnivelamento entre diferentes nações.
Para concretizar a bioeconomia, seria necessário que os países desenvolvidos
reduzissem o uso de terra, água, nutrientes e energia, por exemplo, para permitir
o desenvolvimento de países mais pobres.

A bioeconomia só pode resultar de uma “biocivilização”, ou seja, de uma


sociedade que preconiza a vida e a Terra. Uma reorganização econômica a
partir dessa perspectiva requer que o crescimento seja sustentável (considerar
a capacidade suporte do meio a longo prazo), que o crescimento seja suficiente
(atende às necessidades), que seja eficiente (utiliza recursos minimizando
desperdícios) e que seja equânime (compartilha os benefícios).

2.8 O MODELO DA ECONOMIA


SOLIDÁRIA
Neste modelo, a cooperação substitui a competição e o trabalho é
ressignificado, deixando de ser a mercadoria paga pelo salário para ser ação
criadora. Há autogestão democrática e não gestão monopolizada por patrões e o
objetivo comum é a melhora da qualidade de vida e não o estímulo ao lucro. Não
somente a vida humana passa a ser valorizada, mas todas as formas de vida.

Alguns exemplos concretos seriam: cooperativas, ecovilas, redes de


comércio solidário, associação com universidades para produção de tecnologias
e recuperação de empresas falidas por gestão dos trabalhadores.

Uma tendência que não foi iniciada no Brasil, mas já tem sido
adotada até mesmo em grandes cidades brasileiras como São
Paulo, é a utilização de terrenos públicos para a produção de hortas
orgânicas coletivas. Os moradores do entorno se mobilizam para
cuidar da horta, seja no plantio, na colheita ou regando as plantas,
modificando a paisagem urbana e tornando disponíveis os vegetais
para o consumo dos moradores locais.

117
Fundamentos da Educação Ambiental

FIGURA 1 - HORTA COMUNITÁRIA URBANA NA CIDADE DE HAVANA (CUBA)

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/
File:Municipio_10_de_Octubre_-_La_Havane.jpg>.

Em um estudo realizado com o objetivo de investigar os efeitos


que uma horta comunitária tem para a saúde dos envolvidos, foi
possível indicar alguns importantes benefícios. Na saúde mental,
apontaram “contato com a terra, em espaços participativos e
de construção coletiva, os quais propiciam discussões sobre
autocuidado, alimentação saudável e o desestímulo ao uso excessivo
de medicamentos” (COSTA et al., 2015, p. 3102). As mulheres
envolvidas indicaram como benefício “o desfrute de um espaço de
encontro e de bem-estar, [...] acompanhado ainda da conquista em
conseguir se organizar e destinar um tempo para si” (COSTA et al.,
2015, p. 3102).

No que diz respeito à saúde física, “se explorou a possibilidade


de fortalecer o uso de ervas medicinais como forma de redução do
uso de medicamentos e aplicação da fitoterapia” (COSTA et al., 2015,
p. 3102).

118
Capítulo 3 EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE

FIGURA 2 - HORTA DAS CORUJAS: UMA HORTA COMUNITÁRIA


LOCALIZADA NA ZONA OESTE DA CIDADE DE SÃO PAULO

FONTE: NAGIB (2016)

A ação coletiva de construção de uma horta comunitária é


um importante caminho para o desenvolvimento de novos valores
humanos, pois necessariamente o sucesso depende da cooperação,
o que significa ir à contracorrente do automático comportamento
individualista e competitivo. Assim, trata-se de uma instância
que pode gerar novos padrões de comportamentos e valores
compartilhados por comunidades com novos hábitos de vida.

Diante dos modelos supracitados, é possível perceber como são plurais as


visões humanas que se formam em torno da relação homem-natureza no que diz
respeito à sustentabilidade. Desafiar o modelo vigente de sistema socioeconômico
capitalista é uma tarefa que precisa ser incluída na agenda da sustentabilidade,
pois suas características mais fundamentais (produção industrial, consumismo,
lucratividade, acúmulo de bens, individualismo e competição) são incompatíveis
com os objetivos de redução da exploração inconsequente dos recursos da Terra.

O primeiro desafio que se coloca é a própria lógica capitalista, que é transmitida


pelos indivíduos em diferentes nações por meio de processos de socialização da
cultura vigente. Pense em como é desafiador reeducar pessoas individualistas
para que se tornem altruístas ou então reeducar pessoas competitivas para que
se tornem cooperativas. E o desafio não se encerra nesses aspectos, pois além

119
Fundamentos da Educação Ambiental

da necessidade de ensinar a dimensão ética de colocar os próprios interesses


em posição igual ou inferior aos interesses de outros seres humanos, também é
necessário tratar do cuidado das outras espécies. É necessário que as pessoas
extrapolem sua preocupação para com os semelhantes humanos para também
incluir todas as outras espécies vivas em uma postura protetiva.

Portanto, quando o termo sustentabilidade é enunciado, os sentidos podem


estar fundamentados em diferentes pressupostos, sendo alguns deles mais
tradicionais porque perpetuam vários aspectos do sistema vigente e outros mais
inovadores, porque requerem um processo de ruptura com modos de ser e de
atuar no mundo para inaugurar modelos mais compatíveis com as características
da Terra.

Admitindo-se a pluralidade da sustentabilidade enquanto conceito


historicamente construído, alguns parâmetros podem ser utilizados para pensar
sua multidimensionalidade. Quais seriam os aspectos a serem considerados
quando se pensa a sustentabilidade? Quando pensamos na exploração e
degradação da Terra e em atitudes de mudanças, quais são as dimensões a
serem incluídas? Veja a seguir alguns exemplos que se colocam como problemas
reais para a agenda da sustentabilidade (BOFF, 2017).

• Geosfera: humanos alteraram a salinização dos oceanos, alteram


quimicamente os solos e modificam estruturas geológicas que foram
formadas ao longo de bilhões de anos.
• Hidrosfera: o mau uso da água tem gerado escassez, pois 97,5% da
água do planeta é salgada. “Da parcela de água doce, 68,9% encontra-
se nas geleiras, calotas polares ou em regiões montanhosas, 29,9% em
águas subterrâneas, 0,9% compõe a umidade do solo e dos pântanos
e apenas 0,3% constitui a porção superficial de água doce presente
em rios e lagos.” As porções de água doce que não estão disponíveis
para seres humanos incluem águas de aquíferos profundos e água
retida congelada em calotas e montanhas. Como se torna notável a
crise hídrica iminente, há atualmente uma corrida para a privatização da
água, o que indica uma lógica capitalista e não uma lógica altruísta na
determinação das formas de realizarmos intervenções no planeta no que
diz respeito ao uso da água. Um aspecto bastante preocupante no que
diz respeito ao uso sustentável da água é que seu regime cíclico depende
muito da existência de florestas, que dão manutenção à umidade do ar
e manutenção aos cursos d’água. Além disso, vegetações dotadas de
raízes profundas desempenham o papel de resgatar águas subterrâneas.
Como a destruição florestal é acelerada em diversos locais, a água de
fácil acesso ao homem pode se tornar ainda mais escassa.
• Atmosfera: constantemente atingida pela emissão de dióxido de

120
Capítulo 3 EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE

carbono e metano, as fontes de agressão à atmosfera são indústrias,


automóveis, pecuária e queimadas.
• Biosfera: os seres invisíveis estão sendo destruídos (microrganismos
do solo, dos mangues e das vegetações: vírus, bactérias, fungos
e protozoários; assim como microrganismos do plâncton, que são
essenciais para a produção de oxigênio da atmosfera), bem como
insetos (como abelhas) e morcegos, que são determinantes no sucesso
das vegetações, devido ao seu papel de polinizadores. Diversas
outras espécies também são constantemente vítimas de processos de
perdas significativas seja no seu hábitat, nas suas fontes de alimento
ou diretamente no seu número populacional. As perdas resultam
em instabilidade e desequilibro, haja vista que as espécies são todas
interligadas pelos papeis desempenhados em teias alimentares.

Você já pensou na importância que as abelhas têm para a


produção alimentar? Abelhas têm o papel de polinizadoras, isto é,
auxiliam o transporte de pólen entre flores, o que permite a formação
de sementes dos frutos. Só para exemplificar, pense em um café
da manhã com várias frutas. Sem abelhas, seu café da manhã
teria no máximo pão e queijo, porque dependem de matéria-prima
proveniente de plantas que são polinizadas pelo vento (trigo e as
gramíneas que alimentam bovinos). Assim, para garantir a produção
alimentar, as abelhas são essenciais. No Brasil estamos em um
período crítico que ameaça a existência desses insetos, uma vez
que agrotóxicos proibidos em outros países ainda são utilizados aqui
e estão prejudicando a sobrevivência desses animais (GIANNINI,
2017).

Para saber mais, acesse: <https://noticias.uol.com.br/ciencia/


ultimas-noticias/redacao/2018/08/30/abelhas-adquirem-gosto-por-
pesticida-como-humanos-se-viciam-em-nicotina.htm>.

Partindo da listagem dos aspectos acima, é possível concluir que a


sustentabilidade de uma nação requer ações multidimensionais. Assim, quais
seriam os indicadores de desenvolvimento sustentável? Podemos pensar
em categorias de indicadores subdividindo-os em três instâncias: indicadores
econômicos, indicadores sociais e indicadores ecológicos.

