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O PODER EM MOVIMENTO
Movimentos sociais e confronto político
Sidney Tarrow
(bEDITORA
Y VOZES
Muito antes de haver movimentos organizados havia
muitas formas de confronto político no cenário histórico
- desde tumultos por comida e rebeliões contra impostos
até guerras religiosas e revoluções. Apenas quando a
ação coletiva contra antagonistas foi sustentada é que um
episódio de confronto se torna um movimento social.
Objetivos comuns, identidades coletivas e desafios
identificáveis ajudam os movimentos a fazer isso, mas, a
não ser que possam sustentar seu desafio, irão
desaparecer numa espécie de ressentimento individualista
que James Scott chama de "resistência", endurecer-se cm
seitas religiosas ou intelectuais ou recolher-se ao
isolamento. A sustentação da ação coletiva em interação
com opositores poderosos distingue o movimento social
das fonnas iniciais de protesto que vieram antes dele na
história e ainda hoje o acompanham.
Este estudo não busca fornecer um modelo único
mostrando as propriedades comuns de todos os
confrontos políticos em todos os lugares desde o começo
dos tempos. Em vez disso, tenta identificar os processos
através dos quais os confrontos surgem em ambientes
diversos e como sua intersecção com formas diferentes
de mobilização, criação de identidades, organização e
oportunidades e restrições criam movimentos sociais e
grandes ciclos de confronto.
"'EDITORA
Y VOZES
Uma vida pela bom livro
vendos@vozes.com.br 'lf1l1if iílI11�1 íl
9 788532 638281
,www.vozes.com.br
focalizam suas próprias
dinâmicas internas ou as de seus
membros. Mas mesmo tais
Esta obra não pretende fazer mo\·imentos relacionam-se com
a história do confronto político as autoridades de modo
ou do movimento social, nem confliti\ o. por serem elas
impor ao leitor uma perspectiva responsáwis pela lei e pela
teórica atacando outras. O autor ordem e por estabelecerem as
oferece, em vez disso, um normas para a sociedade. Os
amplo quadro teórico para organizadores usam o confronto
entender o lugar dos para explorar oportunidades
movimentos sociais, dos ciclos políticas, criar identidades
de confronto e das revoluções coletivas, reunir pessoas em
na categoria mais geral do organizações e mobilizá-las
confronto político, examinando contra oponentes mais
o poder em movimento, cujo poderosos. Muito da história da
desenvolvimento histórico interação movimento-Estado
esboça na parte I e analisa nas pode ser visto como um dueto
partes II e III. Para isso, utiliza de estratégia e contraestratégia
um conjunto central de entre os ativistas e os detentores
conceitos - oportunidades e do poder.
restrições, repertórios, quadros
interpretativos e estruturas de
mobilização, ciclos e reação
institucional.
A ação coletiva de confronto
revela-se como base dos
movimentos sociais não por
serem estes sempre violentos ou
extremos, mas porque é o
principal e quase sempre o
único recurso que as pessoas
comuns têm contra opositores O autor
mais bem equipados ou estados
poderosos. Isto não significa Sidney Tarrow é professor de
que os movimentos não fazem Governo na Universidade
outra coisa senão confrontar: Comell e autor de diversas
eles formam organizações, obras relacionadas a política,
elaboram ideologias, socializam democracia, comunismo,
e mobilizam seus membros, e confrontos, revoluções, ação
estes se engajam em coletiva, movimentos sociais e
autodesenvolvimento e na ciclos de protesto.
construção de identidades
coletivas. Alguns movimentos
são profundamente apolíticos e
COLEÇÃO SOCIOLOGIA
i,')'1'0�
(lfl\
Coordenador: Basílio Sallumjr. - Universidade de São Paulo
- A educação moral
Émile Durkheim
- A Pesquisa Qualitativa - Enfoques epistemológicos e metodológicos
VV.AA.
- Sociologia ambiental
John Hannigan
- O poder em movimento - Movimentos sociais e confronto politico
Sidney Tarrow
- Quatro tradições sociológicas
Randall Collins
- Introdução à teoria dos sistemas
Niklas Luhmann
09-02940 CDD-303.48409
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida ou
transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico,
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sem permissão escrita da Editora.
Diretor editorial
Frei Antônio Moser
Editores
Ana Paula Santos Matos
José Maria da Silva
Lídio Peretti
Marilac Loraine Oleniki
Secretário executivo
João Batista Kreuch
Figuras, 9
Apresentação da coleção, 11
Prefácio, 13
Agradecimentos, 1 S
Introdução, 17
·,' 1 Confronto político e movimentos sociais, 27
17
direitos civis, os movimentos pacifistas, ambientalistas e feministas e as revoltas
contra o autoritarismo, tanto na Europa quanto no Terceiro Mundo, levaram mas
sas de pessoas às ruas exigindo mudanças. Frequentemente tiveram sucesso, mas
mesmo quando falharam suas ações puseram em movimento importantes mudan
ças políticas, culturais e internacionais.
O confronto político ocorre quando pessoas comuns, sempre aliadas a cida
dãos mais influentes, juntam forças para fazer frente às elites, autoridades e oposi
tores. Tais confrontos remontam ao início da história. Mas prepará-los, coorde
ná-los e mantê-los contra opositores poderosos é a contribuição singular dos mo
vimentos sociais - uma invenção da Idade Moderna que acompanhou o surgimen
to do Estado moderno. Neste livro, afirmo que o confronto político é desencadea
do quando oportunidades e restrições políticas em mudança criam incentivos para
atores sociais que não têm recursos próprios. Eles agem através de repertórios de
confronto conhecidos, expandindo-os ao criar inovações marginais. O confronto
político conduz a uma interação sustentada com opositores quando é apoiado por
densas redes sociais e estimulado por símbolos culturalmente vibrantes e orienta
dos para a ação. O resultado é o movimento social.
Esses assuntos ganham importância especial devido a enorme expansão e di
versidade crescente dos movimentos sociais da atualidade. Inicialmente vimos os
movimentos pelos direitos civis e os estudantis; depois os ecológicos, feministas e
pela paz, primeiro nos Estados Unidos e depois na Europa Ocidental; as lutas pelos
direitos humanos nos sistemas autoritários e semiautoritários; o extremismo reli
gioso islâmico e judaico no Oriente Médio e a militância hindu na Índia; e, mais re
centemente, a violência contra os imigrantes na Europa Ocidental, o fundamenta
lismo cristão nos Estados Unidos e o nacionalismo étnico nos Bálcãs e na ex-União
Soviética. Nas últimas quatro décadas do século XX, uma onda de novas formas de
confronto se espalhou pelo mundo, de uma região a outra.
Nem todos esses eventos merecem o nome de "movimentos sociais", que reser
vo para designar as sequências de confronto político baseadas em redes sociais de
apoio e em vigorosos esquemas de ação coletiva e que, além disso, desenvolvem a ca
pacidade de manter provocações sustentadas contra opositores poderosos. Mas to
dos são parte de um universo mais amplo do confronto político que pode surgir, de
um lado, de dentro das instituições e, de outro, pode se expandir e se transformar em
revolução. Situar os movimentos sociais e sua dinâmica particular, histórica e anali
ticamente, no universo do confronto é o objetivo central deste estudo.
A abordagem do estudo
Neste livro não tento fazer a história do confronto político ou do movimento so
cial. Nem imponho ao leitor uma perspectiva teórica ou ataco outras - uma prátic
que trouxe mais calor do que luz à discussão. Ofereço, em vez disso, um amplo qua
dro teórico para entender o lugar dos movimentos sociais, dos ciclos de confronto -:
18
Jas revoluções na categoria mais geral do confronto político. Muito frequentemente
JS estudiosos se concentraram em teorias específicas ou em alguns aspectos do mo
·.imento em detrimento de outros. Um exemplo disto é como a revolução, como ab
eto de estudo, foi tratada até bem recentemente. Ela é estudada principalmente em
�dação a outras revoluções e quase nunca comparada com os ciclos de confronto
.:iue, de alguma forma, se assemelham a ela ou com os movimentos sociais (mas veja
GOLDSTONE, 1997). Precisamos de um quadro mais amplo para poder relacionar
1
.:is movimentos sociais ao confronto político e à política em geral •
O ato irredutível que está na base de todos os movimentos sociais, protestos e re
·:oluções é a ação coletiva de confronto. A ação coletiva pode assumir muitas formas -
· reve ou sustentada, institucionalizada ou disruptiva, monótona ou dramática. A
:-naioria delas ocorre no interior de instituições, através de grupos constituídos que
.1 gem em nome de objetivos que dificilmente causariam estranheza. A ação coletiva
:orna-se de confronto quando é empregada por pessoas que não têm acesso regular
JS instituições, que agem em nome de exigências novas ou não atendidas e que se
.:-omportam de maneira que fundamentalmente desafia os outros ou as autoridades.
A ação coletiva de confronto é a base dos movimentos sociais não por serem es
:es sempre violentos ou extremos, mas porque é o principal e quase sempre o único
�ecurso que as pessoas comuns têm contra opositores mais bem equipados ou esta-
os poderosos. Isto não significa que os movimentos não fazem outra coisa senão
:onfrontar: eles formam organizações, elaboram ideologias, socializam e mobilizam
,eus membros, e estes se engajam em autodesenvolvimento e na construção de iden
:idades coletivas. Alguns movimentos são profundamente apolíticos e focalizam
;;uas próprias dinâmicas internas ou as de seus membros. Mas mesmo tais movimen
:os, como nos lembra o sociólogo Craig Calhoum, relacionam-se com as autoridades
je modo conflitivo, por serem elas responsáveis pela lei e pela ordem e por estabele
:erem as normas para a sociedade (1994b: 21). Os organizadores usam o confronto
?ªra explorar oportunidades políticas, criar identidades coletivas, reunir pessoas em
Jrganizações e mobilizá-las contra oponentes mais poderosos. Muito da história da
:nteração movimento-Estado pode ser visto como um dueto de estratégia e contraes
:.ratégia entre os ativistas e os detentores do poder.
Assim, devemos começar pela teoria da ação coletiva, mas não sem uma adver
•. ência: a ação coletiva não é uma categoria abstrata que pode ficar fora da história e
2
,eparada da política (HARDIN, 1982; 1995) • As formas contenciosas de ação cole
:iva são diferentes das relações de mercado, dos grupos de pressão ou da política
1. Sobre este argumento, com síntese ilustrativa, ver McAdam, Tarrow e Tilly, 1 996; 1997.
2. Em outras palavras, não posso concordar com Russell Hardin quando ele escreve, em seu livro Col
:,·ctive Action, que "não há razão para recortar a teoria [ da ação coletiva] de acordo com os limites dos
:iroblemas substantivos". Generalizar a explicação da participação só levaria a um maior poder teóri
:o se, como Hardin afirma, os recursos e os problemas de coordenação dos atores fossem comparáveis
�m todos esses campos substantivos (p. xiii-xiv) .
19
representativa porque põem pessoas comuns em confronto com opositores, elites
ou autoridades. Elas têm poder porque desafiam os detentores de poder, produ
zem solidariedade e fazem sentido para grupos específicos da população, situações
e culturas nacionais.
Isto significa que teremos que incluir as formulações gerais da teoria da ação
coletiva num registro concreto da história e também as percepções da sociologia,
da ciência política e até mesmo da antropologia. Veremos, em particular, que reu
nir pessoas numa interação sustentada com opositores exige uma solução social -
agregar pessoas com demandas e identidades diferentes e em locais diversos em
campanhas conjuntas de ação coletiva. Esta solução envolve, em primeiro lugar,
preparar os desafios coletivos; em segundo, instigar redes sociais, obj etivos co
muns e quadros culturais; e, em terceiro, construir a solidariedade através das es
truturas de ligação e das identidades coletivas para manter a ação coletiva. Esses
são os principais processos dos movimentos sociais.
3. A indiferença dos estudiosos do nacionalismo étnico em relação à teoria dos movimentos sociaió
é retribuída cordialmente pela maior parte dos estudiosos que se dedicam a ela. O exame dos índi
ces de vários textos sobre movimentos mostra muito interesse nos movimentos relativamente "c'.
vilizados" das democracias liberais e pouca atenção aos "maus" movimentos que surgiram na déc< •
da passada.
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Essas características, no entanto , são casos polares de características mais fun
:!amentais dos movimentos sociais. O extremismo é uma forma exagerada dos
:iuadros de significado encontrados em todos os movimentos sociais; a privação é
· 1 ma fonte particular de propósitos comuns que todos os mo\'imentos expressam; e
1 violência é uma exacerbação de desafios coletivos. Em vez de ver os mmimentos
,ociais como expressões de extremismo, privação e violência, eles são mais bem
:!efinidos como desafios coletivos baseados em objetivos comuns e solidaiiedade social
' uma interação sustentada com as elites, opositores e autoridade". Esta definição tem
�uatro propriedades empíricas: protesto coletivo, objetivo comum, solidariedade
,ocial e interação sustentada. Vamos examinar sumariamente cada uma delas.
Desafio coletivo
Há muitas fo rmas de ação coletiva - do voto à filiação a grupos de interesse até
:orneios de bingo e jogos de futebol. Mas estas não são as formas de ação mais ca
�acterísticas dos movimentos sociais. Caracteristicamente, eles preparam desafios
.:ontenciosos através da ação disruptiva direta contra elites, autoridades, outros
5rupos ou códigos culturais. Esta ruptura, quase sempre pública por natureza .
. ode assumir também a forma de resistência pessoal coordenada ou de afirmação
.:oletiva de novos valores (MELUCCI, 1 996) .
Os desafios coletivos se distinguem com frequência por interromper ou tornar
:ncertas as atividades de outros. Mas , particularmente em sistemas repressivos , po
:!em ser também simbolizados por frases de propaganda, formas de vestir ou de
música ou então pelo uso de símbolos novos ou diferentes ao se referir a objetos fa
:niliares. Mesmo nos estados democráticos liberais , as pessoas se identificam com
movimentos através de palavras , formas de se vestir ou se apresentar e de compor
5
tamento privado que traduzam o seu propósito coletivo •
O confronto não se limita aos movimentos sociais, embora seja a sua forma ca
�acterística de interagir com outros atores. Algumas vezes, os grupos de interesse
�e engajam em desafios diretos, como fazem os partidos políticos, associações vo
:untárias e cidadãos comuns que só têm em comum a coincidência temporária de
�eivindicações contra outros. Os desafios contenciosos também não são a única
:·orma de ação nos movimentos. Estes - especialmente os organizados - se engajam
:1uma variedade de outras ações, que vão desde oferecer "incentivos seletivos" a
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seus membros, construir um consenso entre os apoiadores do momento ou futu
ros, fazer pressão e negociar com autoridades e até desafiar códigos culturais atra
vés de novas práticas religiosas ou pessoais. Há poucas décadas, da mesma forma
que os grupos de interesse e outros se engajavam de forma crescente no confronto
político, os líderes de movimentos se tornaram hábeis em combinar o protesto
com a participação em instituições.
Mas, apesar de sua crescente capacidade de fazer pressão, desafiar de forma le
gal e agir na área de relações públicas, as ações mais características dos movimen
tos sociais continuam a ser os desafios contenciosos. Isso não se deve a que os líde
res sejam psicologicamente inclinados à violência, mas sim à falta de recursos está
veis - dinheiro, organização, acesso ao Estado - controlados pelos grupos de inte
resse e pelos partidos. Os movimentos usam o desafio coletivo para tornarem-se
pontos de atração para apoiadores, ganharem a atenção de opositores e terceiros e
criar eleitores para serem por eles representados.
Propósito comum
Tentou-se explicar de várias maneiras os motivos que levam as pessoas a se fi
liar a movimentos, indo desde o desejo juvenil de zombar da autoridade até os ins
tintos ferozes da multidão. Alguns movimentos se caracterizam por um espírito de
jogo e carnaval, enquanto que outros revelam o furor inflexível da multidão. Entre
tanto, um motivo mais básico - senão mais prosaico - para as pessoas se unirem para
participar de movimentos é a organização de reivindicações comuns aos oposito
res, autoridades ou elites. Nem todos os conflitos deste tipo surgem de interesses
de classe, mas de interesses e valores comuns ou justapostos que são a base de suas
ações comuns.
Tanto a teoria da "diversão e jogos" como a da multidão enfurecida ignora os
riscos e custos consideráveis envolvidos em agir coletivamente contra autoridades
bem armadas. Os escravos rebeldes que desafiaram o Império Romano se arrisca
ram a morrer quando derrotados, os dissidentes que lançaram a Reforma contra a
Igreja Católica assumiram riscos semelhantes. Os estudantes negros da faculdade,
que comiam em locais segregados no sul dos Estados Unidos, também não espera
vam diversão por parte dos militantes que os esperavam com bastões de beisebol e
brutalidade. As pessoas não arriscam sua pele ou sacrificam o seu tempo nas ativi
dades dos movimentos sociais a não ser que tenham uma boa razão para fazê-lo.
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Mas os líderes só podem criar um movimento social quando liberam os mais pro
fundos sentimentos de solidariedade ou identidade. Isto é quase certamente a ra
zão do nacionalismo e a afiliação étnica ou religiosa terem sido bases mais sólidas
de organização de movimentos do que o imperativo baseado numa categoria, a
classe social (ANDERSON, 1990; SMITH 1996) 6 .
Um incidente isolado de protesto - por exemplo, um tumulto ou uma multi
dão - é um movimento social? Usualmente não, porque tipicamente os participan
tes dessas formas de protesto têm apenas uma solidariedade temporária e não po
dem manter seus desafios contra os opositores. Mas, algumas vezes, os tumultos
têm características que sugerem um propósito comum ou solidariedade. Os tu
multos nos guetos por toda a América nos anos 1 960, ou em Los Angeles em 1992,
não foram movimentos em si, mas o fato de terem sido deflagrados pela violência
policial indica que surgiram de um sentimento difuso de injustiça. Multidões, tu
multos e reuniões espontâneas são mais uma indicação de que há um movimento
em processo de formação do que movimentos de fato.
6. Alguns estudiosos de movimentos sociais levam ao extremo o critério de consciéncia comum. Ru
dolph Heberle, por exemplo, j ulgou que um movimento tinha que ter uma ideologia bem elaborada.
Ver o seu Social Movements: An Introduction to Sociology. Outros, como Alberto Melucci, pensam que
os movimentos "constroem" propositadamente identidades coletivas através da negociação constan
e. Ver o texto de Melucci: Getting Involved: Identity and Mobilization in Social Movements.
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mudanças nas oportunidades e nas restrições políticas criam os incentivos mais
importantes para iniciar novas fases de confronto. Estas ações, por sua vez, criam
novas oportunidades tanto para os insurgentes originais quanto para os retardatá
rios e, eventualmente, para os opositores e detentores de poder. Os ciclos de con
fronto - e, em raros casos, as revoluções - que se seguem são baseados nas externa
lidades obtidas e criadas por esses atores. Os resultados de tais ondas de confronto
dependem não só da justiça da causa ou do poder de persuasão de qualquer movi
mento singular, mas de sua extensão e das reações das elites e de outros grupos.
Um esboço do livro
Nos últimos vinte anos, cientistas políticos e sociólogos, influenciados pelo
pensamento econômico, começaram suas análises dos movimentos sociais a partir
do enigma de que é difícil ocorrer uma ação coletiva. Este enigma é um enigma - e
não uma lei sociológica - porque a ação coletiva de fato ocorre, a despeito das situ
ações serem muito variadas, de serem muitas as dificuldades e de ela ser realizada
frequentemente por pessoas com poucos recursos e usualmente com pouco poder
(LICHBACH, 1995).
Examinar os parãmetros da ação coletiva é a primeira tarefa do cap. 1. Mas o
capítulo aborda também dois problemas igualmente importantes: primeiro, a di
nãmica da mobilização depois de iniciada e, segundo, as razões pelas quais os re
sultados dos movimentos são tão variados e falhem com tanta frequência em atin
gir os objetivos estabelecidos. Embora o cap. 1 esboce essas teorias de um modo
geral, elas ficarão mais evidentes nos movimentos e episódios analisados no res
tante do livro.
Na parte I mostro como e onde os movimentos sociais nacionais se desenvol
veram no Ocidente no século XVIII, quando os recursos para transformar a ação
coletiva em movimentos sociais puderam ser reunidos pela primeira vez em perío
dos sustentados de tempo e num espaço territorial. O foco do cap. 2 é o que eu cha
mo, tal como Charles Tilly, de "repertório" moderno de ação coletiva; então, no
cap. 3, eu me volto para as mudanças na sociedade que apoiaram aquela transfor
mação e, no cap. 4, examino as relações entre a construção do Estado e a cristaliza
ção dos movimentos sociais. Uma vez estabelecida a "ação coletiva modular" , ela
foi difundida através da expansão do Estado, da imprensa e da associação e da difu
são dos repertórios de confronto através do mundo. Este é o argumento do segun
do ao quarto capítulos.
Mesmo reivindicações profundas permanecem inertes a não ser que possam
ser ativadas. Do cap. 5 ao 8 - núcleo analítico do livro - há um esboço dos princi
pais poderes que observo nos movimentos. No cap. 5 analiso as mudanças nas
oportunidades e restrições políticas que deflagram episódios de confronto. No cap.
6 exponho os três principais aspectos do confronto político empregados pelos mo
vimentos políticos - violência, ruptura e formas convencionais de ação. No cap. 7
24
::xamino como os "quadros interpretativos" do simbolismo e da ação coletiva mo
::iilizam os apoiadores e os ajudam a elaborar as reivindicações. No cap. 8 trato das
:"ormas principais de solidariedade que ajudam a formar as organizações de movi
:-:1.entos. Estes são os quatro poderes principais que observo num movimento.
Na terceira seção do livro abandono esses aspectos analíticos do confronto po
:!tico e dos movimentos sociais e analiso sua dinâmica e seus resultados.
A partir do século XVIII, uma vez que os recursos para uma ação coletiva sus
·. entada tornaram-se disponíveis para pessoas comuns e para as pessoas que diziam
�epresentá-las, o confronto pôde se espalhar para sociedades inteiras, produzindo
'S períodos de turbulência e reorganização que chamo de "ciclos de confronto".
:::orno mostrei no cap. 9, a importância desta mudança é que, uma vez começado o
:ido, há uma redução dos custos da ação coletiva para outros atores e uma difusão
:los quadros interpretativos principais e dos modelos de ativismo. Os movimentos
1ue surgem em tais contextos não precisam depender tanto de recursos internos
:iuanto das oportunidades generalizadas em suas sociedades. Além disso, as elites
�espondem menos a movimentos isolados do que a um contexto geral de confron
:o com o qual tenham que lidar.
Tais períodos de desordem generalizada resultam algumas vezes em repressão
:rnediata, algumas outras em reforma, frequentemente ambas. Mas em termos po
:ítico-institucionais e pessoal-culturais, os efeitos dos ciclos vão muito além dos
)bjetivos visíveis de um movimento. Eles são encontrados tanto nas mudanças que
) governo inicia como nos períodos de desmobilização que se seguem. Eles dei
:�am atrás de si uma ampliação permanente na participação, na cultura popular e
:ia ideologia, como afirmo no cap. 10.
Isso nos leva ao confronto político da atualidade e a dois importantes assuntos
:iovos: a "globalização" e o possível surgimento de uma "sociedade de movimentos" .
. · as últimas décadas uma onda de democratização se espalhou pelo mundo, culmi
:iando nas dramáticas mudanças no sul da Europa nos anos 1970, na América Latina
:ios anos 1980 e na Europa Oriental e Central e na África a partir de 1989. Nos anos
1990 surgiu uma nova onda de movimentos "feios", fundados em demandas étnicas
e: nacionalistas, em fanatismo religioso e racismo, levando o mundo a um ápice de
:urbulência e violência como não se via por décadas. A comunicação eletrônica e o
":Jaixo custo do transporte internacional reforçaram estas conexões internacionais,
.::riando a possibilidade de que a era dos movimentos sociais nacionais pode estar no
'.\m. Se os movimentos nacionais estiveram ligados ao surgimento do Estado moder
:10, a questão central colocada por essas novas ondas de movimento é se eles estão
.::riando uma cultura transnacional de movimentos, que ameaça a estrutura e a sobe
rania do Estado nacional. Examino essas questões no cap. 11.
Uma última questão nos levará dos movimentos transnacionais quase sempre
\·iolentos do mundo não-ocidental para os movimentos civis mais pacíficos asso
ciados às democracias liberais.
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Nos lugares em que o protesto e o confronto tomaram-se fáceis de preparar e
são amplamente legitimados; onde a polícia e os detentores do poder preferem dis
cutir táticas com os movimentos em vez de reprimi-los; onde a mídia ou os tribu
nais frequentemente resolvem questões que antes eram debatidas nas ruas, o movi
mento social será absorvido e institucionalizado? Será transformado em política
comum como as greves e as demonstrações no século XIX? Ou o volume acentua
do de confrontos mergulhará os processos rotineiros de participação eleitoral e de
grupos de interesse num mar turbulento de política desregrada?
Houve uma expansão de conflitos disruptivos por todo o mundo nos anos
1 990, como sempre acontece nos fins de guerras e durante o colapso de impérios.
Mas, da mesma forma que a campanha eleitoral e a greve fo ram absorvidas em roti
nas institucionais durante o século XIX, muitas destas novas formas de participa
ção surgidas a partir dos anos 1 960 estão sendo domesticadas no fim do século XX.
A forma do futuro dependerá não de quão violento ou disseminado tenha se
tornando o confronto, mas de como ele fo r absorvido no - e transformar o - Estado
nacional.
26
1
Co nfro nto po l ítico e m ovi me ntos soci a i s
7. Para um relato sobre os teóricos que consideram a violência civil como a antítese dos processos so
:iais normais ver o livro de James Rule: Theories of Civil Violence, cap. 3 .
27
flito entre desafiantes e autoridades será considerado como uma parte normal da
sociedade e não como uma aberração. Esta é a razão de começarmos com o impor
tante teórico que considerou o conflito como algo inscrito na estrutura da socieda
de - Karl Marx.
28
Sabemos agora que à medida que o capitalismo se desenvolveu produziu divi-
sões entre os trabalhadores e mecanismos para integrá-los na democracia capitalis
a. Através do nacionalismo e do protecionismo, os trabalhadores frequentemente
se aliaram aos capitalistas, sugerindo que era necessário muito mais que conflitos
de classe para que produzisse ações coletivas em seu benefício. Era preciso criar
uma forma de consciência para transformar a consciência sindical, a que se referia
\1arx, em ação coletiva revolucionária. Mas quem criaria esta consciência? Marx
também não tinha um conceito claro de liderança, nem de cultura da classe traba
lhadora, e especificou precariamente as condições políticas que criariam oportuni
dades para a mobilização revolucionária (1963: 175) .
8. Lenin criticou a teoria, em voga na época em alguns círculos socialistas, de que a liderança revolu
cionária precisa necessariamente estar a cargo de um grupo extremamente pequeno de intelectuais.
"Não precisa ser assim 'necessariamente'. É porque nós [na Rússia] somos atrasados" . What Is to Be
Done?, p. 1 23- 1 24.
29
Gramsci e a hegemonia cultural
Quando a revolução de 1917 não conseguiu se expandir para o Ocidente, mar
xistas adeptos do leninismo, como Antonio Gramsci, deram-se conta de que, ao
menos nas condições do Ocidente, a organização não seria suficiente para gerar
uma revolução. Para Gramsci, seria necessário desenvolver a própria consciência
dos trabalhadores. Ele concebia, portanto, o movimento dos trabalhadores como
um intelectual coletivo que teria como uma de suas principais tarefa s criar uma
cultura da classe trabalhadora.
Esta mudança era sutil, mas importante. Enquanto ele pensava que a Itália par
tilhava com a Rússia as mesmas condições sociais, Gramsci aceitava a injunção de
Lenin de que o partido revolucionário tinha que ser uma vanguarda. Mas, depois
de ser encarcerado nas prisões de Mussolini, ele agregou dois teoremas à solução
organizacional de Lenin: primeiro, que uma tarefa fundamental do partido era cri
ar um bloco de forças históricas em torno da classe trabalhadora (GRAMSCI,
197 1 : 168) ; e, segundo, que isso só poderia ocorrer se um núcleo de "intelectuais
orgânicos" fosse desenvolvido a partir da classe trabalhadora para complementar
os intelectuais "tradicionais" elo partido (p. 6-23).
As duas inovações acabaram por depender de uma forte crença no poder da
cultura9 . A solução de Gramsci para a hegemonia cultural da burguesia era produ
zir entre os trabalhadores um consenso em torno elo partido, dar-lhes capacidade
para tomar iniciativas autônomas e construir pontes entre eles e outras formações
sociais. O processo seria longo e lento, exigindo que o partido agisse dentro das
"trincheiras e fortificações" da sociedade burguesa, obtivesse adeptos entre grupos
não-operários e aprendesse a lidar com instituições culturais como a Igreja.
Mas a solução de Gramsci - como se pode ver no destino que teve o Partido
Comunista Italiano depois da II Guerra Mundial - colocou um novo dilema. Se o
partido, como intelectual coletivo, se engajasse num longo diálogo entre os traba
lhadores e a burguesia, o que impediria que o poder cultural da última - que
Gramsci chamou "o senso comum da sociedade capitalista" - transformasse o par
w
tido, ao invés do contrário? Sem uma teoria de mobilização política, a solução de
Gramsci para o problema da ação coletiva - tal como as ele Marx e de Lenin - era
indeterminada em relação à influência da política. Gramsci realmente afirmou que
a batalha tinha que ser realizada dentro das trincheiras e fortificações ela sociedade
capitalista (1971: 229-239), mas não elaborou um guia sobre como travar esta ba-
9. Em 1924 Gramsci escreveu: "O erro do partido foi ter dado prioridade ao problema da organização
de forma abstrata, o que na prática significou simplesmente criar um conjunto de funcionários nos
quais se poderia confiar por sua ortodoxia em relação à visão oficial" . Ver Antonio Gramsci: Selecti-
011s from Prison Notebooks, p. xii, de onde se tirou este trecho.
10. Este foi um perigo especial na periferia do partido da classe trabalhadora, entre a classe média e o
campesina to. Ver Stephen Hellman: The PC's Alliance Strategy and the case of the Middle Classes, e Sid
ney Tarrow: Peasant Communism in Southem Italy.
30
talha nem diferenciou entre países em que as oportunidades e restrições políticas
eram fortes ou fracas.
Cada um desses teóricos marxistas enfatizou um elemento diferente da ação
coletiva: Marx se concentrou nas divisões da sociedade capitalista que criaram um
potencial de mobilização (que os estudiosos de movimentos sociais chamariam
mais tarde "teoria do descontentamento" [grievance theory] ; Lenin criou as organi
zações de movimento, necessárias para estruturá-lo e impedir sua dispersão em es
treitas reivindicações corporativas (o que mais tarde seria chamado de "mobiliza
ção de recursos" pelos estudiosos norte-americanos); e Gramsci centrou sua teoria
na necessidade de construir um consenso em torno dos objetivos do partido (o que
passou a ser chamado de "enquadramento interpretativo" [framing] e formação de
"identidade coletiva"). Mas nenhum deles especificou as condições políticas em
que se poderia esperar que os trabalhadores, explorados e com poucos recursos, se
mobilizassem pelos seus interesses - que chamaremos de problema das oportuni
dades e restrições políticas.
1 1 . Não tento aqui fazer um resumo desta escola, mas remeto o leitor para a síntese magistral de
::i oug McAdam em The Política! Process and the Development of B lack Insurgency , cap . 1 .
31
mentos eram pouco mais do que a parte mais bem organizada e autoconsciente de
um arquipélago de fenômenos "emergentes" , que iam desde modas e rumores até
entusiasmos coletivos, tumultos, movimentos e revoluções.
Em algumas versões da teoria (cf. , p. ex. , KORNHAUSER, 1959), a própria so
ciedade era vista como desorientada e a mobilização surgia da urgência de recom
pô-la. Isso poderia estar ligado à teoria da "anomia" de Dmkheim, pela qual os indi
víduos - descolados de seus papéis e identidades tradicionais - buscavam novas
identidades coletivas através da reintegração pessoal em movimentos (DURKHEIM,
195 1; HOFFER, 195 1). Em outras versões (p. ex., GURR, 1971), não havia uma vi
são geral do colapso. A privação individual era o centro da análise. As versões mais
sofisticadas da teoria ligavam o comportamento coletivo a uma visão funcional da
sociedade, onde as disfunções societárias produziam diferentes formas de compor
tamento coletivo - algumas das quais assumiam a forma de movimentos políticos e
de grupos de interesse (SMELSER, 1962; TURNER & KlLLIAN, 1972).
Ao contrário de Marx, que tinha uma teoria de classe mecanicista para avaliar
quais coletividades se mobilizariam em quais estágios do capitalismo, os teóricos
do comportamento coletivo não têm objetos sociais preferidos. Talvez, por rela
cionarem movimentos a formas de expressão mais espontãneas, eles tendam a não
descrever em detalhes o processo de mobilização. E como partiram da suposição
de que o comportamento coletivo estava fora das rotinas da vida diária, poucos de
les especificaram sua relação com a política (mas cf. SMELSER, 1962, cap. 9 e 10).
Esta pode ser a razão de poucas variantes da teoria do comportamento coletivo te
rem conservado a sua popularidade quando um novo ciclo de movimentos sociais
ocorreu nos anos 1960.
32
O estudioso mais influente deste dilema foi o economista americano Mancur
Olson ( 1965). Embora Olson reconhecesse a importância dos incentivos nâo-ma
teriais, sua teoria começava e acabava no indivíduo. Para Olson, o problema da
açâo coletiva era de agregação: como envolver a maior parte possível de um grupo
em seu próprio benefício. Apenas dessa maneira o grupo poderia convencer seus
opositores de sua própria força. Em seu livro, The Logic of Collective Action , Olson
propôs que, em um grupo grande, apenas os seus membros mais importantes têm
interesse suficiente em alcançar o seu bem coletivo para assumir a sua liderança -
não exatamente como a vanguarda de Lenin, mas não muito diferente dela.
As únicas exceções a essa regra eram os grupos muito pequenos em que os
12
bens individuais e coletivos estão muito associados (OLSON, 1965: 43-46) • Quan
to maior o grupo, mais as pessoas irão preferir "pegar carona" nos esforços de indi
víduos cujo interesse no bem coletivo é forte o bastante para buscá-lo 13. Para supe
rar este problema, Olson propôs que os supostos líderes precisam ou impor restri
ções aos seus membros ou fornecer-lhes "incentivos seletivos" para convencê-los
de que a participação vale a pena (p. 5 1 ) .
O trabalho de Olson teria passado despercebido n o período anterior aos anos
1960, quando se pensava que os descontentamentos eram mais do que suficientes
para explicar a ação coletiva. Mas, durante os anos 1 960, ele convergiu com a insa
tisfação em relação à abordagem do comportamento coletivo (McADAM, 1 982,
cap. 1 ) e com a crescente convicção, por parte dos estudiosos de movimentos soci
ais, de que apenas os descontentamentos não podem explicar a mobilização. De
fato, Olson argumentou que pessoas racionais, guiadas por interesses individuais,
podem evitar entrar em ação quando veem que outros estão querendo fazê-lo em
seu lugar.
A recepção de Olson entre os estudiosos do confronto político foi lenta e desi
gual. Ironicamente, numa década em que o confronto político estava florescendo,
ele escolheu explicar por que a sua ocorrência era improvável! (HIRSCHMAN,
1992). Além disso, parecia limitar as motivações para as ações coletivas aos incen
tivos materiais e pessoais. Mas como explicar que milhares de pessoas tenham lu
tado, feito passeatas, se revoltado e feito demonstrações por interesses que não
12. O problema do tamanho do grupo tem exercido um grande fascínio entre os estudiosos tanto na
área de bens públicos como na tradição da teoria dos jogos. Ver John Chamberlin: Provision of Co!lec
tive Goods as a Function of Group Size. • Russel Hardin: Collective Action, cap. 3. • Gerald Marwell e
Pam Oliver: The Critica! Mass in Col!ective Aclion: A Micro-Social Theory, cap. 3, que demonstra teori
camente que o tamanho do grupo não é a variável crucial suposta por Olson.
13. Assim, a General Motors tem bastante interesse no bem coletivo da produção norte-americana de
automóveis para assumir a liderança de todos os produtores domésticos de carros, inclusive daqueles
que são muito pequenos para agir por si próprios. Se um número suficiente de membros do grupo
apenas aproveita a chance, então os esforços dos líderes são não apenas inúteis - eles mesmos induzi
rão essa atitude.
33
eram os seus próprios nos anos 1960? Finalmente, embora tenha chamado sua teo
ria de "ação coletiva", Olson tinha pouco a dizer além do que se relacionava ao ní
vel individual da motivação e agregação. Como esta teoria poderia se ajustar ao ci
clo de movimentos dos anos 1960?
Dois sociólogos, J ohn McCarthy e Mayer Zald, formularam uma resposta que
se centrava nos recursos crescentemente disponíveis nas sociedades industriais
avançadas ( 1 973; 1977) . McCarthy e Zald concordaram com Olson de que o pro
blema da ação coletiva era real, mas argumentaram que o aumento dos recursos
pessoais, da profissionalização e do apoio financeiro externo aos movimentos da
vam uma solução - organizações profissionais de movimento 14.
Enquanto a primeira geração de estudiosos se deteve no porquê da ação coleti
va, a teoria da "mobilização de recursos" de McCarthy e Zald tratou dos meios dis
poníveis para os atores coletivos - do seu como (MELUCCI, 1988). Esta ênfase nos
meios foi uma fonte de desapontamento para os críticos que buscavam explicações
estruturais das origens dos movimentos, mas emprestou uma concretude revigo
rante ao estudo dos movimentos, vistos antes como expressões de abstrações ideo
lógicas. Para McCarthy e Zald havia uma resposta racional ao paradoxo de Olson
sobre o carona, a organização.
No início dos anos 1980, a sua teoria da mobilização de recursos tornara-se o pa
radigma dominante para os sociólogos que estudavam os movimentos sociais, mas,
paradoxalmente, era quase sempre mais criticado do que adotado. Por que isso
acontecia? Por uma razão: McCarthy e Zald usaram a linguagem da economia (p.
ex. , falaram de "empreendedores" de movimentos, "atividades" de movimentos,
"setores" de movimentos) , deixando indiferentes muitos dos que vieram dos movi
mentos dos anos 1960. E a ideologia, o compromisso, os valores e a luta contra a in
justiça, perguntaram os críticos? Para outros, era frequentemente difícil distinguir
as organizações de movimentos sociais de McCarthy e Zald (SMOs) dos grupos de
interesse; os estudiosos europeus, em especial, se perguntaram como sua teoria po
deria sobreviver no mundo rústico do confronto europeu. E, para outros ainda, a sua
ênfase na "solução" através de organizações profissionais de movimentos parecia ig
norar os muitos movimentos populares que estavam emergindo nos anos 1960 e
1970, tanto na Europa como na América (EVANS & BOYTE, 1992).
Por volta dos anos 1980, surgiu um modelo alternativo, enfatizando a partici
pação informal e a democracia interna (FANTASIA, 1988; ROSENTHAL & SCH
WARTZ, 1990) . Na desilusão geral com o marxismo dos anos 1970 e 1980, alguns
encontraram um novo paradigma alternativo na cultura, que - no ambiente apolí
tico do início dos anos 1990 - surgiu como um contramodelo ao da mobilização de
recursos.
14. A dissertação e primeiro livro de Zald ( 1970) , como já se podia prever, tratou da formação, trans
formação e política da YMCA.
34
As culturas do confronto
Se a ênfase nos descontentamentos do paradigma do comportamento coletivo
lembra Marx e o foco na liderança da mobilização de recursos era paralelo ao de
Lenin, o aspecto cultural dos estudos recentes sobre movimentos sociais ressoa
Gramsci. Do mesmo modo que Gramsci adicionou uma dimensão cultural ao con
ceito de hegemonia de classe de Lenin, muitos escritores atuais tentaram mudar o
foco da pesquisa sobre movimentos sociais dos fatores estruturais para o "enqua
dramento interpretativo" da ação coletiva. O primeiro sinal desta mudança de pa
radigma apareceu na " culturalização" do conceito de classe de E.P. Thompson
( 1996). Thompson não quis jogar o conceito de classe pela janela, mas apenas
substituir o marxismo produtivista de seus antecessores por um foco na autocons
trução da classe. Isto o levou para longe do chão de fábrica - para fatores como cos
tume, confisco de grãos e mentalidades de consumidor (1971). Em um campo an
teriormente obcecado pelo conflito de classes, Thompson trouxe também para o
estudo do confronto uma sensibilidade em relação à reciprocidade interclasses,
15
um fator que ele chamou de "economia moral" (1971) •
Uma segunda influência veio do antropólogo Clifford Geertz (1973) , cuja
perspectiva de "descrição densa" foi especialmente influente entre os estudiosos
desiludidos pelo rumo quantitativo que suas disciplinas estavam tomando. Geertz
recomendou fo rtemente que se fizesse uma distinção entre análise e interpretação.
Sua simpatia nesta última funda-se nas percepções que ela parece permitir sobre o
significado do comportamento para aqueles que dele participam.
Uma terceira influência veio da psicologia social: primeiro, o conceito de en
quadramento interpretativo, de Erwing Goffman (1974), e, depois, o conceito de
·'mobilização por consenso" , de Bert Klanderman (1988; 1997) e a ideia de "paco
tes ideológicos" de Gamson (1988). Incorporando a relevância dos descontenta
mentos, os estudiosos dos movimentos sociais começaram a observar como eles
embutem queixas concretas em "pacotes" carregados de emoção (GAMSON 1992a)
ou em "quadros interpretativos" capazes de convencer os participantes de que sua
causa é justa e importante (SNOW; ROCHFORD; WORDEN; BENFORD, 1986).
Parcialmente mesclada a essas percepções esteve a influência do pós-estruturalis
mo francês e, especialmente, o conceito de "discurso", tirado do trabalho do filóso
fo-historiador Michel Foucault (1972; 1980).
Sem nenhuma intenção, e muito antes do declínio do marxismo-leninismo, as
a.bordagens estruturalistas pareciam estar dando vez à cultura como uma metanar-
1 5. Nos Estados Unidos, a linguagem cultural de Thompson e sua ênfase no significado foram apro
:iriadas por um cientista político com talento antropológico, James Scott ( 1 976) , que os empregou
Jara estudar a reação dos camponeses que viviam da subsistência diante elas pressões da comerciali
:ação. Scott, também influenciado pelo conceito de hegemonia ele Gramsci, foi adiante e refletiu so
Jre a resistência camponesa em geral em Weapons of the Weah (1985) , antes de afastar-se da perspec
:iva da ação coletiva e dedicar-se à formulação do que chamou de " transcritos ocultos" ( 1 990) .
35
rativa nos estudos sobre movimentos sociais, uma mudança que foi reforçada pelo
desafio dos "novos" movimentos sociais dos anos 1 970 e 1980 - alguns dos quais
pareciam ter substituído os velhos programas estruturais do passado por reivindi
16
cações do tipo "espaço vital" (HABERMAS, 1 981) •
Com essa nova ênfase na cultura, a reação contra a mobilização de recursos re
sultou em um paradigma substancialmente novo. Isso foi refo rçado pela política de
"identidade" que tinha sido desenvolvida a partir dos anos 1960 - e, especialmente.
pelos movimentos das mulheres, dos homossexuais e lésbicas e dos direitos das mi
norias (GITUN, 1995); e pela nova onda de estudos sobre o nacionalismo, onde o
construcionismo social foi difundido pela metáfora de Benedict Anderson sobre as
comunidades "imaginadas" ( 1991 ). Mas, para os inovadores mais sistemáticos, to
dos os movimentos constroem significados e esta construção é uma função funda
mental de qualquer movimento social (EYERMAN & JAMISON, 1 99 1 ).
Mas, se assim é, por que as ondas de movimentos surgem em alguns períodos e
não em outros, e por que alguns são mais adeptos da manipulação de símbolos cul
turais do que outros? Sem uma resposta a essas questões o culturalismo pode mos
trar-se uma metanarrativa tão mecânica quanto o estruturalismo que os seus pro
ponentes queriam substituir. Os cientistas políticos e os sociólogos ligados à polí
tica apresentaram uma resposta a este dilema: as variações na estrutura política e o
funcionamento do processo político.
16. No campo do estudo comparativo da revolução, um trabalho culturalmente sensível foi realizadc
por John Foran: Fragile Resistance: Social Transformation in Iran Jrom 1 500 to the Revolution, e Maú
Selbin: Modem Latin American Revolutions, que é uma tentativa de tornar a ação em centro do estude
da revolução.
17. Ver Eisinger ( 1 973), Kitschelt ( 1 986) , McAdam ( 1 982) , Piven e Cloward ( 1 977), Tarrow (1988
e Tilly ( 1978; 1 986) sobre alguns dos principais pontos de referência históricos no desenvolviment,
e uso deste conceito.
18. A teoria da ação coletiva de Tilly passou por várias transformações desde então e algumas del8.'
serão examinadas mais adiante neste volume. Ver uma retrospectiva no meu artigo "The People -
Two Rhythms", que esboça suas principais contribuições nesta área.
36
ração-repressão das autoridades ( 1978 , cap. 3 , 4 e 6) . Essas duas dimensões liga
vam a ação coletiva ao Estado.
Tilly afirmou que o desenvolvimento do movimento social nacional foi conco
mitante, e interdependente, ao da ascensão dos estados nacionais consolidados
( 1 984b). Logo , os movimentos podiam ser estudados apenas em conexão com a
política e sua estratégia , estrutura e sucesso iriam variar em tipos diferentes de
Estado. Esta era uma percepção que os estudiosos de revoluções sociais, como
Theda Skocpol, também estavam explorando e que os comparativistas da ciência
política foram rápidos em captar (KITSCHELT, 1986; KRIESI; KOOPMANS;
DUYVENDAK & GIUGNI , 1995; TARROW, 1989a , 1986b) .
Sendo baseado no pensamento social europeu, o modelo de Tilly era resoluta
mente estrutural, isto é, focado em condições que não podem ser moldadas pelos
propósitos dos atores. Os modelos de viés norte-americanos eram mais permeáveis
à dinãmica do processo político. Cientistas políticos como Michael Lipsky ( 1 968)
e Peter Eisinger ( 1973) enfocaram a política urbana americana: o primeiro, ligan
do os movimentos urbanos dos anos 1 960 à utilização do protesto como um recur
so político e, o segundo , correlacionando o protesto a várias medidas de oportuni
dade local. De modo semelhante, Frances Fox Piven e Richard Cloward voltaram
sua atenção para as relações históricas entre as políticas de bem-estar e o protesto
social ( 1 993) . Mas foi um sociólogo, Doug McAdam, que sintetizou essas aborda
gens de mobilização dos movimentos sociais em um "modelo de processo político"
bem acabado descrevendo o desenvolvimento do movimento americano pelos di
reitos civis em direção à mudança política, organizacional e de consciência ( 1 982) .
Embora os termos oportunidade-ameaça e facilitação-repressão fossem partes
da síntese original de Tilly, durante os anos 1 980 os teóricos dos processos políticos
tenderam a estreitar o seu campo de atenção, focalizando as oportunidades. Alguns
estudiosos - seguindo os passos de Eisinger - estudaram como as diferentes estrutu
ras políticas proporcionam graus maiores ou menores de oportunidade para grupos
insurgentes (AMENTA; CARUTHERS & ZYLAN, 1992; KITSCHELT, 1986) ; outros
examinaram como movimentos específicos, e exploram as oportunidades proporcio
nadas pelas instituições (COSTAIN, 1 992) ; outros viram como as oportunidades
para um determinado movimento mudam com o tempo QENKINS & PERROW,
1977); e outros ainda estudaram ciclos inteiros de protesto para entender como a
deflagração de uma onda de mobilização afetou os movimentos posteriores
(McADAM, 1 995 ; TARROW, 1989a) . Numa grande síntese comparativa, Hanspeter
Kriesi e seus colaboradores usaram o conceito de oportunidade política para analisar
os novos movimentos sociais em quatro países da Europa Ocidental ( 1 995) .
1
À medida que esses trabalhos progrediam, surgiram lacunas e ambiguidades " .
Por exemplo, modelos de processo político raramente eram aplicados fora das de-
19. Para uma crítica sensível ver Gamson e Meyer: "The Framing of Political Opportunit:· · ··
37
mocracias liberais do Ocidente (mas cf. BOUDREAU, 1996; BROCKETT, 199 1;
1995 ; SCHNEIDER, 1995) . Uma segunda questão - se a ameaça tem um impacto
positivo ou negativo sobre a formação do movimento - só começou a ser explorada
nos anos 1990, com uma série de trabalhos inspirados em Donatella della Porta
( 1995; 1996; DELLA PORTA, FILLIEULE & REITER, 1998) sobre o comportamen
to da polícia. Em terceiro lugar, considerando que alguns estudiosos (McADAM,
1996; TARROW, 1996b) trabalharam a partir de uma lista limitada de dimensões
das oportunidades, o conceito tendeu a ficar mais elástico à medida que surgiam
mais e mais aspectos das ligações entre política e formação do movimento (cf. a
crítica de GAMSON & MEYER 1996t'.
No entanto, a abordagem processo político/oportunidades propôs uma res
posta à questão que inquietou as abordagens anteriores: por que o confronto polí
tico parece desenvolver-se apenas em períodos particulares da história e por que às
vezes ele produz movimentos sociais robustos e às vezes se transforma em sectaris
mo ou repressão? Além disso, por que os movimentos assumem formas diferentes
em ambientes políticos diversos? Como essa abordagem não pretende explicar
cada aspecto do confronto político ou dos movimentos sociais, ela pode tornar-se
parte de uma síntese como eu proponho aqui, incluindo percepções de outros ra
mos da teoria do movimento social.
Em direção à síntese
O argumento mais forte deste estudo será o de que as pessoas se engajam em
confrontos políticos quando mudam os padrões de oportunidades e restrições po
líticas e, então, empregando estrategicamente um repertório de ação coletiva, criam
novas oportunidades que são usadas por outros, em ciclos mais amplos de con
fronto. Quando suas lutas giram em torno de grandes divisões na sociedade, quan
do reúnem pessoas em volta de símbolos culturais herdados e quando podem am
pliar ou construir densas redes sociais e estruturas conectivas, então esses episó
dios de confronto resultam em interações sustentadas com opositores - especifica
mente, em movimentos sociais.
20. Algumas das críticas afirmavam que cada movimento social individual era afetado por sua pró
pria estrutura de oportunidades. De fato, poucos teóricos do processo político assumiram esta visão;
por exemplo, Goldstone ( 1980), McAdam (1982) e Tarrow (1989a; 1996b) afirmam que as estrutu
ras de oportunidade tendem a se ampliar para as constelações de grupos e que os primeiros insurgen
tes criam oportunidades para outros.
38
fatores - tal como a repressão, mas também algo semelhante à capacidade das au
toridades de colocar barreiras sólidas aos insurgentes - que desencorajam o con
fronto. Não há uma formula simples para prever o surgimento do confronto, não
só porque a especificação dessas variáveis muda em diferentes circunstâncias his
tóricas e políticas como fatores diferentes podem variar em direções opostas. Como
resultado, o termo "estrutura de oportunidades políticas" não deveria ser entendi
do como um modelo invariável que produz, inevitavelmente, movimentos sociais,
mas como um conjunto de indícios de quando surgirá um confronto político, colo
cando em movimento uma cadeia causal que pode levar a uma interação sustenta
da com autoridades e, portanto, a movimentos sociais.
O conceito de oportunidade política enfatiza recursos externos ao grupo. Mes
mo desafiantes fracos ou desorganizados podem tirar vantagens deles - diferente
mente do dinheiro e do poder -, mas de maneira nenhuma lhes pertencer. No cap.
5, argumento que o confronto político surge quando cidadãos comuns, encoraja
dos algumas vezes por contradites ou líderes, reagem a oportunidades que dimi
nuem os custos da ação coletiva, revelam aliados potenciais, mostram os pontos
mais vulneráveis das elites e autoridades e conduzem redes sociais e identidades
coletivas à ação em torno de temas comuns.
No cap. 5, como Hanspeter Kriesi e seus colaboradores, ( 1995) argumento que
tanto as estruturas do Estado como as divisões políticas criam oportunidades rela
tivamente estáveis. As mais óbvias entre elas são as f ormas de acesso a instituições
e a capacidade de repressão. Entretanto, é a mudança nas oportunidades e restri
ções políticas que proporciona aberturas que conduzem atores com poucos recur
sos a se engajar no confronto político. Se o confronto resulta ou não em movimen
tos sociais depende de como as pessoas agem coletivamente, de como o consenso é
mobilizado em torno de reivindicações comuns e da força e posição das estruturas
de mobilização.
O repertório do confronto
As pessoas não "agem coletivamente" apenas. Elas pedem, se reúnem, fazem
greves e passeatas, ocupam recintos, interrompem o trânsito, põem fogo e atacam
os outros com intenção de ferir. Não menos do que no caso dos rituais religiosos e
celebrações civis, o confronto político não nasce da cabeça dos organizadores, mas
está culturalmente inscrito e é socialmente comunicado. As convenções aprendi
das do confronto f azem parte de uma cultura pública da sociedade . Os movimen
21
2 1 . O conceito aparece pela primeira vez em From Mobilization to Revolution, cap. 6, de Tilly, norn
mente em "Speaking Your Mind without Elections, Surveys, or Social Movements" e depois em Thc
Contentious French , cap. 1 . O cap. 2 examina a teoria em mais detalhes e oferece uma modificação
importante.
39
da sociedade, o que os ajuda a superar a carência de recursos e de comunicação que
é típica entre os pobres e desorganizados (KERTZER, 1988: 104-108) .
Em função dos movimentos sociais raramente possuírem incentivos seletivos
ou serem capazes de impor restrições aos seguidores e nem serem propensos a ro
tinas institucionais, a liderança tem uma função criativa ao selecionar formas de
ação coletiva. Os líderes inventam, adaptam e combinam várias formas de con
fronto para ganhar apoio de pessoas que, de outra forma, poderiam ficar em casa.
Albert Hirschman tinha em mente algo assim quando reclamou que Olson consi
derava a ação coletiva apenas como custo - quando para muitos é um benefício
(1982: 82-91 ) . Para as pessoas cujas vidas estão atoladas no enfado e desespero a
oferta de uma campanha de ação coletiva excitante, arriscada e possivelmente be
néfica pode ser um ganho.
As formas de confronto são herdadas ou raras, habituais ou pouco conhecidas,
solitárias ou parte de campanhas conjuntas. Podem ser ligadas a temas que estão
inscritas na cultura ou são inventadas na hora, ou - mais comumente - combinam
elementos de convenção com novos quadros de significação. O protesto é um re
curso, de acordo com o cientista político Michael Lipsky (1968) , e as formas de
confronto são, elas mesmas, um incentivo coletivo para a mobilização e um desafio
para os opositores.
Grupos particulares têm uma história particular - e memória - de f ormas de
confronto. Os trabalhadores sabem como fazer greves porque gerações de traba
lhadores as fizeram antes deles; os parisienses erguem barricadas porque as barri
cadas estão inscritas na história do confronto parisiense; os camponeses tomam
terras portando símbolos que seus pais e avós usaram no passado. Os cientistas po
líticos Stuart Hill e Donald Rothchild colocam assim:
Os indivíduos, baseados em períodos passados de conflito com um
grupo particular ou com o governo, constroem um protótipo de pro
testo ou tumulto que descreve o que fazer em circunstâncias particu
lares e também oferece uma base lógica para esta ação ( 1 992: 192) .
40
usar termos como quadros interpretativos, pacotes ideológicos e discursos cultu
rais para descrever os significados compartilhados que inspiram as pessoas a parti
cipar de uma ação coletiva 22. Qualquer que seja a terminologia, em vez de conside
rar a ideologia como uma categoria intelectual sobreposta ou como um resultado
automático de descontentamentos, esses estudiosos concordam que os movimen
tos fa zem um apaixonado "trabalho de enquadramento interpretativo" : configu
rando tais descontentamentos como reivindicações mais amplas e vibrantes (SNOW
& BENFORD, 1988) e estimulando o que William Gamson chama de "conheci
mentos quentes" em tomo delas (1992a).
O enquadramento interpretativo não se relaciona apenas à generalização dos
descontentamentos, mas define o "nós" e "eles" na estrutura de conflito de um mo
vimento. Utilizando identidades coletivas e moldando novas, os desafiantes esta
belecem os limites de seus adeptos futuros e definem seus inimigos através de atri
butos e maldades reais ou imaginários (HARDIN, 1995, cap. 4). Fazem isso através
do conteúdo de suas mensagens ideológicas e, da mesma forma, através das ima
gens que projetam de seus inimigos e aliados. Isto significa prestar atenção aos
"trajes" que os atores coletivos portam à medida que entram em cena e também aos
enquadramentos culturais de suas reivindicações. Tentamos fazer isso no cap. 7.
Embora os organizadores de movimentos se engajem ativamente no trabalho
de enquadramento interpretativo, nem todos estes processos ocorrem sob seu con
trole. Além de trabalhar sobre entendimentos culturais herdados, eles competem
com a mídia, que transmite mensagens que os movimentos devem tentar moldar e
influenciar. Como o sociólogo Todd Gitlin descobriu, muito da comunicação que
ajudou a formar a Nova Esquerda norte-americana nos anos 1960 ocorreu através
da mídia, ao invés de resultar de esforços organizacionais como em períodos ante
riores (1980).
Os estados também estão constantemente enquadrando questões, tanto para
ganhar apoio para suas políticas como para contestar os significados propostos pe
los movimentos no espaço público. Na luta pelos significados, em que os movi
mentos estão sempre engajados, é raro não ficarem em desvantagem quando com
petem com os estados, que não apenas controlam os meios de repressão mas têm à
sua disposição instrumentos importantes para a construção de significados. A luta
entre os estados e movimentos ocorre não apenas nas ruas, mas nas disputas pela
significação (MELUCCI, 1996; ROCHON, 1998).
22. Algumas das fontes principais estão reunidas em Bert Klandermans, Hanspeter Kriesi e Sidney
Tarrow (orgs.): From Mobilization lo Aclion e em Aldon Morris e Carol Mueller (orgs.) : Fronticrs in
Social Movement Rescarch. Para um uso engenhoso da análise de quadro interpretativo para examinar
as ideias de cidadãos norte-americanos comuns ver Ta!hing Politics, de William Gamson.
41
Estruturas de mobilização
Embora sejam os indivíduos que decidem optar ou não pela ação coletiva, é
nos seus grupos face a face, nas suas redes sociais e nas estruturas conectivas exis
tentes entre eles que ela é mais frequentemente ativada e mantida. Isso ficou claro
23
em pesquisas recentes tanto em laboratório como no mundo real da mobilização
de movimentos.
Na abordagem do comportamento coletivo havia inicialmente uma tendência de
ver indivíduos isolados e em estado de privação como os principais atores da ação
coletiva. Mas, por volta dos anos 1980, os estudiosos foram descobrindo que é a vida
no interior dos grupos que transforma o potencial para a ação em movimentos sociais
(HARDIN, 1995, cap. 2) . Por exemplo, o trabalho de Doug McAdam sobre a campanha
do Freedom Summer mostrou que - muito mais do que sua origem social ou ideolo
gia - eram as redes sociais em que os candidatos ao Freedom Summer estavam inse
ridos que desempenhavam o papel principal na determinação de quem iria partici
24
par da campanha e de quem ficaria em casa ( 1986; 1988) •
As instituições são "hospedeiras" particularmente econômicas em que os mo
vimentos podem germinar (EGRET, 1977) . Mas isso também é verdade em relação
à atualidade dos Estados Unidos da América. Por exemplo, o sociólogo Aldon
Morris mostrou que as origens do movimento pelos direitos civis estavam em es
treita ligação com as igrej as dos negros ( 1 984) . E a cientista política Mary Kart
zenstein descobriu que as estruturas internas do mundo católico foram cúmplices
involuntárias na formação das redes de mulheres religiosas dissidentes ( 1 998; ver
também LEVINE 1 990; TARROW 1 988) .
O papel das redes sociais e das instituições na estimulação da participação em
movimentos nos ajuda a colocar em perspectiva a tese de Mancur Olson de que
grandes grupos não apoiarão uma ação coletiva. Quando olhamos para a morfolo-
23. As pesquisas experimentais também estavam investigando sobre a importância dos incentivos so
ciais para a cooperação. Numa pesquisa inventiva, William Gamson e seus colaboradores mostraram
que um ambiente com grupo de apoio era essencial para desencadear a disposição dos indivíduos
para falar contra uma autoridade injusta - a qual poderiam muito bem tolerar se a enfrentassem sozi
nhos (GAMSON; FIREMAN & RYTTNA, 1 982) . De modo similar, quando Robyn Dawes e seus asso
ciados realizaram uma série de experimentos sobre escolha coletiva, descobriram que nem motivos
egoístas nem normas internalizadas eram tão poderosos ao produzir a ação coletiva quanto "o paro
quial, de contribuir para o seu próprio grupo de companheiros" (DAWES; VAN DE KRAGT &
ORBELL, 1 988: 96). Em situações de dilema social, argumentam em seu artigo "Not Me ou Thee but
We" , "as pessoas começam imediatamente a discutir o que "nós" deveríamos fazer e passam muito
tempo e esforços para persuadir outros em seu próprio grupo a cooperar (ou desertar ! ) , mesmo em
situações em que o comportamento destes outros é irrelevante para os ganhos das pessoas" (p. 94).
24. Ao mesmo tempo, estudiosos europeus como Hanspeter Kriesi ( 1985) estavam descobrindo
que as subculturas dos movimentos eram os reservatórios onde as ações coletivas eram configura
das. Isso se encaixava com o que o sociólogo Alberto Melucci ( 1 988; 1996, cap. 4) estava desco
brindo sobre o papel das redes dos movimentos na definição da identidade coletiva dos movimen
tos que ele estudou na Itália.
42
gia dos movimentos, toma-se claro que são "grandes" apenas no sentido aritméti
co: de fato, eles são muito mais como uma rede interligada de pequenos grupos, re
25
des sociais e as conexões entre elas . Pode ser que a ação coletiva surja apenas entre
os membros mais bem-dotados ou mais corajosos desses grupos, mas as conexões
entre eles afetam a probabilidade de que a ação de um ator incite a de outro. Isso dá
uma importância especial ao que chamo de "estruturas conectivas" no cap. 8.
***
Resumindo o que terá que ser mostrado e m detalhe nos capítulos seguintes: a
política de confronto é produzida quando as oportunidades políticas se ampliam,
quando demonstram potencial para alianças e quando revelam a vulnerabilidade
dos oponentes. O confronto se cristaliza em movimento social quando ele toca em
redes sociais e estruturas conectivas embutidas e produz quadros interpretativos
de ação coletiva e identidades de apoio capazes de sustentar o confronto com opo
nentes poderosos. Apresentando formas familiares de confronto, os movimentos
tornam-se pontos focais que transformam as oportunidades externas em recursos.
Os repertórios de confronto , redes sociais e quadros culturais diminuem os custos
de se atrair pessoas para a ação coletiva, produz confiança de que não estão sozi
nhos e dá um sentido mais amplo às suas reivindicações. Juntos, esses fatores de
flagram os processos dinâmicos que tornaram os movimentos sociais historica
mente centrais na mudança política e social.
A dinâmica do movimento
O poder de acionar sequências de ação coletiva não é o mesmo que o poder
para controlá-las ou mantê-las. Este dilema tem tanto uma dimensão interna como
externa. Internamente, uma boa parte do poder dos movimentos vem do fato de
ativarem pessoas sobre as quais não têm poder.
Externamente, os movimentos são afetados pelo fato de que as mesmas opor
tunidades políticas que os criaram e difundiram sua influência também afetaram
outros - sejam eles complementares , competidores ou hostis. Particularmente , se
a ação coletiva é bem-sucedida essas oportunidades produzem ciclos mais amplos
de confronto que se espalham dos ativistas dos movimentos para aqueles aos quais
se opõem, para grupos de interesse comuns e partidos políticos e, inevitavelmente ,
para o Estado. Como resultado desta dinâmica de difusão e criação, os movimen
tos têm sucesso ou falham como resultado de forças que estão fora do seu controle.
Isso nos leva ao conceito de ciclo de confronto, que examinaremos no cap. 9.
2 5 . Como Gerald Marwell e Pam Oliver propõem em seu estudo The Criticai Mass, "o problema do
'grupo amplo' de Olson é frequentemente resolvido por uma solução de 'pequeno grupo"' (1 993 : 54) .
43
Ciclos de confronto
À medida que se ampliam as oportunidades e se espalham informações sobre a
suscetibilidade de um sistema político ser desafiado, não apenas os ativistas mas as
pessoas comuns começam a testar os limites do controle social. Os choques entre
os desafiantes iniciais e as autoridades revelam os pontos fracos dos últimos e as
forças dos primeiros, convidando até atores sociais mais tímidos a se alinhar de um
lado ou de outro. Uma vez deflagrados, geralmente por uma situação de ampliação
de oportunidades, a informação extravasa e o aprendizado político se acelera.
Como escreveram Hill e Rothschild,
À medida que os protestos e tumultos irrompem entre grupos que têm
longas histórias de conflito, eles estimulam outros cidadãos em cir
cunstãncias similares a refletir mais frequentemente sobre sua própria
história de descontentamentos e de ação de massa ( 1992: 1 93) .
Durante tais períodos, as oportunidades criadas pelos primeiros insurgentes
dão incentivos para a organização de novos movimentos. Mesmo os grupos de in
teresse convencionais são tentados pela ação coletiva não-convencional. For
mam-se alianças, frequentemente através de uma fronteira móvel entre os desafi
antes e os membros do sistema político (TILLY, 1978, cap. 2). Novas formas de
confronto são tentadas e difundidas. A informação política e a incerteza se espa
lham e aparece um denso e interativo "setor de movimentos sociais", nos quais as
organizações cooperam e competem (GARNER & ZALD, 1985 ) .
O processo de difusão nos ciclos d e confronto não é meramente por "contá
gio", embora isso ocorra bastante. Ele também resulta de decisões racionais para
tirar vantagem de oportunidades que foram demonstradas pelas ações de outros
grupos: ocorre quando os grupos têm ganhos, e isso convida outros grupos a bus
car resultados similares; quando os interesses de alguém são feridos por reivindi
cações de grupos insurgentes e quando a predominância de uma organização ou
instituição é ameaçada e há uma reação através da ação coletiva.
À medida que o ciclo se amplia, os movimentos criam oportunidades também
para as elites e grupos de oposição. Formam-se alianças entre participantes e desa
fiantes; as elites de oposição exigem mudanças que antes pareceriam temerárias; as
forças governamentais reagem através de reformas, repressão ou uma combinação
das duas. A ampliação da lógica da ação coletiva conduz a resultados na esfera da
política institucional, onde os desafiantes que começaram o ciclo têm cada vez me
nos controle sobre seus resultados.
Na ponta extrema do espectro, os ciclos de confronto produzem revoluções.
Elas não são uma única forma de ação coletiva, nem são feitas totalmente pela ação
coletiva popular. Tal como nos ciclos a que se relacionam, nas revoluções a
ação coletiva força outros grupos e instituições a participarem, dando as bases e
a estrutura para novos movimentos sociais, desconectando-se de velhas institui
ções e das redes que as cercam e criando novas a partir das f ormas de ação coletiva
com que os grupos insurgentes começaram o processo.
44
A diferença entre ciclos de movimentos e revoluções é que, nas últimas, são
criados vários centros de soberania, o que torna o conflito entre os desafiantes e os
membros do sistema político numa luta pelo poder (TILLY, 1 993) . Essa diferença -
que é substancial - conduziu a um grande conjunto de pesquisas sobre as "grandes
revoluções" que, usualmente, são comparadas apenas umas às outras. Esta especi
alização em grandes revoluções é compreensível, mas ela desperdiçou a possibili
dade de comparar revoluções com conflagrações menores, tornando impossível
isolar os fatores, na dinâmica de um ciclo , que conduziram a revoluções e os que
levaram a fracassar, como argumento no cap. 9 (cf. tb. GOLDSTONE, 1997) .
Resultados de movimentos
Estes argumentos sobre as interações no interior de um ciclo de protesto suge
rem que não seria muito proveitoso examinar os resultados de movimentos sociais
singulares em si mesmos. Em ciclos gerais de confronto , as elites do sistema rea
gem não às reivindicações de qualquer grupo ou movimento individuais, mas ao
grau de turbulência e às reivindicações feitas pelas elites e grupos de opinião, que
correspondem apenas parcialmente às reivindicações daqueles que dizem repre
sentar. Em relação aos resultados dos movimentos sociais, o ponto importante é
que, embora usualmente esses movimentos se considerem fora e em oposição às
instituições, o agir coletivamente os coloca em redes políticas complexas, e, assim,
ao alcance do Estado. Em última instância, os movimentos tentam enunciar reivin
dicações em termos de quadros de significados compreensíveis para uma socieda
de mais ampla; usam formas de ação coletiva extraídas de um repertório existente
e desenvolvem tipos de organização que frequentemente imitam as organizações
às quais se opõem.
***
45
� O nascimento do
,..
� mode
:li....
..
2
Ação coletiva modular
l. Os julgamentos, incluindo o que resumimos neste livro, foram estudados mais completamente por
Hans-:Jürgen Lusenbrink em seu texto "L'imaginaire social et ses focalisations em France et em Alle
m agne à la fin du XVIII siecle" e no livro de Sarah Maza Private Lives and Public Affairs.
