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PROTOCOLOS DE OBSTETRÍCIA

E MEDICINA MATERnO-FETAL

Coordenação

Diogo Ayres de Campos


Luísa Pinto

Lidel – Edições Técnicas, Lda


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ISBN edição impressa: 978-989-752-801-9
1.ª edição impressa: outubro 2022
Data de comercialização: fevereiro 2023
Paginação: Carlos Mendes
Impressão e acabamento: Tipografia Lousanense, Lda. – Lousã
Dep. Legal: n.º 504804/22
Capa: José Manuel Reis

Ilustrações: Joana Parente


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ÍNDICE

Autores............................................................................................................................... XI
Introdução........................................................................................................................ XIX
Siglas e abreviaturas ................................................................................................... XXI

PARTE I – VIGILÂnCIA DE ROTInA DA GRAVIDEZ


1 Datação da Gravidez ............................................................................................... 3
Diogo Ayres de Campos, José Carlos Ferreira
2 Vigilância Pré-Natal de Rotina ............................................................................. 5
Mariana Pimenta, Luísa Pinto, Cláudia Milhinhos, Diogo Ayres de Campos
3 Rastreio de Aneuploidias....................................................................................... 13
Susana Rego, Rui Marques de Carvalho
4 Rastreio de Pré-Eclâmpsia ..................................................................................... 15
Joana Goulão Barros, Rui Marques de Carvalho
5 Idade Materna Avançada....................................................................................... 17
Maria Pulido Valente, Rui Marques de Carvalho
6 Antecedentes Obstétricos Relevantes............................................................... 19
Cristiana Marinho Soares, Inês Martins

PARTE II – COMPLICAÇÕES QUE OCORREM PREDOMInAnTEMEnTE nO 1.º T RIMESTRE


7 Aborto e Gravidez Não Evolutiva do 1.º Trimestre ....................................... 25
Diogo Ayres de Campos
8 Aborto Sético............................................................................................................. 29
Cristiana Marinho Soares, Andreia Fonseca
9 Interrupção Voluntária da Gravidez................................................................... 31
Rui Marques de Carvalho
10 Aborto Recorrente ................................................................................................... 35
Rita Rosado, Luísa Pinto
11 Gravidez Ectópica..................................................................................................... 37
Maria Pulido Valente, Maria de Carvalho Afonso
12 Doença Trofoblástica Gestacional....................................................................... 42
Inês Martins, Cláudia Araújo
13 Hiperemese Gravídica............................................................................................. 47
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Alexandra Meira, Alexandra Henriques

PARTE III – SITUAÇÕES PRÓPRIAS DA GRAVIDEZ QUE OCORREM


PREDOMInAnTEMEnTE nO 2.º E 3.º T RIMESTRES

14 Encarceramento Uterino........................................................................................ 53
Maria Pulido Valente, Cristiana Marinho Soares, Susana Santo
VI Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

15 Insuficiência Cervical............................................................................................... 55
Sílvia Serrano, Maria de Carvalho Afonso
16 Colo Curto................................................................................................................... 57
Maria de Carvalho Afonso, Diogo Ayres de Campos, Luísa Pinto
17 Ciclorrafia Cervical por Via Transvaginal .......................................................... 60
Joana Goulão Barros, Maria de Carvalho Afonso
18 Parto Pré-Termo Espontâneo e Tocólise ........................................................... 65
Diogo Ayres de Campos, Luísa Pinto
19 Hipertensão Gestacional, Pré-Eclâmpsia e Síndrome de HELLP .............. 69
Inês Martins, Joana Goulão Barros, Diogo Ayres de Campos
20 Placenta Prévia e de Inserção Baixa................................................................... 75
Diogo Ayres de Campos, Luísa Pinto
21 Descolamento Prematuro da Placenta.............................................................. 78
Luísa Pinto, Diogo Ayres de Campos
22 Gravidez Múltipla – Vigilância Pré-Natal e Complicações.......................... 80
Andreia Fonseca, Mónica Centeno
23 Rotura Prematura de Membranas....................................................................... 87
Inês Martins, Diogo Ayres de Campos, Luísa Pinto
24 Macrossomia Fetal ................................................................................................... 91
Catarina Policiano, Cláudia Araújo
25 Polihidrâmnios........................................................................................................... 93
Sara Vargas, Susana Santo
26 Colestase Gravídica.................................................................................................. 96
Rita Mendes Silva, Diogo Ayres de Campos
27 Isoimunização Rh (D) – Prevenção e Abordagem......................................... 99
Andreia Fonseca, Susana Santo
28 Hidrópsia Fetal Não Imune .......................................................... 103
Maria Pulido Valente, Maria de Carvalho Afonso
29 Restrição de Crescimento Fetal .................................................... 107
Joana Goulão Barros, Rui Marques de Carvalho
30 Arritmias Cardíacas Fetais ........................................................... 111
Susana Santo, Mónica Rebelo
31 Morte Fetal .............................................................................. 115
Susana Rego, Rui Marques de Carvalho, Luísa Pinto, Diogo Ayres de Campos,
Cristina Ferreira
32 Interrupção Médica da Gravidez ................................................... 121
Mariana Pimenta, Inês Francisco Pereira

PARTE IV – DOEnÇAS MATERnAS COEXISTEnTES


33 Obesidade e Excesso de Peso.............................................................................. 127
Andreia Fonseca, Cláudia Araújo
34 Cirurgia Bariátrica Prévia........................................................................................ 129
Catarina Policiano, Cláudia Araújo
35 Hipertensão Arterial Crónica................................................................................ 132
Inês Martins, Joana Goulão Barros, Diogo Ayres de Campos
Índice VII

36 Anemia ................................................................................... 135


Rita Mendes Silva, Luísa Pinto
37 Hemoglobinopatias .................................................................... 140
Catarina Policiano, Luísa Pinto
38 Trombocitopenia ....................................................................... 145
Laura Cruz, Mónica Centeno
39 Tromboembolismo Venoso – Profilaxia ......................................... 148
Catarina Reis de Carvalho, Luísa Pinto
40 Tromboembolismo Venoso – Tratamento ......................................... 152
Catarina Reis de Carvalho, Luísa Pinto
41 Diabetes Prévia ......................................................................... 156
Mónica Centeno, Maria Inês Alexandre, Ana Coelho Gomes
42 Diabetes Gestacional .................................................................. 160
Mónica Centeno, Maria Inês Alexandre, Ana Coelho Gomes
43 Cetoacidose Diabética ................................................................ 164
Mónica Centeno, Joana Sousa, Maria Inês Alexandre, Ana Coelho Gomes
44 Hipo e Hipertiroidismo................................................................ 166
Catarina Reis de Carvalho, Mónica Centeno, Ana Coelho Gomes,
Maria Inês Alexandre
45 Dermatoses .............................................................................. 170
Sara Rodrigues Pereira, Andreia Fonseca
46 Epilepsia.................................................................................. 175
Alexandra Meira, Cláudia Araújo, Isabel Loução de Amorim
47 Esclerose Múltipla...................................................................... 178
Alexandra Meira, Cláudia Araújo, Pedro Coelho, João Dias Ferreira
48 Miastenia Gravis ........................................................................ 181
Mariana Pimenta, Cláudia Araújo
49 Hepatite Autoimune ................................................................... 184
Cláudia Araújo
50 Lúpus Eritematoso Sistémico e Síndrome de Sjögren ......................... 186
Mónica Centeno, Luísa Pinto, Susana Capela
51 Síndrome de Anticorpos Antifosfolípidos ......................................... 190
Luísa Pinto, Mónica Centeno
52 Infeções do Trato Urinário ........................................................... 193
Rita Mendes Silva, Luísa Pinto
53 Cólica Renal ............................................................................. 197
Laura Cruz, Diogo Ayres de Campos
54 Lesão Renal Aguda ..................................................................... 199
Luísa Pinto, Estela Nogueira
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55 Doença Renal Crónica............................................................................................. 201


Luísa Pinto, Estela Nogueira
56 Síndrome Gripal........................................................................................................ 206
Maria Pulido Valente, Diogo Ayres de Campos, Maria Jesus Morgado
57 Hepatites Víricas........................................................................................................ 208
Inês Martins, Luísa Pinto
VIII Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

