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SOCI

O PODER EM MOVIMENTO
Movimentos sociais e confronto político

Sidney Tarrow

(bEDITORA
Y VOZES
Muito antes de haver movimentos organizados havia
muitas formas de confronto político no cenário histórico
- desde tumultos por comida e rebeliões contra impostos
até guerras religiosas e revoluções. Apenas quando a
ação coletiva contra antagonistas foi sustentada é que um
episódio de confronto se torna um movimento social.
Objetivos comuns, identidades coletivas e desafios
identificáveis ajudam os movimentos a fazer isso, mas, a
não ser que possam sustentar seu desafio, irão
desaparecer numa espécie de ressentimento individualista
que James Scott chama de "resistência", endurecer-se cm
seitas religiosas ou intelectuais ou recolher-se ao
isolamento. A sustentação da ação coletiva em interação
com opositores poderosos distingue o movimento social
das fonnas iniciais de protesto que vieram antes dele na
história e ainda hoje o acompanham.
Este estudo não busca fornecer um modelo único
mostrando as propriedades comuns de todos os
confrontos políticos em todos os lugares desde o começo
dos tempos. Em vez disso, tenta identificar os processos
através dos quais os confrontos surgem em ambientes
diversos e como sua intersecção com formas diferentes
de mobilização, criação de identidades, organização e
oportunidades e restrições criam movimentos sociais e
grandes ciclos de confronto.

"'EDITORA
Y VOZES
Uma vida pela bom livro
vendos@vozes.com.br 'lf1l1if iílI11�1 íl
9 788532 638281

,www.vozes.com.br
focalizam suas próprias
dinâmicas internas ou as de seus
membros. Mas mesmo tais
Esta obra não pretende fazer mo\·imentos relacionam-se com
a história do confronto político as autoridades de modo
ou do movimento social, nem confliti\ o. por serem elas
impor ao leitor uma perspectiva responsáwis pela lei e pela
teórica atacando outras. O autor ordem e por estabelecerem as
oferece, em vez disso, um normas para a sociedade. Os
amplo quadro teórico para organizadores usam o confronto
entender o lugar dos para explorar oportunidades
movimentos sociais, dos ciclos políticas, criar identidades
de confronto e das revoluções coletivas, reunir pessoas em
na categoria mais geral do organizações e mobilizá-las
confronto político, examinando contra oponentes mais
o poder em movimento, cujo poderosos. Muito da história da
desenvolvimento histórico interação movimento-Estado
esboça na parte I e analisa nas pode ser visto como um dueto
partes II e III. Para isso, utiliza de estratégia e contraestratégia
um conjunto central de entre os ativistas e os detentores
conceitos - oportunidades e do poder.
restrições, repertórios, quadros
interpretativos e estruturas de
mobilização, ciclos e reação
institucional.
A ação coletiva de confronto
revela-se como base dos
movimentos sociais não por
serem estes sempre violentos ou
extremos, mas porque é o
principal e quase sempre o
único recurso que as pessoas
comuns têm contra opositores O autor
mais bem equipados ou estados
poderosos. Isto não significa Sidney Tarrow é professor de
que os movimentos não fazem Governo na Universidade
outra coisa senão confrontar: Comell e autor de diversas
eles formam organizações, obras relacionadas a política,
elaboram ideologias, socializam democracia, comunismo,
e mobilizam seus membros, e confrontos, revoluções, ação
estes se engajam em coletiva, movimentos sociais e
autodesenvolvimento e na ciclos de protesto.
construção de identidades
coletivas. Alguns movimentos
são profundamente apolíticos e
COLEÇÃO SOCIOLOGIA
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Coordenador: Basílio Sallumjr. - Universidade de São Paulo

Comissão editorial: �li>�


Gabriel Cohn - Universidade de São Paulo ASS00M;J,D BRASIBlA CE OIHIR)S llS'ROGR.ÁAC05

Irlys Barreira - Universidade Federal do Ceará �ii-.,,� .,


'¾,oomaio,#'
José Ricardo Ramalho - Universidade Federal do Rio de Janeiro
Marcelo Ridenti - Universidade Estadual de Campinas
Otávio Dulci - Universidade Federal de Minas Gerais

- A educação moral
Émile Durkheim
- A Pesquisa Qualitativa - Enfoques epistemológicos e metodológicos
VV.AA.
- Sociologia ambiental
John Hannigan
- O poder em movimento - Movimentos sociais e confronto politico
Sidney Tarrow
- Quatro tradições sociológicas
Randall Collins
- Introdução à teoria dos sistemas
Niklas Luhmann

Dados Internacionais de Catalogação na Pu licação CIP


Câmara rasileira do Livro, SP, rasil
Tarrow, Sidney
O poder em movimento : movimentos sociais e confronto político/ Sidney
Tarrow; tradução de Ana Maria Sallum. - Petrópolis, RJ : Vozes, 2009.
( Coleção Sociologia)

Título original: Power in movement : social movements and contentious


politics.
Bibliografia.
ISBN 978-85-326-3828-l

1. Comportamento de massa - História 2. Movimentos sociais - História


3. Mudança social - História I. Título. II. Título: Movimentos sociais e confronto
político. Ili. Série.

09-02940 CDD-303.48409

Índices para catálogo sistemático:


1. Movimentos sociais : História 303.48409
© Sidney Tarrow, 1998
Cambridge University Press

Título original inglês: Power in Movement

Direitos de publicação em língua portuguesa:


2009, Editora Vozes Ltda.
Rua Frei Luís, 100
25689-900 Petrópolis, RJ
Internet: http://www.vozes.com.br
Brasil

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sem permissão escrita da Editora.

Diretor editorial
Frei Antônio Moser

Editores
Ana Paula Santos Matos
José Maria da Silva
Lídio Peretti
Marilac Loraine Oleniki

Secretário executivo
João Batista Kreuch

Editoração: Fernando Sergio Olivetti da Rocha


Projeto gráfico: AG.SR Desenv. Gráfico
Capa: Juliana Teresa Hannickel

ISBN 978-85-326-3828-l (edição brasileira)


ISBN 978-0-521-62947-8 (edição americana)

Editado conforme o novo acordo ortográfico.

Este livro foi composto e impresso pela Editora Vozes Ltda.


Para Chuck, um professor.
Sumário

Figuras, 9
Apresentação da coleção, 11
Prefácio, 13
Agradecimentos, 1 S

Introdução, 17
·,' 1 Confronto político e movimentos sociais, 27

Parte I O nascimento do moderno movimento social, 47


2 Ação coletiva modular, 49
3 Imprensa e associação, 66
4 Formação do Estado e movimentos sociais, 79

Parte II Do confronto aos movimentos sociais, 97


S Oportunidades e restrições políticas, 99
6 Agindo de forma contenciosa, 122
7 Interpretando o confronto, 139
8 Estruturas de mobilização e confronto político, 159

Parte III A dinâmica do movimento, 179


.\
9 Ciclos de confronto, 181
10 Lutando por reformas, 204
11 Confronto transnacional, 222
Conclusão - O futuro dos movimentos sociais, 245
Bibliografia, 261
Índice, 299
Introdução

Intemational Herald Tribune, 17/03/1997. A manchete de hoje do Trib é sobre a


recusa da União Europeia em mandar tropas para a Albãnia para lidar com as con­
sequências do colapso de um esquema financeiro que levou à falência centenas de
milhares de cidadãos. Os tumultos resultantes do escândalo levaram multidões às
ruas, protestando e roubando, produzindo o esvaziamento das reservas de armas e
tanques enquanto as forças armadas albanesas entravam em colapso, e com elas a
legitimidade do governo. O repórter do Trib observa o paralelo preocupante com o
colapso da Iugoslávia no início da década de 1990. Ele também pode ter se lembra­
do de que o problema da Albânia foi desencadeado por um movimento pacífico na
Sérvia, um pouco antes naquele mesmo ano, quando centenas de milhares de pes­
soas saíram em protesto e forçaram o governo a restaurar as vitórias da oposição
nas eleições locais (cf. cap. 6).
O mesmo exemplar do Trib traz outras sete histórias relacionadas a movimen­
tos sociais, protestos e rebeliões em todo o mundo. Também na página 1 há uma
reportagem sobre a rebelião armada no Zaire Oriental e outra sobre a marcha pací­
ica dos trabalhadores belgas, franceses e espanhóis contra o recente fechamento
de uma fábrica de automóveis na Bélgica (cf. cap. 11). A página 4 cobre uma passe­
ata pacífica de protesto de vinte mil pessoas pobres na Tailândia contra um projeto
e desenvolvimento do governo e um choque violento entre grupos étnicos rivais
na Indonésia. A página 8 apresenta relatos curtos sobre um tiroteio entre tropas ar­
gelinas e militantes islâmicos, presos numa guerra civil selvagem com o regime
nos cinco anos anteriores e sobre as eleições salvadorenhas, que prometiam trazer
para o governo a Frente Nacional Farabundo Marti, inicialmente um movimento
de guerrilha.
Mesmo as páginas de negócios não podem evitar notícias sobre confrontos:
uma história na página 15 descreve um protesto, ocorrido na semana anterior, de
mineradores de carvão alemães ameaçados por demissões. A cobertura de um jor­
nal num dia comum: dez histórias vindas de lugares tão diferentes entre si como
Bélgica e Bornéu, indicando o poder constante do confronto político e dos movi­
mentos sociais.

Confronto político e movimentos sociais


Como sugerem os exemplos acima, as pessoas comuns irrompem frequente­
mente nas ruas e tentam exercer o poder por meios contenciosos contra estados
nacionais ou opositores. Nos últimos quarenta anos o movimento americano pelos

17
direitos civis, os movimentos pacifistas, ambientalistas e feministas e as revoltas
contra o autoritarismo, tanto na Europa quanto no Terceiro Mundo, levaram mas­
sas de pessoas às ruas exigindo mudanças. Frequentemente tiveram sucesso, mas
mesmo quando falharam suas ações puseram em movimento importantes mudan­
ças políticas, culturais e internacionais.
O confronto político ocorre quando pessoas comuns, sempre aliadas a cida­
dãos mais influentes, juntam forças para fazer frente às elites, autoridades e oposi­
tores. Tais confrontos remontam ao início da história. Mas prepará-los, coorde­
ná-los e mantê-los contra opositores poderosos é a contribuição singular dos mo­
vimentos sociais - uma invenção da Idade Moderna que acompanhou o surgimen­
to do Estado moderno. Neste livro, afirmo que o confronto político é desencadea­
do quando oportunidades e restrições políticas em mudança criam incentivos para
atores sociais que não têm recursos próprios. Eles agem através de repertórios de
confronto conhecidos, expandindo-os ao criar inovações marginais. O confronto
político conduz a uma interação sustentada com opositores quando é apoiado por
densas redes sociais e estimulado por símbolos culturalmente vibrantes e orienta­
dos para a ação. O resultado é o movimento social.
Esses assuntos ganham importância especial devido a enorme expansão e di­
versidade crescente dos movimentos sociais da atualidade. Inicialmente vimos os
movimentos pelos direitos civis e os estudantis; depois os ecológicos, feministas e
pela paz, primeiro nos Estados Unidos e depois na Europa Ocidental; as lutas pelos
direitos humanos nos sistemas autoritários e semiautoritários; o extremismo reli­
gioso islâmico e judaico no Oriente Médio e a militância hindu na Índia; e, mais re­
centemente, a violência contra os imigrantes na Europa Ocidental, o fundamenta­
lismo cristão nos Estados Unidos e o nacionalismo étnico nos Bálcãs e na ex-União
Soviética. Nas últimas quatro décadas do século XX, uma onda de novas formas de
confronto se espalhou pelo mundo, de uma região a outra.
Nem todos esses eventos merecem o nome de "movimentos sociais", que reser­
vo para designar as sequências de confronto político baseadas em redes sociais de
apoio e em vigorosos esquemas de ação coletiva e que, além disso, desenvolvem a ca­
pacidade de manter provocações sustentadas contra opositores poderosos. Mas to­
dos são parte de um universo mais amplo do confronto político que pode surgir, de
um lado, de dentro das instituições e, de outro, pode se expandir e se transformar em
revolução. Situar os movimentos sociais e sua dinâmica particular, histórica e anali­
ticamente, no universo do confronto é o objetivo central deste estudo.

A abordagem do estudo
Neste livro não tento fazer a história do confronto político ou do movimento so­
cial. Nem imponho ao leitor uma perspectiva teórica ou ataco outras - uma prátic
que trouxe mais calor do que luz à discussão. Ofereço, em vez disso, um amplo qua­
dro teórico para entender o lugar dos movimentos sociais, dos ciclos de confronto -:

18
Jas revoluções na categoria mais geral do confronto político. Muito frequentemente
JS estudiosos se concentraram em teorias específicas ou em alguns aspectos do mo­
·.imento em detrimento de outros. Um exemplo disto é como a revolução, como ab­
eto de estudo, foi tratada até bem recentemente. Ela é estudada principalmente em
�dação a outras revoluções e quase nunca comparada com os ciclos de confronto
.:iue, de alguma forma, se assemelham a ela ou com os movimentos sociais (mas veja
GOLDSTONE, 1997). Precisamos de um quadro mais amplo para poder relacionar
1
.:is movimentos sociais ao confronto político e à política em geral •
O ato irredutível que está na base de todos os movimentos sociais, protestos e re­
·:oluções é a ação coletiva de confronto. A ação coletiva pode assumir muitas formas -
· reve ou sustentada, institucionalizada ou disruptiva, monótona ou dramática. A
:-naioria delas ocorre no interior de instituições, através de grupos constituídos que
.1 gem em nome de objetivos que dificilmente causariam estranheza. A ação coletiva
:orna-se de confronto quando é empregada por pessoas que não têm acesso regular
JS instituições, que agem em nome de exigências novas ou não atendidas e que se
.:-omportam de maneira que fundamentalmente desafia os outros ou as autoridades.
A ação coletiva de confronto é a base dos movimentos sociais não por serem es­
:es sempre violentos ou extremos, mas porque é o principal e quase sempre o único
�ecurso que as pessoas comuns têm contra opositores mais bem equipados ou esta-
os poderosos. Isto não significa que os movimentos não fazem outra coisa senão
:onfrontar: eles formam organizações, elaboram ideologias, socializam e mobilizam
,eus membros, e estes se engajam em autodesenvolvimento e na construção de iden­
:idades coletivas. Alguns movimentos são profundamente apolíticos e focalizam
;;uas próprias dinâmicas internas ou as de seus membros. Mas mesmo tais movimen­
:os, como nos lembra o sociólogo Craig Calhoum, relacionam-se com as autoridades
je modo conflitivo, por serem elas responsáveis pela lei e pela ordem e por estabele­
:erem as normas para a sociedade (1994b: 21). Os organizadores usam o confronto
?ªra explorar oportunidades políticas, criar identidades coletivas, reunir pessoas em
Jrganizações e mobilizá-las contra oponentes mais poderosos. Muito da história da
:nteração movimento-Estado pode ser visto como um dueto de estratégia e contraes­
:.ratégia entre os ativistas e os detentores do poder.
Assim, devemos começar pela teoria da ação coletiva, mas não sem uma adver­
•. ência: a ação coletiva não é uma categoria abstrata que pode ficar fora da história e
2
,eparada da política (HARDIN, 1982; 1995) • As formas contenciosas de ação cole­
:iva são diferentes das relações de mercado, dos grupos de pressão ou da política

1. Sobre este argumento, com síntese ilustrativa, ver McAdam, Tarrow e Tilly, 1 996; 1997.
2. Em outras palavras, não posso concordar com Russell Hardin quando ele escreve, em seu livro Col­
:,·ctive Action, que "não há razão para recortar a teoria [ da ação coletiva] de acordo com os limites dos
:iroblemas substantivos". Generalizar a explicação da participação só levaria a um maior poder teóri­
:o se, como Hardin afirma, os recursos e os problemas de coordenação dos atores fossem comparáveis
�m todos esses campos substantivos (p. xiii-xiv) .

19
representativa porque põem pessoas comuns em confronto com opositores, elites
ou autoridades. Elas têm poder porque desafiam os detentores de poder, produ­
zem solidariedade e fazem sentido para grupos específicos da população, situações
e culturas nacionais.
Isto significa que teremos que incluir as formulações gerais da teoria da ação
coletiva num registro concreto da história e também as percepções da sociologia,
da ciência política e até mesmo da antropologia. Veremos, em particular, que reu­
nir pessoas numa interação sustentada com opositores exige uma solução social -
agregar pessoas com demandas e identidades diferentes e em locais diversos em
campanhas conjuntas de ação coletiva. Esta solução envolve, em primeiro lugar,
preparar os desafios coletivos; em segundo, instigar redes sociais, obj etivos co­
muns e quadros culturais; e, em terceiro, construir a solidariedade através das es­
truturas de ligação e das identidades coletivas para manter a ação coletiva. Esses
são os principais processos dos movimentos sociais.

As propriedades básicas dos movimentos


Com a emergência do movimento social nacional no século XVIII, os primeiros
teóricos se concentraram em três facetas dos movimentos que eles mais temiam: ex­
tremismo, privação e violência. Tanto a Revolução Francesa como o industrialismo
do início do século XIX deram força a esta reação. Liderados pelo sociólogo Émile
Durkheim (195 1 ) , os sociólogos do século XIX viam os movimentos sociais como
um resultado da anomia e da desorganização social - uma imagem que fica bem cla­
ra na frase "a multidão enlouquecida" (cf. a resenha em McPhail 1 99 1 ) .
Enquanto que o fim do século XIX e o início do século XX assistiram a um
"processo civilizatório" de muitas destas tendências, os movimentos do período
entre-guerras - fascismo, nazismo, stalinismo - se encaixaram na imagem de vio­
lência e extremismo fomentada pelas revoluções francesa e industrial. Esta visão
negativa dos movimentos sociais foi reforçada pela exacerbação das tensões étni­
cas e nacionalistas a partir da queda do comunismo ( 1 089- 1 092) . Nos anos 1 990.
vemos isso na concepção de "ódios ancestrais" dos conflitos nos Bálcãs, muitos de­
3
les igualados pela teoria do movimento social • Observamos a mesma coisa no sur­
gimento dos movimentos de milícia nos Estados Unidos nos anos 1 990 e na vio­
lência contra os imigrantes na Europa, ambos despertando os horrores dos anos
entre as duas guerras.

3. A indiferença dos estudiosos do nacionalismo étnico em relação à teoria dos movimentos sociaió
é retribuída cordialmente pela maior parte dos estudiosos que se dedicam a ela. O exame dos índi­
ces de vários textos sobre movimentos mostra muito interesse nos movimentos relativamente "c'.­
vilizados" das democracias liberais e pouca atenção aos "maus" movimentos que surgiram na déc< •
da passada.

20
Essas características, no entanto , são casos polares de características mais fun­
:!amentais dos movimentos sociais. O extremismo é uma forma exagerada dos
:iuadros de significado encontrados em todos os movimentos sociais; a privação é
· 1 ma fonte particular de propósitos comuns que todos os mo\'imentos expressam; e
1 violência é uma exacerbação de desafios coletivos. Em vez de ver os mmimentos
,ociais como expressões de extremismo, privação e violência, eles são mais bem
:!efinidos como desafios coletivos baseados em objetivos comuns e solidaiiedade social
' uma interação sustentada com as elites, opositores e autoridade". Esta definição tem
�uatro propriedades empíricas: protesto coletivo, objetivo comum, solidariedade
,ocial e interação sustentada. Vamos examinar sumariamente cada uma delas.

Desafio coletivo
Há muitas fo rmas de ação coletiva - do voto à filiação a grupos de interesse até
:orneios de bingo e jogos de futebol. Mas estas não são as formas de ação mais ca­
�acterísticas dos movimentos sociais. Caracteristicamente, eles preparam desafios
.:ontenciosos através da ação disruptiva direta contra elites, autoridades, outros
5rupos ou códigos culturais. Esta ruptura, quase sempre pública por natureza .
. ode assumir também a forma de resistência pessoal coordenada ou de afirmação
.:oletiva de novos valores (MELUCCI, 1 996) .
Os desafios coletivos se distinguem com frequência por interromper ou tornar
:ncertas as atividades de outros. Mas , particularmente em sistemas repressivos , po­
:!em ser também simbolizados por frases de propaganda, formas de vestir ou de
música ou então pelo uso de símbolos novos ou diferentes ao se referir a objetos fa­
:niliares. Mesmo nos estados democráticos liberais , as pessoas se identificam com
movimentos através de palavras , formas de se vestir ou se apresentar e de compor­
5
tamento privado que traduzam o seu propósito coletivo •
O confronto não se limita aos movimentos sociais, embora seja a sua forma ca­
�acterística de interagir com outros atores. Algumas vezes, os grupos de interesse
�e engajam em desafios diretos, como fazem os partidos políticos, associações vo­
:untárias e cidadãos comuns que só têm em comum a coincidência temporária de
�eivindicações contra outros. Os desafios contenciosos também não são a única
:·orma de ação nos movimentos. Estes - especialmente os organizados - se engajam
:1uma variedade de outras ações, que vão desde oferecer "incentivos seletivos" a

+. Charles Tilly escreve; as autoridades e os historiadores descuidados descrevem o confronto popu­


:ar como algo desordenado. . . Mas quanto mais cuidadosamente olhamos o mesmo confronto, mais
:-rdem encontramos. . . Descobrimos a ordem criada pelo enraizamento da ação coletiva nas rotinas e
:ia organização do dia-a-dia da vida social e por seu envolvimento num processo contínuo de sinali­
:ação, negociação e luta com outros partidos cujos interesses são afetados pela ação coletiva.
5. Tais movimentos foram caracterizados como "discursivos" pela cientista política Mary Katzenstein.
:i_ue estuda o movimento das mulheres católicas radicais na América em seu Protest inside Instiwtions.
\·oito às relações entre discurso e ação coletiva no cap. 7.

21
seus membros, construir um consenso entre os apoiadores do momento ou futu­
ros, fazer pressão e negociar com autoridades e até desafiar códigos culturais atra­
vés de novas práticas religiosas ou pessoais. Há poucas décadas, da mesma forma
que os grupos de interesse e outros se engajavam de forma crescente no confronto
político, os líderes de movimentos se tornaram hábeis em combinar o protesto
com a participação em instituições.
Mas, apesar de sua crescente capacidade de fazer pressão, desafiar de forma le­
gal e agir na área de relações públicas, as ações mais características dos movimen­
tos sociais continuam a ser os desafios contenciosos. Isso não se deve a que os líde­
res sejam psicologicamente inclinados à violência, mas sim à falta de recursos está­
veis - dinheiro, organização, acesso ao Estado - controlados pelos grupos de inte­
resse e pelos partidos. Os movimentos usam o desafio coletivo para tornarem-se
pontos de atração para apoiadores, ganharem a atenção de opositores e terceiros e
criar eleitores para serem por eles representados.

Propósito comum
Tentou-se explicar de várias maneiras os motivos que levam as pessoas a se fi­
liar a movimentos, indo desde o desejo juvenil de zombar da autoridade até os ins­
tintos ferozes da multidão. Alguns movimentos se caracterizam por um espírito de
jogo e carnaval, enquanto que outros revelam o furor inflexível da multidão. Entre­
tanto, um motivo mais básico - senão mais prosaico - para as pessoas se unirem para
participar de movimentos é a organização de reivindicações comuns aos oposito­
res, autoridades ou elites. Nem todos os conflitos deste tipo surgem de interesses
de classe, mas de interesses e valores comuns ou justapostos que são a base de suas
ações comuns.
Tanto a teoria da "diversão e jogos" como a da multidão enfurecida ignora os
riscos e custos consideráveis envolvidos em agir coletivamente contra autoridades
bem armadas. Os escravos rebeldes que desafiaram o Império Romano se arrisca­
ram a morrer quando derrotados, os dissidentes que lançaram a Reforma contra a
Igreja Católica assumiram riscos semelhantes. Os estudantes negros da faculdade,
que comiam em locais segregados no sul dos Estados Unidos, também não espera­
vam diversão por parte dos militantes que os esperavam com bastões de beisebol e
brutalidade. As pessoas não arriscam sua pele ou sacrificam o seu tempo nas ativi­
dades dos movimentos sociais a não ser que tenham uma boa razão para fazê-lo.

Solidariedade e identidade coletiva


O denominador mais comum dos movimentos sociais é, portanto, o "interes­
se" , mas este não é nada mais do que uma categoria objetiva imposta pelo observa­
dor. O que traduz o potencial de ação de um movimento é o reconhecimento dos
seus participantes de seus interesses comuns. Ao mobilizar um consenso, os orga­
nizadores do movimento desempenham um papel importante na sua estimulação.

22
Mas os líderes só podem criar um movimento social quando liberam os mais pro­
fundos sentimentos de solidariedade ou identidade. Isto é quase certamente a ra­
zão do nacionalismo e a afiliação étnica ou religiosa terem sido bases mais sólidas
de organização de movimentos do que o imperativo baseado numa categoria, a
classe social (ANDERSON, 1990; SMITH 1996) 6 .
Um incidente isolado de protesto - por exemplo, um tumulto ou uma multi­
dão - é um movimento social? Usualmente não, porque tipicamente os participan­
tes dessas formas de protesto têm apenas uma solidariedade temporária e não po­
dem manter seus desafios contra os opositores. Mas, algumas vezes, os tumultos
têm características que sugerem um propósito comum ou solidariedade. Os tu­
multos nos guetos por toda a América nos anos 1 960, ou em Los Angeles em 1992,
não foram movimentos em si, mas o fato de terem sido deflagrados pela violência
policial indica que surgiram de um sentimento difuso de injustiça. Multidões, tu­
multos e reuniões espontâneas são mais uma indicação de que há um movimento
em processo de formação do que movimentos de fato.

Sustentando o confronto político


Muito antes de haver movimentos organizados havia muitas formas de con­
fronto político no cenário histórico - desde tumultos por comida e rebeliões con­
tra impostos até guerras religiosas e revoluções. É apenas quando a ação coletiva
contra antagonistas é sustentada que um episódio de confronto se torna um movi­
mento social. Objetivos comuns, identidades coletivas e desafios identificáveis
ajudam os movimentos a fazer isso, mas , a não ser que possam sustentar seu desa­
fio, irão desaparecer numa espécie de ressentimento individualista que James Scott
chama de "resistência" ( 1 985) , endurecer-se em seitas religiosas ou intelectuais ou
recolher-se ao isolamento. A sustentação da ação coletiva em interação com oposi­
tores poderosos distingue o movimento social das formas iniciais de protesto que
vieram antes dele na história e ainda hoje o acompanham.

Oportunidades políticas como sugestões estruturadoras


Os movimentos, no entanto, raramente são controlados por um único líder ou
organização. Assim, como podem sustentar desafios coletivos diante do medo ou da
vaidade pessoal, da desorganização social e da repressão do Estado? Este é o di­
lema que tem mobilizado os teóricos da ação coletiva e os estudiosos dos movi­
mentos sociais nas últimas décadas. Meu argumento mais forte será o de que as

6. Alguns estudiosos de movimentos sociais levam ao extremo o critério de consciéncia comum. Ru­
dolph Heberle, por exemplo, j ulgou que um movimento tinha que ter uma ideologia bem elaborada.
Ver o seu Social Movements: An Introduction to Sociology. Outros, como Alberto Melucci, pensam que
os movimentos "constroem" propositadamente identidades coletivas através da negociação constan­
e. Ver o texto de Melucci: Getting Involved: Identity and Mobilization in Social Movements.

23
mudanças nas oportunidades e nas restrições políticas criam os incentivos mais
importantes para iniciar novas fases de confronto. Estas ações, por sua vez, criam
novas oportunidades tanto para os insurgentes originais quanto para os retardatá­
rios e, eventualmente, para os opositores e detentores de poder. Os ciclos de con­
fronto - e, em raros casos, as revoluções - que se seguem são baseados nas externa­
lidades obtidas e criadas por esses atores. Os resultados de tais ondas de confronto
dependem não só da justiça da causa ou do poder de persuasão de qualquer movi­
mento singular, mas de sua extensão e das reações das elites e de outros grupos.

Um esboço do livro
Nos últimos vinte anos, cientistas políticos e sociólogos, influenciados pelo
pensamento econômico, começaram suas análises dos movimentos sociais a partir
do enigma de que é difícil ocorrer uma ação coletiva. Este enigma é um enigma - e
não uma lei sociológica - porque a ação coletiva de fato ocorre, a despeito das situ­
ações serem muito variadas, de serem muitas as dificuldades e de ela ser realizada
frequentemente por pessoas com poucos recursos e usualmente com pouco poder
(LICHBACH, 1995).
Examinar os parãmetros da ação coletiva é a primeira tarefa do cap. 1. Mas o
capítulo aborda também dois problemas igualmente importantes: primeiro, a di­
nãmica da mobilização depois de iniciada e, segundo, as razões pelas quais os re­
sultados dos movimentos são tão variados e falhem com tanta frequência em atin­
gir os objetivos estabelecidos. Embora o cap. 1 esboce essas teorias de um modo
geral, elas ficarão mais evidentes nos movimentos e episódios analisados no res­
tante do livro.
Na parte I mostro como e onde os movimentos sociais nacionais se desenvol­
veram no Ocidente no século XVIII, quando os recursos para transformar a ação
coletiva em movimentos sociais puderam ser reunidos pela primeira vez em perío­
dos sustentados de tempo e num espaço territorial. O foco do cap. 2 é o que eu cha­
mo, tal como Charles Tilly, de "repertório" moderno de ação coletiva; então, no
cap. 3, eu me volto para as mudanças na sociedade que apoiaram aquela transfor­
mação e, no cap. 4, examino as relações entre a construção do Estado e a cristaliza­
ção dos movimentos sociais. Uma vez estabelecida a "ação coletiva modular" , ela
foi difundida através da expansão do Estado, da imprensa e da associação e da difu­
são dos repertórios de confronto através do mundo. Este é o argumento do segun­
do ao quarto capítulos.
Mesmo reivindicações profundas permanecem inertes a não ser que possam
ser ativadas. Do cap. 5 ao 8 - núcleo analítico do livro - há um esboço dos princi­
pais poderes que observo nos movimentos. No cap. 5 analiso as mudanças nas
oportunidades e restrições políticas que deflagram episódios de confronto. No cap.
6 exponho os três principais aspectos do confronto político empregados pelos mo­
vimentos políticos - violência, ruptura e formas convencionais de ação. No cap. 7

24
::xamino como os "quadros interpretativos" do simbolismo e da ação coletiva mo­
::iilizam os apoiadores e os ajudam a elaborar as reivindicações. No cap. 8 trato das
:"ormas principais de solidariedade que ajudam a formar as organizações de movi­
:-:1.entos. Estes são os quatro poderes principais que observo num movimento.
Na terceira seção do livro abandono esses aspectos analíticos do confronto po­
:!tico e dos movimentos sociais e analiso sua dinâmica e seus resultados.
A partir do século XVIII, uma vez que os recursos para uma ação coletiva sus­
·. entada tornaram-se disponíveis para pessoas comuns e para as pessoas que diziam
�epresentá-las, o confronto pôde se espalhar para sociedades inteiras, produzindo
'S períodos de turbulência e reorganização que chamo de "ciclos de confronto".
:::orno mostrei no cap. 9, a importância desta mudança é que, uma vez começado o
:ido, há uma redução dos custos da ação coletiva para outros atores e uma difusão
:los quadros interpretativos principais e dos modelos de ativismo. Os movimentos
1ue surgem em tais contextos não precisam depender tanto de recursos internos
:iuanto das oportunidades generalizadas em suas sociedades. Além disso, as elites
�espondem menos a movimentos isolados do que a um contexto geral de confron­
:o com o qual tenham que lidar.
Tais períodos de desordem generalizada resultam algumas vezes em repressão
:rnediata, algumas outras em reforma, frequentemente ambas. Mas em termos po­
:ítico-institucionais e pessoal-culturais, os efeitos dos ciclos vão muito além dos
)bjetivos visíveis de um movimento. Eles são encontrados tanto nas mudanças que
) governo inicia como nos períodos de desmobilização que se seguem. Eles dei­
:�am atrás de si uma ampliação permanente na participação, na cultura popular e
:ia ideologia, como afirmo no cap. 10.
Isso nos leva ao confronto político da atualidade e a dois importantes assuntos
:iovos: a "globalização" e o possível surgimento de uma "sociedade de movimentos" .
. · as últimas décadas uma onda de democratização se espalhou pelo mundo, culmi­
:iando nas dramáticas mudanças no sul da Europa nos anos 1970, na América Latina
:ios anos 1980 e na Europa Oriental e Central e na África a partir de 1989. Nos anos
1990 surgiu uma nova onda de movimentos "feios", fundados em demandas étnicas
e: nacionalistas, em fanatismo religioso e racismo, levando o mundo a um ápice de
:urbulência e violência como não se via por décadas. A comunicação eletrônica e o
":Jaixo custo do transporte internacional reforçaram estas conexões internacionais,
.::riando a possibilidade de que a era dos movimentos sociais nacionais pode estar no
'.\m. Se os movimentos nacionais estiveram ligados ao surgimento do Estado moder­
:10, a questão central colocada por essas novas ondas de movimento é se eles estão
.::riando uma cultura transnacional de movimentos, que ameaça a estrutura e a sobe­
rania do Estado nacional. Examino essas questões no cap. 11.
Uma última questão nos levará dos movimentos transnacionais quase sempre
\·iolentos do mundo não-ocidental para os movimentos civis mais pacíficos asso­
ciados às democracias liberais.

25
Nos lugares em que o protesto e o confronto tomaram-se fáceis de preparar e
são amplamente legitimados; onde a polícia e os detentores do poder preferem dis­
cutir táticas com os movimentos em vez de reprimi-los; onde a mídia ou os tribu­
nais frequentemente resolvem questões que antes eram debatidas nas ruas, o movi­
mento social será absorvido e institucionalizado? Será transformado em política
comum como as greves e as demonstrações no século XIX? Ou o volume acentua­
do de confrontos mergulhará os processos rotineiros de participação eleitoral e de
grupos de interesse num mar turbulento de política desregrada?
Houve uma expansão de conflitos disruptivos por todo o mundo nos anos
1 990, como sempre acontece nos fins de guerras e durante o colapso de impérios.
Mas, da mesma forma que a campanha eleitoral e a greve fo ram absorvidas em roti­
nas institucionais durante o século XIX, muitas destas novas formas de participa­
ção surgidas a partir dos anos 1 960 estão sendo domesticadas no fim do século XX.
A forma do futuro dependerá não de quão violento ou disseminado tenha se
tornando o confronto, mas de como ele fo r absorvido no - e transformar o - Estado
nacional.

26
1
Co nfro nto po l ítico e m ovi me ntos soci a i s

O confronto político surge como uma reação a mudanças nas oportunidades e


restrições políticas em que os participantes reagem a uma variedade de incentivos:
materiais e ideológicos, partidários ou baseados no grupo, de longa duração ou epi­
sódicos. A partir dessas oportunidades e usando repertórios conhecidos de ação,
pessoas com recursos limitados podem agir de forma contenciosa - embora espora­
dicamente. Quando suas ações se baseiam em densas redes sociais e estruturas co­
nectivas e recorrem a quadros culturais consensuais e orientados para a ação, elas
podem sustentar essas ações no conflito com opositores poderosos. Em tais casos - e
apenas em tais casos - estamos diante de um movimento social. Quando o confronto
se espalha por toda uma sociedade, como às vezes acontece, vemos um ciclo de con­
frontos; quando tal ciclo é organizado em torno de soberanias opostas ou múltiplas,
o resultado é uma revolução. As soluções para o problema da ação coletiva depen­
dem de entendimentos compartilhados, de densas redes sociais e estruturas conecti­
vas e do uso de formas de ação que encontrem ressonância cultural. Mas, acima de
tudo, acredito que os confrontos resultem do fluxo e refluxo da luta política.
Neste capítulo, exponho todos esses fatores tal como serão usados no resto do
livro para descrever, analisar e levantar questões sobre o confronto político e os
movimentos sociais. Antes de fazê-lo, entretanto, será útil ver como as gerações
anteriores de ativistas e estudiosos conceberam o problema da ação coletiva e suas
relações com descontentamentos, recursos, quadros culturais e políticos.

Marx, Lenin e Gramsci


Muitos sociólogos acreditam que o campo dos movimentos sociais remonta às
reações negativas diante dos horrores da Revolução Francesa e aos ultrajes da mul­
tidão 7. Embora escritores como Tarde (1989) e Le Bon (1977) sejam um ponto de
partida conveniente e polêmico para os teóricos que rejeitam suas ideias, o seu tra­
balho foi de fato uma ramificação da psicologia das multidões. Neste livro, o con-

7. Para um relato sobre os teóricos que consideram a violência civil como a antítese dos processos so­
:iais normais ver o livro de James Rule: Theories of Civil Violence, cap. 3 .

27
flito entre desafiantes e autoridades será considerado como uma parte normal da
sociedade e não como uma aberração. Esta é a razão de começarmos com o impor­
tante teórico que considerou o conflito como algo inscrito na estrutura da socieda­
de - Karl Marx.

Marx e o conflito de classes


Não teria ocorrido aos primeiros teóricos dos movimentos sociais, Marx e
Engels, indagar sobre o que faz os indivíduos se engajarem em ações coletivas. Ou
melhor, eles teriam colocado o problema como um resultado do desenvolvimento
estrutural da sociedade e não como uma escolha individual. Mas, embora conside­
rassem que a ação coletiva estava enraizada na estrutura social, Marx e Engels su­
bestimaram seriamente os recursos necessários para o engajamento, suas dimen­
sões culturais e a importância da política.
Marx, de modo geral, respondeu à questão de como os indivíduos se envolvem
em ações coletivas em termos historicamente determinados: as pessoas se engaja­
rão em ações coletivas, ele pensou, quando sua classe social entrar numa contradi­
ção totalmente desenvolvida com seus antagonistas. No caso do proletariado isso
se referia ao momento em que o capitalismo o forçou à produção em larga escala
nas fábricas, onde perdeu a posse de suas ferramentas, mas desenvolveu os recur­
sos para agir coletivamente. Entre esses recursos estavam a consciência de classe e
os sindicatos. Seria o ritmo da produção socializada na fábrica que faria do proleta­
riado uma classe para si e daria origem aos sindicatos que daria a ela uma forma.
Embora haja muitas formulações mais elegantes desta tese, Marx a expõe de f orma
mais sucinta no Manifesto Comunista:
O avanço da indústria, promovido involuntariamente pela burguesia,
substitui o isolamento dos trabalhadores, devido a competição, pela
sua união revolucionária , devida a associação . .. O verdadeiro fruto de
sua batalha não está no resultado imediato, mas na união sempre em
expansão dos trabalhadores (TUCKER, 1978: 481, 483) .
Marx lidou sumariamente com o problema que tem preocupado os ativistas
desde então: por que os membros de um grupo que deveriam se revoltar frequente­
mente não o fazem. Preocupado com o problema de que o movimento dos traba­
lhadores poderia não ter sucesso sem a cooperação de uma proporção significativa
de seus membros, ele desenvolveu a teoria da "falsa" consciência, que significava
que se os trabalhadores falhassem em agir como a "história" ordenava era porque
permaneciam envoltos num manto de ignorância tecido por seus inimigos de clas­
se. A teoria não era satisfatória porque ninguém poderia dizer de quem eram a falsa
e a verdadeira consciência. Marx pensou que o problema se resolveria por si mes­
mo quando as contradições do capitalismo e a solidariedade resultante de anos de
trabalho árduo ao lado de seus pares abrissem os olhos dos trabalhadores para seus
reais interesses.

28
Sabemos agora que à medida que o capitalismo se desenvolveu produziu divi-
sões entre os trabalhadores e mecanismos para integrá-los na democracia capitalis­
a. Através do nacionalismo e do protecionismo, os trabalhadores frequentemente
se aliaram aos capitalistas, sugerindo que era necessário muito mais que conflitos
de classe para que produzisse ações coletivas em seu benefício. Era preciso criar
uma forma de consciência para transformar a consciência sindical, a que se referia
\1arx, em ação coletiva revolucionária. Mas quem criaria esta consciência? Marx
também não tinha um conceito claro de liderança, nem de cultura da classe traba­
lhadora, e especificou precariamente as condições políticas que criariam oportuni­
dades para a mobilização revolucionária (1963: 175) .

Lenin e a mobilização de recursos


O primeiro desses problemas - o da liderança - foi a principal preocupação de
Lenin. Tendo aprendido, através da experiência da Europa Ocidental, que os tra­
balhadores por si próprios só agem em favor de estreitos "interesses sindicais" , ele
propôs a criação de uma elite de revolucionários profissionais (1929: 5 2-63).
Assumindo o lugar do proletariado de Marx, esta "vanguarda" agiria como uma
guardiã autonomeada dos reais interesses dos trabalhadores. Quando ela chegou
ao poder, como na Rússia em 1917, transpôs a equação, substituindo os interesses
da classe trabalhadora pelo interesse do partido (e, no fim, na forma de stalinismo,
substituindo os interesses do partido pelos do líder) . Mas, em 1902, isto estava em
um futuro longínquo. Para Lenin parecia que a organização era a solução para o
problema da ação coletiva dos trabalhadores.
Olhando para trás, fica mais fácil observar que os acréscimos organizacionais à
teoria de Marx foram uma resposta às condições históricas particulares da Rússia
czarista. Ao sobrepor uma vanguarda intelectual à jovem e pouco sofisticada classe
trabalhadora russa, ele estava adaptando a teoria de Marx ao contexto de um Esta­
do altamente repressivo e à sociedade retrógrada que ele regia - os dois retardaram
o desenvolvimento da consciência de classe e inibiram a ação coletiva8. A teoria da
vanguarda era uma resposta organizacional à situação histórica em que a classe
trabalhadora era incapaz de produzir uma revolução por si mesma, mas foi aplica­
da indiscriminadamente ao movimento comunista mundial, que tinha pouca con­
sideração pelas oportunidades e restrições sociais e políticas. Alguns desses pro­
blemas foram tratados por um dos sucessores de Lenin.

8. Lenin criticou a teoria, em voga na época em alguns círculos socialistas, de que a liderança revolu­
cionária precisa necessariamente estar a cargo de um grupo extremamente pequeno de intelectuais.
"Não precisa ser assim 'necessariamente'. É porque nós [na Rússia] somos atrasados" . What Is to Be
Done?, p. 1 23- 1 24.

29
Gramsci e a hegemonia cultural
Quando a revolução de 1917 não conseguiu se expandir para o Ocidente, mar­
xistas adeptos do leninismo, como Antonio Gramsci, deram-se conta de que, ao
menos nas condições do Ocidente, a organização não seria suficiente para gerar
uma revolução. Para Gramsci, seria necessário desenvolver a própria consciência
dos trabalhadores. Ele concebia, portanto, o movimento dos trabalhadores como
um intelectual coletivo que teria como uma de suas principais tarefa s criar uma
cultura da classe trabalhadora.
Esta mudança era sutil, mas importante. Enquanto ele pensava que a Itália par­
tilhava com a Rússia as mesmas condições sociais, Gramsci aceitava a injunção de
Lenin de que o partido revolucionário tinha que ser uma vanguarda. Mas, depois
de ser encarcerado nas prisões de Mussolini, ele agregou dois teoremas à solução
organizacional de Lenin: primeiro, que uma tarefa fundamental do partido era cri­
ar um bloco de forças históricas em torno da classe trabalhadora (GRAMSCI,
197 1 : 168) ; e, segundo, que isso só poderia ocorrer se um núcleo de "intelectuais
orgânicos" fosse desenvolvido a partir da classe trabalhadora para complementar
os intelectuais "tradicionais" elo partido (p. 6-23).
As duas inovações acabaram por depender de uma forte crença no poder da
cultura9 . A solução de Gramsci para a hegemonia cultural da burguesia era produ­
zir entre os trabalhadores um consenso em torno elo partido, dar-lhes capacidade
para tomar iniciativas autônomas e construir pontes entre eles e outras formações
sociais. O processo seria longo e lento, exigindo que o partido agisse dentro das
"trincheiras e fortificações" da sociedade burguesa, obtivesse adeptos entre grupos
não-operários e aprendesse a lidar com instituições culturais como a Igreja.
Mas a solução de Gramsci - como se pode ver no destino que teve o Partido
Comunista Italiano depois da II Guerra Mundial - colocou um novo dilema. Se o
partido, como intelectual coletivo, se engajasse num longo diálogo entre os traba­
lhadores e a burguesia, o que impediria que o poder cultural da última - que
Gramsci chamou "o senso comum da sociedade capitalista" - transformasse o par­
w
tido, ao invés do contrário? Sem uma teoria de mobilização política, a solução de
Gramsci para o problema da ação coletiva - tal como as ele Marx e de Lenin - era
indeterminada em relação à influência da política. Gramsci realmente afirmou que
a batalha tinha que ser realizada dentro das trincheiras e fortificações ela sociedade
capitalista (1971: 229-239), mas não elaborou um guia sobre como travar esta ba-

9. Em 1924 Gramsci escreveu: "O erro do partido foi ter dado prioridade ao problema da organização
de forma abstrata, o que na prática significou simplesmente criar um conjunto de funcionários nos
quais se poderia confiar por sua ortodoxia em relação à visão oficial" . Ver Antonio Gramsci: Selecti-
011s from Prison Notebooks, p. xii, de onde se tirou este trecho.
10. Este foi um perigo especial na periferia do partido da classe trabalhadora, entre a classe média e o
campesina to. Ver Stephen Hellman: The PC's Alliance Strategy and the case of the Middle Classes, e Sid­
ney Tarrow: Peasant Communism in Southem Italy.

30
talha nem diferenciou entre países em que as oportunidades e restrições políticas
eram fortes ou fracas.
Cada um desses teóricos marxistas enfatizou um elemento diferente da ação
coletiva: Marx se concentrou nas divisões da sociedade capitalista que criaram um
potencial de mobilização (que os estudiosos de movimentos sociais chamariam
mais tarde "teoria do descontentamento" [grievance theory] ; Lenin criou as organi­
zações de movimento, necessárias para estruturá-lo e impedir sua dispersão em es­
treitas reivindicações corporativas (o que mais tarde seria chamado de "mobiliza­
ção de recursos" pelos estudiosos norte-americanos); e Gramsci centrou sua teoria
na necessidade de construir um consenso em torno dos objetivos do partido (o que
passou a ser chamado de "enquadramento interpretativo" [framing] e formação de
"identidade coletiva"). Mas nenhum deles especificou as condições políticas em
que se poderia esperar que os trabalhadores, explorados e com poucos recursos, se
mobilizassem pelos seus interesses - que chamaremos de problema das oportuni­
dades e restrições políticas.

Cientistas sociais, movimentos sociais e ação coletiva


Embora raramente explicitados, esses três elementos da teoria marxista têm
fortes paralelos com as teorias recentes sobre a ação coletiva e movimentos sociais.
Sem partilhar da fixação de Marx em classe ou de sua afirmação de que a história
produziria um único e avassalador conflito de classes, os teóricos do comporta­
mento coletivo dos anos 1 950 e 1 960 se detiveram nos descontentamentos respon­
sáveis pela mobilização . Sem partilhar da crença de Lenin numa elite de vanguar­
da, os teóricos da mobilização de recursos dos anos 1 960 e 1 970 concentraram-se
na liderança e na organização; nos anos 1 980 e início da década de 1 990, como
Gramsci, os teóricos do enquadramento interpretativo e identidade coletiva trata­
ram das fontes de consenso em um movimento sem, entretanto, especificar sempre
s agentes responsáveis pela criação de novos blocos históricos. Vamos examinar
como essas novas escolas de pensamento surgiram a partir da história recente e da
ciência social do Ocidente e em que elas contribuíram para nossa compreensão do
:onfronto político e dos movimentos sociais.

Descontentamentos e teoria do comportamento coletivo


Como os marxistas, os sociólogos não-marxistas levaram muito tempo para
iesenvolver uma visão politicamente conectada dos movimentos sociais. De fato ,
;ior muitos anos, consideraram os movimentos fora das instituições normais da so­
:iedade - como parte de um construto que passou a ser chamado de "comporta­
11
:nento coletivo" • A teoria do comportamento coletivo propunha que os movi-

1 1 . Não tento aqui fazer um resumo desta escola, mas remeto o leitor para a síntese magistral de
::i oug McAdam em The Política! Process and the Development of B lack Insurgency , cap . 1 .

31
mentos eram pouco mais do que a parte mais bem organizada e autoconsciente de
um arquipélago de fenômenos "emergentes" , que iam desde modas e rumores até
entusiasmos coletivos, tumultos, movimentos e revoluções.
Em algumas versões da teoria (cf. , p. ex. , KORNHAUSER, 1959), a própria so­
ciedade era vista como desorientada e a mobilização surgia da urgência de recom­
pô-la. Isso poderia estar ligado à teoria da "anomia" de Dmkheim, pela qual os indi­
víduos - descolados de seus papéis e identidades tradicionais - buscavam novas
identidades coletivas através da reintegração pessoal em movimentos (DURKHEIM,
195 1; HOFFER, 195 1). Em outras versões (p. ex., GURR, 1971), não havia uma vi­
são geral do colapso. A privação individual era o centro da análise. As versões mais
sofisticadas da teoria ligavam o comportamento coletivo a uma visão funcional da
sociedade, onde as disfunções societárias produziam diferentes formas de compor­
tamento coletivo - algumas das quais assumiam a forma de movimentos políticos e
de grupos de interesse (SMELSER, 1962; TURNER & KlLLIAN, 1972).
Ao contrário de Marx, que tinha uma teoria de classe mecanicista para avaliar
quais coletividades se mobilizariam em quais estágios do capitalismo, os teóricos
do comportamento coletivo não têm objetos sociais preferidos. Talvez, por rela­
cionarem movimentos a formas de expressão mais espontãneas, eles tendam a não
descrever em detalhes o processo de mobilização. E como partiram da suposição
de que o comportamento coletivo estava fora das rotinas da vida diária, poucos de­
les especificaram sua relação com a política (mas cf. SMELSER, 1962, cap. 9 e 10).
Esta pode ser a razão de poucas variantes da teoria do comportamento coletivo te­
rem conservado a sua popularidade quando um novo ciclo de movimentos sociais
ocorreu nos anos 1960.

Escolha racional e mobilização de recursos


A década de 1960 revitalizou o estudo dos movimentos sociais, tanto na Eu­
ropa quanto nos Estados Unidos. A tradição do comportamento coletivo tinha
sido profundamente influenciada por dois terríveis fenômenos da realidade: o
stalinismo e o fascismo. Mas, nos anos 1960, uma nova geração de estudiosos,
muitos deles vindos dos movimentos daquela década, deram aos movimentos so­
ciais uma imagem nova e mais positiva. Era difícil, para os ex-ativistas de movi­
mentos e aqueles que os estudaram, reconciliar a velha imagem de "verdadeiros
crentes" em busca de raízes numa sociedade atomizada com os jovens e determi­
nados ativistas dos movimentos pelos direitos civis e contra a Guerra do Vietnã
(KENISTON, 1968).
O estudo da ação coletiva também foi afetado por tendências na academia,
onde a economia estava se tornando a principal ciência social. Segundo a microe­
conomia, o problema da ação coletiva deixou de ser como as classes lutam e o Esta­
do governa, mas como a ação coletiva é até possível entre indivíduos guiados por
estreitos interesses próprios.

32
O estudioso mais influente deste dilema foi o economista americano Mancur
Olson ( 1965). Embora Olson reconhecesse a importância dos incentivos nâo-ma­
teriais, sua teoria começava e acabava no indivíduo. Para Olson, o problema da
açâo coletiva era de agregação: como envolver a maior parte possível de um grupo
em seu próprio benefício. Apenas dessa maneira o grupo poderia convencer seus
opositores de sua própria força. Em seu livro, The Logic of Collective Action , Olson
propôs que, em um grupo grande, apenas os seus membros mais importantes têm
interesse suficiente em alcançar o seu bem coletivo para assumir a sua liderança -
não exatamente como a vanguarda de Lenin, mas não muito diferente dela.
As únicas exceções a essa regra eram os grupos muito pequenos em que os
12
bens individuais e coletivos estão muito associados (OLSON, 1965: 43-46) • Quan­
to maior o grupo, mais as pessoas irão preferir "pegar carona" nos esforços de indi­
víduos cujo interesse no bem coletivo é forte o bastante para buscá-lo 13. Para supe­
rar este problema, Olson propôs que os supostos líderes precisam ou impor restri­
ções aos seus membros ou fornecer-lhes "incentivos seletivos" para convencê-los
de que a participação vale a pena (p. 5 1 ) .
O trabalho de Olson teria passado despercebido n o período anterior aos anos
1960, quando se pensava que os descontentamentos eram mais do que suficientes
para explicar a ação coletiva. Mas, durante os anos 1 960, ele convergiu com a insa­
tisfação em relação à abordagem do comportamento coletivo (McADAM, 1 982,
cap. 1 ) e com a crescente convicção, por parte dos estudiosos de movimentos soci­
ais, de que apenas os descontentamentos não podem explicar a mobilização. De
fato, Olson argumentou que pessoas racionais, guiadas por interesses individuais,
podem evitar entrar em ação quando veem que outros estão querendo fazê-lo em
seu lugar.
A recepção de Olson entre os estudiosos do confronto político foi lenta e desi­
gual. Ironicamente, numa década em que o confronto político estava florescendo,
ele escolheu explicar por que a sua ocorrência era improvável! (HIRSCHMAN,
1992). Além disso, parecia limitar as motivações para as ações coletivas aos incen­
tivos materiais e pessoais. Mas como explicar que milhares de pessoas tenham lu­
tado, feito passeatas, se revoltado e feito demonstrações por interesses que não

12. O problema do tamanho do grupo tem exercido um grande fascínio entre os estudiosos tanto na
área de bens públicos como na tradição da teoria dos jogos. Ver John Chamberlin: Provision of Co!lec­
tive Goods as a Function of Group Size. • Russel Hardin: Collective Action, cap. 3. • Gerald Marwell e
Pam Oliver: The Critica! Mass in Col!ective Aclion: A Micro-Social Theory, cap. 3, que demonstra teori­
camente que o tamanho do grupo não é a variável crucial suposta por Olson.
13. Assim, a General Motors tem bastante interesse no bem coletivo da produção norte-americana de
automóveis para assumir a liderança de todos os produtores domésticos de carros, inclusive daqueles
que são muito pequenos para agir por si próprios. Se um número suficiente de membros do grupo
apenas aproveita a chance, então os esforços dos líderes são não apenas inúteis - eles mesmos induzi­
rão essa atitude.

33
eram os seus próprios nos anos 1960? Finalmente, embora tenha chamado sua teo­
ria de "ação coletiva", Olson tinha pouco a dizer além do que se relacionava ao ní­
vel individual da motivação e agregação. Como esta teoria poderia se ajustar ao ci­
clo de movimentos dos anos 1960?
Dois sociólogos, J ohn McCarthy e Mayer Zald, formularam uma resposta que
se centrava nos recursos crescentemente disponíveis nas sociedades industriais
avançadas ( 1 973; 1977) . McCarthy e Zald concordaram com Olson de que o pro­
blema da ação coletiva era real, mas argumentaram que o aumento dos recursos
pessoais, da profissionalização e do apoio financeiro externo aos movimentos da­
vam uma solução - organizações profissionais de movimento 14.
Enquanto a primeira geração de estudiosos se deteve no porquê da ação coleti­
va, a teoria da "mobilização de recursos" de McCarthy e Zald tratou dos meios dis­
poníveis para os atores coletivos - do seu como (MELUCCI, 1988). Esta ênfase nos
meios foi uma fonte de desapontamento para os críticos que buscavam explicações
estruturais das origens dos movimentos, mas emprestou uma concretude revigo­
rante ao estudo dos movimentos, vistos antes como expressões de abstrações ideo­
lógicas. Para McCarthy e Zald havia uma resposta racional ao paradoxo de Olson
sobre o carona, a organização.
No início dos anos 1980, a sua teoria da mobilização de recursos tornara-se o pa­
radigma dominante para os sociólogos que estudavam os movimentos sociais, mas,
paradoxalmente, era quase sempre mais criticado do que adotado. Por que isso
acontecia? Por uma razão: McCarthy e Zald usaram a linguagem da economia (p.
ex. , falaram de "empreendedores" de movimentos, "atividades" de movimentos,
"setores" de movimentos) , deixando indiferentes muitos dos que vieram dos movi­
mentos dos anos 1960. E a ideologia, o compromisso, os valores e a luta contra a in­
justiça, perguntaram os críticos? Para outros, era frequentemente difícil distinguir
as organizações de movimentos sociais de McCarthy e Zald (SMOs) dos grupos de
interesse; os estudiosos europeus, em especial, se perguntaram como sua teoria po­
deria sobreviver no mundo rústico do confronto europeu. E, para outros ainda, a sua
ênfase na "solução" através de organizações profissionais de movimentos parecia ig­
norar os muitos movimentos populares que estavam emergindo nos anos 1960 e
1970, tanto na Europa como na América (EVANS & BOYTE, 1992).
Por volta dos anos 1980, surgiu um modelo alternativo, enfatizando a partici­
pação informal e a democracia interna (FANTASIA, 1988; ROSENTHAL & SCH­
WARTZ, 1990) . Na desilusão geral com o marxismo dos anos 1970 e 1980, alguns
encontraram um novo paradigma alternativo na cultura, que - no ambiente apolí­
tico do início dos anos 1990 - surgiu como um contramodelo ao da mobilização de
recursos.

14. A dissertação e primeiro livro de Zald ( 1970) , como já se podia prever, tratou da formação, trans­
formação e política da YMCA.

34
As culturas do confronto
Se a ênfase nos descontentamentos do paradigma do comportamento coletivo
lembra Marx e o foco na liderança da mobilização de recursos era paralelo ao de
Lenin, o aspecto cultural dos estudos recentes sobre movimentos sociais ressoa
Gramsci. Do mesmo modo que Gramsci adicionou uma dimensão cultural ao con­
ceito de hegemonia de classe de Lenin, muitos escritores atuais tentaram mudar o
foco da pesquisa sobre movimentos sociais dos fatores estruturais para o "enqua­
dramento interpretativo" da ação coletiva. O primeiro sinal desta mudança de pa­
radigma apareceu na " culturalização" do conceito de classe de E.P. Thompson
( 1996). Thompson não quis jogar o conceito de classe pela janela, mas apenas
substituir o marxismo produtivista de seus antecessores por um foco na autocons­
trução da classe. Isto o levou para longe do chão de fábrica - para fatores como cos­
tume, confisco de grãos e mentalidades de consumidor (1971). Em um campo an­
teriormente obcecado pelo conflito de classes, Thompson trouxe também para o
estudo do confronto uma sensibilidade em relação à reciprocidade interclasses,
15
um fator que ele chamou de "economia moral" (1971) •
Uma segunda influência veio do antropólogo Clifford Geertz (1973) , cuja
perspectiva de "descrição densa" foi especialmente influente entre os estudiosos
desiludidos pelo rumo quantitativo que suas disciplinas estavam tomando. Geertz
recomendou fo rtemente que se fizesse uma distinção entre análise e interpretação.
Sua simpatia nesta última funda-se nas percepções que ela parece permitir sobre o
significado do comportamento para aqueles que dele participam.
Uma terceira influência veio da psicologia social: primeiro, o conceito de en­
quadramento interpretativo, de Erwing Goffman (1974), e, depois, o conceito de
·'mobilização por consenso" , de Bert Klanderman (1988; 1997) e a ideia de "paco­
tes ideológicos" de Gamson (1988). Incorporando a relevância dos descontenta­
mentos, os estudiosos dos movimentos sociais começaram a observar como eles
embutem queixas concretas em "pacotes" carregados de emoção (GAMSON 1992a)
ou em "quadros interpretativos" capazes de convencer os participantes de que sua
causa é justa e importante (SNOW; ROCHFORD; WORDEN; BENFORD, 1986).
Parcialmente mesclada a essas percepções esteve a influência do pós-estruturalis­
mo francês e, especialmente, o conceito de "discurso", tirado do trabalho do filóso­
fo-historiador Michel Foucault (1972; 1980).
Sem nenhuma intenção, e muito antes do declínio do marxismo-leninismo, as
a.bordagens estruturalistas pareciam estar dando vez à cultura como uma metanar-

1 5. Nos Estados Unidos, a linguagem cultural de Thompson e sua ênfase no significado foram apro­
:iriadas por um cientista político com talento antropológico, James Scott ( 1 976) , que os empregou
Jara estudar a reação dos camponeses que viviam da subsistência diante elas pressões da comerciali­
:ação. Scott, também influenciado pelo conceito de hegemonia ele Gramsci, foi adiante e refletiu so­
Jre a resistência camponesa em geral em Weapons of the Weah (1985) , antes de afastar-se da perspec­
:iva da ação coletiva e dedicar-se à formulação do que chamou de " transcritos ocultos" ( 1 990) .

35
rativa nos estudos sobre movimentos sociais, uma mudança que foi reforçada pelo
desafio dos "novos" movimentos sociais dos anos 1 970 e 1980 - alguns dos quais
pareciam ter substituído os velhos programas estruturais do passado por reivindi­
16
cações do tipo "espaço vital" (HABERMAS, 1 981) •
Com essa nova ênfase na cultura, a reação contra a mobilização de recursos re­
sultou em um paradigma substancialmente novo. Isso foi refo rçado pela política de
"identidade" que tinha sido desenvolvida a partir dos anos 1960 - e, especialmente.
pelos movimentos das mulheres, dos homossexuais e lésbicas e dos direitos das mi­
norias (GITUN, 1995); e pela nova onda de estudos sobre o nacionalismo, onde o
construcionismo social foi difundido pela metáfora de Benedict Anderson sobre as
comunidades "imaginadas" ( 1991 ). Mas, para os inovadores mais sistemáticos, to­
dos os movimentos constroem significados e esta construção é uma função funda­
mental de qualquer movimento social (EYERMAN & JAMISON, 1 99 1 ).
Mas, se assim é, por que as ondas de movimentos surgem em alguns períodos e
não em outros, e por que alguns são mais adeptos da manipulação de símbolos cul­
turais do que outros? Sem uma resposta a essas questões o culturalismo pode mos­
trar-se uma metanarrativa tão mecânica quanto o estruturalismo que os seus pro­
ponentes queriam substituir. Os cientistas políticos e os sociólogos ligados à polí­
tica apresentaram uma resposta a este dilema: as variações na estrutura política e o
funcionamento do processo político.

As condições da luta política


Fiéis às suas tradições e levados pela ascensão do confronto político naquele
país na primeira parte da década de 1960, os estudiosos norte-americanos foram os
primeiros a desenvolver uma abordagem mais política dos movimentos, que se
centrava em várias versões do conceito que passou a ser conhecido como "estrutu­
ra de oportunidades políticas" 1 7 • A pedra fundamental desta tradição foi colocad0
18
por Charles Tilly, no seu clássico de 1978 From Mobilization to Revolutíon . Na­
quele livro, Tilly formulou um "modelo do sistema político" para a análise da açãc
coletiva, a partir do qual elaborou um conjunto de condições para a mobilização.
estando entre as principais as oportunidades-ameaças para os desafiantes e a facili-

16. No campo do estudo comparativo da revolução, um trabalho culturalmente sensível foi realizadc
por John Foran: Fragile Resistance: Social Transformation in Iran Jrom 1 500 to the Revolution, e Maú
Selbin: Modem Latin American Revolutions, que é uma tentativa de tornar a ação em centro do estude
da revolução.
17. Ver Eisinger ( 1 973), Kitschelt ( 1 986) , McAdam ( 1 982) , Piven e Cloward ( 1 977), Tarrow (1988
e Tilly ( 1978; 1 986) sobre alguns dos principais pontos de referência históricos no desenvolviment,
e uso deste conceito.
18. A teoria da ação coletiva de Tilly passou por várias transformações desde então e algumas del8.'
serão examinadas mais adiante neste volume. Ver uma retrospectiva no meu artigo "The People -
Two Rhythms", que esboça suas principais contribuições nesta área.

36
ração-repressão das autoridades ( 1978 , cap. 3 , 4 e 6) . Essas duas dimensões liga­
vam a ação coletiva ao Estado.
Tilly afirmou que o desenvolvimento do movimento social nacional foi conco­
mitante, e interdependente, ao da ascensão dos estados nacionais consolidados
( 1 984b). Logo , os movimentos podiam ser estudados apenas em conexão com a
política e sua estratégia , estrutura e sucesso iriam variar em tipos diferentes de
Estado. Esta era uma percepção que os estudiosos de revoluções sociais, como
Theda Skocpol, também estavam explorando e que os comparativistas da ciência
política foram rápidos em captar (KITSCHELT, 1986; KRIESI; KOOPMANS;
DUYVENDAK & GIUGNI , 1995; TARROW, 1989a , 1986b) .
Sendo baseado no pensamento social europeu, o modelo de Tilly era resoluta­
mente estrutural, isto é, focado em condições que não podem ser moldadas pelos
propósitos dos atores. Os modelos de viés norte-americanos eram mais permeáveis
à dinãmica do processo político. Cientistas políticos como Michael Lipsky ( 1 968)
e Peter Eisinger ( 1973) enfocaram a política urbana americana: o primeiro, ligan­
do os movimentos urbanos dos anos 1 960 à utilização do protesto como um recur­
so político e, o segundo , correlacionando o protesto a várias medidas de oportuni­
dade local. De modo semelhante, Frances Fox Piven e Richard Cloward voltaram
sua atenção para as relações históricas entre as políticas de bem-estar e o protesto
social ( 1 993) . Mas foi um sociólogo, Doug McAdam, que sintetizou essas aborda­
gens de mobilização dos movimentos sociais em um "modelo de processo político"
bem acabado descrevendo o desenvolvimento do movimento americano pelos di­
reitos civis em direção à mudança política, organizacional e de consciência ( 1 982) .
Embora os termos oportunidade-ameaça e facilitação-repressão fossem partes
da síntese original de Tilly, durante os anos 1 980 os teóricos dos processos políticos
tenderam a estreitar o seu campo de atenção, focalizando as oportunidades. Alguns
estudiosos - seguindo os passos de Eisinger - estudaram como as diferentes estrutu­
ras políticas proporcionam graus maiores ou menores de oportunidade para grupos
insurgentes (AMENTA; CARUTHERS & ZYLAN, 1992; KITSCHELT, 1986) ; outros
examinaram como movimentos específicos, e exploram as oportunidades proporcio­
nadas pelas instituições (COSTAIN, 1 992) ; outros viram como as oportunidades
para um determinado movimento mudam com o tempo QENKINS & PERROW,
1977); e outros ainda estudaram ciclos inteiros de protesto para entender como a
deflagração de uma onda de mobilização afetou os movimentos posteriores
(McADAM, 1 995 ; TARROW, 1989a) . Numa grande síntese comparativa, Hanspeter
Kriesi e seus colaboradores usaram o conceito de oportunidade política para analisar
os novos movimentos sociais em quatro países da Europa Ocidental ( 1 995) .
1
À medida que esses trabalhos progrediam, surgiram lacunas e ambiguidades " .
Por exemplo, modelos de processo político raramente eram aplicados fora das de-

19. Para uma crítica sensível ver Gamson e Meyer: "The Framing of Political Opportunit:· · ··

37
mocracias liberais do Ocidente (mas cf. BOUDREAU, 1996; BROCKETT, 199 1;
1995 ; SCHNEIDER, 1995) . Uma segunda questão - se a ameaça tem um impacto
positivo ou negativo sobre a formação do movimento - só começou a ser explorada
nos anos 1990, com uma série de trabalhos inspirados em Donatella della Porta
( 1995; 1996; DELLA PORTA, FILLIEULE & REITER, 1998) sobre o comportamen­
to da polícia. Em terceiro lugar, considerando que alguns estudiosos (McADAM,
1996; TARROW, 1996b) trabalharam a partir de uma lista limitada de dimensões
das oportunidades, o conceito tendeu a ficar mais elástico à medida que surgiam
mais e mais aspectos das ligações entre política e formação do movimento (cf. a
crítica de GAMSON & MEYER 1996t'.
No entanto, a abordagem processo político/oportunidades propôs uma res­
posta à questão que inquietou as abordagens anteriores: por que o confronto polí­
tico parece desenvolver-se apenas em períodos particulares da história e por que às
vezes ele produz movimentos sociais robustos e às vezes se transforma em sectaris­
mo ou repressão? Além disso, por que os movimentos assumem formas diferentes
em ambientes políticos diversos? Como essa abordagem não pretende explicar
cada aspecto do confronto político ou dos movimentos sociais, ela pode tornar-se
parte de uma síntese como eu proponho aqui, incluindo percepções de outros ra­
mos da teoria do movimento social.

Em direção à síntese
O argumento mais forte deste estudo será o de que as pessoas se engajam em
confrontos políticos quando mudam os padrões de oportunidades e restrições po­
líticas e, então, empregando estrategicamente um repertório de ação coletiva, criam
novas oportunidades que são usadas por outros, em ciclos mais amplos de con­
fronto. Quando suas lutas giram em torno de grandes divisões na sociedade, quan­
do reúnem pessoas em volta de símbolos culturais herdados e quando podem am­
pliar ou construir densas redes sociais e estruturas conectivas, então esses episó­
dios de confronto resultam em interações sustentadas com opositores - especifica­
mente, em movimentos sociais.

Oportunidades e restrições políticas


Entendo oportunidades políticas como dimensões consistentes - mas não ne­
cessariamente formais, permanentes ou racionais - da luta política que encorajam
as pessoas a se engajar no confronto político. Entendo as restrições políticas como

20. Algumas das críticas afirmavam que cada movimento social individual era afetado por sua pró­
pria estrutura de oportunidades. De fato, poucos teóricos do processo político assumiram esta visão;
por exemplo, Goldstone ( 1980), McAdam (1982) e Tarrow (1989a; 1996b) afirmam que as estrutu­
ras de oportunidade tendem a se ampliar para as constelações de grupos e que os primeiros insurgen­
tes criam oportunidades para outros.

38
fatores - tal como a repressão, mas também algo semelhante à capacidade das au­
toridades de colocar barreiras sólidas aos insurgentes - que desencorajam o con­
fronto. Não há uma formula simples para prever o surgimento do confronto, não
só porque a especificação dessas variáveis muda em diferentes circunstâncias his­
tóricas e políticas como fatores diferentes podem variar em direções opostas. Como
resultado, o termo "estrutura de oportunidades políticas" não deveria ser entendi­
do como um modelo invariável que produz, inevitavelmente, movimentos sociais,
mas como um conjunto de indícios de quando surgirá um confronto político, colo­
cando em movimento uma cadeia causal que pode levar a uma interação sustenta­
da com autoridades e, portanto, a movimentos sociais.
O conceito de oportunidade política enfatiza recursos externos ao grupo. Mes­
mo desafiantes fracos ou desorganizados podem tirar vantagens deles - diferente­
mente do dinheiro e do poder -, mas de maneira nenhuma lhes pertencer. No cap.
5, argumento que o confronto político surge quando cidadãos comuns, encoraja­
dos algumas vezes por contradites ou líderes, reagem a oportunidades que dimi­
nuem os custos da ação coletiva, revelam aliados potenciais, mostram os pontos
mais vulneráveis das elites e autoridades e conduzem redes sociais e identidades
coletivas à ação em torno de temas comuns.
No cap. 5, como Hanspeter Kriesi e seus colaboradores, ( 1995) argumento que
tanto as estruturas do Estado como as divisões políticas criam oportunidades rela­
tivamente estáveis. As mais óbvias entre elas são as f ormas de acesso a instituições
e a capacidade de repressão. Entretanto, é a mudança nas oportunidades e restri­
ções políticas que proporciona aberturas que conduzem atores com poucos recur­
sos a se engajar no confronto político. Se o confronto resulta ou não em movimen­
tos sociais depende de como as pessoas agem coletivamente, de como o consenso é
mobilizado em torno de reivindicações comuns e da força e posição das estruturas
de mobilização.

O repertório do confronto
As pessoas não "agem coletivamente" apenas. Elas pedem, se reúnem, fazem
greves e passeatas, ocupam recintos, interrompem o trânsito, põem fogo e atacam
os outros com intenção de ferir. Não menos do que no caso dos rituais religiosos e
celebrações civis, o confronto político não nasce da cabeça dos organizadores, mas
está culturalmente inscrito e é socialmente comunicado. As convenções aprendi­
das do confronto f azem parte de uma cultura pública da sociedade . Os movimen­
21

tos sociais são repositórios de conhecimento de rotinas particulares numa história

2 1 . O conceito aparece pela primeira vez em From Mobilization to Revolution, cap. 6, de Tilly, norn­
mente em "Speaking Your Mind without Elections, Surveys, or Social Movements" e depois em Thc
Contentious French , cap. 1 . O cap. 2 examina a teoria em mais detalhes e oferece uma modificação
importante.

39
da sociedade, o que os ajuda a superar a carência de recursos e de comunicação que
é típica entre os pobres e desorganizados (KERTZER, 1988: 104-108) .
Em função dos movimentos sociais raramente possuírem incentivos seletivos
ou serem capazes de impor restrições aos seguidores e nem serem propensos a ro­
tinas institucionais, a liderança tem uma função criativa ao selecionar formas de
ação coletiva. Os líderes inventam, adaptam e combinam várias formas de con­
fronto para ganhar apoio de pessoas que, de outra forma, poderiam ficar em casa.
Albert Hirschman tinha em mente algo assim quando reclamou que Olson consi­
derava a ação coletiva apenas como custo - quando para muitos é um benefício
(1982: 82-91 ) . Para as pessoas cujas vidas estão atoladas no enfado e desespero a
oferta de uma campanha de ação coletiva excitante, arriscada e possivelmente be­
néfica pode ser um ganho.
As formas de confronto são herdadas ou raras, habituais ou pouco conhecidas,
solitárias ou parte de campanhas conjuntas. Podem ser ligadas a temas que estão
inscritas na cultura ou são inventadas na hora, ou - mais comumente - combinam
elementos de convenção com novos quadros de significação. O protesto é um re­
curso, de acordo com o cientista político Michael Lipsky (1968) , e as formas de
confronto são, elas mesmas, um incentivo coletivo para a mobilização e um desafio
para os opositores.
Grupos particulares têm uma história particular - e memória - de f ormas de
confronto. Os trabalhadores sabem como fazer greves porque gerações de traba­
lhadores as fizeram antes deles; os parisienses erguem barricadas porque as barri­
cadas estão inscritas na história do confronto parisiense; os camponeses tomam
terras portando símbolos que seus pais e avós usaram no passado. Os cientistas po­
líticos Stuart Hill e Donald Rothchild colocam assim:
Os indivíduos, baseados em períodos passados de conflito com um
grupo particular ou com o governo, constroem um protótipo de pro­
testo ou tumulto que descreve o que fazer em circunstâncias particu­
lares e também oferece uma base lógica para esta ação ( 1 992: 192) .

Voltarei a essas f ormas no cap. 6.

Mobilização do consenso e identidades


A coordenação da ação coletiva depende da confiança e da cooperação geradas
entre os participantes por meio de entendimentos e identidades compartilhados -
ou, para usar uma categoria mais ampla, dos q uadros interpretativos da ação coleti­
va que justificam, dignificam e animam a ação coletiva. A ideologia, como escreveu
David Apter em seu clássico ensaio Ideology and Discontent , dignifica o desconten­
tamento, identifica um alvo para eles e f ornece um guarda-chuva para os descon­
tentamentos distintos de grupos sobrepostos (1964, cap. 1).
Mas a ideologia é um modo um tanto seco de descrever o que leva as pessoas à
ação. Em anos recentes, pessoas que estudam movimentos sociais começaram a

40
usar termos como quadros interpretativos, pacotes ideológicos e discursos cultu­
rais para descrever os significados compartilhados que inspiram as pessoas a parti­
cipar de uma ação coletiva 22. Qualquer que seja a terminologia, em vez de conside­
rar a ideologia como uma categoria intelectual sobreposta ou como um resultado
automático de descontentamentos, esses estudiosos concordam que os movimen­
tos fa zem um apaixonado "trabalho de enquadramento interpretativo" : configu­
rando tais descontentamentos como reivindicações mais amplas e vibrantes (SNOW
& BENFORD, 1988) e estimulando o que William Gamson chama de "conheci­
mentos quentes" em tomo delas (1992a).
O enquadramento interpretativo não se relaciona apenas à generalização dos
descontentamentos, mas define o "nós" e "eles" na estrutura de conflito de um mo­
vimento. Utilizando identidades coletivas e moldando novas, os desafiantes esta­
belecem os limites de seus adeptos futuros e definem seus inimigos através de atri­
butos e maldades reais ou imaginários (HARDIN, 1995, cap. 4). Fazem isso através
do conteúdo de suas mensagens ideológicas e, da mesma forma, através das ima­
gens que projetam de seus inimigos e aliados. Isto significa prestar atenção aos
"trajes" que os atores coletivos portam à medida que entram em cena e também aos
enquadramentos culturais de suas reivindicações. Tentamos fazer isso no cap. 7.
Embora os organizadores de movimentos se engajem ativamente no trabalho
de enquadramento interpretativo, nem todos estes processos ocorrem sob seu con­
trole. Além de trabalhar sobre entendimentos culturais herdados, eles competem
com a mídia, que transmite mensagens que os movimentos devem tentar moldar e
influenciar. Como o sociólogo Todd Gitlin descobriu, muito da comunicação que
ajudou a formar a Nova Esquerda norte-americana nos anos 1960 ocorreu através
da mídia, ao invés de resultar de esforços organizacionais como em períodos ante­
riores (1980).
Os estados também estão constantemente enquadrando questões, tanto para
ganhar apoio para suas políticas como para contestar os significados propostos pe­
los movimentos no espaço público. Na luta pelos significados, em que os movi­
mentos estão sempre engajados, é raro não ficarem em desvantagem quando com­
petem com os estados, que não apenas controlam os meios de repressão mas têm à
sua disposição instrumentos importantes para a construção de significados. A luta
entre os estados e movimentos ocorre não apenas nas ruas, mas nas disputas pela
significação (MELUCCI, 1996; ROCHON, 1998).

22. Algumas das fontes principais estão reunidas em Bert Klandermans, Hanspeter Kriesi e Sidney
Tarrow (orgs.): From Mobilization lo Aclion e em Aldon Morris e Carol Mueller (orgs.) : Fronticrs in
Social Movement Rescarch. Para um uso engenhoso da análise de quadro interpretativo para examinar
as ideias de cidadãos norte-americanos comuns ver Ta!hing Politics, de William Gamson.

41
Estruturas de mobilização
Embora sejam os indivíduos que decidem optar ou não pela ação coletiva, é
nos seus grupos face a face, nas suas redes sociais e nas estruturas conectivas exis­
tentes entre eles que ela é mais frequentemente ativada e mantida. Isso ficou claro
23
em pesquisas recentes tanto em laboratório como no mundo real da mobilização
de movimentos.
Na abordagem do comportamento coletivo havia inicialmente uma tendência de
ver indivíduos isolados e em estado de privação como os principais atores da ação
coletiva. Mas, por volta dos anos 1980, os estudiosos foram descobrindo que é a vida
no interior dos grupos que transforma o potencial para a ação em movimentos sociais
(HARDIN, 1995, cap. 2) . Por exemplo, o trabalho de Doug McAdam sobre a campanha
do Freedom Summer mostrou que - muito mais do que sua origem social ou ideolo­
gia - eram as redes sociais em que os candidatos ao Freedom Summer estavam inse­
ridos que desempenhavam o papel principal na determinação de quem iria partici­
24
par da campanha e de quem ficaria em casa ( 1986; 1988) •
As instituições são "hospedeiras" particularmente econômicas em que os mo­
vimentos podem germinar (EGRET, 1977) . Mas isso também é verdade em relação
à atualidade dos Estados Unidos da América. Por exemplo, o sociólogo Aldon
Morris mostrou que as origens do movimento pelos direitos civis estavam em es­
treita ligação com as igrej as dos negros ( 1 984) . E a cientista política Mary Kart­
zenstein descobriu que as estruturas internas do mundo católico foram cúmplices
involuntárias na formação das redes de mulheres religiosas dissidentes ( 1 998; ver
também LEVINE 1 990; TARROW 1 988) .
O papel das redes sociais e das instituições na estimulação da participação em
movimentos nos ajuda a colocar em perspectiva a tese de Mancur Olson de que
grandes grupos não apoiarão uma ação coletiva. Quando olhamos para a morfolo-

23. As pesquisas experimentais também estavam investigando sobre a importância dos incentivos so­
ciais para a cooperação. Numa pesquisa inventiva, William Gamson e seus colaboradores mostraram
que um ambiente com grupo de apoio era essencial para desencadear a disposição dos indivíduos
para falar contra uma autoridade injusta - a qual poderiam muito bem tolerar se a enfrentassem sozi­
nhos (GAMSON; FIREMAN & RYTTNA, 1 982) . De modo similar, quando Robyn Dawes e seus asso­
ciados realizaram uma série de experimentos sobre escolha coletiva, descobriram que nem motivos
egoístas nem normas internalizadas eram tão poderosos ao produzir a ação coletiva quanto "o paro­
quial, de contribuir para o seu próprio grupo de companheiros" (DAWES; VAN DE KRAGT &
ORBELL, 1 988: 96). Em situações de dilema social, argumentam em seu artigo "Not Me ou Thee but
We" , "as pessoas começam imediatamente a discutir o que "nós" deveríamos fazer e passam muito
tempo e esforços para persuadir outros em seu próprio grupo a cooperar (ou desertar ! ) , mesmo em
situações em que o comportamento destes outros é irrelevante para os ganhos das pessoas" (p. 94).
24. Ao mesmo tempo, estudiosos europeus como Hanspeter Kriesi ( 1985) estavam descobrindo
que as subculturas dos movimentos eram os reservatórios onde as ações coletivas eram configura­
das. Isso se encaixava com o que o sociólogo Alberto Melucci ( 1 988; 1996, cap. 4) estava desco­
brindo sobre o papel das redes dos movimentos na definição da identidade coletiva dos movimen­
tos que ele estudou na Itália.

42
gia dos movimentos, toma-se claro que são "grandes" apenas no sentido aritméti­
co: de fato, eles são muito mais como uma rede interligada de pequenos grupos, re­
25
des sociais e as conexões entre elas . Pode ser que a ação coletiva surja apenas entre
os membros mais bem-dotados ou mais corajosos desses grupos, mas as conexões
entre eles afetam a probabilidade de que a ação de um ator incite a de outro. Isso dá
uma importância especial ao que chamo de "estruturas conectivas" no cap. 8.
***
Resumindo o que terá que ser mostrado e m detalhe nos capítulos seguintes: a
política de confronto é produzida quando as oportunidades políticas se ampliam,
quando demonstram potencial para alianças e quando revelam a vulnerabilidade
dos oponentes. O confronto se cristaliza em movimento social quando ele toca em
redes sociais e estruturas conectivas embutidas e produz quadros interpretativos
de ação coletiva e identidades de apoio capazes de sustentar o confronto com opo­
nentes poderosos. Apresentando formas familiares de confronto, os movimentos
tornam-se pontos focais que transformam as oportunidades externas em recursos.
Os repertórios de confronto , redes sociais e quadros culturais diminuem os custos
de se atrair pessoas para a ação coletiva, produz confiança de que não estão sozi­
nhos e dá um sentido mais amplo às suas reivindicações. Juntos, esses fatores de­
flagram os processos dinâmicos que tornaram os movimentos sociais historica­
mente centrais na mudança política e social.

A dinâmica do movimento
O poder de acionar sequências de ação coletiva não é o mesmo que o poder
para controlá-las ou mantê-las. Este dilema tem tanto uma dimensão interna como
externa. Internamente, uma boa parte do poder dos movimentos vem do fato de
ativarem pessoas sobre as quais não têm poder.
Externamente, os movimentos são afetados pelo fato de que as mesmas opor­
tunidades políticas que os criaram e difundiram sua influência também afetaram
outros - sejam eles complementares , competidores ou hostis. Particularmente , se
a ação coletiva é bem-sucedida essas oportunidades produzem ciclos mais amplos
de confronto que se espalham dos ativistas dos movimentos para aqueles aos quais
se opõem, para grupos de interesse comuns e partidos políticos e, inevitavelmente ,
para o Estado. Como resultado desta dinâmica de difusão e criação, os movimen­
tos têm sucesso ou falham como resultado de forças que estão fora do seu controle.
Isso nos leva ao conceito de ciclo de confronto, que examinaremos no cap. 9.

2 5 . Como Gerald Marwell e Pam Oliver propõem em seu estudo The Criticai Mass, "o problema do
'grupo amplo' de Olson é frequentemente resolvido por uma solução de 'pequeno grupo"' (1 993 : 54) .

43
Ciclos de confronto
À medida que se ampliam as oportunidades e se espalham informações sobre a
suscetibilidade de um sistema político ser desafiado, não apenas os ativistas mas as
pessoas comuns começam a testar os limites do controle social. Os choques entre
os desafiantes iniciais e as autoridades revelam os pontos fracos dos últimos e as
forças dos primeiros, convidando até atores sociais mais tímidos a se alinhar de um
lado ou de outro. Uma vez deflagrados, geralmente por uma situação de ampliação
de oportunidades, a informação extravasa e o aprendizado político se acelera.
Como escreveram Hill e Rothschild,
À medida que os protestos e tumultos irrompem entre grupos que têm
longas histórias de conflito, eles estimulam outros cidadãos em cir­
cunstãncias similares a refletir mais frequentemente sobre sua própria
história de descontentamentos e de ação de massa ( 1992: 1 93) .
Durante tais períodos, as oportunidades criadas pelos primeiros insurgentes
dão incentivos para a organização de novos movimentos. Mesmo os grupos de in­
teresse convencionais são tentados pela ação coletiva não-convencional. For­
mam-se alianças, frequentemente através de uma fronteira móvel entre os desafi­
antes e os membros do sistema político (TILLY, 1978, cap. 2). Novas formas de
confronto são tentadas e difundidas. A informação política e a incerteza se espa­
lham e aparece um denso e interativo "setor de movimentos sociais", nos quais as
organizações cooperam e competem (GARNER & ZALD, 1985 ) .
O processo de difusão nos ciclos d e confronto não é meramente por "contá­
gio", embora isso ocorra bastante. Ele também resulta de decisões racionais para
tirar vantagem de oportunidades que foram demonstradas pelas ações de outros
grupos: ocorre quando os grupos têm ganhos, e isso convida outros grupos a bus­
car resultados similares; quando os interesses de alguém são feridos por reivindi­
cações de grupos insurgentes e quando a predominância de uma organização ou
instituição é ameaçada e há uma reação através da ação coletiva.
À medida que o ciclo se amplia, os movimentos criam oportunidades também
para as elites e grupos de oposição. Formam-se alianças entre participantes e desa­
fiantes; as elites de oposição exigem mudanças que antes pareceriam temerárias; as
forças governamentais reagem através de reformas, repressão ou uma combinação
das duas. A ampliação da lógica da ação coletiva conduz a resultados na esfera da
política institucional, onde os desafiantes que começaram o ciclo têm cada vez me­
nos controle sobre seus resultados.
Na ponta extrema do espectro, os ciclos de confronto produzem revoluções.
Elas não são uma única forma de ação coletiva, nem são feitas totalmente pela ação
coletiva popular. Tal como nos ciclos a que se relacionam, nas revoluções a
ação coletiva força outros grupos e instituições a participarem, dando as bases e
a estrutura para novos movimentos sociais, desconectando-se de velhas institui­
ções e das redes que as cercam e criando novas a partir das f ormas de ação coletiva
com que os grupos insurgentes começaram o processo.

44
A diferença entre ciclos de movimentos e revoluções é que, nas últimas, são
criados vários centros de soberania, o que torna o conflito entre os desafiantes e os
membros do sistema político numa luta pelo poder (TILLY, 1 993) . Essa diferença -
que é substancial - conduziu a um grande conjunto de pesquisas sobre as "grandes
revoluções" que, usualmente, são comparadas apenas umas às outras. Esta especi­
alização em grandes revoluções é compreensível, mas ela desperdiçou a possibili­
dade de comparar revoluções com conflagrações menores, tornando impossível
isolar os fatores, na dinâmica de um ciclo , que conduziram a revoluções e os que
levaram a fracassar, como argumento no cap. 9 (cf. tb. GOLDSTONE, 1997) .

Resultados de movimentos
Estes argumentos sobre as interações no interior de um ciclo de protesto suge­
rem que não seria muito proveitoso examinar os resultados de movimentos sociais
singulares em si mesmos. Em ciclos gerais de confronto , as elites do sistema rea­
gem não às reivindicações de qualquer grupo ou movimento individuais, mas ao
grau de turbulência e às reivindicações feitas pelas elites e grupos de opinião, que
correspondem apenas parcialmente às reivindicações daqueles que dizem repre­
sentar. Em relação aos resultados dos movimentos sociais, o ponto importante é
que, embora usualmente esses movimentos se considerem fora e em oposição às
instituições, o agir coletivamente os coloca em redes políticas complexas, e, assim,
ao alcance do Estado. Em última instância, os movimentos tentam enunciar reivin­
dicações em termos de quadros de significados compreensíveis para uma socieda­
de mais ampla; usam formas de ação coletiva extraídas de um repertório existente
e desenvolvem tipos de organização que frequentemente imitam as organizações
às quais se opõem.
***

Podemos começar a estudar os movimentos sociais como confrontos isolados


entre atores sociais singulares e seus opositores, mas - particularmente quando exa­
minamos seus resultados - chegamos rapidamente às redes políticas mais comple­
xas e menos fáceis de tratar. É através das oportunidades políticas aproveitadas e cria­
das pelos desafiantes, movimentos e seus aliados e inimigos que começam os gran­
des ciclos de confronto. Estes, por sua vez, criam oportunidades para as elites e con­
traelites e as ações que começam nas ruas são resolvidas nos salões do governo ou
pelas baionetas do exército. Os movimentos - e particularmente as ondas de movi­
mentos que são as principais catalisadoras de mudança social - são parte das lutas
nacionais pelo poder. Comecemos por focalizar inicialmente em como tal luta pro­
duziu pela primeira vez movimentos sociais na história moderna do Ocidente.

45
� O nascimento do
,..

rno movimento social


4-'

� mode
:li....
..
2
Ação coletiva modular

Na França, em meados de 1780, à medida que as bases do Antigo Regime se de­


sagregavam, começou a surgir uma série de julgamentos escandalosos em Paris 1 •
Em um dos mais notórios, o caso Cléraux, uma serviçal que resistiu aos avanços de
seu patrão foi acusada de tê-lo roubado e foi levada ao tribunal. O caso não só foi
decidido em seu favor _(o contrário do que pensa Dkkens), como surgiu em_Paris
uma onda de ofensas populares contra os tribunais e o patrão lascivo. Numa rotina
que tinha se tornado familiar nos fins do século XVIII, a casa do patrão foi saquea­
da, seus bens jogados na rua e ele próprio mal se salv"ou da fúria da multidão. Um
observador contemporâneo descreveu a émotion desta forma:·
Que violências! Que tumultos! Uma multidão furiosa encheu as ruas,
lutando para pôr abaixo a casa de Thibault a machadadas e depois
ameaçando queimá-la; cobrindo a família de pragas e ofensas; quase
sacrificando-os em nome do seu ódio (LUSEBRINK, 1983: 375-376).
O caso contribuiu para a atmosfera de corrupção que envolvia o Antigo Regi­
me, mas suas formas e retórica vinham do passado europeu.
Sessenta anos mais tarde, em fevereiro de 18j8, Alexis de Tocqueville foi de
sua casa ao parlamento em meio ao tumulto de Paris em revolução. Ao longo do
caminho, os homens erguiam barricadas sob o olhar dos cidadãos que observavam
em silêncio. "Estas barricadas" ele observou:
Foram habilmente construídas por um pequeno número de homens
q�e trabalharam diligentemente - não como criminosos com medo
de serem pegas in flagrante delícto, mas como bons trabalhadores
que queriam fazer bem e rápido o seu trabalho. Em nenhum lugar vi
uma agitação tão furiosa como a que presenciei em 1830, quando
toda a cidade me lembrava um enorme caldeirão fervente (TOC­
QUEVILLE, 1987: 39).

l. Os julgamentos, incluindo o que resumimos neste livro, foram estudados mais completamente por
Hans-:Jürgen Lusenbrink em seu texto "L'imaginaire social et ses focalisations em France et em Alle­
m agne à la fin du XVIII siecle" e no livro de Sarah Maza Private Lives and Public Affairs.

49
Nos meses que se seguiram a fevereiro de 1848, a Europa veria muitas "agita­
ções furiosas" e "caldeirões ferventes". Mas, em meados do século, os franceses es­
tavam calmamente construindo barricadas, sabiam onde pô-l as e ap renderam a
usá-las 2• Essa reg ularidade marcou uma m udança fundamental na eStrutura da po­
lítica popular desde o ataque à casa do Mestre Thibault, sessenta anos antes. O
contraste era mais do que simplesmente na escala. A derrubada de casas er a uma
roti na usada por muito tempo contra os coletores de impostos, donos de prostíbu­
3
los e mercadores de grãos • Entretanto, visavam os locais do delito e limitavam-se a
ataques diretos contra seus supostos infratores. A barricada, em cont raste, era
o
que eu chamo de "modular". Uma vez conhecidas suas vantagens estratégic as, po­
deriam ser usadas com vários propósitos, unir pessoas com objetivos diferentes e
4
ser difundida para vários tipos de confronto com autoridades •

Nos anos 1780, as pessoas sabiam como se apossar de carregamento s de


grãos, atacar os coletores de impostos, queimar arquivos de impostos e se vin­
gar dos infratores e de pessoas que tivessem violado as leis da comunidade. Mas
não estavam ainda familiarizados com coisas como demonstrações de massa,
greves ou insurreições urbanas ení favor de o_bjetivos comuns. Por volta do fim
da revolução de 1848, a petição , as reuniõés públicas, a demonstração e a barri­
cada eram rotinas bem conhecidas, e _ mpregadas para vários propósitos, e por
combinações diferentes de atores sociais. Antes de examinar as formas deste
�ovo repertó rio e sua relação com o nascimento do movimento social nacional,
vamos ver o conceito·de repertório de confronto e como ele se desenvolveu no
início da Europa moderna.

2. Marc Traugott está escrevendo.um trabalho pioneiro sobre as barricadas, investigando sua evolu­
ção e as mudanças de suas funções. Ver seu artigo "Barricades as Repertoire: Continuities and Dis­
continuities in the History of Nineteenth Century France". Sou grato a Traugott por seus úteis co-
mentários sobre uma versão anterior desta seção.
3. Em "Speaking Your Mind without Elections, Surveys, or Social Movements" Tilly descreve o "sa­
que como uma rotina" comum no século XVlll, observando que era frequente�ente usado para pu­
nir donos de �av�mas e bor�éis que enganavam seus fregueses ou funcionários públicos que ultra­
passa':'am os hm1tes d� legahd�de. O seu uso para punir um chefe de família que tivesse maltratado
um cnado parece ter s1�0 uma movação do período pré-revolucionário o saque continua a aparecer
.
durante toda a Revoluçao Francesa, e de forma mais dramática nos tumultos do Reveillon de maio de
1789. Sobre isto, ver a vivida reconstrução de Simon Schama em Citizens, p. 326-332.
4. Godec�ot, por exe plo, em seu inventário das revoluções de 1848, lista, s'ó na França, pelo menos
_ �
_ _ diferen
nove re1vmd1caçoes tes em que se usaram barricadas. Ver Les révolutions de 1848, de Gode­
chot. A análise de como �e usou a barricada em 1848 está em "Acting Collectively, 1847-18
_ _ 49: HoW
the Repertoire of Collecttve Acnon Changed and Where It Happened".

