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DIDÁTICA

Fabiola dos Santos Kucybala


A didática em espaços
não escolares
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Caracterizar a didática em espaços não escolares de atuação do


pedagogo.
„„ Relacionar o pensamento de Paulo Freire com a prática de ensino em
espaços não escolares.
„„ Comparar a didática utilizada na prática de ensino em espaços esco-
lares e não escolares.

Introdução
A ação educativa não se restringe apenas aos espaços escolares e às
instituições de ensino. Ela pode transcorrer em diferentes esferas e nas
mais variadas situações. Diante do atual cenário da educação, a atuação e
o papel do pedagogo também sofrem modificações, visto que ele deve
estar preparado para atuar em diferentes áreas e campos de trabalho,
preocupando-se com o desenvolvimento social e intelectual do grupo no
qual está inserido, promovendo transformações na sociedade e refletindo
constantemente sobre a sua prática.
Neste capítulo, você vai estudar sobre a importância desse profissional
em todas as modalidades de educação: intencional e não intencional.
Além disso, vai aprender sobre as contribuições de Paulo Freire para a
educação e as práticas de ensino em espaços não escolares, a partir de
uma didática que esteja voltada para a compreensão da realidade e dos
saberes comunitários.
2 A didática em espaços não escolares

A didática existente e a atuação do pedagogo


em espaços não escolares
Quando discutimos em quais espaços é oportunizada a educação e de que
maneira ela acontece, logo nos vem à mente o ambiente escolar, a sala de
aula e o profissional preocupado e envolvido com os problemas da educação
formal. No entanto, a partir das ideias de Brandão e Bonamino (1994), não
há um único modelo de educação, e a escola, nessa visão, não é o único lugar
em que ela acontece. Da mesma forma, o ensino escolar não é a única prática,
e o professor não é o seu único praticante.
O indivíduo, ao longo de todo o percurso de sua vida, apreende conhe-
cimentos decorrentes de suas próprias experiências e de relações sociais
estabelecidas com outras pessoas. Essas relações acontecem na família, nos
grupos de amigos e nas instituições educadoras formais e não formais.
Para melhor diferenciar como acontecem as formas de aprendizagem, é
importante destacar que as influências educativas podem ser caracterizadas
como não intencionais e intencionais. Conforme Libâneo (1994, p. 17), a
educação não intencional ou educação informal:

[...] correspondem a processos de aquisição de conhecimentos, experiências,


ideias, valores, práticas, que não estão ligados especificamente a uma ins-
tituição e nem são intencionais e conscientes. São situações e experiências,
por assim dizer, casuais, espontâneas, não organizadas, embora influam na
formação humana.

Perez (2013, p. 376) complementa:

Esse tipo de educação acontece nas situações concretas de trocas cotidianas


entre seres humanos, quando ocorre a aprendizagem dos modos de vida, da
cultura de um determinado grupo e das práticas sociais, construídas nas
relações interativas familiares, entre amigos, nas comunidades, etc.

Nesse sentido, é a educação que acontece em situações sociais diversas,


no contato entre pessoas e grupos, a partir de experiências cotidianas que
são fundamentais para o processo de desenvolvimento dos sujeitos e que
independem da mediação de qualquer profissional para que a aprendizagem
seja efetivada. Em contrapartida, a educação intencional, de acordo com
Libâneo (1994, p. 17), “[...] refere-se a influências em que há intenções e
objetivos definidos conscientemente, como é o caso da educação escolar e
A didática em espaços não escolares 3

extraescolar” — é um ensino estruturado, planejado e sistematizado. O autor


ainda complementa dizendo que entre as formas de educação intencional estão
a formal e a não formal.
A educação formal, segundo Libâneo (2002), é composta por práticas
educacionais realizadas tanto nas escolas quanto em empresas, sindicatos e
quaisquer organizações que, de algum modo, estejam voltadas à realização de
processos intencionais de ensino. Já a educação não formal, segundo Libâneo
(1994), é aquela estruturada fora do sistema escolar convencional, que visa
ao desenvolvimento de valores e respeito às diferenças, a partir da qual a
aprendizagem acontece por meio de práticas sociais. Cury (2000) acrescenta
que essa modalidade de educação se desenvolve em projetos realizados em
áreas e espaços diferentes da escola e da educação formal. Simson, Park e
Fernandes (2001, p. 3) destacam:

É importante que essa proposta de educação não formal funcione como espaço
e prática de vivência social, que reforce o contato com o coletivo e estabeleça
laços de afetividade com esses sujeitos. (...) As atividades de educação não
formal precisam ser vivenciadas com prazer em um local agradável, que per-
mita movimentar-se, expandir-se e improvisar, possibilitando oportunidades
de troca de experiências.