58 Citomegalovírus ........................................................................ 214


Teresa Loureiro, Luísa Pinto
59 Parvovírus B19 .......................................................................... 217
Sara Rodrigues Pereira, Mónica Centeno
60 Sífilis ...................................................................................... 219
Maria Pulido Valente, Luísa Pinto
61 Toxoplasmose ........................................................................... 223
Rita Mendes Silva, Luísa Pinto
62 Varicela................................................................................... 227
Rita Rosado, Andreia Fonseca, Cláudia Araújo
63 Herpes Simplex ......................................................................... 231
Laura Cruz, Mónica Centeno
64 Tuberculose ............................................................................. 234
Ana Dagge, Mónica Centeno
65 Perturbações do Humor e da Ansiedade ......................................... 238
Laura Cruz, Mónica Centeno, Gabriela Andrade, Beatriz Côrte-Real,
Luís Câmara Pestana
66 Neoplasia Intraepitelial Cervical ................................................... 243
Rita Rosado, Ana Gomes da Costa, Anabela Colaço
67 Vulvovaginites .......................................................................... 246
Catarina Paulo de Sousa, Luísa Pinto
68 Massas Anexiais ......................................................................... 249
Nuno Simões Costa, Inês Reis
69 Cirurgia Não Obstétrica .............................................................. 252
Nuno Simões Costa, Inês Reis
70 Abdómen Agudo ........................................................................ 255
Catarina Policiano, Joaquim Nunes

PARTE V – CUIDADOS PERIPARTO


71 Corticosteroides para Indução da Maturidade Fetal ........................... 261
Diogo Ayres de Campos, Luísa Pinto
72 Neuroproteção Fetal com Sulfato de Magnésio ................................. 263
Diogo Ayres de Campos, Luísa Pinto
73 Versão Cefálica Externa .......................................................................................... 265
Maria de Carvalho Afonso, Diogo Ayres de Campos, Luísa Pinto
74 Indução do Trabalho de Parto e Maturação Cervical .................................. 267
Maria de Carvalho Afonso, Susana Santo
75 Cuidados de Rotina Durante o Trabalho de Parto........................................ 272
Diogo Ayres de Campos, Isabel Vital, Filipa Lança, Graça Oliveira
76 Parto Vaginal após Cesariana ............................................................................... 280
Maria de Carvalho Afonso, Diogo Ayres de Campos, Luísa Pinto
77 Streptococcus do Grupo B – Prevenção da Infeção Neonatal ................... 282
Maria Pulido Valente, Maria de Carvalho Afonso
78 Endocardite Bacteriana – Profilaxia Periparto................................................ 284
Margarida Cal, Diogo Ayres de Campos
Índice IX

79 Virus da Imunodeficiência Humana – Prevenção da Transmissão


Vertical Periparto ...................................................................... 285
Catarina Reis de Carvalho, Luísa Pinto
80 Ocitocina na Indução e Aceleração do Trabalho de Parto .................... 288
Maria de Carvalho Afonso, Diogo Ayres de Campos
81 Febre Intraparto e Corioamnionite ................................................ 291
Laura Cruz, Diogo Ayres de Campos, Luísa Pinto
82 Trabalho de Parto Estacionário ..................................................... 293
Diogo Ayres de Campos
83 Cardiotocografia – Interpretação................................................. 295
Catarina Reis de Carvalho, Diogo Ayres de Campos
84 Hipoxia Fetal e Tocólise Aguda ..................................................... 299
Diogo Ayres de Campos, Catarina Reis de Carvalho
85 Parto Instrumentado .................................................................. 303
Maria Pulido Valente, Maria de Carvalho Afonso
86 Parto Pélvico Vaginal e Retenção de Cabeça Última .......................... 306
Andreia Fonseca, Diogo Ayres de Campos
87 Parto na Gravidez Múltipla e Parto Diferido..................................... 311
Catarina Policiano, Mónica Centeno
88 Cesariana ................................................................................ 315
Susana Santo, Diogo Ayres de Campos
89 Gasimetria Umbilical .................................................................. 319
Catarina Reis de Carvalho, Diogo Ayres de Campos
90 Lacerações Perineais .................................................................. 321
Sara Rodrigues Pereira, Susana Santo
91 Exame Anátomo-Patológico da Placenta – Indicações ...................... 324
Rita Rosado, Susana Santo, Joana Almeida Tavares
92 Acretismo Placentário ................................................................ 326
Susana Rego, Maria de Carvalho Afonso, Diogo Ayres de Campos

PARTE VI – CUIDADOS PUERPERAIS


93 Cuidados Maternos de Rotina no Puerpério...................................... 333
Margarida Cal, Maria do Céu Santo, Fátima Horta, Mariana Ferreira, Filipa Lança,
Graça Oliveira
94 Complicações da Amamentação .................................................... 338
Susana Rego, Maria do Céu Santo
95 Febre Puerperal ........................................................................ 343
Marina Gato, Mónica Centeno
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96 Mastite e Abcesso Mamário .......................................................... 346


Catarina Reis de Carvalho, Paulo Santos
97 Complicações da Ferida Perineal .................................................. 349
Rita Rosado, Maria do Céu Santo
98 Complicações da Cicatriz de Cesariana........................................... 352
Rita Rosado, Maria do Céu Santo
X Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

99 Defeito da Cicatriz de Cesariana ................................................... 355


Maria Pulido Valente, Sara Vargas, Joana Goulão Barros, Ana Luísa Ribeirinho

PARTE VII – E MERGÊnCIAS O BSTÉTRICAS


100 Prolapso do Cordão Umbilical ....................................................... 359
Maria Pulido Valente, Diogo Ayres de Campos
101 Eclâmpsia ................................................................................ 361
Inês Martins, Joana Goulão Barros, Diogo Ayres de Campos
102 Distocia de Ombros .................................................................... 363
Maria de Carvalho Afonso, Diogo Ayres de Campos
103 Hemorragia Pós-Parto Precoce ..................................................... 368
Diogo Ayres de Campos, Filipa Lança
104 Inversão Uterina ........................................................................ 374
Laura Cruz, Maria Carlota Cavazza, Teresa Loureiro
105 Paragem Cardiorrespiratória ........................................................ 377
Catarina Reis de Carvalho, Diogo Ayres de Campos

Índice Remissivo ............................................................................... 383


Vigilância de Rotina
da Gravidez I
DATAÇÃO DA GRAVIDEZ 1
DIOGO AYRES DE CAMPOS , J OSÉ CARLOS FERREIRA

INTRODUÇÃO
A datação correta da gravidez é um aspeto essencial para a decisão clínica em
Obstetrícia, particularmente em situações de interrupção da gravidez, perivia-
bilidade, prematuridade e no termo da gravidez. Classicamente, a datação da
gravidez realiza-se contando os dias que decorreram desde o primeiro dia da
última menstruação (data da última menstruação ou DUM) e dividindo por 7, de
forma a ser expressa em semanas e dias. No entanto, a datação por DUM é por
vezes incerta, sendo preferível que seja realizada por ecografia, calculando-se
a chamada idade gestacional ecográfica (IGE). A datação por IGE realizada por
ecografistas experientes entre as 8 e as 14 semanas de gestação (IGE precoce)
é comprovadamente precisa na sua estimativa, tendo uma margem de erro geral-
mente inferior a 5 dias. Quando a experiência do ecografista é menor ou quando
é realizada após as 14 semanas (IGE tardia) está associada a avaliações menos
precisas e com erros que podem ser clinicamente relevantes. O presente proto-
colo estabelece os critérios a seguir para uma datação o mais correta possível
da gravidez. Sempre que se explicita o tempo de gestação em semanas e dias
deve ser descrito o método de cálculo: por DUM certa, por IGE precoce, por IGE
tardia, de forma a transmitir-se informação sobre a segurança desta datação.

DATAÇÃO DA GRAVIDEZ POR DUM CERTA


Aplica-se às situações onde a grávida (todas as alíneas necessárias):
a) Tem a certeza da data do primeiro dia da última menstruação;
b) Tem menstruações regulares, com interlúnios de 28 a 31 dias;
c) Não fez qualquer contraceção hormonal nos 2 meses antes de engravidar.
Nestas situações, não deve haver correção ecográfica da datação da gravidez
por DUM, exceto quando existe uma diferença ≥5 dias para a IGE calculada
por medição do comprimento craniocaudal (CCC) do embrião/feto, realizado por
ecografista experiente entre as 8 e as 14 semanas de gestação. Quando são
realizados outros métodos para cálculo da IGE (ver “Datação da Gravidez por IGE”
abaixo) não deve haver alteração da datação da gravidez por DUM certa.

DATAÇÃO DA GRAVIDEZ POR IGE


LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

Caso exista incerteza sobre a DUM, interlúnios superiores a 28-31 dias, ou


contraceção hormonal nos 2 meses antes de engravidar, a datação da gravidez
deve ser feita por ecografia (IGE). Devem ser usados os seguintes critérios para
cálculo da IGE (listados por ordem preferencial):
1. Através da medição do CCC do embrião/feto realizada por ecografista expe-
4 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

2. Através da medição do perímetro cefálico e fémur do feto realizada por


ecografista experiente entre as 14 e as 24 semanas. Se houver uma dis-
crepância entre estas duas medições, deve ser usado o diâmetro transverso
do cerebelo ou repetida a avaliação após 2 semanas.
3. Através da medição do CCC do embrião/feto realizado por qualquer ecografista
antes das 14 semanas de gestação.
4. Através da estimativa de peso fetal realizada por ecografista experiente após
as 24 semanas. A avaliação deve ser repetida 2 semanas depois.