50
Repertórios de confronto
Em 1995, col'oando mais de trintn 'anos de traba1110 so b re açao- 5
· , eh ar-
co·1 ellva
. .
tes T1lly pubhcou o seu grande trabalho , Pupu·l ar eon t en ti· .on ·l n G· rea t B n·t am,
·
1758-1834 0 995b). Nele, Tilly definiu "repertório de confronto" como "as manei-
ra s através �as quais as pessoas agem juntas em busca de interesses compartilha­
dos'' (p. 4 1) · E1�1 o�tro trabalho, Tilly leva o tema mais adiante, escrevendo que "a
pal avra rep ert ?no aJuda a descrever o que acontete, identificando um conjunto li­
!nitado de rotmas que são aprendidas, compartilhadas e executadas através de um
processo relativamente deliberado de escolha". Os limites daquele aprendizado
restringem as opções d_isponíveis para a interação coletiva e estabelecem as bases
para fu turas escolhas. As pessoas tentam novas formas na busca por vantagens táti­
cas, mas o fazem aos poucos, na margem de rotinas bem estabelecidas (1992: 7).
O repertório é um c_onceito ao mesmo tempo estrutural e cultural, envolvendo
não apenas o que as pessoas Jazem quando estão engajadas num conflito com ou­
tros, mas o que elas sabem sobre comofazer e o que os outros esperam que façam. Se
na Fr ança do século XVIII os desafiantes tivessem tentado fazer protestos passivos
os seus alvos não saberiam como reagir a eles, não mais do que a vítima de um cha­
rivari atualmente saberia o que ele significa. Como escreve Arthur Stinchcombe,
"Os elementos do repertório �ão simultaneamente as habilidades dos membros da
população e as suas �ormas cult�rais" (1978: 1.248).
O repertório muda com o tempo, mas só lentamente. As mudanças fundamen­
tais dependem de flutuações maiores nos interesses, oportunidade e organização.
Estes, por sua vez, correlacionam-se, grosso modo, a mudanças nos estados e no
capitalismo. Grandes mudanças resultaram do avanço do Estado sobre a sociedade
para fazer guerras e extrair impostos,-e da criação pelo capitalismo de concentra­
ções de pessoas com queixas· e recursos para agir coletivamente. Embora tendo ba­
ses estruturais, essas mudanças nos repertórios aparecem nos grandes divisores de
1
águas políticos a que me refiro no cap. 9 como "ciclos de confron to" .

5. As contribuições de Tilly para o campo da ação coletiva e dos movimentos sociais são tão densas
que é difícil resumi-las. Para uma breve bibliografia e análise crítica ver William SewellJr.: "Collecti­
ve Violence and Collective Loyalties in France: Why the French Revolution Made a Difference", e
Sidney Tarrow: "The People's Two rhythms: Charles Tilly and the Study of Contentious Politics".
6. O conceito não era novo no trabalho de Tilly. Em seu texto de 1978, From Mobilization to Revolu­
tíon, p. 151, ele escreveu: "Em qualquer momento, o repertório disponível de ações coletivas para
uma população é surpreendentemente limitado. Em princípio, é s�r�reenclente, dadas as inúm�ras
maneiras d.as pessoas poderem usar os seus recursos na bus_ca _de obJetlvos comuns e dados os m�utos
modos que os grupos reais utilizaram na busca de seus obJetlvos comuns em algum momento
1

7. lsso sub stitui meu termo an terior, "ciclos de protesto", que agora me parece ser muito constrito
por suas associações com O termo contem porâneo "protesto".

51
Q ue diferenças separam o novo reper tório das for mas do s.éculo XVI.II re fle ti ­
das n o c aso Cléra ux ? "Se recua rmos para o terren o desco nh ecido d a Euro pa O ci­
d ental e da América d o Norte antes de mea d os do sécu lo X IX" , escreve T i ll y , "lo go
d esco briremos um mundo n ovo " de açã o cole t iv a ( 1 9 83 : 463 ) . O an ti go re per t óri o
era es treito, bifurcado e particular:
ã
Era est rei to porq ue quas e semp re os i � teres ses e _ a interaç o � nv ol vi­
dos estava m conce ntrad os numa úm ca comumd a <l e . Era bifurcado
porque, quand o as pesso as com uns tra tavam de quest õ �s lo � ais e ob ­
jetos próxi mos, elas adota vam , de forma marca nte, a � çao dueta pa ra
atingir seus objetiv os , mas quand o se trata ; a _ de � ue�toes e objetos na ­
cionais elas sempre aprese ntavam suas re1vm d1caço es a um pat ro no
ou autorid ade local. . . [e ele] era particu l ar porqu e as rotinas de a ç ã o
detalha das variavam enorm emente de um grupo para outro, de que s ­
tão para questã o, de uma localid ade para outra (TILLY, 1995 : 45 ) .
O confronto sempre explodia e m celebrações públicas, recorrendo a u m sim­
bolismo rico e frequentemente irreverente, a rituais religiosos e à cultura popular.
Era comum os participantes irem às residências dos infratores e locais dos delitos,
aparecendo usualmente como membros ou representantes de grupos corporativos
constituídos e de comunidades (TILLY, 198 3 : 464 ) .
O novo repertório não aparecia j á pronto e �em as antigas formas de ação cole­
tiva desapareceram de vez . Os triunfos mais visíveis das novas formas apareceram
quando as demonstrações, as greves, os comícios, as reuniões públicas e as formas
similares de interação passaram a prevalecer. Comparadas com as anteriores, as
novas formas tinham um caráter cosmop·ólita , modular e autônomo :
I
Elas eram cosmopolitas , ao referir-se · com frequência a interesses e
questões que diziam respeito a muitas localidades ou afetavam cen­
tros de poder cujas ações atingiam muitas outras. Eram modulares por
serem facilment� transferíveis de �1!1 lo'c al ou c}rcunstância para ou­
tros . . . Eram au�ônqmas ao começarem.por iniciativa dos próprios re­
clamantes e estabelecer contato direto entre esses e os centros de po­
der nacionalmente significativos (TILLY, 1995b: 46) .
Em seu artigo de 1 983 , Tilly resumiu as diferenç a s entre o antigo e O novo r e­
pertó rios numa ilustração aqui reproduzid a �a figura 2. 1 .
Está implícito no concei to de repertório que . ele é mais ou menos geralª . Mas o s
antigo s e os novos repertó rios não eram gerais do mesmo modo . Do século XVI ao
XVII I , a � formas de a � ão usa d � s em ataques a moleir os e a m ercador es de grãos , e m
_
ch anvans _
e e m confli tos rehg1 0sos estava m direta m ente ligada s à na tureza de seu s

8. "Pel.o fato de grup os s imilares terem ge �almen te reper tórios seme lhant es" , escre ve Tilly, "pod e­
I

mos falar de forma frouxa de um repertón o geral de confro nto disp • onível p ara uma p o pu laç , a,- 0 d e
certo temp o e espaço " (Th e Contentlous French, p. 2).

52
F igu ra 2 . 1 - Novo s e velho s reper tó r ios na Eu ropu, Ocid ent al e na Améri ca do Norte

it
o e ação
L o c a l =======�=:::= Â=tn=b==�d:_:���---'---� c �o�n�
� ê ,---�= =�
---..:==
= == ===='.:=:=�lNia��·i al
· 0 bO Fest i val
� (';$
i::
'"O o
ll) l lun1inaçã o arti ficial
V) b Música barulhenta
ll) (';$
l-< �
Apreensão de grã o s
Invasã o de ca1np o s
'"O
C o mparecimento
o�
V)
Expulsão
1�
o "VELHO"
u,, C o míci o eleitoral
Invasã o de assembleias
5o Reunião pública
L------­ Greve
so
1� c;s
u,, . ....
c;s
..,J "NOVO" Demonstração
.�
.... i::
o Mcviment o social
ol-<
::s
,j..J

� .___--:-______..!.,_________________ _j

Fonte: TILLY, Charles. "Speaking your Mind without Elections, Surveys , or Social Movements".
Public Opinion Quarterly , 4 7 .

alvos e às queixas dos atores qu e as usavam. Aí está um contraste-chave em relação


ao repertório moderno : foi precisa mente a falta de generalida de das formas antigas
que impediu o surgim ento de constel ações mais amplas de interesse e de ação. Foi
a nature za mais geral das novas formas que deu aos movime ntos sociais uma base
9
cultural e comportame ntal comu m • A questão que surge é: qual é a relação entre
mudan ças no repert ório de conflito e o nascimento do movim ento social? Voltare ­
mos a isso depois de exam inar as fo rmas tradic ionais de confro nto no início da Eu-
rop a mod erna.

9 . Co m. o to dos os esquemas históricos a mplos, o conceito d e repertório pode ser criticado po r privi­
legia r de mais os "processos socia is anôni mos" e subest im a r a importância d e grandes e\'e
ntos
( S EWELL, 1 990 ; 5 4 8 ) , E le tam bém pode ser acusado de insensibilidade a os s ignificados da açi\ o c o ­
le tiva para aqueles qu e a empre gam (p. 540-54 5 ) . O p a pe l dos "grandes eventos" - e dos ciclos de
m��i mentos c om os quais sempre estão associado s - silo examinados n o c a p. 9; o de "enq u a clrnme n ­
to in terp re tativo" do confronto aparece n o cap. 7 .

53
O repertório tradicional
Para o grande historiador francês Marc Bl oc h , a ação co l e t i va e ra u .......... m r eíl e
xo
,.:direto da ,,~ estrutura social . Ao escrever !'-•~~ sobre ái:::s revoltas ca m po n e sas na socied ad
':-'l,Q _., .....
rc:ir, tj.; 't=:J ••:,--.; ~,..._.,e·. A,.. c:_;-r:·:s··~· •!;••-'t 44~ ... ,,.. • i .....

e
. .. .... •.1. •

feudal, 1:•~,:_J, revolta ~:v~ agrária pa � s� r t� � i n se p a ráve l el o re g i­


r~_;J,j:j~. Bloch ::~····t~1.:?.
argumen ta ,;·· qüe~ ·; "a ·i~,,,.,~4;,~ . rec
. _ ~ --~-,--~ t"' .. •1·
... ..........
111-i

1me
U .......senhorial
::..'f " quat1to
_,.~·,J,1r:,..,,.I rll''""'~""
t • , I "' a! ,.._
greve
~ da
;., .....4: "" ,: grande
, ..........
,. .., .... '"!.. e
,.., m presa
.........
,, -~". ~ cap Lt a h s ta (1 9 3 1 : 1 7 5) . El e vi u

iuma Il ilJ; Íidentidade


,i -•• C ,} .. ,:: r- ~geral....t • ~ entre
: · ._ -as .. formas
~,,.. .. ~. . - "~de - ação
- - • .-. ,. c oletiva
... q u e as pessoas us ava m e 0
#

conteúdo rjc
f"(if,i-t;,,J'i
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de •:;'"~
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~r... ..,;.':!' ç
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ões, ,...
... ~·:-:;i.
- • ,1'

- .... ,
que-:: resul t avam d a e strutura de seu s con fli t o s
......
con1 outros.
O axioma de Bloch tem dois correlatos: primeiro, que a relação entre o d esa fi an ­
L ..,

...... '·""' s de a ção coletiva são ligad as às


te e o desafiado é direta; e, segundo, que as forma 1

queixas do desafiante e ao poder do desafiado . Mas a mesma ló gica


. ,,. .. levou aos li m i tes
de quem .
1
. 1•• agir
li poderia
r . ;· �o lado de quem e quão a mplament e uma forma parti cular de
. ('
1 '

ação coletiva
1

.• :' ser usada. Se a revolta agrária era contra o senhor de terras


\ "r· ., lpoderia
,
~

'. , se­
, I
gue-se '1n,,,rr-,i,que os camponeses /'"• que dela participaram se associariam apenas com aquel es
'1que t,·1 •partilhavam das mesmas
11~1}. , , , 1 1 rr queixás contra ele em redes da aldeia local. As form as
de ação estavam enraizadas na estrutura corporativa da comunidade feudal.
Bloch estava certo em relação às sociedades rurais que conhecia tão bem:� Em
sociedades divididas em ordens, isoladas pela falta de comunicação e pelo analfa­
betismo, e organizadas em grupos corporativos e comunais, as formas de ação co­
letiva eram associadas aos conflitos dos quais surgiam. Se os protestantes construís­ ,, '
sem ti uma
~ 111 igreja num distrito católico, a comunidade católica a derrubaria - ou quei­
.maria
... 1 rcom, 1 , os parisienses dentro dela (DAVIS, 1973) ; se os moleiros vendessem
grãos fora do distrito numa época de escassez, eles seriam tomados e vendidos a
11,'1,ll•

ppreço
~ .:.'t• justo
l 11 , ~(TILLY, 1975a) ; se as autoridades fossem responsáveis pela morte vio­
ilenta
" d de um cidadão local, o funeral poderia se transformar num tumulto (TAMASON,
1980) . ;.O1 1repertório
I ) , era segmentado, visava diretamente os seus alvos e crescia fora
da estrutura corporativa da sociedade.
••• -... episódios só se tornavam parte de confrontos mais amplos, como os es ­
1Esses ..
tudados
li f por te Brake (1998), quando eram liderados por pessoas que tinham re ­
cursos organizacionais ou institucionais fora desta estrutura corporativa - a Igrej 1, a,

por exemplo '" - ou


.., quando coincidiam com oportunidades apresentadas por gue r ­
ras: ~reli
11, - J giosas
' ou conflitos dinásticos, como a Reforma. Podiam então dar orige m a
""'" .. ,.~. . .. ..nacionais
'conflitos
-
.-,:il-i .. ••1 ,,. - ou até mesmo internacionais. .- M ais frequentemente, eles ex pl o ­ ,/'

d iam como faíscas espalhadas que eram rapidamente debeladas. Na maior p a rt e


das vezes, ·..: com o Til ly afirmou recentemente, "as pesso as e questões locais , m a is do
que• organi , , ·n zadas nacionalme nte em torno de programas ou partidos , part ici p a v arn
li..lu .... " - :..-··
repetidas \vezes ,;_. t nos. confro n tos coletivos do dia" (1995a : 1 9).
!i.J~,_fi.J~
-· ...
O paroqui .ali smo, a açã o di reta e o particularismo , combinados . . em quatro d os
t ipos mais com u ns d e ,_,. ... -l,.. t
t a popular, compõem o registro hist ó rico até os fins do
rev-o l........
..

sécul o XVJ l J . Nos confl i t o s :.::


:;.:.~, em t orno de pã o , cre nça , terra e mo rte a s pessoas co­
m uns ten tavam corrigi r abu s os i mediat o s o u se vinga r da queles aos qu ai s se o p u - ..
54
nh a m , at ravés de rotinas d e a ção col etiv a • • ·
. . ' - que eram d'ir e tas, 1 oca1s e msptra d as por
su as re1vm d 1caçoes.

Exig indo pão


As fontes mais com ��s de confr onto no deco rrer da histó ria foram, provavel­
_
mente , os tumult os peno d1co s por alime nto e as apree nsões de grãos que eram
aco mp anhad�s por escas sez e aume nto de preço s. A esc�s sez, embo ra resultado de
ca usas naturais � quase semp re ocasio nava alta de preço s, armaz enagem às escondi­
das e esp ecula çao, dando aos que protestavam alvos concr etos para sua fúria e de­
sesp ero : mercado res e interm e diário s, judeus e protes tantes - mais raramente, no­
bres e príncipes. Por isso oferece r à popula ção uma fonte estável e acessível de
grã os tornou-se um grand e proble ma para os estado s centrali zadore s 1 º :
Por vários séculos , mesmo quarido os mercádo s naciona is e internacionais fo­
ram substituindo as vendas locais de grãos, as formas de ação coletiva deflagradas
pela escassez p ermanecer am particuiari stas, diretas e dependent es de entendimen­
tos herdados. Como E . P . Thompson escreveu , "Os registros dos pobres mostram . . .
é este moleiro, este negociante, aqueles fazendeiros com escassez de grãos que pro­
vocam indignação e ação" ( 1 ? 7 1 : 98) . Mesmo durante a revolução de 1 789, as for­
mas de apreensão de alimentos pouco mudaram, embora fossem algumas vezes ex­
ploradas por p olíticos ambiciosos para obj etivos mais amplos.
A forma mais antiga de protesto por comida era Ó que Tilly chama de "ação re­
tributiva, na qual uma multidão atacava uma pessoa (ou sua propriedade) .se fosse
acusada de esconder alimento ou de exploração" (1975a: 386) . Uma segunda vari­
ante era impedir que uma remessa de alimento saísse de uma localidade, o que
"efetivava· a crença de que os locais deveriam ser alimentados por um preço ade­
quado antes que qualquer excedente deixasse a cidade" (p. 387) . Uma terceira for­
ma, o tumulto por preços, era mais característico de áreas urbanas e tornou-se
mais difundido com o crescimento das cidades no século XVIII.
As apreensões de grãos seguiam uma rotina tã_o conhecida que Thompson as
descreveu metaforica mente como "negociaçã o coletiva através da revolta" ( 1 97 1 ) .
Elas surgi ram não tanto da fome bruta ou dos abusos como os historiadores tradi­
ci onalme nte (BELOFF, 1 963) pensavam, mas da percepção de algumas pessoas de
que "ou tras estavam sendo injusta mente privadas do alimento a que tinham direi­
to do po nto de vista moral e político" (THOMP SON , 1966: 389) . Embora organi­
za da s, essas explosões raram ente conseguiam ter um propósito comum ou a soli­
darie dade necessár ia para uma camp anha sustenta da. Suas limitações reíl.etiam as
so cie da des em que surgia m. Como escreveu Tilly, "pequena s em escala, sem lide-

10. Os parágrafos seguintes baseiam-se muito em Foocl Supply and Public Order i n Modem Eu rope, de
Tilly , e recorrem à Provisíoníng Paris, de Steven Lawrence Kaplan.

55
rança e rea lizadas por homens, mulheres e cria nças <lesa rma d os, a r ev o l t a po r a li
­
mento rara mente se consolidava numa rebel ião mais am pla " ( 1 9 75 a : 443) . O s rn � .
vi mentos po líticos maiores tiveram que espera r pela revol ução d e 1 78 9, q u a n d
o
"as queixas comuns sobre a incompetência e/ou im oralida de das autor id ad e s lo ca is
e mercadores assumiram agora um Aspecto po l íti co " (TI LLY 1 9 7 5 a : 448) .

Defendendo a crença
Os hom ens e mulheres não pro testavam apenas por p ão nos pri me iros a n o s d a
Europa moderna . Na maior parte do temp o conhecido, é a religião e o co nflit o re li ­
gioso que produziram os episódios de confronto mais selvagens , Nos sécu lo s qu e
se seguiram ao primeiro milênio depois de Cristo , ondas de seítas her étic as se d e ­
senvolveram dentro e contra a Igrej a Católica. Algumas delas, locais e baseadas no
carisma de um único líder, foram facilmente sufocadas. Mas outras, como os cáta ­
ros (Cathars) , que pregavam uma versão dissidente da Trindade, logo se tomaram
dominantes em áreas do sul da França , onde foi preciso uma cruzada p ara elimi­
ná-los. Grupos religiosos posteriores, como .os croquants e os camisards, começam
a se assemelhar aos movimentos sociais (BERCÉ, 1990; TILLY 1 986: 1 74- 1 78) .
As formas existentes de organização da Igreja forneceram tanto os alvos como
os modelos para as rebeliões dessas seitas heréticas. As ações coletivas organizadas
em nome da religião frequentemente parodiavam as práticas de seus opositores.
Ao atacar os católicos, os protestantes franceses imitavam o ritual católico e estes
11
respondiam da mesma maneira • A violência e crueldade desses conflitos certa­
mente excederam as dos conflitos de classe modernos, mas o ódio , abrandado pe l o
12
sangue e a supressão das práticas ofensivas, não conduziram a novos repertórios •
Foi apenas quando o fervor religioso se juntou às revoltas camponesas, às ambi­
ções dinásticas ou aos conflitos entre estados que os rebeldes contra a religião tive­
ram acesso aos instrumentos do movimento social moderno .
Com o surgimento do santo protestante - o primeiro organizador de movi­
mento social - nasceram os movimentos religiosos modernos. Como Micha el Wal­
zer mostrou ( 1 9 7 1 , cap. 1 ) , o santo foi o precursor do militante do mov im ento mo­
derno . Ele não apenas acreditava profundam ente na sua causa como tra nsfo rm ou
em profissã o a missão de converter almas . As primeiras "sociedad es po r c or res­
pondên cia" foram i rmandades religiosas ligadas por mensageiros, códi gos s ec re tos

1 1 . Em "!he � .i t.es of Vi o ! e n ce" , Nata l i c Davis nos deu a mais vívida evocação das q ualida des b r u t ,l l­
ment.e m1 m ét 1 cas do 1_ n fc10 dns con íl l. l os rel igiosos modern os na Fra nça.
1 2. Na Fra n ça , o pri m e i ro m o v i men l o r u ral a se parecer com O movime nt o social mo derno q u :i n t o
ao u so de assembJ eias - os C ro q u an t s - foi u m resu l t ado das guer ra s d e religião. Ver o liv r o de
Yves- Marie Bercé, engan o sam en t e i n t i t u l a u o J J i s t o ry of Peasant Rev o lt s , d e fa t o u m bri l a n u
h te est doi
de caso sobre os croqua n t s . Pa r t e 2 (a edição fran cesa foi co rre t a m e n t e i t i t ul ada H i s
n w l re dcs cn ­
quan t ) .

56
e rituais . Mas até então os movimentos religiosos tinham reali zado desde ataques
físicos a judeus, protesta ntes, católicos e heréticos até a resistência local esporádi­
ca dos camisards.

Exigindo terras
No início da história moderna, as revoltas camponesas eram quase tão comuns
qu anto as revoltas por alimento e os conflitos religiosos . Os camponeses tradicio­
nais dependiam dos direitos c ostumeiros à terra, água ou forragem para sobreviver
e eram facilmente levados à revolta quando eles eram reduzidos ou deles se fazia
um mau uso . Os direitos eram frequente mente exigidos em nome da comunidade
camponesa, cujos membros acusariam os senhores de terra de romper antigas con ­
venç ões e de usurpar contrat os. Mesmo as modernas "lutas por terras" referem-se
frequentemente a usurpaç ões de mais d � um século 13 •
As formas das revoltas por terras quase sempre seguiram um ritual que tomava
forma a partir das reivindicações dos sem terra ou dos que tinham pouca terra. Os
camponeses, brandindo forcados e foices ou carregando a cruz ou uma imagem da
virgem, se reuniriam na praça da cidade, marchariam para a terra usurpada e a
"ocupariam" . Tais explosões se espalharam rapidamente de aldeia em aldeia como
incêndio descontrolado , sem agentes ou organizações em comum. Mas, uma vez
realizada a ocupação, raramente os grupos locais encontravam um modo de orga­
niz ar-se em torno de. temas mais amplos e quase nunca se uniam numa causa co-
14
mum com os pobres urbanos
As aparentes exceções - como o movimento croquant do fim do século XVI, or­
ganizado por assembleias surpreendentemente parecidas com as modernas (BER­
CÉ, 1990, cap. 2) - não eram baseadas em terras, mas organizadas contra bandos de
saqueadores que haviam restado das guerras religiosas (BERCÉ, 1_990: 72-75) . Tais
revoltas eram abafadas ou isoladas tão facilmente quanto haviam surgido.

'
Mob ilização em tomo da morte
Pode ser surpreendente pensar na morte como uma fonte de ação coletiva. Mas
é a reação dos viv os - especialmente à morte violenta - que é a fonte do protesto,
mais do que a morte em si. A morte tem o poder de liberar emoções violentas e unir

1 3. Para exemplos da evocação dessas memórias históric as ele confiscos ele terras camponesas no sul
da Europa, ver Eric Hobsba wm: Prímitive Rebels: Studies in Archaic Forms of Social Movement in the
1 9 th and 20th Centu rí es. • Julian Pítt-Rivers: Peopl e of the Sierra. • Sidney Tarrow: Peascmt Comu nis ­
m ín Southern Ilaly.
14 . Estudando os protestos dos trabalhado res agrícolas na In glaterra, Andrew C h arlesworth em A n
Atl as of Rural Protest í n B ritaí n descobriu que foi apenas na revolta agrária d e 1 8 1 6 que "homens de
muitas ocupações diferen tes numa vasta área rural fizeram causa comum reagindo, cada um d eles,
ao s pro testos e demonstrações d e seus companh eiros trabal h adores" (p. 1 46) .

57
. - s ua do r e so lid ar ie d. ade. E la oferec e
pessoas com pouc a cms a em comu m, a nao ser , _
. . .- e e mna das pou cas ocas10 es em qu e s o l
motiv os legfUmo s para reumoe s pu, bl. 1cas
· . , .c
. . - ou p1·0 '
1 ·
b1 r ass em ble ias publi as .
da d os 11es1tam em atira r na nm 1 u'd ao
A morte sempre esteve hga · da a uma 1on r na 1· nst 1' tuci on aliz ada d e. ação co le ti va -
. pessoas em autu
o funeral - que reune · des 101 r • ma 1·s e soli d árias. Em .
sistemas rep res
· · _ . . -
s1vos que prol'b em reumoes· - I ega1s , os co 1·teJ· os fu' n ebres sao pratica mente os u mc os
mo mentos em que se pode dar início a u m pro testo . Q uand o a mort e _de um am i go
.
ou parente é vista como um insul to , os funerais pode m torna r-se locais de ruptu ra
Quando uma figura públi ca ofende os costu mes de uma comu nida? e, ela po de ser
simbolicamente assassin ada num falso funeral .
Mas O mesmo raciocínio nos diz po� que rarame nte a morte é a fonte de um m o­
vimento social sustentado: o momen to da morte é breve e a ocasião ritual qu e el a
proporciona está logo acabada. Foi apenas no século XIX, no contexto de movim en­
tos formados com outros propósito s, que os funerais 'começa ram a ser ocasiõ5 es p ara
uma mobilização sustentada contra autoridades (TAMASO N 1 980: 1 5-3 1 )
1

***

Exigir" pão , defender a crença, clamar por terras , mobilizar-se por morte: nes­
tas quatro áreas o confronto foi violento e diret9, breve, específico e p rovinciano.
Com a exceção dos conflitos religiosos, em que instituições interlocais e crenças
comuns facilitavam coalizões mais amplas e uma maior coordenação, nessas for­
mas de confronto os atores raramente iam além de interesses locais ou setoriais ou
os sustentavam contra autoridades ou elites .
Não foi por falta de organização que os europeus de antes do século XVIII fa­
lharam em constituir movimentos sociais. De fato , quando . eles se revoltavam ou
tinham a oportunidade de fazê-lo p odiam se organizar de forma poderosa, como
mostraram as guerras religiosas dos séculos XVI e XVII . Nem os que se rebelava m .
por comida ou os que participa vam de cortejos fúnebre s eram "apolític os": os pri ­
meiros não se revoltav am contra a penúria em si, mas contra a evidên cia de que as
autoridades estavam ignorando os seus direito s herdad os , enqua nto que os últi ­
mos tive ram a astúci a de usar cerim ônias legítim as para expor suas queixas .
O maior pro blem a de trans forma r confr ontos em movi ment os sociais era as
formas e objetiv? s da ação coletiva limitarem -se às dema ndas imed iatas das p essoas,
aos seus alvos diret os e aos seus víncu los locai s e corpo ra ti vos Tudo isso mu daria
en tre o sécu lo XV III e mead os do sécu lo XIX. A expa nsão das estra das e da co mu ­
nicação ímpres� a � tamb ém o cresc imen to das asso ciaçõe s priva das foram amp la ­
_
mente responsave1s por isso .

1 5 . O p ro testo e m form a de fun � ral � o rn o u-se uma grand e form a de


mobi lizaç ã o na .Á fr ica d o Su l no s
anos 1980. T o da vez qu e a p o lícia a t irava n o s mani festantes segui· a -
. se u ma gran d e d em o ns t ra ç a- 0 des·
te t ip o .

58
O re p ertório modular
O a xio m a de Bloch que inclui form as p ai. t1c . • u 1 are s de aç ao - co 1 etlva
. . específic · em estrutu-
ra s s oc iais s - perfe ita men t e d e qu a 1 O s soc eda d es rurais qu e ele estu -
d o u - não fu nciona tão b em pa r a as socª.ie d acl es que su rgiram
a
c à i·
na Europa e na Amé -
ric a do Norte por volta do século XVIII · N esse s 1ugar es , dese nvolv eu-se um novo .
, · . . .
rep er tono que era cosm opol ita em vez d e pro vmc 4
iano ·, autonomo em vez d e d e -
e nd en te de ritu . _
a is herdad os ou d e ocas 10es espe cific , . as· e mod u 1 ar em vez d e p ar-
P ,
ticula r. Concentrando-se em a l g um as pouc as rotm .
a s-chave de confront o ' ele po -
.
d en a ser a da p ta do a um n úmero de ambientes d11erente .r s e seus elementos combi-
na d os em c a mp a nhas de ação coletiva · Uma vez usa d O e compreend 1' d o podena .
ser
d·1 fu n d"1 d o para outros ator es e ser emp r egado no 1· nteresse d e co a 1·1zoes - d e d es a r·1-
. · ·
a ntes. O resu 1 tado er a possibilitar que até mesm 0 grupos esp a Ih a d os d e pessoas
. . .
que n a- o se con h eci a m a giss em conJ·unta mente em d esa r·10s sustenta d os a autonda- ·
. .
des e cn assem o movimento social moderno.
�s fo r mas h � r�a �as do passado - o charivari, a se renata , a iluminação, o ata­
q � as c�s as dos 1�1m1gos - não desapareceram �om a invenção de um novo rep er­
� _ _
tono . Mas , a medid a qu e as reivindicações er am difundidas - junto à informa ção
de como � u tros as re a liza �am - e as pessoas aumentavam sua capacidade para a
açao_ cole tiva , mesmo ess a s antigas formas eram introduzidas com um ·s ignificado
mais g�ra l e combin a das com novas. Três �xemplos dos · dois lados do mundo
atlân tico do século XVIII ilustraram como o novo repertório passou a ser .usado .

Das imagens aos boicotes na Améric a


Os colono s americ anos tro uxeram da Europa um velho repertó rio de ação co­
le tiva . À medida que nos anos 1 760 o conflito com a mãe pátria ganhou força, suas
primeiras respo s tas foram tradic ionais ; quar:id o os britânicos tentaram impor um
nos foi
novo e onero so impo sto do selo em 1 765 ) a reaçã o ins tintiva dos bos to nia
ty (Ár vore da
enforcar uma imag em do dis tribuido r designado na fu tur·a Liber Tree
1 1

a imagem, demoli­
Liberdade ) . "De noite , u ma grande mu ltidã o desfi lou -perante
O ffice (Escritório do
ram um pequ eno edifício . . . ca ndida to a ser o fu turo S tamp
do ra Pau line Mai er, " en­
Se l o ) , e en tão queima ram a ima gem " , escreve a historia
do homem do sel o" ( 1 9 7 2 : 5 4 ) .
qu a n to um con tingente menor a tacava a casa
1 1

A agitação era Ico 1 nta giosa e se esp


alhou rap idamen te pelas colônias , usando as
aram-se j u lgamen tos fals os dos selos e do
formas herdadas da a n tiga pá tria . Rea liz as
ade e se des filava pera n te
ho mem do selo ' encena ram-se " fun era is " da lib erd
1 1
A

ro tinas qu e lem bra


_r
vam m u ito as práticas tradicionais inglesas (M IER,
imagens em
avam com frequ ência essas condu tas .
1 9 72 : 54- 5 5 ) . S érios tumultos aco mpanh
e George Grenville havia caído em
Mas , por vo lta de se te mbro , com a no- ftícia de qu
as políticas relativas à controvér-
Londres , a o nda de violência co ntra as pessoas e
sia do selo rap idamen 1te- 'diminuíra m (p . 6 1 ) .

59
O mesmo periodo também viu surgir uma form a de � ç � o � a i s orga n iza d a
,
1nais gera l e não -físic a - o boicote 1 (i Os merc ado res colo m ais fi ze ram pri m ei ra ­
,

ment e acordos de " não-importa çã o " contra o Sug ar Act e m 1 7 6 4 , p edi ndo qu e s e
red u zisse a im portação de bens de luxo da Ingla terra , sobre tudo as ro up as e lu va s
d e pesar tradicionalm ente v estidas em funerais . " Esses es forços inexper i en tes " , es­
creve Maier, "foram sistematizados e m setembr o el e 1 76 5 [ co m a contr ové rsi a da
Lei do Selo ] , e a partir dai foram organi zadas associações de não-impor ta çã o ern
ou tros centros comerciais" ( 1 97 2: 74) . O boico te tornou- se uma rotina básic a n as
reb eliões coloniais, usada por toda a década seguinte em resposta a vir tualm en te
qualquer esforço dos britânicos para impor um controle mais estrito . Para os am e­
rica nos "a não-importação poderia constituir um substituto efetivo para a vio lên ­
cia doméstica" , observa Maier; "a oposição poderia sair das ruas e vol t ar à roca" (p .
7 5) . Se desistir do luto contribuiu para a queda de um ministro britânico, um escri­
tor da Boston Gazette perguntou: "o que podemos esperar de uma execução geral e
completa deste plano ? " (p . 75) .
Desde então , a não-importaç�o e o boicote tornaram-se as armas modulares da
rebelião americana , empregadas de forma mais clamorosa na controvérsia sobre o
chá, no porto de Boston 17 ._ Esta tática não perdeu sua efetividade na Inglaterra: em
1 79 1 , a associação antiescravista inglesa usou um boicote sobre a importação de
açúcar das Índias Ç)cidentais visando pressionar o parlamento para abolir o tráfico
de escravos (DRESCHER, 1987: 78 - 79) . O boicote, de urna resposta provinciana
da periferia do Império Britânico a novos impostos, migrou para o seu núcleo. Ou­
tras formas de ação também estavam se desenvolvendo na Inglaterra.

As petições de massa na Ing laterra *


A petição era uma forma de ação antiga, utilizada por indivíduos que busca­
vam reparação junto a .? eus patrões ou ao parlamento . Corno tal, era culturalmente
aceitável, perfeitamente legal e raramente conienciosa. Mas, com o crescimento da
economia britânica no início do século XVIII, as petições se estenderam aos negó-

1 6 . Observe que a prática existia muito antes da palavra ;,boicote " , e para se referir a ela os colonos
usavam o termo " não-importação". A terminologia moderna data apenas de 1880 _ e na Irlanda -
quando a prática foi usada contra certo capitão Boycott. O termo logo se espalhou no Ocidente, como
indica o termo francês boycotter.
1 7 . De fato, foi apenas para forçar um boicote geral que estava tendo sucesso em algum outro l u gar
ui
que uma coal izão de comerciantes e jornalistas de Boston empregaram a velha rotina de d estru ir d
i mportado. Ver Richard D. Brown : Revolutionary Politics i ,1 Massachusetts.
,p oia
* Sou grato a Seym our Drescher por seus comentár ios a uma versão anterior desta se ção, qu e se ,
d
muito no seu Capítalism and A n t t s l a very . Ver também os artigos de D re scher : "Publ i c Opini o n an
the Destructíon of Br í tís h C o l oni al Slav e ry" e ''British Way, French Way: Op i n i on Building a n d Rc·
vo l utíon in the Second S l ave Emancípatlon, " assim como o l ivro de Leo d'Anj ou : Socia l M ov e m e
uts
and Cultural Cha n ge: The Pí rst Abolícionist Campaign Revisited.

60
cios al �g an do p rejuízo s pel o am�1 : nt o da taxa de impost o (BREWER, 1989: 233 ) .
.' _
No m ic1 0 do s an o s 1780 , a s pe t1ç o e s e nd e re çae das
,, ' ao par 1am ent o am
. da er a m um
ato m a is · "pnva · d o d o qu e pu' bl'ic o , li' gadas a re1vm -
· · d'icaç oes de grupos ou be nefi-
. ,. . . ,
ciá rios esp eci fic o s p reJ u d ic ad o s ' (DRES CHE R, 1987 .· 76 ) . Qua ncl o a primeir · ·
. _ a
grande p e tiç a o c o ntra a e scravidã o ci rculo u em 1788, um re prese n ta nt e d o grupo
, . .
de pr essao - d o açucar J a m a ica n o e st a va p asmo .• e ss es ab o 1·ic1· o mstas· - fora m pre-
nao
. i. ado s p e a e scra V1d . _
J�d � � a o ne in se benefici ari a m pessoalmente c o m o seu fim. Que
direi t o e l e s tem d e faz e r um a p e tiçã o pel a a bo liçã o ? (DRESCH ER, 1987: 76-77) .

Dur ant e a s d uas d écadas entre 1 770 e 1 792 a petição foi tran sformada : d e uma
fer �am �nt a em favo r d e i �t� re�s es privado s pass o u a ser um ato públic o em busca
de J u� uça em n o m e � e r e1V1n dica ções m orais gera is. E, enquant o que a s p rimei ras
_
pe tiço es er�� a t o s is o l ado s realizado s p o r grup os de requeren tes, po r volta de
1790 a s petiç o es er am r egul armente l a nçadas em reuniões públicas e a companha­
das po r b o ic o t e s, divulga ção em j orn ais e p re ssão exercida a tra vés de c a mpa n ha s
em m o vimen t o s pr o l o ngado s .
Emb o r a Wilk e s e o utro s tenha m us ado anteriormen te a petição para propósi­
tos político s - p o r exemplo, foi uma p etição que precedeu a i rrupção dos tumultos
Gordo n d e 1780 - foi a c ampan ha an tiesc ra vidão, lançad a n a ba rulhen ta Manches­
ter, qu e a tra nsform o u numa ferr amen ta modular. No início dos a�os 1780, os in­
dustriais d e M a ncheste r us ar am a petição pela primeira vez para pe dir o repúdio
aos plano s d e r e c eit a d o g o v e rn o . D epois, eles desempe nhar am um pa pel impor­
tante na c amp a nh a c o ntr a um a união da alfâ ndega com a Irl anda poucos anos ma is
tar de (DRESCHER, 1987: 69) . Essas questões er am comerciai�, mas eles cri ara m
uma técnica qu e p o d eria "a brir as comporta s do entusiasmo" em relação a ques­
tões com c o nteúd o p o lític o o u moral mais a mplo (p. 69) . Aut oconfiantes e ricos -
mas s em r epr e s en t a ção eleitora l - os homens de negócio de Manchester extrapola­
ram as habilidade s que ti n h am desenvolvid o em fav o r de seus interesses numa
camp anha m o ra l ' n acio na l.
A c a mpanha anti escravi dã o foi promovida por um aumen to espetacular do nú­
mero de p etições e de assinan tes coordenados numa única campanha . E o m ais im­
portante, os h om ens de M anch ester co mbinaram a petição com a utilização da densa
rede britânica de j o rn ais pr o vinciano s p ara divulgá-la em cada jornal importante do
mercado , d eslanchando uma onda de petições enviada s ao parlame nto vindas de
tod o o pa ís (DRE SCHE R, 198 7: 70- 72) . Em 1792 uma no va campanha quintuplico u
o número de p etições, " o m aior número já apresentado ao parl amen to s o bre um ú ni­
co assunto ou numa única sessã o ", de acord o c om Drescher (p. 80).
a se espalhado : primei­
Por v o lta d o s an o s 1790, o us o de petições de m a ss a havi
ro o s radica is, exigind o a exp an sã o do vo t o e pr o t estand_o co� tr� a restriçã o à liber­
dad e d e expr essã o p o r um g o verno a ssus ta do
c om o J acobim sm o (GOO DWI N ,
i
197 9); de p o is o s ad vo g ado s, lutan do pela refo r�a eleit o ral. C o mo_ o s_ abolici o n s­
tas, a s S ocie da de s da R e form a ta mbé m us aram a impre n s a da pr ovmcia p ara c o o r-

61
den ar os es forços de dife rentes associ a ções locais , unind o ª assina t� ra de p eti çõ es
com os esfo rços de seus gru p os de pressão . N os a nos de 1 8 30, os arti � tas co mb in a ­
ra m a aprese ntação ade q uad a d e pet ições de m assa co m O uso ,� ole_u� o do es pa ç o
p úblico para demons trar a força do mo vi m ento . Ap resen tan do . peuçoes �o povo"
ao p arlamento 1 e l es le vara m à s ruas milha res el e p essoa s em ab n l de. 1 � 4 � · D e urn
simp les apelo de u m cliente depend en te a seu patrão e de u m a re i v m d i c �ç! o d e
um g rupo de pressão para diminu ir os im post os de s � us membros , as p eti ç oes s e
tra ns formaram e m u ma form a modula r de ação coletiva para c lamar por grand es
mudanças na política .

A insurreição urbana na França


As inovaçõe s no repertór io não se limitara m ao mundo anglo-americano - em­
bo ra lá fosse p rovavelme nte mais fácil liberá-las das rotinas tradicionais do que n o
c ontinente. Mesmo antes da Revolução Francesa, estava se formando na França
um repertório de insurreição urbana. Embora implantado de forma mais viole nta
em 14/07/1 789 , em Paris, é bastante interessante que o modelo de insurreiç ão u r­
19
bana fosse provinciano em sua origem •
Em junho de 1 788, tevt; início um distúrbio na praça do mercado de Grenobl e ,
em reação furiosa à tentativa da coroa de substituir os parlamentos por um novo
sistema de cortes nacionais, exacerbada pelas dificuldades econômicas dos arte­
sãos. O resultado foi o "Dia das Telhas " , provavelmente a primeira insurreição ur­
bana inteiramente secular na história francesa e uma amostra do que viria a ocor­
rer na Bastilha um ano depois. Como em Boston, as fo rmas de ação usadas inicial­
mente pelos moradores de Grenoble eram familiares , diretas e físicas . Eles ataca­
ram edifícios e funcionários na praça do mercado e , quando vieram as tropas para
debelar o tumulto , lançaram uma chuva de telhas de cima dos telhados. Logo de ­
pois formou-se uma liderança urbana, reunindo-se ilegalmente no Castelo de Vi­
zelle e produzindo um grande manifesto que pressionava o rei a convocar os Esta-
. 20
d os G era1s .

18. Com a revolução eclodindo em toda a Europa e a anarquia ameàçan do a Irlanda, isso foi dema is
para o g overno, que �obilizou 150 .000 guardas "voluntários" para impedir a apresentação da p eti­
_
ção c� rnsta em Kennmgto� Common. Ver Dorothy Thompson: The Chartis ts, cap. 3 , sobre p uso da
peuçao. de massa pelos carustas. Sobre esta demonstração que não teve sucesso em Kennington Com ­
mon, ver Raymond Postgate: The Sto1y of a Year 1 848, p. 1 17 .
1 9 . Ver o argumento convincente d e William Sewell jr. de que foi apenas com a tomada da Bastilha ,
em julho de 1 789 , que a insurreição urbana foi ligada normativa mente ao concei to de s oberan ia po­
pular em seu artigo "Historical Events as Transform ation of Structures" .
20. Os acontecimentos que conduziram ao Day of the Tiles e a razão de terem criado uma coalizã o
tão ampl a foram resumidos por Schama em Cítizens, p . 272- 2 8 7. A reação dos aristoc ratas de proví n­
.
cia e dos parlam entos aos éditos foram sumaria das por J ean Egret em The French Pre-revolu tio n,
1 787- 1 788, p. 1 70 - 1 77.

62
N o s eve nto s d e Greno ble vem os um a' IJré via de ,al go
que se asseme Ih a ao movi· -
m en to s oci. a 1 mod e r. no . Uma va nedad
.
e de form ,a s cl e aça- o co l et 1va • foram empr ega-
� . de
das nu m a s equencia ._
con fro nt os com as a uto rida· cles e • ç ao
e l 1' t es . A or gamza - sur-
. . 1eumao
. . . .
e m que a s r e 1vm
g iu nu ma. . , . ch caçõ es dos p arlam en tares da c 1.ass e supenor,
o s es cn tores e fu n c10n a n os de clas se mé dia , os arte sa- os , lu vei· ros e mu Ih eres foram
m is �u �·a do s sob U 1�1 c ? i1ju n t ? nai aiü p o de dire ito
� � � s Nas pala vra s d e algu n s dos
p� ru c1 p a n tes , a p� m cip a l exig e n c1 � � ra o r e torn o de . nossos mag i s trados, prívilé­
g10s e o re s ta belecimen to das co n d1ço es que por si só po d em faze r leis verd adeiras"
(S CHAMA , 1 989: 279) .
conc e it ? d e dire ito s el� � orad o em Vize lle foi mui to mais long e que a exi­
- � _ do s
gen cias es pecific as do s p a rt1c1p a nte s . Além de digni ficar e unir as reivindicaç ões
de uma c oaliz ão m a is ampl a de at ores socia is , ele e s tabele ceu a ideia de que uma
ass embl e i a não autori z � da, a gindo em nome "das leis e do povo " , po d eria exigir
uma relação contra tu a l com o Estado que i a além do s privilégios parlame ntare s ou
do a lívio econômico (E GRET , 1 977: 1 77) .
***

O boicote, a s pe tições de mas s a , a insurreição urbana -:- estas e outras formas


modernas de ação col e tiva já tinham s urgido quando eclodiu a Revolução France­
s a de 1 789. O que elas t inh a m em comum era serem cosmopoli t as, modulare s e au­
tô nomas das reivindic a ções e antagonismos do s afores que delas participavam.
Elas eram facilitada s - e ajud a ram a criar - pelas redes de movimento s que prepa­
ravam e difundiam o corifron tó em nome de reivindicações gerais em interação
sustentada com os de tentores do poder. Jun to s , os repertório s modulares , as orga­
nizações de movimentos e amplos quadro s in terpretativos de ação coletiva conver­
giam nos movimentos s ociais que transformaram a política popular no s éculo XIX,
como podemos ver nas ba rricadas ob s ervadas por Tocqueville em 1848.

A constru ção social da barricada


A expressã o mais dram ática e temid a do novo reper tório _ do século XIX _era a
insur reição armad a em nome d a soberania popula r, simboli zada pel� barncad a
qu e se tornou seu princ ipal instr umen to (T �UGO �� • 1995 ) . As barn cada s apa-
· · ra vez em Paris qua n do areas vizm h as tentaram se proteger
receram pe 1 a pnme1
co ntra i ntru sos a trav essa nd o a estra da com corr ente s . O termo em �1 de s � nvol-
· d e 1 588 , quan do
veu -se d ep01s essas defesas eram refor çada s por barn s che10s de
_ 21
terra e pedras de pavim enta çao

. _ . s Repe rtoire , p . 43-5 6. Ver tamb ém o seu texto


2 1 . Ver a d1scuss a o fei ta p o r Traugo tt em Barr í cades a
. tl1 e Febru ary Revol l\ tion o f 1848" . Não é
. . n Q uar t·1er m
"N e1g- hb o rho o ds m· Insur rec t'1011•• Th e Pan sia Fran cesa. Hobs bawm tem a opinião
cla ro o quanto as ba rr icadas fo r am usa d� s na imeira Revo lução
de que nunca foram usad as (ver o se u hv ro TPf,e A ge of Rev olut
lon: 1 789 - 1 848 , p . 146 ) .

63
co
N o plincípi o , escrev e Trn u got t, as barric adas "e ram u m m o d o de laboração el os
me mbros de peque n as co munida des, s emp re o r i e n ta das co � tra o s rep resentan tes
das auto ridades c o n s ti tu ídas " ( 1 99 0 : 3) . Po r v o l ta el a rev o l u ç ao d � � 830, e las ap are ­
ce m em baluartes o fensivos nas ruas de P aris, atrain d o am igo s e VIZmhos do própri o
l o cal . Ma s , n os D ias de Fevereiro da rev oluç ão d e 1 848 , as ba rricadas atraíram " c os­
m o p o litas " de o utras vizinhanças de Paris ( TRAU G O TT , l 990 : 8-9) , P o r o casião da
C o muna de Paris de 18 71 , as barricadas eram vulneráveis a canhões de l onga d22istân­
cia , mas ainda tin ham uma função simb ólica e s o lidária (GOU LD, 1995: 1 64) •
Tal c o m o a demo nstraçã o e a greve, a barric ada tinha uma lógic a intern a e tam­
b é m u ma externa. A o lutar c o ntra tro pas h o stis , o s defen s o res passaram a s e co­
nhecer c o mo camaradas, desenvo lveram uma divisão de trabalh o entre lut ad o r es ,
c o ns trut o res e fornecedo res, forman do redes de camara das que os reuniriam em
confro nto s futuros. C o m o Traug o tt escreve,
de uma posição vantajosa , no topo de uma barricada, formou -se to da
uma geração de revolucionários na luta contra as monarquias Bour­
bon e Orléans; amadurece u nas lutas da Segunda República; e viu suas
aspirações políticas esmagadas pelo golpe que anunciou o do mínio de
Luiz Napoleão ( 1 990: 3 ) .
A França nã o estava muit o à frente de seus vizinh o s; à medida que as insurrei­
ções se espalharam pela Europa na primavera de 1 848, as barricadas surgiram
c o mo a forma m o dular fundamental da atividade revolucionária . De fevereiro de
1847 a meado s de 1849 , as barricadas apareceram em p o ntos tão distantes com o
Madri e Lisboa, Messina e Milã o , Berlim e Viena (GODECHOT, 1 97 1 ; SOULE &
TARROW, 1 99 1 ) . Em Viena , foram erguidas para exigir .u ma reforma constitucio­
nal; na Sicília, para pedir a independência de Nápoles ; em Milão e em Veneza para
acabar c o m o domíni o austríac o ; e nas menores cidades do Vale do Pó para deman­
dar a unificaçã o c o m o Piem o nte. Nas revoluções de 1 848 , as barricadas se espa­
lharam mais rápid o do que um homem poderia dirigir sua carruagem de Pa ris a
Milã o . C o m o Verdi escreveu a Piave em sua vo l ta à Itália, ansioso por participar na
revoluçã o de seu país, "Imagine se eu queria ficar em Paris quando ouvi as notícias
da revo l ução de Milão? Parti imediatamente, mas só cheguei a tempo de ver aque­
las fantásticas barricadas ! " 23

Peq,uenas mud ança s e tran sfor maç ões históric as


Os eventos descritos neste capítulo são os cadi nhos de onde
nasce ram novas
culturas p olí ticas (SEWELL, 199 0; 1996 ) . Mui tas das futu ras
. mud anças no rep e rt ó-

22. Mesmo no nosso século , Danie lle Tartako wsky enco


, , 1erent
r n trou .m d1c10s
' . d
a construçao , t a e u ma
_ de t nn
barn cadas d1 es na França entre 1 9 1 9 e 1968 ( 1 9 9 7)
.
23. De uma carta de 2 1/04 /1848 para seu libretist a, Pi av , , Mu stc, R e:.=,olutí-
e, c i• tada em Open Umversity, •
o n ., y erd 1,' p, 42

64
ri o do confronto apareceram pela nrimeira_v..ez....,,
- . . - � ..��gt:ancles eventos. como a to-
ma
• da da Bastilha ou os Dia s de Fev erei ro em Pari· s . M as seus fundamentos 1oram e
. dos nos mte. . . - de-
sen volVI rstic10s da prática cotidiana de con fronto · -
. ;,- como a petlçao de
massa, que teve ongem numa prosaica prá tica de negócios na Inglaterra· barricada
a
� ue fo i �� ada pela prim eira vez para defe nder as vizinhanças de Paris do� ladrões; e �
msurreiçao ur?ana, usada pela primeira vez para exigir trabalho em Grenoble an tes
de se t? �ar O instrumento de revolução na Bastilha. Do ponto de vista do repertárj o
e políuca p �pular os gr-ª!!Q.es even�os_�_ão frequentemente a culminação de mudan-
-�
ças estruturais que estavam germinando discretamen te· nO corpo político2 •
A mudança do repertório tradici onal para·o�;Õ é um exemplo disso. Ao pas­
so que º. velh o repertór� o foi paroquial, din�ta e haseago em valores corporativos, o
_ -- ---
novo foi nac10n�l, flex1vel e baseado em fonn._as.-a.u.tônmnas_de associação criadas
es�ihcamente para a luta. !'J o primeiro , a apreensão de grãos, os conflTiõs rehg10-
sos, as guerras por terras e os cortejos fúnebres eram separados tanto um do outro
como também da política da elite. Quanto ao novo repertório, ele tomava possível
que operários, camponeses, artesãos, funcionários, escritores, advogados e aristo­
cratas n:iarchassem sob as mesmas faixas e confrontass�-os-mesmo�topositores.
Essas mudanças tornaram possível o surgimento do movimento social nacional.
Este poder recém-encontrado no movimento teve um impacto profundó ria es­
trutura da política moderna. Se, a curto prazo, as pessoas que desafiavam a� autori­
dades sofreram repressão , num pràzo mais longo o novo repertório aumentou o
poder das pessoas comuns para desafiar governantes forçando-os, por sua vez, a
criarem meios de controle social mais sutis do que uma carga de cavalaria ou um
ataque com tiros de canhão. Com os anos, partes do n ovo repertório tornaram-se
componentes da política convencional. A greve tomou-se uma instituição de bar­
ganha coletiva ; a demons tração foi coberta por um conjunto de leis que tanto a re­
gulavam como a distinguiam de atividades criminosas; e os movimentos pacífic os
e a ocupação de edifíc ios foram tratados com mais indulgência do que a delinquên-
cia comum.
s entos?
Como surgiram essas mudança s e por que começaram em certo mom
Seguramente, os gran des even tos nacionais tiveram efeitos profundo : em fornecer
tos
modelos de ação coletiva e consciência coletiva para o futuro. Mas tais even fo­
ram episódicos e usualm ente limitados a um só país . Entretant ? , no co � eço do sé­
rnac10nal � ente
culo XIX, um novo repe rtó rio de confronto estava se torn�ndo mte
te n ham de1x� � o
co nhecido e amp lam ente prat ic ado . Embora eventos particulares
a superf1c 1e
sua ma rca nas mudanças que identificam os, devemos procurar sob
s tão poderosas na
desses eventos, em buse a das C ausas que produziram mudança
política popular.

em "Stucl ying Cont entio us P o litics:


24 . D esenv o 1vi. este argu ment o de u ma mane ir'a mais técnica · dh e 1m Ne1d-·
.
F rom Ev ent- f ul H1stor o vemen t C yc l es" · ln-
· Di eter Rucht ' Ruucl K o opmans e Fne
y to M
po rary Democ rac1e s.
hardt ( orgs . ) . Acts of Dis sent : The Stucly of Pro te st in Con tem

65
3
I m prensa e associa ç ão

m
Os movim entos sociais, como hoj e os conhe cemo s, come çaram a apare cer e
grande númer o durante o século XVIII. (Eles tiraram sua essênc ia das mudanças es ­
truturais associadas ao capitalismo, mas que preced eram a Revolu ção Indu stri al.
As princip ais foram o desenvolvimen to da imprensa comerc ial e os novos mo delos
qe associaç ão e socializa ção. Elas não produzi ram, por si só, novos desconten ta ­
mentos e novos conflitos , mas difundiram maneiras de preparar reivindicaç ões
que ajudaram as pessoas comuns a pensar-se como parte de coletividades mais am­
plas e no mesmo plano de seus superiores.
Os livros impressos existem desde o século XV, mas por um longo tempo fo­
ram escritos em latim, trat_avam principalmente de assuntos religiosos e eram ina­
cessíveis às pessoas comuns. Isso não significa que não fossem importantes para di­
vulgar informação - afinal, os primeiros tratados políticos foram os livros religiosos
da Reforma Protestante -, mas as publicações acessíveis tiveram que esperar que a
alfabetização se expandisse e que o preço dos papéis impressos baixasse. Quando
isso aconteceu, jornais populares, canções e panfletos impressos divulgaram ima­
gens de governantes e aristocratas nas mesmas páginas onde constavam bu rgu es es
e plebeus, mecânicos e comerciantes, moradores de cidades e notáveis rurais .
Novas formas de associação, já fora das herméticas fronteiras corpo rativas das
sociedades estamentais, desenvolveram-se em tomo da Igrej a e do com ércio antes
de serem adotadas por clubes de leitura, grupos reformistas e socieda des an ties cra­
vistas que corporificavam propósitos morais. Conflitos latentes entre p ess oas e
seus opositores foram transpostos para guerras de panfletos, canções ofensivas, ca­
ricaturas e impressos obscenos. Se o corpo da rainha da França podia ser retra tado
pela imprensa numa posição comprom etedora e aristocratas e co mu ns p od ia m
25

encon trar-se nos mesmos cafés e clubes de leitu ra, quanto tempo leva ria para qu e

2 5 . Antoine de Baecque analisa o pan fleto político p ornográfico d e 1 787 em diante no se u: "Pamp·
hlets: Libels and Political Mytholo gy" . Ver também a descrição de " Bod y P olitics " em Ci t izens, de
Schama, p. 203-227, e os libelos de M aria Antonieta a que ele se re fere. Schama escreve: "foi a su a [�e­
c u la
M aria Antonieta ] transformação , na França, em 'prostituta austríaca' . . . que causou dan os in ca l
veis à legitimidade da monarquia" ( p. 205) . Lynn Hunt, em seu texto Fami ly Ro mance of the fren e/!
Revolution, analisa o assunto em d etalhes.

66
0 pes c oço d o rei fo s s e para a gu ilho ti n a e m e mb ros, d e d t' ferent
es clas s es se un i ssem
em aço- es coleu·vas d e c on fron to ...,r
N o passado e u rop eu ' s olid aried a des co rp o rativ as e c o mun icações face a face
frequ e nte m e nte alim . e
nta ram epis ód io s d e con fronto . e on n·
it os re 1'ig 10sos
• p ro d. u-
z iram g u e rras e rev o l u ções ' cri ando op or tu "
m da des pa ra as revo ltas cam ponesas e
. .
fis cais . Mas, a partir d o sécu lo XVIII ' n o vas to rm as d e asso ciaça • - o , comun1· caço- es
.
r egu 1ares 11gan d o centro e p erife ria e a d'f 1 u sa- o da impre
· n s a e d o numero de pessoas
alfab etizadas produ ziram u ma m u da nça s e cu lar . J u ntas, imprensa · e • - p os-
. . . associaçao
s1bih tara � q u e p �ssoas a � plam ente e s palha das p o r c i d ades e regiões c onhe c essem
as resp ectI�a � �çoes e �� Juntassem em m ovim e nto s so ciais naci onais ultrapass an­
do largas d1VIso e s s o ciais ou geo gráfi cas .

A revoluçã o na impre nsa*


Tan to na Eur o pa como na Améric a a e xpansã o da alfabetizaçã o era uma deter­
mina nte crucial do surgimento da p o lítica popular26 • Sem a capacidade de l e r seria
difícil que o s in s urgentes p o t en ciai s s oube ssem das açõ es de o u tros com reivindi­
cações semelhan tes, a não se r pela comunicação boca 'a boca21 • Mas Jo hn Markoff
pens a qu e, das formas d e c o nfronto que acompanharam a Rev oluçã o Fran c esa ,
ap ena s a s r e voltas fiscais e ram es pecialmente características da z o na rural aliabeti­
zada ( 1 997: 383 ) . A alfab etização em s i foi men os respons ável pela e xpan s ã o d o s
movimento s sociais do que a p oss e c res cente de livro s , da mes ma fo rma qu e se ex­
pandiu a leitura de j ornais e panfleto s pa ra seto res s o ciais qu e antes tinham lido
pou ca c oisa ( CHARTIE R, 1 99 1 : 69) .
A de manda crescente por material de leitura e ra em parte resultado e em parte
cau s a de mudanças na pro dução e difusã o da impr ensa co m e rc ial ( C HARTIER,
199 1 : 70-76; DARNTON, 1 989) . Emb o ra um camp o nê s qu e p u dess e a ss inar o s eu
nome nu m registr o de paróquia pud e s se ter ou nã o a u to c onfiança para clamar p o r
:i

* O título d es ta seção é O mesmo que o da excele nte co l eção editada por R obert D amton e Daniel Ro­
che sobre O papel da impre nsa na frança antes e durant e o pe�odo revolu cio �� rio. Sou grato tamb � m
ao tex to de Benedict Anderson: Imagin ed Comm u nities: Reílec uons on the Ongm and Spread of Nauo­
nalism, cap. 3, que trata da origem de a l gu mas das ideias assumidas e ampliadas nesta seção.
2 6. Ver a cole ção editada por Jack Good y: Litteracy in Tradi tiona �,Socie ties, para uma boa in�roduç� o
a es te assunto . " Liter acy and Educ ati on in Engla nd, 1 640- 1 900 , de 1:�rence Stone. • L1�eracy m
Co lo nial New England, de Kenn eth Lockridge . • The Cultu ral Uses of Pnnt m E� rly Modem France, de
Roger Cha rtier contribu íram para a litera tura da Ing l aterra, das colôn ias amenca nas e da Fran ça res-
pecti va mente.
Franccs·a variaram segu ndo a p resen ça
- que surgiram na Revo l ,ução
27 · Me smo as r, orrnas d.e re b e 1 1· ao · ..
ff
o u a use- n eia . - o. p or e xemp l o , em The Abol1tl o11 of Feuda/1s111, p . 3 82- 3 83 , J ohn Marko
r b euzaça
· d e a 1 1a
- regiõ es segu ndo a força ou a fraqueza de um
. ostro u que a açao co 1 euva
m • rura 1 va r·, ava em diferen tes
i ndi cador primitiv o de a l fabetizaçã o.

67
em equ ipam e ntos caros para pub l i­
seus dire itos , u m hom em que tivesse invest ido
ir notí cias para uma a u diência m aio r
car tinh a um ince ntivo com e r cial pa ra prod u z
cul os d os rico s . Foi fora dos p ú b l i �
e enc ontra r ia essa aud iên cia apenas fora dos cír
com e rcia l qu e s e formara m c o­
cos a qu e se des tinavam os pro d u28tos da imp re nsa
com o Th e B a g ue, La u sanne e Fila ­
mu nid ades invisíveis de disc u rso • E m l u gares
j orn ais, pan fl e tos e desen hos
dé l fia, homens especia liza dos na pro du ção d e livr os,
lica çõe s.
em q u ad r inh os enc ontraram trab alho e l u cro com pub
para abr ir nov os merca dos
Em meados do séc u lo XVIII , inic io u -se " u m esfo rço
a lucr o do negocian te de
para a imprensa , que dife renc iava o imp res sor qu e b u scav
cen do não só as tend �­
livros manuscritos" e "trabalhava con tra 29o eliti smo , favo r e
, os vend edores fran ce­
cias dem o cráticas com o as hete rodo xas" • D e pois de 1 760
itaram aos só cio s
ses de livro s com eçara m a abrir ga binetes de leitu ra qu e "pos sibil
o caros se to r­
ler extensivamen te gastando pouc o e fizeram com qu e livro s muit
nassem um pouc o mais dispo nívei s" ( CHART IER, 1 99 1 : 70) . S e a l e itura expa ndia
o comé rcio, o inverso também era verda deiro : na Amér ica, obser va Gord on Woo d '
"o motivo mais forte para uma pessoa apre nd er a ler e escr ev e r, mais do qu e enten-
der as escrituras sagradas , era o desejo de fazer negócios " ( 1 99 1 : 3 1 3 ) .
A imprensa de língu a francesa estabele cida fora das fron teiras da França tipifi­
cou a intersecçã o de lucro e política na indústria de publicaçõ es. De um lado, pu­
blicações clandestinas que visavam o mercado francês permitiram que pequenos
estados �as fro � teiras da França enchessem seus cofres; por outro lado , impresso­
res e editores unham carta branca para produzir livros que e ram subv e rsivos de­
mais para sere � publicados na França. A " neutralidade" desses empr e endedores
_
era ta.o subversiva quanto o capitalismo e, pela mesma razão, em nome do l u cro
eram indiferentes aos clamores de credos religiosos ou causas dinásticas (EISENS�
TEIN, 1 986: 194) 30 • Um desses novos homens foi particularmente notável . Em
1 774, um fiscal de impostos falido , um inglês chamado Thomas Paine, d es ceu de

2 8. Os leitores irão notar o uso do termo "invisível" no lugar dO termo d e Anderson comunidades
"imaginadas" (1991) . 0 s comerc i. antes e exp e. dido. res de mercadonas . que lançaram o boicote do selo
em 1 765 em favor de seus mter •
e ss es com e rciais talve z am
· da nao se r e conhecessem como "ame rica-
nos ,, , mas fii car.�am surpresos em saber que s eus intere sses eram "imaginados"
.
29. Ver Rev o lutwn and the Printed Wo rd, de Elizabeth Eisenstem, · P 1 95 . Para uma h1stona . _ . da p ro du-
çâo de livros e da leitura entre os séculos XV ·
. I e XV III na França v e r The Cul tural Uses of Prin t i n Early
Mo dern France ' de Roger Charti'er · E' pre c i so 1 e r o trabalho d e RO b ert Darnton para entende r a impor-
táncia dos livros e panfletos proi'bi' dos no processo que l evou ª- R evo 1 uçao -
Francesa. Ver os seus tex·
tos The Busíness of Enlightment e The Lit erary Un dergro und of the Old Regi me.
30. Quando os hvr .
. e 1ros . é yp
franceses p ediram trabalhos de filosofia da Soc1é t T ographique de N e u -
châtel, o edi tor suíço respondeu .· "Na·o temos nenhum ' mas sab emos on
de achá-los e pod e mos 1ro rne-
cê-los quando pedirem" . Ci tado em "Ph'l 1 os op 11Y uucler the Cloak", d e D
arnton ; e m Revo l ut i on í n
Prínt, de Darn ton e Daniel Roche, p · 3 1 . N ote_ que o termo "t ra balh
. os r·llosófi cos" era um codinorne
1 oso r·ia pura, passavam p e1 os tex·
para um amplo espectro de assunLos censurad os que iam des d e a
-. f'l
tos pohucos e chegavam até a mais ou menos pura porn
ografia.

68
Um navi o em Filad é l fi a c o m u ma cai· t ''"' d e a prese n
• 1J res s or taç 'ã 0 el e B enJam
· 1· m F ran kl m
' - para
R ob e l·t Aik en , um conl1 eci· do nn na e i d a c] e. As ideia
r a1 mente nova s ou mes mo 1·'ad i' c ai· s 3 ' 0
L
· • s de Paine não eram
P a t 1cu l . pa c t ' , ·
• •

• g ra ne1 e 1m o que teve na h 1stona


d e veu- s e não a penas a seu pa Jel -
e m duas i.e v olu ç oes - am enc . ana e francesa - mas
_ •
a s eu ta lento c omo J o rna h• sta 3\ Paine Li n h a eh eg l
ac o nu � paf que ra l i teralme te
))
cob er to por papel imp resso . Âlém d os q uas e qu aren ta Jorna � � �
. . _ . is, havia cartazes, dis-
curs os,. r esu. mos_ de sennoes e ' ac ima de tu do , IJanfl e tos . E ra na forma d e pan fl etos
q ue as .un p hca çoes dem oc rátic as da imp ren sa rea lme nt e apareciam · . "M uito
· fl ex1ve-
,
is , fá ce is de .faze r e barato s , e ra m i1np ressos nas co 1 omas � • amen. canas onde quer que
houvess em nnp resso �as , �mbiç . o_ es .
mtel ectuais e p reoc upaç ões políticas" ( BAILYN,
1 96 7: 4) . Q uando P aine la c heg ou , a g uerra de panfle tos era uma parte familiar do
34
cenári o pol ítico _

· As comunidades de impren sa
A expansão das publica ç ões para um mercad o' de massa acionou um c iclo capi­
tal ista c ompetitivo . Dispu ta ndo o envo lvimento de novos leitores em seus empre­
endim entos , os editores cria ram comunida des invisíveis de imprensa. "Através de
cartas ao leitor e outros meios," escreve Eisenstein, "a imprensa periódica inaugu­
rou u m novo tipo de fórum público" , ajudando a criar algo parecido com uma opi­
ni ão públi c a bem antes da Revoluç ã o Francesa (EISENSTEIN ,- 1 986 : 1 96- 1 9 7) . A
Encyclopédie de Diderot foi apenas a mais bem-sucedida delas, ligando editores e
leitores, intelectuais e pessoas leigas, metrópole e províncias . Tais j ornais, como o
Present State of the Republic of Letters inglês e o Nouvelles de la République des Let­
tres de Pierre Bayle ampliaram lin h as de comunicaçã o para atingir assinantes isola-

3 1 . Ele foi, como H obsbawm observa, "o único membro da Convenção Francesa a lutar abertamente
contra a sen tença de morte de Luiz XVI " . Ver Labouring Men, de Hobsbawm, p. 1 -4 . Para uma abor­
dagem evo cativa e penetran te sobre a importân cia de Paine ver Republica nism and Bourgeoi s Radica-
lism, de Isaac Kramnic.
32. Hobs bawm: Labouring Men, p . 2. A linguagem de Paine parecia muito �� is co � a da Bí� lia do que
a linguagem de muito s e nsaísta s erudit os qu e escreveram panfle � os pohu :o� a t e a sua epoca. P� r
exemplo, ele usou parale los b íblicos para conve ncer seu públic o le1tor-de-Blbha de que a monarqma
causa a guerra e que, para os h e b reus anti· go s , "era consid. erado pecado reconhecer como monarca
qualquer pess oa além de Deus" (Comm on Sense, ed. Kukhc k, P· 8-9) -
33 . Bay1 m. r eJ ata que, em 1 77S , havia · tri· nta e oito J·orna is americanos "chei os de colunas com argu -
. . . .
ci· a m como carta s docum entos oficiai s, pedaç os de discursos
e
"'l n tos e c ontra-argument os que apa re ' . m, em lugares mus1ta- . .
"
- ,, . A taques . 1 ento s surg iam em toda parte e até almana qu es trazia
" J

e Sermoes v10 · . .
. ntários polín cos. Acun a de tu do , h avia -
dos e em co lunas ocas10na1s •. , u ma carg a c ons 1· derá vel de come . 1
panfl eto s" . Ver o seu Ideo log ical Orig íns of the Ame ric an R evolu twn , P · -2-
qua n do começo u a reação contra a Revo-
3 4 . o mesm o l ogo se tornou · verda d e ta m b e- m na lngla t ernr' . e ·
l uça- o F ran esa e m 1 7 9 2 , re p nm. i. .r a p rt e II· eI e Righ ts of Mm1 , d e Pam e, e se u A(;1 1.ess to t h e A �l 1 .esse1 .s L01
� . ·
� se ram Ver The Friend
s ofLibe rty , de Albert Go-
uma das prnnei ras tare fas que os m ag istrad os s e nn p u
odwin , cap 8
. .

69
dos , transnütindo un1 novo sent i do de m ovhnent o avan çado para seus leit ores "
(EISENSTEIN , 198 6 : 19 6 ) .
., .. tipo d e vida social s e desenvolve u e m torn o d a l ei tura e da troca d e li­
U 1n novo
vros e de papéis hnpressos. Na França , cidades provinc ianas, como Bes an ço n , ti­
nha111 bibliotecas públicas e clubes de lei tura . Até mesm o moradores de ci dade s
pequenas , con10 Saint-Am our, pedira1n permissão às autorida des "para alugar
u111a sala onde pudesse m se encontr ar, ler as gazetas e os jornais e sucumb ir aos j o­
gos de azar" . Na conserv adora Franche -Comté, o clero promov eu a distribui çã o d e
publicações religios as para combat er a secular iz ação (VERN US , 1 9 89 : 1 27) .
S e o livro foi a prhneira mercadoria produzida em massa, o s j ornais eram sua
extensão mais subversiva - como escreve Benedict Anderson ( 1 9 9 1 : 34-35) : " um
livro vendido em escala colossal [ . . . ] um best-seller diário" . Se um homem pod ia l er
sobre um grande acontecimento no mesmo dia que milhares de outros que el e n ã o
conhecia, todos passavam a fazer parte da mesma comunidade invisível de leitores.
E se um jornal descrevia as ações de governantes e dignitários na mesma lingu a­
gem que usava para discutir os feitos dos mercadores e comerciantes que o liam, o
status de governantes e leitores era nivelado . Em vez de virem de cima, de forma
autoritária, os jornais circulavam horizontalmente; "falavam de forma polifônica",
escreve Anderson sobre um outro tempo e lugar, "numa confusão de editorialistas,
caricaturistas, novas agências, colunistas [ . . . ] satiristas, oradores públicos e anun­
ciantes e entre eles funcionários categorizados do governo tinham que se acotove­
lar de igual para igual" ( 199 1 : 3 1 , 34-35_) .
Criados inicialmente em cidades principais, os jornais se espa l haram para as
províncias relatando os fatos na metrópole. Na Inglaterra, escreve Donald Read,
"tais jornais de província ajudaram a criar, fora de Londres , conhecimento sob r e a
política parlamentar londrina, recheando suas colunas não tanto com notícias lo­
cais, mas com notícias e comentários copiados da imprensa da metrópole, especi­
almente dos ativos jornais da oposição" ( 1964: 19) . Por volta dos anos 1 760, os lei­
tores de províncias estavam bem escolados em oposição política e isso ajuda a ex­
plicar por que se ergueram em apoio a Wilkes na década de 1 770 e responde ram
tão rapidamente ao movimento antiescravista uma década mais tarde.
Não era fácil competir com a imprens a da cidade grande, mesmo em te mp os de
revolução . "Desde as primeiras sessões d a Assembleia Nacional" , escreveu o Jour­
nal de Nonna ndie em 1 790, "esperávamos produzir nosso j ornal todos os dias, mas
descob rimos qu e não é possível manter a competição com os j ornais da ca pit al"
(MA RSEILLE & MA RGAIRE Z, 1 989: 1 0) . Como resultado , a imprensa da p rovín ­
cia tornou-s e um veículo para publicar no tíci as locais e expressar atitud es l oc a is
sobre os acontecim entos da capital, em vez de simplesme nte reimpri mi r n o tí c i as
do centro .
Os episódios revolucionários proporcio naram um terreno muito fé rt il para a
criação de n ovos jornais . A campanha para os _!;stados G erais na Fran ça lanç ou

70
u ma to rre nte de p u bli c a ç õe s : 0 cat álo g o d B'b I ·
e
ris , 184 pe ri ó dicos publ ic a do s s ó e m 1 789: � 3 � :tequ Na ti ona l e l i s tou, s ó em P a -
m 1 790 (PO P KI N , 1 989: 1 50) . A
revo l u ção de 1 8 48 teve um efe ito sim il a r , m as e .
. . m· esc. a l a �n
. t ernac1
. . 0na I . E 1 a cnou
uns d u ze ntos J orn a is ern P a ris e um a on d a de no v os
Jor nai s na Alem anha , mui tos
P ub li cado s e n1 lugar es t ão dist a nt es co mo os Esta do s U m'd os. N a 1 ta- 1 ta, mai
cem jo rnais foram reg istrados ape n a s em Flo renç a)5. · .s de
Enqu anto que os j ornais circ u lara m a i· dei. a d e mo .
vim en to , os movim entos ex-
pa ndiram o mercado para . t.as pess oas tent avam
. a .i mP rens a , P01s,
e tom ar part e - e m­
b ora ape nas d e iorm a Vlca na 1 - no que estava acon tecen do
em outro luga r Nas
_ .
suas propn as man chet es os jo rnais se anu n ciav am como agentes . • ·
d e moVIm entos.
. _ . _
Em Java, no 1nic10 do secu lo XX , a fund ação de um Jorna · 1 c h ama d o Th e World on
. .
the Mov e fo1 seguida por . Islam on the Mov e, "W;ork ers on th e Move e Th e peop l e on t h e
�ove (ANDERSON: 1 990 : 32) . Através da imprensa, pessoas em lugares tão lon-
ginqu os com ? � essina e Varsóvi a, São Petersburgo e Pequ im podiam imaginar-se
_ _
nao so como itaha?o � , poloneses, russos e chineses, mas também como jacobinos e
sans-cul o ttes, rad1ca1s e comu nistas e seu s inimigos locais como vass alos e rentis­
tas, aristocratas e capitalis tas .
Mais do que algo heroico, a imprensa popular fez da rebelião uma coisa co­
mu m. Se, em 1 773 , os moradores de Filadélfia puderam ler em jornais de Nova
York que uma rebelião estava sendo tramada no norte, ela passo u a ser algo imagi­
náveL na colônia Quaker (RYERSON , 1978: 43-44) . Se os cidadãos de Norwich po­
diam ler como milhares de pessoas em Manchester estavam assinando petições
contra a escravidã o , tomou-se intolerável deixar os escravistas em Norfolk sem re­
preensão (DRESC HER, 1 982) . Se um homem podia ler em seu jornal nacional
como os insurg entes em outro país derrubaram seu governante, fazê-lo tomo u -se
algo concebível em toda parte . Como Anderson escreve sobre a Revolu ção Franc e­
sa, "tendo ocorri do , entro u na mem ória cumu lativa da impr ens a [ . . . ] A experiên­
e, no
cia foi transform ada em 'conc eito' através de milh ões de palavras impressas
devido tempo, em um mode lo " (199 1 : 80) .

Associações e red es de mo vim e nto s


religios os e secu lares . Mas até o fim
As p esso as sempre se reun l· ram em grup os , . . .
n a socie-
po rati v s e com nai s pre dom inaram
- u 1 o XVIII as orga nu
do sec · a ço- es cor a u
_ , .
llia m Sew elJr . em rela ç a o a Fra nç a , V1sa -
Wi
dad e europeia. · Es tas, com o arg u me nta .
s d o q e a aq
· · -
u is1ç ao d e no-
· · s com unais
- 10 est abe lec ido u
.
vam ma15 a d eiesae de pn· V1· 1 eg . s em nom e de 1nt e-
·
r· •
vo s di. reitos e ben e 1c1 0s ( 1 98 0 ,· 1 9 86 ) · Em vez
de reu mr pes soa

- e L révo lutl o ns ele 1 848 , de Jac que s God echot. Para os


a
em 184 8 eSL riere,
35. O número rela tivo a Pari s
alha dora na �l e:�an ha e na Itál ia em 184 8, ver La P ressc Ouv
lio-
desenv olvimentos da classe trab . e m F loren ça' • v er Cle men tina Rot ond i: Bib
. n ais
· r ça- o d e novos Jor
G o dech ot (org.) . Sobre a pro l 1,era
grafi a dei pcriodic i tosca ni, 1 84 7- 1 852.
71
r a tivo s os divi d iarn
ress es emergentes ou conti ngen t es, o s la ços comu n a is e corpo
s comun ai s . Ern
em bolsõ es isol a do s o nd e se en fa tizav a m a s id e ntid a de s e dife rença
idadãos, co r­
qualquer ca s o, ess es la ços corpo ra tivos s e limit a va m aos pró s p eros �
ç a o fora de sua
poraçõ es de comérc io e clérigos , d eix a ndo a mai o r pa rt e d a p o p ula
proteção.
Mesmo quando as pe ss oa s se reunia m em grupo s e m torn o de obj etiv os conten­
cios os , seus laços se fund avam mais frequente mente n a locali d a de e na p roxim id ade
pess oal . Os conflitos religiosos dos séculos XVI e XVII pro du zira m centenas de gru ­
po s militantes por toda a Europ a, mas p oucos del es deram orig em a associaçõ es du ­
ráv eis, n o mínimo porque - uma vez estab elecidas - s uas igrejas d es apro vavam as so­
ciações independentes . Na F rança, o Movim ento Croqua nt, embo ra organizado
através de assembleias notav elmente parecidas com as modern as, e ra limitado por
l a ço s locais e s eus organizadores nunca foram capaz es de cons truir um movim ento
mais amplo (BERCÉ, 1 990) . Na Inglaterra, o infame "Gunpowder Plot" , origem do
Guy Fawkes Day, foi organizado por uma rede de amigos e36parentes católicos, a
maior parte deles morando perto uns dos outros nas Midlands • Eles e ram tão is ola­
dos das outras comunida des em volta deles que imaginavam que a destruiç ã o do
parlamento deflagraria uma revolta geral contra o regime pr o tes tante .
No início do século XVIII desenvolveu-s e um nov o tipo de ass o ciaç ã o pa ra
ajudar grupos ocupacionais a se protegerem c o ntra a expansão d o Estado e a influí­
rem na legislação em s eu favor . Na Inglaterra, onde o comércio era rei, a expansão
da taxa de impostos estimul ou tais grup os , já em 1 69 7 , a a gir e m em prol do s co ­
merciantes de co uros, em 1 7 1 7 dos curtidores e no s anos 1 76 0 dos vidr e iros e cer­
vejeiros. "A coleta de impostos indireto s " , es creve John B r ewer, " encorajou o sur­
gim ento de org aniz a ções que transcendem as fr o nteiras locais e regionais " .
Em meado s do século XVIII estava se d es envolv endo um a vid a ric a e variada
em torno de as sociações , tanto na Europa c o mo na América do N or te . Os funcio­
nários do governo a cabara m por depender delas p a ra t e r info rmaçõ e s e elas, por
s ua vez, cultivavam contatos c o m mini s tr o s e m e mbr o s d o parlamento pa ra me­
lhorar suas chances de obter tratamento favoráv e l (BREWER, 1 9 8 9 : 2 3 2-234) .
Mas a associaç ã o não permaneceria por muito tempo com limites tã o es tr eitos.

A modularidade da associaçã o
A I�g !at err� , ?��e nova s form as de as s o ciaçã o surgi ram do s mode l os comerci ­
.
ais e rehg10s o s 1mcia1s , es ta:ª à fre nte do contin ente . A agitaç ão antie s c ravis ta dos
_
anos 1 780 apare ceu p ela pnme1ra vez e ntre s eit as dissid ente s ant e s de se e xp an d ir

3 6 . " Neste pequeno mundo" (o dos católicos ingleses de classe superior) ,


escreve Antonia Frase r, "que
em nome d a sua segura nça se perpet uou atravé s de casam
, vez seJ• a mais
' entos, tal . . l es af1· r=ar
s1mp '"
que quas: todas as p essoas � ram aparen tadas" . Ver o seu The Gunpowcl
er Plot e especialmente O qua d ro
das relaçoes entre os conspi radores e o mapa de suas residênci as nas M '
, • - e· d a p • 35 ·
1 dlands. A cltaçao

72
p ara o s inte_r e� ses ind ust ria is de Ma n che ste r (DRE SCH ER , 1 987
: 6 1 - 63) . A Yo rk­
s hi re Ass o ci a tlon a do tou º : co mi t ês d e corres pon dê nci
a, q ue tinha m sid o usa d o s
an tes p or g ru pos de pre ssa o com erc i ais ( READ , 1 964 ) . A O ' Con '
nel s Cath o lic
As so cia tio n a do_t o u_ a táti c a de s ubs criç ã o do s gru pos de pressã o
me mb r o s c o n�ribu 1 re� c o n1 m 'vin té m ' por , pedind o para seus
_ � a no em p ro l da ema ncipaçã o . O su­
c ess o d o s c a t o h c �s foi a pre ciad o pelo s reformad o res par lam enta res, que usa
ram
subsc riçõ es p ara fin a nci ar as Poli ti cal Uni ons , que obtiveram do
parl amento a Lei
da Refo rma (TILLY, 1 982 ) . Por volta de 1 832 a ass o ciaç ão de pro pósi to
especial ti­
nh a se t orna d o u ma fo r ma inod u la r de o rgani z a ção soci al (TILLY, 1 995b , cap. 7) .
As c o l ônia s a me r ic a n a s d a IJ?-gl a te rra estavam mais avan çadas que a metr óp o le.
O m o vimen t o c o ntr a o Stam p Act foi prep arado por uma rede de comi tês l o cais
.
Co m o endu r ecim ent o da pol ític a finan ceira britânica , nos ano s 1 770, surgi u uma
nova o nda de comit ês e associ a ções. Uma a ss o ci a çã o nã o era mais limita da a mer­
cado res e neg o ci a ntes; em 1 772 os mecâni c os de Filadél fia fo rmaram uma Patri o ­
tic S ociety, que Woo d descrev e com o o primeiro grupo públic o de pressão , organi­
zado de forma nã o religiosa , n a história d a Pensilvân ia ( 1 99 1 : 244) . A isto se segui­
ram ·a ções similares em N ova York e Mass�chus etts em 1 7 73 , culmin a ndo na for­
mação da C o n tinenta l Ass o ci a ti o n de 1 774 37 • Q uando as primeiras armas fo ra m
disparadas em Lexington e C o nc o rd, uma rede nacional de associ a ções, mensagei­
ros e espiões esta va estabelecida 38 •
Na Améric a ; ta l como na Ingla te rra, a religião foi o berço do desenvolvimento
das ass o ciações , que a qui se deveu a inda mais à fraqueza da Igrej a estabelecida an­
tes da rev o l u ção e d o p a pel secular das igrejas nas comunidades locais (MOORE,
1994) . Hábitos e fo r mas de associaçã o aprendidas nas reuniões de oração e no tra­
balh o para erradic a r O sáb a do j udeu foram u tilizad o s eni. cruzadas mo rais e dep?is
_ _
em movimentos civis e s o ci a is . Ist o pode ser visto n o protestantismo evangehco
mili ta nte d o Second G re a t Awa kening. Qu a ndo o historiador Paul E. J ohnson exa­
min ou a est ru tura social da recém -esta belecida cidade de Rochester, Nova York ,
ele des c o b riu que p o r volta de 1 830 el a já p o ssuía uma rica rede de associações re-
ligio sas ( 1 9 78) .
O que era inte · ress a n t e em Ro che ste r nã o era o fat o de que uma n o va cidade no
. . . . .
eana 1 E ne· tivesse
· um gra n d e n u' me ro de igreJ·as · Afinal ' as 1greJ as unham sid o as

. . . . Revolu-
. · As prmc1
37 p a 1s font e s p ublicad as , a l ém de Frnm Resistan ce t o Revo luti o n, d e Maier, são: The
twn Is No B e n d e R i' c hard R e rson para a F1. 1 a e t . d -ir· a • A Pe o ple in Revolu tio11, de Edw a rd
.' n_a ry Po li tics in Massa chusets, e Ric hard D . Brown , p a ra
C ou nt rym w y 1 utw d
a ra ,Nov a York. • Revo
a n , pgu
B oston e s eu in terior. Charleston 's Son s of Ltb erty , p ara a cidade d a C a rol i na do Sul.
u . _ .
. · Como Richard D. Brown escreve, e m seu K n o w l edge is Powe r· "A di[ são de mfonn a çoes relativas
38
as b ata l has de Lexm . c 0 11· tagios
, a' , esiJ a• lha n do-se espont anea-
gton e de Co n co rd· i01· aol mesm o rtemr po m a da e nalizada a trav é s d e red e s de p a -
m_e n te d e p essoa u a r e 1J og a ca
para pessoa e d e lu gar p ara a rapi d ez , pe netra -
tn otas . C omo re s ul d o, as notícias s obre O co gn íl'It� : an gr· ento. corre
ta " ra m c om um
Ç à 0 so ci· l e . s n "'.. Am enca co 1 orn a ] ( JJ · 24
• vi· sto
7) ·
a alcance territorial pm . a 1s

73
m a trizes o rganizaci o nais da sociedade d a N o v a l nglat� rra p or duz �� t o s a n os . o
_
n o tável era a facilidade c o m que as associaçõ es com o bJ et l vo s es p ecia is fo ram for.
m a das co m pro pósitos seculares atravess a ndo a s linh as que sep arava m as ? en orni ­
_
na ções religiosas39 .Tais coalizões seri a m instrum en t a is n � s cru z a das � o ra is d o firn
d o século XIX. D o cadinh o das ass o ci ações do pr o tes t a ntismo evangé li co su rgiri a m
m o vim entos tais c o m o antimaç o n ari a , sabatista s, p ela tempera nça, de re nova çã o
..
eva ngélic a e seu produto mais revoluc ionári o - o abolici � nis m o • A? i:n u l heres ,
40

como um n o vo ator social nos movimento s p o pulares am encanos, o rgan iza ram - se
inicialm ente em grupos de igrej a e depois se volta ram p a ra os m ovim en tos pela
tempera nç a , abolicionista e feminista (COTT, 1977) .

Redes de movimento
Os centros potenciais de a ção coletiva não er am ta nto essa s o rganizaç ões for­
m ais, mas as redes sociais info rma is que c o mportav am e a s estruturas co nectivas
entre elas. Isso era a té mais ve_rda de n a França d o que na América, p o rque a legisla ­
ção a partir da revolucionária Lei Ch apelier restringiu o direito de associ a ção no
país. Sob o Antigo Regime, as guildas e corporações tinh am sido socieda des legais,
regulando o comérci o e restringindo p rátic as, m as as corporações de trabalhadores
e o associativismo mutualista (comp agnonnages) eram ilegais. Com a extinção das
guildas pela revo lução, as associa ções de trab alh ad o res perm a neceram, mas fo ra
da lei. Foi só nos anos 1830, e só brevemente, que ganharam forma legal, mas sua
repressão depois de 1834 levou os trab alha d o res a se orga nizarem em redes clan­
destinas a té 1848 (SEWELL, 1 986) 41 .
O mesmo aconteceu em áreas rurais, como o Dep arta mento Var. Tal como os
cafés ingleses, as populares chambrées, que se desenvolvera m no Midi nos a nos
1840, eram lugares onde se podi a beber c.o m a migos sem ser espion a d o por es tra­
nhos e sem p aga r o imposto sobre o álc o ol. Foi um conjunto de agrup amentos i n­
formais similares - e nunc a um sistema formal de associ a ção - que modelou os cír­
cul o s sociais compos tos por franceses de status superio r. Eles tinham em co mum o

3 9. P �r e �emplo, � ohnson mostra como o movimento saba tista, em Ro ch ester, foi estruturado por u01a
orgamzaçao de leigos protestantes de várias igrejas locais. Ver O seu Sh o k ee um, p. 109.
p p er 's Millermi
40. Sobre alguns padrões t ípicos de difusã o , ver Donald G . Mathe ws: The
S e c ond G reat Awak en ir ig as
an O rg ízíng Proce s, 1 780-1 830. Sobre o papel da religião na p rod u çã
� � o de movimentos pela mo ral '.·
dade cívi ca ver: Their Droth e r's Keeper, de Cli fford S. Griffin . • S ob e ring U l . l. • Ame�­
p, de an R Ty rrel
can Refo
� rs, 1 8 1 � -1 860 '. de Ronald G Wallers. Th e A n t is l a v e ry A ppea l , de Wal ters , t ra ta d a relaçao
e n �r� rehg i ao e anl1 �s� ra � 1smo. Um ':5 �ud o que enfa tiza classe , gên ero 1
_ e origen s polí ticas - e ta rnbé 11
religiosas - do aboh c1 omsm o é Abohc ronrsm : a Revolu tion ary M o
vement , de Herbert Ap the kc r .
4 1 . Isso n .ão era tão verdade em rel ção à classe média porqu e,
_ _ � em bora a leg i sla çã o rrances a p ro ib isse
a d1 �cussao s ob �e polít i_ ca em assoc iações , por vo l ta de 1 8 30 h avia
_ um grande número d e gru pos cul·
t� r� 1s e mus1c�1s, associ açôcs espor tivas e " cl u bes de cavalh ei
ros" apen as na capi tal _ ap esar ci o qu
e
d1Z1a Toc quev1l l e (HA R R I SO N , J 996: 42) .

74
su fi cien te para pe nn itir q u e s e t o rnassem c e n t ros de açao - co 1 et1va •
. q ua n d o s urgrn
. . a
op or tmu dade . Nesses l u ga res s e {Jodi a l er J. o rn a1• 5 rep u b l 1can
. . . ' os e se d esenvo 1 veu
u m s e nt unento de so hdaned ad e ' enqu anto ' •
O vi· aJ ant e oc as10n a l trazia • do
. • no t1-c1as
que a co nte c i a no in u ndo . As au to ridad es as t o le·rava· m 1· n 1· c1· a l men t e, m as passaram
. .s . .
a s er te mi das cmno locai pot enci ais onde se ins tigava a ação coletiva . " Para as
classes baix as da Pro : ença" , concl ui Maur i ce Agu l hon , "parti ci p ar de uma cham­
brée era , tanto ou in ais do que apre nder a ler, tornar-se ac ess ível a tudo o q ue era
n ovo, à muda nça e à independ ência" ( 1 982: 1 50) .
Grupos de sociab ilidad e cmno as cham b rées nos ajudam a entender o papel
subv ersivo que as redes inform ais desemp enh aram na difusão de novos modelos
de a ção coletiva. Os adeptos de P ayne, radicais e reformad ores na Inglaterra;
Whigs e patriotas nas colônias americanas; liberais, republican os e montagnards na
Fra nça; ca rb onari e maçons na I tália usaram os instrumentos de associação desen­
volvidos por grupos comerciais, religio sos e reformistas quando eram legais, mas
que podiam voltar a ser redes informais em tempos de desmobilização e repressão.
As redes info rmais, menos facilmente infiltradas pela polícia do que as associa­
ções formais e menos suj eitas a se dividir em facções, tinham vantagens num tem­
po em que os governos estavam se tomando cada vez mais cautelosos em relação
às associações. Elas podiam estar em redes de amigos ou de família, "ocultas" du­
rantes épocas de repressão e aparecer ativamente em tempos de tensão ou diante
2
de oportu nidades4 • Era difícil reprimi-las e controlá- las, porque quem iria se quei­
xar se alguém quisesse beber com amigos numa casa particular ou nos fundos de
um café?

Comunidades de impre nsa e assoc iação


Se a imprensa e a assqcia ção eram canais complem entares no desenvo lvimento
dos movim entos sociais , juntos eles eram uma combin ação explosiva. Como Ei­
sens tein observa sobre os clubes de leitura e socieda des de corresp ondência do fim
do século XVIII , eles não tinham um núme ro fixo de memb ros e, no caso de reu-
niões info rmais , não havia a questã o de ser ou não memb ro. Mas os leitores da
En cy cl op édíe e outro s perió dic os similares eram consc ientes de uma ident i dade co­
mum1 3 . P ara apoiar um j ornal eles o passavam a o � tros � om �sões seme lh � ntes e1n
comu ni dades invisíveis cuj a ampl itude só poden a ser 1magm ada e pode na ser fa­
cilm en te exagerada _ com o O fazia m seus edito res com amp la razão .

42. Po r exemp lo, Hobsbaw m e Rudé relat am alg uns casos _ em � ue as redes de agiiadores de Swing
era m o rga n iza das se u i ndo as l i n has famil iares . Ver Cciptcw, Swtti g, P· 205-2 6·
g
º .
4 3 · Ver Revo l u. t wn E• ·
i sensl ein (J 1 97 . V e r i ambém Tlte L1tern ,y U11 der g rnu11d
· an d t h e p rI n t ed 1YY1 1or d , d e - • ·
ce, Jack R. Censer e
º''J Lhe Old Regtm
• e, d e Darn lO n . • JJ ress a,1 d p0·1 ,· t 1cs - ln t lie Pre-H ev ol11c lo11a ry Fnm de
J ere my O. Po pkin (orgs . ) .