Os espaços de educação não formal, conforme Simson, Park e Fernandes (2001),


deverão ser desenvolvidos de acordo com alguns princípios:
„„ apresentar caráter voluntário;
„„ proporcionar elementos para a socialização e solidariedade;
„„ visar o desenvolvimento social;
„„ favorecer a participação coletiva;
„„ proporcionar a investigação e, sobretudo, proporcionar a participação dos membros
do grupo de forma descentralizada.

Partindo dessas discussões e da atual realidade em que a sociedade se


encontra, a educação sofre mudanças em seu conceito, visto que deve atender
às demandas educacionais e envolver os sujeitos em contextos diversos que se
transpõem aos muros da escola. Conforme destaca Franco (2011), a educação
se faz em toda a sociedade, por diferentes meios, nos mais variados espaços
4 A didática em espaços não escolares

sociais, cujo objetivo é expandir a intencionalidade educativa para outros


contextos e situações.
A ação educativa, nesse sentido, não se restringe apenas aos espaços escola-
res e às instituições de ensino: ela pode transcorrer em diferentes esferas e nas
mais variadas situações. Espaços como abrigos, penitenciárias, instituições que
atendem medidas socioeducativas, organizações não governamentais, hospitais
e empresas são apenas alguns exemplos de ambientes que proporcionam a
educação para além das dependências escolares.
Para fundamentar a importância que esses espaços assumem e a legitimi-
dade de suas ações, é possível verificar o Artigo 205 da Constituição Federal,
promulgada em 5 de outubro de 1988 e vigente até os dias atuais:

[...] a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida


e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvi-
mento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho (BRASIL, 1988, documento on-line).

A concepção de educação, de acordo com o Artigo 205, faz-se presente


em diversos ambientes, visto que pode ser efetivada com a colaboração da
sociedade. Libâneo (1994, p. 17) destaca:

Cada sociedade precisa cuidar da formação dos indivíduos, auxiliar no de-


senvolvimento de suas capacidades físicas e espirituais, prepará-los para a
participação ativa e transformadora nas várias instâncias da vida social. Não
há sociedade sem prática educativa nem prática educativa sem sociedade.

A prática educativa, nesse contexto, é o processo pelo qual o indivíduo, a


partir dos conhecimentos e das experiências culturais que vivencia e constrói,
vai se preparando e se tornando capaz de exercer ações no meio social, a fim
de realizar possíveis transformações no contexto em que está inserido.
Diante de tais apontamentos, é pertinente pensar no papel do pedagogo
nesses diferentes cenários apresentados; assim como a educação não se res-
tringe à escola, a atuação desse profissional também não é limitada a ela. Pelo
contrário, ele deve se adequar às novas realidades, trabalhando como agente
de transformação na mediação dessas aprendizagens. Contudo, para que ele
esteja inserido nesse contexto de transformações sociais, é importante que
se invista em uma formação pedagógica que o habilite a atuar em diferentes
áreas e campos de trabalho. Imbernón (2011, p. 15) aponta que:
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[...] a formação assume um papel que transcende o ensino que pretende uma
mera atualização científica, pedagógica e didática e se transforma na possibili-
dade de criar espaços de participação, reflexão e formação para que as pessoas
aprendam a se adaptem para poder conviver com a mudança e a incerteza.