BIBLIOGRAFIA
SLADKEVICIUS P, SALTVEDT S, ALMSTROM H, et al. A prospective cross-validation of esta- blished
dating formulae in in-vitro fertilized pregnancies. Ultrasound Obstet Gynecol.
2005;26(5):504-511.
TUNON K, E IK-NES SH, GROTTUM P, et al. Gestational age in pregnancies conceived after in
vitro fertilization: a comparison between age assessed from oocyte retrieval, crown-rump
length and biparietal diameter. Ultrasound Obstet Gynecol. 2000;15(1):41-46.
AMERICAN COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS , AMERICAN INSTITUTE FOR U LTRASOUND
IN M EDICINE, SOCIETY FOR M ATERNAL-FETAL M EDICINE. Methods for estimating the due date.
Committee opinion #700, May 2017.
VIGILÂNCIA PRÉ-NATAL DE ROTINA 2
M ARIANA PIMENTA, LUÍSA PINTO, CLÁUDIA M ILHINHOS, DIOGO AYRES DE CAMPOS

INTRODUÇÃO
A vigilância pré-natal tem como principais objetivos: identificar e atuar preco-
cemente perante fatores de risco e complicações que possam afetar a normal
evolução da gravidez, promover a educação para a saúde e apoiar na preparação
para o parto e para a parentalidade. As presentes orientações são a base dos
cuidados pré-natais de rotina, não contemplando cuidados específicos para
situações clínicas particulares.

Periodicidade das consultas


■ Primeira consulta: idealmente antes das 12 semanas;
■ Subsequentes: a cada 5-6 semanas até às 32 semanas e depois às 35, 38, e
40 semanas. Algumas consultas subsequentes entre as 15-32 semanas podem
ser transformadas em videoconsultas ou teleconsultas (preferencial- mente
alternadas com consultas presenciais) no caso de: a grávida estar de acordo
que assim seja, não existirem fatores de risco ou sintomas que aconselhem a
presença física (caso necessite, a grávida poderá telefonar para o secretariado
e alterar para uma consulta presencial) e a grávida ter a possibilidade de
monitorizar o peso e a tensão arterial (TA) fora do hospital.

PRIMEIRA CONSULTA
Consulta de enfermagem
■ Entrega ou informação sobre o local onde pode consultar panfletos informa-
tivos: “Hábitos e estilos de vida na gravidez”, “Desconfortos e modificações
corporais na gravidez”. Perguntas e esclarecimentos sobre estes assuntos;
■ Avaliação do peso e altura;
■ Avaliação da TA com aparelho automático, após um período mínimo de 5 minu-
tos de descanso. A grávida deve estar sentada, com as pernas descruzadas,
cotovelo apoiado, braçadeira colocada ao nível do coração. Se perímetro do
braço <35 cm usar braçadeira de adulto, se entre 35-45 cm usar braçadeira
grande e se >45 cm usar braçadeira extragrande.
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Consulta médica
■ Identificação de fatores de risco;
■ Perguntas, esclarecimentos e medidas de alívio relativas a sintomas maternos;
■ Entrega ou informação sobre o local onde pode consultar panfletos informa-
tivos: “Leis e subsídios para proteção da parentalidade”, “Alimentação na
gravidez”, “Exames de rotina na gravidez”, “Queixas na gravidez que a devem
6 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

levar à urgência de Obstetrícia e Ginecologia”. Perguntas e esclarecimentos


sobre estes assuntos;
■ Exame ginecológico, com citologia cervical se última há >3 anos;
■ Ácido fólico (mínimo 400 mcg per os (PO) 1 vez/dia) até às 12 semanas;
■ Recomendação para uso de sal iodado na confeção dos alimentos. Iodeto de
potássio 200 mcg PO 1 vez/dia quando há alimentação deficitária em produtos
ricos em iodo (peixe, leguminosas, hortícolas, laticínios);
■ Nas grávidas vegetarianas, suplementação com vitamina B12 (3 mcg PO
1 vez/dia);
■ Suplementação multivitamínica apenas nas grávidas com hábitos alimentares
deficitários em laticínios, fruta, leguminosas e hortícolas ou submetidas a
cirurgia bariátrica.

CONSULTAS SUBSEQUENTES
Consulta de enfermagem
■ Perguntas e esclarecimentos sobre hábitos e estilos de vida, desconfortos e
modificações corporais na gravidez;
■ Avaliação do peso e TA;
■ Avaliação da proteinúria (tira-teste) a partir das 20 semanas, se TA sistólica
≥140 mmHg ou TA diastólica ≥90 mmHg;
■ Auscultação cardíaca fetal (Doppler), a partir das 15 semanas;
■ Avaliação da altura uterina a partir das 24 semanas;
■ Inquirir sobre presença de movimentos fetais a partir das 24 semanas. No
caso de notar uma diminuição acentuada do padrão de movimentos fetais,
recomendar a contagem formal diária dos movimentos fetais a partir da hora
de acordar, parando logo que chegar aos 10 movimentos. No caso de não chegar
aos 10 movimentos até às 20:00 ou de haver um prolongamentoacentuado do
tempo que demora a chegar aos 10 movimentos, deve recorrerà urgência de
Obstetrícia e Ginecologia;
■ Entrega ou informação sobre o local onde pode consultar panfletos infor-
mativos: “O que devo preparar em casa para a altura do parto?”, “Métodos
naturais para alívio da dor do parto”, “Aleitamento materno” e “Cuidados
ao recém-nascido”, a partir das 30 semanas. Perguntas e esclarecimentos sobre
estes assuntos;
■ Cardiotocografia (CTG) a partir das 40 semanas.

Consulta médica
■ Perguntas, esclarecimentos e medidas de alívio relativas a sintomas maternos;
■ Entrega ou informação sobre o local onde pode consultar panfletos informa-
tivos: “Quando e como será o meu parto”, “Métodos farmacológicos para alívio
da dor no parto”, a partir das 30 semanas. Perguntas e esclarecimentossobre
estes assuntos;
■ Recomendar vacina da gripe entre outubro e dezembro, independentemente das
semanas de gravidez. Passar receita, mas transmitir que deve averiguar
primeiro a disponibilidade da mesma no Centro de Saúde;
Vigilância Pré-Natal de Rotina 7

■ Prescrever imunoglobulina (Ig) anti-D às grávidas Rh-, com anticorpos irre-


gulares negativos nas últimas 6 semanas, progenitor masculino Rh+ ou des-
conhecido – 1 250 UI (300 mcg) intramuscular (IM) às 28 semanas (exceto
se feto Rh-);
■ Recomendação para fazer vacina da tosse convulsa no Centro de Saúde às 24-
28 semanas;
■ Suplementação com ferro elementar, 30-60 mg/dia, a partir das 20 sema- nas
(equivale a 300 mg de sulfato ferroso, 180 mg de fumarato ferroso ou500
mg de gluconato ferroso). Contraindicado se: hemocromatose, úlcera péptica,
colite ulcerosa;
■ Avaliação clínica da situação e apresentação fetais às 35 semanas;
■ Colheita de exsudado vaginal e rectal para pesquisa de Streptococcus do grupo
B às 35-37 semanas;
■ Exame vaginal, com descolamento de membranas (se possível e aceite pela
grávida), às 40 semanas.

ANÁLISES
Primeira consulta (idealmente no 1.º trimestre)
■ Grupo sanguíneo (AB0 e Rh) e pesquisa de anticorpos irregulares;
■ Hemograma com plaquetas. Eletroforese da hemoglobina (Hb) em grávidas
provenientes da África subsariana;
■ Ferritina se: anemia prévia, intervalo intergestacional <18 meses, adolescente,
vegetariana, história de hemorragia recente ou testemunha de Jeová;
■ Hormona estimulante da tiroide (TSH) se: bócio, antecedentes de doen-
ça inflamatória crónica do intestino ou de cirurgia bariátrica, antecedentes
pessoais ou familiares de disfunção tiroideia, clínica sugestiva de disfunção
tiroideia, tiroidectomia prévia, anticorpos antitiroideus positivos, diabetes tipo
1 ou outras doenças autoimunes, irradiação cervical, infertilidade/aborto de
repetição ou utilização de fármacos como lítio e amiodarona;
■ Glicemia em jejum de pelo menos 8 horas;
■ Serologias para: rubéola (se não imune em preconceção), toxoplasmose (se não
imune em preconceção), citomegalovírus (CMV) (se não imune em pre-
conceção), anticorpo anti-Treponema pallidum, antigénio de superfície do VHB
(Ag HBs), vírus da imunodeficiência humana (VIH) 1 e 2;
■ Antivírus da hepatite C (anti-VHC) se consumo de drogas intravenosas ou
intranasais, hemodiálise, transfusões antes de 1992, ou parceiro infetado pelo
VHC;
■ Urocultura;
■ Rastreio de aneuploidias (ver protocolo “3. Rastreio de aneuploidias”);
Rastreio de pré-eclâmpsia (ver protocolo “4. Rastreio de pré-eclâmpsia”).
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Às 18-20 semanas
■ Serologia para rubéola (se não imune no 1.º trimestre).
8 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Às 24-28 semanas
■ Pesquisa de anticorpos irregulares (se grávida Rh-);
■ Hemograma com plaquetas;
■ Prova de tolerância à glicose oral (PTGO) com 75 g de glicose (jejum de
pelo menos 8 horas);
■ Serologia para toxoplasmose (se não imune no 1.º trimestre);
■ Urocultura.