75
_
N a époc a da Revo 1u ça- o , a 111 · terse cç ao e n t re 1·m iJ re ns a e a sso c i açã o . e ra explíci ta ·
n
"N u ma ext ensão m a 10r . dO qu e fre quentem e n t e se pens a" es cr eve E 1 se ns tei , " os
even tos d e 1 7 88/ 1 789 na F ra n ça d e p en d a
. ' t nt o da s uspens ã o d os c,, o ntro les go-
. I m _ ª a sso ciaçõ es . A o m esmo
ven1 am enta is s ob re a p aJ a vra imp ressa e da l1b e raçã o da s .
e l e 1 ega hz o u cl ub
temp o em que o governo es tava co nvo ca n. do os Es tad os G e rais , es
p arisienses e s o1 to u da p nsa 1.
· - � algu ns 1vre ir os e ·
i mp r e s so r es . I sso r es ult o u n o q u e le-
febvre cham a de " u m_a e f� sao d e p a� e t0;. : fl u e es pant o u a s p esso a s d a ép o ca ,' 44 • O

que s e s egu iu foi a pnm ei ra ca mpan a d e 1 erad a d e o pini ã o públic a n a his tória.
· . .
A his tória da Inglate� ra e a m� is ª 'f a e ma is ava nçada a o unu imp re nsa e as­
socia ção. Por vo l ta dos fm s_ o s e cu fo ���II , a s a sso ci a çõ es da refo rma es tavam se

tornando ha' b eis· em usar a i mpr ensa p ara c o l o ca r seu s p o nt os d e vis ta. C omo afir-
.
mou uma dire tiva estra tégica de Lon dres p a ra a Sh e ffi e ld C o rresp o nding S o ci e ty:
· da· d e [ da reforma] na ilha mandar uma pet1ç . ao,
- .
se ca da soc1e no fm al
das contas ganhare mos terreno porque irá forçar os membr os do se-
·na d o a d'1scu nr· repe t·1 damente . o assunto e da mesma forma , suas deh-
- impressa
· . '. . _ . _ ao_
b eraçoes, s nos d1· 1,'erentes J ornais ira o despertar a o pm1
pública em relação ao nosso objetivo (READ, 1 964: 45) .
A liga ção entre impr ensa e a ss oci a ção e ra aind a m a is explí�ita n a América . Se­
gundo P au lin e Maier, duran te a contr ovérs i a d a �ta mp ct (L�i do S e l o ) � s S o ns of

Liberty em Co nnec ticu t "instruíram gru p o s l o ca is p a ra p�bhcar s eu s meto �os no
New London Gazette"' . Os impress or es e ra m m e mbr o s anv o s do Son s o f L1b erty
em Bosto n , Rhode I slan d e P ennsylvani a . Lo g o d e pois d a diss oluçã o d o grupo , em
1 766, " est es p apéis ·e outros c o m o e l es [ . . . ] s e t o m a ra m um fórum p a ra a discu
ssão
púb lica" (MAIE R, 1 972: 90-9 1 ) .

'Difu são por _coali zão soci a l


No sécu l o XIX , a s el i tes tinham um a fixa çã o em cl
ass e so ci a l: prim eir o em r ela­
çã o à Revo lu ção Fra nc esa , qu e tinh a qu e ser o u "b
u rg u e s a" o u s equ er s e b ase ar em
class e (FU RET , 1 98 1 ) ; dep o is e m rela çã o à form
a ção da m o der na clas se trab alh a­
dora ingl esa ; e , fin a lm en te , e m r ela çã o a o fra
casso do so ci a li s m o na Am é rica, qu e
se sup u nha esta r b asea do n a pre d o mi nân cia
d a e tni a s obre a cla ss e e ntre os traba­
lha dores imi gra nte s. Em tod o s os três c as os,
a cl ass e t o rn o u - s e
o e ixo a n a líti c o e
e m t o rn o d ela d eve ri a m gir ar os
resu lt a d os d os m o vim en tos
so ci a i s .
Ka rl M a rx foi o primeiro a pro p a gar a vis
ã o de
cu l o XIX se ri a fun da d o e m cl a sse . � qu e o m o vim en to s o ci al do s é ­
u m m o d o de � v e� @,Go: mn.__ 0 c___ a pi ta li s m o r o du zia
_ _P ~ -
liz a d o , a h o m o g e n e i d � de_ re__s ultante. d a
.._____ ------------
êlãsse-trahrtnad o ra c o mp�a s u a t e nd
-�

------------------------ -
ên ci a em c o mp e tir po r tra
....._ _ __ .. .
balh o . Qua n do
44. Ge orge Lefebv re: The Co min g of the Fre nch
Rev olu tion , p. 54. Ao
tia aos livr eiro s e com erc ian tes que
tin ham sid o pre sos dis tribuin domtesm o tem po , concederam an is ­
com o Eis ent ein sali enta em s eu texto "Re vol ext no,
utio n anel the Pri nte cl Wo rd"os com crí ticas ao gov er

76
•lil tele ctu ais ·jun tarmn seus esforço · s aos d os t raba
' , lha· d ores, e l es estavam d· eixan
. . . do
sua class e de o ngem como u m �m al el o cola pso i m inen te d
o ca pi t a l is m o (TUCK ER,
· 48 Quando class es di fer e ntes form aram
1 9 ?8 • 1 ) . . . coa 1 1• 2 oes
- - como no E rg ' ht een th
B rumai re of L o ui s B�nap a rte - , • sto � ra _a � e n as o re su l tad o de um estágio in terme-
ái
d i r o d e d es e nvolv un e nto qu e a h1sto n a log o t orna ri a arca ico (a p ud TUC KER
19 7 8 : 604 - 605 ) .
As so ciedades q u e p roduz iram os mov im ento s que enco ntram os neste e no últi­
mo cap ítu lo ainda ? ão era � as socie da des indu striais homo gênea
s p revistas por
M a r x ne m e r a � mais as s c ed
� � � des estam en tais que as prece dera m. Como puderam
prod uz i r mo vi � entos sociai s tao poder o sos como a abolição na Inglate rra, a i nde-
�� me -r-tG ana-e_a_R vo
� _ lução � cesa? A respo sta é que os laços tênues cria­
dos pela im p r ensa e associaç oes, pelos jornais anfletos e redes sociais m orinais
tomaram P-ossíve ce r to grau e ação coletiva coo rdenada que ultrapassava grupos e
��go�que. os .suP-,.
Qg �s "laços lõrtes''aaclãsse soci�amente consegutram:-
A class e social, vista como um componente analítico básico, é um conceito
e quivo cado pa r a explicar movimentos sociais, especialmente durante períodos de
rápida mudança social. Consideremos os primeiros trabalhadores industriais in ­
gleses: não er a fácil distingu i-los dos seus antecessores artesãos mestres e oficiais.
Quando cooperavam com estes últimos em movimentos populares no fim do sécu­
lo XVIII e- início do XIX, o u a coincidência era tida como acidental, como navios
passando na noite , ou uma fo rm ação social em "declínio" - artesãos mest r es e ofi­
c i ais -, estava sendo absorvida por seu sucessor em "ascensão". .
O resultado deste foco p r edominante em classe foi ofusca r u m grau importan­
te de coalizões interclasse, ligadas pela imprensa e asso_�iações a setores diversos e
frequentement e dive rgentes de movi m entos sociais. Foi através da difusão de in­
form ações e da fo r mação de coalizões dentro das organizaç ões de movimen tos q u e
as reivindic ações fo ram coorden adas e qu e a ação coletiva cooco rreu entre grupos
com ide ntidad es e interess es sociais dive rsos, através dos quais se propago u a me­
táfora de class e . A difusã o do confro nto , tanto por meio da classe quanto da coali­
zão, permaneceu como um p ro cesso ce ntral em movimentos sociais até hoje (MEYER
& RO CH ON 1 99 7) .

Laç os fra cos e mo vimentos for tes


(ás de gru pos h ? mog êne os, conrn " � l � sse ª
.tra so nã o que r dizer q u e os fo r tes l aço s Em locais ms -
.t ba l h adora" , na b ase d e mov1m • ent os sociais não são imp ort ante��
itu ci o na1· 5 co mo · d a d es
me nto e1 as so l 1' d ane
. ou a m1. n a , a cla sse foi O fun da
a fa' b nca
obl e m a é q\1 e ,_qrn, n clo se
cpri má ria s n a bas e dos movi men to s soci ais mili tan tes. O pr
hega v a 1o class e chn\lnuía e po-
s maw re5 , a ho mo gen eid ad e de
.
. a e r mar movimento •
bem- suce-
d i a in ib ir a s oI·
1 d . d a d e , o que o s mo
ane . . . vim en tos pr ec isa va m pa ra serem
• ·
dido. se up os so c1a is e l oca l 1' da-
ra m 1e0 r tes estruturas conec tiv .• • for mais en tre gr
as m
d es h e t e o . LIVE R, 1 99 3) . A so 1 1c · l an· e-
r g e- ne as e 1nterdepe n d ent es (M ARW ELL & O
77
de g �eves, �as era mui to m e nos
dad e de class e era um inst rum ento na prep araç ão
. · a te' s er con trap rod uce nte - nas inter a ç oe s su s te n t a d as c o :rn
imp ortan te - e po d ena . . . . . .
s.
t os soc i is nac1 0nm
auto rida des , neces sária s para cons truir mov nnen
a

Conclusões
a ried a de para os mo vi -
Ass oci ações prim ári as e contatos face a face ge ra tn s olid
. · outras . M as im-
mentos soci ais entre pessoas q ue se conh ecem e co n fi a m uma s nas .
· - e campa nhas de co alizão cons troe m es tru tur. as co n ectivas en tre
prensa, ass ociaçao . _
um número maior de pesso as e po s sibili tam a difu sa o dos �?vime n tos p ara novos
pu, bl"1cos. p enni· tem , assim , a forma ção de co. a lizões s oci ais froux• a• s, freque• nt e-·
mente continge n tes , lidand o com questõ es a fins ou para lel as e onginand o ciclos
maiores de movimento.
Em relação às primeiras ondas de ação coletiva , era fácil p a ra o s his to riadores
identificar as localidades e os atores devido ao s eu me n or alcan ce. Ass im, o geógra­
fo Andrew Charlesworth foi capaz de cara cteriz a r as revoltas ingles as de 1 548 a
1 900 delimitando com exatidão os seu s atores sociais e s eus locais geográfi cos
(1983) . A razão disso _é que a maioria dess es conflito s e n volvia um a categoria so­
cial particular vivendo num espaço territorial limita do e faze n do um co nju n to de
reivindicações distintas. Seus laços locais ou corpora tivo s d avam-lhes a confiança
e os meios de comunicação para atacar os outros de forma simultâ n ea ou a través de
uma série rápida de ataques. Mas esses mesmos laços limitavam s ua c a p a cidade de se
espalhar para outros lugares ou de formar coalizões com outros a tores s ocia is.
Em algum momento do século XVIII, começamos a ver a ampliação das reivin­
dicações, um alcance geográfico maior e uma capacidade mais suste n ta da de prepa­
rar a ação coletiva. Pauline Maier descobriu isso na exp ansão interclass e e in tercolo­
nial da resistência aos impostos na América nos anos 1 760 ( 19 72: 69 e 87). Seymour
Drescher observou o fato na agitação antiescravis ta n a Inglaterra ( 1 987: 80-81). Ted
Margadant também , em relação à interaç ão urban o-rural e class es média-baixa na
insurreição de 1 85 1 na França ( 1979, cap. 7 e 8) . Foram a imprensa e a associaç ão ­
e especialmente a combinação das duas - que tomaram possível t ais campa nhas su s­
tentadas de ação coletiva feitas por amplas coaliz ões com reivin dicaç
ões co n tra as
elites e auto ridades: essas campanhas criaram o movi men to socia
l naci o nal.
No entanto , os movimentos naci onais prec isariam mai s do
que O "empu rrão"
da imprensa e da asso ciaç ão; eles tamb ém prec isariam do i n cent
ivo de um objetivo
com um e de um eixo para centralizar su as reivin dica ções
. Eles enco ntra ram isso
na expansão do Esta do naci onal e na reaç ão a suas reivin
dic a ções e a s eu s inc en ti­
v? s. Os limi tes do desenvo lvi en to do sta do na cional e
� _ � s tava m no Imp ério Bri tâ­
mc? d� � ltramar, mas ua maio r mte n 1dad e foi vive ncia d a no s e s tado s pr é-revo­
� �
luc1 0nano s e nap oleon1co
s
s na França . No s dois extr emo s , os mov
se des envolveram em torno da armadu ra do Esta do imentos s o ci a is
n a cion al com o veremo s n o
próximo capít ulo. '

78
4
For maçã o do Estado e movi mentos so cia i s

Os estados nacio nais são atual m en te um 1oco


r · · - de
- centra 1 para a mob1h
tao
. ._ zaçao
op�mao que fre ��� nte� ente esqu ecem os que nem semp re foi assim. Na Euro pa
'

Ocid ental era difici! afirm ar que existi am estados nacio nais que mere cessem este
no me durante os secul os anteri ores ao absol uti smo. "De um lado" escreve Nor-
bert Elias em State Form ation and Civil izatío n,
os reis eram forçados a delegar o poder sobre parte de seu território
para outros indivíduos. Naquela época, a situação da organização mi­
litar, econômica e de transporte não lhes deixava escolha [ . . . ] Por ou­
tro lado, os vassalos, que · representavam o poder central, não eram
impedidos por nenhum juramento de obediência ou lealdade de afir­
mar a independência de sua área assim que as posições relativas de
poder do governante central e de seus delegados mudassem a favor
dos últimos ( 1994: 276-277) .
Em tal sistema, o confronto era constante e amplamente baseado no território,
mudando seus contornos de acordo com a situação dq monarca:- se estava tempo­
rariamente em ascensão ou passando por uma crise.
A partir do século XV, apro ximadamente, este padrão começou a recuar à me­
di da que a expansão de uma economia monetária deu aos reis poder de contratar.
s oldados mercenários, construir estradas para que pudessem distribuí-los no terri­
tóri o e contratar funcioná rios civis para coletar impostos, administrar as regras e
submete r os nobres das provín cias. O nde puderam estabelecer algum equilíbri o
entre a aristocracia e os m oradores de cidades que começavam a surgir, os reis de­
senvolveram um "mecanismo real" que levou à formação dos estados absolutistas -
com o na França (ELIAS, 1 994, cap . 2) . Onde foram forçados a dividir o poder com
se us nobres e, eventualm e nte, com uma classe mercantil firme, o resultado foi uma
m onarq uia constituc ional ou segmen tada - tomo na Inglaterra ou nos Países Bai­
xos. E, onde falharam totalme nte em ganhar soberania territorial , o resultad o foi
u m co njunto pou c o est ru turado de estado�nfecl erados - como na I tália ou nas
terras de língua alemã at é os fins da era moderna.
D u ran te tod� esse tempo , a p olítica de confro nto não ·sofreu interrup ção , mas
deixou de ser uma lu ta po r território s mais ou menos constante entre cavalei ros e
se us s eguidores para ocorre r em pe ríodo s al tern a d os d e gu erra e p az relativas, co n1

79
e x plosões de política popular em torno de terras , rel i gião , p ão e i mpost o � Ent re os
séculos XV e XVll, o conf onto popul ar desenvolveu -se e n t re a triade comp o s t a
r

por pe ssoas comuns, governantes locais e aspi ran tes nac i o n a i s ao p ode r, p a r ti cu­
larmente quando as guerras e revoluções a briam opor tun id ad es para as pessoa s co ­
muns. "Por toda a Europa" , escreve Wayne te Brake,
desafio s revoluc ionário s numa das partes de uma monarqui a c o mp os­
ta - usualm ente em oposiçã o à taxação do príncip e pa ra fi n anc i ar
guerras ou, como no século XVI, à ag ressiva dem a nda do p rín c i p e
pela soberania cultural (por ex. , re ligiosa) - ab riram oportunidad es
para atores polític os popula res em outro lugar ( 1 997: 1 2) .
Vistos pela perspectiva d a política nacional e através das narrativas historio­
gráficas sobre eles, esses episódios foram secundários em relação ao estabeleci­
mento dos estados parlamentares . Mas, cad� episódio maior de mudança política
abria oportunidades para pessoas comuns, seja de aliar-se a governantes locais
contra demandantes nacionais ou para ligar seus destinos a príncipes contra a s oli­
garquias locais. Usualmente elas perdiam, mas não antes de afetar o tipo de Estado
nacional que eventualmente surgia. Como conclui te Brake, "as pessoas comuns
puderam estar tão profundamente envolvidas na criação eventual de democracias
parlamentares exatamente porque, logo no começo da Era Moderna, eram uma
parte essencial do processo político" (1997: 14).
E atualmente permanecem' como tal. O que mudou foi a forma e a consistência
da sua presença no confronto político à medida que a forma do Estado evoluiu,
seja agrupando-se junto a líderes plebiscitários, parlamentos constitucionais ou
ambos. As maiores ·mudanç as ocorreram entre o fim do século XVIII e meados do
XIX. Isto não é dizer que a construção do Estado nacional só começou no século
XIX, mas sim que a consolidação do Estado, implicando a criação de formas nacio­
5
nais de cidadania e identidade, datam daquele período4 •
Alexis de T ocqueville foi o primeiro a teorizar sobre as implicações dessas mu ­
danças para a ação coletiva. Em Democracia na América e O Antigo Regime e a Revo­
lução ele afirmou que �liferenças nos padrões de construção do Estado produziram
diferenças nas estruturas de oportunidades de movimentos sociais. Estados cen ­
tralizados (-i.é. , França) se engrandeceram destruindo grupos intermediários e re­
duzindo a autonomia local. Isso desencorajou a participação institucional e signi­
ficou que, quando eclodi a m os confrontos, eles eram violentos e capazes de levar
ao despotismo.
Em con traposição, em est a dos fra cos (i.é. , os Estados Unidos) onde a socieda­
de cívil e o autogoverno local eram mais fortes, a participação era regular e espa -

45. Sobre a imbricação d a cons o l i dação do Eslado e a cidadania na Fran ç a v er Citizens, d e Simon
Schama, parle l . Sobre a relação geral ent re a consolida ção do Estado e a cida d ania ver Coerci o11 , Ca­
pital, anà Eu. ropea_n �Lates, � 90- 1 9:0, de Charles Tilly, cap . 4, Sobre os diferentes pad rões na c i o 1� 111s
que conduziram a cidadania nac10nal ver 5/rnplng Hlstory: Ordinary People in Europe nn P ol i1 1c s,
1 500- 1 700, de Wayne Le Drake.

80
onto e permi tindo o flores c im en to da demo craci a . A m e n ­
l h a da , di fundi ndo o c o n fr
sagem subja cen te de Tocqueville é que a criação do Estado g e ra uma estru t u ra d e
op ortunidade para a ação coletiva da qual as pessoas comuns tiram vanta ge ns. A vi­
são d e To cqueville fornecerá u m ponto de partid a conven ien te para examin ar a re la ­
ais
ção entre a construção do Estado e o surgimento dos movimentos socia is nacion .

Cen tralização e locali smo


Toc qu eville começa pergunta ndo 'p or que a revolução eclodiu na Fra n ça -
onde os camponeses estavam distantes do feudalismo - e não em países mais atra­
s ad os da Europa ( 1 95 5 : x) . Sua resposta é que na França o desenvolvim ento do
Es ta do tirou as funções positiva s da aristocracia e de outros grupos corporativos,
reduz indo- os à condição de parasitas na sociedade. Como a uma sociedade sem
grup os intermediários falta um amortecedor entre o Estado e a sociedade, os fran­
ces es tornaram-se "egoístas que praticavam um individualismo estreito e não se
imp ortavam em nada com o bem público" (p. xiii) . ·o resultado foi um igualítarís­
mo desconfiado , uma mobilizaç ão esporádica e sem controle e enfim a revol ução:
"uma força da natureza terrível e inflexível, um monstro moderno, de dentes e gar­
ras vermelhas" (p . 3) . N inguém iria querer viver num Estado como esse e , depois
de u�a década de terror e caos, seguiu-se um despotismo mais absoluto do que o
Antigo Regime46 • Aquele despotismo seguiu o caminho de seus predecessores,
nias, para Tocqueville, ele deixou sua herança num est�do jacobino que es timula­
va o conflito em perigosos confrontos periódicos.
Tocqueville estava tão tomado pelos horrores da Revolução Francesa que não
percebeu que, aà mesmo tempo, a cidadania estava sendo. inventada (cf. SCHAMA,
1989) e que os órgãos intermediários, como os parlamentos, <;iesempenhavam um
papel -chave em acionar o seu desenvolvimento .' Segundo t oda uma escola de insti­
tuc ional istas que o seguiu , a centralização tirava dos cidadãos o fio condutor ne­
cessári o, em sua sociedade civil , para · canalizar. o descont'entamento e transfor­
7
m á-l o em interações positivas e moderar as contendas de uma sociedade aquisitiva4 •
Na sua ausência o confronto - e, portanto , a democracia - levava diretamente ao
co lapso .
On de se poderia encontrar tal fio? Tanto no Estado como na socie dade a Amé­
. ric aJ acks oniana mostrou a Tocque ville uma imagem de espelho de u n1 Estado f�r-

46. As imagens de Tocqueville, tanto do Antigo Regime quanto dos governos que se seguira m, foram
feita s em term os demasiadamente gerais. Em relação ao Antigo Regime sabemos agora que ele e xa ge­
rou tan to quanto à sua força como a ele ter eviscerado a França ele seus corpos intermedi ários.
47. Ale xis de Tocqueville: Recol lections, p. 61-68 . Michel Crozier é o recente intérprete ele Toc queville ,
0 mais direto , que e sboça a tese forte da central ização e da desordem na ling uagem da sociol ogia orga ­
nizacion al. Ver The Bureaucratic Phenomenon, d e Crozier, especia l mente o cap. 8 . Ver também o ensaio
de S ta nley Hoffmann, "The Ruled", p. 111-144, sobre como a cen tralização elo Estad o e a atom iza ção
da sociedade civil produziram um estilo caracteristicamente francês de comportam e n to ele pro testo.

81
. fra ca u e o d sa ni mavam
em sua te rra natal . No s Estados
te e de u maso ci e dad e
: f
l orte :e stri n gi a a v i da de asso c i aç õ es e a po lí tica ci-
u.mºd os ne .nh u m Est ado cen tta
, . nc a lrnvia t i do os tra
dº .
1c 10n a
. , - .
1 s o rgaos m te nn e-
VIl que su �gia . .D e� fato. ' a Ame nc a n u
tava n a F ran ç a . M as h avia um equ i val en -
diários c uJ a ex1stenc i a T ocqu ev1· n e la me n
. gr u pos d e 1· 11 t er e ss e e n
as assemb lei as locai s que fo rn e-
te fu nc10• nal nas 1· greJ· as ' nos .
· te c ed o r frente à e xpan sã o d o
ciam au t J· u da aos am e rica nos e sefVl am d e amor
Estado (TOC ºª QU EV ILLE , 1954 ' cap . 1 6) . Com se u Estado fra c o e associ a ç õ es em
. 1 -
· ao entre os extremos d
expansão , a d emocr acia am en· can a p ôde evitar a osc1 . aç. o
· . o anarq
.1gu a11tansm , u 1co. e o desp otisn10 estata l que exis tia na França.
. , _ .
·
Mas se a imagem d e Tocqu eville de uma F rança pnvada de o rgaos 1ntermedi á-
· do Estado , o seu qu adro
nos exagerava tanto a atomi· zação societári a como a força _ , .
vibrante da América Jacksonian a subestim ava a relaçao que la h a:1a en tre a cons-
trução do Estado e O confronto. Primeiro , porque a imagem b u cólica que ele apre ­
sento u da América anterior à guerra civil deixou vaga a relação entre associa ção e
confronto . Segundo , porque ele errou ao considera r o cará �er não-europ eu do anti­
4
go Estado americano como ausência de Estado tout court
Começando com o segu ndo ponto, embora o Estado americano do sécu lo XIX
não fosse centralizado . , ele não era também um não-estado. Os federalistas construí-
ram o qu e era, nos fins do sécu lo XVI I I , um Estado efetivo para seus obj etivos, con-
seguindo consolidaç ão fiscal, redu ção da dívida, manobras diplomáti cas e expan­
são para o oeste (BRIGHT , 1 984: 1 2 1- 1 22) . O Estado que Tocqueville encontrou
em su as viagens era fraco, mas ele tinha sido enfraqu ecido não pelo amor pela li­
berdade ineren te aos americ anos, mas por u m �mpat e polític o entre dois sistemas
socioe conômicos em expan são basea dos no region alism o, o norte e o su l (p 1 21 e
.
134) . A fraqueza do Estad o era uma prop rieda de histó rica - e não natureza - do
de
Estado americano . Com o observa Charles Brigh t, "os p eríod
os de maior paralisia
na política feder al correspon dem aos perío dos em que a mob
iliza ção do par tido era
a mais elevada e as margens da vitória elei tora l as men
o"r es" (p. 1 3 6) .
E o con fron to america no? Tocqueville o obs ervo
u atra vés das lentes vermel has
do terror que havia dizimaçlo sua família e sua
classe. Não enc ontrando na da des te
tipo na América ele con cluiu que aí haviam
pou cos mo vim ent os sociais49 • M as os
Esta dos Unido s, nos fins do século XVII
I e iníc io do XIX , esta vam e xplodind o em
con fronto s ! A sabotagem ao gov ern o bri
tânic o e O sur gim ent o de um ex ército po­
pular nos a�� s 1 770 ; as reb eliõ es loc a
is que se seg uir am à rev olu çã o e que torna­
ram nec essan as tropas para suprimi -l as;
a opo siç ão e O apo io po p u lar à gu erra de

48 . Para i n dício s s o bre est e pri me iro po nto


. . l:d �. n g a n d o . . . . ver O me u tex t o "TI1e 'Ve ry , )•' ·· Sca t e
Bm Excess o f O emo crac
� � Len uous Po hu � s m Am e ric a" . S obre a qua l i da
ra c1v1 l ver n ui ld mg a New Am enc an d e st a t el ess el a America a n t es d a gue r­
Stat e, de Ste ven Sko wr on ek.
4? . As e xceçõ es eram s soci e dad es d a tem
perança , que e l e a chou s
çao, que el. ach o u pen�go so. Para um e t ran h as, e O mo v ime nt o d a a nu l a­
:, a anál ise mai s deta l had a
meu text o The Ver y Excess of Dem base ada nos diár ios ele Toc quevi lle ve r 0
ocracY' ·, s ta
· te n m· 1 cltng
· and C ontent io us Poli t ics i n Amen · · "
ca ·
82
1 8 1 2·' a mob iliza ção d e fronte iras qu e p rodu zi u a lJI·esi' d eA ncia· J ac kson; o fe rvor re-
ligi os o do S e cond G r e a t A w a k e ning que "se prop agou " e m amp 1 as [;aixas· ·
, estab e l . d e tern-
tório rs e c e m- e c 1dos: ess es epis ódio s esca pai·a m
do m't·d ·
· t 1-
. 1 o p l u ra 1 ismo
· 1ns
tu cio na l q u e T ocq u e VIll e pe nso u te r visto em su as
viage ns pela Amé rica .
Em 183 2, o c e ntro d e gravidad e dos mov i m e ntos soci ais ame ricanos aind a era
lo ca l, e isso ta nto s e ad e qu ava ao para digm a d e Tocquevil le como cont rastava com
as insu rreiçõ es qu e el e deplo rava na Fr ança. Mas, como em o u tros sistemas federa is,
lo calismo não significava u ma au sência de ativida de d e movimentos sociai s (WISLER
& GI U GNI , 1 996) . M e smo ant es da indu strializ ação, havia um ativo movim ento
d e trabalhadores com u ma fort e dos e do republ icanism o de Paine (BRIDGES,
198 6; TARROW , 1 9 98b; WILEN TZ , 1 984) . Os movime ntos r egionais e nacionais
já estavam desenvolv e ndo u ma capacida d e para a ação coletiva em uma dialética
tos ca com a luta nacional p elo poder e lançando as bases para a temperança e o
ab olicionismo e, indire tament e , para o primeiro movimento feminista no mundo.
O conflito seccional qu e come çara paralisando a realização de uma política nacional
resultou no episódio de confronto mais desastroso na história da nação - do tipo que
poderia transformar o Estado americano num moderno Leviatã (BENZEL, 1 990) . A
América podia ser d escentralizada, mas· nela não havia falta de confronto ! Havia
di ferenças na centralização do Estado, na associação e na ação coletiva entre a
França centralizada e a América descentralizada. Mas nos dois países a construção
do Estado proporcionou urna estrutura de oportunidades para o surgimento de
movim entos. D e ntre eles , aquel es c ompostos por pess o as comuns ajudaram a dar
forma a cada futu ro estado . Nos dois países - e, neste sentido , em todo o Ociden­
te - a expansão e a consolida ção do Estado nacional estimularam para que surgis­
sem movimentos sociais e as lutas das pessoas comuns ajudaram a dar forma ao
Es tado moderno . Neste capítulo , analisarem os corno a construçã o do Estado pro ­
po rciono u oportunidades para a polític a de confron to durante a fase de consolid a­
ção do E stado na Inglat erra, Franç a e nos Estad os Unid os.

_C o nstrução do Estado e confr onto


. Mesmo antes da revol ução de 1 789 e em lugares mais pacífi cos do que a Fran­
ça, 0 Estado nacio nal estava ganh an do um pode r nunc a visto ao estruturar as r �la­
çõ es en tre os cidad ãos e entre estes e seus governan tes. Estad os em expansão faziam
guerra e para tal prec isav am d e estra das, rede s postais, ex_ércitos e_ fábric �s de mu­
nição . Para financ iar esse s emp ree ndim ento s os esta dos nao po � enam ma �s d :p e � -
da stna
der d e um exce d ente tira · d o d os cam po n eses , mas sim do crescim ento mdu
, • ; estes, po r sua vez , prec is avam que a l ei e a orde m foss em man tidas ,
e do co m erc10 . _
.
qu e o a 1 1mento e1osse eiorne ci· d o , que as asso ciaç ões foss e m aut onzadas e que os. c1-
dad-ao s se capacita · ssem para co mpo r O exér cito , paga r os imp ostos e assu m1r o
contr ole da indústria.

83
Esses esforços na construção do Estado não pretendiam apoiar a m ob il i za ç ã o _
bem o contrário . Mas proporcionaram meios de comunicação atra vés d os qu a is a
opinião pôde ser mobilizada, criaram uma classe de homens com exp eriê n cia em
negócios públicos e conduziram a cobranças financei ras de cida dã os qu e n em
sempre estavam dispostos a pagar . Além disso, u m Estado que assu miu a res po n sa ­
bilidad e de manter a ordem tinha que regular as relações entre os g rup os , e is so
signific ou criar um arcabouço legal para a associação e também estab elec er m ec a­
nismos legais mais sutis para o controle social do que as cacetadas do ex é rci to o u
da polícia. Através desses esforços os estado s não apenas permearam a s ocie da de ;
eles criaram um conj unto padrão de papéis e identidades que foram a base da cida ­
dania moderna . Nesta matriz, os cidadãos não apenas contestaram a expans ã o d o
Estado; eles usaram o Estado como um ponto de apoio para apresentar suas qu e i­
xas contra outros .
O exemplo mais óbvio foi a extensão do voto e a legalização das reuniões pú ­
blicas necessárias para isso. Os estados burgueses podiam não querer ver trabalha­
dores em passeata diante da prefeitura ou camponeses andando em volta da pra­
ça da cidade; mas mesmo quando o direito de vo to era restrito, as reuniões e be bi­
das que faziam parte das campanhas eleitorais eram guarda-chuvas so b os quais
atores sociais "indesejáveis" e formas de ação contenciosas encontravam abrig o .
Mesmo sem eleições, escreve Raymond Grew, todos os estados "como se através
de um mé!�dato invisível, . e.ncorajaram
,. a facilitação da comunicação nacional e um
mínimo de educação universal [ . . . ] Quando a cidadania se tornou uma qu estã o
formal, adquirida através do nascimento ou de juramentos registrados pel o Esta­
do , ela passou a ser permanente, mesmo que _critérios específicos fossem alterados"
.
( 1 984: 94) .
Três políticas básicas - fazer a guerra, coletar impostos e fornecer alim ento -
eram parte da campanha promovida pelos estados em expansão para as segura r
e ampliar seu poder.-- Tendo começado sob a forma de pressões sobre os cidadãos e
esforços para penetrar a periferia, cada uma delas produziu novos canais de comu ­
nicação, redes de cidadãos mais organizadas e quadros interpretativos unificad o s
átravés dos quais as pessoas comuns podiam apresentar reivindicações e se organi­
zay Em estados tão diferentes como a monarquia liberal britânica , a Fran ç a abs o ­
lutista e a América colonial, essas políticas tornaram-se arenas para a construçã o
de movimentos, e movimentos - ou o medo deles - moldaram o Estado naciona l .

Guerra e movimento na Inglaterra


o
As maiores mudanças foram pro duzidas pela guerra e pel a co lo ni z a ç ã o, n ã
- apenas porque exigiram impostos e garantiram mais poder aos gov ern os , ma s p o ­
r

que mobilizaram pessoas de forma organizada e propor cionara m op ortu ni � a des


para a ação coletiva. A mobilizaçã o p ara a guerra tin ha sido u ma qu es tã o l inut a d a
até que os governantes, tentando re alizar suas ambições, for mara m ex ércit os re g u �

84
lar es n1 a i o r e s d o q u e o s se u s n o br e s p o de riam
lid erar o u do q ue p odenam
pos tos p o r me rce na, nos . .
O ta1 na nh o do s exé rc .
. ser com -
so ito s cres ceu geom etnc amen te no s é-
cul o XV III , e d a mes in a �o r m a a s e xig
T
_ ên cias finan ceiras e logística
cá-l os e m c amp � . D e re unw es inu ltin ac s para co l o -
. ion ais de ba talhõ es p rin c i pa
n á n os , o s ex e, rci t os t or n ara in-se na ci o naisS I ; e ' lmen te merc e-
a m ob i l ização nacion a l embo ra ão
ch egasse p er t o d os nív eis d o s écu lo XX , n
era grande o bas tan te para ca�sar um for
desloca ment o so ci a l e fin an cei ro - e a lgu mas v ezes te
revolu ção ( SK OCPO L, 1979) .
Na I ngl a ter ra d os fin s d o séc ul o XVIII, tant
o a formação do sistema partidário
com o as o p o r t u nid a des para a mobilizaç ão
fora m favorecidas pelas ativ idades mais
agress iv as d o Es t a d o brit ânic o : a col o n izaç ão e a guerra. Enq
uan to que os primei­
ros ano s d a g u erra a merican a p ro duzira m um mai or apoio púb lico
ao governo, os
últimos a no s d a g u erra, com a decepção, esfor ço financeiro e o med
o de uma inva­
são franc es a , lev ara m a tent a tivas de mobilizar a opinião de forma contínua. Eram,
inicialmen te, movi ment os centrados e m Londr es lid e rados pela e lite. Mas depois
de não c o nsegu ir e m enco ntrar uma nova base p ara a organização política nos anos
1 760 (BREWER, 1976, cap. 5), a oposição ao governo encorajou um ataque amplo
e contín u o aos ministr os em prol da reforma econômica. Foi neste contexto que
Wilkes fez seu famo so apelo ligando a guerra à reforma parlamentar: "A guerra ame­
ricana" , a rgumento u , " é, nesta época verdadeiramente crítica, um dos argumentos
mais fortes para a regu lamentação de nossa representação" (CRISTIE, 1982: 65).
Embo ra a política de Londres fosse a faísca p�ra es te movi �e � to , �ran�e parte
.
da oposição veio de regiões ,- - do país - como Yorkshire - C UJ O co erc10 foi sena ente
� �
a fetado pelos b oicotes çoloniais às mercado ria� inglesas e _ de� ms pelo blo�ue10 dos
portos americanos . O clérigo Christopher Wyvill, �a associaçao de Yorkshire, come­
çou suas atividades com uma plataforma que c ? mbmava um �pelo em favor da ref� r-
1 ( -

ma econom1ca- · e par 1amen tar com uma tenta tiva de cons - 1trmr
-- uma rede de associa-
• . A asso ci·a ção aprese ntou uma petição que obteve cerca de nove
52
çoes mun1cip
- · • a1s 1 -
_ .
·
m1·1 assinatu ras em Yorkshi·re e elegeu um comitê de correspondenc1a.

• nas tropas francesas contra a Espanha


50. Samuel Finer rela ta que , enq uanto O numero de •homens
1 8 1 2 · E ' enquan to os prussianos
_ reum· u 700 ,1· 000 para a campa nha russa em
1
era 1 55,1. 000, N a p oleao
T , .. ..-- -

reum. ram 1 60.1. 000 homens para a G uerra dos 5ete Anos ' 3 30. 000 foram recrutados em 1 8 1 4. Em rela-
- , o era proporcional : de 75 . 000
çao a Ing1a terra os nu. meras eram sempre menores , mas O cresciment
ho mens reunidos nas tro pas em 1 7 1 2 a 25 I0 1000 convoc ados no auge das campan has napo 1eõmcas. .
_ m_ Mili ta ry " , de Fine r , p. 1 0 1 .
Ver "State - and Na non
- .. 1 -
. Buildmg Europe..' The Role of the
. tnme . • 1 .s,tre dO éculo XVIII , de metade • r ·, a um terço das tropas de
5 1 . Finer observa que "no terceiro
• 1

� s " • Ver O se u '" 'Sta te and Nation Building in Eu ro -


qualquer Es- 1tado ainda• 1era compostO Por estrangeuo
1 ,

· ry " , p· 1 0 1 - 102 ·
pe: The Ro1e -o'f M1· 11ta
' . p ção ,' lquela fal ange merce-
52. Donald rRead escreve em .... 'seu.... Th e English Provmces •, 1que ele p.ediu '" 1o osi
o dr "�ssocia õe ç s nos vários distrilos do remo , atuan-
nária " que governava o 'p-,a �-s ;através .d� f: :rç:;' r:senta
m
,
g (
' . 1n 1tes erais dos Associated Bodies " p . 1 2 ) .
do através de seus :res • 1pecnvos
- comites, P P

85
go
for ma r um co m i tê pa ra ad mi nis tr� r uma �':_tiç ão não e �a al
Co mo já vim os , fot o co m tte de Yorkshi re s e
r
. Verd ad eir am en te no vo
novo na Inglaterra de 1 779 a pe la r efo r ma (R EAD , 196 4: 13 ) .
pr ess ão su ste nt ad
designado pa ra man ter uma e u
"m an ter um pé n as ati vida des de Yo rkshi r e p ara p romov r s e
Wyvill qu is e
co " (C R ISTI E, 19 82 : 76 ) . Seu ex em plo fo i seg uid o em Mid dl s e x,
pro gram a po líti comi tês si ­
seus co rresp on de ntes for m am
ar
Westminster e Gl ou cestershire, onde a cond ena do o esforço co m o
ira r qu e o gov er no To ry tenh
mi lares. Não é de adm
Con gresso Co nti nen ta l Am eric a n o.
uma ten tativa de im itar o "indisciplinado "
pr odu zira m um a re a ção contra a as­
Os tumul tos Go rdo n, em jun ho de 1 780, u
ext rap arla me nta r e as ram ific açõ es d o mo vim ent o em Yo rkshir e e em o ­
sociaç ão
guerra (READ , 196 4: 14- 1 6) . A re­
tros lug ares debilitaram-se nos último s anos da
olu ção Fra nce sa p a receu a mea­
ação se intensifi cou quando a fase jaco bina da Rev
Os a gita dor es jaco binos e os
çar as insti tuiçõ es britânicas (GO ODWI N, 1979 ) .
para a refo rma econômica
adep tos de Paine foram eliminados, mas os movimen tos
firmemen te a fu ­
e parlamentar e a guerra ,-que os haviam enco rajado estab elecera m
ado fez
tura forma do movimento social na Inglaterra . "A guerra fez o Estad o e o Est
a guerra " , escreve Charles Tilly ( 1975b : 42) . Mas, fazer a guerr a també m criou o
es paço e os incentivos para movimentos sociais.

O abas tecimento na França


As rei�ndicações coleti�a� não eram organizadas apenas em tempos de guerra,
mas_ t�mbem em tomo de at1V1dades de ro tina dos estados nacionais. Uma funçã o
tradic10nal �os estados europeus era regular o suprimento e O preço dos alimentos _
em pa rte tribu tando-os, �as ta�pém assegurando a subsistência e a ordem pú bli­
ca. No passado, a ba talha tmha sido travada principalmente pelos burgueses das ci­
d�des tentando ga nhar O controle de suas terras no interior. Mas , à medi da que as
cidades cresceram os estados .
se expan dtram e os mercados se institucionalizaram
. '.
1 -, - 1

os estados nac�o
1 '

na 15 se tomaram responsáveis por garantir o abastecimen to de ali�


men tas e cons1derados responsáveis quando isso falhava.
1 '

O abas tecimento de alimen tos nunca eS teve to talmen te fora do controle pú bli-
.
co . A insistência de qu e o come_ rc10 e a pesagem de a 1·tmen tos fossem f eitos em 1u-
_
,- ··, 1

ga r p úblico ' por exemplo , nao era apenas uma manetr .


a de assegurar sua tri bu ta-
ção , mas também padrões 1- i. mo de u a
un ida :e � ; . q lidade e preço (KAPLAN , 19 84 : 2 7-3 1 ). .
A um só temp o , com s , pre1e1turas igreJ· as e es ta dos es tavam dos envo lVI-
to
dos no contro le do abas tecimento de 1. '
1 1

a 1mentos · Mas " a l_ongo prazo , apenas os es-


tado� ganharam , de forma ine uívoca ' ma10r .
q poder de intervir no abas tecimento
de ahmen tos" (TILL T Y' 1 975a · 436) porqu e .
eram os es tados qu e , a final eram amea4
çados pela escassez e pelos confrontos popu
1 1

lares qu e poderiam gerar.


' 1

Como muitas outras coisas, a conexa-


- de d esord o en tre O a baste c1men
. to de a limentos e a
prevençao ens era m ais . _ .
. ex p1 Ic tta na mo r a o
um ad m m . IStrador do século XVll l , o J. ré- re- r . . _ na qm. francesa . De acord coTil4
p · qmsito para a ordem " era prover a su b

86
sistên cia das pessoas, sem o que não h á nem lei ne1n força que possa con tê-las" 53 •
De fa to , a obriga ção de assegu rar a subsis tência passou a ser vista como a principal
· resp onsabilidade patern a , pois "qual o dever mais solene de um pai do que prover
o p ã o de cada dia a suas crianç as ? " (KAPLAN 1 984: 2 4) .
Emb ora os conflit os sobre alime ntos freque nteme nte ocorressem quand o as
pessoas sentissem seus direito s à subsist ência ameaça dos, essa situaçã o só se gene­
ralizou "quando os estados começar am a assegura r a subsistê ncia daquelas popu­
la ções mais depend entes deles e/ou que mais os ameaçassem" .
Essas incluíam , de fo rma mais notória , as forças armadas, administradores d o
Estad o e as populações d e cidades principais (TILLY , 1 974a: 3 93 ) . Visto que esses
três grupos se expandiram rapidament e no século XVIII, não é por acaso que as
crises de subsistência .� as rebeliões por comida tenham marcado aquele século -
principalmente nos anos que precederam e os que se seguiram a 1 789. Com a difu­
são das ideias fisiocratas, a proposta de liberar o preço dos grãos foi contra a políti­
ca paternalista dominante de assegurar a subsistência das cidades - principalmen­
te de Paris.
O abastecimento de Paris era considerado uma · responsabilidade especial do
Estado , n ão só devido a enorme população da cidade, mas porque acreditava-se
(corretamente, como se viu depois) que os parisienses eram bem capazes de derru­
bar o governo . Assim, o Estado assumiu a tarefa de assegurar a quantidade de ali­
men tos fqrnecidos a Paris, assim como a qualidade dos grãos e da farinha que en­
travam na capital54 • Os conflitos mais profundos em tempos de escassez surgiram
entre funcionários parisienses e as comunidades locais que produziam grãos para a
metrópole e competiam para abastecê-la. "A luta intercomunidad es mais feroz
p elo abastecimento " , escreve Kaplan, "opôs as cidades de mercados. locais ao capi­
tal predad or" ( 1 984: 39) .
A resist ência assumiu forma física e legal. Nas épocas em que faltavam grãos,
ao m esm o tempo em que os consumidores bloqueavam a exportaç ão de grãos e
exigiam pagar u m "preço justo" pelo pão , os funcionários locais poderiam estar
exclu indo do comérc io local os que fornecia m para Paris, causand o longas demo­
ras no mercado confisc ando a mercad oria destina da à capital e instala ndo rotas
cl and es tinas de �uprim ento e reservas (KAPLA N , 1 984: 39). Isso resultava em re­
beliõ es recorren tes "que afirmavam o direito muito convic to da comun i dade à sua
subsis tênc ia" (p. 39) .

o ,
5 3 • o ad m 1· n1.s
· t Tad or era B er t·, e r de Sau VI·gny , cuJ· o m anuscrito não p ublicado �da Biblioteca Naci .nal
.
· · · n s" , é ci tado por Steven Lawrenc e Kaplan em seu Prov1s10-
"Obse rva t tons sur l e commerce des gra,
ni ng Pa ris, p. 23 .
54. A resp onsabi lidad e princi pal de assegu rar o supri mento de alimen to à capita l estava d ividida en­
t re agê ncias e inspetores . Ver Provis íoning Paris, de Kaplan , p. 36-3 7 , sobre c omo se est ru t ura ra m os
regul ame ntos relativos aos al im entos em Pari s .

87
n .
A revoluç ão de 1 789 , em b ora d e a g ia da po con
:: r fli tos m a i s a m p los r el at ivos
- r o fundam e n te o E sta d o na-
aos impost os e ao poder parl a mentar , m ostr o u q ua� p
.
o em con íl'
t t o s IJ o r al im en · - m u m. ci. -
tos . A s re b e 1 10es
cional p a ss a ra a estar envolvid
. . . fora m ra d 1' ca 1 1za· d as em
pais que se seguiram às notici a s sobre a qu e d a , da Basu' Ih a
_ . . . " (LE F EBVRE , 1 967: 1 2 5 ) . M es -
a lgu ns l u gares pelo grito de "pão por dms vin tens
mo os J. acobinos ' por medo de sere m fl anquea dos à s ua. esqu erd a q u an d o t orn aram
· -
0 poder ' a cha ram convenie nte esta b e 1 ecer p reç os má
ximos para o pao , man d an d 0
. _
exércitos revolucioná rios percorre rem as pr o vínc ias em b usca d e graos. D e u m
. � .

n· ·
conJunto d e con i tos 1 oc a 1s, p aroqu iais e ep isód icos pela subsi stenc1a , o ab ast ec 1-.
_
mento d e a1.unentos t orno u -se um fa tor pr incipa l de expan sao da revo1 u çao - . Ele s e
· . ano, . a te,
manteria como e 1 emen to 1mp · orta nte em c a da ciclo revol uc10n 1 848.

A arrecadação de impostos na América


O denominador comum de t�das as políticas dos estados modernos é su a habi­
lidade de aumentar a rend a para sustentar s u as o u tras atividades . O resulta do é
que(problemas fisc a is , escreve Gabriel,Ardant,
. . .
serão encontrados nos inícios de grandes mudanças soC1a1s 7 como a li­
beração dos serv.os na Europa Ocidental, a dominação dos campone­
ses na Europa Orienta_! , guerras pela independência (a de Portugal e
também a dos Estados Unidos) , revoluções, a criação de governos re­
presentativos etc . ( 1975: 167) .
O crescimento do Estado moderno foi m u itas vezes contestado por revoltas
contra a carga crescente de impostos. O odi a do gabelle na França e o dazio na Itália
levaram a revoltas que duraram anos. Na França , a tática d a monarq u ia de ve nd er o
direito de arrecada r imposto s para "arrend atários" a u mentou o ressenti men to das
pessoa s, ao mesmo tempo em qu e torno u mais fácil assalta rem o coletor . As revo l­
tas fiscais surgia m e acabavam, mais comum ente na perife ria do que nas zon as cen­
trais, mas eram decid idame nte restri ta s às classes m a is baixa s, como mostra a his­
tó ria das relaç ões entre a mona rqu ia franc esa e os parla men tos das
provínci as.
Foi some nte nos fins do sécu lo XVII I que as revo lt a s fisca is
pass ara m a te r um a
base s u ficie ntem ente amp la e se to rnara m bem orga niz
adas para se inse rirem em
movimentos nacio nais. Se os esta dos do fim do séc u
lo XVII I tinha m um no vo pro­
blema fisca l era porq ue a expa n são de suas amb iç õe�
exig iu u m grau de u nive rsa ­
lismo fina ncei ro que entrava em con tradiç ão com
sua dep end ênc ia das elit es cl er i­
cais e de p rop rietá rios de terras . As �uas elit es
p a ga vam pou co o u nenh u m imp o s­
to, conside�a � do qu e o des emp enh o mil itar da
nob rez a e O pap el espiritu al d o cl e­
ro eram su ÍLc1en tes c mo serviços ao Es tado
. ? . Os gov ern ante s q u e ousara m igua lar
a carga de unpos to s tiveram que enfr enta r a p ossi i i
b l d a de d e p e r der O a p oio de um
ou out ro de seu s pri nci pai s al iad os (AR
D AN T, 1 9 75 : 2 1 3 ) .
A dife ren ça en tre Ingl ater ra e o s pod
� e res con tine n tais foi que ela nu nc a t e n ­
tou faz er refor m as bás i cas e m seu sist
ema fi s c al . Em par te isso decorr e u d a ex p n
a -
aa
s ã o do comércio gl oba l - e m grand e part e britân ic o ou transp ortad o por navi os
britânicos - q u e p roduzi u vo lumosas rendas oriun da s de impost os internos e em
parte po r qu e o c e ntro e fe tivo do E stado britân ico era o parla m e nto, onde os pro­
pri etá rios de t er ras tinha1n a maio ria dos ass e ntos (ARDA NT, 1 975 : 207) . Assim , a
arreca dação d e r e ndas incidi a r el ativam e nt e pouco sobre a terra, ela qual d ep e ndia
55
a rique za da e lite parl am e nta r e p esadam e nte sobr e o comér cio - particu l armente
sobr_e o comé r cio com as co l ô nias. O qu e os am e ricanos chamaram de "Guerra
Fra nco -Indíge na" l evo u essas pre ssões a um ponto culmina nt e , porqu e sua manu­
tençã o era m u ito mais cara do qu e qua l qu e r ou tra lu ta britân i ca ant e rior e porque
o pa r la mento pr e feriu faz e r os colonc:>s arcarem com os custos do que aum e n tar
impos tos na Ingl a te rra. Isso foi j u stificado p e lo argument o de que a guerra na Amé­
rica do Nort e tinha sido fe ita e m ben e fício dos co l onos e, portanto, eram eles que
tinham que pagar por e la (ARDAN T , 1 975 : 204) .
Mas tal estratégia fiscal e ra t e m e rária, visto que os colonos americanos viviam
al ém-mar e tinham s e us próprio s gov e rnos provinciais qu e dependiam do mesmo
conjunto d e rendas qu e a pátria-mã e 56 • A nova política fiscal imperial não era ape­
nas ofensiva e difícil d e ser impl e mentada pelas dificuldades d e coleta; ela ameaça­
va a autonomia do siste ma político colonial que , por não ter um amplo exército,
era um instrum ento do gove rno indireto57 • Para colocá-la em vigor os ingleses teriam
que sttspende r a a u tonomia considerável que tinham con_c edido às colônias.
Havia uma razão fu ndamental para a teimosia do parlamento: ao recusar finan­
ciar uma gu e rra , s u postamente feita em seu benefício , os colonos estavam nada
menos qu e desafiando a expansão do Estado britânico. O parlarp.ento era "inerente
e inseparável da s u pre ma autoridade do Estado " , nas palavras de Lord Dartmouth
(MAIER, 1 9 72 : 233). Se o parlamento fosse desafiado nesta questão, o Estado po­
deria t e r qu e énfrentar desafios ainda maiores em casa - ou na Irlanda . .A primeira
grand e r e vol u ção colonial na história foi uma resposta à construção do Estado, in­
dicou s eu s limite s e demonstrou o poder do movimento para dar - lhe forma .

55 . De acordo com Daniel Ardant, em seu ensaio " Financial Policy and Economic lnfrastruc ture of
Modem S tates and Nations" , p. 202-203 , entre 1 736 e 1 73 8 , as receitas doméstic �s inglesas vinham,
em média, de imposto s sobre a terra, 1 7,5 % ; imposto s sobre vitrines , anuidades e funções, 2, 4% ; ta ­
1

xas alfandegárias, 24;6% ; impostos internos , 52, 8% ; e taxas sobre selos, 2 , 6% .


5 6. Por ex emplo , as despes as de Nova York eram coberta� por um imposto sobr_e a importa ção, um
i mposto interno sobre várias mercad orias e uma taxa de hcença paga por falcoeiros e mascates. Tal
como na Inglaterra , a terra só era taxada em tempos de guerra , e p_or isso cabia aos propri etários d �
te rras apenas uma peque na parte das despesas das colõni as e às cidade s como Nova York e Albam
q uantias desproporci onais de impos tos . Ver A People ín Revolu tion, de Edward Count ry man, p. 83 ,
sobre a estrutura d a receita d e Nova York.
57 . Por exemp l o, em N ova York , escrev e Coun tryma n , " the Sugar Act,. the Stamp Act e os Town-
. . .
sh end A cts" ameaçavam O controle da assem bleia sobre as finanç as pro � mc'. ms. A reforma elo serv1ço
da alfâ nde ga introduziu u ma burocracia forâne a , e o envio d e t ropas bntãm cas pretendeu dar a ela a
força para se impor.

89
O Esta do com o alvo e med i ador
e arr ecad a r i n:1 p ostos esti mu ­
Atividades como fazer guerra, abas tecer c i dades
etiv a . À me � i d a que as a tivi­
laram episódios novos e mais suste ntados de ação col
eara m as so Ci ed a des, os a lvo s
dades dos estados nacio nais se expa ndir am e p er m
ara centros n a cio nais de to ­
dos confrontos mud aram de atores privados e l o cais p
u os alvos da a ção c ol e ­
madas de decisão. O Esta do nacional não a pena s cen t ralizo
poio p ara as reivindica çõ es
tiva como involuntariame nte torno u-se um p on to d e a
edi
apresentadas contra antagonistas não-esta tais ao funci ona r como m a dor.
Na Inglaterra duran te grand e parte do século XVII I , como tom a mos con h e ci­
mento através da recente pesqu isa de Cha rles Tilly, os alvos das formas pre domi ­
nantes de confronto eram moleiros e mer cador es de grãos, a pequena nobreza lo ­
cal, membros da comuni dade e agentes periféricos do Esta do como a dministrado­
res de pedágios e coletores de impostos. M a s, a p artir do fim do século XVIII , com
uma breve inflexão entre 1 789 e 1 807, Tilly identificou um movimento decisivo
nos desafios coletivos que os afastavam dos alvos privados e locais em dire ção ao
uso de reuniões públicas, tendo como alvo o parlamento. Por volta de 1 830, o par­
lamento tinha se tomado objeto de aproximada mente 30% das reuniões contenci­
osas no sudeste da Inglaterra (TILLY, 1995a : 36). ·
A construção do Estado não apenas tomou o governo na ciona l um alvo para as
reivindicações dos cidadãos, mas também conduziu a s a ções dos cidadãos a um
enquadramento cognitivo e político mais amplo. A padroniza ção dos impostos,
das regras administrativas, das ca tegoria s de recensea mento encor ajou a formaçã o
de coalizões de grupos anteriormente opostos ou indiferentes entre si. A classifica­
ção dos cidadãos, que começou através de agrup amentos artifici a is (p. ex., pagado­
res de um certo imposto, mora dores de cert as cida des , condados ou départ em ents,
soldados convocados num certo ano) construiu nov as identidades soci ais ou es ta­
beleceu as bases para coalizões m a is ampla s58 •
Vemos m ais claramente este efeito integrador nos efeitos d a tributação sobre a
ação �oletiva. À medida que os impostos se desloc a r am de um a gregado de im p os­
tos diferentes sobre cl asses diversas de cid adãos p a r a impostos nacion ais simplifi ­
cados, coletados po r uma burocr acia central, a s revolt a s fisca is puderam u ni r di­
versos grupos sociais e loc alidades A convoc a ção teve um efeito semelhan t e - e s­
p �cialmente quando a resi� tênci a a ela est ava liga da a obj eções ideológic as ou re l �­
1

g10sas. A revolta da V endem, que se seguiu à Revolução F rancesa , fo i apenas a pn ­


meíra de uma séri e de tais movi mentos culmin a n do, m ais recen temen te, na o p osi-

58· Os dé arlemm ts, criados du ran t e a R evoluçã o France uí­


� sa eram um e xemplo arquetíp ico . C ons t r
dos a pa r u r de c� lculos de canógrafos � receb endo
o n om� ele qualquer ri o que pa ssasse p o r ele os s,
de pa rtam entos Unham a funrão '' ·'is de.
. ·'rc
... de q e,]1rar ve· I I ias l ealcl ades prov inciais , es pecial m en te e ll\
. _ ta ia . . . �
i � legraça_o _r� q� e ll_. n ha, m sido m<l1rc t ament. e go ve rn adas pe r eação i\s p .
_
la mon rquia. Mas, m
oh
ucas t.emtona1s e f1sca 1s <lo Estad a e · t r•1, t ivas t.:
· ts
. . - o , e 1 es e ve mua 1 me nt e fizeram surgir ident idad es a dn un
de pois polf u cas.

90
ã G rra do Vietnã , e 111 que o gatilh o par.n
ç o à ue m obi bzª
. .
aç ao foi a resis tênci a à c o n -
vo c açã o (TILLY , 1 964 , cap . 1 3) .
_
U m dos resultad os d .
essas inud an ças fo 1 o d ec 1 ín 10
. m .
a ssiv
, o d a v10
. 1 encta
- p or
co .
o casiã o dos nfrontos ( TILLY , 1 9 95 a . 35) . O utro fo 1. o surgi· m ento d e 1ro rmas d e
c on fronto n1ais integradas à polí ti ca d o que as pn. me 1ra . s - om -
a aça o 1. n d ustna
. 1
bri tâ n ica, os mo vimentos relig ios . � �
os ainen ca nos e o repu bhca msm o franc ês Um
.
, e . qu e o proces
101
terceiro so de c rescim ento e e onso lI' daça- o d o Esta d o tinha não só
n
que c o s1' d erar a vonta -. . ,
, de popul ar , mas estar prepara do para e 1 1mma-la quand o es-
cap asse ao contra 1e . As duas áreas mais caract er fs t·1cas d o cresciment o d o Estado
, _
n o se culo XIX - a expan sao do vo to e O crescim en t0 d e uma p o l 1c1a ·
' • pro r1ss10na• 1-
.
es tavam amb as 1 1gadas ao medo do confro nto popula r.

Votos e não barricadas na América


O fato fundamen tal � obre os trabalhad o res american o s no século X I X foi que,
_ _
co mo resultado da VItona de uma revo luçã o pel o s direitos do cidadão anterior à
existência de uma classe trabalhad o ra industrial, esses trabal had o res úveram o
v��o muito antes em seu desenvolvimento d o que na Europa. Iss o não apenas sig­
mfico u que sua ação coletiva fo i canalizada pelo vo t o � signific o u que, no futuro, a
sua parúcipação s eria territo rialmente orientada. E, visto que a maioria da classe
trabalhadora era urbana desde um estági o muito inicial, a sua ação coleúva visou a
políúca urbana , cuj as máquiiias políticas vigorosas poderiam usar seus votos e
dar-lhes canais de mobilida de ascenden te.
Esses fatores i nsti tuci o nais fizeram c o m que a classe trabalha dora america na
fosse diferente da que estava surgin d o na Euro pa Ociden tal na mesma época (cf.
AMI NZADE , 1 993) . Em 1 830, os trabalh adores americ anos partilh aram com seus
primos ingleses um repu blicanism o artesã o , c o mpre ender am a chega da do sistem a
indus trial de mod o s emelhante e usar� m a mesm a linguagem de senh or e escravo
(B RID GES , 1 986: 1 5 8) . Mas o fa t o de vo tarem num Esta do já permeado por elei­
çõ es "m ud o u a aren a em que as recé m- cria das classes trabalha doras lutavam para
ca
atingir seus obje tivos" (p . 1 6 1 ) . C o m o A my Bridges con clui , "núm ero, a_ bus de
toral, tud o
aliad o s , dispersão ou c o nce ntra ç ã o ge o grá fica e as regras do jog o elei
afetav a a capacidad e pol ític a das clas s es trabal hador as" (p. 1 6 1 ) .
es que alim�nta ram a máquina
Des de entã o , a int egr açã o das ond as de im igrant m os trabalh a­
i n dustrial americana foi div idi da en tre o s sin dic ato s, qu e orga mz ara
bus caram seus vo-
do res segund o a o cup aça- o , e as má qui nas polític as urb ana s, que . " ,,
45- 7 2 ) A cl a sse , co m o
tos a través d e 11n · h as te rr it o ria is ( KA TZ N ELSO N , 1 98 1 : · l1a que
a fáb ric a ' ma • ões e la tm
s na s e 1 e1ç
ca tego na· organ 1. 2a da , es tava pr esertte n . . . e e t n . a , a mb os assoc i. a­
c o m p etir pela lea l da de do s tra ba l ha do res co m o tern_t o n � � �
ele longo p raz o ,
As ten dê nci as ms ut uc wn ats
d os a o parti' d o pe 1 .a po 1 i, nc
. a e 1 •
e1 t o ral . . opo r tumd . a des
ger r m - e m olcl aiam -
Cria d as pe 1 a d e term 1naç - revo l uc 1· on ária ,
a a
. ao _
r m ui t a s g e ra ç oe s.
P olític a s p ara os tra bal ha do re s p o

91
Rep res são e cid ada nia
as de lon go p raz o n a estnt tu r a do Es tado criar a m op o r­
N em to d as as mu da nç
a o con fro nto ; mu ita s vis ava m de lib er ad am en te �p � na � co � t ro lá- la s.
tun ida des par dtcaç oes co l eti ­
ns ist en te etn fav or ele ret vtn
Qu an do a ide ia de un ir- se de mo do co tas lev ou _ os_ e S t ad os n ac_i� n a i s a
nte dif un did a , o 1ne do de revo �
vas estava am pla me g1
_
os du eit o_s de reu mao e as­
e a apr ova r leg isla ção qu e res tnn �
for talece r a pol ícia
ão. Não par ece aci den tal , por exe mp lo , que os ing les es cnass em u m a força
sociaç
Pet erl oo, qua ndo t rop as des c o nt ro la­
pol icial pro fission al dep ois do ma ssa cre de59 m en to
• Um segund o gra nde fortaleci
das atir aram em trab alha dor es des ann ado s
das con test açõ es trabal histas , pa rtí­
das forç as pol icia is coin cidi u com o aum ent o século XI X60 • Os
e em 1nas sa se dese nvo lveu nos fins do
cula m1ente quando a grev
pop ular i
ritmos da repressão acom pan hara m o puls o da polí tica
es que fizeram as au­
Na Fran ça, foi mais o med o de insu rreiç ões do que as grev
is de cada onda de
torid ades planej ar nova s estra tégia s para manter a orde m. Depo
agitação revolu cionária ( 1 830, 1 848 e 1870/ 1 87 1 ) , faziam -s e nova s tentativas para
restringir a ação coletiva, sej a limita ndo a associ ação como prepa rando as forças da
ordem para a guerra urbana . As duas medid as eram aparen temen te draconia nas,
mas cada uma delas se adaptou , a longo prazo, às pressõe s inexorá veis da cidada­
nia e da sociedade civil.
Em relação à associação, "a lei e a prática administrativa na França proibiam a
discussão de política nas associações [burguesas] " , escreve a historiadora Carol
Harrison, mas isso não impediu que milhares de franceses se ligassem a elas (199 6:
45) . Isso deu ao Estado o poder de investigar associações que considerassem pe ri­
gosas. Mas a cada abertura de oportunidade política surgiam formas novas ou revi­
sadas de associação que escapavam das autoridades através de sua ingenuidade ou
aparente inocência61 •
. Quanto ao � ombate à insurreição urbana, a polícia ga,nhou a batalha. As ba rri-
cadas que surgiram durante as revoluçõe s de 1 830 e 1 848 correspon d eram a um
· temporano
eqm· 1 1-bno - ·
, · de po d er tecmco entre os insur gentes e as auto ridades. P o r

59. A sequência levou até 1928 para ser c o mpl eta da. Ro b ert Peel e, port a
( nto , os "tiras") que t i nha
antes servido O governo na
. · Irlanda· an t es d e se torna r primeuo · -munstro
· • , cnou
. la, os precu rs o re s d·'1
policia civil inglesa ' sob as circunstân c1as . d'I ff .
ce1s d o governo co l ama · c1· v1· 1 111
· d1<·a-
. . · l . Tal como o serviço
n.o, CUJ as hções foram depois transfer . d s para I n gl aterr
perím en lação para inovaç ões metro p�/t
ª a, a colô nia irlande sa era um cam po de ex·
I ana s na con s trução do Estad o
60. Sobre este desen vo l vimen to ver p 11 .
c L ; ;i n g In� u s t rral Di sp u tes, 1 893 - 1 895, d e R o ger G e a ry. • Cou-
flícl and Order : The P l i d b
o e an a or i pu t c s m E n gland
aqd Wales, 1 9 00- 1 9 3 9 , de Jane Mo rga n .
6 1 . Por exem p l o • os banqu etes que marc ara m a t
d ese ncad ear a revol d e e rm 1 n a çã. o d os republ icanos de a m lia r o vo t o e
ução de 1848 eram rep etiçõe . p
. .. ·
transição para o regi me d e Or l ean s em 1830
s ' em esc al a maior • , cl a 9ue les q ue t inham nu1rc,H1 ll ,1
r, , ·
E m nenh u ma de ssas ocasiões as ,1 ut o rid a cs pudenun ·
contro l ar a prope nsão natural dos ranc esc s d
de ja n t ar
' j
• u nta s e seren1 saciáv ei s u ns com os ou u.t)S
(COR.B IN · , I 994 ; TOCQU EVI LLE, 1 98? )
.

92
vol t a de j unho de 1 8 4 8 as barri .
ca das tJarisi en ses na�0 pu d eram mais . res1st1
. .
r ao po-
.
l
, . •
der d e 1r-ogo d o exe rcito e nuu tas for am derr u bad as (GO ULD , 1 995 ,. �fRAUGOTT
·
! 9 95 a ) . Sob. O 5 egu n d o _nnpe , no, , a rees tru tura ção
de P aris p elo B arão Haussman�
selo u o d esnno d as b ar ncadas .
co mo arma defe nsi·va . H aussm an n su bslltum . . as rue-
l as desor. d. e na d as d as regi ões anti gas de P aris JJela s 1 argas avem' d as d a atuahdade .
P a ra fac11ltar o uso de can hões no comb a te a fu turas b arnca · d as.
No enta nto, o declí n io das barri cadas tev e um er1e1· to 1 atente, 1 evan d o ao d esen-
. .
volVIm�nt? de novos 1nstru men tos de agitação pelbs milita ntes da classe trabalhado-
ra - prmc1p almen te a greve e a de mons tração pu' bli' ca . Ambas eram mmto menos
a �eaç adoras à orde� �epublic ana e, portanto , mais difíceis de reprimir . Nos fins do
�ec� lo �IX, t�nt� a J u nsprudência como as convençõ es da prática policial levaram à
mstituc10nahzaçao dessas novas fo rmas,: culminand o no desenvolvimento do service
d'o rdre, através do qual os participantes de demonstrações concord.a ram basicamen­
te em policiar a si mesmos (B RUNETEAUX, 1 996 ) . Os instrumentos característicos
da política popular do século XX surgiram de uma dialética de longo prazo entre
protestos violentos e repressão do Estado, igualmente violenta.
Esta lição pode ser generalizada : à medida que os movimentos aprenderam a
usar o aparato das comunicações nacionais e dos estados consolidados, os gover­
nos tiveram que aceitar, de má vontade, formas de ação coletiva cuja legitimidade
tinham antes negado.
Os líderes ingleses, que tinham condenado como subversivas as petições em fa­
vor de Wilkes e que ligaram a assodação de Yorkshire ao Congresso Continental , fo­
ram fo rçados de fato a aceitar as petições de massa e associações políticas como legí­
timas . Houve uma reação durante . a guerra com a França, mas, no início dos anos
1800, as ,associa ções voluntá rias eraqi tão comuns na Inglaterra que seus responsá­
veis guardavam seus fundos e pa péis em caixas de segurança (MORRIS, 1983:
95-1 18) . Por volta dos anos 1830, a associ ação privada com a finalidade de promo ­
ver objetivos do grupo era uma parte famili ar do c_e nário políti co (TILLY , 1982) . .
Nem mesm o na Ingla terra libera l pode mos imag inar que o progr esso dos mo­
vimentos socia is não tenh a enco n trado dificu ldádes. Isso porqu e, depo is de eclo­
dir a revolução no contine nte euro peu , mesm o os movimen tos refor mistas bran ­
dos, como O britâ nico , desp ertava m susp eitas de sediç ão entre as elites assustadas.
livros e panfleto s eram cens urad os , asso ciaçõ es radic ais bani das, e mesmo aquelas
ticas ina­
mo deradas perd eram asso ciado s . "O resu ltado dest a confu são e das polí
de qu adas dela deri vad as" , obs erva Mal colm Tho mis e Pete r Hol t, "era , frequente­
ernos, conclu ­
me nte, a criação de revo lu cion ári os em luga res inus itad os" . Os g�v
e m eles , "aj udara m a cria r e sust en tar o pró prio perigo que eles sup ostamente que-
ria m evitar" ( 19 77: 2) .
s e seu potencial de
P or volta da segu nda m etad e d o sécul o XIX os m ovim ento
o vo t o , ac eitar a le g itimidades das
ru p tu ra levaram os esta d os n acio nais a am pliar
asso ciaç ões de mass a e abri r n ovas fo rmas d e parti cipaçã o a seus ci d a d ã os . Pe fato,

93
a cidadania surgiu através de uma dialética bruta entre m ovimentos - reais o ap e­

.. nacional.
nas temidos - e o Estado .. As reformas
.. de Estado
.r foram resp oSlas di re tas
aos movimentos sociais ou tentativas ele prevenir o seu dese nvolvime nto: d as re­
formas pós-revolucionárias pelo voto na Amér ica à l egi sla ç ão d as fá bricas na I n gl a­
terra nos anos 1 840, às reformas relativas à sa úde e desem p rego na Aleman h a im­
perial e aos inspetores de fábrica instituídos na terceira repú blica f�ancesa. Com o
salientam Bright e Harding, "os processos con tenciosos tanto defm � m o Es tado
frente a outras instituições sociais e econômic as como refazem continu amen te o
próprio Estado" (1984: 1).

Conclusões
É hora de recapitular o que foi discutido neste capítulo e nos dois anteriores. A
política de confronto tem caracterizado a sociedade humana desde que surgiu o
conflito social - o que significa que ela existe desde o surgimento da sociedade hu­
mana. Mas tais ações expressaram as reivindicações de pessoas comuns de forma
direta, local e estreita, respondendo a queixas imediatas, atacando oponentes e
quase nunca buscavam aliados em outros grupos ou elites políticas. O resultado foi
uma série de explosões - raramente organizadas e usualmente breves - pontuand o
períodos de passividade.
Em al gum momento, durante o século XVIII, desenvolveu-se um repertório
novo e mais geral de ação coletiva na Europa Ocidental e na América do Norte. Di­
versamente das formas anteriores, que expressavam queixas imediatas de pessoas
diretamente contra antagonistas, o novo repertório era nacional, autônomo e mo­
dular: isto é, poderia ser usado por uma variedade de atores sociais em favor de vá­
rias reivindicações diferentes e servir de ponte entre elas para aumentar seu poder
e refletir reivindicações mais amplas e mais pró-ativas. Mesmo as formas herdadas ,
como a petição, fora� gradualmente transformadas: inicialmente instrumentos de
indivíduos para buscar o favor de superiores ou de grupos para pressionar os de­
tentores de poder converteram-se em uma forma de ação coletiva de massa. As cau­
sas fundamentais dessa mudança são difíceis de identificar num registro histó ric o
feito principalmente por aqueles cuja função era reprimir rebeliões. Mas, como vi­
mos no cap. 3, dois tipos principais de recursos ajudaram a capacitar esses prim ei­
ros movimentos: a imprensa e a associação. Eram ambos expressões do capitalis­
mo, mas expandiram-se além dos interesses d�s capita listas para incentivar a pro­
pagação dos movimentos sociai s. A imprensa comercial não apena s difundia infor­
ma ções que poderiam conscientizar potenciais ativistas da existência uns dos ou­
tros e de queixas comu ns; ela também igualou a percepção do seu st a t us ao de seu s
.-sup. _eriores e t ? rnou co�cebível agir contra eles. A associação privada refletia soli ­
dan edades exIStentes, aJudava a formar novas e ligava grupos locai s a redes de mo­
.. men
vi ..... ,.....� s ue pod ri m co t sta r o po der dos est ados
_..,_
� � � �� nacionai s ou de imp érios in ­
te rnac10na1S. Coahzo es sociaIS, algumas vezes construíd as com prop sitos sufi c i-
ó

94
entes , 1nas sempre contingentes e provisórias, co mbinavam ações coletivas contra
elites e opositores e111 non1e de programas gentis.
E 1nb ora os novos movünent os frequentemen te visassem o u tros grupos n a so­
cie dade, cada vez 1nais as oportunidad es para a ação coletiva proporcionadas pelo
Es tad o nacional tornara1n-se o arcabouço para suas ações. Ao fazer guerra , abaste­
cer cid ades e au1nentar hnpostos, assim como ao construir estradas e regular asso­
ci aç ões , o Estado tornou-se ao mes1no tempo um alvo de reivindicações e um lugar
on de se podia realizar disputas com grupos competi dores. Mesmo onde o acesso
era nega_d o, as ambições de padronização e unificação dos estados em expansão
criaram oportunidades para pessoas menos providas de recursos poderem imitar e
adaptar os estratagemas das elites.
Chegamos assim a uma situação histórica em que o confronto político se orga­
niza nas fronteiras das instituições e nunca é verdadeiramente aceito pelas elites
institucionais. Entretan to , devido a sua relação histórica com o desenvolvimento
da cidadania, ele nunca poderá ser completamente eliminado sem ameaçar a pró­
pria· democracia. Isso significa que o confronto político se forma ao redor da arma­
dura da política institucional, e aumenta e diminui ao ritmo das mudanças nas
oportunidades e restrições políticas, como veremos no cap. 5 . ·,

95
-
� Do confronto aos

� movimentos sociais
:i.....
5
Oportunidades e restrições políticas*

O que faz as pesso as comuns 1·rem a- s ruas, arnsc


· · ·
arem suas vidas e fic arem gra -
.
vemente fendas p ara clamar por seus direitos?·A questão tem fascina do os obser-
vadores e assusta do as elites desde as revoluções francesa e industrial. Indignados
com os e�cesso� d a turba e cqm os deslocamentos da industrialização, os primei­
ros estud10sos vuam o confronto_político como expressão da menta lidade da mul­
tidão, da anomi a e da privação. M as até mesmo um exame superficial da história
moderna mostra que o surgimento de confrontos não pode ser deriva do da priva­
ção sofrida pelâs pessoas ou da desorganizaçij_ o de suas sociedades. Essas pré-con­
dições são muito m ai� duradouras do que os movimentos que elas favorecem. O
que varia muito no tempo e no espaço são os níveis e tipos d�_9p_QrtuJlidades com
que as pessoas se deparam, as restrições em sua liberdade de ação e a percepção de
ameaças a seus interesses e ações.
Neste c apítulo, afirmo que o confronto é muito mais relacionado a oportuni­
dades de ação coletiva - e limitado por restrições a ela - do que por fatores sociais e
econômicos persistentes experimentados pelas pessoas. O confronto aumenta
quando as pessoas obtêm recursos externos para escapar da submissão e encontra
oportunidades p ar a usá-los. Ele também aumenta quando as pessoas se sentem
ameaçaq.as por custos que não podem arcar ou que ofendem o seu senso de justiça.
Os desafiantes encontram oportunidades de apresentar suas reivindicações quan­
do se abre o acesso institucional, quando surgem divisões nas elites, quando os ali­
ados se tornan1 disponíveis e quando declina a capaddade de repr�ssão do Estado.
Quando isso se combina com a percepção do �lto custo da inação, as oportunida­
des produzem episódios de confronto político.
As oportunidades políticas precisam ser vistas, é claro, junto com elementos
estruturais mais estáveis - como a força ou a fraqueza do Estado ou as formas de
repressão que emprega usualmente (KRIESlet al., 19�5). Além di�s?, as opor�uni­
dades externas não produzem necessariamente movimentos sociais sustentad9s.
Para isso, 0 processo exige que os desafiantes empreg�el_:1 r�pertórios de confronto
conhecidos, enquadrem suas mensagens de forma d1nam ica e tenham acesso ou
construam estruturas de mobilização unificadoras (cf. cap_s. 6-8). Mas as oportuni-

os de Val Brunce, Davi d Meyer e Charles Tilly.


* Este capítulo se beneficiou muito dos comentári

99
dades fornecem informação crucial para a form ação dos movimentos quando reve­
lam aliados e expõem a fraqueza de inimigos.
Não apenas isso: uma vez formados e ao informarem sobre suas ações, os mo­
vimentos CJiam oportunidades - para seus próprios· apoiadores, para os outros,
para os partidos e para as elites. Isso é feito através da difusão da ação coletiva, da
indicação de possibilidades de coalizão, da criação de espaço político para movi­
mentos e contramovimentos e da produção de incentivos para provocar a reação
das elites e de outros partidos. Os desafiantes que aproveitam as oportunidades po­
líticas em resposta a aberturas do sistema político são os catalisadores para os mo­
vimentos sociais e ciclos de confronto - e, ocasionalmente, para revoluções e aber­
turas democráticas.
Ameaças são a antinomia lógica de oportunidades e poucos desafiantes arris­
cariam perder suas vidas ou ficar gravemente feridos se não temessem_ª--inação.
Mas as ameaças podem, tão facilmente quanto a ação coletiva, produzir ressenti­
mentos ocultos. Apenas quando a ameaça é acompanhada da perce\Jção de oportu­
nidades para a ação e é considerada potencialmente irreversível se não for impedi­
da, que os desafiantes se arriscarão ao que frequentemente acaba sendo uma derro­
ta heroica (GOLDEN, 1997) 1 .

A importância das oportunidades


O conceito de oportunidade política, como muitos outros na teorização con­
temporânea sobre movimento social, data da última grande mudança no Ocidente -
os anos 1960. Tanto na Europa Ocidental quanto nos Estados Unidos muitos fica­
ram perplexos ao verem como as mudanças na sociedade moderna estavam ampli­
ando os incentivos para o confronto. Na Europa Ocidental, o paradig�a dominan­
te - fundamentado no trabalho de Habermas e na Escola de Frankfurt- concentra­
va-se na nec�ssidade de criar novos "espaços de vida" produzidos pelo estado capi­
talista do bem-estar. Nos Estados Unidos, considerava-se que a crescente afluência
e as orien.tações pós-materiais que elá estimulava eram os fatores que desencade�­
vam dos novos movimentos sociais entre aqueles cuja riqueza material era segura
o bastante para pensarem além dos bens materiais (HABERMAS, 1981; INGLEHART,
-.
1977; 1990).
Enquanto que a perspectiva da Escola de Frankfurt sustentava uma visão cul­
tural dos movimentos sociais, a dos advogados do "pós-materialismo" recorria ao
paradigma individu3:�� frequentemente chamado de "escolha racional". As duas
perspectivas ajudam a entender o "porquê" da mobilização, mas nenhuma delas
pôde explicar por que as pessoas apoiam movimentos em certos perí<?_dos da histó-

l.Jack Golds tone e Charles Tilly estão preparando um texto sobre o problema «ameaça" e movimen­
tos sociais que fará parte de um volume coletivo em preparaç ão pelo grupo de pesquisà Mellon sobre
confronto político.

100
ria e p or que �lguns países no Ocidente - uma área de inuita prosperidade- e relati­
va hom o geneidade cultural - vivenciaram 1nais confrontos sustentados n os an os
1960 d o que outros. Para �esponder a essas questões, seria necessári o investigar
_
como a estrutura s ocial s ubjacente e a mobilização po tencial são tran�formadas em
ação �. N esta transfo �ação, o papel das oportunidades e das restrições p olíticas é
crucial. Isso P?de se r ilustrado pelas diferenças na mobilização das classes traba­
lh ador as em diferentes países ocidentais n os an os 1930. S e as outras coisas forem
iguais, é mais pro vável que os trabalhadores façam greve em períodos de cresci­
3
mento d o que d e de pressão • A lógica da conexão é clara: a prosperidade aumenta a
necessidade de mão-de- obra por parte d os empregadores do mesmo m od o que
mercados de t rabalho fechados reduzem a competição por empregos. À medida
que os trabalhadore s aprendem isso exigem salários mais altos, jornadas de traba­
lho mais curtas o u melh ores condições de trabalho. C omo resultado, a taxa de gre­
ves se gue a curva do ciclo de ne gócios: ascendente quando · o desemprego em declí­
nio deixa os empregadores suje itos à pressão d o mercado de trabalho e descenden­
te quando cai a demanda por trabalho4.
A depressã o d o s an os 1930 assistiu ao aumento do número de movimentos so­
ciais na Europa e· nos Estados Unidos. Normalmente esperaríamos que crise econô­
mica e o des empre go em massa diminuíssem o confronto. Mas, em alguns países do
Ocidente, os trabalhadores industriais fizeram greve, realizaram demonstrações e
ocuparam fábricas em resposta às demissões e reduções de pagamento, enquanto em
outros não o fizeram e se deixaram reprimir. Enquanto os trabalhadores na Inglater­
ra se enfraqueceram durante a maior parte da depressão e os trabalhadores na Ale­
manha foram brutalmente reprimidos pelos nazistas, os trabalhad_ores franceses e
ame rican os re agiram à crise com níveis de confronto nunca vistos.
Como podemos explicar o aumento da insurgência industrial de trabalhadores
sobrepressi onados na França e nos Estados Unidos enquanto na Alem�nha e na In­
glaterra os trabalhadores aceitaram a sua sina? Eu proponho que a resposta está
nas mudanças das op ortunidades e restrições que envolvem as diferentes classes
trabalhadoras. H ouve ondas de greve na França e nos Estados Unidos nos anos
1930 - e não na Alemanha ou na Inglaterra - porque as administrações reformistas
que chegaram ao poder ri.a França em 1936 e na Amé_rica em 1933 estavam queren-

2. Os leitores que acompanharam os debates internacionais sobre as relações entre as abordagens ame­
_
ricana e europeia reconhecerão que aqui utilizei a abordag em formula da no ensaio de Bert Klanderman
e meu "Mobilization into Social Movements: Synthesµing European and American Approaches".
3. Há um� literatura longa e um tanto técnica sobr,� as relações e�tre con�içõ�,s econômicas e greves.
O sumário e avaliação mais completos estão em The Econom1cs of Stnkes , de John Kennan. ln:
Handbook of Labor Economics, de Orlen Ashenfelter e Richard Layard (orgs.), vol. 2.
4. A interpretação mais sintética·das fontes econômicas das explosões salariais do fim dos anos 1960
está em "Strike Waves and Wage Explosions, 1968-1970: An Economic Interpretation", de David
Soskice. ln: The Resurgence of Class Conjlict in Western Europe since 1968, vol. 2.

101
a poiarª o pressão do
do ino v ar as relações políticas e eco nônlicas, e relutantes ein
mento d a repressão
tra b alho . Foi a abertura de opo rtunidades políticas e o relax a
ao s tr a b alh ado res realizado s pelo Po pul ar Fro nt franc
ês e pelo New �e al america­
no - e não a pro fundid ade d as queix as dos tra balh adores ou a extens �e seus re­
ao

cursos - que encor aj ar a1n a insurgência dos tr ab alh ado res n aqueles p ses.
ai

Vo lt ando ao presente, poden1os ver que as oportunid ades políticas são aprovei­
t ad as e tra nsformad as po r u1na v aried ade de desafi a ntes so b condições muito dife­
rentes. N osso prilneiro esforço será o de cl assifica r a s dimensões d a s oportunida­
des que ajudam a mold ar esses movimentos, enquanto que o segundo será mostrar
como há uma intersecção entre el as e três princip ais dimensões do Est ado: a força
do Est ado, as estratégi as predominantes e a c ap acid ade de repressão . M as antes de
e1npreenderinos ess as tarefas an a�ític; as v amos ver �o rno o co nce�to de o portunida­
des e restrições em mud anç a pode ser us ado p ara co mpreender u� grande divisor
de águ as do confronto. nos.,últimos anos: a ascensão de um movi!Ilento pel a demo-
cr atiz ação na ex-União Soviétic a .

Liberalização e confronto na ex-União Soviética


Nos anos de 1980,· o c�nfronto político ·surgiu no"·lug ar meno s provável do
mundo - a ex-União Sóviética, altamente centraliz ad a e contro l ad a pelo p artido e
pela políci a . Um a pesquis a .do cientist a"político Ma rk Beissinger documentou esta
ascensão do confronto político, que assumiu principalmente a form a de demons­
trações pacíficas, greves e passeat_as de protesto, embora algum as vezes tenha se
apresentado também atr a vés de form as_ Yi:olent as. A_ figur a 5. f mostr a qu al foi o re­
sultado de Beissinger a� 'empregar· uma análise de e�ento s em rel açã o ao s últimos
anos d a ex-União Soviética .
Como um a onda tão re.pentina de confrontos políticos se desenvo lveu num re­
-�ime tão centralizado e controlado p_ela polí�i a, depois de. anos de · opressão e de
participação rigidamente controlad a_? Como Tocqueville escreveu, como as pessoas
agem dia nte de oportunid ade� "o momento m a is perig�so p ar a um mau governo.é
qu a ndo ele tenta corrigir-se".(1955: 176-177). Tocqueville est av a escrevendo so­
bre o colapso do Antigo Regime n a França; se estivesse presente duzentos anos de­
pois, ele bem poderi a aplicar sua teoria à ex-União So viética. Lá, como na França
nos anos 1780, um poder internacion al afundava em co rrupção e torpor e, incapaz
de competir com um a sociedade màis dinâmic a o rientad a pelo merc ado (BUNCE,
1984/1985; cf. SKOCPOL, 1979), buscava reformar-se de 'dentro p ara fora. O se­
cretário do partído, recém-empossado, Mikhael G orbachev, estava co nvencido de
que seu país não poderi a sobreviver como potênci·a n1undi al sen1 reformar-se. Os
anos 1980 "geraram um pro cesso de liberalização que resultou nun1a explosão de
atividade política organizad a extraest a tal" (FISH, 1995: 32).

102
figura 5.1 Mobilização para o protesto em demonstrações na ex-União Soviética

NÚMERO DE DEMONSTRAÇÕES DE PROTESTO

Número de �ventos por mês


220 -.---r-rrrT7"--.-,---,--11-,-,---.-ir-r-.------.--,-,----r-ir--r--.---.-----r--r---.--.........--.---.--�__,
200
180
160
140
120
100
80 I

60 ��---+---'---J
1
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40 -+-+-+--+--+-�
,. 1-

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20 +---+-+-+-' -+---h;iJ!
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1 1 1 1 1
1 1 1 I I I I
11 1 11 11 1 1 1
1 1 I 1 1
11 11 11
I 1 1 1 1 1
1 li li
1 1 1 .Í
Ili li
I' ; , 1 ••
1

13 57 9 11 13 57 911 1357911 1357911 1357911 13 579 11


1 1987 1 1988 1 1989 1 1990 1 1991 1 1992 1

n = 6,644

Fonte: BEISSINGER, Mark. "Event Analysis in Tran�itional Societies: Protest Mobilization in the
former Soviet Union". ln: RUCHT, Dieter; KOOPMANS, Ruud & NEIDHARDET, Friedhelm
(orgs.). Acts of Dissent: The Study of Protest in Contemporary Democracies. Berlim: ?igma, 1 998.

Como era inevitável num sistema altamente centralizado, a -liberalização co­


meçou no topo, com uma mudança na política oficial sobre as questões relativas à
associação. Foi proposto u'm co·nceito modesto de pluralismo socialista que "signi­
ficava, de fato, uma tolerância à formação de algumas pequenas organizações não-
estatais de cidadãos" (FISH, 1995: 32).
Mas não demorou para que se abrissem novas possibilidades de às'sociação le­
gítima para estimular a formação de grupos mais independen.tes. Um grupo cha­
mado "Memorial", por exemplo, dedicou-se a investigar os crimes d9 stalinismo, e
outro, chamado "Citizens's Dignity", dedicou-se a promover os direitos hun1anos
(p. 32). As novas oportunidades de acesso surgidas no topo proporcionaram aber-
turas para a organização de grupos menos legítimos. ·
Até certo ponto, o desejo de liberalização de Gorbachev baseava-se na ideia de
estimular discussões mais abertas (glasnost). En�retanto, ele rapidamente perce-

103
b eu que , sem �ma renova� ao �ª- cl�: et:: l 'tica s eus plan o s s eriam imp e dido s p or
_
_
obstru ção oficial ou por ina çivida u� o u outro m o do , perderia p o der .
Como resu1tado, ele transfo rmou as· - e'ie1ç ... 9 para deputa dos d o Congresso do
. oe
Povo d a ex-URSS, usualmente for· mais, . na " primeira, ele içã o na ci o n a1 d a história da
·, · • t· 1 995 : 35-36) . Embora
União Soviet1ca , parei· almente aberta e co mp eti tva (FISH 1
· 1-es ervass ein tun terç o dos assento s p ara representant. es co
as regras e1e1· torais .
ntro-
lados pelo partido , elas dera1n u1n manto d e 1 eg1' t'mi t da de a uns pouc o s 1nd1víduos
el eitos de forma independent e �
.
"Talvez um d e seus mºmentas mais importantes,, , escreve Steven

Fish, "a votaça... o e101 a e oisa mais próxim a de uma verdadeira campa-
.tido noticia ,, p. 35 .
nha eleitoral que a população tenha , . ( )
No entanto, os rer1ormadores eram p ouc o s e des o rganiza dos: .
faltavam-lhes re-
,,
cursos internos e , p or terem laços frac os entr e .si e p o uc a confiança mutua , logo se
dividiram em facçõ es e partidos co mp e tidores (FISH, 1995: 3Sss.) . Eles for�m be­
neficiados principalmente p elo apoio e�terno , e.o �� a qu ele qu e lhes foi da�o
quando o s ecre tário do Co mitê do P artido C on:iun1sta ?-� _
M o_: cou, �o ns Yelts1n,
-
aprovou inform almente uma con�erê_nci a de grupos de �1�cu s ao p o l t1c a cha a �a
� � �
"Social Initiative for P erestroika ''. (p. 32) . A ajuda �?'tem� v e10 ta mbem dos mm:1-
ros de carvão do Kusbass e do Donb ass, qu e entraram em greve em 1989 e tambem
da Europa Oriental, onde aS refoTiruls de G orb�éhev -;- e particularmente a re tira�a
da ameaça de intervenção do.- Exército Vermelho - gerar_a � uma o nda de IDOVI­
mentos pela democratiz ação (p. 39-41) .· O papel q.esses "alia do s'' , inc o nscientes e
involuntários, auinentoµ. muito a c�n�i�nça dos insurgentes. na ex-União Soviética
de que a verdadeira reform� era v!�vel. . : · . . :
Esta possibilidade tomou-s e mais plausível à me dida qu e ap areceram fissuras
na elite do Partido Comunista . Enquanto o S ovie te Supr"e:rno esta,va pr ndo um
a ov a
proj eto de lei em novembro de 1989 que lib erava a mídia e le ga
lizando o livre uso
da imprensa por indivídu os privados , um popular pro gram
a d e tel evisã o , Vzgliad
(Víewpoint/Po�to de Vista) , foi canc ela do e as unida
des da p o lícia espe cial conti­
nuaram a reprimir demonstraçõ es públicas. Ess as inc o
nsistência s c om e çaram a re­
velar "uma tensão profunda e sistemática entre
o pluralismo político e a essência
estatal e mo nopolista do regime " (FI SH , 199 5
: 40-41 ) . A c o ntra diçã o foi aprofun­
dada no início de 1990 co m a emergência de um
movimento de reforma dent ro do
Partido Comunista, "D emo cratíc Pla tform" , cu
ma mais sistemático de reformas dentro jos m embros queriam u m progra­
do p a
uma democracia parlamentar no estilo óci rtido e exigiam O estabelecimento de
deµtal (p . 41-42 ) . C om o re ação, os par
tidos conservado res formaram organizaçõ ­
es marione tes para bus car O apoio do
público (p. 40) .

_ � o início d� 1990 , ess es desenvo lvi mentos foram a co mp


cl m na capac dad e do Estado - e me imhados por um d�­
� � � Eim o na su a vo nta de _ de reprimir as diss
denc ias . Isso foi exacerba do po r dis . pu a
t s an ter iores in traeli tes , que levaram d �­
a iVI-

1 04
sõ es internas. A tolerância às greves do8 i, neir .
os e a c ei tação dos sindicatos inde-
m
Pendentes que elas produzirain erAa111 uina expressãªo gr1·t
bém expressado p ela aceita ção das de _ a nte desse dec1ínio, tam-
o r es e larga es cala nas cida des
mn:S tn
(FISH, 199 5: 45) . Em bor a a r e pr e s ã t
s o e ªl aç�
c� n�inuado em alguns lugares, a ne-
cessidade de Gorbac hev de que houvessem eleiç oe s para renov ,,, .
ar a cI asse po 11t1ca
legitimava a discu ssão popular. e o debate . A te, mais , do qu e nas e1e1çoe
eleiçõ es de 1990 para os ºl
conselh dª r epu, bhca , 4as p ovíncias autônoma d
.
r
. - s de 1989 , as
s , a d-
dade e dos distritos "foram ca as por gra ndes dem onstraçõ
es públicas em mu-
:�
itas cidades da Rússia" (p . ;
Essas eleiç ões, e as discussõ es e dem� nstraçoes - que geraram , 1evaram a, fonna-
. .
- de a1guns .parndos e movimentos novos·. Como p·1sh cone 1u1:·
çao
O �entro e O p�rti�o p diam impedir, ob;truir e forçar, mas não podí�m
mais se�uer frngu 1n_ �
�ciar, criar e convencer. . . Uma conglom eração
heterogenea de orgamzações sociais autônomas, liderando um movi­
mento popular pela deJ.?oç:raci �, t9mou o poder visível.. . Ao fazê-lo,
começaram a empurrá-lo para seu fim (1995: 5 1}.
. ·.
No entan�o , o·· surgimento de confrontos espalhados: não constitui em si um
movi�ento social. Sem uma rede de laços ·interpessoais óu uma identidade coleti­
va essas organizações não tinham nem un!d�de ideológica nem fib�é! organizacio­
nal para produzir um movimento. social_ su�tentadQ . Por vólta de 1 992, dilacerado
.
pela· decomposição ideológica e territoria_l , o regime se desagregou
i .. Quando isso
ocorreu os· desafiantes se dividiram_ e um ex-;-burocrata, I oris Yeltsin, subiu ao po­
der. Os desafiantes çle 1 989/1991 tinham criado oportunidades para aqueles que,
no interior do sistema
. , queriam e ·eram capazes de explorá-las�:
'

***
·' .

.
.

Esta narrativa, uma das mais breves sopre a emergência do confronto político na
ex-União Soviética, não ap enas ilustra a _importância dé:ls oportunidades políticas
para �ansformar o potencial de mobilização em ação; ela também nos ajuda a redu­
zir a amplitude do conceito e a identificar algumas de suas principais dimensões. As
·
mais importantes entre elas foram : (1) a abertura do acesso à participação para no­
vos atores; (2) a evidência de realínhamento político no interior do sistema; (3) o
aparecimento de aliados influentes; (4) divisões emergentes no interior da eli te ; (5 )
um declínio na capacidade ou vontade do Estado de repri_mir a dissidência . Na pró­
xima seção examinaremos separadamente · cada· uma dessas dimensões.

