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COMO LÍNGUA
NÃO MATERNA
Libras e a língua
portuguesa
Simone Xavier Moreira
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Introdução
A língua portuguesa foi introduzida no Brasil nas primeiras décadas do século XVI,
durante o período de colonização. À época, havia inúmeras línguas indígenas em uso,
como o Tupinambá (considerado a língua geral, por ser a mais falada no Brasil no
fim do século XVII), utilizada inclusive por missionários na tradução de peças sacras,
orações e hinos. De fato, aproximadamente 200 anos foram necessários para que a
língua portuguesa ascendesse à condição de idioma oficial do Brasil, em um processo
que envolveu muitas trocas linguísticas e culturais entre europeus e indígenas.
Em 1757, o Rei de Portugal, D. José I, alinhado com o seu secretário de Estado,
Sebastião José de Carvalho e Melo, o futuro Marquês de Pombal, apresentou uma
série de medidas (como a proibição de as crianças, tanto as de origem portuguesa
quanto as indígenas, aprenderem ou falarem outra língua que não a portuguesa),
que logo foram sistematizadas no Diretório dos Índios e transformadas em lei
por meio de um Alvará Régio, em 1758, o qual tornou obrigatório o uso da língua
portuguesa em todo o território nacional. Mas e a língua brasileira de sinais? Como
alcançou, nesse contexto, o status de língua oficial brasileira?
2 Libras e a língua portuguesa
[...] foi um reflexo das discussões que fervilhavam no cenário mundial, mais es-
pecificamente no europeu, a respeito da educação dos surdos. Nesse contexto,
Alemanha e França traziam duas grandes tendências na educação dos surdos e
as questões relativas à surdez estavam ganhando destaque em todo o mundo.
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A voz dos surdos são as mãos e o corpo que pensam, sonham e expressam. As
línguas de sinais envolvem movimentos que podem parecer sem sentido para
muitos, mas que significam a possibilidade de organizar as ideias, estruturar o
pensamento e manifestar o significado da vida para os surdos. Pensar sobre a
surdez requer penetrar no “mundo dos surdos” e “ouvir” as mãos que, com alguns
movimentos, nos dizem o que fazer para tornar possível o contato entre os mundos
envolvidos, requer conhecer a “língua de sinais”. Permita-se “ouvir” essas mãos,
pois somente assim será possível mostrar aos surdos como eles podem “ouvir” o
silêncio da palavra escrita.
[...] o ensino de língua portuguesa, como segunda língua para surdos, baseia-se no
fato de que esses são cidadãos brasileiros, têm o direito de utilizar e aprender esta
língua oficial que é tão importante para o exercício de sua cidadania. O Decreto
nº 5.626 de 2005 assinala que a educação de surdos no Brasil deve ser bilíngue,
garantindo o acesso à educação por meio da língua de sinais e o ensino da língua
portuguesa escrita como segunda língua.
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O programa selecionou 500 estudantes, sendo que 447 são surdos e 53 são ouvintes
bilíngues. Esses estudantes estão espalhados em nove estados brasileiros: Amazo-
nas, Ceará, Bahia, Distrito Federal, Goiás, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do
Sul e Santa Catarina, representando cinco regiões do país. O sistema de educação
utiliza a modalidade a distância, em que a libras é a língua de instrução com di-
ferentes materiais: ambiente virtual de ensino e DVDs. Além disso, os alunos têm
acesso a diferentes tipos de textos na libras. Toda a estrutura está sendo pensada
juntamente com profissionais surdos que são designers instrucionais e demais
profissionais. O objetivo é implementar um curso “surdo”, no sentido de atender
ao público-alvo do curso, ou seja, organizado a partir das experiências visuais e
na língua de sinais (QUADROS, 2009, p. 169).
O curso da UFSC foi pioneiro, não só por ser o primeiro curso de letras
e libras no Brasil, mas também pela proposição de um currículo e de uma
metodologia de ensino pensada para a comunidade surda e com a comunidade
surda, e não ajustada aos surdos, como costuma ocorrer habitualmente.
A proposição de uma pedagogia específica e diferenciada também tem cla-
ras reflexões na produção e na organização de materiais apropriados para
trabalhar com esse grupo linguístico. Aqui, cabe destacar que o uso de livros
didáticos vem sendo fator de discussão há anos, quando a pauta é o ensino
de ouvintes, sendo uma forte razão de descontentamento daqueles que
priorizam o ensino a partir da realidade do estudante e de temas e motivos
emergentes do seu contexto de vida e aprendizagem.
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mas uma escola que promove a reflexão sobre o seu papel diante da formação
desses alunos, que se empenha na elaboração de um currículo que atenda
às diferentes necessidades desses alunos e que repensa a sua didática, as
suas opções metodológicas e as suas práticas, tudo em vista de incluir, de
fato, o aluno surdo. Mais importante ainda: uma proposta de ensino bilingue
tem, como fator central, a compreensão de que a língua portuguesa, para os
surdos, é uma língua que será aprendida por um sujeito que já é usuário de
outra língua, a sua língua materna, a libras.
Referências
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Libras e a língua portuguesa 17
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