49
Nos meses que se seguiram a fevereiro de 1848, a Europa veria muitas "agita
ções furiosas" e "caldeirões ferventes". Mas, em meados do século, os franceses es
tavam calmamente construindo barricadas, sabiam onde pô-l as e ap renderam a
usá-las 2• Essa reg ularidade marcou uma m udança fundamental na eStrutura da po
lítica popular desde o ataque à casa do Mestre Thibault, sessenta anos antes. O
contraste era mais do que simplesmente na escala. A derrubada de casas er a uma
roti na usada por muito tempo contra os coletores de impostos, donos de prostíbu
3
los e mercadores de grãos • Entretanto, visavam os locais do delito e limitavam-se a
ataques diretos contra seus supostos infratores. A barricada, em cont raste, era
o
que eu chamo de "modular". Uma vez conhecidas suas vantagens estratégic as, po
deriam ser usadas com vários propósitos, unir pessoas com objetivos diferentes e
4
ser difundida para vários tipos de confronto com autoridades •
2. Marc Traugott está escrevendo.um trabalho pioneiro sobre as barricadas, investigando sua evolu
ção e as mudanças de suas funções. Ver seu artigo "Barricades as Repertoire: Continuities and Dis
continuities in the History of Nineteenth Century France". Sou grato a Traugott por seus úteis co-
mentários sobre uma versão anterior desta seção.
3. Em "Speaking Your Mind without Elections, Surveys, or Social Movements" Tilly descreve o "sa
que como uma rotina" comum no século XVlll, observando que era frequente�ente usado para pu
nir donos de �av�mas e bor�éis que enganavam seus fregueses ou funcionários públicos que ultra
passa':'am os hm1tes d� legahd�de. O seu uso para punir um chefe de família que tivesse maltratado
um cnado parece ter s1�0 uma movação do período pré-revolucionário o saque continua a aparecer
.
durante toda a Revoluçao Francesa, e de forma mais dramática nos tumultos do Reveillon de maio de
1789. Sobre isto, ver a vivida reconstrução de Simon Schama em Citizens, p. 326-332.
4. Godec�ot, por exe plo, em seu inventário das revoluções de 1848, lista, s'ó na França, pelo menos
_ �
_ _ diferen
nove re1vmd1caçoes tes em que se usaram barricadas. Ver Les révolutions de 1848, de Gode
chot. A análise de como �e usou a barricada em 1848 está em "Acting Collectively, 1847-18
_ _ 49: HoW
the Repertoire of Collecttve Acnon Changed and Where It Happened".
50
Repertórios de confronto
Em 1995, col'oando mais de trintn 'anos de traba1110 so b re açao- 5
· , eh ar-
co·1 ellva
. .
tes T1lly pubhcou o seu grande trabalho , Pupu·l ar eon t en ti· .on ·l n G· rea t B n·t am,
·
1758-1834 0 995b). Nele, Tilly definiu "repertório de confronto" como "as manei-
ra s através �as quais as pessoas agem juntas em busca de interesses compartilha
dos'' (p. 4 1) · E1�1 o�tro trabalho, Tilly leva o tema mais adiante, escrevendo que "a
pal avra rep ert ?no aJuda a descrever o que acontete, identificando um conjunto li
!nitado de rotmas que são aprendidas, compartilhadas e executadas através de um
processo relativamente deliberado de escolha". Os limites daquele aprendizado
restringem as opções d_isponíveis para a interação coletiva e estabelecem as bases
para fu turas escolhas. As pessoas tentam novas formas na busca por vantagens táti
cas, mas o fazem aos poucos, na margem de rotinas bem estabelecidas (1992: 7).
O repertório é um c_onceito ao mesmo tempo estrutural e cultural, envolvendo
não apenas o que as pessoas Jazem quando estão engajadas num conflito com ou
tros, mas o que elas sabem sobre comofazer e o que os outros esperam que façam. Se
na Fr ança do século XVIII os desafiantes tivessem tentado fazer protestos passivos
os seus alvos não saberiam como reagir a eles, não mais do que a vítima de um cha
rivari atualmente saberia o que ele significa. Como escreve Arthur Stinchcombe,
"Os elementos do repertório �ão simultaneamente as habilidades dos membros da
população e as suas �ormas cult�rais" (1978: 1.248).
O repertório muda com o tempo, mas só lentamente. As mudanças fundamen
tais dependem de flutuações maiores nos interesses, oportunidade e organização.
Estes, por sua vez, correlacionam-se, grosso modo, a mudanças nos estados e no
capitalismo. Grandes mudanças resultaram do avanço do Estado sobre a sociedade
para fazer guerras e extrair impostos,-e da criação pelo capitalismo de concentra
ções de pessoas com queixas· e recursos para agir coletivamente. Embora tendo ba
ses estruturais, essas mudanças nos repertórios aparecem nos grandes divisores de
1
águas políticos a que me refiro no cap. 9 como "ciclos de confron to" .
5. As contribuições de Tilly para o campo da ação coletiva e dos movimentos sociais são tão densas
que é difícil resumi-las. Para uma breve bibliografia e análise crítica ver William SewellJr.: "Collecti
ve Violence and Collective Loyalties in France: Why the French Revolution Made a Difference", e
Sidney Tarrow: "The People's Two rhythms: Charles Tilly and the Study of Contentious Politics".
6. O conceito não era novo no trabalho de Tilly. Em seu texto de 1978, From Mobilization to Revolu
tíon, p. 151, ele escreveu: "Em qualquer momento, o repertório disponível de ações coletivas para
uma população é surpreendentemente limitado. Em princípio, é s�r�reenclente, dadas as inúm�ras
maneiras d.as pessoas poderem usar os seus recursos na bus_ca _de obJetlvos comuns e dados os m�utos
modos que os grupos reais utilizaram na busca de seus obJetlvos comuns em algum momento
1
7. lsso sub stitui meu termo an terior, "ciclos de protesto", que agora me parece ser muito constrito
por suas associações com O termo contem porâneo "protesto".
51
Q ue diferenças separam o novo reper tório das for mas do s.éculo XVI.II re fle ti
das n o c aso Cléra ux ? "Se recua rmos para o terren o desco nh ecido d a Euro pa O ci
d ental e da América d o Norte antes de mea d os do sécu lo X IX" , escreve T i ll y , "lo go
d esco briremos um mundo n ovo " de açã o cole t iv a ( 1 9 83 : 463 ) . O an ti go re per t óri o
era es treito, bifurcado e particular:
ã
Era est rei to porq ue quas e semp re os i � teres ses e _ a interaç o � nv ol vi
dos estava m conce ntrad os numa úm ca comumd a <l e . Era bifurcado
porque, quand o as pesso as com uns tra tavam de quest õ �s lo � ais e ob
jetos próxi mos, elas adota vam , de forma marca nte, a � çao dueta pa ra
atingir seus objetiv os , mas quand o se trata ; a _ de � ue�toes e objetos na
cionais elas sempre aprese ntavam suas re1vm d1caço es a um pat ro no
ou autorid ade local. . . [e ele] era particu l ar porqu e as rotinas de a ç ã o
detalha das variavam enorm emente de um grupo para outro, de que s
tão para questã o, de uma localid ade para outra (TILLY, 1995 : 45 ) .
O confronto sempre explodia e m celebrações públicas, recorrendo a u m sim
bolismo rico e frequentemente irreverente, a rituais religiosos e à cultura popular.
Era comum os participantes irem às residências dos infratores e locais dos delitos,
aparecendo usualmente como membros ou representantes de grupos corporativos
constituídos e de comunidades (TILLY, 198 3 : 464 ) .
O novo repertório não aparecia j á pronto e �em as antigas formas de ação cole
tiva desapareceram de vez . Os triunfos mais visíveis das novas formas apareceram
quando as demonstrações, as greves, os comícios, as reuniões públicas e as formas
similares de interação passaram a prevalecer. Comparadas com as anteriores, as
novas formas tinham um caráter cosmop·ólita , modular e autônomo :
I
Elas eram cosmopolitas , ao referir-se · com frequência a interesses e
questões que diziam respeito a muitas localidades ou afetavam cen
tros de poder cujas ações atingiam muitas outras. Eram modulares por
serem facilment� transferíveis de �1!1 lo'c al ou c}rcunstância para ou
tros . . . Eram au�ônqmas ao começarem.por iniciativa dos próprios re
clamantes e estabelecer contato direto entre esses e os centros de po
der nacionalmente significativos (TILLY, 1995b: 46) .
Em seu artigo de 1 983 , Tilly resumiu as diferenç a s entre o antigo e O novo r e
pertó rios numa ilustração aqui reproduzid a �a figura 2. 1 .
Está implícito no concei to de repertório que . ele é mais ou menos geralª . Mas o s
antigo s e os novos repertó rios não eram gerais do mesmo modo . Do século XVI ao
XVII I , a � formas de a � ão usa d � s em ataques a moleir os e a m ercador es de grãos , e m
_
ch anvans _
e e m confli tos rehg1 0sos estava m direta m ente ligada s à na tureza de seu s
8. "Pel.o fato de grup os s imilares terem ge �almen te reper tórios seme lhant es" , escre ve Tilly, "pod e
I
mos falar de forma frouxa de um repertón o geral de confro nto disp • onível p ara uma p o pu laç , a,- 0 d e
certo temp o e espaço " (Th e Contentlous French, p. 2).
52
F igu ra 2 . 1 - Novo s e velho s reper tó r ios na Eu ropu, Ocid ent al e na Améri ca do Norte
it
o e ação
L o c a l =======�=:::= Â=tn=b==�d:_:���---'---� c �o�n�
� ê ,---�= =�
---..:==
= == ===='.:=:=�lNia��·i al
· 0 bO Fest i val
� (';$
i::
'"O o
ll) l lun1inaçã o arti ficial
V) b Música barulhenta
ll) (';$
l-< �
Apreensão de grã o s
Invasã o de ca1np o s
'"O
C o mparecimento
o�
V)
Expulsão
1�
o "VELHO"
u,, C o míci o eleitoral
Invasã o de assembleias
5o Reunião pública
L------ Greve
so
1� c;s
u,, . ....
c;s
..,J "NOVO" Demonstração
.�
.... i::
o Mcviment o social
ol-<
::s
,j..J
� .___--:-______..!.,_________________ _j
Fonte: TILLY, Charles. "Speaking your Mind without Elections, Surveys , or Social Movements".
Public Opinion Quarterly , 4 7 .
9 . Co m. o to dos os esquemas históricos a mplos, o conceito d e repertório pode ser criticado po r privi
legia r de mais os "processos socia is anôni mos" e subest im a r a importância d e grandes e\'e
ntos
( S EWELL, 1 990 ; 5 4 8 ) , E le tam bém pode ser acusado de insensibilidade a os s ignificados da açi\ o c o
le tiva para aqueles qu e a empre gam (p. 540-54 5 ) . O p a pe l dos "grandes eventos" - e dos ciclos de
m��i mentos c om os quais sempre estão associado s - silo examinados n o c a p. 9; o de "enq u a clrnme n
to in terp re tativo" do confronto aparece n o cap. 7 .
53
O repertório tradicional
Para o grande historiador francês Marc Bl oc h , a ação co l e t i va e ra u .......... m r eíl e
xo
,.:direto da ,,~ estrutura social . Ao escrever !'-•~~ sobre ái:::s revoltas ca m po n e sas na socied ad
':-'l,Q _., .....
rc:ir, tj.; 't=:J ••:,--.; ~,..._.,e·. A,.. c:_;-r:·:s··~· •!;••-'t 44~ ... ,,.. • i .....
e
. .. .... •.1. •
1me
U .......senhorial
::..'f " quat1to
_,.~·,J,1r:,..,,.I rll''""'~""
t • , I "' a! ,.._
greve
~ da
;., .....4: "" ,: grande
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,. .., .... '"!.. e
,.., m presa
.........
,, -~". ~ cap Lt a h s ta (1 9 3 1 : 1 7 5) . El e vi u
conteúdo rjc
f"(if,i-t;,,J'i
-;, •~•t,_
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suas ..reivindica
"':.",..
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ões, ,...
... ~·:-:;i.
- • ,1'
- .... ,
que-:: resul t avam d a e strutura de seu s con fli t o s
......
con1 outros.
O axioma de Bloch tem dois correlatos: primeiro, que a relação entre o d esa fi an
L ..,
ação coletiva
1
'. , se
, I
gue-se '1n,,,rr-,i,que os camponeses /'"• que dela participaram se associariam apenas com aquel es
'1que t,·1 •partilhavam das mesmas
11~1}. , , , 1 1 rr queixás contra ele em redes da aldeia local. As form as
de ação estavam enraizadas na estrutura corporativa da comunidade feudal.
Bloch estava certo em relação às sociedades rurais que conhecia tão bem:� Em
sociedades divididas em ordens, isoladas pela falta de comunicação e pelo analfa
betismo, e organizadas em grupos corporativos e comunais, as formas de ação co
letiva eram associadas aos conflitos dos quais surgiam. Se os protestantes construís ,, '
sem ti uma
~ 111 igreja num distrito católico, a comunidade católica a derrubaria - ou quei
.maria
... 1 rcom, 1 , os parisienses dentro dela (DAVIS, 1973) ; se os moleiros vendessem
grãos fora do distrito numa época de escassez, eles seriam tomados e vendidos a
11,'1,ll•
ppreço
~ .:.'t• justo
l 11 , ~(TILLY, 1975a) ; se as autoridades fossem responsáveis pela morte vio
ilenta
" d de um cidadão local, o funeral poderia se transformar num tumulto (TAMASON,
1980) . ;.O1 1repertório
I ) , era segmentado, visava diretamente os seus alvos e crescia fora
da estrutura corporativa da sociedade.
••• -... episódios só se tornavam parte de confrontos mais amplos, como os es
1Esses ..
tudados
li f por te Brake (1998), quando eram liderados por pessoas que tinham re
cursos organizacionais ou institucionais fora desta estrutura corporativa - a Igrej 1, a,
10. Os parágrafos seguintes baseiam-se muito em Foocl Supply and Public Order i n Modem Eu rope, de
Tilly , e recorrem à Provisíoníng Paris, de Steven Lawrence Kaplan.
55
rança e rea lizadas por homens, mulheres e cria nças <lesa rma d os, a r ev o l t a po r a li
mento rara mente se consolidava numa rebel ião mais am pla " ( 1 9 75 a : 443) . O s rn � .
vi mentos po líticos maiores tiveram que espera r pela revol ução d e 1 78 9, q u a n d
o
"as queixas comuns sobre a incompetência e/ou im oralida de das autor id ad e s lo ca is
e mercadores assumiram agora um Aspecto po l íti co " (TI LLY 1 9 7 5 a : 448) .
Defendendo a crença
Os hom ens e mulheres não pro testavam apenas por p ão nos pri me iros a n o s d a
Europa moderna . Na maior parte do temp o conhecido, é a religião e o co nflit o re li
gioso que produziram os episódios de confronto mais selvagens , Nos sécu lo s qu e
se seguiram ao primeiro milênio depois de Cristo , ondas de seítas her étic as se d e
senvolveram dentro e contra a Igrej a Católica. Algumas delas, locais e baseadas no
carisma de um único líder, foram facilmente sufocadas. Mas outras, como os cáta
ros (Cathars) , que pregavam uma versão dissidente da Trindade, logo se tomaram
dominantes em áreas do sul da França , onde foi preciso uma cruzada p ara elimi
ná-los. Grupos religiosos posteriores, como .os croquants e os camisards, começam
a se assemelhar aos movimentos sociais (BERCÉ, 1990; TILLY 1 986: 1 74- 1 78) .
As formas existentes de organização da Igreja forneceram tanto os alvos como
os modelos para as rebeliões dessas seitas heréticas. As ações coletivas organizadas
em nome da religião frequentemente parodiavam as práticas de seus opositores.
Ao atacar os católicos, os protestantes franceses imitavam o ritual católico e estes
11
respondiam da mesma maneira • A violência e crueldade desses conflitos certa
mente excederam as dos conflitos de classe modernos, mas o ódio , abrandado pe l o
12
sangue e a supressão das práticas ofensivas, não conduziram a novos repertórios •
Foi apenas quando o fervor religioso se juntou às revoltas camponesas, às ambi
ções dinásticas ou aos conflitos entre estados que os rebeldes contra a religião tive
ram acesso aos instrumentos do movimento social moderno .
Com o surgimento do santo protestante - o primeiro organizador de movi
mento social - nasceram os movimentos religiosos modernos. Como Micha el Wal
zer mostrou ( 1 9 7 1 , cap. 1 ) , o santo foi o precursor do militante do mov im ento mo
derno . Ele não apenas acreditava profundam ente na sua causa como tra nsfo rm ou
em profissã o a missão de converter almas . As primeiras "sociedad es po r c or res
pondên cia" foram i rmandades religiosas ligadas por mensageiros, códi gos s ec re tos
1 1 . Em "!he � .i t.es of Vi o ! e n ce" , Nata l i c Davis nos deu a mais vívida evocação das q ualida des b r u t ,l l
ment.e m1 m ét 1 cas do 1_ n fc10 dns con íl l. l os rel igiosos modern os na Fra nça.
1 2. Na Fra n ça , o pri m e i ro m o v i men l o r u ral a se parecer com O movime nt o social mo derno q u :i n t o
ao u so de assembJ eias - os C ro q u an t s - foi u m resu l t ado das guer ra s d e religião. Ver o liv r o de
Yves- Marie Bercé, engan o sam en t e i n t i t u l a u o J J i s t o ry of Peasant Rev o lt s , d e fa t o u m bri l a n u
h te est doi
de caso sobre os croqua n t s . Pa r t e 2 (a edição fran cesa foi co rre t a m e n t e i t i t ul ada H i s
n w l re dcs cn
quan t ) .
56
e rituais . Mas até então os movimentos religiosos tinham reali zado desde ataques
físicos a judeus, protesta ntes, católicos e heréticos até a resistência local esporádi
ca dos camisards.
Exigindo terras
No início da história moderna, as revoltas camponesas eram quase tão comuns
qu anto as revoltas por alimento e os conflitos religiosos . Os camponeses tradicio
nais dependiam dos direitos c ostumeiros à terra, água ou forragem para sobreviver
e eram facilmente levados à revolta quando eles eram reduzidos ou deles se fazia
um mau uso . Os direitos eram frequente mente exigidos em nome da comunidade
camponesa, cujos membros acusariam os senhores de terra de romper antigas con
venç ões e de usurpar contrat os. Mesmo as modernas "lutas por terras" referem-se
frequentemente a usurpaç ões de mais d � um século 13 •
As formas das revoltas por terras quase sempre seguiram um ritual que tomava
forma a partir das reivindicações dos sem terra ou dos que tinham pouca terra. Os
camponeses, brandindo forcados e foices ou carregando a cruz ou uma imagem da
virgem, se reuniriam na praça da cidade, marchariam para a terra usurpada e a
"ocupariam" . Tais explosões se espalharam rapidamente de aldeia em aldeia como
incêndio descontrolado , sem agentes ou organizações em comum. Mas, uma vez
realizada a ocupação, raramente os grupos locais encontravam um modo de orga
niz ar-se em torno de. temas mais amplos e quase nunca se uniam numa causa co-
14
mum com os pobres urbanos
As aparentes exceções - como o movimento croquant do fim do século XVI, or
ganizado por assembleias surpreendentemente parecidas com as modernas (BER
CÉ, 1990, cap. 2) - não eram baseadas em terras, mas organizadas contra bandos de
saqueadores que haviam restado das guerras religiosas (BERCÉ, 1_990: 72-75) . Tais
revoltas eram abafadas ou isoladas tão facilmente quanto haviam surgido.
'
Mob ilização em tomo da morte
Pode ser surpreendente pensar na morte como uma fonte de ação coletiva. Mas
é a reação dos viv os - especialmente à morte violenta - que é a fonte do protesto,
mais do que a morte em si. A morte tem o poder de liberar emoções violentas e unir
1 3. Para exemplos da evocação dessas memórias históric as ele confiscos ele terras camponesas no sul
da Europa, ver Eric Hobsba wm: Prímitive Rebels: Studies in Archaic Forms of Social Movement in the
1 9 th and 20th Centu rí es. • Julian Pítt-Rivers: Peopl e of the Sierra. • Sidney Tarrow: Peascmt Comu nis
m ín Southern Ilaly.
14 . Estudando os protestos dos trabalhado res agrícolas na In glaterra, Andrew C h arlesworth em A n
Atl as of Rural Protest í n B ritaí n descobriu que foi apenas na revolta agrária d e 1 8 1 6 que "homens de
muitas ocupações diferen tes numa vasta área rural fizeram causa comum reagindo, cada um d eles,
ao s pro testos e demonstrações d e seus companh eiros trabal h adores" (p. 1 46) .
57
. - s ua do r e so lid ar ie d. ade. E la oferec e
pessoas com pouc a cms a em comu m, a nao ser , _
. . .- e e mna das pou cas ocas10 es em qu e s o l
motiv os legfUmo s para reumoe s pu, bl. 1cas
· . , .c
. . - ou p1·0 '
1 ·
b1 r ass em ble ias publi as .
da d os 11es1tam em atira r na nm 1 u'd ao
A morte sempre esteve hga · da a uma 1on r na 1· nst 1' tuci on aliz ada d e. ação co le ti va -
. pessoas em autu
o funeral - que reune · des 101 r • ma 1·s e soli d árias. Em .
sistemas rep res
· · _ . . -
s1vos que prol'b em reumoes· - I ega1s , os co 1·teJ· os fu' n ebres sao pratica mente os u mc os
mo mentos em que se pode dar início a u m pro testo . Q uand o a mort e _de um am i go
.
ou parente é vista como um insul to , os funerais pode m torna r-se locais de ruptu ra
Quando uma figura públi ca ofende os costu mes de uma comu nida? e, ela po de ser
simbolicamente assassin ada num falso funeral .
Mas O mesmo raciocínio nos diz po� que rarame nte a morte é a fonte de um m o
vimento social sustentado: o momen to da morte é breve e a ocasião ritual qu e el a
proporciona está logo acabada. Foi apenas no século XIX, no contexto de movim en
tos formados com outros propósito s, que os funerais 'começa ram a ser ocasiõ5 es p ara
uma mobilização sustentada contra autoridades (TAMASO N 1 980: 1 5-3 1 )
1
***
Exigir" pão , defender a crença, clamar por terras , mobilizar-se por morte: nes
tas quatro áreas o confronto foi violento e diret9, breve, específico e p rovinciano.
Com a exceção dos conflitos religiosos, em que instituições interlocais e crenças
comuns facilitavam coalizões mais amplas e uma maior coordenação, nessas for
mas de confronto os atores raramente iam além de interesses locais ou setoriais ou
os sustentavam contra autoridades ou elites .
Não foi por falta de organização que os europeus de antes do século XVIII fa
lharam em constituir movimentos sociais. De fato , quando . eles se revoltavam ou
tinham a oportunidade de fazê-lo p odiam se organizar de forma poderosa, como
mostraram as guerras religiosas dos séculos XVI e XVII . Nem os que se rebelava m .
por comida ou os que participa vam de cortejos fúnebre s eram "apolític os": os pri
meiros não se revoltav am contra a penúria em si, mas contra a evidên cia de que as
autoridades estavam ignorando os seus direito s herdad os , enqua nto que os últi
mos tive ram a astúci a de usar cerim ônias legítim as para expor suas queixas .
O maior pro blem a de trans forma r confr ontos em movi ment os sociais era as
formas e objetiv? s da ação coletiva limitarem -se às dema ndas imed iatas das p essoas,
aos seus alvos diret os e aos seus víncu los locai s e corpo ra ti vos Tudo isso mu daria
en tre o sécu lo XV III e mead os do sécu lo XIX. A expa nsão das estra das e da co mu
nicação ímpres� a � tamb ém o cresc imen to das asso ciaçõe s priva das foram amp la
_
mente responsave1s por isso .
58
O re p ertório modular
O a xio m a de Bloch que inclui form as p ai. t1c . • u 1 are s de aç ao - co 1 etlva
. . específic · em estrutu-
ra s s oc iais s - perfe ita men t e d e qu a 1 O s soc eda d es rurais qu e ele estu -
d o u - não fu nciona tão b em pa r a as socª.ie d acl es que su rgiram
a
c à i·
na Europa e na Amé -
ric a do Norte por volta do século XVIII · N esse s 1ugar es , dese nvolv eu-se um novo .
, · . . .
rep er tono que era cosm opol ita em vez d e pro vmc 4
iano ·, autonomo em vez d e d e -
e nd en te de ritu . _
a is herdad os ou d e ocas 10es espe cific , . as· e mod u 1 ar em vez d e p ar-
P ,
ticula r. Concentrando-se em a l g um as pouc as rotm .
a s-chave de confront o ' ele po -
.
d en a ser a da p ta do a um n úmero de ambientes d11erente .r s e seus elementos combi-
na d os em c a mp a nhas de ação coletiva · Uma vez usa d O e compreend 1' d o podena .
ser
d·1 fu n d"1 d o para outros ator es e ser emp r egado no 1· nteresse d e co a 1·1zoes - d e d es a r·1-
. · ·
a ntes. O resu 1 tado er a possibilitar que até mesm 0 grupos esp a Ih a d os d e pessoas
. . .
que n a- o se con h eci a m a giss em conJ·unta mente em d esa r·10s sustenta d os a autonda- ·
. .
des e cn assem o movimento social moderno.
�s fo r mas h � r�a �as do passado - o charivari, a se renata , a iluminação, o ata
q � as c�s as dos 1�1m1gos - não desapareceram �om a invenção de um novo rep er
� _ _
tono . Mas , a medid a qu e as reivindicações er am difundidas - junto à informa ção
de como � u tros as re a liza �am - e as pessoas aumentavam sua capacidade para a
açao_ cole tiva , mesmo ess a s antigas formas eram introduzidas com um ·s ignificado
mais g�ra l e combin a das com novas. Três �xemplos dos · dois lados do mundo
atlân tico do século XVIII ilustraram como o novo repertório passou a ser .usado .
a imagem, demoli
Liberdade ) . "De noite , u ma grande mu ltidã o desfi lou -perante
O ffice (Escritório do
ram um pequ eno edifício . . . ca ndida to a ser o fu turo S tamp
do ra Pau line Mai er, " en
Se l o ) , e en tão queima ram a ima gem " , escreve a historia
do homem do sel o" ( 1 9 7 2 : 5 4 ) .
qu a n to um con tingente menor a tacava a casa
1 1
59
O mesmo periodo também viu surgir uma form a de � ç � o � a i s orga n iza d a
,
1nais gera l e não -físic a - o boicote 1 (i Os merc ado res colo m ais fi ze ram pri m ei ra
,
ment e acordos de " não-importa çã o " contra o Sug ar Act e m 1 7 6 4 , p edi ndo qu e s e
red u zisse a im portação de bens de luxo da Ingla terra , sobre tudo as ro up as e lu va s
d e pesar tradicionalm ente v estidas em funerais . " Esses es forços inexper i en tes " , es
creve Maier, "foram sistematizados e m setembr o el e 1 76 5 [ co m a contr ové rsi a da
Lei do Selo ] , e a partir dai foram organi zadas associações de não-impor ta çã o ern
ou tros centros comerciais" ( 1 97 2: 74) . O boico te tornou- se uma rotina básic a n as
reb eliões coloniais, usada por toda a década seguinte em resposta a vir tualm en te
qualquer esforço dos britânicos para impor um controle mais estrito . Para os am e
rica nos "a não-importação poderia constituir um substituto efetivo para a vio lên
cia doméstica" , observa Maier; "a oposição poderia sair das ruas e vol t ar à roca" (p .
7 5) . Se desistir do luto contribuiu para a queda de um ministro britânico, um escri
tor da Boston Gazette perguntou: "o que podemos esperar de uma execução geral e
completa deste plano ? " (p . 75) .
Desde então , a não-importaç�o e o boicote tornaram-se as armas modulares da
rebelião americana , empregadas de forma mais clamorosa na controvérsia sobre o
chá, no porto de Boston 17 ._ Esta tática não perdeu sua efetividade na Inglaterra: em
1 79 1 , a associação antiescravista inglesa usou um boicote sobre a importação de
açúcar das Índias Ç)cidentais visando pressionar o parlamento para abolir o tráfico
de escravos (DRESCHER, 1987: 78 - 79) . O boicote, de urna resposta provinciana
da periferia do Império Britânico a novos impostos, migrou para o seu núcleo. Ou
tras formas de ação também estavam se desenvolvendo na Inglaterra.
1 6 . Observe que a prática existia muito antes da palavra ;,boicote " , e para se referir a ela os colonos
usavam o termo " não-importação". A terminologia moderna data apenas de 1880 _ e na Irlanda -
quando a prática foi usada contra certo capitão Boycott. O termo logo se espalhou no Ocidente, como
indica o termo francês boycotter.
1 7 . De fato, foi apenas para forçar um boicote geral que estava tendo sucesso em algum outro l u gar
ui
que uma coal izão de comerciantes e jornalistas de Boston empregaram a velha rotina de d estru ir d
i mportado. Ver Richard D. Brown : Revolutionary Politics i ,1 Massachusetts.
,p oia
* Sou grato a Seym our Drescher por seus comentár ios a uma versão anterior desta se ção, qu e se ,
d
muito no seu Capítalism and A n t t s l a very . Ver também os artigos de D re scher : "Publ i c Opini o n an
the Destructíon of Br í tís h C o l oni al Slav e ry" e ''British Way, French Way: Op i n i on Building a n d Rc·
vo l utíon in the Second S l ave Emancípatlon, " assim como o l ivro de Leo d'Anj ou : Socia l M ov e m e
uts
and Cultural Cha n ge: The Pí rst Abolícionist Campaign Revisited.
60
cios al �g an do p rejuízo s pel o am�1 : nt o da taxa de impost o (BREWER, 1989: 233 ) .
.' _
No m ic1 0 do s an o s 1780 , a s pe t1ç o e s e nd e re çae das
,, ' ao par 1am ent o am
. da er a m um
ato m a is · "pnva · d o d o qu e pu' bl'ic o , li' gadas a re1vm -
· · d'icaç oes de grupos ou be nefi-
. ,. . . ,
ciá rios esp eci fic o s p reJ u d ic ad o s ' (DRES CHE R, 1987 .· 76 ) . Qua ncl o a primeir · ·
. _ a
grande p e tiç a o c o ntra a e scravidã o ci rculo u em 1788, um re prese n ta nt e d o grupo
, . .
de pr essao - d o açucar J a m a ica n o e st a va p asmo .• e ss es ab o 1·ic1· o mstas· - fora m pre-
nao
. i. ado s p e a e scra V1d . _
J�d � � a o ne in se benefici ari a m pessoalmente c o m o seu fim. Que
direi t o e l e s tem d e faz e r um a p e tiçã o pel a a bo liçã o ? (DRESCH ER, 1987: 76-77) .
Dur ant e a s d uas d écadas entre 1 770 e 1 792 a petição foi tran sformada : d e uma
fer �am �nt a em favo r d e i �t� re�s es privado s pass o u a ser um ato públic o em busca
de J u� uça em n o m e � e r e1V1n dica ções m orais gera is. E, enquant o que a s p rimei ras
_
pe tiço es er�� a t o s is o l ado s realizado s p o r grup os de requeren tes, po r volta de
1790 a s petiç o es er am r egul armente l a nçadas em reuniões públicas e a companha
das po r b o ic o t e s, divulga ção em j orn ais e p re ssão exercida a tra vés de c a mpa n ha s
em m o vimen t o s pr o l o ngado s .
Emb o r a Wilk e s e o utro s tenha m us ado anteriormen te a petição para propósi
tos político s - p o r exemplo, foi uma p etição que precedeu a i rrupção dos tumultos
Gordo n d e 1780 - foi a c ampan ha an tiesc ra vidão, lançad a n a ba rulhen ta Manches
ter, qu e a tra nsform o u numa ferr amen ta modular. No início dos a�os 1780, os in
dustriais d e M a ncheste r us ar am a petição pela primeira vez para pe dir o repúdio
aos plano s d e r e c eit a d o g o v e rn o . D epois, eles desempe nhar am um pa pel impor
tante na c amp a nh a c o ntr a um a união da alfâ ndega com a Irl anda poucos anos ma is
tar de (DRESCHER, 1987: 69) . Essas questões er am comerciai�, mas eles cri ara m
uma técnica qu e p o d eria "a brir as comporta s do entusiasmo" em relação a ques
tões com c o nteúd o p o lític o o u moral mais a mplo (p. 69) . Aut oconfiantes e ricos -
mas s em r epr e s en t a ção eleitora l - os homens de negócio de Manchester extrapola
ram as habilidade s que ti n h am desenvolvid o em fav o r de seus interesses numa
camp anha m o ra l ' n acio na l.
A c a mpanha anti escravi dã o foi promovida por um aumen to espetacular do nú
mero de p etições e de assinan tes coordenados numa única campanha . E o m ais im
portante, os h om ens de M anch ester co mbinaram a petição com a utilização da densa
rede britânica de j o rn ais pr o vinciano s p ara divulgá-la em cada jornal importante do
mercado , d eslanchando uma onda de petições enviada s ao parlame nto vindas de
tod o o pa ís (DRE SCHE R, 198 7: 70- 72) . Em 1792 uma no va campanha quintuplico u
o número de p etições, " o m aior número já apresentado ao parl amen to s o bre um ú ni
co assunto ou numa única sessã o ", de acord o c om Drescher (p. 80).
a se espalhado : primei
Por v o lta d o s an o s 1790, o us o de petições de m a ss a havi
ro o s radica is, exigind o a exp an sã o do vo t o e pr o t estand_o co� tr� a restriçã o à liber
dad e d e expr essã o p o r um g o verno a ssus ta do
c om o J acobim sm o (GOO DWI N ,
i
197 9); de p o is o s ad vo g ado s, lutan do pela refo r�a eleit o ral. C o mo_ o s_ abolici o n s
tas, a s S ocie da de s da R e form a ta mbé m us aram a impre n s a da pr ovmcia p ara c o o r-
61
den ar os es forços de dife rentes associ a ções locais , unind o ª assina t� ra de p eti çõ es
com os esfo rços de seus gru p os de pressão . N os a nos de 1 8 30, os arti � tas co mb in a
ra m a aprese ntação ade q uad a d e pet ições de m assa co m O uso ,� ole_u� o do es pa ç o
p úblico para demons trar a força do mo vi m ento . Ap resen tan do . peuçoes �o povo"
ao p arlamento 1 e l es le vara m à s ruas milha res el e p essoa s em ab n l de. 1 � 4 � · D e urn
simp les apelo de u m cliente depend en te a seu patrão e de u m a re i v m d i c �ç! o d e
um g rupo de pressão para diminu ir os im post os de s � us membros , as p eti ç oes s e
tra ns formaram e m u ma form a modula r de ação coletiva para c lamar por grand es
mudanças na política .
18. Com a revolução eclodindo em toda a Europa e a anarquia ameàçan do a Irlanda, isso foi dema is
para o g overno, que �obilizou 150 .000 guardas "voluntários" para impedir a apresentação da p eti
_
ção c� rnsta em Kennmgto� Common. Ver Dorothy Thompson: The Chartis ts, cap. 3 , sobre p uso da
peuçao. de massa pelos carustas. Sobre esta demonstração que não teve sucesso em Kennington Com
mon, ver Raymond Postgate: The Sto1y of a Year 1 848, p. 1 17 .
1 9 . Ver o argumento convincente d e William Sewell jr. de que foi apenas com a tomada da Bastilha ,
em julho de 1 789 , que a insurreição urbana foi ligada normativa mente ao concei to de s oberan ia po
pular em seu artigo "Historical Events as Transform ation of Structures" .
20. Os acontecimentos que conduziram ao Day of the Tiles e a razão de terem criado uma coalizã o
tão ampl a foram resumidos por Schama em Cítizens, p . 272- 2 8 7. A reação dos aristoc ratas de proví n
.
cia e dos parlam entos aos éditos foram sumaria das por J ean Egret em The French Pre-revolu tio n,
1 787- 1 788, p. 1 70 - 1 77.
62
N o s eve nto s d e Greno ble vem os um a' IJré via de ,al go
que se asseme Ih a ao movi· -
m en to s oci. a 1 mod e r. no . Uma va nedad
.
e de form ,a s cl e aça- o co l et 1va • foram empr ega-
� . de
das nu m a s equencia ._
con fro nt os com as a uto rida· cles e • ç ao
e l 1' t es . A or gamza - sur-
. . 1eumao
. . . .
e m que a s r e 1vm
g iu nu ma. . , . ch caçõ es dos p arlam en tares da c 1.ass e supenor,
o s es cn tores e fu n c10n a n os de clas se mé dia , os arte sa- os , lu vei· ros e mu Ih eres foram
m is �u �·a do s sob U 1�1 c ? i1ju n t ? nai aiü p o de dire ito
� � � s Nas pala vra s d e algu n s dos
p� ru c1 p a n tes , a p� m cip a l exig e n c1 � � ra o r e torn o de . nossos mag i s trados, prívilé
g10s e o re s ta belecimen to das co n d1ço es que por si só po d em faze r leis verd adeiras"
(S CHAMA , 1 989: 279) .
conc e it ? d e dire ito s el� � orad o em Vize lle foi mui to mais long e que a exi
- � _ do s
gen cias es pecific as do s p a rt1c1p a nte s . Além de digni ficar e unir as reivindicaç ões
de uma c oaliz ão m a is ampl a de at ores socia is , ele e s tabele ceu a ideia de que uma
ass embl e i a não autori z � da, a gindo em nome "das leis e do povo " , po d eria exigir
uma relação contra tu a l com o Estado que i a além do s privilégios parlame ntare s ou
do a lívio econômico (E GRET , 1 977: 1 77) .
***
63
co
N o plincípi o , escrev e Trn u got t, as barric adas "e ram u m m o d o de laboração el os
me mbros de peque n as co munida des, s emp re o r i e n ta das co � tra o s rep resentan tes
das auto ridades c o n s ti tu ídas " ( 1 99 0 : 3) . Po r v o l ta el a rev o l u ç ao d � � 830, e las ap are
ce m em baluartes o fensivos nas ruas de P aris, atrain d o am igo s e VIZmhos do própri o
l o cal . Ma s , n os D ias de Fevereiro da rev oluç ão d e 1 848 , as ba rricadas atraíram " c os
m o p o litas " de o utras vizinhanças de Paris ( TRAU G O TT , l 990 : 8-9) , P o r o casião da
C o muna de Paris de 18 71 , as barricadas eram vulneráveis a canhões de l onga d22istân
cia , mas ainda tin ham uma função simb ólica e s o lidária (GOU LD, 1995: 1 64) •
Tal c o m o a demo nstraçã o e a greve, a barric ada tinha uma lógic a intern a e tam
b é m u ma externa. A o lutar c o ntra tro pas h o stis , o s defen s o res passaram a s e co
nhecer c o mo camaradas, desenvo lveram uma divisão de trabalh o entre lut ad o r es ,
c o ns trut o res e fornecedo res, forman do redes de camara das que os reuniriam em
confro nto s futuros. C o m o Traug o tt escreve,
de uma posição vantajosa , no topo de uma barricada, formou -se to da
uma geração de revolucionários na luta contra as monarquias Bour
bon e Orléans; amadurece u nas lutas da Segunda República; e viu suas
aspirações políticas esmagadas pelo golpe que anunciou o do mínio de
Luiz Napoleão ( 1 990: 3 ) .
A França nã o estava muit o à frente de seus vizinh o s; à medida que as insurrei
ções se espalharam pela Europa na primavera de 1 848, as barricadas surgiram
c o mo a forma m o dular fundamental da atividade revolucionária . De fevereiro de
1847 a meado s de 1849 , as barricadas apareceram em p o ntos tão distantes com o
Madri e Lisboa, Messina e Milã o , Berlim e Viena (GODECHOT, 1 97 1 ; SOULE &
TARROW, 1 99 1 ) . Em Viena , foram erguidas para exigir .u ma reforma constitucio
nal; na Sicília, para pedir a independência de Nápoles ; em Milão e em Veneza para
acabar c o m o domíni o austríac o ; e nas menores cidades do Vale do Pó para deman
dar a unificaçã o c o m o Piem o nte. Nas revoluções de 1 848 , as barricadas se espa
lharam mais rápid o do que um homem poderia dirigir sua carruagem de Pa ris a
Milã o . C o m o Verdi escreveu a Piave em sua vo l ta à Itália, ansioso por participar na
revoluçã o de seu país, "Imagine se eu queria ficar em Paris quando ouvi as notícias
da revo l ução de Milão? Parti imediatamente, mas só cheguei a tempo de ver aque
las fantásticas barricadas ! " 23
64
ri o do confronto apareceram pela nrimeira_v..ez....,,
- . . - � ..��gt:ancles eventos. como a to-
ma
• da da Bastilha ou os Dia s de Fev erei ro em Pari· s . M as seus fundamentos 1oram e
. dos nos mte. . . - de-
sen volVI rstic10s da prática cotidiana de con fronto · -
. ;,- como a petlçao de
massa, que teve ongem numa prosaica prá tica de negócios na Inglaterra· barricada
a
� ue fo i �� ada pela prim eira vez para defe nder as vizinhanças de Paris do� ladrões; e �
msurreiçao ur?ana, usada pela primeira vez para exigir trabalho em Grenoble an tes
de se t? �ar O instrumento de revolução na Bastilha. Do ponto de vista do repertárj o
e políuca p �pular os gr-ª!!Q.es even�os_�_ão frequentemente a culminação de mudan-
-�
ças estruturais que estavam germinando discretamen te· nO corpo político2 •
A mudança do repertório tradici onal para·o�;Õ é um exemplo disso. Ao pas
so que º. velh o repertór� o foi paroquial, din�ta e haseago em valores corporativos, o
_ -- ---
novo foi nac10n�l, flex1vel e baseado em fonn._as.-a.u.tônmnas_de associação criadas
es�ihcamente para a luta. !'J o primeiro , a apreensão de grãos, os conflTiõs rehg10-
sos, as guerras por terras e os cortejos fúnebres eram separados tanto um do outro
como também da política da elite. Quanto ao novo repertório, ele tomava possível
que operários, camponeses, artesãos, funcionários, escritores, advogados e aristo
cratas n:iarchassem sob as mesmas faixas e confrontass�-os-mesmo�topositores.
Essas mudanças tornaram possível o surgimento do movimento social nacional.
Este poder recém-encontrado no movimento teve um impacto profundó ria es
trutura da política moderna. Se, a curto prazo, as pessoas que desafiavam a� autori
dades sofreram repressão , num pràzo mais longo o novo repertório aumentou o
poder das pessoas comuns para desafiar governantes forçando-os, por sua vez, a
criarem meios de controle social mais sutis do que uma carga de cavalaria ou um
ataque com tiros de canhão. Com os anos, partes do n ovo repertório tornaram-se
componentes da política convencional. A greve tomou-se uma instituição de bar
ganha coletiva ; a demons tração foi coberta por um conjunto de leis que tanto a re
gulavam como a distinguiam de atividades criminosas; e os movimentos pacífic os
e a ocupação de edifíc ios foram tratados com mais indulgência do que a delinquên-
cia comum.
s entos?
Como surgiram essas mudança s e por que começaram em certo mom
Seguramente, os gran des even tos nacionais tiveram efeitos profundo : em fornecer
tos
modelos de ação coletiva e consciência coletiva para o futuro. Mas tais even fo
ram episódicos e usualm ente limitados a um só país . Entretant ? , no co � eço do sé
rnac10nal � ente
culo XIX, um novo repe rtó rio de confronto estava se torn�ndo mte
te n ham de1x� � o
co nhecido e amp lam ente prat ic ado . Embora eventos particulares
a superf1c 1e
sua ma rca nas mudanças que identificam os, devemos procurar sob
s tão poderosas na
desses eventos, em buse a das C ausas que produziram mudança
política popular.
65
3
I m prensa e associa ç ão
m
Os movim entos sociais, como hoj e os conhe cemo s, come çaram a apare cer e
grande númer o durante o século XVIII. (Eles tiraram sua essênc ia das mudanças es
truturais associadas ao capitalismo, mas que preced eram a Revolu ção Indu stri al.
As princip ais foram o desenvolvimen to da imprensa comerc ial e os novos mo delos
qe associaç ão e socializa ção. Elas não produzi ram, por si só, novos desconten ta
mentos e novos conflitos , mas difundiram maneiras de preparar reivindicaç ões
que ajudaram as pessoas comuns a pensar-se como parte de coletividades mais am
plas e no mesmo plano de seus superiores.
Os livros impressos existem desde o século XV, mas por um longo tempo fo
ram escritos em latim, trat_avam principalmente de assuntos religiosos e eram ina
cessíveis às pessoas comuns. Isso não significa que não fossem importantes para di
vulgar informação - afinal, os primeiros tratados políticos foram os livros religiosos
da Reforma Protestante -, mas as publicações acessíveis tiveram que esperar que a
alfabetização se expandisse e que o preço dos papéis impressos baixasse. Quando
isso aconteceu, jornais populares, canções e panfletos impressos divulgaram ima
gens de governantes e aristocratas nas mesmas páginas onde constavam bu rgu es es
e plebeus, mecânicos e comerciantes, moradores de cidades e notáveis rurais .
Novas formas de associação, já fora das herméticas fronteiras corpo rativas das
sociedades estamentais, desenvolveram-se em tomo da Igrej a e do com ércio antes
de serem adotadas por clubes de leitura, grupos reformistas e socieda des an ties cra
vistas que corporificavam propósitos morais. Conflitos latentes entre p ess oas e
seus opositores foram transpostos para guerras de panfletos, canções ofensivas, ca
ricaturas e impressos obscenos. Se o corpo da rainha da França podia ser retra tado
pela imprensa numa posição comprom etedora e aristocratas e co mu ns p od ia m
25
encon trar-se nos mesmos cafés e clubes de leitu ra, quanto tempo leva ria para qu e
2 5 . Antoine de Baecque analisa o pan fleto político p ornográfico d e 1 787 em diante no se u: "Pamp·
hlets: Libels and Political Mytholo gy" . Ver também a descrição de " Bod y P olitics " em Ci t izens, de
Schama, p. 203-227, e os libelos de M aria Antonieta a que ele se re fere. Schama escreve: "foi a su a [�e
c u la
M aria Antonieta ] transformação , na França, em 'prostituta austríaca' . . . que causou dan os in ca l
veis à legitimidade da monarquia" ( p. 205) . Lynn Hunt, em seu texto Fami ly Ro mance of the fren e/!
Revolution, analisa o assunto em d etalhes.
66
0 pes c oço d o rei fo s s e para a gu ilho ti n a e m e mb ros, d e d t' ferent
es clas s es se un i ssem
em aço- es coleu·vas d e c on fron to ...,r
N o passado e u rop eu ' s olid aried a des co rp o rativ as e c o mun icações face a face
frequ e nte m e nte alim . e
nta ram epis ód io s d e con fronto . e on n·
it os re 1'ig 10sos
• p ro d. u-
z iram g u e rras e rev o l u ções ' cri ando op or tu "
m da des pa ra as revo ltas cam ponesas e
. .
fis cais . Mas, a partir d o sécu lo XVIII ' n o vas to rm as d e asso ciaça • - o , comun1· caço- es
.
r egu 1ares 11gan d o centro e p erife ria e a d'f 1 u sa- o da impre
· n s a e d o numero de pessoas
alfab etizadas produ ziram u ma m u da nça s e cu lar . J u ntas, imprensa · e • - p os-
. . . associaçao
s1bih tara � q u e p �ssoas a � plam ente e s palha das p o r c i d ades e regiões c onhe c essem
as resp ectI�a � �çoes e �� Juntassem em m ovim e nto s so ciais naci onais ultrapass an
do largas d1VIso e s s o ciais ou geo gráfi cas .
* O título d es ta seção é O mesmo que o da excele nte co l eção editada por R obert D amton e Daniel Ro
che sobre O papel da impre nsa na frança antes e durant e o pe�odo revolu cio �� rio. Sou grato tamb � m
ao tex to de Benedict Anderson: Imagin ed Comm u nities: Reílec uons on the Ongm and Spread of Nauo
nalism, cap. 3, que trata da origem de a l gu mas das ideias assumidas e ampliadas nesta seção.
2 6. Ver a cole ção editada por Jack Good y: Litteracy in Tradi tiona �,Socie ties, para uma boa in�roduç� o
a es te assunto . " Liter acy and Educ ati on in Engla nd, 1 640- 1 900 , de 1:�rence Stone. • L1�eracy m
Co lo nial New England, de Kenn eth Lockridge . • The Cultu ral Uses of Pnnt m E� rly Modem France, de
Roger Cha rtier contribu íram para a litera tura da Ing l aterra, das colôn ias amenca nas e da Fran ça res-
pecti va mente.
Franccs·a variaram segu ndo a p resen ça
- que surgiram na Revo l ,ução
27 · Me smo as r, orrnas d.e re b e 1 1· ao · ..
ff
o u a use- n eia . - o. p or e xemp l o , em The Abol1tl o11 of Feuda/1s111, p . 3 82- 3 83 , J ohn Marko
r b euzaça
· d e a 1 1a
- regiõ es segu ndo a força ou a fraqueza de um
. ostro u que a açao co 1 euva
m • rura 1 va r·, ava em diferen tes
i ndi cador primitiv o de a l fabetizaçã o.
67
em equ ipam e ntos caros para pub l i
seus dire itos , u m hom em que tivesse invest ido
ir notí cias para uma a u diência m aio r
car tinh a um ince ntivo com e r cial pa ra prod u z
cul os d os rico s . Foi fora dos p ú b l i �
e enc ontra r ia essa aud iên cia apenas fora dos cír
com e rcia l qu e s e formara m c o
cos a qu e se des tinavam os pro d u28tos da imp re nsa
com o Th e B a g ue, La u sanne e Fila
mu nid ades invisíveis de disc u rso • E m l u gares
j orn ais, pan fl e tos e desen hos
dé l fia, homens especia liza dos na pro du ção d e livr os,
lica çõe s.
em q u ad r inh os enc ontraram trab alho e l u cro com pub
para abr ir nov os merca dos
Em meados do séc u lo XVIII , inic io u -se " u m esfo rço
a lucr o do negocian te de
para a imprensa , que dife renc iava o imp res sor qu e b u scav
cen do não só as tend �
livros manuscritos" e "trabalhava con tra 29o eliti smo , favo r e
, os vend edores fran ce
cias dem o cráticas com o as hete rodo xas" • D e pois de 1 760
itaram aos só cio s
ses de livro s com eçara m a abrir ga binetes de leitu ra qu e "pos sibil
o caros se to r
ler extensivamen te gastando pouc o e fizeram com qu e livro s muit
nassem um pouc o mais dispo nívei s" ( CHART IER, 1 99 1 : 70) . S e a l e itura expa ndia
o comé rcio, o inverso também era verda deiro : na Amér ica, obser va Gord on Woo d '
"o motivo mais forte para uma pessoa apre nd er a ler e escr ev e r, mais do qu e enten-
der as escrituras sagradas , era o desejo de fazer negócios " ( 1 99 1 : 3 1 3 ) .
A imprensa de língu a francesa estabele cida fora das fron teiras da França tipifi
cou a intersecçã o de lucro e política na indústria de publicaçõ es. De um lado, pu
blicações clandestinas que visavam o mercado francês permitiram que pequenos
estados �as fro � teiras da França enchessem seus cofres; por outro lado , impresso
res e editores unham carta branca para produzir livros que e ram subv e rsivos de
mais para sere � publicados na França. A " neutralidade" desses empr e endedores
_
era ta.o subversiva quanto o capitalismo e, pela mesma razão, em nome do l u cro
eram indiferentes aos clamores de credos religiosos ou causas dinásticas (EISENS�
TEIN, 1 986: 194) 30 • Um desses novos homens foi particularmente notável . Em
1 774, um fiscal de impostos falido , um inglês chamado Thomas Paine, d es ceu de
2 8. Os leitores irão notar o uso do termo "invisível" no lugar dO termo d e Anderson comunidades
"imaginadas" (1991) . 0 s comerc i. antes e exp e. dido. res de mercadonas . que lançaram o boicote do selo
em 1 765 em favor de seus mter •
e ss es com e rciais talve z am
· da nao se r e conhecessem como "ame rica-
nos ,, , mas fii car.�am surpresos em saber que s eus intere sses eram "imaginados"
.
29. Ver Rev o lutwn and the Printed Wo rd, de Elizabeth Eisenstem, · P 1 95 . Para uma h1stona . _ . da p ro du-
çâo de livros e da leitura entre os séculos XV ·
. I e XV III na França v e r The Cul tural Uses of Prin t i n Early
Mo dern France ' de Roger Charti'er · E' pre c i so 1 e r o trabalho d e RO b ert Darnton para entende r a impor-
táncia dos livros e panfletos proi'bi' dos no processo que l evou ª- R evo 1 uçao -
Francesa. Ver os seus tex·
tos The Busíness of Enlightment e The Lit erary Un dergro und of the Old Regi me.
30. Quando os hvr .
. e 1ros . é yp
franceses p ediram trabalhos de filosofia da Soc1é t T ographique de N e u -
châtel, o edi tor suíço respondeu .· "Na·o temos nenhum ' mas sab emos on
de achá-los e pod e mos 1ro rne-
cê-los quando pedirem" . Ci tado em "Ph'l 1 os op 11Y uucler the Cloak", d e D
arnton ; e m Revo l ut i on í n
Prínt, de Darn ton e Daniel Roche, p · 3 1 . N ote_ que o termo "t ra balh
. os r·llosófi cos" era um codinorne
1 oso r·ia pura, passavam p e1 os tex·
para um amplo espectro de assunLos censurad os que iam des d e a
-. f'l
tos pohucos e chegavam até a mais ou menos pura porn
ografia.
68
Um navi o em Filad é l fi a c o m u ma cai· t ''"' d e a prese n
• 1J res s or taç 'ã 0 el e B enJam
· 1· m F ran kl m
' - para
R ob e l·t Aik en , um conl1 eci· do nn na e i d a c] e. As ideia
r a1 mente nova s ou mes mo 1·'ad i' c ai· s 3 ' 0
L
· • s de Paine não eram
P a t 1cu l . pa c t ' , ·
• •
· As comunidades de impren sa
A expansão das publica ç ões para um mercad o' de massa acionou um c iclo capi
tal ista c ompetitivo . Dispu ta ndo o envo lvimento de novos leitores em seus empre
endim entos , os editores cria ram comunida des invisíveis de imprensa. "Através de
cartas ao leitor e outros meios," escreve Eisenstein, "a imprensa periódica inaugu
rou u m novo tipo de fórum público" , ajudando a criar algo parecido com uma opi
ni ão públi c a bem antes da Revoluç ã o Francesa (EISENSTEIN ,- 1 986 : 1 96- 1 9 7) . A
Encyclopédie de Diderot foi apenas a mais bem-sucedida delas, ligando editores e
leitores, intelectuais e pessoas leigas, metrópole e províncias . Tais j ornais, como o
Present State of the Republic of Letters inglês e o Nouvelles de la République des Let
tres de Pierre Bayle ampliaram lin h as de comunicaçã o para atingir assinantes isola-
3 1 . Ele foi, como H obsbawm observa, "o único membro da Convenção Francesa a lutar abertamente
contra a sen tença de morte de Luiz XVI " . Ver Labouring Men, de Hobsbawm, p. 1 -4 . Para uma abor
dagem evo cativa e penetran te sobre a importân cia de Paine ver Republica nism and Bourgeoi s Radica-
lism, de Isaac Kramnic.
32. Hobs bawm: Labouring Men, p . 2. A linguagem de Paine parecia muito �� is co � a da Bí� lia do que
a linguagem de muito s e nsaísta s erudit os qu e escreveram panfle � os pohu :o� a t e a sua epoca. P� r
exemplo, ele usou parale los b íblicos para conve ncer seu públic o le1tor-de-Blbha de que a monarqma
causa a guerra e que, para os h e b reus anti· go s , "era consid. erado pecado reconhecer como monarca
qualquer pess oa além de Deus" (Comm on Sense, ed. Kukhc k, P· 8-9) -
33 . Bay1 m. r eJ ata que, em 1 77S , havia · tri· nta e oito J·orna is americanos "chei os de colunas com argu -
. . . .
ci· a m como carta s docum entos oficiai s, pedaç os de discursos
e
"'l n tos e c ontra-argument os que apa re ' . m, em lugares mus1ta- . .
"
- ,, . A taques . 1 ento s surg iam em toda parte e até almana qu es trazia
" J
e Sermoes v10 · . .
. ntários polín cos. Acun a de tu do , h avia -
dos e em co lunas ocas10na1s •. , u ma carg a c ons 1· derá vel de come . 1
panfl eto s" . Ver o seu Ideo log ical Orig íns of the Ame ric an R evolu twn , P · -2-
qua n do começo u a reação contra a Revo-
3 4 . o mesm o l ogo se tornou · verda d e ta m b e- m na lngla t ernr' . e ·
l uça- o F ran esa e m 1 7 9 2 , re p nm. i. .r a p rt e II· eI e Righ ts of Mm1 , d e Pam e, e se u A(;1 1.ess to t h e A �l 1 .esse1 .s L01
� . ·
� se ram Ver The Friend
s ofLibe rty , de Albert Go-
uma das prnnei ras tare fas que os m ag istrad os s e nn p u
odwin , cap 8
. .
69
dos , transnütindo un1 novo sent i do de m ovhnent o avan çado para seus leit ores "
(EISENSTEIN , 198 6 : 19 6 ) .
., .. tipo d e vida social s e desenvolve u e m torn o d a l ei tura e da troca d e li
U 1n novo
vros e de papéis hnpressos. Na França , cidades provinc ianas, como Bes an ço n , ti
nha111 bibliotecas públicas e clubes de lei tura . Até mesm o moradores de ci dade s
pequenas , con10 Saint-Am our, pedira1n permissão às autorida des "para alugar
u111a sala onde pudesse m se encontr ar, ler as gazetas e os jornais e sucumb ir aos j o
gos de azar" . Na conserv adora Franche -Comté, o clero promov eu a distribui çã o d e
publicações religios as para combat er a secular iz ação (VERN US , 1 9 89 : 1 27) .
S e o livro foi a prhneira mercadoria produzida em massa, o s j ornais eram sua
extensão mais subversiva - como escreve Benedict Anderson ( 1 9 9 1 : 34-35) : " um
livro vendido em escala colossal [ . . . ] um best-seller diário" . Se um homem pod ia l er
sobre um grande acontecimento no mesmo dia que milhares de outros que el e n ã o
conhecia, todos passavam a fazer parte da mesma comunidade invisível de leitores.
E se um jornal descrevia as ações de governantes e dignitários na mesma lingu a
gem que usava para discutir os feitos dos mercadores e comerciantes que o liam, o
status de governantes e leitores era nivelado . Em vez de virem de cima, de forma
autoritária, os jornais circulavam horizontalmente; "falavam de forma polifônica",
escreve Anderson sobre um outro tempo e lugar, "numa confusão de editorialistas,
caricaturistas, novas agências, colunistas [ . . . ] satiristas, oradores públicos e anun
ciantes e entre eles funcionários categorizados do governo tinham que se acotove
lar de igual para igual" ( 199 1 : 3 1 , 34-35_) .
Criados inicialmente em cidades principais, os jornais se espa l haram para as
províncias relatando os fatos na metrópole. Na Inglaterra, escreve Donald Read,
"tais jornais de província ajudaram a criar, fora de Londres , conhecimento sob r e a
política parlamentar londrina, recheando suas colunas não tanto com notícias lo
cais, mas com notícias e comentários copiados da imprensa da metrópole, especi
almente dos ativos jornais da oposição" ( 1964: 19) . Por volta dos anos 1 760, os lei
tores de províncias estavam bem escolados em oposição política e isso ajuda a ex
plicar por que se ergueram em apoio a Wilkes na década de 1 770 e responde ram
tão rapidamente ao movimento antiescravista uma década mais tarde.
Não era fácil competir com a imprens a da cidade grande, mesmo em te mp os de
revolução . "Desde as primeiras sessões d a Assembleia Nacional" , escreveu o Jour
nal de Nonna ndie em 1 790, "esperávamos produzir nosso j ornal todos os dias, mas
descob rimos qu e não é possível manter a competição com os j ornais da ca pit al"
(MA RSEILLE & MA RGAIRE Z, 1 989: 1 0) . Como resultado , a imprensa da p rovín
cia tornou-s e um veículo para publicar no tíci as locais e expressar atitud es l oc a is
sobre os acontecim entos da capital, em vez de simplesme nte reimpri mi r n o tí c i as
do centro .
Os episódios revolucionários proporcio naram um terreno muito fé rt il para a
criação de n ovos jornais . A campanha para os _!;stados G erais na Fran ça lanç ou
70
u ma to rre nte de p u bli c a ç õe s : 0 cat álo g o d B'b I ·
e
ris , 184 pe ri ó dicos publ ic a do s s ó e m 1 789: � 3 � :tequ Na ti ona l e l i s tou, s ó em P a -
m 1 790 (PO P KI N , 1 989: 1 50) . A
revo l u ção de 1 8 48 teve um efe ito sim il a r , m as e .
. . m· esc. a l a �n
. t ernac1
. . 0na I . E 1 a cnou
uns d u ze ntos J orn a is ern P a ris e um a on d a de no v os
Jor nai s na Alem anha , mui tos
P ub li cado s e n1 lugar es t ão dist a nt es co mo os Esta do s U m'd os. N a 1 ta- 1 ta, mai
cem jo rnais foram reg istrados ape n a s em Flo renç a)5. · .s de
Enqu anto que os j ornais circ u lara m a i· dei. a d e mo .
vim en to , os movim entos ex-
pa ndiram o mercado para . t.as pess oas tent avam
. a .i mP rens a , P01s,
e tom ar part e - e m
b ora ape nas d e iorm a Vlca na 1 - no que estava acon tecen do
em outro luga r Nas
_ .
suas propn as man chet es os jo rnais se anu n ciav am como agentes . • ·
d e moVIm entos.
. _ . _
Em Java, no 1nic10 do secu lo XX , a fund ação de um Jorna · 1 c h ama d o Th e World on
. .
the Mov e fo1 seguida por . Islam on the Mov e, "W;ork ers on th e Move e Th e peop l e on t h e
�ove (ANDERSON: 1 990 : 32) . Através da imprensa, pessoas em lugares tão lon-
ginqu os com ? � essina e Varsóvi a, São Petersburgo e Pequ im podiam imaginar-se
_ _
nao so como itaha?o � , poloneses, russos e chineses, mas também como jacobinos e
sans-cul o ttes, rad1ca1s e comu nistas e seu s inimigos locais como vass alos e rentis
tas, aristocratas e capitalis tas .
Mais do que algo heroico, a imprensa popular fez da rebelião uma coisa co
mu m. Se, em 1 773 , os moradores de Filadélfia puderam ler em jornais de Nova
York que uma rebelião estava sendo tramada no norte, ela passo u a ser algo imagi
náveL na colônia Quaker (RYERSON , 1978: 43-44) . Se os cidadãos de Norwich po
diam ler como milhares de pessoas em Manchester estavam assinando petições
contra a escravidã o , tomou-se intolerável deixar os escravistas em Norfolk sem re
preensão (DRESC HER, 1 982) . Se um homem podia ler em seu jornal nacional
como os insurg entes em outro país derrubaram seu governante, fazê-lo tomo u -se
algo concebível em toda parte . Como Anderson escreve sobre a Revolu ção Franc e
sa, "tendo ocorri do , entro u na mem ória cumu lativa da impr ens a [ . . . ] A experiên
e, no
cia foi transform ada em 'conc eito' através de milh ões de palavras impressas
devido tempo, em um mode lo " (199 1 : 80) .
A modularidade da associaçã o
A I�g !at err� , ?��e nova s form as de as s o ciaçã o surgi ram do s mode l os comerci
.
ais e rehg10s o s 1mcia1s , es ta:ª à fre nte do contin ente . A agitaç ão antie s c ravis ta dos
_
anos 1 780 apare ceu p ela pnme1ra vez e ntre s eit as dissid ente s ant e s de se e xp an d ir
72
p ara o s inte_r e� ses ind ust ria is de Ma n che ste r (DRE SCH ER , 1 987
: 6 1 - 63) . A Yo rk
s hi re Ass o ci a tlon a do tou º : co mi t ês d e corres pon dê nci
a, q ue tinha m sid o usa d o s
an tes p or g ru pos de pre ssa o com erc i ais ( READ , 1 964 ) . A O ' Con '
nel s Cath o lic
As so cia tio n a do_t o u_ a táti c a de s ubs criç ã o do s gru pos de pressã o
me mb r o s c o n�ribu 1 re� c o n1 m 'vin té m ' por , pedind o para seus
_ � a no em p ro l da ema ncipaçã o . O su
c ess o d o s c a t o h c �s foi a pre ciad o pelo s reformad o res par lam enta res, que usa
ram
subsc riçõ es p ara fin a nci ar as Poli ti cal Uni ons , que obtiveram do
parl amento a Lei
da Refo rma (TILLY, 1 982 ) . Por volta de 1 832 a ass o ciaç ão de pro pósi to
especial ti
nh a se t orna d o u ma fo r ma inod u la r de o rgani z a ção soci al (TILLY, 1 995b , cap. 7) .
As c o l ônia s a me r ic a n a s d a IJ?-gl a te rra estavam mais avan çadas que a metr óp o le.
O m o vimen t o c o ntr a o Stam p Act foi prep arado por uma rede de comi tês l o cais
.
Co m o endu r ecim ent o da pol ític a finan ceira britânica , nos ano s 1 770, surgi u uma
nova o nda de comit ês e associ a ções. Uma a ss o ci a çã o nã o era mais limita da a mer
cado res e neg o ci a ntes; em 1 772 os mecâni c os de Filadél fia fo rmaram uma Patri o
tic S ociety, que Woo d descrev e com o o primeiro grupo públic o de pressão , organi
zado de forma nã o religiosa , n a história d a Pensilvân ia ( 1 99 1 : 244) . A isto se segui
ram ·a ções similares em N ova York e Mass�chus etts em 1 7 73 , culmin a ndo na for
mação da C o n tinenta l Ass o ci a ti o n de 1 774 37 • Q uando as primeiras armas fo ra m
disparadas em Lexington e C o nc o rd, uma rede nacional de associ a ções, mensagei
ros e espiões esta va estabelecida 38 •
Na Améric a ; ta l como na Ingla te rra, a religião foi o berço do desenvolvimento
das ass o ciações , que a qui se deveu a inda mais à fraqueza da Igrej a estabelecida an
tes da rev o l u ção e d o p a pel secular das igrejas nas comunidades locais (MOORE,
1994) . Hábitos e fo r mas de associaçã o aprendidas nas reuniões de oração e no tra
balh o para erradic a r O sáb a do j udeu foram u tilizad o s eni. cruzadas mo rais e dep?is
_ _
em movimentos civis e s o ci a is . Ist o pode ser visto n o protestantismo evangehco
mili ta nte d o Second G re a t Awa kening. Qu a ndo o historiador Paul E. J ohnson exa
min ou a est ru tura social da recém -esta belecida cidade de Rochester, Nova York ,
ele des c o b riu que p o r volta de 1 830 el a já p o ssuía uma rica rede de associações re-
ligio sas ( 1 9 78) .
O que era inte · ress a n t e em Ro che ste r nã o era o fat o de que uma n o va cidade no
. . . . .
eana 1 E ne· tivesse
· um gra n d e n u' me ro de igreJ·as · Afinal ' as 1greJ as unham sid o as
. . . . Revolu-
. · As prmc1
37 p a 1s font e s p ublicad as , a l ém de Frnm Resistan ce t o Revo luti o n, d e Maier, são: The
twn Is No B e n d e R i' c hard R e rson para a F1. 1 a e t . d -ir· a • A Pe o ple in Revolu tio11, de Edw a rd
.' n_a ry Po li tics in Massa chusets, e Ric hard D . Brown , p a ra
C ou nt rym w y 1 utw d
a ra ,Nov a York. • Revo
a n , pgu
B oston e s eu in terior. Charleston 's Son s of Ltb erty , p ara a cidade d a C a rol i na do Sul.
u . _ .
. · Como Richard D. Brown escreve, e m seu K n o w l edge is Powe r· "A di[ são de mfonn a çoes relativas
38
as b ata l has de Lexm . c 0 11· tagios
, a' , esiJ a• lha n do-se espont anea-
gton e de Co n co rd· i01· aol mesm o rtemr po m a da e nalizada a trav é s d e red e s de p a -
m_e n te d e p essoa u a r e 1J og a ca
para pessoa e d e lu gar p ara a rapi d ez , pe netra -
tn otas . C omo re s ul d o, as notícias s obre O co gn íl'It� : an gr· ento. corre
ta " ra m c om um
Ç à 0 so ci· l e . s n "'.. Am enca co 1 orn a ] ( JJ · 24
• vi· sto
7) ·
a alcance territorial pm . a 1s
73
m a trizes o rganizaci o nais da sociedade d a N o v a l nglat� rra p or duz �� t o s a n os . o
_
n o tável era a facilidade c o m que as associaçõ es com o bJ et l vo s es p ecia is fo ram for.
m a das co m pro pósitos seculares atravess a ndo a s linh as que sep arava m as ? en orni
_
na ções religiosas39 .Tais coalizões seri a m instrum en t a is n � s cru z a das � o ra is d o firn
d o século XIX. D o cadinh o das ass o ci ações do pr o tes t a ntismo evangé li co su rgiri a m
m o vim entos tais c o m o antimaç o n ari a , sabatista s, p ela tempera nça, de re nova çã o
..
eva ngélic a e seu produto mais revoluc ionári o - o abolici � nis m o • A? i:n u l heres ,
40
como um n o vo ator social nos movimento s p o pulares am encanos, o rgan iza ram - se
inicialm ente em grupos de igrej a e depois se volta ram p a ra os m ovim en tos pela
tempera nç a , abolicionista e feminista (COTT, 1977) .
