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História da Educação de Surdos

Adão Gomes de Souza


INTRODUÇÃO

Desde os primórdios da humanidade os surdos sempre foram


discriminados e considerados incapazes. De acordo com Capovilla & Raphael
(2008), naquela época era muito forte a concepção de que a linguagem falada era a
única forma de linguagem possível.
Os autores destacam ainda que, já no século IV a.C., Aristóteles
supunha que todos os processos envolvidos na aprendizagem ocorressem por meio
da audição e que, por isso, os surdos tinham menos chances de aprenderem se
comparados aos cegos.
Ao longo da História, continuaram a sofrer preconceitos de toda
espécie, sendo, comumente, excluídos do convívio social e proibidos de exercerem
direitos como: o recebimento de heranças e o casamento.
A história da Educação de Surdos é marcada por diversas tentativas e
métodos de comunicação. Algumas pessoas se dedicaram a ensinarem aos Surdos
e, principalmente, a se comunicarem com eles por meio dos sinais. Dentre os
principais nomes, destaca-se o abade L’Epée, francês que criou a primeira escola
para Surdos na cidade de Paris, no ano de 1760, sendo referência na formação de
professores Surdos e servindo como incentivo à fundação de muitas outras escolas
em diversos países. Outra personalidade vinculada à Educação de Surdos é
Hernest Huet, professor surdo, também francês, que veio ao Brasil, para fundar a
primeira Escola para Surdos, a convite de D. Pedro II.
Para Perlin e Strobel (2007) o fato mais marcante na história da
Educação de Surdos foi o Congresso de Milão ocorrido no ano de 1880, no qual,
através de uma votação com maioria quase absoluta de professores ouvintes, ficou
decidido que a Língua de Sinais seria abolida da Educação de Surdos,
prevalecendo o uso da Língua Oral. Segundo as autoras, essa decisão teve um
impacto arrasador na Educação dos Surdos, que foram proibidos de utilizarem sua
Língua e tiveram que abandonar sua cultura por um período de aproximadamente
cem anos.
Nesta breve abordagem sobre a História da Educação de Surdos, é
importante destacar os métodos utilizados pelos professores envolvidos no
processo de ensino e comunicação de Surdos, sendo eles:
Como abordado pelas autoras Perlin e Strobel (2007), com a proibição da Língua
de Sinais no ano de 1880, o método de comunicação passou a ser apenas a
ralização ou método oralista, baseado na concepção de que o surdo deveria se
expressar através do treino da fala e utilizar-se da leitura labial (Leitura dos lábios
de quem está falando).
O segundo método utilizado na Educação de Surdos, na verdade, é
resultado da junção da Língua Oral com a Língua de Sinais, sendo chamado de
método da comunicação total. Lembrando que a Língua de Sinais tem
características gestuais-visuais, diferenciando-se da Língua Oral. Esse método, na
verdade, pouco contribuiu, podendo até mesmo ter levado ao uso inadequado da
Língua de Sinais, pois deu origem ao que denominamos, atualmente, de português
sinalizado; utilizado por quem não conhece verdadeiramente a Língua de Sinais
em sua estrutura e características próprias.
O terceiro método denomina-se bilinguismo, sendo baseado no
aprendizado da Língua de Sinais como primeira Língua do Surdo. Segundo essa
proposta, a criança surda deve iniciar precocemente o contato com adultos Surdos,
que a ensinem a Língua de Sinais, sua Língua natural e, somente a partir desse
momento, terá condições de iniciar o aprendizado da Língua Oral como segunda
Língua.
Segundo Duboc (2004), ao abordar a escolarização dessas pessoas,
deve-se, em primeiro lugar, considerar que, por muitos anos, elas estiveram fora
do convívio social ou, em alguns casos, com convivência limitada a ações de
assistencialismo ou de filantropia; essas, na maioria das vezes, acompanhadas por
uma visão clínica, que considera a surdez apenas do ponto de vista da deficiência.