121
Fundamentos da Educação Ambiental

• Indicadores econômicos: pode ser medido por meio do consumo de


energia por habitante, do grau de utilização de energias renováveis,
da proporção do PIB que se destina à proteção do meio ambiente e
da proporção do PIB que é direcionada dos recursos estatais para o
desenvolvimento.
• Indicadores sociais: pode ser apontado segundo a taxa de mortalidade
infantil, taxa de desemprego, nível de transparência das políticas
públicas e proporção do PIB para a saúde.
• Indicadores ecológicos: pode ser indicado a partir do controle que se faz
dos produtos que agridem a camada de ozônio, pela emissão de gases
que causam o efeito estufa, pelo consumo de água por habitante, pela
reutilização e reciclagem de resíduos e pela conservação e restauração
da cobertura vegetal.

Nem todas as tendências de sustentabilidade se fundamentariam nesses três


indicadores, porque muitas delas estão centralizadas somente nos indicadores
econômicos, o que resulta em formas de pensamentos e de práticas sustentáveis
que estão sujeitas a questionamentos, especialmente sob a égide de uma
perspectiva crítica de sustentabilidade.

Para além das preocupações referentes à manutenção do próprio sistema


capitalista, a sustentabilidade requer novos olhares para a convivência entre
os seres humanos e para a convivência destes com a natureza. Para tanto, é
necessária a produção compartilhada de novos significados e ações. Não é um
processo rápido e automático, pois requer mudança coletiva de pensamentos e
de comportamentos. Para exemplificar a complexidade de iniciativas concretas
que são consideradas sustentáveis, vamos explorar algumas ações do “Projeto
Cultivando Água Boa”.

Concretizado às margens da Usina de Itaipu, o projeto teve início em 2003,


com o objetivo de ampliar os papeis desempenhados pela usina hidrelétrica.
Assim, mais do que gerar energia elétrica, a usina passa a estimular novas
posturas coletivas envolvendo numerosas comunidades dos municípios do
entorno. Segundo o sítio eletrônico do projeto, “Através de um amplo processo
de sensibilização, mobilização e informação, procura-se promover mudanças nos
modos de organização, produção e consumo, e cuidados com a água, viabilizando
assim um futuro mais sustentável para as comunidades do território”.

122
Capítulo 3 EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE

FIGURA 3 - USINA HIDRELÉTRICA DE ITAIPU BINACIONAL


LOCALIZADA ENTRE O BRASIL E O PARAGUAI

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Itaipu_Aerea.jpg>.

Em parceria com prefeituras, o projeto realiza diversas ações concretas,


tais como: conservação de solo, plantio de mata ciliar, construção de cercas para
proteção das matas ciliares e nascentes, recuperação e proteção de nascentes,
instalação de abastecedouros comunitários, adequação de estradas e de
distribuidores de dejetos e construção de cisternas.

Confira no Quadro 2 algumas medidas tomadas no Projeto Cultivando Água


Boa visando a preservação da biodiversidade.

QUADRO 2 - DENOMINAÇÕES E DESCRIÇÕES DE AÇÕES DE PRESERVAÇÃO


DA BIODIVERSIDADE DESENVOLVIDAS PELA USINA DE ITAIPU
Ações de preservação da biodiversidade desenvolvidas pela Usina de Itaipu
Reservas e refúgios A Usina de Itaipu possui oito reservas e refúgios biológi-
cos situados tanto no Brasil como no Paraguai. A região
protegida é representada por mata nativa e por trechos de
reflorestamento, totalizando 41.039 hectares.

Dispondo de tal estrutura, Itaipu concretiza pesquisas e


subsidia ações de acompanhamento e proteção do ambi-
ente, objetivando a preservação de espécies vegetais e
da fauna, especialmente aquelas ameaçadas pela ação
predatória antrópica.

123
Fundamentos da Educação Ambiental

Corredor de Biodiversidade O Corredor de Biodiversidade é um projeto que visa


conectar fisicamente regiões naturais que se tornaram
separadas em decorrência da redução de áreas anterior-
mente cobertas por florestas nativas, principalmente na
região fronteiriça entre o Brasil, Argentina e o Paraguai.

O corredor aumenta a comunicação gênica dos seres vi-


vos, representando um verdadeiro “corredor da vida”, que
minimiza os efeitos do isolamento espacial, de modo que
aumenta a viabilidade da manutenção e produção da di-
versidade de espécies.
Reposição Florestal Trata-se de um programa de reflorestamento de grande
porte que iniciou sua ação em 1979. Além de realizar o
constante plantio de mudas às margens do curso d’água,
também há ações de subsídio aos produtores rurais na re-
construção de matas ciliares de suas propriedades. Como
auxílio, a Itaipu fornece mudas para o plantio, e disponibili-
za postes e arames para construção de cercas.
Produção de Mudas Além do reflorestamento, a Itaipu também faz a produção
das próprias mudas a partir de pesquisas científicas que
geram sementes com alta variabilidade genética. São três
viveiros ativos distribuídos no Brasil e no Paraguai que tem
as atividades orientadas por profissionais da Universidade
Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). São produzidas
mudas de mais de 70 espécies nativas, como a peroba, o
ipê roxo, o cedro, o pau-marfim e a canafístula.
Hospital Veterinário O Hospital Veterinário de Itaipu destina-se a atender ani-
mais silvestres de cativeiro ou de vida livre na área influen-
ciada pela usina. Localizado em Foz do Iguaçu, é oferecido
atendimento clínico e ambulatorial, o que permite realizar
diagnósticos, cirurgias e pesquisas que aumentam as for-
mas de dar manutenção à saúde desses animais.
Canal da Piracema Por meio de marcação e recaptura, peixes como dourado,
o pintado, a curimba, o pacu e a piapara são estudados
para que seja possível realizar intervenções ecológicas
que aumentem as chances de sucesso reprodutivo desses
animais.

Para auxiliar o processo de piracema, um canal foi mantido


para funcionar como um sistema de 10,3 quilômetros de
extensão que viabiliza a migração dos peixes para regiões
de planícies de desova.
FONTE: <https://www.itaipu.gov.br/>.

124
Capítulo 3 EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE

Perceba que o projeto dedica esforços para integrar a sociedade situada no


espaço do entorno da usina em programas que promovem a sustentabilidade a
partir da coletividade. Esse é o âmago da viabilização desse projeto. A iniciativa
não se restringe ao interior da usina e aos trabalhadores que nela atuam, mas
se expande para incluir a população para que os resultados se tornem amplos e
efetivos.

Você já ouviu falar em “Pegada de Carbono?”


A pegada de carbono mede as emissões diretas e indiretas
de Gases de Efeito de Estufa, como dióxido de carbono (CO2),
metano (CH4), óxido nitroso (N2O), hidrofluorcarbonetos (HFCs),
perfluorcarbonetos (PFCs) e hexafluoreto de enxofre (SF6). É
expressa em gramas de dióxido de carbono equivalente por quilowatt-
hora (gCO2eq/kWh). São determinadas a quantidade de Gases de
Efeito de Estufa (GEE) que produzimos diariamente e a forma como
essas emissões de gases influenciam o meio ambiente. Reduzir a
quantidade de GEE que liberamos para a atmosfera diariamente é
um desafio possível que exige a alteração de hábitos como andar
mais a pé ou de transportes públicos; consumir menos e, sempre
que possível, localmente; poupar recursos energéticos e investir em
energias alternativas. Lembre-se de que, embora e sustentabilidade
incorpore a ideia de uma mudança coletiva, mudar o seu próprio
comportamento é muito importante.
Para calcular a sua pegada de carbono, acesse: <http://www.
iniciativaverde.org.br/calculadora/index.php>.

Em 2012, na Conferência das Nações Unidas sobre


desenvolvimento sustentável no Rio de Janeiro, foram determinados
os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que são
defendidos pela ONU e que tem o objetivo de proteger o planeta e
assegurar que todas as pessoas tenham paz e prosperidade. Os 17
objetivos são os seguintes:

1. Erradicação da pobreza - Acabar com a pobreza em todas as


suas formas, em todos os lugares.
2. Fome zero e agricultura sustentável - Acabar com a fome,

125
Fundamentos da Educação Ambiental

alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e


promover a agricultura sustentável.
3. Saúde e bem-estar - Assegurar uma vida saudável e promover o
bem-estar para todos, em todas as idades.
4. Educação de qualidade - Assegurar a educação inclusiva,
e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de
aprendizagem ao longo da vida para todos.
5. Igualdade de gênero - Alcançar a igualdade de gênero e
empoderar todas as mulheres e meninas.
6. Água limpa e saneamento - Garantir disponibilidade e manejo
sustentável da água e saneamento para todos.
7. Energia limpa e acessível - Garantir acesso à energia barata,
confiável, sustentável e renovável para todos.
8. Trabalho de decente e crescimento econômico - Promover o
crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável,
emprego pleno e produtivo, e trabalho decente para todos.
9. Inovação infraestrutura - Construir infraestrutura resiliente,
promover a industrialização inclusiva e sustentável, e fomentar a
inovação.
10. Redução das desigualdades - Reduzir as desigualdades dentro
dos países e entre eles.
11. Cidades e comunidades sustentáveis - Tornar as cidades e
os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e
sustentáveis.
12. Consumo e produção responsáveis - Assegurar padrões de
produção e de consumo sustentáveis.
13. Ação contra a mudança global do clima - Tomar medidas urgentes
para combater a mudança climática e seus impactos.
14. Vida na água - Conservação e uso sustentável dos oceanos,
dos mares, e dos recursos marinhos para o desenvolvimento
sustentável.
15. Vida terrestre - Proteger, recuperar e promover o uso sustentável
dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável
as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a
degradação da Terra e deter a perda da biodiversidade.
16. Paz, justiça e instituições eficazes - Promover sociedades
pacíficas e inclusivas par ao desenvolvimento sustentável,
proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições
eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis.
17. Parcerias e meios de implementação - Fortalecer os meios
de implementação e revitalizar a parceria global para o
desenvolvimento sustentável.