Redes de movimento
Os centros potenciais de a ção coletiva não er am ta nto essa s o rganizaç ões for
m ais, mas as redes sociais info rma is que c o mportav am e a s estruturas co nectivas
entre elas. Isso era a té mais ve_rda de n a França d o que na América, p o rque a legisla
ção a partir da revolucionária Lei Ch apelier restringiu o direito de associ a ção no
país. Sob o Antigo Regime, as guildas e corporações tinh am sido socieda des legais,
regulando o comérci o e restringindo p rátic as, m as as corporações de trabalhadores
e o associativismo mutualista (comp agnonnages) eram ilegais. Com a extinção das
guildas pela revo lução, as associa ções de trab alh ad o res perm a neceram, mas fo ra
da lei. Foi só nos anos 1830, e só brevemente, que ganharam forma legal, mas sua
repressão depois de 1834 levou os trab alha d o res a se orga nizarem em redes clan
destinas a té 1848 (SEWELL, 1 986) 41 .
O mesmo aconteceu em áreas rurais, como o Dep arta mento Var. Tal como os
cafés ingleses, as populares chambrées, que se desenvolvera m no Midi nos a nos
1840, eram lugares onde se podi a beber c.o m a migos sem ser espion a d o por es tra
nhos e sem p aga r o imposto sobre o álc o ol. Foi um conjunto de agrup amentos i n
formais similares - e nunc a um sistema formal de associ a ção - que modelou os cír
cul o s sociais compos tos por franceses de status superio r. Eles tinham em co mum o
3 9. P �r e �emplo, � ohnson mostra como o movimento saba tista, em Ro ch ester, foi estruturado por u01a
orgamzaçao de leigos protestantes de várias igrejas locais. Ver O seu Sh o k ee um, p. 109.
p p er 's Millermi
40. Sobre alguns padrões t ípicos de difusã o , ver Donald G . Mathe ws: The
S e c ond G reat Awak en ir ig as
an O rg ízíng Proce s, 1 780-1 830. Sobre o papel da religião na p rod u çã
� � o de movimentos pela mo ral '.·
dade cívi ca ver: Their Droth e r's Keeper, de Cli fford S. Griffin . • S ob e ring U l . l. • Ame�
p, de an R Ty rrel
can Refo
� rs, 1 8 1 � -1 860 '. de Ronald G Wallers. Th e A n t is l a v e ry A ppea l , de Wal ters , t ra ta d a relaçao
e n �r� rehg i ao e anl1 �s� ra � 1smo. Um ':5 �ud o que enfa tiza classe , gên ero 1
_ e origen s polí ticas - e ta rnbé 11
religiosas - do aboh c1 omsm o é Abohc ronrsm : a Revolu tion ary M o
vement , de Herbert Ap the kc r .
4 1 . Isso n .ão era tão verdade em rel ção à classe média porqu e,
_ _ � em bora a leg i sla çã o rrances a p ro ib isse
a d1 �cussao s ob �e polít i_ ca em assoc iações , por vo l ta de 1 8 30 h avia
_ um grande número d e gru pos cul·
t� r� 1s e mus1c�1s, associ açôcs espor tivas e " cl u bes de cavalh ei
ros" apen as na capi tal _ ap esar ci o qu
e
d1Z1a Toc quev1l l e (HA R R I SO N , J 996: 42) .
74
su fi cien te para pe nn itir q u e s e t o rnassem c e n t ros de açao - co 1 et1va •
. q ua n d o s urgrn
. . a
op or tmu dade . Nesses l u ga res s e {Jodi a l er J. o rn a1• 5 rep u b l 1can
. . . ' os e se d esenvo 1 veu
u m s e nt unento de so hdaned ad e ' enqu anto ' •
O vi· aJ ant e oc as10n a l trazia • do
. • no t1-c1as
que a co nte c i a no in u ndo . As au to ridad es as t o le·rava· m 1· n 1· c1· a l men t e, m as passaram
. .s . .
a s er te mi das cmno locai pot enci ais onde se ins tigava a ação coletiva . " Para as
classes baix as da Pro : ença" , concl ui Maur i ce Agu l hon , "parti ci p ar de uma cham
brée era , tanto ou in ais do que apre nder a ler, tornar-se ac ess ível a tudo o q ue era
n ovo, à muda nça e à independ ência" ( 1 982: 1 50) .
Grupos de sociab ilidad e cmno as cham b rées nos ajudam a entender o papel
subv ersivo que as redes inform ais desemp enh aram na difusão de novos modelos
de a ção coletiva. Os adeptos de P ayne, radicais e reformad ores na Inglaterra;
Whigs e patriotas nas colônias americanas; liberais, republican os e montagnards na
Fra nça; ca rb onari e maçons na I tália usaram os instrumentos de associação desen
volvidos por grupos comerciais, religio sos e reformistas quando eram legais, mas
que podiam voltar a ser redes informais em tempos de desmobilização e repressão.
As redes info rmais, menos facilmente infiltradas pela polícia do que as associa
ções formais e menos suj eitas a se dividir em facções, tinham vantagens num tem
po em que os governos estavam se tomando cada vez mais cautelosos em relação
às associações. Elas podiam estar em redes de amigos ou de família, "ocultas" du
rantes épocas de repressão e aparecer ativamente em tempos de tensão ou diante
2
de oportu nidades4 • Era difícil reprimi-las e controlá- las, porque quem iria se quei
xar se alguém quisesse beber com amigos numa casa particular ou nos fundos de
um café?
42. Po r exemp lo, Hobsbaw m e Rudé relat am alg uns casos _ em � ue as redes de agiiadores de Swing
era m o rga n iza das se u i ndo as l i n has famil iares . Ver Cciptcw, Swtti g, P· 205-2 6·
g
º .
4 3 · Ver Revo l u. t wn E• ·
i sensl ein (J 1 97 . V e r i ambém Tlte L1tern ,y U11 der g rnu11d
· an d t h e p rI n t ed 1YY1 1or d , d e - • ·
ce, Jack R. Censer e
º''J Lhe Old Regtm
• e, d e Darn lO n . • JJ ress a,1 d p0·1 ,· t 1cs - ln t lie Pre-H ev ol11c lo11a ry Fnm de
J ere my O. Po pkin (orgs . ) .
75
_
N a époc a da Revo 1u ça- o , a 111 · terse cç ao e n t re 1·m iJ re ns a e a sso c i açã o . e ra explíci ta ·
n
"N u ma ext ensão m a 10r . dO qu e fre quentem e n t e se pens a" es cr eve E 1 se ns tei , " os
even tos d e 1 7 88/ 1 789 na F ra n ça d e p en d a
. ' t nt o da s uspens ã o d os c,, o ntro les go-
. I m _ ª a sso ciaçõ es . A o m esmo
ven1 am enta is s ob re a p aJ a vra imp ressa e da l1b e raçã o da s .
e l e 1 ega hz o u cl ub
temp o em que o governo es tava co nvo ca n. do os Es tad os G e rais , es
p arisienses e s o1 to u da p nsa 1.
· - � algu ns 1vre ir os e ·
i mp r e s so r es . I sso r es ult o u n o q u e le-
febvre cham a de " u m_a e f� sao d e p a� e t0;. : fl u e es pant o u a s p esso a s d a ép o ca ,' 44 • O
que s e s egu iu foi a pnm ei ra ca mpan a d e 1 erad a d e o pini ã o públic a n a his tória.
· . .
A his tória da Inglate� ra e a m� is ª 'f a e ma is ava nçada a o unu imp re nsa e as
socia ção. Por vo l ta dos fm s_ o s e cu fo ���II , a s a sso ci a çõ es da refo rma es tavam se
�
tornando ha' b eis· em usar a i mpr ensa p ara c o l o ca r seu s p o nt os d e vis ta. C omo afir-
.
mou uma dire tiva estra tégica de Lon dres p a ra a Sh e ffi e ld C o rresp o nding S o ci e ty:
· da· d e [ da reforma] na ilha mandar uma pet1ç . ao,
- .
se ca da soc1e no fm al
das contas ganhare mos terreno porque irá forçar os membr os do se-
·na d o a d'1scu nr· repe t·1 damente . o assunto e da mesma forma , suas deh-
- impressa
· . '. . _ . _ ao_
b eraçoes, s nos d1· 1,'erentes J ornais ira o despertar a o pm1
pública em relação ao nosso objetivo (READ, 1 964: 45) .
A liga ção entre impr ensa e a ss oci a ção e ra aind a m a is explí�ita n a América . Se
gundo P au lin e Maier, duran te a contr ovérs i a d a �ta mp ct (L�i do S e l o ) � s S o ns of
�
Liberty em Co nnec ticu t "instruíram gru p o s l o ca is p a ra p�bhcar s eu s meto �os no
New London Gazette"' . Os impress or es e ra m m e mbr o s anv o s do Son s o f L1b erty
em Bosto n , Rhode I slan d e P ennsylvani a . Lo g o d e pois d a diss oluçã o d o grupo , em
1 766, " est es p apéis ·e outros c o m o e l es [ . . . ] s e t o m a ra m um fórum p a ra a discu
ssão
púb lica" (MAIE R, 1 972: 90-9 1 ) .
------------------------ -
ên ci a em c o mp e tir po r tra
....._ _ __ .. .
balh o . Qua n do
44. Ge orge Lefebv re: The Co min g of the Fre nch
Rev olu tion , p. 54. Ao
tia aos livr eiro s e com erc ian tes que
tin ham sid o pre sos dis tribuin domtesm o tem po , concederam an is
com o Eis ent ein sali enta em s eu texto "Re vol ext no,
utio n anel the Pri nte cl Wo rd"os com crí ticas ao gov er
76
•lil tele ctu ais ·jun tarmn seus esforço · s aos d os t raba
' , lha· d ores, e l es estavam d· eixan
. . . do
sua class e de o ngem como u m �m al el o cola pso i m inen te d
o ca pi t a l is m o (TUCK ER,
· 48 Quando class es di fer e ntes form aram
1 9 ?8 • 1 ) . . . coa 1 1• 2 oes
- - como no E rg ' ht een th
B rumai re of L o ui s B�nap a rte - , • sto � ra _a � e n as o re su l tad o de um estágio in terme-
ái
d i r o d e d es e nvolv un e nto qu e a h1sto n a log o t orna ri a arca ico (a p ud TUC KER
19 7 8 : 604 - 605 ) .
As so ciedades q u e p roduz iram os mov im ento s que enco ntram os neste e no últi
mo cap ítu lo ainda ? ão era � as socie da des indu striais homo gênea
s p revistas por
M a r x ne m e r a � mais as s c ed
� � � des estam en tais que as prece dera m. Como puderam
prod uz i r mo vi � entos sociai s tao poder o sos como a abolição na Inglate rra, a i nde-
�� me -r-tG ana-e_a_R vo
� _ lução � cesa? A respo sta é que os laços tênues cria
dos pela im p r ensa e associaç oes, pelos jornais anfletos e redes sociais m orinais
tomaram P-ossíve ce r to grau e ação coletiva coo rdenada que ultrapassava grupos e
��go�que. os .suP-,.
Qg �s "laços lõrtes''aaclãsse soci�amente consegutram:-
A class e social, vista como um componente analítico básico, é um conceito
e quivo cado pa r a explicar movimentos sociais, especialmente durante períodos de
rápida mudança social. Consideremos os primeiros trabalhadores industriais in
gleses: não er a fácil distingu i-los dos seus antecessores artesãos mestres e oficiais.
Quando cooperavam com estes últimos em movimentos populares no fim do sécu
lo XVIII e- início do XIX, o u a coincidência era tida como acidental, como navios
passando na noite , ou uma fo rm ação social em "declínio" - artesãos mest r es e ofi
c i ais -, estava sendo absorvida por seu sucessor em "ascensão". .
O resultado deste foco p r edominante em classe foi ofusca r u m grau importan
te de coalizões interclasse, ligadas pela imprensa e asso_�iações a setores diversos e
frequentement e dive rgentes de movi m entos sociais. Foi através da difusão de in
form ações e da fo r mação de coalizões dentro das organizaç ões de movimen tos q u e
as reivindic ações fo ram coorden adas e qu e a ação coletiva cooco rreu entre grupos
com ide ntidad es e interess es sociais dive rsos, através dos quais se propago u a me
táfora de class e . A difusã o do confro nto , tanto por meio da classe quanto da coali
zão, permaneceu como um p ro cesso ce ntral em movimentos sociais até hoje (MEYER
& RO CH ON 1 99 7) .
Conclusões
a ried a de para os mo vi -
Ass oci ações prim ári as e contatos face a face ge ra tn s olid
. · outras . M as im-
mentos soci ais entre pessoas q ue se conh ecem e co n fi a m uma s nas .
· - e campa nhas de co alizão cons troe m es tru tur. as co n ectivas en tre
prensa, ass ociaçao . _
um número maior de pesso as e po s sibili tam a difu sa o dos �?vime n tos p ara novos
pu, bl"1cos. p enni· tem , assim , a forma ção de co. a lizões s oci ais froux• a• s, freque• nt e-·
mente continge n tes , lidand o com questõ es a fins ou para lel as e onginand o ciclos
maiores de movimento.
Em relação às primeiras ondas de ação coletiva , era fácil p a ra o s his to riadores
identificar as localidades e os atores devido ao s eu me n or alcan ce. Ass im, o geógra
fo Andrew Charlesworth foi capaz de cara cteriz a r as revoltas ingles as de 1 548 a
1 900 delimitando com exatidão os seu s atores sociais e s eus locais geográfi cos
(1983) . A razão disso _é que a maioria dess es conflito s e n volvia um a categoria so
cial particular vivendo num espaço territorial limita do e faze n do um co nju n to de
reivindicações distintas. Seus laços locais ou corpora tivo s d avam-lhes a confiança
e os meios de comunicação para atacar os outros de forma simultâ n ea ou a través de
uma série rápida de ataques. Mas esses mesmos laços limitavam s ua c a p a cidade de se
espalhar para outros lugares ou de formar coalizões com outros a tores s ocia is.
Em algum momento do século XVIII, começamos a ver a ampliação das reivin
dicações, um alcance geográfico maior e uma capacidade mais suste n ta da de prepa
rar a ação coletiva. Pauline Maier descobriu isso na exp ansão interclass e e in tercolo
nial da resistência aos impostos na América nos anos 1 760 ( 19 72: 69 e 87). Seymour
Drescher observou o fato na agitação antiescravis ta n a Inglaterra ( 1 987: 80-81). Ted
Margadant também , em relação à interaç ão urban o-rural e class es média-baixa na
insurreição de 1 85 1 na França ( 1979, cap. 7 e 8) . Foram a imprensa e a associaç ão
e especialmente a combinação das duas - que tomaram possível t ais campa nhas su s
tentadas de ação coletiva feitas por amplas coaliz ões com reivin dicaç
ões co n tra as
elites e auto ridades: essas campanhas criaram o movi men to socia
l naci o nal.
No entanto , os movimentos naci onais prec isariam mai s do
que O "empu rrão"
da imprensa e da asso ciaç ão; eles tamb ém prec isariam do i n cent
ivo de um objetivo
com um e de um eixo para centralizar su as reivin dica ções
. Eles enco ntra ram isso
na expansão do Esta do naci onal e na reaç ão a suas reivin
dic a ções e a s eu s inc en ti
v? s. Os limi tes do desenvo lvi en to do sta do na cional e
� _ � s tava m no Imp ério Bri tâ
mc? d� � ltramar, mas ua maio r mte n 1dad e foi vive ncia d a no s e s tado s pr é-revo
� �
luc1 0nano s e nap oleon1co
s
s na França . No s dois extr emo s , os mov
se des envolveram em torno da armadu ra do Esta do imentos s o ci a is
n a cion al com o veremo s n o
próximo capít ulo. '
78
4
For maçã o do Estado e movi mentos so cia i s
Ocid ental era difici! afirm ar que existi am estados nacio nais que mere cessem este
no me durante os secul os anteri ores ao absol uti smo. "De um lado" escreve Nor-
bert Elias em State Form ation and Civil izatío n,
os reis eram forçados a delegar o poder sobre parte de seu território
para outros indivíduos. Naquela época, a situação da organização mi
litar, econômica e de transporte não lhes deixava escolha [ . . . ] Por ou
tro lado, os vassalos, que · representavam o poder central, não eram
impedidos por nenhum juramento de obediência ou lealdade de afir
mar a independência de sua área assim que as posições relativas de
poder do governante central e de seus delegados mudassem a favor
dos últimos ( 1994: 276-277) .
Em tal sistema, o confronto era constante e amplamente baseado no território,
mudando seus contornos de acordo com a situação dq monarca:- se estava tempo
rariamente em ascensão ou passando por uma crise.
A partir do século XV, apro ximadamente, este padrão começou a recuar à me
di da que a expansão de uma economia monetária deu aos reis poder de contratar.
s oldados mercenários, construir estradas para que pudessem distribuí-los no terri
tóri o e contratar funcioná rios civis para coletar impostos, administrar as regras e
submete r os nobres das provín cias. O nde puderam estabelecer algum equilíbri o
entre a aristocracia e os m oradores de cidades que começavam a surgir, os reis de
senvolveram um "mecanismo real" que levou à formação dos estados absolutistas -
com o na França (ELIAS, 1 994, cap . 2) . Onde foram forçados a dividir o poder com
se us nobres e, eventualm e nte, com uma classe mercantil firme, o resultado foi uma
m onarq uia constituc ional ou segmen tada - tomo na Inglaterra ou nos Países Bai
xos. E, onde falharam totalme nte em ganhar soberania territorial , o resultad o foi
u m co njunto pou c o est ru turado de estado�nfecl erados - como na I tália ou nas
terras de língua alemã at é os fins da era moderna.
D u ran te tod� esse tempo , a p olítica de confro nto não ·sofreu interrup ção , mas
deixou de ser uma lu ta po r território s mais ou menos constante entre cavalei ros e
se us s eguidores para ocorre r em pe ríodo s al tern a d os d e gu erra e p az relativas, co n1
79
e x plosões de política popular em torno de terras , rel i gião , p ão e i mpost o � Ent re os
séculos XV e XVll, o conf onto popul ar desenvolveu -se e n t re a triade comp o s t a
r
por pe ssoas comuns, governantes locais e aspi ran tes nac i o n a i s ao p ode r, p a r ti cu
larmente quando as guerras e revoluções a briam opor tun id ad es para as pessoa s co
muns. "Por toda a Europa" , escreve Wayne te Brake,
desafio s revoluc ionário s numa das partes de uma monarqui a c o mp os
ta - usualm ente em oposiçã o à taxação do príncip e pa ra fi n anc i ar
guerras ou, como no século XVI, à ag ressiva dem a nda do p rín c i p e
pela soberania cultural (por ex. , re ligiosa) - ab riram oportunidad es
para atores polític os popula res em outro lugar ( 1 997: 1 2) .
Vistos pela perspectiva d a política nacional e através das narrativas historio
gráficas sobre eles, esses episódios foram secundários em relação ao estabeleci
mento dos estados parlamentares . Mas, cad� episódio maior de mudança política
abria oportunidades para pessoas comuns, seja de aliar-se a governantes locais
contra demandantes nacionais ou para ligar seus destinos a príncipes contra a s oli
garquias locais. Usualmente elas perdiam, mas não antes de afetar o tipo de Estado
nacional que eventualmente surgia. Como conclui te Brake, "as pessoas comuns
puderam estar tão profundamente envolvidas na criação eventual de democracias
parlamentares exatamente porque, logo no começo da Era Moderna, eram uma
parte essencial do processo político" (1997: 14).
E atualmente permanecem' como tal. O que mudou foi a forma e a consistência
da sua presença no confronto político à medida que a forma do Estado evoluiu,
seja agrupando-se junto a líderes plebiscitários, parlamentos constitucionais ou
ambos. As maiores ·mudanç as ocorreram entre o fim do século XVIII e meados do
XIX. Isto não é dizer que a construção do Estado nacional só começou no século
XIX, mas sim que a consolidação do Estado, implicando a criação de formas nacio
5
nais de cidadania e identidade, datam daquele período4 •
Alexis de T ocqueville foi o primeiro a teorizar sobre as implicações dessas mu
danças para a ação coletiva. Em Democracia na América e O Antigo Regime e a Revo
lução ele afirmou que �liferenças nos padrões de construção do Estado produziram
diferenças nas estruturas de oportunidades de movimentos sociais. Estados cen
tralizados (-i.é. , França) se engrandeceram destruindo grupos intermediários e re
duzindo a autonomia local. Isso desencorajou a participação institucional e signi
ficou que, quando eclodi a m os confrontos, eles eram violentos e capazes de levar
ao despotismo.
Em con traposição, em est a dos fra cos (i.é. , os Estados Unidos) onde a socieda
de cívil e o autogoverno local eram mais fortes, a participação era regular e espa -
45. Sobre a imbricação d a cons o l i dação do Eslado e a cidadania na Fran ç a v er Citizens, d e Simon
Schama, parle l . Sobre a relação geral ent re a consolida ção do Estado e a cida d ania ver Coerci o11 , Ca
pital, anà Eu. ropea_n �Lates, � 90- 1 9:0, de Charles Tilly, cap . 4, Sobre os diferentes pad rões na c i o 1� 111s
que conduziram a cidadania nac10nal ver 5/rnplng Hlstory: Ordinary People in Europe nn P ol i1 1c s,
1 500- 1 700, de Wayne Le Drake.
80
onto e permi tindo o flores c im en to da demo craci a . A m e n
l h a da , di fundi ndo o c o n fr
sagem subja cen te de Tocqueville é que a criação do Estado g e ra uma estru t u ra d e
op ortunidade para a ação coletiva da qual as pessoas comuns tiram vanta ge ns. A vi
são d e To cqueville fornecerá u m ponto de partid a conven ien te para examin ar a re la
ais
ção entre a construção do Estado e o surgimento dos movimentos socia is nacion .
46. As imagens de Tocqueville, tanto do Antigo Regime quanto dos governos que se seguira m, foram
feita s em term os demasiadamente gerais. Em relação ao Antigo Regime sabemos agora que ele e xa ge
rou tan to quanto à sua força como a ele ter eviscerado a França ele seus corpos intermedi ários.
47. Ale xis de Tocqueville: Recol lections, p. 61-68 . Michel Crozier é o recente intérprete ele Toc queville ,
0 mais direto , que e sboça a tese forte da central ização e da desordem na ling uagem da sociol ogia orga
nizacion al. Ver The Bureaucratic Phenomenon, d e Crozier, especia l mente o cap. 8 . Ver também o ensaio
de S ta nley Hoffmann, "The Ruled", p. 111-144, sobre como a cen tralização elo Estad o e a atom iza ção
da sociedade civil produziram um estilo caracteristicamente francês de comportam e n to ele pro testo.
81
. fra ca u e o d sa ni mavam
em sua te rra natal . No s Estados
te e de u maso ci e dad e
: f
l orte :e stri n gi a a v i da de asso c i aç õ es e a po lí tica ci-
u.mºd os ne .nh u m Est ado cen tta
, . nc a lrnvia t i do os tra
dº .
1c 10n a
. , - .
1 s o rgaos m te nn e-
VIl que su �gia . .D e� fato. ' a Ame nc a n u
tava n a F ran ç a . M as h avia um equ i val en -
diários c uJ a ex1stenc i a T ocqu ev1· n e la me n
. gr u pos d e 1· 11 t er e ss e e n
as assemb lei as locai s que fo rn e-
te fu nc10• nal nas 1· greJ· as ' nos .
· te c ed o r frente à e xpan sã o d o
ciam au t J· u da aos am e rica nos e sefVl am d e amor
Estado (TOC ºª QU EV ILLE , 1954 ' cap . 1 6) . Com se u Estado fra c o e associ a ç õ es em
. 1 -
· ao entre os extremos d
expansão , a d emocr acia am en· can a p ôde evitar a osc1 . aç. o
· . o anarq
.1gu a11tansm , u 1co. e o desp otisn10 estata l que exis tia na França.
. , _ .
·
Mas se a imagem d e Tocqu eville de uma F rança pnvada de o rgaos 1ntermedi á-
· do Estado , o seu qu adro
nos exagerava tanto a atomi· zação societári a como a força _ , .
vibrante da América Jacksonian a subestim ava a relaçao que la h a:1a en tre a cons-
trução do Estado e O confronto. Primeiro , porque a imagem b u cólica que ele apre
sento u da América anterior à guerra civil deixou vaga a relação entre associa ção e
confronto . Segundo , porque ele errou ao considera r o cará �er não-europ eu do anti
4
go Estado americano como ausência de Estado tout court
Começando com o segu ndo ponto, embora o Estado americano do sécu lo XIX
não fosse centralizado . , ele não era também um não-estado. Os federalistas construí-
ram o qu e era, nos fins do sécu lo XVI I I , um Estado efetivo para seus obj etivos, con-
seguindo consolidaç ão fiscal, redu ção da dívida, manobras diplomáti cas e expan
são para o oeste (BRIGHT , 1 984: 1 2 1- 1 22) . O Estado que Tocqueville encontrou
em su as viagens era fraco, mas ele tinha sido enfraqu ecido não pelo amor pela li
berdade ineren te aos americ anos, mas por u m �mpat e polític o entre dois sistemas
socioe conômicos em expan são basea dos no region alism o, o norte e o su l (p 1 21 e
.
134) . A fraqueza do Estad o era uma prop rieda de histó rica - e não natureza - do
de
Estado americano . Com o observa Charles Brigh t, "os p eríod
os de maior paralisia
na política feder al correspon dem aos perío dos em que a mob
iliza ção do par tido era
a mais elevada e as margens da vitória elei tora l as men
o"r es" (p. 1 3 6) .
E o con fron to america no? Tocqueville o obs ervo
u atra vés das lentes vermel has
do terror que havia dizimaçlo sua família e sua
classe. Não enc ontrando na da des te
tipo na América ele con cluiu que aí haviam
pou cos mo vim ent os sociais49 • M as os
Esta dos Unido s, nos fins do século XVII
I e iníc io do XIX , esta vam e xplodind o em
con fronto s ! A sabotagem ao gov ern o bri
tânic o e O sur gim ent o de um ex ército po
pular nos a�� s 1 770 ; as reb eliõ es loc a
is que se seg uir am à rev olu çã o e que torna
ram nec essan as tropas para suprimi -l as;
a opo siç ão e O apo io po p u lar à gu erra de
83
Esses esforços na construção do Estado não pretendiam apoiar a m ob il i za ç ã o _
bem o contrário . Mas proporcionaram meios de comunicação atra vés d os qu a is a
opinião pôde ser mobilizada, criaram uma classe de homens com exp eriê n cia em
negócios públicos e conduziram a cobranças financei ras de cida dã os qu e n em
sempre estavam dispostos a pagar . Além disso, u m Estado que assu miu a res po n sa
bilidad e de manter a ordem tinha que regular as relações entre os g rup os , e is so
signific ou criar um arcabouço legal para a associação e também estab elec er m ec a
nismos legais mais sutis para o controle social do que as cacetadas do ex é rci to o u
da polícia. Através desses esforços os estado s não apenas permearam a s ocie da de ;
eles criaram um conj unto padrão de papéis e identidades que foram a base da cida
dania moderna . Nesta matriz, os cidadãos não apenas contestaram a expans ã o d o
Estado; eles usaram o Estado como um ponto de apoio para apresentar suas qu e i
xas contra outros .
O exemplo mais óbvio foi a extensão do voto e a legalização das reuniões pú
blicas necessárias para isso. Os estados burgueses podiam não querer ver trabalha
dores em passeata diante da prefeitura ou camponeses andando em volta da pra
ça da cidade; mas mesmo quando o direito de vo to era restrito, as reuniões e be bi
das que faziam parte das campanhas eleitorais eram guarda-chuvas so b os quais
atores sociais "indesejáveis" e formas de ação contenciosas encontravam abrig o .
Mesmo sem eleições, escreve Raymond Grew, todos os estados "como se através
de um mé!�dato invisível, . e.ncorajaram
,. a facilitação da comunicação nacional e um
mínimo de educação universal [ . . . ] Quando a cidadania se tornou uma qu estã o
formal, adquirida através do nascimento ou de juramentos registrados pel o Esta
do , ela passou a ser permanente, mesmo que _critérios específicos fossem alterados"
.
( 1 984: 94) .
Três políticas básicas - fazer a guerra, coletar impostos e fornecer alim ento -
eram parte da campanha promovida pelos estados em expansão para as segura r
e ampliar seu poder.-- Tendo começado sob a forma de pressões sobre os cidadãos e
esforços para penetrar a periferia, cada uma delas produziu novos canais de comu
nicação, redes de cidadãos mais organizadas e quadros interpretativos unificad o s
átravés dos quais as pessoas comuns podiam apresentar reivindicações e se organi
zay Em estados tão diferentes como a monarquia liberal britânica , a Fran ç a abs o
lutista e a América colonial, essas políticas tornaram-se arenas para a construçã o
de movimentos, e movimentos - ou o medo deles - moldaram o Estado naciona l .
84
lar es n1 a i o r e s d o q u e o s se u s n o br e s p o de riam
lid erar o u do q ue p odenam
pos tos p o r me rce na, nos . .
O ta1 na nh o do s exé rc .
. ser com -
so ito s cres ceu geom etnc amen te no s é-
cul o XV III , e d a mes in a �o r m a a s e xig
T
_ ên cias finan ceiras e logística
cá-l os e m c amp � . D e re unw es inu ltin ac s para co l o -
. ion ais de ba talhõ es p rin c i pa
n á n os , o s ex e, rci t os t or n ara in-se na ci o naisS I ; e ' lmen te merc e-
a m ob i l ização nacion a l embo ra ão
ch egasse p er t o d os nív eis d o s écu lo XX , n
era grande o bas tan te para ca�sar um for
desloca ment o so ci a l e fin an cei ro - e a lgu mas v ezes te
revolu ção ( SK OCPO L, 1979) .
Na I ngl a ter ra d os fin s d o séc ul o XVIII, tant
o a formação do sistema partidário
com o as o p o r t u nid a des para a mobilizaç ão
fora m favorecidas pelas ativ idades mais
agress iv as d o Es t a d o brit ânic o : a col o n izaç ão e a guerra. Enq
uan to que os primei
ros ano s d a g u erra a merican a p ro duzira m um mai or apoio púb lico
ao governo, os
últimos a no s d a g u erra, com a decepção, esfor ço financeiro e o med
o de uma inva
são franc es a , lev ara m a tent a tivas de mobilizar a opinião de forma contínua. Eram,
inicialmen te, movi ment os centrados e m Londr es lid e rados pela e lite. Mas depois
de não c o nsegu ir e m enco ntrar uma nova base p ara a organização política nos anos
1 760 (BREWER, 1976, cap. 5), a oposição ao governo encorajou um ataque amplo
e contín u o aos ministr os em prol da reforma econômica. Foi neste contexto que
Wilkes fez seu famo so apelo ligando a guerra à reforma parlamentar: "A guerra ame
ricana" , a rgumento u , " é, nesta época verdadeiramente crítica, um dos argumentos
mais fortes para a regu lamentação de nossa representação" (CRISTIE, 1982: 65).
Embo ra a política de Londres fosse a faísca p�ra es te movi �e � to , �ran�e parte
.
da oposição veio de regiões ,- - do país - como Yorkshire - C UJ O co erc10 foi sena ente
� �
a fetado pelos b oicotes çoloniais às mercado ria� inglesas e _ de� ms pelo blo�ue10 dos
portos americanos . O clérigo Christopher Wyvill, �a associaçao de Yorkshire, come
çou suas atividades com uma plataforma que c ? mbmava um �pelo em favor da ref� r-
1 ( -
ma econom1ca- · e par 1amen tar com uma tenta tiva de cons - 1trmr
-- uma rede de associa-
• . A asso ci·a ção aprese ntou uma petição que obteve cerca de nove
52
çoes mun1cip
- · • a1s 1 -
_ .
·
m1·1 assinatu ras em Yorkshi·re e elegeu um comitê de correspondenc1a.
reum. ram 1 60.1. 000 homens para a G uerra dos 5ete Anos ' 3 30. 000 foram recrutados em 1 8 1 4. Em rela-
- , o era proporcional : de 75 . 000
çao a Ing1a terra os nu. meras eram sempre menores , mas O cresciment
ho mens reunidos nas tro pas em 1 7 1 2 a 25 I0 1000 convoc ados no auge das campan has napo 1eõmcas. .
_ m_ Mili ta ry " , de Fine r , p. 1 0 1 .
Ver "State - and Na non
- .. 1 -
. Buildmg Europe..' The Role of the
. tnme . • 1 .s,tre dO éculo XVIII , de metade • r ·, a um terço das tropas de
5 1 . Finer observa que "no terceiro
• 1
· ry " , p· 1 0 1 - 102 ·
pe: The Ro1e -o'f M1· 11ta
' . p ção ,' lquela fal ange merce-
52. Donald rRead escreve em .... 'seu.... Th e English Provmces •, 1que ele p.ediu '" 1o osi
o dr "�ssocia õe ç s nos vários distrilos do remo , atuan-
nária " que governava o 'p-,a �-s ;através .d� f: :rç:;' r:senta
m
,
g (
' . 1n 1tes erais dos Associated Bodies " p . 1 2 ) .
do através de seus :res • 1pecnvos
- comites, P P
85
go
for ma r um co m i tê pa ra ad mi nis tr� r uma �':_tiç ão não e �a al
Co mo já vim os , fot o co m tte de Yorkshi re s e
r
. Verd ad eir am en te no vo
novo na Inglaterra de 1 779 a pe la r efo r ma (R EAD , 196 4: 13 ) .
pr ess ão su ste nt ad
designado pa ra man ter uma e u
"m an ter um pé n as ati vida des de Yo rkshi r e p ara p romov r s e
Wyvill qu is e
co " (C R ISTI E, 19 82 : 76 ) . Seu ex em plo fo i seg uid o em Mid dl s e x,
pro gram a po líti comi tês si
seus co rresp on de ntes for m am
ar
Westminster e Gl ou cestershire, onde a cond ena do o esforço co m o
ira r qu e o gov er no To ry tenh
mi lares. Não é de adm
Con gresso Co nti nen ta l Am eric a n o.
uma ten tativa de im itar o "indisciplinado "
pr odu zira m um a re a ção contra a as
Os tumul tos Go rdo n, em jun ho de 1 780, u
ext rap arla me nta r e as ram ific açõ es d o mo vim ent o em Yo rkshir e e em o
sociaç ão
guerra (READ , 196 4: 14- 1 6) . A re
tros lug ares debilitaram-se nos último s anos da
olu ção Fra nce sa p a receu a mea
ação se intensifi cou quando a fase jaco bina da Rev
Os a gita dor es jaco binos e os
çar as insti tuiçõ es britânicas (GO ODWI N, 1979 ) .
para a refo rma econômica
adep tos de Paine foram eliminados, mas os movimen tos
firmemen te a fu
e parlamentar e a guerra ,-que os haviam enco rajado estab elecera m
ado fez
tura forma do movimento social na Inglaterra . "A guerra fez o Estad o e o Est
a guerra " , escreve Charles Tilly ( 1975b : 42) . Mas, fazer a guerr a també m criou o
es paço e os incentivos para movimentos sociais.
os estados nac�o
1 '
O abas tecimento de alimen tos nunca eS teve to talmen te fora do controle pú bli-
.
co . A insistência de qu e o come_ rc10 e a pesagem de a 1·tmen tos fossem f eitos em 1u-
_
,- ··, 1
86
sistên cia das pessoas, sem o que não h á nem lei ne1n força que possa con tê-las" 53 •
De fa to , a obriga ção de assegu rar a subsis tência passou a ser vista como a principal
· resp onsabilidade patern a , pois "qual o dever mais solene de um pai do que prover
o p ã o de cada dia a suas crianç as ? " (KAPLAN 1 984: 2 4) .
Emb ora os conflit os sobre alime ntos freque nteme nte ocorressem quand o as
pessoas sentissem seus direito s à subsist ência ameaça dos, essa situaçã o só se gene
ralizou "quando os estados começar am a assegura r a subsistê ncia daquelas popu
la ções mais depend entes deles e/ou que mais os ameaçassem" .
Essas incluíam , de fo rma mais notória , as forças armadas, administradores d o
Estad o e as populações d e cidades principais (TILLY , 1 974a: 3 93 ) . Visto que esses
três grupos se expandiram rapidament e no século XVIII, não é por acaso que as
crises de subsistência .� as rebeliões por comida tenham marcado aquele século -
principalmente nos anos que precederam e os que se seguiram a 1 789. Com a difu
são das ideias fisiocratas, a proposta de liberar o preço dos grãos foi contra a políti
ca paternalista dominante de assegurar a subsistência das cidades - principalmen
te de Paris.
O abastecimento de Paris era considerado uma · responsabilidade especial do
Estado , n ão só devido a enorme população da cidade, mas porque acreditava-se
(corretamente, como se viu depois) que os parisienses eram bem capazes de derru
bar o governo . Assim, o Estado assumiu a tarefa de assegurar a quantidade de ali
men tos fqrnecidos a Paris, assim como a qualidade dos grãos e da farinha que en
travam na capital54 • Os conflitos mais profundos em tempos de escassez surgiram
entre funcionários parisienses e as comunidades locais que produziam grãos para a
metrópole e competiam para abastecê-la. "A luta intercomunidad es mais feroz
p elo abastecimento " , escreve Kaplan, "opôs as cidades de mercados. locais ao capi
tal predad or" ( 1 984: 39) .
A resist ência assumiu forma física e legal. Nas épocas em que faltavam grãos,
ao m esm o tempo em que os consumidores bloqueavam a exportaç ão de grãos e
exigiam pagar u m "preço justo" pelo pão , os funcionários locais poderiam estar
exclu indo do comérc io local os que fornecia m para Paris, causand o longas demo
ras no mercado confisc ando a mercad oria destina da à capital e instala ndo rotas
cl and es tinas de �uprim ento e reservas (KAPLA N , 1 984: 39). Isso resultava em re
beliõ es recorren tes "que afirmavam o direito muito convic to da comun i dade à sua
subsis tênc ia" (p. 39) .
o ,
5 3 • o ad m 1· n1.s
· t Tad or era B er t·, e r de Sau VI·gny , cuJ· o m anuscrito não p ublicado �da Biblioteca Naci .nal
.
· · · n s" , é ci tado por Steven Lawrenc e Kaplan em seu Prov1s10-
"Obse rva t tons sur l e commerce des gra,
ni ng Pa ris, p. 23 .
54. A resp onsabi lidad e princi pal de assegu rar o supri mento de alimen to à capita l estava d ividida en
t re agê ncias e inspetores . Ver Provis íoning Paris, de Kaplan , p. 36-3 7 , sobre c omo se est ru t ura ra m os
regul ame ntos relativos aos al im entos em Pari s .
87
n .
A revoluç ão de 1 789 , em b ora d e a g ia da po con
:: r fli tos m a i s a m p los r el at ivos
- r o fundam e n te o E sta d o na-
aos impost os e ao poder parl a mentar , m ostr o u q ua� p
.
o em con íl'
t t o s IJ o r al im en · - m u m. ci. -
tos . A s re b e 1 10es
cional p a ss a ra a estar envolvid
. . . fora m ra d 1' ca 1 1za· d as em
pais que se seguiram às notici a s sobre a qu e d a , da Basu' Ih a
_ . . . " (LE F EBVRE , 1 967: 1 2 5 ) . M es -
a lgu ns l u gares pelo grito de "pão por dms vin tens
mo os J. acobinos ' por medo de sere m fl anquea dos à s ua. esqu erd a q u an d o t orn aram
· -
0 poder ' a cha ram convenie nte esta b e 1 ecer p reç os má
ximos para o pao , man d an d 0
. _
exércitos revolucioná rios percorre rem as pr o vínc ias em b usca d e graos. D e u m
. � .
•
n· ·
conJunto d e con i tos 1 oc a 1s, p aroqu iais e ep isód icos pela subsi stenc1a , o ab ast ec 1-.
_
mento d e a1.unentos t orno u -se um fa tor pr incipa l de expan sao da revo1 u çao - . Ele s e
· . ano, . a te,
manteria como e 1 emen to 1mp · orta nte em c a da ciclo revol uc10n 1 848.
55 . De acordo com Daniel Ardant, em seu ensaio " Financial Policy and Economic lnfrastruc ture of
Modem S tates and Nations" , p. 202-203 , entre 1 736 e 1 73 8 , as receitas doméstic �s inglesas vinham,
em média, de imposto s sobre a terra, 1 7,5 % ; imposto s sobre vitrines , anuidades e funções, 2, 4% ; ta
1
89
O Esta do com o alvo e med i ador
e arr ecad a r i n:1 p ostos esti mu
Atividades como fazer guerra, abas tecer c i dades
etiv a . À me � i d a que as a tivi
laram episódios novos e mais suste ntados de ação col
eara m as so Ci ed a des, os a lvo s
dades dos estados nacio nais se expa ndir am e p er m
ara centros n a cio nais de to
dos confrontos mud aram de atores privados e l o cais p
u os alvos da a ção c ol e
madas de decisão. O Esta do nacional não a pena s cen t ralizo
poio p ara as reivindica çõ es
tiva como involuntariame nte torno u-se um p on to d e a
edi
apresentadas contra antagonistas não-esta tais ao funci ona r como m a dor.
Na Inglaterra duran te grand e parte do século XVII I , como tom a mos con h e ci
mento através da recente pesqu isa de Cha rles Tilly, os alvos das formas pre domi
nantes de confronto eram moleiros e mer cador es de grãos, a pequena nobreza lo
cal, membros da comuni dade e agentes periféricos do Esta do como a dministrado
res de pedágios e coletores de impostos. M a s, a p artir do fim do século XVIII , com
uma breve inflexão entre 1 789 e 1 807, Tilly identificou um movimento decisivo
nos desafios coletivos que os afastavam dos alvos privados e locais em dire ção ao
uso de reuniões públicas, tendo como alvo o parlamento. Por volta de 1 830, o par
lamento tinha se tomado objeto de aproximada mente 30% das reuniões contenci
osas no sudeste da Inglaterra (TILLY, 1995a : 36). ·
A construção do Estado não apenas tomou o governo na ciona l um alvo para as
reivindicações dos cidadãos, mas também conduziu a s a ções dos cidadãos a um
enquadramento cognitivo e político mais amplo. A padroniza ção dos impostos,
das regras administrativas, das ca tegoria s de recensea mento encor ajou a formaçã o
de coalizões de grupos anteriormente opostos ou indiferentes entre si. A classifica
ção dos cidadãos, que começou através de agrup amentos artifici a is (p. ex., pagado
res de um certo imposto, mora dores de cert as cida des , condados ou départ em ents,
soldados convocados num certo ano) construiu nov as identidades soci ais ou es ta
beleceu as bases para coalizões m a is ampla s58 •
Vemos m ais claramente este efeito integrador nos efeitos d a tributação sobre a
ação �oletiva. À medida que os impostos se desloc a r am de um a gregado de im p os
tos diferentes sobre cl asses diversas de cid adãos p a r a impostos nacion ais simplifi
cados, coletados po r uma burocr acia central, a s revolt a s fisca is puderam u ni r di
versos grupos sociais e loc alidades A convoc a ção teve um efeito semelhan t e - e s
p �cialmente quando a resi� tênci a a ela est ava liga da a obj eções ideológic as ou re l �
1
90
ã G rra do Vietnã , e 111 que o gatilh o par.n
ç o à ue m obi bzª
. .
aç ao foi a resis tênci a à c o n -
vo c açã o (TILLY , 1 964 , cap . 1 3) .
_
U m dos resultad os d .
essas inud an ças fo 1 o d ec 1 ín 10
. m .
a ssiv
, o d a v10
. 1 encta
- p or
co .
o casiã o dos nfrontos ( TILLY , 1 9 95 a . 35) . O utro fo 1. o surgi· m ento d e 1ro rmas d e
c on fronto n1ais integradas à polí ti ca d o que as pn. me 1ra . s - om -
a aça o 1. n d ustna
. 1
bri tâ n ica, os mo vimentos relig ios . � �
os ainen ca nos e o repu bhca msm o franc ês Um
.
, e . qu e o proces
101
terceiro so de c rescim ento e e onso lI' daça- o d o Esta d o tinha não só
n
que c o s1' d erar a vonta -. . ,
, de popul ar , mas estar prepara do para e 1 1mma-la quand o es-
cap asse ao contra 1e . As duas áreas mais caract er fs t·1cas d o cresciment o d o Estado
, _
n o se culo XIX - a expan sao do vo to e O crescim en t0 d e uma p o l 1c1a ·
' • pro r1ss10na• 1-
.
es tavam amb as 1 1gadas ao medo do confro nto popula r.
91
Rep res são e cid ada nia
as de lon go p raz o n a estnt tu r a do Es tado criar a m op o r
N em to d as as mu da nç
a o con fro nto ; mu ita s vis ava m de lib er ad am en te �p � na � co � t ro lá- la s.
tun ida des par dtcaç oes co l eti
ns ist en te etn fav or ele ret vtn
Qu an do a ide ia de un ir- se de mo do co tas lev ou _ os_ e S t ad os n ac_i� n a i s a
nte dif un did a , o 1ne do de revo �
vas estava am pla me g1
_
os du eit o_s de reu mao e as
e a apr ova r leg isla ção qu e res tnn �
for talece r a pol ícia
ão. Não par ece aci den tal , por exe mp lo , que os ing les es cnass em u m a força
sociaç
Pet erl oo, qua ndo t rop as des c o nt ro la
pol icial pro fission al dep ois do ma ssa cre de59 m en to
• Um segund o gra nde fortaleci
das atir aram em trab alha dor es des ann ado s
das con test açõ es trabal histas , pa rtí
das forç as pol icia is coin cidi u com o aum ent o século XI X60 • Os
e em 1nas sa se dese nvo lveu nos fins do
cula m1ente quando a grev
pop ular i
ritmos da repressão acom pan hara m o puls o da polí tica
es que fizeram as au
Na Fran ça, foi mais o med o de insu rreiç ões do que as grev
is de cada onda de
torid ades planej ar nova s estra tégia s para manter a orde m. Depo
agitação revolu cionária ( 1 830, 1 848 e 1870/ 1 87 1 ) , faziam -s e nova s tentativas para
restringir a ação coletiva, sej a limita ndo a associ ação como prepa rando as forças da
ordem para a guerra urbana . As duas medid as eram aparen temen te draconia nas,
mas cada uma delas se adaptou , a longo prazo, às pressõe s inexorá veis da cidada
nia e da sociedade civil.
Em relação à associação, "a lei e a prática administrativa na França proibiam a
discussão de política nas associações [burguesas] " , escreve a historiadora Carol
Harrison, mas isso não impediu que milhares de franceses se ligassem a elas (199 6:
45) . Isso deu ao Estado o poder de investigar associações que considerassem pe ri
gosas. Mas a cada abertura de oportunidade política surgiam formas novas ou revi
sadas de associação que escapavam das autoridades através de sua ingenuidade ou
aparente inocência61 •
. Quanto ao � ombate à insurreição urbana, a polícia ga,nhou a batalha. As ba rri-
cadas que surgiram durante as revoluçõe s de 1 830 e 1 848 correspon d eram a um
· temporano
eqm· 1 1-bno - ·
, · de po d er tecmco entre os insur gentes e as auto ridades. P o r
59. A sequência levou até 1928 para ser c o mpl eta da. Ro b ert Peel e, port a
( nto , os "tiras") que t i nha
antes servido O governo na
. · Irlanda· an t es d e se torna r primeuo · -munstro
· • , cnou
. la, os precu rs o re s d·'1
policia civil inglesa ' sob as circunstân c1as . d'I ff .
ce1s d o governo co l ama · c1· v1· 1 111
· d1<·a-
. . · l . Tal como o serviço
n.o, CUJ as hções foram depois transfer . d s para I n gl aterr
perím en lação para inovaç ões metro p�/t
ª a, a colô nia irlande sa era um cam po de ex·
I ana s na con s trução do Estad o
60. Sobre este desen vo l vimen to ver p 11 .
c L ; ;i n g In� u s t rral Di sp u tes, 1 893 - 1 895, d e R o ger G e a ry. • Cou-
flícl and Order : The P l i d b
o e an a or i pu t c s m E n gland
aqd Wales, 1 9 00- 1 9 3 9 , de Jane Mo rga n .
6 1 . Por exem p l o • os banqu etes que marc ara m a t
d ese ncad ear a revol d e e rm 1 n a çã. o d os republ icanos de a m lia r o vo t o e
ução de 1848 eram rep etiçõe . p
. .. ·
transição para o regi me d e Or l ean s em 1830
s ' em esc al a maior • , cl a 9ue les q ue t inham nu1rc,H1 ll ,1
r, , ·
E m nenh u ma de ssas ocasiões as ,1 ut o rid a cs pudenun ·
contro l ar a prope nsão natural dos ranc esc s d
de ja n t ar
' j
• u nta s e seren1 saciáv ei s u ns com os ou u.t)S
(COR.B IN · , I 994 ; TOCQU EVI LLE, 1 98? )
.
92
vol t a de j unho de 1 8 4 8 as barri .
ca das tJarisi en ses na�0 pu d eram mais . res1st1
. .
r ao po-
.
l
, . •
der d e 1r-ogo d o exe rcito e nuu tas for am derr u bad as (GO ULD , 1 995 ,. �fRAUGOTT
·
! 9 95 a ) . Sob. O 5 egu n d o _nnpe , no, , a rees tru tura ção
de P aris p elo B arão Haussman�
selo u o d esnno d as b ar ncadas .
co mo arma defe nsi·va . H aussm an n su bslltum . . as rue-
l as desor. d. e na d as d as regi ões anti gas de P aris JJela s 1 argas avem' d as d a atuahdade .
P a ra fac11ltar o uso de can hões no comb a te a fu turas b arnca · d as.
No enta nto, o declí n io das barri cadas tev e um er1e1· to 1 atente, 1 evan d o ao d esen-
. .
volVIm�nt? de novos 1nstru men tos de agitação pelbs milita ntes da classe trabalhado-
ra - prmc1p almen te a greve e a de mons tração pu' bli' ca . Ambas eram mmto menos
a �eaç adoras à orde� �epublic ana e, portanto , mais difíceis de reprimir . Nos fins do
�ec� lo �IX, t�nt� a J u nsprudência como as convençõ es da prática policial levaram à
mstituc10nahzaçao dessas novas fo rmas,: culminand o no desenvolvimento do service
d'o rdre, através do qual os participantes de demonstrações concord.a ram basicamen
te em policiar a si mesmos (B RUNETEAUX, 1 996 ) . Os instrumentos característicos
da política popular do século XX surgiram de uma dialética de longo prazo entre
protestos violentos e repressão do Estado, igualmente violenta.
Esta lição pode ser generalizada : à medida que os movimentos aprenderam a
usar o aparato das comunicações nacionais e dos estados consolidados, os gover
nos tiveram que aceitar, de má vontade, formas de ação coletiva cuja legitimidade
tinham antes negado.
Os líderes ingleses, que tinham condenado como subversivas as petições em fa
vor de Wilkes e que ligaram a assodação de Yorkshire ao Congresso Continental , fo
ram fo rçados de fato a aceitar as petições de massa e associações políticas como legí
timas . Houve uma reação durante . a guerra com a França, mas, no início dos anos
1800, as ,associa ções voluntá rias eraqi tão comuns na Inglaterra que seus responsá
veis guardavam seus fundos e pa péis em caixas de segurança (MORRIS, 1983:
95-1 18) . Por volta dos anos 1830, a associ ação privada com a finalidade de promo
ver objetivos do grupo era uma parte famili ar do c_e nário políti co (TILLY , 1982) . .
Nem mesm o na Ingla terra libera l pode mos imag inar que o progr esso dos mo
vimentos socia is não tenh a enco n trado dificu ldádes. Isso porqu e, depo is de eclo
dir a revolução no contine nte euro peu , mesm o os movimen tos refor mistas bran
dos, como O britâ nico , desp ertava m susp eitas de sediç ão entre as elites assustadas.
livros e panfleto s eram cens urad os , asso ciaçõ es radic ais bani das, e mesmo aquelas
ticas ina
mo deradas perd eram asso ciado s . "O resu ltado dest a confu são e das polí
de qu adas dela deri vad as" , obs erva Mal colm Tho mis e Pete r Hol t, "era , frequente
ernos, conclu
me nte, a criação de revo lu cion ári os em luga res inus itad os" . Os g�v
e m eles , "aj udara m a cria r e sust en tar o pró prio perigo que eles sup ostamente que-
ria m evitar" ( 19 77: 2) .
s e seu potencial de
P or volta da segu nda m etad e d o sécul o XIX os m ovim ento
o vo t o , ac eitar a le g itimidades das
ru p tu ra levaram os esta d os n acio nais a am pliar
asso ciaç ões de mass a e abri r n ovas fo rmas d e parti cipaçã o a seus ci d a d ã os . Pe fato,
93
a cidadania surgiu através de uma dialética bruta entre m ovimentos - reais o ap e
�
.. nacional.
nas temidos - e o Estado .. As reformas
.. de Estado
.r foram resp oSlas di re tas
aos movimentos sociais ou tentativas ele prevenir o seu dese nvolvime nto: d as re
formas pós-revolucionárias pelo voto na Amér ica à l egi sla ç ão d as fá bricas na I n gl a
terra nos anos 1 840, às reformas relativas à sa úde e desem p rego na Aleman h a im
perial e aos inspetores de fábrica instituídos na terceira repú blica f�ancesa. Com o
salientam Bright e Harding, "os processos con tenciosos tanto defm � m o Es tado
frente a outras instituições sociais e econômic as como refazem continu amen te o
próprio Estado" (1984: 1).
Conclusões
É hora de recapitular o que foi discutido neste capítulo e nos dois anteriores. A
política de confronto tem caracterizado a sociedade humana desde que surgiu o
conflito social - o que significa que ela existe desde o surgimento da sociedade hu
mana. Mas tais ações expressaram as reivindicações de pessoas comuns de forma
direta, local e estreita, respondendo a queixas imediatas, atacando oponentes e
quase nunca buscavam aliados em outros grupos ou elites políticas. O resultado foi
uma série de explosões - raramente organizadas e usualmente breves - pontuand o
períodos de passividade.
Em al gum momento, durante o século XVIII, desenvolveu-se um repertório
novo e mais geral de ação coletiva na Europa Ocidental e na América do Norte. Di
versamente das formas anteriores, que expressavam queixas imediatas de pessoas
diretamente contra antagonistas, o novo repertório era nacional, autônomo e mo
dular: isto é, poderia ser usado por uma variedade de atores sociais em favor de vá
rias reivindicações diferentes e servir de ponte entre elas para aumentar seu poder
e refletir reivindicações mais amplas e mais pró-ativas. Mesmo as formas herdadas ,
como a petição, fora� gradualmente transformadas: inicialmente instrumentos de
indivíduos para buscar o favor de superiores ou de grupos para pressionar os de
tentores de poder converteram-se em uma forma de ação coletiva de massa. As cau
sas fundamentais dessa mudança são difíceis de identificar num registro histó ric o
feito principalmente por aqueles cuja função era reprimir rebeliões. Mas, como vi
mos no cap. 3, dois tipos principais de recursos ajudaram a capacitar esses prim ei
ros movimentos: a imprensa e a associação. Eram ambos expressões do capitalis
mo, mas expandiram-se além dos interesses d�s capita listas para incentivar a pro
pagação dos movimentos sociai s. A imprensa comercial não apena s difundia infor
ma ções que poderiam conscientizar potenciais ativistas da existência uns dos ou
tros e de queixas comu ns; ela também igualou a percepção do seu st a t us ao de seu s
.-sup. _eriores e t ? rnou co�cebível agir contra eles. A associação privada refletia soli
dan edades exIStentes, aJudava a formar novas e ligava grupos locai s a redes de mo
.. men
vi ..... ,.....� s ue pod ri m co t sta r o po der dos est ados
_..,_
� � � �� nacionai s ou de imp érios in
te rnac10na1S. Coahzo es sociaIS, algumas vezes construíd as com prop sitos sufi c i-
ó
94
entes , 1nas sempre contingentes e provisórias, co mbinavam ações coletivas contra
elites e opositores e111 non1e de programas gentis.
E 1nb ora os novos movünent os frequentemen te visassem o u tros grupos n a so
cie dade, cada vez 1nais as oportunidad es para a ação coletiva proporcionadas pelo
Es tad o nacional tornara1n-se o arcabouço para suas ações. Ao fazer guerra , abaste
cer cid ades e au1nentar hnpostos, assim como ao construir estradas e regular asso
ci aç ões , o Estado tornou-se ao mes1no tempo um alvo de reivindicações e um lugar
on de se podia realizar disputas com grupos competi dores. Mesmo onde o acesso
era nega_d o, as ambições de padronização e unificação dos estados em expansão
criaram oportunidades para pessoas menos providas de recursos poderem imitar e
adaptar os estratagemas das elites.
Chegamos assim a uma situação histórica em que o confronto político se orga
niza nas fronteiras das instituições e nunca é verdadeiramente aceito pelas elites
institucionais. Entretan to , devido a sua relação histórica com o desenvolvimento
da cidadania, ele nunca poderá ser completamente eliminado sem ameaçar a pró
pria· democracia. Isso significa que o confronto político se forma ao redor da arma
dura da política institucional, e aumenta e diminui ao ritmo das mudanças nas
oportunidades e restrições políticas, como veremos no cap. 5 . ·,
95
-
� Do confronto aos
�
� movimentos sociais
:i.....
5
Oportunidades e restrições políticas*
99
dades fornecem informação crucial para a form ação dos movimentos quando reve
lam aliados e expõem a fraqueza de inimigos.
Não apenas isso: uma vez formados e ao informarem sobre suas ações, os mo
vimentos CJiam oportunidades - para seus próprios· apoiadores, para os outros,
para os partidos e para as elites. Isso é feito através da difusão da ação coletiva, da
indicação de possibilidades de coalizão, da criação de espaço político para movi
mentos e contramovimentos e da produção de incentivos para provocar a reação
das elites e de outros partidos. Os desafiantes que aproveitam as oportunidades po
líticas em resposta a aberturas do sistema político são os catalisadores para os mo
vimentos sociais e ciclos de confronto - e, ocasionalmente, para revoluções e aber
turas democráticas.
Ameaças são a antinomia lógica de oportunidades e poucos desafiantes arris
cariam perder suas vidas ou ficar gravemente feridos se não temessem_ª--inação.
Mas as ameaças podem, tão facilmente quanto a ação coletiva, produzir ressenti
mentos ocultos. Apenas quando a ameaça é acompanhada da perce\Jção de oportu
nidades para a ação e é considerada potencialmente irreversível se não for impedi
da, que os desafiantes se arriscarão ao que frequentemente acaba sendo uma derro
ta heroica (GOLDEN, 1997) 1 .
l.Jack Golds tone e Charles Tilly estão preparando um texto sobre o problema «ameaça" e movimen
tos sociais que fará parte de um volume coletivo em preparaç ão pelo grupo de pesquisà Mellon sobre
confronto político.
100
ria e p or que �lguns países no Ocidente - uma área de inuita prosperidade- e relati
va hom o geneidade cultural - vivenciaram 1nais confrontos sustentados n os an os
1960 d o que outros. Para �esponder a essas questões, seria necessári o investigar
_
como a estrutura s ocial s ubjacente e a mobilização po tencial são tran�formadas em
ação �. N esta transfo �ação, o papel das oportunidades e das restrições p olíticas é
crucial. Isso P?de se r ilustrado pelas diferenças na mobilização das classes traba
lh ador as em diferentes países ocidentais n os an os 1930. S e as outras coisas forem
iguais, é mais pro vável que os trabalhadores façam greve em períodos de cresci
3
mento d o que d e de pressão • A lógica da conexão é clara: a prosperidade aumenta a
necessidade de mão-de- obra por parte d os empregadores do mesmo m od o que
mercados de t rabalho fechados reduzem a competição por empregos. À medida
que os trabalhadore s aprendem isso exigem salários mais altos, jornadas de traba
lho mais curtas o u melh ores condições de trabalho. C omo resultado, a taxa de gre
ves se gue a curva do ciclo de ne gócios: ascendente quando · o desemprego em declí
nio deixa os empregadores suje itos à pressão d o mercado de trabalho e descenden
te quando cai a demanda por trabalho4.
A depressã o d o s an os 1930 assistiu ao aumento do número de movimentos so
ciais na Europa e· nos Estados Unidos. Normalmente esperaríamos que crise econô
mica e o des empre go em massa diminuíssem o confronto. Mas, em alguns países do
Ocidente, os trabalhadores industriais fizeram greve, realizaram demonstrações e
ocuparam fábricas em resposta às demissões e reduções de pagamento, enquanto em
outros não o fizeram e se deixaram reprimir. Enquanto os trabalhadores na Inglater
ra se enfraqueceram durante a maior parte da depressão e os trabalhadores na Ale
manha foram brutalmente reprimidos pelos nazistas, os trabalhad_ores franceses e
ame rican os re agiram à crise com níveis de confronto nunca vistos.
Como podemos explicar o aumento da insurgência industrial de trabalhadores
sobrepressi onados na França e nos Estados Unidos enquanto na Alem�nha e na In
glaterra os trabalhadores aceitaram a sua sina? Eu proponho que a resposta está
nas mudanças das op ortunidades e restrições que envolvem as diferentes classes
trabalhadoras. H ouve ondas de greve na França e nos Estados Unidos nos anos
1930 - e não na Alemanha ou na Inglaterra - porque as administrações reformistas
que chegaram ao poder ri.a França em 1936 e na Amé_rica em 1933 estavam queren-
2. Os leitores que acompanharam os debates internacionais sobre as relações entre as abordagens ame
_
ricana e europeia reconhecerão que aqui utilizei a abordag em formula da no ensaio de Bert Klanderman
e meu "Mobilization into Social Movements: Synthesµing European and American Approaches".
3. Há um� literatura longa e um tanto técnica sobr,� as relações e�tre con�içõ�,s econômicas e greves.
O sumário e avaliação mais completos estão em The Econom1cs of Stnkes , de John Kennan. ln:
Handbook of Labor Economics, de Orlen Ashenfelter e Richard Layard (orgs.), vol. 2.
4. A interpretação mais sintética·das fontes econômicas das explosões salariais do fim dos anos 1960
está em "Strike Waves and Wage Explosions, 1968-1970: An Economic Interpretation", de David
Soskice. ln: The Resurgence of Class Conjlict in Western Europe since 1968, vol. 2.
101
a poiarª o pressão do
do ino v ar as relações políticas e eco nônlicas, e relutantes ein
mento d a repressão
tra b alho . Foi a abertura de opo rtunidades políticas e o relax a
ao s tr a b alh ado res realizado s pelo Po pul ar Fro nt franc
ês e pelo New �e al america
no - e não a pro fundid ade d as queix as dos tra balh adores ou a extens �e seus re
ao
cursos - que encor aj ar a1n a insurgência dos tr ab alh ado res n aqueles p ses.
ai
Vo lt ando ao presente, poden1os ver que as oportunid ades políticas são aprovei
t ad as e tra nsformad as po r u1na v aried ade de desafi a ntes so b condições muito dife
rentes. N osso prilneiro esforço será o de cl assifica r a s dimensões d a s oportunida
des que ajudam a mold ar esses movimentos, enquanto que o segundo será mostrar
como há uma intersecção entre el as e três princip ais dimensões do Est ado: a força
do Est ado, as estratégi as predominantes e a c ap acid ade de repressão . M as antes de
e1npreenderinos ess as tarefas an a�ític; as v amos ver �o rno o co nce�to de o portunida
des e restrições em mud anç a pode ser us ado p ara co mpreender u� grande divisor
de águ as do confronto. nos.,últimos anos: a ascensão de um movi!Ilento pel a demo-
cr atiz ação na ex-União Soviétic a .
102
figura 5.1 Mobilização para o protesto em demonstrações na ex-União Soviética
60 ��---+---'---J
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I 1 1 1 1 1
1 li li
1 1 1 .Í
Ili li
I' ; , 1 ••
1
n = 6,644
Fonte: BEISSINGER, Mark. "Event Analysis in Tran�itional Societies: Protest Mobilization in the
former Soviet Union". ln: RUCHT, Dieter; KOOPMANS, Ruud & NEIDHARDET, Friedhelm
(orgs.). Acts of Dissent: The Study of Protest in Contemporary Democracies. Berlim: ?igma, 1 998.
103
b eu que , sem �ma renova� ao �ª- cl�: et:: l 'tica s eus plan o s s eriam imp e dido s p or
_
_
obstru ção oficial ou por ina çivida u� o u outro m o do , perderia p o der .
Como resu1tado, ele transfo rmou as· - e'ie1ç ... 9 para deputa dos d o Congresso do
. oe
Povo d a ex-URSS, usualmente for· mais, . na " primeira, ele içã o na ci o n a1 d a história da
·, · • t· 1 995 : 35-36) . Embora
União Soviet1ca , parei· almente aberta e co mp eti tva (FISH 1
· 1-es ervass ein tun terç o dos assento s p ara representant. es co
as regras e1e1· torais .
ntro-
lados pelo partido , elas dera1n u1n manto d e 1 eg1' t'mi t da de a uns pouc o s 1nd1víduos
el eitos de forma independent e �
.
"Talvez um d e seus mºmentas mais importantes,, , escreve Steven
•
Fish, "a votaça... o e101 a e oisa mais próxim a de uma verdadeira campa-
.tido noticia ,, p. 35 .
nha eleitoral que a população tenha , . ( )
No entanto, os rer1ormadores eram p ouc o s e des o rganiza dos: .
faltavam-lhes re-
,,
cursos internos e , p or terem laços frac os entr e .si e p o uc a confiança mutua , logo se
dividiram em facçõ es e partidos co mp e tidores (FISH, 1995: 3Sss.) . Eles for�m be
neficiados principalmente p elo apoio e�terno , e.o �� a qu ele qu e lhes foi da�o
quando o s ecre tário do Co mitê do P artido C on:iun1sta ?-� _
M o_: cou, �o ns Yelts1n,
-
aprovou inform almente uma con�erê_nci a de grupos de �1�cu s ao p o l t1c a cha a �a
� � �
"Social Initiative for P erestroika ''. (p. 32) . A ajuda �?'tem� v e10 ta mbem dos mm:1-
ros de carvão do Kusbass e do Donb ass, qu e entraram em greve em 1989 e tambem
da Europa Oriental, onde aS refoTiruls de G orb�éhev -;- e particularmente a re tira�a
da ameaça de intervenção do.- Exército Vermelho - gerar_a � uma o nda de IDOVI
mentos pela democratiz ação (p. 39-41) .· O papel q.esses "alia do s'' , inc o nscientes e
involuntários, auinentoµ. muito a c�n�i�nça dos insurgentes. na ex-União Soviética
de que a verdadeira reform� era v!�vel. . : · . . :
Esta possibilidade tomou-s e mais plausível à me dida qu e ap areceram fissuras
na elite do Partido Comunista . Enquanto o S ovie te Supr"e:rno esta,va pr ndo um
a ov a
proj eto de lei em novembro de 1989 que lib erava a mídia e le ga
lizando o livre uso
da imprensa por indivídu os privados , um popular pro gram
a d e tel evisã o , Vzgliad
(Víewpoint/Po�to de Vista) , foi canc ela do e as unida
des da p o lícia espe cial conti
nuaram a reprimir demonstraçõ es públicas. Ess as inc o
nsistência s c om e çaram a re
velar "uma tensão profunda e sistemática entre
o pluralismo político e a essência
estatal e mo nopolista do regime " (FI SH , 199 5
: 40-41 ) . A c o ntra diçã o foi aprofun
dada no início de 1990 co m a emergência de um
movimento de reforma dent ro do
Partido Comunista, "D emo cratíc Pla tform" , cu
ma mais sistemático de reformas dentro jos m embros queriam u m progra
do p a
uma democracia parlamentar no estilo óci rtido e exigiam O estabelecimento de
deµtal (p . 41-42 ) . C om o re ação, os par
tidos conservado res formaram organizaçõ
es marione tes para bus car O apoio do
público (p. 40) .
1 04
sõ es internas. A tolerância às greves do8 i, neir .
os e a c ei tação dos sindicatos inde-
m
Pendentes que elas produzirain erAa111 uina expressãªo gr1·t
bém expressado p ela aceita ção das de _ a nte desse dec1ínio, tam-
o r es e larga es cala nas cida des
mn:S tn
(FISH, 199 5: 45) . Em bor a a r e pr e s ã t
s o e ªl aç�
c� n�inuado em alguns lugares, a ne-
cessidade de Gorbac hev de que houvessem eleiç oe s para renov ,,, .
ar a cI asse po 11t1ca
legitimava a discu ssão popular. e o debate . A te, mais , do qu e nas e1e1çoe
eleiçõ es de 1990 para os ºl
conselh dª r epu, bhca , 4as p ovíncias autônoma d
.
r
. - s de 1989 , as
s , a d-
dade e dos distritos "foram ca as por gra ndes dem onstraçõ
es públicas em mu-
:�
itas cidades da Rússia" (p . ;
Essas eleiç ões, e as discussõ es e dem� nstraçoes - que geraram , 1evaram a, fonna-
. .
- de a1guns .parndos e movimentos novos·. Como p·1sh cone 1u1:·
çao
O �entro e O p�rti�o p diam impedir, ob;truir e forçar, mas não podí�m
mais se�uer frngu 1n_ �
�ciar, criar e convencer. . . Uma conglom eração
heterogenea de orgamzações sociais autônomas, liderando um movi
mento popular pela deJ.?oç:raci �, t9mou o poder visível.. . Ao fazê-lo,
começaram a empurrá-lo para seu fim (1995: 5 1}.