Dimensões de op ortunidade
Entendo O con ceito de opo rtunidade política como dünensões consistentes -
mas não necessariamente formais ou permanentes - do ambiente político que for­
necem incentivos para a a çã� coletiva ao a fe tarem as expectativas das pessoas
quanto ao sucesso ou fracasso ( GAM SON &: MEYER, 1 996) . C01nparados aos teó-

1 05
pre c onfundi� os, os escritores
ricos da mobilização de recurs os� con1 que1n são se1n
polfti�a\�nfauza� a mobiliza­
que trabalham dentro da tradição da oportunidade
sua ma1o na, enfat�zam elemen­
ção de recursos externos ao grupo\ Alén1 diss o, e1n
es 1- porque nao se po de es­
tos de oportunidade que são percebidos pelos insurg ent
o c omportamento das pes-
perar que mudanças estruturais não vivenciadas afetem
soas, a não ser indiretamente.
certos grupos e nã o
Algumas vezes, as oportunidades políticas ocorrem para
dores nos a nos
para outros, como sugerem os exemplos anteriores de trabalha
s
1930 , e opor tunidades para o protesto são às vezes maiores em alguma regiões qu
cidades do que em outras (AGNEW, 1997 : iv) . Mas, apesa r dessas variações, os
movimentos surgem porque as condições de mobilizaçã o cresceram no sistema
político em geral, como aconteceu quando os movimentos norte-americanos p ela
paz, estudantil e das mulheres de fins dos anos 1960 se aproveitaram de uma estru­
tura de oportunidade que se ampliava de fç,rma geral. Alguns setores de movimen­
tos são particularmente afetados por mudanças nas oportunidades, como foi o mo­
vimento pela pai nos anos 1980 (MEYER> 1990) , mas, mais frequentemente, as
oportunidades que se apresentam para .uns· também se apreseniam para outros.
Nos anos 1960 a maioria dos ativistas referia-se apenas à.o " 111:ovimento".
As oportunidades políticas· podem não estar todas visíveis ao mesmo tempo
para todos os potenciais desafiantes. De -,fato, unia vantagem do conceito é que ele
no� ajuda a entencler como a mobilização passà ·de pessoas cóin queixas profundas
e grandes recursos para· outras corri poucas queixas e menos recursos. Ao desafia­
rem elites e autoridade�, os "primeiros que· se· erguem" revelam a vulnerabilidade
de seus oponentes, deixa��o-os vulneráveis aos ataques de desafiantes mais fra­
cos. De forma similar, e�te úl�imo grupo,. por não ter recursos internos para sus­
t�n�� o c�nfronto, cai �ais facilmente quando diminuem as oportunidades. Isso
signifi.c� que - embo�a o termo "estr6Utura" tenha sido frequentemente usado para
caractenzar oportunidades P ?lític�s -, rm spa maioria, as oportunidades e restri-

5. A fonte principal - mas nem sempre reconheci.-dª - de teoria da oportunidade política foi From Mo-

lence in France� �t;��ls


bílízatíon to Rev z f 4, e Ch es Till�. Ver também o artigo "Hardship and Collective Vio­
� �� rl
Tilly N os Estados Unid os são nitidam en te básicos The
Polítícal Process :ma the dev el:ym oj B�ac�Insurg. ency'
::;
de Doug McAdam . • Inviting Wom en,s Rebel�
pf
lwn, de Anne Costaín. • The o-Choíce nt, �e Su zanne S taggenborg. • A Winter ofDiscont�nt.
The Nuclear Freeze and Am ericam Poli�;sv7e 1 �' D avi d Meyer. De fo rma e xp lici ta, o uso compara ivo
t
do conceito foi feito por Charles Bro • k t t The �tru cture of Political O pportunities and Pea ant s

1
Mobílization in Central America " �: �:tz enSlem e
Women's Movement of the Untted 5; ; .ª Carol Mueller no volum e que editaram The
t s an Europe, • Herbert Kitschelt em
Structures and Política] Protest" ' arrow em 5truggle set, "Political Opporttlnity
, Po l ittc s anel Refarm.
6. Entre outros, por este autor, na primeira di o de se 3
Por Herbert Kítschelt (1986) , o us0 do ter _ · e çã u es tudo (1994) 1 p or P e ter Eisinger (197 )re
mo "estl'U tum " po d e ter gerndo t,m mal-entend 1'do e.n t e
alguns crití.cos de que estes autores assumira e a s o portunidad es nã o precisam ser percebidt15
para serem incentivos para a aç ão. m qu

1 06
ções políticas são situac�onais e não podem compensar por muito tempo as fraque­
zas em recursos culturais , ideológicos e organizacionais.

Ampliando o acess o
Usualmente, pess oas racionais não atacam opositores fortes quando as oportu­
nidades estão fechadas; o ganho de acesso parcial à participação fornece a elas ín­
centivos para isso . Mas as pesso as c01n plenos direitos políticos têm mais probabi­
lidade de se engajarem em confront os? Pet�r Eisinger explica que a relação entre
protesto e oportunidade política é curvilinear: nem o acesso pleno ne� sua ausên­
cia pro duzem um maior grau de protesto. Aproveitando uma ideia de Tocqueville,
Eisinger ( 1973 : 1 5) escreve que é mais provável que os protestos ocorram "em sis­
temas caracterizados por uma mistura de fatores abertos e fechados" 7•
A expansão do acesso é expressa de forma mais imediata através de eleições;
Piven e Show mostram, por exemplo,· como o colapso do "solid South" , nos anos
f950, �briu nov�s oportui:üdades para eleitores n�gros (1977) . Os americanos vi­
ram isso novamente em 1992, quando um outsider, Ross J:>erot, organizou 1=1m mo­
vimento para lançar s�a campanha presidencial. De for�a similar, as eleições d�
1994 na Itália deram origem a um novo movimento liderado pelo magnata da mí­
dia Sílvio Berlusconi. As eleições sào uma espécie de guarda-chuvâ, sob o qual fre'­
quentemente se formam nov�s desafiantes.
Em sistemas democráticos, as eleições são eventos rotineiros, usualmente do­
minados por partidos institucionais q1:1e ·aprovam leis para manter seu monopólio
de representação. É nos sistemas não-democráticos que há maior possibilidade de
acessos recém-abertos deflagarem confrontos, como mostrou o nosso exemplo da
ex-União Soviética. Na Checoslováqu.ia, na m_esma época, foi o aparecimento do
Student Press and Info�mation Center (STIS) que deu aos estudantes de Praga um
lugar onde poderiam fazer contato e a certeza de q� e a ação política seria tolerada -
(VAN PRAA G , 1 99 2) . N a ex-Iugoslávia, os futuros nacionalistas já estavam em po ­
sição de tirar vantagem do período pós-sov.iético p� r.reformas que lhes deram mais
recurs os institucionais (BUN CE, s.d. ) . Quanto mais estreitos os caminhos já exis­
tentes para a participação; mais provável se torna que cada nova abertura produza
novas oportunidades de confronto.

7. A asserção de Eísinger foi baseada em mais do que numa suposiçf\o de Tocq\.leville. Operacionali­
cas fonnais e informais do governo local, ele estudou o comportamento dos grupos de protesto urba­
nos numa amostra de cinquenta e três cidades durante os turbulentos anos 1960. Ele descobrit, que 0
nivel de ativismo desses grupos era m ais a1to não onde o acesso estava aberto ou fechado, mas nos ní�
Veis intermediários de oportunidade política.

1 07
Mudança nos alin hamentos
ou o confron to na ex-União Sov iética foi a
U1n segundo elemento que encoraJ' . ·
. emas pl ura 1·1s tas isso e, medtdo
'
instabilidade dos alinhatnento s polí tico s. Em sist ,
oral . As mud anç as os de5t 1nos dos parti­
principalmente pela instabilidade eleit �
o basea�a s em novas
dos do governo e da oposição � especiahnen te quan do esta
s fiantes a tentar
coalizões criam incertezas entre os apoi ador es, enco raj am o desa
exercer p�der marginal e pode1n até induzir as elites a comp etir por apoio de fora
do sistema político .
A importância dos realinhamentos eleitorais quando se abrem oportunidades
pôde ser vista no movilnento americano pelos direitos civis. Durante os anos 1 950 1
os <'segregacionistas" raciais na ala sulista do Partido Democrata foram enfraqueci­
dos porque alguns passaràm para o Partido Republicano, enquanto que o número
de democratas "integracionistas" estava ficando maior (VALELLY, 1 993) . O declí­
nio do voto branco no sul e· a mudança dos eleitores negros para as cidades, onde
as leis de segregação Uim Crow] eram m_enos .optessiwis, aumentou o incentivo
para que os democratas buscassem o apoio eleitoral dos negros. Com sua estreitís­
sima margem eleitoral, a administraçao Kennedy foi forçada a sair de uma postura
de hesitação cautelosa para t��ar a_ iniciadva·pelos direitos civis . .
Não é apenas nas democracia� tot�lmente dese�volvidàs que a instabilidade
encoraja o confronto. É .mais provável que os cámponeses se rebelem contra as au­
toridades quando aparecem janelas de oportuni.dàde nas barreiras_ de sua subordi­
nação. Isso é o que Eric Hobsbawm de·scobriu ·quando examinou a história das
ocupações de terras no Peru (1974) . O mesmo é válido para os caip.póneses que
ocuparam partes dos latifúndios· no sul da Itália depois da II Guerr� Mundial.
Embora a raiva e o ressentimento contra os abusos dos senhores de terras fossem
antigos, foi o colapso do regime fascista de Mussolini , a presença das forças de ocu­
pação americanas de orientação reformista e as mudanças nos alinhamentos parti­
cLirios que transformaram seu ressentimento e·m luta pela terra (BEVILA CQUA,
1998; TARROW, 1967) . Em regimes menos-do-qu e-democráticos , a falta de com­
petição rotineira faz de qualquer sinal de inst�bilidade política um sinalizador e
uma fonte para o confronto.

Elites divididas
Como já vimos, quando surgiu uma facçã o reformista no Partido Comunista
da ex-União Soviética, os conflitos dentro e entre elites encorajaran1 1 siugimento
de confrontos, As dívisõ.es entre .ªs elites não apenas incentivam os grupos com
poucos �ecursos a �ssum1rem os riscos da a cão coletiva; elas enco rajain os segmen­
.
tos da ehte que estao fora do pod er a assumtrem o papel de "defensores do povo".
A hís tória � num erosos exemplos de elites divididas qu e ro orcion"ran\ re­
p p
cursos para moVImentos emergentes, N o Antigo Regi n1e francês, essoas co mo La ­
p
fayette e Mirabeau romperam com suas classes para fazer cuusa coinum co m o bai-

1 08
xo clero e o terceir o est ado . Du zen tos anos ina1·5 tard e, f'1ssu ras • • da e11te
·
no interior
de� empenharam um pap el � have na Eur opa Cen tral Oriental,
especialmente de-
pois que Gorbachev adv ertiu os estado s coinu ni'stas da reg1a ·~ , ·
o de que o Exerctto
_ . . . .
Verm elho nao ma is 1nterv1na• par a defend ê-los • Isso r1,01• v1·s to pe 1 os grupos
• insur-
gentes como um sina l par a organizar-se e por mu itos membros da elite com um
o
in centivo à �eser ção . Essa s fiss� ra � também fora m imp ortantes na transição para
a demo crac ia na Esp anha auto ntan _
a e no Brasil nos anos 1970 e 1 980 . ond e as di­
visõ es �ntre os mili tare� brandos e os de linha dura proporcionaram aberturas que
os movimentos de oposição puderam explorar (BERMEO , 1 997; O'DO NNELL &:
SCHMITTER, 1 989: 19) . ·

Aliados influentes
Um quarto aspecto da oportunidade poli_tica, visível · na emergência do con­
fronto político na ·ex-União So'viética, foi a presença de aliados influentes no interi­
or da elite do Partido_ Comunista. Os desafiantes saci enco'rajados· à ação coletiva
quando têm aliados que podem atuar como amigos nós tribunais, como garantias
perante a repressão ou como negociadores_ aceitáveis . em seu favor. Tanto através
do aparente apoio de Yeltsin aos seus esforços com<? através das atividades in­
dependentes dos mineiros e dissidentes da Europa Oriental, os desafiantes na
ex-União Soviética ganharam confiança e modelos para_ a ação coletiva.
Há evidêncjas históricas de processos similares· em· sistemas democráticos no
livro de Willi e:lm Gamson sobre confronto nos-Estados Ui;iidos .(1990) . A pesquisa
de Gamson mostra uma correlação ·entre a presença de aliados influentes e o suces­
so dos movimentos. Nos cinquenta e três ,çgrupos em conflito" por ele·estudados, a
presença ou ausência de aliados políticos estava fortemente ·relacionadas a serem
eles bem ou mal:-sucedidos ( 1 990: · 64-66) . Ao estudarem os movimentos dos tra­
balhadores rurais americanos noi· a�os 1940 e 1960, Craig J enkins e Charles Per­
row encontraram um contraste semelhante: a vantagem dos United Farm Wor­
kers, nos anos 1 960, provinha· da presença de apoios eleitorais externos, o que fal­
tou a seus predecessores. Uma razão para o longo "sliding May", na Itália, foi a pre­
sença do partido socialista n o governo que, por algum tempo, se colocou como de-­
fensor dos não incluídos (TARROW, 1 989a) .
Os partidos políticos são aliados especialmente imp ortant�s para desafiantes
em sis temas rep r esentativos. Os partidos ?e esquerda são g�ralmente mais favorá­
veis aos desafiantes do que os modera dos ou conservadores e , dentro da esquerda,
os partidos da ''Nova Esquerda" - como os verdes europeus - receben1 n1elhor os
movimentos "espa ço de vida " do qu e o s partido s da velha esquerda, que são mais
receptivos aos movimen tos que demanda m distribuição (KRIESI et al. , c ap . 3) . Os
partidos à direi ta s ã o in fluencia dos p elos novo s movimen tos relittosos - como a
Co alizã o Cristã - e pelos grupos de interess e econômico , mas os prim eiro s po dem
)

1 09
ter mais poder marginal decisivo e1n função de sua capacidade de atrair eleito res
além das linhas socioeconônlicas.
Aliados influentes 111ostraram ser especialmente itnpo rtantes em sistemas não­
democráticos, onde novos 1novhnentos têm acesso a pouco s recursos internos . N a
América Central, por exe111plo, os 1novhnentos dos camponeses se beneficiaram
com a presença de trabalhadores religiosos, organizadores sindicais, guerrilhas re­
volucionárias, ativistas de partidos políticos e aquele s cujo trabalho é desenvolver
comunidades (BROCKETT, 199 1 � 258) . Na Polônia, durante os anos 1 9 70 e 1980 ,
a Igreja Católica ajudou a esconder ·a resistência e a proteger os ativistas da desfor­
ra (OSA, 1995) . Os aliados dentro do sistema são um recurso externo do qual os
atores, deficientes em outro tipo de recursos , podem depender, especialmente em
ambientes autoritários e repressivos ..

' .,
Repressão e facilitação -· • 1 ,,
Pela definição de Charles Tilly, "repressão é qualquer ação de outro grupo que
aumenta o custo dâ ação �oletiva do opositor. Uma ação que diminua o cust� da
ação coletiva do grupo é uma forma de fa cilita ção 1'· ( 1978: .10}. O desenvolvimento
dos estados modernos produziu poderosas ferramentas para a repressão da política
popular, mas, como vimos no cap. 4, alguns aspectos deste desenvolvimento facili-
taram o surgimento de movimentos.
A repressão é o destino mais· ·provável para os . movimentos que clamam por
mudanças fundamentais e· ameaçam a$ elites do que_ para os grupos que fazem rei­
vindicações modestas (GAMSON, )990,. cap . . 4). 1);1mbém- é óbvio que os estados
autoritários reprimem os. movimentos sociais, ao passo que os· representativos os
facilitam . Mas há aspectos dos estac;los repressivos que encorajam algumas formas
de confronto, enquanto algumas car:acterísticas �os representativos tornam os mo­
vimentos mais brandos. Teremos muit_o màis a dizer.sob;� repressão e facilitação
mais adiante;
***
Estes asp ec tos de opo rtunidades e restrições políticas variáveis aparecem de
modos diferentes em sistema s diver�os e mudam com O tempo _ muitas vez es in­
depe ndentemente , mas outras em estreita relação uns com os outros . Por exemplo,
as divisõ es entre as elites e os realinham entos políti c os trabalham juntos para in- .
duzír gru pos_ desc?nte_n�e� ou at� mesm? governos a b11sc ar apoi o de outsiders.
Qua ndo facço e s m1no nt�na,s da eh.te se aha1n a d esafiantes ele fora de la , os desafios
de dentro e de fora d o s is tema polf tic o s e unem em grandes ciclos de confronto.
Mas to da s essas mu dan ças devem s er vistas n o c o nt e xto dos a spe c tos mais estáveis
das oportunidades e restrições,

1 10
Estados e oportunidad es
Esses cinco aspectps da oportunidade política são especificados como mudan­
ças na oportunidade; mas há também aspectos mais estáveis de oportunidade-res­
trição que condicionam o confronto político. Um conjunto de fatores gira em tor­
no do conceito de "força do Estado" ; um segundo lida com as estratégias prepon­
derantes do Estado em relação aos desafiantes; e um terceiro relaciona-se com o
problema da repressão e do con �role social.

Força do Estado e estratégias p rep onderantes


Estad�s fortes ignoram automaticamente os movimentos enquanto que os fra­
cos precisam sofrer com suas incursões? Em sua forma mais comum o argumento
que deriva da força do Estado desenvolve-se assim: estados centralizados, com ins­
trumentos políticps efetivos sob seu comando , atraem atores coletivos ao nível
mais alto do sistema político, enquanto que estados desc.entralizados fomecem um
grande número de alvos na baseª . Estados fortes também têm· �aior capacidade de
implementa{as políticas que escolhem apoiar: quando essas são favoráveis às rei­
vindicações dos desafiantes, estes tendem a formas co�vencionais de expressão;
quando são negativas, o resultado é violência ou confrontação 9 .:
Os s�stemas descentr�lizados, por estimularem a crítiça. e a párticipação, fre­
quentemente "transformam" os elementos mais desafiadores da política popular,
como fizeram os Estados Unidos com os tumultos raciais nos anos 1960 (LIPSKY
&. OLSON, 1976) . O federalismo é um convite especial aos movimentos para que
transformem seus espaços em instituições, pois ofer�cem muitos �aminho� de par­
ticipaçao \(TARROW, 1 998c) . Em sua pesquisa sobre o movimento �mericano pela
temperança, Ann-Marie Sysmamski mostrou como as· Hderariças d9 movh?3-ento
moveram-se estrategicamente entre níveis do sistema �ederal e da proposição de
emendas constitucionais para a organização lócal (1997) . .Tal flexibilidade estraté­
gica e a busca de "locais" com mais :receptividade às reivindicações [venue shop­
ping] são menos disponíveis em estados mais centralizados.
Graus diferentes de G:eniralização do Estado foram uma grande fonte de con­
trastes entre os movimentos estudantis francês e americano dos anos 1960. b pri­
meiro só explodiu no início de 1968, se espalhou rapidamente e logo foi para a are­
na política, deflagrando uma convulsão política que ameaçou a V República (cf.
cap. 10). O segundo produziu uma série de campanhas de protesto mais longas e
descentralizadas nos campi de todo o país e se difundiu nos vários meandros da
Nova Esquerda.

8 . A principal fonte publicada é B ringing the State B lack ln, de P eter Evans, Dietri ch Reus chmeyer e
Theda Skocp ol (orgs .) . Ver também "Party, co·ercion anel Inclusion" , ele Richard Valley, que compa­
ra as es truturas de Estado americanas e os sistemas partidários no tempo,
9. Por exemplo, Herbert Ki tschelt relaciona diferenças nos movimentos ambientais ela França, Ale­
tnanha, Suécia e dos Estados Unidos às diferenças institucionais na estrntura do Estado . Ver seu a rti­
go "Political Opp ortunity S tructures and Political protest'' .

111
. .r com o ritmo diferen cial das
As d1ferenças na 1orça do Es tado., relacionaram-se • Esta do nunc s
- . a e
revoluçoes tamb em , na Europa Central e· Oriental . A Polô.nia , CUJ O• ·
· •
. primeuo e mais vita 1 movimen-
moldou comp- letamente ao sta 11n1sm0 , produziu o , . . .
nas g eves do So 1
l'd ane . d a d e d e 1980 ' enqu anto que a Chec os1 ..ovaqu1a, SUJ eita a
to r , ·
um brutal contro 1 e sta mista
1. . d ep 01. 8 de 19 68 , foi unia das u 1 tlmas a s e reb eIar. A
iona dos com a forç a resp ec-
preco cidade polonesa e o retardo tc�eco :stava1n relac
tiva do socialismo de Estado nos d01s pa1ses .

, • ios de
·
F.igura 5 · 2 - Força do Estado e estrategias prepon· d. eran tes como princíp
. .
estruturação para o confronto político em algumas democracias · oc1denta1s

FORÇA DO ESTADO

ESTRATÉGIA PREPONDERANTE DO ESTADO Estados fracos Estados fortes .

Includente Estados Un�dos Suécia

excludente · Itália França

Fontes: Adaptadci de KRIESI, Hanspeter; KOPMANS, R. ; DlNVENDAK, JW. & GIUNI, M.G. - The
Politics of New Social Movements in Western Europe: Mineápolis : University of Minnesota Press ,
1995� p. 37.

Em cenário s auÍoritários, · onde na mai oria· das vezes a repressã o esmaga a re­
sistência , a ce�tralização do p o der dá ao s dissidentes um tip o estranho de vanta­
gem - um canip o unificádo e u:Dl alvo centralizado para ser atacado quando o siste­
ma enfraquecer. Esta foi uma das razões que contribuíram para a rapidez dà c olapso
do so cialismo de Estado na Europa Central e Óriental depois de 1989. Quando as
oportunidades se abrem onde o po der é centralizado e as condições são homogêneas -
como no momento em que Gorbachev começ ou suas reformas - to Í-na-s e mais fácil
enqlladrar e organizar um_movimento so cial. A armá do s frac o s em tais sistemas,
como escreve Valerie Bunce, é que eles têm "muito em c omum " (199 1 : 6)
.
O conceito de força do Estado , se fo r co nsiderado apenas c om o um
guia para a
ação, é um p o uco to lo e sem função . Alguns estado s, fraco s o u fortes, têm
uma es­
tratégia preponderante em relação a o s desafiantes que é inclu siva,
resp ondendo às
suas reivindicações e absorvendo - �s (na terminolo gia de Gams o n, "pre
emp çã o ") e
ainda facilitando sua entrada no sistema p olític o (GAMSON , 199
0, cap . 2) . Ou­
tros, a o invés, têm uma e:tratégia �e tip o "excludente " . Hansp eter
Kriesi e seus co­
lab oradores veem essas estra tégias p rep o nderantes " variando i
s stematicamente
em países diferentes ( 1 995: 40 ..44) .
As estratégias prep o nderantes se cruzam c o m a forç a
do Esta do de maneiras
interessan tes. Em sua pesquisa sobr e even t o s de p rote sto em q
uatro países euro -

1 12

peus , Kriesi et ai. desc o brirain que a 5u 1,. ª ( c o n5ide
. rada p o r eles um Estado "fra -
c o" , c om uma estratégia ,tin�lu dente " ) tinha um alto ,. 1 d -
ntve e mob'l 1 1zaçao
' e um
baix
· o nível de viol ência e e on f .
ron to . N o ou tro ex tre o , a p rança ( que Knes 1 e
,, � · ·
s eus colabo ra dores c onsi d era m u m E stªdo " fo r e com uma estra tégia de tipo
. b . �
" ex cl udente") tinha uin níve1 mais a1xo de m o b1h. zaç ã o e um n fve1 mais .
a I to de
pro testo com confr ontaçã o ( 1 995 .· 49) 10. VeJamos . . o u tr o s casos: a Suécia ,
d ois
com um Estado s ocial- d .
e mocr ata, tem uma es tra tégia mais inclusiva em relaç·ão
a o s desa f.1antes ( KITSC HEL T , 1 986) enquan to que a Itália, ao menos até os
.
an os 1 9 90 , tinha um Esta do fraco e uma estra te" gia · de t·1po exc Iu dente em re Ia-
ª .
_ ... esque rda. A inters
ç� o ecç ão das pro pried ades da fo rça do Estad o e da estraté­
gia p rep o nderant e estão na figura 5 . 2.
A ti� ol�gi a de Kries� é útil, �as precisamos estar atentos em relação à superes­
_
quematizaçao. Sena mais fácil usar a forç� do Estado co�o um preditor global de
co�fro�to se foss� de fato u �a co�stante.l Mas "força·" e "fraqueza" são valores re­
lac1ona1s que vanam segundo os diferentes setores e níveis do Estado. Quando os
ativistas do movimento pela temperança, de Ann�Marie Szymanski, consideraram
o Estado nacional mu ito forte para ser con(rontado, voltaram-se para uma estraté­
gia.de "pensar globalmente; agir gradualmente". O Estado norte-americano é "for­
te" ou "fraco" ? Isso depende do ponto em. que ele °for atacado\ Peter Eisinger, por
exemplo, descobriu que o protesto urbano er� muito mais · �omum· em cidades
"não refoqnadas" , em que um prefeito e um conselho administram a cidade, do
que naquelas reformadas que· (êm um conselp.o; ·inas cuja administração fica a car-
go de um gerente executivo \1973) . . ·
É preciso ter a mesma c�Útela em relação ao conceito de "estratégias preponde­
rantes" . Por exemp lo , o Estado _norté-americano - "includente" no que se refere a
pro testos cívico s de classe média - tem sido·usualmente bem "excludente" perante
ataques à prop riedade. Com o um resultado dessa diferença, ele abre as portas para
grupos que têm obje tivos mo�estos - os chamados movimentos de consenso estu­
dados por McC arthy e Wolfso°: (199 2) - , mas ergue barreiras contra aqueles que
desafiam o capi tal ou a seguran ça nacional .
onderantes são ec-xte­
Além diss o, nem a forç a d� Estad� nem as estratégias prep
ções,
riores aos fato res políticos, que m�dain segundo o resultado de guerras, elei
realinhamen tos de par tido s e mudanç as na opinião púb lica : Um Esta do que é "for­
te" nas mãos de uma mai oria unifica da ou sob o comando de um líder forte pode
torn_ar-se "fraco" quando a maioria se divide ou cresce a op,.o�ição a ele. Um Estado
que é forte quando possui a c ? nfiança dos homens de negoc10 enfraquec � quando

ça para �s
10 . Obs erve que Kriesi et al. (199 5) enco �tra um nível mais bai:,ro de i:nobilização na Fran
assu_ n chamados novos movimentos socia is; os movimentos tradicionais base ados em clas se são mais
tos
Vigorosos. Esses achados são contes tados por um nível muito elevado de protes de rua constatado
por Olivier Fillieule em seu recente livro_ Stratégtes de la rue, baseado num e xam e detalhado dos ar-
quivos s obre prote stos da polícia francesa.

1 13
m novo ator cole..
. ta1 v ai• para fora do p aís . Quando ap ar ece u
a inflação sob e e o capi dos an os 19 70 no Ira- - um Es tado
. - como o fundamentalismo islâmico no fim
uvo
do xá p od e d ec air rap1• damente .
o
ap arentemente "forte" como um Es t ad o es tru tu.ralmente fra-
. · - es na eli
' iso ' te po lít ic a c0 1n .
E, f'ac11 confund'ir d1v . alm ente , hm1tou o cres ci-
er ic ana ' dividida re
gi on 1· · ·
erra ·
c1V 1
·1 , a '
eli te a in . .
co . Ate, a gu fra qu ec eu o sul, m 1htar e po 1t1camente , 0
Qu an do a gu e rra en , , .
menta do Es tado. ev i tã ian q ue - no s term os de Richard
- um "L
Estado se tornou IIluito mais forte
a

De for m co ll á ia, o "fo rt e" Es ta do francês , sob o co mando do Ge­


Bensel (19 90) . a tr r
cessores meno s carismátic os e ideolo gica­
neral de Gaulle, enfraqueceu com su .
com o o P esi den te Ch ir ac descobriu em 19 97
mente div idido s, r

Formas de repressão
subir os custos da orga­
A repressão pode tanto debilitar a ação coletiva com o
102) . Embora ela
nização e da mobilização da opini.ão pública (TILLY, 1978 : 109-
ntar os
seja mais brutal e assustadora, há evidênçias d� qu e , a longo prazó , aume
custos da organização e da mobilização seja uma estratégia mais efetiva. Por exem­
plo, quando Steven Barkan comparou as-ddades· sulistas qu e usavam as cortes para
bloquear os ativistas pelos direitos civis com âs que us avam a polícia para repri­
mi-los, ele descobriu que as primeiras foram capazes de resistir mais tempo à desa­
gregação do que as �ltimas (1984) ., Da. mesin� forma, dur ante a .era McCar thy; os
conservadores amencanos acharam; mais fácil aumentar o· custo de se filiar ao Par­
tido Comunista do que proibfr ·greves ou demonstrações.
-
.

Mas suprimir as pré-condiçoes - .- n�o


· ~ : · co let1v�
- - d.a açao . - e, sempre uma tarefa fácil.
. . - - , · 1 ·
VISto que subu os custos·da. organi
. za�ao �ªº· e _se etivo , o primeiro impedimento é
. . . . u. or-
o custo - financeuo � adm1n1strat1vo. O segundo imped1·men to. e, q. u e repnm
· - · 1enc1a • ,. .
gamzaçoes s1 a cntica construtiva e os oponentes do regi. me e bloqu.e1. a o flu-
•-r
xo de 11uonnaçoe .
_ s para cima. . . _
Finalm
· · . ente , em condiçoe s ger almente baixas de or-
ganízação , quando a aça~o co1et1va irromp· e elª pass a de um gotej amento p ara uma
torrente à medida que as pessoas percebem. pelª pnmeira . .
vez que outras co m o elas ·
foram para as ruas (KURAN , 1 991) .
Prender insurgentes e insurgentes p otenci. ai. s .foi
. a princip al reação ao confron-
to até depois das duas grandes gu erras qu ando , imci .
. . �1me. nte,
. os cidadãos do Ruhr
ocupado , depois Gandhi e em seguida 'os l'1deres
americanos pelo s direitos civis in-
ventaram. a desobediência civi'l • L0 tar as cade
i· a s e ganhar a simpatia do público
para os insurgentes eram formas efe t' d es
s o N K UE LER,
1 994; SHARP, _1 9 '.3) . Daquela ép o c::: d�a;;· te , aã (ACK�!M� - � � ? ta
des obed1encia civil nao v1 0len
tornou-se a pnnc1pal arma política no ars enal
do confron t° ( ef. cap. 6) .
Em reação ao sucess o crescente dO pro te _ S to não vio l ento nos anos 1960 , tanto
nos Es tados Unidos como na Europ a ' ª p o 1fei
· a e os tr'1bunais · começaran1 a aceitar
.

1 14
c omo farmas legítimas de ação O que antes tin · ha sido
• consid
. . .\ erado ameaçador à or-
dem c1vi1
Assü1:1 , 0 P rotest o ein qu e apenas se sentava pas
sivamente (sít-íns) punido
quase un1versa . 1 me nte co1n a pri são quando com eçou a ser empregado, ;101• sen do
.
ca da vez ma is ace ito nos ano s 1 960 com o forma de expressao. - A'1n da nesta época '
esta 1eorma de protesto se expand . 'u
1
· •
entre os grupos progressistas •
e hberai s e, nos
. . ..
anos 1 980 , cheg ou a seus 1n1m1gos ideológicos , à medida que o movimento antia­
borto ganhou terreno (STAG GENB ORG, 1991) .
A tolerância do Estad o em relação ao confronto não violento é uma faca de
dois gumes. De um lado, proporciona maneiras relativamente sem risco de reunir
um grande núme ro de pessoa s e dá-lhes a sensação de estarem agindo signifi cati­
vamente em ·bene�íci? de suas �renç�s. Por outro lado, tira dos organizadores uma
a�ma poderos a: a �nd1gnaç ão. E mais fácil mpbilizar-se contra uma polícia violenta
e excêntrica que atira insurgentes jovens e sinceros na cadeia do que contra autori­
dades públicas que parecem sensatas e que organizam seminários para os partíci­
p�ntes de demonstrações e ainda protegem a sua lil;Jerdade de expressão contra os
opositores (DELLA PORTA & REITER; 1997) .
A facilidade de organizar a opinião pública em sistemas representativos e de
encontrar canais legítimos para que ela se expresse induz muitos movimentos a re­
correr a eleições. A dinâmica é mais ou menos assim: um movimento organiza de­
monstrações públicas de massa em favor de suas reivindicações; o governo permite
e até facilita sua expressão continu,ada; o crescimento numérico tem um grande
efeito direto ao eleger cand_idatos; a partir daí o movimento se transforma num
partido ou entra em um partido para influe�ciar s� a� políticas.
Esta lógica levem· o movimento das _mulheres americ�nas 8: uma aliança perma­
nente com o Partido Democra ta nos ano� 1970 e 1980 (COSTAIN & COSTAIN,
1987). A mesma lógica. dividiu a extrema-esqlie�da �taliana em meados dos anos
1 970 , quando partes dela saíram do confronto e forll?-aram partidos da Nova Esquer­
da (D ELLA PORTA, 1995; TARROW, 1989a) . No ca�o mais bem-sucedido, a estra­
tégia �leitora! produziu partidos verdes ell1: par�es do.. norte �� Euro:pa, �artidos que
se tornaram rapidamente parte do jogo parlamentar da_ poht1ca. N� Su1ça, o u:º. de
instituições democráticas diretas parece moderar as açoes de movimentos sociais e
favorece movimentos moderados às custas de outros (KRIESI & WISLER, 1996 ).

Paradoxos rep ressivos


en
Está implícito em sua própria definição qu e os �stados autoritá_rios des �or� ­
jam a po lítica pop ula r.' Mas s eu su cesso na rep�essao pod e produzir un1� rad1c�h­
zaçã o da ação coletiva e uma organização ma�s efet_iva dos oposi_tore�,. a medida
qu e os dissidentes mod erados se recolhen1 à vida privada e � s. n1ais nuhtantes so­
b em ao palco. Afinal de con tas, nã o foi na Inglaterra democrauca ou �a França re­
an1 para o terronsn10, mas na
publicana que 05 anarqu is tas do século XIX se voltar

115
Rússia autocrática e na Itália e Espanha semiconstitucionais. Sabemos como a atmos­
fera repressiva da Rússia czarista contribuiu para o fim e radicalização da demo cra­
cia social naquele país (BONNELL, 1983) .
Nem todos os estados repressivos são igualmen te eficientes em· liquidar as
oportunidades para o confronto. Na Itália fascista, por exemp lo, grupos antifascis­
tas da Catholic Action organizaram a resistência sob a proteç ão legítima do acordo
entre o fascismo e o Vaticano (WEBSTER , 1960, caps. 1 O e 1 1) . Na Polônia comu­
nista, livros e artigos de escritores do Solidarieda de continu aram a ser publicados
mesmo durante o período -�ª lei 1narcial (LABA, 1990� 1 55) .
A repressão -�istemática da ação cole�iva tem o resultado perverso de dar uma co­
loração política até a atos comuns. As letras �'V.E.R.D .I." , rabiscadas nas paredes de
Milão em 1848, não se referiam apenas ao nome do �ompositor nacionalista Giusep­
pe Verdi, mas era um acrônimo para o slogan Vütorio Emmanuele rei da Itália. Para
qualquer russo que pudesse ler, os grafites esctjtos nas paredes de Moscou nos anos 11
1980 indicavam a extensão da alienáção na sociedade russa (BUSHNELL, 1990) .
. Nos estados com menor determinação au�oritária, até mesmo o modo das pes­
soas inclinarem os seus chapéus _ ou· as suas formas .de vestir indicam desacordo,
como James Scott descobriu em . sua pesquisa .na Malásia ( 1 985, cap. 7) . Esses
"transcritos ocultos" raramente coµd-�zem à �ção co letiva organizada, mas debili­
tam o consenso de forma insidiosa, de l;lma niaµ�ira difícil d� reprimir, pois nunca
cruzám a linha que divide o réss�ntíniento da _ópo�ição. Os estados repressivos de­
bilitam a ação coletiva do tipo �onyerici9nal ou de confronto, mas ficam abertos à
mobilização moderada. que pode sinalizar so\idariedade, tomando-se u m recurso
quando surge a oportunidade. _
Enquanto que os estadÓs _autoritários reprim_em sistematicamente o confronto,
a ausência de canais regulares Pª!ª expressar opinião transforma ate mesmo dissi­
dentes moderados em opositores ao regÍme, forçando� os a colocar o problema de
derrubá-lo como condição para reformas. Como Marx escreveu em 1843 sobre a
difer�nça entre a monarquia francesa relativame11:tê-Hheral e O Estado prussiano re­
pressivo : "Na França a emancipação parcial é a base da emancipação universal. Na
Ale�nha, .ª :mancipação u niversal é a condJtio s �ne qua no n de qualquer emanci­
paçao parcial (1967: 262-263) , Isso é particularmente verdade qu ando a repres­
são visa a sobrevivência coletiva de grupos ameaçados.

Ameaças e oportunidades
Até �g� ra, falamos princip almente das oportunida d es para a ação coletiva e
das restnçoes a elas colocadas, A percepçã o dessas variaçõe s e mudanças induz em

1 1 . Ver Open Uníversity, Mustc and Revolµtton: Verdi (1976) . Sobre O ro ck, c omo uma expressão de
discordância na União Soviética antes de 1989, ver The Sovtet Roch Scene, de Sabrina Rmne t. O rock
começou a desempenhar um papel similar na Indonésia autoritária du rante o s ano s 1980 .

1 16
·
as pess oas, que de outra .
- forma fican am em cas a , ª se . . em açoes-
. engaJar coletivas
custosas, frustrantes .
e possivelmente perigos as · M a5 h '
a uma outra ordem de variá-
.
veis, s�bre as quais sab emos n1ui· to po uco ' que ' lo gica · mente, surgem para estirou-
la r o con fronto: as ameaça s aos i'nter� esses aos valores e, as ..
. eerentes grupos ' vezes, à sobrevivência
qu e di1 e indivídu o s VIv . enc1am . .,
,
E melhor começannos considerando o con ftonto e 0 m0 um probl ema de ação
. , . de custos
coletiva e aqueles que O consideram diante de u ma sene e obstáculos. Do
ponto de vista de uma simples rnob1· i·izaçao _ de recursos , aqueIes que mais prova-
velmente se engajariam em confro ntos sena . m pess .
oas co m pouco a perder, pms
são eles que possuem os maiores recursos, ·. ·M as , se iucl .
� garmos quem tenta apro -
veitar as oportunidades externas Is. · e vera, que se enga1a � riam em tais · confrontos
' . _ ·
aqu eles que têm muito a perder, pois sao eles que, se não agirem enfrentam a
. ,
ma10r ameaça . ·
Considere a · expansão · dos assentamentos · · · ··
Judaicos em volta de Jerusalém
. . .
anunciada pelo pnmeuo-minis�ro de Israel Netanyahu no início de 1997, ignoran-
d� 0 ac�rdo de paz de Oslo que seu govetno Jurou-·respeitar. Essa atitude ameaçou
a integndad� do fut�ro Estado palesti:r:io e só_ p ? d.eria provo car uma reaçã o indig­
nada dos residentes arabes de Jerusalém e da recém-formada Autoridade Palestina.
A a�eas;a de sufocar sob a pressão dos �'fato s_ ·cria.do s" p or Israel foi um grande in­
centivo para o protesto palestin o. De fato, pode..;se dizçr que a"'atitude ultrajante de
Netanyahu se co_nstituiu em oportunidade para P!Otestos populares que o governo
de Yassar Arafa t não poderia ter organizado sozinho . .
A "teoria da perspectiva" , do psicólogo de Stanford .Amos Tversky, já falec
ido,
ora
sugere uma maneira de teorizar sobre a importância da ameaça como deflagrad
boradores
do c onfronto (cf. QUATRON E · & TVE�?KY, 198� ) .! Tversky 'e seu� cola
e perdas futu­
afirmam que os indivídu os reage� diferentemente �iante de ganhos
ersas que s ão contex­
ros . Eles dizem que os indiVÍdu os empregam h�ur:ísticas div
te ao risc o depende dos re­
tualII1:ente con tingentes . "Uma atitu�e individual fr�n
�çã o ao ponto de referên­
sul tados serem per cebidos com o ganhos ou perdas em rel
s de Tversky à teoria da ação
cia" (p . 722) . J effrey Berej ikian , ao aplicar os achado
revolucio nária" sej a acionada
coletiva, afirma qu e é prová�el qu e a "ação c o letiva
esc ev e qu e �'ca mp o n�ses ; passando p or transforma ­
pela "ameaça de erd p as" . Ele r
plo , a um. aumento de vulnerabilidade
ções socioestru tu rais qu e levaram, po r exe�
riam como neutra uma escolha en1
perante a crise de subsistência . . . não considera
. 65 3) .
favor do status quo, mas co mo uma perda" (p
aç ões de Berej ikian . Prü11eiro, há , empi­
Po de-se Iévan tar três obj eç ões às afirm e º confronto foi preparado, sem ne­
ricamente, alguns caso s bas tante óbvios em qu. . os obs ervadores concordariam
u e a maiona d
nhuma ameaça imedia ta , por pessoas q
sta tus ou posiçã o . Co nsidere o n1ovimento
não estar bu sc ando vantagens para seu ancos nortistas que foram para o sul
america no pe los direitos civis: a m aio ria dos br e hum risco à vida ou à proprie-
avam an tes disso n n
aju dar O movimento não enfrent
1 17
s eus risc os subs­
dade. Ao contrário , ao se engaj are1n no confr onto au1n entara1n os
tanciahnente (McADAM, 1986) ,
Segundo, não é claro se "ganhos" e ''perdas" (por exempl� , � os termos de
Tversky, o nponto de referência'� de u1n indivíduo) podem s er obJ � tl�a�en te defi­
nidos e observados. O ca1nponês qu e ocupa a terra de um pr opnetano de terras
está e111 busca de un1 ganho , pois é a terra de outro qu e ele ocup a , ou está corrigin­
do uina perda, pois pode alegar qu e a terra e1n questã o foi roubada de seu avô? Se
não pode1nos distinguir claramente entre a perspe ctiva de um ganho e a ameaça de
u1na perda ficaremos à mercê analítica de atores cole tivos cuja reclamação de per­
das sofridas não pode ser tomada pelo valor declarad o. '
Finalmente, a objeção mais �orte ao ,argumento de qu e o medo da p erda pro­
duz mais confronto do que a esperança de ganhar é que a teoria de Tversky supõe
incentivos individualis tas à ação coletiva� Quando examinarmos movimentos
tra�nacionais recentes no, cap. 1 1 , observaremos que muitos são mobilizados por
elementos de consciência em favor_ do que Dieter Rucht chama de "questões dis­
tantes" - às quais o problema' do ganho çm da p erda pesso al quase não é relevante
(RUCHT, 1998a) . .
.
***
A implicação mais relevante da teoria de Tversky não é expliqu o comporta­
mento de indivíduos, mas o que Berejikian cp.ama de " enquadramento interpreta­
tivo por organizações revolucionárias" . P,ois se é mais· provável que uma popula­
ção subjugada reaja ao medo de perdas do que à esperança de ganhos, "então a ta- _
refa da ?rganização revolucionária é ad? tar uma visão de -mundo que efetivamente
comumque aos camponeses, enquanto.indivíduos, a ideia de que os arranjos socio­
estruturais existentes sãq piores do que em algum passado 'normal'" (BEREJIKIAN ,
1992: 653). Cuidaremos dessas qu estõ es sobre enqua dram�nto interpretativo no
cap. 6.

Criando e difundindo oportunidades


Diversamente das formas convencionais de participa
ção, a ação coletiva de
confronto demon5tra as possibilidades da ação cole
tiva para outr os e oferec e a té
aos g�pos com poucos recursos as oportunidades
que sua própria condiç ão lhes
� gan a. Isso oco rre qua ndo os "pr im eirps insurgentes" faz em reivindicaçõ es às
elites que podem ser usadas por aqueles com meu· os
- , • a e com poucos rec",n-
- au dac1
sos. AIem, d'isso, a açao coletiva exp õe os pontos de •
- fraqueza elos opositores que p o-
dem n a o estar ev1
'd .entes até qu e seJ' am desafi'aclo
_ . . s. p o de tamb en1, reve1ar a1·iados
que-nao se conhecia ou que antes erain - p assivos, tan to elentro como for do s1s · t e-
ma. Ft. nalmente, �l� p o de � errubar barreiras ins a
titucio nais p ossibili tando a p assa­
gem de outras re1vtndicaçoes

1 18
Quando a ação cole tiva é iniciada nu m a p arte de u
m sistema, em favor de um
tip o de obj etivo e por um grupo particu 1ªr , o e ncontro entre aquele grupo e seus
antago nistas fornece mo delo s de aç a-o co 1etiva ' quadr os interp
. retativos principais
e es tru tu ras de mobiliza ção q ue pro duz em novas oportunidad es. Esses efettos se-
cundár ios assumem três . .
formas gera1s. expansao ...
das p róprias oportunidades de
um g ru po e aquelas de grup o s cognatos·, dialét'1ta entre movim en tos e contramovt-.
.
mentos, e cnação de oportunid ades para e1.ites e autoridades .

Expandindo as oportunidades de outros


Uma d�s características mais notáveis do confronto político é que ele expande
as oportunidades de outros. Os grupos de protesto 1 ocam na agen da questoes -
. . co
. .
, co:11 as q�ais outras pessoas se identificam e demonstram, assim, a utilidade da
açao coletiva que outros podem copiar. ou inovar a p arr·ir de1 a. e orno veremos no
, . ,
pro�o capitulo,- por exemplo , o movimento americano pelos direitos civis ex-
_
pandiu a doutnna de dfr eitos qué se torriou o "principal quadro interpretativo"
nos anos 1960 e 1970 (HAMILTON, 1986) . A ação coletiva incorpora reivindica­
ções através de form�s dramáticas que mostra_m o camin�o aos outros.
A expansão de oportunidades não apenas afeta o "sistema de alianças" de um
movimento; ela também afeta seus opositores reais e potenciais. Um movimento
que ofende grupo s influe nte� p·o de deflagrar um contramovime�to (MEYER &
STAGGENBORG, 1996 ) . Os _movimentos que empregam violência atraem repres­
são física. Movimentos que apresentam forma� extremas de reivindicação política
a uma
podem ser melhor con duz ido s por grup os que colo cam a mesma demand de
um movimento ameaça outro grupo
forma mais aceitável . Quando o sucesso de protestos. Na
num co ntexto de alta mobiliza ção ele pode levar a excessos e contra
, n os an os 196 0, a ext rem a-e squ erd a e a extrema-direita susten­
Itália, por exemp lo tir dos dois extremos
tavam uma a ou tra , pro du zindo camp anhas terroristas a par
nos anos 1 970 (DELLA PO RTA & TARROW, 198 6) .
ito e ntre os m ov im en tos americanos pró-escolha e prô-­
A espiral de co nfl um e x e m p l o de con10 os movimen­
io do s a no s, 1 99 0 , é
Vida , no s an os 19 8 0 e iníc ss o ªº direi to ao a�o�to , de cre­
ra os op o ne ntes. O ac e
tos criam o portunidades p a os 197 0 , m ob
.
1li z �'-' os ca tohcos e pro­
tado pela Suprema Co rte no in íc i o do s an .
org aniz a re m c o n tra a s ch m ca s de aborto . Es te
ra se
testantes fundamenta lista s pa ic o qu e foi uma grande força na derrota da
�se tão di nâ m
ltlovi.ntento pró�vi.da tornou 0 (M AN SBRI DG E, 19 86 ). Eventualmen
te,
• 1gu a, te n os a no s 1 98
etn.enda por d1' re1tos , cha ma do Op eratton
• • " •
·
da
-
v1
1:1

r m o do m ovi m en to pr ó-
no início dos anos 1 990 u m a mularam uma can1panha de
Rescue " , usou essa s tá t1'cas ra di. ' c ai·s dire tas qu e esti
list as pr ó- es co lh a (M EYE R & STAGGE N BO RG ,
s lega
contramobilizacão das fo rca
1 99 6) .

1 19
ara as elites
C riando oportuni. d
ade5 p . am Opo rtunidades po,líti cas pa-ra as eli-
Pr o te st m cn
e1es qu e a
Fl·nalmente aqu ' qua 1'
n d. o su
"'
a s aço es dão mar
gem a repressao , como
.
' nti'd o n eg a 1
t'v o .
tes: tanto num se . quando os po 1t1c os se apodera
. t1VO, m da op
.
or tun idad e ena da pe-
num s entido pos1 tn'bunos do pov o · Com o v
erem os no cap. 10 , ta1-
ra p la 1n ar -se
los desafiantes pa ro c
ov i'mento de maio na Fra nça tenha sido uma
·
is du r ado ur o d o m , . .
vez o resulta do ma. na1 em qu e os par t1c1 s do mo vim en to so tive ram u ma 1n-
' •p a nte • .
reforma educacio . .. ent e têm pod er de afetar as prio-
fl saf'1antes raram O
uenc1a m1n1ma. P or 51 . 50 ' os de
, •

em frequentemente
#. •

l seus protestos assum


i icas das ehtes sso porque
º
n· dades poll .-
. , porqu e é impràvávél que_ as, elite s sej am persuadi-
uma forma expressiva e tam. b em . • -
1 icas que não aten d m os seus prop nos inte resses. A re-
das a· fazer mu danças pol't' a
. • ,. . ,
r
1orma
, · provave
e mais .,. l quando os desafios de- fora do sistema . pohu co fomecem as
, ._ , .
suas elites um incentivo político para que desenvolvam suas propnas p ohucas e
caminhos (cf. cap. 10) . _
O oportunismo político ilão é um monopólio da esquerda ou · da direita, parti­
dos de movimento ou partidos de conservação. Essençü�l_men�e, a administração
conservadora de Eisenho\\:er reagiu qO movim�nto pelos -dfrei_tos civis da mesma
maneira que a administração liberal de Kennedy, pel a simples razão de que ambos
estavam preocupa dos co� o realinhàrµento eleitoral e queriam �it\imizar o dano
político causado pelo racismo no �xte�or (PIVEN '&:. · ÇLOWARD , 1 977 , cap. 4) .
·
Quando é mais provável que part�dos-e g�p o� de irtter·e;se·
· tirem vantagens de
oportunidades cri��as pelo m�vi ehtos soci�1� ?- _ Isso� pa:t�e
� � çê acontecer principal­
ment� qu�ndo um s�ste a e de�af ado ppr u:rna sér�e d�
� � mo':,lmen.tos· e não quando __
organizaço es de um movimento singular apres enta
. . .
mente repnm1dos ou isolado s. Isso s1gn1
. . _ . . . . . _ _ ._m· d.esa · · fi.·os. .· q
a· -
· _ ue po em ser fa ci·1-
. fica que- é m·ai·s- .·p r· ovav
reform.IStas quando as opo rtunid . _. · .,. el o · b te· .r resu1ta dos
.
os desaf.1antes, as ehtes e as autond . .
ades polític . .
as
ades , - cóni o nos c1· 1·
_ p·r odu zem - . :·cqn ·r• ront os gerais entre
dos no cap. 9 .
c -o�- :_ d·· e c- on · · front' os examina-

Oportunidades em declínio
A abertura de oportunidades propor cion · ·_
. a r·e c..urso. s e x -
não têm recursos internos; aberturas onde ant h . . temos para pe ssoas qu e
es s O aVIa m
não pareciam possíveis e realinhamento s qu u ro s ; alianças qU e antes
e p a e em
grupos ao poder, Mas , pelo fato de essas o p or c c ap a zes de traz er novos
tun1· dra des .
se movem tão rap1. damente d e seu s desafiantes . s erem extern
. 1n1. c1. ai. s a as - e porqu e
res, e , finalmente, para as elites e au toridade p ·
ra seu s aliados e op osito -
s _ as op ,
amizades volúveis . O resultado é que as ab ertu ra o rtun\dades po
s 'P.a�a re líticas sã o
mente ou perm item que novos d es afian tes co m fo rm as fe cham- se rapida
- . . . reivindic -
pelos portoes que os prim eiros in su rgentes tin a ço ~ e s dif' ere ntes passem
hat11 derr
Assim ' as revolu ções de 1989 n a Europ a O ri·ent
u b a d °·
. a. 1 , que 1n .
trariam a democracia a uma parte do m.u nclo à qu a u
1 t111ha sid 1tos p ensaram qu e
0 ne ga d
a a liberda d e ,
1 20
produ ziram umas p ou cas democracias , vários estados neocomunistas e alguns paí­
s es que rapi damente s e d es integraram por meio do conflito étnico . Mesmo na en­
tã o Alemanha Oriental , logo abs o rvida nu1na democracia ocidental estável, o fó­
rum cívico qu e levou à unificaçã o em 1989 foi posto de lado pelos partidos políti­
cos estabelecidos , enqu anto que o sucessor do antigo Partido Comunista permane­
ceu como força elei toral. Os movimentos são evanescentes porque influenciam
mu danças políticas que precipitam sua própria de smobilizaç ão .
O fato de as oportunidades políticas terem uma natureza mutável não significa
qu e elas não tenham importância_ na formação dos movimentos sociais. Da mesma
forma qu e os bolcheviques subira1n ao poder em 1 9 1 7 através do resultado de uma
oportunidade política , foram as op�rtunid�des criadas por Gorbachev que estimu­
laram a ação coletiva na ex-União Soviética e na Europa Central e Oriental em
1989. Mas, se as oportunidades migram dos desafiantes para seus aliados , de movi­
mentos para contramovimentos e de fora do sistema político para as elites e parti­
dos no seu interior, então é predso algo mais durável para transformar o confronto
em movimentos sociais su�tentado s\ São necessários três outros tipos de recurso s
para transfarmar possibtlidades de confro:r�.to n�ste tipo de movimento: a fonn a de
confronto utilizad a. pda·s pessoas para· ganhar ápoio_ e impor sua vontade ,aos opo­
s1tores, os enquadramentos interpretativos da .ação coletiva que dignificam e justi­
na li­
ficam suas ações e as estruturas de mobilização que -r�forçam os desafiantes
nha de fogo e ligam · o centro à base. Esse�são os poderes dos movimentos, que se­
rão analis ados nos ·próximos três capítulos.· ' · · ·· ··

1 21
o de fo r m a c o n t e n c i osa
Ag i nd

o de Slo bo da n M ilo sevic parecia ser ·o último , ·


capaz
O regi- me nacio · nalista sérvi . Um ard1ª l os o 1 em· msta , rap1d o em
ovi m en to so ci al.
de ser enfra uecido por um m E uropa Central e Orie
n tal b em an tes de 19 89 ,
s de mu dan ça na
perceber os �dício da unidad e iugoslava fome
n tando uma
qu e ha via res tad o
Milosevic solapou O
rável Estado da Bósnia -Herzegovina atra­
guerra com a Croácia e atacando o vulne
. Qu ando os horrores do genocídio
vés de seus representantes, os bósnios-s érvios os ameri­
fez u m a cordo com
na Bósnia causaram reações no Ocidente , Milos evic 12.
na incerteza
canos e europeus ocidentais que deix(?U os s eus adeptos
ro ­
A posição de Milosevic que era politicamente inatacável, por co ntrola exér
cito e a mídia, ficou mais fraca à medida qu e os custos da gu erra contra a Bósnia fi­
caram evi�entes. Mas, com astú cia impiedosa, controle contínuo da imprensa e
�om o apoio dos r:manescentes da antiga buro cracia comunista, Milosevic p arecia
firme no_ �o�er ate novembro de 1996, quando os partidos da oposição, anterior­
mente di�di�os, pr�pararam uma lista conjunta de candidatos, Zajedno (Juntos) ,
pa�a � ele�çoes locais de 19:6. Quando venceram qu atorz e das eleições locais do
..
paIS, 1nclu1ndo a de sua capital, o governo declarou essas vi·tonas · 1·1ega1s .
,. , podena . .
Essa tática so funcionar se três coisas foss., em . ve�dadeiras. . . s e �osse ap 01a-

tal e s. e _ninguém de fora do país estivess e obs ervando Maª


d.a por uma ameaça de força digna de .crédito , s e midia eStiv esse so b co ntrole esta-
_ · . s '. qu ando ocorreu, essas
co n d 1çoes nao se mantiveram. Embora a olícia foss e dianamente para as ruas, o
exército (talvez ainda caçoando de Mil se p .
vic or sua r e tirada da Bósnia) ficou à
marg em. E ap sar da m í dia ofic /
ial ter s ecus �0
ª
e
zer publicidade da vitória ou
da tática da oposição, as dios e televiso:es pri�vada sfae. a
r á .
. mi'd'1a estrangeira mais do
que compens aram so
IS . E, finalmente ' us an · do o a oio
. . . .
potencia1 das sanç ões co-
mercia.is , a European Security and Co op eration c onpcluiu., que a Zajedno tinha ven-
c1'do em todas as qua torze cidades (Le Mon de , 13/0 2/ 1
. 99 7: 2 ) .

12. Para o estudo de fundo mais equilibrado e b n a do sobre o s co fl s


até meados dos anos 1990, ver : Yugoslavia as H�:oi foqn , � no m1
n ito dos Balcas .
. ,c10
de
V.P. Gagnon. A narrativa e os números aprox1, madory
, Jo h n L amp ª.
s r:lativos à par e. • ''Serb·1 ' 5 Ro ad to War, , d e
ti ci ã
,
dos em relatos da Agência Reuter, Para uma narrativa vigorosa pa. ç o n: figura 6. 1 s ã o basea­
de Timothy Garton Ash. so br e O fato ver ·ln the Serbian Soup ",

1 22
figura 6. 1 - Participação n
os eventos de pro
(19/l l/19 96-1 2/02/19 9 7) te5 lo �m B elgrad
o
600

500

400

� ..-1 . ("(') ll"'l t--- ..-1 � \O o o t- t- o


..-1 · ..-1 ..-1 � .......
\O
. ...-1 -.;t- N
� N
N N N N � e:! N
l""""i
....... ...-1 N ..-1
� � N ...-1 ....... ....... ,--f
..-1
� r:l N
,--f
..-1 ..-1 ..-1 ...-1 ,--!. ...-1
,--f ,--f ,--f l""""i
l""""i ...-1

Data
Fonte: Reuter's Press Release.
Nota: Os dados no gráfico representam apenas aquelas .datas das quais a Reuter fornece estimativas
de real participação . · . • ·

Este é o pano de fundo do ciclo de confronto político que começou com as vitó­
rias eleitorais roubadas ·e continuou até três ·meses depois� quando aquelas vitórias
foram reconhecidas. De 19/1 1/1996 até meados de fevereiro· de 1997 - quando o
parlamento sérvio finalmente concedeu as vitórias - a Zajedno preparou uma cam­
panha de confrontos que ocorreram todas as n�ites, des.equilibraram o regime, man­
tiveram os olhos da audiência internacional grudados :Qa televisão e enfraqueceram
bastante Milosevic e seu regime. Ao mesmo te�po, . os estudantes da Universida de
de Belgrado organizaram diariamente uma resistência separada; embora sua retórica
abrasadora os distanciasse dos militantes da Zajedno , de fato eles ajudaram a con­
frontar o regime com desafios par tindo de diversas direções ( GART ON ASH, 1 997) .
Isso significava, mais uma vez , os Bálcãs explodindo em violência? Alguns dos
pro testos realmente se tornaram violentos : primeiro quando os particip antes co­
briram de ovo s a mídia estatal p or sua recusa em divulgar notícias sobre os protes­
tos e depois qu ando a po lícia , ten tand o tirar a oposiçã o das ruas , atacou os partici­
pantes das demonstra ções e feriu um dos seus líderes (Le Monde, 13/02/ 1997, p.
2). M as desde o
come ço , as pacíficas passeatas noturnas através do centro de Bel­
grado foram o nú cle o da campanha. Por quase dois meses , milhares de parti cipan-

1 23
. ·
· alte
dis curs os, • rnadamente
tarain , ªPi t ar a m o uv •
ira m
; am n1 p a s seata , can . a, e forain ao s tribunais. para man tera
tes sa ir e . o c0 1n ,. a p o i
1, ci
'
. fratern1zand Iugoslávia p ó s- 1989 '
incon1�dando e con evic . N as cond1. ç o es s emidita to riais da
ª pressao s:brpreotMesiltoos- herdeira de duzenoto� ano: de confron to políti co e, virtual-
- assu miu um po der especial . A
passeata d nal n o cl d en e
a 1. nst1• tu cio
ment. e, parte .da polític ela tos de
. pr ensa da Reuter , dá um a 1. d eia
im
• da magni-
figura 6. 1 , fe1ta a partir . dos r
- es ein Be1grado 13 ·
tude das demonstraço ara m . 0 po der popular em. Be
lgrado : à de-
sea tas
. qu e e xp res s
Não foram só as pas . . p antes inesclava-s e su a criatividad e. "O regime f01. atacado
tenninação dos par . t1ci n, d l
icu 1- a .
nza do por palhaços (VEJVODA , 1997 : 2).
cmn ovo s, assovio s, panel a ços e
ap a s pedes tre5 comuns
usa ssem as rua s do centro
Quando a pol ícia
. ex .
i g .
iu q u e en
. areceram passeando com seu s cachorros ou
de Belgrad o, m1'lhares de pe ss oa s a p
· do ir
fimg1n · para O trabalho· quand° a mi_'dia, ' con trolada pel o Estado , recu sou-se a
' . . tas fizeram fila e pas saram por suas
divulgar os protestos, os part1c1?antes d·e assea
rnacional. Na véspera do Ano
sedes todas as noites, tendo assim acesso· �a mídia inte
· · es to. em festa · d e rua,. quando a
Novo 300. 000 p essoas transfarmaram O seu prot
venc;dora de um conc· urso de beleza foi escoihida el� �9-�mou u� do s poricia . IS. e
·
apresentou-o aos paruc1p antes C?mo o " pol'1c1a
· . ·. atraen
· 1 máis te" -e lhe deu um bu-
, �- . . _
quê de flores. Sem .este espetáculo de todas as noit e s_ , de m1lha r_es_ de cida� <?: an-
dando no frio, rindo e cantando, proyavelmente o mundo teria deixado a Servia ao
seu destino.
,. . :
***
,: . .

A história sérvia ilu stra os três princip ais asp e ctos do confronto publicamente
organizado que serão analisados neste capítulo . 9- primeiro, o choque violento, é o
mais antigo e direto qu e co nhecemos; .o segundo , a demonstração pública organi­
zada, representa o principal tipo de confronto polít�co no mundo atual - a ação co­
letiva convencional; o terceiro, a .ruptura -criativa· , existe na fronteira sempre osci­
lante entre a convenção e o confronto. Embora a vi.olênci�, a ruptura e o protesto
convencional se diferenciem de muitas maneiras , ·eles têm �ni ponto em comum:
todos são, de algum modo, performances pú�licas.

A performance do confronto político


Em seus trabalhos sobre a Inglaterra e a França e nos seus ensaios teóricos
(1983 ; 1984b ) , Charles Tilly centrou sua atenção nos repertórios de confronto ti­
picamente usados pelas pessoas num dado tempo e esp aço para expressar suas rei­
vindica çõ es. No cap. 2, o concei.to de rep ertório ajudou a situar O confronto políti-

13. Houve demonstrações provinciais em muitas cidades - pequenas e gran


ra d� imprensa internacional só pode ser considerada acurad des _ da Sérvia· a cobertu­
os numeros de manifestantes na figura 6. a em relação a Belgrado. Me�mo assirn,
1 só podem ser considerados como estimativas imprecisas.

1 24
co num arcabouç o histórico e comparativo inais ainplo . 'M , as , até agora , a maior
p . so .m.
r e d a sq uisa b re prote sto h 1 tou -se às suas dimens o,. es qu an t1· tativa
Pfra t . s; quão
e
equentemente s e usa uma fo r..ma de con fronto '· em que condi'ções e1e é subst1tuí . -
; ua c on ao .
_ co 111 a indus .
do p o r ou tr o s e x trial izaç ão e con strução do Es tado e com ci-
clos de fo m e , d e semprego e guerra; que1n usa� de forma tipica , que formas de açao
11-
r
e co nt a que1n . _ Os recent e s a anços na a nálise compu tadorizada
� de texto s facili-
pa ra os e tudioso s reduzir o estudo dos repertórios a números e estudar sua
. taram
s

ocorrência em l ongos períod os (FRAN ZACI, 1 989) , mas dificultaram que fossem
considerados co1no perforn1:ances públicas com conteúdo emocional e cultural.
São todas as variantes do confro nto político igualmente performáticas? Havia
vários elementos de performance no qu e eu chamei de ''velho" repertório no cap. 2 -
por exemp lo , no carnaval (LE ROY LADOURIE , 1980) . A destruição de ícones e
estátuas nas guerras de religião foi também uma performance, embora em b enefí­
cio apenas de uma audiência .celes tial (DAVIS, 1973) . No entanto as formas de 1

confronto locais , paroquiais e q.iretas visavam principalmente obter resposta às


reivindicaçõ es diretamente dos _antag<;)nistas ou conseguir vingança em relação a
ele. Apenas no mundo moderno - quando a opinião pública e os estados nacionais
começaram a fazer a mediação entre os reclamant�s e os seus alvos - o confronto
to�ou-se uma verdadeira performance em benéfício de terceiros.·
Isso já era evidente na Revolução Francesa, quando formas de vestir e de apre­
sentação pública se tomaram.politizaq.as (cf. cap., 7) ., O século XIX - com o de?en­
volvimento da passeata política, da demonstração pública e do · cortejo - reforçou a
tendência para a performance ·pública ritualizada. Mas foi apenas no século XX,
com o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa e o pap el crescente
dos estados e de terceiros na determinação dos· resultados do protesto , que a per- • 1

formance nos confrontos po líticos tornou-se rotineira e profissional. Mesmo algu-


mas formas de violência - a mais elementar forma de\ confronto político - revela ele­
mentos de performance.

O desafio da violência
A violência é o traço mais visível da ação cole tiva, ·tanto em relação à atual co­
bertura das notícias como no registro histórico. Isso não é surpresa, porque a vio­
lência é notícia e preocupa aqueles cujo trabalho é manter a ordem. A violência é
também uma atração mórbida para muitas pesso as que, ao mesmo tempo que a re­
pudiam, sentem-se atraídas por ela. Finalmente, a violência é o tipo mais fácil de
ação coletiva para pequ enos grupos com eçarem sem ter de arcar c01n grandes cus-

an Cycles of Collective Action,


l4. Ver a coleção de a rtigos editada por Marc Traugo tt, Repertoires � Ver também A�ts 0f �is­
.
onde se tem uma boa apresentação d e trabalhos recentes sobre repertórios conJtm . to mais técmco
sent, de Dieter Rucht , Ruud Koopmans e Friehelm Neidhardt,1( orgs.) , para um
de ensaios.

1 25
to qu e os o rg an iz ad o res de uma demonstra-
� co ntro1e Enquan ação , os fo �enta-
tos de co ordenaçã o m �rab�lhar muito p ara desenca dear uma de vidra ças
ção de pro testo pre cisa c1sa1:'1 de t1J. . Olo s bastões ou correntes, do som
re
dores de violência só p as to es nas cab eç de é a soli-
, as da s vítimas . Su a solidarieda
sb
quebrando e do S0111 do
dariedade do bando. . . de aça... o co1e t1. va centrara·1 in-s e na viol- ência r eal ou po-
As formas trad1c . 1onais a .
a m ais fá ci 1 pa ra a 1n
. i·ci'aça.. o de pess oas isola das , an lfab e-
tencial porque era a riorm po r mov1men-
. s . Mas ª Vl· olênci. a tambe1n , e, usada deliberadamente
tas e enfurecida ar op osit o r es e de
. monstrar a co-
.is ainp1os para unir apoia . dores, d esu1naniz .
istas
tos ma . entº · Os c a1n1. sas-1narro1n de Hitler ata caram os comun e
ragem de um movnn - a o po der ' mas par a criar uma
ra c mb ate r a su a asc. ensao
judeus não apen as\ pa o
e e no p oder .
identidade coletiva baseada na virilidad se tor-
• to qu e e,,. tao
- .r--
1ac ·
1 1 d ar .
ini ,,. . . a.. violência ' é surpr e endente qu e ela tenha
cio . -·
Vis .,. e ut s f . ma s d aça o co -
· a 5 do qu
e
dem ocr acia s con tem por ane o ra or
nado mais rara· nas ·
· ·
(DELLA PO RTA ,-- 19 95-·· 21 6) - · A muda. . _ .
nça com eça . .,.c om .
letiva que iremos examinar · - a
10n al no o ·
c1 d nte , a me d'1d� que ele supnm1u a viol. nc1 e
a ascensão do Esta d o nac e
- . .,. .
a viol ênc i org niz ada : Vem o s :vide�cia s deS ra mu-
privada e assumiu o con trol e d a a
r_a , a _me dida qu e os bre­
dança na pesquisa de Tilly sobre a ação coletiVa na lnglater
s eculo XVIII p ara as
tões passaram das brigas tumultu adas e queimas de feno no
�éc�lo XIX (199 5a;
petições e dem onstrações que domiil�m 9 registro histórico no
cente do
1995 b) . Mas vemos isso mais claramente_ no século XX, na _ace1taçao cres
protesto não violento por parte das autoridades_ governamentais .

Violência interativa
Embo ra a violência tenha sido sempre vista c o mo uma expressã o de disfunção
psicológica o u social, ela é melhor compréendida como uma função da intera ção
en�e as táticas dos qu e protestam e o policiamei:ito. O r egistr o europeu moderno,
escreve Charles Tilly, mostra uma tosca divisão de trab_alho: "as força s repressivas
fazem a maior p arte da matança e dos ferimentos, enquanto que· os grupos qu e eles
tentam controlar causam mais danos aos objetos" (1978: 177) . Essas r elações são
interativas, como conclui della Porta em seu estudo sobre violência polític a na ltá-
lia e na Alemanha: "a escalada dos repertórios de protesto envolveram adap taçõ es
táticas entre os dois atores princip ais: o s participantes das demonstra ções e a p olí­
cia" (1995: 21 1).
Essa "normalização" d_o protesto não se estende com, frequência aos �stado s
nã o democráticos. Foi em estados como a Rússia czarista que o terr o rismo se de­
senvolveu primeiro - principalmente porque os p articipantes de protestos não ti­
nham acesso aos meios legítimos de participação e fora m forçados à clandestinida­
de, em que os únicos meios de expressão eram vio�entos. Mas, mesmo em estado s
democráticos, o isolamento dos grupos extremistas e _seus choques com a polícia

1 26
frequ entemente os deixain sem outr o recu r
so a não ser a violência (D
1 99 5) . ELLA
pQ RT A,
Às vez es � violência se torna hab itua l para alguns grup
· os e em certas intera-
çõ es n· tu a1iza · ter
· d_as 1n grup os . Os :inicultores do sul da· Fra
nça usaram a violência
contra a propneda de d e fonna tão co nsisten te em suas -lu tas para manter os
• ª
e 1m�:d�. r a entra d de vin °
· h estrangeiro. preços
que derramar vinho nas estradas e invadir
escnto nos do governo e�a, p�ra eles, uma forma institucionalizada de protesto
(MANN , 1 99?) . �s con flito s violentos entre os unionistas protestantes e os nacío­
nalis_tas cat�l�cos �o norte da _Irlanda são rotineiramente deflagrados por violentas
reaçoes catohcas �s prov ocativas passe atas "Orange'' em �airros católicos _ que é
exatamente a .razao dos prote stantes escolherem essas vizinhanças.
A violência tem um efeito polarizador em sistemas de conflito e de aliança. Ela
transforma as r �lações e 1; tre desa�iantes e · autoridades, que passam de um jogo
confuso e multifac etado - de aliados , inimigos e espectad ores casuais �para um
jogo bip olar em que as pessoas são forçadas a escolher lado·s , os aliados desertam e
o aparato repressivo do Estado ep.tra em ação 15 • A ameaça de violência é um grande
poder nos movimentos, mas torna-s e uma desvantagem quando aliados potenciais
ficam com medo , as elites se reagrupam em nome qa paz social e as forças da or­
dem aprendem a reagir a ela� A prtncipai ra�ão dos órgan�adores das marchas no­
turnas em Belgrado implorare� a seu� apoiadores que não aderissen;i à violência
era limitar essa polarizaç�o . e �ão dar às autoridades_ pr� texto para repressão.
Os movimentos sempre se dividem quànto a usar o� nã'o a violência. A luta en­
tre os girondinos e os jacobinos n_� Revolução Francesa foi deflagrada por uma dis­
puta sobre a execução do rei, com ,os girondinos - que se opunham ao regicídio -
indo logo depois dele ao cadafalso . Na esquerda europeia, anarquistas· e soci­
al-democratas discutiram sobre a violência dos primeiros e a burocratização dos
últimos. Na América dos anos 1 960,. a mai� importante das organizações estudan-
. tis de esquerda, a Students for a Democratic Society (SDS) , acabou quando aumen­
tou o conflito e o movim�nto de resistência Weathermen surgiu dos escombros
(DELLA PORTA, 1 995 : 2 1 2) .
Embora a violência impression e as pessoas ,. ela tem uma limitação severa na
formação de movimentos, pois restringe e assusta simpatizan tes. Enquanto a vio­
lência permanece como a únic� possfbilida de para a ação dos participantes de
pro testo reina a íncerteza· e os atores coletivos ganham poder psicoló gico em re­
lação a seus oponent es. Mas onde .ocorre a violência ou é apenas provável, as au­
toridades ficam livres para reprimir (EISIN GER, 1 9 73 ) e isso afasta os simpati­
zantes não violentos. Quando isso acont ece , os o �ganiza dor �s ficam presos numa

o ano� � O}evou a
15. D ella P orta mostra que O surgimen to da política vi?lenta na Itália _e na Fran�,ª � �
uma polarização entre a "coalizão da lei-e-da -ordem e uma outra hgada
1
aos · chreitos c1v1s . Ver o
seu Social Movements, Polítical Violence, and the State, P· 192.

1 27
. ão m ili tar co m as au to rid ad es, qu e na épo ca _ atual eles nã o
espir�l de confrontaç ili da de de ve nc er. D ev e ser p or iss o qu e prau...
r po ss ib
têm vir tualmen te qualque açã o co let
. qu e se d esenvo 1veram co
iva rno
to da s as for�m as m o du 1a res de .
camen .te d o s d emocr á t1 c os não
ep e rtór ·
i o co nte mp o râ ne o e m est a
Partes importa nt es d o r , f s co nvenci o-
_ . 1entas . 0u, mais
vio · esp eci' fic am ente elas se dividem em orma
sao
nais de confronto e rup tur a.

A ruptura e a instabilidade do protes to ·.


de des afia nte s. Tem assumido
A ruptura é a expressão arquetipica de grupos
um transgr ess or ou a o esto �ue de
uina variedade de formas, do ataque à casa de
as do sé �ul� XIX e aos movi�en­
grãos de un1 moleiro no século XVIII às barricad
mais due tas, a rup tura nao é
tos passivos e às greves do século XX . Nas sua s fo rmas
zir grã os ou dinheiro" ,
mais do que uma ameaça de violência: "Se vo e� nã o pr odu
uindo n ossos
diz o desafiante, " ou não parar de usai as máquinas que estão destr
meios de vida, você pode sofrer ,danos físic os." .
A ruptura tem uma lógica mais indire.ta n'as formas · c ontemp orâneas d e con­
fronto. Primeiro é a realização ·con{r'eia da determinaçã o de um movimento . Sen­
1

tando, permanecendo em pé ou· se �ovendo em conjunto de forma agressiva em


espaço público, os participantes da� demonstra ções :�firmam sua identidade e re­
forçam sua solidariedadfjt Ao mesmo teÍnpo, · a ruptura impede as atividades roti­
neiras de seus oponentes, espectadores casuais ou autor1.dades, forçando-os a aten­
der às reivindicações dos que p·r otestam\'Finálmente, a ruptura amplia o círculo de
conflito. Bloqueando o_�rânsito ou interrompendo os·negócios púb licos, os partici­
pantes incomodam os transeuntes, põem em risco a lei e a ordem e col ocam as au­
toridades num conflito privado:
A �ptura não precisa ameaçar a ord�m pública. N<?� E stados Unidos, primeiro
o movimento pelos direitos_ civis e depois o das mulheres ensinaram os americanos
que �usa: políticas podem ser levadas adiante através de meios pessoais. O qu e
podena nao ser uma ruptura para um conjunto de arranj os sociais pode significar
u� enorm� ruptura para outro . P or exemp lo, o camp o de batalha inicial do femi­
n:smo ame�cano foi a família - mesmo da parte de mulheres não militantes qu e
�o se consi�r.assem feministas. Outra arena recente é a Igrej a Católica onde
mulheres rehg1osas" desenvolveram uma cntic .. · a chscu· rs1va
. . · , mas altamente dis-
ruptiva , da hierarquia e do patriarcado (KATZ EN STE IN 1 998
, , cap. 6) .
ª
E�uanto que forma característic a de confr
ont açã o do séctüo XIX foi o uso
de bamcadas, o século XX adiei onou ao .. .
� eperto no de rupturas as suas próprias
formas de confronto A asseata ' que tern1
. ina numa demons traç ão en1 luga r públi-
co ' foram acrescenta.dospo s ins trumentos da aç ão d·net. a nao .
passivamente [sít-in] _ talvez a mai. or co ntrib - violenta e do sentar-se
ui
.. çã 0 d e no sso sécu lo ao reperto� n. o
de confronto . Em lugares tão di' s tantes como a In . .
dia pré-in . d e pe n d ênc1a, a Am ér ica
do Sul e Greenham Common , na 1ng1 ate . rra , a aç ão d'neta nao - .
violenta tornou -se
1 28
al o imp ortante para os particip an tes de prot
g eSlos em todo mundo (ACKERMAN
& KREUGLER, 1 973) .
Embora na história haj · a evidência de n~ao -v1· 0 1en
,;.,. .
cia há muito. temp •
r ·
meira teorização · 1_ormal foi fei ta p or G andhi d . . 0
16
, sua pn-
, ' epois que ele e seus segm. dores a
.aram co ntra a discrlininar,;ão n Af c do ul e co
MA N & ; � a S ntra o governo colonial britâ­
u�
nic o n a Í ndi a (AC KER RE G LER, 1994, cap. 5) . Embora as táticas de
. · tos rosse1 .
seus mo vimen 1 n pacíficas ' Gandhi era bas tante e1aro
b • . quanto ao cara,. ter
disruptivo• de seus O �etivos . A0 i liclar sua camp nha pela não
� a -violência na Índia,
em 1 .930/1 9 3 1 � ele escreveu ao v1ce--re1. britânico· · "N~ao e,. uma questao - de impor•
- atrayes
oes , e ·
con v 1cç d argu men to s. O p roblema se resolve JUn tand o-se etorças "
(apud SHARP, 1973: 85) .
Emb<?ra te11ha começado como um instrumento do nacionalismo anticolonial
a aç�o direta não violenta era verdadeiramen�e_modular, difundindo-se para vário�
1novimentos no: an9s 1 960 e 1970 como um instrumento de escolha estratégica,
mesmo onde nao _estava fonp.almente teorizado (ACKERMAN & KRUEGLER,
1 99 4: xxi) . Foi usado nos movimentos americanos pelos direitos civis, durante a
primavera 4e Praga e nqs movimentos .estudantis de 1968, pelos movimentos eu­
ropeus e americ<:1,n Ôs _pela· pélz _e p�Ià J?eià_ amb!ente, por oponentes ao regime de
Marcos nas Filipinas e por oposito�es ao gove�o �ilitar na Tailândia e em Burma.
Sua capacidaqe de passar- de. uni tipo _de movjm�nto p·ara outros muito diferentes é
dramaticafi1:ente dem·�n�traqa ·ao ser ·e,mpregado yelos participantes de protestos
antiaporto nos Estados. U_nidos.· AJ, um moví-ri�é�tó q�e. rejeita muito da bagagem
cultural e ideológica da Ne�. Left adotou â'�áti�a· çl� bloquear as entradas das clíni­
cas de abortos e resistir de farma• ·não· violenta ··
à medida que seus militantes eram
17
retirados pela polícia • • · .

Em sistemas autoritár,i os, .onde o protesto não violento seria habilmente repri­
mido, os movimentos d� ·oposição tornaram:se e�pecializados em preparar formas
de rupturas não impositivas, ·simbólicas e pacíficas que evitavam a repressão e sim­
bolizavam o confronto . Quando a ocupação nazista tornou arriscadas as demons­
traçõ es de rua na Dinamarc a, os dinamarqueses org_anizavam festas musicais co-

16. Gene Sharp , em The Polítícs of Nonvio lent Action , encontra a _não-violência at: na Anti�uidade ,
entre os plebeus roma nos que em vez de atacar os cônsules, sauam ·de Roma ate uma colma cha­
lu ão
mada mais tarde de "o Mon te Sagrado " (p . 75) . Ele também encontra exemplos dela na Revo �
lisa­
Americana na resistência húngara ao governo austríaco no século XIX e na greve geral e para
mar , na Alem anha
ção das fudçõ es governamentais que derrotaram o golp e de Esta do Kap p em Wei
(p. 76-80) .
i tais
17. A efetividade do movimento foi demon strada pela crescente relutância dos �outo:es ou hosp
americanos em realizar abortos durante 05 anos 1980 e pela vergon�a e culpa �nduz1d�s nas mulhe­
res, que eram forçadas a levar adiante gestaç ões indesejadas. O movimento antiaborto e tratado com
sensib1· 11· dade por 5uzanne 5 taggenb org •em seu The Pro- Choice Movemen t, parte 3. Alguns aspec tos.
.
artig . and Pro .. Cho1ce
o " Pro-L1fe
táticos e Orgamzac1• • • - . dos por Joh n McC arthy em seu
ona1s sao ana1isa
Mobilization'' .

1 29
munitárias, passeios a pé e usavam símb olos nacionais nas roup . muito antes

as E
pa t
da queda do Estado socialista , na ex-União Soviética e na Euro Ce� �al e Orien­
p
tal, os oponentes àqueles reghnes desenvolvera1n um a1nplo re ert�no de açõ es
simbólicas, resistência pacífica e pixaç ões (BUSHNELL, 1990) que evitavam a vio­
lência ou qualquer referência a ela. Quanto tnais próximo o acesso dos cidadãos à
participação legíthna� 111ais sensíveis eles se tornan;i. às formas simbólicas de protes to .

O poder da 111ptura
Há um paradoxo nas formas disrup�ivas de confronto: por espalhar incertezas
e dar poder a atores fracos contra oponentes poderosos·, elas são_ a arm� mais forte
dos movimentos sociais: Mas, quando analisamos os ciclos modernos de ação cole­
tiva , vemos que as formas disruptivas não são as mais comuns (TARROW , 1 989 a,
cap. 4) . Sustentar a ruptura depende de u�_n· alto nível de ,compr omisso , de manter
as autoridades em desequilíbrio e de resistir à atração tanto da violência quanto da
convencionalização . Em todas as-trê� maneiras as formas de confronto são �oder?:
· ·
sas, mas instáveis.
Primeiro: c��o veremos no cap. 8 � é. �ifícil, �os rn;ovimerit�·s _so.�iais, inánter o
compromisso por longos períqdos, .ª não ser através de organ'izações formais que
os movimentos 'não gostam, raramente podem 'controlar e· - quando o fazem - qua­
se sempre os desviam da ruptura� foi isso que Pive1i' e Cloward descobriram e� re­
lação à National Welfare Rights Org'anization, 'que estudararn: nos anos 1960-. Seus
líderes estavam tão �et_erminados em trarisformá.:.la ·nu-µia organização de massa
1

que a fonte _disruptiva do movh�1ent� ·se perdeu -(1977, ·cap. 5) :


Segundo, os movimentos téntam através-da ruptura manter as autoridades em
desequilíbrio, mas isso rai:-�mente pqde ser s�stentado por m�it� te�po, especial..:
_
mente quando à políç:ia está determinada e as elites unidas. Cada invenção de uma
nova tática é, no final, co:nfrontada por novas táticas policiais. Sem violência, os·or­
ganízadores logo ficam sem maneiras de desafiar _as autoridades, incentivar apoia­
dores e manter o público interessado e entretido: Em,particul�r� a� práticas polici­
ais projetadas e aperfeiçoadas desde os anos 1960 rotinizaram o pr otesto e elimina­
ram muito de sua força.
Terceiro, frente à polícia determinada e aos governos unific ados , os membros
menos comprometidos dos movimentos sociais - usualmente a maioria - tend em a
retirar-se para a vida privada, deixando a luta nas mãos dos mais militantes , mais
propensos a escolher a violência do que a manter uma relação inc erta com as au to­
ridades. A ruptura divide os movhnentos e1n minorias militantes con1 tendência à

18. Flemming Mikkelson salienta que, a partir de pequenas reuniões de 150 participantes na cidad:
de Alborg, esta forma de resistência se espalhou para outras cidades provinciais e possivelmen te ate
Cop enhagen, "atingindo um crescendo em 0 1/07/1 940, quando 740.000 pessoas se reuniram por
todo o país cantando seu hino nacional" (1996 : 8-9) .

,

violência e em mai oria s mo dera das tendendo aos me10s . .
.
, m a torna 1nst , convenc10n a1s Isso tam-
be _ avel como forma de confronto.

Ação coletiva convencional


...
· É mais fácil para ·a s pes soa s e111pregarem uina forma de açao ··
• co 1etlva
· que sai-
·
bam usar, e isso exp 1.1ca a pred o minância das tormas convenc10na1s ·
19 • so bre to das as
outras . As formas mais mod ernas de confr onto tornaram -se par te d e um repertó -
. .
no gera 1mente conh ecid o e compreendido • Coordenadas a través de um processo
que se assemelha ao "contrato por convenção,, , esquematizado por Russel Hardín
(1982) , �l�s envolvem pelo meno s a coorde�ação tácita das expectativas implícitas
dos p�rncipantes (SCHEL�ING 1 960: 71) . Por exigirem relativamente pouco com­
:
prom1ss � e en�o �verem baixo nsco, as formas convencionais de ação coletiva po­
dem atrair participa ntes em grande número. Esses são os maiores atrativos das for­
mas convencionais de confronto , como a greve e a demonstração.

Greves e demonstrações
- .A greve ofere_c e uni bom· exemplo de �orno �s forma_s de confronto que come­
çam de �orma disruptiva tornam-se modulai:es e finalmente convencionais. A pri­
meira vez que se uso_u o termo "greve" em inglês parece ter sído quando marinhei­
ros do século XVIII "recolheram" as velas de seus navios como uni sinal de sua re­
cusa ao trabalho (LINEBAUGH & REDIKER, 1990.: 240) . . Mas a emergência do
termo em muitas línguas europeias por volta da JP:esma época ·sugere que a greve
tem múltiplas . origens (TILLY, 1978: 159) .
Embora sej a atualmente associada à indústri� , a greve é anterior à i�dustriali­
zação e frequenteme nte incluía uma variedade de20 :atorés sociais, sendo que ne­
nhum deles poderia ser considerado "prol etário " De forma diversa da revolta
camp onesa, que era inseparável do �istema senhorial, a greve, uma vez inventada,
não se ligou a nenhu 111;a ocupa ção _particular. Com? se to'rno� _geralmente conheci­
do que as greves poderiam ser bem-sucedid�s, .el�s passaram de trabalhadores es­
pecializados para não especializados, da grande fábrica às firmas menores, da res­
trição do trabalho à �o produto, da indús t�ia à agricultura, e daí para os serviços

co­
19. Por exemplo, a prática de se reunir em lugares públicos � mesmo P.ª:ª p�ática_s su?versivas, era
nhecida desde os encontros paroquiais, as guild as e as ordens de pe�1te�c1a no míc1 0 da Euro pa mo­
derna. Ver Hístory of Peasant Revo lts de Bercé, p. 23- 25. Quando a p�1meira re�olta do� Croquants co­
meçou a ser organizada no fim das guerras religiosas , a sua form a basica de açao coletiva era a assem-
bleia, organizada em âmbito paroquial (p. 7).
20 . Em época tão tardia quanto a do censo francês �e 1872 , es :reve �eorge Aminzade , ai�da que os
artesãos, tanto nas manufaturas como na produçã o industrial, constituíssem apenas 2 1 , 9 � da_ força
de trabalho e 29 5% da classe trabalhado ra, só os artesãos de manufaturas foram respon�áve1s por
72% das greves <le 1830 a 1879 ". Ver O seu Class, Polítics and Early .Industrial Capitalism, p. 77-78.

131
to rn ou um a par te vi rtu al das instituições de barga-
' os . Atualmente a greve se
pu' bl1c ua is e expe cta tiv· as tanto entre desafi-
pr óp ria ju ris di çã o, rit
nha coletiva , com sua
antes como entre opositores.
um meio do s trab alhadores pr essionarem .ª
As greves se desenvolverarll como
em pre sa, ma s, no cu rso do séc ulo XI X, tornaram-s e um� fonte de soh­
direção da
crescente ofer ta de ap oi_o mutu o, passando
dariedade de classe. Isso se refletiu na
a das linhas ocu pa cio na is e geo gráficas (AMl � ZA� E, 1 98 1 : 8 1-8_2) e na
por cim
au mentar a sohdane da de. Os grevistas fa­
crescente ritualização da greve , visando
pas sea tas nos arr edo res da fáb rica , carrega�do r anfl eto s e �uzina?do, gritan­
ziam
de sohdan eda de para mduzir seus com­
do palavras de ordem e entoando canções
riedade também era algo imposto e
panheiros de trabalho a se juntar a eles . A solida
nta s era "po sto na geladeira''..
o trabalhador que se recusasse a largar sua s ferrame
As greves podiam ser empregadas em combtna
ção com outras formas de con­
ações legais . As as­
fronto: ocupações, passeatas, sabo tagem indu strial, petiç ões e
e; etes
sembleias preparavam os trabalhadores e elegiam os comitês de grev piqu
bloqueavam os portões da fábrica para impedir a entrada de matéria-prima. Os gre­
vistas, que queriam ganhar a solidariedade da comul).idade, fa.z iam passea tas sain­
do da fábrica na direção de· bairros �as c}asses trabalhadoras em "comparecimen­
tos", que - no melhor dos casos � induziam os comerciantes a fechar suas portas e
as esposas a se juntar àquelas -camin�adas. Começando cpmo uma retirada espon­
tânea do trabalho, a greve ·tornou-se o · meio principal pelo -qual os trabalhadores
construíram e expressaram solidariedade, apresentaram seus desafios, buscaram
apoio externo e negociaram suas diferenças . com oponentes de u�a posição de
maior poder, embora �emporária. · .· ··
A demonstração, tal como ·a greve, começou como uma· ação direta disruptiva
que, no fim, fo� instit�cional�zada. Dev�ndo �uito à form_a da pro��ssão religiosa,
ela parece ter sido desenvolV1da quando os desafiantes mudavam de um alvo a ou­
tro, seja para atacar oponentes ou para ·entregar reivindicações21 _
Tomo�-se diferente �as procissões quando se faziam reivindica ções seculares,
mas seus simbolos pareciam ícones religioso s. As demonstrações estão historica­
mente �nectadas à democratização; foi na fase democrática da revolução de 1848
que ª demonstraçao _
apareceu na plenitude de sua forma ino dema22 , pois os líderes

ll. Um exemplo d.os tempos antigos: os tecelõ es l· ngl eses


que se reumram em Spitafields em 1765
marcharam em direrão _..,. a Lond res por t r ê s estra das d i f
·eren tes r
para iazer · ·
t.aça_ o da seda francesa, Ver The Polítics of Nonvtole nt A uma petição contra a impor-
cttan, de Gene Sharp, p. 15l, sobre este e ou-
tros exemplos .
22. Pierre Favre, em La Manifestatjon define a d
m na iração como "um movimento coletivo organi-
zado num espaço público com O obje�ivo d e o�u � r
um resultado político através da expressão pa­
cffíca de uma opinião ou reivindicação" ( �; (tra�ução
elo Autor) . Mas observe que foi apenas no
século dezenove que os dicionários france�·es reconheceram
mantjestaçdo como uma palavra - muito
depois da prática ter se generalizado.

1 32
da nova república francesa não p o diam re
cusar as p ess o as o direito de apres entar
.
:;:
petiçõ es (FAVRE 1 990·
conh ecidos todo s' o s ti m � �
_
1 6) A a tir de entao , ª
form típica p ela qu al s e to a -
� �
, . P �s d� VImentos fran ceses f01 a demonstração pacifica
em lu gar es pub hcos. Por vol
· ta do ... .
fim do século XIX , a demonstraçao
. • • .
do o m eio pnnc1pa1 p elo qual sindicatos e partt' unha se toma-
· ·
dos de massa d'1vu1gavam suas re1V1n-
dicações e demonstravain sua força através do
nu'mero de pessoas que compareciam.
Diferentemente das greves que ex1·gia • m a1guma re 1açao
,., com a suspensão do
, .
trabalh o 0� de um prod uto para atrair apoia dores, as demonstrações podiam se es-
palhar rapidamente de um lugar ·p ara outro e unir muitos atores sociais. Podiam
ser �sa�as. em benefício de uma reivindicação , contrá um oponente, para expressar
,.ª ex1stencia de um grupo ou sua soli9-ariedade a outro grupo , para celebrar a vitó­
ria ou lamentar a morte de um líder. 'As demons trações tornaram-se assim a forma
modular clássica de ação coletiva.
(

Tal como a greve, à medida que as'demonstrações foram legalizadas elas deram
origem a uma jurisprudência e a uma cultura (CHAMPAGNE, 1 996; HUBRE CHT,
1990) . Em vez de permitir que a polícia einpttrrá�se·gros�eiramente os participan­
tes, os organizadores começaram·a empregar seus próprios-.seguranças de passea­
tas (CARDON & HUERTIN , 199 1 : 199) , desenY'olveram uma sequência repetida
de ruas, palavras de ordem e sinais, e co�seguirf!m assim ter uma ordem razoável.
Famílias ideológicas diferentes gostavam m�is deste o� daquele percurso, de for­
ma que a coloração política do grupo poderia se�. sempre determiIJ.ada através de
seu itinerário. At� mesmo o papel dos não pa.rticipantes.,- �, imprensa, as forças da
ordem, espectadores casuais e opositores :-- torn9u-�e eventualmente parte da per-
formance da demonstração (FAVR� , 1990: 1���2):.
Os estados repressivos quase sempre çons_ideram as demonstrações como tu­
multos potenciais, o que levá à repressão brutàl dos participantes e, algumas vezes -
como nos eventos de janeiro de 1905 na Rússia -, à revolução. Os estados constitu­
cionais passaram a aceitar as demonstrações como uma prática normal ·e até mesmo
vantaj osa,· indicado pelo fato de os participantes receberem proteção policial e até
mesmo orienta ção. Em Washington D.C., em Roma e em Paris, oferece-se amigavel­
mente aos organizadores conselhos da polícia sóbre qua� é a melhor maneira de diri­
gir uma demonstração (DELLA PORTA; FILLIEULE & RIETER, 1998; McCARTHY
& McPHAIL, 1998) . No início um movimento sem regras de ·pessoas que protestavam
de um lugar para outro, a demonstração de protes �o tornou-se a principal expres-
são não eleitoral da política civilizada.