A HISTÓRIA DA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS

A língua brasileira de sinais (LIBRAS) é utilizada como meio de


comunicação sinalizada por surdos e ouvintes. Existe um número expressivo na
esfera de brasileiros natos, levando em conta o crescente número de usuários da
língua, mesmo que esse número não seja preciso. Inclusive, no ano de 2010, o
IBGE constatou que existe aproximadamente 9.722.163 milhões de brasileiros com
problemas de audição, sendo que 2,6 milhões são surdos (FUNDAÇÃO DE
ARTICULAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E COM ALTAS HABILIDADES NO RIO
GRANDE DO SUL, 2011).
A LIBRAS é uma das línguas utilizadas no Brasil e reconhecida
nacionalmente pela Lei nº 10.436/2002. Embora seja uma das línguas faladas
nacionalmente, ainda há um número relevante de pessoas que vê a Libras apenas
como mímica, gestos soltos no ar, movimentos sem nexo ou, ainda, simplesmente
uma cópia fiel da língua portuguesa. Pesquisas na área da linguística apontam que
há uma complexidade na estrutura gramatical da língua, inclusive ao que se refere
às formas de expressão e a sua contextualidade, assim como qualquer outro idioma
ou língua oral, conseguindo expressar ideias de diversos níveis de compreensão e
complexidade.
Em 2005 ocorreu a regulamentação do Decreto n° 5.626/2005, mais um
fato importante para a comunidade surda no Brasil. O Decreto regulamenta e
oficializa a difusão da língua de sinais e a insere como disciplina obrigatória nas
instituições de ensino, para a formação de professores, instrutores de LIBRAS.
Além disso, esse decreto auxilia na divulgação da língua de sinais brasileira e do
português para as pessoas com deficiência auditiva/surdos, nos cursos de formação
de tradutores e intérpretes de libras, assim como, garante o direito ao acesso à
saúde e à educação para surdos.
A LIBRAS foi criada a partir da língua de sinais francesa. Com a
vinda do francês Eduard Hernest Huet para o Brasil, que foi aluno do Instituto de
Paris, a educação de surdos teve início durante o segundo império. Nessa
época, promoveu-se a LIBRAS, com forte influência da França. No entanto, não
havia escolas especiais para surdos, por isso Huet solicitou ao imperador Dom
Pedro II um estabelecimento para educar os surdos brasileiros. No dia 26 de
setembro de 1857 foi fundado o instituto para surdos Inicialmente chamado de
Instituto de Surdos-Mudos, passando a receber o nome de Instituto Nacional de
Surdos-mudos. Funcionava como um internato e lá crianças e adolescentes
estudavam conteúdos em português, matemática, história, geografia, linguagem
articulada,de surdos-mudos do Rio de Janeiro. Atualmente é conhecido como
Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). A nomenclatura do INES
agora não possui a palavra mudo. Devido a atualização de políticas, conceitos e
nomenclaturas. Afinal, hoje todos sabemos que a maioria das pessoas surdas não
falam porque não aprenderam a falar. No entanto, existem também alguns surdos
que falam, e são chamados de surdos oralizados.
A partir desse momento, o Brasil deu seus primeiros passos para a edu-
cação de surdos, utilizando o ensino do alfabeto manual. Em meados de 1911, o
INES adotou a metodologia do oralismo para que os surdos tivessem a
oportunidade de se comunicar e conseguir com eficácia expressar suas vontades e
pensamentos.

QUADRO RESUMO DA HISTÓRIA DA LIBRAS NO BRASIL


METODOLOGIA ORALISTA

O oralismo surgiu por volta do século XVIII e a partir das resoluções do


Congresso de Milão (1880). Na época a língua de sinais foi oficialmente proibida
nas escolas e a comunidade surda foi excluída da política e instituições de ensino.
Essa proposta objetivava que os surdos fossem reabilitados, ou
“normalizados”, pois, a surdez até então era considerada uma patologia, uma
anormalidade. Eles deveriam comportar-se como se ouvissem, ou seja, deveriam
aprender a falar.
A oralização foi imposta com o objetivo de que os surdos fossem aceitos
na sociedade. Como nem todos conseguiam desenvolver a oralidade, muitos eram
excluídos e impedidos de participar do meio social e até mesmo não tinham a
possibilidade de participar do processo educativo. Portanto, a maioria dos surdos
viviam de forma clandestina.
Para os oralistas, a linguagem falada é prioritária como forma de
comunicação dos surdos, sendo indispensável para o desenvolvimento integral das
crianças. Sinais e alfabeto digitais são proibidos, recomenda-se que a comunicação
seja feita pela via auditiva e pela leitura labial.
Por quase um século esse pensamento não foi questionado, embora a
maioria dos surdos profundos não desenvolvessem a fala satisfatoriamente,
conforme era exigido pelos ouvintes.
Essa filosofia educacional desencadeava um atraso global no
desenvolvido, que resultava em falta de estímulo e evasão escolar. Os alunos
frequentavam a escola mais para aprender a falar do que propriamente para receber
os conteúdos escolares.
Houve o estímulo do uso de próteses, mesmo assim, os métodos eram
basicamente treinamentos de fala, desvinculados de contextos dialógicos
propriamente ditos.
Somente por volta de 1960, surgiram alguns estudos sobre a língua de
sinais utilizada pelas comunidades surdas. Apesar da proibição, era natural
encontrarem em escolas ou instituições de surdos a comunicação por sinais de
modo oculto.
O pioneiro trabalho de William C. Stokoe (1919 – 2000) revelou que as
línguas de sinais eram verdadeiras línguas, preenchendo em grande parte os
requisitos das línguas orais.