. ·.
No entan�o , o·· surgimento de confrontos espalhados: não constitui em si um
movi�ento social. Sem uma rede de laços ·interpessoais óu uma identidade coleti
va essas organizações não tinham nem un!d�de ideológica nem fib�é! organizacio
nal para produzir um movimento. social_ su�tentadQ . Por vólta de 1 992, dilacerado
.
pela· decomposição ideológica e territoria_l , o regime se desagregou
i .. Quando isso
ocorreu os· desafiantes se dividiram_ e um ex-;-burocrata, I oris Yeltsin, subiu ao po
der. Os desafiantes çle 1 989/1991 tinham criado oportunidades para aqueles que,
no interior do sistema
. , queriam e ·eram capazes de explorá-las�:
'
***
·' .
.
.
Esta narrativa, uma das mais breves sopre a emergência do confronto político na
ex-União Soviética, não ap enas ilustra a _importância dé:ls oportunidades políticas
para �ansformar o potencial de mobilização em ação; ela também nos ajuda a redu
zir a amplitude do conceito e a identificar algumas de suas principais dimensões. As
·
mais importantes entre elas foram : (1) a abertura do acesso à participação para no
vos atores; (2) a evidência de realínhamento político no interior do sistema; (3) o
aparecimento de aliados influentes; (4) divisões emergentes no interior da eli te ; (5 )
um declínio na capacidade ou vontade do Estado de repri_mir a dissidência . Na pró
xima seção examinaremos separadamente · cada· uma dessas dimensões.
Dimensões de op ortunidade
Entendo O con ceito de opo rtunidade política como dünensões consistentes -
mas não necessariamente formais ou permanentes - do ambiente político que for
necem incentivos para a a çã� coletiva ao a fe tarem as expectativas das pessoas
quanto ao sucesso ou fracasso ( GAM SON &: MEYER, 1 996) . C01nparados aos teó-
1 05
pre c onfundi� os, os escritores
ricos da mobilização de recurs os� con1 que1n são se1n
polfti�a\�nfauza� a mobiliza
que trabalham dentro da tradição da oportunidade
sua ma1o na, enfat�zam elemen
ção de recursos externos ao grupo\ Alén1 diss o, e1n
es 1- porque nao se po de es
tos de oportunidade que são percebidos pelos insurg ent
o c omportamento das pes-
perar que mudanças estruturais não vivenciadas afetem
soas, a não ser indiretamente.
certos grupos e nã o
Algumas vezes, as oportunidades políticas ocorrem para
dores nos a nos
para outros, como sugerem os exemplos anteriores de trabalha
s
1930 , e opor tunidades para o protesto são às vezes maiores em alguma regiões qu
cidades do que em outras (AGNEW, 1997 : iv) . Mas, apesa r dessas variações, os
movimentos surgem porque as condições de mobilizaçã o cresceram no sistema
político em geral, como aconteceu quando os movimentos norte-americanos p ela
paz, estudantil e das mulheres de fins dos anos 1960 se aproveitaram de uma estru
tura de oportunidade que se ampliava de fç,rma geral. Alguns setores de movimen
tos são particularmente afetados por mudanças nas oportunidades, como foi o mo
vimento pela pai nos anos 1980 (MEYER> 1990) , mas, mais frequentemente, as
oportunidades que se apresentam para .uns· também se apreseniam para outros.
Nos anos 1960 a maioria dos ativistas referia-se apenas à.o " 111:ovimento".
As oportunidades políticas· podem não estar todas visíveis ao mesmo tempo
para todos os potenciais desafiantes. De -,fato, unia vantagem do conceito é que ele
no� ajuda a entencler como a mobilização passà ·de pessoas cóin queixas profundas
e grandes recursos para· outras corri poucas queixas e menos recursos. Ao desafia
rem elites e autoridade�, os "primeiros que· se· erguem" revelam a vulnerabilidade
de seus oponentes, deixa��o-os vulneráveis aos ataques de desafiantes mais fra
cos. De forma similar, e�te úl�imo grupo,. por não ter recursos internos para sus
t�n�� o c�nfronto, cai �ais facilmente quando diminuem as oportunidades. Isso
signifi.c� que - embo�a o termo "estr6Utura" tenha sido frequentemente usado para
caractenzar oportunidades P ?lític�s -, rm spa maioria, as oportunidades e restri-
5. A fonte principal - mas nem sempre reconheci.-dª - de teoria da oportunidade política foi From Mo-
1
Mobílization in Central America " �: �:tz enSlem e
Women's Movement of the Untted 5; ; .ª Carol Mueller no volum e que editaram The
t s an Europe, • Herbert Kitschelt em
Structures and Política] Protest" ' arrow em 5truggle set, "Political Opporttlnity
, Po l ittc s anel Refarm.
6. Entre outros, por este autor, na primeira di o de se 3
Por Herbert Kítschelt (1986) , o us0 do ter _ · e çã u es tudo (1994) 1 p or P e ter Eisinger (197 )re
mo "estl'U tum " po d e ter gerndo t,m mal-entend 1'do e.n t e
alguns crití.cos de que estes autores assumira e a s o portunidad es nã o precisam ser percebidt15
para serem incentivos para a aç ão. m qu
1 06
ções políticas são situac�onais e não podem compensar por muito tempo as fraque
zas em recursos culturais , ideológicos e organizacionais.
Ampliando o acess o
Usualmente, pess oas racionais não atacam opositores fortes quando as oportu
nidades estão fechadas; o ganho de acesso parcial à participação fornece a elas ín
centivos para isso . Mas as pesso as c01n plenos direitos políticos têm mais probabi
lidade de se engajarem em confront os? Pet�r Eisinger explica que a relação entre
protesto e oportunidade política é curvilinear: nem o acesso pleno ne� sua ausên
cia pro duzem um maior grau de protesto. Aproveitando uma ideia de Tocqueville,
Eisinger ( 1973 : 1 5) escreve que é mais provável que os protestos ocorram "em sis
temas caracterizados por uma mistura de fatores abertos e fechados" 7•
A expansão do acesso é expressa de forma mais imediata através de eleições;
Piven e Show mostram, por exemplo,· como o colapso do "solid South" , nos anos
f950, �briu nov�s oportui:üdades para eleitores n�gros (1977) . Os americanos vi
ram isso novamente em 1992, quando um outsider, Ross J:>erot, organizou 1=1m mo
vimento para lançar s�a campanha presidencial. De for�a similar, as eleições d�
1994 na Itália deram origem a um novo movimento liderado pelo magnata da mí
dia Sílvio Berlusconi. As eleições sào uma espécie de guarda-chuvâ, sob o qual fre'
quentemente se formam nov�s desafiantes.
Em sistemas democráticos, as eleições são eventos rotineiros, usualmente do
minados por partidos institucionais q1:1e ·aprovam leis para manter seu monopólio
de representação. É nos sistemas não-democráticos que há maior possibilidade de
acessos recém-abertos deflagarem confrontos, como mostrou o nosso exemplo da
ex-União Soviética. Na Checoslováqu.ia, na m_esma época, foi o aparecimento do
Student Press and Info�mation Center (STIS) que deu aos estudantes de Praga um
lugar onde poderiam fazer contato e a certeza de q� e a ação política seria tolerada -
(VAN PRAA G , 1 99 2) . N a ex-Iugoslávia, os futuros nacionalistas já estavam em po
sição de tirar vantagem do período pós-sov.iético p� r.reformas que lhes deram mais
recurs os institucionais (BUN CE, s.d. ) . Quanto mais estreitos os caminhos já exis
tentes para a participação; mais provável se torna que cada nova abertura produza
novas oportunidades de confronto.
7. A asserção de Eísinger foi baseada em mais do que numa suposiçf\o de Tocq\.leville. Operacionali
cas fonnais e informais do governo local, ele estudou o comportamento dos grupos de protesto urba
nos numa amostra de cinquenta e três cidades durante os turbulentos anos 1960. Ele descobrit, que 0
nivel de ativismo desses grupos era m ais a1to não onde o acesso estava aberto ou fechado, mas nos ní�
Veis intermediários de oportunidade política.
1 07
Mudança nos alin hamentos
ou o confron to na ex-União Sov iética foi a
U1n segundo elemento que encoraJ' . ·
. emas pl ura 1·1s tas isso e, medtdo
'
instabilidade dos alinhatnento s polí tico s. Em sist ,
oral . As mud anç as os de5t 1nos dos parti
principalmente pela instabilidade eleit �
o basea�a s em novas
dos do governo e da oposição � especiahnen te quan do esta
s fiantes a tentar
coalizões criam incertezas entre os apoi ador es, enco raj am o desa
exercer p�der marginal e pode1n até induzir as elites a comp etir por apoio de fora
do sistema político .
A importância dos realinhamentos eleitorais quando se abrem oportunidades
pôde ser vista no movilnento americano pelos direitos civis. Durante os anos 1 950 1
os <'segregacionistas" raciais na ala sulista do Partido Democrata foram enfraqueci
dos porque alguns passaràm para o Partido Republicano, enquanto que o número
de democratas "integracionistas" estava ficando maior (VALELLY, 1 993) . O declí
nio do voto branco no sul e· a mudança dos eleitores negros para as cidades, onde
as leis de segregação Uim Crow] eram m_enos .optessiwis, aumentou o incentivo
para que os democratas buscassem o apoio eleitoral dos negros. Com sua estreitís
sima margem eleitoral, a administraçao Kennedy foi forçada a sair de uma postura
de hesitação cautelosa para t��ar a_ iniciadva·pelos direitos civis . .
Não é apenas nas democracia� tot�lmente dese�volvidàs que a instabilidade
encoraja o confronto. É .mais provável que os cámponeses se rebelem contra as au
toridades quando aparecem janelas de oportuni.dàde nas barreiras_ de sua subordi
nação. Isso é o que Eric Hobsbawm de·scobriu ·quando examinou a história das
ocupações de terras no Peru (1974) . O mesmo é válido para os caip.póneses que
ocuparam partes dos latifúndios· no sul da Itália depois da II Guerr� Mundial.
Embora a raiva e o ressentimento contra os abusos dos senhores de terras fossem
antigos, foi o colapso do regime fascista de Mussolini , a presença das forças de ocu
pação americanas de orientação reformista e as mudanças nos alinhamentos parti
cLirios que transformaram seu ressentimento e·m luta pela terra (BEVILA CQUA,
1998; TARROW, 1967) . Em regimes menos-do-qu e-democráticos , a falta de com
petição rotineira faz de qualquer sinal de inst�bilidade política um sinalizador e
uma fonte para o confronto.
Elites divididas
Como já vimos, quando surgiu uma facçã o reformista no Partido Comunista
da ex-União Soviética, os conflitos dentro e entre elites encorajaran1 1 siugimento
de confrontos, As dívisõ.es entre .ªs elites não apenas incentivam os grupos com
poucos �ecursos a �ssum1rem os riscos da a cão coletiva; elas enco rajain os segmen
.
tos da ehte que estao fora do pod er a assumtrem o papel de "defensores do povo".
A hís tória � num erosos exemplos de elites divididas qu e ro orcion"ran\ re
p p
cursos para moVImentos emergentes, N o Antigo Regi n1e francês, essoas co mo La
p
fayette e Mirabeau romperam com suas classes para fazer cuusa coinum co m o bai-
1 08
xo clero e o terceir o est ado . Du zen tos anos ina1·5 tard e, f'1ssu ras • • da e11te
·
no interior
de� empenharam um pap el � have na Eur opa Cen tral Oriental,
especialmente de-
pois que Gorbachev adv ertiu os estado s coinu ni'stas da reg1a ·~ , ·
o de que o Exerctto
_ . . . .
Verm elho nao ma is 1nterv1na• par a defend ê-los • Isso r1,01• v1·s to pe 1 os grupos
• insur-
gentes como um sina l par a organizar-se e por mu itos membros da elite com um
o
in centivo à �eser ção . Essa s fiss� ra � também fora m imp ortantes na transição para
a demo crac ia na Esp anha auto ntan _
a e no Brasil nos anos 1970 e 1 980 . ond e as di
visõ es �ntre os mili tare� brandos e os de linha dura proporcionaram aberturas que
os movimentos de oposição puderam explorar (BERMEO , 1 997; O'DO NNELL &:
SCHMITTER, 1 989: 19) . ·
Aliados influentes
Um quarto aspecto da oportunidade poli_tica, visível · na emergência do con
fronto político na ·ex-União So'viética, foi a presença de aliados influentes no interi
or da elite do Partido_ Comunista. Os desafiantes saci enco'rajados· à ação coletiva
quando têm aliados que podem atuar como amigos nós tribunais, como garantias
perante a repressão ou como negociadores_ aceitáveis . em seu favor. Tanto através
do aparente apoio de Yeltsin aos seus esforços com<? através das atividades in
dependentes dos mineiros e dissidentes da Europa Oriental, os desafiantes na
ex-União Soviética ganharam confiança e modelos para_ a ação coletiva.
Há evidêncjas históricas de processos similares· em· sistemas democráticos no
livro de Willi e:lm Gamson sobre confronto nos-Estados Ui;iidos .(1990) . A pesquisa
de Gamson mostra uma correlação ·entre a presença de aliados influentes e o suces
so dos movimentos. Nos cinquenta e três ,çgrupos em conflito" por ele·estudados, a
presença ou ausência de aliados políticos estava fortemente ·relacionadas a serem
eles bem ou mal:-sucedidos ( 1 990: · 64-66) . Ao estudarem os movimentos dos tra
balhadores rurais americanos noi· a�os 1940 e 1960, Craig J enkins e Charles Per
row encontraram um contraste semelhante: a vantagem dos United Farm Wor
kers, nos anos 1 960, provinha· da presença de apoios eleitorais externos, o que fal
tou a seus predecessores. Uma razão para o longo "sliding May", na Itália, foi a pre
sença do partido socialista n o governo que, por algum tempo, se colocou como de-
fensor dos não incluídos (TARROW, 1 989a) .
Os partidos políticos são aliados especialmente imp ortant�s para desafiantes
em sis temas rep r esentativos. Os partidos ?e esquerda são g�ralmente mais favorá
veis aos desafiantes do que os modera dos ou conservadores e , dentro da esquerda,
os partidos da ''Nova Esquerda" - como os verdes europeus - receben1 n1elhor os
movimentos "espa ço de vida " do qu e o s partido s da velha esquerda, que são mais
receptivos aos movimen tos que demanda m distribuição (KRIESI et al. , c ap . 3) . Os
partidos à direi ta s ã o in fluencia dos p elos novo s movimen tos relittosos - como a
Co alizã o Cristã - e pelos grupos de interess e econômico , mas os prim eiro s po dem
)
1 09
ter mais poder marginal decisivo e1n função de sua capacidade de atrair eleito res
além das linhas socioeconônlicas.
Aliados influentes 111ostraram ser especialmente itnpo rtantes em sistemas não
democráticos, onde novos 1novhnentos têm acesso a pouco s recursos internos . N a
América Central, por exe111plo, os 1novhnentos dos camponeses se beneficiaram
com a presença de trabalhadores religiosos, organizadores sindicais, guerrilhas re
volucionárias, ativistas de partidos políticos e aquele s cujo trabalho é desenvolver
comunidades (BROCKETT, 199 1 � 258) . Na Polônia, durante os anos 1 9 70 e 1980 ,
a Igreja Católica ajudou a esconder ·a resistência e a proteger os ativistas da desfor
ra (OSA, 1995) . Os aliados dentro do sistema são um recurso externo do qual os
atores, deficientes em outro tipo de recursos , podem depender, especialmente em
ambientes autoritários e repressivos ..
' .,
Repressão e facilitação -· • 1 ,,
Pela definição de Charles Tilly, "repressão é qualquer ação de outro grupo que
aumenta o custo dâ ação �oletiva do opositor. Uma ação que diminua o cust� da
ação coletiva do grupo é uma forma de fa cilita ção 1'· ( 1978: .10}. O desenvolvimento
dos estados modernos produziu poderosas ferramentas para a repressão da política
popular, mas, como vimos no cap. 4, alguns aspectos deste desenvolvimento facili-
taram o surgimento de movimentos.
A repressão é o destino mais· ·provável para os . movimentos que clamam por
mudanças fundamentais e· ameaçam a$ elites do que_ para os grupos que fazem rei
vindicações modestas (GAMSON, )990,. cap . . 4). 1);1mbém- é óbvio que os estados
autoritários reprimem os. movimentos sociais, ao passo que os· representativos os
facilitam . Mas há aspectos dos estac;los repressivos que encorajam algumas formas
de confronto, enquanto algumas car:acterísticas �os representativos tornam os mo
vimentos mais brandos. Teremos muit_o màis a dizer.sob;� repressão e facilitação
mais adiante;
***
Estes asp ec tos de opo rtunidades e restrições políticas variáveis aparecem de
modos diferentes em sistema s diver�os e mudam com O tempo _ muitas vez es in
depe ndentemente , mas outras em estreita relação uns com os outros . Por exemplo,
as divisõ es entre as elites e os realinham entos políti c os trabalham juntos para in- .
duzír gru pos_ desc?nte_n�e� ou at� mesm? governos a b11sc ar apoi o de outsiders.
Qua ndo facço e s m1no nt�na,s da eh.te se aha1n a d esafiantes ele fora de la , os desafios
de dentro e de fora d o s is tema polf tic o s e unem em grandes ciclos de confronto.
Mas to da s essas mu dan ças devem s er vistas n o c o nt e xto dos a spe c tos mais estáveis
das oportunidades e restrições,
1 10
Estados e oportunidad es
Esses cinco aspectps da oportunidade política são especificados como mudan
ças na oportunidade; mas há também aspectos mais estáveis de oportunidade-res
trição que condicionam o confronto político. Um conjunto de fatores gira em tor
no do conceito de "força do Estado" ; um segundo lida com as estratégias prepon
derantes do Estado em relação aos desafiantes; e um terceiro relaciona-se com o
problema da repressão e do con �role social.
8 . A principal fonte publicada é B ringing the State B lack ln, de P eter Evans, Dietri ch Reus chmeyer e
Theda Skocp ol (orgs .) . Ver também "Party, co·ercion anel Inclusion" , ele Richard Valley, que compa
ra as es truturas de Estado americanas e os sistemas partidários no tempo,
9. Por exemplo, Herbert Ki tschelt relaciona diferenças nos movimentos ambientais ela França, Ale
tnanha, Suécia e dos Estados Unidos às diferenças institucionais na estrntura do Estado . Ver seu a rti
go "Political Opp ortunity S tructures and Political protest'' .
111
. .r com o ritmo diferen cial das
As d1ferenças na 1orça do Es tado., relacionaram-se • Esta do nunc s
- . a e
revoluçoes tamb em , na Europa Central e· Oriental . A Polô.nia , CUJ O• ·
· •
. primeuo e mais vita 1 movimen-
moldou comp- letamente ao sta 11n1sm0 , produziu o , . . .
nas g eves do So 1
l'd ane . d a d e d e 1980 ' enqu anto que a Chec os1 ..ovaqu1a, SUJ eita a
to r , ·
um brutal contro 1 e sta mista
1. . d ep 01. 8 de 19 68 , foi unia das u 1 tlmas a s e reb eIar. A
iona dos com a forç a resp ec-
preco cidade polonesa e o retardo tc�eco :stava1n relac
tiva do socialismo de Estado nos d01s pa1ses .
, • ios de
·
F.igura 5 · 2 - Força do Estado e estrategias prepon· d. eran tes como princíp
. .
estruturação para o confronto político em algumas democracias · oc1denta1s
FORÇA DO ESTADO
Fontes: Adaptadci de KRIESI, Hanspeter; KOPMANS, R. ; DlNVENDAK, JW. & GIUNI, M.G. - The
Politics of New Social Movements in Western Europe: Mineápolis : University of Minnesota Press ,
1995� p. 37.
Em cenário s auÍoritários, · onde na mai oria· das vezes a repressã o esmaga a re
sistência , a ce�tralização do p o der dá ao s dissidentes um tip o estranho de vanta
gem - um canip o unificádo e u:Dl alvo centralizado para ser atacado quando o siste
ma enfraquecer. Esta foi uma das razões que contribuíram para a rapidez dà c olapso
do so cialismo de Estado na Europa Central e Óriental depois de 1989. Quando as
oportunidades se abrem onde o po der é centralizado e as condições são homogêneas -
como no momento em que Gorbachev começ ou suas reformas - to Í-na-s e mais fácil
enqlladrar e organizar um_movimento so cial. A armá do s frac o s em tais sistemas,
como escreve Valerie Bunce, é que eles têm "muito em c omum " (199 1 : 6)
.
O conceito de força do Estado , se fo r co nsiderado apenas c om o um
guia para a
ação, é um p o uco to lo e sem função . Alguns estado s, fraco s o u fortes, têm
uma es
tratégia preponderante em relação a o s desafiantes que é inclu siva,
resp ondendo às
suas reivindicações e absorvendo - �s (na terminolo gia de Gams o n, "pre
emp çã o ") e
ainda facilitando sua entrada no sistema p olític o (GAMSON , 199
0, cap . 2) . Ou
tros, a o invés, têm uma e:tratégia �e tip o "excludente " . Hansp eter
Kriesi e seus co
lab oradores veem essas estra tégias p rep o nderantes " variando i
s stematicamente
em países diferentes ( 1 995: 40 ..44) .
As estratégias prep o nderantes se cruzam c o m a forç a
do Esta do de maneiras
interessan tes. Em sua pesquisa sobr e even t o s de p rote sto em q
uatro países euro -
1 12
�
peus , Kriesi et ai. desc o brirain que a 5u 1,. ª ( c o n5ide
. rada p o r eles um Estado "fra -
c o" , c om uma estratégia ,tin�lu dente " ) tinha um alto ,. 1 d -
ntve e mob'l 1 1zaçao
' e um
baix
· o nível de viol ência e e on f .
ron to . N o ou tro ex tre o , a p rança ( que Knes 1 e
,, � · ·
s eus colabo ra dores c onsi d era m u m E stªdo " fo r e com uma estra tégia de tipo
. b . �
" ex cl udente") tinha uin níve1 mais a1xo de m o b1h. zaç ã o e um n fve1 mais .
a I to de
pro testo com confr ontaçã o ( 1 995 .· 49) 10. VeJamos . . o u tr o s casos: a Suécia ,
d ois
com um Estado s ocial- d .
e mocr ata, tem uma es tra tégia mais inclusiva em relaç·ão
a o s desa f.1antes ( KITSC HEL T , 1 986) enquan to que a Itália, ao menos até os
.
an os 1 9 90 , tinha um Esta do fraco e uma estra te" gia · de t·1po exc Iu dente em re Ia-
ª .
_ ... esque rda. A inters
ç� o ecç ão das pro pried ades da fo rça do Estad o e da estraté
gia p rep o nderant e estão na figura 5 . 2.
A ti� ol�gi a de Kries� é útil, �as precisamos estar atentos em relação à superes
_
quematizaçao. Sena mais fácil usar a forç� do Estado co�o um preditor global de
co�fro�to se foss� de fato u �a co�stante.l Mas "força·" e "fraqueza" são valores re
lac1ona1s que vanam segundo os diferentes setores e níveis do Estado. Quando os
ativistas do movimento pela temperança, de Ann�Marie Szymanski, consideraram
o Estado nacional mu ito forte para ser con(rontado, voltaram-se para uma estraté
gia.de "pensar globalmente; agir gradualmente". O Estado norte-americano é "for
te" ou "fraco" ? Isso depende do ponto em. que ele °for atacado\ Peter Eisinger, por
exemplo, descobriu que o protesto urbano er� muito mais · �omum· em cidades
"não refoqnadas" , em que um prefeito e um conselho administram a cidade, do
que naquelas reformadas que· (êm um conselp.o; ·inas cuja administração fica a car-
go de um gerente executivo \1973) . . ·
É preciso ter a mesma c�Útela em relação ao conceito de "estratégias preponde
rantes" . Por exemp lo , o Estado _norté-americano - "includente" no que se refere a
pro testos cívico s de classe média - tem sido·usualmente bem "excludente" perante
ataques à prop riedade. Com o um resultado dessa diferença, ele abre as portas para
grupos que têm obje tivos mo�estos - os chamados movimentos de consenso estu
dados por McC arthy e Wolfso°: (199 2) - , mas ergue barreiras contra aqueles que
desafiam o capi tal ou a seguran ça nacional .
onderantes são ec-xte
Além diss o, nem a forç a d� Estad� nem as estratégias prep
ções,
riores aos fato res políticos, que m�dain segundo o resultado de guerras, elei
realinhamen tos de par tido s e mudanç as na opinião púb lica : Um Esta do que é "for
te" nas mãos de uma mai oria unifica da ou sob o comando de um líder forte pode
torn_ar-se "fraco" quando a maioria se divide ou cresce a op,.o�ição a ele. Um Estado
que é forte quando possui a c ? nfiança dos homens de negoc10 enfraquec � quando
ça para �s
10 . Obs erve que Kriesi et al. (199 5) enco �tra um nível mais bai:,ro de i:nobilização na Fran
assu_ n chamados novos movimentos socia is; os movimentos tradicionais base ados em clas se são mais
tos
Vigorosos. Esses achados são contes tados por um nível muito elevado de protes de rua constatado
por Olivier Fillieule em seu recente livro_ Stratégtes de la rue, baseado num e xam e detalhado dos ar-
quivos s obre prote stos da polícia francesa.
1 13
m novo ator cole..
. ta1 v ai• para fora do p aís . Quando ap ar ece u
a inflação sob e e o capi dos an os 19 70 no Ira- - um Es tado
. - como o fundamentalismo islâmico no fim
uvo
do xá p od e d ec air rap1• damente .
o
ap arentemente "forte" como um Es t ad o es tru tu.ralmente fra-
. · - es na eli
' iso ' te po lít ic a c0 1n .
E, f'ac11 confund'ir d1v . alm ente , hm1tou o cres ci-
er ic ana ' dividida re
gi on 1· · ·
erra ·
c1V 1
·1 , a '
eli te a in . .
co . Ate, a gu fra qu ec eu o sul, m 1htar e po 1t1camente , 0
Qu an do a gu e rra en , , .
menta do Es tado. ev i tã ian q ue - no s term os de Richard
- um "L
Estado se tornou IIluito mais forte
a
Formas de repressão
subir os custos da orga
A repressão pode tanto debilitar a ação coletiva com o
102) . Embora ela
nização e da mobilização da opini.ão pública (TILLY, 1978 : 109-
ntar os
seja mais brutal e assustadora, há evidênçias d� qu e , a longo prazó , aume
custos da organização e da mobilização seja uma estratégia mais efetiva. Por exem
plo, quando Steven Barkan comparou as-ddades· sulistas qu e usavam as cortes para
bloquear os ativistas pelos direitos civis com âs que us avam a polícia para repri
mi-los, ele descobriu que as primeiras foram capazes de resistir mais tempo à desa
gregação do que as �ltimas (1984) ., Da. mesin� forma, dur ante a .era McCar thy; os
conservadores amencanos acharam; mais fácil aumentar o· custo de se filiar ao Par
tido Comunista do que proibfr ·greves ou demonstrações.
-
.
1 14
c omo farmas legítimas de ação O que antes tin · ha sido
• consid
. . .\ erado ameaçador à or-
dem c1vi1
Assü1:1 , 0 P rotest o ein qu e apenas se sentava pas
sivamente (sít-íns) punido
quase un1versa . 1 me nte co1n a pri são quando com eçou a ser empregado, ;101• sen do
.
ca da vez ma is ace ito nos ano s 1 960 com o forma de expressao. - A'1n da nesta época '
esta 1eorma de protesto se expand . 'u
1
· •
entre os grupos progressistas •
e hberai s e, nos
. . ..
anos 1 980 , cheg ou a seus 1n1m1gos ideológicos , à medida que o movimento antia
borto ganhou terreno (STAG GENB ORG, 1991) .
A tolerância do Estad o em relação ao confronto não violento é uma faca de
dois gumes. De um lado, proporciona maneiras relativamente sem risco de reunir
um grande núme ro de pessoa s e dá-lhes a sensação de estarem agindo signifi cati
vamente em ·bene�íci? de suas �renç�s. Por outro lado, tira dos organizadores uma
a�ma poderos a: a �nd1gnaç ão. E mais fácil mpbilizar-se contra uma polícia violenta
e excêntrica que atira insurgentes jovens e sinceros na cadeia do que contra autori
dades públicas que parecem sensatas e que organizam seminários para os partíci
p�ntes de demonstrações e ainda protegem a sua lil;Jerdade de expressão contra os
opositores (DELLA PORTA & REITER; 1997) .
A facilidade de organizar a opinião pública em sistemas representativos e de
encontrar canais legítimos para que ela se expresse induz muitos movimentos a re
correr a eleições. A dinâmica é mais ou menos assim: um movimento organiza de
monstrações públicas de massa em favor de suas reivindicações; o governo permite
e até facilita sua expressão continu,ada; o crescimento numérico tem um grande
efeito direto ao eleger cand_idatos; a partir daí o movimento se transforma num
partido ou entra em um partido para influe�ciar s� a� políticas.
Esta lógica levem· o movimento das _mulheres americ�nas 8: uma aliança perma
nente com o Partido Democra ta nos ano� 1970 e 1980 (COSTAIN & COSTAIN,
1987). A mesma lógica. dividiu a extrema-esqlie�da �taliana em meados dos anos
1 970 , quando partes dela saíram do confronto e forll?-aram partidos da Nova Esquer
da (D ELLA PORTA, 1995; TARROW, 1989a) . No ca�o mais bem-sucedido, a estra
tégia �leitora! produziu partidos verdes ell1: par�es do.. norte �� Euro:pa, �artidos que
se tornaram rapidamente parte do jogo parlamentar da_ poht1ca. N� Su1ça, o u:º. de
instituições democráticas diretas parece moderar as açoes de movimentos sociais e
favorece movimentos moderados às custas de outros (KRIESI & WISLER, 1996 ).
115
Rússia autocrática e na Itália e Espanha semiconstitucionais. Sabemos como a atmos
fera repressiva da Rússia czarista contribuiu para o fim e radicalização da demo cra
cia social naquele país (BONNELL, 1983) .
Nem todos os estados repressivos são igualmen te eficientes em· liquidar as
oportunidades para o confronto. Na Itália fascista, por exemp lo, grupos antifascis
tas da Catholic Action organizaram a resistência sob a proteç ão legítima do acordo
entre o fascismo e o Vaticano (WEBSTER , 1960, caps. 1 O e 1 1) . Na Polônia comu
nista, livros e artigos de escritores do Solidarieda de continu aram a ser publicados
mesmo durante o período -�ª lei 1narcial (LABA, 1990� 1 55) .
A repressão -�istemática da ação cole�iva tem o resultado perverso de dar uma co
loração política até a atos comuns. As letras �'V.E.R.D .I." , rabiscadas nas paredes de
Milão em 1848, não se referiam apenas ao nome do �ompositor nacionalista Giusep
pe Verdi, mas era um acrônimo para o slogan Vütorio Emmanuele rei da Itália. Para
qualquer russo que pudesse ler, os grafites esctjtos nas paredes de Moscou nos anos 11
1980 indicavam a extensão da alienáção na sociedade russa (BUSHNELL, 1990) .
. Nos estados com menor determinação au�oritária, até mesmo o modo das pes
soas inclinarem os seus chapéus _ ou· as suas formas .de vestir indicam desacordo,
como James Scott descobriu em . sua pesquisa .na Malásia ( 1 985, cap. 7) . Esses
"transcritos ocultos" raramente coµd-�zem à �ção co letiva organizada, mas debili
tam o consenso de forma insidiosa, de l;lma niaµ�ira difícil d� reprimir, pois nunca
cruzám a linha que divide o réss�ntíniento da _ópo�ição. Os estados repressivos de
bilitam a ação coletiva do tipo �onyerici9nal ou de confronto, mas ficam abertos à
mobilização moderada. que pode sinalizar so\idariedade, tomando-se u m recurso
quando surge a oportunidade. _
Enquanto que os estadÓs _autoritários reprim_em sistematicamente o confronto,
a ausência de canais regulares Pª!ª expressar opinião transforma ate mesmo dissi
dentes moderados em opositores ao regÍme, forçando� os a colocar o problema de
derrubá-lo como condição para reformas. Como Marx escreveu em 1843 sobre a
difer�nça entre a monarquia francesa relativame11:tê-Hheral e O Estado prussiano re
pressivo : "Na França a emancipação parcial é a base da emancipação universal. Na
Ale�nha, .ª :mancipação u niversal é a condJtio s �ne qua no n de qualquer emanci
paçao parcial (1967: 262-263) , Isso é particularmente verdade qu ando a repres
são visa a sobrevivência coletiva de grupos ameaçados.
Ameaças e oportunidades
Até �g� ra, falamos princip almente das oportunida d es para a ação coletiva e
das restnçoes a elas colocadas, A percepçã o dessas variaçõe s e mudanças induz em
1 1 . Ver Open Uníversity, Mustc and Revolµtton: Verdi (1976) . Sobre O ro ck, c omo uma expressão de
discordância na União Soviética antes de 1989, ver The Sovtet Roch Scene, de Sabrina Rmne t. O rock
começou a desempenhar um papel similar na Indonésia autoritária du rante o s ano s 1980 .
1 16
·
as pess oas, que de outra .
- forma fican am em cas a , ª se . . em açoes-
. engaJar coletivas
custosas, frustrantes .
e possivelmente perigos as · M a5 h '
a uma outra ordem de variá-
.
veis, s�bre as quais sab emos n1ui· to po uco ' que ' lo gica · mente, surgem para estirou-
la r o con fronto: as ameaça s aos i'nter� esses aos valores e, as ..
. eerentes grupos ' vezes, à sobrevivência
qu e di1 e indivídu o s VIv . enc1am . .,
,
E melhor começannos considerando o con ftonto e 0 m0 um probl ema de ação
. , . de custos
coletiva e aqueles que O consideram diante de u ma sene e obstáculos. Do
ponto de vista de uma simples rnob1· i·izaçao _ de recursos , aqueIes que mais prova-
velmente se engajariam em confro ntos sena . m pess .
oas co m pouco a perder, pms
são eles que possuem os maiores recursos, ·. ·M as , se iucl .
� garmos quem tenta apro -
veitar as oportunidades externas Is. · e vera, que se enga1a � riam em tais · confrontos
' . _ ·
aqu eles que têm muito a perder, pois sao eles que, se não agirem enfrentam a
. ,
ma10r ameaça . ·
Considere a · expansão · dos assentamentos · · · ··
Judaicos em volta de Jerusalém
. . .
anunciada pelo pnmeuo-minis�ro de Israel Netanyahu no início de 1997, ignoran-
d� 0 ac�rdo de paz de Oslo que seu govetno Jurou-·respeitar. Essa atitude ameaçou
a integndad� do fut�ro Estado palesti:r:io e só_ p ? d.eria provo car uma reaçã o indig
nada dos residentes arabes de Jerusalém e da recém-formada Autoridade Palestina.
A a�eas;a de sufocar sob a pressão dos �'fato s_ ·cria.do s" p or Israel foi um grande in
centivo para o protesto palestin o. De fato, pode..;se dizçr que a"'atitude ultrajante de
Netanyahu se co_nstituiu em oportunidade para P!Otestos populares que o governo
de Yassar Arafa t não poderia ter organizado sozinho . .
A "teoria da perspectiva" , do psicólogo de Stanford .Amos Tversky, já falec
ido,
ora
sugere uma maneira de teorizar sobre a importância da ameaça como deflagrad
boradores
do c onfronto (cf. QUATRON E · & TVE�?KY, 198� ) .! Tversky 'e seu� cola
e perdas futu
afirmam que os indivídu os reage� diferentemente �iante de ganhos
ersas que s ão contex
ros . Eles dizem que os indiVÍdu os empregam h�ur:ísticas div
te ao risc o depende dos re
tualII1:ente con tingentes . "Uma atitu�e individual fr�n
�çã o ao ponto de referên
sul tados serem per cebidos com o ganhos ou perdas em rel
s de Tversky à teoria da ação
cia" (p . 722) . J effrey Berej ikian , ao aplicar os achado
revolucio nária" sej a acionada
coletiva, afirma qu e é prová�el qu e a "ação c o letiva
esc ev e qu e �'ca mp o n�ses ; passando p or transforma
pela "ameaça de erd p as" . Ele r
plo , a um. aumento de vulnerabilidade
ções socioestru tu rais qu e levaram, po r exe�
riam como neutra uma escolha en1
perante a crise de subsistência . . . não considera
. 65 3) .
favor do status quo, mas co mo uma perda" (p
aç ões de Berej ikian . Prü11eiro, há , empi
Po de-se Iévan tar três obj eç ões às afirm e º confronto foi preparado, sem ne
ricamente, alguns caso s bas tante óbvios em qu. . os obs ervadores concordariam
u e a maiona d
nhuma ameaça imedia ta , por pessoas q
sta tus ou posiçã o . Co nsidere o n1ovimento
não estar bu sc ando vantagens para seu ancos nortistas que foram para o sul
america no pe los direitos civis: a m aio ria dos br e hum risco à vida ou à proprie-
avam an tes disso n n
aju dar O movimento não enfrent
1 17
s eus risc os subs
dade. Ao contrário , ao se engaj are1n no confr onto au1n entara1n os
tanciahnente (McADAM, 1986) ,
Segundo, não é claro se "ganhos" e ''perdas" (por exempl� , � os termos de
Tversky, o nponto de referência'� de u1n indivíduo) podem s er obJ � tl�a�en te defi
nidos e observados. O ca1nponês qu e ocupa a terra de um pr opnetano de terras
está e111 busca de un1 ganho , pois é a terra de outro qu e ele ocup a , ou está corrigin
do uina perda, pois pode alegar qu e a terra e1n questã o foi roubada de seu avô? Se
não pode1nos distinguir claramente entre a perspe ctiva de um ganho e a ameaça de
u1na perda ficaremos à mercê analítica de atores cole tivos cuja reclamação de per
das sofridas não pode ser tomada pelo valor declarad o. '
Finalmente, a objeção mais �orte ao ,argumento de qu e o medo da p erda pro
duz mais confronto do que a esperança de ganhar é que a teoria de Tversky supõe
incentivos individualis tas à ação coletiva� Quando examinarmos movimentos
tra�nacionais recentes no, cap. 1 1 , observaremos que muitos são mobilizados por
elementos de consciência em favor_ do que Dieter Rucht chama de "questões dis
tantes" - às quais o problema' do ganho çm da p erda pesso al quase não é relevante
(RUCHT, 1998a) . .
.
***
A implicação mais relevante da teoria de Tversky não é expliqu o comporta
mento de indivíduos, mas o que Berejikian cp.ama de " enquadramento interpreta
tivo por organizações revolucionárias" . P,ois se é mais· provável que uma popula
ção subjugada reaja ao medo de perdas do que à esperança de ganhos, "então a ta- _
refa da ?rganização revolucionária é ad? tar uma visão de -mundo que efetivamente
comumque aos camponeses, enquanto.indivíduos, a ideia de que os arranjos socio
estruturais existentes sãq piores do que em algum passado 'normal'" (BEREJIKIAN ,
1992: 653). Cuidaremos dessas qu estõ es sobre enqua dram�nto interpretativo no
cap. 6.
1 18
Quando a ação cole tiva é iniciada nu m a p arte de u
m sistema, em favor de um
tip o de obj etivo e por um grupo particu 1ªr , o e ncontro entre aquele grupo e seus
antago nistas fornece mo delo s de aç a-o co 1etiva ' quadr os interp
. retativos principais
e es tru tu ras de mobiliza ção q ue pro duz em novas oportunidad es. Esses efettos se-
cundár ios assumem três . .
formas gera1s. expansao ...
das p róprias oportunidades de
um g ru po e aquelas de grup o s cognatos·, dialét'1ta entre movim en tos e contramovt-.
.
mentos, e cnação de oportunid ades para e1.ites e autoridades .
r m o do m ovi m en to pr ó-
no início dos anos 1 990 u m a mularam uma can1panha de
Rescue " , usou essa s tá t1'cas ra di. ' c ai·s dire tas qu e esti
list as pr ó- es co lh a (M EYE R & STAGGE N BO RG ,
s lega
contramobilizacão das fo rca
1 99 6) .
1 19
ara as elites
C riando oportuni. d
ade5 p . am Opo rtunidades po,líti cas pa-ra as eli-
Pr o te st m cn
e1es qu e a
Fl·nalmente aqu ' qua 1'
n d. o su
"'
a s aço es dão mar
gem a repressao , como
.
' nti'd o n eg a 1
t'v o .
tes: tanto num se . quando os po 1t1c os se apodera
. t1VO, m da op
.
or tun idad e ena da pe-
num s entido pos1 tn'bunos do pov o · Com o v
erem os no cap. 10 , ta1-
ra p la 1n ar -se
los desafiantes pa ro c
ov i'mento de maio na Fra nça tenha sido uma
·
is du r ado ur o d o m , . .
vez o resulta do ma. na1 em qu e os par t1c1 s do mo vim en to so tive ram u ma 1n-
' •p a nte • .
reforma educacio . .. ent e têm pod er de afetar as prio-
fl saf'1antes raram O
uenc1a m1n1ma. P or 51 . 50 ' os de
, •
em frequentemente
#. •
Oportunidades em declínio
A abertura de oportunidades propor cion · ·_
. a r·e c..urso. s e x -
não têm recursos internos; aberturas onde ant h . . temos para pe ssoas qu e
es s O aVIa m
não pareciam possíveis e realinhamento s qu u ro s ; alianças qU e antes
e p a e em
grupos ao poder, Mas , pelo fato de essas o p or c c ap a zes de traz er novos
tun1· dra des .
se movem tão rap1. damente d e seu s desafiantes . s erem extern
. 1n1. c1. ai. s a as - e porqu e
res, e , finalmente, para as elites e au toridade p ·
ra seu s aliados e op osito -
s _ as op ,
amizades volúveis . O resultado é que as ab ertu ra o rtun\dades po
s 'P.a�a re líticas sã o
mente ou perm item que novos d es afian tes co m fo rm as fe cham- se rapida
- . . . reivindic -
pelos portoes que os prim eiros in su rgentes tin a ço ~ e s dif' ere ntes passem
hat11 derr
Assim ' as revolu ções de 1989 n a Europ a O ri·ent
u b a d °·
. a. 1 , que 1n .
trariam a democracia a uma parte do m.u nclo à qu a u
1 t111ha sid 1tos p ensaram qu e
0 ne ga d
a a liberda d e ,
1 20
produ ziram umas p ou cas democracias , vários estados neocomunistas e alguns paí
s es que rapi damente s e d es integraram por meio do conflito étnico . Mesmo na en
tã o Alemanha Oriental , logo abs o rvida nu1na democracia ocidental estável, o fó
rum cívico qu e levou à unificaçã o em 1989 foi posto de lado pelos partidos políti
cos estabelecidos , enqu anto que o sucessor do antigo Partido Comunista permane
ceu como força elei toral. Os movimentos são evanescentes porque influenciam
mu danças políticas que precipitam sua própria de smobilizaç ão .
O fato de as oportunidades políticas terem uma natureza mutável não significa
qu e elas não tenham importância_ na formação dos movimentos sociais. Da mesma
forma qu e os bolcheviques subira1n ao poder em 1 9 1 7 através do resultado de uma
oportunidade política , foram as op�rtunid�des criadas por Gorbachev que estimu
laram a ação coletiva na ex-União Soviética e na Europa Central e Oriental em
1989. Mas, se as oportunidades migram dos desafiantes para seus aliados , de movi
mentos para contramovimentos e de fora do sistema político para as elites e parti
dos no seu interior, então é predso algo mais durável para transformar o confronto
em movimentos sociais su�tentado s\ São necessários três outros tipos de recurso s
para transfarmar possibtlidades de confro:r�.to n�ste tipo de movimento: a fonn a de
confronto utilizad a. pda·s pessoas para· ganhar ápoio_ e impor sua vontade ,aos opo
s1tores, os enquadramentos interpretativos da .ação coletiva que dignificam e justi
na li
ficam suas ações e as estruturas de mobilização que -r�forçam os desafiantes
nha de fogo e ligam · o centro à base. Esse�são os poderes dos movimentos, que se
rão analis ados nos ·próximos três capítulos.· ' · · ·· ··
1 21
o de fo r m a c o n t e n c i osa
Ag i nd
1 22
figura 6. 1 - Participação n
os eventos de pro
(19/l l/19 96-1 2/02/19 9 7) te5 lo �m B elgrad
o
600
500
400
Data
Fonte: Reuter's Press Release.
Nota: Os dados no gráfico representam apenas aquelas .datas das quais a Reuter fornece estimativas
de real participação . · . • ·
Este é o pano de fundo do ciclo de confronto político que começou com as vitó
rias eleitorais roubadas ·e continuou até três ·meses depois� quando aquelas vitórias
foram reconhecidas. De 19/1 1/1996 até meados de fevereiro· de 1997 - quando o
parlamento sérvio finalmente concedeu as vitórias - a Zajedno preparou uma cam
panha de confrontos que ocorreram todas as n�ites, des.equilibraram o regime, man
tiveram os olhos da audiência internacional grudados :Qa televisão e enfraqueceram
bastante Milosevic e seu regime. Ao mesmo te�po, . os estudantes da Universida de
de Belgrado organizaram diariamente uma resistência separada; embora sua retórica
abrasadora os distanciasse dos militantes da Zajedno , de fato eles ajudaram a con
frontar o regime com desafios par tindo de diversas direções ( GART ON ASH, 1 997) .
Isso significava, mais uma vez , os Bálcãs explodindo em violência? Alguns dos
pro testos realmente se tornaram violentos : primeiro quando os particip antes co
briram de ovo s a mídia estatal p or sua recusa em divulgar notícias sobre os protes
tos e depois qu ando a po lícia , ten tand o tirar a oposiçã o das ruas , atacou os partici
pantes das demonstra ções e feriu um dos seus líderes (Le Monde, 13/02/ 1997, p.
2). M as desde o
come ço , as pacíficas passeatas noturnas através do centro de Bel
grado foram o nú cle o da campanha. Por quase dois meses , milhares de parti cipan-
1 23
. ·
· alte
dis curs os, • rnadamente
tarain , ªPi t ar a m o uv •
ira m
; am n1 p a s seata , can . a, e forain ao s tribunais. para man tera
tes sa ir e . o c0 1n ,. a p o i
1, ci
'
. fratern1zand Iugoslávia p ó s- 1989 '
incon1�dando e con evic . N as cond1. ç o es s emidita to riais da
ª pressao s:brpreotMesiltoos- herdeira de duzenoto� ano: de confron to políti co e, virtual-
- assu miu um po der especial . A
passeata d nal n o cl d en e
a 1. nst1• tu cio
ment. e, parte .da polític ela tos de
. pr ensa da Reuter , dá um a 1. d eia
im
• da magni-
figura 6. 1 , fe1ta a partir . dos r
- es ein Be1grado 13 ·
tude das demonstraço ara m . 0 po der popular em. Be
lgrado : à de-
sea tas
. qu e e xp res s
Não foram só as pas . . p antes inesclava-s e su a criatividad e. "O regime f01. atacado
tenninação dos par . t1ci n, d l
icu 1- a .
nza do por palhaços (VEJVODA , 1997 : 2).
cmn ovo s, assovio s, panel a ços e
ap a s pedes tre5 comuns
usa ssem as rua s do centro
Quando a pol ícia
. ex .
i g .
iu q u e en
. areceram passeando com seu s cachorros ou
de Belgrad o, m1'lhares de pe ss oa s a p
· do ir
fimg1n · para O trabalho· quand° a mi_'dia, ' con trolada pel o Estado , recu sou-se a
' . . tas fizeram fila e pas saram por suas
divulgar os protestos, os part1c1?antes d·e assea
rnacional. Na véspera do Ano
sedes todas as noites, tendo assim acesso· �a mídia inte
· · es to. em festa · d e rua,. quando a
Novo 300. 000 p essoas transfarmaram O seu prot
venc;dora de um conc· urso de beleza foi escoihida el� �9-�mou u� do s poricia . IS. e
·
apresentou-o aos paruc1p antes C?mo o " pol'1c1a
· . ·. atraen
· 1 máis te" -e lhe deu um bu-
, �- . . _
quê de flores. Sem .este espetáculo de todas as noit e s_ , de m1lha r_es_ de cida� <?: an-
dando no frio, rindo e cantando, proyavelmente o mundo teria deixado a Servia ao
seu destino.
,. . :
***
,: . .
A história sérvia ilu stra os três princip ais asp e ctos do confronto publicamente
organizado que serão analisados neste capítulo . 9- primeiro, o choque violento, é o
mais antigo e direto qu e co nhecemos; .o segundo , a demonstração pública organi
zada, representa o principal tipo de confronto polít�co no mundo atual - a ação co
letiva convencional; o terceiro, a .ruptura -criativa· , existe na fronteira sempre osci
lante entre a convenção e o confronto. Embora a vi.olênci�, a ruptura e o protesto
convencional se diferenciem de muitas maneiras , ·eles têm �ni ponto em comum:
todos são, de algum modo, performances pú�licas.
1 24
co num arcabouç o histórico e comparativo inais ainplo . 'M , as , até agora , a maior
p . so .m.
r e d a sq uisa b re prote sto h 1 tou -se às suas dimens o,. es qu an t1· tativa
Pfra t . s; quão
e
equentemente s e usa uma fo r..ma de con fronto '· em que condi'ções e1e é subst1tuí . -
; ua c on ao .
_ co 111 a indus .
do p o r ou tr o s e x trial izaç ão e con strução do Es tado e com ci-
clos de fo m e , d e semprego e guerra; que1n usa� de forma tipica , que formas de açao
11-
r
e co nt a que1n . _ Os recent e s a anços na a nálise compu tadorizada
� de texto s facili-
pa ra os e tudioso s reduzir o estudo dos repertórios a números e estudar sua
. taram
s
ocorrência em l ongos períod os (FRAN ZACI, 1 989) , mas dificultaram que fossem
considerados co1no perforn1:ances públicas com conteúdo emocional e cultural.
São todas as variantes do confro nto político igualmente performáticas? Havia
vários elementos de performance no qu e eu chamei de ''velho" repertório no cap. 2 -
por exemp lo , no carnaval (LE ROY LADOURIE , 1980) . A destruição de ícones e
estátuas nas guerras de religião foi também uma performance, embora em b enefí
cio apenas de uma audiência .celes tial (DAVIS, 1973) . No entanto as formas de 1
O desafio da violência
A violência é o traço mais visível da ação cole tiva, ·tanto em relação à atual co
bertura das notícias como no registro histórico. Isso não é surpresa, porque a vio
lência é notícia e preocupa aqueles cujo trabalho é manter a ordem. A violência é
também uma atração mórbida para muitas pesso as que, ao mesmo tempo que a re
pudiam, sentem-se atraídas por ela. Finalmente, a violência é o tipo mais fácil de
ação coletiva para pequ enos grupos com eçarem sem ter de arcar c01n grandes cus-
1 25
to qu e os o rg an iz ad o res de uma demonstra-
� co ntro1e Enquan ação , os fo �enta-
tos de co ordenaçã o m �rab�lhar muito p ara desenca dear uma de vidra ças
ção de pro testo pre cisa c1sa1:'1 de t1J. . Olo s bastões ou correntes, do som
re
dores de violência só p as to es nas cab eç de é a soli-
, as da s vítimas . Su a solidarieda
sb
quebrando e do S0111 do
dariedade do bando. . . de aça... o co1e t1. va centrara·1 in-s e na viol- ência r eal ou po-
As formas trad1c . 1onais a .
a m ais fá ci 1 pa ra a 1n
. i·ci'aça.. o de pess oas isola das , an lfab e-
tencial porque era a riorm po r mov1men-
. s . Mas ª Vl· olênci. a tambe1n , e, usada deliberadamente
tas e enfurecida ar op osit o r es e de
. monstrar a co-
.is ainp1os para unir apoia . dores, d esu1naniz .
istas
tos ma . entº · Os c a1n1. sas-1narro1n de Hitler ata caram os comun e
ragem de um movnn - a o po der ' mas par a criar uma
ra c mb ate r a su a asc. ensao
judeus não apen as\ pa o
e e no p oder .
identidade coletiva baseada na virilidad se tor-
• to qu e e,,. tao
- .r--
1ac ·
1 1 d ar .
ini ,,. . . a.. violência ' é surpr e endente qu e ela tenha
cio . -·
Vis .,. e ut s f . ma s d aça o co -
· a 5 do qu
e
dem ocr acia s con tem por ane o ra or
nado mais rara· nas ·
· ·
(DELLA PO RTA ,-- 19 95-·· 21 6) - · A muda. . _ .
nça com eça . .,.c om .
letiva que iremos examinar · - a
10n al no o ·
c1 d nte , a me d'1d� que ele supnm1u a viol. nc1 e
a ascensão do Esta d o nac e
- . .,. .
a viol ênc i org niz ada : Vem o s :vide�cia s deS ra mu-
privada e assumiu o con trol e d a a
r_a , a _me dida qu e os bre
dança na pesquisa de Tilly sobre a ação coletiVa na lnglater
s eculo XVIII p ara as
tões passaram das brigas tumultu adas e queimas de feno no
�éc�lo XIX (199 5a;
petições e dem onstrações que domiil�m 9 registro histórico no
cente do
1995 b) . Mas vemos isso mais claramente_ no século XX, na _ace1taçao cres
protesto não violento por parte das autoridades_ governamentais .
Violência interativa
Embo ra a violência tenha sido sempre vista c o mo uma expressã o de disfunção
psicológica o u social, ela é melhor compréendida como uma função da intera ção
en�e as táticas dos qu e protestam e o policiamei:ito. O r egistr o europeu moderno,
escreve Charles Tilly, mostra uma tosca divisão de trab_alho: "as força s repressivas
fazem a maior p arte da matança e dos ferimentos, enquanto que· os grupos qu e eles
tentam controlar causam mais danos aos objetos" (1978: 177) . Essas r elações são
interativas, como conclui della Porta em seu estudo sobre violência polític a na ltá-
lia e na Alemanha: "a escalada dos repertórios de protesto envolveram adap taçõ es
táticas entre os dois atores princip ais: o s participantes das demonstra ções e a p olí
cia" (1995: 21 1).
Essa "normalização" d_o protesto não se estende com, frequência aos �stado s
nã o democráticos. Foi em estados como a Rússia czarista que o terr o rismo se de
senvolveu primeiro - principalmente porque os p articipantes de protestos não ti
nham acesso aos meios legítimos de participação e fora m forçados à clandestinida
de, em que os únicos meios de expressão eram vio�entos. Mas, mesmo em estado s
democráticos, o isolamento dos grupos extremistas e _seus choques com a polícia
1 26
frequ entemente os deixain sem outr o recu r
so a não ser a violência (D
1 99 5) . ELLA
pQ RT A,
Às vez es � violência se torna hab itua l para alguns grup
· os e em certas intera-
çõ es n· tu a1iza · ter
· d_as 1n grup os . Os :inicultores do sul da· Fra
nça usaram a violência
contra a propneda de d e fonna tão co nsisten te em suas -lu tas para manter os
• ª
e 1m�:d�. r a entra d de vin °
· h estrangeiro. preços
que derramar vinho nas estradas e invadir
escnto nos do governo e�a, p�ra eles, uma forma institucionalizada de protesto
(MANN , 1 99?) . �s con flito s violentos entre os unionistas protestantes e os nacío
nalis_tas cat�l�cos �o norte da _Irlanda são rotineiramente deflagrados por violentas
reaçoes catohcas �s prov ocativas passe atas "Orange'' em �airros católicos _ que é
exatamente a .razao dos prote stantes escolherem essas vizinhanças.
A violência tem um efeito polarizador em sistemas de conflito e de aliança. Ela
transforma as r �lações e 1; tre desa�iantes e · autoridades, que passam de um jogo
confuso e multifac etado - de aliados , inimigos e espectad ores casuais �para um
jogo bip olar em que as pessoas são forçadas a escolher lado·s , os aliados desertam e
o aparato repressivo do Estado ep.tra em ação 15 • A ameaça de violência é um grande
poder nos movimentos, mas torna-s e uma desvantagem quando aliados potenciais
ficam com medo , as elites se reagrupam em nome qa paz social e as forças da or
dem aprendem a reagir a ela� A prtncipai ra�ão dos órgan�adores das marchas no
turnas em Belgrado implorare� a seu� apoiadores que não aderissen;i à violência
era limitar essa polarizaç�o . e �ão dar às autoridades_ pr� texto para repressão.
Os movimentos sempre se dividem quànto a usar o� nã'o a violência. A luta en
tre os girondinos e os jacobinos n_� Revolução Francesa foi deflagrada por uma dis
puta sobre a execução do rei, com ,os girondinos - que se opunham ao regicídio -
indo logo depois dele ao cadafalso . Na esquerda europeia, anarquistas· e soci
al-democratas discutiram sobre a violência dos primeiros e a burocratização dos
últimos. Na América dos anos 1 960,. a mai� importante das organizações estudan-
. tis de esquerda, a Students for a Democratic Society (SDS) , acabou quando aumen
tou o conflito e o movim�nto de resistência Weathermen surgiu dos escombros
(DELLA PORTA, 1 995 : 2 1 2) .
Embora a violência impression e as pessoas ,. ela tem uma limitação severa na
formação de movimentos, pois restringe e assusta simpatizan tes. Enquanto a vio
lência permanece como a únic� possfbilida de para a ação dos participantes de
pro testo reina a íncerteza· e os atores coletivos ganham poder psicoló gico em re
lação a seus oponent es. Mas onde .ocorre a violência ou é apenas provável, as au
toridades ficam livres para reprimir (EISIN GER, 1 9 73 ) e isso afasta os simpati
zantes não violentos. Quando isso acont ece , os o �ganiza dor �s ficam presos numa
o ano� � O}evou a
15. D ella P orta mostra que O surgimen to da política vi?lenta na Itália _e na Fran�,ª � �
uma polarização entre a "coalizão da lei-e-da -ordem e uma outra hgada
1
aos · chreitos c1v1s . Ver o
seu Social Movements, Polítical Violence, and the State, P· 192.
1 27
. ão m ili tar co m as au to rid ad es, qu e na épo ca _ atual eles nã o
espir�l de confrontaç ili da de de ve nc er. D ev e ser p or iss o qu e prau...
r po ss ib
têm vir tualmen te qualque açã o co let
. qu e se d esenvo 1veram co
iva rno
to da s as for�m as m o du 1a res de .
camen .te d o s d emocr á t1 c os não
ep e rtór ·
i o co nte mp o râ ne o e m est a
Partes importa nt es d o r , f s co nvenci o-
_ . 1entas . 0u, mais
vio · esp eci' fic am ente elas se dividem em orma
sao
nais de confronto e rup tur a.
Em sistemas autoritár,i os, .onde o protesto não violento seria habilmente repri
mido, os movimentos d� ·oposição tornaram:se e�pecializados em preparar formas
de rupturas não impositivas, ·simbólicas e pacíficas que evitavam a repressão e sim
bolizavam o confronto . Quando a ocupação nazista tornou arriscadas as demons
traçõ es de rua na Dinamarc a, os dinamarqueses org_anizavam festas musicais co-
16. Gene Sharp , em The Polítícs of Nonvio lent Action , encontra a _não-violência at: na Anti�uidade ,
entre os plebeus roma nos que em vez de atacar os cônsules, sauam ·de Roma ate uma colma cha
lu ão
mada mais tarde de "o Mon te Sagrado " (p . 75) . Ele também encontra exemplos dela na Revo �
lisa
Americana na resistência húngara ao governo austríaco no século XIX e na greve geral e para
mar , na Alem anha
ção das fudçõ es governamentais que derrotaram o golp e de Esta do Kap p em Wei
(p. 76-80) .
i tais
17. A efetividade do movimento foi demon strada pela crescente relutância dos �outo:es ou hosp
americanos em realizar abortos durante 05 anos 1980 e pela vergon�a e culpa �nduz1d�s nas mulhe
res, que eram forçadas a levar adiante gestaç ões indesejadas. O movimento antiaborto e tratado com
sensib1· 11· dade por 5uzanne 5 taggenb org •em seu The Pro- Choice Movemen t, parte 3. Alguns aspec tos.
.
artig . and Pro .. Cho1ce
o " Pro-L1fe
táticos e Orgamzac1• • • - . dos por Joh n McC arthy em seu
ona1s sao ana1isa
Mobilization'' .
1 29
munitárias, passeios a pé e usavam símb olos nacionais nas roup . muito antes
1ª
as E
pa t
da queda do Estado socialista , na ex-União Soviética e na Euro Ce� �al e Orien
p
tal, os oponentes àqueles reghnes desenvolvera1n um a1nplo re ert�no de açõ es
simbólicas, resistência pacífica e pixaç ões (BUSHNELL, 1990) que evitavam a vio
lência ou qualquer referência a ela. Quanto tnais próximo o acesso dos cidadãos à
participação legíthna� 111ais sensíveis eles se tornan;i. às formas simbólicas de protes to .
O poder da 111ptura
Há um paradoxo nas formas disrup�ivas de confronto: por espalhar incertezas
e dar poder a atores fracos contra oponentes poderosos·, elas são_ a arm� mais forte
dos movimentos sociais: Mas, quando analisamos os ciclos modernos de ação cole
tiva , vemos que as formas disruptivas não são as mais comuns (TARROW , 1 989 a,
cap. 4) . Sustentar a ruptura depende de u�_n· alto nível de ,compr omisso , de manter
as autoridades em desequilíbrio e de resistir à atração tanto da violência quanto da
convencionalização . Em todas as-trê� maneiras as formas de confronto são �oder?:
· ·
sas, mas instáveis.
Primeiro: c��o veremos no cap. 8 � é. �ifícil, �os rn;ovimerit�·s _so.�iais, inánter o
compromisso por longos períqdos, .ª não ser através de organ'izações formais que
os movimentos 'não gostam, raramente podem 'controlar e· - quando o fazem - qua
se sempre os desviam da ruptura� foi isso que Pive1i' e Cloward descobriram e� re
lação à National Welfare Rights Org'anization, 'que estudararn: nos anos 1960-. Seus
líderes estavam tão �et_erminados em trarisformá.:.la ·nu-µia organização de massa
1
18. Flemming Mikkelson salienta que, a partir de pequenas reuniões de 150 participantes na cidad:
de Alborg, esta forma de resistência se espalhou para outras cidades provinciais e possivelmen te ate
Cop enhagen, "atingindo um crescendo em 0 1/07/1 940, quando 740.000 pessoas se reuniram por
todo o país cantando seu hino nacional" (1996 : 8-9) .
,
•
violência e em mai oria s mo dera das tendendo aos me10s . .
.
, m a torna 1nst , convenc10n a1s Isso tam-
be _ avel como forma de confronto.
Greves e demonstrações
- .A greve ofere_c e uni bom· exemplo de �orno �s forma_s de confronto que come
çam de �orma disruptiva tornam-se modulai:es e finalmente convencionais. A pri
meira vez que se uso_u o termo "greve" em inglês parece ter sído quando marinhei
ros do século XVIII "recolheram" as velas de seus navios como uni sinal de sua re
cusa ao trabalho (LINEBAUGH & REDIKER, 1990.: 240) . . Mas a emergência do
termo em muitas línguas europeias por volta da JP:esma época ·sugere que a greve
tem múltiplas . origens (TILLY, 1978: 159) .
Embora sej a atualmente associada à indústri� , a greve é anterior à i�dustriali
zação e frequenteme nte incluía uma variedade de20 :atorés sociais, sendo que ne
nhum deles poderia ser considerado "prol etário " De forma diversa da revolta
camp onesa, que era inseparável do �istema senhorial, a greve, uma vez inventada,
não se ligou a nenhu 111;a ocupa ção _particular. Com? se to'rno� _geralmente conheci
do que as greves poderiam ser bem-sucedid�s, .el�s passaram de trabalhadores es
pecializados para não especializados, da grande fábrica às firmas menores, da res
trição do trabalho à �o produto, da indús t�ia à agricultura, e daí para os serviços
co
19. Por exemplo, a prática de se reunir em lugares públicos � mesmo P.ª:ª p�ática_s su?versivas, era
nhecida desde os encontros paroquiais, as guild as e as ordens de pe�1te�c1a no míc1 0 da Euro pa mo
derna. Ver Hístory of Peasant Revo lts de Bercé, p. 23- 25. Quando a p�1meira re�olta do� Croquants co
meçou a ser organizada no fim das guerras religiosas , a sua form a basica de açao coletiva era a assem-
bleia, organizada em âmbito paroquial (p. 7).
20 . Em época tão tardia quanto a do censo francês �e 1872 , es :reve �eorge Aminzade , ai�da que os
artesãos, tanto nas manufaturas como na produçã o industrial, constituíssem apenas 2 1 , 9 � da_ força
de trabalho e 29 5% da classe trabalhado ra, só os artesãos de manufaturas foram respon�áve1s por
72% das greves <le 1830 a 1879 ". Ver O seu Class, Polítics and Early .Industrial Capitalism, p. 77-78.
131
to rn ou um a par te vi rtu al das instituições de barga-
' os . Atualmente a greve se
pu' bl1c ua is e expe cta tiv· as tanto entre desafi-
pr óp ria ju ris di çã o, rit
nha coletiva , com sua
antes como entre opositores.
um meio do s trab alhadores pr essionarem .ª
As greves se desenvolverarll como
em pre sa, ma s, no cu rso do séc ulo XI X, tornaram-s e um� fonte de soh
direção da
crescente ofer ta de ap oi_o mutu o, passando
dariedade de classe. Isso se refletiu na
a das linhas ocu pa cio na is e geo gráficas (AMl � ZA� E, 1 98 1 : 8 1-8_2) e na
por cim
au mentar a sohdane da de. Os grevistas fa
crescente ritualização da greve , visando
pas sea tas nos arr edo res da fáb rica , carrega�do r anfl eto s e �uzina?do, gritan
ziam
de sohdan eda de para mduzir seus com
do palavras de ordem e entoando canções
riedade também era algo imposto e
panheiros de trabalho a se juntar a eles . A solida
nta s era "po sto na geladeira''..
o trabalhador que se recusasse a largar sua s ferrame
As greves podiam ser empregadas em combtna
ção com outras formas de con
ações legais . As as
fronto: ocupações, passeatas, sabo tagem indu strial, petiç ões e
e; etes
sembleias preparavam os trabalhadores e elegiam os comitês de grev piqu
bloqueavam os portões da fábrica para impedir a entrada de matéria-prima. Os gre
vistas, que queriam ganhar a solidariedade da comul).idade, fa.z iam passea tas sain
do da fábrica na direção de· bairros �as c}asses trabalhadoras em "comparecimen
tos", que - no melhor dos casos � induziam os comerciantes a fechar suas portas e
as esposas a se juntar àquelas -camin�adas. Começando cpmo uma retirada espon
tânea do trabalho, a greve ·tornou-se o · meio principal pelo -qual os trabalhadores
construíram e expressaram solidariedade, apresentaram seus desafios, buscaram
apoio externo e negociaram suas diferenças . com oponentes de u�a posição de
maior poder, embora �emporária. · .· ··
A demonstração, tal como ·a greve, começou como uma· ação direta disruptiva
que, no fim, fo� instit�cional�zada. Dev�ndo �uito à form_a da pro��ssão religiosa,
ela parece ter sido desenvolV1da quando os desafiantes mudavam de um alvo a ou
tro, seja para atacar oponentes ou para ·entregar reivindicações21 _
Tomo�-se diferente �as procissões quando se faziam reivindica ções seculares,
mas seus simbolos pareciam ícones religioso s. As demonstrações estão historica
mente �nectadas à democratização; foi na fase democrática da revolução de 1848
que ª demonstraçao _
apareceu na plenitude de sua forma ino dema22 , pois os líderes
1 32
da nova república francesa não p o diam re
cusar as p ess o as o direito de apres entar
.
:;:
petiçõ es (FAVRE 1 990·
conh ecidos todo s' o s ti m � �
_
1 6) A a tir de entao , ª
form típica p ela qu al s e to a -
� �
, . P �s d� VImentos fran ceses f01 a demonstração pacifica
em lu gar es pub hcos. Por vol
· ta do ... .
fim do século XIX , a demonstraçao
. • • .
do o m eio pnnc1pa1 p elo qual sindicatos e partt' unha se toma-
· ·
dos de massa d'1vu1gavam suas re1V1n-
dicações e demonstravain sua força através do
nu'mero de pessoas que compareciam.
Diferentemente das greves que ex1·gia • m a1guma re 1açao
,., com a suspensão do
, .
trabalh o 0� de um prod uto para atrair apoia dores, as demonstrações podiam se es-
palhar rapidamente de um lugar ·p ara outro e unir muitos atores sociais. Podiam
ser �sa�as. em benefício de uma reivindicação , contrá um oponente, para expressar
,.ª ex1stencia de um grupo ou sua soli9-ariedade a outro grupo , para celebrar a vitó
ria ou lamentar a morte de um líder. 'As demons trações tornaram-se assim a forma
modular clássica de ação coletiva.
(
Tal como a greve, à medida que as'demonstrações foram legalizadas elas deram
origem a uma jurisprudência e a uma cultura (CHAMPAGNE, 1 996; HUBRE CHT,
1990) . Em vez de permitir que a polícia einpttrrá�se·gros�eiramente os participan
tes, os organizadores começaram·a empregar seus próprios-.seguranças de passea
tas (CARDON & HUERTIN , 199 1 : 199) , desenY'olveram uma sequência repetida
de ruas, palavras de ordem e sinais, e co�seguirf!m assim ter uma ordem razoável.