126
Capítulo 3 EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE

FIGURA 4 - 17 OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (ODS)

FONTE: <https://bit.ly/3bRVfmk>.

Para saber mais sobre o assunto acesse aos seguintes sites:


<http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/Brasil_Amigo_
Pesso_Idosa/Agenda2030.pdf>.
<https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/>.

A iniciativa “Pisco de Luz” monta e instala kits de luz solar


em comunidades carentes com a ajuda de voluntários. Deste
modo, auxilia três Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da
Organização das Nações Unidas (Saúde e bem-estar; Energia limpa

127
Fundamentos da Educação Ambiental

e acessível; Ação contra a mudança global do clima) e foi reconhecida


como projeto do ano na área de tecnologia pela Academia Brasileira
de Honrarias ao Mérito.

Para saber como participar, acesse: <https://www.piscodeluz.


org/desenvolvimento-sustentavel?gclid=EAIaIQobChMI07m9--rQ4QI
VlwuRCh3tDwlOEAAYASAAEgJAC_D_BwE>.

3 EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA A


SUSTENTABILIDADE
Embora o discurso sobre a sustentabilidade atinja diversas esferas por
meio de diferentes linguagens ou formas de divulgação, ações e pensamentos
sustentáveis irão tornar-se legítimos em contextos locais e internacionais somente
se processos educativos viabilizarem a produção de sentidos compartilhados que
passem a incorporar valores e atitudes de mudança, ou seja, a educação é o
meio sobre o qual a sustentabilidade necessariamente está fundada para atingir
metas. Como a educação pode ter um papel tão importante para a manutenção
da sustentabilidade?

Para cada indivíduo que estabeleça novas relações com o ambiente, é


necessário que processos de reeducação ocorram, haja vista que é preciso
desaprender para aprender. É preciso desaprender modos automáticos de
conceber e de agir em relação à natureza. No entanto, devido ao caráter
irredutivelmente coletivo que as ações sustentáveis requerem, é preciso que
ocorra a socialização de saberes, de habilidades e de atitudes, para permitir a
sinergia das ações conjuntas de grupos humanos. Tendo em vista tais objetivos, o
processo educativo permite:

aos educandos se apropriarem de todos os conhecimentos


e experiências acumulados pela humanidade, úteis
para atenderem suas necessidades e desenvolver suas
potencialidades; em segundo lugar, apropriar-se de critérios que
lhe permitam fazer a crítica e a avaliação dos conhecimentos
e experiências do passado, para ver seu caráter situado e
histórico, relativizá-lo e preservar o que realmente conta e
vale para a vida; em terceiro lugar, enriquecer este legado
com seus próprios conhecimentos e experiências, o que
exige criatividade e fantasia inventiva, de tal forma que esse
acúmulo sirva para conhecer melhor a si mesmo, a realidade
circundante e elaborar uma visão de conjunto que situa seu

128
Capítulo 3 EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE

projeto de vida dentro do processo socioecológico mais amplo;


em quarto lugar, na linha do que sugeriu a Unesco: mediante
a educação deve-se aprender a conhecer, aprender a fazer,
aprender a ser e aprender a viver juntos [...]” (BOFF, 2017, p.
148).

Se a educação para a sustentabilidade requer a formação de indivíduos


que possuam novos conhecimentos, novas habilidades, novas formas de ser e
de conviver, é preciso admitir que as formas convencionais de ensino não serão
eficazes para atingir tal proposta. Giz, lousa, bibliotecas, laboratórios e pesquisas
na internet não serão suficientes para desenvolver todas essas dimensões de
aprendizagem nos educandos. O processo educativo precisa tornar a realidade
vivida ressignificada e regida por novas formas de comportamento. Sendo
assim, os aprendizes devem experimentar a natureza, devem conviver com
a biodiversidade, conhecendo as origens das paisagens e suas características
(BOFF, 2017).

Mais do que interagir com os fatores biogeográficos, também é necessário


que os educandos conheçam personalidades locais, artistas e líderes. É preciso
pensar os locais em suas particularidades reais, situadas em um dado tempo-
espaço que reúna fatores bio-sócio-ecológicos. Somente por meio da articulação
dessas dimensões é que ações coletivas de sustentabilidade podem se concretizar
(BOFF, 2017). Considerando a pluralidade de elementos que devem constituir a
educação para a sustentabilidade, é possível elencar alguns fatores que podem
ser tomados como fundamentais:

• Reconhecer-se parte da Terra e perceber que os recursos são finitos e


escassos.
• Conceber todos os seres como conectados intimamente e como seres
que compartilham destinos comuns.
• Valorizar os ciclos naturais, consumir recursos de forma racional e
conceder tempo à Terra para que se regenere após intervenções
antrópicas.
• Preservar a biodiversidade, tendo em vista as contribuições insubstituíveis
que as diferentes espécies representam para o funcionamento da
biosfera.
• Valorizar diferenças culturais, objetivando a cooperação e a sobrevivência
comum.
• Reivindicar que os rumos da ciência sejam guiados por critérios éticos,
visando o aumento do bem-estar humano e de todas as formas de vida,
e não por critérios mercadológicos.
• Valorizar a pluralidade de saberes, não concedendo status de
exclusividade ou superioridade à ciência, de modo que sejam
considerados também os saberes provenientes da cultura popular e da

129
Fundamentos da Educação Ambiental

experiência cotidiana.
• Priorizar a equidade e o bem comum, para permitir que os êxitos
humanos sejam compartilhados e não distribuídos somente para alguns
grupos.
• Resgatar formas de viver fundamentadas no afeto, na razão sensível, na
cordialidade, no entusiasmo, nos sonhos e no respeito (BOFF, 2017).

Justamente por incluir toda essa dimensão integrada de formação, a


reivindicação por uma “educação para a sustentabilidade” tem se intensificado
nos últimos anos, inclusive de modo a substituir o discurso referente à
educação ambiental. Organismos internacionais e ONGs (organizações não
governamentais), por exemplo, produziram inovações discursivas a esses moldes.
Em conferências e relatórios da UNESCO (Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura) também se fez presente tal renovação
discursiva, inclusive com alterações nas políticas educacionais de países da União
Europeia e na produção acadêmica internacional que fundamenta diretrizes.
Aos poucos, o discurso também passa a compor discussões de outros países
desenvolvidos e de países periféricos.

É possível considerar que a tendência de substituição da educação ambiental


para a educação para a sustentabilidade foi originada de críticas aos modos
como a educação ambiental concretizava seus resultados em países como Itália,
Espanha, Inglaterra, Irlanda, Alemanha, País de Gales, Holanda e Polônia. Por
não ter alcançado resultados exitosos no enfrentamento à crise contemporânea,
a prática da educação ambiental passa a ser questionada (BOFF, 2017). A
abordagem mecanicista e cartesiana, tão presente nas formas de pensar da
modernidade, talvez tenha sido uma importante característica das atividades de
educação ambiental que contribuiu para resultados insatisfatórios. Ainda que o
discurso da educação ambiental visasse abordagens mais integradoras, na prática
tal abordagem não se concretizou (BOFF, 2017). Assim, o insucesso das práticas
da educação ambiental ocorreu porque se fez uma abordagem reducionista.

[...] ao tratar a crise ambiental como uma crise meramente


ecológica; ao confundir o meio ambiente com a natureza; ao
desprezar suas dimensões políticas, éticas e culturais; ao
apresentar uma abordagem fragmentada e acrítica da questão
socioambiental; ao aplicar metodologias disciplinares, não
participativas e de baixa criatividade e ao propor respostas
comportamentais e tecnológicas para problemas de maior
complexidade (BOFF, 2017, p. 136).

As atividades de educação ambiental realizadas em escolas europeias


passaram por um diagnóstico e por um processo de questionamento e crítica
para fundamentar as mudanças em direção à construção da educação para a

130
Capítulo 3 EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE

sustentabilidade. No Brasil, uma trajetória semelhante se deu, pois quando


um estudo acerca do estado da arte da educação ambiental foi publicado na I
Conferência Nacional de Educação Ambiental em 1997, elencaram os seguintes
aspectos, segundo Lima (2003):

• A educação ambiental vigente praticada em escolas e universidades


está fundamentada em um paradigma positivista e em uma pedagogia
tecnicista.
• A abordagem dos conteúdos científicos é praticada de modo fragmentado
em disciplinas, reduzindo a viabilização de articulações interdisciplinares.
• Não há materiais didáticos adequados que orientem a educação
ambiental escolar, visto que normalmente os materiais são meramente
informativos e não são adaptados para questões da realidade local.
Além disso, os materiais fazem um enfoque principalmente ecológico,
desprovido de discussões acerca de fatores sociais, econômicos e
culturais envolvidos.
• As práticas não incluem formação ética de estudantes.