Roteiro das mudanças de repertório


Com o tempo , houve 1nui tas mudanças no repertório do confronto, sendo al­
gumas O resultado das altera ções no a1nbiente social descritas nos capítulos ante­
riores, como a imprensa e a asso ciaçã o , a construç ão do Estado e a industria\iz a­
ção. O utras foram produto do desd obramento interno de formas particulares de

1 33
a o u tr as for am inv e nt� das po
r n ovo s
cio na liz aç ão . Ai nd
confronto e de su a institu ão e r eiv in di ca çõ e s p ar ticulares . P o de.
a co m po siç
movimento s e surgiram de su o
ro tei ro da s m ud an ça s de re pe rtó rio e eStªb ele cer qu a_tr ca tego rias
mos traçar o dis ru pt iv as �� co nfr onto , inova ção mar­
za çã o de fo ma s
principais: institucionali
r

rd ad as , in ter aç ão tát ica co m a po hcia e ou tros atores e mu dan-


ginal nas formas h e

ça de paradigma.

A institucionalização do confronto
demons tr açã o tornar am-se parte do re­
Vim os anteriormente como a greve e a
nalizaçã o é qu ase o mesmo em todo lu­
pertório existente. O padrão de institu cio
disrup tiva de u m movimento e a pol�­
gar: à me dida que acaba o entusiasmo da fas e
os movimentos ins titucionalízám
cia se torna mais hábil em exercer o controle ,
a seu s apo iad ores através de
suas táticas e tentam obter benefícios con cr etos par
te .é be�-su cedido ao custo
negociação e acordo - um caminho que .. frequ entemen
resse.
de transformar o movimento em um partid� ou grup o de_ inte
Às vezes, as formas de -ruptura que prov ocam r�pre ssão são descartad à
as lhe­
elida que os participantes aprendem a·eyitá-las. Esse foi o ·caso das "demons�aç·ões
armadas" usadas pelos Montagnards _franceses durante a·insu rreiçã o em 185 1 con­
tra o golpe de estado de Luís,Napoleão Em outras ocasiõe s,' as formas de confron­
23
••

to são elas próprias instituci�nalizadas qua!ldo _ as a� toridades aprendem a tole­


rá-las ou facilitar o seu uso. Para _obter conc·essões exigidas pelos apoiadores ou
oferecidas pelas autoridades, os líde;res passam do confronto à cooperação. Isso é
particularmente verdade quando um aliado político chega ao poder, como aconte­
ceu na de1!3-ocratização da África do Sul em meados dos ·anos 1990 (KJANDER­
MANS; ROEFS &: OLIVER, 1998) . '.
O conhecido padrão do deslocamento de objetivos obs-�rva do nos movimen-
· -- '.
tos desde Michels , corre paralelo a essa mu d ança · d e · tat1ca. Mas há compensaçõ es
para os grup�s.que escolhem a via institucional. As pessoas comuns são mais pro-
pensas a part1c1par de formas de aç~ao co 1etiva
. que conhecem do que a arriscar fren-
, . , . ... .
te a incerteza e a v10lencia potenciª1 dª açao dneta.
_ ,,
' E menos provável qu e a polícia
ataque uma demonstração desarmadª d0 qu e numa em que as pessoas carregam
cacetes e exibam co rrentes. Quando a forma es co lh'1da para
. o movimento se cris ta-
liza numa convenção , e1a se torn. a uma form · a conheci'da e esperada do repertório.
Como Kafka escreveu em · · uma de sua s fábulas mais· prescien tes: (�Leopardos inva- . ·

23. "Pegando em armas contra O governo " escrev e O h'


. r
ISlonad
engaja dos numa forma de ação coletiva i,n tr1nsecamen te viol� Tecl Margadant, " el es pareciam estar
iorça m1·1·1tar, e1es eram sobrepujados pelo exércitO francês de fenta... M as como um instrumento de
sants ín Revolt, de Margadant, p! 267. orma, desanimadora" . Ver French Pea-

1 34
·
dem o templo e beb em até o fim o qu e es ta, nos Jarro
. s sacn•r1c1a1s;
· . . repetem isso · ,.
· 1nu-
.
meras vezes, e isso se to ma par te da cerimô nia " (KAFK
A, 193 7 : 9 2-93 ) .

Inovações margin ais


Mesmo ein formas herdadas de ação cole tiva há um acréscimo de inovação e de
e{p on�aneidade. Por exemplo , ao usar a estrutura modular da demonstração, os
participantes �� d�m andar fantasiados , brandir forcados ou chaves inglesas para
mostrar sua m1htanc1a.
(LUMLEY, 1990 : 224) ou ainda carregar cartazes que sim-
-
balizem seus obj etivos . As feministas usam fantasias de bru xas para ri dicularizar o
estereótipo do feminismo de seus oponentes masculinos ( COSTAIN, 1992: 49) *
Os participantes de passeatas pacíficas vestem fantasias de esqueleto para simboli­
zar o seu medo do holocau sto nucl�ar . Os parisienses que se opõem a uma lei rígi­
da de imigração fazem passeatas carregando malas de papelão para conectar seu
protesto às deportações nazistas. E, ainda, os que protestam contra crimes sexuais
contra crianças, �aminham vesti�os de brà�qJ - como fizeram na Bélgica em 1996 -
. para simbolizar a pureza das vítimas.
A curto prazo, as inovações marginais podem simplesmente animar uma for­
ma convencional de ação coletiva adicionando à sua forma básica elementos de
jogo e carnaval ou ferocidade e ameaça.;Por exemplo , os caminhoneiros franceses,
/ : .

nos anos 1 990, bloquearam as es_tra�as com seus veícult?s nc:, mesmo estilo em que
os estudantes bloquearam os edifícios da universidade· nos anos 1960 - mas com
um efeito mais devastador (COURTY, 1993) . · _ ·

Interaç'1:_o tática
A ino;�ção nas f9rmas 1� ação coletiva· resulta d� interação entre aqueles que
protestam e seus opone:ntes ..'Isso pode ser visto na hi�tória das relações industriais:
quando os empregado res usaram a tática de deixar os trabalhadores do lado de fora
de uma fábrica para derro tar uma greve, os· trabalhadores inventaram a greve em
que simplesmente se sentavam , e assim somaram a ocupação de fábrica a seu re­
pertório (SPRIAN O , 1975) . Na época da Frente Popular Francesa em 1936, a ocu­
pação de fábrica tinha se tornado , ela própria, uma rotina, com seus rituais, papéis
e atividades caracterís ticos (TARTAKOWS KY, 1996: 56-57) . As greves patronais
foram tornadas eventu almente ilegais_ na maioria dos países para impedir os em­
pregadores de neutralizarem de fato a rea1ização de greves legais e para evitar ocu­
pações potencialmente danosas por parte dos trabalhadores, temero �os de serem
deixados do lado de fora das fábricas.
O mesmo process o interativo o correu entre o movin1ento an1ericano pelos di­
reitos civis e a polícia sulista que tentava reprimi-lo . D_oug McAdam concluiu , a
partir de uma análise detalhada das açõ es do movünento, que cada vez que seus lí-

1 35
ox i� ava m de um a cri se de pa rti cip açã o ou relativa à oposição , o p ata­
deres se apr
da açã o col etiva sub ia de nív el, usa nd o seu s instru me nto s de forma seletiva e
mar
a· sup era r opo nen tes e aum ent ar a particip ação ( 1 9 83) . Formas novas
cria tiva par
pr e sur gem de um a dia léti ca ent re a açã o e a rea ção po r par te do Estado.
sem

Mudança de paradigma
rtó rio do confronto , pode pare­
Dada a longa e lenta evolução histórica do repe
mática" par a designar as formas
cer surpreendente usar o tenno inu dança ''paradig
indica ções. De fato , visto que é
pelas quais as pessoas cos tuinam expressar suas reiv
urais, é_ra ro qu� oco rra uma
necessário basear a ação coletiva em expecta tiva s cult
realmente ocorre a par­
mudança paradigmática. Entretanto, é possíve, ver que ela
s com o a mudança
tir dos exemplos reunidos neste capítulo e nos anteriores. Fato
a invenção da
das formas rígidas de confronto para as modulares no sécu lo XVII I,
greve e da demonstração no século XIX e o desenvolvimento de formas não violen­
tas de resistência no século XX não poderiam ser explic ados se não surgissem no­
vas maneiras de as pessoas apresentarem.reivindicaçõ e·s e no modo de as autorida-
des reagirem a elas.
Quando uma nova forma é "descoberta" , sua adequação a uma nova ·situação
toma-se imediatamente óbvia, é amplaµi.ente adotada, espalha-se rapidamente e
dá a impressão de ser uma inovação dramática. Por. exemplo; o motivo parcial da
rápida difusão dos movimentos · de democratização. na · E uropa· Oriental em 1989
foi a descoberta de que muitos cidadãos se sentiam da.mesma forma e que os meios
comuns de expressão pública seriam tolerados e poderiam ter sucesso (KURAN '
1991; LOHMANN, 1 994) . · - . · - .
Um �e:anismo importante para o surgimento de farmas novas no repertório é
0 que Ansude Zolberg chama de "momentos de loucura" - os picos dos ciclos de
prot:5to - qu�n�o :'tudo � possível" , "caí o muro entre o que é instrumental e o
,
que e :xpressivo , , a poht1ca rompe seus limites e invade a vida tomo um todo" e
"os annnais po�íticos transcendem seu destino de alguma ma�eira" ( 1972: 1 8 3 ) 24 •
:a F�an?', �10 de 1968, foi um desses momentos. Surgiram novos atores e qua-
roles . e �igmficado; se� demora foram inve:n.tadas e tentadas novas formas de açã o
co tiva, mesmo depms que O cicl° termino .
u em desdusã . o e recriminação perma-
neceram a1guma das suas inovações, embora de forma mu i to reduzida
� .
Uma dessas inovações foi a mudança no animo ,.. .
_ das demonstraçõ es de rua, na
França , depois de 196S . An tes dos acontecim entos de maio, . ... es
as d emon straç o
eram amplas, as questões claramente P O st_ ª 5 eram conduz i_
das por p artidos de mas ­
sa e sindicatos, e cuídadosamente apre entadas e no me
s m de progra mas e reivindi-
cações gerais . O s participantes marchava in em filas cerraclas com grau de sene . da de
. . .
e d1Sc1phna quase militar. Depois de 1· 96 8 ' as dem onstr
ações de rua tornara1n- se

24. Esta seção resume "Cycles of Collective Act'


toire of Contention", do autor . ln: Repertoíres
:�:-.eB��.:e;n M�vei�ents of Madness and the Reper-
y if Collectice Actio n, el e Trau gott (orgs . ) .

1 36
bem menos ordenadas . Plen as de simb 1.is mo ludic ,. . o , fantasias bizarras e canç ões
populares, eram quase s empre p rep � em favo r
de qu estões isoladas em vez
dos amploS programas do pass a do ( ;���� , l 99 7; FILLEULE,
_ . 199 7: 194-19 5 ) .
Essas demonstraç o es era111.' frequente111ente ' ocasi - ·
com os a1nigos e
oes para passear com a e1am1-,
lia e podia in tan to estar c ercadas p or vendedores d cac hor-
. e
ro-quen te como pela polícia de e ho qu \e era mais p rovável serem seguidas por tra-
balhadores da higiene públ'1ca e1n un11o rme verde do que por " quebra dores ,, de
e arros. Nas palavras de Z O lb er g, a muda nç a paradigmá tica é "com o uma maré
de enchente que revo lve bastante· o solo ' mas deixa · sedimentos
· • · · ·
aluv1a1s depois
dela" (197 2: 206) .

Movimentos multiformes
Os movi�entos sociais não estão limitados · a tipos particulares de ação, mas
podem assumir uma variedade de formas, · isoladas ou combinadas. Esta flexíbili­
�a�e permite que eles combinem as reivindicac;õ es e a participação _de amplas coa­
lizoes de atores em campanhas conjuntas de ação· coletiva e a mudar o seu foco tan­
to dentro como fora do processo político 25� Isso já era · verdade no século XIX�
Como escreve o historiador Jack I?locker sobre o· movimento americano pela tem­
perança, os seus membros· "faziam pesquisas, tezavam e çantavam, marchavam em
salões, em parad�s, em demoristràçôes_e iam a reµ�iões e convenções . . . faziam pe­
tições, man9-avam circulares sobre candidatos, pediam votos, votavam e vigiavam
as pesquisas de opinião pública" ( 1-9 89: xiv) . . .
Os movimentos contemporâneos são at� mais· flexíveis em suas táticas. Ao com­
parar o movimentô ecológico na Fràrtça e na Alemanha, Dieter-Rucht descobriu que,
em algum momento, os participantes de protestps antinucleares nos dois países usa­
vam formas de ação coletiva que eram expressivas ·ou instrumentais, de confronto,
violentas ou convencionais e réuniam pessoas em campanhas, escaramuças e bata­
lhas (1 990) . A mesma flexibilidade pode ser vista no movimento americano de mu­
lheres. Quando a administração Reagan subiu' ao poder ·"os grupos do movimento,
em vez de trabalhar dentro das instituiç ões do governo, passaram a trabalhar em
acontecimentos mais focados eleitoralmente e a gerar protesto político'' (COSTAIN,
1992: 126-127) . As atividades iam desde " chás em igrej as para discutir mudanças
nas leis até idas sem fim aos legislativos estaduais" , "contra-audiências" e "pronun­
ciamentos" (STAGGENBORG , 199 1 : 29 e 44) . O movimento social moderno é um
fenômeno multiforme , indo desde protestos que atacam simbólica e fisicamente o
sistema dominante até movimentos que estão no âmbito da política convencional.

e 4 e Excess of Demo cra cy': State Bu ­


25. O argumento qu e se segu e está mais des envolvido m HTh Very
i au toria .
ilding and Con tentio us P o litics in Ameríca" , de m nha

1 37
Conclusões
açã o c o �etiva: violência,
O repertório de confronto oferec e três tip o s b � sico s de
s ro ri dade� do �esa­
ruptura e convenção. Eles combinam , em graus diversos, � � � � _
ade. A priln eira fonn a, a v1ole nc1a , e a mais facil de
fio da incerteza e da solidaried
enos grupo s com
ser' iniciada, màs e1n circunstâncias norn1ais é limitada a pequ
poucos recursos que querem pro duzir preju ízos e artisc ar- se à repressão . A forma
oposta, a convenç ão, tem a vantagem de criar rotinas que as pesso �s ...ent�ndem e
que as elites irão aceitar ou até facilitar. Esta é a fonte da sua predo m1nanc1a numé­
rica no repertório, mas também da sua institu cionalização e falta de entusiasmo. A
terceira forma, a ruptu ra, quebra a rotina, espanta especta dores e deixa as elites de­
sorientadas, ao menos por um tempo. A ruptura é a fonte de grande parte da inova­
ção no repertório e do poder em movimento, mas é instável e facilmente gera vio­
lência ou se torna rotinizada na convenção . .
Os movimentos que defendem a ecologia, os . direitos civis e o feminismo com­
binam desafio, solidariedade e incer�ez� em seus protestos. N�s últimas três déca­
das, eles têm mantido tanto o ap�üo co_mo o crescimento , em parte porque dispõem
de um repertório confiável de foripas :giodul�r�s conhecidas e bem compreendi­
das. Eles se adaptaram bem à mud�nçéÍ porque set1s líderes inovaram• com base
nesses modelos básicos com ha�tli�ide::e criatividade para produzir p�rformances
de protesto que ganharam se�idores� ·a�raíram a atenção de terceiros e desafiaram
opositores.
A simples ocorrência de um ·número maior de eventos de protesto não consti­
tui, em si, um movi�ento social. Coín.9 escreve Maria Diani, a não ser que esses
_
eventos seJam percebidos COJ?O parte de um movimento mais . amplo tanto por apoia­
do_::5 como po� -oponentes, ficarão iso_lados e não serão cum:Qlativos., por mais dra­
�tJ.cos que seJam (1995 : 3) . Os desafiantes precisam enquadrar suas reivindica­
çoes de mo �o a atrair seguidores e cons truir redes sociais e co_n ectiv
as que as li­
ue
� � uma s as o tras , com uma defi niçã o_ com part ilhada de realidade, de "nó s " e
eles , e de obJe _ �
tlvos fundamentais através de fases alternadas de opo
_ _
restnçoes _ rtunidades e
. Esses sao os principais poderes "in. ter.nos " atrave's d os quais
mentos socia15. . _ · os moVI-
sao construídos e mantidos � Voltaremos a ele
s em seguida.

1 38
7
Interpretando o confronto

No ano V da Revolução Francesa, o comissário do poder executivo revolucio-


nário em Grenoble escreveu:
É uma contravenção da carta constitucional[ ... ] insultar, provocar ou
ameaçar cidadãos por sua escolha de vestuário. Deixem o gosto e a
adequação falar mais alto que sua roupa; nunca se desvie de uma agra­
dável simplicidade. Renunciem a esses sinais de mobilização, a essas
fantasias da revolta, que são os uniformes de um exército inimigo"'.
O comissário estava em posição de saber. Na década em que escreveu, a França
produziu as primeiras tentativas de reformar a cultura política em relação às novas
27
formas de vestir, férias, saudações, trabalhos públicos e monumentos • À medida
que a revolução se espalhou fez o mesmo com seus símbolos. Roupas austeras dis­
tinguiam os republicanos da ostentação aristocrática (HUNT, 1984: 75-76); os que
apoiavam a revolução desafiariam os cidadãos que ousassem ser vistos na rua numa
roupa elegante; até o rei tinha um barrete frígio enfiado na cabeça antes de perdê-la,
depois do fracasso de sua fuga para Varennes (SCHAMA, 1989: 603-604).
Tentativas de mobilização simbólica acompanham todos os movimentos soci­
ais modernos, desde o uso de túnicas militares simples pelos russos e chineses co­
munistas ao brilho pagão dos hierarcas fascistas italianos, à simples roupa cáqui
dos nacionalistas hindus e às barbas sujas dos guerrilheiros latino-americanos. Vis­
to que os movimentos sociais tentam substituir "um sistema dominante de crenças
que legitima o status quo por um sistema de crenças alternativo e mobilizador que
apoia a ação coletiva para a mudança" (GAMSON; FIREMAN & RYTINA, 1982:

26. Archives Nationales, III Isere 9, Correspondance, 1791-1853, "Adresse du Commissaire du pou­
voir exécutif apres l'administration centrale du département l'Isere". Citado por Lynn Hunt em seu
Politics, Culture, and C!ass in the French Revolution, p. 52.
2 7. A abordagem mais completa dos festivais da Revolução Francesa está em Festivais and the French
Revolulion, de Mona Ozouf. O símbolo de Marianne, deusa da liberdade e da república, foi magnifica­
mente estudado por Maurice Agulhon em seu livro Mmianne au combat. A importãncia do simbolis­
mo para o futuro da massa política foi detectado pela primeira vez por George Mosse em seu livro de
1975: The Natíonalizatíon of the Masses.

139
15), os líderes de movimentos oferecem os símbolos da revolta para ganhar apoio:
distingui-los de seus oponentes.
No entanto, há um paradoxo na política simbólica dos movimentos: entre de­
senvolver símbolos dinâmicos que criarão novas identidades e realizarão muda
ças e oferecer símbolos que sejam familiares às pessoas e baseados em suas própria�
culturas. Foi muito difícil para os revolucionários franceses lidar com uma popula­
ção que, em sua maioria, era analfabeta; isso tem se tornado ainda mais complexc
devido a barreira de informação que compete com as mensagens dos movimento�
através de livros, jornais e especialmente a mídia. Essa é uma das razões por que a5
suas ações públicas assumem cada vez mais a forma de "performances": estão com­
petindo pelo espaço público com o entretenimento, as notícias, os outros movimen­
tos e com as tentativas do governo de monopolizar a formação da opinião. O maior
dilema simbólico dos movimentos sociais é fazer a mediação entre símbolos herda­
dos que são familiares, mas levam à passividade, e os novos que são eletrizantes.
mas podem ser estranhos demais para levar à ação.
O dilema produz três conjuntos de problemas para os analistas e para os que
fazem movimentos sociais.
Primeiro, a maioria dos estudiosos concorda que os significados são "construí­
dos"28. Mas qual é a relação entre a formação do símbolo e os conflitos de interesse
subjacentes à transformação do confronto em movimentos? Os movimentos co­
meçam pelo terreno mutável do interesse e do conflito, usando e modificando
itens da cultura material, como um traje à fantasia para incentivar os apoiadores 7
Ou enquadram a ação coletiva através de símbolos criados a partir do nada - como
um certo tipo de pós-estruturalistas parecem sugerir?
Segundo, como os sujeitos visados pelos movimentos sociais interpretam a sé­
rie de símbolos dos desafiantes? Os intelectuais podem interpretar materiais sim­
bólicos para seus receptores, mas podemos estar seguros de que são "lidos" da
mesma forma por pessoas comuns ? Em particular, como podemos inferir a valên­
cia emocional na ponta receptora da comunicação simbólica a partir de sujeitos so­
ciais sem voz?
Terceiro, ouvimos frequentemente o termo "identidade política" quando se
discute movimentos sociais e isso significa que o confronto é realizado em nome
de identidades coletivas. Mas são estas identidades herdadas como roupas velhas
aplicadas ao confronto - "essencialista", no jargão corrente - ou são elas costura-

28. Versões recentes desta perspectiva "construtivista" são: Social Movement: A Cognitive Approach,
de Ron Eyerman e AndrewJamison. • Talking Politics, de William Gamson. • The Social Psycochology
,,( Pnircst. de Bert Klandermans. • Challenging Codes, de Alberto Melucci, que se somaram ao traba­
lho de Robert Benford e David Snow, que discutiremos com mais minúcias mais adiante. Uma aplica­
ção da perspectiva construtivista ao nacionalismo está em Imagined Communities, de Benedict Ander­
son. Um retrospecto maior e alguns problemas da abordagem construtivista podem ser vistos em
"Mentalities, Political Cultures and Collective Action Frames", de Sidney Tarrow.

140
das visando a luta? Poucos indivíduos possuem identidades únicas e unificadas; a
maioria das pessoas faz um jogo e combina identidades categoriais e políticas, en­
caixadas e desunidas (TILLY, 1997a, cap. 7). Com materiais tão diversificados,
como os movimentos tecem a unidade e o dinamismo necessários à construção de
movimentos de massa plenamente integrados?
No centro dessas questões está um problema básico para o estudo cultural dos
2
movimentos sociais ". Se a luta entre os movimentos e seus opositores fosse mera­
mente cognitiva e simbólica, então um movimento social poderia ser compreendi­
do como nada mais do que um centro de mensagens simbólicas, seja reciclando
significados herdados ou criando novos. Neste caso, poderíamos ler a interação
entre os movimentos e as autoridades como uma espécie de texto literário - uma
competição entre tropas. Mas, se o significado é construído a partir da interação
social e política entre apoiadores e opositores, precisamos perguntar como o "tex­
to" das mensagens do movimento se relaciona ao contexto dos interesses e conflitos
em jogo (GLENN, 1997; KERTZER, 1988: 175) e às emoções das pessoas a que se
destinam. A questão final que anima este capítulo é como o discurso simbólico
toma forma no processo de luta 7

Da cultura política ao enquadramento interpretativo estratégico


Na década passada, historiadores culturais, sociólogos da cultura e antropólo­
gos políticos retomaram o conceito de cultura política para estudar mudança revo­
lucionária. Um importante precursor foi George Mosse, na sua reconstrução de
um mito nacional alemão do século XIX. Em seu livro The Nationalization of the
Masses (1975), Mosse inspirou-se no modo como os jacobinos manipularam os
símbolos da Revolução Francesa. Passando da França à Alemanha, ele examinou
toda a tradição da política de massas como uma espécie de teatro, fixado no ritual e
inerentemente antiparlamentar a ponto de postular uma relação não mediada en­
tre o povo e seus líderes (p. 2).
Mas, se os significados são "fixados" por versões retóricas, seria suficiente es­
tabelecer um discurso para dar o significado para futuras mobilizações? Mesmo se
assumirmos que o conteúdo básico de um movimento é o seu simbolismo, como
esta mensagem é recebida e interpretada no tempo e no espaço por diferentes sujei­
tos sociais? Será ela aplicada em sua forma original, como uma bíblia? Será neces­
sário reelaborá-la e reendereçá-la a representantes locais de acordo com suas con­
cepções culturais? Ou será aplicada de forma seletiva, combinada a símbolos cul­
turais nativos pelos empreendedores de movimentos 7 A modificação e a apropria­
ção do marxismo, à medida que se espalhou pelo globo, pode nos ajudar a respon­
der a esta questão.

29. Entre outros, ver: Social Movements: A Cognitive Approach, de Eyerman eJagüson. • New Social
Movements, de Larafia, Johnston e Gusfield (orgs.). • Social Movement and CLLlture, de Johnston e
Klandermans (orgs.). • Frontiers in Social Movemcnts Thcory, de Morris e Mueller (orgs.).

141
Variações sobre um tema marxista
A doutrina original proposta por Marx e Engels depositou uma grande esperan­
ça na ação de massas da classe trabalhadora em seu choque inevitável com o capital
em processo de concentração. Mas deixou em aberto a questão da ação criadora. Por
estar combinado a uma epistemologia histórica, o marxismo poderia ser interpreta­
do como uma forma de "inevitabilismo" - ter-se-ia que esperar o amadurecimento
das massas a ponto de poder tirar vantagens de condições históricas também em
processo de maturação - que atraiu mais tarde os social-democratas a construir suas
organizações e esperar que as contradições do capitalismo amadurecessem.
A espera foi tão longa que, para alguns, construir o arcabouço organizacional
para capturar o momento do colapso do capitalismo começou a ser mais importan­
te que antecipar aquele momento (MICHELS, 1962). Nessa espera, a adaptação às
condições existentes - por exemplo, adotar o sindicalismo e o nacionalismo
(ROTH, 1963), adaptar-se às condições das sociedades camponesas (TARROW,
1967) ou cortejar a classe média (HELLMAN, 1975) - acabou com o entusiasmo
do movimento revolucionário.
Assim era até o marxismo se mover para o leste, onde Lenin, frente a um Esta­
do autoritário e a um proletariado imaturo, apropriou-se da mensagem revolucio­
nária marxista, mas substituiu a ação de massas do proletariado pela direção cons­
ciente do partido - interpretando o último como a "cabeça" do movimento do qual
os trabalhadores eram o corpo. As condições russas e o construtivismo criativo de
Lenin mudaram o quadro interpretativo do marxismo, que passou de uma teoria
da revolução de massas da classe trabalhadora para uma teoria da organização e da
mobilização conduzida pela elite.
À medida que o marxismo se espalhou pelo mundo, sua obsessão pela classe tra­
balhadora deixou de ser tão imperativa porque, nas principais colônias e semicolô­
nias do mundo, em sua maioria camponesas, como se poderia organizar uma revolu­
ção, com um proletariado que não existia? As noções de Lenin sobre vanguarda tam­
bém foram desafiadas: primeiro, à medida que o movimento se espalhou para as áreas
rurais onde se mesclou a escatologias camponesas (HOBSBAWM, 1959); e, segun­
do, quando a estratégia entrou em contato com sociedades civis mais resilientes do
que a da Rússia czarista (GRAMSCI, 1971). Quando o Partido Comunista Chinês foi
esmagado por Chiang Kai-Shek na rebelião de Shangai em 1927 (PERRY, 1993, cap.
5), o vanguardismo e o obreirismo foram postos em questão.
Foi neste ponto que uma variante do marxismo inteiramente nova foi concebi­
da por Mao Tsé-Tung- "a linha de massa". Não sendo um simples retorno ao obrei­
rismo de Marx nem uma rejeição à organização leninista, o maoísmo reinterpretou
o marxismo considerando a revolução como a luta dos povos coloniais das áreas
rurais em todo o mundo contra as cidades parasitas, sob a liderança de um grupo
de vanguarda com raízes na classe camponesa. Mao também mobilizou seguidores
em torno dos símbolos culturais chineses, tornando o movimento infinitamente
mais efetivo perante um invasor estrangeiro do que diante de capitalistas e senho­
res de terras domésticos QOHNSON, 1962).
***

. .:
2
O que esses exemplos da história do marxismo mostram é que as mudanças no
0
ímbolismo de um movimento nem são derivadas diretamente da cultura nem to­
:almente construídas só de ideologia, mas são o resultado de sua interação estraté­
gica em seus cenários variados e sempre em mudança. Os símbolos da ação coleti­
,·a não podem ser lidos simplesmente como um "texto", independente das condi­
ções de luta em que estão inseridos. Nem são simples projeções da cultura natin
nas estratégias políticas. De um reservatório cultural de símbolos possíveis, os or­
ganizadores de um movimento escolhem aqueles que supostamente farão a media­
ção entre o entendimento cultural do grupo ao qual se dirigem, suas próprias cren­
ças e aspirações e suas situações de luta (LAITIN, 1988). Para relacionar o texto ao
contexto, a gramática da cultura à semântica da luta, precisamos de um conceito
adequado à natureza interativa dos movimentos sociais. Um grupo contemporâ­
neo de estudiosos propõe tal conceito através da ideia de "quadros interpretativos•·
da açâo coletiva.

Quadros interpretativos de ação coletiva


Bert Klandermans escreve, na síntese que fez do conceito de quadros interpre­
tativos da ação coletiva: "A transformação de questões sociais em quadros inter­
pretativos da ação coletiva não ocorre por si própria. É um processo em que os ato­
res sociais, a mídia e os membros de uma sociedade interpretam, definem e redefi­
nem a situação conjuntamente" (1997: 44). Numa série importante de artigos, o
sociólogo David Snow e seus colaboradores adotaram o conceito de "quadro inter­
pretativo" de Erving Goffman em relação à ação coletiva, argumentando que há
uma categoria especial de entendimento cognitivo - os quadros interpretativos das
ações coletivas - que se refere a como os movimentos sociais constroem significa­
dos para a ação3°. Nas palavras de Snow e Benford um quadro interpretativo é um
esquema interpretativo que simplifica e condensa o "mundo lá fora",
salientando e codificando seletivamente objetos, situações, eventos,
experiências e sequências de ações num ambiente presente ou passa­
do (1992: 137).

Os quadros interpretativos da ação coletiva são dispositivos enfatizadores que


ressaltam e adornam a gravidade e a injustiça de uma condição social ou redefinem
como injusto ou imoral o que era visto anteriormente como desastroso, mas talvez
tolerável" (SNOW & BENFORD, 1992: 132). Os movimentos sociais se envolvem
profundamente no trabalho de "nomear" descontentamentos, conectando-os a ou-

30. Para examinar suas contribuições teóricas mais importantes, ver: "Frame Alignment Processes", de
Snow, Rochford, Worden e Benford. • "Ideology, Frame Resonance and Participant Mobilization". •
"Master Frames and Cycles of Protest", de Snow e Benford. • "Frame Disputes within the Disarmament
Movement", de Robert Benford. • "Dramartugy anel Social Movements", ele Benford e Hunt.

143
ros descontentamentos e construir quadros de significado mais amplos que farão
sentido para as predisposições culturais de uma população e enviarão uma mensa­
gem uniforme para os detentores de poder e outros (p. 1 36).
Os empreendedores de movimentos não podem simplesmente adaptar qua­
dros de significado a partir de símbolos culturais tradicionais: se o fizessem, eles
seriam nada mais do que reflexos dos valores de suas sociedades e ficariam inibi­
dos em desafiá-los. Como Lenin e Mao, eles orientam os quadros interpretativos
de seus movimentos para a ação em contextos particulares e os amoldam à inter­
secção entre um alvo da cultura da população e seus próprios valores e objetivos.
Isso é o que Snow e seus associados chamam de "alinhamento do quadro interpre­
tativo" ( 1986). Em seu artigo de 1986, eles descrevem quatro processos de alinha­
mento, através dos quais os movimentos formulam suas mensagens em relação à
cultura existente. Os primeiros três fazem apenas inovações incrementais ao sim­
bolismo. Através da "conexão de quadro interpretativo", da "amplificação do qua­
dro interpretativo" e da "extensão do quadro interpretativo", os movimentos co­
nectam quadros culturais existentes a uma questão ou problema particular, escla­
recem e revigoram um quadro interpretativo que se relaciona a uma questão espe­
cífica e expandem os limites do quadro primário de um movimento para incluir in­
teresses ou pontos de vista mais amplos (p. 467-476). A estratégia mais ambiciosa
é a quarta - a "transformação do quadro interpretativo". É o dispositivo de enqua­
dramento mais importante em movimentos que buscam uma mudança social de
maior porte (p. 474).
O processo de alinhamento do quadro interpretativo não é sempre fácil, claro
ou indiscutível. Primeiro, os líderes dos movimentos competem com outros movi­
mentos, com os agentes da mídia e com o Estado pela supremacia cultural - com­
petidores que têm recursos culturais imensamente poderosos à sua disposição. Se­
gundo, os movimentos que se adaptam bem demais às culturas de suas sociedades
perdem o poder de oposição e alienam seus apoiadores mais militantes - pois qual
é a sociedade cujos valores dominantes não apoiam os arranjos de poder existen­
tes? Terceiro, as pessoas comuns fazem frequentemente a sua própria "leitura" dos
acontecimentos, que difere daquelas feitas por seus líderes e frequentemente assi­
mila a interpretação que as elites dão a seus fracassos. É muitas vezes necessário
um esforço considerável de mobilização cognitiva para acabar com esse modo de
pensar das pessoas comuns (McADAM, 1982). Há dois tipos de apelo que sempre
são utilizados para isso.

Injustiça e emotividade
Um tipo recorrente de discurso no confronto político é elaborado em torno do
que William Gamson chama de "quadro interpretativo da injustiça" (1992a: 68 e

144
73). Barrington Moorejr. escreve na mesma direção: "qualquer movimento contra
a opressão tem que desenvolver novos diagnósticos e soluções para formas exis­
tentes de sofrimento, e com isso torná-las moralmente condenadas (1978: 88). De
forma semelhante, Doug McAdam argumenta que "antes de se encaminhar uma
ação coletiva, as pessoas precisam, coletivamente, definir suas situações como in­
justas" ( 1982: 5 1 ) . A "injustiça", conclui Gamson, "focaliza a raiva justificada que
põe fogo na barriga e ferro na alma" (1992b: 32).
Mas não é uma simples questão de convencer pessoas tímidas de que as indig­
nidades da vida diária não estão escritas nas estrelas - que elas podem ser atribuí­
das a algum agente e de que as ações empreendidas coletivamente podem mudar
aquela condição. "Emoções diferentes podem ser estimuladas através da percep­
ção de desigualdades - cinismo, ironia confusa, resignação" (GAMSON, 1992b:
32). O confronto pode apontar um descontentamento, identificar uma clientela e
nomear um inimigo. Mas, escreve Gamson, "isso não é suficiente se os indivíduos,
privadamente, adotam uma interpretação diferente sobre o que está acontecendo.
A adoção coletiva de um quadro interpretativo de injustiça precisa ser publica­
mente compartilhado pelos desafiadores potenciais" (1992a: 73) . São atividades
centrais dos movimentos sociais inserir os descontentamentos em quadros inter­
pretativos amplos que identificam uma injustiça, responsabilizar outros por ela e
propor soluções.
A maior parte do trabalho do "enquadramento interpretativo" é cognitiva e
avaliadora - isto é, ela identifica descontentamentos e os traduz em reivindicações
mais amplas dirigidas a outros que sejam significativos. Mas o trabalho de enqua­
dramento interpretativo não deveria se restringir a cogitações estéreis de ideólo­
gos; nenhuma transformação significativa de reivindicações em ação pode ocorrer
sem que se estimule ou se crie energia emocional. Emoções, escreve Verta Taylor,
são o "terreno de articulação dos laços entre ideias culturais, desigualdade estrutu­
ral e ação individual" (1995: 227). Diz ainda, "são as emoções que fornecem o "ca­
lor", por assim dizer, que diferenciam os movimentos sociais das instituições do­
minantes" (p. 232).
Algumas emoções como o amor, lealdade e reverência são claramente mais
mobilizadoras do que outras como desespero, resignação e vergonha. Algumas,
como a raiva, são "vitalizadoras" e é mais provável que estejam presentes na de­
flagração de atos de resistência, enquanto que outras, como a resignação ou de­
pressão, são "desvitalizadoras" e existem, mais provavelmente, nas fases de des­
mobilização*. Os pontos altos do confronto geram eixos emocionais em torno
dos quais gira a futura direção do movimento. Com o passar do tempo, os empre-

·• Sou grato a Arthur Kleinman por estas observações feitas numa reunião do "grupo de pesquisa so­
bre confronto político" no Center for Advanced Study in The Behavioral Sciences em junho de 1 997.

1 45
endedores de movimentos se esforçarão para evocar esses eixos emocionais atra­
vés da retórica, rituais e reuniões nos lugares em que ocorreram a injustiça ou Yi­
31
tórias passadas .
Por ser tão confiável como geradora de emoção, a religião é uma fonte recor­
rente para o enquadramento interpretativo de movimentos sociais. A religião f or­
nece símbolos, rituais e solidariedades já prontos e que podem ser acessados e
apropriados pelos líderes dos movimentos (SMITH, 1 996). O mesmo vale para o
nacionalismo: por não ter as elaboradas metáforas mecânicas da dialética de clas­
ses, o nacionalismo possui um potencial emocional muito maior. Benedict Ander­
son pergunta ironicamente, ao contrastar os muitos monumentos ao nacionalismo
com a falta de memoriais para a classe social: é possível imaginar um "Túmulo do
marxista desconhecido"? (1991: 1 0).
Mais do que qualquer outro movimento recente, foi o feminismo que levou ao
reconhecimento da força da emotividade nos movimentos sociais. "Escritos femi­
nistas, populares e acadêmicos estão plenos de relatos sobre os intensos sentimen­
tos que subjazem à participação no movimento das mulheres" (TAYLOR, 1 995:
226-227). "Os estudiosos dos movimentos das mulheres", escreve Verta Taylor.
"salientaram o amor e o cuidado, de um lado, e a raiva, a dor e a hostilidade, de ou­
32
tro, que caracterizam as interações feministas" (p. 229) .
A socióloga Arlie Hochschild notou que grupos particulares formam "culturas
de emoção" (1990). Muitos movimentos são criados em torno do cultivo delibera­
do do ódio ou da raiva. A luta torturada e longa entre católicos e protestantes na
Irlanda do Norte só pode ser entendida como um ato deliberado de alimentar ódios
mútuos. O uso intencional do estupro de mulheres muçulmanas pelos sérvios­
bósnios visou tanto dessensibilizar seus próprios soldados como humilhar suas ví­
timas (EISENSTEIN , 1 996: 167). Mesmo o orgulho racial - cultivado por um setor
do Movimento Black Power nos Estados Unidos nos anos 1960 - envolveu expres­
sões formalizadas de violência verbal (GITLIN, 1995, cap. 1 ). A relação entre a
mobilização e a raiva está talvez mais explícita no caso do Act-Up, o movimento
para defender as vítimas da Aids. A "raiva", escreve um de seus líderes, "é algo cria­
do; o Act-Up é uma máquina para a construção da raiva" (apud ERNST, 1997: 3).

A cultura da ação coletiva é feita de quadros interpretativos e de emoções que


visam tirar as pessoas de sua submissão, mobilizando-as para a ação em cenários

3 1 . Por exemplo, movimentos contra as lei anti-imigração na França sempre evocam a memória da
deportação, com uma passeata a partir da Gare de l'Esl, de onde judeus e outros foram mandados
para os fornos de gás pelo regime de Vichy.
32. \'er. em particular, "Imagine my surprise", de Leila Rupp. • Feminism and the Women's Movement,
de Barbara Ryan.
conflituosos. Os símbolos são extraídos seletivamente de um reservatório cultural
pelos líderes do movimento e combinados a crenças orientadas para a ação, de
modo a navegar estrategicamente em meio a um paralelogramo de atores, que Yai
desde estados e oponentes na sociedade até militantes e populações-ako . O mais
importante é que a eles é dada uma valência emocional que visa converter a passi­
\'idade em ação.

Mobilização do consenso e enquadramento interpretativo da mídia


Os símbolos da ação coletiva se instalam através de dois processos principais: a
longo prazo, eles entram na consciência das pessoas através de um processo capi­
lar de formação de consenso e mobilização; num prazo mais curto, eles afetam as
pessoas através das transformações realizadas pela própria ação coletiva. O primei­
ro conjunto de processos pode ser visto no modo como os movimentos interagem
com fontes autônomas de cultura e com a mídia, enquanto que o segundo chama a
atenção para os elementos performáticos no próprio processo de confronto.
Num artigo de 1988, Bert Klandermans faz uma importante distinção entre a
formação do consenso e a sua mobilização. A formação do consenso resulta de
uma convergência não planejada de significados em redes sociais e subculturas e
ocorre fora do controle direto de qualquer pessoa. No interior dessas redes e sub­
culturas, escreve Klandermans, "os processos de comparação social produzem de­
finições coletivas de uma situação" (1988: 175). Essas definições coletivas ficam
frequentemente ocultas pela cultura oficial - por exemplo, a profunda alienação
dos cidadãos na Europa Oriental estava oculta pela aceitação formal do socialismo
de estado até 1989 (KURAN, 1991). Quanto às sociedades ocidentais, Tom Ro­
chon vê um processo de duas etapas na expressão de um movimento: o primeiro,
um processo de formação de consenso através de "comunidades críticas" que não
têm, necessariamente, nenhuma vocação para movimentos; o segundo, enquanto
mobilização explícita do consenso, dirigida a objetivos que derivam dos "movi­
mentos da cultura" criados pela crítica (1998).
A formação do consenso produz definições coletivas de uma situação, mas não
faz muito mais que isso. Não produz ação coletiva nem dá caminhos para a ação
aos que querem dirigir as pessoas para um movimento social. Para que isso ocorra
é necessária a mobilização do consenso (KLANDERMANS, 1988: 183-191). Esta
consiste em tentativas deliberadas de difundir as perspectivas de um ator social en­
tre partes de urna população (p. 175). As organizações de movimentos estão entre
os que tentam fazer isso (p. 184). Ao fazê-lo, competem com outras organizações,
com igrejas e governos, com a mídia e com as predisposições culturais vigentes.
Essa disputa é sempre desigual, como sugere o exemplo a seguir.

1 47
Vestimentas do consenso
Quando o exército iraquiano invadiu o Kuwait e o governo americano e outros
governos ocidentais prepararam-se para contra-atacar, foram organizadas de­
monstrações pela paz em Washington e na Costa Oeste (New York Times, 27/12/
1991: 1 7). Nestas ocasiões uma variedade de símbolos físicos recorreram à subcul­
tura da oposição, que tinha se mantido desde o movimento antiguerra dos anos
1960. Mas, num clima em que a opinião pública apoiava a política de guerra do pre­
sidente, o simbolismo dominante usado pelos manifestantes para enquadrar o seu
protesto era patriótico. Como o Now National Times resumiu para seus leitores:
Havia bandeiras americanas, laços amarelos, pais e mães preocupa­
dos, irmãs, irmãos e amigos que achavam que a melhor maneira de
apoiar nossas tropas no Oriente Médio era trazê-las vivas para casa
(mar.-abr./199 1 : 1).
O que aconteceu neste protesto? Certamente não uma imitação mecânica dos
símbolos herdados do sonho americano, mas sim uma estratégia autoconsciente,
por parte dos líderes do movimento, de expandir símbolos consensuais para os sig­
nificados da oposição. A tentativa era engenhosa, mas na disputa com a onda de
apoio popular a uma guerra justa promovida por um presidente popular contra um
oponente enquadrado como vilão hitlerista, a barragem do simbolismo consensual
não fez a menor diferença. A vestimenta do consenso não pode mobilizá-lo contra
o sistema que o produziu.
Por que parece tão difícil criar símbolos que sejam verdadeiramente de oposi­
ção? Uma razão pode ser a de que os líderes dos movimentos querem de fato per­
manecer nas fronteiras de um consenso político - isso foi certamente verdade em
relação à maioria dos norte-americanos que protestaram pela paz. Outra razão é
que o alcance do Estado é tão grande que até mensagens que veiculam ruptura são
enquadradas em termos de consenso. Mas uma terceira razão se relaciona mais di­
retamente à estrutura de comunicação nas sociedades atuais: movimentos que
querem se comunicar com um público mais amplo precisam ter recursos internos
para "efetivar" o protesto (GLENN, 1997; MEYER & GAMSON, 1995) ou usar a
mídia para fazê-lo. No entanto, a mídia está muito longe de ser neutra em relação
aos símbolos que seleciona e transmite.

Enquadramento interpretativo da mídia e estratégia do movimento


No outono de 1996, foi descoberto na Bélgica um conjunto de horríveis assas­
sinatos de garotas adolescentes, junto com uma história de incompetência, indife­
rença e possivelmente até cumplicidade policial envolvendo as atividades de pedó­
filos. Com pouco planejamento ou coordenação anteriores, e conduzidos pelos
pais das vítimas, centenas de milhares de belgas, tanto flamengos como de língua
francesa, fizeram uma passeata e se reuniram nas ruas de Bruxelas vestidos de
branco para simbolizar a inocência das vítimas (RIHOUX, 1997). Vários meses

1 48
mais tarde, os que apoiaram os pais das garotas começaram a publicar um boletim -
La marche blanche - para investigar a corrupção em altos postos e difundir a men­
sagem do movimento.
Quando Eric Hobsbawm estudou as rebeliões "primitivas" nos anos 1950, era
comum atribuir o uso de rituais simbólicos à natureza pré-política desses movi­
mentos (1959, cap. 9: 2). No entanto, o papel do simbolismo visual foi ativamente
reforçado pela atuação da mídia e, particularmente, da televisão. Uma das razões
para se usar um simbolismo visual é ajudar na construção de identidades coletivas;
outra, é projetar uma imagem de pesar ou de alegria, de ferocidade ou espírito de
jogo de um movimento para os espectadores casuais e para os opositores (LUM­
LEY, 1990: 223). O mecanismo primário para os dois processos é a mídia de massa.
Não se deveria ignorar o papel do rádio na difusão de informações. Em maio de
1968, por exemplo, os acontecimentos na França eram transmitidos respeitosa­
mente pela emissora de rádio do governo, informando as pessoas em diferentes
partes do país sobre passeatas, greves e ocupações de fábricas e ajudando a difusão
do movimento. Durante a Guerra Fria, a BBC e a Radio Free Europe desempenha­
ram um importante papel na difusão de informações para a Europa Oriental, espe­
cialmente depois que os dissidentes naqueles países aprenderam como obter rela­
tos noticiosos daquelas fontes de comunicação. Mas foi a televisão, com sua capa­
cidade ímpar de condensar situações complexas em imagens visuais, que ocasio­
nou uma revolução nas táticas dos movimentos.
A extensão desta revolução tornou-se evidente, pela primeira vez, durante os
anos 1960 nos Estados Unidos. O movimento pelos direitos civis, escrevem Kiel­
bowvicz e Scherer, "foi o primeiro a recorrer a relatos noticiosos da televisão princi­
palmente em função dos seus elementos vi.suais" (1986: 83). A coincidência do sur­
gimento do movimento com os noticiários televisivos ajudou-o de três maneiras:
primeiro, a televisão chamou a atenção da nação, e particularmente dos telespecta­
dores do norte do país, para injustiças longamente ignoradas; segundo, ela contras­
tou visualmente os objetivos pacíficos do movimento com a violência da polícia; ter­
ceiro, a televisão foi um meio de comunicação para os que estavam dentro do movi­
mento. Ela ajudou a difundir conhecimento sobre o que o movimento estava fazen­
do através da demonstração visual de como fazer uma manifestação passiva sentan­
do junto a um balcão de refeições, como caminhar pacificamente pelos direitos civis
e como reagir quando atacados pela polícia com mangueiras de água.
O movimento estudantil f oi o segundo maior teste prático para o impacto da
televisão. A ocorrência simultânea de demonstrações estudantis por todo o Oci­
dente em 1968 - usando muitos das mesmas palavras de ordem e formas de ação
(McADAM & RUCHT, 1993) - f oi em parte resultado do impacto da televisão.
Dois estudiosos sobre os efeitos da mídia nos movimentos concluem: "para as pes­
soas do público cujas próprias experiências se parecem com os casos exibidos, essa
atenção da mídia pode servir para cultivar uma consciência coletiva, lançando as
bases para um movimento social" (KIELBOWVICZ & SCHERER, 1986: 81).

1 49
Uma terceira fase foi a popularização da religião política nos anos 1970 e 198l'
através dos meios de comunicação de massa. Em lugares tão diversos como o Irã e oc
Estados Unidos, figuras religiosas adotaram a mídia para difundir suas mensagen�
políticas. No Irã, o Aiatolá Khomeini e seus seguidores usaram o rádio e fitas graYa­
das para difundir sua crítica antiocidental ao governo do Xá, enquanto que funda­
mentalistas cristãos nos Estados Unidos transmitiam suas mensagens de lugares tãc
33
diferentes como púlpitos de igrejas locais e estádios de futebol americano .
O exemplo mais dramático do papel da mídia foi global: a encenação de uma
demonstração massiva dos estudantes chineses na Praça Tienanmen em protesto
contra a corrupção e o autoritarismo do Partido Comunista (ESHERICK E-;:
WASSERSTROM, 1990). Os estudantes chineses não apenas recorreram a símbo­
los tradicionais do teatro político chinês; como em outros episódios das revolu­
ções de 1989, eles usaram estrategicamente forma teatrais para ganhar a simpatia
da audiência da mídia internacional, o que sabiam ser a sua única esperança de
conseguir pressão externa sobre as autoridades (CALHOUN, 1994, cap. 3). O mo­
numento à liberdade que levaram para a praça num certo momento tinha raízes na
cultura política chinesa; mas tinha também uma semelhança desconcertante com a
Estátua ela Liberdade do porto ele Nova York, presente elos republicanos franceses
para seus primos americanos.
A mídia é uma f onte difusa ele formação ele consenso que os movimentos não
podem obter facilmente. Uma nova informação e, principalmente, uma nova ma­
neira de interpretá-la, sempre aparece primeiro em espaço público e apenas mais
tarde dá origem a quadros interpretativos de ação coletiva por parte elos empreen­
dedores ele movimentos. Por exemplo, quando William Gamson estudou a cober­
tura feita pela imprensa americana de dois acidentes nucleares nos anos 1950 e
1980, ele descobriu que tinha havido uma mudança radical na maneira elos repór­
teres tratarem o assunto ( 1988).
Uma vez formados, os movimentos podem tirar vantagem de coberturas feitas
por jornalistas que tenham simpatia por eles (GITLIN, 1980: 26). Entretanto, com
mais frequência, a mídia escolhe a maneira de enquadrar uma história porque ven­
de jornais ou atrai telespectadores. Assim, numa greve de 1997 contra o fechamen­
to de uma fábrica pela Renault, na Bélgica, quando um grande número de trabalha­
dores da Renault da França e da Espanha cruzaram as fronteiras para protestar
contra a decisão em Bruxelas, foi a imprensa que rotulou o protesto de "Eurostri­
ke" (IMIG & TARROW, 1997). O motivo não foi tanto a simpatia pelos grevistas.
mas sim enquadrar a história de modo atraente para o público internacional.

33. De muitas formas, a apoteose da combinação do simbolismo religioso e esportivo é "The Promise
Keepers", o movimento fundamentalista só para homens que cresceu muito nos Estados Unidos nos
anos 1 990. Para um relato ver "The promise Keepers are Coming", de Conason, Ross e Kokorinos.
Essa história salienta um grande problema para os movimentos sociais: os mei­
os de comunicação estão longe de ser espectadores neutros ao enquadrar os fatos
dos movimentos. A mídia pode não trabalhar diretamente para a classe governante
(MOLOTCH, 1979: 75), mas certamente não trabalha para os movimentos sociais.
Numa sociedade capitalista pelo menos, a mídia está no mercado para reportar as
notícias, mas apenas ficam no mercado se reportam sobre o que interessa aos leito­
res ou telespectadores, ou sobre o que o editor pensa que os interessa.
A maneira da mídia fazer a cobertura dos movimentos é afetada pela estrutura
da indústria de mídia. Como escrevem Kielbowicz e Scherer, os movimentos são
afetados pela preferência da mídia por eventos dramáticos e visíveis; pela confian­
ça dos jornalistas em f ontes oficiais; por novos ciclos ou ritmos; pela influência dos
valores ou orientações profissionais do repórter e pelo modo como o ambiente da
mídia - principalmente o grau de competição - influencia as notícias (1986:
75-76). Como resultado, a capacidade das organizações de movimentos de se
apropriarem da mídia para seus propósitos é limitada.
A influência da mídia sobre a percepção das ações dos movimentos é uma faca
de dois gumes. De um lado, um crescente "enquadramento interpretativo" da mí­
dia é que a vida pública é corrupta, um ponto de vista que é confortável para os lei­
4
tores ou telespectadores porque justifica a inação ou a desmobilização3 . Por outro
lado, o interesse pelas atividades dramáticas realizadas pelos movimentos logo
perde o interesse da mídia, a não ser que mudem ou intensifiquem suas rotinas.
Quando os protestos aumentam, a mídia continua a fazer a cobertura, mas logo dá
prioridade aos seus aspectos violentos ou bizarros.
A mídia tende a focalizar o que "é" notícia. Isso reforça o deslocamento da rup­
ura para a violência, frequentemente encontrada em ciclos de protesto (GANS,
1 979: 169). Num protesto pacífico contra a guerra, o estudante isolado que atira
uma pedra numa barreira policial ou um travesti com roupas extravagantes que
participa de uma passeata pelos direitos dos homossexuais são mais eficientes do
que qualquer número de manifestantes caminhando pacificamente por uma rua da
cidade. Dessa forma, a mídia "acentua as tensões entre militantes que existem em
qualquer conjunto de ativistas" (KIELBOWICZ & SCHERER, 1986: 86), incenti­
\·ando elementos disruptivos ou violentos em movimentos que, de outra maneira,
35
seriam pacíficos .

3-f. Sou grato a Bill Gamson por esta percepi,:ão, numa reunião do "grupo de pesquisa sobre confron­
:o político" no Center for Advanced Study in the Behavioral Sciences em junho de 1997. Ver, de Bill
-::;amson: "Social Psychology of Collective Action". • Talking Politics.
3 5 . A cobertura da mídia pode também favorecer um ramo do movimento em detrimento de outro na
:·.:mnação da sua imagem pública. Por exemplo, Liesbet van Zoonen descobriu que uma série de
,'\·entos públicos preparados pelo movimento das mulheres holandesas forneceu três assuntos prin­
.:ipais que quase todas as fontes de mídia retrataram. Estes "elementos do quadro interpretativo" for­
maram a base para a futura identidade pública do movimento (1992: 13).

151
Construindo o confronto
Tanto os quadros culturais existentes quanto o papel da mídia restringem a
formação de movimentos. Mesmo assim os movimentos estão sendo construídos o
tempo todo e os mais bem-sucedidos transcendem os quadros culturais de suas so­
ciedades e - em alguns casos - geram revoluções. Não é a mobilização do consenso
ou o enquadramento interpretativo da mídia que faz isso, mas sim o próprio pro­
cesso de confronto. O caso do movimento norte-americano pelos direitos civis
mostra como, neste processo, os quadros culturais herdados são combinados a es­
colhas estratégicas.

Reenquadrando direitos na América


É impressionante ver como os americanos enquadram naturalmente suas rei­
vindicações em termos de direitos - sejam direitos de minorias, mulheres, homos­
36
sexuais, animais ou fetos . No entanto, em relação aos afro-americanos, os direitos
foram quase sempre desconsiderados; por que então o movimento pelos direitos
civis dos anos 1960 recorreu tão centralmente a este quadro interpretativo? E por
que os "direitos" tornaram-se então "o quadro interpretativo abrangente" [master
Jrame] de muitos outros setores do movimento durante o ciclo de confronto dos
anos 1960? (SNOW & BENFORD, 1992) .
A primeira consequência resultou do fato histórico de que o movimento teve
nos tribunais o seu primeiro palco, começando com o conceito de direitos educa­
cionais iguais. A linguagem dos direitos não chegava automaticamente aos ameri­
canos negros, convencidos das arraigadas injustiças sociais do sistema; mas a bus­
ca por direitos tinha sido uma estratégia bem-sucedida antes do período mais con­
flituoso do movimento. Como Charles Hamilton escreve, este contexto "criou um
quadro de advogados constitucionais que se tornaram de fato os pontos centrais da
luta pelos direitos civis" ( 1 986: 244) .
Uma segunda razão dos direitos se tornarem o quadro interpretativo para os
direitos civis foi estratégica; as oportunidades iguais eram uma ponte útil, baseada
na retórica política americana entre a principal porção entre os participantes inter­
nos do movimento , a classe média negra sulista e os participantes brancos de cons­
ciência liberal cujo apoio lhe dava suporte externo. Para a classe média negra, a
igualdade de oportunidades já era um objetivo valioso, enquanto que os brancos li­
berais ficaram muito ofendidos com a contradição entre o valor dado pelos ameri­
canos aos direitos e a negação de oportunidades iguais aos afro-americanos. Os di­
reitos tiveram a dupla função de se apoiarem nos sucessos prévios nos tribunais e

36. \las ao contrário do que alguns estudiosos do confronto americano pensam, isso não chega a ser
·.tm monopólio americano: para uma discussão sugestiva sobre "consciência de direitos" na China
�ura!. \·er ·-Yillagers and Popular Resistance in Contemporary China", de Li e O'Brien.
de conectar os brancos liberais e a classe média negra, de onde vinha o núcleo do
movimento.
Mas o conceito de "direitos" desse movimento não era nada mais do que o uso
tradicional do consenso americano? Se assim for, por que ele teve que esperar os
anos 1960 para agir e como conseguiu tanto? A resposta é que, apenas quando
combinados a uma forma inovadora de ação em uma estrutura de oportunidades
em mudança, os direitos se tornaram o quadro interpretativo central da ação cole­
tiva do movimento.
A partir do fim dos anos 1950, o modesto quadro interpretativo dos direitos a
oportunidades iguais foi acompanhado por uma prática de protesto altamente dra­
mática e de confrontação - a ação direta não-violenta.
Se a doutrina dos direitos preencheu retoricamente o espaço entre o status su­
balterno tradicional dos negros sulistas e seus apoiadores brancos liberais, a ação
direta não-violenta transformou a inércia da classe média negra em ação.
Desde o começo, a transformação do quadro interpretativo dos direitos foi in­
terativa. Dois atores principais desempenharam um papel crítico: uma geração de
estudantes universitários que cresceram em cidades onde não existiam as piores
práticas de segregação racial legal Qim Crow) e os agentes da estrutura do poder
branco cujo comportamento acabou por favorecer o movimento - na televisão !
Enquanto os estudantes, em seus ternos esmerados e vestidos afetadamente mo­
destos, sentavam-se passivamente, faziam passeatas e demonstrações, cantavam e
rezavam, a polícia reagia com violência à não-violência, reunindo os pombos da
paz com os cães policiais da guerra. Quanto mais violento e não-cristão o compor­
tamento dos detentores do poder branco, maior a superioridade moral da tática
dos estudantes e mais razoável o programa do movimento. Foi no processo de luta
que a retórica de direitos herdada foi transformada num quadro interpretativo
novo e mais amplo da ação coletiva.
A lição do movimento pelos direitos civis é que os símbolos de revolta não são
retirados de um armário cultural como uma vestimenta antiquada e exibidos ao
público. Nem os significados são feitos a partir do nada. As vestimentas da revolta
são tecidas com uma mistura de fibras herdadas e inventadas em quadros interpre­
tativos da ação coletiva em confronto com oponentes e elites. E, uma vez introdu­
zidas, não são propriedade exclusiva dos movimentos que as produziram, mas -
como as formas modulares de ação coletiva descritas no cap. 6 - ficam disponíveis
para que outros possam vestir. Como Snow e Benford salientam, quando é enuncia­
do em contextos de turbulência geral" , um quadro interpretativo de ação coletiva
bem-sucedido torna-se o "quadro interpretativo abrangente" ( 1992) . No caso dos
direitos civis, como resultado do trabalho precursor de enquadramento interpreta­
tivo destes direitos civis, "começamos a ver o aumento da politização de outros
grupos, especialmente as feministas, os ambientalistas, os idosos, as crianças. os

i 53
deficientes físicos e os homossexuais organizando e reivindicando os seus 'direi­
tos"' (HAMILTON, 1986: 246).

Quadros interpretativos e identidades


"Dois aspectos da cultura, distintos, mas relacionados, são relevantes para po-
líticas comparativas", escreve Marc Howard Ross:
primeiro, a cultura é um sistema de significados que as pessoas usam
para lidar com seus mundos de todo dia [ ... ] ; segundo, a cultura é a
base da identidade social e política, o que afeta o modo de as pessoas se
programarem e agirem num grande número de questões ( 1998: 42).
Lidamos, até agora, principalmente com o primeiro significado de cultura;
mas sob a superfície está a questão de como as identidades existentes restringem
ou fortalecem os movimentos e como novas identidades são formadas no processo
37
de confronto . Podemos resumir as principais questões examinando a identidade
coletiva a partir de quatro pontos breves.
Primeiro, identidades "naturais" ou "herdadas" são quase sempre a base de
agregação em movimentos sociais, como vimos antes ao discutir a importância da
religião no enquadramento interpretativo do confronto. Mas os movimentos lu­
tam com frequência para mudar o significado dessas identidades - como os israe­
lenses sionistas lutaram para descartar a imagem, na Europa Oriental, do judeu
como urbano, comerciante e covarde por uma nova, em que ele seria rural, produ­
tivo e corajoso ou, como os afro-americanos trabalharam para criar uma imagem
nova e mais positiva da negritude, numa comunidade em que a cor clara da pele
era vista como sinal de status.
Segundo, os movimentos sociais exigem solidariedade para agir de forma cole­
tiva e consistente e criar ou ter acesso a identidades em torno de suas reivindica­
ções é uma maneira de fazê-lo. Assim, as feministas identificaram-se com o destino
oprimido das mulheres desde o nascer da humanidade; e, bem pagos e especializa­
dos "aristocratas do trabalho" se apresentaram como se fossem o proletariado so­
fredor. Algumas vezes os mitos criam o que Tilly chama de "características de co­
nexão durável entre os participantes do núcleo". Mas, ele conclui, "a maioria dos
movimentos sociais permanece muito mais contingente e volátil do que permiti­
riam supor suas mistificações" (TILLY, 1997a: 133).
Terceiro, enquanto tais reivindicações identitárias de "categorias" são fre­
quentemente a capa que os movimentos vestem para distinguirem os seus mem-

37. O locus clássico da teoria da identidade coletiva está em Challenging Codes: Collective Action in
the Information Age, de Alberto Melucci. Tópicos sobre a formação da identidade em movimentos
sociais são centrais para várias grandes investigações no campo do movimento social: Social Move­
ments and C11lt11n:, de johnston e Klandermans. • New Social Movemenls, de Laraõa,Johnston e Gusfi­
eld. • Frontiers in Social Movement Theory, de Morris e Mueller.

1 54
bros em relação a outros de fora, a solidariedade dos seus militantes é quase sem­
pre baseada em comunidades mais íntimas e especializadas: como as "comunida­
des de discurso", que Mary Katzenstein encontrou entre as mulheres católicas a­
mericanas (1995); ou a solidariedade de local de trabalho que Rick Fantasia ob­
servou entre os trabalhadores que estudou (1 988); ou a construção da comuni­
dade personalizada que Paul Lichterman encontrou em comunidades locais nor­
te-americanas ( 1996).
Quarto, construir um movimento em torno de f ortes laços de identidade cole­
tiva, seja ela herdada ou construída, poupa muito o trabalho que normalmente se­
ria da organização; mas ela não pode fazer o trabalho da mobilização, que depende
do enquadramento interpretativo das identidades de tal forma que elas conduzam
à ação, a alianças e à interação. De fato, a política de identidade quase sempre pro­
duz movimentos insulares, sectários e causadores de divisões, incapazes de expan­
dir o número de membros, ampl iar demandas e negociar com aliados em perspec­
tiva. Esta é a crítica aguda que Todd Gitlin faz da "política de identidade" america­
na contemporânea em seu livro Twilight of Common Dreams ( 1995) - uma fraque­
za que não encontra na política de classes do passado.
A ligação entre exclusividade e fraqueza também trabalha na direção oposta;
observa-se frequentemente nos movimentos fracos e no fim dos ciclos de protesto
que os militantes erguem cada vez mais alto os muros de suas identidades coleti­
vas, definindo-se através de elementos de identidade cada vez mais estreitos e rejei­
tando alianças como uma f orma de "colocar-se à venda em liquidação" . No epigra­
ma desmoralizador de Gitlin os movimentos fracos frequentemente "marcham di­
ante do Departamento de Inglês, enquanto que a Direita toma a Casa Branca
( 1995, cap. 5).
Finalmente, não deveríamos considerar a identidade coletiva de um movimen­
to social como permanente ou impermeável à influência externa. Assim como seus
repertórios de confronto, seus programas e sua valência emocional evoluem, as
identidades não são simplesmente feitas a partir do nada, mas respondem às mu­
danças nas oportunidades e nas restrições políticas, nas necessidades estratégicas e
nos materiais culturais disponíveis, como veremos neste exemplo final.

C atólicos e trabalhadores na Polônia


Em sua recente análise do movimento operário polonês nos anos 1980/1981,
Roman Laba descreve a profundidade do simbolismo religioso que descobriu na
propaganda do movimento que estava para se tornar o Solidariedade (1990, cap.
7). Laba reproduz uma caricatura de Lech Walessa, erguendo seu punho à moda
da saudação dos trabalhadores, ao lado do papa, com sua mão erguida num cum­
primento papal (p. 1 4 I). Ele reproduz um cartaz da greve no estaleiro de Gdansk,
mostrando uma coroa de espinhos usada para rememorar os mártires dos conflitos

1 55
industriais do passado (p. 150). A prática da revolta nunca pareceu recorrer tão pe­
sadamente aos símbolos de consenso herdados.
A Polônia testemunhou vários usos políticos do ritual católico durante os anos
1970, começando com as tão discutidas passeatas da Nossa Senhora Negra de
Czestochowa e terminando com o espetáculo de um papa polonês celebrando uma
missa pública num país comunista (KUBIK, 1994, cap. 5; OSA, 1995). Mas, desde
o seu começo, o Solidariedade não era tanto um movimento de massa de um povo
católico, mas um movimento de trabalhadores industriais buscando um sindicato
livre e usando símbolos católicos para mobilizar o consenso (LABA, 1990, cap. 8).
A estratégia que guiou os trabalhadores de Gdansk nos anos 1980 utilizou imagens
religiosas para evocar e tirar energia de uma onda anterior de greves. Em dezembro
de 1970 os trabalhadores atacaram a sede do Partido Comunista em Gdansk e vá­
rios foram mortos pelo exército (GARTON ASH, 1984: 12- 13; LABA, 1990, cap.
38
2) . "O mito dos mártires cresceu no subsolo fértil da consciência nacional", es­
creve Timothy Garton Ash (1984: 12).
Esses símbolos emergiram periodicamente como um recurso para gerar soli­
dariedade e enquadrar novas reivindicações. Já em dezembro de 1970, a fusão das
imagens da Polônia martirizada e dos proletários sofredores apareceu nas greves
de Gydina e Gdansk. Em 1971, os trabalhadores, na parada do Dia do Trabalho em
Gdansk, carregaram um cartaz exigindo uma placa para recordar os mortos das
greves do ano anterior (LABA, 1990: 126). Em 1977, os grupos que mais tarde fun­
daram os Free Trade Unions of the Baltic e o Movimento Young Poland exigiram a
mesma coisa (p. 136). Os eletricistas do estaleiro Lenin, que assumiram a lideran­
ça do movimento de Gdansk no verão de 1980, consideraram um dever - quase
uma obsessão - honrar a memória dos mártires. Lech Walessa ganhou notoriedade
pela primeira vez na demonstração, em 1979, no estaleiro Lenin. Fugiu da prisão
para ir à demonstração e surgiu em cena exigindo a construção de um monumen­
to para honrar os mortos de 1 970. "Cada um deveria voltar no próximo ano, no
mesmo lugar e na mesma hora", ele disse, "e cada um carregando uma pedra". Se as
autoridades se recusassem a construir um monumento, eles mesmos o fariam com
as pedras em seus bolsos (GARTON ASH, 1984: 31).
Os acontecimentos que levaram à ocupação do estaleiro Lenin em julho de
1980 foram inspirados pela questão dos mártires de 1970. Quando uma militante
popular do Free Trade Union, Anna Walentynowicz, foi a um cemitério local para
encontrar tocas de vela para acender em memória das vítimas de 1970, ela foi des­
pedida pela direção da fábrica, somando uma faísca de afronta humana às débeis

38. É significativo que, em agosto de 1 980, no portão do estaleiro Lenin, acima da cruz de madeira,
dos retratos do papa, de uma imagem da Virgem Negra de Czestochowa e da Águia Branca coroada da
Polônia havia um cartaz onde estava escrito "Trabalhadores de todas as fábricas, uni-vos ! " Roots of
Solidarity, de Laba, p. 130.

1 56
chamas da insatisfação do trabalhador. No amanhecer de 14 de agosto, militantes
do Free Trade Union passaram desapercebidos dos guardas da fábrica com carta­
zes reivindicando a reintegração de Walentynowicz e mil zlotys redondos de au­
mento de salário para todos. Colaram os cartazes em volta do estaleiro e iniciaram
uma passeata interna, ganhando apoiadores à medida que andavam. Assim come­
çou a cadeia de eventos que levaria ao estabelecimento do Solidariedade e seu tri­
unfo temporário sobre o governo (GARTON ASH, 1984: 39).

Enquadrando através do confronto


Os símbolos católicos que envolviam o movimento dos trabalhadores poloneses
que irrompeu na costa do Báltico, em 1980, certamente mostram que o simbolismo
precisa ter ressonância cultural para inflamar a mente das pessoas. Mas esses símbo­
los estavam disponíveis há décadas na Polônia católica. Como no caso do movimen­
to americano pelos direitos civis, não foi um símbolo herdado do passado que levou
o movimento à sua fase mais radical, mas um novo - o símbolo da solidariedade dos
trabalhadores - que surgiu no decorrer da luta e serviu a um objetivo estratégico
para os militantes envolvidos num combate com oponentes poderosos.
O sucesso mais importante dos grevistas de Gdansk e de seus apoiadores ex­
ternos não foi sua habilidade de invocar os símbolos essenciais da piedade católica,
mas sim de construir solidariedade entre os trabalhadores em diferentes fábricas e
setores através da mediação simbólica entre elementos católicos e obreiristas. Foi
isso que derrotou a estratégia do governo de oferecer vantagens salariais para al­
guns trabalhadores e não para outros. De fato, o próprio símbolo do "Solidarieda­
de" era um produto da luta. Como escreveu depois o desenhista do símbolo do So­
lidariedade:
Eu vi como o Solidariedade apareceu entre as pessoas, como nascia um
movimento social. Escolhi a palavra [Solidariedade] porque era a que
melhor descrevia o que estava acontecendo com as pessoas. O conceito
surgiu da similaridade com pessoas apoiando-se umas nas outras em
multidões apertadas - o que era característico das multidões em frente
do portão [ do estaleiro Lenin] (apud LABA, 1990: 133).

Conclusões
O que podemos aprender sobre o poder do simbolismo na ação coletiva a par­
tir dos casos do movimento pelos direitos civis e do movimento dos trabalhadores
de Gdansk?
Primeiro, os símbolos culturais não estão automaticamente disponíveis como
símbolos mobilizadores, mas exigem agentes concretos para transformá-los em
quadros interpretativos de confronto. Tal como a ação direta não violenta no sul
ganhou seu poder a partir da habilidade da National Association for the Advance-

1 57
ment os Coloured People - NAACP, de expandir os direitos através de uma década
de decisões judiciais e da prática da resistência pacífica, o Solidariedade foi
bem-sucedido quando seus líderes juntaram os símbolos religiosos de seus compa­
nheiros assassinados às reivindicações da greve para construir uma solidariedade
que ultrapassava os muros da fábrica.
Segundo, a cultura política herdada pouco fez, na Polônia ou na América, para
decidir quais símbolos dariam dignidade e energia à ação coletiva e quais não. Os
direitos na América e o catolicismo na Polônia estavam disponíveis há gerações
sem ajudarem visivelmente os afro-americanos ou os trabalhadores poloneses a se
livrar da opressão. É a combinação de novos quadros interpretativos inseridos
numa matriz cultural que produz quadros interpretativos explosivos de ação cole­
tiva. Combiná-los depende dos atores envolvidos na luta, dos oponentes que en­
frentam e das oportunidades para a ação coletiva.
Finalmente, é na luta que as pessoas descobrem quais são os valores que com­
partilham e quais os que os dividem, e aprendem a enquadrar suas demandas em
torno dos primeiros e a esconder os últimos. Frequentemente falham, mas quando
têm sucesso, um movimento como o Solidariedade dá resultado. Como Laba escre­
ve em seu Roots of Solídarity,
O Solidariedade tem sido usualmente considerado como um simples
movimento nacionalista e o seu simbolismo uma mera continuação
da tradição de pré-guerra do século XIX. Escapa a essa análise a quali­
dade inovadora do Solidariedade - até que ponto os símbolos dominan­
les foram inventados durante as greves e o grau em que os símbolos e ri­
tuais dominantes foram tirados da tradição nacionalista e socialista e
transformados ( 1990: 128 - ênfase acrescentada) .

1 58
8
Estruturas de mobilização e confronto político

Os movimentos sociais não dependem apenas de enquadramento interpretati-


vo; eles precisam reunir pessoas, formar coalizões, confrontar opositores e assegu-
. rar o seu próprio futuro depois da recreação do pico de mobilização. Isso nos leva
ao terceiro tipo de recursos que os movimentos reúnem: estruturas de mobíliza-
_ção. Desde que os movimentos sociais se tornaram uma força de mudança no
mundo moderno, observadores e ativistas se espantaram com.os efeitos da organi-
zação sobre sua capacidade de confronto. Alguns teóricos afirmaram que sem lide-
ranças exercidas através de organizações; a rebelião p€rmanece "primitiva" e-logo
se desintegra (HOBSBAWM, 1959). Outros estão convencidos de que, longe de es-
timular as pessoas a agirem, os líderes de organizações podem privá-las de seu
39
. maior poder-o poder de romper (PIVEN & -CLOWARD, 1977) • O suporte teóri-
co para esta postura vem do livr_o Iron Law of Oligarchy,. de Robert Michels, que
afirma que, com o tempo, as organizações deslocam seus objetivos originais, tor-
nam-se apegadas à rotina e no fim aceitam as ~egras do jogo·do sistema existente
(MICHEL, 1962).
Mas, como deve ser óbvio, alguns líderes; trabalhando através de certos tipos
de organização em situações específicas, realmente transformam confrontos em
movimentos e sustentam os conflitos com opositores, enquanto outros não. É
igualmente óbvio que alguns movimentos surgem sem liderança formal, frequen-
temente prqduzindo líderes a partir da experiência na luta- ou de grupos cognatos
dos quais emprestam recursos. _Como devemos explicar esta diversidade de papéis
da organização?
Em parte, 0 motivo desta confusão é que quase sempre falhamos ao distinguir
três aspectos diferentes da organização deu~ movimento. O significado dmninante
do termo é organização hierárquica formal ~ que Zeld e McCarthy definen1 como
"uma organização complexa, ou formal, que identifica seus objetivos con1 as prefe-
rências de um movünento social ou de u1n contramovünento e tenta implen1entá-los

39. Para uma comparação entre as abordagens de I-Iobsbawm, Piven e Clowarcl, ver a interessante re~
senha de Hobsbawm do trabalho de Piven e Cloward: "The Left anel the Crisis of Organization" e a
resposta destes autores aos seus críticos no prefácio à edição de 1979, de Poor People's Movement.

159
(1987: 20). Un1 segundo sentido é organização da ação ~oletiva ~ara contat?s com
opositores. Estes vão desde reuniões te1nporár.i~s de desafiantes ate redes sociais in-
formais sucursais, clubes e células do tipo n11htar. Eles pode~ s_e~ _controlados por
'
organizações · organizaçoes
formais, por coalizões de · _ - 0 ~ Por __ . _ em p ª! ficu1ar.
_ nrnguem
· ·
As re d es sociais b d sociedade ·p assaran1 a ser as fontes 1na1s comuns de recru-
na a~e a . . . McADAM 1988).
ta1nento para os 111ov1111entos sociais (GOULD, 1995, ,
o terceiro sicrnificado de organização refere-se às estruturas conectivas que li-
ga1n líderes e seg~.Iidores, centro e periferia, e partes d!ferentes de um se.tor ~e mo-
viinento, possibilitando a coordenação e a agregaç~o. entre as organizaçoes de
movünentos e possibilitando aos 1novin1entos pers1st1re~ mesmo quando falta
uina oroanização fonnal (DIANI, 1995). Apenas quando tais estruturas conectivas
são inc~rporadas à organização de u1n 1novimento e a a~ão coletiva é controlada
por seus líderes, 0 movimento social corresponde a uma ú_nica or~a:r;lização. Mais
frequente1nente, as organizações formais refletem apenas impe!feitamente o teci-
do conectivo informal de um movimento. Contudo, os_movim~Iitos tendem a de-
saparecer ou dissipar suas energias se não tiverem algum grau de organtzação, em-
bora possam atingir grandes picos de confronto. ·
Para seus organizadores o problema é criar modelos organizacionais suficien-
temente robustos para estruturar relações sustentadas com os opositores, mas que
sejam flexíveis o bastante para permitir conexões informais que liguem pessoas e
redes entre si para agregar e coordenar o confronto. O argumento deste capítulo é
que as formas mais efetivas de organização são baseadas em unidades locais; parei-
. almente autônomas e contextualmente enraizadas, ligadas por estruturas ·conecti-
vas e coordenadas por organizações formais. Os casos que se seguem sobre a histó-
ria do confronto na Europa do século XIX ilustram a importância dos· três sentidos
de organização na história moderna dos moviment~s sociais.

Um fracasso e duas não-soluções


Nas primeiras horas da manhã do dia 02/12/1851, tropas leais ao Presidente
Luís Napole~o ocupara~ a Assembleia Nacional francesa·, dando início ao golpe de
Estado qu_e ficou conhecido como O Dezoito Brumário 40 • Em Paris, onde centenas
de republicanos foram cercados, a resistência foi rapidamente superada. Mas no
s~l e no ?est~ da França, onde uma frouxa rede de republicanos montagnards ha-
VIa . ~ arma da nos d"ias que se seguuam
" crescido , irrompeu uma i'nsu rre1çao · ao golpe.
Estes. rebeldes
,. . da província" T
, escreve e d M d "
arga ant, nomearam comissões re-
voluc10nanas . em mais de cem ·
comunas, assum1ram· o controle de todo um depar-
tamento assim como doze capitais · de arron d·1ssements e se chocara1n violentamen-
te com tropas ou po 11cia1s
· · · em tnnta
· 1ocahdades
· diferentes~' (1979: vii). Mas, por ·

40. A seção que se segue deve muito ao trabalho de Ted Mar ad . . · e~


volt: The Insurrection of 1851 é um modelo d h'1st , . . g a~t~ CUJO hvro French Peasants m R
e ona social e pohtica teoricamente fundamentada.

160
volta de 10 de dezembro,.º exército tinha controlado os rebeldes. Suas organiza-
- se desagregara111
çoes . rap1dame11te
. . -. e as
· · d en1onsttaçoes
· - art11.adas - sua forma d e
ação prefenda - fora111 1nterr0111pidas tainbéin pela força
Em_m~~tas ~e suas Càracterísticas, a insurreição de 1851 parece uma das "rebe-
liões pnnutlva~ de !f~~sbawin (1959). O padrão é fa111iliar: notícias sobre algum
ultraje, real ou 1111aginano) chega a un1a aldeia. Sofrendo com problemas econômí--
cos e atonnentados por abusos de seus direitos, .os aldeões se reúnem ao som do
sino com os braços prepatados para a ação. Incentivados por seu contingente e
pela retórica de seus líderes, eles confrontan1 as autoridades em alguma praça cen-
tral, são 1nassacrados devido a força superior do oponente e os sobreviventes vol-
tam para suas fazendas para lamber suas feridas e esperar pela oportunidade de lu-
tar num outro dia. .
Mas esta insurreição não foi nem "rural'' nem primitiva. Ela combinou repu-
blicanos das cidades e vilarejos a camponeses e trabalhadores rurais (MAR-
GADANT, 1979: 29), seus temas eram ·n acionais e políticos, e não locaís e. paro-
quiais41. Ela também mostrou uma substancial interdependência de ~ção e crença
entre uma variedade de grupos sociais, unidades rurais e urbanas, camponeses e
artesãos, líderes e seguidor~s, que estavam unidos para confrontar os detentores
do poder. De muitas maneiras, foi um movimento.social moderno.
Foi um-movimento organizado? Isso depende do q11e entendemos p·or organi-
zação. Na cúpula, havia umas poucas·e -rígidas organizações republicanas disper-
sas, conduzidas por líderes de classe média que tinham participado da revolução
de 1848 e que permaneceram ativos à medida que a República se·encaminhou para
a direita. Na base estavani os centros de açio coletiva que atacaram as mairies, luta-
ram com as tropas e incitaram outras aldeias a agfr_. Esses_centros não eram conjun-
tos ao acaso de desordeíros rurais. Eles vinham de redes sociafs e familiares de al-
deias estáveis - muitos deles incubados em chambrées locais e em clubes de bebida
(AGULHON, 1982). Mas foram as estruturas ·conectivas que ligavam esses líderes
republicanos às unidades locais que eram as mais fracas.
Essas conexões, desenvolvidas inicialmente atrav€s de relações comerciais en-
tre os vilarejos e as aldeias, e depois da declaração da República em 1848, assumin-
do forma política em organizações eleitorais.republicanas (MARGADANT, 1979:
115-116), foram efetivas o bastante para deflagrar a luta. Mas, quando os bandos
armados locais apareceram em público, "comunicações•ineficientes e contramedi-
das administrativas limitaram a extensão da ação regional c01nbinada" (p. 232-
233). Era mais provável que os líderes locais respondesse1n ao chan1ado de uma re-
volta bem-sucedida em outro lugar do que às ordens de burgueses republicanos

41. Os insurgentes que atacaram Béziers proclamaram; 1'Em nome do povo francês! O presidente da
República violou a Constituição, portanto o povo reclama seus direitos". Margadant: French Pea-
sants, p. 5.

16-1
que não eram vistos. A 111aior incapacidade do 111ovhnento era a falta ~e e~truturas
conectivas estáveis e geradoras de confiança ligando o centro e .ª penfena. A fase
seguinte do confronto europeu se dedicou à solução deste p~oble-ma ..

A solução social-democrata
Nas décadas que se seguira111 ao fracasso elas revoluções de 1848 apa_receu um
novo ator social - o proletariado industrial-, fonnando, nat~ralmente, Uma nova
organização na base, pronta para a ação coletiva na fábrica e hgada ~ um novo ~on-
junto de organizações na cúpula. Fora111 principahnente os_ organ1z.ad.ores e inte-
lectuais da classe média que assu111ira1n o controle dos partidos soc1ahsta e traba-
lhista, tendo laços com os sindicatos, cooperativas, esqüemas de assistência mútua
e até centros de recreação. En1 sua forma mais bem desenvolvida, o Partido Social-
Democrata da Alemanha .(SPD), essas estruturas em expansão dàvam a nítida im-
pressão de um "estado dentro de um Estado" (ROTB, 1963).
Mas entre as organizações centralizadas de movimentos da social-democracia
europeia e as redes de trabalhadores na base não havia nenhum conjunto de estru-
turas conectivas, naturais ou sociais. Em.alguns ·países, conin a França, a distância
entre os trabalhadores de orientação sindicalista e os parlamentares socialistas era
tão grande que se formaram organizações rivais. Os social-democratas alemães, com
uma determinação carac~erística, se encar~egaram de formalizar as relações entre a
cúpula e a base e de tomá-las p~rmanentes. O resultado foi _criq.rem uma única hie-
rarquia organizacional, amedrontar~m o regime imperial a ponto de este proibir o
partido por um tempo mas, em última análise, tirarem a espontaneidade e a energia
do movimento, deixando-o incapaz de enfrentar as ameaças que surgiam no início do
século XX. O voto do SPD para os cr~ditos de guer.r:;i em 19 t4 e sua falta de prepa-
ro para combater o nacional-socialismo nos anos 1930 foi o resultado final.
Não faltava, obviamente, uma estrutura conectiva formal: os social-demo-
cratas encapsularam seus membros em estruturas federais permanentes que avan-
çaram a partir de sucursais locais, passaram através das federações provinciais e re-
gionais e chegaram aos comitês centrais e executivos nacionais. Esperava-se disci-
plina daqueles que aderiam e organizavam-se periodicamente ações coletivas para
desenvolver os objetivos do movimento. De um grupo disperso de grupos revolto-
sos e de sociedades secretas, o movimento dos trabalhadores transformou-se numa
organização a~pl~, form~l .e ~rganizada. Era tão grande o prestígio do SPD que seu
m_odelo organ1zac10nal fo11m1tado, em diferentes graus, na Europa Central, Seten-
tnonal e OrientaI42 •

42
· Sobre.ª formação do P_artido dos Trabalhadores Socialistas (SAP\ ver Donald Blake: "Swedish
d
Trn e U~wns ª,nd th e Social Democratic Party: The Formative Years". Sobre o Partido Austríaco e
sua rela~ao c~m_o modelo ~lemão, ve: Vincent Knapp: Austrian Social Democracy, 1889-1914, cap 1.
Sobre a i~fluencia do m~rx1smo ale~ao no desenvolvimento da democracia social russa ver John Pla-
mennatz. German Marxzsm and Russran Communism, p. 317-329.

162
Este era o 1nodelo de organização - o 111ovhnento da classe trabalhadora da Eu-
ropa Central, com seu conjunto de sindicatos, cooperativas e serviços populares -
que Michels tinha e111111ente quando for1nt1lot1 a sua ''Lei ele Ferro". Numa organi-
zação assin1, ele afinnou, os organizadores ficavan11nais comprometidos com aso-
brevivência da organização do que cmn a vitória final do proletariado, com todos
os riscos que isso incluía. Ningtté111 deveria ficar surpreso se a militância do movi-
mento se dispersass'e, un1a vez conseguida a representação para as classes mais bai-
xas. Não seria surpreendente que aparecesse utn grupo de competidores.

O contramodelo anarquista
Enquanto os social-democratas ale~11ães estavain çonstruindo um "estado den-
tro de u1n Estado", outros estavan1 desenvolvendo modelos organizacionais dife-
.rentes para desafiá-lo. O desafio mais sério partiu dos ·anarquistas,' cuja teoria e
prática políticas se opunham à social-democracia em todos os sentidos. Onde os
social-democratas eram liderados por políticos e intelectuais e·visavam assumir a
direção do Estado burguês e!ll nome de tral:Jalhadóres disciplinados em organiz-a-
ções formais, os anarquistas desconfiavam da política · e procuravam destruir o
Estado a partir da base. A democracia social -foi repudiada como "autoritária" e
seus líderes severamente criticados como traidores da causa . .
Os anarquistas resistiram à tendência de se tornar um partidO'. Seu modelo or-
ganizacional instintivo vei9 d~ Proudhon, cujq teoria ~firmava qüe -µma rede de as-
sociações de trabalhadores, democraticamente organizados e informalmente liga-
dos numa federação voluntária, poderia eventualmente substituir tanto o Estado
como o capitalismo 43 • Mas, na fal~a de 'u:1=11 moqelo organizacional. como o de seus
opositores, eles cresceram rapidame:qte através de formas var~adas em diferentes
partes da Europa, seguindo de perto a~ condições econômicas e políticas locais44.
Foi nos lugares em que as condições econômicas eraiµ mais à~ras~das e as organi-
zações políticas menos desenvolvidas, no leste e no sul da Europa, que o anarquis-
mo se tornou um movimento de massa. Os revolucion~rios russos narodniki se in-
surgiram pela primeira vez contra a estrutura de poder czarista, imaginando que
sua coragem e bravura despertariam o potencial de revólta que acreditavam estar
adormecido nos camponeses. Os últimos reagiram co~ indiferença, se não com
hostilidade, e esses populistas ganharam apenas longos períodos na prisão e tristes
memórias. O que restou do sonho populista foi transformado, primeiro, nun1a

43. Materiais básicos sobre este movimento pouco compreendido serão encontrados em Anarchism:
From Theory to Practice, de Daniel Guérin. • The Ana.rchists, de Irving Louis Horowitz (org.). • The
Anarchists, de James Troll,.
44. Na Inglaterra, onde os impulsos revolucionários estavam muito adormecidos por volta dos anos
1870, a principal tendência era uma forma resistente de socialismo de "corporação,,. Onde o anar-
quismo deu lugar ao sindicalismo, como na França, o resultado foi uma mentalidade de estéril obrei-
rismo- a convicção de que a revolução social surgiria dos instintos saudáveis da classe trabalhadora ..

163
. d· • Partido Social Revolucionário __, o maior a
rede de grupos terronstas e, ep01s, no e: _ ... ._ _ .b .
. C .• • t-· d 1918 nias nao tao forte quanto os . olchevi-
surgir da Asse111bleia onst1tu111 e e ,
ques de Lenin. · d , 1 1" ·
, d 0 d 1'f "-nte · Caçà os pe a po 1c1a e pela
Na Itália, a história terminou de 111~ _ eie · , . _ . . _ _ s
. ._ •t· 1· • se fechannn e1n celulas compactas, onde tra-
autoridades os a11arqtnstas 1 a ian 05- · e: d
' . , . . .. 1 •· v·an a detru bada do Esta o. Cotno escreve
1navam esquentas utop1cos e p aneJa 1
Daniel Guérin:
Deu-se 1-'b a· d ·, douti·inas utóIJicas,
1 er a e as . , cft.1e combinavam antecipa-
- prema turas e evocações nostálgicas de . uma
çoes . era dourada ...
_ Os.
· t cecllar·ain
anarqms as se 1• em si mesmos, orgamzaram-se

para a açao
• •
di-
reta em pequeno S grupo s clandestinos
; que eram. facilmente mfiltra-
dos por informantes da polícia (GUERIN, 1970: 74).
Assim como O sonho da greve geral inspiiqu os anarquistas franceses,_a ilusão
de que o Estado se confundia com .as pessoas de -s_eus governantes ~evou os anar-
quistas italianos a se engajar em a~os de violência; m_as uma op.~a ~e ate~tados a
bomba apenas criou suspeitas em toda a esquerda, isolan~o-os ainda mais. Onde
a hierarquia da social-democracia transfqrmou o~.m_o vim~ntos _e m parti4os, a o~ses-
são anarquista pela ação e seu repúdio à organização fizeram deles uma seita.

Polaridades recorrentes
A polarização entre a institucionalização e a ruptura que vimos ·na· social-de-
mocracia e no anarquismo é particular à h~stória europeia, mas·é recorrente na his-
tória dos movimentos sociais modernos. Foi revivida nos ·m ovimentÓs· dos anos
1960, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. No início dos anos 1960, a
maior parte do movimento americano pelos·direitos civis era altamente institucio-
nalizada (PIVEN & CLOWARD, 1977, cap. 4). Das·ruas de Selmâ, a batalha pelos
direitos civis_foi para os grupos de pressão do Congresso e para as organizações de
comunidades vizinhas subsidiadas pelo governo e pelas fundações e logo foi repri-
mida pelas regras do jogo da política comum (cap. 5). Nem mesmo os tumultos
que se ~eg?ira~ ~ morte de Martin Luther King tiraram as organizações principais
pelos direitos c1V1s de seu caminho institucional.
. Na Europa~ nos Estados Unidos se pode ver na Nova Esquerda o mesmo mo-
vimento· no sentido das instituiç~
· oes. Nos d 01s
· 1ugares 1n1c1ou-se
· · · um vigoroso ciclo
d e protestos em que predomina r • · ·
. . . ·. rarn a massa e as 1ormas disruptivas de ação. Mui-
}?5 anv;tas a~encanos contra a Guerra do Vietnã passaram dos movimentos pací-
icosde. ª queima ~e cartões de alistamento, e1n n1eados dos anos 1960 para gru-
pos e interesse publico e gru _ d _ ~ _ _ · , , .
nos anos 1970 e A yos e pt essao pela paz, que floresceran1 na Amenca
1980
urbanos os líde . : d pa~t1r da luta_co1n a polícia e da organização dos pobres
' res estu antis franc .. 1· f . ,.
cas e entraram para . d' eses e Ita ianos orn1aram organizações pohu-
TARROW, 1989). os sm icatos e para o Partido Comunista (LANGE, lRVIN &

164
Mas, .d~ ~11esina fo~·tn~ que o anatquis1no tinha medido seu progresso através
da c01npet1çao con1 a soc1al-de1nocracia, os ativistas americanos mais determina-
dos nos anos l960, críticos da estratégia institucional ele seus antecessores ' dividi-
.

ra1n-se ein organizações radicais para levar a luta para o coração do capitalismo or-
ganizado. E; na Eur~pa Ocidental, partes ela Nova Esquerda, críticas do "longo ca-
minho através das instituições", estabelecern1n línhas de demarcação entre sua
própria nülit~ncia é a n1oderação de seus opositores. Alguns 1 como s~us predeces-
sores anarquistas, acabaran1 e111 células clandestinas de onde lançavam a luta ar-
mada (DELLA PORTA, 1990; 1995, cap. 8); outros competiam pelo apoio dos tra-
balhadores ton1 os sindicatos ligados ao partido. A polaridade do século XIX entre
anarquis1no e social-de1nocracia foi repetida à sombra da Nova Esquerda.

Entre a hierarquia e a·ruptura :


A social-democracia e o anarquismo não foram as únicas formas de organiza-
ção de movimentos sociais que se desenvolv"er~m no século XIX- nem os segmen-
tos radicais e moderados dos movimentos dos anos 1960 monopolizaram o campo.
Enquanto os social-de,moctl!tas irite.r nali~ara~ o movimento na organização, e os
anarquistas reduziram a .organização: à açãq, ·os mo,vin;ientos cívicos americanos,
que combateram a escravidão e oálc~-ol ~ ·ant~~iparam.as causas do voto feminino
e do populismo ag!ário, construíram organizações flexíveis baseadas em estrutu-
ras conectivas _informais que os mantivera_m vivos tanto nos períodos de "vacas
gordas" como nos de "vacas magras". Ajud~das µisso pel~ estrutura do federalismo
americano, essas organiz<:1-çõe? guarda-cht:1va_.frou~a~ coordenaram os participan-
tes na base, sem tentar internalizá-los. Iss.o l~es per~itiu fazer parte das estruturas
e
da vida diária - por exemplo, das ig~ejas - mobilizar ou desmobilizar os apoiado-
res de acordo com as condições políti.cas. Fora:m adicionados "espaços livres",
onde os cidadãos comuns podiam tomar iniciativas· locais que as organizações
mais centralizadas tentariam monopC?lizar (EVANS & BOYTÉ, 1992).
As estruturas conectivàs desses-movimentos iam desde contatos informais en-
tre homens e mulheres com espírito público até igrejas e ordens fraternais, coope-
rativas de fazendeiros e 1novimentos políticos como os populistas. A coordenação
variava desde a comunicação informal entre os militantes, passeios de leitura e re-
uniões de oração até jornais e revistas, fe~erações do Estado e partidos políticos. A
maioria era informal ou econ01nicamente independente, exigindo poucos recursos
para se manter ou nenhum que fosse centralmente controlado.
As organizações fonnais surgem e desaparece1n con1 frequência cíclica, refle-
tindo o entusias1no das ondas de movünentos, En1 épocas de pressão ou desmora""
lização, elas se voltava111 para os laços latentes entr_e amigos e companheiros de
igreja (RUPP & TAYLOR, 1987). O fato de podere1n recorrer a redes sociais e·x is-
tentes lhes possibilitava mobilizar rapidainente os apoiadores e pressionar o Esta-
do através de instituições estabelecidas. Quando as reformas eran1 realizadas ou

165
quando a 111obilização decaía, os ativistas desaparecimn e1n "estruturas latentes" 1

co1110 igrejas ou fraternidades Quando surgia t1111 novo ciclo_de confronto, conta-
tos infonnais servian1 para reviver os velhos laços (BLOCK~R, 1989; Bl!ECHLER,
1986). Até certo ponto, o ativis1110, no ii1terior desses movimentos, cnou redes e
estruturas conectivas para o fututo.
E1nbora organizados de fonna 111ais pennanente que seus primos americanos,
as cooperativas europeias do século XIX seguirmn u1n modelo sem_elha~.te. Inicia-
das na esquerda, sob a doutrina do cristianis1no social, as cooperativas foram ado-
tadas pelos leigos católicos con1 a aprovação da Igreja ..Especia~~~nte e~ s~stemas
sen1iden1ocráticos con10 a Itália ou a Ale1nanha hnpenal, era dificil repnmir asco-
operativas e sociedades de ajuda mútua porque suas funções eram abertamente
apolíticas. Entretanto, elas apoiara1n as atividades socialistas e, em tempos difíceis,
ajudaram a esquerda a manter os laços que poderiam ser revitalizados quando se
abrissen1 oportunidades políticas.