Famílias ideológicas diferentes gostavam m�is deste o� daquele percurso, de for
ma que a coloração política do grupo poderia se�. sempre determiIJ.ada através de
seu itinerário. At� mesmo o papel dos não pa.rticipantes.,- �, imprensa, as forças da
ordem, espectadores casuais e opositores :-- torn9u-�e eventualmente parte da per-
formance da demonstração (FAVR� , 1990: 1���2):.
Os estados repressivos quase sempre çons_ideram as demonstrações como tu
multos potenciais, o que levá à repressão brutàl dos participantes e, algumas vezes -
como nos eventos de janeiro de 1905 na Rússia -, à revolução. Os estados constitu
cionais passaram a aceitar as demonstrações como uma prática normal ·e até mesmo
vantaj osa,· indicado pelo fato de os participantes receberem proteção policial e até
mesmo orienta ção. Em Washington D.C., em Roma e em Paris, oferece-se amigavel
mente aos organizadores conselhos da polícia sóbre qua� é a melhor maneira de diri
gir uma demonstração (DELLA PORTA; FILLIEULE & RIETER, 1998; McCARTHY
& McPHAIL, 1998) . No início um movimento sem regras de ·pessoas que protestavam
de um lugar para outro, a demonstração de protes �o tornou-se a principal expres-
são não eleitoral da política civilizada.
1 33
a o u tr as for am inv e nt� das po
r n ovo s
cio na liz aç ão . Ai nd
confronto e de su a institu ão e r eiv in di ca çõ e s p ar ticulares . P o de.
a co m po siç
movimento s e surgiram de su o
ro tei ro da s m ud an ça s de re pe rtó rio e eStªb ele cer qu a_tr ca tego rias
mos traçar o dis ru pt iv as �� co nfr onto , inova ção mar
za çã o de fo ma s
principais: institucionali
r
ça de paradigma.
A institucionalização do confronto
demons tr açã o tornar am-se parte do re
Vim os anteriormente como a greve e a
nalizaçã o é qu ase o mesmo em todo lu
pertório existente. O padrão de institu cio
disrup tiva de u m movimento e a pol�
gar: à me dida que acaba o entusiasmo da fas e
os movimentos ins titucionalízám
cia se torna mais hábil em exercer o controle ,
a seu s apo iad ores através de
suas táticas e tentam obter benefícios con cr etos par
te .é be�-su cedido ao custo
negociação e acordo - um caminho que .. frequ entemen
resse.
de transformar o movimento em um partid� ou grup o de_ inte
Às vezes, as formas de -ruptura que prov ocam r�pre ssão são descartad à
as lhe
elida que os participantes aprendem a·eyitá-las. Esse foi o ·caso das "demons�aç·ões
armadas" usadas pelos Montagnards _franceses durante a·insu rreiçã o em 185 1 con
tra o golpe de estado de Luís,Napoleão Em outras ocasiõe s,' as formas de confron
23
••
1 34
·
dem o templo e beb em até o fim o qu e es ta, nos Jarro
. s sacn•r1c1a1s;
· . . repetem isso · ,.
· 1nu-
.
meras vezes, e isso se to ma par te da cerimô nia " (KAFK
A, 193 7 : 9 2-93 ) .
nos anos 1 990, bloquearam as es_tra�as com seus veícult?s nc:, mesmo estilo em que
os estudantes bloquearam os edifícios da universidade· nos anos 1960 - mas com
um efeito mais devastador (COURTY, 1993) . · _ ·
Interaç'1:_o tática
A ino;�ção nas f9rmas 1� ação coletiva· resulta d� interação entre aqueles que
protestam e seus opone:ntes ..'Isso pode ser visto na hi�tória das relações industriais:
quando os empregado res usaram a tática de deixar os trabalhadores do lado de fora
de uma fábrica para derro tar uma greve, os· trabalhadores inventaram a greve em
que simplesmente se sentavam , e assim somaram a ocupação de fábrica a seu re
pertório (SPRIAN O , 1975) . Na época da Frente Popular Francesa em 1936, a ocu
pação de fábrica tinha se tornado , ela própria, uma rotina, com seus rituais, papéis
e atividades caracterís ticos (TARTAKOWS KY, 1996: 56-57) . As greves patronais
foram tornadas eventu almente ilegais_ na maioria dos países para impedir os em
pregadores de neutralizarem de fato a rea1ização de greves legais e para evitar ocu
pações potencialmente danosas por parte dos trabalhadores, temero �os de serem
deixados do lado de fora das fábricas.
O mesmo process o interativo o correu entre o movin1ento an1ericano pelos di
reitos civis e a polícia sulista que tentava reprimi-lo . D_oug McAdam concluiu , a
partir de uma análise detalhada das açõ es do movünento, que cada vez que seus lí-
1 35
ox i� ava m de um a cri se de pa rti cip açã o ou relativa à oposição , o p ata
deres se apr
da açã o col etiva sub ia de nív el, usa nd o seu s instru me nto s de forma seletiva e
mar
a· sup era r opo nen tes e aum ent ar a particip ação ( 1 9 83) . Formas novas
cria tiva par
pr e sur gem de um a dia léti ca ent re a açã o e a rea ção po r par te do Estado.
sem
Mudança de paradigma
rtó rio do confronto , pode pare
Dada a longa e lenta evolução histórica do repe
mática" par a designar as formas
cer surpreendente usar o tenno inu dança ''paradig
indica ções. De fato , visto que é
pelas quais as pessoas cos tuinam expressar suas reiv
urais, é_ra ro qu� oco rra uma
necessário basear a ação coletiva em expecta tiva s cult
realmente ocorre a par
mudança paradigmática. Entretanto, é possíve, ver que ela
s com o a mudança
tir dos exemplos reunidos neste capítulo e nos anteriores. Fato
a invenção da
das formas rígidas de confronto para as modulares no sécu lo XVII I,
greve e da demonstração no século XIX e o desenvolvimento de formas não violen
tas de resistência no século XX não poderiam ser explic ados se não surgissem no
vas maneiras de as pessoas apresentarem.reivindicaçõ e·s e no modo de as autorida-
des reagirem a elas.
Quando uma nova forma é "descoberta" , sua adequação a uma nova ·situação
toma-se imediatamente óbvia, é amplaµi.ente adotada, espalha-se rapidamente e
dá a impressão de ser uma inovação dramática. Por. exemplo; o motivo parcial da
rápida difusão dos movimentos · de democratização. na · E uropa· Oriental em 1989
foi a descoberta de que muitos cidadãos se sentiam da.mesma forma e que os meios
comuns de expressão pública seriam tolerados e poderiam ter sucesso (KURAN '
1991; LOHMANN, 1 994) . · - . · - .
Um �e:anismo importante para o surgimento de farmas novas no repertório é
0 que Ansude Zolberg chama de "momentos de loucura" - os picos dos ciclos de
prot:5to - qu�n�o :'tudo � possível" , "caí o muro entre o que é instrumental e o
,
que e :xpressivo , , a poht1ca rompe seus limites e invade a vida tomo um todo" e
"os annnais po�íticos transcendem seu destino de alguma ma�eira" ( 1972: 1 8 3 ) 24 •
:a F�an?', �10 de 1968, foi um desses momentos. Surgiram novos atores e qua-
roles . e �igmficado; se� demora foram inve:n.tadas e tentadas novas formas de açã o
co tiva, mesmo depms que O cicl° termino .
u em desdusã . o e recriminação perma-
neceram a1guma das suas inovações, embora de forma mu i to reduzida
� .
Uma dessas inovações foi a mudança no animo ,.. .
_ das demonstraçõ es de rua, na
França , depois de 196S . An tes dos acontecim entos de maio, . ... es
as d emon straç o
eram amplas, as questões claramente P O st_ ª 5 eram conduz i_
das por p artidos de mas
sa e sindicatos, e cuídadosamente apre entadas e no me
s m de progra mas e reivindi-
cações gerais . O s participantes marchava in em filas cerraclas com grau de sene . da de
. . .
e d1Sc1phna quase militar. Depois de 1· 96 8 ' as dem onstr
ações de rua tornara1n- se
1 36
bem menos ordenadas . Plen as de simb 1.is mo ludic ,. . o , fantasias bizarras e canç ões
populares, eram quase s empre p rep � em favo r
de qu estões isoladas em vez
dos amploS programas do pass a do ( ;���� , l 99 7; FILLEULE,
_ . 199 7: 194-19 5 ) .
Essas demonstraç o es era111.' frequente111ente ' ocasi - ·
com os a1nigos e
oes para passear com a e1am1-,
lia e podia in tan to estar c ercadas p or vendedores d cac hor-
. e
ro-quen te como pela polícia de e ho qu \e era mais p rovável serem seguidas por tra-
balhadores da higiene públ'1ca e1n un11o rme verde do que por " quebra dores ,, de
e arros. Nas palavras de Z O lb er g, a muda nç a paradigmá tica é "com o uma maré
de enchente que revo lve bastante· o solo ' mas deixa · sedimentos
· • · · ·
aluv1a1s depois
dela" (197 2: 206) .
Movimentos multiformes
Os movi�entos sociais não estão limitados · a tipos particulares de ação, mas
podem assumir uma variedade de formas, · isoladas ou combinadas. Esta flexíbili
�a�e permite que eles combinem as reivindicac;õ es e a participação _de amplas coa
lizoes de atores em campanhas conjuntas de ação· coletiva e a mudar o seu foco tan
to dentro como fora do processo político 25� Isso já era · verdade no século XIX�
Como escreve o historiador Jack I?locker sobre o· movimento americano pela tem
perança, os seus membros· "faziam pesquisas, tezavam e çantavam, marchavam em
salões, em parad�s, em demoristràçôes_e iam a reµ�iões e convenções . . . faziam pe
tições, man9-avam circulares sobre candidatos, pediam votos, votavam e vigiavam
as pesquisas de opinião pública" ( 1-9 89: xiv) . . .
Os movimentos contemporâneos são at� mais· flexíveis em suas táticas. Ao com
parar o movimentô ecológico na Fràrtça e na Alemanha, Dieter-Rucht descobriu que,
em algum momento, os participantes de protestps antinucleares nos dois países usa
vam formas de ação coletiva que eram expressivas ·ou instrumentais, de confronto,
violentas ou convencionais e réuniam pessoas em campanhas, escaramuças e bata
lhas (1 990) . A mesma flexibilidade pode ser vista no movimento americano de mu
lheres. Quando a administração Reagan subiu' ao poder ·"os grupos do movimento,
em vez de trabalhar dentro das instituiç ões do governo, passaram a trabalhar em
acontecimentos mais focados eleitoralmente e a gerar protesto político'' (COSTAIN,
1992: 126-127) . As atividades iam desde " chás em igrej as para discutir mudanças
nas leis até idas sem fim aos legislativos estaduais" , "contra-audiências" e "pronun
ciamentos" (STAGGENBORG , 199 1 : 29 e 44) . O movimento social moderno é um
fenômeno multiforme , indo desde protestos que atacam simbólica e fisicamente o
sistema dominante até movimentos que estão no âmbito da política convencional.
1 37
Conclusões
açã o c o �etiva: violência,
O repertório de confronto oferec e três tip o s b � sico s de
s ro ri dade� do �esa
ruptura e convenção. Eles combinam , em graus diversos, � � � � _
ade. A priln eira fonn a, a v1ole nc1a , e a mais facil de
fio da incerteza e da solidaried
enos grupo s com
ser' iniciada, màs e1n circunstâncias norn1ais é limitada a pequ
poucos recursos que querem pro duzir preju ízos e artisc ar- se à repressão . A forma
oposta, a convenç ão, tem a vantagem de criar rotinas que as pesso �s ...ent�ndem e
que as elites irão aceitar ou até facilitar. Esta é a fonte da sua predo m1nanc1a numé
rica no repertório, mas também da sua institu cionalização e falta de entusiasmo. A
terceira forma, a ruptu ra, quebra a rotina, espanta especta dores e deixa as elites de
sorientadas, ao menos por um tempo. A ruptura é a fonte de grande parte da inova
ção no repertório e do poder em movimento, mas é instável e facilmente gera vio
lência ou se torna rotinizada na convenção . .
Os movimentos que defendem a ecologia, os . direitos civis e o feminismo com
binam desafio, solidariedade e incer�ez� em seus protestos. N�s últimas três déca
das, eles têm mantido tanto o ap�üo co_mo o crescimento , em parte porque dispõem
de um repertório confiável de foripas :giodul�r�s conhecidas e bem compreendi
das. Eles se adaptaram bem à mud�nçéÍ porque set1s líderes inovaram• com base
nesses modelos básicos com ha�tli�ide::e criatividade para produzir p�rformances
de protesto que ganharam se�idores� ·a�raíram a atenção de terceiros e desafiaram
opositores.
A simples ocorrência de um ·número maior de eventos de protesto não consti
tui, em si, um movi�ento social. Coín.9 escreve Maria Diani, a não ser que esses
_
eventos seJam percebidos COJ?O parte de um movimento mais . amplo tanto por apoia
do_::5 como po� -oponentes, ficarão iso_lados e não serão cum:Qlativos., por mais dra
�tJ.cos que seJam (1995 : 3) . Os desafiantes precisam enquadrar suas reivindica
çoes de mo �o a atrair seguidores e cons truir redes sociais e co_n ectiv
as que as li
ue
� � uma s as o tras , com uma defi niçã o_ com part ilhada de realidade, de "nó s " e
eles , e de obJe _ �
tlvos fundamentais através de fases alternadas de opo
_ _
restnçoes _ rtunidades e
. Esses sao os principais poderes "in. ter.nos " atrave's d os quais
mentos socia15. . _ · os moVI-
sao construídos e mantidos � Voltaremos a ele
s em seguida.
1 38
7
Interpretando o confronto
26. Archives Nationales, III Isere 9, Correspondance, 1791-1853, "Adresse du Commissaire du pou
voir exécutif apres l'administration centrale du département l'Isere". Citado por Lynn Hunt em seu
Politics, Culture, and C!ass in the French Revolution, p. 52.
2 7. A abordagem mais completa dos festivais da Revolução Francesa está em Festivais and the French
Revolulion, de Mona Ozouf. O símbolo de Marianne, deusa da liberdade e da república, foi magnifica
mente estudado por Maurice Agulhon em seu livro Mmianne au combat. A importãncia do simbolis
mo para o futuro da massa política foi detectado pela primeira vez por George Mosse em seu livro de
1975: The Natíonalizatíon of the Masses.
139
15), os líderes de movimentos oferecem os símbolos da revolta para ganhar apoio:
distingui-los de seus oponentes.
No entanto, há um paradoxo na política simbólica dos movimentos: entre de
senvolver símbolos dinâmicos que criarão novas identidades e realizarão muda
ças e oferecer símbolos que sejam familiares às pessoas e baseados em suas própria�
culturas. Foi muito difícil para os revolucionários franceses lidar com uma popula
ção que, em sua maioria, era analfabeta; isso tem se tornado ainda mais complexc
devido a barreira de informação que compete com as mensagens dos movimento�
através de livros, jornais e especialmente a mídia. Essa é uma das razões por que a5
suas ações públicas assumem cada vez mais a forma de "performances": estão com
petindo pelo espaço público com o entretenimento, as notícias, os outros movimen
tos e com as tentativas do governo de monopolizar a formação da opinião. O maior
dilema simbólico dos movimentos sociais é fazer a mediação entre símbolos herda
dos que são familiares, mas levam à passividade, e os novos que são eletrizantes.
mas podem ser estranhos demais para levar à ação.
O dilema produz três conjuntos de problemas para os analistas e para os que
fazem movimentos sociais.
Primeiro, a maioria dos estudiosos concorda que os significados são "construí
dos"28. Mas qual é a relação entre a formação do símbolo e os conflitos de interesse
subjacentes à transformação do confronto em movimentos? Os movimentos co
meçam pelo terreno mutável do interesse e do conflito, usando e modificando
itens da cultura material, como um traje à fantasia para incentivar os apoiadores 7
Ou enquadram a ação coletiva através de símbolos criados a partir do nada - como
um certo tipo de pós-estruturalistas parecem sugerir?
Segundo, como os sujeitos visados pelos movimentos sociais interpretam a sé
rie de símbolos dos desafiantes? Os intelectuais podem interpretar materiais sim
bólicos para seus receptores, mas podemos estar seguros de que são "lidos" da
mesma forma por pessoas comuns ? Em particular, como podemos inferir a valên
cia emocional na ponta receptora da comunicação simbólica a partir de sujeitos so
ciais sem voz?
Terceiro, ouvimos frequentemente o termo "identidade política" quando se
discute movimentos sociais e isso significa que o confronto é realizado em nome
de identidades coletivas. Mas são estas identidades herdadas como roupas velhas
aplicadas ao confronto - "essencialista", no jargão corrente - ou são elas costura-
28. Versões recentes desta perspectiva "construtivista" são: Social Movement: A Cognitive Approach,
de Ron Eyerman e AndrewJamison. • Talking Politics, de William Gamson. • The Social Psycochology
,,( Pnircst. de Bert Klandermans. • Challenging Codes, de Alberto Melucci, que se somaram ao traba
lho de Robert Benford e David Snow, que discutiremos com mais minúcias mais adiante. Uma aplica
ção da perspectiva construtivista ao nacionalismo está em Imagined Communities, de Benedict Ander
son. Um retrospecto maior e alguns problemas da abordagem construtivista podem ser vistos em
"Mentalities, Political Cultures and Collective Action Frames", de Sidney Tarrow.
140
das visando a luta? Poucos indivíduos possuem identidades únicas e unificadas; a
maioria das pessoas faz um jogo e combina identidades categoriais e políticas, en
caixadas e desunidas (TILLY, 1997a, cap. 7). Com materiais tão diversificados,
como os movimentos tecem a unidade e o dinamismo necessários à construção de
movimentos de massa plenamente integrados?
No centro dessas questões está um problema básico para o estudo cultural dos
2
movimentos sociais ". Se a luta entre os movimentos e seus opositores fosse mera
mente cognitiva e simbólica, então um movimento social poderia ser compreendi
do como nada mais do que um centro de mensagens simbólicas, seja reciclando
significados herdados ou criando novos. Neste caso, poderíamos ler a interação
entre os movimentos e as autoridades como uma espécie de texto literário - uma
competição entre tropas. Mas, se o significado é construído a partir da interação
social e política entre apoiadores e opositores, precisamos perguntar como o "tex
to" das mensagens do movimento se relaciona ao contexto dos interesses e conflitos
em jogo (GLENN, 1997; KERTZER, 1988: 175) e às emoções das pessoas a que se
destinam. A questão final que anima este capítulo é como o discurso simbólico
toma forma no processo de luta 7
29. Entre outros, ver: Social Movements: A Cognitive Approach, de Eyerman eJagüson. • New Social
Movements, de Larafia, Johnston e Gusfield (orgs.). • Social Movement and CLLlture, de Johnston e
Klandermans (orgs.). • Frontiers in Social Movemcnts Thcory, de Morris e Mueller (orgs.).
141
Variações sobre um tema marxista
A doutrina original proposta por Marx e Engels depositou uma grande esperan
ça na ação de massas da classe trabalhadora em seu choque inevitável com o capital
em processo de concentração. Mas deixou em aberto a questão da ação criadora. Por
estar combinado a uma epistemologia histórica, o marxismo poderia ser interpreta
do como uma forma de "inevitabilismo" - ter-se-ia que esperar o amadurecimento
das massas a ponto de poder tirar vantagens de condições históricas também em
processo de maturação - que atraiu mais tarde os social-democratas a construir suas
organizações e esperar que as contradições do capitalismo amadurecessem.
A espera foi tão longa que, para alguns, construir o arcabouço organizacional
para capturar o momento do colapso do capitalismo começou a ser mais importan
te que antecipar aquele momento (MICHELS, 1962). Nessa espera, a adaptação às
condições existentes - por exemplo, adotar o sindicalismo e o nacionalismo
(ROTH, 1963), adaptar-se às condições das sociedades camponesas (TARROW,
1967) ou cortejar a classe média (HELLMAN, 1975) - acabou com o entusiasmo
do movimento revolucionário.
Assim era até o marxismo se mover para o leste, onde Lenin, frente a um Esta
do autoritário e a um proletariado imaturo, apropriou-se da mensagem revolucio
nária marxista, mas substituiu a ação de massas do proletariado pela direção cons
ciente do partido - interpretando o último como a "cabeça" do movimento do qual
os trabalhadores eram o corpo. As condições russas e o construtivismo criativo de
Lenin mudaram o quadro interpretativo do marxismo, que passou de uma teoria
da revolução de massas da classe trabalhadora para uma teoria da organização e da
mobilização conduzida pela elite.
À medida que o marxismo se espalhou pelo mundo, sua obsessão pela classe tra
balhadora deixou de ser tão imperativa porque, nas principais colônias e semicolô
nias do mundo, em sua maioria camponesas, como se poderia organizar uma revolu
ção, com um proletariado que não existia? As noções de Lenin sobre vanguarda tam
bém foram desafiadas: primeiro, à medida que o movimento se espalhou para as áreas
rurais onde se mesclou a escatologias camponesas (HOBSBAWM, 1959); e, segun
do, quando a estratégia entrou em contato com sociedades civis mais resilientes do
que a da Rússia czarista (GRAMSCI, 1971). Quando o Partido Comunista Chinês foi
esmagado por Chiang Kai-Shek na rebelião de Shangai em 1927 (PERRY, 1993, cap.
5), o vanguardismo e o obreirismo foram postos em questão.
Foi neste ponto que uma variante do marxismo inteiramente nova foi concebi
da por Mao Tsé-Tung- "a linha de massa". Não sendo um simples retorno ao obrei
rismo de Marx nem uma rejeição à organização leninista, o maoísmo reinterpretou
o marxismo considerando a revolução como a luta dos povos coloniais das áreas
rurais em todo o mundo contra as cidades parasitas, sob a liderança de um grupo
de vanguarda com raízes na classe camponesa. Mao também mobilizou seguidores
em torno dos símbolos culturais chineses, tornando o movimento infinitamente
mais efetivo perante um invasor estrangeiro do que diante de capitalistas e senho
res de terras domésticos QOHNSON, 1962).
***
. .:
2
O que esses exemplos da história do marxismo mostram é que as mudanças no
0
ímbolismo de um movimento nem são derivadas diretamente da cultura nem to
:almente construídas só de ideologia, mas são o resultado de sua interação estraté
gica em seus cenários variados e sempre em mudança. Os símbolos da ação coleti
,·a não podem ser lidos simplesmente como um "texto", independente das condi
ções de luta em que estão inseridos. Nem são simples projeções da cultura natin
nas estratégias políticas. De um reservatório cultural de símbolos possíveis, os or
ganizadores de um movimento escolhem aqueles que supostamente farão a media
ção entre o entendimento cultural do grupo ao qual se dirigem, suas próprias cren
ças e aspirações e suas situações de luta (LAITIN, 1988). Para relacionar o texto ao
contexto, a gramática da cultura à semântica da luta, precisamos de um conceito
adequado à natureza interativa dos movimentos sociais. Um grupo contemporâ
neo de estudiosos propõe tal conceito através da ideia de "quadros interpretativos•·
da açâo coletiva.
30. Para examinar suas contribuições teóricas mais importantes, ver: "Frame Alignment Processes", de
Snow, Rochford, Worden e Benford. • "Ideology, Frame Resonance and Participant Mobilization". •
"Master Frames and Cycles of Protest", de Snow e Benford. • "Frame Disputes within the Disarmament
Movement", de Robert Benford. • "Dramartugy anel Social Movements", ele Benford e Hunt.
143
ros descontentamentos e construir quadros de significado mais amplos que farão
sentido para as predisposições culturais de uma população e enviarão uma mensa
gem uniforme para os detentores de poder e outros (p. 1 36).
Os empreendedores de movimentos não podem simplesmente adaptar qua
dros de significado a partir de símbolos culturais tradicionais: se o fizessem, eles
seriam nada mais do que reflexos dos valores de suas sociedades e ficariam inibi
dos em desafiá-los. Como Lenin e Mao, eles orientam os quadros interpretativos
de seus movimentos para a ação em contextos particulares e os amoldam à inter
secção entre um alvo da cultura da população e seus próprios valores e objetivos.
Isso é o que Snow e seus associados chamam de "alinhamento do quadro interpre
tativo" ( 1986). Em seu artigo de 1986, eles descrevem quatro processos de alinha
mento, através dos quais os movimentos formulam suas mensagens em relação à
cultura existente. Os primeiros três fazem apenas inovações incrementais ao sim
bolismo. Através da "conexão de quadro interpretativo", da "amplificação do qua
dro interpretativo" e da "extensão do quadro interpretativo", os movimentos co
nectam quadros culturais existentes a uma questão ou problema particular, escla
recem e revigoram um quadro interpretativo que se relaciona a uma questão espe
cífica e expandem os limites do quadro primário de um movimento para incluir in
teresses ou pontos de vista mais amplos (p. 467-476). A estratégia mais ambiciosa
é a quarta - a "transformação do quadro interpretativo". É o dispositivo de enqua
dramento mais importante em movimentos que buscam uma mudança social de
maior porte (p. 474).
O processo de alinhamento do quadro interpretativo não é sempre fácil, claro
ou indiscutível. Primeiro, os líderes dos movimentos competem com outros movi
mentos, com os agentes da mídia e com o Estado pela supremacia cultural - com
petidores que têm recursos culturais imensamente poderosos à sua disposição. Se
gundo, os movimentos que se adaptam bem demais às culturas de suas sociedades
perdem o poder de oposição e alienam seus apoiadores mais militantes - pois qual
é a sociedade cujos valores dominantes não apoiam os arranjos de poder existen
tes? Terceiro, as pessoas comuns fazem frequentemente a sua própria "leitura" dos
acontecimentos, que difere daquelas feitas por seus líderes e frequentemente assi
mila a interpretação que as elites dão a seus fracassos. É muitas vezes necessário
um esforço considerável de mobilização cognitiva para acabar com esse modo de
pensar das pessoas comuns (McADAM, 1982). Há dois tipos de apelo que sempre
são utilizados para isso.
Injustiça e emotividade
Um tipo recorrente de discurso no confronto político é elaborado em torno do
que William Gamson chama de "quadro interpretativo da injustiça" (1992a: 68 e
144
73). Barrington Moorejr. escreve na mesma direção: "qualquer movimento contra
a opressão tem que desenvolver novos diagnósticos e soluções para formas exis
tentes de sofrimento, e com isso torná-las moralmente condenadas (1978: 88). De
forma semelhante, Doug McAdam argumenta que "antes de se encaminhar uma
ação coletiva, as pessoas precisam, coletivamente, definir suas situações como in
justas" ( 1982: 5 1 ) . A "injustiça", conclui Gamson, "focaliza a raiva justificada que
põe fogo na barriga e ferro na alma" (1992b: 32).
Mas não é uma simples questão de convencer pessoas tímidas de que as indig
nidades da vida diária não estão escritas nas estrelas - que elas podem ser atribuí
das a algum agente e de que as ações empreendidas coletivamente podem mudar
aquela condição. "Emoções diferentes podem ser estimuladas através da percep
ção de desigualdades - cinismo, ironia confusa, resignação" (GAMSON, 1992b:
32). O confronto pode apontar um descontentamento, identificar uma clientela e
nomear um inimigo. Mas, escreve Gamson, "isso não é suficiente se os indivíduos,
privadamente, adotam uma interpretação diferente sobre o que está acontecendo.
A adoção coletiva de um quadro interpretativo de injustiça precisa ser publica
mente compartilhado pelos desafiadores potenciais" (1992a: 73) . São atividades
centrais dos movimentos sociais inserir os descontentamentos em quadros inter
pretativos amplos que identificam uma injustiça, responsabilizar outros por ela e
propor soluções.
A maior parte do trabalho do "enquadramento interpretativo" é cognitiva e
avaliadora - isto é, ela identifica descontentamentos e os traduz em reivindicações
mais amplas dirigidas a outros que sejam significativos. Mas o trabalho de enqua
dramento interpretativo não deveria se restringir a cogitações estéreis de ideólo
gos; nenhuma transformação significativa de reivindicações em ação pode ocorrer
sem que se estimule ou se crie energia emocional. Emoções, escreve Verta Taylor,
são o "terreno de articulação dos laços entre ideias culturais, desigualdade estrutu
ral e ação individual" (1995: 227). Diz ainda, "são as emoções que fornecem o "ca
lor", por assim dizer, que diferenciam os movimentos sociais das instituições do
minantes" (p. 232).
Algumas emoções como o amor, lealdade e reverência são claramente mais
mobilizadoras do que outras como desespero, resignação e vergonha. Algumas,
como a raiva, são "vitalizadoras" e é mais provável que estejam presentes na de
flagração de atos de resistência, enquanto que outras, como a resignação ou de
pressão, são "desvitalizadoras" e existem, mais provavelmente, nas fases de des
mobilização*. Os pontos altos do confronto geram eixos emocionais em torno
dos quais gira a futura direção do movimento. Com o passar do tempo, os empre-
·• Sou grato a Arthur Kleinman por estas observações feitas numa reunião do "grupo de pesquisa so
bre confronto político" no Center for Advanced Study in The Behavioral Sciences em junho de 1 997.
1 45
endedores de movimentos se esforçarão para evocar esses eixos emocionais atra
vés da retórica, rituais e reuniões nos lugares em que ocorreram a injustiça ou Yi
31
tórias passadas .
Por ser tão confiável como geradora de emoção, a religião é uma fonte recor
rente para o enquadramento interpretativo de movimentos sociais. A religião f or
nece símbolos, rituais e solidariedades já prontos e que podem ser acessados e
apropriados pelos líderes dos movimentos (SMITH, 1 996). O mesmo vale para o
nacionalismo: por não ter as elaboradas metáforas mecânicas da dialética de clas
ses, o nacionalismo possui um potencial emocional muito maior. Benedict Ander
son pergunta ironicamente, ao contrastar os muitos monumentos ao nacionalismo
com a falta de memoriais para a classe social: é possível imaginar um "Túmulo do
marxista desconhecido"? (1991: 1 0).
Mais do que qualquer outro movimento recente, foi o feminismo que levou ao
reconhecimento da força da emotividade nos movimentos sociais. "Escritos femi
nistas, populares e acadêmicos estão plenos de relatos sobre os intensos sentimen
tos que subjazem à participação no movimento das mulheres" (TAYLOR, 1 995:
226-227). "Os estudiosos dos movimentos das mulheres", escreve Verta Taylor.
"salientaram o amor e o cuidado, de um lado, e a raiva, a dor e a hostilidade, de ou
32
tro, que caracterizam as interações feministas" (p. 229) .
A socióloga Arlie Hochschild notou que grupos particulares formam "culturas
de emoção" (1990). Muitos movimentos são criados em torno do cultivo delibera
do do ódio ou da raiva. A luta torturada e longa entre católicos e protestantes na
Irlanda do Norte só pode ser entendida como um ato deliberado de alimentar ódios
mútuos. O uso intencional do estupro de mulheres muçulmanas pelos sérvios
bósnios visou tanto dessensibilizar seus próprios soldados como humilhar suas ví
timas (EISENSTEIN , 1 996: 167). Mesmo o orgulho racial - cultivado por um setor
do Movimento Black Power nos Estados Unidos nos anos 1960 - envolveu expres
sões formalizadas de violência verbal (GITLIN, 1995, cap. 1 ). A relação entre a
mobilização e a raiva está talvez mais explícita no caso do Act-Up, o movimento
para defender as vítimas da Aids. A "raiva", escreve um de seus líderes, "é algo cria
do; o Act-Up é uma máquina para a construção da raiva" (apud ERNST, 1997: 3).
3 1 . Por exemplo, movimentos contra as lei anti-imigração na França sempre evocam a memória da
deportação, com uma passeata a partir da Gare de l'Esl, de onde judeus e outros foram mandados
para os fornos de gás pelo regime de Vichy.
32. \'er. em particular, "Imagine my surprise", de Leila Rupp. • Feminism and the Women's Movement,
de Barbara Ryan.
conflituosos. Os símbolos são extraídos seletivamente de um reservatório cultural
pelos líderes do movimento e combinados a crenças orientadas para a ação, de
modo a navegar estrategicamente em meio a um paralelogramo de atores, que Yai
desde estados e oponentes na sociedade até militantes e populações-ako . O mais
importante é que a eles é dada uma valência emocional que visa converter a passi
\'idade em ação.
1 47
Vestimentas do consenso
Quando o exército iraquiano invadiu o Kuwait e o governo americano e outros
governos ocidentais prepararam-se para contra-atacar, foram organizadas de
monstrações pela paz em Washington e na Costa Oeste (New York Times, 27/12/
1991: 1 7). Nestas ocasiões uma variedade de símbolos físicos recorreram à subcul
tura da oposição, que tinha se mantido desde o movimento antiguerra dos anos
1960. Mas, num clima em que a opinião pública apoiava a política de guerra do pre
sidente, o simbolismo dominante usado pelos manifestantes para enquadrar o seu
protesto era patriótico. Como o Now National Times resumiu para seus leitores:
Havia bandeiras americanas, laços amarelos, pais e mães preocupa
dos, irmãs, irmãos e amigos que achavam que a melhor maneira de
apoiar nossas tropas no Oriente Médio era trazê-las vivas para casa
(mar.-abr./199 1 : 1).
O que aconteceu neste protesto? Certamente não uma imitação mecânica dos
símbolos herdados do sonho americano, mas sim uma estratégia autoconsciente,
por parte dos líderes do movimento, de expandir símbolos consensuais para os sig
nificados da oposição. A tentativa era engenhosa, mas na disputa com a onda de
apoio popular a uma guerra justa promovida por um presidente popular contra um
oponente enquadrado como vilão hitlerista, a barragem do simbolismo consensual
não fez a menor diferença. A vestimenta do consenso não pode mobilizá-lo contra
o sistema que o produziu.
Por que parece tão difícil criar símbolos que sejam verdadeiramente de oposi
ção? Uma razão pode ser a de que os líderes dos movimentos querem de fato per
manecer nas fronteiras de um consenso político - isso foi certamente verdade em
relação à maioria dos norte-americanos que protestaram pela paz. Outra razão é
que o alcance do Estado é tão grande que até mensagens que veiculam ruptura são
enquadradas em termos de consenso. Mas uma terceira razão se relaciona mais di
retamente à estrutura de comunicação nas sociedades atuais: movimentos que
querem se comunicar com um público mais amplo precisam ter recursos internos
para "efetivar" o protesto (GLENN, 1997; MEYER & GAMSON, 1995) ou usar a
mídia para fazê-lo. No entanto, a mídia está muito longe de ser neutra em relação
aos símbolos que seleciona e transmite.
1 48
mais tarde, os que apoiaram os pais das garotas começaram a publicar um boletim -
La marche blanche - para investigar a corrupção em altos postos e difundir a men
sagem do movimento.
Quando Eric Hobsbawm estudou as rebeliões "primitivas" nos anos 1950, era
comum atribuir o uso de rituais simbólicos à natureza pré-política desses movi
mentos (1959, cap. 9: 2). No entanto, o papel do simbolismo visual foi ativamente
reforçado pela atuação da mídia e, particularmente, da televisão. Uma das razões
para se usar um simbolismo visual é ajudar na construção de identidades coletivas;
outra, é projetar uma imagem de pesar ou de alegria, de ferocidade ou espírito de
jogo de um movimento para os espectadores casuais e para os opositores (LUM
LEY, 1990: 223). O mecanismo primário para os dois processos é a mídia de massa.
Não se deveria ignorar o papel do rádio na difusão de informações. Em maio de
1968, por exemplo, os acontecimentos na França eram transmitidos respeitosa
mente pela emissora de rádio do governo, informando as pessoas em diferentes
partes do país sobre passeatas, greves e ocupações de fábricas e ajudando a difusão
do movimento. Durante a Guerra Fria, a BBC e a Radio Free Europe desempenha
ram um importante papel na difusão de informações para a Europa Oriental, espe
cialmente depois que os dissidentes naqueles países aprenderam como obter rela
tos noticiosos daquelas fontes de comunicação. Mas foi a televisão, com sua capa
cidade ímpar de condensar situações complexas em imagens visuais, que ocasio
nou uma revolução nas táticas dos movimentos.
A extensão desta revolução tornou-se evidente, pela primeira vez, durante os
anos 1960 nos Estados Unidos. O movimento pelos direitos civis, escrevem Kiel
bowvicz e Scherer, "foi o primeiro a recorrer a relatos noticiosos da televisão princi
palmente em função dos seus elementos vi.suais" (1986: 83). A coincidência do sur
gimento do movimento com os noticiários televisivos ajudou-o de três maneiras:
primeiro, a televisão chamou a atenção da nação, e particularmente dos telespecta
dores do norte do país, para injustiças longamente ignoradas; segundo, ela contras
tou visualmente os objetivos pacíficos do movimento com a violência da polícia; ter
ceiro, a televisão foi um meio de comunicação para os que estavam dentro do movi
mento. Ela ajudou a difundir conhecimento sobre o que o movimento estava fazen
do através da demonstração visual de como fazer uma manifestação passiva sentan
do junto a um balcão de refeições, como caminhar pacificamente pelos direitos civis
e como reagir quando atacados pela polícia com mangueiras de água.
O movimento estudantil f oi o segundo maior teste prático para o impacto da
televisão. A ocorrência simultânea de demonstrações estudantis por todo o Oci
dente em 1968 - usando muitos das mesmas palavras de ordem e formas de ação
(McADAM & RUCHT, 1993) - f oi em parte resultado do impacto da televisão.
Dois estudiosos sobre os efeitos da mídia nos movimentos concluem: "para as pes
soas do público cujas próprias experiências se parecem com os casos exibidos, essa
atenção da mídia pode servir para cultivar uma consciência coletiva, lançando as
bases para um movimento social" (KIELBOWVICZ & SCHERER, 1986: 81).
1 49
Uma terceira fase foi a popularização da religião política nos anos 1970 e 198l'
através dos meios de comunicação de massa. Em lugares tão diversos como o Irã e oc
Estados Unidos, figuras religiosas adotaram a mídia para difundir suas mensagen�
políticas. No Irã, o Aiatolá Khomeini e seus seguidores usaram o rádio e fitas graYa
das para difundir sua crítica antiocidental ao governo do Xá, enquanto que funda
mentalistas cristãos nos Estados Unidos transmitiam suas mensagens de lugares tãc
33
diferentes como púlpitos de igrejas locais e estádios de futebol americano .
O exemplo mais dramático do papel da mídia foi global: a encenação de uma
demonstração massiva dos estudantes chineses na Praça Tienanmen em protesto
contra a corrupção e o autoritarismo do Partido Comunista (ESHERICK E-;:
WASSERSTROM, 1990). Os estudantes chineses não apenas recorreram a símbo
los tradicionais do teatro político chinês; como em outros episódios das revolu
ções de 1989, eles usaram estrategicamente forma teatrais para ganhar a simpatia
da audiência da mídia internacional, o que sabiam ser a sua única esperança de
conseguir pressão externa sobre as autoridades (CALHOUN, 1994, cap. 3). O mo
numento à liberdade que levaram para a praça num certo momento tinha raízes na
cultura política chinesa; mas tinha também uma semelhança desconcertante com a
Estátua ela Liberdade do porto ele Nova York, presente elos republicanos franceses
para seus primos americanos.
A mídia é uma f onte difusa ele formação ele consenso que os movimentos não
podem obter facilmente. Uma nova informação e, principalmente, uma nova ma
neira de interpretá-la, sempre aparece primeiro em espaço público e apenas mais
tarde dá origem a quadros interpretativos de ação coletiva por parte elos empreen
dedores ele movimentos. Por exemplo, quando William Gamson estudou a cober
tura feita pela imprensa americana de dois acidentes nucleares nos anos 1950 e
1980, ele descobriu que tinha havido uma mudança radical na maneira elos repór
teres tratarem o assunto ( 1988).
Uma vez formados, os movimentos podem tirar vantagem de coberturas feitas
por jornalistas que tenham simpatia por eles (GITLIN, 1980: 26). Entretanto, com
mais frequência, a mídia escolhe a maneira de enquadrar uma história porque ven
de jornais ou atrai telespectadores. Assim, numa greve de 1997 contra o fechamen
to de uma fábrica pela Renault, na Bélgica, quando um grande número de trabalha
dores da Renault da França e da Espanha cruzaram as fronteiras para protestar
contra a decisão em Bruxelas, foi a imprensa que rotulou o protesto de "Eurostri
ke" (IMIG & TARROW, 1997). O motivo não foi tanto a simpatia pelos grevistas.
mas sim enquadrar a história de modo atraente para o público internacional.
33. De muitas formas, a apoteose da combinação do simbolismo religioso e esportivo é "The Promise
Keepers", o movimento fundamentalista só para homens que cresceu muito nos Estados Unidos nos
anos 1 990. Para um relato ver "The promise Keepers are Coming", de Conason, Ross e Kokorinos.
Essa história salienta um grande problema para os movimentos sociais: os mei
os de comunicação estão longe de ser espectadores neutros ao enquadrar os fatos
dos movimentos. A mídia pode não trabalhar diretamente para a classe governante
(MOLOTCH, 1979: 75), mas certamente não trabalha para os movimentos sociais.
Numa sociedade capitalista pelo menos, a mídia está no mercado para reportar as
notícias, mas apenas ficam no mercado se reportam sobre o que interessa aos leito
res ou telespectadores, ou sobre o que o editor pensa que os interessa.
A maneira da mídia fazer a cobertura dos movimentos é afetada pela estrutura
da indústria de mídia. Como escrevem Kielbowicz e Scherer, os movimentos são
afetados pela preferência da mídia por eventos dramáticos e visíveis; pela confian
ça dos jornalistas em f ontes oficiais; por novos ciclos ou ritmos; pela influência dos
valores ou orientações profissionais do repórter e pelo modo como o ambiente da
mídia - principalmente o grau de competição - influencia as notícias (1986:
75-76). Como resultado, a capacidade das organizações de movimentos de se
apropriarem da mídia para seus propósitos é limitada.
A influência da mídia sobre a percepção das ações dos movimentos é uma faca
de dois gumes. De um lado, um crescente "enquadramento interpretativo" da mí
dia é que a vida pública é corrupta, um ponto de vista que é confortável para os lei
4
tores ou telespectadores porque justifica a inação ou a desmobilização3 . Por outro
lado, o interesse pelas atividades dramáticas realizadas pelos movimentos logo
perde o interesse da mídia, a não ser que mudem ou intensifiquem suas rotinas.
Quando os protestos aumentam, a mídia continua a fazer a cobertura, mas logo dá
prioridade aos seus aspectos violentos ou bizarros.
A mídia tende a focalizar o que "é" notícia. Isso reforça o deslocamento da rup
ura para a violência, frequentemente encontrada em ciclos de protesto (GANS,
1 979: 169). Num protesto pacífico contra a guerra, o estudante isolado que atira
uma pedra numa barreira policial ou um travesti com roupas extravagantes que
participa de uma passeata pelos direitos dos homossexuais são mais eficientes do
que qualquer número de manifestantes caminhando pacificamente por uma rua da
cidade. Dessa forma, a mídia "acentua as tensões entre militantes que existem em
qualquer conjunto de ativistas" (KIELBOWICZ & SCHERER, 1986: 86), incenti
\·ando elementos disruptivos ou violentos em movimentos que, de outra maneira,
35
seriam pacíficos .
3-f. Sou grato a Bill Gamson por esta percepi,:ão, numa reunião do "grupo de pesquisa sobre confron
:o político" no Center for Advanced Study in the Behavioral Sciences em junho de 1997. Ver, de Bill
-::;amson: "Social Psychology of Collective Action". • Talking Politics.
3 5 . A cobertura da mídia pode também favorecer um ramo do movimento em detrimento de outro na
:·.:mnação da sua imagem pública. Por exemplo, Liesbet van Zoonen descobriu que uma série de
,'\·entos públicos preparados pelo movimento das mulheres holandesas forneceu três assuntos prin
.:ipais que quase todas as fontes de mídia retrataram. Estes "elementos do quadro interpretativo" for
maram a base para a futura identidade pública do movimento (1992: 13).
151
Construindo o confronto
Tanto os quadros culturais existentes quanto o papel da mídia restringem a
formação de movimentos. Mesmo assim os movimentos estão sendo construídos o
tempo todo e os mais bem-sucedidos transcendem os quadros culturais de suas so
ciedades e - em alguns casos - geram revoluções. Não é a mobilização do consenso
ou o enquadramento interpretativo da mídia que faz isso, mas sim o próprio pro
cesso de confronto. O caso do movimento norte-americano pelos direitos civis
mostra como, neste processo, os quadros culturais herdados são combinados a es
colhas estratégicas.
36. \las ao contrário do que alguns estudiosos do confronto americano pensam, isso não chega a ser
·.tm monopólio americano: para uma discussão sugestiva sobre "consciência de direitos" na China
�ura!. \·er ·-Yillagers and Popular Resistance in Contemporary China", de Li e O'Brien.
de conectar os brancos liberais e a classe média negra, de onde vinha o núcleo do
movimento.
Mas o conceito de "direitos" desse movimento não era nada mais do que o uso
tradicional do consenso americano? Se assim for, por que ele teve que esperar os
anos 1960 para agir e como conseguiu tanto? A resposta é que, apenas quando
combinados a uma forma inovadora de ação em uma estrutura de oportunidades
em mudança, os direitos se tornaram o quadro interpretativo central da ação cole
tiva do movimento.
A partir do fim dos anos 1950, o modesto quadro interpretativo dos direitos a
oportunidades iguais foi acompanhado por uma prática de protesto altamente dra
mática e de confrontação - a ação direta não-violenta.
Se a doutrina dos direitos preencheu retoricamente o espaço entre o status su
balterno tradicional dos negros sulistas e seus apoiadores brancos liberais, a ação
direta não-violenta transformou a inércia da classe média negra em ação.
Desde o começo, a transformação do quadro interpretativo dos direitos foi in
terativa. Dois atores principais desempenharam um papel crítico: uma geração de
estudantes universitários que cresceram em cidades onde não existiam as piores
práticas de segregação racial legal Qim Crow) e os agentes da estrutura do poder
branco cujo comportamento acabou por favorecer o movimento - na televisão !
Enquanto os estudantes, em seus ternos esmerados e vestidos afetadamente mo
destos, sentavam-se passivamente, faziam passeatas e demonstrações, cantavam e
rezavam, a polícia reagia com violência à não-violência, reunindo os pombos da
paz com os cães policiais da guerra. Quanto mais violento e não-cristão o compor
tamento dos detentores do poder branco, maior a superioridade moral da tática
dos estudantes e mais razoável o programa do movimento. Foi no processo de luta
que a retórica de direitos herdada foi transformada num quadro interpretativo
novo e mais amplo da ação coletiva.
A lição do movimento pelos direitos civis é que os símbolos de revolta não são
retirados de um armário cultural como uma vestimenta antiquada e exibidos ao
público. Nem os significados são feitos a partir do nada. As vestimentas da revolta
são tecidas com uma mistura de fibras herdadas e inventadas em quadros interpre
tativos da ação coletiva em confronto com oponentes e elites. E, uma vez introdu
zidas, não são propriedade exclusiva dos movimentos que as produziram, mas -
como as formas modulares de ação coletiva descritas no cap. 6 - ficam disponíveis
para que outros possam vestir. Como Snow e Benford salientam, quando é enuncia
do em contextos de turbulência geral" , um quadro interpretativo de ação coletiva
bem-sucedido torna-se o "quadro interpretativo abrangente" ( 1992) . No caso dos
direitos civis, como resultado do trabalho precursor de enquadramento interpreta
tivo destes direitos civis, "começamos a ver o aumento da politização de outros
grupos, especialmente as feministas, os ambientalistas, os idosos, as crianças. os
i 53
deficientes físicos e os homossexuais organizando e reivindicando os seus 'direi
tos"' (HAMILTON, 1986: 246).
37. O locus clássico da teoria da identidade coletiva está em Challenging Codes: Collective Action in
the Information Age, de Alberto Melucci. Tópicos sobre a formação da identidade em movimentos
sociais são centrais para várias grandes investigações no campo do movimento social: Social Move
ments and C11lt11n:, de johnston e Klandermans. • New Social Movemenls, de Laraõa,Johnston e Gusfi
eld. • Frontiers in Social Movement Theory, de Morris e Mueller.
1 54
bros em relação a outros de fora, a solidariedade dos seus militantes é quase sem
pre baseada em comunidades mais íntimas e especializadas: como as "comunida
des de discurso", que Mary Katzenstein encontrou entre as mulheres católicas a
mericanas (1995); ou a solidariedade de local de trabalho que Rick Fantasia ob
servou entre os trabalhadores que estudou (1 988); ou a construção da comuni
dade personalizada que Paul Lichterman encontrou em comunidades locais nor
te-americanas ( 1996).
Quarto, construir um movimento em torno de f ortes laços de identidade cole
tiva, seja ela herdada ou construída, poupa muito o trabalho que normalmente se
ria da organização; mas ela não pode fazer o trabalho da mobilização, que depende
do enquadramento interpretativo das identidades de tal forma que elas conduzam
à ação, a alianças e à interação. De fato, a política de identidade quase sempre pro
duz movimentos insulares, sectários e causadores de divisões, incapazes de expan
dir o número de membros, ampl iar demandas e negociar com aliados em perspec
tiva. Esta é a crítica aguda que Todd Gitlin faz da "política de identidade" america
na contemporânea em seu livro Twilight of Common Dreams ( 1995) - uma fraque
za que não encontra na política de classes do passado.
A ligação entre exclusividade e fraqueza também trabalha na direção oposta;
observa-se frequentemente nos movimentos fracos e no fim dos ciclos de protesto
que os militantes erguem cada vez mais alto os muros de suas identidades coleti
vas, definindo-se através de elementos de identidade cada vez mais estreitos e rejei
tando alianças como uma f orma de "colocar-se à venda em liquidação" . No epigra
ma desmoralizador de Gitlin os movimentos fracos frequentemente "marcham di
ante do Departamento de Inglês, enquanto que a Direita toma a Casa Branca
( 1995, cap. 5).
Finalmente, não deveríamos considerar a identidade coletiva de um movimen
to social como permanente ou impermeável à influência externa. Assim como seus
repertórios de confronto, seus programas e sua valência emocional evoluem, as
identidades não são simplesmente feitas a partir do nada, mas respondem às mu
danças nas oportunidades e nas restrições políticas, nas necessidades estratégicas e
nos materiais culturais disponíveis, como veremos neste exemplo final.
1 55
industriais do passado (p. 150). A prática da revolta nunca pareceu recorrer tão pe
sadamente aos símbolos de consenso herdados.
A Polônia testemunhou vários usos políticos do ritual católico durante os anos
1970, começando com as tão discutidas passeatas da Nossa Senhora Negra de
Czestochowa e terminando com o espetáculo de um papa polonês celebrando uma
missa pública num país comunista (KUBIK, 1994, cap. 5; OSA, 1995). Mas, desde
o seu começo, o Solidariedade não era tanto um movimento de massa de um povo
católico, mas um movimento de trabalhadores industriais buscando um sindicato
livre e usando símbolos católicos para mobilizar o consenso (LABA, 1990, cap. 8).
A estratégia que guiou os trabalhadores de Gdansk nos anos 1980 utilizou imagens
religiosas para evocar e tirar energia de uma onda anterior de greves. Em dezembro
de 1970 os trabalhadores atacaram a sede do Partido Comunista em Gdansk e vá
rios foram mortos pelo exército (GARTON ASH, 1984: 12- 13; LABA, 1990, cap.
38
2) . "O mito dos mártires cresceu no subsolo fértil da consciência nacional", es
creve Timothy Garton Ash (1984: 12).
Esses símbolos emergiram periodicamente como um recurso para gerar soli
dariedade e enquadrar novas reivindicações. Já em dezembro de 1970, a fusão das
imagens da Polônia martirizada e dos proletários sofredores apareceu nas greves
de Gydina e Gdansk. Em 1971, os trabalhadores, na parada do Dia do Trabalho em
Gdansk, carregaram um cartaz exigindo uma placa para recordar os mortos das
greves do ano anterior (LABA, 1990: 126). Em 1977, os grupos que mais tarde fun
daram os Free Trade Unions of the Baltic e o Movimento Young Poland exigiram a
mesma coisa (p. 136). Os eletricistas do estaleiro Lenin, que assumiram a lideran
ça do movimento de Gdansk no verão de 1980, consideraram um dever - quase
uma obsessão - honrar a memória dos mártires. Lech Walessa ganhou notoriedade
pela primeira vez na demonstração, em 1979, no estaleiro Lenin. Fugiu da prisão
para ir à demonstração e surgiu em cena exigindo a construção de um monumen
to para honrar os mortos de 1 970. "Cada um deveria voltar no próximo ano, no
mesmo lugar e na mesma hora", ele disse, "e cada um carregando uma pedra". Se as
autoridades se recusassem a construir um monumento, eles mesmos o fariam com
as pedras em seus bolsos (GARTON ASH, 1984: 31).
Os acontecimentos que levaram à ocupação do estaleiro Lenin em julho de
1980 foram inspirados pela questão dos mártires de 1970. Quando uma militante
popular do Free Trade Union, Anna Walentynowicz, foi a um cemitério local para
encontrar tocas de vela para acender em memória das vítimas de 1970, ela foi des
pedida pela direção da fábrica, somando uma faísca de afronta humana às débeis
38. É significativo que, em agosto de 1 980, no portão do estaleiro Lenin, acima da cruz de madeira,
dos retratos do papa, de uma imagem da Virgem Negra de Czestochowa e da Águia Branca coroada da
Polônia havia um cartaz onde estava escrito "Trabalhadores de todas as fábricas, uni-vos ! " Roots of
Solidarity, de Laba, p. 130.
1 56
chamas da insatisfação do trabalhador. No amanhecer de 14 de agosto, militantes
do Free Trade Union passaram desapercebidos dos guardas da fábrica com carta
zes reivindicando a reintegração de Walentynowicz e mil zlotys redondos de au
mento de salário para todos. Colaram os cartazes em volta do estaleiro e iniciaram
uma passeata interna, ganhando apoiadores à medida que andavam. Assim come
çou a cadeia de eventos que levaria ao estabelecimento do Solidariedade e seu tri
unfo temporário sobre o governo (GARTON ASH, 1984: 39).
Conclusões
O que podemos aprender sobre o poder do simbolismo na ação coletiva a par
tir dos casos do movimento pelos direitos civis e do movimento dos trabalhadores
de Gdansk?
Primeiro, os símbolos culturais não estão automaticamente disponíveis como
símbolos mobilizadores, mas exigem agentes concretos para transformá-los em
quadros interpretativos de confronto. Tal como a ação direta não violenta no sul
ganhou seu poder a partir da habilidade da National Association for the Advance-
1 57
ment os Coloured People - NAACP, de expandir os direitos através de uma década
de decisões judiciais e da prática da resistência pacífica, o Solidariedade foi
bem-sucedido quando seus líderes juntaram os símbolos religiosos de seus compa
nheiros assassinados às reivindicações da greve para construir uma solidariedade
que ultrapassava os muros da fábrica.
Segundo, a cultura política herdada pouco fez, na Polônia ou na América, para
decidir quais símbolos dariam dignidade e energia à ação coletiva e quais não. Os
direitos na América e o catolicismo na Polônia estavam disponíveis há gerações
sem ajudarem visivelmente os afro-americanos ou os trabalhadores poloneses a se
livrar da opressão. É a combinação de novos quadros interpretativos inseridos
numa matriz cultural que produz quadros interpretativos explosivos de ação cole
tiva. Combiná-los depende dos atores envolvidos na luta, dos oponentes que en
frentam e das oportunidades para a ação coletiva.
Finalmente, é na luta que as pessoas descobrem quais são os valores que com
partilham e quais os que os dividem, e aprendem a enquadrar suas demandas em
torno dos primeiros e a esconder os últimos. Frequentemente falham, mas quando
têm sucesso, um movimento como o Solidariedade dá resultado. Como Laba escre
ve em seu Roots of Solídarity,
O Solidariedade tem sido usualmente considerado como um simples
movimento nacionalista e o seu simbolismo uma mera continuação
da tradição de pré-guerra do século XIX. Escapa a essa análise a quali
dade inovadora do Solidariedade - até que ponto os símbolos dominan
les foram inventados durante as greves e o grau em que os símbolos e ri
tuais dominantes foram tirados da tradição nacionalista e socialista e
transformados ( 1990: 128 - ênfase acrescentada) .
1 58
8
Estruturas de mobilização e confronto político
39. Para uma comparação entre as abordagens de I-Iobsbawm, Piven e Clowarcl, ver a interessante re~
senha de Hobsbawm do trabalho de Piven e Cloward: "The Left anel the Crisis of Organization" e a
resposta destes autores aos seus críticos no prefácio à edição de 1979, de Poor People's Movement.
159
(1987: 20). Un1 segundo sentido é organização da ação ~oletiva ~ara contat?s com
opositores. Estes vão desde reuniões te1nporár.i~s de desafiantes ate redes sociais in-
formais sucursais, clubes e células do tipo n11htar. Eles pode~ s_e~ _controlados por
'
organizações · organizaçoes
formais, por coalizões de · _ - 0 ~ Por __ . _ em p ª! ficu1ar.
_ nrnguem
· ·
As re d es sociais b d sociedade ·p assaran1 a ser as fontes 1na1s comuns de recru-
na a~e a . . . McADAM 1988).
ta1nento para os 111ov1111entos sociais (GOULD, 1995, ,
o terceiro sicrnificado de organização refere-se às estruturas conectivas que li-
ga1n líderes e seg~.Iidores, centro e periferia, e partes d!ferentes de um se.tor ~e mo-
viinento, possibilitando a coordenação e a agregaç~o. entre as organizaçoes de
movünentos e possibilitando aos 1novin1entos pers1st1re~ mesmo quando falta
uina oroanização fonnal (DIANI, 1995). Apenas quando tais estruturas conectivas
são inc~rporadas à organização de u1n 1novimento e a a~ão coletiva é controlada
por seus líderes, 0 movimento social corresponde a uma ú_nica or~a:r;lização. Mais
frequente1nente, as organizações formais refletem apenas impe!feitamente o teci-
do conectivo informal de um movimento. Contudo, os_movim~Iitos tendem a de-
saparecer ou dissipar suas energias se não tiverem algum grau de organtzação, em-
bora possam atingir grandes picos de confronto. ·
Para seus organizadores o problema é criar modelos organizacionais suficien-
temente robustos para estruturar relações sustentadas com os opositores, mas que
sejam flexíveis o bastante para permitir conexões informais que liguem pessoas e
redes entre si para agregar e coordenar o confronto. O argumento deste capítulo é
que as formas mais efetivas de organização são baseadas em unidades locais; parei-
. almente autônomas e contextualmente enraizadas, ligadas por estruturas ·conecti-
vas e coordenadas por organizações formais. Os casos que se seguem sobre a histó-
ria do confronto na Europa do século XIX ilustram a importância dos· três sentidos
de organização na história moderna dos moviment~s sociais.
160
volta de 10 de dezembro,.º exército tinha controlado os rebeldes. Suas organiza-
- se desagregara111
çoes . rap1dame11te
. . -. e as
· · d en1onsttaçoes
· - art11.adas - sua forma d e
ação prefenda - fora111 1nterr0111pidas tainbéin pela força
Em_m~~tas ~e suas Càracterísticas, a insurreição de 1851 parece uma das "rebe-
liões pnnutlva~ de !f~~sbawin (1959). O padrão é fa111iliar: notícias sobre algum
ultraje, real ou 1111aginano) chega a un1a aldeia. Sofrendo com problemas econômí--
cos e atonnentados por abusos de seus direitos, .os aldeões se reúnem ao som do
sino com os braços prepatados para a ação. Incentivados por seu contingente e
pela retórica de seus líderes, eles confrontan1 as autoridades em alguma praça cen-
tral, são 1nassacrados devido a força superior do oponente e os sobreviventes vol-
tam para suas fazendas para lamber suas feridas e esperar pela oportunidade de lu-
tar num outro dia. .
Mas esta insurreição não foi nem "rural'' nem primitiva. Ela combinou repu-
blicanos das cidades e vilarejos a camponeses e trabalhadores rurais (MAR-
GADANT, 1979: 29), seus temas eram ·n acionais e políticos, e não locaís e. paro-
quiais41. Ela também mostrou uma substancial interdependência de ~ção e crença
entre uma variedade de grupos sociais, unidades rurais e urbanas, camponeses e
artesãos, líderes e seguidor~s, que estavam unidos para confrontar os detentores
do poder. De muitas maneiras, foi um movimento.social moderno.
Foi um-movimento organizado? Isso depende do q11e entendemos p·or organi-
zação. Na cúpula, havia umas poucas·e -rígidas organizações republicanas disper-
sas, conduzidas por líderes de classe média que tinham participado da revolução
de 1848 e que permaneceram ativos à medida que a República se·encaminhou para
a direita. Na base estavani os centros de açio coletiva que atacaram as mairies, luta-
ram com as tropas e incitaram outras aldeias a agfr_. Esses_centros não eram conjun-
tos ao acaso de desordeíros rurais. Eles vinham de redes sociafs e familiares de al-
deias estáveis - muitos deles incubados em chambrées locais e em clubes de bebida
(AGULHON, 1982). Mas foram as estruturas ·conectivas que ligavam esses líderes
republicanos às unidades locais que eram as mais fracas.
Essas conexões, desenvolvidas inicialmente atrav€s de relações comerciais en-
tre os vilarejos e as aldeias, e depois da declaração da República em 1848, assumin-
do forma política em organizações eleitorais.republicanas (MARGADANT, 1979:
115-116), foram efetivas o bastante para deflagrar a luta. Mas, quando os bandos
armados locais apareceram em público, "comunicações•ineficientes e contramedi-
das administrativas limitaram a extensão da ação regional c01nbinada" (p. 232-
233). Era mais provável que os líderes locais respondesse1n ao chan1ado de uma re-
volta bem-sucedida em outro lugar do que às ordens de burgueses republicanos
41. Os insurgentes que atacaram Béziers proclamaram; 1'Em nome do povo francês! O presidente da
República violou a Constituição, portanto o povo reclama seus direitos". Margadant: French Pea-
sants, p. 5.
16-1
que não eram vistos. A 111aior incapacidade do 111ovhnento era a falta ~e e~truturas
conectivas estáveis e geradoras de confiança ligando o centro e .ª penfena. A fase
seguinte do confronto europeu se dedicou à solução deste p~oble-ma ..
A solução social-democrata
Nas décadas que se seguira111 ao fracasso elas revoluções de 1848 apa_receu um
novo ator social - o proletariado industrial-, fonnando, nat~ralmente, Uma nova
organização na base, pronta para a ação coletiva na fábrica e hgada ~ um novo ~on-
junto de organizações na cúpula. Fora111 principahnente os_ organ1z.ad.ores e inte-
lectuais da classe média que assu111ira1n o controle dos partidos soc1ahsta e traba-
lhista, tendo laços com os sindicatos, cooperativas, esqüemas de assistência mútua
e até centros de recreação. En1 sua forma mais bem desenvolvida, o Partido Social-
Democrata da Alemanha .(SPD), essas estruturas em expansão dàvam a nítida im-
pressão de um "estado dentro de um Estado" (ROTB, 1963).
Mas entre as organizações centralizadas de movimentos da social-democracia
europeia e as redes de trabalhadores na base não havia nenhum conjunto de estru-
turas conectivas, naturais ou sociais. Em.alguns ·países, conin a França, a distância
entre os trabalhadores de orientação sindicalista e os parlamentares socialistas era
tão grande que se formaram organizações rivais. Os social-democratas alemães, com
uma determinação carac~erística, se encar~egaram de formalizar as relações entre a
cúpula e a base e de tomá-las p~rmanentes. O resultado foi _criq.rem uma única hie-
rarquia organizacional, amedrontar~m o regime imperial a ponto de este proibir o
partido por um tempo mas, em última análise, tirarem a espontaneidade e a energia
do movimento, deixando-o incapaz de enfrentar as ameaças que surgiam no início do
século XX. O voto do SPD para os cr~ditos de guer.r:;i em 19 t4 e sua falta de prepa-
ro para combater o nacional-socialismo nos anos 1930 foi o resultado final.
Não faltava, obviamente, uma estrutura conectiva formal: os social-demo-
cratas encapsularam seus membros em estruturas federais permanentes que avan-
çaram a partir de sucursais locais, passaram através das federações provinciais e re-
gionais e chegaram aos comitês centrais e executivos nacionais. Esperava-se disci-
plina daqueles que aderiam e organizavam-se periodicamente ações coletivas para
desenvolver os objetivos do movimento. De um grupo disperso de grupos revolto-
sos e de sociedades secretas, o movimento dos trabalhadores transformou-se numa
organização a~pl~, form~l .e ~rganizada. Era tão grande o prestígio do SPD que seu
m_odelo organ1zac10nal fo11m1tado, em diferentes graus, na Europa Central, Seten-
tnonal e OrientaI42 •
42
· Sobre.ª formação do P_artido dos Trabalhadores Socialistas (SAP\ ver Donald Blake: "Swedish
d
Trn e U~wns ª,nd th e Social Democratic Party: The Formative Years". Sobre o Partido Austríaco e
sua rela~ao c~m_o modelo ~lemão, ve: Vincent Knapp: Austrian Social Democracy, 1889-1914, cap 1.
Sobre a i~fluencia do m~rx1smo ale~ao no desenvolvimento da democracia social russa ver John Pla-
mennatz. German Marxzsm and Russran Communism, p. 317-329.
162
Este era o 1nodelo de organização - o 111ovhnento da classe trabalhadora da Eu-
ropa Central, com seu conjunto de sindicatos, cooperativas e serviços populares -
que Michels tinha e111111ente quando for1nt1lot1 a sua ''Lei ele Ferro". Numa organi-
zação assin1, ele afinnou, os organizadores ficavan11nais comprometidos com aso-
brevivência da organização do que cmn a vitória final do proletariado, com todos
os riscos que isso incluía. Ningtté111 deveria ficar surpreso se a militância do movi-
mento se dispersass'e, un1a vez conseguida a representação para as classes mais bai-
xas. Não seria surpreendente que aparecesse utn grupo de competidores.
O contramodelo anarquista
Enquanto os social-democratas ale~11ães estavain çonstruindo um "estado den-
tro de u1n Estado", outros estavan1 desenvolvendo modelos organizacionais dife-
.rentes para desafiá-lo. O desafio mais sério partiu dos ·anarquistas,' cuja teoria e
prática políticas se opunham à social-democracia em todos os sentidos. Onde os
social-democratas eram liderados por políticos e intelectuais e·visavam assumir a
direção do Estado burguês e!ll nome de tral:Jalhadóres disciplinados em organiz-a-
ções formais, os anarquistas desconfiavam da política · e procuravam destruir o
Estado a partir da base. A democracia social -foi repudiada como "autoritária" e
seus líderes severamente criticados como traidores da causa . .
Os anarquistas resistiram à tendência de se tornar um partidO'. Seu modelo or-
ganizacional instintivo vei9 d~ Proudhon, cujq teoria ~firmava qüe -µma rede de as-
sociações de trabalhadores, democraticamente organizados e informalmente liga-
dos numa federação voluntária, poderia eventualmente substituir tanto o Estado
como o capitalismo 43 • Mas, na fal~a de 'u:1=11 moqelo organizacional. como o de seus
opositores, eles cresceram rapidame:qte através de formas var~adas em diferentes
partes da Europa, seguindo de perto a~ condições econômicas e políticas locais44.
Foi nos lugares em que as condições econômicas eraiµ mais à~ras~das e as organi-
zações políticas menos desenvolvidas, no leste e no sul da Europa, que o anarquis-
mo se tornou um movimento de massa. Os revolucion~rios russos narodniki se in-
surgiram pela primeira vez contra a estrutura de poder czarista, imaginando que
sua coragem e bravura despertariam o potencial de revólta que acreditavam estar
adormecido nos camponeses. Os últimos reagiram co~ indiferença, se não com
hostilidade, e esses populistas ganharam apenas longos períodos na prisão e tristes
memórias. O que restou do sonho populista foi transformado, primeiro, nun1a
43. Materiais básicos sobre este movimento pouco compreendido serão encontrados em Anarchism:
From Theory to Practice, de Daniel Guérin. • The Ana.rchists, de Irving Louis Horowitz (org.). • The
Anarchists, de James Troll,.
44. Na Inglaterra, onde os impulsos revolucionários estavam muito adormecidos por volta dos anos
1870, a principal tendência era uma forma resistente de socialismo de "corporação,,. Onde o anar-
quismo deu lugar ao sindicalismo, como na França, o resultado foi uma mentalidade de estéril obrei-
rismo- a convicção de que a revolução social surgiria dos instintos saudáveis da classe trabalhadora ..
163
. d· • Partido Social Revolucionário __, o maior a
rede de grupos terronstas e, ep01s, no e: _ ... ._ _ .b .
. C .• • t-· d 1918 nias nao tao forte quanto os . olchevi-
surgir da Asse111bleia onst1tu111 e e ,
ques de Lenin. · d , 1 1" ·
, d 0 d 1'f "-nte · Caçà os pe a po 1c1a e pela
Na Itália, a história terminou de 111~ _ eie · , . _ . . _ _ s
. ._ •t· 1· • se fechannn e1n celulas compactas, onde tra-
autoridades os a11arqtnstas 1 a ian 05- · e: d
' . , . . .. 1 •· v·an a detru bada do Esta o. Cotno escreve
1navam esquentas utop1cos e p aneJa 1
Daniel Guérin:
Deu-se 1-'b a· d ·, douti·inas utóIJicas,
1 er a e as . , cft.1e combinavam antecipa-
- prema turas e evocações nostálgicas de . uma
çoes . era dourada ...
_ Os.
· t cecllar·ain
anarqms as se 1• em si mesmos, orgamzaram-se
•
para a açao
• •
di-
reta em pequeno S grupo s clandestinos
; que eram. facilmente mfiltra-
dos por informantes da polícia (GUERIN, 1970: 74).