COMUNICAÇÃO TOTAL

O insucesso do Oralismo deu origem a novas propostas em relação à


educação da pessoa surda. Em 1970, conheceu-se a terminologia comunicação
total. Nessa abordagem educacional foi permitida a prática de uma série de
recursos: língua de sinais, leitura orofacial, utilização de aparelhos de
amplificação sonora, alfabeto digital. Os estudantes surdos poderiam então
expressar-se como achassem mais conveniente.
O objetivo era que a criança pudesse se comunicar com todos:
familiares, professores, surdos, ouvintes, e assim não sofresse consequências do
isolamento que a surdez proporciona. A surdez então não era entendida como
patologia, mas como um fenômeno com significações sociais.
Poderiam ser utilizados os sinais da língua de sinais da comunidade surda, assim
como sinais gramaticais modificados. Igualmente, tudo que era falado poderia ser
acompanhado de elementos visuais. A intenção também era facilitar a aquisição
da língua oral e da leitura e escrita.
Os alunos então utilizavam os sinais em contato com outros surdos
fluentes. Nas escolas o uso dos sinais ocorria, porém, obedecendo à estrutura da
Língua Portuguesa. Eles chamavam essa estratégia de “português sinalizado”.
Mesmo com o objetivo de facilitar a aprendizagem, o português sinalizado
produzia certa confusão para o aluno surdo.
Em relação ao Oralismo, a Comunicação Total trouxe benefícios,
fazendo com que houvesse melhora na comunicação dos surdos. Entretanto,
verificaram-se alguns problemas em relação à comunicação fora da escola. As
dificuldades escolares continuaram. Alguns casos bem-sucedidos, mas a maioria
com resultados acadêmicos muito abaixo do esperado.
Entre os surdos era possível desenvolver a língua de sinais
propriamente dita, e nos ambientes escolares havia um misto de sinais e língua
oral. Então, estudos sobre a língua de sinais foram cada vez mais apontando para
propostas educacionais alternativas que orientavam para uma educação bilíngue.
Com o passar dos anos, a oralização foi perdendo a força no processo
de ensino e aprendizagem dos surdos. Atualmente, nas escolas especiais para
surdos não é utilizada a oralização; no entanto, algumas escolas disponibilizam o
tratamento com fonoaudiólogo para as técnicas de oralização para aqueles que
desejam “falar”. Nas escolas de hoje em dia, a LSB é fundamental para o
aprendizado dos surdos, respeitando sempre as peculiaridades da língua e da
cultura da comunidade surda.

BILINGUISMO

Por volta da década de 1980, surge no Brasil o bilinguismo. Muitos


pesquisadores linguistas começaram a estudar e a discutir sobre esse novo método
de ensino para surdos. Esta proposta reconhece o sujeito surdo e seu idioma, a
língua de sinais; além disso, essa prática educacional proporciona percepções
mentais, cognitivas e visuais e tem capacidade para analisar os conceitos de modo
subjetivo e objetivo sobre as informações recebidas, respeitando as caraterísticas
e regras gramaticais do idioma.
O bilinguismo tem como pressuposto básico a necessidade do surdo ser
bilíngue, ou seja, este deve adquirir a Língua de Sinais, que é considerada a língua
natural dos surdos, como língua materna e como segunda língua, a língua oral
utilizada em seu país. Estas duas não devem ser utilizadas simultaneamente para
que suas estruturas sejam preservadas.
A declaração de Salamanca é considerada um dos principais
documentos mundiais, pois visa à inclusão social, consolidando a educação
inclusiva e tendo sua origem atribuída aos movimentos de direitos humanos. Uma
das implicações educacionais orientadas a partir da declaração de Salamanca
refere-se à inclusão na educação (FERREIRA, 2007).
REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei no 10.436, de 24


de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei no
10.098, de 19 de dezembro de 2000. Brasília: Presidência da República, 2005. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/ decreto/d5626.htm>. Acesso
em: 9 mar. 2018
BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de
Sinais - Libras e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 2002.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10436.htm>.
Acesso em: 9 mar. 2018.

Capovilla, F. C., & Raphael, W. D. (2008). Dicionário enciclopédico ilustrado


trilíngue da língua de sinais brasileira (3a ed., Vol. II: sinais de M a Z). São Paulo,
SP: Edusp.

DUBOC, M. J. O. A formação do professor e a inclusão educativa: uma reflexão


centrada no aluno surdo. Sitientibus, Feira de Santana, n. 31, p. 119-130, 2004.

https://siteantigo.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/educacao/historia-da-
educacao-de-surdos/65157

https://siteantigo.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/conteudo/oralismo/26900

MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. Verbete


Declaração de Salamanca. Dicionário Interativo da Educação Brasileira -
Educabrasil. São Paulo: Midiamix, 2001. Disponível em:
<https://www.educabrasil.com.br/declaracao-de-salamanca/>. Acesso em: 25 de
jul. 2020.

PERLIN,G. “A cultura surda e os intérpretes de Língua de Sinais”, ETDEducação


temática digital, Campinas, v.7, n.2, jun/p.135-146, 2006.

SAGAH, Soluções Educacionais Integradas, 2018.

STROBEL, Karin L. História dos Surdos: Representações “Mascaradas” das


Identidades Surdas. In: QUADROS, Ronice M. e PERLIN, Gladis. (Orgs.).
Estudos Surdos II. Petrópolis: Arara Azul, 2007, p.18 – 38.

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