Quebrando a lei de ferro


Tanto na Europa Ocidental quanto rios·Estados Unidos tais organizações frou-
xamente coordenadas prognosticaram um modelá de movimentos democratica-
mente descentralizados, que ós americanos e os europ·e us ócidentais teorizaram
nos anos 1960 e 1970 (EVANS & BOYTE, 1992; ROSENTHAL & SCHWARTZ,
1990). Em 1970, Luther Gerlach e Virgínia ~ine deduziram ~e tais organizações
um modelo de grupos "descentralizados,-segmentados e reticulados'-'. Esses auto-
res entendiam a descentralização como ·a falta de uma única liderança e a ausência
de forte adesão de seus membros. Entendiam por segmentação que o movimento
''é composto por uma grande variedade de· grupos ou células localizadás que são
essencialmente independentes, mas que podem se combinar pàra formar configu-
rações maiores ou diV:idir-se para formar unidades menores" (1970: 41). E, porre-
ticulação, referiam-se à estrutura conectiva em forma de rede, "em que células ou
pontos nã9 são unidos através de um ponto central, mas por conjuntos de intersec-
ção de relações pessoais e outros sistemas de ligações intergrupais" (p. 34-55).
Esses movimentos descentralizados não apenas proporcionavam "estruturas
l~tentes: entre os pe~íodos de mobilização; eles criavam espaços para a participa-
çao autonoma que -~Ju~ava a manter as pessoas envolvidas no movimento, dan-
do-lhes uma expenencia que poderiam usar em esta'g1·0 s poster·1ores. e on10 af·u-
mam Evans e Boyte, no coração dos movimentos democráticos bem d"d ha'
" b. -suce 1 os
am 1entes em que as pessoas são capazes de aprender um ·
. . . . novo autorrespe1to,
uma 1dent1dade de grupo
1 _ mais profunda e 111ais assertiva' , habi'li'd
, aa·es pu'bl'1cas e
d
va ores e cooperaçao e de virtude cívica" ( 199 2: 1 7 -18).
De muitas maneiras, os protótipos dessas organizações desc t 1· d f
. . en ra iza as oram
os grupos d e at1v1stas mandados para o sul pelo segment · • d ·
. . . . o mais Jovem o movi-
mento pe1os direitos CIVIS, especialmente pelo Congress on R · 1E . )
acia qua1ity ( Core

166
e pelo Stude~1t Non-Violen_t Coordinating Cmnittee (SNCC). Mas as mesmas for-
mas inforn1_ai.s e descentralizadas de organização reapareceram nos "novos" rnovi--
111entos sociais dos anos 1970 na Europa Ocidental, que retomaram muitos dos te-
mas de seus an\ecessores a111ericanos (CALHOUN, 1995; D'ANIERI; ERNST &
KIER, 1990) · Cnando un1a variedade de inovações organizacionais, eles insistiram
nas virtudes da descentralização contra o 1nonopólio do poder pelos partidos cen-
tralizados de burocratas: Se eles exageraram na "novidade" de seus movimentos,
não era nada alé1n do que fazia cada movhnento novo.
Os organizadores da con1unidade americana estenderam o modelo de organi-
zação descentralizada; segmentada e reticular para o ativismo prático na matriz em
desintegração da cidade americana Teorizada inicialmente por ativistas como Saul
Alinsky (1971) e Harry ,Boyte, as organizações de ação comunitária assumiram
uma variedade de fo_rmas, inclusive organizações de associação individual, coali-
zões e org~nizações com base na Igreja (McCARTHY & CASTELLI, 1994)45 • Ades-
centralização foi ta~bém o lerp.a _de muitas organizações de mulheres que evoluí-
ram a partir _d os movimentos dos anos 1960 (FEREE & MARTIN, 1995).
Também na Europa Ocidental, até grupos formalmente organizados como as
organizações ambientais üalianas ·estud~das por Diani, desenvolveram laços infor-
mais (1995). Na França, formaram-se coordenações radicais para competir com as
grandes confederações sindicais ligàdas ao partido. E~ na Alemanha, as organiza-
ções das comunidades locais forneceram·serviços e pressionaram autoridades lo-
cais, de modo semelhante às práticas da nova geração de ·organizadores de comuni-
dade nos Estados Unidos. ·

A tirania da descentralização
Eiitretanto, os padrões flexíveis de organização como os aqui descritos têm os
defeitos de suas virtudes. Ao mesmo tempo em que incentivam a autonomia da
base e revigoram os ativistas com sua aura de participação, eles permitem - de fato
encorajam - uma falta de coordenação e de continuidade. Por exemplo, enquanto
as mulheres do Campo de Paz Greenham Common se defenderam do exército bri-
tânico por meses durante o movimento pela paz de 1980, sua devoção à burocracia
interna levou-as a amargas discussões sobre deixar ou não que companheiros dor-
missem lá (ROCHON, 1988: 82). De modo semelhante, nos grupos de mulheres
estudados por Judith Hellman, na Itália, o persortalisn10 passou a ser tuna espécie

45. Entretanto , os tipos que se desenvolvem :inaís rapidamente são os mais centralizados: federações
de congregações religiosas. Ligadas nacionalmente por ''redes" bem organizadas, "organizações de
comunidades baseadas na fé são significati.vmnente mt\iS efetivas elo que as outras em obter poder or-
ganizacional, transmitir técnicas e um sentido de eficiência aos membros e formar coalizões inter-ra-
ciais" (SWART, 1997: 2).

167_
. . d.f, ·1 tonrnda de decisões formais e deixou excluídas as
de "tirania" que tornou 1 1c1 a ,
não-iniciadas (1987: 195-196).
. . t . • con10 fizeram. seus predecesso-
Esses grupos ta1nbé1n não'podenain se 111ª11 et' . . d'
,, 'greJ·as cooperativas ou s1n 1catos
1
res, através de "estruturas latentes c01no ' ' • • • • _ •

· t~ eia social se1n1gove1namenta1s; acenando


1

Alguns se tornaran1 grupos d e assis en ' _ . .. . .


, . d ··d d 1 ·s e r·otinizando suas atividades, m1:11tos se recolhe-
subs1d10s . as auton a es oca1 - - d ·1 d 'd
, . . d r . d seus valores e1n escolhas e estl os e v1 a; al-
ra1n a vrda pnva a, trans1onnan o . .·~ d . _
g
uns se dividira111 con10 resultado natural da froux1~ao e ~udas orgdan1zaçoes
·raro a vános parti os ver es cons-
(MEYER, 1990); outros eventua11nente se uni . . . _ ,
• d · -
tru1n o organ1zaçoes 1or e mais e apresentando candidatos nas ele1çoes, embora

continuassem a negar sua natureza institucional.


· 1 democracia europeia resolveu o problema da coordena-
Enquanto que a soe1a - .
ção encerrando a classe trabalhadora e~ organizações pe~manentes e, 0 _5 an~rqu1s-
tas tentaram inspirar a revolta das massas organizando ataqu~s dra~aticos a auto-
ridade os movimentos comunitários floresceram porque nao precisaram de ne-
nhum 'esforço organizado especial par'a mantê-~os no tempo e no espaço. Sua fra-
queza decorre de que a autonomia na base exclui algumas ~ezes fo~~es laços c~nec-
tivos entre o centro e a periferia, tornando di~íciLpara os lideres a 1mpl~ntaçao de
estratégias coerentes.

Inovações organizacionais
A década dos anos 1960 foi uma linha divisória para a inovação organizacional,
mas não apenas porque produziu uma enorme onda de movimentos novos. O perío-
do presenciou o desenvolvimento de inovações internas nas organizações dos movi-
mentos que sugerem uma dinâmica mais diferenciada de mudança em relação ao que
os estudiosos já haviam descoberto. Esses movimentos também surgiram em meio a
mudanças tecnológicas e sociais em todo o mundo, o que lhes deu conexões e recur-
sos novos e ampliados, e com os quais os organizadores puderam trabalhar.

Recursos externos
O fato novo externo mais importante foi a expansão e a disponibilidade da mí-
dia de massa, especialmente da televisão. As passeatas pelos direitos civis em que
os participantes enfrentaram cães policiais e mangueiras de água, a queima pública
de cartões de alistamento feita pela Nova Esquerda e o espetáculo de ativistas ho-
~ossexu~i~ e lésbicas "~ainda do armário": o apetite da televisão por imagens visu-
ais dramatrcas era um instrumento cultivado e explorado pelos organizadores de
movimentos. Se podiam transmitir suas mensagens para milhões de pessoas atra-
vés dos programas de televisão, encorajando alguns a seguir O seu exemplo e mui-
tos a encarar com simpatia suas reivindicações, era possível criar um movimento
sem arcar com os custos de construir e manter organizações de massa.

168
U1n segundo conjunto de 1nudanças gira em torno de uma maior quantidade
de dinheiro, t~n1po livre e habilidades disponíveis para os jovens nos anos de cres-
ciment?_do pos-guerra (McCARTHY & ZALD, 1973~ 19_77). Não foi apenas a ren---
da fanuh~r que cresceu substanciahnente e1n todo o Ocidente; por volta dos anos
1960, os Jovens se tornarmn alvos do 1nercado como consu.midores de mercadorias
e era1n vistos con10 o centro de tuna nova cultura jovem (McADAM, 1988: 13-19).
Tanto na Europa con10 na A1nérica un1 nrnior número de jovens estava indo para
as universidades, onde tinha111 n1ais te1npo livre e eram expostos a correntes mais
amplas de ideias do que os jovens do passado. Isso produziu, no mínimo, mais "par-
ticipantes conscientes potenciais'' que podiam dar número e habilidades aos movi-
mentos das 1ninorias (MARX & USEEM, 1971) e)nuítos outros que podiam sus-
tentar a dedicação a "questões distantes" (RUCHT, 1996),
Um terceiro conjunto de mudanças externas refere-se aos recursos financeiros
e administrativos disponibilizados para alguns movimentos·por fundações, gover-
nos locais e até, em alguns casos, por grup~s profissionais e civis QENKINS &
ECKERT, 1986; ·McCARTHY & ZALD, 1973) 46 • Paiticula"rmente no que se refere
às "organizações não-governamentais;' do Terceiro Mundo que floresceram nos
anos 1980, as maiores fontes de recursos foram as fi.indações·americanas e europeias
ocidentais, assim como o foram as Nações Unidas e·alguns grupos internacionais
pelos-direitos humanos (KECK & SIKKINK, 1998a; 1998b; SMITH; CHATFIELD
& PAGNUCCO, 1997). .

Inovações internas
Os organizadores não foram beneficiários passivos dessas mudanças externas.
Eles foram rápidos em tirar vantagem de alguns avanços na comunicação e no le-
vantamento de recursos c~ino faziam os 'grl)pos.pol\ticos e de interesse mais con;..
vencionais - primeiro através do mimeógrafo, depois através d.e mala direta com-
putadorizada e, mais recentemente, o fax, a filmadora e o uso da internet. Como
resultado dessas e outras mudanças, os organizadores. podem agora preparar eco-
ordenar a ação coletiva através de uma grande extensão de terrttório em competi-
ção com os partidos, grupos de interesse e governos.
As organizações dos movimentos também aprenderan1 a recorrer ao poder das
celebridades - astros do rock, cantores Jolk e estrelas de cinema que e1nprestaram
seus nomes e talentos às campanhas dos movimentos (NELKIN, 1975). Os movi-
mentos das feministas e dos hmnossexuais nos anos 1980 passarain a depender
cada vez mais dos serviços profissionais de advogad9s feministas ou homossexuais,

46. Observe-se queJenkins e Eckert, em seu "Channelling Black Insurg~ncy", constatam que O apoio
de fundações não coincidiu com a fase mais insurgente elo movimento pelos direitos civis, mas com a
fase mais institucionalizada e moderada do fim dos anos 1960 e início dos anos 1970.

169
que dava1n u1n t01n de legalidade a n1uitas de suas atividades (D'EMILIO, 1992:
192; MANSBRIDGE, 1986).
A profissionalização não erà nàda de novo para a amplà gaina_de partidos_e mo-
vünentos do passado; foi isso que preocupou ·Miehels ein relaç~o ao SPD. Mas o
que ve1nos hoje é un1 11.ovo tipo de profissionali.z?ção, não d~pen~ente_~e or~ani-
zações grandes e burocráticas: a difusão das l~ab1hdades ~elat~vas a _orga~1zaçao e à
c01nunicação entre os 111ovünentos ativistas. A posse 1nu1to chfundida_dessas habi-
lidades torna possível 1nobilizar de repente u1na a1npla reserv: de_apow, permitín-
do que as organizações dos n1ovin1entos possatn ser, a um so !e·~ po, pequenas e
profissionais 47 • Mas a profissionalização ta111bén1 difunde as atividades dos movi-
mentos na sociedade mais ampla.

Déficits de capital social? .


Se a afluência e a comunicação de massa _d eram novos recursos e oportunida-
des aos organizadores dos movimentos; elas privaram -os movimentos, por outro
lado, de uma participação estável na base com que os movimen_tos de ·· antes da
guerra podiam c9ntar. As pessoas .que veem televisão à noite e saem para longos
fins de semana estarão menos interessadas ·em ir a .reuniões e caminhar em de-
• f: ' •• - •

monstrações de domingo do q-qe seus pais _(ALLARDT, 1962). Enquanto -alguns


movimentos, como os dos comunistas franceses e italianos, tentaram manter suas
estruturas formais quase até os anos 1980, a participação tornou-se cada vez mais
formalista e logo se tornou mais caro mantê-los do que abandoná-los (HELL-
MANN, 1988).
Estão as organizações dos movimentos sofrendo de um déficit de capital so-
cial? Numa -5érie de trabalhos não centrados diretamente nos movimentos Ro-
bert Putnam percebeu um nível declinante de participação social ria sociedade ' a-
48
mericana (PUTNAM, 199.5) . Putnam descobriu uma forte correlação entre a in-
tromissão da televisão na vida privada é a tendência dos americànos se retirarem
das ativí~~des de grup_o _e da interação corri os _outros. A mesma tendência de per-
dere_~ afrl~ados e participação ativa foi notada na França em
relação aos setores
t~adicwnais de organização voluntária, apesar de sua longa tradição de militân-
cia (ION, 1997).

47. Os indícios sugerindo que as novas or aniza - d . ~


bros hoje do que no passado veÁm do t b lgh d çoes e movimento tem um menor número de mem-
. ra a o e Hanspet 1· K · · b
VIme~to em quatro democracias euro Jeias ( . ~ nesi so re a~ novas organizações de mo-
1996
orgamzações criadas desde l 96S ti·nl 1 , ) · Knesi descobre que, a exceção do Greenpeace, as
-1 am um numero ele b •
tes desta data (p. 172). mem ros muito menor do que as criadas an-
48. O núcleo do trabalho empírico ele Put -
Robert Leonard1. e Rafaella Nanetti p bl' nam, entretanto foi n It -1· d
, . , a a ia, on e ele e seus colaboradores
. Democracy Worh.
Makmg u 1caram um sohdo estu d O so b re o conceito de capital socia
· l··

170
Entreta1~to, o efeito_ d_este declínio de "capital social" pode ser menos severo
para os 111 oVIn1entos soc~ais do que para as associações voluntárias. Enquanto estas
dependen1 da participação cànstante de seus 1ne1nbros, da manutenção de ativida-
des no interior das instituições e da distribuição de incentivos seletívos, as princi-
pais atividades das atuais organizações de 111ovimentos são periódicas: demonstra-
ções de massa rapidainente organizadas, ações disruptivas em pequena escala rea-
lizadas por grupos de 111ilitantes treinados e atividades para ganhar publicidade
junto à 111ídia. N enhu1na dessas exige u1n trabalho ininterrupto dos participantes,
mas sin1 da capacidade de reunir o apoio da 1n.assa para performances breves e fre-
quenten1ente excitantes . .
Considere uma das n1ais be1n-sucedidas dentre as novas organizações de mo-
vimentos a111ericana, a "Promise Keepers", que criou um grupo de pessoas que se
opunha à igualdade entre os sexos - especialmente no interior da família (C0NA-
S0N; R0SS & COK0RIN0S, 1996). Capazes- de reunir centenas de milhares de
homens em assembleias quase revivalistas em estádios d~ (utebol, a organização é
dirigida por um peq1:1eno grupo n~cional aliado. _a ·algumas organizações .funda-
mentalistas cristãs com-ideias simil~res que -atµam :µa base-, através do que ela mes-
ma chama de "pequenos grupos" de .atividade~.
Além das fronteiras nacionais, organiz~ções igualmente leves, baratas de man-
ter, mas altamente profissionais podem setifvistas na$ "redes temáticas transnacio-

nais", estudadas por Margaret Keck e·Katherine Si~kink (cf. cap. 11). Focalizando
apenas um tipo de questão -: _;•direitos humanos, ambiental, direitos femininos ou
direitos dos povos indígenas - essas redes transnacionais têm organizações frágeis,
mas podem tornar-se ativas de fato em'relação a temas isolados devido a seus laços
com agências doadoras, fundações e grupos de movimentos em países específicos.
Um padrão internacional de organização de movimentos ·parece estar surgin-
do: uma combinação de pequenas lideranças profissionais, um apoio de massa am-
plo mas principalmente passivo e redes imp~ssoa~s de estruturas conectivas. Neste
padrão, os membros da organização se comunicam pelo corr~io, fax ou e-mail com
os líderes e participam, por procuração·, de greves-relâmpago pequenas, mas efici-
entes, realizadas por núcleos militantes. O protótipo deste modelo .é, naturalmen-
te, o Greenpeace, que diz ter milhões de membros, mas que, de fato, limita o seu
papel principalmente a contribuições financeiras e depende de un1 pequeno nú-
cleo de militantes profissionais para suas incursões dramáticas no mar*.
Em resposta aos problemas de obter amplas bases de apoio sen1 ter que cons-
truir grandes organizações, muitos moviineiitos "franquearan1" organizações locais
que permanecem independentes, m.as usain o n1esn10 non1e da organização nacio-

* Sou grato a Hanspeter Kriesi por esta observação.

171
nal e recebe111 sua publicidade con10 pagamento por contribuições financeiras e
por cooperação en1 can1panhas conjuntas (Mc:CARTHY & ·woLFSON 1992). A
franquia permite que unrn pequena organização "guarda-éhuva" nacional coorde-
ne as atividades de unia base 111uito 1naior se1n gastár recursos escassos na manu-
tenção de estruturas conectivas for111ais de ttina grande organização de massá. Urn
caso espetaculan11ente be111-sucedido deste tipo de franquia foi o do Comittee for
Nuclear Disan11an1ent ( CND); na Inglaterra, nos anos 1980 (MAGUIRE; 1990).
Alé1n da franquià, 111uitos 111ovü11entos conte111porâneos recorreram aos recur-
sos de organizàções e associações aliadas que não foram criadas especificamente
para a ação coletiva. Isso pernlitiu que usasse111 as infraestruturas de organizações
mais estáveis e 111obilizassem pessoas, por curtos períodos, que não estariam inte-
ressadas nu111 ativismo permanente. O papel das igrejas nas campanhas holandesas
pela paz nos anos 1980 e a igreja negra na América do Sul mostram corno as orga-
nizações dos movimentos podem acessar os recursos de grandes instituições não
baseadas em movimentos (KLANDERMANS, 1997, cap. 6; MORRIS, 1984).
Os movimentos frequentemente se desenvolvem .no interior de instituições,
usando suas estruturas e ideoJogias para desenvolver contatos en·t re redes de dissi-
dentes e empregando suas ideologias...:.. concebidas ·literalmente - contra seus por-
tadores oficiais (ZALD & BERGER, 1978). Com sua ampla estrutura e seu dogma
oficial, a Igreja Católica abrigou por muito tempo·rnovimentos ·heterodoxos emer-
gentes. Nos anos 1960 e 1970, desenvolveram-se as "comunidades de base" cristãs
na Europa católica (TARROW, 1988) e na América Latina (LEVINE, 1990); mais
recentemente~ urn movimento pela igualdade dos _sexos desenvolveu-se no setor
historicamente mais passivo da Igreja ·americana-: suas-ordens monásticas femini-
nas (KATZENSTEIN, 1998).

Campanhas e coalízões
Se as organizações de movimentos mais leves, mais novas e externalizadas
aqui ~:scrítas têm u~a fraqueza principal, ela é sua falta de núcleos perma_n entes
de at~VI:S ta s na base. E em parte por essa razão que elas cultivam laços com grupos
q~e tem as ~esmas concepções, tentando compensar a fraqueza de suas bases atra-
ves da reuniao
_ de grupos
, . . concentra d os em 1ugares e ocasiões
· estratégicos en1 torno
de questoes especificas · · Nos E t d U •a .
s a os ni os, as coahzões contra a guerra no fim
d os anos 1960 os movimentos pr, b . ·
d ' · o-a orto nos anos 1980 e o movimento pela paz
esenvo1veram esta técnica de colab - d
tes dos anos 1960 d ·a . . oraçao e campanha en1 alto grau. Mesmo an-
çoou a técn· d ' evi o a. sua fraqueza · nu menca,
, .· ·
o 1nov1n1ento ·
pela paz aper f e1-
·
1992) p ica ed se organizar · · ·
atr , d 1 ·
aves e cainpan 1as coordenadas (KLEIDMAN,
. or vota 1 os anos 1970 e T
Estados Unidos " . d ' screve om Rochon, tanto na Europa como nos
, multas elas eram · fed eraçoes
- d e organizações
• existentes, reuni-.

172
das para tirar vantagen1 de novas possibilidades para a mobilização" (1988: 79)49.
Por volta

dos anos• . 1980 ' as can1pa1
e
11
1as e1e coa l;tzoes
- eram a principal estratégia
· do
movtmento amencano contra a produção de armas nucleares (MEYER & RO-
CHON, 1997).


As organizações an1bientais fr·eq uente1nente
A ,. • _
• • . Juntam
· . . · forças para pressrnnar
· au-
tondªdes ou par~ or~anizar Earth Days de massa ou passeios verdes Embora mui-
tas dessas organizaçoes tenha1n profundas diferençàs ideológicas - por exemplo,
entre grupos de conservação tradicionais e ambientalistas radicais - as conexões
inf~rmais entr~ 0 ~ se~s ativistas pennitem que elas sejam ultrapassadas. Mesmo na
Itáha, onde a distancia entre as culturas católica e marxista já foi profunda, Mario
Diani desco~riu que os laços informais entre membros de organizações ambientais
diferentes aJudara1n a desenvolver uma identidade coletiva comum entre seus
membros (1995).
A prática de campanhas conjuntas por coalizões de organizações é tão usual
queJurgen Gerhards e Dieter Rucht cunharam·uma nova palavra para descrevê-la-
"mesomobilização" (1992). As duas Càmpanhas ·que eles estudaram. em Berlim ti-
nham uma flexibilidade organizacional que pgrmiti~ o afloramento do pluralismo
ideológico, social e político. Eles ·organiz_aram u~a variedade de atividades, dando
a cada grupo a chance de salientar seus interesses pariiculares e não se sentir perdi-
do na multidão. Mas, quando a ·c·ampanha- terrrtina_va, n~o restava nenhuma orga-
nização permanente.
Campanhas similares organizadàs por coalizões ·de organizações surgiram re-
centemente nas políticas -francesa e americana. Na França, a campanha contra a
Frente Nacional fascista em Í997mostrou um padrão de rápida coordenação edis-
solução, semelhante ao que Gerhards ~ Rucht encontraram na Alemanha • Em
50

Washington, D.C., e1n 1993, uma grande marcha de protesto de homossexuais e


lésbicas, sob a liderança frouxa de uma coalizão de organizações, foi organizada
em favor dos direitos dos homossexuais e contra a discr_iminação. Os laços infor-
mais entre os membros de diferentes organizações em campanhas de protesto po-
dem eventualmente produzir redes sociais mais amplas e uma identidade coletiva

49. Por exemplo, 0 Comitê Holandês contra os mísseis Cruise reuniu pelo menos dez grandes organi-
zações de paz, além das maiores federações sindicais e os partidos de esquerda principais, numa série
de demonstrações nacionais de paz. Ver Mobilizingfor Peace, de Rochon, P· . 79-80. • "From Peace
Week to Peace Work" de Schennink. Ver também "Organizations anel Coalitions in the Cycles of the
' '
American Peace Movement", de Robert Kleiclmamn, e seu livro Organizing for Peace: Neutrality,
the Test-Ban and the Freeze.
50. A Frente Nacional convocou o seu congresso nacional para a cidade de Strasbourg, onde um prei-
to socialista aderiu a uma coalizão de organizações ele todo o país em apoio a uma demonstração de
massa antifascista. Ver Le Monde, .31/03/1997. Agradeço_ajonathan Lawrence pelos dados sobre esta
demonstração.

173
mais abrangente entre os 111e111bros de diferentes organizações ele movimentos
(DIANI, 1995).

Difusão organizacional e diferenciaçfw


A a111pla variedade de padrões organizaci01:ais ~ue ~emo~ a~ua:J.-mente nos mo-
vhnentos sociais nos leva a exaininar con1 111a1s cuidado ª dinam1ca da mudança
organizacional. O livio fron Law of Oligarchy, de Michels, ajudou-o a entender a
dinâ1nica da 1nudança en1 organizações social-democratas na virada do século, à
111edida que elas passaram da condição ele pequenos grupos de núcleos de base
para grandes organizações de 111assa e se enrijeceram em sindicatos institucionali-
zados e partidos. Mas ele não' explicou ne1n a lógica muito cliferente do anarquis-
1110, nem os grupos de base que se desenvolveram na Améri~a do século XIX nem
os m.odelos organizacionais diversificados que vemos hoje. E por isso que Michek
tinha em 1nente apenas un1 modelo organizacional: o tipo que tentava incorporar
as estruturas conectivas de um movimento·em organizações grandes, centralizadas
e burocráticas e a controlar a ação coletiva .na base.
Como já vimos, o espectro de organizações· de movimentos nunca foi simples, e
as mudanças no mundo do pós-guerra complicaram·esse quadro ainda mais. Em res-
posta a esta complexidade, e baseado no amplo espectro ele "novos" movimentos so-
ciais que estudou na Europa Ocidental, Hanspeter Kriesi propôs um painel mais am-
plo de tipo~ organizac;ionais (1996). Na concepção de Kriesi, as' organizações clássi-
cas demovimentos sociais (SMOs) combinam dois.fatores: a participação direta dos
elementos na ação e uma orientação que faz reivindicações às autoridades.

Figura 8.1 - Tipologia de organizações relacionadas a movimentos ·

TIPO DE PARTICIPAÇÃO

ORIENTAÇÃO Indireta Direta

Componentes Firmas autônomas Grupos femininos de


cooperativas _ ' autoajuda

Partidos Verdes Movimentos


Sociais

Fonte: Adaptado de KRIESI, Hanspeter Kriesi. "The Organi t" 1


ments in a Politícal Context", ln: McADAM, D. & McCÀRT~~ona ; ~ructure of ne,~ Social Mo:e-
1
on Social Movements. Cambridge: Cambridge University Press, ~\~ -gs.). Comparative Perspectives
3

Mas este é apenas u1n Üpo de organização orientad . . .


. . _ · _a para movimentos Knesi
identifica três outros tipos que vanam tanto na dimensã 0 d . . .'
a part1c1pação dueta ou

174
l·ndireta
dos
~
elementos
. co1no_ dirigen1 ·suas ati·vi·dad
, es .pnnc1pa , autori'da -
. , 11nente as
des ou Pª1 .ª ª sociedade. I~so produz u1na tipologia de quatro células de organiza-
ções ~elac10nadas a n1ov1111entos, que é reproduzida na figura 8.1 com alguns
exemplos de cada un1 .
. A tipologia d~ Krie~i nos pennite exailiinar difetentes tipos de organizações re-
lacwnadas ª inovune_nto~ s~n1 relegar nenhutna delas a uma categoria residual. Por
exemplo~ 0 ~ gru~os _fenuninos de autoajuda estudados por Verta Taylor não têm
como objetivo pnncipal construir consenso en1 torno de objetivos comuns (TAY-
LOR & VA~ ~ILLIG~N, 1996). De 1nodo inverso, os partidos verdes europeus e
os grupos pubhcos de interesse norte-a1nericanos que derivaram dos movimentos
dos anos 1960 não participan1111ais da ação direta, 1nas se dirigem às autoridades
públicas ~ compartilhan1_~1uitos dos 9bjetivos 1os ·movímerttos que lhes deram
origem. Finalmente, o assim chamado setor autônomo que ·se desenvolveu na Ale-
manha Ocidental nos anos · 1960 n~o envolve nem a participação direta dos ele-
mentos nem é dirigido para as autoridades, mas oferece serviços que têm ajudado a
preservar "espaços livres", distantes da lógica do ·mercado. ·
Além de nos ajudar a considerar um âµibito ·m~ior de organizaçqes relaciona-
das a movimentos do que normalmente se inclui nos e~tudos sobre movimentos
sociais, a tipologia de Kriesi tem outras duas 'utilidadesq Primeiro, ela sugere um
meio de acompanhar a difusão organizaci6náh10 interior dos movimeIJ-tOS sociais,
porque muitos dos tipos de organização que ela indica _s_e desenvolveram historica-
mente a partir do tronco principal das·organizações clássicas de movimentos so-
ciais dos anos 1960 (SMOs). Segundo, ela pode ajudar a entender como a~ organi-
zações de movimentos relativamente pequenas-;.
fracas ·e não permanentes
. I
atuais
podem, de repente, mobilizar apoio para grandes manifestações: ao manter relações
informais com ativistas nesses outros tipo? de organiz~ção, os militantes nas SMOs
clássicas podem recorrer a eles para prepara;r manifes_tações quando surgem opor-
tunidades ou ameaças políticas. A "mesomobilização" de Gfrhhards e Rucht tira
sua força não apenas de coalizões de SMOs, mas d~ a.lianças e de relações amigáveis
entre as SMOs e outras formas de grupos orien~ad9s pa~a movimentos.
Esta perspectiva também sugere a variedade de modos pelos quais os militan-
tes de movimentos podem ''sair" do ativismo para espaços menos exigentes sem
abandonar seus objetivos. Ao aderir a grupos de autoajuda, trabalhar para organi-
zações de serviços e apoiar partidos e grupos de interesse ligados por um tecido co-
nectivo a seus movimentos de origem, os ativistas podem n1anter seus contatos
com velhos camaradas em organizações de 1novimentos, ficam disponíveis para a
mobilização em tempos de pressão ou de oportunidade e mantêm acesa a chan1a
do ativismo para outro 1n01nento.

Conclusões
Não há um único 1nodelo para a organização de un1111ovimento. A heterogenei-
dade e a interdependência são estímulos n1aiores para a ação coletiva do que a ho-

175
1nogeneidade e a disciplina. A incorporação da classe trabalhadora europeia em
partidos de 111assa e e111 sindicatos foi u1na solução de longo prazo ~ue deixou os
trabalhadores despreparados para o confronto el~ momentos de cnse. contra- ?
n1odelo anarquista foi 1u11a arma otganizacional de curto prazo que deixou seus
proponentes isolados de sua suposta base e ofereceu pouca .in~rae~tru tura_a ~ongo
prazo. Inovações atuais de grupos transitórios, grupos profisstona~s de movimen-
to, organizações descentralizadas e can1panhas de coalizões são vana~?es e combi-
nações dessas expetiêli.cias. O que está por trás das 1nais bem-sucedidas é o papel
do tecido conectivo infonnal que funcionà dentro dás organizações formais de
n1ovü11entos e entre elas.
Tais 111ovilnentos não poden1 ser fonnados de repente e nem podem ser manti-
dos em estado pennanente de prontidão. O dilema das organizações hierárquicas
de 111ovin1entos é que, quando incorpo1:am pennanent~I?-ente ~uas bases, elas per-
de1n sua capacidade de ruptura, mas, quando se dirigem para a direção oposta, fal-
ta-lhes infraestrutura para manter uma interação s~stentada com aliados, autori- _
dades e apoiadores. Isso sugere um equilíbrio delicad_o entre organização formal e
autonomia - que só pode ser superado por estrüturàs CO!lectivas fortes~ informais
e~oh~~~ic~. · · ·
É preciso manter um equilíbrio igualmente.delicado em relação ~os outros po-
deres nos movimentos q.iscutidos nos três capítulos anteriores. · No cap. 5 vimos
que os movimentos se formam no contexto de u_m a ampliação de oportunidades e
uma diminuição das restrições; mas, ao gerar oportunidades para outros e para os
opositores, os movimentos podem c·r iar as condições para súa própria irrelevância
ou repressão.
No cap. 6 vimos, de forma semelhante,- que é a ruptura....:. e não a violência ou o
confronto- que caracteriza ós movim~ntos revoltosos. Mas í!3-queles·que dependem
apenas da ação disruptiva de massa se arris~am a entrar em conflito com a polícia e
a degenerar em violência, enquanto qüe aqüeles que adotam formas convencionais
de ação podem sofrer com a cooptação de seus objeti~os e decair à medida que os
ativistas desertam .
. De =11odo paralelo, o cap. 7 mostrou que os quadros interpretativos da ação co-
letiva sao também construídos sobre um equilíbrio instável: entre mentalidades
h_erdadas, mas ~assivas, e novos elementos orientados paia a ação, mas desconhe-
cidos. Os movimentos que dependem apenas de símbolos culturai~ testados e
aprovados perd~~ sua capaci~ade de revolta, enquanto aqueles que propõen1 radi-
calment_e novas transfon~.a~oes d~s enquadramentos interpretativos" podem per-
der apo10 porque seus obJet1vos nao são bem conhecidos. Os movimentos ficam
sobre um fio de navalha entre a institucionalização e O isolan1ento.
O cap. 7 também explorou a hnportância da identidade coletiva ria forn1 ação e
na manutenção de um 1novünento. A identidade coletiva, seja herdada corno iden--
tidade de categoria ou criada nos conflitos con1 os opositores, é um processo cru--

176
. 1na formação de movimentos, mas contém em seu interior as sementes do isola-
eia .
sectansmo e "o crepuscu
, 1o de sonhos cmnuns" (GITLIN 1995).
nto
rne ' . O ,
Isso significa que os movimentos sociais são fadados à instabilidade e eventual
desaparecimento? Q~ando considerados em separado, as dificuldades que experi-
mentam na sust~ntaçao de co~ontos com opositores, na manutenção de uma am-
la base de apoio e na contençao das tendências à divisão sugerem tal resultado.
p . . t
Mas, de fato, os movimentos raramente aparecem sozinhos; mais frequentemen e
aparecem em g~pos, e é na espiral crescente dos <:idos de confrontos que aconte-
cern os seus ma10res sucessos. Voltaremos a esses ciclos quando começarmos a ana-
lisar os resultados dos movimentos.

177
9
Ciclos de confronto

Seja qual for a origem das reivindicações do confronto, são as oportunidades e


restrições políticas que as transformam em ação. Elas produzem movimentos so­
ciais disponibilizando conhecimento e repertórios flexíveis de confronto; desen­
volvendo quadros interpretativos de ação coletiva e identidades coletivas, e cons­
truindo estruturas de mobilização em torno de redes sociais e de organizações.
Embora as oportunidades e restrições em seus ambientes deem aos desafiantes in­
centivos para a mobilização, são os seus recursos culturais, organizacionais e práti­
cos que constituem a base dos movimentos sociais.
Entretanto, estão faltando três coisas nesta imagem de dois estágios do con­
fronto e da formação do movimento. Primeiro, ela lida com movimentos sociais
como se eles surgissem, fizessem reivindicações e evoluíssem totalmente por si
mesmos. Segundo, ignora o fato de que a mudança das oportunidades e das restri­
ções não é interrompida com a deflagração da ação coletiva. Terceiro, deixa as au­
toridades de fora, que não ficam passivas enquanto os desafiantes contestam seu
governo: elas reagem fraca ou fortemente, de modo seletivo ou geral, de forma in­
teligente ou estúpida diante da emergência do confronto, estabelecendo um pa­
drão de interação que afeta também outros desafiantes.
Esses fatores adicionais estabelecem ondas de confronto maiores do que os
movimentos individuais, objeto de estudo de muitas análises acadêmicas sobre o
confronto político. Quando combinados, eles determinam se uma explosão de
confrontos vai dar em nada ou se amadurecerá formando um ciclo - ou mesmo
uma revolução. Este capítulo dedica-se a entender quando e como o confronto se
amplia e forma ciclos gerais.
Um aspecto especial em relação ao caráter cíclico diz respeito às diferenças en­
tre ciclos de confronto e ciclos revolucionários ( GOLDSTONE, 1997). Embora
não possamos estudar as revoluções em detalhe neste espaço, a distinção nos aju­
dará a questionar se uma única dinâmica cíclica pode ser usada para descrever to­
das as ondas de confronto; ou se os ciclos revolucionários são tão diferentes de ou-

181
tros que exigem análise separada; ou se nos convida a desenvolver métodos analó­
1
gicos ou dependentes de trajetória para compará-los com outros tipos de ciclos •
Nossa análise dos ciclos dedica pouco espaço à regularidade, à sequência e à
frequência dos ciclos históricos, embora essas sejam questões fascinantes.
Em vez disso, nossa atenção se volta inicialmente para a definição e para os ele­
mentos no interior dos ciclos; depois, para quatro conjuntos de processos que des­
crevem a ampliação do confronto e a formação de ondas gerais de conflito e, final­
mente, para três processos relacionados - exaustão/fracionamento/repressão/ faci­
litação e radicalização/institucionalização - que marcam o declínio elo ciclo. Os ca­
sos elo primeiro grande ciclo internacional - a revolução de 1848 na Europa - e o
da Nova Esquerda elos anos 1960 ilustram esses fatores. O capítulo termina com
breves reflexões sobre a analogia entre ciclos de movimentos sociais, ciclos revolu­
cionários e democratização.

Definição e elementos do ciclo


Entendo "ciclo de confronto" como uma fase de conflito acentuado que atra­
vessa um sistema social: com uma rápida difusão da ação coletiva de setores mais
mobilizados para outros menos mobilizados; com um ritmo rápido de inovação
nas formas de confronto; com a criação de quadros interpretativos de ação coleti­
va, novos ou transformados; com uma combinação de participação organizada e
não-organizada; e com sequências de fluxos intensificados de informação e de in­
teração entre os desafiantes e as autoridades. Esse confronto tão disseminado pro­
duz externalidades que dão aos desafiantes ao menos uma vantagem temporária e
permite que superem a fraqueza na sua base de recursos. Ele exige que o Estado
monte amplas estratégias de reação que são ou repressivas ou facilitadoras, ou uma
combinação de ambas. E ele produz resultados gerais que são mais do que a soma
dos resultados de um agregado de eventos desconectados.

Entre e dentro dos ciclos


Quando nos voltamos para as pesquisas dos cientistas sociais sobre ciclos, en­
contramos um paradoxo ímpar. Embora reconhecendo sua importância para os
movimentos sociais, esses estudiosos têm dado mais atenção aos indivíduos, movi­
mentos e organizações de movimentos do que às grandes ondas de confrontos que
marcam boa parte da história moderna. Até mesmo os que estudaram as revolu-

1. Para uma apresentação inicial de um programa para aplicar o método de "raciocínio analógico cau­
sal", Yer "Kings in Beggar's Raiment", de Charles Tilly. Para uma abordagem "dependente de trajetó­
ria··. \·er "Social Movements and Revolutions: On the Evolution anel Forms of Collective Action", de
Jack Goldstone. Sou grato a Goldstone pela permissão ele citar o seu texto até agora ainda não publi­
cado e pelos comentários a um esboço deste capítulo.
ções frequentemente ignoraram a relação entre elas e outras formas de ação coleti­
va (mas cf. GOLDSTONE, 1997: 2). Em parte isso se deve à tendência em ver as re­
voluções como eventos em vez de processos (GOLDSTONE, 1991). Quando as en­
tendemos como processos, suas analogias e diferenças em relação aos ciclos ficam
evidentes.
Mas se, como afirmei, os ciclos são as principais linhas divisórias da mudança
social e política, por que há tão poucos estudos sobre tais períodos? Uma razão é
que as organizações de movimentos são mais fáceis de investigar do que as grandes
ondas de confronto e são mais acessíveis aos pesquisadores - muitos dos quais saí­
ram de suas fileiras. Os ciclos de confronto quase sempre começam em institui­
ções, se espalham como confrontos entre pessoas comuns e colocam o estudioso
diante de alguns dos aspectos menos edificantes da ação coletiva - a multidão, a
turba, a insurreição armada. Quando terminam em repressão e em desilusão eles
levam a leituras deprimentes. "Post coitum omnia animal triste", escreve Aristide
Zolberg citando o velho ditado para expressar como a desilusão se segue ao fim das
ondas de confronto (1972: 205-206).
Outra razão para a negligência relativa em relação aos ciclos é que eles não
ocupam nenhum espaço demarcado na política institucional. Os estudiosos do
"comportamento coletivo" o diferenciaram do comportamento em instituições.
Mas as revoltas frequentemente começam no interior das instituições e até mesmo
movimentos organizados se envolvem rapidamente no processo político, onde in­
teragem com grupos de interesse, sindicatos, partidos e forças da ordem (BURS­
TEIN, 1998). Para incluir os ciclos, nossos relatos precisam conectar os conflitos
institucionais e não-institucionais, e isso exige uma interação entre as ferramentas
dos cientistas políticos, que quase sempre focalizam as instituições, e os sociólogos
e historiadores sociais, que estudam movimentos.
A ideia de que sistemas inteiros passam por dinâmicas cíclicas foi encontrada
em três grupos principais de estudiosos: teóricos da cultura, que veem a mudança
na cultura como a fonte da mudança social e política (BRAND, 1990; ROCHON,
1998), historiadores políticos e economistas com viés para a história, que buscam
ciclos regulares de mudança política ou econômica (HIRSCHMAN, 1982; SCH­
LESINGER, 1986); e teóricos sociais, que consideram as mudanças na ação coletiva
como resultado de mudanças nos estados e no capitalismo (ELIAS, 1994). O primei­
ro grupo enfatiza a globalidade dos ciclos, o segundo sua regularidade e o terceiro
sua derivação de configurações de mudança estrutural. Todos os três se mostraram
úteis, mas examinaram principalmente a progressão entre ondas de confronto; pou­
cos se detiveram no exame da estrutura e na dinâmica do ciclo em si - o que pode
fornecer as externalidades que alimentam e transformam os movimentos.
Em tais períodos, as organizações e as autoridades, os movimentos e os grupos
de interesse e ainda os membros do sistema político e os desafiantes interagem, en­
tram em conflito e cooperam. A dinâmica do ciclo é o produto de sua interação. As

183
"ações", escreve Pam Oliver, "podem afetar a probabilidade de outras ações ao cri­
ar ocasiões para a ação, alterando as condições materiais, mudando a organização
de um grupo social, alterando crenças ou somando conhecimento" (1989: 2).
Essas ações criam incerteza e transmitem informação, abrindo o caminho para no­
vos atores e fragilizando os cálculos em que se baseiam os compromissos existen­
tes. Isso leva os apoiadores do regime a ajustar o seu empenho e os opositores a f a­
zer novos cálculos de interesse e de aliança. O resultado depende menos do equilí­
brio de poder e dos recursos de qualquer dupla de opositores do que da estrutura
de confronto generalizada e das reações das elites, oponentes e aliados potenciais a
ela. Como veremos, é por isso que, embora os começos de tais ciclos sejam fre­
quentemente semelhantes, os seus finais são muito diferentes. A seguir, delineio os
principais elementos das fases de mobilização dos ciclos de confronto para nos
ajudar a entender como eles se desenvolvem.

A fase de mobilização
A generalização do conflito num ciclo de confronto começa quando se abrem
oportunidades políticas para "os primeiros insurgentes" bem posicionados, quan­
do suas reivindicações estão em ressonância com as de outros que sejam significa­
tivos, quando dão origem a coalizões objetivas ou explícitas entre atores diferentes
e criam ou reforçam a instabilidade na elite. Esta ocorrência simultânea e esta coa­
lescência são favorecidas pelas reações do Estado ao rejeitar as reivindicações dos
primeiros insurgentes, encorajando assim sua assimilação a outros possíveis rei­
vindicadores, diminuindo, ao mesmo tempo, as restrições e oferecendo oportuni­
2
dades para a ampliação do confronto .
As primeiras reivindicações que deflagram um ciclo de confronto são sempre
restritas e específicas de um grupo. Elas fazem três coisas importantes. Primeiro,
demonstram a vulnerabilidade das autoridades diante do confronto, sinalizando
para outros que as condições já estão maduras para que suas próprias reivindica­
ções sejam transpostas para a ação. Segundo, elas "desafiam os interesses de outros
participantes do confronto, seja porque a distribuição de benefícios para um grupo
diminuirá os disponíveis para outro grupo, ou porque atacam diretamente os inte­
resses de um grupo estabelecido" (TILLY, 1993: 13). Terceiro, elas sugerem con-

2.Jack Goldstone afirma que "Onde o regime e as políticas existentes são vistos de forma geral como
indesejáveis, o ambiente oferece muitos incentivos para o protesto. Em tais condições, é provável que
o surgimento de um movimento ele protesto, e a seu tratamemo suave por parte do Estado, encoraje
outros... esta sequência tende a formar um ciclo de protesto que abrange grande parte da sociedade"
(1997: 21). Minha visão é similar à de Goldstone, a não ser pela ambiguidade da expressão "manipu­
lação moderada por parte do Estado". A manipulação pode ser moderada, mas o que distingue o co­
meço de um ciclo é a assimilação elas reivindicações do movimento às de outros - que frequentemen­
te é o resultado da recusa em considerar essas reivindicações.

184
vergências entre os desafiantes através da enunciação de quadros interpretativos
abrangentes [ mas ter frames].
Embora os ciclos não tenham uma frequência regular e não se estendam igual­
mente para populações inteiras, alguns aspectos comuns caracterizam tais perío­
3
dos na história recente • Esses incluem conflito intensificado, ampla difusão seto­
rial e geográfica, expansão do repertório de confronto, surgimento de novas orga­
nizações e fortalecimento das que já existiam, a criação de novos "quadros inter­
pretativos abrangentes" ligando as ações de grupos diferentes entre si e interação
intensificada entre o Estado e os desafiantes, atribuindo às reações específicas do
Estado um papel central na determinação da direção tomada pelo ciclo.

Conflito e difusão
Os ciclos de confronto são caracterizados por conflito acentuado, não apenas
nas relações industriais, mas nas ruas, e não apenas lá, mas nos povoados e escolas.
Em tais períodos, a magnitude dos confrontos de todos os tipos cresce de forma
apreciável e fica muito acima do que é típico, tanto antes quanto depois. Grupos es­
pecíficos voltam a participar regularmente da vanguarda de ondas de protesto social
(exemplo: mineiros, estudantes), mas, no pico do ciclo, a eles se juntam grupos que
não são geralmente conhecidos por suas tendências à revolta (exemplo: campone­
ses, trabalhadores em pequenas indústrias, trabalhadores de colarinho branco).
Os ciclos têm amplas trajetórias de difusão, algumas das quais podem ser tra­
çadas de grandes cidades até a periferia rural e da periferia para o centro. Eles sem­
pre vão de áreas de indústrias pesadas para áreas adjacentes de indústrias leves e de
lavouras, ao longo de vales fluviais ou através das principais vias de comunicação.
Eles atingem membros do mesmo grupo étnico ou nacional cujas identidades
"ocultas" são ativadas por novas oportunidades e ameaças, como foi o caso dos sér­
vios, dos croatas e dos muçulmanos na ex-Iugoslávia no início dos anos 1990. O
confronto disseminado gera incerteza e medo; o colapso das transações funcionais
que isso produz realça laços preexistentes como etnia, religião ou outras formas de
reconhecimento mútuo, de confiança e de cooperação.
O que é mais característico nesses períodos não é que sociedades inteiras
"avancem" na mesma direção e ao mesmo tempo (raramente o fazem); ou que gru­
pos de populações específicas ajam sempre da mesma forma; mas sim que o efei­
to-demonstração da ação coletiva de um grupo de insurgentes iniciais deflagra

3. O esquema apresentado no texto reflete a experiência na Europa Ocidental e nos Estados Lnidl'5
desde os anos 1960 e foi expandido à luz de experiências recentes na Europa Oriental e na ex-L· .ii'-'
Soviética. Caberá a outros estudiosos determinar se e de que maneiras o quadro tem sernelh,,n,;:25
com ondas de ação coletiva em outros sistemas e em outros períodos da história. Para um con'.u:-.:,·
de investigações empíricas ligadas aos conceitos aqui desenvolvidos, ver Repertoircs cmd C_,,·'.:, "..
Collective Action, de Marc Traugott (org.).

18::
uma variedade de processos de difusão, extensão, imitação e reação entre grupos
que normalmente são mais tranquilos e têm menos recursos para se engajar em
ações coletivas.
A difusão não é bem explicada se for considerada apenas como um "contágio"
da ação coletiva para grupos similares e que fazem as mesmas reivindicações a
opositores equivalentes. Uma característica-chave dos ciclos é a difusão da pro­
pensão à ação coletiva, dos seus iniciadores para grupos não relacionados e para
antagonistas. Os primeiros reagem ao efeito-demonstração de um desafio que teve
sucesso - ou que pelo menos não foi eliminado-, enquanto que os últimos produ­
zem os contramovimentos que são a reação frequente ao início do confronto
(MEYER & STAGGENBORG, 1996). É por isso que movimentos como o naciona­
lismo étnico ou a declaração de "diferença" se espalham: não porque as pessoas
gostem de imitar o que os outros fazem, mas porque a mobilização de uma identi­
dade étnica provoca reações da parte de outros que temem por sua sobrevivência
ou cujos interesses serão ameaçados.

Repertórios e quadros interpretativos


Os ciclos são os cadinhos de onde surgem novas armas de protesto social. A
construção de barricadas, arma que foi além das áreas vizinhas na Revolução Fran­
cesa de 1848, os conselhos de fábrica na Revolução Russa de 1905, as greves pacífi­
cas da Frente Popular Francesa e o New Deal norte-americano foram "ações dire­
tas" do período entre 1968 e 1972: na incerteza e exuberância da fase inicial de um
ciclo de mobilização, a inovação se acelera e novas formas de confronto são desen­
volvidas e difundidas.
Até certo ponto, isso não é mais do que uma aceleração das tendências de ino­
vação que vimos no repertório do confronto no cap. 6. Mas, como os ciclos trazem
à cena uma variedade de novos atores, há possibilidades de agregação e interação
que não são tão prováveis em épocas menos agitadas. Assim, a criatividade e a
energia dos protestos sérvios contra fraudes nas eleições, que vimos no cap. 6, re­
sultaram da presença simultânea de uma variedade de atores nas ruas, alguns com
pouca coisa em comum. O ciclo italiano do fim dos anos 1960 reuniu as energias
dos estudantes com a disciplina da classe trabalhadora para produzir uma forma
qualitativamente nova de confronto - autoriduzione - que se espalhou das fábricas
para as universidades e de lá para as greves de locatários e a recusa a pagar contas
dos serviços de utilidade pública (TARROW, 1989a).
É claro que nem todas as inovações que aparecem nesses períodos de confron­
to generalizado sobrevivem após o fim do ciclo. Algumas estão diretamente ligadas
ao pico do confronto, quando parece que tudo é possível e que o mundo será trans­
formado (ZOLBERG, 1972). Outras dependem do alto nível de participação e dos
fluxos de informação característicos dos ciclos e não podem ser mantidas quando a
mobilização declina e as fontes de informação se voltam para outros tópicos. E al-

186
gumas são resultado da paralisia temporária das forças da ordem, na medida em
que se veem frente a massas inesperadas de desafiantes nas ruas; quando elas se re­
agrupam, as táticas que pareciam impossíveis de derrotar no pico do ciclo são facil­
mente esmagadas.
É com uma lógica semelhante que os ciclos produzem símbolos novos e trans­
formados, quadros de significado e ideologias para justificar e dignificar a ação co­
letiva. Esses "quadros interpretativos abrangentes" surgem tipicamente entre gru­
pos insurgentes, e foi assim que os movimentos dos anos 1960 transformaram o
conceito tradicional americano de "direitos" (cf. cap. 7). Os ciclos de confronto
são cadinhos onde novos construtos culturais, originados de comunidades críti­
cas, são criados, testados e refinados (cf. ROCHON, 1998). Eles entram na cultura
de uma forma mais difusa e menos militante, onde podem servir como fontes para
os símbolos de futuros movimentos.

Velhas e novas organizações de movimentos


Os ciclos de confronto quase nunca ficam sob o controle de uma única organiza­
ção. O ponto alto da onda é marcado pelo aparecimento de formas "espontâneas" de
ação, mas mesmo nesta fase tanto as tradições organizacionais anteriores como os
movimentos recentemente organizados moldam sua direção e seus resultados. Nem
as "velhas" organizações dão necessariamente lugar às novas durante o ciclo: muitas
organizações existentes, como a NAACP no auge do movimento pelos direitos civis,
adotam as táticas radicais de seus competidores e ajustam seu discurso a uma postu­
ra pública mais ampla e mais agressiva. Enquanto que as organizações mais antigas
logo voltam para formas de ação mais tradicionais, como fez o NAACP depois do iní­
cio dos anos 1960, as organizações que nascem em períodos de intenso confronto
provavelmente continuarão a usá-las, porque o confronto é a ponte que construíram
entre eles e seus seguidores. Esta é uma das razões pela qual o confronto não termina
apenas porque as reivindicações de um grupo específico são atendidas ou suas espe­
ranças destruídas. Foi através do confronto que ganharam apoio inicialmente; eles o
usam para mantê-lo e para competir com outros grupos.

Aumento de infarmação e de interação


Finalmente, durante os períodos de intensificação de confrontos, a informação
flui mais rapidamente, aumenta a atenção política e as interações entre grupos de
desafiantes e destes com as autoridades aumentam em frequência e intensidade.
Os conflitos entre as elites se ampliam em profundas divisões entre os grupos so­
ciais; desenvolvem-se novos centros de poder - embora temporários e efêmeros -
que convencem os revoltosos que estão causando o colapso do antigo sistema e
produzindo alianças novas e às vezes bizarras entre os desafiantes e alguns de seus
ex-apoiadores.

1 87
Essas alianças formam algumas vezes as bases de novas coalizões governantes,
mas mais frequentemente se dividem quando alguns ramos do movimento buscam
uma mudança mais radical, outros tentam institucionalizar os benefícios obtidos e
os moderados ficam com medo da desordem e abandonam os seus ex-aliados. O
conjunto de atores que se organiza contra e em torno do Estado produz coalizões
fragilmente conectadas. Quando elas são fortalecidas por organizações efetivas e
quadros interpretativos abrangentes, essas coalizões podem polarizar a sociedade.
E isso nos leva à dinâmica da desmobilização.

A fase da desmobilização
Os primeiros estudiosos dos ciclos revolucionários, como Crane Brinton
(1965), os consideraram como sucessões planejadas de estágios, muito parecidos
com os que caracterizam o desenvolvimento biológico ou com os estágios de uma
doença. Sabemos agora que há f atores demais em torno dos processos centrais de
confronto generalizado para que tais modelos unilineares ajudem a comparar re­
voluções diferentes e, muito menos, que nos permitam entender o universo mais
amplo dos ciclos de confronto. E não só isso, atores externos podem intervir, mu­
dando o equilíbrio de poder interno e conduzindo o ciclo a um fim abrupto.
Alguns estudiosos de revoluções, talvez reagindo a tais pensamentos cíclicos
unilineares, negligenciaram os processos internos através dos quais se desenvol­
vem os ciclos de confronto, seja focalizando as condições recorrentes que levam à
revolução (SKOCPOL, 1979; 1994; WICKMAN-CROWLEY, 1992) , seja refugian­
do-se na narrativa histórica, frequentemente plena de evidências sobre ações ou
acasos. Os melhores entre esses estudos ou teorizam narrativas que cobrem perío­
dos relativamente curtos e eventos condensados (SEWELL, 1996) ou constroem
narrativas gerais a partir de conjuntos de histórias pessoais (SELBIN, 1993). Mas é
raro encontrar uma narrativa teorizada que explique por que um ciclo ascende ine­
xoravelmente até certo ponto e depois, com a mesma certeza, declina.
Não temos uma teoria boa o suficiente que nos permita delinear todos os ele­
mentos dinâmicos recorrentes em todos os ciclos de confronto. Se tivéssemos, ela
poderia nivelar de tal maneira os diferentes tipos de confronto que seria de pouca
utilidade. O que podemos fazer é propor uma série de processos causais que pare­
cem estar presentes nos "pontos altos" dos ciclos. Há três conjuntos de processos
que parecem existir num amplo espectro de casos: exaustão e divisão em facções,
institucionalização e violência e repressão e facilitação.

Exaustão e polarização
A razão mais simples do declínio da mobilização é, provavelmente, a exaustão.
Embora os protestos de rua, as demonstrações e a violência sejam excitantes no
início, à medida que os movimentos se organizam melhor e se dividem em líderes e

1 88
seguidores, eles envolvem risco, custos pessoais e, eventualmente, cansaço e desi­
lusão. Disso resulta um declínio na participação, que pode ser acentuado quando
as autoridades políticas e as forças da ordem são inteligentes o bastante para aguar­
dar o seu momento.
Mas a participação não declina num mesmo ritmo em todos os setores de um
movimento. Os que estão na periferia de um desafio, sem muitas razões para apoiá­
lo, são os mais propensos a desertar, enquanto aqueles próximos ao seu núcleo,
com fortes motivos para dar o seu apoio, inclinam-se a persistir. Como uma regra
geral, os primeiros são mais moderados em suas ações e, quando saem do movi­
mento, sua ausência retira um entrave ao extremismo; de modo contrário, como os
últimos são mais militantes, é provável que tolerem melhor o embate violento. As
taxas desiguais de deserção entre o centro e a periferia de um movimento mudam o
seu equilíbrio - de reivindicações moderadas para radicais e de protestos pacíficos
para violentos.
Este declínio desigual de participação coloca um dilema para as lideranças dos
movimentos. Conscientes de que sua força está em seu contingente, elas podem
reagir ao declínio na participação fazendo reivindicações mais moderadas e ten­
tando conciliar com os opositores. Inversamente, para manter o apoio dos elemen­
tos militantes, elas podem tentar manter a chama acesa fazendo reivindicações ra­
dicais e intensificando o confronto. Nos dois casos, o declínio diferencial de apoio
leva à polarização entre aqueles que querem a conciliação com as autoridades e
aqueles que buscam a manutenção do confronto.
A divisão em facções assume formas diferentes em ciclos históricos distintos.
Por exemplo, com suas atividades dirigidas às petições de massa, a coalizão que deu
início ao movimento Dutch Patriot, nos anos 1780, levou à formação de uma rede
provincial de comitês e milícias de cidadãos (TE BRAKE, 1997: 6). Assustados, com
medo da desordem, "a coalizão original entre elites desiludidas e ativistas políticos
populares tinha começado a se desintegrar". O resultado foi uma polarização na coa­
lizão Patriot original, a formação de uma coalizão essencialmente contrarrevolucio­
nária em oposição a ela e uma divisão revolucionária no país. Como te Brake con­
clui, "Aqueles que permaneceram na coalizão Patriot começaram a perceber que o
colapso do aparente consenso na arena política local exigiria que eles desencadeas­
sem uma vigorosa ação revolucionária para atingir os seus objetivos"•.
Um resultado muito diferente pôde ser visto na revolta da Praça Tienanmen,
na China, em 1989. Lá uma petição pacífica feita por estudantes contra a corrup­
ção atraiu o apoio de uma massa de estudantes insatisfeitos e de outros cidadãos de
Pequim e de outras cidades. A divisão em facções ocorreu à medida que um grupo

4. Jack Goldstone indica um outro exemplo: a Revolução Inglesa de 1 640, em que um parlamento
muito unido e a pequena nobreza se dividiram em facções, monarquista e parlamentar, sobre a ques­
tão de se adotar medidas extremas contra o rei.

189
de radicais entrou na praça com faixas brancas na cabeça e slogans militares, opon­
do-se aos moderados que estavam prestes a conciliar com a liderança comunista.
Essas divisões paralisaram o movimento, dando tempo ao partido para se reagru­
5
par e mandar novas tropas para reprimir o movimento •

Violência e institucionalização
As divisões que ocorreram tanto entre os Dutch Patriots como entre os estudan­
tes chineses foram principalmente em relação aos objetivos. Mas as divisões entre
moderados e radicais assumem com frequência a forma de um conflito relativo à vio­
lência. Quando líderes moderados institucionalizam suas táticas para conservar o
apoio das massas, os competidores radicais usam táticas de confrontação para ga­
nhar o apoio dos militantes e evitarem recaídas. Os primeiros se opõem à violência
enquanto que os últimos frequentemente dela se utilizam, exaltando-a como uma
forma mais elevada de política para justificar o seu uso contra seus inimigos.
A batalha entre os girondinos e os jacobinos na Revolução Francesa é um bom
exemplo histórico de tais conflitos. Ela foi deflagrada por uma disputa em torno da
execução do rei, com os jacobinos pedindo o regicídio e os girondinos se opondo.
Estes logo seguiram Luís XVI na guilhotina. Entre os cartistas britânicos, houve
um longo debate sobre as virtudes da força física versus a força moral. Na esquerda
europeia, como já vimos, os anarquistas e os social-democratas discutiram sobre a
violência dos primeiros e a moderação dos últimos.
Em décadas recentes, os movimentos produziram polarizações similares sobre
a violência. Mesmo no movimento americano pelos direitos civis, amplamente pa­
cífico, a disputa entre a ala mais antiga e moderada e os jovens ativistas que a desa­
fiavam pela liderança foi sobre a violência e a sabedoria de pressionar por ganhos
econômicos radicais em oposição a consolidar os direitos políticos já obtidos no
início dos anos 1960. Cada fase do movimento levou a um aumento das disputas
entre os setores mais velhos e os mais jovens. Quando as formas originais de políti­
ca disruptiva fo ram consumadas e o centro de gravidade do movimento mudou do
sul para o norte, um movimento de massa abriu espaço para a prática da violência
organizada e, portanto, para o colapso do movimento. Mas aqui precisamos colo­
car um terceiro elemento em jogo - as reações do Estado.

Facilitação e repressão
Embora a divisão em facções cresça entre os elementos de um movimento de
massa, ela pode ser encorajada ou desencorajada por diferentes estratégias gover­
namentais. Os governos que cedem rapidamente às reivindicações dos revoltosos
podem ser substituídos porque essas demandas aumentam gradativamente a cada

S. Este relato baseia-se em Neither Gods nor Emperors, cap. 2 e p. 183-185, de Craig Calhoun.

1 90
sinal de fraqueza do regime. Este foi o caso na Europa Oriental em 1989, quando a
fraqueza exposta dos regimes levou os desafiantes a ampliarem suas reivindica­
ções, passando de reformas no Estado socialista à sua liquidação.
Inversamente, os governos que rejeitam categoricamente todas as demandas
dos desafiantes e sustentam sua rejeição com a força, ou destroem a oposição -
caso a repressão for efetiva - ou geram uma polarização revolucionária onde ela
não existia. O primeiro caso refere-se ao resultado da rebelião estudantil chinesa
em 1989, enquanto que o último foi o caso da Revolução Russa de 1905, onde fal­
tou ao regime absolutista a capacidade repressora para sustentar sua recusa às de­
mandas dos insurgentes.
Mas essas fonnas extremas de repressão são menos típicas dos ciclos contempo­
râneos do que eram nos séculos XVIII e XIX. Atualmente, é mais comum a facilita­
ção seletiva das reivindicações de alguns grupos e a repressão seletiva de outros. Jack
Goldstone, por exemplo, ressalta como os governantes nas Filipinas, na Colômbia e
no Quênia trabalharam com sucesso para separar as elites dos camponeses e operá­
6
rios ( 1997: 29) • Ao negociar com alguns dentre os vários insurgentes, os governos
encorajam a moderação e isolam os moderados de seus aliados radicais.
Essa política de facilitação e de repressão seletiva, especialmente quando coin­
cide com o declínio do apoio da massa e com o fracionamento no interior do movi­
mento, empurra os radicais para formas de organização mais sectárias e formas de
ação mais violentas e encoraja os moderados a desertar. No extremo, a combinação
de desmobilização parcial, divisão em facções e repressão e facilitação seletivas
produz terrorismo (DELLA PORTA, 1995, cap. 6). Goldstone, parafraseando Sabi­
ne Katstedt-Henke, descreve o processo na Alemanha nos anos 1970:
Inicialmente, o Estado reage emocionalmente ao protesto, mas repri­
me de forma pobre e não efetiva; isso provoca protestos mais adiante.
Entretanto, à medida que o Estado obtém mais conhecimento sobre o
protesto ele se torna capaz de dividir os que protestam, fazendo con­
cessões moderadas. Isso atrai os moderados no movimento para a
ação legítima, mas frustra os radicais que buscam mudanças maiores.
Então, os radicais revidam com violência ainda maior, criando uma
espiral de terror e contraterror que termina com os mais radicais sen­
do eliminados ou levados à clandestinidade ( 1997: 1 1 -12).

Mesmo sem produzir terrorismo, a repressão encoraja o extremismo. Quando


as autoridades britânicas, seguindo a Revolução Francesa, começaram a reprimir
os adeptos de Payne e os grupos radicais alegando que eram pró-franceses e repu­
blicanos, "o que sobrou do radicalismo inglês se empenhou na busca dos objetivos

6. Mas sistemas mais autoritários, como o do Xá do Irã, foram julgados por seu padrão de repressão
que visava "indiscriminadamente as eli.tes econômicas, reli.giosas e técnicas, criando assim uma coa­
lizão interclasses contra ele" (GOLDSTONE, 1997: 20).

191
subversivos, clandestinos e republicanos que, até então, seus líderes mais modera­
dos tinham repudiado" (GOODWIN, 1979: 416). Uma dinâmica semelhante ocor­
reu na América no fim dos anos 1960, quando a demonstração contra a Guerra do
Vietnã na convenção do Partido Democrático de 1968 levou a choques violentos
com a polícia. O movimento de massa fracassou, deixando atrás de si "um agrega­
do de movimentos monotemáticos menores" em alguns dos quais "revolucioná­
rios frustrados construíram bombas, transformando os sonhos de liberdade em ex­
plosões cruéis e ineficazes de terrorismo" (MILLER, 1987: 317).
Mas nem todos os governos têm o controle político e o autocontrole para se
engajar em repressão e facilitação seletivas. Isso é mais verdadeiro em relação aos
regimes autoritários, onde as elites podem sentir que, se cederem mesmo numa pe­
quena parte das reivindicações moderadas, abrirão caminho para outras mais amea­
çadoras. Mesmo em regimes mais pluralistas, quando o medo da desordem se ins­
tala entre os grupos detentores de propriedade, a reação pode tornar-se geral e às
ondas de confronto se segue uma repressão global. Um ciclo desses ilustra todos
esses processos e também algo mais - o risco da intervenção externa quando os re­
gimes enfraquecem e os desafiantes assumem temporariamente o controle.

O primeiro ciclo moderno


No inverno e na primavera de 1848 irromperam rebeliões por toda a Europa.
Em partes do continente, as más colheitas de anos anteriores foram a causa princi­
pal dos levantes, mas não em outras áreas onde elas vinham melhorando desde a
7
colheita desastrosa de 1846 • Em alguns países, as disputas em relação ao voto fo­
ram o gatilho para as agitações, mas não em outros onde ou o voto já tinha sido
ampliado ou só se tornou uma questão depois que a agitação teve início. Finalmen­
te, as divisões religiosas e étnicas foram fontes de lutas importantes em alguns paí­
ª
ses, enquanto em outros não havia nenhum conflito popular visível .
As revoltas do início de 1848 impressionaram os observadores desde o começo
por ser um evento singular de importância continental, embora tenham se origina­
do de várias fontes. Engels, na Inglaterra, empregou recursos consideráveis para
promover insurreições na Alemanha. Mazzini abriu caminho para Roma, onde
ajudou a apressar o fim da república romana, enquanto que Garibaldi voltou da Amé-

7. Para uma pesquisa sobre as principais causas de fundo elas revoluções nos vários países europeus
ver The Revolutions of 1 848, de Roger Price, e sua excelente bibliografia básica.
8. Em termos gerais, as divisões religiosas eram dominantes na Suíça, as étnicas e nacionalistas no
império cios habsburgos fora ela Áustria e questões de representação política na França, Alemanha e
na própria Áustria. Embora a questão nacional tenha dominado o quarantotto italiano, ele começou
com agitações por reformas liberais em Roma e no Reino das Duas Sicílias; apenas quando foi para o
norte, para áreas controladas pelos habsburgos, ele ganhou uma coloração nacionalista. Na França e
na Alemanha, embora ocorressem tumultos por comida nos estágios iniciais ela conflagração, os ei­
xos principais do conflito eram sobre as instituições representativas e os direitos cios trabalhadores.

192
rica Latina para incitar insurreições nos estados italianos. Embora os primeiros tu­
multos revolucionários tenham vindo da Suíça e da Itália, a influência da primeira
Revolução Francesa foi muito importante em toda a parte.
A Revolução Francesa de 1789 focalizou principalmente os direitos civis, mas,
à medida que esta nova revolução juntou forças, a questão social começou a se cru­
zar com as questões de representação política. No seu programa de 1 947 para a
oposição moderada, Tocqueville tinha previsto esta ampliação das reivindicações:
"Vai chegar uma época", ele profetizou, "em que o país estará novamente dividido
em dois grandes partidos. Logo a luta política será entre os proprietários e os
não-proprietários; a propriedade será o grande campo de batalha" (1987: 12-13).
Tocqueville exagerou; a revolução de 1848 ainda não era a revolução social do
9
futuro, como Marx sagazmente compreendeu • Mas o tumulto efervescente de
suas primeiras semanas assustou os liberais parlamentares, os democratas de clas­
se média e os monarquistas constitucionais que temiam uma luta de classes, fazen­
do com que abandonassem o flerte com a reforma e passassem a apoiar a reação.
Depois de um período de recuo diante das massas mobilizadas, os governos recu­
peraram o seu autocontrole, reuniram aliados e varreram os insurgentes da área.
Em meados de 1848, em cada grande nação europeia os regimes foram amea­
çados ou derrubados, as pessoas fizeram passeatas, se reuniram, organizaram as­
sembleias e comitês e ergueram barricadas. Os governos correram para lugares se­
guros ou se empenharam em apressar reformas para prevenir rebeliões futuras. A
figura 9 .1 demonstra a ascensão e o declínio dramáticos elo conflito e da reação ao
combinar os números de confrontos públicos da cronologia de Jacques Godechot
relativos a todos os principais estados europeus, para os quais ele fornece informa­
w
ções de 184 7 até 1849 .
As séries de tempo de Godechot começam em março de 1847, quando ocorre­
ram os primeiros conflitos abertos, e continuam por trinta meses até o fim de agos­
to ele 1849. Ele inclui um esboço detalhado dos eventos de importância nacional
relativos à Áustria-Hungria, Bélgica, Inglaterra, França, estados alemães e italia­
nos, Países Baixos, Polônia, Espanha e Suíça. Alguns desses eventos foram alta­
mente contenciosos e violentos; outros foram atos de rotina eleitoral e legislativa;
outros foram as ações de autoridades públicas e ainda outros foram as interven­
ções de poderes estrangeiros. Sua cronologia nos permite ver apenas o número de

9. Marx escreve em O 18 Brumário: "As revoluções burguesas, como as do século XVIII, avançam ra­
pidamente de sucesso em sucesso. . . logo atingem o auge e uma longa modorra se apodera da socieda­
de... revoluções proletárias... criticam constantemente a si próprias, interrompem continuamente o
seu curso, voltam ao que parecia resolvido para recomeçá-lo outra vez . . . " ( 1 963: 19) .
10. Godechot não fornece nenhuma informação sobre a Escandinávia (a não ser sobre a breYe guerra
entre a Dinamarca e Prússia sobre o Schleswig-Holstein); nenhuma sobre Grécia e Portugal: e nenhu­
ma para as partes europeias do Império Otomano. Para uma análise mais detalhada dos dados de Go­
.
dechot e de alguns problemas apresentados por Soule e Tarrow ver "Acting Collecti,-eh· . .

1 93
enntos e não sua duração ou número de participantes, mas dá uma imagem gráfi­
ca de como era um ciclo de confronto na Europa em meados do século XIX.

Figura 9 . 1 - Eventos por mês (março de 184 7 a agosto de 1849)

80

60-

Número de Eventos

40-

2(}-

Março 1847 Dezembro 1847 Outubro 1848 Agosto 1849


Meses

Fonte: SOULE, Sarah & TARROW, Sidney. "Acting Collectively, 1847-1849: How the yepertoire
of Collective Action Changed and Where it Hapenned". Paper apresentado na conferência anual
da Social Science History Association. New Orleans, Louisiana, 1991.

Criando oportunidades
Embora as memórias mais dramáticas da revolução de 1848 sejam as de Paris,
este ciclo começou de fato quase um ano antes na Itália, onde um papa reformista
deflagrou uma onda de agitação em Roma e no sul; depois na Bélgica, onde um go­
verno liberal tinha acabado de assumir; e também na Suíça, onde os cantões pro­
testantes liberais impuseram sua vontade aos cantões rurais da confederação, pre­
dominantemente católicos. Nada menos do que um historiador francês como Elie
Halevy afirmaria que "a revolução de 1848 não surgiu das barricadas parisienses,
mas da guerra civil suíça" (apud SIGMANN, 1973: 193) .
Como em muitos dos ciclos que se seguiram, o pico do confronto, na prima­
vera de 1848, foi marcado por uma expansão das formas de ação coletiva. En-.
1848, havia principalmente reuniões públicas, demonstrações, barricadas e vic ­
lência contra os outros. A ocorrência simultãnea dessas formas de ação coletiY�
nos diz muito sobre a amplitude da coalizão; enquanto os cavalheiros liberais ::
conservadores faziam reuniões sóbrias e conferências eruditas, os republicarn• c

1 94
estavam organizando demonstrações, os operários e artesãos estavam erguendo
barricadas e os camponeses estavam atacando os seus senhores e se apossando
das reservas florestais.
As barricadas foram as principais peças disruptivas das várias revoltas (TRAU­
GOTT, 1990; 1995). As primeiras foram erguidas nos dias de fevereiro em Paris,
quando a monarquia foi derrubada. Foram erguidas novamente em abril, em Rou­
en, quando trabalhadores socialistas se recusaram a aceitar a derrota dos candida­
tos republicanos que tinham apoiado nas eleições; durante os dias de junho, quan­
do a assembleia dissolveu as oficinas nacionais; e, novamente, um ano mais tarde,
quando o exército francês desembarcou em Civitavecchia para reempossar o papa.
As barricadas se espalharam rapidamente por toda a Europa em todos os lugares
em que a revolução assumiu um caráter radical.
Os picos dos ciclos de protesto são também marcados por um aumento da vio­
lência. Os ataques aos judeus na França, na primavera de 1848, foram um pressá­
gio dos conflitos étnicos que marcaram a passagem da revolução na Hungria e nos
Bálcãs. Na Alemanha, os primeiros meses da revolução foram marcados por um
grande número de ataques aos judeus. Quando os proprietários de terras húngaros
se livraram do governo de Viena, foram rapidamente confrontados por uma revol­
ta dos sérvios subjugados, que rapidamente reprimiram. Tal como na Iugoslávia de
depois das revoluções de 1989, o colapso da ordem gerou oportunidades vantajo­
sas, disfarçadas em memórias étnicas, para as ambiciosas elites locais. Mas as revo­
luções também produziram intermináveis assembleias públicas, conferências eru­
ditas e assembleias parlamentares. O que fizeram os rebeldes sicilianos quando to­
maram Palermo em 1848? Formaram comitês para restaurar a ordem, assegurar o
abastecimento, proteger as finanças e controlar as informações (TILLY, C. ; TILLY,
L & TILLY, R., 1975: 130). Como reagiram os liberais alemães quando o rei da
Prússia dissolveu a Assembleia do Land em junho de 184 7? Eles se reuniram para
debater em Offenberg em setembro, e em Oppenheim em outubro (GODECHOT,
1971: 199-200). Mesmo na Sérvia, sob o domínio austríaco, na Croácia e na Tran­
silvânia os eventos revolucionários de fevereiro e março de 1848 geraram reuniões
e comitês. A reunião mais longa e menos produtiva foi "o Parlamento dos Profes­
sores", em Frankfurt, que inicialmente foi tolerado, mas depois interrompido pela
Prússia quando se vislumbrou a ameaça de insurreição.
As demonstrações de massa foram uma importante terceira parte do repertório
de 1848 - de fato, foi naquele ano que a demonstração se destacou (FAVRE, 1990) .
Se admitirmos uma semelhança entre o termo de Godechot "manifestação" e nos­
11
so termo "demonstração" encontraremos trinta e uma grandes demonstrações nos

1 1 . Aqui, precisamos ser cautelosos, pois falta ao termo manifestação de Godechol a especificidaci�
da forma de ação coletiva que agora designamos por esta palavra, que Pierre Favre define. em Li 'lf,,­
nifestation, como "um movimento coletivo organizado em espaço público com o obj eti\·o de pr0du:i�
um resultado político através da expressão pacífica de uma opinião ou reivindicação .. (p . 1 5 - trc1d,:­
ção do autor).
doze meses entre julho de 1847 a junho de 1848. Mas foi de fevereiro a abril de
1 8-+8 - o pico da mobilização - que vemos a maior densidade de demonstrações.
Como em muitos ciclos recentes, a ocupação pacífica do espaço público, a assem­
bleia pública e a barricada, assim como os tradicionais ataques a outros, eram indi­
cações típicas de intensidade do pico do ciclo.

Ampliando o conflito em Paris


As revoluções de 1848 podem ter começado na periferia da Europa, mas o nú­
cleo dos partidos radicais sempre esteve em Paris. Os eventos parisienses mostram
como o conflito começa no interior de círculos institucionais e se espalha para fora
como um redemoinho que se expande. No início dos anos 1840, muitos regimes
da Europa Central e Ocidental, incluindo o da França, tinham governos semicons­
titucionais que davam muito espaço para o debate da elite, cada vez mais centrado
na questão do voto (ANDERSON & ANDERSON, 1967: 307-317).
O primeiro estágio do desfecho do regime de Orleans foi sua resposta à demanda
da oposição parlamentar pela reforma do direito de voto. A rejeição às suas mo­
destas propostas jogou os moderados nos braços dos republicanos, lançando a
campanha dos "banquetes", que eram demonstrações mal disfarçadas pela refor­
ma, e levando o debate da Câmara dos Deputados para as ruas e de Paris para as
províncias. Como esses banquetes eram patrocinados pela oposição legítima e to­
talmente pacíficos - mesmo em 1848 os franceses adoravam comer -, o governo
hesitou em reprimi-los. Mas como faziam a ponte entre os interesses dos parla­
mentares e grupos extraparlamentares, liberais e republicanos, a campanha do ban­
quete passou por rápidos estágios, desde a oposição parlamentar até chegar às mãos
de uma coalizão de agitadores extraparlamentares e jornalistas (TOCQUEVILLE,
1987: 26-27).
Frente a esta onda republicana, os moderados tentaram recuar, mas era tarde
demais e a iniciativa passou para a guarda nacional e para os pobres urbanos
(TOCQUEVILLE, 1987: 20). Antes que os moderados soubessem o que estava
acontecendo, as barricadas foram sendo erguidas nas ruas de Paris, maquinistas di­
ligentes se aproveitaram do tumulto para destruir as vias férreas, os judeus foram
atacados nas províncias do leste e as reservas florestais foram invadidas. Os muros
da monarquia foram enfraquecidos por dentro antes de serem atacados por fora.

O declínio cíclico
À medida que as revoluções de 1848 continuaram além da efervescência da
primavera de 1848, a demonstração pacífica e a reunião pública começam a desa­
parecer da cronologia de Godechot e são substituídas por termos como "ataque" ,
"choque" , "dispersão", "intervenção" e "derrota". A última demonstração pública
que ele inclui foi uma demanda por trabalho em Berlim em 3 1 de outubro , logo se-

196
guida pela retração das reformas concedidas pelo imperador na primavera ante­
rior. O povo parou de f azer demonstrações e se voltou para a violência armada
quando a força começou a ser empregada contra ele.
A mudança para a violência nas ruas - em parte espontânea e em parte como
resposta à repressão - ajudou a destruir as coalizões revolucionárias que tinham
sido formadas na primavera anterior. Com sua prosa mordaz, Marx descreve o
processo pelo qual, no interesse da preservação da propriedade, os parlamentares
liberais e depois os republicanos deixaram de apoiar a nova república francesa,
abrindo o caminho para que Luís Napoleão se tornasse primeiro seu presidente e
depois imperador da França ( 1963 : 42-43).
***
N a cronologia de Godechot, os choqúes armados assumiram, d e forma cres­
cente, uma dimensão internacional. Os exércitos austríacos atacaram os liberais
no norte da Itália, os franceses intervieram em Roma e as tropas russas foram con­
tra os húngaros para ajudar os habsburgos. No fim de 1848, surgiu um quadro de
luta armada quase contínua, intervenção estrangeira e de colapso da ação coletiva
popular. A força militar, apoiada pela reação conservadora e pela retração dos mo­
derados, transformou a primavera das pessoas num inverno de descontentamento.
Como muitos outros ciclos de protesto, a revolução de 1848 deixou lembran­
ças que eram mais amargas quanto mais elevadas fossem as esperanças por ela ge­
radas. Bem recebida inicialmente por radicais e democratas em toda a Europa, os
participantes da revolução logo foram denunciados por sua "retórica vazia, seu
idealismo místico ... e por suas ilusões generosas" (SIGMANN , 1973: 10). Na Ale­
manha, o ano foi logo rotulado como das tolle]ahr (o ano louco), enquanto que o
embaixador inglês em Paris escreveu que 1848 deixou "quase cada indivíduo me­
nos feliz, cada nação menos próspera, cada povo não apenas menos livre mas com
menos esperanças de liberdade no futuro" (apud POSTGATE, 1955: 266).
Na Itália, mesmo atualmente, a expressão Jare um quarantotto significa criar
confusão. "O que mais lembramos" , depois da intoxicação de tais momentos de
loucura, escreve Aristide Zolberg, "é que os momentos de entusiasmo político são
seguidos por repressão burguesa ou por autoritarismo carismático, alguma vezes
pelo terror, mas sempre pela restauração do tédio" ( 1972: 205).

A nova esquerda dos anos 1960


Muitas das características das revoluções de 1848 podem ser encontradas em
confrontos mais recentes, em períodos como as ondas de greves e os movimentos
revolucionários do pós-1 Guerra Mundial, da Frente Popular na França e do New
Deal nos Estados Unidos, no ciclo de democratização na Europa Oriental que co­
meçou na Polõnia em 1980 e terminou no colapso da URSS em 1991 e nos movi-

1 97
mentos radicais dos anos 1960 na Europa Ocidental e nos Estados Unidos. Vamos
examinar brevemente o último período para ilustrar alguns pontos em comum
com o ciclo anterior, assim como as diferenças nos resultados.
De 1968 a 1972, uma onda de agitação estudantil e operária surgiu em muitos
países da Europa que acabaria por envolver quase todas as áreas dessas sociedades.
Ainda nos f altam dados sistemáticos para acompanhar este ciclo de forma qualita­
tiva por esta meia década, mas numerosos estudos qualitativos e uns poucos quan­
titativos deixam pouca dúvida de que as sociedades da Europa estavam passando
2.
por um grande ciclo de confrontos1
Dois movimentos, em particular, atingiram proporções históricas em 1968: na
França, o curto mas explosivo "movimento de maio" quase derrubou o autoconfi­
ante regime gaulista, enquanto que na Checoslováquia um breve surto de reformas
foi seguido por uma brutal ofensiva militar sob a liderança soviética. Quase ao
mesmo tempo, um maggio italiano fechou as escolas e universidades, desencade­
ando um "longo maio" que durou até o início dos anos 1970 (SALVATI, 1981 ;
TARROW, 1989a) e, n a Alemanha, uma onda de protestos sacudiu a complacente
classe política daquele país (DELLA PORTA, 1995).
Nos Estados Unidos, os anos de esperança começaram mais cedo, no movi­
mento pelos direitos civis no início dos anos 1960 e nas agitações contra a Guerra
do Vietnã que culminaram nos "dias de fúria" na convenção do Partido Democráti­
co em Chicago1 3 . Como na Europa, os estudantes estavam na vanguarda dos movi­
mentos, mas faltavam os trabalhadores, principais catalisadores na França e na Itá­
lia, e faltavam também a maior parte dos jovens afro-americanos, que no início da
década tinham estado ativos. Estes estavam bastante ausentes do fundo comum de
recrutamento de estudantes universitários afluentes que participaram do movi­
mento contra a Guerra do Vietnã.
Tanto na América como na Europa Ocidental a difusão foi rápida e geografica­
mente espalhada. Dependendo em parte dos "grupos transitórios" de ativistas que
antes haviam se encontrado no movimento pelos direitos civis (McADAM, 1988), o
movimento empregou as ferramentas recém-descobertas: a viagem aérea barata e a
televisão. A primeira possibilitava reunir rapidamente grupos de líderes nos locais
onde o conflito estava se formando; a última permitia transmitir notícias sobre o
conflito para toda a nação sem a existência de fortes organizações de massa. Na Eu-

12. Sobre os "Eventos" franceses, o trabalho que mais se destaca é Mai 68: L'entre-deux de la modemité,
deJacques Capdevielle e René Mouriaux. Para uma súmula recente de reflexões, ver 1968: Exploration
du Mai Jrançais, de Mouriaux (org.). Sobre o sessantotto italiano, ver Saggio sui movimcnti del 1 968 in
Europa e in America, de Peppino Onoleva e Democracy. ln Disorder, cap. 6, de Sidney Tarrow. Urna ex­
celente comparação entre os resultados dos dois casos em termos de política econõmica é "May 1968
and the Hot Autumn of 1969: The Responses of Two Ruling Classes", de Michele Salva ti.
13. Em relação aos Estados Unidos, encontramos as reflexões mais penetrantes sobre este período
em The Sixties, de Todd Gitlin, e Democracy Is in the Streets, de James Miller.

1 98
ropa Ocidental, o tamanho menor das sociedades e a natureza centralizada de seus
sistemas educacionais tomaram possível a rápida difusão do movimento por todo o
território. Na França, altamente centralizada, foram necessários apenas uns poucos
dias para que a notícia do confronto entre a polícia e os estudantes na Sorbonne fe­
chasse as universidades em todo o país (SCHNAPP & VIDAL-NAQUET, 1988).
O mais espantoso nos movimentos dos anos 1960 foi a existência dos mesmos
"quadros interpretativos abrangentes" em ambos os lados do Atlântico, no que Doug
McAdam e Dieter Rucht chamaram de "a difusão transnacional de ideias dos movi­
mentos" (1993). Não apenas as ideias, mas as táticas de sentar-se passivamente e de
obstrução cruzaram depressa o Atlântico nos anos 1960. Embora os movimentos
desta década estivessem longe de ser revolucionários, eles podem ilustrar o que Tilly
escreve sobre difusão transnacional e situações revolucionárias: num mundo em
que a comunicação é rápida "a demonstração de que um Estado importante está vul­
nerável [ ... ] sinaliza a possibilidade de fazer demandas similares em outro lugar e
disponibiliza habilidades e doutrinas transferíveis" (1993: 14).
Tanto na Europa quanto na América, os movimentos dos anos 1960 combina­
ram organizações herdadas da "velha" esquerda com novas que usavam formas
mais descentralizadas de mobilização (ISSERMAN, 1987). Nos Estados Unidos, o
Students for a Democratic Society era o grupo mais visível da Nova Esquerda, mas
outros, de coloração marxista e social-democrata mais tradicionais, também esta­
vam ativos. Na França e na Itália, os estudantes que tinham aprendido sobre políti­
ca nas "velhas" esquerdas comunista e católica foram os criadores dos movimentos
da "Nova Esquerda" da última parte da década. O "maoísmo" deu um novo alento
a esses movimentos, mas já no início dos anos 1970 muitos tinham voltado para os
tipos de organização leninista (BOBEIO, 1979; TARROW, 1989a).
O repertório do confronto dos movimentos dos anos 1960 também se expan­
diu rapidamente, indo das demonstrações planejadas, herdadas pelos estudantes
de seus antecessores marxistas, para as táticas de resistência não violentas e de sen­
tar-se passivamente aprendidas nos movimentos pelos direitos humanos. A rejei­
ção à liderança da velha esquerda significou também rejeitar suas táticas convencio­
nais - em parte para se diferenciar de seus antecessores e em parte para obter a
atenção da imprensa, de outros estudantes e das autoridades.
Em cada país, uma espiral de grandes demandas se moveu para além dos con­
frontos que começaram como conflitos de interesses concretos. Quando os protes­
tos se espalharam, as coalizões de desafiantes tentaram formar organizações de mas­
sa e ampliar suas reivindicações, mas os mais militantes entre eles radicalizaram suas
demandas em desafios gerais à autoridade, enquanto os mais moderados foram para
partidos institucionalizados e sindicatos (LANGE; IRVIN & TARROW, 1989).
A amplitude desses movimentos e sua rápida difusão pareceu ameaçar a ordem
estabelecida, dando origem aos contramovimentos, às demandas pela lei e pela or­
dem, algumas vezes por reformas, mas usualmente por formas mais efetivas de con-

199
trole. Tanto na Europa quanto na América, o fim do ciclo presenciou uma polari­
zação entre moderados e radicais, táticas institucionalizadas e violência organiza­
da. Tal com em 1 848, o que começou como uma primavera de liberdade acabou
em repressão e desilusão.

Ciclos revolucionários e não revolucionários


Mesmo o leitor casual terá notado que nas duas seções precedentes lidei im­
parcialmente com um ciclo verdadeiramente revolucionário - o de 1848 - e com
os anos 1960, que hoje poucos poderiam chamar de revolucionário sem tornar este
conceito muito elástico. Esta mistura de ciclos revolucionários e não revolucioná­
rios é uma provocação intencional: o estudo da revolução tornou-se tão isolado
14
que precisamos lembrar que as revoluções são uma espécie de confronto .
Como vimos aqui, são muitos os paralelos entre os ciclos de protesto e os pro­
cessos revolucionários. Para vê-los, precisamos distinguir entre situações revolu­
cionárias e resultados revolucionários (TILLY, 1 993). Enquanto que as situações
revolucionárias são momentos de profunda fragmentação do poder do Estado, os
resultados revolucionários são transferências efetivas do poder do Estado para no­
vos conjuntos de atores. Uma revolução completa combina os dois. As grandes re­
voluções passam tipicamente por várias fases: situação-resultado-nova situação­
resultado e assim por diante até que algum conjunto de atores políticos consolide
o seu poder sobre o Estado e derrote a rodada seguinte de desafiantes.
Numa visão retrospectiva, podemos dizer que uma revolução pode ocorrer
quando os estados perderam a capacidade de manter suas funções básicas, e quan­
15
do ao menos dois competidores lutam pelo controle (TILLY, 1993) . Podemos ver
tal situação de forma nítida na deflagração da Revolução Russa em fevereiro de
1917. O governo do czar tinha perdido o controle e a legitimidade devido aos seus
fracassos de guerra. Enfraquecido o governo czarista pela interrupção do abasteci­
mento de alimentos nas cidades e pelo descontentamento camponês, as derrotas
no Jront fortaleceram a oposição e Lenin e seus bolcheviques consolidaram o seu
apoio clamando por "pão, terra e paz".
Mas visto que existem tantas situações potencialmente revolucionárias nesses
termos, tal como nos ciclos de protesto só podemos descobrir as que irão produzir
revoluções através de uma análise cuidadosa do processo político que leva das
condições revolucionárias aos resultados revolucionários. Tanto nos ciclos de mo-

1 4. Ver Goldstone 1997, sobre um importante desafio à tradição de separar a análise das revoluções
daquelas relativas aos movimentos sociais.
15. Tilly especifica isso como "mais do que um" disputando pelo poder, cada um deles recebendo
apoio substancial da população. Quando alguns regimes terminam, entretanto, eles acabam rendo
pouco apoio de qualquer grupo substancial na sociedade - como o Xá do Irã, que fugiu de forma infa­
me porque acabou tendo pouco apoio. Sou grato a Jack Goldstone por me mostrar isso.

200
vimentos como nas revoluções, um desafio bem-sucedido de um ator que antes es­
tava em desvantagem simultaneamente (1) divulga a vulnerabilidade das autorida­
des, (2) fornece um modelo para uma reivindicação efetiva, (3) identifica possíveis
aliados para outros desafiantes, (4) altera as relações existentes entre os desafiantes e
os detentores de poder e, (5) por meio disso, ameaça os interesses de ainda outros
atores políticos ancorados no status quo e que são, assim, também acionados.
Tal situação torna-se revolucionária se e quando as elites no poder rejeitam to­
das as reivindicações apresentadas e quando alguns desafiantes com pretensões à
soberania ganham poder e se aliam para fortalecer suas posições contra novos de­
safiantes. Tal processo por vezes divide os atores mobilizados entre membros do
regime e outsiders, desmobiliza alguns desses últimos e leva os que permaneceram
a ações cada vez mais arriscadas até que a repressão, a cooptação e a fragmentação
termina o ciclo.
Os três processos dinâmicos descritos anteriormente podem ajudar a distin­
guir tais resultados revolucionários dos ciclos mais comuns de confronto. Quando
as elites reagem às reivindicações de amplo espectro feitas por coalizões de desafi­
antes, reprimindo cegamente e recusando-se a atender qualquer uma delas, um
sentimento de injúria e de acentuada solidariedade contrabalança o processo de
polarização e impede as deserções. Jack Goldstone se refere a isso dessa maneira:
No caso de um movimento revolucionário , comece ele como um mo­
vimento para a lcançar uma certa política ou objetivos relacionados a
atitudes, ele se desenvolve através de um esforço de colaboração de
diversos grupos com vários objetivos políticos num movimento que
visa derrubar o Estado. Ele vai nesta direção exatamente porque o
Estado adota uma postura repressiva que indica uma firme resistên­
cia: proíbe ou circunscreve severamente as ações do movimento, opõe-se
fortemente a todos que se aliam a ele e pode tentar eliminá-lo e a seus
apoiadores ( 1 997: 4)
Mas a repressão do governo pode assumir muitas formas e atuar com eficiência
variável. "Onde o governo é capaz de dirigir suas medidas repressoras, de forma
clara e discriminada, aos apoiadores do movimento", continua Goldstone, "é pro­
vável que a repressão ou termine o movimento ou o conduza à clandestinidade".
Onde a repressão é difusa, inconsistente e arbitrária, ou onde ela é limitada por
pressões internacionais ou domésticas, "é provável que o movimento atraia apoia­
dores à medida que radicaliza seus objetivos e ações" (GOLDSTONE, 1997: 5).
A radicalização também depende das relações internas na oposição e pode se­
guir nossos três processos dinâmicos. A repressão geral enfraquece a posição dos
moderados (porque elimina, por exemplo, a possibilidade de conciliação e torna a
deserção inútil ou perigosa) e fortalece a dos radicais. A violência - mesmo a vio­
lência governamental - e a divisão em f acções dão vantagens aos radicais na com­
petição por apoio no interior da coalizão revolucionária. O mesmo processo pode
ser deflagrado por ataques externos que enfraquecem a posição dos moderados e
fortalecem os mais determinados e preparados para silenciar a oposição interna.