Assim como O sonho da greve geral inspiiqu os anarquistas franceses,_a ilusão
de que o Estado se confundia com .as pessoas de -s_eus governantes ~evou os anar-
quistas italianos a se engajar em a~os de violência; m_as uma op.~a ~e ate~tados a
bomba apenas criou suspeitas em toda a esquerda, isolan~o-os ainda mais. Onde
a hierarquia da social-democracia transfqrmou o~.m_o vim~ntos _e m parti4os, a o~ses-
são anarquista pela ação e seu repúdio à organização fizeram deles uma seita.
Polaridades recorrentes
A polarização entre a institucionalização e a ruptura que vimos ·na· social-de-
mocracia e no anarquismo é particular à h~stória europeia, mas·é recorrente na his-
tória dos movimentos sociais modernos. Foi revivida nos ·m ovimentÓs· dos anos
1960, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. No início dos anos 1960, a
maior parte do movimento americano pelos·direitos civis era altamente institucio-
nalizada (PIVEN & CLOWARD, 1977, cap. 4). Das·ruas de Selmâ, a batalha pelos
direitos civis_foi para os grupos de pressão do Congresso e para as organizações de
comunidades vizinhas subsidiadas pelo governo e pelas fundações e logo foi repri-
mida pelas regras do jogo da política comum (cap. 5). Nem mesmo os tumultos
que se ~eg?ira~ ~ morte de Martin Luther King tiraram as organizações principais
pelos direitos c1V1s de seu caminho institucional.
. Na Europa~ nos Estados Unidos se pode ver na Nova Esquerda o mesmo mo-
vimento· no sentido das instituiç~
· oes. Nos d 01s
· 1ugares 1n1c1ou-se
· · · um vigoroso ciclo
d e protestos em que predomina r • · ·
. . . ·. rarn a massa e as 1ormas disruptivas de ação. Mui-
}?5 anv;tas a~encanos contra a Guerra do Vietnã passaram dos movimentos pací-
icosde. ª queima ~e cartões de alistamento, e1n n1eados dos anos 1960 para gru-
pos e interesse publico e gru _ d _ ~ _ _ · , , .
nos anos 1970 e A yos e pt essao pela paz, que floresceran1 na Amenca
1980
urbanos os líde . : d pa~t1r da luta_co1n a polícia e da organização dos pobres
' res estu antis franc .. 1· f . ,.
cas e entraram para . d' eses e Ita ianos orn1aram organizações pohu-
TARROW, 1989). os sm icatos e para o Partido Comunista (LANGE, lRVIN &
164
Mas, .d~ ~11esina fo~·tn~ que o anatquis1no tinha medido seu progresso através
da c01npet1çao con1 a soc1al-de1nocracia, os ativistas americanos mais determina-
dos nos anos l960, críticos da estratégia institucional ele seus antecessores ' dividi-
.
ra1n-se ein organizações radicais para levar a luta para o coração do capitalismo or-
ganizado. E; na Eur~pa Ocidental, partes ela Nova Esquerda, críticas do "longo ca-
minho através das instituições", estabelecern1n línhas de demarcação entre sua
própria nülit~ncia é a n1oderação de seus opositores. Alguns 1 como s~us predeces-
sores anarquistas, acabaran1 e111 células clandestinas de onde lançavam a luta ar-
mada (DELLA PORTA, 1990; 1995, cap. 8); outros competiam pelo apoio dos tra-
balhadores ton1 os sindicatos ligados ao partido. A polaridade do século XIX entre
anarquis1no e social-de1nocracia foi repetida à sombra da Nova Esquerda.
165
quando a 111obilização decaía, os ativistas desaparecimn e1n "estruturas latentes" 1
co1110 igrejas ou fraternidades Quando surgia t1111 novo ciclo_de confronto, conta-
tos infonnais servian1 para reviver os velhos laços (BLOCK~R, 1989; Bl!ECHLER,
1986). Até certo ponto, o ativis1110, no ii1terior desses movimentos, cnou redes e
estruturas conectivas para o fututo.
E1nbora organizados de fonna 111ais pennanente que seus primos americanos,
as cooperativas europeias do século XIX seguirmn u1n modelo sem_elha~.te. Inicia-
das na esquerda, sob a doutrina do cristianis1no social, as cooperativas foram ado-
tadas pelos leigos católicos con1 a aprovação da Igreja ..Especia~~~nte e~ s~stemas
sen1iden1ocráticos con10 a Itália ou a Ale1nanha hnpenal, era dificil repnmir asco-
operativas e sociedades de ajuda mútua porque suas funções eram abertamente
apolíticas. Entretanto, elas apoiara1n as atividades socialistas e, em tempos difíceis,
ajudaram a esquerda a manter os laços que poderiam ser revitalizados quando se
abrissen1 oportunidades políticas.
166
e pelo Stude~1t Non-Violen_t Coordinating Cmnittee (SNCC). Mas as mesmas for-
mas inforn1_ai.s e descentralizadas de organização reapareceram nos "novos" rnovi--
111entos sociais dos anos 1970 na Europa Ocidental, que retomaram muitos dos te-
mas de seus an\ecessores a111ericanos (CALHOUN, 1995; D'ANIERI; ERNST &
KIER, 1990) · Cnando un1a variedade de inovações organizacionais, eles insistiram
nas virtudes da descentralização contra o 1nonopólio do poder pelos partidos cen-
tralizados de burocratas: Se eles exageraram na "novidade" de seus movimentos,
não era nada alé1n do que fazia cada movhnento novo.
Os organizadores da con1unidade americana estenderam o modelo de organi-
zação descentralizada; segmentada e reticular para o ativismo prático na matriz em
desintegração da cidade americana Teorizada inicialmente por ativistas como Saul
Alinsky (1971) e Harry ,Boyte, as organizações de ação comunitária assumiram
uma variedade de fo_rmas, inclusive organizações de associação individual, coali-
zões e org~nizações com base na Igreja (McCARTHY & CASTELLI, 1994)45 • Ades-
centralização foi ta~bém o lerp.a _de muitas organizações de mulheres que evoluí-
ram a partir _d os movimentos dos anos 1960 (FEREE & MARTIN, 1995).
Também na Europa Ocidental, até grupos formalmente organizados como as
organizações ambientais üalianas ·estud~das por Diani, desenvolveram laços infor-
mais (1995). Na França, formaram-se coordenações radicais para competir com as
grandes confederações sindicais ligàdas ao partido. E~ na Alemanha, as organiza-
ções das comunidades locais forneceram·serviços e pressionaram autoridades lo-
cais, de modo semelhante às práticas da nova geração de ·organizadores de comuni-
dade nos Estados Unidos. ·
A tirania da descentralização
Eiitretanto, os padrões flexíveis de organização como os aqui descritos têm os
defeitos de suas virtudes. Ao mesmo tempo em que incentivam a autonomia da
base e revigoram os ativistas com sua aura de participação, eles permitem - de fato
encorajam - uma falta de coordenação e de continuidade. Por exemplo, enquanto
as mulheres do Campo de Paz Greenham Common se defenderam do exército bri-
tânico por meses durante o movimento pela paz de 1980, sua devoção à burocracia
interna levou-as a amargas discussões sobre deixar ou não que companheiros dor-
missem lá (ROCHON, 1988: 82). De modo semelhante, nos grupos de mulheres
estudados por Judith Hellman, na Itália, o persortalisn10 passou a ser tuna espécie
45. Entretanto , os tipos que se desenvolvem :inaís rapidamente são os mais centralizados: federações
de congregações religiosas. Ligadas nacionalmente por ''redes" bem organizadas, "organizações de
comunidades baseadas na fé são significati.vmnente mt\iS efetivas elo que as outras em obter poder or-
ganizacional, transmitir técnicas e um sentido de eficiência aos membros e formar coalizões inter-ra-
ciais" (SWART, 1997: 2).
167_
. . d.f, ·1 tonrnda de decisões formais e deixou excluídas as
de "tirania" que tornou 1 1c1 a ,
não-iniciadas (1987: 195-196).
. . t . • con10 fizeram. seus predecesso-
Esses grupos ta1nbé1n não'podenain se 111ª11 et' . . d'
,, 'greJ·as cooperativas ou s1n 1catos
1
res, através de "estruturas latentes c01no ' ' • • • • _ •
Inovações organizacionais
A década dos anos 1960 foi uma linha divisória para a inovação organizacional,
mas não apenas porque produziu uma enorme onda de movimentos novos. O perío-
do presenciou o desenvolvimento de inovações internas nas organizações dos movi-
mentos que sugerem uma dinâmica mais diferenciada de mudança em relação ao que
os estudiosos já haviam descoberto. Esses movimentos também surgiram em meio a
mudanças tecnológicas e sociais em todo o mundo, o que lhes deu conexões e recur-
sos novos e ampliados, e com os quais os organizadores puderam trabalhar.
Recursos externos
O fato novo externo mais importante foi a expansão e a disponibilidade da mí-
dia de massa, especialmente da televisão. As passeatas pelos direitos civis em que
os participantes enfrentaram cães policiais e mangueiras de água, a queima pública
de cartões de alistamento feita pela Nova Esquerda e o espetáculo de ativistas ho-
~ossexu~i~ e lésbicas "~ainda do armário": o apetite da televisão por imagens visu-
ais dramatrcas era um instrumento cultivado e explorado pelos organizadores de
movimentos. Se podiam transmitir suas mensagens para milhões de pessoas atra-
vés dos programas de televisão, encorajando alguns a seguir O seu exemplo e mui-
tos a encarar com simpatia suas reivindicações, era possível criar um movimento
sem arcar com os custos de construir e manter organizações de massa.
168
U1n segundo conjunto de 1nudanças gira em torno de uma maior quantidade
de dinheiro, t~n1po livre e habilidades disponíveis para os jovens nos anos de cres-
ciment?_do pos-guerra (McCARTHY & ZALD, 1973~ 19_77). Não foi apenas a ren---
da fanuh~r que cresceu substanciahnente e1n todo o Ocidente; por volta dos anos
1960, os Jovens se tornarmn alvos do 1nercado como consu.midores de mercadorias
e era1n vistos con10 o centro de tuna nova cultura jovem (McADAM, 1988: 13-19).
Tanto na Europa con10 na A1nérica un1 nrnior número de jovens estava indo para
as universidades, onde tinha111 n1ais te1npo livre e eram expostos a correntes mais
amplas de ideias do que os jovens do passado. Isso produziu, no mínimo, mais "par-
ticipantes conscientes potenciais'' que podiam dar número e habilidades aos movi-
mentos das 1ninorias (MARX & USEEM, 1971) e)nuítos outros que podiam sus-
tentar a dedicação a "questões distantes" (RUCHT, 1996),
Um terceiro conjunto de mudanças externas refere-se aos recursos financeiros
e administrativos disponibilizados para alguns movimentos·por fundações, gover-
nos locais e até, em alguns casos, por grup~s profissionais e civis QENKINS &
ECKERT, 1986; ·McCARTHY & ZALD, 1973) 46 • Paiticula"rmente no que se refere
às "organizações não-governamentais;' do Terceiro Mundo que floresceram nos
anos 1980, as maiores fontes de recursos foram as fi.indações·americanas e europeias
ocidentais, assim como o foram as Nações Unidas e·alguns grupos internacionais
pelos-direitos humanos (KECK & SIKKINK, 1998a; 1998b; SMITH; CHATFIELD
& PAGNUCCO, 1997). .
Inovações internas
Os organizadores não foram beneficiários passivos dessas mudanças externas.
Eles foram rápidos em tirar vantagem de alguns avanços na comunicação e no le-
vantamento de recursos c~ino faziam os 'grl)pos.pol\ticos e de interesse mais con;..
vencionais - primeiro através do mimeógrafo, depois através d.e mala direta com-
putadorizada e, mais recentemente, o fax, a filmadora e o uso da internet. Como
resultado dessas e outras mudanças, os organizadores. podem agora preparar eco-
ordenar a ação coletiva através de uma grande extensão de terrttório em competi-
ção com os partidos, grupos de interesse e governos.
As organizações dos movimentos também aprenderan1 a recorrer ao poder das
celebridades - astros do rock, cantores Jolk e estrelas de cinema que e1nprestaram
seus nomes e talentos às campanhas dos movimentos (NELKIN, 1975). Os movi-
mentos das feministas e dos hmnossexuais nos anos 1980 passarain a depender
cada vez mais dos serviços profissionais de advogad9s feministas ou homossexuais,
46. Observe-se queJenkins e Eckert, em seu "Channelling Black Insurg~ncy", constatam que O apoio
de fundações não coincidiu com a fase mais insurgente elo movimento pelos direitos civis, mas com a
fase mais institucionalizada e moderada do fim dos anos 1960 e início dos anos 1970.
169
que dava1n u1n t01n de legalidade a n1uitas de suas atividades (D'EMILIO, 1992:
192; MANSBRIDGE, 1986).
A profissionalização não erà nàda de novo para a amplà gaina_de partidos_e mo-
vünentos do passado; foi isso que preocupou ·Miehels ein relaç~o ao SPD. Mas o
que ve1nos hoje é un1 11.ovo tipo de profissionali.z?ção, não d~pen~ente_~e or~ani-
zações grandes e burocráticas: a difusão das l~ab1hdades ~elat~vas a _orga~1zaçao e à
c01nunicação entre os 111ovünentos ativistas. A posse 1nu1to chfundida_dessas habi-
lidades torna possível 1nobilizar de repente u1na a1npla reserv: de_apow, permitín-
do que as organizações dos n1ovin1entos possatn ser, a um so !e·~ po, pequenas e
profissionais 47 • Mas a profissionalização ta111bén1 difunde as atividades dos movi-
mentos na sociedade mais ampla.
170
Entreta1~to, o efeito_ d_este declínio de "capital social" pode ser menos severo
para os 111 oVIn1entos soc~ais do que para as associações voluntárias. Enquanto estas
dependen1 da participação cànstante de seus 1ne1nbros, da manutenção de ativida-
des no interior das instituições e da distribuição de incentivos seletívos, as princi-
pais atividades das atuais organizações de 111ovimentos são periódicas: demonstra-
ções de massa rapidainente organizadas, ações disruptivas em pequena escala rea-
lizadas por grupos de 111ilitantes treinados e atividades para ganhar publicidade
junto à 111ídia. N enhu1na dessas exige u1n trabalho ininterrupto dos participantes,
mas sin1 da capacidade de reunir o apoio da 1n.assa para performances breves e fre-
quenten1ente excitantes . .
Considere uma das n1ais be1n-sucedidas dentre as novas organizações de mo-
vimentos a111ericana, a "Promise Keepers", que criou um grupo de pessoas que se
opunha à igualdade entre os sexos - especialmente no interior da família (C0NA-
S0N; R0SS & COK0RIN0S, 1996). Capazes- de reunir centenas de milhares de
homens em assembleias quase revivalistas em estádios d~ (utebol, a organização é
dirigida por um peq1:1eno grupo n~cional aliado. _a ·algumas organizações .funda-
mentalistas cristãs com-ideias simil~res que -atµam :µa base-, através do que ela mes-
ma chama de "pequenos grupos" de .atividade~.
Além das fronteiras nacionais, organiz~ções igualmente leves, baratas de man-
ter, mas altamente profissionais podem setifvistas na$ "redes temáticas transnacio-
✓
nais", estudadas por Margaret Keck e·Katherine Si~kink (cf. cap. 11). Focalizando
apenas um tipo de questão -: _;•direitos humanos, ambiental, direitos femininos ou
direitos dos povos indígenas - essas redes transnacionais têm organizações frágeis,
mas podem tornar-se ativas de fato em'relação a temas isolados devido a seus laços
com agências doadoras, fundações e grupos de movimentos em países específicos.
Um padrão internacional de organização de movimentos ·parece estar surgin-
do: uma combinação de pequenas lideranças profissionais, um apoio de massa am-
plo mas principalmente passivo e redes imp~ssoa~s de estruturas conectivas. Neste
padrão, os membros da organização se comunicam pelo corr~io, fax ou e-mail com
os líderes e participam, por procuração·, de greves-relâmpago pequenas, mas efici-
entes, realizadas por núcleos militantes. O protótipo deste modelo .é, naturalmen-
te, o Greenpeace, que diz ter milhões de membros, mas que, de fato, limita o seu
papel principalmente a contribuições financeiras e depende de un1 pequeno nú-
cleo de militantes profissionais para suas incursões dramáticas no mar*.
Em resposta aos problemas de obter amplas bases de apoio sen1 ter que cons-
truir grandes organizações, muitos moviineiitos "franquearan1" organizações locais
que permanecem independentes, m.as usain o n1esn10 non1e da organização nacio-
171
nal e recebe111 sua publicidade con10 pagamento por contribuições financeiras e
por cooperação en1 can1panhas conjuntas (Mc:CARTHY & ·woLFSON 1992). A
franquia permite que unrn pequena organização "guarda-éhuva" nacional coorde-
ne as atividades de unia base 111uito 1naior se1n gastár recursos escassos na manu-
tenção de estruturas conectivas for111ais de ttina grande organização de massá. Urn
caso espetaculan11ente be111-sucedido deste tipo de franquia foi o do Comittee for
Nuclear Disan11an1ent ( CND); na Inglaterra, nos anos 1980 (MAGUIRE; 1990).
Alé1n da franquià, 111uitos 111ovü11entos conte111porâneos recorreram aos recur-
sos de organizàções e associações aliadas que não foram criadas especificamente
para a ação coletiva. Isso pernlitiu que usasse111 as infraestruturas de organizações
mais estáveis e 111obilizassem pessoas, por curtos períodos, que não estariam inte-
ressadas nu111 ativismo permanente. O papel das igrejas nas campanhas holandesas
pela paz nos anos 1980 e a igreja negra na América do Sul mostram corno as orga-
nizações dos movimentos podem acessar os recursos de grandes instituições não
baseadas em movimentos (KLANDERMANS, 1997, cap. 6; MORRIS, 1984).
Os movimentos frequentemente se desenvolvem .no interior de instituições,
usando suas estruturas e ideoJogias para desenvolver contatos en·t re redes de dissi-
dentes e empregando suas ideologias...:.. concebidas ·literalmente - contra seus por-
tadores oficiais (ZALD & BERGER, 1978). Com sua ampla estrutura e seu dogma
oficial, a Igreja Católica abrigou por muito tempo·rnovimentos ·heterodoxos emer-
gentes. Nos anos 1960 e 1970, desenvolveram-se as "comunidades de base" cristãs
na Europa católica (TARROW, 1988) e na América Latina (LEVINE, 1990); mais
recentemente~ urn movimento pela igualdade dos _sexos desenvolveu-se no setor
historicamente mais passivo da Igreja ·americana-: suas-ordens monásticas femini-
nas (KATZENSTEIN, 1998).
Campanhas e coalízões
Se as organizações de movimentos mais leves, mais novas e externalizadas
aqui ~:scrítas têm u~a fraqueza principal, ela é sua falta de núcleos perma_n entes
de at~VI:S ta s na base. E em parte por essa razão que elas cultivam laços com grupos
q~e tem as ~esmas concepções, tentando compensar a fraqueza de suas bases atra-
ves da reuniao
_ de grupos
, . . concentra d os em 1ugares e ocasiões
· estratégicos en1 torno
de questoes especificas · · Nos E t d U •a .
s a os ni os, as coahzões contra a guerra no fim
d os anos 1960 os movimentos pr, b . ·
d ' · o-a orto nos anos 1980 e o movimento pela paz
esenvo1veram esta técnica de colab - d
tes dos anos 1960 d ·a . . oraçao e campanha en1 alto grau. Mesmo an-
çoou a técn· d ' evi o a. sua fraqueza · nu menca,
, .· ·
o 1nov1n1ento ·
pela paz aper f e1-
·
1992) p ica ed se organizar · · ·
atr , d 1 ·
aves e cainpan 1as coordenadas (KLEIDMAN,
. or vota 1 os anos 1970 e T
Estados Unidos " . d ' screve om Rochon, tanto na Europa como nos
, multas elas eram · fed eraçoes
- d e organizações
• existentes, reuni-.
172
das para tirar vantagen1 de novas possibilidades para a mobilização" (1988: 79)49.
Por volta
•
dos anos• . 1980 ' as can1pa1
e
11
1as e1e coa l;tzoes
- eram a principal estratégia
· do
movtmento amencano contra a produção de armas nucleares (MEYER & RO-
CHON, 1997).
•
As organizações an1bientais fr·eq uente1nente
A ,. • _
• • . Juntam
· . . · forças para pressrnnar
· au-
tondªdes ou par~ or~anizar Earth Days de massa ou passeios verdes Embora mui-
tas dessas organizaçoes tenha1n profundas diferençàs ideológicas - por exemplo,
entre grupos de conservação tradicionais e ambientalistas radicais - as conexões
inf~rmais entr~ 0 ~ se~s ativistas pennitem que elas sejam ultrapassadas. Mesmo na
Itáha, onde a distancia entre as culturas católica e marxista já foi profunda, Mario
Diani desco~riu que os laços informais entre membros de organizações ambientais
diferentes aJudara1n a desenvolver uma identidade coletiva comum entre seus
membros (1995).
A prática de campanhas conjuntas por coalizões de organizações é tão usual
queJurgen Gerhards e Dieter Rucht cunharam·uma nova palavra para descrevê-la-
"mesomobilização" (1992). As duas Càmpanhas ·que eles estudaram. em Berlim ti-
nham uma flexibilidade organizacional que pgrmiti~ o afloramento do pluralismo
ideológico, social e político. Eles ·organiz_aram u~a variedade de atividades, dando
a cada grupo a chance de salientar seus interesses pariiculares e não se sentir perdi-
do na multidão. Mas, quando a ·c·ampanha- terrrtina_va, n~o restava nenhuma orga-
nização permanente.
Campanhas similares organizadàs por coalizões ·de organizações surgiram re-
centemente nas políticas -francesa e americana. Na França, a campanha contra a
Frente Nacional fascista em Í997mostrou um padrão de rápida coordenação edis-
solução, semelhante ao que Gerhards ~ Rucht encontraram na Alemanha • Em
50
49. Por exemplo, 0 Comitê Holandês contra os mísseis Cruise reuniu pelo menos dez grandes organi-
zações de paz, além das maiores federações sindicais e os partidos de esquerda principais, numa série
de demonstrações nacionais de paz. Ver Mobilizingfor Peace, de Rochon, P· . 79-80. • "From Peace
Week to Peace Work" de Schennink. Ver também "Organizations anel Coalitions in the Cycles of the
' '
American Peace Movement", de Robert Kleiclmamn, e seu livro Organizing for Peace: Neutrality,
the Test-Ban and the Freeze.
50. A Frente Nacional convocou o seu congresso nacional para a cidade de Strasbourg, onde um prei-
to socialista aderiu a uma coalizão de organizações ele todo o país em apoio a uma demonstração de
massa antifascista. Ver Le Monde, .31/03/1997. Agradeço_ajonathan Lawrence pelos dados sobre esta
demonstração.
173
mais abrangente entre os 111e111bros de diferentes organizações ele movimentos
(DIANI, 1995).
TIPO DE PARTICIPAÇÃO
174
l·ndireta
dos
~
elementos
. co1no_ dirigen1 ·suas ati·vi·dad
, es .pnnc1pa , autori'da -
. , 11nente as
des ou Pª1 .ª ª sociedade. I~so produz u1na tipologia de quatro células de organiza-
ções ~elac10nadas a n1ov1111entos, que é reproduzida na figura 8.1 com alguns
exemplos de cada un1 .
. A tipologia d~ Krie~i nos pennite exailiinar difetentes tipos de organizações re-
lacwnadas ª inovune_nto~ s~n1 relegar nenhutna delas a uma categoria residual. Por
exemplo~ 0 ~ gru~os _fenuninos de autoajuda estudados por Verta Taylor não têm
como objetivo pnncipal construir consenso en1 torno de objetivos comuns (TAY-
LOR & VA~ ~ILLIG~N, 1996). De 1nodo inverso, os partidos verdes europeus e
os grupos pubhcos de interesse norte-a1nericanos que derivaram dos movimentos
dos anos 1960 não participan1111ais da ação direta, 1nas se dirigem às autoridades
públicas ~ compartilhan1_~1uitos dos 9bjetivos 1os ·movímerttos que lhes deram
origem. Finalmente, o assim chamado setor autônomo que ·se desenvolveu na Ale-
manha Ocidental nos anos · 1960 n~o envolve nem a participação direta dos ele-
mentos nem é dirigido para as autoridades, mas oferece serviços que têm ajudado a
preservar "espaços livres", distantes da lógica do ·mercado. ·
Além de nos ajudar a considerar um âµibito ·m~ior de organizaçqes relaciona-
das a movimentos do que normalmente se inclui nos e~tudos sobre movimentos
sociais, a tipologia de Kriesi tem outras duas 'utilidadesq Primeiro, ela sugere um
meio de acompanhar a difusão organizaci6náh10 interior dos movimeIJ-tOS sociais,
porque muitos dos tipos de organização que ela indica _s_e desenvolveram historica-
mente a partir do tronco principal das·organizações clássicas de movimentos so-
ciais dos anos 1960 (SMOs). Segundo, ela pode ajudar a entender como a~ organi-
zações de movimentos relativamente pequenas-;.
fracas ·e não permanentes
. I
atuais
podem, de repente, mobilizar apoio para grandes manifestações: ao manter relações
informais com ativistas nesses outros tipo? de organiz~ção, os militantes nas SMOs
clássicas podem recorrer a eles para prepara;r manifes_tações quando surgem opor-
tunidades ou ameaças políticas. A "mesomobilização" de Gfrhhards e Rucht tira
sua força não apenas de coalizões de SMOs, mas d~ a.lianças e de relações amigáveis
entre as SMOs e outras formas de grupos orien~ad9s pa~a movimentos.
Esta perspectiva também sugere a variedade de modos pelos quais os militan-
tes de movimentos podem ''sair" do ativismo para espaços menos exigentes sem
abandonar seus objetivos. Ao aderir a grupos de autoajuda, trabalhar para organi-
zações de serviços e apoiar partidos e grupos de interesse ligados por um tecido co-
nectivo a seus movimentos de origem, os ativistas podem n1anter seus contatos
com velhos camaradas em organizações de 1novimentos, ficam disponíveis para a
mobilização em tempos de pressão ou de oportunidade e mantêm acesa a chan1a
do ativismo para outro 1n01nento.
Conclusões
Não há um único 1nodelo para a organização de un1111ovimento. A heterogenei-
dade e a interdependência são estímulos n1aiores para a ação coletiva do que a ho-
175
1nogeneidade e a disciplina. A incorporação da classe trabalhadora europeia em
partidos de 111assa e e111 sindicatos foi u1na solução de longo prazo ~ue deixou os
trabalhadores despreparados para o confronto el~ momentos de cnse. contra- ?
n1odelo anarquista foi 1u11a arma otganizacional de curto prazo que deixou seus
proponentes isolados de sua suposta base e ofereceu pouca .in~rae~tru tura_a ~ongo
prazo. Inovações atuais de grupos transitórios, grupos profisstona~s de movimen-
to, organizações descentralizadas e can1panhas de coalizões são vana~?es e combi-
nações dessas expetiêli.cias. O que está por trás das 1nais bem-sucedidas é o papel
do tecido conectivo infonnal que funcionà dentro dás organizações formais de
n1ovü11entos e entre elas.
Tais 111ovilnentos não poden1 ser fonnados de repente e nem podem ser manti-
dos em estado pennanente de prontidão. O dilema das organizações hierárquicas
de 111ovin1entos é que, quando incorpo1:am pennanent~I?-ente ~uas bases, elas per-
de1n sua capacidade de ruptura, mas, quando se dirigem para a direção oposta, fal-
ta-lhes infraestrutura para manter uma interação s~stentada com aliados, autori- _
dades e apoiadores. Isso sugere um equilíbrio delicad_o entre organização formal e
autonomia - que só pode ser superado por estrüturàs CO!lectivas fortes~ informais
e~oh~~~ic~. · · ·
É preciso manter um equilíbrio igualmente.delicado em relação ~os outros po-
deres nos movimentos q.iscutidos nos três capítulos anteriores. · No cap. 5 vimos
que os movimentos se formam no contexto de u_m a ampliação de oportunidades e
uma diminuição das restrições; mas, ao gerar oportunidades para outros e para os
opositores, os movimentos podem c·r iar as condições para súa própria irrelevância
ou repressão.
No cap. 6 vimos, de forma semelhante,- que é a ruptura....:. e não a violência ou o
confronto- que caracteriza ós movim~ntos revoltosos. Mas í!3-queles·que dependem
apenas da ação disruptiva de massa se arris~am a entrar em conflito com a polícia e
a degenerar em violência, enquanto qüe aqüeles que adotam formas convencionais
de ação podem sofrer com a cooptação de seus objeti~os e decair à medida que os
ativistas desertam .
. De =11odo paralelo, o cap. 7 mostrou que os quadros interpretativos da ação co-
letiva sao também construídos sobre um equilíbrio instável: entre mentalidades
h_erdadas, mas ~assivas, e novos elementos orientados paia a ação, mas desconhe-
cidos. Os movimentos que dependem apenas de símbolos culturai~ testados e
aprovados perd~~ sua capaci~ade de revolta, enquanto aqueles que propõen1 radi-
calment_e novas transfon~.a~oes d~s enquadramentos interpretativos" podem per-
der apo10 porque seus obJet1vos nao são bem conhecidos. Os movimentos ficam
sobre um fio de navalha entre a institucionalização e O isolan1ento.
O cap. 7 também explorou a hnportância da identidade coletiva ria forn1 ação e
na manutenção de um 1novünento. A identidade coletiva, seja herdada corno iden--
tidade de categoria ou criada nos conflitos con1 os opositores, é um processo cru--
176
. 1na formação de movimentos, mas contém em seu interior as sementes do isola-
eia .
sectansmo e "o crepuscu
, 1o de sonhos cmnuns" (GITLIN 1995).
nto
rne ' . O ,
Isso significa que os movimentos sociais são fadados à instabilidade e eventual
desaparecimento? Q~ando considerados em separado, as dificuldades que experi-
mentam na sust~ntaçao de co~ontos com opositores, na manutenção de uma am-
la base de apoio e na contençao das tendências à divisão sugerem tal resultado.
p . . t
Mas, de fato, os movimentos raramente aparecem sozinhos; mais frequentemen e
aparecem em g~pos, e é na espiral crescente dos <:idos de confrontos que aconte-
cern os seus ma10res sucessos. Voltaremos a esses ciclos quando começarmos a ana-
lisar os resultados dos movimentos.
177
9
Ciclos de confronto
181
tros que exigem análise separada; ou se nos convida a desenvolver métodos analó
1
gicos ou dependentes de trajetória para compará-los com outros tipos de ciclos •
Nossa análise dos ciclos dedica pouco espaço à regularidade, à sequência e à
frequência dos ciclos históricos, embora essas sejam questões fascinantes.
Em vez disso, nossa atenção se volta inicialmente para a definição e para os ele
mentos no interior dos ciclos; depois, para quatro conjuntos de processos que des
crevem a ampliação do confronto e a formação de ondas gerais de conflito e, final
mente, para três processos relacionados - exaustão/fracionamento/repressão/ faci
litação e radicalização/institucionalização - que marcam o declínio elo ciclo. Os ca
sos elo primeiro grande ciclo internacional - a revolução de 1848 na Europa - e o
da Nova Esquerda elos anos 1960 ilustram esses fatores. O capítulo termina com
breves reflexões sobre a analogia entre ciclos de movimentos sociais, ciclos revolu
cionários e democratização.
1. Para uma apresentação inicial de um programa para aplicar o método de "raciocínio analógico cau
sal", Yer "Kings in Beggar's Raiment", de Charles Tilly. Para uma abordagem "dependente de trajetó
ria··. \·er "Social Movements and Revolutions: On the Evolution anel Forms of Collective Action", de
Jack Goldstone. Sou grato a Goldstone pela permissão ele citar o seu texto até agora ainda não publi
cado e pelos comentários a um esboço deste capítulo.
ções frequentemente ignoraram a relação entre elas e outras formas de ação coleti
va (mas cf. GOLDSTONE, 1997: 2). Em parte isso se deve à tendência em ver as re
voluções como eventos em vez de processos (GOLDSTONE, 1991). Quando as en
tendemos como processos, suas analogias e diferenças em relação aos ciclos ficam
evidentes.
Mas se, como afirmei, os ciclos são as principais linhas divisórias da mudança
social e política, por que há tão poucos estudos sobre tais períodos? Uma razão é
que as organizações de movimentos são mais fáceis de investigar do que as grandes
ondas de confronto e são mais acessíveis aos pesquisadores - muitos dos quais saí
ram de suas fileiras. Os ciclos de confronto quase sempre começam em institui
ções, se espalham como confrontos entre pessoas comuns e colocam o estudioso
diante de alguns dos aspectos menos edificantes da ação coletiva - a multidão, a
turba, a insurreição armada. Quando terminam em repressão e em desilusão eles
levam a leituras deprimentes. "Post coitum omnia animal triste", escreve Aristide
Zolberg citando o velho ditado para expressar como a desilusão se segue ao fim das
ondas de confronto (1972: 205-206).
Outra razão para a negligência relativa em relação aos ciclos é que eles não
ocupam nenhum espaço demarcado na política institucional. Os estudiosos do
"comportamento coletivo" o diferenciaram do comportamento em instituições.
Mas as revoltas frequentemente começam no interior das instituições e até mesmo
movimentos organizados se envolvem rapidamente no processo político, onde in
teragem com grupos de interesse, sindicatos, partidos e forças da ordem (BURS
TEIN, 1998). Para incluir os ciclos, nossos relatos precisam conectar os conflitos
institucionais e não-institucionais, e isso exige uma interação entre as ferramentas
dos cientistas políticos, que quase sempre focalizam as instituições, e os sociólogos
e historiadores sociais, que estudam movimentos.
A ideia de que sistemas inteiros passam por dinâmicas cíclicas foi encontrada
em três grupos principais de estudiosos: teóricos da cultura, que veem a mudança
na cultura como a fonte da mudança social e política (BRAND, 1990; ROCHON,
1998), historiadores políticos e economistas com viés para a história, que buscam
ciclos regulares de mudança política ou econômica (HIRSCHMAN, 1982; SCH
LESINGER, 1986); e teóricos sociais, que consideram as mudanças na ação coletiva
como resultado de mudanças nos estados e no capitalismo (ELIAS, 1994). O primei
ro grupo enfatiza a globalidade dos ciclos, o segundo sua regularidade e o terceiro
sua derivação de configurações de mudança estrutural. Todos os três se mostraram
úteis, mas examinaram principalmente a progressão entre ondas de confronto; pou
cos se detiveram no exame da estrutura e na dinâmica do ciclo em si - o que pode
fornecer as externalidades que alimentam e transformam os movimentos.
Em tais períodos, as organizações e as autoridades, os movimentos e os grupos
de interesse e ainda os membros do sistema político e os desafiantes interagem, en
tram em conflito e cooperam. A dinâmica do ciclo é o produto de sua interação. As
183
"ações", escreve Pam Oliver, "podem afetar a probabilidade de outras ações ao cri
ar ocasiões para a ação, alterando as condições materiais, mudando a organização
de um grupo social, alterando crenças ou somando conhecimento" (1989: 2).
Essas ações criam incerteza e transmitem informação, abrindo o caminho para no
vos atores e fragilizando os cálculos em que se baseiam os compromissos existen
tes. Isso leva os apoiadores do regime a ajustar o seu empenho e os opositores a f a
zer novos cálculos de interesse e de aliança. O resultado depende menos do equilí
brio de poder e dos recursos de qualquer dupla de opositores do que da estrutura
de confronto generalizada e das reações das elites, oponentes e aliados potenciais a
ela. Como veremos, é por isso que, embora os começos de tais ciclos sejam fre
quentemente semelhantes, os seus finais são muito diferentes. A seguir, delineio os
principais elementos das fases de mobilização dos ciclos de confronto para nos
ajudar a entender como eles se desenvolvem.
A fase de mobilização
A generalização do conflito num ciclo de confronto começa quando se abrem
oportunidades políticas para "os primeiros insurgentes" bem posicionados, quan
do suas reivindicações estão em ressonância com as de outros que sejam significa
tivos, quando dão origem a coalizões objetivas ou explícitas entre atores diferentes
e criam ou reforçam a instabilidade na elite. Esta ocorrência simultânea e esta coa
lescência são favorecidas pelas reações do Estado ao rejeitar as reivindicações dos
primeiros insurgentes, encorajando assim sua assimilação a outros possíveis rei
vindicadores, diminuindo, ao mesmo tempo, as restrições e oferecendo oportuni
2
dades para a ampliação do confronto .
As primeiras reivindicações que deflagram um ciclo de confronto são sempre
restritas e específicas de um grupo. Elas fazem três coisas importantes. Primeiro,
demonstram a vulnerabilidade das autoridades diante do confronto, sinalizando
para outros que as condições já estão maduras para que suas próprias reivindica
ções sejam transpostas para a ação. Segundo, elas "desafiam os interesses de outros
participantes do confronto, seja porque a distribuição de benefícios para um grupo
diminuirá os disponíveis para outro grupo, ou porque atacam diretamente os inte
resses de um grupo estabelecido" (TILLY, 1993: 13). Terceiro, elas sugerem con-
2.Jack Goldstone afirma que "Onde o regime e as políticas existentes são vistos de forma geral como
indesejáveis, o ambiente oferece muitos incentivos para o protesto. Em tais condições, é provável que
o surgimento de um movimento ele protesto, e a seu tratamemo suave por parte do Estado, encoraje
outros... esta sequência tende a formar um ciclo de protesto que abrange grande parte da sociedade"
(1997: 21). Minha visão é similar à de Goldstone, a não ser pela ambiguidade da expressão "manipu
lação moderada por parte do Estado". A manipulação pode ser moderada, mas o que distingue o co
meço de um ciclo é a assimilação elas reivindicações do movimento às de outros - que frequentemen
te é o resultado da recusa em considerar essas reivindicações.
184
vergências entre os desafiantes através da enunciação de quadros interpretativos
abrangentes [ mas ter frames].
Embora os ciclos não tenham uma frequência regular e não se estendam igual
mente para populações inteiras, alguns aspectos comuns caracterizam tais perío
3
dos na história recente • Esses incluem conflito intensificado, ampla difusão seto
rial e geográfica, expansão do repertório de confronto, surgimento de novas orga
nizações e fortalecimento das que já existiam, a criação de novos "quadros inter
pretativos abrangentes" ligando as ações de grupos diferentes entre si e interação
intensificada entre o Estado e os desafiantes, atribuindo às reações específicas do
Estado um papel central na determinação da direção tomada pelo ciclo.
Conflito e difusão
Os ciclos de confronto são caracterizados por conflito acentuado, não apenas
nas relações industriais, mas nas ruas, e não apenas lá, mas nos povoados e escolas.
Em tais períodos, a magnitude dos confrontos de todos os tipos cresce de forma
apreciável e fica muito acima do que é típico, tanto antes quanto depois. Grupos es
pecíficos voltam a participar regularmente da vanguarda de ondas de protesto social
(exemplo: mineiros, estudantes), mas, no pico do ciclo, a eles se juntam grupos que
não são geralmente conhecidos por suas tendências à revolta (exemplo: campone
ses, trabalhadores em pequenas indústrias, trabalhadores de colarinho branco).
Os ciclos têm amplas trajetórias de difusão, algumas das quais podem ser tra
çadas de grandes cidades até a periferia rural e da periferia para o centro. Eles sem
pre vão de áreas de indústrias pesadas para áreas adjacentes de indústrias leves e de
lavouras, ao longo de vales fluviais ou através das principais vias de comunicação.
Eles atingem membros do mesmo grupo étnico ou nacional cujas identidades
"ocultas" são ativadas por novas oportunidades e ameaças, como foi o caso dos sér
vios, dos croatas e dos muçulmanos na ex-Iugoslávia no início dos anos 1990. O
confronto disseminado gera incerteza e medo; o colapso das transações funcionais
que isso produz realça laços preexistentes como etnia, religião ou outras formas de
reconhecimento mútuo, de confiança e de cooperação.
O que é mais característico nesses períodos não é que sociedades inteiras
"avancem" na mesma direção e ao mesmo tempo (raramente o fazem); ou que gru
pos de populações específicas ajam sempre da mesma forma; mas sim que o efei
to-demonstração da ação coletiva de um grupo de insurgentes iniciais deflagra
3. O esquema apresentado no texto reflete a experiência na Europa Ocidental e nos Estados Lnidl'5
desde os anos 1960 e foi expandido à luz de experiências recentes na Europa Oriental e na ex-L· .ii'-'
Soviética. Caberá a outros estudiosos determinar se e de que maneiras o quadro tem sernelh,,n,;:25
com ondas de ação coletiva em outros sistemas e em outros períodos da história. Para um con'.u:-.:,·
de investigações empíricas ligadas aos conceitos aqui desenvolvidos, ver Repertoircs cmd C_,,·'.:, "..
Collective Action, de Marc Traugott (org.).
18::
uma variedade de processos de difusão, extensão, imitação e reação entre grupos
que normalmente são mais tranquilos e têm menos recursos para se engajar em
ações coletivas.
A difusão não é bem explicada se for considerada apenas como um "contágio"
da ação coletiva para grupos similares e que fazem as mesmas reivindicações a
opositores equivalentes. Uma característica-chave dos ciclos é a difusão da pro
pensão à ação coletiva, dos seus iniciadores para grupos não relacionados e para
antagonistas. Os primeiros reagem ao efeito-demonstração de um desafio que teve
sucesso - ou que pelo menos não foi eliminado-, enquanto que os últimos produ
zem os contramovimentos que são a reação frequente ao início do confronto
(MEYER & STAGGENBORG, 1996). É por isso que movimentos como o naciona
lismo étnico ou a declaração de "diferença" se espalham: não porque as pessoas
gostem de imitar o que os outros fazem, mas porque a mobilização de uma identi
dade étnica provoca reações da parte de outros que temem por sua sobrevivência
ou cujos interesses serão ameaçados.
186
gumas são resultado da paralisia temporária das forças da ordem, na medida em
que se veem frente a massas inesperadas de desafiantes nas ruas; quando elas se re
agrupam, as táticas que pareciam impossíveis de derrotar no pico do ciclo são facil
mente esmagadas.
É com uma lógica semelhante que os ciclos produzem símbolos novos e trans
formados, quadros de significado e ideologias para justificar e dignificar a ação co
letiva. Esses "quadros interpretativos abrangentes" surgem tipicamente entre gru
pos insurgentes, e foi assim que os movimentos dos anos 1960 transformaram o
conceito tradicional americano de "direitos" (cf. cap. 7). Os ciclos de confronto
são cadinhos onde novos construtos culturais, originados de comunidades críti
cas, são criados, testados e refinados (cf. ROCHON, 1998). Eles entram na cultura
de uma forma mais difusa e menos militante, onde podem servir como fontes para
os símbolos de futuros movimentos.
1 87
Essas alianças formam algumas vezes as bases de novas coalizões governantes,
mas mais frequentemente se dividem quando alguns ramos do movimento buscam
uma mudança mais radical, outros tentam institucionalizar os benefícios obtidos e
os moderados ficam com medo da desordem e abandonam os seus ex-aliados. O
conjunto de atores que se organiza contra e em torno do Estado produz coalizões
fragilmente conectadas. Quando elas são fortalecidas por organizações efetivas e
quadros interpretativos abrangentes, essas coalizões podem polarizar a sociedade.
E isso nos leva à dinâmica da desmobilização.
A fase da desmobilização
Os primeiros estudiosos dos ciclos revolucionários, como Crane Brinton
(1965), os consideraram como sucessões planejadas de estágios, muito parecidos
com os que caracterizam o desenvolvimento biológico ou com os estágios de uma
doença. Sabemos agora que há f atores demais em torno dos processos centrais de
confronto generalizado para que tais modelos unilineares ajudem a comparar re
voluções diferentes e, muito menos, que nos permitam entender o universo mais
amplo dos ciclos de confronto. E não só isso, atores externos podem intervir, mu
dando o equilíbrio de poder interno e conduzindo o ciclo a um fim abrupto.
Alguns estudiosos de revoluções, talvez reagindo a tais pensamentos cíclicos
unilineares, negligenciaram os processos internos através dos quais se desenvol
vem os ciclos de confronto, seja focalizando as condições recorrentes que levam à
revolução (SKOCPOL, 1979; 1994; WICKMAN-CROWLEY, 1992) , seja refugian
do-se na narrativa histórica, frequentemente plena de evidências sobre ações ou
acasos. Os melhores entre esses estudos ou teorizam narrativas que cobrem perío
dos relativamente curtos e eventos condensados (SEWELL, 1996) ou constroem
narrativas gerais a partir de conjuntos de histórias pessoais (SELBIN, 1993). Mas é
raro encontrar uma narrativa teorizada que explique por que um ciclo ascende ine
xoravelmente até certo ponto e depois, com a mesma certeza, declina.
Não temos uma teoria boa o suficiente que nos permita delinear todos os ele
mentos dinâmicos recorrentes em todos os ciclos de confronto. Se tivéssemos, ela
poderia nivelar de tal maneira os diferentes tipos de confronto que seria de pouca
utilidade. O que podemos fazer é propor uma série de processos causais que pare
cem estar presentes nos "pontos altos" dos ciclos. Há três conjuntos de processos
que parecem existir num amplo espectro de casos: exaustão e divisão em facções,
institucionalização e violência e repressão e facilitação.
Exaustão e polarização
A razão mais simples do declínio da mobilização é, provavelmente, a exaustão.
Embora os protestos de rua, as demonstrações e a violência sejam excitantes no
início, à medida que os movimentos se organizam melhor e se dividem em líderes e
1 88
seguidores, eles envolvem risco, custos pessoais e, eventualmente, cansaço e desi
lusão. Disso resulta um declínio na participação, que pode ser acentuado quando
as autoridades políticas e as forças da ordem são inteligentes o bastante para aguar
dar o seu momento.
Mas a participação não declina num mesmo ritmo em todos os setores de um
movimento. Os que estão na periferia de um desafio, sem muitas razões para apoiá
lo, são os mais propensos a desertar, enquanto aqueles próximos ao seu núcleo,
com fortes motivos para dar o seu apoio, inclinam-se a persistir. Como uma regra
geral, os primeiros são mais moderados em suas ações e, quando saem do movi
mento, sua ausência retira um entrave ao extremismo; de modo contrário, como os
últimos são mais militantes, é provável que tolerem melhor o embate violento. As
taxas desiguais de deserção entre o centro e a periferia de um movimento mudam o
seu equilíbrio - de reivindicações moderadas para radicais e de protestos pacíficos
para violentos.
Este declínio desigual de participação coloca um dilema para as lideranças dos
movimentos. Conscientes de que sua força está em seu contingente, elas podem
reagir ao declínio na participação fazendo reivindicações mais moderadas e ten
tando conciliar com os opositores. Inversamente, para manter o apoio dos elemen
tos militantes, elas podem tentar manter a chama acesa fazendo reivindicações ra
dicais e intensificando o confronto. Nos dois casos, o declínio diferencial de apoio
leva à polarização entre aqueles que querem a conciliação com as autoridades e
aqueles que buscam a manutenção do confronto.
A divisão em facções assume formas diferentes em ciclos históricos distintos.
Por exemplo, com suas atividades dirigidas às petições de massa, a coalizão que deu
início ao movimento Dutch Patriot, nos anos 1780, levou à formação de uma rede
provincial de comitês e milícias de cidadãos (TE BRAKE, 1997: 6). Assustados, com
medo da desordem, "a coalizão original entre elites desiludidas e ativistas políticos
populares tinha começado a se desintegrar". O resultado foi uma polarização na coa
lizão Patriot original, a formação de uma coalizão essencialmente contrarrevolucio
nária em oposição a ela e uma divisão revolucionária no país. Como te Brake con
clui, "Aqueles que permaneceram na coalizão Patriot começaram a perceber que o
colapso do aparente consenso na arena política local exigiria que eles desencadeas
sem uma vigorosa ação revolucionária para atingir os seus objetivos"•.
Um resultado muito diferente pôde ser visto na revolta da Praça Tienanmen,
na China, em 1989. Lá uma petição pacífica feita por estudantes contra a corrup
ção atraiu o apoio de uma massa de estudantes insatisfeitos e de outros cidadãos de
Pequim e de outras cidades. A divisão em facções ocorreu à medida que um grupo
4. Jack Goldstone indica um outro exemplo: a Revolução Inglesa de 1 640, em que um parlamento
muito unido e a pequena nobreza se dividiram em facções, monarquista e parlamentar, sobre a ques
tão de se adotar medidas extremas contra o rei.
189
de radicais entrou na praça com faixas brancas na cabeça e slogans militares, opon
do-se aos moderados que estavam prestes a conciliar com a liderança comunista.
Essas divisões paralisaram o movimento, dando tempo ao partido para se reagru
5
par e mandar novas tropas para reprimir o movimento •
Violência e institucionalização
As divisões que ocorreram tanto entre os Dutch Patriots como entre os estudan
tes chineses foram principalmente em relação aos objetivos. Mas as divisões entre
moderados e radicais assumem com frequência a forma de um conflito relativo à vio
lência. Quando líderes moderados institucionalizam suas táticas para conservar o
apoio das massas, os competidores radicais usam táticas de confrontação para ga
nhar o apoio dos militantes e evitarem recaídas. Os primeiros se opõem à violência
enquanto que os últimos frequentemente dela se utilizam, exaltando-a como uma
forma mais elevada de política para justificar o seu uso contra seus inimigos.
A batalha entre os girondinos e os jacobinos na Revolução Francesa é um bom
exemplo histórico de tais conflitos. Ela foi deflagrada por uma disputa em torno da
execução do rei, com os jacobinos pedindo o regicídio e os girondinos se opondo.
Estes logo seguiram Luís XVI na guilhotina. Entre os cartistas britânicos, houve
um longo debate sobre as virtudes da força física versus a força moral. Na esquerda
europeia, como já vimos, os anarquistas e os social-democratas discutiram sobre a
violência dos primeiros e a moderação dos últimos.
Em décadas recentes, os movimentos produziram polarizações similares sobre
a violência. Mesmo no movimento americano pelos direitos civis, amplamente pa
cífico, a disputa entre a ala mais antiga e moderada e os jovens ativistas que a desa
fiavam pela liderança foi sobre a violência e a sabedoria de pressionar por ganhos
econômicos radicais em oposição a consolidar os direitos políticos já obtidos no
início dos anos 1960. Cada fase do movimento levou a um aumento das disputas
entre os setores mais velhos e os mais jovens. Quando as formas originais de políti
ca disruptiva fo ram consumadas e o centro de gravidade do movimento mudou do
sul para o norte, um movimento de massa abriu espaço para a prática da violência
organizada e, portanto, para o colapso do movimento. Mas aqui precisamos colo
car um terceiro elemento em jogo - as reações do Estado.
Facilitação e repressão
Embora a divisão em facções cresça entre os elementos de um movimento de
massa, ela pode ser encorajada ou desencorajada por diferentes estratégias gover
namentais. Os governos que cedem rapidamente às reivindicações dos revoltosos
podem ser substituídos porque essas demandas aumentam gradativamente a cada
S. Este relato baseia-se em Neither Gods nor Emperors, cap. 2 e p. 183-185, de Craig Calhoun.
1 90
sinal de fraqueza do regime. Este foi o caso na Europa Oriental em 1989, quando a
fraqueza exposta dos regimes levou os desafiantes a ampliarem suas reivindica
ções, passando de reformas no Estado socialista à sua liquidação.
Inversamente, os governos que rejeitam categoricamente todas as demandas
dos desafiantes e sustentam sua rejeição com a força, ou destroem a oposição -
caso a repressão for efetiva - ou geram uma polarização revolucionária onde ela
não existia. O primeiro caso refere-se ao resultado da rebelião estudantil chinesa
em 1989, enquanto que o último foi o caso da Revolução Russa de 1905, onde fal
tou ao regime absolutista a capacidade repressora para sustentar sua recusa às de
mandas dos insurgentes.
Mas essas fonnas extremas de repressão são menos típicas dos ciclos contempo
râneos do que eram nos séculos XVIII e XIX. Atualmente, é mais comum a facilita
ção seletiva das reivindicações de alguns grupos e a repressão seletiva de outros. Jack
Goldstone, por exemplo, ressalta como os governantes nas Filipinas, na Colômbia e
no Quênia trabalharam com sucesso para separar as elites dos camponeses e operá
6
rios ( 1997: 29) • Ao negociar com alguns dentre os vários insurgentes, os governos
encorajam a moderação e isolam os moderados de seus aliados radicais.
Essa política de facilitação e de repressão seletiva, especialmente quando coin
cide com o declínio do apoio da massa e com o fracionamento no interior do movi
mento, empurra os radicais para formas de organização mais sectárias e formas de
ação mais violentas e encoraja os moderados a desertar. No extremo, a combinação
de desmobilização parcial, divisão em facções e repressão e facilitação seletivas
produz terrorismo (DELLA PORTA, 1995, cap. 6). Goldstone, parafraseando Sabi
ne Katstedt-Henke, descreve o processo na Alemanha nos anos 1970:
Inicialmente, o Estado reage emocionalmente ao protesto, mas repri
me de forma pobre e não efetiva; isso provoca protestos mais adiante.
Entretanto, à medida que o Estado obtém mais conhecimento sobre o
protesto ele se torna capaz de dividir os que protestam, fazendo con
cessões moderadas. Isso atrai os moderados no movimento para a
ação legítima, mas frustra os radicais que buscam mudanças maiores.
Então, os radicais revidam com violência ainda maior, criando uma
espiral de terror e contraterror que termina com os mais radicais sen
do eliminados ou levados à clandestinidade ( 1997: 1 1 -12).
6. Mas sistemas mais autoritários, como o do Xá do Irã, foram julgados por seu padrão de repressão
que visava "indiscriminadamente as eli.tes econômicas, reli.giosas e técnicas, criando assim uma coa
lizão interclasses contra ele" (GOLDSTONE, 1997: 20).
191
subversivos, clandestinos e republicanos que, até então, seus líderes mais modera
dos tinham repudiado" (GOODWIN, 1979: 416). Uma dinâmica semelhante ocor
reu na América no fim dos anos 1960, quando a demonstração contra a Guerra do
Vietnã na convenção do Partido Democrático de 1968 levou a choques violentos
com a polícia. O movimento de massa fracassou, deixando atrás de si "um agrega
do de movimentos monotemáticos menores" em alguns dos quais "revolucioná
rios frustrados construíram bombas, transformando os sonhos de liberdade em ex
plosões cruéis e ineficazes de terrorismo" (MILLER, 1987: 317).
Mas nem todos os governos têm o controle político e o autocontrole para se
engajar em repressão e facilitação seletivas. Isso é mais verdadeiro em relação aos
regimes autoritários, onde as elites podem sentir que, se cederem mesmo numa pe
quena parte das reivindicações moderadas, abrirão caminho para outras mais amea
çadoras. Mesmo em regimes mais pluralistas, quando o medo da desordem se ins
tala entre os grupos detentores de propriedade, a reação pode tornar-se geral e às
ondas de confronto se segue uma repressão global. Um ciclo desses ilustra todos
esses processos e também algo mais - o risco da intervenção externa quando os re
gimes enfraquecem e os desafiantes assumem temporariamente o controle.
7. Para uma pesquisa sobre as principais causas de fundo elas revoluções nos vários países europeus
ver The Revolutions of 1 848, de Roger Price, e sua excelente bibliografia básica.
8. Em termos gerais, as divisões religiosas eram dominantes na Suíça, as étnicas e nacionalistas no
império cios habsburgos fora ela Áustria e questões de representação política na França, Alemanha e
na própria Áustria. Embora a questão nacional tenha dominado o quarantotto italiano, ele começou
com agitações por reformas liberais em Roma e no Reino das Duas Sicílias; apenas quando foi para o
norte, para áreas controladas pelos habsburgos, ele ganhou uma coloração nacionalista. Na França e
na Alemanha, embora ocorressem tumultos por comida nos estágios iniciais ela conflagração, os ei
xos principais do conflito eram sobre as instituições representativas e os direitos cios trabalhadores.
192
rica Latina para incitar insurreições nos estados italianos. Embora os primeiros tu
multos revolucionários tenham vindo da Suíça e da Itália, a influência da primeira
Revolução Francesa foi muito importante em toda a parte.
A Revolução Francesa de 1789 focalizou principalmente os direitos civis, mas,
à medida que esta nova revolução juntou forças, a questão social começou a se cru
zar com as questões de representação política. No seu programa de 1 947 para a
oposição moderada, Tocqueville tinha previsto esta ampliação das reivindicações:
"Vai chegar uma época", ele profetizou, "em que o país estará novamente dividido
em dois grandes partidos. Logo a luta política será entre os proprietários e os
não-proprietários; a propriedade será o grande campo de batalha" (1987: 12-13).
Tocqueville exagerou; a revolução de 1848 ainda não era a revolução social do
9
futuro, como Marx sagazmente compreendeu • Mas o tumulto efervescente de
suas primeiras semanas assustou os liberais parlamentares, os democratas de clas
se média e os monarquistas constitucionais que temiam uma luta de classes, fazen
do com que abandonassem o flerte com a reforma e passassem a apoiar a reação.
Depois de um período de recuo diante das massas mobilizadas, os governos recu
peraram o seu autocontrole, reuniram aliados e varreram os insurgentes da área.
Em meados de 1848, em cada grande nação europeia os regimes foram amea
çados ou derrubados, as pessoas fizeram passeatas, se reuniram, organizaram as
sembleias e comitês e ergueram barricadas. Os governos correram para lugares se
guros ou se empenharam em apressar reformas para prevenir rebeliões futuras. A
figura 9 .1 demonstra a ascensão e o declínio dramáticos elo conflito e da reação ao
combinar os números de confrontos públicos da cronologia de Jacques Godechot
relativos a todos os principais estados europeus, para os quais ele fornece informa
w
ções de 184 7 até 1849 .
As séries de tempo de Godechot começam em março de 1847, quando ocorre
ram os primeiros conflitos abertos, e continuam por trinta meses até o fim de agos
to ele 1849. Ele inclui um esboço detalhado dos eventos de importância nacional
relativos à Áustria-Hungria, Bélgica, Inglaterra, França, estados alemães e italia
nos, Países Baixos, Polônia, Espanha e Suíça. Alguns desses eventos foram alta
mente contenciosos e violentos; outros foram atos de rotina eleitoral e legislativa;
outros foram as ações de autoridades públicas e ainda outros foram as interven
ções de poderes estrangeiros. Sua cronologia nos permite ver apenas o número de
9. Marx escreve em O 18 Brumário: "As revoluções burguesas, como as do século XVIII, avançam ra
pidamente de sucesso em sucesso. . . logo atingem o auge e uma longa modorra se apodera da socieda
de... revoluções proletárias... criticam constantemente a si próprias, interrompem continuamente o
seu curso, voltam ao que parecia resolvido para recomeçá-lo outra vez . . . " ( 1 963: 19) .
10. Godechot não fornece nenhuma informação sobre a Escandinávia (a não ser sobre a breYe guerra
entre a Dinamarca e Prússia sobre o Schleswig-Holstein); nenhuma sobre Grécia e Portugal: e nenhu
ma para as partes europeias do Império Otomano. Para uma análise mais detalhada dos dados de Go
.
dechot e de alguns problemas apresentados por Soule e Tarrow ver "Acting Collecti,-eh· . .
1 93
enntos e não sua duração ou número de participantes, mas dá uma imagem gráfi
ca de como era um ciclo de confronto na Europa em meados do século XIX.
80
60-
Número de Eventos
40-
2(}-
Fonte: SOULE, Sarah & TARROW, Sidney. "Acting Collectively, 1847-1849: How the yepertoire
of Collective Action Changed and Where it Hapenned". Paper apresentado na conferência anual
da Social Science History Association. New Orleans, Louisiana, 1991.
Criando oportunidades
Embora as memórias mais dramáticas da revolução de 1848 sejam as de Paris,
este ciclo começou de fato quase um ano antes na Itália, onde um papa reformista
deflagrou uma onda de agitação em Roma e no sul; depois na Bélgica, onde um go
verno liberal tinha acabado de assumir; e também na Suíça, onde os cantões pro
testantes liberais impuseram sua vontade aos cantões rurais da confederação, pre
dominantemente católicos. Nada menos do que um historiador francês como Elie
Halevy afirmaria que "a revolução de 1848 não surgiu das barricadas parisienses,
mas da guerra civil suíça" (apud SIGMANN, 1973: 193) .
Como em muitos dos ciclos que se seguiram, o pico do confronto, na prima
vera de 1848, foi marcado por uma expansão das formas de ação coletiva. En-.
1848, havia principalmente reuniões públicas, demonstrações, barricadas e vic
lência contra os outros. A ocorrência simultãnea dessas formas de ação coletiY�
nos diz muito sobre a amplitude da coalizão; enquanto os cavalheiros liberais ::
conservadores faziam reuniões sóbrias e conferências eruditas, os republicarn• c
1 94
estavam organizando demonstrações, os operários e artesãos estavam erguendo
barricadas e os camponeses estavam atacando os seus senhores e se apossando
das reservas florestais.
As barricadas foram as principais peças disruptivas das várias revoltas (TRAU
GOTT, 1990; 1995). As primeiras foram erguidas nos dias de fevereiro em Paris,
quando a monarquia foi derrubada. Foram erguidas novamente em abril, em Rou
en, quando trabalhadores socialistas se recusaram a aceitar a derrota dos candida
tos republicanos que tinham apoiado nas eleições; durante os dias de junho, quan
do a assembleia dissolveu as oficinas nacionais; e, novamente, um ano mais tarde,
quando o exército francês desembarcou em Civitavecchia para reempossar o papa.
As barricadas se espalharam rapidamente por toda a Europa em todos os lugares
em que a revolução assumiu um caráter radical.
Os picos dos ciclos de protesto são também marcados por um aumento da vio
lência. Os ataques aos judeus na França, na primavera de 1848, foram um pressá
gio dos conflitos étnicos que marcaram a passagem da revolução na Hungria e nos
Bálcãs. Na Alemanha, os primeiros meses da revolução foram marcados por um
grande número de ataques aos judeus. Quando os proprietários de terras húngaros
se livraram do governo de Viena, foram rapidamente confrontados por uma revol
ta dos sérvios subjugados, que rapidamente reprimiram. Tal como na Iugoslávia de
depois das revoluções de 1989, o colapso da ordem gerou oportunidades vantajo
sas, disfarçadas em memórias étnicas, para as ambiciosas elites locais. Mas as revo
luções também produziram intermináveis assembleias públicas, conferências eru
ditas e assembleias parlamentares. O que fizeram os rebeldes sicilianos quando to
maram Palermo em 1848? Formaram comitês para restaurar a ordem, assegurar o
abastecimento, proteger as finanças e controlar as informações (TILLY, C. ; TILLY,
L & TILLY, R., 1975: 130). Como reagiram os liberais alemães quando o rei da
Prússia dissolveu a Assembleia do Land em junho de 184 7? Eles se reuniram para
debater em Offenberg em setembro, e em Oppenheim em outubro (GODECHOT,
1971: 199-200). Mesmo na Sérvia, sob o domínio austríaco, na Croácia e na Tran
silvânia os eventos revolucionários de fevereiro e março de 1848 geraram reuniões
e comitês. A reunião mais longa e menos produtiva foi "o Parlamento dos Profes
sores", em Frankfurt, que inicialmente foi tolerado, mas depois interrompido pela
Prússia quando se vislumbrou a ameaça de insurreição.
As demonstrações de massa foram uma importante terceira parte do repertório
de 1848 - de fato, foi naquele ano que a demonstração se destacou (FAVRE, 1990) .
Se admitirmos uma semelhança entre o termo de Godechot "manifestação" e nos
11
so termo "demonstração" encontraremos trinta e uma grandes demonstrações nos
1 1 . Aqui, precisamos ser cautelosos, pois falta ao termo manifestação de Godechol a especificidaci�
da forma de ação coletiva que agora designamos por esta palavra, que Pierre Favre define. em Li 'lf,,
nifestation, como "um movimento coletivo organizado em espaço público com o obj eti\·o de pr0du:i�
um resultado político através da expressão pacífica de uma opinião ou reivindicação .. (p . 1 5 - trc1d,:
ção do autor).
doze meses entre julho de 1847 a junho de 1848. Mas foi de fevereiro a abril de
1 8-+8 - o pico da mobilização - que vemos a maior densidade de demonstrações.
Como em muitos ciclos recentes, a ocupação pacífica do espaço público, a assem
bleia pública e a barricada, assim como os tradicionais ataques a outros, eram indi
cações típicas de intensidade do pico do ciclo.
O declínio cíclico
À medida que as revoluções de 1848 continuaram além da efervescência da
primavera de 1848, a demonstração pacífica e a reunião pública começam a desa
parecer da cronologia de Godechot e são substituídas por termos como "ataque" ,
"choque" , "dispersão", "intervenção" e "derrota". A última demonstração pública
que ele inclui foi uma demanda por trabalho em Berlim em 3 1 de outubro , logo se-
196
guida pela retração das reformas concedidas pelo imperador na primavera ante
rior. O povo parou de f azer demonstrações e se voltou para a violência armada
quando a força começou a ser empregada contra ele.
A mudança para a violência nas ruas - em parte espontânea e em parte como
resposta à repressão - ajudou a destruir as coalizões revolucionárias que tinham
sido formadas na primavera anterior. Com sua prosa mordaz, Marx descreve o
processo pelo qual, no interesse da preservação da propriedade, os parlamentares
liberais e depois os republicanos deixaram de apoiar a nova república francesa,
abrindo o caminho para que Luís Napoleão se tornasse primeiro seu presidente e
depois imperador da França ( 1963 : 42-43).
***
N a cronologia de Godechot, os choqúes armados assumiram, d e forma cres
cente, uma dimensão internacional. Os exércitos austríacos atacaram os liberais
no norte da Itália, os franceses intervieram em Roma e as tropas russas foram con
tra os húngaros para ajudar os habsburgos. No fim de 1848, surgiu um quadro de
luta armada quase contínua, intervenção estrangeira e de colapso da ação coletiva
popular. A força militar, apoiada pela reação conservadora e pela retração dos mo
derados, transformou a primavera das pessoas num inverno de descontentamento.
Como muitos outros ciclos de protesto, a revolução de 1848 deixou lembran
ças que eram mais amargas quanto mais elevadas fossem as esperanças por ela ge
radas. Bem recebida inicialmente por radicais e democratas em toda a Europa, os
participantes da revolução logo foram denunciados por sua "retórica vazia, seu
idealismo místico ... e por suas ilusões generosas" (SIGMANN , 1973: 10). Na Ale
manha, o ano foi logo rotulado como das tolle]ahr (o ano louco), enquanto que o
embaixador inglês em Paris escreveu que 1848 deixou "quase cada indivíduo me
nos feliz, cada nação menos próspera, cada povo não apenas menos livre mas com
menos esperanças de liberdade no futuro" (apud POSTGATE, 1955: 266).
Na Itália, mesmo atualmente, a expressão Jare um quarantotto significa criar
confusão. "O que mais lembramos" , depois da intoxicação de tais momentos de
loucura, escreve Aristide Zolberg, "é que os momentos de entusiasmo político são
seguidos por repressão burguesa ou por autoritarismo carismático, alguma vezes
pelo terror, mas sempre pela restauração do tédio" ( 1972: 205).
1 97
mentos radicais dos anos 1960 na Europa Ocidental e nos Estados Unidos. Vamos
examinar brevemente o último período para ilustrar alguns pontos em comum
com o ciclo anterior, assim como as diferenças nos resultados.
De 1968 a 1972, uma onda de agitação estudantil e operária surgiu em muitos
países da Europa que acabaria por envolver quase todas as áreas dessas sociedades.
Ainda nos f altam dados sistemáticos para acompanhar este ciclo de forma qualita
tiva por esta meia década, mas numerosos estudos qualitativos e uns poucos quan
titativos deixam pouca dúvida de que as sociedades da Europa estavam passando
2.
por um grande ciclo de confrontos1
Dois movimentos, em particular, atingiram proporções históricas em 1968: na
França, o curto mas explosivo "movimento de maio" quase derrubou o autoconfi
ante regime gaulista, enquanto que na Checoslováquia um breve surto de reformas
foi seguido por uma brutal ofensiva militar sob a liderança soviética. Quase ao
mesmo tempo, um maggio italiano fechou as escolas e universidades, desencade
ando um "longo maio" que durou até o início dos anos 1970 (SALVATI, 1981 ;
TARROW, 1989a) e, n a Alemanha, uma onda de protestos sacudiu a complacente
classe política daquele país (DELLA PORTA, 1995).
Nos Estados Unidos, os anos de esperança começaram mais cedo, no movi
mento pelos direitos civis no início dos anos 1960 e nas agitações contra a Guerra
do Vietnã que culminaram nos "dias de fúria" na convenção do Partido Democráti
co em Chicago1 3 . Como na Europa, os estudantes estavam na vanguarda dos movi
mentos, mas faltavam os trabalhadores, principais catalisadores na França e na Itá
lia, e faltavam também a maior parte dos jovens afro-americanos, que no início da
década tinham estado ativos. Estes estavam bastante ausentes do fundo comum de
recrutamento de estudantes universitários afluentes que participaram do movi
mento contra a Guerra do Vietnã.