Assim, percebe-se que as limitações das práticas iniciais de educação


ambiental no Brasil experimentaram problemas semelhantes aos de países
europeus, que tem em comum a reprodução de modelos tradicionais de práticas
educativas.

Entretanto, além de realizar uma análise crítica da educação ambiental


tradicional que se fez presente historicamente no Brasil e no mundo, também
é preciso analisar a prática da educação para a sustentabilidade, pois esta se
mostrou igualmente desafiadora e permeada por problemas e contradições
(LIMA, 2003). Uma importante questão que é passível de crítica no que se
refere à educação para sustentabilidade é a polissemia do discurso sustentável.
Como estudamos anteriormente, a sustentabilidade pode se fazer presente em
discursos oficiais de diferentes governos e empresas sob a ótica capitalista ou
neoliberal, sem desafiar a ordem consumista pautada na exploração desenfreada
de recursos. Em outros casos, a sustentabilidade representa a reordenação da
organização humana diante do ambiente e diante da pluralidade cultural, visando
a recondução de comportamentos coletivos para verdadeiramente fundar formas
solidárias, éticas e cooperativas de conviver com a Terra.

Sendo assim, quando é mencionada a educação para sustentabilidade, o


discurso se torna questionável e duvidoso. Como pontua Lima (2003, p. 112),
“a imprecisão envolvida na proposta nos leva a comparar sua aceitação com a
situação de um passageiro que embarca num trem sem conhecer seu destino.”
Para permitir uma classificação geral de tendências que podem se estabelecer, é
possível categorizar duas ordens, segundo Lima (2003):

131
Fundamentos da Educação Ambiental

• Primeira ordem: são processos educativos que não contrariam o status


quo, uma vez que são realizados aos moldes dos processos educativos já
existentes. Não são questionados ou alterados os valores estabelecidos.
• Segunda ordem: os processos educativos envolvem mudança por meio
da reflexão e de abordagens integradoras que estimulam a criticidade,
a autonomia e a criatividade. Os aprendizes são instigados a exercer
autocrítica e a resolver problemas de caráter individual e social.

Outra questão a ser considerada na educação para a sustentabilidade, além


da imprecisão do termo é o discurso que oculta ou apaga os personagens e os
interesses que configuram a realidade.

Observa-se na educação para a sustentabilidade uma


tendência a destacar a necessidade de mudanças de atitudes
e comportamentos individuais em detrimento de mudanças
que envolvem processos políticos e econômicos. Assim, os
problemas socioambientais aparecem mais relacionados
à esfera privada que à esfera pública, e supõem uma
desresponsabilização dos agentes coletivos públicos e
privados, como por exemplo, o Estado e as corporações
globais” (LIMA, 2003, p. 113).

No mesmo sentido de ocultação de personagens e de interesses, o discurso


relacionado ao “chamado para a cidadania ativa” é, também, permeado por
tentativas de desresponsabilizar Estados e corporações, pois no processo de
construção das conjunturas de agressão ao ambiente, Estados e corporações
tomaram decisões e medidas que não foram consentidas ou divulgadas para o
público. Entretanto, quando se trata de solucionar os problemas decorrentes das
consequências de tais decisões e medidas, o público é chamado a se mobilizar.
Como considera Costa-Lima, “a parcialidade do apelo, realizado desta forma,
mais parece uma estratégia de privatização dos benefícios e socialização das
perdas” (LIMA, 2003, p. 114).

No conjunto, podemos dizer que a proposta de educação


para a sustentabilidade desenvolvida sob o signo do mercado
promete muito e realiza pouco. Pretende formular respostas
aos limites paradigmáticos da educação ambiental analisada
sem apresentar vias efetivas de mudança que ultrapassem
os limites da conformidade. Colocada desta maneira tão
ambígua, a proposta serve para conciliar conflitos, camuflar
contradições e dissolver a diversidade do campo, não para
estimular mudanças qualitativas na prática educacional”
(LIMA, 2003, p. 115).

Alguns professores no Brasil assumem a postura de rejeitar a expressão


“desenvolvimento sustentável”, haja vista que, como discutimos na seção
anterior desse material, a lógica do desenvolvimento e lógica sustentável estão

132
Capítulo 3 EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE

fundamentadas em pressupostos contraditórios e incompatíveis. Ora, “é uma


condição intrínseca ao capitalismo estabelecer o conceito de desenvolvimento
como fundamentalmente crescimento econômico, por vias de mercado”
(LOUREIRO, 2016, p. 61), assim trata-se de um conceito caracterizado “por uma
noção de progresso, de algo contínuo, inexorável e linear” (LOUREIRO, 2016, p.
61).

Em síntese, o desenvolvimento seria visto como sinônimo de


crescimento econômico e produção de mercadorias, em que a
felicidade e o bem-estar estariam associados ao consumismo,
em uma leitura eurocêntrica de mundo. Em última instância,
seria uma série sucessiva de etapas a serem cumpridas,
passando de sociedades tradicionais (entendidas como
atrasadas e resquício de primitividade) para as modernas e
industriais, como se o novo fosse sinônimo de melhor e mais
adequado do ponto de vista da sustentabilidade, desprezando-
se o caráter não-linear e contraditório da realidade social”
(LOUREIRO, 2016, p. 62).

Como alternativa, é utilizada a expressão “sociedades sustentáveis”, que


também passa a incluir necessariamente as questões de injustiças e desigualdade
social na agenda do processo educativo. Trata-se de desafiar uma visão acrítica
de sustentabilidade nos processos educativos, por meio da identificação e rejeição
das seguintes armadilhas:

• No discurso sustentável, há a defesa de espírito solidário de diálogo entre


pessoas, sem que seja reconhecida a natureza conflitiva da sociedade
de classes;
• Há o estímulo para uma aliança entre agentes sociais, economia, política
e condições ecológicas, reduzindo-se a questão aos aspectos científicos
e tecnológicos, como se estes fossem destituídos de valores morais e
éticos. É ignorada a historicidade das relações sociais e dos modos de
produção.
• O ambiente é tratado como um lugar à parte, cuja gestão deve estar
racionalmente direcionada para fins justos da ciência e da tecnologia,
ou seja, o ambiente perde seu caráter histórico resultante das relações
sociedade-natureza.
• A solução apontada para o crescimento da produção e do consumo
fundamenta-se em mecanismos distributivos, que seriam supostamente
capazes de garantir padrões adequados de vida para todos,
responsabilizando a educação à tarefa de transmitir comportamentos
adequados e valores morais de responsabilidade. A distribuição por si
só não é um mecanismo capaz de solucionar a desigualdade, haja vista
que ela se inicia desde o próprio processo de produção. Além disso, a
redistribuição não soluciona a demanda excessiva que se estabelece na

133
Fundamentos da Educação Ambiental

exploração da Terra para manter o consumo.


• O discurso de políticas públicas, notavelmente ideológico, apaga
significados substituindo-os por uma responsabilização da sociedade
pelo sucesso e insucesso dos rumos a serem seguidos. “Os conceitos
classe social, conflito e exploração, seriam substituídos por conceitos
como responsabilidade social, colaboracionismo e voluntariado”
(LOUREIRO, 2016, p. 63).
• O consumismo não é posto em questionamento, pois propositalmente
“ignora-se a necessidade urgente de se fazer um amplo debate público
sobre o modo de produção e sobre a quem interessa se produzir
tamanha quantidade de mercadorias que produzem o supérfluo e a
instrumentalização das relações com o outro” (LOUREIRO, 2016, p. 63).
• A própria denominação “educação para sustentabilidade” é posta em
questionamento, uma vez que “educar para” remete a fins instrumentais,
visto que a educação não pode conduzir a um único resultado
previamente estabelecido para ser igual a todos os educandos. A
educação requer um processo reflexivo e emancipatório, que permita a
autonomia do pensar.
• As práticas educativas observadas no Brasil normalmente são
classificadas em uma pedagogia tradicional, na qual “o conhecimento
científico é a fonte da verdade e gera a correta leitura do mundo,
a mudança de comportamento a partir da verdade científica e, em
decorrência dessa ação pessoal, a mudança objetiva da realidade”
(LOUREIRO, 2016, p. 64).
• Quando o processo educativo dá ênfase para a mudança de
comportamentos, cria-se o fetiche do individualismo, pois é como se
mudar de comportamento fosse sinônimo de mudar toda a realidade,
“é apostar que as relações se dão sempre do indivíduo para o outro,
por somatório e bom exemplo, e do indivíduo para a sociedade, que é
tão somente a expressão coletiva dos comportamentos individuais”
(LOUREIRO, 2016, p. 64). Cria-se a ilusão de que a mudança
comportamental individual resultará automaticamente na produção de
novas relações entre as pessoas e em novas relações destas com o
mundo.
• Há muitos discursos que centralizam a questão moral individual,
apagando as complexas relações que se estabelecem nas disputas de
interesses. É como se todos os indivíduos pudessem ser classificados
como “bons” e “maus”, ou seja, os defensores da natureza e os inimigos
da natureza. Novamente, o discurso se desloca das relações sociais
para centralizar-se no indivíduo.
• A palavra conscientizar é adotada em discursos para fazer menção a
um processo de “informar ou no máximo de ensinar o outro o que é
certo por intermédio do conhecimento científico aplicado por pessoas

134
Capítulo 3 EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE

éticas; de sensibilizar para o ambiente; transmitir conhecimentos;


ensinar comportamentos adequados à preservação, desconsiderando as
condicionantes socioeconômicas e culturais do grupo ou classe com o
qual se trabalha” (LOUREIRO, 2016, p. 65).