Às 32-34 semanas
■ Hemograma com plaquetas;
■ Anticorpo anti-Treponema pallidum, Ag HBs (se negativo no 1.º trimestre),
VIH 1 e 2, serologia da toxoplasmose (se não imune na avaliação anterior);
■ Urocultura.

ECOGRAFIAS
■ 1.º trimestre: entre as 11+0-13+6 semanas;
■ 2.º trimestre: entre as 20+0-2+6 semanas;
■ 3.º trimestre: entre as 32+0-34+0 semanas.

CASOS ESPECÍFICOS
Grávidas com cesariana anterior
■ Entregar folheto informativo “Tive uma cesariana no passado – o que é im-
portante saber?” às 35 semanas;
■ Propor tentativa de parto vaginal após cesariana (PVAC). Caso a grávida aceite,
obter consentimento informado escrito. No caso de a grávida não aceitar um
parto vaginal, agendar cesariana para as 39 semanas.

Feto em apresentação pélvica após as 35 semanas


■ Entregar folheto informativo “Tenho mais de 35 semanas de gravidez e o
meu bebé ainda não virou – o que posso fazer?”;
■ Propor versão cefálica externa (VCE) idealmente às 36 semanas; caso aceite,
obter consentimento informado escrito. Nas grávidas que não pretendem VCE
ou em que esta não teve sucesso, se: estimativa de peso fetal (EPF) entre
2 000-3 500 g, cabeça fetal fletida e bacia materna adequada, propor tenta-
tiva de parto pélvico vaginal, aguardando início espontâneo do trabalho de
parto; caso aceite, obter consentimento informado escrito. Reavaliar estas
condições às 40 semanas. No caso de a grávida não aceitar um parto vaginal,
agendar cesariana para as 39 semanas.

Se necessário programar uma cesariana eletiva


■ Entregar folheto informativo “Tenho uma cesariana programada para breve – o
que é importante saber?”;
■ Agendar preferencialmente para as 39 semanas;
Vigilância Pré-Natal de Rotina 9

■ Obter consentimento informado escrito e preencher o processo de internamento.

Se necessário programar indução do trabalho de parto


■ Entregar folheto informativo “Tenho uma indução do trabalho de parto progra-
mada – o que é importante saber?”;
■ Agendar preferencialmente para as 41+0 semanas;
■ Preencher o processo de internamento.

BIBLIOGRAFIA
D IREçãO-GERAL DA S AÚDE . Programa Nacional para a vigilância da gravidez de baixo risco.
2015.
WORLD HEALTH ORGANIZATION. WHO recommendations on antenatal care for a positive pre-
gnancy experience. 2016.

ANEXO 1
Critérios de referenciação para a consulta de nutrição
■ Índice de massa corporal (IMC) ≥30 kg/m2;
■ Antecedentes de cirurgia bariátrica;
■ Diabetes gestacional (DG) ou diabetes pré-gestacional;
■ Aumento ponderal excessivo ou deficitário durante a gestação.

Critérios de referenciação para o serviço social


■ Adolescentes;
■ Refugiadas;
■ Imigrantes ilegais;
■ Grávidas provenientes de países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP)
com acordo de saúde;
■ Institucionalizadas;
■ Carência económica;
■ Doença psiquiátrica medicada;
■ Alcoolismo, toxicodependência, em programa de metadona;
■ Dependência física;
■ Violência doméstica;
■ Mutilação genital;
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

■ Solicitação da grávida.

Critérios de referenciação para a consulta de anestesiologia


■ Doença cardiovascular [hipertensão arterial (HTA) mal controlada, cardiopatia
relevante, arritmias não corrigidas];
■ Doença pulmonar (hipertensão pulmonar, insuficiência respiratória);
10 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

■ Doença renal (insuficiência renal, transplante);


■ Doença neurológica (central ou periférica);
■ Doença endocrinológica (diabetes com mau controlo glicémico, disfunção ti-
roideia não controlada, feocromocitoma);
■ Doença hematológica (Hb <9 g/dl, plaquetas <100×109/l, coagulopatia);
■ Doença neoplásica atual;
■ Antecedentes de alergia a fármacos anestésicos;
■ Antecedentes de complicações anestésicas;
■ Alterações anatómicas que façam prever complicações anestésicas (IMC >35,
via aérea difícil, alterações na coluna).

Critérios para pedido de ecocardiograma fetal


■ Diabetes prévia, fenilcetonúria;
■ Doença do tecido conjuntivo com presença de anticorpos anti-SSA ou anti-SSB;
■ Infeção materna (rubéola, CMV);
■ Exposição a medicamentos teratogénicos (ácido retinóico, fenitoína, fenobar-
bital, ácido valproico, misoprostol, etc.) ou tóxicos (álcool, poluentes) no 1.º
trimestre;
■ Cardiopatia congénita em familiar de 1.º grau;
■ Translucência da nuca aumentada (>p95), ducto venoso (DV) com onda “a”
ausente ou invertida;
■ Arritmia fetal;
■ Malformações extracardíacas;
■ Aneuploidias;
■ Restrição de crescimento fetal (RCF) precoce;
■ Alterações do volume do líquido amniótico (LA);
■ Derrame pericárdico ou pleural, hidrópsia;
■ Tumor muito vascularizado;
■ Suspeita de anemia fetal;
■ Gravidez gemelar monocoriónica (MC)/fístula arteriovenosa;
■ Dificuldade técnica na visualização da área cardíaca ou suspeita de anomalia
cardíaca no exame ecográfico de rotina.

ANEXO 2
Critérios para referenciação à consulta pré-concecional
■ Diabetes mellitus, doença renal crónica (DRC), doenças do tecido conjuntivo,
■ Doença cardíaca ou pulmonar grave;
■ Abortos de repetição (≥3 consecutivos);
■ Antecedentes de aborto/morte fetal após as 14 semanas;
■ Mulheres sob terapêutica potencialmente teratogénica (cumarínicos, imunos-
supressores, ácido valproico, etc.).
Vigilância Pré-Natal de Rotina 11

Critérios para referenciação à consulta de baixo risco

■ Grávidas vigiadas em outras instituições que pretendam o parto no hospital


– consulta às 38-39 semanas;
■ Grávidas com ≥34 semanas e feto em apresentação pélvica (consulta às 35
semanas);
■ Funcionárias da instituição;
■ Grávidas com condições sociais muito adversas;
■ Grávidas com idade <17 anos ou ≥40 anos na altura da conceção;
■ Grávidas com obesidade (IMC ≥35) ou baixo peso (IMC <18).

Critérios para referenciação à consulta de medicina materno-fetal


Fatores comportamentais
■ Grandes fumadoras (mais de 20 cigarros/dia);
■ Hábitos alcoólicos marcados;
■ Toxicodependência.

Antecedentes obstétricos
■ Abortos de repetição (≥3 consecutivos) ou aborto/morte fetal após as 14
semanas;
■ Insuficiência cervical;
■ Parto pré-termo (PPT) antes das 35 semanas;
■ Pré-eclâmpsia grave ou de início antes das 34 semanas, eclâmpsia;
■ Morte fetal ou morte neonatal precoce associada a problemas da gravidez
ou parto;
■ Doença gestacional do trofoblasto.

Patologia materna
■Tromboembolismo prévio;
■Doença cardíaca;
■HTA crónica;
■DRC;
■Diabetes mellitus ou outra patologia endócrina;
■Doença psiquiátrica não controlada ou sob terapêutica;
■Doença hematológica: anemia (Hb <10,5 g/dl, após ferro oral), hemoglobino-
patia (na talassemia minor e traço falciforme apenas se eletroforese da Hb
do progenitor masculino estiver alterada), trombocitopenia;
■Doença neurológica;
■Doença oncológica, se não considerada em remissão;
■Asma brônquica com crises apesar da medicação habitual;
■ síndrome
Doença de anticorpos
autoimune [lúpus antifosfolípidos (SAAF); (LES) e outras colagenoses],
eritematoso sistémico
IDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

■ Malformação uterina;

■ Doença inflamatória intestinal crónica (doença de Crohn e colite ulcerosa);

■ Infeção atual por VIH, Toxoplasma gondii, rubéola, CMV, parvovírus ou Trepo-

nema pallidum;
■ Outra patologia materna grave;

■ Miomas com ≥7 cm ou sintomáticos.