Tanto na América como na Europa Ocidental a difusão foi rápida e geografica
mente espalhada. Dependendo em parte dos "grupos transitórios" de ativistas que
antes haviam se encontrado no movimento pelos direitos civis (McADAM, 1988), o
movimento empregou as ferramentas recém-descobertas: a viagem aérea barata e a
televisão. A primeira possibilitava reunir rapidamente grupos de líderes nos locais
onde o conflito estava se formando; a última permitia transmitir notícias sobre o
conflito para toda a nação sem a existência de fortes organizações de massa. Na Eu-
12. Sobre os "Eventos" franceses, o trabalho que mais se destaca é Mai 68: L'entre-deux de la modemité,
deJacques Capdevielle e René Mouriaux. Para uma súmula recente de reflexões, ver 1968: Exploration
du Mai Jrançais, de Mouriaux (org.). Sobre o sessantotto italiano, ver Saggio sui movimcnti del 1 968 in
Europa e in America, de Peppino Onoleva e Democracy. ln Disorder, cap. 6, de Sidney Tarrow. Urna ex
celente comparação entre os resultados dos dois casos em termos de política econõmica é "May 1968
and the Hot Autumn of 1969: The Responses of Two Ruling Classes", de Michele Salva ti.
13. Em relação aos Estados Unidos, encontramos as reflexões mais penetrantes sobre este período
em The Sixties, de Todd Gitlin, e Democracy Is in the Streets, de James Miller.
1 98
ropa Ocidental, o tamanho menor das sociedades e a natureza centralizada de seus
sistemas educacionais tomaram possível a rápida difusão do movimento por todo o
território. Na França, altamente centralizada, foram necessários apenas uns poucos
dias para que a notícia do confronto entre a polícia e os estudantes na Sorbonne fe
chasse as universidades em todo o país (SCHNAPP & VIDAL-NAQUET, 1988).
O mais espantoso nos movimentos dos anos 1960 foi a existência dos mesmos
"quadros interpretativos abrangentes" em ambos os lados do Atlântico, no que Doug
McAdam e Dieter Rucht chamaram de "a difusão transnacional de ideias dos movi
mentos" (1993). Não apenas as ideias, mas as táticas de sentar-se passivamente e de
obstrução cruzaram depressa o Atlântico nos anos 1960. Embora os movimentos
desta década estivessem longe de ser revolucionários, eles podem ilustrar o que Tilly
escreve sobre difusão transnacional e situações revolucionárias: num mundo em
que a comunicação é rápida "a demonstração de que um Estado importante está vul
nerável [ ... ] sinaliza a possibilidade de fazer demandas similares em outro lugar e
disponibiliza habilidades e doutrinas transferíveis" (1993: 14).
Tanto na Europa quanto na América, os movimentos dos anos 1960 combina
ram organizações herdadas da "velha" esquerda com novas que usavam formas
mais descentralizadas de mobilização (ISSERMAN, 1987). Nos Estados Unidos, o
Students for a Democratic Society era o grupo mais visível da Nova Esquerda, mas
outros, de coloração marxista e social-democrata mais tradicionais, também esta
vam ativos. Na França e na Itália, os estudantes que tinham aprendido sobre políti
ca nas "velhas" esquerdas comunista e católica foram os criadores dos movimentos
da "Nova Esquerda" da última parte da década. O "maoísmo" deu um novo alento
a esses movimentos, mas já no início dos anos 1970 muitos tinham voltado para os
tipos de organização leninista (BOBEIO, 1979; TARROW, 1989a).
O repertório do confronto dos movimentos dos anos 1960 também se expan
diu rapidamente, indo das demonstrações planejadas, herdadas pelos estudantes
de seus antecessores marxistas, para as táticas de resistência não violentas e de sen
tar-se passivamente aprendidas nos movimentos pelos direitos humanos. A rejei
ção à liderança da velha esquerda significou também rejeitar suas táticas convencio
nais - em parte para se diferenciar de seus antecessores e em parte para obter a
atenção da imprensa, de outros estudantes e das autoridades.
Em cada país, uma espiral de grandes demandas se moveu para além dos con
frontos que começaram como conflitos de interesses concretos. Quando os protes
tos se espalharam, as coalizões de desafiantes tentaram formar organizações de mas
sa e ampliar suas reivindicações, mas os mais militantes entre eles radicalizaram suas
demandas em desafios gerais à autoridade, enquanto os mais moderados foram para
partidos institucionalizados e sindicatos (LANGE; IRVIN & TARROW, 1989).
A amplitude desses movimentos e sua rápida difusão pareceu ameaçar a ordem
estabelecida, dando origem aos contramovimentos, às demandas pela lei e pela or
dem, algumas vezes por reformas, mas usualmente por formas mais efetivas de con-
199
trole. Tanto na Europa quanto na América, o fim do ciclo presenciou uma polari
zação entre moderados e radicais, táticas institucionalizadas e violência organiza
da. Tal com em 1 848, o que começou como uma primavera de liberdade acabou
em repressão e desilusão.
1 4. Ver Goldstone 1997, sobre um importante desafio à tradição de separar a análise das revoluções
daquelas relativas aos movimentos sociais.
15. Tilly especifica isso como "mais do que um" disputando pelo poder, cada um deles recebendo
apoio substancial da população. Quando alguns regimes terminam, entretanto, eles acabam rendo
pouco apoio de qualquer grupo substancial na sociedade - como o Xá do Irã, que fugiu de forma infa
me porque acabou tendo pouco apoio. Sou grato a Jack Goldstone por me mostrar isso.
200
vimentos como nas revoluções, um desafio bem-sucedido de um ator que antes es
tava em desvantagem simultaneamente (1) divulga a vulnerabilidade das autorida
des, (2) fornece um modelo para uma reivindicação efetiva, (3) identifica possíveis
aliados para outros desafiantes, (4) altera as relações existentes entre os desafiantes e
os detentores de poder e, (5) por meio disso, ameaça os interesses de ainda outros
atores políticos ancorados no status quo e que são, assim, também acionados.
Tal situação torna-se revolucionária se e quando as elites no poder rejeitam to
das as reivindicações apresentadas e quando alguns desafiantes com pretensões à
soberania ganham poder e se aliam para fortalecer suas posições contra novos de
safiantes. Tal processo por vezes divide os atores mobilizados entre membros do
regime e outsiders, desmobiliza alguns desses últimos e leva os que permaneceram
a ações cada vez mais arriscadas até que a repressão, a cooptação e a fragmentação
termina o ciclo.
Os três processos dinâmicos descritos anteriormente podem ajudar a distin
guir tais resultados revolucionários dos ciclos mais comuns de confronto. Quando
as elites reagem às reivindicações de amplo espectro feitas por coalizões de desafi
antes, reprimindo cegamente e recusando-se a atender qualquer uma delas, um
sentimento de injúria e de acentuada solidariedade contrabalança o processo de
polarização e impede as deserções. Jack Goldstone se refere a isso dessa maneira:
No caso de um movimento revolucionário , comece ele como um mo
vimento para a lcançar uma certa política ou objetivos relacionados a
atitudes, ele se desenvolve através de um esforço de colaboração de
diversos grupos com vários objetivos políticos num movimento que
visa derrubar o Estado. Ele vai nesta direção exatamente porque o
Estado adota uma postura repressiva que indica uma firme resistên
cia: proíbe ou circunscreve severamente as ações do movimento, opõe-se
fortemente a todos que se aliam a ele e pode tentar eliminá-lo e a seus
apoiadores ( 1 997: 4)
Mas a repressão do governo pode assumir muitas formas e atuar com eficiência
variável. "Onde o governo é capaz de dirigir suas medidas repressoras, de forma
clara e discriminada, aos apoiadores do movimento", continua Goldstone, "é pro
vável que a repressão ou termine o movimento ou o conduza à clandestinidade".
Onde a repressão é difusa, inconsistente e arbitrária, ou onde ela é limitada por
pressões internacionais ou domésticas, "é provável que o movimento atraia apoia
dores à medida que radicaliza seus objetivos e ações" (GOLDSTONE, 1997: 5).
A radicalização também depende das relações internas na oposição e pode se
guir nossos três processos dinâmicos. A repressão geral enfraquece a posição dos
moderados (porque elimina, por exemplo, a possibilidade de conciliação e torna a
deserção inútil ou perigosa) e fortalece a dos radicais. A violência - mesmo a vio
lência governamental - e a divisão em f acções dão vantagens aos radicais na com
petição por apoio no interior da coalizão revolucionária. O mesmo processo pode
ser deflagrado por ataques externos que enfraquecem a posição dos moderados e
fortalecem os mais determinados e preparados para silenciar a oposição interna.
201
Novamente, vemos isso de forma mais clara no caso da Revolução Russa, quando
Lenin eliminou primeiro o governo provisório e depois seus competidores social
revolucionários.
Um outro processo ajuda a avançar no caminho revolucionário: a deserção dos
membros da elite para a oposição, seja por indignação diante da brutal repressão e
da falta de flexibilidade do governo, seja por simpatizar com os objetivos da oposi
ção ou por desejar promover os seus próprios valores ou ambos. Este foi o grande -
e bastante inesperado - aspecto das "revoluções" de 1998 na Europa Oriental,
quando até mesmo a polícia associada à temida República Democrática Alemã se
deteve e não atacou os manifestantes em Leipzig e em Berlim Oriental.
As situações revolucionárias assemelham-se, portanto, ao início dos novos de
safios de movimentos sociais ao sistema político existente. Um se converte no ou
tro à medida que os desafios se multiplicam, põem em risco os suportes de todos os
atores potenciais existentes no sistema e conduzem a opções governamentais que
ao mesmo tempo reprimem toda a oposição e, involuntariamente, dão vantagens
aos opositores mais determinados do regime. Os movimentos sociais, os ciclos de
protesto e as revoluções, como conclui Goldstone,
não são genera diferentes de fenômenos sociais . . . nem são simples
mente o mesmo fenômeno, diferindo apenas em graus do suave ao ex
tremo. Ao invés, é melhor pensá-los como uma família de fenômenos
relacionados, originados de um conjunto similar de circunstâncias,
mas que se desenvolveram e divergiram devido a padrões distintos na
interação entre os movimentos de protesto, reação do Estado, ambi
eme social mais amplo e avaliações culturais do Estado e das ações de
protesto (1997: 24) .
202
processo contencioso que tem semelhanças de família com os ciclos de movimen
tos e os revolucionários. Trabalhos recentes sobre 1898 na Europa Oriental (FISH,
1995; OBERSCHALL, 1996; ZDRAVOMYSLOVA, 1996) e sul da Europa e Améri
ca Latina (BERMEO, 1997; COLLIER, 1997, TARROW, 1995c) e trabalhos teóri
cos de Markoff (1996) e Pagnucco (1996) começaram a desafiar o ponto de vista
que considerava as democratizações recentes como fruto de negociações entre eli
tes, mas ainda nos faltam ferramentas conceituais e bases empíricas para incluir as
16
transições democráticas na família dos processos contenciosos •
16. Para um primeiro esforço, ver McAdam, Tarrow e Tilly: "Toward an lntegrated Perspective on
Social Movements and Revolution".
203
10
Lutando por reformas
l!. Quand~ adicionam~s objetivos não-políticos à lista, como transformação de pessoas e estabiliza-
çao do movim:nto, as d~,mensões d~ suce~~o tornam-se ainda mais amplas e fica claro por que Marx e
Wood conclmra~ que o estudo s1stemat1co sobre as consequências elo movimento social é muito
menos desenvolvido do que o estudo d as cona·içoes
- antenores
· que fazem surgir os movimentos "·
Ver, destes autores: "Strands of Theory and Research in Collective B h • ,, 405
e av10ur , p. .
204
Parte do pro blen1a é que en1bor - · · 1
. ' a seJa passive relacionar os resultados com os
es forças d os movnnentos não é fác·1 · l ··r· .
,r· p . '
do espec1 1co. rec1sainos acrescenta ,
1 Ic enti icar quais ações causaram um resulta-
d . .
. . .. r as vozes os at1v1stas o impacto da opinião
Pública, os grupos de interesse os pa1At'd1 os. e os executivos
. . ·
como causas potenciais
..
. • eomo
. p au 18-urste1n
,. • • • A ,
dos resultados
. que 1nteressain
. _ aos 1novimer1 tos • escreve quan-
do analisaª 1uta pela legislaçao por oportunidades iguais de emprego "ela foi ado-
tada como un1 resultado de 111uda·r1 · · .. . . ' . . ,
. A. . . ,. . • • ' ç~s sociais que se manifestaram na op1n1ão pu-
blica, cnstahzarain-se
, .. , . dueitos civis e 1105· rnovi·m en t os ·f em1n1s
nos · · tas e ·f 01· trans-
formada em poht1ca publica por líderes políticos" (1985: 125).
~lé1~1 disso, ondas internacionais de 1novimentos ou de opinião podem gerar a
conv1cçao d~ q~e alguinas n1udanças são inevitáveis - mesmo quando os movi-
mentos loca1s_s~o fracos ou não existem. Por exemplo, o sucesso do movimento
pelo voto feminino ein todo o mundo industrializado aproximadamente no mes-
mo período da história foi mais um resultado de uma onda de opinião transnacio-
nal do que dos recursos de um movimento ou tática específica. O mesmo ocorreu
e
com o ambientalismo e a criação de ministérios organizaçõ~s relacionadas ao
meio a1nbiente em todo o mundo (MEYER et al., 1997).
18. Ver: Taft e Ross, 1969. • Snyder e Kelly, 1976. • Shorter e Tílly, 1871. • Conell 1978, assim como
o sumário de seus achados em Giugni, 1994 ·
205
Alénl disso, quando a's elites f~can1 dian_te de uina inultiplicidade de relações
COITI aliados e desafiantes, coin1~etidores e Cl~~clãos, elas não respondem. tanto. às
reivindicações de qualquer 1~1ovin1 ento ~specifico, tnas sim à estrutura de conflito
generalizado que enfrentam. Em tal Confrontação, é mais provável que elas façam a
inediação entre as den1andas a elas coloca_das _do que reajam a elas parcelada-mente,
enl busca de soluções de 111ínimo den0111inador con1utn que derrotem seus inimi-
gos, imponham O controle social e satisfaçam aliados e apoiadores. ·
Isso se aplica até para as greves de 111assa que a~ingi~ain o estado francê~ em maio
de 1968; foi para erradicar o movimento estudantil radical e pôr a economia nos tri-
lhos que O governo cedeu às demandas dos trabalha~ore~. Entretanto, q~ando pas-
sou a aineaça geral, 0 governo _deflacionou a economia e tsso anulou muitos daque-
les ganhos (SALVATI, 1981). É difícil destacar os resultad?s do~ desafios de movi-
mentos individuais dos ciclos gerais de confronto nos quais muitos deles surgem.
A presença de aliados nà sistema político é urp fator particularmente importante
na produção de resultados políticos favoráveis aos_movimentos sociais QENKINS &
PERROW, 1977; LIPSKY, 1968). De fato, atuando f~equentemente como interme-
diários não convidados entre desafiante~ e detentores de poder, os aliados podem
ter um resultado maior do que os próprios movimentos ao moldar as reações das
elites. O processo político dá a terceiros, grupos de interesse e aliados e opositores
dos movimentos um papel-·chave na conformação das respostas políticas. Como
argumentam Edwin Amenta ·e seus colaboradores, "o contexto -político media o
impacto da organização e dá ação do movimento sobre seus objetivos e estabelece
o alcance dos possíveis resultados'·' (1992: 309).
a
Isso posto, quais são os fat~res que ajudam um movimento ter sucesso? A
maioria dos estudiosos concordam que o poder de produzir rupturas· conduz a su-
cessos de curto prazo. Por exemplo, ao rever ,as ondas recorrentes de reforma do
sistema de bem-estar social nos Estados Unidos, Piven e Cloward escrevem que
"mecanismos de assistência social são iniciados ou expandidos durante as iirup-
ç?~s ocasionais de desordem civil produzidas pelo desemprego em massa" (1993:
xiu). De forma semelhante, Tilly concluiu, a partir de seu estudo sobre um século
d: con?i_to na Europa, que " nenhum grande direito político passou a existir sem a
d!.sp,?siçao de algumas pc;trtes daqueles grupos [de protesto] para superar a resis-
tenc1a do governo e de outros grupos" (1975: 184). ·
?utros eSludiosos focalizaram principalmente as aberturas de opórtunidades
1
po Iticas para explicar o sucesso dos movimentos QENKIN & PERROW 1977'
TARROW 1989a· 19896) ó d · '' '
ticul ' . ' . · acesso e novos atores ao sistema político ajuda par-
de farmente a incluir . · questõ es na agencla e faz com que o equilíbrio de po-·
. novas
r avoreça os mais antigos As · 1· - .
incluir a classe· t b Ih d · sim, ª ainp iaçao dos eleitorados ocidentais para
dos progressista
ra a a ora inoveu O
,· d
'l'b · l ·
equi 1 no e e poder do1néstico para os paru-
·
ram as greves e 1
s, que rapi amente apro
. . 1 ·1 1 1· a-
varan1 a eg1s ação do bem-estar, ega 12
e egerain os primeiro s t rabalh a d ores para cargos públicos. Nos 1u-
206
gares e1n que os movin1entos pelo v t f ll _
1 - . o o a 1aran1 - -
or exe1np o, co1n o inovnnento pelo v 0 t0 f -. . . como aconteceu por décadas
Pue "os parti·dos de opos1çao
· ~ nunca 1 en11111no ,
· SUiço - fo1. precisamente por-'
q . d ~ ~ " ançara111 um de f'10 1 .
~
e
arndos o governo a açao , e as elites . sa e eitoral que incitasse os
P . .d d cen arain hleir
consenso interno cu1 a osainente co _ "d as em vez de pender para um
nstnn o (BANASZAK 1 . 19
Ainda outros estudiosos apontar _ , 996. 215-216) .
. ai11 co1no chav .
internos, as organizações e as estratég· d d _es para o sucesso os recursos
· - . ias os esafiantes· - 1 _
mas de organ1zaçao, seJa111 elas centI~al· d · por exemp o, suas for-
iza as ou des t l' d
cionalização, sejain suas deinandas ab cen :ta tza as; seu grau de fac-
. 'b . - rangentes ou limitad . t... . ,
ara d1stn uir aos apoiadores· e seu . .. . as, se em 1nc~nt1vos
P ' sain v10 1enc1a contr . io
ainda focalizara111 as variáveis ainbientais t
1 , ª os opos1~ores ..,O utr~s
·-ente político, a estrutura de acesso políti'' ªd como ~ numero de ahados, o amb1-
, . , co os mov1men tos e se su ·
crise ou em epocas normais ';(GOLDSTONE 1980 )21 - - rgiram numa
. t b, . . ' · 0 s va1ores e as crenças dos
desa f!-antes oram tan1 em 1nd1cados por estudi .
cesso (BANASZAK, 1996). . osos como importantes para o su-
Mas se tantas variáveis parecem expli·car. 0 s.u cesso ·ou o fracasso d e um movi-
·
men~o, ~orno se comportam quando consideradas em conjunto? Numa análise
; dos dados
mult1vanada " de Gamson. . ' Steedly. e .Fóley descob ·
. nram que o sucesso es-
tava relac10nado, em ordem de 1.mportância rdativa, ao caráter não-deslocado dos
o~~etivos,_ ªº. número_ de_ alianças, à a~sênci~ de faccionalismo, aos objetivos espe-
c1f1eos e hm1tados e a disposição de usar sanções contra os opositores (GIUGNI,
1994: 4). Muitas dessas variáveis teriam que ser consideradas "internas" a um mo-
vimento; mas a importância das alianças no trabalho' de ,S~~eq.ly e Foley, assim
como a pesquisa sobre o papel das crises políticas periódicas (ex.: GOLDSTONE,
1980; SNYDER &: TILLY, 1972), sugerem que' é pr~ciso uma combinação de fato-
res - internos e externos, organizacionais .e p~lític~s, ~struturais e e~aatégicos -
para conduzir os movimentos ao sucesso.
19. Num estudo comparativo sobre os mommentos pelo voto feminino suíço e americano, Lee Ann
Banaszak insiste na primazia dos valores e crenças na explicação das diferenças de sucesso e fracasso
dos movimentos (1996) e é cética quanto ao peso das oportunidades (ela fala pouco sobre restri-
ções). "Precisamos" ela afirma "ir além da estrutura de oportunidade política e examinar teorias so-
bre como valores e c~enças col~tivos têm um papel no processamento da informação e sobre como as
percepções são desenvolvidas, especialmente as que afetam a ação,, (p. 32). Mas se os valores e per-
cepções das mulheres suíças ''determinaram amplamente se e como o movimento atuava" (p. 217),
talvez o que elas percebessem fosse uma estrutura de oportunidade que - pelos indícios da própria
Banaszak- não era muito encorajadora.
20. Strategy of Social Protest, de William Gamson, é o ponto ele partida necessário para a análise dos
aspectos dos movi.mentas que conduzem ao seu sucesso. Alguns trabalhos se~uiram, a publicação da
pesquisa de Gamson, uns apoiando seus achado~, out:os ob~enc~o resultados c;hferentes. Par~ ~,mexa-
me completo das respostas e críti.cas que se s~gmram ~, pubhcaçao do estudo d~ Ga~son, ve1 Outco-
mes of Social Movements: a Review of ~he L1terature (1994·), ele Marco G. Gmgm.
21. Estas descobertas e suas respostas e modificações em trabalho posterior esmo resumidas em Giugni
1994: 9-13.
207
. . ncia O desloca1nento das oportunidades
ntrar tal converge ' d " d ,,
A dificuldade d e enco _ • 1 s e a restauração a or em quando
. durante os c1c o , . o
dos desafiantes para as e1ites _ ,. plicain a pobreza de registros de moVi
f: . que me111or ex -
ciclo termina são os atores . do isso acontece, é quase sempre em termos
.. . lítico. E quan 'b
mentos que tem sucesso Pº . . fl tes que os representam no tn unal. AlélU
. , . . 05 aliados 1n uen . , .
que são ace1tave1s pataf· nto po d en1 pro ,. dtizir coalizões te1nporanas em prol da re-
. .
disso, os ciclos d e con 10 _ b. deinais divididas demais e dependentes de-
1 t elas sao I eves '
forma, mas usua men e , . ara oferecer apoio permanente quando 0
mais das oportunidades t~mp~:
1
~J & CLOWARD, 1971; 1977), A melhor ex-
medo da desorden1 desaparecde f· quentes reversões dos resultados das políticas
- d • os sucessos e as re .
pressao os rar , b ,. do eloquente livro de Frances Fox P1ven e Richard
1
dos movimentops e ol ;uMto1:i;:ents: Why They Succeed and How They Faíl (1977).
Cloward, Poor eop e s . .
• tos não desaparecem simplesmente, deixando atrás
No entanto, os 1nov1men . .
. epressão· eles têm efeitos 1nd1Tetos e de longo prazo, que
de s1 apenas cansaço ou r , . . . . _ .
iasmo inicial e a desilusao passa. Eles podem se rea-
surgem quand o aca b a o entus . . ,.
grupar quando O ciclo termina e surglf~m novas oportumdad~s;_ espec1~lm_en~e
quand o oS mºVl·mentos deixam atrás de s1 redes . . duradouras _de. ativistas., . Ha~ tres .-ti-
pos importantes de efeitos de longo prazo e 1nduetos d_o~ movimentos ._o seu efeito
na socialização política das pessoas e dos grupos participantes; os efeitos de suas
lutas sobre as instit1:(ições e práticas políticas; e sua contribuição para mudanças na
cultura política.
O político é pessoal
"O que mais lembramos, depois da intoxicação de um ciclo de protesto, escre-
ve Aristide Zolberg, "é que os momentos de entusiasmo político são seguidos pela
repressão ou pelo autoritarismo carismático, algumas vezes pelo terror, mas sem-
pre pela restauração do · tédio" (1972: 205). O economista Albert Hirschman vai
mais longe citando um "efeito rebote", pelo qual os indivíduos que se atiraram
com entusiasmo na vida pública voltam à vida privada com um grau de desgosto
proporcional ao esforço que despendera·m (1982: 80) .
. Num ciclo de confronto, os primeiros insurgentes frequentemente o veem enca-
minhar-se para direções nunca imaginadas. Quando dois dos fundadores da repúbli-
ca americana, John Adams e Thomas Jefferson, olharam para trás, não ficaram feli-
ª~
z_es ver O que sua geração tinha feito. Em vez de uma república da virtude a "Amé-
nca. tinha criado
. uma so cie
· d ad e imensa
· e d'1spersa, que era mais . iguahtana,
. • ,. · mais · me-
diana.,e maIS dominªd a pe1os interesses
· das pessoas comuns do que qualquer uma
que Jª tenha existido" (WOOD 19 , · e
, 91: 348). Detestando a cultura de negoc10s qu
estava tomando conta d 0 15
, . . pa.
, J rc
, e ierson nunca considerou "o quanto seus pnncipIO
s . ,·
d emocraticos e 1gualit' · · h 111 · d
'd anos
s ua VI a, e1e escreveu a um tln ª contribuído para isso,, (p. 367). Quase no fnn e
· ." ·o a
uma geraça- 0 q _ h amigo. Tudo, tudo 1norto, e nós sozinhos em mei
ue nao con ecem -
os e que nao nos conhece" (p. 368).
208
d:
A desilusão d .
entre a ambição ~effers_o~1 era resultado ~ão do ativismo em si, ~as do espaç~
P1OJeto IJara a Aménca e os resultados efetivos da revolu
Ça- 0 . Pode-se d.1zer O eu
. ·
Europa c 01110 nos E ~nesnio em relação a muitos ativistas dos anos 1960, tanto na
caráter utópico d Slados Unidos, cuja desilusão foi vivida em proporção direta ao
como, por exein ~ s_uas demandas. Ativistas de movimentos menos am.biciosos -
4) ou "os p º~ ?5 que tên1 objetivos limitados nos estudos de Gamson (1990,
ap
e . ' (1992)inovune
Wolfson _ _ 11t
os d e consenso;' estudados por John McCarthy e Marc
desilusão de uma :ao menos propensos a saírem marcados permanentemente pela
, . ainpanha de protesto. ,
Alen1 disso, a desil ~.
ontamentos e da exauus~o pode ser apenas de ~urto ~ra~o: o result~do de desa-
pd t - d
a ex ensao . e dsuas cre
ªº
st de n10111ento. Atraves de tecntcas aprendidas na luta,
f nças para novos setores ele atividade e da sobrevivência de
re.desd d e am1za. e onnadas no 111ov1mento,
• o ativismo gera ativismo futuro, mais
autu. es po 1anzadas em relaçao - a, po l'1t1ca
· e maior prontidão para aderir a outros
movimentos.
209
. . . . . __ _ riain papéis-chave no movimento
ex-ativistas do Freed01n Su111me1 deseinpen118 t dantil antiguerra e f
d 111 ovhnentos es u , e-
Free Speech e111 Berkeley e, 111ais tar e, nos ·
minista (p. 203). .
, · f01. partJ.culannente
. Este ultnno . • . .. 'do •Por veteranos
ennquec1 . das .campanhas
. pe-
los direitos civis. Através de sua experiência, as 1nulheres Jovens que tinh~m parti-
cipado nas atividades pelos direitos civis aprenderam que seus_ comp~nhe1ros mas-
culinos não eràn1, frequente111ente, 111enos sexistas e se1n consideraça_o com as mu-
lheres do que seus opositores. O seu ressenthnento, somado à autoconfiança que
ganhara1n no sul, foi 11111 ingrediente;..chave na fundação do novo movimento femi-
nista (EVANS, 1980: cap. 4 e 5). Entrevistadas vinte anos mais tarde, mulheres
ex-voluntárias da Freed01n Sutnrn.er estavam.1nais frequentemente envolvidas com
inovünentos sociais conten1porâneos do que seus companheiros masculinos e
mais propensas a pertencer a organizações políticas (McADAM, 1988: 222).
Entretanto, as narrativas dos ex-mi~itantes dos anos 1960 contám uma história
mesclada. Para alguns, os anos 1960 nãô foram apenas o período formativo de suas
vidas: eles deixaram lembranças positivas e produziram uma orientação ativista
duradoura. Por exemplo,Jack Nelson, um advogado bem-sucedido de New Orle-
ans que cuidou de vários casos para o movimento pelos direitos civis no início dos
anos 1960, usou os seguintes termos para descrever o impacto pessoal de sua ativi-
dade à historiadora Kim Rogers:
Eu mudei minha vida. E, em vez de tentar mudar o mundo usando
. esta:pessoa, aquela org~nizaçã9 eu provavelmente comecei a mudar a
minha vi~a ... E, eu disse: um momento, eu tenho que mudar. E mu-
dei, e então tudo veio _naturalmente (1993: 172).·
Mas nem tudo veio tão naturalmente para todos os respondentes de Roger
como para Nelson. A ·geração mais jovem e mais radical de ativistas do Core e do
SNCC ~ue eª.1 entreVIstou
· -em New Orleans consideraram
· desapontadores os seus
a~os pos-moVImentos. Desiludidos com a política e cínicos em relação a ela, "desa-
· ·f·icativas
nimaram de obter mudanças sign1 · atraves, d o processo político" permane-
cendo "altamente interessados, mas amb'1va1entes sobre política e "frequentemen-
'
te tendo saudades da · t ·d d . '
d . , in ensi a e co1etiva de seus passados" (p. 174). Seu ataque
eterm1nado a estrutura de pod b
· e· e
rura15 f er ranco, seu envolvimento com os negros pobres
- 5 us racassos subsequ · t d ·
profundainente d _ d en es eixaram os ativistas do Core e do SNCC mais
esaponta os com os result d d . .
cionistas como Nelson. a os o movimento do que os integra-
Envolver-se em movime t 5 -
zá-las. Jack Bocker faz _ n ? nao apenas politiza as pessoas; pode radicali-
este registro e111 r 1 ~
na América do século XIX e açao aos movimentos pela temperança
1.
votaram-se · ·
para táticas 111 •
, que c01neçaran1
.
· -
· com tentativas de persuasao mora,
1
a1s agressivas q . .
rarn demandas mai.s ainbici uanc1O as pn~ne1ras falharam e apresenta-
mesmo se aplica: em relaça~o· asas pqra as autoridades (BLOCKER 1989· xvi). O
· aos 1novi~e11t 111 1. , ·
· os a s recentes; quando McAdam com~
210
rou as atitudes políticas dos voluntários l·
n ao M1ss1ss11Jpi d
:º
Pª andidatos que optara1n por nã O . . qt~e .tavmn do Freedom Summer às
dos e b · . • ·
. tinha se 1novido ideolog · ican t· ~
1en e para a esquerda , esco nu que o pnmeuo
crrup 0 . .. .
º necerain 111a1s 1noderados E . d . · , enquanto que os outros
perma
os
. d . d f ·' b A. .e • . ~ : quan
organiza ores e a rica Ita 1ianos recntta
°
Carol Mershon comparou as atitudes
l 1..". . ,,.
d . d b .• . . . e e os e urante o Hot Autumn" com as
dos seus pares , esco nu que o prnneiro gruIJ 0 .· . .• . , . .
. 1 - ~ d ..· . b . . era m.a1s 1guahtano e mais propen-
so a ver as re açoes 111 ustna1s as1ca111ente em termos de classe (1990: 311-315).
Desenvolveu-se un1 1nito, gerado principahne· t . 1··1 Th •
. .,. _ _. . d . . . n e por 1 mes como e Big
Clull , de que ex at1v1stas esca1tan1 sisteinat·icamen te suas . •a . a· . d d.
1 eias ra 1ca1s e e 1-
cam seu . .talento ,a explorar as tendências
. convenci· onai·s pre d omrnantes.• Mas a eVI-•
dência disso est~ ~aseada nas b10grafias de u1nas poucas celebridades, e há muitos
dados en1 contrano. Por exeinplo, o 1nelhor indicador de atitudes radícaís desco-
berto por Fendrich e Krauss entre os adultos japoneses e americanos foi o ativismo
durante os seus anos como estudante (1978: 248). O mesmo ocorreu na Itália·
quando as atitudes dos ativistas comunistas que tinham estado nos movimento~
dos fins dos anos 1960 foram comparada~ com as de seus camaradas de partido
que não tinham experiência de movimentos independentes, constatou-se que os
primeiros eram mais tolerantes cliante do protesto e menos punitivos diante da vio-
lência (LANGE et al., 1989: 34.:.36). .
Descobertas sistemáticas sobre os efeitos da participação em movimentos vêm
tanto da França quanto dos Estados ·Unidos. Quando a falecida cientista política
francesa Annick Percheron analisou as atitudes políticas -dos ex-participantes dos
movimentos dos anos 1960 na França, ~la descobriu que, entre os apoiadores das
três principais tendências políticas francesas, a participação nos protestos contra a
Guerra da Argélia ou nos eventos de maio reforçou as atitudes características de seus
respectivos grupos políticos ( 1991: 56-5 7). De forma semelhante, nos Estados Uni-
dos, Darren Sherkat e Jean Blocker descobriram que os ativistas típicos dos anos
1960 eram significativamente diferentes dos _seus contemporâneos não ativistas -
22
mesmo controlando os fatores que indicam participação em protestos (1977) •
Isolamento e arrependimento
Após os anos 1960 havia muito da angústia metafísica que Zolberg e Hirs-
chman descrevem entre ex-ativistas, tanto nos Estados Unidos como na Europa.
Mas isso pode ter sido mais um resultado de ~uda~ç~s du~ante ª. vida e de altera-.
ções no contexto político do que de reversões 1deologicas. A medida que a cultura
211
ontan1 entos dos anos 1970 e ao personalis-
. . d Ies anos cedeu aos d esap .
ativista aque . . . d istiranl e outros fecharam-se em mov1men-
1980 muitos at1v1stas es . " .b 1 .
mo d os anos ' 1970 escreve McAdain, a su cu tura ativista
tos de subcultura. D~rante osdç1nods ·xando os voluntários que permaneceram ati-
foi lenta1nente se des1ntegran o, .de1L ue a d,eca d a avançavc.a" (1988·• 205) .
vos cada vez 1nais isolados à 111e d 1 a q _
. . , feito pessoal na vida dessas pessoas, nem sem-
U1n passado auv1sta tem un1 e ' d 1 - , · d p
10 calcula que 4 7% os vo untanos o reedom
Prepositivo. McAdan1, por exen
1 p , ' . . 19 7
• daquele verão se chvorciaram entre 0 e 1979
Su111mer que se casara111 d ep01s . . . . _, , .
0
Entre os candidatos que optaran1 por não ir ao Mississip~i,_ numero comparavel
ficou abaixo de 30% (1988: 208). Os custos pessoais do atIVIsmo foram ~espropor-
cionahnente altos para as vo 1untanas, .· (p. 220-221) , não . porque. . prefenssem
. uma
.
vida celibatária, 111as porque estavam isoladas por s~a ~ndependencia e esquerdis-
mo de u1na cultura política que caminhava para a duerta.
Tanto nos Estados Unidos como na Itália, os ex-ativistas dos anos 1960 sofre-
ram instabilidade ocupacional, mudando sempre de emprego e estando mais sujei-
tos ao desemprego do que os não participantes. Muitos dos ativistas do Freedom
Summer entrevistados por McAdam atrasaram sua entrada no mercado de traba-
lho para continuar com seu ativismo, fazendo-o apenas no marasmo dos anos
1970 e nunca compensando pelo tempo perdido em suas carreiras (1988:
109-212). Aconteceu o mesmo com os ex-líderes do movimento italiano denomi-
nado Lotta Continua, muitos dos quais ainda estavam trabalhando nas margens do
mercado de trabalho quando foram entrevistados em meados dos anos 198023 •
A Europa Ocidental foi diferente dos Estados Unidos em um aspecto impor-
tante - ao dar a muitos membros da geração de 1960 saídas profissionais nos parti-
dos de massa de esquerda ou nos sindicatos, algo que faltou aos ativistas america-
nos. Ao invés, os ex-ativistas americanos encontraram pouca saída para seu ativis-
mo no sistema partidário, especialmente depois da derrota devastadora de George
McGovem em 1972. Quanto aos sindicatos, embora uns poucos ativistas tenham
se tomado organizadores de camadas populares, o conservadorismo inato e o de-
clínio secular do movimento sindical americano nos anos 1970 e 1980 não fizeram
dele uma saída para o ativismo.
212
. l) para organizações de serviços grupo d .
eia . . .
e aparentados co1n os seus inovhn . d' s e autoaJuda
.
·a . d •
, parti os e grupos e 1nte-
ress . . entos e ongem ( f r· ) .d
_. . wrnaran1-se atlVIstas profission • d . e · 1gura 8.1 . A1n a ou-
nos ais e movnnentos.
Estes achados fora1n replicados ein algtt d
. du ·d
nos Esta os 111 os. Na Ainérica e
ns e stu os tanto na Europa Ocidental
l
e0 1110 , erca e e metade dos
doin Su1n111er entrevistados M A1 _ ex-vo1un
· t,. · d
anos .o
Free_ . . _ . por e e ain estavam ativos em pelo menos um
inovnnento sacia1VInte anos 1na1s tarde Quanto . . . .. .
,. 1 .. · aos ex-ativistas 1ta11anos entreVIs-
tados era provave que estivesse1n ativos ein u d . . _ . .
, ,. . _. m os trac11c10na1s partidos de es-
querd~ do pais, no Partido Verd e ou num movimento social (LANGE et al. 1989).
Fen dnch e Krauss constataram .
que os t· · · '
ex-a 1v1stas Japoneses frequentemente esta-
vam ativos nunl partido político de esquerda ou num movimento (1978: 245). Per-
cheron encontrou, . entre os,. apoiadores
. ,. 1mu1·t o mais
de parti'dos poli"ti· cos, um n1ve ·
alto de envol~~ento pohti_co entre os ex-participantes dos protestos contra a
Guerra d~ Argeha e ~~ moVImento estudantil de 1968 na França do que entre os
que não tinham part1C1pado daqueles -m ovimentos (1991: 54-55).
Não há dúvidas de que o comprometimento pessoal conta muito para a manu-
tenção do ativismo. Mas os ativistas dos anos 1960 que ainda es_tavam ativos na Eu-
ropa Ocidental ou nos_Estados Unidos nos anos 1980(~stavam quase sempre inse-
ridos em redes de ex-ativistas; eles mantiveram a fé ficando em contato:·Os ativis-
tas que não tinham tais redes, por razões ideológicas ou organizacionais, eram me-
nos propensos a permanecer ativos depois do fim da década (GELB, 1987: 281) .
Além disso, a construção dessas redes pós-ciclos frequentemente foi além do setor
de movimento original (S1v1O) do ativista. Ao estudar o movimento ambiental ita-
liano, Maria Diani descobriu que tanto as redes como as identidades quase sempre
transcendem os laços ideológicos e organizacionais de sua socialização inicial para
entrar no movimento (1995). ·
***
A politização feroz no pico de um ciclo de protesto deixa um rastro de desilusão
e faz com que muitos membros de uma geração de protesto desistam de ter um en-
volvimento ativo. Mas isso é lógico, poi? muitos nunca estiveram profundamente
envolvidos nos movimentos do período. Outros, amargurados pelas falhas do ativis-
mo, escaparam para O utopismo ou para a violência - como os militantes que acaba-
ram no Weather Underground, nos Estados Unidos ou nas Red Brigades, na Itália
(DELLA PORTA 1995, cap. 6). Mas um grande percentual de ativistas dos anos
1960 surgiu forU:lecido, transformado e conectado a redes inforn1ais de outros ati-
Vistas. Uma espécie de "capital social" do 1novimento foi o resultado ma~s duradouro
daquele período de confronto (DJANI, 1.997). Con10 escreve Debra M1nkoff:
Os SMOs nacionais desempenham um papel crítico na sociedade civil
e na produção de capital social ao fornecer ~nfra~strutura pa~a a ação
coletiva, ao facilitar o desenvolvimento ele 1clent1dades coletivas me-
213
. . d de que de outra forma estariam tnar-
· s da soe1e ª
b10
diadas ligando mem 'd: .50 e ao debate públicos (1997: 606).
. 112· ados e dar forma ao iscm
gma
- . e faíscas be1n-sucedidas .
Explosoes f1acassadas ., .· d 110 vin1 entos particulares e se os ati-
. . IJohuco e r -·· . .. . .
Se é difícil predizer o sucesso . . , ·tre1n suas energias na total excitação
. f. temente exal, ,. ,
vistas dos movimentos I equen .. . zo dos inovimentos? E poss1vel predi-
. . - . f · t s de longo pra ,. .
de um Ciclo, quais sao os e ~1 o .d d d eu surgünento ou e por meio do cresci-
zer o seu impacto final pela intens~ a e. ~ s al que os movimentos conseguem su-
. . d . roduçao ger ac10n . . .
menta mcre1nenta1e a rep . ão comparo dois movimentos dife-
7 p • ilustrar esta oposiç '
cesso de longo prazo· ara. _ d IJtil francês de 1968, foi o prodígio do
· · 0 n1 ovi1nento estu a
rentes. O prnneiro, . . nto cmn seus aliados trabalhadores-pa-
d ·d t I quando irr01npeu e - JU . .
mun o oci en ª d ·menta feminista amencano, surgiu lenta-
. VR "bl" O segun o o movi
rahsou a epu ica. ' do movimento pelos direitos civis e traba-
apenas como um ramo ·
mente, apareceu . . d . . . . - da política americana.
lhou, na maior parte, no intenor e 1nst1tu1çoes . . .
Estudantes franceses ._ . _
· d e 1968 e" quase um caso de laboratório para
Na F rança, ma10 . estudar o 1mpac-
to político de uma grande onda de protestos. Como afirmam d01s de seus observa-
dores mais argutos, ·
apesar do retrocesso do movimento e de s~a- rejeição nas um~s, os
Eventos tinham potencialidades que, de um Jeito ou de outro, hipote-
caram por longo tempo e de tal modo a cena política francesa que ti-
nham que ser enfrentados im~diatarriente (CAPDEVIELLE & MOU-
RIAUX, 1988: 219 - tradução do autor).
A onda de protestos de maio de 1968 foi seguida por uma grande reforma edu-
cacional, a Lei de Orientação para a Educação Superior, que atacou as estruturas
esclerosadas do ensino superior que os estudantes de maio tinham inicialmente
atacado. Mas, à medida que a iniciativa se deslocou dos estudantes para os refor-
madores e daí para os grupos de interesse na área educacional e depois para a clas-
se política conservadora, a reforma foi restringida e no final minimizada. Uma bre-
ve revisão de como isso aconteceu esboçará como se restringem as oportunidades e
como as reformas são remodeladas à medida que a ruptura se esvai e as elites re-
. constituem sua posíç.ão depois de u1n ciclo de confronto. ·
. No ~nício da primavera de 1968, os estudantes de esquerda da recém-cria~a
Um:,ersidade de Nanterre se manifestaram com várias justificativas contra a arbi-
:anedad: da aut~r_idade administrativa e também contra alvos mais gerais. Sua de-
.ons~raçao ~o patw da Sorbonne, no início de maio, foi enfrentada por uma corn-
bmaçao de :,iolência policial e incerteza governamental. Quando um grupo de es-
tudantes fo1 brutalmente preso em furgões da polícia, a classe média parisiense se
214
receu. E quándo esta notícia se espalhotl ..
enfu 1 para outras partes d , d
universidades e a guinas escolas secund, .· f . · o pais, ca a uma
d~s . , .. ·a nas orain fechadas.
Não apenas isso: a ined1da que O 111ovhnent 0 .. .
. se expandiu o deseJ· 0 d l"
res de que seus ape1os atingisse1n um IJúblko I r ' I ' , e se~s 1-
de ,. l d . d . nais amp o somou-se a autmnto-
,.1cação natura os estu antes. Co1no resultado ._
x. . . _, .· f ,. d · , as questoes concretas da gover-
ança un1vers1tana or an1 eslocadas pela dem·ind d b· . . _ . . ·
11 . _ • _ 1· d . ,. _ . e ª e su st1tu1çao do sistema de
dommaçao capita 1sta e e 11beraçao da unaginação e . •t . _
- ,.• d d r· . · ercac as por contestaçoes em
tantos lados as au ton a es 1cara1n na defensiva Qu 1O ..
,. b 11 , d . . · anc o movimento se expan-
diu para a classe .tra a. 1a_ ora, o. governo entende··u qu e es. t ava a·1ante . d e uma revo-
lução e1n potencial. A açao C011JUnta entre trabalhadores e est .d t . d
. ,. , d' . . _ . .. u an es era, quan o
muito, espora ic~, inas_ sua coahzao 0 bJetlva deu a cada parte do movimento uma
força que não tena sozinha.
Resistir à tentação de uina repressão brutal foi a primeira tarefa empreendida
pelo governo - de fato, 1968 1narcou u1na mudança permanente no policiamento
das práticas de protestos na França (BRUNETEAUX, 1996; FILLIEULE, 1997). A
segunda tarefa foi separar a classe trabalhadora de seus aliados estudantes e fazer
com que a economia voltasse a funcionar. Recuando de suas políticas neoliberais,
o Prin1eiro-ministro Pompidou negociou com os stndicatos dramáticos aumentos
de salário para isolar os estudantes em $eus redutos ·na .universidade (BRIDG-
FORD, 1989.). O objetivo final era assustar a classe média com o medo da revolu-
ção, conseguido tanto pela abertura dada ao exército pelo Presidente de Gaulle
como pela contramanifestação de massa fdta po~ seus apoiadores. Quando os par-
tidos da esquerda se viram forçados a anunciar sua disposição de formar um gover-
no, de Gaulle teve a oportunidade que preci~ava. A Assembleia Nacional foi dissol-
vida, a oposição foi pesadamente derrotada e os gaulistas e seus aliados voltaram
ao poder com uma esmagadora maioria.
Nos meses que se seguiram às eleições de junho de .1968 o governo, não sem
oposição, reduziu o amontoado de demandas pela mudança educacional que tinha
irrompido em maio a urna grande lei de reforma - a loi d'orientation. Edgar Faure, o
novo ministro da Educação com tendências esquerdistas, foi designado para reor-
ganizar a educação superior em torno de objetivos como participação, n1tlltidisci-
2
plinaridade e autonomia das universidades, recebendo "carta branca" para isso -t.
Uma mudança tão grande não teria sido introduzida na n1esq~i~ha estrutura edu-
cacional francesa sem O impulso de um grande terre1noto poht1co.
Mas a loí d'oríentation foi um sucesso para o 1novin1ento estudantil? Os efeitos
dos movim.entos não são produzidos de forma direta, 1nas através de sua interação
com forças políticas mais ~onvencionai.s e con1 a elite. Os estudantes franceses não
24. Ver "Policy Formulation and the Change in G~~llist France: The 1~~8 Orientation Act o~High~r
Education", de Jacques F. Fomerand, a melhor anahse do processo pohuco envolvendo a Lei de Ori-
entação e os resultados de sua política .
215
tinha1n nenhum plano de refonna para a universidade ~, p~r volta ~~ setembro,
sua influência foi enfraquecida tanto porque as reivindicaçoes salanais da classe
trabalhadora fora111 atendidas c~1110 pela quebra de sua solidariedade, ~TARROW,
1993b). Con10 o centro de gravidade passou das ruas para a aren~ ~ohtic~ e a ame-
aça de desordem regrediu, o poder de influência dos estu~~ntes fm draSlicamente
reduzido. Tal con10 o (tprocessan1ento" da crise racial na Amenca (LIPSKY &:. 01.SON,
1976), un1a grande luta foi politica111ente processada e transformada numa modes-
ta refonna.
Mulheres americanas
Enquanto os estudantes foram os primeiros a entrar no ciclo francês de revolta
e1n 1968, o 1novin1ento das 1nulheres a111ericanas pareceu, sem dúvida, ser depen-
dente das brechas de oportunidade abertas por terceiros. Muitas de suas fundado-
ras tiveram sua primeira exposição política no movimento pelos direitos civis e na
Nova Esquerda (EVANS, 1980, cap. 3-7), enquanto outras foram herdeiras dos
grupos de pressão moderados de mulheres mais velhas (RUPP & TAYLOR, 1987)
e do movimento contra a Guerra do Vietnã. Quando o novo movimento das mu-
lheres surgiu em cena, em meados dos anos 1960, -"muitos observadores", escreve
Anne Costain, o consideraram um "fenômeno transitório, imitando o movimento
negro pelos direitos civis, mas sem a sua capacidade de resistência" (1992: 1).
Ma~ o movimento das mulheres resistiu e progrediu até os anos 199(), ao passo
que muito do élan original dos direitos civis - sem falar dos movimentos ·contra a
guerra e estudantis - havia se esgotado. Os sinais de crescimento do movimento das
~ulhe~es foram relativos tanto às atitudes - cada vez mais mulheres declaravam ter
simpa~ias_ pe_lo feminismo - como à organização - cresceu o número de membros
das· dpnnc1pais organizações feministas chegando a cerca de 250 .000 pessoas no rm- · ,
c1?. os anos _1980 (KL~IN, 1987). Mesmo durante os anos 1970, quando a cultura
atIVISta
" ,amencana declinou ' o mo vimento · e · ·
iemin1sta ·
ficou mais forte dando a elas
um ve1cu1o para manter seu a tivismo . '
vida em geral mais feminista" (McAD~~ma co~umdade que apoiava um estilo de
1988 2
menta espetacular do nu'm d lh ' · 02). O resultado foi um cresci-
ero e mu eres ele·1t
ção no Congresso de leis de int as para cargos públicos e a aprova~
. . . eresse para as mulheres (COSTAIN, 1992: 10-11).
0. movimento fem1n1sta americano nun f , . . .
dantes franceses ou de out . ca ez as dramaticas ex1b1ções dos estu-
. ros movimentos d f
suas pnmeiras defensoras er lh e con ronto dos anos 1960. Muitas de
vam si-1enciosamente ein am mu_ eres ·r efina d as d e classe média que trabalha-
eram d
ª voga das femtni.stasconvençoes
que e .
políticas
e en1 grupos de interesse; outras
mente
. a carreiras
· muito ocupad iaziain . .o seu tr ªb ªlh 0 no movimento secundaria-
c1onais - ou t b lh as, a maior parte n - . .
· . ra a ava1n em. orgar11. _ . ao era ativa em termos organiza-
lh o, os direito · · · zaçoes CUJos 0 b · · . .
. s civis, assuntos fain 1'l' · ~etivos pnnc1pais eram o traba-
d o movimento f 01· lares ou saúd 'bl'
marcado por derrot . . . e pu ica. Além disso o progresso
as s1g111fica t f ,
n es: o racasso da emenda sobre
216
05 direitos iguais enl 19 ~3 : ª redução das possibilidades ele escolha em relação à
gravidez- durante
1 ,.as adm1111strações
. · . - pe1o 5ena d o d a
Reagan e Bush·, e a ap rovaçao
indicaçao de C arence Tho111as para a Supre1na Corte em 1990.
~as ~s s~nais de uln movimento dinâmico estavam em toda parte do espaço
?
público. Entre 1 6.5 ~ 1975 , houve U1n enorme aumento na cobertura da imprensa
dos eventos
. fen11n1stas
. e111 geral (COSTAIN
. , 1992·. 9) e de su as açoes
- d e pro t es t o
em parucul~r. (p. 19 ) · Co~n .o surg1mento ele uma ''diferença de gênero" no eleito-
rado, os pohticos foran1 rapidos e111 responder às questões femínístas (FREEMAN,
1987: 206-208). A apoteo~e do movimento veio com a eleição de 1992, quando
muitas n1ulheres foram eleitas para o Congresso e algumas outras foram indicadas
para ocupar altos níveis da ad111inistração Clinton. Nascido à sombra dos direitos
civis e da Nova Esquerda, este foi um movimento que começou lentamente, mas
cresceu de forma constante em força e importância.
Além disso, se um sinal de vitalidade de um movimento é. sua capacidade de
criar "quadros interpretativos abrangentes" e outras organizações ligadas a ele
(como foi discutido nos caps. 7-9), o movimento feminista americano foi um bri-
lhante sucesso. As mulheres, escreve Nancy Whittier,
estabeleceram organizações, como os centros de urgência para casos de
estupro, abrigos para mulheres espancadas,.livrarias feministas e pro-
gramas de estudo feministas que visavam melhorar as vidas das mulhe-
res no presente e preparar o terreno para transformações sociais mais
amplas no futuro (1995: l; cf. Tb. ME~R & WHITTIER, 1994).
217
Segundo, havia grandes diferenças nos discur_sos e no_ si~b_o lismo do: dois
movimentos. Os estudantes franceses usaram um d1scurs~ Slm~oh:o que os isolou
da linguagem dos cidadãos franceses comuns. "Pode: à imagi,~açao!" o_u "A luta
continua!": estas frases expressavam "percepções apaixonadas que podiam atrair
novos apoiadores e trazer o entusiasmo à tona nas barricadas, mas tinham pouca
ressonância entre os consumidores na fila da gasolina; entre os trabalhadores que
não conseguiam receber seus pagamentos ou entre os camponeses cuja produção
apodrecia a can1inho do 111ercado.
De fonna muito diferente, um aspecto importante do movimento feminista ame-
ricano, e um dos seus maiores sucessos, foi sua atenção ao significado. "Mulheres"
em vez de "garotas"; "gênero" em vez de "sexo";" companheira" em vez de "namo-
rada": tais 111udanças na linguagen1 co1num se expandiram na cultura popular
americana como u1n resultado da percepção das mulheres de que "nomear" as coi-
sas ajuda muito a mudá-las:·Essas mudanças coincidiram com- e ajudaram a levar
adiante - uma mudança fundamental no papel. das mulheres na economia e no
mercado americano.
As redes organizacionais são uma terceira área de contraste entre os dois movi-
mentos. Embor~ am~os tenham em comum com muitos movimentos contemporâ-
neos_ uma valonzaça~ da autonomia, da descentralização e da espontaneidade, 0
~ovi~ento estudantil francês se espalhou de forma imediata e através de uma
identidade coletiva ifnplícita, mas sem fortes estruturas conectivas, e rapidamente
perd:u ~ força ~uando os estudantes saíram em férias. Quando voltaram no ano
a~adenn~o _s~g~nnte, apenas os mais militantes contestaram as eleições universitá-
nas poss1b1htadas pelo Plano F aure.
Ao invés, o movimento feminista ·· d
vas amplas variadas e cresc t amencano esenvolveu estruturas conecti-
' en es, tanto na cúpula com 0 b . d d.
feministas informais na base t, . _ na ase, 1n o os coletivos
a e as organ1zaçoes nacio . f .
nal Organization for Women (NOW)2s U nais. orma1s como a Natio-
lheres" já estava instalada q d :, ma rede substancial de "direitos das mu-
, uan o o novo" m . d . .
·(RUPP & TAYLOR 1987) ovimento os anos 1960 surgiu
, • 0 novo ramo do · . .
pessoal, traços ainda evidentes . movimento enfatizou o informal e o
Ih no esti1o atual d .
espa ar para muitos setores da socied d o_mov1mento e que o ajudaram a se
· ª e amencana (KATZENSTEIN, 1998).
25. A.organização
. .
tem· 51'd o o ponto f .
osos femimstas focali.zand ,:ªe~ nos estudos do mo vim .
curso e na identi'd d 1 o a consc1enc1a - talvez reflet· d ento das mulheres, com mais estud1-
redes informais d . · · -ntretanto, esttldos q m o].·a pró pna
a eco etiva E . · - f • ·
en ase elo movimento no d1s-
· o movnnento . r~ ue ana 1sam a •
bellíon, cap. 3 , de Anne C ostam · . ' es ao começando a aum .
•F . .
' orgamzação e, especialmente, as
entar. Por exe 1 .. ,
M yra Marx Ferree e Pat . . y · emimst Organtzation· H mp o, ver Inv1tmg Women s Re-
Katsenstein. • Why we Lnc1ta h ancey Martin (orgs ) .• Fe·, .a~vest of the N ew Women's Movement, de
os t e ERA · · · A
nimsm with 111 ·
Suzanne Staggenborg · , caps. 12-13 eleja M . mencan Institutions, de Mary
' ne ansbnd ge. • Th e Pro-Choice Movement, de
218
Quarto, en1 relação às oportunidades políticas, vimos anteriormente como o
moviínento de inaio deu aos reforn1adores educacionais franceses a alavancagem
política para ~ef~rn~ar O sisteina educacional e c01no sua iniciativa foi reduzida à
111edida que dinnnuiu a aineaça de desorde1n. O governo francês, com sua maioria
eleitoral reforçada e con1 0 controle da agenda parla-mentar, foi capaz de assumir a
reforma universitária e guiá-la a tuna conclusão segura. Mas esta oportunidade po-
lítica logo se esvaiu à n1edida que os tnoderados desertaram, que os refarmadores
·perdera1n seu poder 111arginal e que a maioria conservadora determinou como a re-
forma deveria ser ünplen1entada.
O 111ovü11ento fen1inista a111ericano, '.muito menos baseado na ameaça de desor-
dem e 1nais na pro1nessa de un1 realinhainento, demorou mais para ter sucesso,
mas no fim surgiu como um grande fator na política americana. A estrutura do sis-
tema partidário americano - e especiahnente a do Partído Democrata - foí crucial
para sua estratégia e seu sucesso (COSTAIN, 1992; FREEMAN, 1987). Este fator
deu às mulheres, nos EUA, um peso que não tinham em nenhum partido na Fran-
ça, fazendo com que as preocupações feministas fossem acolhidas na plataforma
democrática. "Conseguimos muitas vantag~ns desta 'diferença de gênero', disse
um lobista para uma organização de mulhere?; "Que di~bo, não queremos acabar
com ela ... Queremos ampliá-1<:t_" (apud -COSTAIN & COSTAIN, 19.87: 206).
Conclusões*
Em seu artigo evocativo, Aristide Zolberg (1972) concluiu, a respeito dos
"momentos de loucura", que eles produz'e~ trànsformações significativas de três
maneiras: primeiro, através de uma "torrente de palavras" que envolve -uma expe-
riência de aprendizado intensivo através do qual ·novas ideias, formuladas inicial-
mente em círculos sociais, seitas e assemelhados,' surgem como crenças ampla-
mente compartilhadas por públicos muito maiores; segundo, através de novas re-
des de relações, que se formam rapidamente durante períodos de intensa ativida-
de; e terceiro, de uma perspectiva política, os objetivos irreversíveis no pico do ci-
clo são frequentemente institucionalizados (p. 206). Cada um desses temas impli-
ca num efeito indireto e mediato (em vez de direto e imediato) dos ciclos de con-
fronto na cultura política. É por isso que precisamos exa1ninar bem, após o fim
destes ciclos, para observar seus efeitos, como vimós no caso do n1ovünento femi-
nista americano.
Voltemos para a primeira das 1nudanças supost~s por Zolberg: o surgin1ento
de novas crenças num público mais an1plo. Da mes111a fornrn ·que as novas ideias
passam gradualmente de seus cri.adores para os que as "vulgarizam" e dó1nesticam,
* Esta seção recorre ao meu texto "Cycles of Collective Action: Between Moments of Madness and
the Repertoire of Contention" em Repetoíres & Cycles of Collective Action, ele Mark Traugott (org.).
219
.. . ve·11tadas no entusiasmo do pico do ciclo tor
d ação co1euva, 111 . ' ..
as novas fonnas e . pessoas shnplesmente continuem a us
N- 0 é que as 111esmas ar
nam-se inodu.1ares. a - , . d'd suas vantagens se tornam conhecidas
· f . _ de açao : a 111e 1 a que - . . . e
as 111esmas mn1as ' . _d d 1 .. se tornam fonnas convenc1ona1s de ativ•
.d toda a soc1e a e, e as . 1..
são aprend1 as por . q·ueles que não partilhem dos objetivos
dade para que outros use~1 _- 111esn10 a . e
referências dos que as cnaran1. . . . .
P d
_
1a forn1a que as I
~edes se formam no pico de um ciclo e difun
-
Segund.º' .ª me:~ . . ·. . elas ajudam a manter os movimentos duran.
de1n novas ideia~ e ,tat~cas pdara_out~as, que Doug McAdam descobriu entre os·
te períodos de inercia e e r eaçao. 0 d d 1 ~
. . d F d Sununer também era ver a e em re açao aos assi-
ex-part1e1pantes o ree on1 . 89 ~
. -
nantes tel1ecos d a pe tiça 0
Cllarter 77
,
que surgiram em 19 . .
no coraçao do movi-
· d b ·srno À inedida que os ex-ativistas permanecem in-
111ento para erru ar o con1un1 . . ", ,. .
.d
sen os em uma comuni a ·d de poli'tica , como conclui McAdam, _. e provavel
. que
. .
s in-
-
tain al guma pressao para serem au·vos e também para se sent1rem mais otimistas
sobre a eficiência de seu ativismo" (1988: 218).
Zolberg observa no fim do seu artigo que "os movimentos nã~ eliminam adis-
tância entre O presente e O futuro", como gostariam os seus entusiastas. Mas, algu-
mas vezes elest r eduzem drasticamente a distância e, neste sentido, são milagres
bem-sucedidoi ) (1972: 206). A mera introdução de uma nova questão na agenda,
de um modo expressivo e desafiante - ao menos nos estados democráticos liberais-,
possibilita que se formem coalizões em torno dela e que, por essas questões, se ah-
nhem no interior de quadros culturais gerais. Mas isso não acontece diretamente ,
ou mesmo de maneira linear. De fato, à medida que suas ideias são vulgarizadas e
domesticadas, os primeiros revoltosos do ciclo de protesto podem sair de cena.
Mas uma parte de sua mensagem é destilada e se torna "senso comum" da cultura
púb~ica e privada enquanto que o resto dela é ignorada ou descartada.
Os efeitos de ciclos de confronto são indiretos e em grande parte imprevisíveis.
Eles operam ~t~avés de processos capilares sob a superfície da política, conectando
0
~ sonhos_ utopicos, as solidariedades inebriantes e a retórica entusiasta do pico do
ciclo _ao ritmo glacial da mud ança sacia • 1. p oucas pessoas ousam quebrar as con-
vençoes. Quando O fazem · .d
_ , cnam oportuni ades e fornecem modelos de pensa-
mento e de açao para outro 5 . . .
m 15 . . . . . que perseguem obJetivos mais modestos de maneuas
ª mstitucionahzadas
dep · _d _ .
e qu - • f· . '
. e sao mais e icientes para levá-los adiante. O que resta
ois. o _entusiasmo do ciclo é um resíduo de refarma.
Tais ciclos têm surgido e d . . . ~
los. A cada vez . esaparecido penod1can1ente nos dois últimos secu-
que surge1n o inund 0 . .
Mas da mesma form · ' · parece estar vnando de cabeça para baixo.
. a regu1ar, a erosão d b'l' - .
d 0 movimento
,
as d. • ~ .
.iv1soes entre inst'1t .
ª mo 1 izaçao, a polarização entre setores
1· - . .
por parte das elites d - . . uciona izaçao e violência e o uso seleuvo,
f , e 1ncent1vos ·e re -
im. No seu auge O pod d · . pressao se combinam para levar o ciclo ao
.d . . ' er o 1novunento , l' . ,
comi O e integrado atrav, d · e e etnco e parece irresistível, mas e car-
es o processo político.
220
Muita coisa 1nudou à n1edida que o 111undo se aproximava do século XXI. Os
virnentos surgem mais facilmente e se espalham de maneira tnais rápida do que
110
I tes. As violentas conflagrações da década que se seguiram a 1989 levaram alguns
::uspeitar qu~ o riu-i:io ~í~lico do passado foi quebrado e que estamos caminh~ndo
·a uin estágio da h1stona e111 que os 1novin1entos irão causar desordens continuas
~:osENEAU_, 1990). Estamos h~je viv~ndo neste mu~do tão turbule~to? O~ a_di-
. . 1nica dos ciclos de confronto, u~vestlgada neste capitulo e no antenor, esta s1m---
na d f ., , .
tesn1ente assumiu o novas ormas? E para esta questão que eu me volto no prox1-
~no capítulo e no capítulo final.
221
11
Confronto transnacional
222
alhadores da Renault francesa para a Bélgica f d
e trab b 1 28 Q _ . . ' para azer emonstrações J·unto
seus colegas e gas . uando os s111d1catos belg - - .
col11 ,. 1 as organizaram uma demons-
.. de 1nassa e111 B1 uxe as, a eles se unirain líder _ d .
traça 0 - d ,. b ll d es a esquerda francesa e uma
. de delegaçao e tra a 1a ores da Renault frai1 , _ Q _ d · .
gran . ,. _ _. _ . e cesa uan o Schwe1tzer teve
inrngen1 enforcada e que1111ada e os 111 anifestante , .
sua . _ . __ . s carregaram uma gigantesca
f1·gura de v1n1e que fazia saudaçoes nazistas O líder do 51.. d' t O .
. . . . ' n 1ca o emocrata-Cns-
t''ijo belga, .Wilha111 Peirens, disse à 111ultidão· "Isto é um 51·nal d fu., . d . a·
'd . · .,. · . e nae e1n 1gna-
ção; um sinal de soh anedade contra a brutalidade" (Reuters, l 7/o3; 1997 ).
A pressão conjunta dos políticos belgas, da União Europeia e dos manifestan-
. tes franceses e belgas sobre O governo francês foi demais para o Primeiro-ministro
Juppé; em 20 de março ele apareceu na televisão para anunciar que seriam desem-
bolsados 800.000 francos por trabalhador para as medidas de reconversão e para
acompanhar o fec~ai:nento da fábrica (Le Monde, 26/03/1997) 29 , Em julho, com um
novo governo socialista na França e os tribunais franceses e belgas decidindo em
seu favor, os trabalhadores concordaram com o .pacote de compensação que a Re-
nault estava oferec~ndo (Le Monde, 06-07/04/1997). Mas não havia alegria em ViL-
voorde. No dia em que os trabalhadores votaram para aceitar o fechamento da fá-
brica, um cartaz afirmava: "Na América, eles têm Clinto~, Johnny Cash ·e Stevie
Wonder; na Bélgica temos Dehaene, mas nenhum cash [din~eiro em caixa] e né-
nhum wonder [maravilha] (L'Humanité, 22/à6/l 997). - -
***
Movimentos-como a "Eurostrike" levantam questões importantes para os estu-
diosos dos movimentos sociais. Ao lado dos artefatos_teóricos conhecidos da teoria
do movimento social haviam três aspectos novos: p~tmeiro, o conflito incitou os
cidadãos comuns de um país contra uma empresa localizada em outro; segundo,
houve cooperação através de fronteiras entre atores sociais nacionais com-um inte-
re_sse comum; e, terceiro, uma instituição _s~pranac~onal e leis europeias foram
usadas para levar adiante suas reivindi_ca·ções.
Mas foi este episódio um movimento social transnacional? Ou mesmo o come-
ço de um? Os trabalhadores belgas fizeram causa comum com seus congêneres na
França, usando leis e instituições internacionais para fazê-lo. Mas foi o seu protes-
to - segundo a definição empregada neste estudo - um desafio coletivo, baseado em
28. Quando Schweítzer anunciou que iria se reunir com o Renault Works Council na sede da firma
em Paris, um comboio de oitenta ônibus transportou para esta cidade três mil trabalhadores, com
suas jaquetas sindicais vermelho e verde, onde clamaram por greves ele solidariedade (Reuters,
11/03/1997 .• Le Monde 13/03/1997). Em 13 ele março, os trabalhadores belgas deram seguimento
com um "comando" agi~do de surpresa além da fronteira m\ fábrica da Renault em Douai.
29. Esses números acabavam por combinar "med~~as sociais''~ p~rcla _d~ valor por causa do abando-
no do investimento da Renault na fábrica, mas a tattca clejuppe fo1 suficiente para desarmar os sindi-
calistas.
223
. . num a interação sustentadal" com
·d· dades sociais, . as elites ,
I r·
obietivos comuns e so 1 a7 ie . . b . episódio de troca po 1t1ca entre tra-
J 'd d 7 O f01 ina1s um reve .- E . b
opositores e auton a es • u . ,. . belgas e ela Uniao uropeia, a orreci-
. b l e func10nanos ( O
balhadores franceses e e gas . ·. d 1· in·presa francesa? PIZZ RNO, 1978).
· " uhza a pe ª e 1 ·
dos co1n a tática "an1encana u - d fronto transnaciona ou s1mplesmen-
. · ,. 1 ·escente · e con .
Foi un1 estág10 nu111a espu a ci _ . ital e trabalho que por acaso cruzou as
te u1n incidente do conflito nonnal entre cap .
• . 7
linhas nac10nais. d prender sobre o crescimento de mo-
. "d' o que po emos a
A partir desses episo ws, . _ a~ _ como a Europa Ocidental - regu-
. · lugares que nao 8 0
vünentos transnacionais ein . ; ai·s7 E podemos aplicar o que apren-
. .
st··t · •ões supranac1on •
lados por u1na re d e d e in i uiç . .5 de confronto que não sejam exatamen-
d , i 1as transnac10nai
demos neste estu ~ a_s /rn K & SIKKINK, 1998b). Os "analistas ocidentais", es-
te 1novimentos sociais. (KEC d mais um conJ·unto comum de instru-
e
creve John Me art Y, e
h " mpregam ca a vez
. nto e as traJ· etárias dos movimentos so-
. · ra entender o surgime
1nentos conceituais Pª . t nder desafiantes em outras partes do
. . ". d mos usar esses conceitos para en e . . , . .
ciais , po e . fl
mundo que "buscam 1n uenciar au o . t ridades transnacionais e
. ,.tambem as nacionais
.
e sub nac1ona1s. "7. (1997·. 243) . São essas as questões deste capitulo.
A Política
, transnacional
, é de grande importa. . nci·
a na .vira
-· d a d o novo
. ,
secu 1o
SE
(RIS , 1995). Neste capitulo, no entanto , nosso problema n- , h . .
ao e recon ece-1a ou
celebrá-la, n1as separar' entre as conexões além das fonteiras, as que são de curto
prazo e efên1eras da~uelas dura~ouras e profundas, e avaliar as oportunidades e
restrições na formaçao dos moVI~en~os sociais transnacionais. Apenas então po-
demos c01neçar ª ente nder suas implicações para o futuro do confronto político.