O conhecimento produzido a partir de práticas de educação ambiental


permitiu reflexões que estimularam autores a propor novas formas de ressignificar
a relação homem-ambiente por intermédio da educação. A educação direcionada
para a sustentabilidade é uma das respostas para o enfrentamento das limitações
das práticas anteriores, mas a partir da lista acima, é possível observar que as
novas práticas também exibem muitas questões importantes que precisam ser
pensadas para evitar novos problemas.

Uma educação que forma cidadãos para a sustentabilidade do planeta Terra


requer criticidade. Mais do que ensinar conceitos e treinar comportamentos, é
preciso formar pessoas éticas e autônomas. É necessário fornecer-lhes as
habilidades necessárias para que sejam indivíduos capazes de selecionar e
julgar informações que são veiculadas, assim como é necessário que as pessoas
tenham iniciativa e engajamento em grupos.

Um exemplo de prática brasileira de ação comunitária para a


sustentabilidade: A Revolução dos Baldinhos.
Na iniciativa do bairro Monte Cristo em Florianópolis (Santa
Catarina), aproximadamente 200 famílias e nove instituições de
ensino separam e destinam seus resíduos orgânicos para uma
compostagem. Os passos são administrados por um grupo,
transformando os resíduos em adubo para a prática da agricultura
urbana na comunidade. Em uma pesquisa realizada em 2013, foi
possível indicar que esse modelo comunitário de gestão de resíduos,
envolve contribuições multidimensionais, tais como: aumento do
capital social por meio de relações de confiança e reciprocidade e
estímulo ao empoderamento e valorização da comunidade. Por ter
baixo custo, o modelo poderia ser reproduzido em outros contextos,
criando um paradigma de gestão de resíduos orgânicos (ABREU,
2013).

135
Fundamentos da Educação Ambiental

FIGURA 4 - PÁTIO DE COMPOSTAGEM DA REVOLUÇÃO DOS


BALDINHOS NA ESCOLA AMÉRICA DUTRA MACHADO

FONTE: Abreu (2013)

Para saber mais, acesse: <https://believe.earth/pt-br/revolucao-


dos-baldinhos/>.

4 EDUCAÇÃO PARA
SUSTENTABILIDADE E A FORMAÇÃO
PARA A CIDADANIA: CAMINHOS
POSSÍVEIS
Por que a educação para sustentabilidade precisa extrapolar o ensino de
conteúdos científicos e tecnológicos? Por que a educação que forme cidadãos
para concepções e ações sustentáveis requer abordagens mais integradoras e
diferentes da ideia tradicional de ensino?

Estudos realizados com adultos indicam que muitos podem buscar um


conhecimento detalhado e complexo de ciência quando estão imersos em
determinado problema ou questão, independentemente de esse conhecimento
ter sido abordado em um espaço formal de ensino ou não. Sendo assim, é
possível afirmar que um ensino que tem como objetivo exclusivo a aquisição de
conhecimentos e a compreensão de conceitos científicos seria inadequado ou
ineficaz para a formação integral de pessoas. A educação, além de proporcionar
a aprendizagem de conceitos científicos, deveria permitir ao aprendiz o exercício
da cidadania por meio de habilidades mais abrangentes com as quais explorariam
questões científicas apresentadas no futuro, uma vez que os conceitos científicos
podem passar constantemente por mudanças (RATCLIFFE; GRACE, 2003).

136
Capítulo 3 EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE

Formar para a cidadania, segundo Ratcliffe e Grace (2003) seria formar


pessoas que tem a compreensão do próprio papel como cidadão do mundo;
que respeita e valoriza a diversidade; que tem um entendimento de como o
mundo funciona economicamente, politicamente, culturalmente, socialmente,
tecnologicamente e ambientalmente; que é contrário a injustiça social; que
participa e contribui com a comunidade de vários modos em nível local e
global; que está disposto a agir para tornar o mundo um lugar mais igualitário e
sustentável; e que assume as responsabilidades de suas ações.

Os autores consideram que, apesar de serem distintas as formas como se


pode dar significado à educação para cidadania, é defendida a ideia de que os
cidadãos precisam de conhecimento e compreensão do sistema social, jurídico
e político em que vivem e operam. Eles precisam de habilidades e aptidões para
fazer uso desse conhecimento e precisam ser dotados de valores para que o uso
de tais conhecimentos e habilidades seja para fins benéficos.

Ratcliffe e Grace (2003) consideram que questões sociocientificas podem ser


determinantes na formação de opinião e tomada de decisão em níveis pessoais
e sociais. Questões sociocientíficas são, com frequência, reportadas pela mídia
e, na maior parte dos casos, tratadas por meio de informações incompletas
devido à apresentação de evidências científicas conflitantes ou insuficientes. Os
autores afirmam que as questões sociocientíficas podem incluir dimensões locais,
nacionais e globais de quadros políticos e sociais e envolvem algumas análises
de custo e benefício, nas quais riscos interagem com valores. Podem envolver
considerações acerca de desenvolvimentos sustentáveis e envolvem raciocínios
éticos e de valores morais.

As questões sociocientíficas podem ser consideradas excelentes geradoras


de situações de educação transformadora viabilizada por um viés crítico. Segundo
Ratcliffe e Grace (2003), para identificar uma questão sociocientífica as seguintes
características devem estar presentes:

1. Tem base na ciência, frequentemente em áreas que estão nas fronteiras do


conhecimento científico.
2. Envolvem a formação de opiniões e a realização de escolhas no nível pessoal
e social.
3. São frequentemente divulgadas pela mídia com destaque a aspectos baseados
nos interesses dos meios de comunicação.
4. Lidam com informação incompleta sejam elas de evidências científicas
incompletas ou conflitantes e lacunas nos registros.
5. Lidam com problemas locais e globais e suas estruturas sociais e políticas.
6. Envolvem a análise de custo e benefício na qual os riscos interagem com
valores.

137
Fundamentos da Educação Ambiental

7. Podem envolver considerações sobre desenvolvimento sustentável.


8. Envolvem valores e raciocínio ético.
9. Podem requerer algum entendimento de probabilidade e risco.

Tais questões sociocientíficas emergem no contexto do movimento que


defende a articulação da relação CTS (ciência, tecnologia e sociedade),
que posteriormente foi ampliada para articular a relação CTSA (ciência,
tecnologia, sociedade e ambiente). O ensino CTS surge como uma resposta ao
aprofundamento de problemas ambientais na segunda metade do século XX e
da tomada de consciência referente a questões éticas, à qualidade de vida da
sociedade moderna e à necessidade de maior engajamento popular nas decisões
de políticas públicas. A ciência e a tecnologia trouxeram várias frustrações,
principalmente decorrentes da forte inclinação que os produtos tecnológicos e a
pesquisa científica têm em relação às demandas de classes dominantes, com
finalidades mercadológicas (SANTOS; MORTIMER, 2002).

Os aspectos a serem considerados pensando a formação do educando


a partir de uma perspectiva que trate das relações CTSA, são: a valorização
da auto-estima do aprendiz, a habilidade de comunicação escrita e oral, o
desenvolvimento do pensamento lógico e racional para solucionar problemas,
a capacidade para tomada de decisão, o aprendizado colaborativo/cooperativo,
a responsabilidade social, o exercício da cidadania e a aptidão para atuar em
questões sociais (SANTOS; MORTIMER, 2002). Perceba que necessariamente a
educação CTSA é permeada pela defesa de valores.

Esses valores estão vinculados aos interesses coletivos,


como os de solidariedade, de fraternidade, de consciência do
compromisso social, de reciprocidade, de respeito ao próximo
e de generosidade. Tais valores são, assim, relacionados às
necessidades humanas, o que significa um questionamento
à ordem capitalista, na qual os valores econômicos se
impõem aos demais. Será por meio da discussão desses
valores que contribuiremos na formação de cidadãos críticos
comprometidos com a sociedade” (SANTOS; MORTIMER,
2002, p. 5).

Sobre a relação entre educação científica e cidadania, Santos (2007) enfatiza


a diferença dos termos “alfabetização científica” e “letramento científico”, com
a finalidade de propor um quadro teórico no qual a educação científica poderia
ser direcionada para a formação para a cidadania. Para o autor, os contrapontos
entre a alfabetização e o letramento científico se constituem por diferenças de
concepções sobre o papel da educação científica. As variações de significados
incluem o desenvolvimento de habilidades estritamente de cunho científico –
alfabetização científica – e o desenvolvimento de habilidades, conhecimentos e
valores relacionados à função social da atividade científica – letramento científico.

138
Capítulo 3 EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE

Para Santos (2007), o conhecimento científico não pode ser pensado de forma
neutra, sem os contextos sociais envolvidos. Tampouco, os contextos sociais
podem ser entendidos sem o conhecimento do conteúdo.