12 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Doenças da gravidez
■ Pré-eclâmpsia, hipertensão gestacional;
■ DG;
■ Gravidez múltipla;
■ Ameaça de parto pré-termo (APPT), colo curto;
■ Colestase gravídica.

Critérios para referenciação à consulta de medicina fetal


■ Indicação para realização de diagnóstico pré-natal invasivo (grávida com ras-
treio combinado positivo ou grávida com >35 anos que pretende técnica
invasiva);
■ Malformação fetal, hidrópsia fetal, alterações do ritmo cardíaco fetal;
■ Restrição de crescimento fetal (RCF);
■ Antecedentes ou gravidez atual com isoimunização Rh ou a outro grupo eri-
trocitário com relevância clínica;
■ Alterações da placenta e membranas (inclui placenta prévia após as 30 se-
manas e acretismo placentário).
■ Alterações do volume de LA (oligoâmnios e hidrâmnios);
■ Filho anterior com doença genética ou malformação com risco de repetição;
■ História familiar de doença genética ou malformação com risco de repetição;
■ Antecedentes de RCF grave e precoce (anterior às 32 semanas).
RASTREIO DE ANEUPLOIDIAS 3
S USANA REGO , RUI M ARQUES DE C ARVALHO

INTRODUÇÃO
O rastreio pré-natal de aneuploidias deve ser oferecido a todas as grávidas com
≤20+0 semanas de gestação, para avaliar o risco do(s) feto(s) apresentar(em)
uma das anomalias cromossómicas mais frequentes – trissomia (T) 21, 18 ou
13. A estratificação do risco permite selecionar a população que mais beneficia
com a realização de testes adicionais. As limitações dos testes de rastreio
devem também ser transmitidas à grávida (ver abaixo).

RASTREIO COMBINADO DO 1.º TRIMESTRE


O rastreio combinado do 1.º trimestre deve, sempre que possível, constituir a
primeira escolha e inclui os seguintes parâmetros: idade materna, doseamento
sérico de proteína plasmática A associada à gravidez (PAPP-A) e da subunidade
beta livre da gonadotrofina coriónica humana (β-hCG), com valores expressos em
múltiplos da mediana (MoM). A colheita de sangue materno realiza-se idealmente
entre as 9+0-10+6 semanas. No entanto, para a colheita ser válida também parao
rastreio concomitante da pré-eclâmpsia, deve ser realizada entre as 11+0-13+6
semanas. O rastreio combinado inclui ainda a avaliação ecográfica da translu-
cência da nuca, ossos nasais e frequência cardíaca fetal (FCF), os quais são
válidos quando o comprimento craniocaudal (CCC) se situa entre 45-84 mm.
O risco individual é calculado através de um algoritmo que conjuga o risco prévio
associado à idade com o risco relativo associado a cada um dos parâmetros.
Com este método, a taxa de deteção de T21 é de ~95%, com ~5% de falsos
positivos.

RASTREIO BIOQUÍMICO DO 2.º TRIMESTRE


O rastreio bioquímico apenas está indicado quando já não é possível realizar
o rastreio combinado do 1.º trimestre [(CCC) >84 mm]. Este rastreio inclui os
seguintes parâmetros: idade materna, doseamento sérico da alfafetoproteína
(AFP), da β-hCG, do estriol não conjugado e da inibina A. A colheita de sangue
materno realiza-se entre as 15+0-20+0 semanas (idealmente entre as 15+0-17+0
semanas). O risco individual é calculado através de um algoritmo que conjuga
o risco associado aos diferentes parâmetros. A taxa de deteção de T21 é de
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

~75%, com ~5% de falsos positivos.

ANÁLISE DO DNA FETAL NO SANGUE MATERNO


A análise do DNA fetal (DNAf) circulante no sangue materno (teste pré-natal
não invasivo) pode ser realizada a partir das 10+0 semanas e constitui o teste
de rastreio de aneuploidias mais sensível e específico. A taxa de deteção de
14 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

T21 é de 99,7%, com 0,04% de falsos positivos. A taxa de deteção de T18


é de 97,9%, com 0,04% de falsos positivos. A taxa de deteção de T13 é de
99,0%, com 0,04% de falsos positivos. Estas taxas de deteção estão reduzidas
quando a fração de DNAf é <4%. O teste deve ser oferecido às grávidas com
gestação unifetal que tenham um risco de aneuploidias entre 1:101 e 1:1000,
sendo a colheita de sangue materno feita na Unidade de Ecografia e a análise
realizada no Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INS-RJ). Os critérios
de exclusão para a realização deste teste no INS-RJ são: idade gestacional
ecográfica <10 semanas; gestação múltipla; gestações com suspeita inicial
ou confirmada de vanishing twin; translucência da nuca ≥3,5 mm; anomalias
ecográficas estruturais; história materna de doença oncológica; progenitores
portadores de alterações cromossómicas ou com gestação anterior com his-
tória de cromossomopatia; progenitora sujeita nos últimos 3 meses a um dos
seguintes tratamentos: transfusão sanguínea, imunoterapia, terapia com células
estaminais, transplante ou radioterapia; oócitos de dadora. As grávidas com
critérios de exclusão podem na mesma ser informadas da existência desteteste
e da possibilidade da sua realização em laboratórios privados, mas sem
comparticipação estatal.

CRITÉRIOS PARA OFERECER O DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL INVASIVO


O diagnóstico pré-natal invasivo deve ser oferecido a todas as grávidas com risco
de aneuploidias nos testes de rastreio ≥1:100. Deve também ser oferecido a todas
as grávidas com malformações potencialmente associadas a aneuploidias,
detetadas na ecografia do 1.º trimestre ou com uma translucência da nuca ≥p99
(≥3,5 mm). Quando o risco de aneuploidias nos testes de rastreio é ≥1:20, quando
a translucência da nuca é ≥3,5 mm ou existe um resultado positivo na pesquisa
de DNAf circulante no sangue materno, as grávidas deverão também ser
orientadas para uma consulta de Genética.

BIBLIOGRAFIA
AMERICAN COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS, Society for Maternal-Fetal Me-
dicine. Screening for fetal aneuploidy. Practice Bulletin No. 163. Obstet Gynecol.
2016;127(5):e123-e137.
CUCKLE H, BENN P, WRIGHT D. Down syndrome screening in the first and/or second tri- mester:
model predicted performance using meta-analysis parameters. Semin Perinatol.
2005;29(4):252-257.
D IREçãO-GERAL DA S AÚDE . Exames ecográficos na gravidez de baixo risco. Norma 23/2011.
GIL MM, ACCURTI V, S ANTACRUZ B, et al. Analysis of cell-free DNA in maternal blood in scree-
ning for aneuploidies: updated meta-analysis. Ultrasound Obstet Gynecol. 2017;50(3):302-
-314.
RASTREIO DE PRÉ-ECLÂMPSIA 4
JOANA GOULãO BARROS , R UI M ARQUES DE C ARVALHO

INTRODUÇÃO
O rastreio de pré-eclâmpsia no 1.º trimestre da gravidez, que combina a avalia-
ção dos fatores de risco maternos com avaliações biofísicas e bioquímicas (ver
“Avaliações a incluir” abaixo), permite uma taxa de deteção de pré-eclâmpsia
antes das 32 semanas de ~89% e antes das 34 semanas de ~75%, com uma
taxa de falsos positivos de 10%. A administração de ácido acetilsalicílico (AAS)
diminui em ~80% a incidência de pré-eclâmpsia antes das 34 semanas.

INDICAÇÕES
O rastreio deve ser realizado entre as 11+0-13+6 semanas, no mesmo momento do
rastreio combinado de aneuploidias do 1.º trimestre. Deve ser proposto a todas
as grávidas exceto:
■ Se houver antecedentes de pré-eclâmpsia grave, de início anterior às 34
semanas;
■ Se houver antecedentes de restrição de crescimento fetal (RCF) grave, deinício
anterior às 32 semanas, tendo como causa provável uma insuficiência
placentária;
■ Gestação múltipla;
■ Se tiverem doença renal crónica (DRC).
Nestas situações deve ser recomendado o AAS (ver “Abordagem clínica”, à frente
neste capítulo) sem ser necessário realizar o rastreio.

AVALIAÇÕES A INCLUIR
Fatores de risco maternos
Idade, raça, peso, altura, hábitos tabágicos, antecedentes pessoais de hiper-
tensão arterial (HTA) crónica ou de pré-eclâmpsia, diabetes mellitus, lúpus eri-
tematoso sistémico (LES), síndrome de anticorpos antifosfolípidos (SAAF), mãe ou
irmã com antecedentes de pré-eclâmpsia. A serem introduzidos no software
Astraia pelo médico responsável pelo cálculo do rastreio.