Nesse sentido, a formação do pedagogo rompe com o perfil profissional


— antes exclusivo aos contextos escolares — e parte para a definição de uma
prática, pautada nas mais variadas formas de trabalho e situações de aprendi-
zagem. Valorizam-se assim a participação, a convivência e o desenvolvimento
da capacidade de interação com os demais envolvidos nos processos. Quanto
à área de atuação do pedagogo, Libâneo (2002, p. 38) destaca que é ampla e o
torna “[...] qualificado para atuar em vários campos educativos, para atender
demandas socioeducativas de tipo formal, não formal e informal, decorrentes
de novas realidades”.
Franco (2011) reforça que a educação se faz em toda a sociedade, por
diferentes meios e em diferentes espaços. À medida que a sociedade foi se
tornando multifacetada, houve a necessidade de se expandir a intencionalidade
educativa para outros contextos, abrangendo diferentes tipos de formação que
estejam voltadas ao exercício pleno da cidadania. A prática pedagógica desse
profissional e as reflexões acerca das diversas formas e dos meios de ação na
sociedade também devem ser rediscutidas, visto que o pedagogo tem papel
transformador frente a essa nova realidade.
O pedagogo, nesse sentido, é o profissional que se preocupa com a for-
mação integral dos indivíduos e trabalha na promoção da aprendizagem. Ele
busca capacitar os sujeitos a exercerem ações na sociedade nos mais diversos
espaços, seja por meio de trabalhos em grupo, cursos, oficinas, trocas de
experiências, seja na organização de atividades que promovam a integração
e interação entre os envolvidos.
Nessa perspectiva de mudança, o pedagogo continua sendo visto como
mediador dos processos educativos; no entanto, agora tem uma atuação mais
abrangente, que não se detém apenas ao universo da educação formal, mas
o qualifica a exercer funções nas diferentes áreas. Desse modo, é preciso
que ele busque novas possibilidades de formação para se adequar ao mundo
globalizado e às exigências da sociedade atual.
A partir desse discurso, não somente o pedagogo deve estar inserido
em um novo contexto social, a fim de exercer relações em diferentes
espaços, mas também o processo de ensino e aprendizagem vai sofrendo
alterações, visto que o mesmo acontece em todo e qualquer segmento da
sociedade, e não somente no cotidiano escolar. No entanto, mesmo que
a figura desse profissional esteja atrelada ao ambiente escolar, é preciso
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romper algumas barreiras e superar alguns desafios no que se refere à sua


área de atuação, pois, como referenciado anteriormente, a educação está
presente em diferentes espaços. Assim, o pedagogo, a partir desse novo
contexto, deve se preocupar com o desenvolvimento social e intelectual
do grupo no qual está inserido.
Portanto, cabe a esse profissional problematizar, promover transformações
na sociedade e refletir constantemente sobre a sua prática. Segundo Freire
(1996, p. 43), a prática implicante do pensar certo envolve o “[...] movimento
dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer”. Nesse sentido, é
fundamental que esse pensamento se estenda a todos os campos, contextos e
possibilidades de trabalho, intencional ou não intencional, em que o pedagogo
puder fazer a diferença. Somente assim ele vai romper com a ideia da pedagogia
estritamente escolar e se preparar para as transformações contemporâneas
em todas as esferas.

As relações entre o pensamento de Paulo Freire


e a prática de ensino em espaços não escolares
A forma como a educação e as práticas de ensino acontecem faz parte de
discussões de profissionais em escolas e diferentes instituições formais e não
formais. Por muitos anos, o processo educativo foi visto como uma prática
pertencente apenas à escola, mas foi se modificando diante do atual cenário
educacional e do desenvolvimento de uma nova forma de pensar a sociedade.
Nesse sentido, emergiram novas preocupações referentes à aprendizagem e ao
processo educativo, dando início a novas discussões nessa área. Confirmou-se
então que a educação não acontece apenas na escola institucionalizada, mas
também em outros espaços cujo objetivo seja a formação humana.
A educação, a partir da produção de saberes e da formação da identidade,
visa fortalecer a participação dos sujeitos nos diferentes espaços, ampliando a
discussão acerca dos contextos nos quais esses sujeitos estão inseridos. Como
forma de estender esse diálogo, conceitos como educação popular aparecem
para levantar reflexões, questionamentos e ideias que fundamentam que a
educação vai além da sala de aula tradicional.
A educação popular, conhecida e aprofundada a partir das ideias de Paulo
Freire, surge para confirmar que a prática de ensino ultrapassa o espaço
escolar. No entanto, antes de discutir tal abordagem, é importante fazer
uma breve retrospectiva da educação popular, que nasceu fora da escola,
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mas acabou influenciando práticas educativas, devido à repercussão que se