Santos (2007) defende que muitas instituições de ensino estão restritas a


ensinar conteúdos científicos isentos de estudos epistemológicos e de contexto
social. Assim, o ensino por transmissão pode propiciar a aprendizagem de termos
científicos (alfabetização científica), mas, dificilmente os alunos conseguem
explorar e compreender o significado de tal linguagem. O autor define que
o estudante letrado seria capaz de compreender impactos da ciência e da
tecnologia sobre a sociedade e de agir como consumidor e cidadão, para atuar
na decisão de políticas públicas de acordo com valores vinculados a interesses
coletivos numa perspectiva de igualdade social.

Uma pessoa funcionalmente letrada em ciência e tecnologia


saberia, por exemplo, preparar adequadamente diluições de
produtos domissanitários; compreender satisfatoriamente
as especificações de uma bula de um medicamento; adotar
profilaxia para evitar doenças básicas que afetam a saúde
pública; exigir que as mercadorias atendam às exigências
legais de comercialização, como especificação de sua data
de validade, cuidados técnicos de manuseio, indicação dos
componentes ativos; operar produtos eletroeletrônicos etc.
Além disso, essa pessoa saberia posicionar-se, por exemplo,
em uma assembleia comunitária para encaminhar providências
junto aos órgãos públicos sobre problemas que afetam a sua
comunidade em termos de ciência e tecnologia” (SANTOS,
2007, p. 480).

O letramento científico pode viabilizar a formação de pessoas que


considerem não só a questões utilitárias e econômicas da ciência e da tecnologia,
mas também aspectos relacionados à saúde, ambiente e questões éticas. Como
propõe Santos (2007), o cidadão letrado pode participar de decisões democráticas
que definam rumos da ciência e da tecnologia quando são capazes de questionar
a ideologia dominante e o desenvolvimento tecnológico.

Por exemplo, poderia ser considerado pelo cidadão, na hora


de consumir determinado produto, se na sua produção é usada
mão-de-obra infantil ou se os trabalhadores são explorados
de maneira desumana; se em alguma fase, da produção ao
descarte, houve geração de resíduos que agridem o ambiente;
se ele é objeto de contrabando ou de outra contravenção etc.
(SANTOS, 2007, p. 480).

O letramento científico representa, portanto, uma possibilidade de


enfrentamento de perspectivas reducionistas sobre a educação científica. A
perspectiva reducionista, segundo Auler e Delizoicov (2001), consiste no ensino

139
Fundamentos da Educação Ambiental

restrito aos conceitos, baseada numa visão ingênua por não problematizar
mitos sobre a ciência e a tecnologia, uma vez que trata artefatos científicos e
tecnológicos por meio de uma dimensão técnica ou internalista e pressupõe um
público ignorante no que diz respeito às questões científicas e técnicas. O expert,
que é o especialista ou técnico, é o único capaz de solucionar problemas sociais
de forma eficiente e ideologicamente neutra. Não há espaço para democracia
na tomada de decisão, pois somente o especialista comanda os processos. A
ciência e a tecnologia são tratadas como soluções para todos os problemas e
necessariamente conduzem ao progresso.

O reducionismo da alfabetização científica e tecnológica exclui a ideia de que


situações sociais de países em desenvolvimento não são causadas e nem poderão
ser resolvidas somente pela ciência e pela tecnologia. No caso dos organismos
geneticamente modificados, por exemplo, a ciência pode ter contribuído para
aumentar a produção de alimentos, porém não há mecanismos científicos e
tecnológicos envolvidos no processo de distribuição dos alimentos produzidos.
Outro aspecto desconsiderado pela perspectiva reducionista, segundo Auler e
Delizoicov (2001) é que o avanço tecnológico não é direcionado por uma lógica
interna, pois as decisões que definem as inovações e os caminhos favorecem
grupos, o que se caracteriza pela influência de condições econômicas, políticas
e sociais, bem como por influências de organizações estatais e privadas. Para o
enfrentamento dos mitos e do fatalismo que paralisam o pensamento, o público
deveria ter consciência do número de decisões que são tomadas em seu nome.

Em consonância, Ratcliffe e Grace (2003) defendem que depender de


especialistas é uma tendência preocupante, pois a chamada ascensão da
“peritocracia” é uma ameaça à democracia. Para estar pronto diante dos desafios
impostos pelos interesses políticos e econômicos da peritrocracia, os alunos
devem começar a reconhecer a natureza do conhecimento científico, as razões
pelas quais os especialistas discordam, os problemas que ocorrem quando
tais embates acontecem e a maneira com que conhecimentos científicos são
retratados na mídia.

Segundo Priest (2013), para que o público possa decidir se confia ou não
nos resultados da ciência, é preciso que possam se basear na compreensão
e avaliação das instituições e práticas sociais que produziram os resultados.
Embora normalmente se admita que a conduta de uma pesquisa foi direcionada
por cientistas éticos que buscam o conhecimento de forma desinteressada, podem
ocorrer exceções, e, ainda que em vias honestas, o pensamento de um cientista
pode ser distorcido por próprios pontos de vista e diversos outros motivos, como
erros de equipamentos ou procedimentos. O entendimento da ciência como
um consenso social entre especialistas após avaliações e testes neutros e sem
maiores interesses não é uma compreensão que sempre retrata a realidade do
desenvolvimento científico.
140
Capítulo 3 EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE

Sendo assim, é preciso avançar para além de um reducionismo educativo


restrito à mera alfabetização científica. No que tange à educação ambiental
direcionada para a sustentabilidade, trata-se de avançar da centralização na
ecologia e nas explicações funcionais acerca dos fenômenos terrestres. Se
é necessário produzir mudanças individuais e coletivas no que diz respeito às
concepções e ações, uma educação fundamentada somente em dimensões
conceituais não será suficiente.

Quando nos referimos à educação ambiental, situamo-la


em contexto mais amplo, o da educação para a cidadania,
configurando-a como elemento determinante para a
consolidação de sujeitos cidadãos. O desafio do fortalecimento
da cidadania para a população como um todo, e não para um
grupo restrito, concretiza-se pela possibilidade de cada pessoa
ser portadora de direitos e deveres, e de se converter, portanto,
em ator co-responsável na defesa da qualidade de vida. O
principal eixo de atuação da educação ambiental deve buscar,
acima de tudo, a solidariedade, a igualdade e o respeito à
diferença através de formas democráticas de atuação baseadas
em práticas interativas e dialógicas. Isto se consubstancia no
objetivo de criar novas atitudes e comportamentos diante do
consumo na nossa sociedade e de estimular a mudança de
valores individuais e coletivos (JACOBI, 2003, p. 197).

Para tornar mais inteligível a relação entre educação ambiental e formação


para cidadania, é possível indicar que a cidadania:

Tem a ver com a identidade e o pertencimento a uma


coletividade. A educação ambiental como formação e exercício
de cidadania refere-se a uma nova forma de encarar a relação
do homem com a natureza, baseada numa nova ética, que
pressupõe outros valores morais e uma forma diferente de ver
o mundo e os homens. A educação ambiental deve ser vista
como um processo de permanente aprendizagem que valoriza
as diversas formas de conhecimento e forma cidadãos com
consciência local e planetária (JACOBI, 2003, p. 198).
Nessa direção, a educação para a cidadania representa
a possibilidade de motivar e sensibilizar as pessoas para
transformar as diversas formas de participação em potenciais
fatores de dinamização da sociedade e de ampliação do
controle social da coisa pública, inclusive pelos setores menos
mobilizados. Trata-se de criar as condições para a ruptura
com a cultura política dominante e para uma nova proposta de
sociabilidade baseada na educação para a participação. Esta
se concretizará principalmente pela presença crescente de
uma pluralidade de atores que, pela ativação do seu potencial
de participação, terão cada vez mais condições de intervir
consistentemente e sem tutela nos processos decisórios de
interesse público, legitimando e consolidando propostas de
gestão baseadas na garantia do acesso à informação e na
consolidação de canais abertos para a participação, que, por
sua vez, são precondições básicas para a institucionalização
do controle social (JACOBI, 2003, p. 203).
141
Fundamentos da Educação Ambiental

Tendo em vista a complexidade envolvida na educação ambiental


fundamentada na sustentabilidade em uma perspectiva crítica e integradora, quais
seriam as práticas educativas adequadas? É necessário que alguns conceitos
sejam abordados, o que requer a transmissão de alguns conteúdos em associação
com sessões de atividade dos educandos, porém, como educar para a mudança
de atitudes e comportamentos? Primeiramente, é necessário conceituar o que se
entende por atitude. Segundo a conceituação proposta por Sarabia (2000, p. 122)
atitudes são “tendências ou disposições adquiridas e relativamente duradouras a
avaliar de um modo determinado um objeto, pessoa, acontecimento ou situação e
a atuar de acordo com essa avaliação”.

As atitudes podem ser detectadas por meio de evidências obtidas pela


observação direta, por meio do qual se entende a existência de uma dimensão
hipotética, elemento sobre o qual há a suposição de que existe apesar de não
ser detectável por observação direta. A atitude envolve o componente cognitivo
(conhecimentos e crenças), afetivo (sentimentos e preferências) e de conduta
(ações manifestas ou declarações de intenções verbais ou não-verbais). A
verbalização das atitudes se dá na forma de opiniões e expressam a posição
avaliativa do sujeito em relação a um objeto. Atitudes se diferenciam de
habilidades por possuírem o componente afetivo (SARABIA, 2000, p. 124).