Tensão arterial média


© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

Avaliação da tensão arterial (TA) com medidor automático, grávida sentada,


pernas descruzadas, cotovelo apoiado, braçadeira colocada ao nível do cora- ção,
após um período mínimo de 5 minutos sentada. Se perímetro do braço
<35 cm usar braçadeira de adulto, se entre 35-45 cm usar braçadeira grande e
se >45 cm usar braçadeira extragrande. Devem ser realizadas duas avaliações
em cada braço.
16 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Índice de pulsatilidade das artérias uterinas


A ser avaliado em ambas as artérias uterinas, devendo o operador ser certificado
pela Fetal Medicine Foundation.

Fator de crescimento placentário (PLGF) e proteína plasmática A associada à gra-


videz (PAPP-A)
Avaliação sérica a ser realizada entre as 11+0-13+6 semanas de gestação [registo
no Astraia em múltiplos da mediana (MoM)].

ABORDAGEM CLÍNICA
Risco elevado (risco de pré-eclâmpsia antes das 37 semanas ≥1/100)
■ AAS 150 mg per os (PO) 1 vez/dia ao deitar, a iniciar entre as 12+0-15+6 semanas
(até às 36+0 semanas, até ao parto ou até ao desenvolvimento de pré-
eclâmpsia).

Risco baixo (risco de pré-eclâmpsia antes das 37 semanas <1/100)


■ Sem necessidade de medidas adicionais.

BIBLIOGRAFIA
GUY GP, L ESLIE K, D IAZ -GOMEZ D, et al. Implementation of routine first trimester combined
screening for pre‐eclampsia: a clinical effectiveness study. BJOG. 2021;128(1):141-142.
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factors and biomarkers at 11-13 weeks’ gestation: comparison to NICE guidelines and
ACOG recommendations. Ultrasound Obstet Gynecol. 2017;49(6):756-760.
POON LC, ZYMERI NA, ZAMPRAKOU A, et al. Protocol for measurement of mean arterial pressure
at 11-13 weeks’ gestation. Fetal Diagn Ther. 2012;31(1):42-48.
ROLNIK DL, WRIGHT D, POON LC, et al. Aspirin versus placebo in pregnancies at high risk for
preterm preeclampsia. N Engl J Med. 2017;377(7):613-622.
WRIGHT D, SYNGELAKI A, AKOLEKAR R, et al. Competing risks model in screening for preeclamp-
sia by maternal characteristics and medical history. Am J Obstet Gynecol. 2015;213(1):62.
e1-62.e10.
IDADE MATERNA AVANÇADA 5
M ARIA PULIDO VALENTE, RUI M ARQUES DE CARVALHO

INTRODUÇÃO
Define-se maternidade em idade materna avançada como a que ocorre depois dos
35 anos (inclusive). Em Portugal, cerca de 15% dos nascimentos de pri- meiros
filhos ocorrem nesta fase. O aumento da idade materna associa-se aum maior
risco das seguintes complicações obstétricas:
■ Aborto espontâneo: o risco aumentado deve-se sobretudo a alterações cro-
mossómicas. A taxa de aborto espontâneo em mulheres com menos de 35
anos é de 11,9%, entre os 35-39 anos é de 24,6% e após os 40 anos de 51%;
■ Gravidez ectópica (GE): risco 4-8 vezes maior, provavelmente devido à inci-
dência crescente de infeção pélvica e de doença tubária;
■ Anomalias cromossómicas: maior risco de aneuploidias, nomeadamente tris-
somias (T) (Tabela 5.1);

Tabela 5.1 – RISCO DAS PRINCIPAIS ANEUPLOIDIAS DE ACORDO COM A IDADE MATERNA
Idade Risco de Risco de Risco de Idade Risco de Risco de Risco de
materna T21 T18 T13 materna T21 T18 T13
(anos) (1: n) (1: n) (1: n) (anos) (1: n) (1: n) (1: n)
18 1495 9010 13700 34 455 4380 6345
19 1490 8985 13670 35 350 3530 5130
20 1475 8960 13635 36 265 2725 4030
21 1460 8930 13580 37 195 2025 3100
22 1440 8885 13510 38 145 1455 2370
23 1415 8825 13410 39 110 1035 1825
24 1380 8745 13275 40 85 735 1430
25 1340 8630 13090 41 66 530 1160
26 1285 8480 12840 42 54 395 970
27 1220 8280 12500 43 45 310 840
28 1140 8010 12050 44 39 250 745
29 1045 7660 11470 45 34 215 685
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

30 935 7215 10735 46 31 185 640


31 815 6655 9830 47 29 170 610
32 695 5990 8770 48 27 155 590
33 570 5220 7585 49 26 150 570
18 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

■ Outras malformações congénitas: maior risco de pé boto e de hérnia diafrag-


mática isolada, não associados a alterações cromossómicas (incidência em
mulheres com >35 anos cerca de 4%);
■ Gestação múltipla: maior risco em gestações espontâneas e após técnicas de
procriação medicamente assistida;
■ Complicações médicas: a hipertensão crónica é 2-4 vezes mais frequente. A
pré-eclâmpsia ocorre em cerca de 5% das nulíparas com >40 anos. A in- cidência
de diabetes aumenta com a idade materna e as grávidas com >40 anos
apresentam 3-6 vezes maior risco de diabetes gestacional (DG);
■ Complicações obstétricas: em nulíparas com >40 anos o risco de placenta prévia
é 10 vezes superior. O maior risco de descolamento placentário parece dever-
se à coexistência de hipertensão e multiparidade;
■ Cesariana: o maior risco de cesariana deve-se provavelmente à disfunção do
músculo uterino, condicionando um trabalho de parto mais prolongado. A
indução do trabalho de parto não parece aumentar a taxa de cesarianas;
■ Morbilidade e mortalidade perinatais: maior risco de fetos leves para a idade
gestacional e de parto pré-termo (PPT) (risco 1,8 vezes). O risco de morte fetal
é maior, mas em valores absolutos é baixo (1,32‰ aos 35-39 anos e 1,88‰ em
>40 anos);
■ Mortalidade materna: o risco global é muito baixo, sendo o efeito da idade
materna desprezível.

ABORDAGEM CLÍNICA
Rastreio de anomalias cromossómicas de acordo com protocolo “3. Rastreio
de aneuploidias”. Vigilância da gravidez na consulta de baixo risco, se idade
≥40 anos à data da conceção.

MOMENTO E VIA DE PARTO


O parto deve ser preferencialmente por via vaginal, estando indicada a indução
eletiva do trabalho de parto às 39 semanas se idade da grávida ≥40 anos, devido
ao risco acrescido de morte fetal após esta idade gestacional.

BIBLIOGRAFIA
CLEARY-GOLDMAN J, M ALONE FD, VIDAVER J, et al. Impact of maternal age on obstetric outcome.
Obstet Gynecol. 2005;105(5 Part 1):983-990.
GILBERT WM, N ESBITT TS, DANIELSEN B. Childbearing beyond age 40: pregnancy outcome in
24,032 cases. Obstet Gynecol. 1999;93(1):9-14.
HOLLIER LM, LEVENO KJ, KELLY MA, et al. Maternal age and malformations in singleton births.
Obstet Gynecol. 2000;96(5 Part 1):701-706.
M AIN DM, M AIN EK, M OORE DH 2nd. The relationship between maternal age and uteri- ne
dysfunction: a continuous effect throughout reproductive life. Am J Obstet Gynecol.
2000;182(6):1312-1320.
W ALKER KF, MALIN G, WILSON P, et al. Induction of labour versus expectant management at term
by subgroups of maternal age: an individual patient data meta-analysis. Eur J Obstet Gynecol
Reprod Biol. 2016;197:1-5.
ANTECEDENTES OBSTÉTRICOS RELEVANTES 6
CRISTIANA M ARINHO SOARES , I NÊS M ARTINS

INTRODUÇÃO
Algumas complicações da gravidez apresentam risco de recorrência em gesta-
ções futuras e a aplicação atempada de medidas preventivas pode melhorar os
desfechos obstétricos ulteriores. O presente protocolo indica as intervenções
clínicas preconizadas na avaliação puerperal, em preconceção e em gestações
subsequentes. A recorrência de algumas complicações da gravidez é abordada em
protocolos específicos.