deu na sociedade.
Segundo Escosteguy (2017), até os anos 1940, a educação popular era
concebida numa perspectiva extensionista da educação formal para todos,
voltada especialmente para a população das periferias e da zona rural. Após
a Segunda Guerra Mundial, ascenderam os princípios democráticos que en-
fatizavam o movimento de educação voltado para o povo. Ao mesmo tempo,
evidenciava-se a necessidade de criar políticas de educação de base que não
se limitassem apenas à alfabetização da população pobre, mas se estendessem
ao mundo moderno, para aprimorar o desenvolvimento da escrita, leitura e
do convívio social, e se adaptar ao modelo de sociedade.
A autora complementa dizendo que, a partir de 1950, os debates passaram
a questionar as práticas de educação de jovens e adultos oferecidas às classes
populares, na medida em que a proposta estava voltada para a transmissão de
conteúdos. A educação, nesse contexto, começou a se preocupar com a forma-
ção da consciência crítica dos educandos, a partir do desenvolvimento de um
processo educativo voltado para o protagonismo da pessoa como construtora
da sua existência no mundo. Surgem as ideias de Paulo Freire e provocações
relacionadas à prática educativa, sendo a educação popular um pilar para
essas discussões.

A educação popular se realiza junto às comunidades, aos grupos menos


favorecidos economicamente, beneficiários das políticas de transferência de
renda e políticas sociais, junto às pastorais sociais e pequenos grupos orga-
nizados que querem formar associações ou cooperativas, grupo de mulheres,
juventude, populações tradicionais, agentes de saúde e comunitários, fóruns
de economia solidária, de educação de jovens e adultos, enfim a educação
popular está onde está o povo do campo e da cidade, que luta dia a dia há
anos para que possa ter voz e vez, serem protagonistas e construtores de sua
própria história (ESCOSTEGUY, 2017, p. 19).

A educação popular, então, vem para romper com o ensino que antes era
transmitido verticalmente e abre possibilidades de reflexão, diálogo e respeito
aos diferentes saberes, a partir de um trabalho voltado para a realidade e as
necessidades dos envolvidos. Além disso, Maciel (2011) destaca que a educação
popular passa a ter maior organização a partir da articulação dos compromissos
políticos assumidos com movimentos sociais populares — movimentos de
classe cujo objetivo é a condução da transformação da sociedade a partir do
lugar político popular.
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Os movimentos sociais assumem um caráter popular na medida em que


estão abertos à pluralidade dos grupos humanos e das frentes de lutas em prol
dos direitos humanos, de maneira que o cidadão “[...] é o sujeito de deveres
sociais de teor político, em nome dos quais não apenas reclama os seus di-
reitos”, mas age para construir “[...] um outro mundo possível” de realização
dos direitos humanos (BRANDÃO, 2002, p. 269).
A partir da presença dos movimentos sociais e da valorização da cul-
tura popular, Maciel (2011) destaca que Paulo Freire aparece como principal
idealizador de uma educação que proporcione a libertação do oprimido que
hospeda o opressor por meio do movimento de cultura popular. A educação
popular, assim:

[…] é um processo coletivo de elaboração do conhecimento que desenvolve


junto a educadores a capacidade de ler criticamente a realidade para trans-
formá-la e que a apropriação crítica dos fenômenos e de suas raízes permite
o entendimento dos momentos e do processo da luta de classes, ajudando a
quebrar toda forma de alienação e a busca e descoberta do real e para a sua
superação (ESCOSTEGUY, 2017, p. 18).