Há uma crença no senso comum de que os educandos possam aprender


valores, atitudes e normas por si mesmos, sem uma ação educativa planejada
e sistemática (COLL, 2000). No entanto, tal crença é desprovida de justificativa
teórica e empírica, assim é necessário que a aprendizagem das atitudes se torne
objeto de preocupação da agenda da educação ambiental.

É importante ressaltar que atitudes são ensinadas ainda que de forma não
intencional, pois “as atitudes são como os gases, inapreensíveis, mesmo que não
percebamos, elas estão em todas partes” (POZO; CRESPO, 2009, p.31). Segundo
Sarabia (2000), as atitudes não são reflexos diretos unicamente da racionalidade,
uma vez que atitudes não são resultado somente de componentes cognitivos e,
portanto, atitudes não são necessariamente o efeito de uma reflexão.

Além das atitudes (regras ou padrões de conduta), também existem as


normas (ideias ou crenças sobre como comportar-se) e valores (grau em que
foram interiorizados ou assumidos princípios que regem o funcionamento de
normas) que podem se tornar alvo de processos educativos. A aprendizagem
de atitudes requer a construção de valores por meio da interiorização de certas
normas, e não por controle coercitivo dos comportamentos dos alunos (POZO;
CRESPO, 2009).

O desafio no que diz respeito à educação de normas é que é uma tarefa

142
Capítulo 3 EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE

cujo desenvolvimento depende de uma conduta compartilhada de todos, visto que


uma norma sem a interiorização de valores só é seguida quando mantida por uma
disciplina externa, por exemplo, na presença de uma autoridade. Assim, é preciso
traduzir valores em normas e padrões de condutas compartilhados por todos. É
importante destacar que uma implicação automática de tal pressuposto é que os
discursos “politicamente corretos”, frequentemente realizados por educadores,
dificilmente se traduzem em atitudes concretas nos educandos (POZO; CRESPO,
2009).

O mecanismo mais simples para controlar os educandos é fazer com que a


conduta resulte em reforços e castigos, ou seja, controlar o comportamento dentro
de uma abordagem behaviorista (POZO; CRESPO, 2009). Ainda hoje a prática
educativa se mantém relacionada ao projeto comportamentalista e às pedagogias
decorrentes dele (JONNAERT; ETTAYEBI; DEFISE, 2010). Pode haver eficiência
no processo coercitivo behaviorista, mas não eficácia, visto que o controle da
conduta dos educandos por coerção não se traduz em aprendizagem duradoura.

Uma alternativa para o ensino de atitudes, segundo Pozo e Crespo (2009),


é a modelagem, ou a aprendizagem por imitação. A modelagem costuma ser um
processo de aprendizado mais implícito do que explícito. Nessa perspectiva, é
muito importante que o educador adquira consciência tanto das condutas que são
tomadas intencionalmente (porque são desejadas em seus educandos), quanto
daquelas que são expressas de forma não intencional e que podem ser imitadas
(POZO; CRESPO, 2009).

Para a aquisição de atitudes por meio da modelagem, o educando precisa


se identificar em um modelo para que haja envolvimento pessoal. Adolescentes
são muito sensíveis a necessidade de possuir identidade social, sendo assim,
para o pertencimento a um grupo social de referência, o indivíduo precisará se
identificar e se conformar diante da pressão grupal. Para manter sua identidade,
precisará se adequar às normas e atitudes impostas pelo grupo no qual está
inserido (POZO; CRESPO, 2009).

A intervenção ou influência para o processo educativo pode ser dificultada


pela receptividade aversiva, que é determinada principalmente pelo conjunto
de valores, crenças e conhecimentos, e pelas atitudes de uma pessoa. Para
aumentar a adequação de valores, atitudes e normas dos educandos ao processo
de influência é preciso (a) divulgar as normas justificando-as com base nos valores
que as fundamentam para dar sentido ao cumprimento e (b) incluir os educandos
na elaboração das normas, para conferir o sentimento de pertencimento e de
cumprimentos de normas livremente e solidariamente compartilhadas (SARABIA,
2000).
As técnicas para mudanças de atitudes devem ser planejadas com a

143
Fundamentos da Educação Ambiental

consideração dos três componentes das atitudes: cognitivo (crenças), afetivo


(emoções) e comportamental (ações), que correspondem a pensar, sentir e atuar,
respectivamente. Algumas estratégias indicadas por Sarabia (2000) são (a)
role-playing, (b) diálogo, discussões e técnicas de estudo ativo, (c) exposições
em público e (d) tomada de decisões. Mais informações sobre as técnicas de
intervenção para a mudança de atitudes são apresentadas a seguir:

QUADRO 3 - ESTRATÉGIAS PARA O ENSINO DE ATITUDES


Técnicas de intervenção para a mudança de atitudes

Role-playing Dramatização ou representação mental da adoção


do papel de outra pessoa. O objetivo é produzir
mudanças na percepção e na avaliação de uma
outra pessoa.

Diálogo, discussões e técnicas Os personagens reais ocupam seu próprio papel


de estudo ativo e tratam de assuntos de interesse acadêmico ou
humano. O ensino é potencializado porque os
alunos tendem a lembrar dos próprios argumentos,
devido ao caráter ativo do exercício do debate.

Expor ações em público reforça o estabelecimento


de vínculos entre atitudes e comportamentos,
Exposições em público
principalmente quando a exposição ocorre diante de
pessoas importantes para o aluno.
Consiste em encaminhar os alunos para que tomem
decisões que lhes dizem respeito diretamente.
Tomada de decisões
Estimula o aluno a refletir sobre si mesmo, sobre
suas atitudes em relação à escola e à sociedade.
Deve ser gradativo para não ter efeitos negativos
devido à excessiva responsabilização.

FONTE: Sarabia (2000)

Quando se trata de mudar atitudes já estabelecidas, é necessária a inserção


de conflitos para desestabilizar a atitude e fomentar mudanças. Pozo e Crespo
(2009) propõem dois tipos de conflitos: (a) desajuste social e (b) desequilíbrios
cognitivos. O primeiro trata do conflito que se estabelece entre as próprias
atitudes e o grupo de referência. Um exemplo da prática desse modelo seria
inserir um educando em um novo grupo cujas atitudes dos que o compõem sejam
desejadas nesse educando, para que o educando passe a imitar o comportamento
dos integrantes do grupo.

144
Capítulo 3 EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE

O segundo modelo, o de desequilíbrio cognitivo reside nas atitudes


paradoxais, as quais precisam ser refletidas para se expressarem como o
próprio indivíduo precisa que se expressem. Consiste em situações que possam
estimular a consciência de que a atitude tomada pode estar em desacordo
com as preferências e crenças do próprio aluno. Exemplos para o modelo de
desequilíbrio cognitivo seriam inserir um educando individualista em uma situação
cooperativa, ou inserir um indivíduo intolerante em uma situação na qual tenha
que ser o moderador das discussões. Para que o processo de modelagem não
se torne tão coercitivo quanto os modelos behavioristas de direcionamento
do comportamento, o indivíduo tem que adotar condutas por opção autônoma
(POZO; CRESPO, 2009).

As estratégias supracitadas podem permitir que a educação ambiental


para sustentabilidade propicie novos comportamentos, novos valores e novas
habilidades. Para tanto, giz, lousa, discurso do educador e a utilização do
ambiente de sala de aula tendem a não ser eficazes, uma vez que os educandos
precisam vivenciar experiências para inaugurar um novo modo de ser no mundo.

É preciso inovar. Os estudantes precisam sair de uma postura de passividade


para que possam interagir adequadamente com o educador, emitindo conclusões
próprias, propondo temas de discussões, fazendo visitas a estabelecimentos
relevantes, trabalhando em grupo, apresentando trabalhos para a comunidade
etc.

1 A Educação Ambiental pode ser entendida e praticada a partir


de percepções bastante ingênuas e acríticas. É importante
refletirmos sobre as propostas de Educação Ambiental e como
elaborar atividades ou projetos que tragam contribuições efetivas
para o entendimento da área. Sobre o exposto, classifique V para
as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Os discursos “politicamente corretos”, realizados por educadores,


dificilmente, se traduzem em atitudes concretas nos educandos.
( ) A criação de projetos de longo prazo, que requerem trabalhos em
grupos e convivência assídua são ótimos meios para promover
situações de aprendizagem ricas para os educandos.
( ) O júri-simulado também é uma atividade que pode propiciar a
produção argumentativa de educandos, os quais se dividem em
grupos com posicionamentos diferentes e também em um grupo
que julga os argumentos dos grupos.

145
Fundamentos da Educação Ambiental

( ) Os discursos “politicamente corretos”, realizados por


educadores, frequentemente se traduzem em atitudes concretas
nos educandos.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V - V - V - F.
b) ( ) V - V - F - F.
c) ( ) F - F - V - F.
d) ( ) F - V - V - V.