INSUFICIÊNCIA CERVICAL*
■ Abstenção de atividade física intensa durante toda a gravidez;
■ Progesterona 200 mg per vagina (PV) 1 vez/dia ao deitar das 13+0-36+6 semanas;
■ Se houver antecedentes de ≥2 episódios sugestivos de insuficiência cervical,
propor ciclorrafia cervical indicada pela história às 14-15 semanas;
■ Havendo antecedentes de apenas um episódio sugestivo de insuficiência cer-
vical, propor avaliação ecográfica seriada do comprimento cervical entre as
16-24 semanas, quinzenal se o comprimento cervical for ≥30 mm, semanal
se comprimento cervical for <30 mm ou se houver um encurtamento franco
do colo. Se houver um encurtamento progressivo do colo, propor ciclorrafia
cervical indicada pela ecografia entre as 14+0-24+6 semanas A orientação é
semelhante para as gestações unifetais e múltiplas.
*(≥1 aborto tardio/parto pré-termo precoce não associados a contractilidade)

PARTO PRÉ-TERMO ESPONTÂNEO


■ Progesterona 200 mg PV 1 vez/dia ao deitar das 13+0-36+6 semanas;
■ Se houver antecedentes de parto pré-termo (PPT) antes das 34 semanas, propor
avaliação ecográfica seriada do comprimento cervical entre as 16-24
semanas, quinzenal se o comprimento cervical for ≥30 mm, semanal se com-
primento cervical for <30 mm ou se houver um encurtamento franco do colo;
■ Nas gestações unifetais, se houver um colo curto (<25 mm), considerar ci-
clorrafia cervical indicada pela ecografia entre as 14+0-24+6 semanas;
■ Nas gestações múltiplas, perante um colo curto (<25 mm), considerar a
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

colocação de um pessário vaginal de Arabin entre as 14+0-30+0 semanas.

PRÉ-ECLÂMPSIA
■ Se houver antecedentes de pré-eclâmpsia grave de início anterior às 34 se-
manas, recomendar ácido acetilsalicílico (AAS) 150 mg per os (PO) 1 vez/
/dia ao deitar a partir das 12+0 semanas (não iniciar após as 16 semanas)
20 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

e a terminar às 36+0 semanas ou quando se estabelecer o diagnóstico de pré-


eclâmpsia;
■ Se houver antecedentes de pré-eclâmpsia grave de início anterior às 34 se-
manas, determinar anticorpos antifosfolípidos (AAF) (se não determinados
previamente). Caso sejam positivos, repetir após pelo menos 12 semanas.
A positividade das duas avaliações estabelece o diagnóstico de síndrome de
anticorpos antifosfolípidos (SAAF). Perante este diagnóstico, referenciar à
consulta de Reumatologia;
■ As restantes grávidas com antecedentes de pré-eclâmpsia devem fazer o
respetivo rastreio.

RESTRIÇÃO DE CRESCIMENTO FETAL


■ Reavaliação da provável etiologia (fator materno, fetal ou insuficiência pla-
centária);
■ Recomendar a correção de fatores de risco modificáveis (deficiências nutri-
cionais, alcoolismo, tabagismo, estupefacientes);
■ Se houver antecedentes de restrição de crescimento fetal (RCF) grave deinício
anterior às 32 semanas, tendo como causa provável uma insuficiência
placentária, recomendar AAS 150 mg PO 1 vez/dia ao deitar a partir das 12+0
semanas (não iniciar após as 16 semanas) e a terminar às 36+0 semanas;
■ Se houver antecedentes de RCF de causa placentária, determinar AAF (senão
tiverem sido determinados previamente). Caso sejam positivos, repetir após
pelo menos 12 semanas. A positividade das duas avaliações estabelece o
diagnóstico de SAAF. Perante este diagnóstico, referenciar à consulta de
Reumatologia;
■ As restantes grávidas com antecedentes de RCF devem fazer o rastreio de pré-
eclâmpsia.

MORTE FETAL
■ Reavaliação da provável etiologia (clínica, hormona estimulante da tiroide
(TSH), glicemia, cariotipo, exame anátomo-patológico do feto e placenta). Entre
25-60% dos casos permanecem inexplicados após investigação;
■ Recomendar a correção de fatores de risco modificáveis (obesidade, alcoo-
lismo, tabagismo, toxicofilia);
■ Se houver história de RCF de causa placentária ou a causa da morte for des-
conhecida em feto morfologicamente normal, determinar AAF (se não tiverem sido
determinados previamente). Caso sejam positivos, repetir após pelo me- nos
12 semanas. A positividade das duas avaliações estabelece o diagnóstico de
SAAF. Perante este diagnóstico, referenciar à consulta de Reumatologia;
■ Em casos de aneuploidia fetal potencialmente herdada ou de anomalias con-
génitas sugestivas de aneuploidia, referenciar à consulta de Genética;
■ Nas situações de morte fetal de etiologia desconhecida: realizar ecografia de
crescimento às 28, 32 e 36 semanas, iniciar vigilância com cardiotocografia
(CTG) semanal a partir das 34 semanas. Ponderar terminação da gravidez
às 38-39 semanas.
Antecedentes Obstétricos Relevantes 21

DISTOCIA DE OMBROS

■ Reavaliação dos fatores de risco existentes na gestação anterior (diabetes


prévia ou gestacional, mau controlo metabólico, obesidade, aumento ponderal
excessivo na gravidez, macrossomia fetal, gestação pós-termo) e da ocorrência
ou não de lesão temporária ou definitiva do plexo braquial;
■ Recomendar a correção/controlo de fatores de risco modificáveis (diabetes,
obesidade, aumento ponderal excessivo);
■ Avaliação ecográfica da estimativa de peso fetal (EPF) às 36 semanas;
■ Informar a grávida que os riscos globais de recorrência rondam os 10%, mas
que dependem dos fatores de risco presentes na gestação atual e na anterior;
■ No caso de ter ocorrido lesão do plexo braquial ou outra lesão permanente
do recém-nascido (RN), ou se houver persistência ou agravamento dos fatores
de risco na atual gestação, recomendar cesariana às 39 semanas de gesta-
ção. Nas restantes situações, tomar uma decisão partilhada com a grávida
relativamente às alternativas: aguardar pelo trabalho de parto espontâneo,
indução do trabalho de parto a partir das 38 semanas ou cesariana progra- mada
às 39 semanas.

BIBLIOGRAFIA
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IDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

pregnancy: an individual patient data metaanalysis. Am J Obstet Gynecol. 2015;212(5):


624.e1-17.
Complicações que Ocorrem
Predominantemente
no 1.º Trimestre II
ABORTO E GRAVIDEZ NÃO EVOLUTIVA
DO 1.º TRIMESTRE 7
DIOGO AYRES DE C AMPOS

INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES
■ Gravidez não evolutiva: diagnóstico feito exclusivamente por ecografia trans-
vaginal, confirmado por dois médicos, pelo menos um dos quais especialista, no
melhor ecógrafo disponível no local, com um dos seguintes achados:
– Saco gestacional intrauterino com ≥25 mm de maior diâmetro e sem
presença de estruturas embrionárias;
– Embrião intrauterino com ≥7 mm de comprimento craniocaudal (CCC) sem
batimentos cardíacos;
– Ausência de crescimento do saco gestacional ou do embrião no intervalo
de uma semana;
■ Ameaça de aborto: hemorragia vaginal de origem intrauterina sem dor abdomi-
nal relevante. Na ecografia: gravidez intrauterina sem os critérios ecográficos
de gravidez não evolutiva (ver parágrafo anterior), ou porque não se atingiram
as dimensões necessárias do saco gestacional ou embrião ou porque se
documentaram batimentos cardíacos;
■ Aborto iminente: queixas álgicas sugestivas de contrações uterinas, geralmen-
te com hemorragia vaginal mas sem dilatação do colo uterino. Na ecografia
pode encontrar-se uma gravidez intrauterina evolutiva ou não evolutiva;
■ Aborto em evolução: semelhante ao aborto iminente, mas com dilatação do colo
uterino;
■ Aborto incompleto: situação em que, após um episódio sugestivo de expulsão
de fragmentos ovulares, se documentam estruturas intrauterinas na ecogra-
fia transvaginal, podendo ser um aborto incompleto com saco gestacional
(mesmo que colapsado), ou um aborto incompleto sem saco gestacional;
■ Aborto completo: situação em que, após um episódio clínico sugestivo de
expulsão de fragmentos ovulares, na ecografia transvaginal praticamente não
se documentam estruturas intrauterinas.

