GUIMARÃES, Eduardo. História da Semântica. Sujeito, Sentido e
Gramática no Brasil. Campinas, Pontes, 2004, 142 p.
Maurício da Silva*
Os estudos acerca da significa- mântica. Sujeito, Sentido e Gra-
ção, no Brasil, são – pode-se di- mática no Brasil, editado pela zer – tardios, tendo surgido na pas- Pontes, vem preencher parte des- sagem do século XIX para o XX sa lacuna, dedicando-se especial- e ganhando consistência somente mente à história do surgimento, a partir de meados desse último desenvolvimento e consolidação da século. Além disso, não são mui- semântica no Brasil. tas as pesquisas acadêmicas que O objetivo do livro é, em resu- se dedicam, de forma mais profun- mo, tratar da história dos estudos da, ao tema, embora a semântica da significação desenvolvidos no já tenha, há bastante tempo, ocu- Brasil a partir do final do século pado um espaço de destaque no XIX, como parte de um movimen- vasto universo dos estudos da lin- to – na época – que, ao se contra- guagem humana. por com a visão naturalista da lin- O mais recente livro de Eduar- güística histórico-comparatista, do Guimarães, História da Se- procurava incluir a semântica no
* Docente da Universidade Federal Fluminense. Doutor em Língua Portuguesa.
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domínio dos estudos da linguagem. Programa de Português para os
Adotando como metodologia para Exames Preparatórios (1887), fun- seu trabalho alguns princípios ad- da-se a Academia Brasileira de vindos da História das Idéias Lin- Letras (1897); terceiro, dos anos güísticas (análise de obras especí- 30 até a década de 1960, com a ficas, de instituições em que o sa- criação de algumas Faculdades de ber lingüístico se constitui e acon- Letras, tornando-se o ensino de tecimentos que congregam aspec- Lingüística obrigatório e fundando- tos específicos desse saber), o au- se a Associação Brasileira de Lin- tor começa tratando dos estudos güística; quarto, de 1960 aos dias do português no Brasil, os quais atuais, com a implantação da Lin- tiveram início ainda no século XVI, güística nos cursos de pós-gradu- pela atuação dos jesuítas, desen- ação, com a atuação de lingüistas volvendo, contudo, de forma mais de renome (como Mattoso Câma- intensa e contínua, a partir de me- ra) etc. Há que se destacar ainda, ados do século XIX. Uma das pre- em cada um destes períodos, a ocupações principais desse último publicação de obras de relevo período era, por exemplo, desta- para o desenvolvimento dos estu- car as diferenças entre o portugu- dos do português brasileiro, em ês lusitano e o brasileiro, resultan- especial na área da gramaticogra- do no desenvolvimento de um pro- fia, como o aparecimento – para cesso específico de gramatização o primeiro período – do Dicioná- brasileira. rio da Língua Portuguesa (1789) Desse modo, é possível distin- e, posteriormente, a Epítome da guir, em relação aos estudos so- Gramática da Língua Portugue- bre o português do Brasil, quatro sa (1813, na segunda edição do períodos históricos distintos: pri- referido dicionário), de António de meiro, de 1550 à segunda metade Moraes Silva; o Compêndio da do século XIX, época em que o Gramática da Língua Nacional Brasil torna-se independente, fun- (1837), de Antônio Coruja; o Vo- da-se o Colégio Pedro II, desen- cabulário Brasileiro para servir volvem-se estudos sobre o portu- de Complemento aos Dicionári- guês brasileiro etc.; segundo, des- os da Língua Portuguesa sa época até os anos 30 do século (1857), de Costa Rubim; todas XX, em que aparece, entre outras elas, obras que assinalam o pre- coisas, a gramática de Júlio Ribei- núncio do processo posterior de ro (1881), organiza-se um novo gramatização brasileira do portu-
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História da Semântica. Sujeito, Sentido e Gramática no Brasil
guês. Para o segundo período, são a atividade de filólogos e gra-
destacam-se a Gramática Portu- máticos na imprensa, em colunas guesa (1881), de Júlio Ribeiro; a que atuam como consultórios gra- Gramática Histórica da Língua maticais, mais (Cândido Figueire- Portuguesa (1879), de Pacheco do) ou menos (Mário Barreto) pu- Silva; os Estudos Filológicos ristas; a publicação de uma gramá- (1884), de João Ribeiro; a Gra- tica que fica entre a tradição filo- mática da Língua Portuguesa sófica e a modernidade científica (1887) de Pacheco Silva e Lamei- (Gramática Expositiva, 1907, de ra de Andrade; a Gramática Por- Eduardo Carlos Pereira); a publi- tuguesa (1887), de João Ribeiro; cação de obras de caráter mais a Gramática da Língua Portu- descritivo, como Dificuldades da guesa (1887), de Alfredo Gomes; Língua Portuguesa (1908), de a Gramática Analítica (1887), Said Ali; ou na área da dialetolo- posteriormente editada sob o nome gia, como O Dialeto Caipira de Gramática Descritiva (1894), (1920), de Amadeu Amaral; obras de Maximino Maciel; o