Trê~ _hipóteses acompanhain a tese geral sobre o confronto transnacional. A
primeira é que, concomitantemente ao seu sistema de .comunicações, a economia
mundial está rapidamente se globalizando; o segundo, que-essas mudanças abrem
possibilidades acentuadas para a ação coletiva transnacional; e a terceira é que - te-
cida por instituições internacionais e movimentos sociais transnacionais - está se
desenvolvendo alguma coisa que parece uma sociedade civil transnacional. Vamos
rever esses temas antes de voltar aos processos ,do confronto transnacional que po-
dem ser observados atualmente.
As fontes da globalização
Na versão mais popular da teoria dos movimentos sociais transnacionais, em
algum momento, por volta do fim da II Guerra MundiaCçomeçou a se desenvolver
uma economia global, acompanhada da liberalização do comércio internacional e
do surgimento de uma nova hegemonia polític~~:O seu aspecto mais básico, escre-
ve Kevin Robins, foi uma mudança em direção á um mundo "em que todos os as-
pectos da economiá - matérias-primas, informações sobre trabalho e transporte,
finanças, distribuição e marketing - foram integràdos ou se tornaram interdepen-
dentes em escala mundial" (1995: 345).
A evocação de Robins de uma economía global é mais forte na declaração do
que na demonstração, tal como as de muitos estudiosos da globalização. Quando
Robert Wade realizou uma cuidadosa análise estatística dos investimentos, comér-
cio e finanças internacionais no passado e no presente ele .c oncluiu que "a econo-
mia do mundo é mais internacional do que global": ·
Nas maiores economias nacionais, mais de 80% da produção é para
consumo doméstico e mais do que 80% do investimento é feito por in-
vestidores domésticos. As companhias estão radicadas em suas bases
no seu país de origem e têm regimes reguladores nacionais (1996: 61) .
Robins topou com um fator verdadeirainente novo na econon1ia n1undial atual
em que - diferenteinente dos períodos passados en1 que houve un1 aun1ento das
trocas internacionais_ as 1nudanças econfünicas ocorrem "de fornrn quase instan-
tânea" (1995: 345). Isso nos leva ao segundo ele1nento da tese df,l globalização: 0
surgimento de estruturas públicas ele c01nunicação que aproximam ainda mais
225
. . E te crescimento é acelerado por tecno-
nd 1
0 centro e a periferia do sistema ~u ia · . s . das que dão aos indivíduos e gru-
._ - d t1·ahzadas e pnva " . .. • .
logias de con1un1caçao es~en - . ··es cmno fax, correio eletron1co e filmado-
pos 1ne1·os de c0111unicação
. independent
ras (GAMLEY, 199 2), d , . comunicações glo_bais aprox_ima os
- > ,. d n11m ia is e e1as . . - .
A expansao dos 111erca os d_ d- •t leste e do sul, _ t ornando os primeiros
cidadãos do norte e ,d 0 oes e
1
. . t dos c1 a aos e o
.
1- d
_. 1 t··es de sua desigtta da e em relação a
. .. - . , lt'1111 os 1na1s consc1e 1 . . , • ,, .
mais cos111opol_1tas e os _u _
. _ •
d _
t u lar · esta 111 e
.. t _gração cogn1t1va e fis1ca e.a emigração
.
eles. A expressa_o n1a1s espe ac .· sequência de que as cidades globais se
- t - 11orte co1n a con
do leste e sul para O º.es e e ;, _ . se ode observar o crescente dualismo entre
011d
transformaran1 e1n nncrocosinos e P tre culturas globais" ( CASTELlS
. d pobres e o 1
c1oque en '
o mundo d os ncos e
O
os . ' t bém possibilitou que os ambientalistas e os
1994; ROBINS, 1_99~: 34h5). Mas iss~o:~ireitos das mulheres se movessem na dire-
defensores dos d1re1tos umanos e b. .
.
çãó oposta ao falar a mes111a 11ngua
gero e trabalhar pelos
,.. .
mesmos
.
o ~etivos que seus
.h .
. . . d · M
congeneres o Terce1ro un o. d Apoiando esta tendencia,Jackie
. . Sm1t
. . assinala
... que
há um lento aumento na .proporção de organizações transnacionais que tem seus
eséritórios fora das democracias industriais (SMITH, 1997: 49).
Estas mudanças estruturais são acompanhadas por mudanças culturais: vive-
mos num universo culturalmente mais unificado, onde os jovens se vestem de
modo similar, ouvem a mesma música e frequentam sistemas escolares construí-
dos segundo os mesmos modelos (MEYER et al., 1992). Um dos resultados pode
ser o de "destruir o isolamento cultural onde crescem as incompreensões; mas um ·
outro pode ser o de inténsificàr a percepção sobre as diferenças, "aumentando os
antagonismos sociais e promovendo. a fragmentação social" (O'NEIL, 1993: 68).
Um terceiro é o de criar cadeias de percepção de ü~pacto econômico e social entre
diferentes partes do globo e um quarto é a descobeúa mútua de problemas simila-
res por parte de grupos nativos em áreas anteriormente isoladas (BRYSK, 1994;
YASHAR, 1996). Grupos tão diversos como os índios andinos e os lapões da Euro~
pado Norte estão agora em contato, ultrapassando as fronteiras nacionais.
As instituições acompanham, de forma concomitante, os crescentes fluxos
. . - . e de comunicação; Desde a II Guerra Mundial ' uma densa rede de ins-
econômicos
tit~rçoes rnternac~onais, de regimes e de contatos intergovernamentais e transnacio-
~15 entrel~ço~ diferentes partes do mundo (MEYER et al., 1997). Considere ore-
gime dos direitos humanos internacionais com Thomas Risse e Kathryn Sikkink:
Desde ª II Guerra Mundial os direitos humanos foram cada vez mais ·
reg~lados e especificados por regimes internacionais. A evolução dos
regimes
U . · t os humanos esta, concentrada no sistema
de- direi· . d as Naço-es
mdas que é complementado por arranjos regionais (1997).
Paralelo a este regime fo h,, " . . ~
identificam - 'd ·r· - rma1 ª um. clube liberal" infonnal de naçoes que se
e sao 1 ent11cadas . . s
são excluídos (p. 4 ). Essas . _co1:1~ u1:1a categ~na de estados dos quais os_ outro_
instnuiçoes internacionais, regimes e "clubes" sao O ar
226
uço en1 torno do qual cresceran1 as rela ~ •
ca bo G e çoes internaci . I 1 '
arte desta tese - a ação coleti t onais. sso nos eva a se-
gunda P
A •
· va 1ansnac10nal.
227
. 1en tos transnacionais .
A teseJorte sobre os movm - . . . transnacionais, compilada em algu
. _; entos sociais ~
A tese forte sobre_ os inovnn. d' bservações. Seus proponentes fazem as
.
nrns fontes., se desenvo1ve a
pàrtlr essas o
228
511ith descobriu que "o setor dos 111 ovünentos . . . . .
1 . sociais transnac10na1s é bastante
grande e diverso, e cresceu drainaticainente
. - U' lt'nnos anos - de
1108 .
um pouco mais
.
de trezentos en11983 para cerca de 600 en11993" (1997· 47) El " oi de
TSMOs ativos e111 1983 f . f - - . . a escreve, 65 ia
rodos os · ,1 · orain ·onnados de1"Jois ele 1970
- e a 1'da d e me'd'ia d e
b
Seus mem ros caiu, _ nas u tunas
_, duas - " (p , 46) . A
_ décadas , de 33 ara 25· anos
·p· . me a·1-
da que O inundo · ~ entra
_ no seculo _ .XXI ' há uin crescente po tencia para o con fronto
., 1 ·
Po lítico que ultrapassa
_ as
_ fronteiras
. , dos estados nacr·onai·s . Mas quao - novo e, es t e
fenômeno? E quao contenc10s0 e provável que seja?
229
b , . a que o con fron t o transnacional assume muitas for-
A história tan1 e111 ensin vünentos sociais. E1nbora muitas das
, ~ d . talogar cmno 1110 . .
n1as-nen1 todas faceis e ca . M rgaret Keck e Kathryn S1kk1nk, fos-
, 1 XIX estudadas por ª h .
ca111panhas d o secu O .; . • al unias, cmno a ca1npan a contra a circunci-
sem baseadas e111 crenças rehgwsas, g _as tnissionários (KECK & SIKKINK .
,. · volvetain apen '
são fe1ninina no Qu_enia, en t
-·ra enfaixatnento dos pés das chine-
o a ca111pan11a co 11 O .
1998a: 66-72); outras, con~ . -_ . ta·s leigos {IJ, 60-66); ainda outras, como
. • , .105 e nac10na11s - .
sas, envolvera1n 1111ssto nai _ baseavam principalmente nas organiza-
. · - " struíra111 laços que se . .
a ant1escrav1sta, con d K 1 Sikkink apenas o do voto fem1n1no envol-
ç ões relicriosas. Entre os casos e ec { e . ., . ai·s (p 51-58)
0
• tos 1nternacion · ·
veu dedicadas organizações de n1ovnnen . . .
, • · ·al de muitos movimentos viesse por difusão
Alé111 disso / embora o 1n1 peto une1 __ .
· .
através das fronteiras nac10nais, • · eles seinpre dependeram do . poder hegemon1co
. .
j'
dos estados _'- como os 1ng eses,• 1 que usaram _sua poderosa mannha
, .para 1mped1r 0
230
Em resun10, a história não ensina apenas q . O f
. ue
b o so 1, e1a n1ostra que ele assume f
con ronto transnacional não é
o de novo so . d .
alg . . . A. • d . . . ormas vana as e se integra de
rn° do diferente
. _. no 1nte1101
d
e sociedades dmn, f .
.. .
. . .
es icas, ex1g1nclo conjunturas espe-
't1iS de incentivos e e oportunidades para ser pr . d ..
c1"' . _ d e. epara o e transm1t1r novas nor-
1]5 e identidades. Antes e concluir qt1e O •m und t, . d ..
111"' . . . , · o es a se tornan · o rapidamente
U
ma sociedade civil global, devenainos examinar essas forro as e n1ve1s
_ • A _ ..
, . d .
e integra-
·
ção e p~rguntai pa~a ou d e_ esta~ levando e quais delas têm mais probabilidades de
produzir novas nonnas e 1dent1dades.
231
.. 1 t · a transnacional
Figura 11.1 - Uma tipologia da açao co e iv
INTEGRAÇÃO EM
Não-integrada Integrada
QUADRO TEMPORAL
Difusão Troca política
Temporária
Transnacionais Transnacionais
Sustentada
Redes temáticas Movimentos sociais
232
E,. difícil preencher. as condições
. necessárias
' para .. um movimento
. pr oc1uz1r . so-
. 1sustentado que seJa,. a .un1 só te1npo ' integrado etn d·i· versas
eia . soc1e -•r·1ca-
. dad es, uni
6
do em 1Aelaç· ão a seus o. J et1vos e organ1·za'çao
- e capaz
- · d e organizar. o confronto . con-
11
.
233
_. - _ to depois ele estabelecidos, cada
. A. entina 32 . Entt etan ' .
nhattan, para o Chile e a rg . _ . 111 raízes nativas e encontrou estru-
. 1 . t ·ou en1 sintonia co
movünento nac10na que en I . d endente dos outros.
. - .d de tornou-se 111 ep
turas locais de oportuni ª ' _ _ d'f d _ · inails raiJidatnente do que esses rno-
. - _.,. 1 ·un e-se ' . . . .
A ação coletiva conten1 pmanea . tá associada à 1nternac1onahzação da
, 1 XIX e neste processo, es ' . -, -. 1,.
vünentos do secu. o L . . L , · - ... . d·
çoes e 111as. sr1 Considerem as ta t1cas que tgararn
'-'• .
econmnia 111und1al e as con1 unica d ai·atll da Baía de B1scay para os Grand
d " que se es1o c . ~ •
as várias ''guerras a pesca .· de pesca de salmao no exterior. Ern
. d " t .. 11orte-a111e1 icana 5
Banks e para as 111 us rias · . ·eetld.erain u1na traineira francesa acu-
-. }1015
, · de atun1 apt · ·. . '
1994, os pescadores espan f . de usarem redes ilegais para pegar mais-
· 1 5 e -ranceses
sanda os_ pesca dores ing esed Q arJdo O governo francês reagiu, rebocando
dO <lume e atu1n. u ,
do que sua cota car h hóis bloquearam O porto de Hendaye. Foram
u1n dos navios da Espan a, os espan d d . ~ d U ,-
. -
necessárias negociaçoes comp ica ª r d 5 entre os três esta
) os e uma ecisao a n1ao
Europeia para resolver a disputa (TARROW, 1998a . ,. . , .
• meses d epo1s,
Seis · um grup 0 diferente
_ de pescadores
__ espanhois vrrou noticia -
d esta vez, pescand o nos· Grand Banks , região que os pescadores canadenses
_. . pensa-
vam· ser sua por d'irei·to . A mari'nh·a canadense apreendeu
. _ _.. uma
. trainerra espanhola
.
e rebocou-a para O porto de St.Johns, sendo alvo de zombana e_de tomates Jogados
pelos cidadãos do porto de pesca (TARROW, 1998_a)._ O gov~rno canadense resol-
veu a questão, más só depois que a União Europeia 1nterve10 _em favo~ dos espa- -
nhóis. Finalmente, em 1997, foram os marinheiros canadenses e amencanos .que
entraram em conflito na co.sta do Pacífico, quando mais de cem barcos de salmão
canadenses bloquearam uma balsa no porto Prince Rupert como retaliação devido
a pesca de salmão canadense, pelos americanos-, em águas internacionais (New
York Times, 23/07/1997; Toronto Globe and'Mail, 18/07/1997). Separados por seis
mil milhas, questões similares deram origem a formas semelhantes de ação e leva-
ram atores sociais e governos de cinco países a um confronto internacional.
A difusão das táticas das "guerras da pesca" foi resultado de simples emulação
desconectada Mas a difusão também pode ocorrer pelas mãos de agentes intencio-
n:dos._A expansão do nacionalismo na Europa Central e Oriental depois de 1989
nao 101, como Mark Beisinger indica, uma transferência automática de ideias de
um país para _outro, mas um conjunto de eventos que pretendiam atingir objetivos
e que dependiam de oportun1·dad · · · 1
.. es, interesses e ameaças reais e antecipados, eva-
dos adiante por organizado' d · '
buscavam poder n 0 , - _ res e
· dO movnnentos, alguns deles no poder e outros que
- vacuo ena pela queda do comunisn10 (1996).
235
irrelevante, a campanha terminou
1 'd Ouse tornou d - 1 . .
'f a e quan do ela foi reso
. ,.v1 a . táve1 o d que a difusão a açao
- co et1va
. atrave· s
c1_ 1~ ·'1 te a troca política e 1na1s es d · . u1na só questão e nao se abnga nunia
D1fic1 111en .· ; basea a n b ·
de fio. r1teiras nacionais, porqu.
N e e
n~nw
-
e~
1-:a pode criar redes que so revivem ªPós a
•. ação pern1anente. 0 e e: '
organ1z - "fica.
resolução de uma questao espec1 .
· ais de ativismo . .
Redes tran.snacwn ,. ões não-governamentais que hgam os
, tenas de assoc1aç 1 d' . h
, Isso nos conduz as cen · ., d ,. d s ambientalistas, pe os 1re1tos uma-
. d atraves e te e l'f•
cidadãos e111 todo o 1nun ° indígenas. Elas se qua 1 lcam para se-
. "7. M'1nha respos-
nos pelas n1u.. 11
1eres, pe1a paz e pelos . povos
t sociais transnac1ona1s .
' . - d "111ovnnen os .
rem incluídas no conceito · e . d política tran'snac1onal que cresce mais
des seJan1 o setor a
ta é que, en1bora essas re . . , movimentos sociais não aumenta nos-
t l'dade
1 ass111111a-1as ao5
rapidan1ente na a ua ·' sificá-las como fizeram Margaret Keck e.
d' t Parece mais correto c1as ' d
so enten 1men o. · d " d transnacionais d~ ativismon. Citan o estas
Katryn Sikkink, como partes ~ :e
duas au t oras, "uma rede. transnac1ona ·.· .
elsde ativismo inclui aqueles atores relevantes
_ , d
uestão que esta.o hga os por valores
ue trabalham internac10nalmente por uma q · · ' · . . -
q • dº mum e por densas trocas de mformaçoes e ser-
compartilhados, por um iscurso co · . · . " - ais predominantes em áreas
viços" (1998a: 2). Essas rede.s, elas continuam, sao m . ·. . . _ .
, · · d · . · conteu'
tema t1cas caractenz~ as Pº!. . · · · . dos de
. alto
· valor e por incerteza de
. 1nforma-
ções" (p. 2). Elas eiivolvem atores de organizaç.ões nã~-governamentais, ~ov:rna-
mentais e intergovernamentais, .e estão ·cada vez mais presente~ em ~IS areas,
como as dos direitos humanos., dos .direitos das mulheres .e do meio ambiente (cf.
tb. KECK & SIKKINK, 1998b).
Como essas rede·s diferem dos movimentos sociais e por que são frequente-
mente confundidas com eles? Parte da confusão resulta de dois usos diferentes do
termo "rede": estruturas conectivas e redes sociais que são as unidades básicas da
formação dos movimentos sociais e alguns outros tipos de confronto. Como suge-
rido no cap . .8, as redes de ativismo são estruturas conectivas que ultrapassam as
fronteiras nacionais, enquanto que as redes sociais são as bases para o confronto
político no interior_ de sociedades domésticas. Enquanto alguns estudiosos estão
começando a acreditar que as comunicações eletrônicas estão produzindo grupos
com rec~rsos para formar redes sociais em amplas áreas (WELLMAN & GULIA,
1~98), ha uma clara diferença entre O conceito de Keck e Sikkink de redes de ati·
vismo e as redes sociais interpessoais que os pesquisadores de movimentos sociais
detectaram na base dos movimentos so · · . d · . . 33
c1a1s ornes t1cos .
236
As redes de ativis1no de Keck e Sikkink são b -_. . .
. . _ . . . e,-a5 ican1ente _comunicativas em con-
, d . po d e-se d 1s t1ngu1-1as pnnc1pahne t 1 .
reu 0 , . ,. . _. n e pe a centralidade das ideias ou valores
b"'.lseados en1 pnnc1p10s bna n1ot1vação de sua fortnaça~o· . ._ d .
' , .e~ no centro o re1ac10na-
rn ento [entre.seus 1ne1n _ ros], está a troca de inforinaço,. es . "El-as mo b'l' t t
1 12am es ra e-
cricainente a 111fonnaçao
b~ ,, - .
para ga_nhar poder
-
sobre org_an1zaçoes
_. . __ e governos muito .
rnais poderosos. (KECK . . . &. SIKKINK
• ' 1995·· 1) · Ale'm di'sso, elas se b ene f'1c1am
· do
Suporte financeiro de agencias internacionais
· - e ele gover· n os d o 1...: · c, · N or t e in-
r:1-etn1s1eno ·
teressados nas nonnas que elas tentain pr01nover (RISSE & SIKKINK, 1997).
Faltan1 às rede~ ~e ~tivisino as_ bases categoriais, as relações ínterpessoaís sus-
tentadas e ~ ~xposiçao as .o portunidades ·e restrições que os estudiosos dos movi-
mentos sociais encontraram nas redes sociais domêsticas. No entanto, trabalha em
favor delas o enorme auinento na .densidade da comunicação transnacional e no
envolvimento dos governos do norte, fundações .e grupos de interesse público em
questões relativas à igualdade, direitos humanos e meio ambiente em outras partes
do mundo. "Importar-se com os prDblemas dos outros·" está se tomando atual-
mente um estímulo ímportante para a mudança so.ctal e política.
* Sou grato às professoras Keck e Sikkink por me deixarem consultar seu livro antes que fosse publi-
cado, assim como pelos comentários ele Keck sobre este capítulo (e várias ele suas ':ersões anteriores),
que trata de um assunto que conhecem muito melhor do que eu.
237
. de recrutamento das redes
· · tos como Jontes
Os movzmen dos direitos das 1nulheres e da ecologia
d . tos hu111anos, - . , as
d
A •
11
Nos campos os ei . _ parecem co1n os movimentos sociais rn
ionais nao se . , as
redes de ativis1no transnac . . . . . d tnéstica ein 1novimentos lhes dá habilida
. d IJ. a expenencia o
1 d -
recrutan1 apoia ores Cl vi·inentos ativistas po em se unir a rede
.· . · Esses 1110 s
des e 1nodelos d e auvisnl 0 .' _ uais coin ativistas, como eles, de outros paí-
• • • A de contatos cas
, . .
transnac10na1s auaves . fundações ocidentais o~ organizações tnter-
. . a·
A . • _ .
, d IJenencia con1 as
ses; atraves · e sua ex
. . . parte porque a 1ne 1
, a· da ein que envelhecem, sua 1sposição de se
.
nac1~nais; e, e~n . ' . ' ivelnlente perigosas nos movimentos dá lugar a
engaJar en1 açoes vigorosas e pos~ . A
238
Bloqueios
. domésticos e oportuniclades trans· 11.ac10na1s
• .
As "redes de ativis1110", ,escreve1n
. " 1·11 k , "t"'em s1'd o mais
Keck e Sivk . v1s1ve1s
. _, • em 51·-
tuaç ões. onde
. o acesso
. . _d01nest1co
__ para fazer reiv·1·11d1
..'ca~oes
,.- esta, b.1oquea d o, ou on de
s,ii10 poht1can1ente
. . _1111nto. fiacos
_ . para_ qt1e
. suas
' vozes s eJam , . ouvi•aas ,, (Iggsb) . N esses
easo s, 05 locais 1nternac10na1s ou estrangeiros tJodern ser os un1cos , . ond e suas re1v1n-
· ·
dicações serão apresentadas de fonna legftitna e segura. Ao mudar de local, os ativis-
tas tentam envol:~r ~tores novos e tnais solidários à sua causa, esperan.do dessa for-
111a mu d
ar o equ1hbno
. . de p· oder d 01nestlco,
, · que - estava contra eles, e,m seu favor. E,
isso que Keck e Sikkink chan1a1n de "efeito bumerangue'' (1998a: 12-13): "tentar
produzi-lo é uma das estratégias 111ais comuns das redes de ativismo".
Keck e Sikkink usan1 as atividades das redes pelos díreítos humanos e aquelas
pelos direitos indígen_as na A1nérica Latina para ilustrar a éstratégia de buscar luga-
res que seja111 receptivos às reivindicações que estão apresentando [venue shop-
ping] (1998a: 18) . Elas afirmam que, embora estruturas domésticas estáveis aju-
dem a determinar o resultado da política tr<:1nsnacional (RISSE & SCHMITZ, 1995),
elas não explicam tudo. Tal como os movimentos domésticos que encontramos em
muitas partes deste livro, participantes de redes transnacionaís, mais frequente-
mente .. . espreitam o tempo todo .em busca de aspectos puramente conjunturais - e
algumas vezes até acidentais - de oportuni_dades políticas.
239
. d. ssoas distante~ da situação a que se
.. ia v1c1a e pe d d
os proble1nas sociais repercutue1n I . M . ret Keck, os coletores o nor este do
, ·. " escreve arga · . · l · · 1
recerem tenha1n vida propna , . . ·zaça'"' o do trabalho, o ªP.o10 e a igreJa ocal
l' .. - . d' - de organ1 . . . 1 d
Brasil tinhatn un1a for te tra. içao oportun1c . l de ·p olítica parncu ar e um governo
a
e das organizações trabalhistas, e a 21)
· . ( ECK 1995: 420-4 · . ·
democratizante K , . _. ou tetnas abrangentes ~as redes trans-
. - t ndo organ1zaçoes
Por outro 1ado, nao e
1' . . E. . . ·f .
. . 1 'deológ•icas ou po it1cas. . ste 01 clara-
. d' 'd';. undo 1n11as1 .•
nacionais podem se ivi. n seg . l· . . d ª1105 1980 nà Europa Ocidental e nos
. · 11 tos pe a paz os
111ente o caso dos 111 1111~
º~ . . d . . coinpleto desarmamento nuclear e os úl-
Estados Unidos, o_s prnneiros e~1g.111_ oda J1·ograina nuclear" (MEYER, 1990). Não
· 111 " arahsaçao o I
tünos na~a mais que ~ ª .P _ . de inovitnentos transnacionais como o Greenpe-
é de adn1irar que as organiz aç~~s-d bre os tipos de questões em que seus tnílí-
ace mantenhan1 un1 contra1e I 1g1 o so . .
tantes se envolve1n.
***
e ·
Em resumo, os e1e1tos d o a ti·vt·sm·0 transnadonal na .política
. . doméstica. podem
- mais
ser sua fu nçao · 1·mportante . As redes de ativismo transnacional, podem
.
ajudar
.
os
atores com poucos recursos a construir novos movimentos .~ome~ticos_a P~tt~, de
combinacões de materiais nativos e importados. Podem tambem aJudar a cnar as-
pectos co.,muns imaginados" que dão a ativistas - que de outra fo~a esta~am_isola-
dos - a impressão de que são parte de movimentos maiores e mais cosmopolitas ..
Os céticos podem salientar que a criação desses aspectos imaginad_9 s não é novi-
dade. Afinal, o que mais Marx e Engels quiseram dizer com a frase "operários c;lo
mundo,uni-vos"? Não há dúvida que milhares de militantes da classe trabalhadora
lutaram por um objetivo imaginário porque estavam convencidos de que centenas
de milhares como eles estava~ trabalhando pelo mesmo objetivo em todo o mundo.
O que par'ece ser qualitativamente novo é que, ao contrário do movimento da classe
trabalhadora internacional do passado, as .redes de ativismo transnacionais não são
teleologicamente bloqueadas num movimento social fixo; su_a mobilidade geográfi-
ca, modelos organizacionais frouxos e o acesso às comunicações as capacitam a mo-
ver suas campanhas e recursos para locais onde tenham mais chance de sucesso; e
podem rec~rrer a elemen~os do enquadramento cultural comum que a globalização
e a revoluçao nas comunicações levaram a muitas partes do mundo .
. . Se esta hipóte:e está correta, em vez de focalizar uma abstração da sociedade
clVll global e considerar cada incidente de ativismo transnacional como evidência
de sua chegada aprenderemos m · d. · ·
' ais ven o as redes de ativis1no transnac10na1s
como atores externos que for . • ·
, .
domest1cos em formação Ess · necein recursos e oportunidades para movimentos
· ·
. .
te - e f1nance1ramente · es n1 ovimentos podem identificar-se ideologicamen-
.
- com seu
. s 1 b ora d ores transnacionais· mas a não ser que
coa
nos d etenh amos e1np1ncan1 ente b O
.. ·r· so re que acontece nas lutas políticas nac1ona1s,
4 ' ' • •
240
Quando Doug In1ig e o autor, por exemplo-' co meçaram a ln
.
t· -
tivas que cercava1n as decisões da União Euro ___. . ves 1gar as açoes
coe1 nítida linha divisória separaria os confrontos pe1a.' no~sa suposição era que
iuna . · d r -. nacionais dos transnacionais
os últ1n10s assunun o as 1orn1as de 111 ovitnento 5 _ '
conl _ . __ . . . que vao além das f - t ·
·1 tradas no conflito que introduziu este capítulo ( 1996) N - ron eiras
1 us _d ~ d , .- _ _ · o entanto, mesmo um
_ve exame e um gran e ntu11e1 o de casos de ações col t· __ .
b1e . . . • d" _d . _ . _ e ivas europeias mostrou
atores sociais preJU . 1ca os pelas decisoes da u .•~ E . . ·_ .
que 05 A • A • • • • _ niao urope1a sao mais pro-
sos a se voltar pa1a as 1nst1tu1çoes cmn as quais têm m • f .1. 'd d
pen d . ~ . . ais am1 ian a e- e que
p1ementa1n
• 111 aque 1as ec1soes - seus próprios estados na • .
liu . . . c10nais. 0 S europeus po-
de m estar europeizando
. o interior das estruturas de confli• to s d omesucos
, . em vez d e
transnacionahzare1n o confronto.
241
. . 1po de servir como u1n substituto - e
t. is1no virtua
vírus da internet pode atestar, o.ª .1v undo real.
- . .• . auv1s1110 no in .
não con10 un1 incentivo - ª0 .deraram estar criando um mun-
Por outro lado, as tendências que_alguns cons1 suà infância e podem. ser cumu-
. . stao apenas e1n . . .
do de n1ovünentos transnac10na1s e .. . l·- trocas transnac1ona1s e de difusão
lgu111as fo1111as e e . .
!ativas. C01110 no passa do, a .. . . ntos transnacionais, mas - o que era
. ,. rdadeiros tnovnne .b . ..
poden1 no fün, pro d uzu ve podetn gerar tarn étn movimentos
mais v~rdadeiro no passado - esses d1~roc_esdsos. di' ·ferença ou da repressão. Assim
. . d' . · , -1 iante a 1n . ~ '
nac10na1s separados ou issipa os, _ inas com cinco questoes que preci-
1
não termino este capítulo c~m-u~a cone ~~;r;nto transnacional. .
saremos enfrentar sobre a dmam1ca do e . , d d f
. . . d inunicações globais esta mu an o as ormas
Prnneiro, a nova tecno 1o_gia as co idade de sua transmissão? Antes
1
da difusão dos desafios coletivos ou apenas ave oc precedentes de movimentos
de concluir que o mundo está entrando nuina era sem h f .
olobais precisamos acompanhar algumas das recentes campan as qude odram ªJ~-
dadas ·pela
b '
comunicação eletrônica .
para d esco b r ir se ela aumenta o po er o movi-
1nento ou simplesmente mu d a a manelfa · d e enquadrar . sua mensagem. .
Segundo, os movimentos sociais integrados po~em se entender sobre conti-
nentes sem que haja uma comunidade interpessoal _1nt~grada n.as duas pontas da
cadeia transnacional? E, para ques_tionar uma alegaçao ainda mais fort~, podem es-
sas comunidades transn.acionais sérem criadas com recursos do .extenor? Aqueles
que estão convencidos àa tese f~rte precisarão mostrar que redes cibe:néticas im-
pessoais ou viagens aéreas baratas não apenas estimulam novos movime1-1tos na-
cionais como podem também manter o laço transnacional como parte de suas es-
truturas conectivas subjacentes. Uma evidência como a de Margaret Keck sobre o
movimento dos eoletores de borracha salienta as vantagens da organização e das
oportunidades precedentes à sua aliança com ativistas transnacionais (1995: 420).
Terceiro, as novas formas de trocas transnacionais levarão a formas benevo-
lentes de "poder do povo", como parecem pensar escritores como O'Neil?, (1993,
cap. 4) . Ou conduzirão às formas violentas que Anderson e outros constataram no
potencial do "nacionalismo a longa distância''? (1992). O movimento global mais
poderoso do início dos anos 1990 não foi feito por ambientalistas ocidentais ou ati-
vistas pelos direitos humanos ligados de forma humanitária aos movimentos dos
povos indígenas, mas por fundamentalistas islâmicos radicais que degolaram can-
tores de músicas folclóricas e bateram nas mulheres que ousaram andar sem véu.
Quarto, há um movimento cumulativo que se desloca das duas formas tempo- .
rárias de_política transn~cional aqui esboçadas - difusâo e troca política_ para as
duas ma~ fo~tes , e particularmente na direção de movimentos verdadeiramente
transnac1ona1s? Embora possa parecer lógico que as redes de ativismo transnacio-
nal se u n1·r-·1cad os, e1as sao
- r ealmen~
. transformarão em. 1novírn.entos transnacionai·s
- ,
te vistas _como alterna~1v~s para muitos ativistas que saíram do mundo arriscado
dos movimentos d01nest1cos e as considerain coino uin lt . elaça-o à
·1· -
mo b11zaçao. a a ernat1va em r
242
finalmente, 0 que se pode dizer sobre O papel do Estado em tudo isso? Os esta-
rtiodernos se desenvolvera1n nu1n diálogo estrat. . . .
dos 11
~ • • . · e eg1co com os moVImentos so-
. . dando a eles a auton01111a e a liberdade de se or · d . h
cHns, d . . . . gamzarem quan o t111 am que
fazê-lo e recl~n1an ~ este terntono quando esses movünentos esmaeciam ou se
tornava n1 multo .pengosos.
, . ~ Por que
, · os estad os senam· .h OJe
· mais
· inativos
• • frente à
d1·fusa- 0 transnac10nal, as t1ocas, as redes de ativi'smo ou at, .
e e mesmo aos moVImen-
toS sociais do que foranl contra os inovitnentos domésticos no fim do século XIX
ou no início do XX?
Atuahnente, en1 ~ermo: transnacionais, alguns estados desempenham um pa-
pel que rara_1nente foi pos:1~el no passado: intervir pacífica e publicamente em fa-
vor de movimentos domesticos ou grupos em outros países cujas reivindicações
são a eles apresentadas por grupos e1n seus _próprios países. Por razões compreen-
síveis, os grupos transnacionais reclama1n o crédito por tais intervenções - e fre-
quentemente têm um papel-chave na propaganda das reivindicações de seus alia-
dos para os governos de outros países. Tentar entender esta relação sem referência
ao poder do Estado é, a seu modo, tão decepcionante quanto tentar entender a po-
lítica internacional como um mundo composto apenas por estados.
Muitos estados estão desenvolvendo estratégias transnacionais e criando orga-
nizações responsáveis por seus interesses. Os estados encorajam alguns movimen-
tos - como o movimento ambiental europeu - a levar suas reivindicações para ins-
tituições transnacionais como a União Europeia, embora as impeça de negociar
com outros, como no caso do menos bem-vindo movimento antinuclear. Na meta-
de do século XIX, estados como a Áustria, Rússia e Inglaterra intervieram com ca-
nhões e baionetas nos episódios de confronto; no fim q.o século XX, os estados fa-
zem mais do q:ue guerras, fazem organizações e instituições· transnacionais para
combater e pacificar os movimentos sociais. Se é assim, tanto o Estado nacional
como o movimento social nacional estarão conosco ainda por um longo tempo.
243
Conclusão
O futuro dos movimentos sociais
1. Mesmo enquanto celebravam, os franceses estavam enterrando 1789. Ver Adieu 1789. de l,aplan.
que considera o bicentenário como um rito de celebração do funeral da Revolução Francesa. com
François Mitterand como rei presidente e o historiador François Furet corno mordomo.
245
O significado desta mudança para a democracia é incerto, como vimos quando
a ex-Iugoslávia implodiu em 1992, mas são profundas as suas implicações para o
futuro dos movimentos sociais. Não só essas mudanças fecharam as portas ao mar
xismo-leninismo, o movimento revolucionário mais importante do século XX,
como o movimento contra o socialismo de Estado se tornou geral e suas modalida
2
des se tornaram modulares . Lá, como em toda parte, tinha-se tornado fácil às pes
soas comuns levarem adiante suas reivindicações coletivas contra oponentes po
derosos. Este capítulo visa entender as implicações dessas mudanças. Farei um
breve resumo de alguns de nossos principais achados antes de examinar alguns
problemas correntes que se colocam aos estudiosos dos movimentos sociais.
Racionalizando o confronto
Há trinta anos, cientistas políticos e sociólogos interessados em movimentos
começaram a examinar o seu objeto não do ponto de vista das ações empreendidas,
mas do enigma de que é difícil realizar uma ação coletiva. Eles estavam reagindo
adequadamente aos modelos anteriores, que sustentavam que a identificação de
interesses comuns era suficiente para gerar a ação coletiva. O economista Mancur
Olson e seus seguidores forçaram muitos estudiosos - alguns deles imbuídos de
causas de movimentos- a ver que a ação coletiva não decorre automaticamente de
descontentamentos, mas que são necessárias decisões individuais para haver parti
cipação. Olson viu, na tendência de se "pegar carona" no ativismo dos outros, um
sério problema de ação coletiva que incomodava os seus organizadores.
A partir daí, duas coisas se seguiram: a primeira boa, e a segunda não tanto.
Primeiro, reconheceu-se que a cadeia causal que vai da identificação dos descon
tentamentos à decisão de agir passa por cálculos sobre as oportunidades, restrições
e incentivos percebidos. Mas, em segundo, esta concentração sobre as decisões in-
2. Até na Itália - tão longe da periferia do mundo comunista que seu Partido Comunista mal era reco
nhecido por volta de 1989 - os líderes do partido rejeitaram o martelo e a foice e mudaram seu nome
para Democratic Party of the Left. Sobre esta mudança ver Italian Communism in the First Republic, de
5tephen Hellman.
dividuais para haver participação negligenciou os processos sociais mais amplos
dos quais faziam parte. Além disso, o "problema de ação coletiva" de Olson era
apenas um enigma - e não uma lei sociológica - visto que em tantas situações e
contra tantos imprevistos, a ação coletiva realmente ocorre, sempre instigada por
pessoas com poucos recursos e pouco poder próprio.
A "solução" deste enigma foi buscada inicialmente na ideia de Olson de que
"grandes grupos" mobilizam seus membros através de incentivos e restrições sele
tivas (1965). No entanto, embora a teoria de Olson funcionasse bem para grupos
de interesse, era inadequada para movimentos, pela simples razão de que, fora o
confronto, eles dispõem de poucos incentivos e restrições para utilizar. Disso de
corre a necessidade de descobrir como as pessoas interagem, como são influencia
das por tradições de ação coletiva e como são incentivadas ou desencorajadas por
instituições, redes e identidades. As pessoas entrarão em confronto sob as circuns
tâncias mais desencorajadoras desde que reconheçam interesses coletivos, se unam
a pessoas semelhantes e pensem que há uma chance dos seus protestos serem
bem-sucedidos.
Nos últimos anos, partindo da perspectiva de Olson, alguns estudiosos foram
além do seu modelo de mercado para reconhecer a variedade de incentivos que le
vam as pessoas para a ação coletiva (CHONG, 1991; GOLDEN, 1997; HARDIN,
1995; LICHBACH, 1995; 1997). Marl Lichbach, por exemplo, reconhece quatro
modelos principais de ação coletiva: do tipo mercantil, contratual, comunal e hie
rárquica. No seu Rebel's Dilemma (1995), ele vai mais além do que qualquer outro
racionalista ao reconhecer a variedade de situações que estruturam o confronto e
oferece teorias de médio alcance sobre as origens, as operações e os resultados do
empreendedorismo dissidente e do patrocínio a grupos discordantes. Mas, con
centrados no exame da escolha racional, a maioria dos racionalistas deixa sem es
pecificação as conexões denominadas por Tilly de 'pós-decisão' e as consequências
das decisões. Em particular essas teorias tornam difícil decidir
• Como caracterizar e explicar as relações entre decisões orientadas por inte
resses, a sua implementação pelos que decidem em ações concretas e os resul
tados das ações envolvidas.
• Como explicar e situar os efeitos marginais, efeitos retardados, efeitos indire
tos, efeitos mediados pelo meio e efeitos que passam despercebidos por seus
agentes.
• Como explicar e delinear interdependências entre situações de decisões indi
viduais e de tomadores de decisões, simultaneamente ou no decorrer do tempo
(TILLY, 1997b).
Neste estudo, concordo parcialmente com os racionalistas - particularmente
ao enfatizarem o modo como as mudanças nas oportunidades e restrições incitam
as pessoas à ação ou, por precaução, as levam à inatividade. Eu também afirmo que
os ciclos de confronto têm algo da lógica dos ciclos econômicos, com uma compe-
247
tição entre os desafiantes por uma reserva de apoiadores que ajuda a explicar a di
nâmica de um ciclo. Mas eu não seria capaz de fazer bons relatos sobre a emergên
cia, a dinâmica ou resultados dos movimentos sem ancorar minhas observações
em cenários históricos e institucionais específicos. Uma perspectiva que se opõe à
da escolha racional será especificada mais adiante.
Cultura e confronto
Nos últimos anos, estudiosos culturalistas, como John Foran (1993), Hank
Johnston (1995) e mais recentemente Eric Selbin (1997), ofereceram um conjunto
de respostas alternativas à questão da ação coletiva. De modo diverso do individua
lismo metodológico e do monismo teórico dos racionalistas, a sua perspectiva -
marcada por individualismo fenomenológico e sincretismo teórico - coloca uma
grande ênfase na narrativa, em como os atores definem suas situações e na cons
trução social. Selbin, em particular, recorre a uma abordagem fartamente acultura
da, sensível à singularidade da experiência individual, a diferentes formas de con
fronto e à "confusão" das interações humanas (1997).
Neste estudo, recorri de várias maneiras às percepções dos culturalistas, parti
cularmente em relação ao conceito de repertório, à noção de enquadramento inter
pretativo e à atenção dada à identidade coletiva e à difusão durante os ciclos. Mas
recuei diante do engodo de se interpretar todos os confrontos como lutas por sig
nificados. A atração - mas também o perigo - do construtivismo social é que ele
desvia a atenção dos contextos da construção dos significados, fora das redes so
ciais e das estruturas conectivas, não considerando as importantes ligações entre
as experiências imaginadas e as vividas (CASTELLS, 1997: 29). Como Beissinger,
em seu estudo sobre o nacionalismo (1996), focalizei os eventos que tornam o sig
nificado manifesto; como Sewell, ao estudar a tomada da Bastilha (1996), afirmei
que a cultura precisa estar inserida na mudança cultural; como Katzenstein, em
seu estudo sobre o movimento das mulheres na Igreja (1998), tentei mostrar como
as oportunidades políticas provocam respostas discursivas; e tal como Tilly, ao es
tudar reuniões contenciosas (1995a; 1995b), centrei minha atenção no que as pessoas
escolhem fazer quando agem coletivamente.
A realidade é de fato "confusa" - como Eric Selbin afirma com razão e como
muitos teóricos da escolha racional negam. Meu argumento em relação a esses
últimos é que substituir a confusão por teoremas de alcance genérico leva a um
nível de abstração tão alto que se produz pouca coisa que se possa usar por muito
tempo; enquanto que o meu desconforto em relação aos primeiros é que aceitar a
confusão e adotar a fenomenologia leva a narrativas ricas, mas desconectadas,
permitindo que se possa facilmente substituir as interpretações do observador
por aquelas do observado.
A suposição deste estudo é que a melhor maneira de reduzir a confusão não é
propor leis gerais relativas ao confronto, onde e quando ele ocorra, nem louvar a
248
particularidade, mas examinar o poder em movimento, cujo desenvolvimento his
tórico esboçamos na parte I e analisamos na parte II e III. Descobrimos mais ao
buscar um espaço intermediário entre as formulações não fundamentadas da teo
ria da escolha racional e as interpretações bem fundamentadas demais do cultura
lismo. Tentei fazê-lo usando um conjunto limitado de conceitos- oportunidades e
restrições, repertórios, quadros interpretativos e estruturas de mobilização, ciclos
e reação institucional. Vamos iniciar fazendo um resumo das descobertas produzi
das por esta abordagem antes de tratar de alguns problemas e questões.
249
seus interesses. Essas dificuldades se refletiam na natureza das reivindicações que
permaneceram, em sua maioria, diretas, paroquiais e segmentadas.
As sociedades que se formaram em torno de estados consolidados nos últimos
dois séculos proporcionaram mais conexões translocais, comunicações mais rápi
das, redes de associação mais densas e- especialmente- alvos e arenas para os gru
pos que sentiam que seus interesses estavam sendo prejudicados. No entanto, es
ses processos não foram interrompidos com a disponibilização de oportunidades
criadas pela construção do Estado. Para formar um movimento social, foi preciso
que os organizadores -vindos de associações pré-existentes ou surgindo da luta -
criassem pontos focais para os movimentos. O movimento social não foi um resul
tado automático da modernização, mas surgiu através do processo longo, ator
mentado, mas basicamente interativo, de formação do Estado, da cidadania e da
difusão dessas formas de interação no tempo e no espaço.
250
parcialmente construídos no confronto com os opositores. Eles são constituídos
também pelas interações no interior dos movimentos. Um dos principais fatores
que distingue movimentos bem-sucedidos dos fracassados é sua capacidade de li
gar entendimentos herdados ao imperativo em favor do ativismo.
A ação coletiva é quase sempre liderada por organizações, mas estas são algu
mas vezes beneficiárias, às vezes incitadoras e em outras vezes destruidoras da po
lítica popular. A controvérsia recorrente sobre as organizações produzirem ou su
primirem movimentos pode ser resolvida apenas se examinarmos as estruturas
menos formais a que recorrem- as redes sociais na base da sociedade e as estrutu
ras conectivas que ligam umas às outras. A sustentação de um movimento é o re
sultado de um equilíbrio delicado entre sufocar o poder em movimento por ofere
cer organização em demasia e deixar os seguidores se dispersarem sob a égide da
descentralização.
251
as elites e autoridades, os movimentos perdem sua fonte primária de poder. Por
breves períodos, o poder em movimento parece irresistível, mas ele rapidamente
se dissipa e assume inexoravelmente formas mais institucionais. Os detentores de
poder inteligentes exploram essas oportunidades, facilitando seletivamente alguns
movimentos e reprimindo ou ignorando outros.
Movimentos beligerantes
Quando o ex-Império Soviético desmoronou, os movimentos sociais violentos
estavam florescendo. No Oriente Médio e no norte da África, uma série de movi
mentos islâmicos militantes, inspirados pela Revolução Iraniana de 1979, desafia
ram tanto regimes seculares como o do Egito, como teocracias reais como a Arábia
Saudita. No norte da África, um movimento desse tipo assumiu o controle do Su
dão, enquanto outro lutou até a morte contra o governo da Argélia. Mas em ne
nhum lugar o seu triunfo foi mais eletrizante do que no Afeganistão, onde, após
uma luta sobre o espólio do finado regime socialista, as milícias fundamentalistas
entraram em guerra interna.
Não era só o fundamentalismo que gerava turbulências em meados dos anos
1990. Na África Central, uma guerra genocida em Ruanda, em 1994, produziu
uma migração em massa para os estados vizinhos e gerou uma guerra civil devasta
dora no Zaire, cuja liderança corrupta foi deposta em 1997. Em outra parte do
mundo, na Ásia do Sul, as ditaduras burmanesa e indonésia foram desafiadas por
movimentos pela democracia. Na América Latina, em 1994, uma rebelião em Chi
apas despertou a atenção mundial quando, em 1997, um desesperado movimento
de guerrilha manteve centenas de reféns na embaixada japonesa no Peru.
252
Os estudiosos dos movimentos sociais foram surpreendidos por esses eventos,
alguns aplicando mecanicamente modelos passados de mobilização aos novos de
safios e outros rejeitando completamente a herança da teoria dos movimentos so
ciais. A onda de conflitos étnicos e religiosos e a guerrilha e as guerras civis dos
anos 1990 foram um reflexo periférico das crises do capitalismo liberal e do socia
lismo de Estado? Há sinais perturbadores de que a síntese, no pós-guerra, de paz
social e de expansão econômica também estava terminando no coração do núcleo
capitalista Na Europa Ocidental, o problema corrente do nacionalismo católico na
Irlanda do Norte, o Flemish Vlamsblok, o Austrian Freedom Party e a violência
dos skinheads , todos estavam ganhando apoio daqueles que sofriam com o desem
prego crescente e que tinham fobia contra os imigrantes.
Os Estados Unidos também não tinham sido privados de tais "movimentos feios".
Embora os movimentos pela paz, das mulheres e ecológicos da década anterior es
tivessem menos em evidência, movimentos novos - e menos pacíficos - estavam se
organizando na América do Norte. A Christian Coalition, próxima do Partido Re
publicano, mas nunca sendo realmente absorvida por ele, foi capaz de influenciar a
plataforma daquele partido e afetar o seu processo de escolha de candidatos (USHER,
1 997). Nos estados do oeste e do sudoeste, militantes de movimentos contra o go
verno e milícias armadas desafiaram o governo federal, atacando tanto as igrejas
como as instituições judaicas. Em Waco, no Texas, os membros de uma seita reli
giosa foram queimados quando oficiais federais tentaram expulsá-los de um ran
cho. Em Oklahoma City, uma bomba, lançada com a intenção de desfechar um
golpe contra o Estado, destruiu um edifício federal e tirou a vida de centenas de ci
dadãos.
Mesmo na cível política ocidental, o surgimento de um espectro de "movimen
tos pela identidade" constituiu-se em herança ambígua para a política popular. Em
vez dos objetivos universalistas dos movimentos pelos direitos civis americanos,
os seus herdeiros lutam pela identidade e respondem ao deus da "diferença" - que
tem a óbvia vantagem de unir solidariedades, mas os defeitos de desperdiçar alian
ças e distanciar opositores. Ao olhar para dentro, ao invés de para fora, construir
redutos em espaços amistosos em vez de se aventurar em lugares contestados, os
movimentos que privilegiam a identidade ignoram oportunidades, se engajam em
exercícios estéreis de afirmarem-se como melhores do que outros [purer than thou]
e frequentemente acabam - no epigrama pungente de Todd Gitlin - "marchando
em frente ao Departamento de Inglês, enquanto que a direita toma a Casa Branca"
(1995, cap. 5).
***
Nos anos 1990, a expansão e os dramáticos triunfos dos violentos, fechados
em si e sectários movimentos pela identidade refletem os poderes do movimento
que descrevi neste livro. Mas também levantam questões perturbadoras para a teo-
253
ria dos movimentos sociais sobre o aumento da violência, o recrudescimento do
conflito étnico, o declínio da civilidade e a internacionalização do conflito.
Além disso, nos fazem questionar até que ponto permitimos que os exemplos dos
movimentos cívicos do Ocidente dos anos 1960 conformassem nossos modelos
(McADAM; TARROW & TILLY, 1 997). Alguns entre os que estudam o nacionalis
mo, o conflito étnico e o terrorismo concluíram que esses modelos são simples
mente irrelevantes no mundo pós-1989. Mas, se nossas teorias são boas de alguma
forma, elas deveriam dar sugestões sobre a dinãmica causal dos diferentes tipos de
movimento. Além disso, à medida que o mundo se aproxima de um novo século,
outras tendências são mais conhecidas.
Confronto contido *
Em seu excelente livro sobre a política cidadã, Russel Dalton escreve sobre os
resultados de sua pesquisa em quatro democracias liberais do Ocidente (Estados
Unidos, Inglaterra, Alemanha e França):
Em cada nação, as atividades políticas não-convencionais são mais comuns no
fim do período da pesquisa (1974-1990) do que no início [ ... ] . O protesto está se
tornando uma atividade política mais comum nas democracias industriais avança
das (1996: 7 5).
Essas mudanças não foram lineares nem iguais em todos os países. Mas, em lu
gares tão diferentes entre si como a pacífica Suíça e a turbulenta Itália, a magnitude
do confronto era mais elevada no fim do ciclo de protesto dos anos 1960 do que no
seu começo (KRIESI, 1985; TARROW, 1989a). E quando Kriesi e seus colaborado
res examinaram a tendência de "novos" movimentos sociais dos anos 1 970 e 1980
nos países da Europa Ocidental, três desses países tiveram ciclos de protesto com
forma similar ao dos anos 1960. No fim dos anos 1 980, a Alemanha, a Holanda e a
Suíça vivenciaram um número maior de protestos realizados por novos movimen
3
tos sociais do que em meados dos anos 1970 (KRIESI et al., 1 995 : 74) .
Além de ser mais frequente, o confronto político parece ser empregado atual
mente por uma maior variedade de organizações e abranger um número mais varia
do de pessoas do que há trinta anos atrás. Particularmente nos Estados Unidos,
* Grande parte do raciocínio nesta e na próxima seção, e alguns elos dados relatados, são baseados na
introdução de A Movement Society ? - Contentious Politicsfor a New Century, de David Meyer e Sidney
Tarrow.
3. A exceção era a França, tanto porque o "ciclo" de atividade ele um novo movimento social veio
mais cedo no período de quinze anos de Kriesi como porque a cooptação de um número de organiza
ções de movimentos pelo governo liderado pelos socialistas no início dos anos 1980 viu uma redução
generalizada de protestos em meados da mesma década. Para um estudo mais detalhado, baseado nos
mesmos dados, ver Le poids du politique, dejan Willem Duyvendak.
254
mas também na Europa Ocidental, houve um aumento dramático do estabeleci
mento de organizações de defesa de interesses, que afirmam apoiar "questões dis
tantes" , populações excluídas ou o "interesse público. " Tais organizações sempre
combinam o ativismo institucional com atividades mais contenciosas (MINKOFF,
1994; WALKER, 1 99 1 ) . Mesmo as mais antigas - como os acomodados grupos
conservacionistas nos Estados Unidos ou os outrora submissos sindicatos alemães -
tiveram um aumento da atividade de protesto.
Desde os anos 1960, novos atores sociais estão cada vez mais visíveis nas ativi
dades de protesto. Os bretões de classe média, protestando contra novas estradas
ou contra o barbarismo da caça, motoristas de caminhão bloqueando as estradas
pela aposentadoria precoce na França, padres católicos e ministros protestantes fa
zendo demonstrações em favor da paz nos Países Baixos, lojistas protestando con
tra cobranças de impostos mais rigorosas na Itália: ao lado disso, os grupos tradi
cionais de protesto, como os estudantes, camponeses e operários, eram persona
gens familiares no confronto político dos anos 1990.
A mudança mais surpreendente foi em relação ao gênero. Embora os homens
ainda protestassem mais do que as mulheres, "há uma evidência" , escreve Dalton,
"de que este padrão está mudando , com uma diminuição dos papéis específicos de
cada gênero" ( 1996: 78) . Considerem os protestos mais dramáticos nos Estados
Unidos nas últimas duas décadas: das campanhas Anti-ERA de Phyllis Schlafly e
Mothers against Drunk Driving nos anos 1980 até os bloqueios antiaborto e a Gay
and Lesbian March em Washington em 1993, as mulheres têm estado mais visíveis
e cada vez mais presentes em papéis de liderança. Na América Latina, alguns dos
protestos mais notáveis contra o governo militar, a tortura e os desaparecimentos
de pessoas foram preparados por grupos de mães e também na Inglaterra o protes
to Greenham Common contra os armamentos nucleares foi organizado exclusiva
mente por mulheres.
Convenção e confronto
Mas, à medida que alcançamos um novo século, o confronto está se tornando
mais complexo e isso não significa apenas um acréscimo quantitativo na sua mag
nitude ou uma extensão para novos atores. Primeiro, na maioria dos países ociden
tais, os acréscimos relatados de participação em protestos, entre os anos 1 9 70 e
1990, eram maiores nas formas menos contenciosas de ação coletiva - petições e
demonstrações pacíficas - enquanto que as formas mais contenciosas (por exem
plo, ocupações de edifícios e violência política) aumentaram apenas ligeiramente
(DALTON , 1 996: 76) . Nos Estados Unidos, o uso da violência política caiu drama
ticamente entre o início dos anos 1970 e o fim dos anos 1980 (GURR, 1989) , tor
nando um incidente dramático ocasional, como a bomba de Oklahoma City, muito
mais chocante. Entre os países dos quais temos informações comparáveis, apenas
na Alemanha Ocidental as formas de ação mais contenciosas parecem ter crescido
255
entre os anos 1960 e o fim dos anos 1980 - e isso era verdade apenas em relação aos
+
"novos" movimentos, como o movimento pela paz .
Além disso, a "aceitação" pelo público em geral da legitimidade do protesto está
restrita a uma estreita faixa de atividades de protesto e decaiu na maioria dos países
analisados por Dalton (cf. CROZAT, 1998). Desde os anos 1960, a Alemanha foi o
único país ocidental em que a aprovação de ações mais contenciosas cresceu, en
quanto que na Itália isso foi dramaticamente revertido (comparar CROZAT ( 1998)
com RUCHT ( 1998b)). Em geral, as evidências da Europa e dos Estados Unidos su
gerem que a quantidade de formas de ação acentuadamente contenciosas, aceitas e
realmente usadas pelos cidadãos ocidentais, parecem estar mais circunscritas do que
eram há duas décadas. O que tem crescido, seja em termos relativos como absolutos,
são as formas pacíficas associadas com o que chamamos de "repertório convencio
nal" no cap. 6 - especialmente petições e demonstrações pacíficas.
Finalmente, mesmo que o protesto tenha se expandido para novos setores da
população, a militância - que entendo como ativismo regular em organizações de
movimentos sociais - declinou. Isso pode ser parte de uma tendência mais geral à
privatização, descrita por Robert Putnam como um declínio de "capital social" em
países como os Estados Unidos ( 1995). Mas tal declínio é encontrado até na Fran
ça, onde as atividades de protesto estão - se estiverem - aumentando (ION, 1997).
Portanto, aqui está um quebra-cabeça para os futuros movimentos sociais: como
reconciliar o aumento e a difusão das atividades de protesto, por mais que sejam
suaves e convencionais, com este declínio da militância? Aqui vai uma hipótese.
Diferenciando o ativismo
O declínio da massa militante não significa um declínio do movimento social
clássico, mas parece realmente refletir um declínio na organização do movimento
tradicional e uma diferenciação nas outras formas de movimento descritas no cap.
8. À medida que as organizações de movimentos de massa declinam em número e
militância, grupos de autoajuda, comunidades de propósitos, organizações de ser
viços, partidos e grupos de interesse com uma vocação para movimento torna
ram-se mais proeminentes. Embora cada novo ciclo de confronto ressuscite as or
ganizações de movimentos de massa, estas logo se mostram instáveis e sujeitas à
divisão, o que eventualmente ocorre em várias direções.
Logo depois dos anos 1960 nos Estados Unidos, e um pouco mais tarde na Euro
pa Ocidental, houve um amplo desenvolvimento dos grupos de interesse público e
4. Estes achados vieram dos resultados de um estudo dirigido por Dieter Rucht no Wissenschaft
szentrum-Berlim. Para um primeiro relato ver o seu texto "The Structure and Culture of Collective
Protest", onde ele constata um aumento nas formas de protesto demonstrativas, de confronto e vio
lentas no movimento pela paz na Alemanha Ocidental entre os anos 1950 e 1980 (ver a sua tahela 5).
256
de partidos com vocação para movimentos. Se o grupo de interesse público é mais tí
pico nos Estados Unidos, enquanto que os Verdes são mais centrais na Europa Oci
dental, isso é provavelmente o resultado de diferenças nos sistemas eleitorais. Os
dois subtipos compartilham muitas características: uma profissionalização da lide
rança, orientação dominante em relação às autoridades públicas e, na melhor das hi
póteses, seus apoiadores adotam formas passivas de participação de massa.
A importãncia desses grupos pelo interesse público não deveria ser desprezada
pelos que buscam formas "puras" de movimento. Quase sempre um treinamento
para futuros ativistas, eles servem como "casas de transição do movimento" e são
fontes de habilidades, informação e comunicação para as campanhas de protesto
que grupos mais militantes não poderiam fazer por si mesmos. Especialmente nos
períodos de calmaria entre os ciclos de confronto, eles ajudam a manter vivos os
temas que os movimentos colocam na agenda, ensinando técnicas e provendo re
cursos para os aliados.
Ao mesmo tempo, algumas formas de ação deixam a participação no processo
político em favor do ativismo na sociedade. Uma das tendências envolve a partici
pação direta e busca, entre outras coisas, o desenvolvimento pessoal dos seus
membros. Tais formas de ação abrangem desde o movimento comunal nos Estados
Unidos, passam por um amplo espectro de grupos de apoio e de autoajuda e vão
até a educação em casa e o despertar de consciências. Embora não visem direta
mente a mobilização (de fato, são quase sempre vistos como uma alternativa a ela),
tais grupos podem manter o consenso em torno dos objetivos do movimento, as
sim como fornecer serviços e oportunidades para o autodesenvolvimento. Em ins
tituições tão diversas como a Igreja Católica norte-americana e os sindicatos da
Europa Ocidental, "coletivos" e grupos pelo despertar da consciência ajudam a
manter o ativismo vivo durante períodos de baixa mobilização.
Outra forma de organização ligada a movimentos, como o setor autônomo que
se desenvolveu a partir dos movimentos de 1968, na Alemanha, fornecem serviços
profissionais para públicos mais amplos. Num nível internacional, um conjunto
muito disperso de grupos de apoio e associações de solidariedade fornecem serviços
de saúde, assessoria técnica e solidariedade às populações do Terceiro Mundo- tra
balhando algumas vezes em parceria com seus governos e algumas vezes com gru
pos internos. No Ocidente, um movimento verde ligado ao consumo e visando a so
lidariedade está ganhando terreno para distribuir os produtos dos camponeses e ar
tesãos do Terceiro Mundo sem a participação de intermediários que visam lucros.
Finalmente, os movimentos de massa do passado não desapareceram, mas
adaptaram suas formas às mudanças na sociedade. Nas últimas duas décadas, vi
mos o desenvolvimento de redes frouxas e descentralizadas de ativistas e líderes
que organizam coalizões em torno de campanhas específicas e fazem exigências às
autoridades políticas. Mesmo que promovam ideologias de espontaneidade, o nú
cleo desses movimentos é altamente profissional. Eles não são partidos de massa
257
ou organizações burocráticas de movimentos de massa, mas assumem a forma de
campanhas de coalizões, lideradas por pequenos núcleos de organizadores mobili
zando um número muito maior de cidadãos esporadicamente ativos.
O "novo" nesses movimentos não é serem espontâneos em comparação com
seus predecessores, que eram "organizados", ou fazerem "reivindicações em tomo
da identidade" frente às reivindicações supostamente "instrumentais" dos "anti
gos" movimentos sociais ou até que usem rotineiramente formas de ação não-con
vencionais (de fato, eles usam principalmente petições convencionais e demons
trações pacíficas). O que é novo é terem mais recursos discricionários, terem aces
so mais fácil à mídia, terem uma mobilidade geográfica e interações culturais são
mais baratas e mais rápidas e poderem recorrer à colaboração de tipos diferentes de
organizações ligadas a movimentos para campanhas temáticas organizadas rapida
mente em torno de um tema. Neste sentido, o declínio do antigo movimento de
massa centralizado foi um benefício, mais que um custo, para o movimento social.
Segue-se uma inovação específica que depende desses recursos.
Confronto transnacional
Na maioria dos períodos da história em que este estudo se apoiou, os movi
mentos sociais nacionais dominaram o confronto político. Isso se deveu à crescen
te predominância do Estado nacional consolidado, tanto em relação às formas an
teriores de Estado como às unidades territoriais menores que ele incorporou. Mas,
em algum momento, em meados do século XX, os estados nacionais começaram a
ser desafiados - por impérios baseados no Estado e ligados pela ideologia e pelo
poder militar, por identidades subestatais mobilizadas e por entidades transnacio
nais, como as corporações multinacionais.
A televisão, as viagens aéreas baratas e a comunicação eletrõnica estão aceleran
do o processo de desintegração do Estado? Em lugares tão distantes como a Europa
Oriental e Pequim em 1989, Chiapas em 1994 e as campanhas feitas em alto-mar
pelo Greenpeace, a comunicação eletrõnica e os grupos de ativistas que se movem
transnacionalmente desempenham um papel crítico em desafiar a autonomia do
Estado. O seu futuro como movimentos sociais ainda não é claro, mas essas mudan
ças recentes certamente aceleraram os processos de difusão transnacional e deram
aos organizadores novas armas de mobilização. Esta foi a questão levantada no capí
tulo anterior, questão que - nesta fase da história mundial - seria tolice tentar res
ponder, pois envolve nada menos do que a instituição do Estado nacional soberano.
Movimentos e instituições
Em vários pontos deste estudo, vimos que os movimentos interagem estreita
mente com as instituições. Não é apenas uma questão de desafiar instituições -
embora esta seja a imagem principal cultivada pelos movimentos sociais -, mas
também de colaborar com atores institucionais e, em vários momentos, de ganhar
258
apoio das instituições. Quando, no cap. 10, comparamos o fracasso do movimento
estudantil de 1968 com o sucesso do movimento das feministas americanas, vemos
que este certamente contou com colaboração e participação institucionais.
Mas a participação institucional é uma faca de dois gumes. Os movimentos so
ciais muito alienados das instituições se arriscam ao isolamento e sectarismo; mas
aqueles que colaboram demais com elas e absorvem suas rotinas institucionais po
dem tornar-se imbuídos de sua lógica e de seus valores. Este é um perigo que ob
servamos no caso nas redes transnacionais de ativismo , que frequentemente são
chamadas de "movimento" e recebem ajuda financeira de fundações, estados na
cionais e organizações internacionais. Se elas irão fortalecer movimentos domésti
cos fracos ou permanecer como redes de elite desconectadas é uma grande questão
que os estudiosos dos movimentos sociais e também os estados que elas visam te
rão que observar cuidadosamente.
Alguns tipos de instituições parecem facilitar mais os movimentos do que ou
tras. Repetidas vezes, vimos como os estados centralizados tendem a estruturar o
protesto em nível nacional, enquanto que os federalistas fornecem lugares alternati
vos para a atividade do movimento e "buscam lugares mais receptivos para a apre
sentação de demandas" [ venue shopping] . Ao tentar suprimir o protesto, os estados
autoritários também o radicalizam, expondo-se a um perigo maior do que os estados
democráticos quando as oportunidades se abrem e as restrições perdem a força,
como vimos nos casos da ex-União Soviética e da Europa Centro-Oriental desde
1989. Embora os estados democráticos tornem as coisas mais fáceis para os desafian
tes, a própria facilidade da mobilização - aumentada pelas reformas na prática poli
cial desde os anos 1960 - abranda a capacidade do movimento produzir rupturas.
Nos estados democráticos, os movimentos aprenderam a combinar a ação ins
titucional e a extrainstitucional. Considere um grupo tão disruptivo como o
Act-Up: paralelamente aos "rápidos e violentos ataques" que atormentam os oposi
tores do movimento e as demonstrações em que as pessoas se fingem de mortas em
espaços públicos em favor das vítimas da Aids, os ativistas do Act-Up mantêm co
mitês especializados, grupos para cuidar dos seus assuntos diários, comitês de
pressão e de coordenação (ERNST, 1997: 17). Se a alternãncia de tais movimentos
entre práticas institucionais e não-institucionais está levando a uma sociedade
mais turbulenta ou à domesticação dos movimentos é a grande questão da atuali
dade para os estudiosos de movimentos sociais.
Nos últimos duzentos anos, tem havido uma tendência civilizadora lenta, irregu
lar, mas inexorável na natureza do confronto e nos meios do Estado para controlá-lo.
À medida que os repertórios modulares ligaram os movimentos sociais ao Estado, as
fonnas violentas e diretas de ataque foram sendo cada vez mais substituídas pelo po
der do número de demandantes, pela solidariedade e por um diálogo informal entre os
259
estados e os movimentos. O ciclo dos anos 1960, com seu baixo nível de violência e o
emprego da ação não-violenta, foi a apoteose dessa tendência. Mas as guerras de guer
rilhas, a tomada de reféns, as bombas e os conflitos étnicos das últimas duas décadas
devem nos fazer conjecturar se a tendência a um repertório pacífico não foi nada mais
do que um pequeno parênteses que está sendo agora revertido.
Grande parte da violência ocorre no hemisfério empobrecido, mas os cidadãos
dos países ocidentais não podem se sentir superiores quando contemplam os acon
tecimentos violentos no mundo não-ocidental. As crenças puritanas, para não fa
lar dos métodos violentos, do islamismo militante ou do nacionalismo integral,
têm uma semelhança espantosa com tendências recentes na cultura ocidental: os
ministros religiosos politizados, que pregam a intolerãncia nos programas de tele
visão das manhãs de domingo; os "salvadores" de fetos não-nascidos que se recu
sam a reconhecer o direito das mulheres à liberdade de reprodução; os ataques or
todoxos aos valores seculares na educação e na vida pessoal e os movimentos pela
identidade que proclamam a superioridade de suas nações ou raças. Os métodos
são bem diferentes, mas quão afastados estão os movimentos como o National
Front francês ou as milícias americanas dos fanáticos do Party of God?
Os cidadãos dos estados modernos já passaram por tais "momentos de loucu
ra". É suficiente lembrar que várias cabeças foram exibidas na ponta de espetos du
rante a grande revolução democrática francesa para encontrar paralelos para a vio
lência e intolerância que emergiram nos anos 1990. A preocupação criada por es
sas revoltas mais recentes é que - se uma "sociedade de movimentos" está se de
senvolvendo a partir das mudanças sociais, econõmicas e culturais do final do sé
culo XX - ela terá uma valência cultural mais ampla e uma difusão global mais rá
pida do que os movimentos que irromperam em Boston em 1765, em Paris em
1 789 e 1848 e nos protestos não-violentos dos anos 1960.
Está a ordem do mundo novo, que se supunha ser resultado da liberação de
1989, voltando-se para a violência e desordem permanentes? O fato dos recursos
para o confronto violento serem tão amplamente acessíveis, as identidades integra
listas tão disseminadas e os militantes tão livres de restrições nacionais está fazen
do surgir uma sociedade de movimentos permanente e violenta? Ou a onda cor
rente de movimentos étnicos e religiosos irá amadurecer parcialmente, será parci
almente domesticada e parcialmente mediada pelo processo político como nos ci
clos anteriores de confronto?
A violência e a intolerância no fim do século são uma tendência assustadora.
Mas esta não é a primeira grande onda de movimentos na história e nem será a últi
ma. Se a sua dinâmica vier a se parecer com a do confronto político que encontra
mos neste livro, o seu poder será inicialmente feroz, descontrolado e amplamente
disseminado, mas, no fim, efêmero e institucionalizado. Se assim for, tal como as
ondas de movimentos anteriores, ela se dispersará "como a maré cheia que revolve
muito o solo, mas deixa depósitos aluviais em seu rastro" (ZOLBERG, 1972: 206).
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