2 A Educação Ambiental é um meio indispensável para a criação


e aplicação de formas cada vez mais sustentáveis de interação
sociedade/natureza e soluções para os problemas ambientais.
Com relação ao conceito de sustentabilidade, classifique V paras
as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) O processo educativo voltado para a sustentabilidade envolve


enfatizar apenas os aspectos ecológicos que envolvem a
questão.
( ) O termo sustentabilidade emerge na Alemanha, em 1560,
quando são iniciadas ações de preocupação pelo uso racional
das florestas, visando sua contínua recuperação para garantir a
perpetuação do recurso da madeira.
( ) O significado de desenvolvimento sustentável como “atender
às necessidades das gerações atuais sem comprometer a
viabilidade do atendimento das necessidades das gerações
futuras” foi consolidado em 2015.
( ) Os indicadores de desenvolvimento sustentável podem ser
categorizados em: econômicos, sociais e ecológicos.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) F - V - V - V.
b) ( ) F - F - F - V.
c) ( ) F - V - F - V.
d) ( ) V - V - F - V.

146
Capítulo 3 EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
A ideia de sustentabilidade implica a prevalência da premissa de que é
preciso definir limites às possibilidades de crescimento e delinear um conjunto de
iniciativas que levem em conta a existência de interlocutores e participantes sociais
relevantes e ativos por meio de práticas educativas e de um processo de diálogo
informado, o que reforça um sentimento de co-responsabilidade e de constituição
de valores éticos. Isto também implica que uma política de desenvolvimento para
uma sociedade sustentável não pode ignorar nem as dimensões culturais, nem
as relações de poder existentes e muito menos o reconhecimento das limitações
ecológicas, sob pena de apenas manter um padrão predatório de desenvolvimento
(JACOBI, 2003).

Como pudemos identificar nas vertentes apresentadas no Quadro 1 deste


capítulo, existem “sustentabilidades” que se distinguem profundamente em
seus pressupostos teóricos e diferem também em suas práticas. De forma
geral, tendências mais tradicionais estão guiadas pelo status quo que concebe
o crescimento desenfreado como inevitável, e até mesmo como desejável.
O consumo e o modo de produção exploratório são naturalizados e perdem
seu caráter histórico, de modo que são ocultados os agentes causadores das
conjunturas, assim como seus respectivos interesses mercadológicos.

Essa ocultação é a evidência que permite apontar o quanto tais vertentes


tradicionais são ideológicas, pois tentam mascarar a realidade, naturalizando-a.
O desafio é justamente nesse aspecto: desnaturalizar o que é historicamente
construído pela sociedade, especialmente pela parcela da sociedade que detém
os meios de produção. Como pensar a palavra desenvolvimento sem um aspecto
linear, de aumento de produção e de consumo? É preciso verificar a necessidade
de que se realize um processo de ressignificação.

Como já dito anteriormente, a educação ambiental voltada para a


sustentabilidade requer processos para desaprender e processos para aprender
novamente. É preciso reavaliar velhos significados cristalizados no senso comum
devido ao intenso reforço cotidiano feito pelas mídias e principalmente pelas
propagandas que tem justamente esse fim. Realmente é necessário produzir
tantos bens de consumo? É necessário ter tantos itens no guarda-roupa e tantos
aparelhos eletrônicos e objetos variados dentro de uma casa? Quais são os
elementos essenciais para uma vida humana plena? O que os seres humanos
precisam para viver e o que é supérfluo? Será que nossa sociedade tem dedicado
recursos e esforços em direções erradas produzindo bens de consumo que não
aumentam o bem-estar humano?

147
Fundamentos da Educação Ambiental

Tente lembrar quantos objetos você teve durante a vida, mas se desfez deles
porque não tinha mais utilidade. Pense em quantos outros estão acumulados
em sua casa, mas você não se lembra mais de usar. O acúmulo de bens se
tornou hábito, mas a questão problemática é que esses bens se tornam lixo, mas
que com a devida orientação podem se tornar resíduos e ter uma destinação
adequada. Maior que esse problema é a demanda que se estabelece por recursos
que são matéria-prima para esses objetos. Para que esses objetos tenham preço
acessível, quantos são os trabalhadores que experienciam condições de trabalho
muito precárias para garantir aos proprietários dos meios de produção uma
lucratividade maior?

Percebemos, assim, o quanto o processo produtivo em um modelo


capitalista implica consequências danosas ao ambiente e aos seres humanos
que vivem sujeitados às condições impostas pela classe dominante. Entretanto,
a natureza já entrou em uma fase de “cheque especial”, ela está “no vermelho”. A
insustentabilidade desse sistema está sendo deflagrada dia após dia. A educação
ambiental para a sustentabilidade se torna cada vez mais necessária e importante.

Os desafios para o processo educativo ainda são muitos, uma vez que
nosso sistema de ensino já foi identificado como ineficaz para aprendizagens
duradouras e transformadoras. Quando se almeja a formação de indivíduos
que sabem ler e interpretar o mundo por meio da criticidade, ensinar conceitos
científicos acerca da ecologia não é suficiente. Primeiramente, é preciso que
os conteúdos sejam estudados por meio da interdisciplinaridade, que integra os
saberes, proporcionando uma visão de todo. Em segundo lugar, é necessário que
o educando assuma uma postura ativa durante seu aprendizado, uma vez que
precisa passar por experiências novas para mudar suas formas de conceber e
atuar no mundo.

Quantas são as oportunidades que a escola fornece para que os alunos atuem
em organizações democráticas? Quantas vezes os alunos participam de análises
de situações concretas que envolvem um grau elevado de complexidade por conter
valores políticos, sociais, econômicos, ambientais e éticos simultaneamente?
Quantos são os projetos que requerem criatividade, engajamento e cooperação
durante a formação dos alunos?

Para construirmos uma sociedade mais sustentável, a educação pode


viabilizar novas formas de pensar e novas formas de viver e conviver no planeta.
No entanto, os aprendizes precisam aprender novas atitudes, novos valores e
novos comportamentos. Não se trata de um treinamento ou de uma produção em
série de educandos que reciclem, que consomem pouco etc., mas, sim, de um
processo que emancipe o sujeito por permitir que o pensamento seja autônomo.

148
Capítulo 3 EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE

O sujeito precisa dispor de um conjunto de saberes, habilidades e atitudes


que tornem possível sua atuação ética, solidária e responsável no mundo. Não
será possível formar indivíduos com tais características por meio de formas
tradicionais de se realizar a educação ambiental. É preciso que o educador
ambiental se reinvente, que tenha criatividade e muita convicção de que seus
educandos serão excelentes cidadãos.

Para realizar intervenções bem-sucedidas na história dos educandos, o


educador precisa de entusiasmo, precisa despertar o interesse dos aprendizes
para assumir-se como parte indissociável da Terra. Intervenções realizadas por
meio de transmissão de conteúdos não produzirão mudanças significativas e
multidimensionais como as que estamos defendendo aqui.

A criação de projetos de longo prazo, que requerem trabalhos em grupos e


convivência assídua, são ótimos meios para promover situações de aprendizagem
ricas para os educandos. A criação de hortas comunitárias, como citamos
anteriormente, é uma tarefa complexa que permite a interação horizontal entre os
participantes e novas formas de interagir diretamente com o meio natural. Assim,
pessoas de uma comunidade podem interagir e se conectar de formas saudáveis
e cooperativas, inaugurando novas formas de ser no mundo, mais tolerantes,
mais respeitosas e mais colaborativas.

Situações que envolvem questionamentos e problemas a serem


solucionados também são ótimas estratégias que podem propiciar reflexão e
síntese de ideias complexas. Imagine o valor de uma situação-problema que
emprega um caso local de problema ambiental, no qual estão envolvidos riscos
e benefícios a serem contrabalanceados para que os estudantes tenham que
produzir um posicionamento ao final das discussões. A relação de pertencimento
com o problema, por ser da realidade imediata dos estudantes, pode favorecer o
engajamento e a aquisição de saberes, de habilidades e de atitudes.

O júri-simulado também é uma atividade que pode propiciar a


produção argumentativa de educandos, os quais se dividem em grupos com
posicionamentos diferentes e também em um grupo que julga os argumentos dos
grupos. São feitas perguntas e há direito de respostas para os diferentes grupos
que representam posições diferentes. Ao final, faz-se uma síntese que reúne as
principais ideias produzidas. Esse tipo de atividade permite que os estudantes
participem de forma ativa e permite seu envolvimento, porque envolve exposição
e compartilhamento de ideias, o que favorece a permanência da memória dos
argumentos apresentados.

Conseguir que uma pessoa que não se mostrava interessada pelas questões
ambientais referentes à sustentabilidade se torne uma pessoa envolvida e dotada

149
Fundamentos da Educação Ambiental

de argumentos esclarecidos é um dos primeiros objetivos a ser alcançado. Antes


de discursar sobre todos os problemas ambientais que parecem fatalmente
inevitáveis, é preciso infundir nos educandos a noção de relevância. É preciso
que eles se sintam envolvidos com a necessidade de tratar os temas ambientais,
para que estejam abertos à mudança de pensamento e de ação.

Localmente, ações transformadoras podem ser iniciadas. As relações


interpessoais se estabelecem, novos significados compartilhados são produzidos e
o processo de reeducação pode se tornar altamente transformador e disseminado.
Sendo assim, é preciso sonhar com condições diferentes de produção e de
consumo, para que seja possível minimizar o avanço da deterioração dos recursos
terrestres.

Mais do que pensar a sustentabilidade, é preciso torná-la aplicada e concreta


em diferentes comunidades e inviabilizada por meio da educação, esta pode se
tornar uma realidade vivida.

150
Capítulo 3 EDUCAÇÃO PARA SUSTENTABILIDADE

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