Dicioná- de cunho neogramatical (Lições de rio Brasileiro da Língua Portu- Português, 1923), de Sousa da guesa (1888), de Macedo Soa- Silveira; finalmente, obras mais ino- res. Embora a maior parte desses vadoras, que marcam uma “infle- trabalhos apresente uma perspec- xão que desloca da língua nacional tiva inovadora em relação aos es- para a língua o objeto dos estudos tudos lingüísticos e gramaticais no de linguagem no Brasil” (p. 31), Brasil, há que se ressaltar que uma como as Gramática Secundária tradição relacionada à gramática fi- da Língua Portuguesa (1924) e losófica ainda persistia no país, Gramática Histórica da Língua nesse período, como demonstra a Portuguesa (1931, mas publica- publicação de obras como a Gra- da em duas partes em 1921 e mática Filosófica Portuguesa 1927), de Said Ali. No terceiro (1881), de Ernesto Carneiro Ri- período, destacam-se a Gramáti- beiro; a Gramática Analítica da ca Normativa da Língua Portu- Língua Portuguesa (1888), de guesa (1944) e a formação His- José de Noronha Nápoles Mas- tórica da Língua Portuguesa sa; ou Neologismos Indispensá- (1955), de Silveira Bueno; e os veis e Barbarismos Dispensáveis Princípios de Lingüística Geral (1889), de Castro Lopes. Outros (1941), de Mattoso Câmara, além fatos relevantes para esse período de seu livro Estrutura da Língua
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Portuguesa (1970), “seguramen- tanto a Gramática Histórica da
te a primeira gramática descritiva Língua Portuguesa (primeira edi- científica feita no Brasil [e] um dos ção: 1879; segunda edição: 1894, marcos no Brasil do deslocamen- sob o nome de Gramática da Lín- to do objeto da lingüística da lín- gua Portuguesa, com Lameira de gua nacional para a língua” (p. Andrade) quanto o primeiro livro 32). Além dessas obras, destacam- de semântica do Brasil, suas No- se ainda a História da Língua Por- ções de Semântica (1903), am- tuguesa (1952), de Serafim da bos utilizando as ciências naturais Silva Neto; a Gramática do Por- como referência, de onde Pache- tuguês Contemporâneo (1970), co Silva retirava metáforas (sobre- de Celso Cunha; a Gramática tudo do universo biológico): “a Normativa da Língua Portugue- obra de Pacheco Silva vai do bio- sa (1957), de Rocha Lima; a Mo- lógico ao histórico reconfigurando derna Gramática Portuguesa a própria forma de enunciar o co- (1961), de Evanildo Bechara; e a nhecimento sobre a linguagem. É elaboração (1957-1958) e esta- interessante ver como esta opera- belecimento por portaria do MEC ção é, em verdade, a colocação (1959) da Nomenclatura Grama- em prática, no próprio dizer cien- tical Brasileira. Finalmente, no tífico, do princípio da analogia, quarto período, destacam-se fatos desta mesma obra, como o que diversos, como a fundação da As- fundamenta o funcionamento da sociação Brasileira de Lingüística linguagem. Ou seja, a obra de Pa- (1969), do Grupo de Estudos Lin- checo Silva opera a configuração güísticos do Estado de São Paulo de uma analogia entre o orgânico (1969) e da Associação Nacional e a linguagem como forma de afir- de Pós-Graduação e Pesquisa em mar o histórico. O histórico é enun- Letras e Lingüística (1984). ciado na sua semântica por metá- Tratando, em especial, do per- foras do biológico” (p. 63). Ou- curso da semântica no Brasil, o tros autores que merecerem des- autor ressalta a importância, para taque, nesse campo, são: Said Ali esta questão, do início do proces- – um dos primeiros gramáticos a so da gramatização brasileira no fi- anunciar diferenças entre uma gra- nal do século XIX, momento em mática descritiva e uma normativa que se destaca – sempre sob a -, autor, entre outros livros, dos perspectiva da questão semântica Meios de Expressão e Alterações – a obra de Pacheco Silva Júnior: Semânticas (1930); Silveira Bue-
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no, com Gramática Normativa
da Língua Portuguesa (1944), Estudos de Filologia Portugue- sa (1946) e Tratado de Semânti- ca Geral Aplicada à Língua Por- tuguesa (primeira edição: 1947; segunda edição: 1960, sob o título de Tratado de Semântica Brasi- leira); Mattoso Câmara, com Princípios de Lingüística Geral (1941), Contribuição à Estilísti- ca Portuguesa (1953) e outros, primeiro autor a escrever uma gra- mática descritiva do português. Mas é, segundo o autor, a dé- cada de 1970 que irá marcar o primeiro momento relevante dos estudos da significação no Brasil, com a contribuição – nos ramos da enunciação, da pragmática e da análise do discurso – respectiva- mente de Carlos Vogt, Haquira Osakabe e Eni Orlandi. Sem se aprofundar demasiada- mente na abordagem das contri- buições desses e outros estudio- sos da língua portuguesa, Eduar- do Guimarães traça um largo pai- nel dos estudos semânticos no Bra- sil, revelando, entre outras coisas, o potencial de pesquisa que o tema pode oferecer a futuros pesquisa- dores da área.