Dessa forma, a autora complementa dizendo que o principal campo da


prática da educação popular parte do trabalho de base, que pode acontecer
em diferentes espaços populares e institucionais: no território, no campo,
na cidade, nas periferias, nos centros e em todo o campo social. Partindo
das discussões acerca da luta dos movimentos sociais para transformar a
sociedade e voltando à ideia da educação popular para humanizar as rela-
ções sociais nos diferentes campos e espaços, podemos dizer que ela está
presente no cotidiano dos grupos organizados e não organizados, quando
estes apresentam uma prática educativa comprometida com a realização
dos direitos do povo, possibilitando a inserção dos sujeitos em novos e
diferentes contextos.
Esses diferentes contextos referem-se não exclusivamente à educação
formal, realizada por meio das instituições escolares, mas a todos os espaços
em que essa educação possa ser efetivada. Em outras palavras, incluem-se aí
diversos ambientes não escolares existentes na sociedade, que também con-
tribuem para a inserção dos indivíduos nas políticas públicas e a valorização
dos seus saberes de acordo com a realidade da qual fazem parte.
A educação, segundo a proposta popular, é um processo coletivo e plane-
jado, que atende às necessidades dos sujeitos e às suas formas de ver o mundo,
não de maneira imposta pela transmissão de saberes prontos, mas como uma
metodologia que incentiva a troca de saberes entre os indivíduos, a partir da
A didática em espaços não escolares 9

realidade da comunidade. Freire (1996) destaca que é importante respeitar e


reconhecer os saberes socialmente construídos na prática comunitária, a partir
de práticas inovadoras e emancipatórias que visem a autonomia coletiva, o
desenvolvimento da consciência crítica e a reflexão sobre a prática pedagógica.

Para Paulo Freire, uma das tarefas fundamentais


da prática educativa é o desenvolvimento da
curiosidade crítica, aquela que se aproxima do
conhecimento sem se submeter a ele. No link a
seguir, André Azevedo da Fonseca (2015) levanta
alguns apontamentos sobre a importância de
se ensinar para a criticidade, a partir das ideias
apresentadas por Freire em seu livro Pedagogia
da Autonomia (1996).

https://goo.gl/gDWU4f

Além disso, para fundamentar que a educação popular está relacionada


também à educação não escolar, Freire (1996) traz que ela é uma forma de
intervenção no mundo quando luta a favor da liberdade, da esperança e da
tomada consciente de decisões. Nesse sentido, Maciel (2011) complementa que
a educação popular comprometida com a classe trabalhadora é uma educação
ético-política e intelectual, que acontece em todos os espaços educativos,
direcionada ao atendimento das necessidades e dos reais interesses das ca-
madas populares.
Maciel (2011) torna evidente que a pedagogia freiriana contribuiu para que
essa visão de mundo e de sociedade se estabelecesse, com base na possibilidade
de superação das relações verticais contraditórias e dos modelos mecanicistas
de análise da realidade social. Parte-se da teorização de uma prática pautada
na implantação de novas propostas que indicam esperança, necessidade de
mudança e emancipação social.
Portanto, cabe destacar que a educação popular está pautada na dialogici-
dade e na conscientização de que somos seres inacabados, a partir da construção
de saberes de homens e mulheres, da problematização da realidade da comu-
nidade e da intervenção dos sujeitos no mundo como agentes transformadores.
10 A didática em espaços não escolares

Gadotti (2006, p. 163) questiona por que a educação pode ser transformadora
e complementa: “Porque o trabalho educativo é essencialmente político e é o
político que é transformador”.
Assim, o sujeito é um agente político e participante ativo de transformação
do mundo e da sua história, a partir de um projeto de sociedade que tenha como
eixo central o ser humano, a sua autonomia, responsabilidade e capacidade de
promover a superação de sua própria prática. Logo, parte-se do pressuposto da
educação enquanto formação do sujeito e de suas múltiplas potencialidades.

A didática utilizada na prática de ensino em


espaços escolares e não escolares
As práticas de ensino em espaços escolares e não escolares partem do pressu-
posto de que os sujeitos podem aprender de diferentes formas, em diferentes
lugares. Cada um possui saberes únicos, que se constroem a partir de suas
histórias de vida e experiências vivenciadas ao longo de sua trajetória pessoal.
Essas práticas de ensino e a didática utilizada nesses diferentes contextos
estão presentes nas discussões atuais, como forma de se pensar numa educação
que esteja voltada para todos os ambientes nos quais os indivíduos estiverem
presentes. Candau (2004) propõe que a didática é o conjunto de decisões e ações
que vão para além da pura razão instrumental. O entendimento da dimensão do
quefazer na educação requer uma razão crítica e clara às seguintes questões:
para que, por que e a favor de quem se faz educação. Tais questionamentos
fazem-se presentes tanto nos contextos escolares quanto nos não escolares,
visto que a educação se dá em diferentes espaços da sociedade.