201
Novamente, vemos isso de forma mais clara no caso da Revolução Russa, quando
Lenin eliminou primeiro o governo provisório e depois seus competidores social­
revolucionários.
Um outro processo ajuda a avançar no caminho revolucionário: a deserção dos
membros da elite para a oposição, seja por indignação diante da brutal repressão e
da falta de flexibilidade do governo, seja por simpatizar com os objetivos da oposi­
ção ou por desejar promover os seus próprios valores ou ambos. Este foi o grande -
e bastante inesperado - aspecto das "revoluções" de 1998 na Europa Oriental,
quando até mesmo a polícia associada à temida República Democrática Alemã se
deteve e não atacou os manifestantes em Leipzig e em Berlim Oriental.
As situações revolucionárias assemelham-se, portanto, ao início dos novos de­
safios de movimentos sociais ao sistema político existente. Um se converte no ou­
tro à medida que os desafios se multiplicam, põem em risco os suportes de todos os
atores potenciais existentes no sistema e conduzem a opções governamentais que
ao mesmo tempo reprimem toda a oposição e, involuntariamente, dão vantagens
aos opositores mais determinados do regime. Os movimentos sociais, os ciclos de
protesto e as revoluções, como conclui Goldstone,
não são genera diferentes de fenômenos sociais . . . nem são simples­
mente o mesmo fenômeno, diferindo apenas em graus do suave ao ex­
tremo. Ao invés, é melhor pensá-los como uma família de fenômenos
relacionados, originados de um conjunto similar de circunstâncias,
mas que se desenvolveram e divergiram devido a padrões distintos na
interação entre os movimentos de protesto, reação do Estado, ambi­
eme social mais amplo e avaliações culturais do Estado e das ações de
protesto (1997: 24) .

Uma nota sobre democratização


O mesmo tipo de raciocínio analógico pode nos ajudar a desvendar os proces­
sos em ação e os resultados de um outro tipo de ciclo - o da democratização. Base­
ando-se em grande medida nos modelos espanhóis, a democratização é mais fre­
quentemente tratada como um processo que é basicamente iniciado e controlado
pela elite (O'DONNEL & SCHMITTER, 1 986) . Mas a democratização tem em co­
mum com os ciclos revolucionários as lutas pelo direito de arbitrar entre grupos
opostos de lideranças apoiados por diferentes setores da população. Como nos ci­
clos revolucionários, nela também ocorre a deserção de membros do Antigo Regi­
me e o papel-chave das forças armadas. Mas, quando tem sucesso, ela ocorre atra­
vés de um jogo em que participam um maior número de posições intermediárias
entre os antigos governantes e as novas elites, e é menos o resultado da violência
do que as revoluções bem-sucedidas.
As revoluções democráticas de 1 989 na Europa Centro-Oriental serviram para
lembrar os estudiosos de que a democratização, por mais pacífica que seja, é um

202
processo contencioso que tem semelhanças de família com os ciclos de movimen­
tos e os revolucionários. Trabalhos recentes sobre 1898 na Europa Oriental (FISH,
1995; OBERSCHALL, 1996; ZDRAVOMYSLOVA, 1996) e sul da Europa e Améri­
ca Latina (BERMEO, 1997; COLLIER, 1997, TARROW, 1995c) e trabalhos teóri­
cos de Markoff (1996) e Pagnucco (1996) começaram a desafiar o ponto de vista
que considerava as democratizações recentes como fruto de negociações entre eli­
tes, mas ainda nos faltam ferramentas conceituais e bases empíricas para incluir as
16
transições democráticas na família dos processos contenciosos •

Os diversos finais de ciclos


Vistas à distância, as ondas de ação coletiva das revoluções de 1848 em diante tra­
çam parábolas que vão do conflito institucional ao pico entusiástico do confronto, ao
colapso final ou - no caso de revoluções bem-sucedidas - à consolidaçâo de novos re­
gimes. Depois de obter a atenção nacional e a reação do Estado, elas atingem picos de
conflito que são marcados pela presença dos organizadores que tentam difundir as re­
voltas para públicos mais amplos. Como a participação é canalizada para a organiza­
ção, partes dos movimentos assumem uma lógica mais política, engajando-se em bar­
ganhas implícitas com as autoridades. À medida que o ciclo se desacelera, a exaustão e
a polarização se expandem e a iniciativa passa para as elites e partidos.
Nesses ciclos, a multipolaridade das interações e as reações distintas das autori­
dades tornam os seus finais muito menos semelhantes do que seus começos. A difu­
são da ação coletiva vai dos primeiros desafiantes para os que aderem depois, as
oportunidades políticas vão dos desafiantes iniciais para seus aliados e daí para as
elites, diferem as escolhas do governo sobre quem reprimir e a quem se irá facilitar e
também as divisões internas ocorridas nos movimentos entre moderados e radicais:
tudo isso aumenta o número e a variedade das interações no curso dos ciclos e, como
no despertar das revoluções de 1848, os encaminha para direções divergentes.
Por exemplo, os governos que se seguiram à onda de protestos em 1968 na Eu­
ropa Ocidental eram diferentes em cada país. Na França, uma coalizão conserva­
dora revisou fundamentalmente o sistema educacional que os estudantes tinham
contestado em maio, mas revogou os ganhos salariais obtidos pelos trabalhadores;
na Alemanha Ocidental, uma coalizão social-democrata chegou ao poder, ampliou
o sistema de previdência social do país e lançou uma Ostpolitih em relação à Ale­
manha Oriental comunista; enquanto na Itália uma sequência rápida de governos
de centro-esquerda estabeleceu um grau de poder para a classe trabalhadora nas
fábricas que só foi revertido nos anos 1980, deixando o sistema político intacto. Os
finais dos ciclos de protesto nunca são tão uniformes como seus começos, e isso
nos leva diretamente à questão sobre os resultados dos movimentos.

16. Para um primeiro esforço, ver McAdam, Tarrow e Tilly: "Toward an lntegrated Perspective on
Social Movements and Revolution".

203
10
Lutando por reformas

e f. estranha para introduzir uma d.i scussão sobre


Lutando por re1orn1as: un1a rnse e • ·t b
. · · , I arque poucos movimen os uscam
os resultados dos 111ovimentos sociais. sso P . . . .
e ·tos reJ·eitain completamente o reformismo. Os atiVIstas dos
apenas re1ormas, e mu1 h · d
·
1novin1entos e1ainam por m udanças sociais básicas , pelo recon
, ,. . ecimento
. . e. novas
identidades, pela entrada no sistema polític~, pela d;stnnçao de seus I~umigos ou
pela derrubada da ordem social- raramente !e.forro~ • Quando, como vimos no c~-
pítulo anterior, os movimentos se acumulam num e1clo geral de confrontos, as rei~
vindicacões se tornam tão amplas e as elites tão acuadas que profundas mudanças
são forç;das na agenda. No entanto, como afirmo neste capítulo, a estrutura da poh-
tica que processa as reivindicações em estados democráticos força-as para um cadi-
nho comum, do qual os resultados mais prováveis são ciclos de refarma.

A ambiguidade dos resultados da política


Por muitos anos, os analistas de movimentos sociais lamentaram nossa falta de
conhecimento sobre os result~dos de atuação (GIUGNI, 1994; 1997; GURR; 1980;
MARX &WOOD, 1975). Na ausência de informações convincentes sobre os resul-
tados dos movimentos algumas taxonomias foram pro~uzida.s - quase tantas quanto
os estudos sobre o assunto. A tipologia de William Gamson é a mais conhecida, mais
simples e a que mais se usa. Em Strategy of Social Protest, Gamson fez uma distinção
entre os desafiantes que recebem novas vantagens e os que ganham aceitação (1990,
cap. 1). Iss~ produziu a sua conhecida classificação quádrupla de "resposta comple-
ta" e derrota nos dois extremos e "cooptação" e "preempção" no meio (cap. 3). Tom
Rochon e Daniel Mazmamian adicionaram um terceiro tipo de resultado - mudan-
ç~s nos val~res sociais ( 1993). Paul Schumaker identificou cinco tipos de responsi-
~dade do ~IStema,,,que vão da "responsividade diante do acesso" à "responsividade
diante do impacto (1975), e Paul Burstein e seus colaboradores acrescentaram os
"impactos culturais" à lista de cinco tipos de Schumaker (1991) 17 • ·

l!. Quand~ adicionam~s objetivos não-políticos à lista, como transformação de pessoas e estabiliza-
çao do movim:nto, as d~,mensões d~ suce~~o tornam-se ainda mais amplas e fica claro por que Marx e
Wood conclmra~ que o estudo s1stemat1co sobre as consequências elo movimento social é muito
menos desenvolvido do que o estudo d as cona·içoes
- antenores
· que fazem surgir os movimentos "·
Ver, destes autores: "Strands of Theory and Research in Collective B h • ,, 405
e av10ur , p. .

204
Parte do pro blen1a é que en1bor - · · 1
. ' a seJa passive relacionar os resultados com os
es forças d os movnnentos não é fác·1 · l ··r· .
,r· p . '
do espec1 1co. rec1sainos acrescenta ,
1 Ic enti icar quais ações causaram um resulta-
d . .
. . .. r as vozes os at1v1stas o impacto da opinião
Pública, os grupos de interesse os pa1At'd1 os. e os executivos
. . ·
como causas potenciais
..
. • eomo
. p au 18-urste1n
,. • • • A ,

dos resultados
. que 1nteressain
. _ aos 1novimer1 tos • escreve quan-
do analisaª 1uta pela legislaçao por oportunidades iguais de emprego "ela foi ado-
tada como un1 resultado de 111uda·r1 · · .. . . ' . . ,
. A. . . ,. . • • ' ç~s sociais que se manifestaram na op1n1ão pu-
blica, cnstahzarain-se
, .. , . dueitos civis e 1105· rnovi·m en t os ·f em1n1s
nos · · tas e ·f 01· trans-
formada em poht1ca publica por líderes políticos" (1985: 125).
~lé1~1 disso, ondas internacionais de 1novimentos ou de opinião podem gerar a
conv1cçao d~ q~e alguinas n1udanças são inevitáveis - mesmo quando os movi-
mentos loca1s_s~o fracos ou não existem. Por exemplo, o sucesso do movimento
pelo voto feminino ein todo o mundo industrializado aproximadamente no mes-
mo período da história foi mais um resultado de uma onda de opinião transnacio-
nal do que dos recursos de um movimento ou tática específica. O mesmo ocorreu
e
com o ambientalismo e a criação de ministérios organizaçõ~s relacionadas ao
meio a1nbiente em todo o mundo (MEYER et al., 1997).

Greves e outros resultados


U1na exceção parcial dessa complexidade pode sei encontrada nos resultados
de greves. Alguns estudiosos analisaram, a partir .de 1960, os efeitos da violência
no trabalho, as variáveis contextuais, o tamanho do grupo, a duração e a natureza
8
das reivindicações quanto aos resultados da greve 1 • Estes não eram completamen-
te uniformes, mas em relação a países tão diferentes quanto a Itália do fim do sécu-
lo XIX, os Estaqos Unidos em meados do séçulo XX e a Polônia nos anos 1990, a
maioria das pesquisas converge.para a descoberta de que as greves são efetivas em
obter concessões' do governo ou dos empregadores (OSA, 1998}. Além disso, pare-
ce que "as características das greves singulares são mais importantes do que as va-
riáveis contextuais para explicar a violência e os resultados" (GIUGNI, 1994: 6).
Contudo, as greves são um tanto especiais: o alvo costuma ser um emprega-
dor, as demandas são colocadas claramente, a duração do protesto é curta e os tra-
balhadores são usualmente autônomos e bem organizados. Ao invés, no contexto
dos ciclos de confrontos descritos no cap. 9, os movimentos raramente são unifica-
dos, suas reivindicações são qua$e sempre imprecisas e utópicas - e talvez visas-
sem mais a mobilização dos militantes internos do que convencer os seus oposito-
res. o ''sucesso", para muitos movime~tos, pode consis. t~r mais em estabelecer
uma identidade coletiva do que conquistar sucesso pohtico (MELUCCI, 1996;
PIZZORNO, 1978).

18. Ver: Taft e Ross, 1969. • Snyder e Kelly, 1976. • Shorter e Tílly, 1871. • Conell 1978, assim como
o sumário de seus achados em Giugni, 1994 ·

205
Alénl disso, quando a's elites f~can1 dian_te de uina inultiplicidade de relações
COITI aliados e desafiantes, coin1~etidores e Cl~~clãos, elas não respondem. tanto. às
reivindicações de qualquer 1~1ovin1 ento ~specifico, tnas sim à estrutura de conflito
generalizado que enfrentam. Em tal Confrontação, é mais provável que elas façam a
inediação entre as den1andas a elas coloca_das _do que reajam a elas parcelada-mente,
enl busca de soluções de 111ínimo den0111inador con1utn que derrotem seus inimi-
gos, imponham O controle social e satisfaçam aliados e apoiadores. ·
Isso se aplica até para as greves de 111assa que a~ingi~ain o estado francê~ em maio
de 1968; foi para erradicar o movimento estudantil radical e pôr a economia nos tri-
lhos que O governo cedeu às demandas dos trabalha~ore~. Entretanto, q~ando pas-
sou a aineaça geral, 0 governo _deflacionou a economia e tsso anulou muitos daque-
les ganhos (SALVATI, 1981). É difícil destacar os resultad?s do~ desafios de movi-
mentos individuais dos ciclos gerais de confronto nos quais muitos deles surgem.
A presença de aliados nà sistema político é urp fator particularmente importante
na produção de resultados políticos favoráveis aos_movimentos sociais QENKINS &
PERROW, 1977; LIPSKY, 1968). De fato, atuando f~equentemente como interme-
diários não convidados entre desafiante~ e detentores de poder, os aliados podem
ter um resultado maior do que os próprios movimentos ao moldar as reações das
elites. O processo político dá a terceiros, grupos de interesse e aliados e opositores
dos movimentos um papel-·chave na conformação das respostas políticas. Como
argumentam Edwin Amenta ·e seus colaboradores, "o contexto -político media o
impacto da organização e dá ação do movimento sobre seus objetivos e estabelece
o alcance dos possíveis resultados'·' (1992: 309).
a
Isso posto, quais são os fat~res que ajudam um movimento ter sucesso? A
maioria dos estudiosos concordam que o poder de produzir rupturas· conduz a su-
cessos de curto prazo. Por exemplo, ao rever ,as ondas recorrentes de reforma do
sistema de bem-estar social nos Estados Unidos, Piven e Cloward escrevem que
"mecanismos de assistência social são iniciados ou expandidos durante as iirup-
ç?~s ocasionais de desordem civil produzidas pelo desemprego em massa" (1993:
xiu). De forma semelhante, Tilly concluiu, a partir de seu estudo sobre um século
d: con?i_to na Europa, que " nenhum grande direito político passou a existir sem a
d!.sp,?siçao de algumas pc;trtes daqueles grupos [de protesto] para superar a resis-
tenc1a do governo e de outros grupos" (1975: 184). ·
?utros eSludiosos focalizaram principalmente as aberturas de opórtunidades
1
po Iticas para explicar o sucesso dos movimentos QENKIN & PERROW 1977'
TARROW 1989a· 19896) ó d · '' '
ticul ' . ' . · acesso e novos atores ao sistema político ajuda par-
de farmente a incluir . · questõ es na agencla e faz com que o equilíbrio de po-·
. novas
r avoreça os mais antigos As · 1· - .
incluir a classe· t b Ih d · sim, ª ainp iaçao dos eleitorados ocidentais para
dos progressista
ra a a ora inoveu O
,· d
'l'b · l ·
equi 1 no e e poder do1néstico para os paru-
·
ram as greves e 1
s, que rapi amente apro
. . 1 ·1 1 1· a-
varan1 a eg1s ação do bem-estar, ega 12
e egerain os primeiro s t rabalh a d ores para cargos públicos. Nos 1u-

206
gares e1n que os movin1entos pelo v t f ll _
1 - . o o a 1aran1 - -
or exe1np o, co1n o inovnnento pelo v 0 t0 f -. . . como aconteceu por décadas
Pue "os parti·dos de opos1çao
· ~ nunca 1 en11111no ,
· SUiço - fo1. precisamente por-'
q . d ~ ~ " ançara111 um de f'10 1 .
~
e
arndos o governo a açao , e as elites . sa e eitoral que incitasse os
P . .d d cen arain hleir
consenso interno cu1 a osainente co _ "d as em vez de pender para um
nstnn o (BANASZAK 1 . 19
Ainda outros estudiosos apontar _ , 996. 215-216) .
. ai11 co1no chav .
internos, as organizações e as estratég· d d _es para o sucesso os recursos
· - . ias os esafiantes· - 1 _
mas de organ1zaçao, seJa111 elas centI~al· d · por exemp o, suas for-
iza as ou des t l' d
cionalização, sejain suas deinandas ab cen :ta tza as; seu grau de fac-
. 'b . - rangentes ou limitad . t... . ,
ara d1stn uir aos apoiadores· e seu . .. . as, se em 1nc~nt1vos
P ' sain v10 1enc1a contr . io
ainda focalizara111 as variáveis ainbientais t
1 , ª os opos1~ores ..,O utr~s
·-ente político, a estrutura de acesso políti'' ªd como ~ numero de ahados, o amb1-
, . , co os mov1men tos e se su ·
crise ou em epocas normais ';(GOLDSTONE 1980 )21 - - rgiram numa
. t b, . . ' · 0 s va1ores e as crenças dos
desa f!-antes oram tan1 em 1nd1cados por estudi .
cesso (BANASZAK, 1996). . osos como importantes para o su-

Mas se tantas variáveis parecem expli·car. 0 s.u cesso ·ou o fracasso d e um movi-
·
men~o, ~orno se comportam quando consideradas em conjunto? Numa análise
; dos dados
mult1vanada " de Gamson. . ' Steedly. e .Fóley descob ·
. nram que o sucesso es-
tava relac10nado, em ordem de 1.mportância rdativa, ao caráter não-deslocado dos
o~~etivos,_ ªº. número_ de_ alianças, à a~sênci~ de faccionalismo, aos objetivos espe-
c1f1eos e hm1tados e a disposição de usar sanções contra os opositores (GIUGNI,
1994: 4). Muitas dessas variáveis teriam que ser consideradas "internas" a um mo-
vimento; mas a importância das alianças no trabalho' de ,S~~eq.ly e Foley, assim
como a pesquisa sobre o papel das crises políticas periódicas (ex.: GOLDSTONE,
1980; SNYDER &: TILLY, 1972), sugerem que' é pr~ciso uma combinação de fato-
res - internos e externos, organizacionais .e p~lític~s, ~struturais e e~aatégicos -
para conduzir os movimentos ao sucesso.

19. Num estudo comparativo sobre os mommentos pelo voto feminino suíço e americano, Lee Ann
Banaszak insiste na primazia dos valores e crenças na explicação das diferenças de sucesso e fracasso
dos movimentos (1996) e é cética quanto ao peso das oportunidades (ela fala pouco sobre restri-
ções). "Precisamos" ela afirma "ir além da estrutura de oportunidade política e examinar teorias so-
bre como valores e c~enças col~tivos têm um papel no processamento da informação e sobre como as
percepções são desenvolvidas, especialmente as que afetam a ação,, (p. 32). Mas se os valores e per-
cepções das mulheres suíças ''determinaram amplamente se e como o movimento atuava" (p. 217),
talvez o que elas percebessem fosse uma estrutura de oportunidade que - pelos indícios da própria
Banaszak- não era muito encorajadora.
20. Strategy of Social Protest, de William Gamson, é o ponto ele partida necessário para a análise dos
aspectos dos movi.mentas que conduzem ao seu sucesso. Alguns trabalhos se~uiram, a publicação da
pesquisa de Gamson, uns apoiando seus achado~, out:os ob~enc~o resultados c;hferentes. Par~ ~,mexa-
me completo das respostas e críti.cas que se s~gmram ~, pubhcaçao do estudo d~ Ga~son, ve1 Outco-
mes of Social Movements: a Review of ~he L1terature (1994·), ele Marco G. Gmgm.
21. Estas descobertas e suas respostas e modificações em trabalho posterior esmo resumidas em Giugni
1994: 9-13.

207
. . ncia O desloca1nento das oportunidades
ntrar tal converge ' d " d ,,
A dificuldade d e enco _ • 1 s e a restauração a or em quando
. durante os c1c o , . o
dos desafiantes para as e1ites _ ,. plicain a pobreza de registros de moVi
f: . que me111or ex -
ciclo termina são os atores . do isso acontece, é quase sempre em termos
.. . lítico. E quan 'b
mentos que tem sucesso Pº . . fl tes que os representam no tn unal. AlélU
. , . . 05 aliados 1n uen . , .
que são ace1tave1s pataf· nto po d en1 pro ,. dtizir coalizões te1nporanas em prol da re-
. .
disso, os ciclos d e con 10 _ b. deinais divididas demais e dependentes de-
1 t elas sao I eves '
forma, mas usua men e , . ara oferecer apoio permanente quando 0
mais das oportunidades t~mp~:
1
~J & CLOWARD, 1971; 1977), A melhor ex-
medo da desorden1 desaparecde f· quentes reversões dos resultados das políticas
- d • os sucessos e as re .
pressao os rar , b ,. do eloquente livro de Frances Fox P1ven e Richard
1
dos movimentops e ol ;uMto1:i;:ents: Why They Succeed and How They Faíl (1977).
Cloward, Poor eop e s . .
• tos não desaparecem simplesmente, deixando atrás
No entanto, os 1nov1men . .
. epressão· eles têm efeitos 1nd1Tetos e de longo prazo, que
de s1 apenas cansaço ou r , . . . . _ .
iasmo inicial e a desilusao passa. Eles podem se rea-
surgem quand o aca b a o entus . . ,.
grupar quando O ciclo termina e surglf~m novas oportumdad~s;_ espec1~lm_en~e
quand o oS mºVl·mentos deixam atrás de s1 redes . . duradouras _de. ativistas., . Ha~ tres .-ti-
pos importantes de efeitos de longo prazo e 1nduetos d_o~ movimentos ._o seu efeito
na socialização política das pessoas e dos grupos participantes; os efeitos de suas
lutas sobre as instit1:(ições e práticas políticas; e sua contribuição para mudanças na
cultura política.

O político é pessoal
"O que mais lembramos, depois da intoxicação de um ciclo de protesto, escre-
ve Aristide Zolberg, "é que os momentos de entusiasmo político são seguidos pela
repressão ou pelo autoritarismo carismático, algumas vezes pelo terror, mas sem-
pre pela restauração do · tédio" (1972: 205). O economista Albert Hirschman vai
mais longe citando um "efeito rebote", pelo qual os indivíduos que se atiraram
com entusiasmo na vida pública voltam à vida privada com um grau de desgosto
proporcional ao esforço que despendera·m (1982: 80) .
. Num ciclo de confronto, os primeiros insurgentes frequentemente o veem enca-
minhar-se para direções nunca imaginadas. Quando dois dos fundadores da repúbli-
ca americana, John Adams e Thomas Jefferson, olharam para trás, não ficaram feli-
ª~
z_es ver O que sua geração tinha feito. Em vez de uma república da virtude a "Amé-
nca. tinha criado
. uma so cie
· d ad e imensa
· e d'1spersa, que era mais . iguahtana,
. • ,. · mais · me-
diana.,e maIS dominªd a pe1os interesses
· das pessoas comuns do que qualquer uma
que Jª tenha existido" (WOOD 19 , · e
, 91: 348). Detestando a cultura de negoc10s qu
estava tomando conta d 0 15
, . . pa.
, J rc
, e ierson nunca considerou "o quanto seus pnncipIO
s . ,·
d emocraticos e 1gualit' · · h 111 · d
'd anos
s ua VI a, e1e escreveu a um tln ª contribuído para isso,, (p. 367). Quase no fnn e
· ." ·o a
uma geraça- 0 q _ h amigo. Tudo, tudo 1norto, e nós sozinhos em mei
ue nao con ecem -
os e que nao nos conhece" (p. 368).

208
d:
A desilusão d .
entre a ambição ~effers_o~1 era resultado ~ão do ativismo em si, ~as do espaç~
P1OJeto IJara a Aménca e os resultados efetivos da revolu
Ça- 0 . Pode-se d.1zer O eu
. ·
Europa c 01110 nos E ~nesnio em relação a muitos ativistas dos anos 1960, tanto na
caráter utópico d Slados Unidos, cuja desilusão foi vivida em proporção direta ao
como, por exein ~ s_uas demandas. Ativistas de movimentos menos am.biciosos -
4) ou "os p º~ ?5 que tên1 objetivos limitados nos estudos de Gamson (1990,
ap
e . ' (1992)inovune
Wolfson _ _ 11t
os d e consenso;' estudados por John McCarthy e Marc
desilusão de uma :ao menos propensos a saírem marcados permanentemente pela
, . ainpanha de protesto. ,
Alen1 disso, a desil ~.
ontamentos e da exauus~o pode ser apenas de ~urto ~ra~o: o result~do de desa-
pd t - d
a ex ensao . e dsuas cre
ªº
st de n10111ento. Atraves de tecntcas aprendidas na luta,
f nças para novos setores ele atividade e da sobrevivência de
re.desd d e am1za. e onnadas no 111ov1mento,
• o ativismo gera ativismo futuro, mais
autu. es po 1anzadas em relaçao - a, po l'1t1ca
· e maior prontidão para aderir a outros
movimentos.

O movimento como p-rocesso enriquecedor


_Em 1964, ao descrever suas espera:q.ças· em relação ao Freedom Summer, o or-
gan~zador _do_ S~C~ Bob Moses convocou em 1964 para um "processo enriquece-
d_or no ~1s~1s~1p~1. Para os ativistas do movimento, "no 'calor branco' daquele ve-
rao no M1ss1ss1pp1 [ ... ] a política tinha se tomado -a força organizadora central em
suas vidas._Dali em diante, "tudo o mais - relações, trabalho, etc. - organizou-se
em torno da política" (McADAM, 1988: 186-187). Outros ciclos de movimentos
em todo o mundo levaram a acrésci~os similares de militância e de politização. Na
Indonésia, para aqueles que aderiram ao radical Socialist Youth depois da II Guer-
ra Mundial,
a enorme onda de entusiasmo pel~ política saiu do controle. Cada
pessoa sentia-se como se não estivesse viva, a não ser que fossem liga-
das à política, que debatessem sobre política [... ] Política! Política!
Em nada diferente ao arroz sob a ocupação japonesa (apud ANDER-
SON 1 1990: 38).
A participação em movimentos não era apenas politizante; ela dava poder, tan-
to no sentido psicológico, de dar uma crescente disposição a assun1ir riscos, como
no político, de dar acesso a novas habilidades e à perspectivas a1npliadas._No outono
de 1964, por exemplo, um voluntário do Freedom Su1111ner disse a Doug McAdan1,
ao descrever O seu retorno do Mississippi para a Universidade da Califórnia: o
"Freedom Summer tendeu a encorajar a~ pessoas; você sentia que, por ter estado
lá, você sabia do que estava falando" (1998: 166). Outro se expressou dessa nrnnei-
ra: '(Todo mundo sabia do projeto de verão e todos queriam 111e perguntar con10
ele era e ... eu era uina autoridade, uina autoridade ele mon1ento sobre o n1ovünen-
to pelos direitos civis" (p. 170). Cmno um resultado ele sua politização, 111uitos

209
. . . . . __ _ riain papéis-chave no movimento
ex-ativistas do Freed01n Su111me1 deseinpen118 t dantil antiguerra e f
d 111 ovhnentos es u , e-
Free Speech e111 Berkeley e, 111ais tar e, nos ·
minista (p. 203). .
, · f01. partJ.culannente
. Este ultnno . • . .. 'do •Por veteranos
ennquec1 . das .campanhas
. pe-
los direitos civis. Através de sua experiência, as 1nulheres Jovens que tinh~m parti-
cipado nas atividades pelos direitos civis aprenderam que seus_ comp~nhe1ros mas-
culinos não eràn1, frequente111ente, 111enos sexistas e se1n consideraça_o com as mu-
lheres do que seus opositores. O seu ressenthnento, somado à autoconfiança que
ganhara1n no sul, foi 11111 ingrediente;..chave na fundação do novo movimento femi-
nista (EVANS, 1980: cap. 4 e 5). Entrevistadas vinte anos mais tarde, mulheres
ex-voluntárias da Freed01n Sutnrn.er estavam.1nais frequentemente envolvidas com
inovünentos sociais conten1porâneos do que seus companheiros masculinos e
mais propensas a pertencer a organizações políticas (McADAM, 1988: 222).
Entretanto, as narrativas dos ex-mi~itantes dos anos 1960 contám uma história
mesclada. Para alguns, os anos 1960 nãô foram apenas o período formativo de suas
vidas: eles deixaram lembranças positivas e produziram uma orientação ativista
duradoura. Por exemplo,Jack Nelson, um advogado bem-sucedido de New Orle-
ans que cuidou de vários casos para o movimento pelos direitos civis no início dos
anos 1960, usou os seguintes termos para descrever o impacto pessoal de sua ativi-
dade à historiadora Kim Rogers:
Eu mudei minha vida. E, em vez de tentar mudar o mundo usando
. esta:pessoa, aquela org~nizaçã9 eu provavelmente comecei a mudar a
minha vi~a ... E, eu disse: um momento, eu tenho que mudar. E mu-
dei, e então tudo veio _naturalmente (1993: 172).·

Mas nem tudo veio tão naturalmente para todos os respondentes de Roger
como para Nelson. A ·geração mais jovem e mais radical de ativistas do Core e do
SNCC ~ue eª.1 entreVIstou
· -em New Orleans consideraram
· desapontadores os seus
a~os pos-moVImentos. Desiludidos com a política e cínicos em relação a ela, "desa-
· ·f·icativas
nimaram de obter mudanças sign1 · atraves, d o processo político" permane-
cendo "altamente interessados, mas amb'1va1entes sobre política e "frequentemen-
'
te tendo saudades da · t ·d d . '
d . , in ensi a e co1etiva de seus passados" (p. 174). Seu ataque
eterm1nado a estrutura de pod b
· e· e
rura15 f er ranco, seu envolvimento com os negros pobres
- 5 us racassos subsequ · t d ·
profundainente d _ d en es eixaram os ativistas do Core e do SNCC mais
esaponta os com os result d d . .
cionistas como Nelson. a os o movimento do que os integra-
Envolver-se em movime t 5 -
zá-las. Jack Bocker faz _ n ? nao apenas politiza as pessoas; pode radicali-
este registro e111 r 1 ~
na América do século XIX e açao aos movimentos pela temperança
1.
votaram-se · ·
para táticas 111 •
, que c01neçaran1
.
· -
· com tentativas de persuasao mora,
1
a1s agressivas q . .
rarn demandas mai.s ainbici uanc1O as pn~ne1ras falharam e apresenta-
mesmo se aplica: em relaça~o· asas pqra as autoridades (BLOCKER 1989· xvi). O
· aos 1novi~e11t 111 1. , ·
· os a s recentes; quando McAdam com~
210
rou as atitudes políticas dos voluntários l·
n ao M1ss1ss11Jpi d

Pª andidatos que optara1n por nã O . . qt~e .tavmn do Freedom Summer às
dos e b · . • ·
. tinha se 1novido ideolog · ican t· ~
1en e para a esquerda , esco nu que o pnmeuo
crrup 0 . .. .
º necerain 111a1s 1noderados E . d . · , enquanto que os outros
perma
os
. d . d f ·' b A. .e • . ~ : quan
organiza ores e a rica Ita 1ianos recntta
°
Carol Mershon comparou as atitudes
l 1..". . ,,.
d . d b .• . . . e e os e urante o Hot Autumn" com as
dos seus pares , esco nu que o prnneiro gruIJ 0 .· . .• . , . .
. 1 - ~ d ..· . b . . era m.a1s 1guahtano e mais propen-
so a ver as re açoes 111 ustna1s as1ca111ente em termos de classe (1990: 311-315).
Desenvolveu-se un1 1nito, gerado principahne· t . 1··1 Th •
. .,. _ _. . d . . . n e por 1 mes como e Big
Clull , de que ex at1v1stas esca1tan1 sisteinat·icamen te suas . •a . a· . d d.
1 eias ra 1ca1s e e 1-
cam seu . .talento ,a explorar as tendências
. convenci· onai·s pre d omrnantes.• Mas a eVI-•
dência disso est~ ~aseada nas b10grafias de u1nas poucas celebridades, e há muitos
dados en1 contrano. Por exeinplo, o 1nelhor indicador de atitudes radícaís desco-
berto por Fendrich e Krauss entre os adultos japoneses e americanos foi o ativismo
durante os seus anos como estudante (1978: 248). O mesmo ocorreu na Itália·
quando as atitudes dos ativistas comunistas que tinham estado nos movimento~
dos fins dos anos 1960 foram comparada~ com as de seus camaradas de partido
que não tinham experiência de movimentos independentes, constatou-se que os
primeiros eram mais tolerantes cliante do protesto e menos punitivos diante da vio-
lência (LANGE et al., 1989: 34.:.36). .
Descobertas sistemáticas sobre os efeitos da participação em movimentos vêm
tanto da França quanto dos Estados ·Unidos. Quando a falecida cientista política
francesa Annick Percheron analisou as atitudes políticas -dos ex-participantes dos
movimentos dos anos 1960 na França, ~la descobriu que, entre os apoiadores das
três principais tendências políticas francesas, a participação nos protestos contra a
Guerra da Argélia ou nos eventos de maio reforçou as atitudes características de seus
respectivos grupos políticos ( 1991: 56-5 7). De forma semelhante, nos Estados Uni-
dos, Darren Sherkat e Jean Blocker descobriram que os ativistas típicos dos anos
1960 eram significativamente diferentes dos _seus contemporâneos não ativistas -
22
mesmo controlando os fatores que indicam participação em protestos (1977) •

Isolamento e arrependimento
Após os anos 1960 havia muito da angústia metafísica que Zolberg e Hirs-
chman descrevem entre ex-ativistas, tanto nos Estados Unidos como na Europa.
Mas isso pode ter sido mais um resultado de ~uda~ç~s du~ante ª. vida e de altera-.
ções no contexto político do que de reversões 1deologicas. A medida que a cultura

22 • Esp ec1·r·1camente, Sl1er1rn t e Blocl<er constataram


· . . que os primeiros
. . a realizarem
_ . protestos
. . tinham
.
11
orienta - , . . l'l
çoes po1ltlcas mais 1Jera1
·s e eram mais
.· almhaclos
_·. , com pm
. .• tidos e açoes liberais,
. . _ selec10na-
..
vam oc upaçoes - na ,nova e asse,,. ti. ' nl
. 1 am. mais
· · educaçao , .fonnal, unham. menos onentaçoes rehg10sas
1 · .
trad1·c1· • . d s a 01-ganizações
ona1s e eram menos 11.ga .o ·
rehg10sas; casavam mais tarde e eram menos pro-
pensos a terem filhos" (1997: l.050).

211
ontan1 entos dos anos 1970 e ao personalis-
. . d Ies anos cedeu aos d esap .
ativista aque . . . d istiranl e outros fecharam-se em mov1men-
1980 muitos at1v1stas es . " .b 1 .
mo d os anos ' 1970 escreve McAdain, a su cu tura ativista
tos de subcultura. D~rante osdç1nods ·xando os voluntários que permaneceram ati-
foi lenta1nente se des1ntegran o, .de1L ue a d,eca d a avançavc.a" (1988·• 205) .
vos cada vez 1nais isolados à 111e d 1 a q _
. . , feito pessoal na vida dessas pessoas, nem sem-
U1n passado auv1sta tem un1 e ' d 1 - , · d p
10 calcula que 4 7% os vo untanos o reedom
Prepositivo. McAdan1, por exen
1 p , ' . . 19 7
• daquele verão se chvorciaram entre 0 e 1979
Su111mer que se casara111 d ep01s . . . . _, , .
0
Entre os candidatos que optaran1 por não ir ao Mississip~i,_ numero comparavel
ficou abaixo de 30% (1988: 208). Os custos pessoais do atIVIsmo foram ~espropor-
cionahnente altos para as vo 1untanas, .· (p. 220-221) , não . porque. . prefenssem
. uma
.
vida celibatária, 111as porque estavam isoladas por s~a ~ndependencia e esquerdis-
mo de u1na cultura política que caminhava para a duerta.
Tanto nos Estados Unidos como na Itália, os ex-ativistas dos anos 1960 sofre-
ram instabilidade ocupacional, mudando sempre de emprego e estando mais sujei-
tos ao desemprego do que os não participantes. Muitos dos ativistas do Freedom
Summer entrevistados por McAdam atrasaram sua entrada no mercado de traba-
lho para continuar com seu ativismo, fazendo-o apenas no marasmo dos anos
1970 e nunca compensando pelo tempo perdido em suas carreiras (1988:
109-212). Aconteceu o mesmo com os ex-líderes do movimento italiano denomi-
nado Lotta Continua, muitos dos quais ainda estavam trabalhando nas margens do
mercado de trabalho quando foram entrevistados em meados dos anos 198023 •
A Europa Ocidental foi diferente dos Estados Unidos em um aspecto impor-
tante - ao dar a muitos membros da geração de 1960 saídas profissionais nos parti-
dos de massa de esquerda ou nos sindicatos, algo que faltou aos ativistas america-
nos. Ao invés, os ex-ativistas americanos encontraram pouca saída para seu ativis-
mo no sistema partidário, especialmente depois da derrota devastadora de George
McGovem em 1972. Quanto aos sindicatos, embora uns poucos ativistas tenham
se tomado organizadores de camadas populares, o conservadorismo inato e o de-
clínio secular do movimento sindical americano nos anos 1970 e 1980 não fizeram
dele uma saída para o ativismo.

Mantendo a fé por manter o contato


Mas nenhum dos polos extrem _ . . . . .
d º mais. , . os apatia ou profissionalização - foi o resulta-
t1p1co para a geração dos .
continuar.aro r· · e anos 1960 · Muitos foram para a vida privada, mas
a ivos em uma i:orma ou t d . . . . .
lítica· outros passar d _ d.. ou ra e movimento social ou atividade po-
' am a açao ireta d as SMO - s ( organizações
. .
de movimento so-

23. Tarro_w, ~-emocracy and Disorder, ca . 11. Est - , .


para ter s1gmf1cado estatístico mas a m p . . ª observaçao esta baseada em poucos casos dema~s
dos l1'd eres iniciais entrevistados.
' argma 1idade oc upac10na
· 1era verdadeira em relação à ma 10
· na

212
. l) para organizações de serviços grupo d .
eia . . .
e aparentados co1n os seus inovhn . d' s e autoaJuda
.
·a . d •
, parti os e grupos e 1nte-
ress . . entos e ongem ( f r· ) .d
_. . wrnaran1-se atlVIstas profission • d . e · 1gura 8.1 . A1n a ou-
nos ais e movnnentos.
Estes achados fora1n replicados ein algtt d
. du ·d
nos Esta os 111 os. Na Ainérica e
ns e stu os tanto na Europa Ocidental
l
e0 1110 , erca e e metade dos
doin Su1n111er entrevistados M A1 _ ex-vo1un
· t,. · d
anos .o
Free_ . . _ . por e e ain estavam ativos em pelo menos um
inovnnento sacia1VInte anos 1na1s tarde Quanto . . . .. .
,. 1 .. · aos ex-ativistas 1ta11anos entreVIs-
tados era provave que estivesse1n ativos ein u d . . _ . .
, ,. . _. m os trac11c10na1s partidos de es-
querd~ do pais, no Partido Verd e ou num movimento social (LANGE et al. 1989).
Fen dnch e Krauss constataram .
que os t· · · '
ex-a 1v1stas Japoneses frequentemente esta-
vam ativos nunl partido político de esquerda ou num movimento (1978: 245). Per-
cheron encontrou, . entre os,. apoiadores
. ,. 1mu1·t o mais
de parti'dos poli"ti· cos, um n1ve ·
alto de envol~~ento pohti_co entre os ex-participantes dos protestos contra a
Guerra d~ Argeha e ~~ moVImento estudantil de 1968 na França do que entre os
que não tinham part1C1pado daqueles -m ovimentos (1991: 54-55).
Não há dúvidas de que o comprometimento pessoal conta muito para a manu-
tenção do ativismo. Mas os ativistas dos anos 1960 que ainda es_tavam ativos na Eu-
ropa Ocidental ou nos_Estados Unidos nos anos 1980(~stavam quase sempre inse-
ridos em redes de ex-ativistas; eles mantiveram a fé ficando em contato:·Os ativis-
tas que não tinham tais redes, por razões ideológicas ou organizacionais, eram me-
nos propensos a permanecer ativos depois do fim da década (GELB, 1987: 281) .
Além disso, a construção dessas redes pós-ciclos frequentemente foi além do setor
de movimento original (S1v1O) do ativista. Ao estudar o movimento ambiental ita-
liano, Maria Diani descobriu que tanto as redes como as identidades quase sempre
transcendem os laços ideológicos e organizacionais de sua socialização inicial para
entrar no movimento (1995). ·

***
A politização feroz no pico de um ciclo de protesto deixa um rastro de desilusão
e faz com que muitos membros de uma geração de protesto desistam de ter um en-
volvimento ativo. Mas isso é lógico, poi? muitos nunca estiveram profundamente
envolvidos nos movimentos do período. Outros, amargurados pelas falhas do ativis-
mo, escaparam para O utopismo ou para a violência - como os militantes que acaba-
ram no Weather Underground, nos Estados Unidos ou nas Red Brigades, na Itália
(DELLA PORTA 1995, cap. 6). Mas um grande percentual de ativistas dos anos
1960 surgiu forU:lecido, transformado e conectado a redes inforn1ais de outros ati-
Vistas. Uma espécie de "capital social" do 1novimento foi o resultado ma~s duradouro
daquele período de confronto (DJANI, 1.997). Con10 escreve Debra M1nkoff:
Os SMOs nacionais desempenham um papel crítico na sociedade civil
e na produção de capital social ao fornecer ~nfra~strutura pa~a a ação
coletiva, ao facilitar o desenvolvimento ele 1clent1dades coletivas me-

213
. . d de que de outra forma estariam tnar-
· s da soe1e ª
b10
diadas ligando mem 'd: .50 e ao debate públicos (1997: 606).
. 112· ados e dar forma ao iscm
gma

- . e faíscas be1n-sucedidas .
Explosoes f1acassadas ., .· d 110 vin1 entos particulares e se os ati-
. . IJohuco e r -·· . .. . .
Se é difícil predizer o sucesso . . , ·tre1n suas energias na total excitação
. f. temente exal, ,. ,
vistas dos movimentos I equen .. . zo dos inovimentos? E poss1vel predi-
. . - . f · t s de longo pra ,. .
de um Ciclo, quais sao os e ~1 o .d d d eu surgünento ou e por meio do cresci-
zer o seu impacto final pela intens~ a e. ~ s al que os movimentos conseguem su-
. . d . roduçao ger ac10n . . .
menta mcre1nenta1e a rep . ão comparo dois movimentos dife-
7 p • ilustrar esta oposiç '
cesso de longo prazo· ara. _ d IJtil francês de 1968, foi o prodígio do
· · 0 n1 ovi1nento estu a
rentes. O prnneiro, . . nto cmn seus aliados trabalhadores-pa-
d ·d t I quando irr01npeu e - JU . .
mun o oci en ª d ·menta feminista amencano, surgiu lenta-
. VR "bl" O segun o o movi
rahsou a epu ica. ' do movimento pelos direitos civis e traba-
apenas como um ramo ·
mente, apareceu . . d . . . . - da política americana.
lhou, na maior parte, no intenor e 1nst1tu1çoes . . .

Estudantes franceses ._ . _
· d e 1968 e" quase um caso de laboratório para
Na F rança, ma10 . estudar o 1mpac-
to político de uma grande onda de protestos. Como afirmam d01s de seus observa-
dores mais argutos, ·
apesar do retrocesso do movimento e de s~a- rejeição nas um~s, os
Eventos tinham potencialidades que, de um Jeito ou de outro, hipote-
caram por longo tempo e de tal modo a cena política francesa que ti-
nham que ser enfrentados im~diatarriente (CAPDEVIELLE & MOU-
RIAUX, 1988: 219 - tradução do autor).

A onda de protestos de maio de 1968 foi seguida por uma grande reforma edu-
cacional, a Lei de Orientação para a Educação Superior, que atacou as estruturas
esclerosadas do ensino superior que os estudantes de maio tinham inicialmente
atacado. Mas, à medida que a iniciativa se deslocou dos estudantes para os refor-
madores e daí para os grupos de interesse na área educacional e depois para a clas-
se política conservadora, a reforma foi restringida e no final minimizada. Uma bre-
ve revisão de como isso aconteceu esboçará como se restringem as oportunidades e
como as reformas são remodeladas à medida que a ruptura se esvai e as elites re-
. constituem sua posíç.ão depois de u1n ciclo de confronto. ·
. No ~nício da primavera de 1968, os estudantes de esquerda da recém-cria~a
Um:,ersidade de Nanterre se manifestaram com várias justificativas contra a arbi-
:anedad: da aut~r_idade administrativa e também contra alvos mais gerais. Sua de-
.ons~raçao ~o patw da Sorbonne, no início de maio, foi enfrentada por uma corn-
bmaçao de :,iolência policial e incerteza governamental. Quando um grupo de es-
tudantes fo1 brutalmente preso em furgões da polícia, a classe média parisiense se

214
receu. E quándo esta notícia se espalhotl ..
enfu 1 para outras partes d , d
universidades e a guinas escolas secund, .· f . · o pais, ca a uma
d~s . , .. ·a nas orain fechadas.
Não apenas isso: a ined1da que O 111ovhnent 0 .. .
. se expandiu o deseJ· 0 d l"
res de que seus ape1os atingisse1n um IJúblko I r ' I ' , e se~s 1-
de ,. l d . d . nais amp o somou-se a autmnto-
,.1cação natura os estu antes. Co1no resultado ._
x. . . _, .· f ,. d · , as questoes concretas da gover-
ança un1vers1tana or an1 eslocadas pela dem·ind d b· . . _ . . ·
11 . _ • _ 1· d . ,. _ . e ª e su st1tu1çao do sistema de
dommaçao capita 1sta e e 11beraçao da unaginação e . •t . _
- ,.• d d r· . · ercac as por contestaçoes em
tantos lados as au ton a es 1cara1n na defensiva Qu 1O ..
,. b 11 , d . . · anc o movimento se expan-
diu para a classe .tra a. 1a_ ora, o. governo entende··u qu e es. t ava a·1ante . d e uma revo-
lução e1n potencial. A açao C011JUnta entre trabalhadores e est .d t . d
. ,. , d' . . _ . .. u an es era, quan o
muito, espora ic~, inas_ sua coahzao 0 bJetlva deu a cada parte do movimento uma
força que não tena sozinha.
Resistir à tentação de uina repressão brutal foi a primeira tarefa empreendida
pelo governo - de fato, 1968 1narcou u1na mudança permanente no policiamento
das práticas de protestos na França (BRUNETEAUX, 1996; FILLIEULE, 1997). A
segunda tarefa foi separar a classe trabalhadora de seus aliados estudantes e fazer
com que a economia voltasse a funcionar. Recuando de suas políticas neoliberais,
o Prin1eiro-ministro Pompidou negociou com os stndicatos dramáticos aumentos
de salário para isolar os estudantes em $eus redutos ·na .universidade (BRIDG-
FORD, 1989.). O objetivo final era assustar a classe média com o medo da revolu-
ção, conseguido tanto pela abertura dada ao exército pelo Presidente de Gaulle
como pela contramanifestação de massa fdta po~ seus apoiadores. Quando os par-
tidos da esquerda se viram forçados a anunciar sua disposição de formar um gover-
no, de Gaulle teve a oportunidade que preci~ava. A Assembleia Nacional foi dissol-
vida, a oposição foi pesadamente derrotada e os gaulistas e seus aliados voltaram
ao poder com uma esmagadora maioria.
Nos meses que se seguiram às eleições de junho de .1968 o governo, não sem
oposição, reduziu o amontoado de demandas pela mudança educacional que tinha
irrompido em maio a urna grande lei de reforma - a loi d'orientation. Edgar Faure, o
novo ministro da Educação com tendências esquerdistas, foi designado para reor-
ganizar a educação superior em torno de objetivos como participação, n1tlltidisci-
2
plinaridade e autonomia das universidades, recebendo "carta branca" para isso -t.
Uma mudança tão grande não teria sido introduzida na n1esq~i~ha estrutura edu-
cacional francesa sem O impulso de um grande terre1noto poht1co.
Mas a loí d'oríentation foi um sucesso para o 1novin1ento estudantil? Os efeitos
dos movim.entos não são produzidos de forma direta, 1nas através de sua interação
com forças políticas mais ~onvencionai.s e con1 a elite. Os estudantes franceses não

24. Ver "Policy Formulation and the Change in G~~llist France: The 1~~8 Orientation Act o~High~r
Education", de Jacques F. Fomerand, a melhor anahse do processo pohuco envolvendo a Lei de Ori-
entação e os resultados de sua política .

215
tinha1n nenhum plano de refonna para a universidade ~, p~r volta ~~ setembro,
sua influência foi enfraquecida tanto porque as reivindicaçoes salanais da classe
trabalhadora fora111 atendidas c~1110 pela quebra de sua solidariedade, ~TARROW,
1993b). Con10 o centro de gravidade passou das ruas para a aren~ ~ohtic~ e a ame-
aça de desordem regrediu, o poder de influência dos estu~~ntes fm draSlicamente
reduzido. Tal con10 o (tprocessan1ento" da crise racial na Amenca (LIPSKY &:. 01.SON,
1976), un1a grande luta foi politica111ente processada e transformada numa modes-
ta refonna.

Mulheres americanas
Enquanto os estudantes foram os primeiros a entrar no ciclo francês de revolta
e1n 1968, o 1novin1ento das 1nulheres a111ericanas pareceu, sem dúvida, ser depen-
dente das brechas de oportunidade abertas por terceiros. Muitas de suas fundado-
ras tiveram sua primeira exposição política no movimento pelos direitos civis e na
Nova Esquerda (EVANS, 1980, cap. 3-7), enquanto outras foram herdeiras dos
grupos de pressão moderados de mulheres mais velhas (RUPP & TAYLOR, 1987)
e do movimento contra a Guerra do Vietnã. Quando o novo movimento das mu-
lheres surgiu em cena, em meados dos anos 1960, -"muitos observadores", escreve
Anne Costain, o consideraram um "fenômeno transitório, imitando o movimento
negro pelos direitos civis, mas sem a sua capacidade de resistência" (1992: 1).
Ma~ o movimento das mulheres resistiu e progrediu até os anos 199(), ao passo
que muito do élan original dos direitos civis - sem falar dos movimentos ·contra a
guerra e estudantis - havia se esgotado. Os sinais de crescimento do movimento das
~ulhe~es foram relativos tanto às atitudes - cada vez mais mulheres declaravam ter
simpa~ias_ pe_lo feminismo - como à organização - cresceu o número de membros
das· dpnnc1pais organizações feministas chegando a cerca de 250 .000 pessoas no rm- · ,
c1?. os anos _1980 (KL~IN, 1987). Mesmo durante os anos 1970, quando a cultura
atIVISta
" ,amencana declinou ' o mo vimento · e · ·
iemin1sta ·
ficou mais forte dando a elas
um ve1cu1o para manter seu a tivismo . '
vida em geral mais feminista" (McAD~~ma co~umdade que apoiava um estilo de
1988 2
menta espetacular do nu'm d lh ' · 02). O resultado foi um cresci-
ero e mu eres ele·1t
ção no Congresso de leis de int as para cargos públicos e a aprova~
. . . eresse para as mulheres (COSTAIN, 1992: 10-11).
0. movimento fem1n1sta americano nun f , . . .
dantes franceses ou de out . ca ez as dramaticas ex1b1ções dos estu-
. ros movimentos d f
suas pnmeiras defensoras er lh e con ronto dos anos 1960. Muitas de
vam si-1enciosamente ein am mu_ eres ·r efina d as d e classe média que trabalha-
eram d
ª voga das femtni.stasconvençoes
que e .
políticas
e en1 grupos de interesse; outras
mente
. a carreiras
· muito ocupad iaziain . .o seu tr ªb ªlh 0 no movimento secundaria-
c1onais - ou t b lh as, a maior parte n - . .
· . ra a ava1n em. orgar11. _ . ao era ativa em termos organiza-
lh o, os direito · · · zaçoes CUJos 0 b · · . .
. s civis, assuntos fain 1'l' · ~etivos pnnc1pais eram o traba-
d o movimento f 01· lares ou saúd 'bl'
marcado por derrot . . . e pu ica. Além disso o progresso
as s1g111fica t f ,
n es: o racasso da emenda sobre
216
05 direitos iguais enl 19 ~3 : ª redução das possibilidades ele escolha em relação à
gravidez- durante
1 ,.as adm1111strações
. · . - pe1o 5ena d o d a
Reagan e Bush·, e a ap rovaçao
indicaçao de C arence Tho111as para a Supre1na Corte em 1990.
~as ~s s~nais de uln movimento dinâmico estavam em toda parte do espaço
?
público. Entre 1 6.5 ~ 1975 , houve U1n enorme aumento na cobertura da imprensa
dos eventos
. fen11n1stas
. e111 geral (COSTAIN
. , 1992·. 9) e de su as açoes
- d e pro t es t o
em parucul~r. (p. 19 ) · Co~n .o surg1mento ele uma ''diferença de gênero" no eleito-
rado, os pohticos foran1 rapidos e111 responder às questões femínístas (FREEMAN,
1987: 206-208). A apoteo~e do movimento veio com a eleição de 1992, quando
muitas n1ulheres foram eleitas para o Congresso e algumas outras foram indicadas
para ocupar altos níveis da ad111inistração Clinton. Nascido à sombra dos direitos
civis e da Nova Esquerda, este foi um movimento que começou lentamente, mas
cresceu de forma constante em força e importância.
Além disso, se um sinal de vitalidade de um movimento é. sua capacidade de
criar "quadros interpretativos abrangentes" e outras organizações ligadas a ele
(como foi discutido nos caps. 7-9), o movimento feminista americano foi um bri-
lhante sucesso. As mulheres, escreve Nancy Whittier,
estabeleceram organizações, como os centros de urgência para casos de
estupro, abrigos para mulheres espancadas,.livrarias feministas e pro-
gramas de estudo feministas que visavam melhorar as vidas das mulhe-
res no presente e preparar o terreno para transformações sociais mais
amplas no futuro (1995: l; cf. Tb. ME~R & WHITTIER, 1994).

O que explica essas diferenças dramáticas entre·o sucesso do movimento das


mulheres americanas e o fracasso dos estudantes franceses? Em termos de todos os
quatro poderes nos movimentos que examinamos na parte II deste estudo - reper-
tórios de confronto, quadros interpretativos de ação coletiva, estruturas de mobili-
zação e mudanças no equilíbrio entre oportunidades e restrições políticas-, embo-
ra as mulheres americanas tenham tido um começo lento, foram muito mais favo-
recidas do que os estudantes franceses.
Primeiro, enquanto os estudantes franceses em 1968 usaram um repertório de
confronto que era disruptivo, teatral e potencialmente violento, fazendo com que
os apoiadores e opositores lembrassem dos momentos mais conflituosos da histó-
ria francesa O movimento feminista americano empregou várias formas de ação
'
coletiva _ pública e privada _ que pendiam para o convencional, o discursivo e o
simbólico . Embora boicotes ocasionais, desobediência civil e manifestações pacífi-
~~s tenham sido pontos altos do movhnento fen1inista, a combi~açã? de ~~safios
simbólicos e culturais con1 passeatas e den1onstrações convenc10na1s, atividades
educacionais e de grupos· ele pressão O colocaran1 no mainstream da cultura ameri-
cana. Além disso nos interstícios da família a111ericana e dos grupos de trabalho, as
ferninistas expre~saram O leina ''o que é pessoal é político'' (EVANS, 1980, cap. 9).

217
Segundo, havia grandes diferenças nos discur_sos e no_ si~b_o lismo do: dois
movimentos. Os estudantes franceses usaram um d1scurs~ Slm~oh:o que os isolou
da linguagem dos cidadãos franceses comuns. "Pode: à imagi,~açao!" o_u "A luta
continua!": estas frases expressavam "percepções apaixonadas que podiam atrair
novos apoiadores e trazer o entusiasmo à tona nas barricadas, mas tinham pouca
ressonância entre os consumidores na fila da gasolina; entre os trabalhadores que
não conseguiam receber seus pagamentos ou entre os camponeses cuja produção
apodrecia a can1inho do 111ercado.
De fonna muito diferente, um aspecto importante do movimento feminista ame-
ricano, e um dos seus maiores sucessos, foi sua atenção ao significado. "Mulheres"
em vez de "garotas"; "gênero" em vez de "sexo";" companheira" em vez de "namo-
rada": tais 111udanças na linguagen1 co1num se expandiram na cultura popular
americana como u1n resultado da percepção das mulheres de que "nomear" as coi-
sas ajuda muito a mudá-las:·Essas mudanças coincidiram com- e ajudaram a levar
adiante - uma mudança fundamental no papel. das mulheres na economia e no
mercado americano.
As redes organizacionais são uma terceira área de contraste entre os dois movi-
mentos. Embor~ am~os tenham em comum com muitos movimentos contemporâ-
neos_ uma valonzaça~ da autonomia, da descentralização e da espontaneidade, 0
~ovi~ento estudantil francês se espalhou de forma imediata e através de uma
identidade coletiva ifnplícita, mas sem fortes estruturas conectivas, e rapidamente
perd:u ~ força ~uando os estudantes saíram em férias. Quando voltaram no ano
a~adenn~o _s~g~nnte, apenas os mais militantes contestaram as eleições universitá-
nas poss1b1htadas pelo Plano F aure.
Ao invés, o movimento feminista ·· d
vas amplas variadas e cresc t amencano esenvolveu estruturas conecti-
' en es, tanto na cúpula com 0 b . d d.
feministas informais na base t, . _ na ase, 1n o os coletivos
a e as organ1zaçoes nacio . f .
nal Organization for Women (NOW)2s U nais. orma1s como a Natio-
lheres" já estava instalada q d :, ma rede substancial de "direitos das mu-
, uan o o novo" m . d . .
·(RUPP & TAYLOR 1987) ovimento os anos 1960 surgiu
, • 0 novo ramo do · . .
pessoal, traços ainda evidentes . movimento enfatizou o informal e o
Ih no esti1o atual d .
espa ar para muitos setores da socied d o_mov1mento e que o ajudaram a se
· ª e amencana (KATZENSTEIN, 1998).

25. A.organização
. .
tem· 51'd o o ponto f .
osos femimstas focali.zand ,:ªe~ nos estudos do mo vim .
curso e na identi'd d 1 o a consc1enc1a - talvez reflet· d ento das mulheres, com mais estud1-
redes informais d . · · -ntretanto, esttldos q m o].·a pró pna
a eco etiva E . · - f • ·
en ase elo movimento no d1s-
· o movnnento . r~ ue ana 1sam a •
bellíon, cap. 3 , de Anne C ostam · . ' es ao começando a aum .
•F . .
' orgamzação e, especialmente, as
entar. Por exe 1 .. ,
M yra Marx Ferree e Pat . . y · emimst Organtzation· H mp o, ver Inv1tmg Women s Re-
Katsenstein. • Why we Lnc1ta h ancey Martin (orgs ) .• Fe·, .a~vest of the N ew Women's Movement, de
os t e ERA · · · A
nimsm with 111 ·
Suzanne Staggenborg · , caps. 12-13 eleja M . mencan Institutions, de Mary
' ne ansbnd ge. • Th e Pro-Choice Movement, de

218
Quarto, en1 relação às oportunidades políticas, vimos anteriormente como o
moviínento de inaio deu aos reforn1adores educacionais franceses a alavancagem
política para ~ef~rn~ar O sisteina educacional e c01no sua iniciativa foi reduzida à
111edida que dinnnuiu a aineaça de desorde1n. O governo francês, com sua maioria
eleitoral reforçada e con1 0 controle da agenda parla-mentar, foi capaz de assumir a
reforma universitária e guiá-la a tuna conclusão segura. Mas esta oportunidade po-
lítica logo se esvaiu à n1edida que os tnoderados desertaram, que os refarmadores
·perdera1n seu poder 111arginal e que a maioria conservadora determinou como a re-
forma deveria ser ünplen1entada.
O 111ovü11ento fen1inista a111ericano, '.muito menos baseado na ameaça de desor-
dem e 1nais na pro1nessa de un1 realinhainento, demorou mais para ter sucesso,
mas no fim surgiu como um grande fator na política americana. A estrutura do sis-
tema partidário americano - e especiahnente a do Partído Democrata - foí crucial
para sua estratégia e seu sucesso (COSTAIN, 1992; FREEMAN, 1987). Este fator
deu às mulheres, nos EUA, um peso que não tinham em nenhum partido na Fran-
ça, fazendo com que as preocupações feministas fossem acolhidas na plataforma
democrática. "Conseguimos muitas vantag~ns desta 'diferença de gênero', disse
um lobista para uma organização de mulhere?; "Que di~bo, não queremos acabar
com ela ... Queremos ampliá-1<:t_" (apud -COSTAIN & COSTAIN, 19.87: 206).

Conclusões*
Em seu artigo evocativo, Aristide Zolberg (1972) concluiu, a respeito dos
"momentos de loucura", que eles produz'e~ trànsformações significativas de três
maneiras: primeiro, através de uma "torrente de palavras" que envolve -uma expe-
riência de aprendizado intensivo através do qual ·novas ideias, formuladas inicial-
mente em círculos sociais, seitas e assemelhados,' surgem como crenças ampla-
mente compartilhadas por públicos muito maiores; segundo, através de novas re-
des de relações, que se formam rapidamente durante períodos de intensa ativida-
de; e terceiro, de uma perspectiva política, os objetivos irreversíveis no pico do ci-
clo são frequentemente institucionalizados (p. 206). Cada um desses temas impli-
ca num efeito indireto e mediato (em vez de direto e imediato) dos ciclos de con-
fronto na cultura política. É por isso que precisamos exa1ninar bem, após o fim
destes ciclos, para observar seus efeitos, como vimós no caso do n1ovünento femi-
nista americano.
Voltemos para a primeira das 1nudanças supost~s por Zolberg: o surgin1ento
de novas crenças num público mais an1plo. Da mes111a fornrn ·que as novas ideias
passam gradualmente de seus cri.adores para os que as "vulgarizam" e dó1nesticam,

* Esta seção recorre ao meu texto "Cycles of Collective Action: Between Moments of Madness and
the Repertoire of Contention" em Repetoíres & Cycles of Collective Action, ele Mark Traugott (org.).

219
.. . ve·11tadas no entusiasmo do pico do ciclo tor
d ação co1euva, 111 . ' ..
as novas fonnas e . pessoas shnplesmente continuem a us
N- 0 é que as 111esmas ar
nam-se inodu.1ares. a - , . d'd suas vantagens se tornam conhecidas
· f . _ de açao : a 111e 1 a que - . . . e
as 111esmas mn1as ' . _d d 1 .. se tornam fonnas convenc1ona1s de ativ•
.d toda a soc1e a e, e as . 1..
são aprend1 as por . q·ueles que não partilhem dos objetivos
dade para que outros use~1 _- 111esn10 a . e
referências dos que as cnaran1. . . . .
P d
_
1a forn1a que as I
~edes se formam no pico de um ciclo e difun
-
Segund.º' .ª me:~ . . ·. . elas ajudam a manter os movimentos duran.
de1n novas ideia~ e ,tat~cas pdara_out~as, que Doug McAdam descobriu entre os·
te períodos de inercia e e r eaçao. 0 d d 1 ~
. . d F d Sununer também era ver a e em re açao aos assi-
ex-part1e1pantes o ree on1 . 89 ~
. -
nantes tel1ecos d a pe tiça 0
Cllarter 77
,
que surgiram em 19 . .
no coraçao do movi-
· d b ·srno À inedida que os ex-ativistas permanecem in-
111ento para erru ar o con1un1 . . ", ,. .
.d
sen os em uma comuni a ·d de poli'tica , como conclui McAdam, _. e provavel
. que
. .
s in-
-
tain al guma pressao para serem au·vos e também para se sent1rem mais otimistas
sobre a eficiência de seu ativismo" (1988: 218).
Zolberg observa no fim do seu artigo que "os movimentos nã~ eliminam adis-
tância entre O presente e O futuro", como gostariam os seus entusiastas. Mas, algu-
mas vezes elest r eduzem drasticamente a distância e, neste sentido, são milagres
bem-sucedidoi ) (1972: 206). A mera introdução de uma nova questão na agenda,
de um modo expressivo e desafiante - ao menos nos estados democráticos liberais-,
possibilita que se formem coalizões em torno dela e que, por essas questões, se ah-
nhem no interior de quadros culturais gerais. Mas isso não acontece diretamente ,
ou mesmo de maneira linear. De fato, à medida que suas ideias são vulgarizadas e
domesticadas, os primeiros revoltosos do ciclo de protesto podem sair de cena.
Mas uma parte de sua mensagem é destilada e se torna "senso comum" da cultura
púb~ica e privada enquanto que o resto dela é ignorada ou descartada.
Os efeitos de ciclos de confronto são indiretos e em grande parte imprevisíveis.
Eles operam ~t~avés de processos capilares sob a superfície da política, conectando
0
~ sonhos_ utopicos, as solidariedades inebriantes e a retórica entusiasta do pico do
ciclo _ao ritmo glacial da mud ança sacia • 1. p oucas pessoas ousam quebrar as con-
vençoes. Quando O fazem · .d
_ , cnam oportuni ades e fornecem modelos de pensa-
mento e de açao para outro 5 . . .
m 15 . . . . . que perseguem obJetivos mais modestos de maneuas
ª mstitucionahzadas
dep · _d _ .
e qu - • f· . '
. e sao mais e icientes para levá-los adiante. O que resta
ois. o _entusiasmo do ciclo é um resíduo de refarma.
Tais ciclos têm surgido e d . . . ~
los. A cada vez . esaparecido penod1can1ente nos dois últimos secu-
que surge1n o inund 0 . .
Mas da mesma form · ' · parece estar vnando de cabeça para baixo.
. a regu1ar, a erosão d b'l' - .
d 0 movimento
,
as d. • ~ .
.iv1soes entre inst'1t .
ª mo 1 izaçao, a polarização entre setores
1· - . .
por parte das elites d - . . uciona izaçao e violência e o uso seleuvo,
f , e 1ncent1vos ·e re -
im. No seu auge O pod d · . pressao se combinam para levar o ciclo ao
.d . . ' er o 1novunento , l' . ,
comi O e integrado atrav, d · e e etnco e parece irresistível, mas e car-
es o processo político.

220
Muita coisa 1nudou à n1edida que o 111undo se aproximava do século XXI. Os
virnentos surgem mais facilmente e se espalham de maneira tnais rápida do que
110
I tes. As violentas conflagrações da década que se seguiram a 1989 levaram alguns
::uspeitar qu~ o riu-i:io ~í~lico do passado foi quebrado e que estamos caminh~ndo
·a uin estágio da h1stona e111 que os 1novin1entos irão causar desordens continuas
~:osENEAU_, 1990). Estamos h~je viv~ndo neste mu~do tão turbule~to? O~ a_di-
. . 1nica dos ciclos de confronto, u~vestlgada neste capitulo e no antenor, esta s1m---
na d f ., , .
tesn1ente assumiu o novas ormas? E para esta questão que eu me volto no prox1-
~no capítulo e no capítulo final.

221
11
Confronto transnacional

E1n 27/02/1997, Louis Schweitzer, presídente da empres~ a~tomotiva _fra~cesa


Renault que estava em dificuldades, anuncio~ o fechament 0 2!mmente da fabnca da
companhia en1 Vilvoorde, na Bélgica (Le Sair, 28/02/1997) ·
A prüneira reação indignada diante do anúncio da Re~ault f~i do Primei-
ro-ministro belga Jean-Luc Dehaene e deu origem a acusaçoes, na imprensa fla-
menga, de ''chauvinismo" francês (Le Monde, 05/03/1997). A fúria dos belgas au-
mentou quando ficou claro que o governo" francês tinha sido notificado sobre o
plano da Renault pelo menos seis semanas antes do seu anúncio e que a empresa
esperava usar os fundos estruturais da União Europeia (EU) para expandir sua fá-
brica em Valadolid, na Espanha, assim que fechasse a de Vilvoorde (Le Monde,
06-08/03/1997). O parlamento europeu expressoú sua repulsa ao que alguns de
seus membros chamaram de reestruturação anglo-saxônica; até o normalmente
inexpressivo presidente da comissão, Jacques San ter, considerou a decisão "um sé-
rio golpe na confiança europeia", incitando os trabalhadores da automotiva belga a
processar a companhia por violar a lei trabalhista europeia (Intemational Herald
Tribune, 10/03/1997). Os sindicatos levaram prontamente a empresa aos tribunais,
tanto na Bélgica como, por precaução, na França.
Mas se os belgas e os funcionários da União Europeia ficaram irritados pela ati-
tude da Renault, isso não foi nada comparado às reações dos trabalhadores de Vil-
voorde. Quase imediatamente depois do fechamento eles ocuparam a fábrica "se-
questraram'' um grande número d · ,
_ . e carros prontos para expedição, e con1eçaram
uma sene ~e. prote 5tos públicos que tornariam Vilvoorde sinônimo de u1n novo
termo no lex1co político europeu _ "E - •k ,,
.d - ª urostn 27
e (Eurogreve) . Essas ações cru-
d " ,, .
zaram rap1 amente a fronteira le
--,...,,,.,=--------,----.. __
°
, van um comando de V1lvoorde para a França

26. Para uma anáJise mais detalhada sob . .


· of Social Movements and th· D . re. a greve
uon · , ver "F rom s.tn·1ce to Eurosttrike: The Europe1mz·~-
· ·
e eve1OJJment of ~ Eiu·r p 1· . ,, l .
. .
27 . Res ta mvest1gar -
que m cun liou exatamente o t .
~ - o o lty ' e e hrng e Ta•··
· 1·ow ·
li -, • ,, - .
ele apareceu pela primeira vez i-ao .0 f ei mo Lurostnke . O que sabemos até agora e que
.• - · ~ J rna 1 :rancês L M d
b 1hsee les salariés de Renault cont f .. e · on e, em 10/03/1997, p. 24 C'L'Eurogreve a mo-
. re 1a ermature du 't d v··1 . . n
mensagens da Reuters '. mas em l l/03/1997 esta a . - _si ~ e l voorde ) . O termo não aparece nas
mou a demonstração daquele dia de um "d .gencia_citou um porta-voz sindical francês que cha-
.a emonstraçao pan-europeian.

222
alhadores da Renault francesa para a Bélgica f d
e trab b 1 28 Q _ . . ' para azer emonstrações J·unto
seus colegas e gas . uando os s111d1catos belg - - .
col11 ,. 1 as organizaram uma demons-
.. de 1nassa e111 B1 uxe as, a eles se unirain líder _ d .
traça 0 - d ,. b ll d es a esquerda francesa e uma
. de delegaçao e tra a 1a ores da Renault frai1 , _ Q _ d · .
gran . ,. _ _. _ . e cesa uan o Schwe1tzer teve
inrngen1 enforcada e que1111ada e os 111 anifestante , .
sua . _ . __ . s carregaram uma gigantesca
f1·gura de v1n1e que fazia saudaçoes nazistas O líder do 51.. d' t O .
. . . . ' n 1ca o emocrata-Cns-
t''ijo belga, .Wilha111 Peirens, disse à 111ultidão· "Isto é um 51·nal d fu., . d . a·
'd . · .,. · . e nae e1n 1gna-
ção; um sinal de soh anedade contra a brutalidade" (Reuters, l 7/o3; 1997 ).
A pressão conjunta dos políticos belgas, da União Europeia e dos manifestan-
. tes franceses e belgas sobre O governo francês foi demais para o Primeiro-ministro
Juppé; em 20 de março ele apareceu na televisão para anunciar que seriam desem-
bolsados 800.000 francos por trabalhador para as medidas de reconversão e para
acompanhar o fec~ai:nento da fábrica (Le Monde, 26/03/1997) 29 , Em julho, com um
novo governo socialista na França e os tribunais franceses e belgas decidindo em
seu favor, os trabalhadores concordaram com o .pacote de compensação que a Re-
nault estava oferec~ndo (Le Monde, 06-07/04/1997). Mas não havia alegria em ViL-
voorde. No dia em que os trabalhadores votaram para aceitar o fechamento da fá-
brica, um cartaz afirmava: "Na América, eles têm Clinto~, Johnny Cash ·e Stevie
Wonder; na Bélgica temos Dehaene, mas nenhum cash [din~eiro em caixa] e né-
nhum wonder [maravilha] (L'Humanité, 22/à6/l 997). - -

***
Movimentos-como a "Eurostrike" levantam questões importantes para os estu-
diosos dos movimentos sociais. Ao lado dos artefatos_teóricos conhecidos da teoria
do movimento social haviam três aspectos novos: p~tmeiro, o conflito incitou os
cidadãos comuns de um país contra uma empresa localizada em outro; segundo,
houve cooperação através de fronteiras entre atores sociais nacionais com-um inte-
re_sse comum; e, terceiro, uma instituição _s~pranac~onal e leis europeias foram
usadas para levar adiante suas reivindi_ca·ções.
Mas foi este episódio um movimento social transnacional? Ou mesmo o come-
ço de um? Os trabalhadores belgas fizeram causa comum com seus congêneres na
França, usando leis e instituições internacionais para fazê-lo. Mas foi o seu protes-
to - segundo a definição empregada neste estudo - um desafio coletivo, baseado em

28. Quando Schweítzer anunciou que iria se reunir com o Renault Works Council na sede da firma
em Paris, um comboio de oitenta ônibus transportou para esta cidade três mil trabalhadores, com
suas jaquetas sindicais vermelho e verde, onde clamaram por greves ele solidariedade (Reuters,
11/03/1997 .• Le Monde 13/03/1997). Em 13 ele março, os trabalhadores belgas deram seguimento
com um "comando" agi~do de surpresa além da fronteira m\ fábrica da Renault em Douai.
29. Esses números acabavam por combinar "med~~as sociais''~ p~rcla _d~ valor por causa do abando-
no do investimento da Renault na fábrica, mas a tattca clejuppe fo1 suficiente para desarmar os sindi-
calistas.

223
. . num a interação sustentadal" com
·d· dades sociais, . as elites ,
I r·
obietivos comuns e so 1 a7 ie . . b . episódio de troca po 1t1ca entre tra-
J 'd d 7 O f01 ina1s um reve .- E . b
opositores e auton a es • u . ,. . belgas e ela Uniao uropeia, a orreci-
. b l e func10nanos ( O
balhadores franceses e e gas . ·. d 1· in·presa francesa? PIZZ RNO, 1978).
· " uhza a pe ª e 1 ·
dos co1n a tática "an1encana u - d fronto transnaciona ou s1mplesmen-
. · ,. 1 ·escente · e con .
Foi un1 estág10 nu111a espu a ci _ . ital e trabalho que por acaso cruzou as
te u1n incidente do conflito nonnal entre cap .
• . 7
linhas nac10nais. d prender sobre o crescimento de mo-
. "d' o que po emos a
A partir desses episo ws, . _ a~ _ como a Europa Ocidental - regu-
. · lugares que nao 8 0
vünentos transnacionais ein . ; ai·s7 E podemos aplicar o que apren-
. .
st··t · •ões supranac1on •
lados por u1na re d e d e in i uiç . .5 de confronto que não sejam exatamen-
d , i 1as transnac10nai
demos neste estu ~ a_s /rn K & SIKKINK, 1998b). Os "analistas ocidentais", es-
te 1novimentos sociais. (KEC d mais um conJ·unto comum de instru-
e
creve John Me art Y, e
h " mpregam ca a vez
. nto e as traJ· etárias dos movimentos so-
. · ra entender o surgime
1nentos conceituais Pª . t nder desafiantes em outras partes do
. . ". d mos usar esses conceitos para en e . . , . .
ciais , po e . fl
mundo que "buscam 1n uenciar au o . t ridades transnacionais e
. ,.tambem as nacionais
.
e sub nac1ona1s. "7. (1997·. 243) . São essas as questões deste capitulo.

Globalização e movimentos sociais transnacionais


Em Quebec do Norte, na América do Sul e na Índia rural, ~ª1:1-panhas para in-
terromper a construção de represas foram organizadas por coa~izoes de gru~o~ na-
tivos e organizações não governamentais do exterior; na fronteua entre o Mexico e
os Estados Unidos os grupos ambientalistas e pelos direitos dos trabalhadores, tan-
to mexicanos como americanos, cooperaram na construção do N orth American
Free Trade Agreement (Nafta); na Europa Oriental anterior a 1989, os acordos de
Helsinki forneceram uma estrutura internacional na qual se organizaram grupos
dissidentes; no alto-mar, o Greenpeace e outros grupos ecológicos se opõem a em-
presas e governos que poluem o meio ambiente. Por mais discrepantes que sejam,
tais episódios trazem uma dimensão transnacional ao confronto político.
Os estudiosos foram rápidos em analisar esses acontecimentos, fazendo fre-
quentemente generalizações baseadas em poucos episódios espetaculares, mas tal-
vez não representativos. Alguns concluem que a ação coletiva transnacional propõe
um desafio à soberania do Estado nacional (CERNY, 1995), outros falam apenas de
"~stados e~ desaparecimento" (RUDOLF, 1997: 2); alguns se perguntam se tais mo-
vimentos sao etapas na criação de uma sociedade civil global (WAPNER, I99S;
19 6
~ ), enquanto outros escrevem sobre "uma pluralidade de espaços transnacio-
nais" (RUDOLF 1997· 2) · l · · d d ''
·' · , a guns veem. a globahza.ção "desfranqueando soCie a es
199
(CASTELlS, 7), enquanto outros já falam de uma "sociedade mundial" (MEYER;
BOLI; THOMAS & RAMIREZ 19 ) .
· · , 96 . Como um deles confiantemente afirmou,
~s m?vimentos estão mudando, deslocando-se de organizações na-
c1ona1s bastante e . . . de
oerentes para redes transnac10na1s, com pontos
224
conexão altamente fragmentados . . .
nizações e de mobiliza õ - e espec~a1izac1os compostos de orga-
de novas t 1 . ç es _me~os orgamzadas, todos ligados através
- ecno og1as de comumcação (GARNER, 1994: 431).
\

A Política
, transnacional
, é de grande importa. . nci·
a na .vira
-· d a d o novo
. ,
secu 1o
SE
(RIS , 1995). Neste capitulo, no entanto , nosso problema n- , h . .
ao e recon ece-1a ou
celebrá-la, n1as separar' entre as conexões além das fonteiras, as que são de curto
prazo e efên1eras da~uelas dura~ouras e profundas, e avaliar as oportunidades e
restrições na formaçao dos moVI~en~os sociais transnacionais. Apenas então po-
demos c01neçar ª ente nder suas implicações para o futuro do confronto político.
Trê~ _hipóteses acompanhain a tese geral sobre o confronto transnacional. A
primeira é que, concomitantemente ao seu sistema de .comunicações, a economia
mundial está rapidamente se globalizando; o segundo, que-essas mudanças abrem
possibilidades acentuadas para a ação coletiva transnacional; e a terceira é que - te-
cida por instituições internacionais e movimentos sociais transnacionais - está se
desenvolvendo alguma coisa que parece uma sociedade civil transnacional. Vamos
rever esses temas antes de voltar aos processos ,do confronto transnacional que po-
dem ser observados atualmente.

As fontes da globalização
Na versão mais popular da teoria dos movimentos sociais transnacionais, em
algum momento, por volta do fim da II Guerra MundiaCçomeçou a se desenvolver
uma economia global, acompanhada da liberalização do comércio internacional e
do surgimento de uma nova hegemonia polític~~:O seu aspecto mais básico, escre-
ve Kevin Robins, foi uma mudança em direção á um mundo "em que todos os as-
pectos da economiá - matérias-primas, informações sobre trabalho e transporte,
finanças, distribuição e marketing - foram integràdos ou se tornaram interdepen-
dentes em escala mundial" (1995: 345).
A evocação de Robins de uma economía global é mais forte na declaração do
que na demonstração, tal como as de muitos estudiosos da globalização. Quando
Robert Wade realizou uma cuidadosa análise estatística dos investimentos, comér-
cio e finanças internacionais no passado e no presente ele .c oncluiu que "a econo-
mia do mundo é mais internacional do que global": ·
Nas maiores economias nacionais, mais de 80% da produção é para
consumo doméstico e mais do que 80% do investimento é feito por in-
vestidores domésticos. As companhias estão radicadas em suas bases
no seu país de origem e têm regimes reguladores nacionais (1996: 61) .
Robins topou com um fator verdadeirainente novo na econon1ia n1undial atual
em que - diferenteinente dos períodos passados en1 que houve un1 aun1ento das
trocas internacionais_ as 1nudanças econfünicas ocorrem "de fornrn quase instan-
tânea" (1995: 345). Isso nos leva ao segundo ele1nento da tese df,l globalização: 0
surgimento de estruturas públicas ele c01nunicação que aproximam ainda mais

225
. . E te crescimento é acelerado por tecno-
nd 1
0 centro e a periferia do sistema ~u ia · . s . das que dão aos indivíduos e gru-
._ - d t1·ahzadas e pnva " . .. • .
logias de con1un1caçao es~en - . ··es cmno fax, correio eletron1co e filmado-
pos 1ne1·os de c0111unicação
. independent
ras (GAMLEY, 199 2), d , . comunicações glo_bais aprox_ima os
- > ,. d n11m ia is e e1as . . - .
A expansao dos 111erca os d_ d- •t leste e do sul, _ t ornando os primeiros
cidadãos do norte e ,d 0 oes e
1
. . t dos c1 a aos e o
.
1- d
_. 1 t··es de sua desigtta da e em relação a
. .. - . , lt'1111 os 1na1s consc1e 1 . . , • ,, .
mais cos111opol_1tas e os _u _
. _ •
d _
t u lar · esta 111 e
.. t _gração cogn1t1va e fis1ca e.a emigração
.
eles. A expressa_o n1a1s espe ac .· sequência de que as cidades globais se
- t - 11orte co1n a con
do leste e sul para O º.es e e ;, _ . se ode observar o crescente dualismo entre
011d
transformaran1 e1n nncrocosinos e P tre culturas globais" ( CASTELlS
. d pobres e o 1
c1oque en '
o mundo d os ncos e
O
os . ' t bém possibilitou que os ambientalistas e os
1994; ROBINS, 1_99~: 34h5). Mas iss~o:~ireitos das mulheres se movessem na dire-
defensores dos d1re1tos umanos e b. .
.
çãó oposta ao falar a mes111a 11ngua
gero e trabalhar pelos
,.. .
mesmos
.
o ~etivos que seus
.h .
. . . d · M
congeneres o Terce1ro un o. d Apoiando esta tendencia,Jackie
. . Sm1t
. . assinala
... que
há um lento aumento na .proporção de organizações transnacionais que tem seus
eséritórios fora das democracias industriais (SMITH, 1997: 49).
Estas mudanças estruturais são acompanhadas por mudanças culturais: vive-
mos num universo culturalmente mais unificado, onde os jovens se vestem de
modo similar, ouvem a mesma música e frequentam sistemas escolares construí-
dos segundo os mesmos modelos (MEYER et al., 1992). Um dos resultados pode
ser o de "destruir o isolamento cultural onde crescem as incompreensões; mas um ·
outro pode ser o de inténsificàr a percepção sobre as diferenças, "aumentando os
antagonismos sociais e promovendo. a fragmentação social" (O'NEIL, 1993: 68).
Um terceiro é o de criar cadeias de percepção de ü~pacto econômico e social entre
diferentes partes do globo e um quarto é a descobeúa mútua de problemas simila-
res por parte de grupos nativos em áreas anteriormente isoladas (BRYSK, 1994;
YASHAR, 1996). Grupos tão diversos como os índios andinos e os lapões da Euro~
pado Norte estão agora em contato, ultrapassando as fronteiras nacionais.
As instituições acompanham, de forma concomitante, os crescentes fluxos
. . - . e de comunicação; Desde a II Guerra Mundial ' uma densa rede de ins-
econômicos
tit~rçoes rnternac~onais, de regimes e de contatos intergovernamentais e transnacio-
~15 entrel~ço~ diferentes partes do mundo (MEYER et al., 1997). Considere ore-
gime dos direitos humanos internacionais com Thomas Risse e Kathryn Sikkink:
Desde ª II Guerra Mundial os direitos humanos foram cada vez mais ·
reg~lados e especificados por regimes internacionais. A evolução dos
regimes
U . · t os humanos esta, concentrada no sistema
de- direi· . d as Naço-es
mdas que é complementado por arranjos regionais (1997).
Paralelo a este regime fo h,, " . . ~
identificam - 'd ·r· - rma1 ª um. clube liberal" infonnal de naçoes que se
e sao 1 ent11cadas . . s
são excluídos (p. 4 ). Essas . _co1:1~ u1:1a categ~na de estados dos quais os_ outro_
instnuiçoes internacionais, regimes e "clubes" sao O ar

226
uço en1 torno do qual cresceran1 as rela ~ •
ca bo G e çoes internaci . I 1 '
arte desta tese - a ação coleti t onais. sso nos eva a se-
gunda P
A •

· va 1ansnac10nal.

A ação coletiva transnacional


. Em seu suinário da crescente literatura sobr 1b . - . .
~A,.• . f . e a g o a1izaçao, Rob1ns af1rmou
apenas que e1ª con~I as Tonteiras das economias nacionais; m~s outros considera-
. da g1ob a izaçao,
ram .que ela_desgasta
_ o poder. do Estado nacional . N a. era 1. ~ a tese
connnua, nao sao apenas
,. as nnagens
,. dos confrontos p o1·,.t· - transmiti
i icos que sao . ·aas
. pi'damente d
ra . _ e pais _para
. pais ' gerando cli'fusao
~ • • ~
e 1m1taçao; -
sao as pessoas e suas
reivind1caçoes
. .. e conflitos.
. .Passagens
,. . aéreas
. batatas e front eiras
· • • porosas
nac10na1s
poss1b1htaram que os misswnanos dos movimentos e seus aliados locais difundis-
sem movünentos tão diversos como o fundamentalismo muçulmano e o naciona-
lismo sérvio em todo O mundo (KANE, 1997). Usando fax, correio eletrônico, co-
letas de "contribuições caridosa?" de simpatizantes bem-intencionados, transpor-
tando com facilidade fundos, armas e terroristas pelas fronteiras, "os nacionalistas
da diáspora" levam suas causas adiante em seus próprios países, sem sair de seus
confortáveis paraísos ocidentais (ANDERSON, 1992).
As organizações internacionais proliferaram no s~culo XX e especialmente de-
pois da II Guerra Mundial e~ parte como respostá_às tendências econômicas globais.
Muitas, como o Banco Mundial, tomaram-se alvo·s de protestos sociais (KOWALESKI,
1989; WALTON, 1989), enquanto outras, como as Nações Unidas e a União Euro-
peia, encorajam deliberada1nente grupos não-goverµamentais transnacionais atra-
vés de subsídios, reuniões e oportunidades de trocas de ideias. O European Uni-
on's Directorate for the Environment Nuclear Safety.and ·civil Protection subsidia
o European Environmental Bureau, uma organização guarda-chuva que repr~sen-
ta quase todas as associações ambientais relevantes nos países da UE (RU CHT,
1997: 202-207).
Onde as organizações internacionais podem tomar decisões que são vinculan-
tes - ou mesmo semivinculantes - a estados-membro, elas oferecem aos desafian-
tes domésticos oportunidades institucionais para transcender suas aren~s nacio-
nais para consultas, ação coletiva e contestação num nível internacional (KECK,
1995). Alguns desses esforços são bilaterais e verticais: isto é, entre um grupo do-
méstico particular e uma organiz_ação internacional específica. Mas, con10 já vimos
no cap. 6, os desafiantes criam oportunidades para outros desafiantes; nas últimas
décadas, muitas organizações não-governan1~n~ais _tr~n:na~ionais ~TN?Os) se
agruparam em torno de cada uina das principais 1nst1tu1çoes 1nternac10na1s (SMI-
TH, 1994; 1997) / Tal como O Estado nacional nos sé~ulos X~III e XIX, a~ organiza-
Çõe~ i~ternacionais produzem oportunidade~, ele açao c,?letwa para m~1tos atores
sociais Isso nos conduz ao que eu chan10 de tese forte sobre os n1ov1n1entos so-
ciais transnacionais.

227
. 1en tos transnacionais .
A teseJorte sobre os movm - . . . transnacionais, compilada em algu
. _; entos sociais ~
A tese forte sobre_ os inovnn. d' bservações. Seus proponentes fazem as
.
nrns fontes., se desenvo1ve a
pàrtlr essas o

cinco afirmações que se seg~e~- 1 do zumbido das máquinas de fax e do cor.


Primeiro, na era da telev1sao ~loba.' de oportunidades políticas que costu:rna.
reio eletrônico, as estruturas na~lQ~ais ão coletiva podem estar cedendo o seu .
, . 1. se organizar un1a aç
van1sernecessanaspa a .. . . (PAGNUCCO & ATWOOD,. 1994: 411).
lu •. ar ara as estruturas transnac10rnns . . .. . .. . .
g P . . . . al ode estar perdendo súa capacidade de repn:rnn e
Segundo, o Estado nacion P . se deve ao declínio da capacidade dos go-
A . • Aão coletiva. En1 parte, isso ,,
estrutura1 a aç A • s
A~cidadãos
, A. o que se passa em outros países ..
vernos de esconder de seus. P1 opr 10 . . . · 1 f.
. . . t •graç·ão da economia 1nternac1ona en raquece a
!

Mas, e1n parte, se deve a que a in e . . , . . ·"' .· ·I ·b· ·... (B,A,D· E· ,. ,


capac1'dade d o· E-sta d o d.e l'darco1nastendenciaseconom1casgo
i ·· a1s . · n I 11997·,
TILLY, 1991: 1). .
Terceiro, à medida que declina a capacidade do Estad~ controlar as forças econô-
micas globais, os indivíduos e grupos têm acesso a novos tipos de recur~os para orga-
nizar a ação coletiva além das fronteiras (ROSENEAU,. 1990), como vimos no caso
de Vilvoorde. Estes não são diferentes em espécie daqueles analisados pelos- teóricos
da mobilização de recursos na política doméstica (KECK & SIKKINK, 1998b; McCARTHY,
1997), mas incluem viagens. ao exterior, comunicação com pessoas- que pensam da
mesma forma além das fronteiras nacionais e uma crescente habilidade em utilizar as
comunicações transnacionais e as instituições internacionais.
Quarto, à medida que a economia se globaliza, as culturas se universalizam e
as instituiçõe~ proliferam, "ideias baseadas em princípios" são crescentemente
adotadas como normas internacionais (FINEMORE, 1996) e depois soci~lizadas
no conhecimento doméstico (PRICE, 1997; RISSE & SIKKINK, 1997).
Finalmente, desenvolvendó~_se a partir da economia global e da concomitante
r~vol~ção das comunicações, entrelaçc;1da às instituições e organizações interna-
ci~n~is, valendo-~e das desigualdades e dos abusos gerados pela globalização eco-
nomica e fortalecida por normas internacionais, está se formando uma rede de no-
vas organizações e movimentos transnacionais. .
Embora o compêndio de Jack· s · h .1.. ..
. .. ie mit uti 1ze parametros. mais amplos que os
nossos para 1dent1ficar os movim t . . . . . . .
•. 1M en os sociais transnac1ona1s (Transnauonal So-
na .. -ovements- TSMOs) ele ilust O · 30
' ra enorme crescimento dessas organizações ·

30. A anális_e de Smith foi feita a partir d O. y . . . .


da UN sobre as Organizaço~es N- · G . eaJ booh 0f International Organizations, que usa "registros
:. ao- overnam t · .. . . _ . . 'f,
caras orgamzações". Em seu te t 0 "Cl en ais, autonelatos, md1caçoes e a mídia para 1dent1 1
x 1aracter· t' f -1 "
ln: Transnational Social Moveme t . d W 18 ics O t 1 e Moclern-Transnational Movement Sector ·
(orgs.), ela codificou "cada orga;. s ª~ · _orlcl Politics (1997: 45-46), ele Smith, Chatfield e Pagnuco
izaçao na o-governam t 1 . . b. . / al,
f d
guma arma e mudança social (d f' . ' en a CUJOS o ~etlvos principais inclmssem
1
e mie a em termos latas)".

228
511ith descobriu que "o setor dos 111 ovünentos . . . . .
1 . sociais transnac10na1s é bastante
grande e diverso, e cresceu drainaticainente
. - U' lt'nnos anos - de
1108 .
um pouco mais
.
de trezentos en11983 para cerca de 600 en11993" (1997· 47) El " oi de
TSMOs ativos e111 1983 f . f - - . . a escreve, 65 ia
rodos os · ,1 · orain ·onnados de1"Jois ele 1970
- e a 1'da d e me'd'ia d e
b
Seus mem ros caiu, _ nas u tunas
_, duas - " (p , 46) . A
_ décadas , de 33 ara 25· anos
·p· . me a·1-
da que O inundo · ~ entra
_ no seculo _ .XXI ' há uin crescente po tencia para o con fronto
., 1 ·
Po lítico que ultrapassa
_ as
_ fronteiras
. , dos estados nacr·onai·s . Mas quao - novo e, es t e
fenômeno? E quao contenc10s0 e provável que seja?

o que a história ensina


Antes de propor uma tese que não é exatamente tão forte quanto a que foi ante-
1
riormente esboçada - mas que patece se adequar melhor a muitas das tendências
emergentes no mundo de hoje - é importante fornecer um pano de fundo histórico
para a afirmação de que são as novas tecnologias e as novas formas de comunica-
ção que estão criando um mundo de movimentos transnácionais. No decorrerdes-
te estudo - e muito antes do advento do avião, da máquina de- fax e da mídia eletrô-
nica - encontramos a difusão de alguns movimentos que ulttap_assavam as frontei-
ras nacionais.
Como nos lembra Susanne Rudolf, por exemplo_, a· fluidez .da religião através
das fronteiras políticas é muito antiga, do Ocidente para o .Oriente e vice-versa
(1997: 2). O exemplo mais dram~tico foi talv,ez o da transferênçia do catolicismo
organizado para a América Latina através das esradas do
colonialismo espanhol
e português. No século XVIII, havia uma conexão pr~xima entre a Revolução Ame-
ricana, o Movimento Dutch Patriot e a Revoluç~o .Frances·a (MARKOF_F , 1996).
Logo depois, desenvolveu-se uma relação entre os antiescravistas na Inglaterra,
nos Estados Unidos e na Europa Ocidental. A primeira revolta de escravos mo-
derna - a do Haiti - foi uma resposta direta ·à Revolução·Francesa (DRESCHER,
1987, cap. 2) . ,
No século XIX como vimos no- caso das. revoluções de.1848, cada uma das
'
grandes revoluções_ e muitas das menores - reverberavam em outros países. Por
volta dos anos 1880 os laços frouxos que ligavam o movimento da classe trabalha-
dora por toda a Europa se cristalizaram na Segunda Internacional, cujos partidos
construíram organizações similares que pelo menos diziam· estar trabalhando pelo
mesmo objetivo internacional. As ondas de greves europeias e os ciclos de protesto
também foram respostas às ainplas tendências internacionais (MIKKELSEN,
1996). Os antiescravistas transnacionais, o nacionalismo e a enrnncipação das mu-
lheres foram capazes de ganhar adeptos e de ~onseguir un1 progresso modesto
contra os governos tradicionais ou coloniais (HANAGAN, 1998; KECK & SIK-
KINK, 1998a, cap. 2).