Na escola, na sociedade, na empresa, em espaços formais ou não formais,


escolares ou não escolares, estamos constantemente aprendendo e ensinando.
Assim, como não há forma única nem modelo exclusivo de educação, a escola
não é o único em que ela acontece e, talvez, nem seja o mais importante. As
transformações contemporâneas contribuíram para consolidar o entendimento
da educação como fenômeno multifacetado, que ocorre em muitos lugares,
institucionais ou não, sob várias modalidades (FRISON, 2004, p. 88).

Pensando nisso, antes de se deter à didática nos espaços escolares e não


escolares, é importante primeiro refletir sobre as palavras de Freire (1993): ele
situa a educação como um ato político, que vai além de um ato de conhecimento.
O envolvimento do sujeito se dá a partir do momento em que há uma maior
compreensão do tipo de sociedade da qual se deseja participar.
A didática em espaços não escolares 11

Esse ato político explicita os valores de uma concepção de educação vol-


tada para a qualidade e a favor da construção de um conhecimento crítico-
-transformador de uma sociedade justa, democrática e solidária. Assim, a
partir dos princípios da educação popular que expressam efetivas ações de
desvelamento da realidade, respeito aos educandos, aproximação dos movi-
mentos populares e superação dos preconceitos na defesa da substantividade
democrática, fazem-se presentes a definição do quefazer político-pedagógico
nos diferentes espaços de ensino-aprendizagem nos quais os sujeitos estão
inseridos, a fim de se buscar a coerência entre o discurso e a prática.
Nesse sentido, a didática adotada pelas instituições — escolares ou não —
deve estar voltada para a compreensão da realidade e dos saberes comunitários,
como forma de construir uma prática coerente pautada na “[...] educação
gnosiológica, diretiva, política, artística e moral” (FREIRE, 1996, p. 78). Ao
educador, na concepção de Freire, cabem a sensibilidade da prática educativa
e as exigências de saberes especiais que estejam ligados à atividade docente.
Essa didática, dentro e fora da instituição escolar, pode estar pautada
nos “saberes necessários à prática docente”, apresentados a partir do livro
Pedagogia da Autonomia (FREIRE, 1996). Nessa obra, são trazidos alguns
apontamentos importantes, que devem ser considerados pelos educadores em
suas práticas pedagógicas, numa perspectiva crítico-emancipatória. Entre eles,
destaca-se que o processo de ensinar é parte do processo de aprender, assim
como o processo de aprender está incutido no processo de ensinar. Assim,
ambos são indissociáveis e caminham numa mesma direção. Freire (1996,
p. 27) aponta: “[...] quanto mais criticamente se exerça a capacidade de apren-
der tanto mais se constrói e desenvolve o que venho chamando curiosidade
epistemológica, sem a qual não alcançamos o conhecimento cabal do objeto”.
Além disso, outro ponto que deve se fazer presente na didática é o fato
de que ensinar não é transferir conhecimento. Para isso, é preciso partir do
conhecimento dos educandos e possibilitar a construção de um conhecimento
crítico. Desse modo, é possível estimular a criatividade, a capacidade de leitura
de mundo e o respeito aos saberes dos educandos. Segundo Saul (2014, p. 11):

[...] partir dos conhecimentos, dos contextos concretos e das necessidades


que os sujeitos trazem é condição para o desenvolvimento de saberes críticos
que têm, como horizonte, a ampliação de seus direitos e a construção de uma
vida digna.

O trabalho com esses contextos concretos possibilita ao professor a reflexão


sobre a sua prática e sobre a realidade em que está atuando.
12 A didática em espaços não escolares

Diante do papel da didática, é possível concluir que ela está presente em


muitos espaços de aprendizagem formal ou não formal, escolar ou não escolar.
Considerando os princípios expostos, entende-se a necessidade de uma didática
comprometida com a construção de uma educação para a formação social e
crítica dos indivíduos, numa proposta pautada na apropriação do conhecimento
de forma participativa, autônoma, coletiva e crítica.

O ato de ensinar-aprender envolve sujeitos que vivem a prática, mediados por objetos
de conhecimento. Para que essa prática se faça democrática, é fundamental que se
estabeleça uma relação horizontal entre educador-educando, no ato de construção,
(re)construção do conhecimento (SAUL, 2014).

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