229
b , . a que o con fron t o transnacional assume muitas for-
A história tan1 e111 ensin vünentos sociais. E1nbora muitas das
, ~ d . talogar cmno 1110 . .
n1as-nen1 todas faceis e ca . M rgaret Keck e Kathryn S1kk1nk, fos-
, 1 XIX estudadas por ª h .
ca111panhas d o secu O .; . • al unias, cmno a ca1npan a contra a circunci-
sem baseadas e111 crenças rehgwsas, g _as tnissionários (KECK & SIKKINK .
,. · volvetain apen '
são fe1ninina no Qu_enia, en t
-·ra enfaixatnento dos pés das chine-
o a ca111pan11a co 11 O .
1998a: 66-72); outras, con~ . -_ . ta·s leigos {IJ, 60-66); ainda outras, como
. • , .105 e nac10na11s - .
sas, envolvera1n 1111ssto nai _ baseavam principalmente nas organiza-
. · - " struíra111 laços que se . .
a ant1escrav1sta, con d K 1 Sikkink apenas o do voto fem1n1no envol-
ç ões relicriosas. Entre os casos e ec { e . ., . ai·s (p 51-58)
0
• tos 1nternacion · ·
veu dedicadas organizações de n1ovnnen . . .
, • · ·al de muitos movimentos viesse por difusão
Alé111 disso / embora o 1n1 peto une1 __ .
· .
através das fronteiras nac10nais, • · eles seinpre dependeram do . poder hegemon1co
. .
j'
dos estados _'- como os 1ng eses,• 1 que usaram _sua poderosa mannha
, .para 1mped1r 0

tra'fi1co de escravos - es t ab e1ecendo-se de modo diverso em. paises .diferentes. . .Onde


r
1ora1n b em-suced'd 1 os, produzi·ram movimentos nacionais, partidos e s1nd1catos
cada vez mais diferenciados. Como Keck e Sikkink observam, "As campanhas de ·
ativismo ocorrem em contextos organizacionais; suas ideias precisam não apenas
ter ressonância e criar aliados, suas organizações precisam também superar a opo-
sição" (1998a: 74).
Considerem as diferenças que se desenvolveram no int_erior dos partidos na-
cionais da Segunda Internacional: sob o guarda-chuva comum do internacionalis-
mo, cada um estava inserido em culturas nacionais diferentes- culturas que setor-
naram forças ativas em favor da divisão quando, em 1914, quase todos os partidos
socialistas na Europa apoiavam a "guerra capitalista" de seus governos nacionais.
Como John McCarthy salienta, "as estruturas nacionais de oportunidades políticas
afetam a probabilidade variável .
de ativismo transnacional" (1997: 256).
.

A história também sugere certo ceticismo em relação à suposição de que as


normas internacionais podem ser incorporadas às normas nacionais sem mecanis-
mos concretos para realizar essas transfarmações. Nas formulações mais abstratas,
ª sociedade civil "gera" normas internacionais que de alguma forma conformam e
~edefínem os interesses do Estado (PRICE, 1997). Embora as novas definições de
interesses e de ídentidade t · d ·
. ,. . es eJam sen o constantemente propostas por atores
concretos a h1stona fornece 1
. '. ·· ª gumas poucas que são transformadas· em normas m- .
ternac10na15 e ainda assim só 1 d _ .
· d d d , . ·
c1e a es omesticas sem qual
ª gumas estas sao incorporadas com sucesso em so-
• . _
- d . . _quer intervençao. Tomem como exemplo a expan-
sao o ant1escraVIsmo por todo O d . . . .,.,
tânica prote d .· · inun
gen o as econo1n1as da 5 1--- .
°,
ele tinha tanto a ver com a mannha bn
a
"norma" dos d. · . h ex-co onias escravistas inglesas quanto com
ireitos umanos (MARK k
afirma, há "limites ara _ OFF, 1996, cap 2). Como Margaret Kec
p a construçao social" (1995: 420-421).

230
Em resun10, a história não ensina apenas q . O f
. ue
b o so 1, e1a n1ostra que ele assume f
con ronto transnacional não é
o de novo so . d .
alg . . . A. • d . . . ormas vana as e se integra de
rn° do diferente
. _. no 1nte1101
d
e sociedades dmn, f .
.. .
. . .
es icas, ex1g1nclo conjunturas espe-
't1iS de incentivos e e oportunidades para ser pr . d ..
c1"' . _ d e. epara o e transm1t1r novas nor-
1]5 e identidades. Antes e concluir qt1e O •m und t, . d ..
111"' . . . , · o es a se tornan · o rapidamente
U
ma sociedade civil global, devenainos examinar essas forro as e n1ve1s
_ • A _ ..
, . d .
e integra-
·
ção e p~rguntai pa~a ou d e_ esta~ levando e quais delas têm mais probabilidades de
produzir novas nonnas e 1dent1dades.

Uina tipologia de confrontos transnacionais


Duas observações empíricas extraídas desses breves exemplos históricos
podem ajudar a decifrar os diferentes aspectos da política transnacional no
mundo de hoje. Primeiro, muitos dos fenômenos que devem ter parecido estru-
turalmente transnacionais eni sua época passaram a ser parte de processos que
terminaram quando mudaram as condições políticas. Segundo, muitos dos exem-
. pios de confronto transnacional não tinham bases sólidas em redes sociais do-
mésticas. Convertidas em dimensões analíticas e· entrecruzadas essas duas ob-
'
servações nos ajudam a diferenciar e descrev_er o grande espectro de confrontos
transnacionais que vemos atualmente no muµdo. Esta intersecção está repre-
sentada graficamente na tipologia na figura 11.1. A seguir definirei cada uma
dessas formas, darei alguns exemplos da liter~tura sobre movimentos sociais e
políticas transnacionais e depois farei uma breve reflexão sobre suas principais
propriedades e dinâmicas.

Movimentos sociais transnacionais


Considero os movimentos sociais transnacionais como interações contendosas
sustentadas com opositores - nacionais ou não-nacionais - através de redes de desafian-
tes organizados e que ultrapassam fronteiras nacionais. Os alvos dos movimentos
transnacionais podem mudar com o tempo; podem ser internacionais ou nacionais,
privados ou públicos. o que é importante na nossa definição é que os próp~os desa-
fiantes est~jam inseridos em redes sociais doméstiJ;as e conectados entre si,.de forn1a
a ultrapassar O episódico, seja através de maneiras comuns de ver o mundo ou atra-
vés de laços informais ou organizacionais, e que seus desafios sejam tão co_ntencio-
sos na ação quanto na palavra. Esta definição é estrita o bastant~ par~ excluir alguns
tipos de interações transnacionais, mas ampla o suficiente para incluir aquel~s que -
nos termos da tipologia na figura 11. l _ cmnbinain a duração ~o ten1po e a integra-
ção no interior das estruturas don1ésticas de inais de 11111ª sociedade.

231
.. 1 t · a transnacional
Figura 11.1 - Uma tipologia da açao co e iv
INTEGRAÇÃO EM

REDES SOCIAIS DOMÉSTICAS

Não-integrada Integrada
QUADRO TEMPORAL
Difusão Troca política
Temporária
Transnacionais Transnacionais
Sustentada
Redes temáticas Movimentos sociais

. · - , t·r ·t··va mas não tanto a ponto de tornar impossível en-


Nossa d ef1n1çao e res 1 1 , ·
contrar os fenômenos do mundo .real a que -c orresponde. Por exemplo, 0 Greenpe-
ace é uma organização d~ movimentos transnacionais com é\S propriedades que
propusemos na definição acima. Ele afirma ter milhões -~ e ~embros em_vários paí-
ses, -está conectado de forma hierárquica a uma -organ1zaçao transnacional, seus
membros partilham de uma visão de mundo comum e ele se engaja em ações de
confronto tanto c;om governos como com empresas privadas que poluem ou amea-
çam poluir o meio ambiente (WAPNER, 1995; 1996). O ·Greenpeace desenvolveu
também um repertório de ação que lhe possibilita opor-se a projetos e opositores
fora da_s fronteiras nacionais - por eX:emplo, sua oposição ao teste nuclear francês
no Pacífico ou contra o plano da Shell Oil .de afundar uma plataforma de petró-
leo no Mar do .Norte, ou contra a matança de cardumes com redes de arrasto feita -
pelas traineiras francesa·s e inglesas (IMIG & TARROW, 1996).
Os movimentos pela paz europeus e americanos dos anos 1980 foi um segun-
d~ m~vimento transnacional, ainda ·q ue lhes faltasse 11ma única organização hie-
rarquica (ROC~ON, 19$8). O fundamentalismo islâmico é um terceiro., apresen-
tan~o fo~mas -~ ifer:ntes em partes do mundo também11iferentes: o Talibã afegão, o
nacwnahsmo 1rani~no _e a Algerian I~lamic Salvation Front (EICKELMAN, 1997;
KANE, 1997).
. Opnmeiromovimen·t o, o·G reenpeace, f 01· capaz de mob1hzar
· · · cente-
nas de milhares de manifestant ,. ·
,. . es contra os m1sse1s nucleares nos anos 1980, en-
quanto que O ultimo, 0 fundamentalismo islâmico, tem desafiado ou minado seria-
mente num.erasas governos desde a Revolução Iraniana em 197931.

31. Ao passo que existem alguns bons estud .


MAN, 1993; MEYER, 1990; ROCI-ION ..os sobre o movimento ocidental pela paz (cf. KLEID-
199 81
a religião vista como um moviment t' ~EYER & ROCHON 1997), há menos trabalhos sobre
. d o ransnac10nal M . . ,. -
gamza a por Susanne Rudolf e Jam p· . · as VeJa-se a admiravel reunião de trabalhos or
,
mente, as contribuições de Eicl 1
es 1scatorr Tra
. ·
·
nsnatwna l Religion and Fading States e especia
· I-
<e man, Kane, levine e Stoll. ,

232
E,. difícil preencher. as condições
. necessárias
' para .. um movimento
. pr oc1uz1r . so-
. 1sustentado que seJa,. a .un1 só te1npo ' integrado etn d·i· versas
eia . soc1e -•r·1ca-
. dad es, uni
6
do em 1Aelaç· ão a seus o. J et1vos e organ1·za'çao
- e capaz
- · d e organizar. o confronto . con-
11
.

tra uma grand~ q~anudad~ de alvos. O Greenpeace surgiu de um agregado de mo-


vünentos don1~5 t1co: ~ue tlnhain 111 otivações semelhantes e uns poucos alvos mui-
to visíveis e cuJas a~rvidades ultrapassava1n as fronteiras nacionais. O movimento
pela paz dos anos ~ 98 0 foi uina reação a u1na questão internacional que combinou
ameaça e oportunidade - as políticas de um presidente americano que pareciam
ameaçar o planeta con1 0 creschnento gradual dos tentáculos de sua administra-
ção. O funda1nentalis1no islân1ico cresceu no int~rior das instituições transnacio-
nais mais antigas do mundo, con1 escolas religiosas autônomas, mesquitas e seitas
por todo o inundo onde pudesse se inserir. Essas condições não são reproduzidas
sempre que ocorre uma interação transnacional entre atores não-governamentais
e, como observa Margaret Keck, "apesar de tudo, o tempo de atenção internacional
é curto" (1995: 421). Muito mais comuns são as condições que possibilitam a rápi-
da difusão do confronto doméstico além das fronteiras nacionais.

Difusão através das fronteiras


Entendo que a difusão através das fronteiras ·é a comunicação das ideias dos
movimentos, das formas de organização ou.dos desafios a-alvos semelhantes de um
centro de confronto para outro. Essa interaçãü' pode levar a movimentos fortes -
mas não necessariamente a movimentos com um forte tecido conectivo em mais de
uma sociedade. Como, através das fronteira.s, a difusão não é controlada por tal te-
cido, ela deixa um grande espaço para as ~portunidades e restrições domésticas
afetarem o modo como os desafios serão transformados em seus novos cenários
(ERNST, 1997). A difusão é um fenômeno transnacional e como tal é temporária e
não arraigada nas redes soc.iais domésticas. :·
A difusão é talvez a forma mais antiga de política transnacional que conhece-
mos. Vimos isso pela primeira vez, na Reforn1a, quando os "santos" calvinistas,
imigrantes puritanos e padres católicos .exilados carregavam as ideias religiosas e
as práticas contenciosas de um país para o outro. Ocorreu novamente na difusão
das ideias das revoluções arn~rica,na e francesa - embora os movimentos de solda-
dos de Paris para O resto da Europa tenha sido um veículo importante para a difu-
são. Por volta do século XIX, os movimentos sociais foram 111enos dependentes da
lllovimentação militar. Vimos no cap. 9 co1no formas particulares de ação coletiva,
corno a barricada e a demonstração de 111assa, foran1 adotadas virtualn1ente en1 to-
dos os países que tiveram contato con1 as revoluções ele 1848. Na segunda 1netade
do século, os imigrantes da Europa Oriental e do Sul estavan1 organizando 1novi-
mentos de trabalhadores 110 Novo Mundo, passando do Lower East Side, em Ma-

233
_. - _ to depois ele estabelecidos, cada
. A. entina 32 . Entt etan ' .
nhattan, para o Chile e a rg . _ . 111 raízes nativas e encontrou estru-
. 1 . t ·ou en1 sintonia co
movünento nac10na que en I . d endente dos outros.
. - .d de tornou-se 111 ep
turas locais de oportuni ª ' _ _ d'f d _ · inails raiJidatnente do que esses rno-
. - _.,. 1 ·un e-se ' . . . .
A ação coletiva conten1 pmanea . tá associada à 1nternac1onahzação da
, 1 XIX e neste processo, es ' . -, -. 1,.
vünentos do secu. o L . . L , · - ... . d·
çoes e 111as. sr1 Considerem as ta t1cas que tgararn
'-'• .
econmnia 111und1al e as con1 unica d ai·atll da Baía de B1scay para os Grand
d " que se es1o c . ~ •
as várias ''guerras a pesca .· de pesca de salmao no exterior. Ern
. d " t .. 11orte-a111e1 icana 5
Banks e para as 111 us rias · . ·eetld.erain u1na traineira francesa acu-
-. }1015
, · de atun1 apt · ·. . '
1994, os pescadores espan f . de usarem redes ilegais para pegar mais-
· 1 5 e -ranceses
sanda os_ pesca dores ing esed Q arJdo O governo francês reagiu, rebocando
dO <lume e atu1n. u ,
do que sua cota car h hóis bloquearam O porto de Hendaye. Foram
u1n dos navios da Espan a, os espan d d . ~ d U ,-
. -
necessárias negociaçoes comp ica ª r d 5 entre os três esta
) os e uma ecisao a n1ao
Europeia para resolver a disputa (TARROW, 1998a . ,. . , .
• meses d epo1s,
Seis · um grup 0 diferente
_ de pescadores
__ espanhois vrrou noticia -
d esta vez, pescand o nos· Grand Banks , região que os pescadores canadenses
_. . pensa-
vam· ser sua por d'irei·to . A mari'nh·a canadense apreendeu
. _ _.. uma
. trainerra espanhola
.
e rebocou-a para O porto de St.Johns, sendo alvo de zombana e_de tomates Jogados
pelos cidadãos do porto de pesca (TARROW, 1998_a)._ O gov~rno canadense resol-
veu a questão, más só depois que a União Europeia 1nterve10 _em favo~ dos espa- -
nhóis. Finalmente, em 1997, foram os marinheiros canadenses e amencanos .que
entraram em conflito na co.sta do Pacífico, quando mais de cem barcos de salmão
canadenses bloquearam uma balsa no porto Prince Rupert como retaliação devido
a pesca de salmão canadense, pelos americanos-, em águas internacionais (New
York Times, 23/07/1997; Toronto Globe and'Mail, 18/07/1997). Separados por seis
mil milhas, questões similares deram origem a formas semelhantes de ação e leva-
ram atores sociais e governos de cinco países a um confronto internacional.
A difusão das táticas das "guerras da pesca" foi resultado de simples emulação
desconectada Mas a difusão também pode ocorrer pelas mãos de agentes intencio-
n:dos._A expansão do nacionalismo na Europa Central e Oriental depois de 1989
nao 101, como Mark Beisinger indica, uma transferência automática de ideias de
um país para _outro, mas um conjunto de eventos que pretendiam atingir objetivos
e que dependiam de oportun1·dad · · · 1
.. es, interesses e ameaças reais e antecipados, eva-
dos adiante por organizado' d · '
buscavam poder n 0 , - _ res e
· dO movnnentos, alguns deles no poder e outros que
- vacuo ena pela queda do comunisn10 (1996).

32. Três estudos clássicos investigam a tra f .- ..


P_arao Novo Mundo· em relaça~ 0 E ns eiencia da experiência do movimento operário europeu
. · aos "'stado u ·d . e
Hourwh1ch. Em relação à influên . d . . s m os, ver Immigration and Labor (1969), de Isaa
e eia os 1m1grant - b . . del
ampo, 1973. Sobre as origens imigr t d es so re o movimento operário argentino, ver
an es o movim , · .
ento operano chileno, ver Ansell, 1972.
234
o nacionalisn10
. . da Europa
. . Oriental esttidado p or Be1s1nger
•• r • d fl d or
.i:ot e· agra o p
Op ortunidades
. internac10na1s,
. 1nas criaratn movt'in en tos nacwna-zs.
, . 0 s ·mov1m · - en -
tos transnacwnais podein ser resultado de difusão? O trabalho de Claire Ernst so-
bre o Act-Up francês sugere que shn~Ela relata cmno a imitação e contatos infor-
111ais em No~~ York lev~rain à c~·iação de t11n ratno do Act-Up em Paris, lutando em
defesa _das vit1n1as da.Ai?s de la (1997). Mas, depois ele tnostràr quão exatamente
os ativistas ~ranceses 11111 tara 1: 1 .a táticas e os le1nas de seus amigos em Nova York,
7
Ernst exainina con1o as especificidades da política francesa afetaram o resultado do
movimento~ en1 particular, a tradição republicana francesa, que exige íntegração
em vez de diferença (p. 22-23). ·

A troca política transnacional


Entendo troca política transnacional como formas temporárias de cooperação
entre atores essencialmente nacionais que identificam um interesse comum ou um
conjunto de valores ~~ma configuração política particular. ba mesma forn;ia que a
1

difusão transnacional, a troca política que ultrapassa front~iras envolve geralmen-


te atores de países diférentes com afinidadés. i!deológicas que .têm algo a ganhar do
relacionamento e algo a oferecer para o outro. Ao c~ntrário da difusão, os atores
dos dois lados da. troca têm uma existência estável em seus respectivos países antes
do episódio que os uniu, mas sua int~ração é o produto de u~a· conjuntura parti-
cular nacional e internacional. -· ·
Não é preciso dizer que os termos "ganhos" e "perdas" não deveriam ser inter-
pretados de maneira estreita e material. Por exemplo, nos anos 1980, algumas or-
ganizações ambientais do norte, parcialmente baseadas em contatos feitos através
de antropólogos com experiênci~ na área, formaram alianças com os representan-
tes dos coletores brasileiros de borracha (KECK, 1995: 415-~ 16) . A questão inicial
tinha sido sobre ganhos e perdas econômicas, ·devidos a frenética busca por terras
no nordeste do Brasil no fim dos anos 1970. o .núcleo do movimento ambiental,
com base em Washington, D.C., vinculou a má situação _dos col~tores ao Projeto
Polo-noroeste do Banco Mundial, em Rondônia, e fez o Congr~sso americano inte-
ressar-se pelo caso. Isso deu aos ativistas brasil~iros um poder de influência sobre
o governo brasileiro para criar reservas para as atividades dos coletores. Foi a com-
binação do sindicato trabalhista e a pressão da Igreja, em termos domésticos, com
a pressão ambiental , em termos internacionais, que virou o jogo em favor das ativi-
dades dos coletores. Como Margaret Keck conclui, "os ambientalistas estrangeiros
e os representantes do movimento dos coletores de borracha no Acre finaln1ente se
encontraram e estabeleceram um.a relação que preencheu necessidades in1portan-
tes e deu recursos políticos significativos para todos eles" (1995: 415).
Esses arranjos não eram pennanentes. Einbora os grupos elo norte envolvidos
tivessem fortes convicções ideológicas e1n relação ao n1eio ambiente e aos direitos
dos povos indígenas, as alianças foram organizadas em torno de unrn questão espe-

235
irrelevante, a campanha terminou
1 'd Ouse tornou d - 1 . .
'f a e quan do ela foi reso
. ,.v1 a . táve1 o d que a difusão a açao
- co et1va
. atrave· s
c1_ 1~ ·'1 te a troca política e 1na1s es d · . u1na só questão e nao se abnga nunia
D1fic1 111en .· ; basea a n b ·
de fio. r1teiras nacionais, porqu.
N e e
n~nw
-
e~
1-:a pode criar redes que so revivem ªPós a
•. ação pern1anente. 0 e e: '
organ1z - "fica.
resolução de uma questao espec1 .

· ais de ativismo . .
Redes tran.snacwn ,. ões não-governamentais que hgam os
, tenas de assoc1aç 1 d' . h
, Isso nos conduz as cen · ., d ,. d s ambientalistas, pe os 1re1tos uma-
. d atraves e te e l'f•
cidadãos e111 todo o 1nun ° indígenas. Elas se qua 1 lcam para se-
. "7. M'1nha respos-
nos pelas n1u.. 11
1eres, pe1a paz e pelos . povos
t sociais transnac1ona1s .
' . - d "111ovnnen os .
rem incluídas no conceito · e . d política tran'snac1onal que cresce mais
des seJan1 o setor a
ta é que, en1bora essas re . . , movimentos sociais não aumenta nos-
t l'dade
1 ass111111a-1as ao5
rapidan1ente na a ua ·' sificá-las como fizeram Margaret Keck e.
d' t Parece mais correto c1as ' d
so enten 1men o. · d " d transnacionais d~ ativismon. Citan o estas
Katryn Sikkink, como partes ~ :e
duas au t oras, "uma rede. transnac1ona ·.· .
elsde ativismo inclui aqueles atores relevantes
_ , d
uestão que esta.o hga os por valores
ue trabalham internac10nalmente por uma q · · ' · . . -
q • dº mum e por densas trocas de mformaçoes e ser-
compartilhados, por um iscurso co · . · . " - ais predominantes em áreas
viços" (1998a: 2). Essas rede.s, elas continuam, sao m . ·. . . _ .
, · · d · . · conteu'
tema t1cas caractenz~ as Pº!. . · · · . dos de
. alto
· valor e por incerteza de
. 1nforma-
ções" (p. 2). Elas eiivolvem atores de organizaç.ões nã~-governamentais, ~ov:rna-
mentais e intergovernamentais, .e estão ·cada vez mais presente~ em ~IS areas,
como as dos direitos humanos., dos .direitos das mulheres .e do meio ambiente (cf.
tb. KECK & SIKKINK, 1998b).
Como essas rede·s diferem dos movimentos sociais e por que são frequente-
mente confundidas com eles? Parte da confusão resulta de dois usos diferentes do
termo "rede": estruturas conectivas e redes sociais que são as unidades básicas da
formação dos movimentos sociais e alguns outros tipos de confronto. Como suge-
rido no cap . .8, as redes de ativismo são estruturas conectivas que ultrapassam as
fronteiras nacionais, enquanto que as redes sociais são as bases para o confronto
político no interior_ de sociedades domésticas. Enquanto alguns estudiosos estão
começando a acreditar que as comunicações eletrônicas estão produzindo grupos
com rec~rsos para formar redes sociais em amplas áreas (WELLMAN & GULIA,
1~98), ha uma clara diferença entre O conceito de Keck e Sikkink de redes de ati·
vismo e as redes sociais interpessoais que os pesquisadores de movimentos sociais
detectaram na base dos movimentos so · · . d · . . 33
c1a1s ornes t1cos .

33. Creio que isso é assim, ainda que Keck e . . . ~


balho de J. Clyde Mitchell que e t S1.kkmk denvem sua definição do termo network do tra
, s ava escreveu l O b ma
excelente adaptação da análise d d .. e so reredes domésticas (1973: 23). Para ver u
N
. ,
°
e re es soc1a1s a 5 . l d
etworhs, de Mario Diani e seu text 1 e luc o e movimentos sociais consultar
oce 1997·"s · 1 '
Greenk
r
Perspect1ve on Social Movement Outcomes". . ocia Movements and Social Capital: a Ne.rwo

236
As redes de ativis1no de Keck e Sikkink são b -_. . .
. . _ . . . e,-a5 ican1ente _comunicativas em con-
, d . po d e-se d 1s t1ngu1-1as pnnc1pahne t 1 .
reu 0 , . ,. . _. n e pe a centralidade das ideias ou valores
b"'.lseados en1 pnnc1p10s bna n1ot1vação de sua fortnaça~o· . ._ d .
' , .e~ no centro o re1ac10na-
rn ento [entre.seus 1ne1n _ ros], está a troca de inforinaço,. es . "El-as mo b'l' t t
1 12am es ra e-
cricainente a 111fonnaçao
b~ ,, - .
para ga_nhar poder
-
sobre org_an1zaçoes
_. . __ e governos muito .
rnais poderosos. (KECK . . . &. SIKKINK
• ' 1995·· 1) · Ale'm di'sso, elas se b ene f'1c1am
· do
Suporte financeiro de agencias internacionais
· - e ele gover· n os d o 1...: · c, · N or t e in-
r:1-etn1s1eno ·
teressados nas nonnas que elas tentain pr01nover (RISSE & SIKKINK, 1997).
Faltan1 às rede~ ~e ~tivisino as_ bases categoriais, as relações ínterpessoaís sus-
tentadas e ~ ~xposiçao as .o portunidades ·e restrições que os estudiosos dos movi-
mentos sociais encontraram nas redes sociais domêsticas. No entanto, trabalha em
favor delas o enorme auinento na .densidade da comunicação transnacional e no
envolvimento dos governos do norte, fundações .e grupos de interesse público em
questões relativas à igualdade, direitos humanos e meio ambiente em outras partes
do mundo. "Importar-se com os prDblemas dos outros·" está se tomando atual-
mente um estímulo ímportante para a mudança so.ctal e política.

A formação de :redes em favor da mudança


As redes de ativismo transnacionais são, então, sem impor_tância em compara-
ção com o que sabemos sobre os movimentos sociais transnacionais? Certamente,
devido a sua frequente dependência dos recursos de fundações e do apoio de go-
vernos do Hemisfério Norte, falta-lhes .o drama, a .c.ontenciosidade deliberada e os
objetivos amplos de movimentos transnacionais ' como .o Greenpeace, os movi-
mentos pela paz dos _a nos 1980 e o fundamentalismo islâmico. Mas, emborà as .re-
des de ativismo transnacionais sejam analiticamente distintas dos movimentos so-
ciais, elas são uma força poderosa pela mudança no mundo de hoje e isso se deve
no mínimo a três razõ.es. Primeiro, muitas delas são, biográfica e t.ematicciment.e·, de-
vedoras de movimentos sociais.- Segundo ,.dadas as condições subdemocráticas ou
semiautoritárias em muitas partes do mundo atual, elas fornecem a segunda me-
lhor alternativa~·e mais segura, em relação aos movimentos sociais, para milhões
de pessoas. Terceiro, seu papel mais importa1tte pode ser o de fornecer um meca-
nismo para a difusão de quadros ip.terpretativos de ação coletiva para atores do-
mésticos ·com poucos recursos, o que pode ajudá-los a construir seus próprios mo-
vimentos sociais. Cada um dess~s argumentos poderia ser muito nrnis elaborado e
sustentado com numerosos exemplos. Mas visto que Margaret Keck e Katryn Sik-
kink fizeram exatamente isso em seu recente livro Ativistas além das fronteiras
(1998a), podemos nos contentar com breves resumos elos seus argun1entos*.

* Sou grato às professoras Keck e Sikkink por me deixarem consultar seu livro antes que fosse publi-
cado, assim como pelos comentários ele Keck sobre este capítulo (e várias ele suas ':ersões anteriores),
que trata de um assunto que conhecem muito melhor do que eu.

237
. de recrutamento das redes
· · tos como Jontes
Os movzmen dos direitos das 1nulheres e da ecologia
d . tos hu111anos, - . , as
d
A •

11
Nos campos os ei . _ parecem co1n os movimentos sociais rn
ionais nao se . , as
redes de ativis1no transnac . . . . . d tnéstica ein 1novimentos lhes dá habilida
. d IJ. a expenencia o
1 d -
recrutan1 apoia ores Cl vi·inentos ativistas po em se unir a rede
.· . · Esses 1110 s
des e 1nodelos d e auvisnl 0 .' _ uais coin ativistas, como eles, de outros paí-
• • • A de contatos cas
, . .
transnac10na1s auaves . fundações ocidentais o~ organizações tnter-
. . a·
A . • _ .

, d IJenencia con1 as
ses; atraves · e sua ex
. . . parte porque a 1ne 1
, a· da ein que envelhecem, sua 1sposição de se
.
nac1~nais; e, e~n . ' . ' ivelnlente perigosas nos movimentos dá lugar a
engaJar en1 açoes vigorosas e pos~ . A

un1 desejo de atividades inais rot1ne11as. . . . . .


. . s conferências internac1ona1s, a partir de meados
Essa área de at1v1srno envo 1ve ª lh .. .
r 1· das periodicamente para as mu eres at1v1stas sob
A

dos anos 1970, que ioram iea iza - .


, . d N - u111·d 5 Elas proporcionam um local onde sao feitos eon-
os ausp1c10s as açoes ª ·. .. . . d . .
. f
ta tos pessoais e com un a d ções , se trocam ideias e expenencias e. on e os at1v1stas
·podem ser convidados a ir para países estr.a ngeiros. Embora cont1nu~m a se co_nsi-
derar como ativist:;:ts de movimentos, muitos se tornam cada vez mais envolvidos
nessas redes transnacionais e, apesar de perder às vezes os seus contatos com as ba-
ses populares, trazem muit~s recursos necessários para os lugares em que podem
ser mais úteis.
Na Europa Ocidental, um processo semelhante de trocas e de obtenção de fun-
dos transnacionais acompanhou a criação de uma rede ambientalista europeia,
com o incentivo do Environmental Directorate of the European Union. O estudo
de Russell Dal(on so~re esta "rede verde" d~monstra claramente como as redes de
relacionamento se tornaram -importantes para muitos de seus membros, ao nível
europeu, através de sua adesão à European Environmental Agency transnacional
(1994). No entanto, essas fontes de apoio .e de redes de relacionamento também
têm uma implicação negativa: como tendem a atrair grupos ambientalistas mais
moderados, elas podem aprofundar a divisão entre eles e o movimento ecológico
~aís radical, e~ticando muito os vínculos das "redes verdes" que dão poder aos ati-
VIstas na política doméstica.
O mesmo perigo aparece no m · d .
OVImento as mulheres nos países do Terceuo
Mundo. Ele parece estar cada v · d' ·d· d
. ez mais IVI ido entre ex-militantes (em gran e
parte urbanos e cultos) ligados a red . .
f d ~ es transnacionais a través de seus laços com as
un açoes, governos e organizaçõe d O . " . . . ,. .
de um lado eat·i· · ·t s tipo grande irmã" do Hemisfeno Norte,
' vis as popu 1ares lut d . l .
gualdade legal da mulh d
er, e outro Sem t t
°
' an In oco contra a exploração, abuso e desi-
. ,. · o
movimento das mulh .' or es estruturas conectivas domesticas,
eres no Hemist" . S 1 .
lhante à lacuna que exist . eno u arnsca-se a uma divisão muito seme-
. e entre o seu setor d .
entado, e suas economias d ,. . e exportação, internacionalmente on-
omest1cas.

238
Bloqueios
. domésticos e oportuniclades trans· 11.ac10na1s
• .
As "redes de ativis1110", ,escreve1n
. " 1·11 k , "t"'em s1'd o mais
Keck e Sivk . v1s1ve1s
. _, • em 51·-
tuaç ões. onde
. o acesso
. . _d01nest1co
__ para fazer reiv·1·11d1
..'ca~oes
,.- esta, b.1oquea d o, ou on de
s,ii10 poht1can1ente
. . _1111nto. fiacos
_ . para_ qt1e
. suas
' vozes s eJam , . ouvi•aas ,, (Iggsb) . N esses
easo s, 05 locais 1nternac10na1s ou estrangeiros tJodern ser os un1cos , . ond e suas re1v1n-
· ·
dicações serão apresentadas de fonna legftitna e segura. Ao mudar de local, os ativis-
tas tentam envol:~r ~tores novos e tnais solidários à sua causa, esperan.do dessa for-
111a mu d
ar o equ1hbno
. . de p· oder d 01nestlco,
, · que - estava contra eles, e,m seu favor. E,
isso que Keck e Sikkink chan1a1n de "efeito bumerangue'' (1998a: 12-13): "tentar
produzi-lo é uma das estratégias 111ais comuns das redes de ativismo".
Keck e Sikkink usan1 as atividades das redes pelos díreítos humanos e aquelas
pelos direitos indígen_as na A1nérica Latina para ilustrar a éstratégia de buscar luga-
res que seja111 receptivos às reivindicações que estão apresentando [venue shop-
ping] (1998a: 18) . Elas afirmam que, embora estruturas domésticas estáveis aju-
dem a determinar o resultado da política tr<:1nsnacional (RISSE & SCHMITZ, 1995),
elas não explicam tudo. Tal como os movimentos domésticos que encontramos em
muitas partes deste livro, participantes de redes transnacionaís, mais frequente-
mente .. . espreitam o tempo todo .em busca de aspectos puramente conjunturais - e
algumas vezes até acidentais - de oportuni_dades políticas.

As redes de ativismo como f antes de movimentos domésticos


A imagem de uma sociedade civil global tem absorvido tanto a atenção dos es-
tudiosos do confronto transnacional que uma implicàção crucial do ativismo
transnacional é muitas vezes esquecida - a socialização de novos movimentos no
interior dos estados nacionais (McADAM, 1998; RISSE & SIKKINK, 1997). Vimos
no cap. 7 como a construção de novos quadros interpretativos de ação coletiva é
uma parte essencial do trabalho dos movimentos·. Neste _sentido, as redes de ativis-
mo transnacional se assemelham aos movimentos em suas tentativas de introduzir
novas questões na agenda e torná-las consoantes aos entendimentos culturais nati-
vos (KECK &-SIKKINK, 1998b). Contudo, isso implica num problema: "ao con-
trário dos movimentos domésticos", observam Keck e Sikkink, "partes diferentes
das redes de ativismo precisam agradar a sistemas de crença, mundos-da-vida e
histórias, mitos e contos folclóricos em muitos países e culturas diferentes~'.
Daí resultam dois perigos: prüneiro, buscar denon1inadores comuns transna-
c~onais que estejam em sintonia, e1n algum nível, c~1n as ,n1t~itas culturas e trad~-
ç.oes; segundo, acompanhar uma variedade de questoes propnas de lugares es?ec1-
ficos pode produzir divergências ideológicas dentro da n1es1na rede transnac10nal
à medida que os ativistas as adapta1n às "suas'' culturas.
Um bom exemplo do prilneiro caso é a tentativa de-reproduzir o sucesso de
Inovimentos cmno O dos coletores brasileir~s _de ~~rracha en11~,g~r~s co1no Sara-
Wak , onde nao- preva 1ecen1 as mesn1-as concl1çoes.
·· Embora as h1stonas que fazem

239
. d. ssoas distante~ da situação a que se
.. ia v1c1a e pe d d
os proble1nas sociais repercutue1n I . M . ret Keck, os coletores o nor este do
, ·. " escreve arga · . · l · · 1
recerem tenha1n vida propna , . . ·zaça'"' o do trabalho, o ªP.o10 e a igreJa ocal
l' .. - . d' - de organ1 . . . 1 d
Brasil tinhatn un1a for te tra. içao oportun1c . l de ·p olítica parncu ar e um governo
a
e das organizações trabalhistas, e a 21)
· . ( ECK 1995: 420-4 · . ·
democratizante K , . _. ou tetnas abrangentes ~as redes trans-
. - t ndo organ1zaçoes
Por outro 1ado, nao e
1' . . E. . . ·f .
. . 1 'deológ•icas ou po it1cas. . ste 01 clara-
. d' 'd';. undo 1n11as1 .•
nacionais podem se ivi. n seg . l· . . d ª1105 1980 nà Europa Ocidental e nos
. · 11 tos pe a paz os
111ente o caso dos 111 1111~
º~ . . d . . coinpleto desarmamento nuclear e os úl-
Estados Unidos, o_s prnneiros e~1g.111_ oda J1·ograina nuclear" (MEYER, 1990). Não
· 111 " arahsaçao o I
tünos na~a mais que ~ ª .P _ . de inovitnentos transnacionais como o Greenpe-
é de adn1irar que as organiz aç~~s-d bre os tipos de questões em que seus tnílí-
ace mantenhan1 un1 contra1e I 1g1 o so . .
tantes se envolve1n.

***
e ·
Em resumo, os e1e1tos d o a ti·vt·sm·0 transnadonal na .política
. . doméstica. podem
- mais
ser sua fu nçao · 1·mportante . As redes de ativismo transnacional, podem
.
ajudar
.
os
atores com poucos recursos a construir novos movimentos .~ome~ticos_a P~tt~, de
combinacões de materiais nativos e importados. Podem tambem aJudar a cnar as-
pectos co.,muns imaginados" que dão a ativistas - que de outra fo~a esta~am_isola-
dos - a impressão de que são parte de movimentos maiores e mais cosmopolitas ..
Os céticos podem salientar que a criação desses aspectos imaginad_9 s não é novi-
dade. Afinal, o que mais Marx e Engels quiseram dizer com a frase "operários c;lo
mundo,uni-vos"? Não há dúvida que milhares de militantes da classe trabalhadora
lutaram por um objetivo imaginário porque estavam convencidos de que centenas
de milhares como eles estava~ trabalhando pelo mesmo objetivo em todo o mundo.
O que par'ece ser qualitativamente novo é que, ao contrário do movimento da classe
trabalhadora internacional do passado, as .redes de ativismo transnacionais não são
teleologicamente bloqueadas num movimento social fixo; su_a mobilidade geográfi-
ca, modelos organizacionais frouxos e o acesso às comunicações as capacitam a mo-
ver suas campanhas e recursos para locais onde tenham mais chance de sucesso; e
podem rec~rrer a elemen~os do enquadramento cultural comum que a globalização
e a revoluçao nas comunicações levaram a muitas partes do mundo .
. . Se esta hipóte:e está correta, em vez de focalizar uma abstração da sociedade
clVll global e considerar cada incidente de ativismo transnacional como evidência
de sua chegada aprenderemos m · d. · ·
' ais ven o as redes de ativis1no transnac10na1s
como atores externos que for . • ·
, .
domest1cos em formação Ess · necein recursos e oportunidades para movimentos
· ·
. .
te - e f1nance1ramente · es n1 ovimentos podem identificar-se ideologicamen-
.
- com seu
. s 1 b ora d ores transnacionais· mas a não ser que
coa
nos d etenh amos e1np1ncan1 ente b O
.. ·r· so re que acontece nas lutas políticas nac1ona1s,
4 ' ' • •

Podemos perd er o rea 1s1gn1 -icado d 0 f .


con ronto transnacional. .

240
Quando Doug In1ig e o autor, por exemplo-' co meçaram a ln
.
t· -
tivas que cercava1n as decisões da União Euro ___. . ves 1gar as açoes
coe1 nítida linha divisória separaria os confrontos pe1a.' no~sa suposição era que
iuna . · d r -. nacionais dos transnacionais
os últ1n10s assunun o as 1orn1as de 111 ovitnento 5 _ '
conl _ . __ . . . que vao além das f - t ·
·1 tradas no conflito que introduziu este capítulo ( 1996) N - ron eiras
1 us _d ~ d , .- _ _ · o entanto, mesmo um
_ve exame e um gran e ntu11e1 o de casos de ações col t· __ .
b1e . . . • d" _d . _ . _ e ivas europeias mostrou
atores sociais preJU . 1ca os pelas decisoes da u .•~ E . . ·_ .
que 05 A • A • • • • _ niao urope1a sao mais pro-
sos a se voltar pa1a as 1nst1tu1çoes cmn as quais têm m • f .1. 'd d
pen d . ~ . . ais am1 ian a e- e que
p1ementa1n
• 111 aque 1as ec1soes - seus próprios estados na • .
liu . . . c10nais. 0 S europeus po-
de m estar europeizando
. o interior das estruturas de confli• to s d omesucos
, . em vez d e
transnacionahzare1n o confronto.

Há uma dinâmica transnacional?


A próxima _tarefa, de pe~quisa para delinear o progresso e o processo do con-
fronto transnacional e examinar melhor os tipos de conexão que estão se desenvol-
vendo através das fronteiras nacionais. Elas são cumulativas e dinâmicas ou distin-
tas e diferenciadoras? Constroem novas realidades mais duráveis ao nível transna-
cional ou doméstico?
Inicialmente, considere a expansão das campanhas pelos direitos indígenas na
América Latina e em outros lugares por volta da década passada. Com a ajuda das
redes de ativismo e recorrendo ao ativismo ecológico, a emergência de organiza-
ções indígenas no Equador, Bolívia, Colômbia, Guatemala e M_éxico, mais ou me-
nos na mesma época, pode estar relacionada a um momento político particular-o
que Deborah Yashar chama de "o duplo surgimento de den:iocracias delegativas e
de reformas neoliberais" (1996: 87). Se Yashar es_tá certa, então a ocorrência con-
comitante de movimentos pelos direitos indígenas em tantos países não se deve a
nada tão grandioso ou mundialmente sistêmic;o como a '_'globalização" e pode ces-
sar com a próxima fase da luta política latino-américana. ·
A seguir, considere a expansão do conjunto de !edes de mensagens eletrônicas
que cruzam o mundo atualmente e que excitam os que têm fácil acesso a computa-
~ores. Elas têm a capacidade óbvia de reduzir os custos de transação e transmitir
informações além das fronteiras nacionais, como se pôde ver quando difundiram
as notícias sobre a dramática rebelião de Chiapas, no México, para o mundo todo.
Elas põem em contacto os que têm acesso a computadores con1 outros como eles
Próprios de modo rápido e com um sentido de participação que falta em ~ormas
rnenos pessoais de comunicação (BOB, 1997). Mas esses contatos prometem a
rnesina cristalização da confiança coletiva como, diga1nos, a experiência vivida na
construção de barricadas nos bairros de Paris, estudados por Roger Gould (1995)
0 u_Mark Traugott? (l
995 ). Ou a criação de identidades ~olet!vas int~rorga?iza~io-
1.na1s tec1·das a partir
. d as can1panhas da coalizão de organ1zaçoes amb1entahstas· ita-
1
anas estudadas por Maria Diani? (1995). Como qualquer um que tenha pegado o

241
. . 1po de servir como u1n substituto - e
t. is1no virtua
vírus da internet pode atestar, o.ª .1v undo real.
- . .• . auv1s1110 no in .
não con10 un1 incentivo - ª0 .deraram estar criando um mun-
Por outro lado, as tendências que_alguns cons1 suà infância e podem. ser cumu-
. . stao apenas e1n . . .
do de n1ovünentos transnac10na1s e .. . l·- trocas transnac1ona1s e de difusão
lgu111as fo1111as e e . .
!ativas. C01110 no passa do, a .. . . ntos transnacionais, mas - o que era
. ,. rdadeiros tnovnne .b . ..
poden1 no fün, pro d uzu ve podetn gerar tarn étn movimentos
mais v~rdadeiro no passado - esses d1~roc_esdsos. di' ·ferença ou da repressão. Assim
. . d' . · , -1 iante a 1n . ~ '
nac10na1s separados ou issipa os, _ inas com cinco questoes que preci-
1
não termino este capítulo c~m-u~a cone ~~;r;nto transnacional. .
saremos enfrentar sobre a dmam1ca do e . , d d f
. . . d inunicações globais esta mu an o as ormas
Prnneiro, a nova tecno 1o_gia as co idade de sua transmissão? Antes
1
da difusão dos desafios coletivos ou apenas ave oc precedentes de movimentos
de concluir que o mundo está entrando nuina era sem h f .
olobais precisamos acompanhar algumas das recentes campan as qude odram ªJ~-
dadas ·pela
b '
comunicação eletrônica .
para d esco b r ir se ela aumenta o po er o movi-
1nento ou simplesmente mu d a a manelfa · d e enquadrar . sua mensagem. .
Segundo, os movimentos sociais integrados po~em se entender sobre conti-
nentes sem que haja uma comunidade interpessoal _1nt~grada n.as duas pontas da
cadeia transnacional? E, para ques_tionar uma alegaçao ainda mais fort~, podem es-
sas comunidades transn.acionais sérem criadas com recursos do .extenor? Aqueles
que estão convencidos àa tese f~rte precisarão mostrar que redes cibe:néticas im-
pessoais ou viagens aéreas baratas não apenas estimulam novos movime1-1tos na-
cionais como podem também manter o laço transnacional como parte de suas es-
truturas conectivas subjacentes. Uma evidência como a de Margaret Keck sobre o
movimento dos eoletores de borracha salienta as vantagens da organização e das
oportunidades precedentes à sua aliança com ativistas transnacionais (1995: 420).
Terceiro, as novas formas de trocas transnacionais levarão a formas benevo-
lentes de "poder do povo", como parecem pensar escritores como O'Neil?, (1993,
cap. 4) . Ou conduzirão às formas violentas que Anderson e outros constataram no
potencial do "nacionalismo a longa distância''? (1992). O movimento global mais
poderoso do início dos anos 1990 não foi feito por ambientalistas ocidentais ou ati-
vistas pelos direitos humanos ligados de forma humanitária aos movimentos dos
povos indígenas, mas por fundamentalistas islâmicos radicais que degolaram can-
tores de músicas folclóricas e bateram nas mulheres que ousaram andar sem véu.
Quarto, há um movimento cumulativo que se desloca das duas formas tempo- .
rárias de_política transn~cional aqui esboçadas - difusâo e troca política_ para as
duas ma~ fo~tes , e particularmente na direção de movimentos verdadeiramente
transnac1ona1s? Embora possa parecer lógico que as redes de ativismo transnacio-
nal se u n1·r-·1cad os, e1as sao
- r ealmen~
. transformarão em. 1novírn.entos transnacionai·s
- ,
te vistas _como alterna~1v~s para muitos ativistas que saíram do mundo arriscado
dos movimentos d01nest1cos e as considerain coino uin lt . elaça-o à
·1· -
mo b11zaçao. a a ernat1va em r

242
finalmente, 0 que se pode dizer sobre O papel do Estado em tudo isso? Os esta-
rtiodernos se desenvolvera1n nu1n diálogo estrat. . . .
dos 11
~ • • . · e eg1co com os moVImentos so-
. . dando a eles a auton01111a e a liberdade de se or · d . h
cHns, d . . . . gamzarem quan o t111 am que
fazê-lo e recl~n1an ~ este terntono quando esses movünentos esmaeciam ou se
tornava n1 multo .pengosos.
, . ~ Por que
, · os estad os senam· .h OJe
· mais
· inativos
• • frente à
d1·fusa- 0 transnac10nal, as t1ocas, as redes de ativi'smo ou at, .
e e mesmo aos moVImen-

toS sociais do que foranl contra os inovitnentos domésticos no fim do século XIX
ou no início do XX?
Atuahnente, en1 ~ermo: transnacionais, alguns estados desempenham um pa-
pel que rara_1nente foi pos:1~el no passado: intervir pacífica e publicamente em fa-
vor de movimentos domesticos ou grupos em outros países cujas reivindicações
são a eles apresentadas por grupos e1n seus _próprios países. Por razões compreen-
síveis, os grupos transnacionais reclama1n o crédito por tais intervenções - e fre-
quentemente têm um papel-chave na propaganda das reivindicações de seus alia-
dos para os governos de outros países. Tentar entender esta relação sem referência
ao poder do Estado é, a seu modo, tão decepcionante quanto tentar entender a po-
lítica internacional como um mundo composto apenas por estados.
Muitos estados estão desenvolvendo estratégias transnacionais e criando orga-
nizações responsáveis por seus interesses. Os estados encorajam alguns movimen-
tos - como o movimento ambiental europeu - a levar suas reivindicações para ins-
tituições transnacionais como a União Europeia, embora as impeça de negociar
com outros, como no caso do menos bem-vindo movimento antinuclear. Na meta-
de do século XIX, estados como a Áustria, Rússia e Inglaterra intervieram com ca-
nhões e baionetas nos episódios de confronto; no fim q.o século XX, os estados fa-
zem mais do q:ue guerras, fazem organizações e instituições· transnacionais para
combater e pacificar os movimentos sociais. Se é assim, tanto o Estado nacional
como o movimento social nacional estarão conosco ainda por um longo tempo.

243
Conclusão
O futuro dos movimentos sociais

Em 1789, à medida que a notícia da Revolução Francesa chegou à Inglaterra,


Thomas Clarkson atravessou o canal para instar seus colegas franceses a aderir ao
movimento antiescravista do seu país. Clarkson fez a mesma coisa em 1814, se­
guindo uma segunda onda de agitação britânica. Mas nas duas vezes, escreve o
principal estudioso americano sobre o antiescravismo, "falhou completamente"
(DRESCHER, 1994).
Duzentos anos mais tarde, quando os franceses estavam comemorando a revo­
1
lução que trouxe Clarkson a Paris , uma nova onda revolucionária se abateu sobre
o mundo comunista. O confronto foi difundido por meio do boca-a-boca, da im­
prensa e, especialmente, do rádio e da televisão e se espalhou através das fronteiras
internas do bloco soviético que desmoronava, teve uma breve e trágica repercus­
são na China e foi substituído por confrontos selvagens na Romênia, no Cáucaso e
finalmente na ex-Iugoslávia. Em um ano, o sistema estatal que dominou o conflito
europeu por cinquenta anos estava acabado. Por volta de 1991, até a ex-União So­
viética, área central do internacionalismo proletário, tinha implodido, dando vez a
uma galáxia de sociedades semidemocráticas, semimercantis e profundamente
permeadas por conflitos.
Ao compararmos a rápida difusão dos movimentos de 1989 à dificuldade de
Clarkson em trazer o abolicionismo por trinta milhas de água para uma França em
plena maré de revolução, podemos começar a entender o progresso dos movimen­
tos sociais durante os últimos duzentos anos. Os europeus orientais, as etnias bál­
ticas e os estudantes chineses não apenas se rebelaram em massa como o fizeram
contra alvos similares, virtualmente na mesma época e em nome de objetivos que
variavam apenas quanto aos detalhes. Em 1789, os antiescravistas tiveram dificul­
dades em trazer seu movimento por trinta milhas de água, mas em 1989 o movi­
mento pela democracia se espalhou de Berlim a Pequim em questão de semanas e
desencadeou uma onda de movimentos benignos e malignos por todo o mundo.

1. Mesmo enquanto celebravam, os franceses estavam enterrando 1789. Ver Adieu 1789. de l,aplan.
que considera o bicentenário como um rito de celebração do funeral da Revolução Francesa. com
François Mitterand como rei presidente e o historiador François Furet corno mordomo.

245
O significado desta mudança para a democracia é incerto, como vimos quando
a ex-Iugoslávia implodiu em 1992, mas são profundas as suas implicações para o
futuro dos movimentos sociais. Não só essas mudanças fecharam as portas ao mar­
xismo-leninismo, o movimento revolucionário mais importante do século XX,
como o movimento contra o socialismo de Estado se tornou geral e suas modalida­
2
des se tornaram modulares . Lá, como em toda parte, tinha-se tornado fácil às pes­
soas comuns levarem adiante suas reivindicações coletivas contra oponentes po­
derosos. Este capítulo visa entender as implicações dessas mudanças. Farei um
breve resumo de alguns de nossos principais achados antes de examinar alguns
problemas correntes que se colocam aos estudiosos dos movimentos sociais.

Dois esclarecimentos e um apelo à síntese


Antes de cuidar daquelas questões, vale a pena salientar o que este estudo não
tentou fazer - fornecer um modelo único mostrando as propriedades comuns de
todos os confrontos políticos em todos os lugares desde o começo dos tempos. Em
vez disso, tentei identificar os processos através dos quais os confrontos surgem
em ambientes diversos e como sua intersecção com formas diferentes de mobiliza­
ção, criação de identidades, organização e oportunidades e restrições criam movi­
mentos sociais e grandes ciclos de confronto. Duas abordagens alternativas fazem
afirmações mais amplas.

Racionalizando o confronto
Há trinta anos, cientistas políticos e sociólogos interessados em movimentos
começaram a examinar o seu objeto não do ponto de vista das ações empreendidas,
mas do enigma de que é difícil realizar uma ação coletiva. Eles estavam reagindo
adequadamente aos modelos anteriores, que sustentavam que a identificação de
interesses comuns era suficiente para gerar a ação coletiva. O economista Mancur
Olson e seus seguidores forçaram muitos estudiosos - alguns deles imbuídos de
causas de movimentos- a ver que a ação coletiva não decorre automaticamente de
descontentamentos, mas que são necessárias decisões individuais para haver parti­
cipação. Olson viu, na tendência de se "pegar carona" no ativismo dos outros, um
sério problema de ação coletiva que incomodava os seus organizadores.
A partir daí, duas coisas se seguiram: a primeira boa, e a segunda não tanto.
Primeiro, reconheceu-se que a cadeia causal que vai da identificação dos descon­
tentamentos à decisão de agir passa por cálculos sobre as oportunidades, restrições
e incentivos percebidos. Mas, em segundo, esta concentração sobre as decisões in-

2. Até na Itália - tão longe da periferia do mundo comunista que seu Partido Comunista mal era reco­
nhecido por volta de 1989 - os líderes do partido rejeitaram o martelo e a foice e mudaram seu nome
para Democratic Party of the Left. Sobre esta mudança ver Italian Communism in the First Republic, de
5tephen Hellman.
dividuais para haver participação negligenciou os processos sociais mais amplos
dos quais faziam parte. Além disso, o "problema de ação coletiva" de Olson era
apenas um enigma - e não uma lei sociológica - visto que em tantas situações e
contra tantos imprevistos, a ação coletiva realmente ocorre, sempre instigada por
pessoas com poucos recursos e pouco poder próprio.
A "solução" deste enigma foi buscada inicialmente na ideia de Olson de que
"grandes grupos" mobilizam seus membros através de incentivos e restrições sele­
tivas (1965). No entanto, embora a teoria de Olson funcionasse bem para grupos
de interesse, era inadequada para movimentos, pela simples razão de que, fora o
confronto, eles dispõem de poucos incentivos e restrições para utilizar. Disso de­
corre a necessidade de descobrir como as pessoas interagem, como são influencia­
das por tradições de ação coletiva e como são incentivadas ou desencorajadas por
instituições, redes e identidades. As pessoas entrarão em confronto sob as circuns­
tâncias mais desencorajadoras desde que reconheçam interesses coletivos, se unam
a pessoas semelhantes e pensem que há uma chance dos seus protestos serem
bem-sucedidos.
Nos últimos anos, partindo da perspectiva de Olson, alguns estudiosos foram
além do seu modelo de mercado para reconhecer a variedade de incentivos que le­
vam as pessoas para a ação coletiva (CHONG, 1991; GOLDEN, 1997; HARDIN,
1995; LICHBACH, 1995; 1997). Marl Lichbach, por exemplo, reconhece quatro
modelos principais de ação coletiva: do tipo mercantil, contratual, comunal e hie­
rárquica. No seu Rebel's Dilemma (1995), ele vai mais além do que qualquer outro
racionalista ao reconhecer a variedade de situações que estruturam o confronto e
oferece teorias de médio alcance sobre as origens, as operações e os resultados do
empreendedorismo dissidente e do patrocínio a grupos discordantes. Mas, con­
centrados no exame da escolha racional, a maioria dos racionalistas deixa sem es­
pecificação as conexões denominadas por Tilly de 'pós-decisão' e as consequências
das decisões. Em particular essas teorias tornam difícil decidir
• Como caracterizar e explicar as relações entre decisões orientadas por inte­
resses, a sua implementação pelos que decidem em ações concretas e os resul­
tados das ações envolvidas.
• Como explicar e situar os efeitos marginais, efeitos retardados, efeitos indire­
tos, efeitos mediados pelo meio e efeitos que passam despercebidos por seus
agentes.
• Como explicar e delinear interdependências entre situações de decisões indi­
viduais e de tomadores de decisões, simultaneamente ou no decorrer do tempo
(TILLY, 1997b).
Neste estudo, concordo parcialmente com os racionalistas - particularmente
ao enfatizarem o modo como as mudanças nas oportunidades e restrições incitam
as pessoas à ação ou, por precaução, as levam à inatividade. Eu também afirmo que
os ciclos de confronto têm algo da lógica dos ciclos econômicos, com uma compe-

247
tição entre os desafiantes por uma reserva de apoiadores que ajuda a explicar a di­
nâmica de um ciclo. Mas eu não seria capaz de fazer bons relatos sobre a emergên­
cia, a dinâmica ou resultados dos movimentos sem ancorar minhas observações
em cenários históricos e institucionais específicos. Uma perspectiva que se opõe à
da escolha racional será especificada mais adiante.

Cultura e confronto
Nos últimos anos, estudiosos culturalistas, como John Foran (1993), Hank
Johnston (1995) e mais recentemente Eric Selbin (1997), ofereceram um conjunto
de respostas alternativas à questão da ação coletiva. De modo diverso do individua­
lismo metodológico e do monismo teórico dos racionalistas, a sua perspectiva -
marcada por individualismo fenomenológico e sincretismo teórico - coloca uma
grande ênfase na narrativa, em como os atores definem suas situações e na cons­
trução social. Selbin, em particular, recorre a uma abordagem fartamente acultura­
da, sensível à singularidade da experiência individual, a diferentes formas de con­
fronto e à "confusão" das interações humanas (1997).
Neste estudo, recorri de várias maneiras às percepções dos culturalistas, parti­
cularmente em relação ao conceito de repertório, à noção de enquadramento inter­
pretativo e à atenção dada à identidade coletiva e à difusão durante os ciclos. Mas
recuei diante do engodo de se interpretar todos os confrontos como lutas por sig­
nificados. A atração - mas também o perigo - do construtivismo social é que ele
desvia a atenção dos contextos da construção dos significados, fora das redes so­
ciais e das estruturas conectivas, não considerando as importantes ligações entre
as experiências imaginadas e as vividas (CASTELLS, 1997: 29). Como Beissinger,
em seu estudo sobre o nacionalismo (1996), focalizei os eventos que tornam o sig­
nificado manifesto; como Sewell, ao estudar a tomada da Bastilha (1996), afirmei
que a cultura precisa estar inserida na mudança cultural; como Katzenstein, em
seu estudo sobre o movimento das mulheres na Igreja (1998), tentei mostrar como
as oportunidades políticas provocam respostas discursivas; e tal como Tilly, ao es­
tudar reuniões contenciosas (1995a; 1995b), centrei minha atenção no que as pessoas
escolhem fazer quando agem coletivamente.
A realidade é de fato "confusa" - como Eric Selbin afirma com razão e como
muitos teóricos da escolha racional negam. Meu argumento em relação a esses
últimos é que substituir a confusão por teoremas de alcance genérico leva a um
nível de abstração tão alto que se produz pouca coisa que se possa usar por muito
tempo; enquanto que o meu desconforto em relação aos primeiros é que aceitar a
confusão e adotar a fenomenologia leva a narrativas ricas, mas desconectadas,
permitindo que se possa facilmente substituir as interpretações do observador
por aquelas do observado.
A suposição deste estudo é que a melhor maneira de reduzir a confusão não é
propor leis gerais relativas ao confronto, onde e quando ele ocorra, nem louvar a

248
particularidade, mas examinar o poder em movimento, cujo desenvolvimento his­
tórico esboçamos na parte I e analisamos na parte II e III. Descobrimos mais ao
buscar um espaço intermediário entre as formulações não fundamentadas da teo­
ria da escolha racional e as interpretações bem fundamentadas demais do cultura­
lismo. Tentei fazê-lo usando um conjunto limitado de conceitos- oportunidades e
restrições, repertórios, quadros interpretativos e estruturas de mobilização, ciclos
e reação institucional. Vamos iniciar fazendo um resumo das descobertas produzi­
das por esta abordagem antes de tratar de alguns problemas e questões.

Oportunidades, restrições e recursos


Neste estudo, já se falou o suficiente sobre mudanças nas oportunidades e res­
trições políticas e só é necessário repetir que, embora elas não expliquem por si só
os movimentos sociais, elas desempenham o papel mais importante na deflagração
de episódios gerais de confronto em que as elites revelam sua vulnerabilidade, novos
atores sociais e novas formas de conflito aparecem, alianças são atacadas e a repres­
são se torna morosa ou inconsistente. Alguns setores da sociedade reagem mais rapi­
damente às mudanças de oportunidade do que outros, mas isso não é nada mais do
que dizer que os descontentamentos, a capacidade e as ameaças variam e se combi­
nam de várias maneiras. Algumas dimensões da oportunidade, como a força ou o ca­
ráter repressivo do Estado, são mais permanentes do que outras, mas a eclosão de
episódios de confronto não está baseada apenas em estruturas estáveis.
Se elevássemos a estrutura de oportunidade política à categoria de lei geral
abrangente, sempre encontraríamos movimentos que ela não poderia "explicar" e
aqueles que surgem quando as oportunidades estão fechando. Mas não foi isso que
se afirmou neste estudo. Ao invés, tentei mostrar como os movimentos se desen­
volvem como interações específicas em fases gerais de confronto, dependendo das
formas de mobilização que empregam, seus significados e identidades e as redes
sociais e estruturas conectivas sobre as quais são construídos. Delineamos este
processo primeiro historicamente, através das mudanças estruturais e culturais
dos últimos dois séculos, e depois analiticamente, empregando os conceitos de re­
pertório de confronto, quadros interpretativos e estruturas de mobilização. Uma
breve revisão desses conceitos nos levará a alguns problemas correntes no estudo
dos movimentos.

Os antigos e os novos repertórios


Muito antes do surgimento do movimento social moderno, os confrontos as­
sumiram muitas formas, incluindo insurreições, revoltas, revoluções e guerras ci­
vis e religiosas. A estrutura das primeiras sociedades modernas possibilitou fazer
guerras por causa de religião ou sucessões dinásticas, mas tornava difícil para
aqueles que buscavam pão, crença, terra e liberdade da opressão do Estado agregar

249
seus interesses. Essas dificuldades se refletiam na natureza das reivindicações que
permaneceram, em sua maioria, diretas, paroquiais e segmentadas.
As sociedades que se formaram em torno de estados consolidados nos últimos
dois séculos proporcionaram mais conexões translocais, comunicações mais rápi­
das, redes de associação mais densas e- especialmente- alvos e arenas para os gru­
pos que sentiam que seus interesses estavam sendo prejudicados. No entanto, es­
ses processos não foram interrompidos com a disponibilização de oportunidades
criadas pela construção do Estado. Para formar um movimento social, foi preciso
que os organizadores -vindos de associações pré-existentes ou surgindo da luta -
criassem pontos focais para os movimentos. O movimento social não foi um resul­
tado automático da modernização, mas surgiu através do processo longo, ator­
mentado, mas basicamente interativo, de formação do Estado, da cidadania e da
difusão dessas formas de interação no tempo e no espaço.

Repertórios, estruturas de mobilização e quadros interpretativos


Quando as oportunidades se abrem e as restrições recuam, são três os princi­
pais tipos de recursos usados pelos organizadores: as formas de confronto que sur­
gem de- e inovam sobre- repertórios culturalmente familiares; as redes informais
e as estruturas conectivas em que as pessoas vivem e as que constroem; os quadros
culturais que encontram em suas sociedades e aqueles que criam na luta. Os movi­
mentos usam formas diferentes de ação coletiva, isoladas e combinadas, para ligar
as pessoas entre si e aos opositores, apoiadores e terceiros. Eles tiram vantagem da
familiaridade cultural dessas formas de ação e inovam em torno de suas margens
para inspirar a imaginação dos apoiadores e gerar medo entre os opositores. A ação
coletiva é melhor entendida não como um simples custo, mas como custo e benefí­
cio para os movimentos sociais, pois é um meio de comunicação e de mobilização
e também uma mensagem e um desafio para os opositores.
O equilíbrio entre os custos e os benefícios da ação coletiva ajuda a determinar
a dinâmica do movimento. À medida que uma forma particular de ação coletiva
enfraquece e as pessoas se cansam do confronto, os organizadores têm incentivos
para desenvolver novas formas, atrair novos participantes ou radicalizar sua inte­
ração com os opositores. Os conflitos e as deserções que frequentemente vemos
nos movimentos, assim como o aumento de seus confrontos com o Estado, resul­
tam em parte da tentativa de manter sua força viva através do uso de formas novas
e mais ousadas de ação coletiva e em parte do equilíbrio sempre móvel entre mode­
rados e radicais no seu círculo de ativistas.
Na formação de um movimento social há mais do que uma "atração" para for­
mas particulares de ação coletiva; é preciso que haja também um "impulso" de so­
lidariedade e identidade coletiva. A solidariedade tem muito a ver com interesse,
mas ela só produz um movimento sustentado quando o consenso é construído em
torno de significados e identidades comuns. Estes são parcialmente herdados e

250
parcialmente construídos no confronto com os opositores. Eles são constituídos
também pelas interações no interior dos movimentos. Um dos principais fatores
que distingue movimentos bem-sucedidos dos fracassados é sua capacidade de li­
gar entendimentos herdados ao imperativo em favor do ativismo.
A ação coletiva é quase sempre liderada por organizações, mas estas são algu­
mas vezes beneficiárias, às vezes incitadoras e em outras vezes destruidoras da po­
lítica popular. A controvérsia recorrente sobre as organizações produzirem ou su­
primirem movimentos pode ser resolvida apenas se examinarmos as estruturas
menos formais a que recorrem- as redes sociais na base da sociedade e as estrutu­
ras conectivas que ligam umas às outras. A sustentação de um movimento é o re­
sultado de um equilíbrio delicado entre sufocar o poder em movimento por ofere­
cer organização em demasia e deixar os seguidores se dispersarem sob a égide da
descentralização.

Oportunidades, ciclos e o fim dos movimentos


Os repertórios de ação coletiva, os quadros culturais e as estruturas de mobili­
zação são apenas fontes potenciais de poder. Eles podem ser empregados tão facil­
mente para o controle social quanto para as revoltas. Os ciclos de confronto recor­
rentes, descritos no cap. 9, são produtos de uma difusão mais ampla de oportuni­
dades políticas que transformam o potencial para a mobilização em ação. Nesses
cadinhos de conflito e inovação, os desafiantes e seus opositores não apenas tiram
vantagem de oportunidades disponíveis, eles as criam para outros ao produzir no­
vas formas de ação, elaborando novos "quadros interpretativos principais" e fazen­
do coalizões que forçam o Estado a reagir à desordem em volta dele.
A reação aos ciclos de confronto é sempre repressiva, mas até a repressão está
frequentemente combinada com a reforma. Particularmente quando as elites no
interior do sistema veem a oportunidade de se engrandecer na aliança com os desa­
fiantes, os governantes são colocados numa posição vulnerável e frequentemente
reagem a isso com o reformismo. À medida que o conflito fracassa e os militantes
se retiram para lamber as feridas, muitos dos seus ganhos são revertidos, mas qua­
se sempre deixam atrás de si expansões marginais na participação, mudanças na
cultura popular e redes de movimento residuais. Os ciclos de confronto são épocas
de semeadura, mas a colheita é sempre feita nos períodos de desmobilização que se
seguem, por adeptos de última hora, pelas elites e autoridades.
Se os ciclos começam quando as oportunidades se expandem, como eles inevi­
tavelmente declinam 7 É simplesmente porque as pessoas se cansam da agitação, se
desenvolvem enervantes lutas faccionais e as organizações se tornam opressivas ou
porque as elites reprimem e apaziguam os desafiantes? Todas essas são causas que
contribuem para o declínio cíclico, mas há também uma causa mais sistêmica: vis­
to que o poder em movimento depende da mobilização de oportunidades externas,
quando estas se deslocam dos desafiantes iniciais para outros grupos e depois para

251
as elites e autoridades, os movimentos perdem sua fonte primária de poder. Por
breves períodos, o poder em movimento parece irresistível, mas ele rapidamente
se dissipa e assume inexoravelmente formas mais institucionais. Os detentores de
poder inteligentes exploram essas oportunidades, facilitando seletivamente alguns
movimentos e reprimindo ou ignorando outros.

Novos movimentos, novos problemas


A partir de 1989, os confrontos ajudaram a consolidar muitas das descobertas
que foram aqui resumidas. Mas também trouxeram uma onda de novos desafios -
não apenas para os estados, mas para a imagem dos movimentos que se formaram à
sombra dos movimentos relativamente pacíficos dos anos 1960 e 1970. Alguns
desses desafios à teoria dos movimentos, como a chamada escola dos novos movi­
mentos sociais, perderam a importância à medida que os ciclos de vida desses mo­
vimentos foram muito parecidos com os de seus predecessores (CALHOUN, 1 995;
OFFE, 1990) . Mas outros permanecem, tanto na agenda da política internacional
como na teoria do movimento social. Os mais perturbadores são os "movimentos
em luta" e a política pela identidade dos anos 1990; as tendências para conter o
confronto e diferenciar o ativismo nas democracias ocidentais são menos ameaça­
doras, mas igualmente importantes.
A questão geral subjacente a esses conflitos é se o mundo está entrando num
período de turbulência geral ou de movimentos institucionalizadores. Esses são os
assuntos finais neste capítulo de conclusão.

Movimentos beligerantes
Quando o ex-Império Soviético desmoronou, os movimentos sociais violentos
estavam florescendo. No Oriente Médio e no norte da África, uma série de movi­
mentos islâmicos militantes, inspirados pela Revolução Iraniana de 1979, desafia­
ram tanto regimes seculares como o do Egito, como teocracias reais como a Arábia
Saudita. No norte da África, um movimento desse tipo assumiu o controle do Su­
dão, enquanto outro lutou até a morte contra o governo da Argélia. Mas em ne­
nhum lugar o seu triunfo foi mais eletrizante do que no Afeganistão, onde, após
uma luta sobre o espólio do finado regime socialista, as milícias fundamentalistas
entraram em guerra interna.
Não era só o fundamentalismo que gerava turbulências em meados dos anos
1990. Na África Central, uma guerra genocida em Ruanda, em 1994, produziu
uma migração em massa para os estados vizinhos e gerou uma guerra civil devasta­
dora no Zaire, cuja liderança corrupta foi deposta em 1997. Em outra parte do
mundo, na Ásia do Sul, as ditaduras burmanesa e indonésia foram desafiadas por
movimentos pela democracia. Na América Latina, em 1994, uma rebelião em Chi­
apas despertou a atenção mundial quando, em 1997, um desesperado movimento
de guerrilha manteve centenas de reféns na embaixada japonesa no Peru.

252
Os estudiosos dos movimentos sociais foram surpreendidos por esses eventos,
alguns aplicando mecanicamente modelos passados de mobilização aos novos de­
safios e outros rejeitando completamente a herança da teoria dos movimentos so­
ciais. A onda de conflitos étnicos e religiosos e a guerrilha e as guerras civis dos
anos 1990 foram um reflexo periférico das crises do capitalismo liberal e do socia­
lismo de Estado? Há sinais perturbadores de que a síntese, no pós-guerra, de paz
social e de expansão econômica também estava terminando no coração do núcleo
capitalista Na Europa Ocidental, o problema corrente do nacionalismo católico na
Irlanda do Norte, o Flemish Vlamsblok, o Austrian Freedom Party e a violência
dos skinheads , todos estavam ganhando apoio daqueles que sofriam com o desem­
prego crescente e que tinham fobia contra os imigrantes.
Os Estados Unidos também não tinham sido privados de tais "movimentos feios".
Embora os movimentos pela paz, das mulheres e ecológicos da década anterior es­
tivessem menos em evidência, movimentos novos - e menos pacíficos - estavam se
organizando na América do Norte. A Christian Coalition, próxima do Partido Re­
publicano, mas nunca sendo realmente absorvida por ele, foi capaz de influenciar a
plataforma daquele partido e afetar o seu processo de escolha de candidatos (USHER,
1 997). Nos estados do oeste e do sudoeste, militantes de movimentos contra o go­
verno e milícias armadas desafiaram o governo federal, atacando tanto as igrejas
como as instituições judaicas. Em Waco, no Texas, os membros de uma seita reli­
giosa foram queimados quando oficiais federais tentaram expulsá-los de um ran­
cho. Em Oklahoma City, uma bomba, lançada com a intenção de desfechar um
golpe contra o Estado, destruiu um edifício federal e tirou a vida de centenas de ci­
dadãos.
Mesmo na cível política ocidental, o surgimento de um espectro de "movimen­
tos pela identidade" constituiu-se em herança ambígua para a política popular. Em
vez dos objetivos universalistas dos movimentos pelos direitos civis americanos,
os seus herdeiros lutam pela identidade e respondem ao deus da "diferença" - que
tem a óbvia vantagem de unir solidariedades, mas os defeitos de desperdiçar alian­
ças e distanciar opositores. Ao olhar para dentro, ao invés de para fora, construir
redutos em espaços amistosos em vez de se aventurar em lugares contestados, os
movimentos que privilegiam a identidade ignoram oportunidades, se engajam em
exercícios estéreis de afirmarem-se como melhores do que outros [purer than thou]
e frequentemente acabam - no epigrama pungente de Todd Gitlin - "marchando
em frente ao Departamento de Inglês, enquanto que a direita toma a Casa Branca"
(1995, cap. 5).
***
Nos anos 1990, a expansão e os dramáticos triunfos dos violentos, fechados
em si e sectários movimentos pela identidade refletem os poderes do movimento
que descrevi neste livro. Mas também levantam questões perturbadoras para a teo-

253
ria dos movimentos sociais sobre o aumento da violência, o recrudescimento do
conflito étnico, o declínio da civilidade e a internacionalização do conflito.
Além disso, nos fazem questionar até que ponto permitimos que os exemplos dos
movimentos cívicos do Ocidente dos anos 1960 conformassem nossos modelos
(McADAM; TARROW & TILLY, 1 997). Alguns entre os que estudam o nacionalis­
mo, o conflito étnico e o terrorismo concluíram que esses modelos são simples­
mente irrelevantes no mundo pós-1989. Mas, se nossas teorias são boas de alguma
forma, elas deveriam dar sugestões sobre a dinãmica causal dos diferentes tipos de
movimento. Além disso, à medida que o mundo se aproxima de um novo século,
outras tendências são mais conhecidas.

Confronto contido *
Em seu excelente livro sobre a política cidadã, Russel Dalton escreve sobre os
resultados de sua pesquisa em quatro democracias liberais do Ocidente (Estados
Unidos, Inglaterra, Alemanha e França):
Em cada nação, as atividades políticas não-convencionais são mais comuns no
fim do período da pesquisa (1974-1990) do que no início [ ... ] . O protesto está se
tornando uma atividade política mais comum nas democracias industriais avança­
das (1996: 7 5).
Essas mudanças não foram lineares nem iguais em todos os países. Mas, em lu­
gares tão diferentes entre si como a pacífica Suíça e a turbulenta Itália, a magnitude
do confronto era mais elevada no fim do ciclo de protesto dos anos 1960 do que no
seu começo (KRIESI, 1985; TARROW, 1989a). E quando Kriesi e seus colaborado­
res examinaram a tendência de "novos" movimentos sociais dos anos 1 970 e 1980
nos países da Europa Ocidental, três desses países tiveram ciclos de protesto com
forma similar ao dos anos 1960. No fim dos anos 1 980, a Alemanha, a Holanda e a
Suíça vivenciaram um número maior de protestos realizados por novos movimen­
3
tos sociais do que em meados dos anos 1970 (KRIESI et al., 1 995 : 74) .
Além de ser mais frequente, o confronto político parece ser empregado atual­
mente por uma maior variedade de organizações e abranger um número mais varia­
do de pessoas do que há trinta anos atrás. Particularmente nos Estados Unidos,

* Grande parte do raciocínio nesta e na próxima seção, e alguns elos dados relatados, são baseados na
introdução de A Movement Society ? - Contentious Politicsfor a New Century, de David Meyer e Sidney
Tarrow.
3. A exceção era a França, tanto porque o "ciclo" de atividade ele um novo movimento social veio
mais cedo no período de quinze anos de Kriesi como porque a cooptação de um número de organiza­
ções de movimentos pelo governo liderado pelos socialistas no início dos anos 1980 viu uma redução
generalizada de protestos em meados da mesma década. Para um estudo mais detalhado, baseado nos
mesmos dados, ver Le poids du politique, dejan Willem Duyvendak.

254
mas também na Europa Ocidental, houve um aumento dramático do estabeleci­
mento de organizações de defesa de interesses, que afirmam apoiar "questões dis­
tantes" , populações excluídas ou o "interesse público. " Tais organizações sempre
combinam o ativismo institucional com atividades mais contenciosas (MINKOFF,
1994; WALKER, 1 99 1 ) . Mesmo as mais antigas - como os acomodados grupos
conservacionistas nos Estados Unidos ou os outrora submissos sindicatos alemães -
tiveram um aumento da atividade de protesto.
Desde os anos 1960, novos atores sociais estão cada vez mais visíveis nas ativi­
dades de protesto. Os bretões de classe média, protestando contra novas estradas
ou contra o barbarismo da caça, motoristas de caminhão bloqueando as estradas
pela aposentadoria precoce na França, padres católicos e ministros protestantes fa ­
zendo demonstrações em favor da paz nos Países Baixos, lojistas protestando con­
tra cobranças de impostos mais rigorosas na Itália: ao lado disso, os grupos tradi­
cionais de protesto, como os estudantes, camponeses e operários, eram persona­
gens familiares no confronto político dos anos 1990.
A mudança mais surpreendente foi em relação ao gênero. Embora os homens
ainda protestassem mais do que as mulheres, "há uma evidência" , escreve Dalton,
"de que este padrão está mudando , com uma diminuição dos papéis específicos de
cada gênero" ( 1996: 78) . Considerem os protestos mais dramáticos nos Estados
Unidos nas últimas duas décadas: das campanhas Anti-ERA de Phyllis Schlafly e
Mothers against Drunk Driving nos anos 1980 até os bloqueios antiaborto e a Gay
and Lesbian March em Washington em 1993, as mulheres têm estado mais visíveis
e cada vez mais presentes em papéis de liderança. Na América Latina, alguns dos
protestos mais notáveis contra o governo militar, a tortura e os desaparecimentos
de pessoas foram preparados por grupos de mães e também na Inglaterra o protes­
to Greenham Common contra os armamentos nucleares foi organizado exclusiva­
mente por mulheres.

Convenção e confronto
Mas, à medida que alcançamos um novo século, o confronto está se tornando
mais complexo e isso não significa apenas um acréscimo quantitativo na sua mag­
nitude ou uma extensão para novos atores. Primeiro, na maioria dos países ociden­
tais, os acréscimos relatados de participação em protestos, entre os anos 1 9 70 e
1990, eram maiores nas formas menos contenciosas de ação coletiva - petições e
demonstrações pacíficas - enquanto que as formas mais contenciosas (por exem­
plo, ocupações de edifícios e violência política) aumentaram apenas ligeiramente
(DALTON , 1 996: 76) . Nos Estados Unidos, o uso da violência política caiu drama­
ticamente entre o início dos anos 1970 e o fim dos anos 1980 (GURR, 1989) , tor­
nando um incidente dramático ocasional, como a bomba de Oklahoma City, muito
mais chocante. Entre os países dos quais temos informações comparáveis, apenas
na Alemanha Ocidental as formas de ação mais contenciosas parecem ter crescido

255
entre os anos 1960 e o fim dos anos 1980 - e isso era verdade apenas em relação aos
+
"novos" movimentos, como o movimento pela paz .
Além disso, a "aceitação" pelo público em geral da legitimidade do protesto está
restrita a uma estreita faixa de atividades de protesto e decaiu na maioria dos países
analisados por Dalton (cf. CROZAT, 1998). Desde os anos 1960, a Alemanha foi o
único país ocidental em que a aprovação de ações mais contenciosas cresceu, en­
quanto que na Itália isso foi dramaticamente revertido (comparar CROZAT ( 1998)
com RUCHT ( 1998b)). Em geral, as evidências da Europa e dos Estados Unidos su­
gerem que a quantidade de formas de ação acentuadamente contenciosas, aceitas e
realmente usadas pelos cidadãos ocidentais, parecem estar mais circunscritas do que
eram há duas décadas. O que tem crescido, seja em termos relativos como absolutos,
são as formas pacíficas associadas com o que chamamos de "repertório convencio­
nal" no cap. 6 - especialmente petições e demonstrações pacíficas.
Finalmente, mesmo que o protesto tenha se expandido para novos setores da
população, a militância - que entendo como ativismo regular em organizações de
movimentos sociais - declinou. Isso pode ser parte de uma tendência mais geral à
privatização, descrita por Robert Putnam como um declínio de "capital social" em
países como os Estados Unidos ( 1995). Mas tal declínio é encontrado até na Fran­
ça, onde as atividades de protesto estão - se estiverem - aumentando (ION, 1997).
Portanto, aqui está um quebra-cabeça para os futuros movimentos sociais: como
reconciliar o aumento e a difusão das atividades de protesto, por mais que sejam
suaves e convencionais, com este declínio da militância? Aqui vai uma hipótese.

Diferenciando o ativismo
O declínio da massa militante não significa um declínio do movimento social
clássico, mas parece realmente refletir um declínio na organização do movimento
tradicional e uma diferenciação nas outras formas de movimento descritas no cap.
8. À medida que as organizações de movimentos de massa declinam em número e
militância, grupos de autoajuda, comunidades de propósitos, organizações de ser­
viços, partidos e grupos de interesse com uma vocação para movimento torna­
ram-se mais proeminentes. Embora cada novo ciclo de confronto ressuscite as or­
ganizações de movimentos de massa, estas logo se mostram instáveis e sujeitas à
divisão, o que eventualmente ocorre em várias direções.
Logo depois dos anos 1960 nos Estados Unidos, e um pouco mais tarde na Euro­
pa Ocidental, houve um amplo desenvolvimento dos grupos de interesse público e

4. Estes achados vieram dos resultados de um estudo dirigido por Dieter Rucht no Wissenschaft­
szentrum-Berlim. Para um primeiro relato ver o seu texto "The Structure and Culture of Collective
Protest", onde ele constata um aumento nas formas de protesto demonstrativas, de confronto e vio­
lentas no movimento pela paz na Alemanha Ocidental entre os anos 1950 e 1980 (ver a sua tahela 5).

256
de partidos com vocação para movimentos. Se o grupo de interesse público é mais tí­
pico nos Estados Unidos, enquanto que os Verdes são mais centrais na Europa Oci­
dental, isso é provavelmente o resultado de diferenças nos sistemas eleitorais. Os
dois subtipos compartilham muitas características: uma profissionalização da lide­
rança, orientação dominante em relação às autoridades públicas e, na melhor das hi­
póteses, seus apoiadores adotam formas passivas de participação de massa.
A importãncia desses grupos pelo interesse público não deveria ser desprezada
pelos que buscam formas "puras" de movimento. Quase sempre um treinamento
para futuros ativistas, eles servem como "casas de transição do movimento" e são
fontes de habilidades, informação e comunicação para as campanhas de protesto
que grupos mais militantes não poderiam fazer por si mesmos. Especialmente nos
períodos de calmaria entre os ciclos de confronto, eles ajudam a manter vivos os
temas que os movimentos colocam na agenda, ensinando técnicas e provendo re­
cursos para os aliados.
Ao mesmo tempo, algumas formas de ação deixam a participação no processo
político em favor do ativismo na sociedade. Uma das tendências envolve a partici­
pação direta e busca, entre outras coisas, o desenvolvimento pessoal dos seus
membros. Tais formas de ação abrangem desde o movimento comunal nos Estados
Unidos, passam por um amplo espectro de grupos de apoio e de autoajuda e vão
até a educação em casa e o despertar de consciências. Embora não visem direta­
mente a mobilização (de fato, são quase sempre vistos como uma alternativa a ela),
tais grupos podem manter o consenso em torno dos objetivos do movimento, as­
sim como fornecer serviços e oportunidades para o autodesenvolvimento. Em ins­
tituições tão diversas como a Igreja Católica norte-americana e os sindicatos da
Europa Ocidental, "coletivos" e grupos pelo despertar da consciência ajudam a
manter o ativismo vivo durante períodos de baixa mobilização.
Outra forma de organização ligada a movimentos, como o setor autônomo que
se desenvolveu a partir dos movimentos de 1968, na Alemanha, fornecem serviços
profissionais para públicos mais amplos. Num nível internacional, um conjunto
muito disperso de grupos de apoio e associações de solidariedade fornecem serviços
de saúde, assessoria técnica e solidariedade às populações do Terceiro Mundo- tra­
balhando algumas vezes em parceria com seus governos e algumas vezes com gru­
pos internos. No Ocidente, um movimento verde ligado ao consumo e visando a so­
lidariedade está ganhando terreno para distribuir os produtos dos camponeses e ar­
tesãos do Terceiro Mundo sem a participação de intermediários que visam lucros.
Finalmente, os movimentos de massa do passado não desapareceram, mas
adaptaram suas formas às mudanças na sociedade. Nas últimas duas décadas, vi­
mos o desenvolvimento de redes frouxas e descentralizadas de ativistas e líderes
que organizam coalizões em torno de campanhas específicas e fazem exigências às
autoridades políticas. Mesmo que promovam ideologias de espontaneidade, o nú­
cleo desses movimentos é altamente profissional. Eles não são partidos de massa

257
ou organizações burocráticas de movimentos de massa, mas assumem a forma de
campanhas de coalizões, lideradas por pequenos núcleos de organizadores mobili­
zando um número muito maior de cidadãos esporadicamente ativos.
O "novo" nesses movimentos não é serem espontâneos em comparação com
seus predecessores, que eram "organizados", ou fazerem "reivindicações em tomo
da identidade" frente às reivindicações supostamente "instrumentais" dos "anti­
gos" movimentos sociais ou até que usem rotineiramente formas de ação não-con­
vencionais (de fato, eles usam principalmente petições convencionais e demons­
trações pacíficas). O que é novo é terem mais recursos discricionários, terem aces­
so mais fácil à mídia, terem uma mobilidade geográfica e interações culturais são
mais baratas e mais rápidas e poderem recorrer à colaboração de tipos diferentes de
organizações ligadas a movimentos para campanhas temáticas organizadas rapida­
mente em torno de um tema. Neste sentido, o declínio do antigo movimento de
massa centralizado foi um benefício, mais que um custo, para o movimento social.
Segue-se uma inovação específica que depende desses recursos.

Confronto transnacional
Na maioria dos períodos da história em que este estudo se apoiou, os movi­
mentos sociais nacionais dominaram o confronto político. Isso se deveu à crescen­
te predominância do Estado nacional consolidado, tanto em relação às formas an­
teriores de Estado como às unidades territoriais menores que ele incorporou. Mas,
em algum momento, em meados do século XX, os estados nacionais começaram a
ser desafiados - por impérios baseados no Estado e ligados pela ideologia e pelo
poder militar, por identidades subestatais mobilizadas e por entidades transnacio­
nais, como as corporações multinacionais.
A televisão, as viagens aéreas baratas e a comunicação eletrõnica estão aceleran­
do o processo de desintegração do Estado? Em lugares tão distantes como a Europa
Oriental e Pequim em 1989, Chiapas em 1994 e as campanhas feitas em alto-mar
pelo Greenpeace, a comunicação eletrõnica e os grupos de ativistas que se movem
transnacionalmente desempenham um papel crítico em desafiar a autonomia do
Estado. O seu futuro como movimentos sociais ainda não é claro, mas essas mudan­
ças recentes certamente aceleraram os processos de difusão transnacional e deram
aos organizadores novas armas de mobilização. Esta foi a questão levantada no capí­
tulo anterior, questão que - nesta fase da história mundial - seria tolice tentar res­
ponder, pois envolve nada menos do que a instituição do Estado nacional soberano.

Movimentos e instituições
Em vários pontos deste estudo, vimos que os movimentos interagem estreita­
mente com as instituições. Não é apenas uma questão de desafiar instituições -
embora esta seja a imagem principal cultivada pelos movimentos sociais -, mas
também de colaborar com atores institucionais e, em vários momentos, de ganhar

258
apoio das instituições. Quando, no cap. 10, comparamos o fracasso do movimento
estudantil de 1968 com o sucesso do movimento das feministas americanas, vemos
que este certamente contou com colaboração e participação institucionais.
Mas a participação institucional é uma faca de dois gumes. Os movimentos so­
ciais muito alienados das instituições se arriscam ao isolamento e sectarismo; mas
aqueles que colaboram demais com elas e absorvem suas rotinas institucionais po­
dem tornar-se imbuídos de sua lógica e de seus valores. Este é um perigo que ob­
servamos no caso nas redes transnacionais de ativismo , que frequentemente são
chamadas de "movimento" e recebem ajuda financeira de fundações, estados na­
cionais e organizações internacionais. Se elas irão fortalecer movimentos domésti­
cos fracos ou permanecer como redes de elite desconectadas é uma grande questão
que os estudiosos dos movimentos sociais e também os estados que elas visam te­
rão que observar cuidadosamente.
Alguns tipos de instituições parecem facilitar mais os movimentos do que ou­
tras. Repetidas vezes, vimos como os estados centralizados tendem a estruturar o
protesto em nível nacional, enquanto que os federalistas fornecem lugares alternati­
vos para a atividade do movimento e "buscam lugares mais receptivos para a apre­
sentação de demandas" [ venue shopping] . Ao tentar suprimir o protesto, os estados
autoritários também o radicalizam, expondo-se a um perigo maior do que os estados
democráticos quando as oportunidades se abrem e as restrições perdem a força,
como vimos nos casos da ex-União Soviética e da Europa Centro-Oriental desde
1989. Embora os estados democráticos tornem as coisas mais fáceis para os desafian­
tes, a própria facilidade da mobilização - aumentada pelas reformas na prática poli­
cial desde os anos 1960 - abranda a capacidade do movimento produzir rupturas.
Nos estados democráticos, os movimentos aprenderam a combinar a ação ins­
titucional e a extrainstitucional. Considere um grupo tão disruptivo como o
Act-Up: paralelamente aos "rápidos e violentos ataques" que atormentam os oposi­
tores do movimento e as demonstrações em que as pessoas se fingem de mortas em
espaços públicos em favor das vítimas da Aids, os ativistas do Act-Up mantêm co­
mitês especializados, grupos para cuidar dos seus assuntos diários, comitês de
pressão e de coordenação (ERNST, 1997: 17). Se a alternãncia de tais movimentos
entre práticas institucionais e não-institucionais está levando a uma sociedade
mais turbulenta ou à domesticação dos movimentos é a grande questão da atuali­
dade para os estudiosos de movimentos sociais.

Nos últimos duzentos anos, tem havido uma tendência civilizadora lenta, irregu­
lar, mas inexorável na natureza do confronto e nos meios do Estado para controlá-lo.
À medida que os repertórios modulares ligaram os movimentos sociais ao Estado, as
fonnas violentas e diretas de ataque foram sendo cada vez mais substituídas pelo po­
der do número de demandantes, pela solidariedade e por um diálogo informal entre os

259
estados e os movimentos. O ciclo dos anos 1960, com seu baixo nível de violência e o
emprego da ação não-violenta, foi a apoteose dessa tendência. Mas as guerras de guer­
rilhas, a tomada de reféns, as bombas e os conflitos étnicos das últimas duas décadas
devem nos fazer conjecturar se a tendência a um repertório pacífico não foi nada mais
do que um pequeno parênteses que está sendo agora revertido.
Grande parte da violência ocorre no hemisfério empobrecido, mas os cidadãos
dos países ocidentais não podem se sentir superiores quando contemplam os acon­
tecimentos violentos no mundo não-ocidental. As crenças puritanas, para não fa­
lar dos métodos violentos, do islamismo militante ou do nacionalismo integral,
têm uma semelhança espantosa com tendências recentes na cultura ocidental: os
ministros religiosos politizados, que pregam a intolerãncia nos programas de tele­
visão das manhãs de domingo; os "salvadores" de fetos não-nascidos que se recu­
sam a reconhecer o direito das mulheres à liberdade de reprodução; os ataques or­
todoxos aos valores seculares na educação e na vida pessoal e os movimentos pela
identidade que proclamam a superioridade de suas nações ou raças. Os métodos
são bem diferentes, mas quão afastados estão os movimentos como o National
Front francês ou as milícias americanas dos fanáticos do Party of God?
Os cidadãos dos estados modernos já passaram por tais "momentos de loucu­
ra". É suficiente lembrar que várias cabeças foram exibidas na ponta de espetos du­
rante a grande revolução democrática francesa para encontrar paralelos para a vio­
lência e intolerância que emergiram nos anos 1990. A preocupação criada por es­
sas revoltas mais recentes é que - se uma "sociedade de movimentos" está se de­
senvolvendo a partir das mudanças sociais, econõmicas e culturais do final do sé­
culo XX - ela terá uma valência cultural mais ampla e uma difusão global mais rá­
pida do que os movimentos que irromperam em Boston em 1765, em Paris em
1 789 e 1848 e nos protestos não-violentos dos anos 1960.
Está a ordem do mundo novo, que se supunha ser resultado da liberação de
1989, voltando-se para a violência e desordem permanentes? O fato dos recursos
para o confronto violento serem tão amplamente acessíveis, as identidades integra­
listas tão disseminadas e os militantes tão livres de restrições nacionais está fazen­
do surgir uma sociedade de movimentos permanente e violenta? Ou a onda cor­
rente de movimentos étnicos e religiosos irá amadurecer parcialmente, será parci­
almente domesticada e parcialmente mediada pelo processo político como nos ci­
clos anteriores de confronto?
A violência e a intolerância no fim do século são uma tendência assustadora.
Mas esta não é a primeira grande onda de movimentos na história e nem será a últi­
ma. Se a sua dinâmica vier a se parecer com a do confronto político que encontra­
mos neste livro, o seu poder será inicialmente feroz, descontrolado e amplamente
disseminado, mas, no fim, efêmero e institucionalizado. Se assim for, tal como as
ondas de movimentos anteriores, ela se dispersará "como a maré cheia que revolve
muito o solo, mas deixa depósitos aluviais em seu rastro" (ZOLBERG, 1972: 206).

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