ABORDAGEM CLÍNICA
Gravidez não evolutiva do 1.º trimestre
Atitude expectante: alternativa a colocar se CCC <40 mm, indicando uma taxa
de sucesso ao final de 2 semanas de ~45%, ao final de 4 semanas de ~65% e
ao final de 6 semanas de ~83%. Em 1,4% dos casos está associada a hemor-
LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

ragia vaginal com necessidade de transfusão sanguínea. Quando se opta por


esta solução, a grávida tem alta com vigilância diária da temperatura axilar e
deve regressar à urgência se: hemorragia vaginal abundante, hemorragia vaginal
>15 dias, dor abdominal que não cede ao paracetamol 1 g per os (PO) de 8/8
horas e ibuprofeno 400 mg PO de 8/8 horas, ou temperatura axilar >38,5 °C.
Se não ocorrer nenhum dos anteriores, deve recorrer ao médico assistente ou
26 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Resolução médica com mifepristona e misoprostol em ambulatório: alternativa


a colocar se CCC <40 mm, sem doença materna grave (incluindo coagulopatia
materna ou uso de anticoagulantes), sem história de alergia à mifepristona e
misoprostol, ou doença inflamatória intestinal. A taxa de sucesso aos 7 dias é
de ~83%, com ~2% de risco de infeção intrauterina, ~1% de risco de hemorragia
grave e uma média de 16 dias de hemorragia vaginal.
■Dia 0: mifepristona 200 mg PO dose única, tomada no hospital, seguido de
alta levando 4 comprimidos (comps.) de misoprostol. Se dor abdominal ou
temperatura axilar >38,5 °C – paracetamol 1 g PO 8/8 horas; se insuficiente
metamizol magnésico 575 mg PO 8/8 horas; se insuficiente ibuprofeno 400
mg PO 8/8 horas; se náuseas ou vómitos, ondansetron 4 mg PO 12/12 horas;
se diarreia, reforço da hidratação oral. Deve regressar à urgência se:
hemorragia vaginal abundante, dor abdominal que não cede aos analgési-
cos, temperatura axilar >38,5 °C em duas medições separadas de 8 horas,
anteriores à toma de antipiréticos, vómitos que não cedem ao antiemético
ou diarreia muito profusa (mais do que 6 dejeções líquidas). Se não ocorrer
nenhum dos anteriores regressa à urgência após 4 dias;
■Dia 2: autoadministração de misoprostol 800 mcg per vagina (PV) (4 comps.)
toma única. Vigilância da temperatura axilar 2 vezes/dia a partir daí até à
resolução;
■Dia 4: repete ecografia transvaginal. Se aborto incompleto sem saco gestacio-
nal ou aborto completo, tem alta com recomendações em “Medidas comuns a
todas as situações de aborto e gravidez não-evolutiva”. Caso contrário, repete
misoprostol 800 mcg PV toma única na urgência de Obstetrícia e Ginecologia
e mantém recomendações do dia 0;
■Dia 7: repete ecografia transvaginal. Se aborto incompleto sem saco gestacio-
nal ou aborto completo tem alta com recomendações em “Medidas comuns a
todas as situações de aborto e gravidez não-evolutiva”. Caso contrário, propor
esvaziamento uterino cirúrgico.
Resolução médica com mifepristona e misoprostol em internamento: recomen-
dar nas situações com CCC >40 mm ou quando há uma doença médica grave
(ver protocolo “32. Interrupção médica da gravidez”).
Esvaziamento uterino cirúrgico por aspiração: recomendado perante hemorragia
vaginal abundante, compromisso hemodinâmico, hemoglobina (Hb) <9 mg/dl,
clínica sugestiva de infeção, suspeita clínica e ecográfica de mola hidatiforme
(MH). Deve ainda ser considerado nas situações de doença médica grave (in-
cluindo coagulopatia materna ou uso de anticoagulantes), história de alergia ao
misoprostol, doença inflamatória intestinal, quando há insucesso do tratamento
médico, ou quando a grávida não pretende a atitude expectante nem o tratamen-
to médico. Antibioterapia profilática 15-60 minutos antes da cirurgia: primeira
escolha cefazolina 2 g endovenosa (EV); se alérgica à penicilina, clindamicina
600 mg EV ou eritromicina 500 mg EV.

Ameaça de aborto
Se hemorragia vaginal escassa e achados ecográficos consistentes com gravidez
evolutiva, a grávida deve ser informada que a maioria das vezes se trata de uma
hemorragia autolimitada e que a evolução posterior da gravidez é geralmente
favorável. A grávida pode ter alta com indicação de cessação da atividade física
Aborto e Gravidez Não Evolutiva do 1.º Trimestre 27

moderada e intensa, incluindo toda a atividade desportiva (se necessário provi-


denciar baixa médica), e abstinência sexual enquanto a hemorragia se mantiver.
Deve regressar à urgência se: hemorragia vaginal abundante, dor abdominal que
não cede ao paracetamol 1 g PO 8/8 horas, ou temperatura axilar >38,5 °C.
Agendar nova avaliação ecográfica após 7 dias (no médico assistente ou, caso
não seja possível, na urgência). Nas situações de hemorragia vaginal moderada,
deve ser recomendada vigilância durante 1-4 horas na sala de observações,
com monitorização da perda hemática vaginal, tensão arterial (TA) e frequên- cia
cardíaca a cada 15 minutos, mantendo jejum. Perante hemorragia vaginal
abundante e/ou compromisso hemodinâmico, deve ser realizado esvaziamento
uterino cirúrgico.

Aborto iminente e aborto em evolução


Se hemorragia vaginal moderada, a grávida deve ser internada em sala de ob-
servações, com vigilância da perda hemática vaginal, monitorização da TA e da
frequência cardíaca a cada 15 minutos, mantendo jejum e analgesia em SOS:
paracetamol 1 g EV em SOS de 8/8 horas; metamizol magnésico 2 g EV em
SOS de 12/12 horas; tramadol 100 mg em 100 ml soro fisiológico (SF) EV a
400 ml/hora seguido de tramadol 200 mg em 500 ml SF EV a 62 ml/hora em
SOS; ondansetron 4 mg EV, bólus lento em SOS. Se houver hemorragia vaginal
abundante ou compromisso hemodinâmico, a grávida deve ser submetida a
esvaziamento uterino cirúrgico. Após a expulsão de fragmentos ovulares (enviar
para Anatomia Patológica) e diminuição da dor, realizar ecografia transvaginal e
orientar de acordo com os diagnósticos seguintes.

Aborto incompleto ainda com saco gestacional


Se hemorragia vaginal escassa e sem dor relevante, ~95% das situações resol- vem
espontaneamente até à próxima menstruação, com uma baixa incidênciade
complicações. Deve aconselhar-se atitude expectante em ambulatório, com as
seguintes recomendações: vigilância da hemorragia vaginal, vigilância diária da
temperatura axilar, abstinência sexual até à documentação ecográfica de aborto
completo. Deve regressar à urgência se: hemorragia vaginal abundante,
hemorragia vaginal >15 dias, dor abdominal que não cede a paracetamol 1 g
PO 8/8 horas, ou temperatura axilar >38,5 °C. Deve agendar-se reavaliação
ecográfica para após a menstruação seguinte (no médico assistente ou, caso
não seja possível, na urgência). Perante hemorragia vaginal abundante e/ou
compromisso hemodinâmico, deve ser realizado esvaziamento uterino cirúrgico.

Aborto incompleto sem saco gestacional


Se hemorragia vaginal escassa, a situação resolve-se quase sempre esponta-
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

neamente sem complicações, pelo que a grávida pode ter alta com as seguintes
recomendações: abstinência sexual durante 15 dias, contraceção durante pelo
menos 2 meses no caso de ter havido hemorragia abundante ou esvaziamento
uterino cirúrgico. Deve regressar à urgência se: hemorragia vaginal abundante,
hemorragia vaginal >15 dias, dor abdominal que não cede a paracetamol 1 g
PO 8/8 horas, ou temperatura axilar >38,5 °C. Se forem recolhidos fragmentos
ovulares, enviar para Anatomia Patológica. Agendar reavaliação ecográfica após
28 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

a menstruação seguinte (no médico assistente ou, caso não seja possível, na
urgência).

Aborto completo
Se hemorragia vaginal escassa, a situação encontra-se resolvida, pelo que a
grávida pode ter alta com as seguintes recomendações: abstinência sexual du-
rante 15 dias, contraceção durante pelo menos 2 meses no caso de ter havido
hemorragia abundante ou esvaziamento uterino cirúrgico. Se forem recolhidos
fragmentos ovulares, enviar para Anatomia Patológica.

MEDIDAS COMUNS A TODAS AS SITUAÇÕES DE ABORTO E GRAVIDEZ NÃO-


-EVOLUTIVA
Na altura em que é realizado qualquer um dos diagnósticos anteriormente
descrito:
■ Se CCC ≥7 mm, se houve documentação de batimentos cardíacos (ou se
≥7 semanas de amenorreia, no caso de não haver informação ecográfica):
administrar imunoglobulina (Ig) anti-D 300 mcg intramuscular (IM) (1500
UI) em mulheres Rh (D) negativas com teste de Coombs indireto negativo
ou desconhecido, se o grupo sanguíneo do progenitor masculino for Rh (D)
positivo ou desconhecido.
Após a resolução da situação:
■ Enviar informação para o médico assistente;
■ Passar eletronicamente um “certificado de incapacidade temporária para o
trabalho” (14-30 dias de licença, de acordo com a avaliação clínica). Em
alternativa, passar uma declaração comprovativa da situação de interrupção da
gravidez para entregar na Segurança Social.

BIBLIOGRAFIA
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ABORTO SÉTICO 8
CRISTIANA M ARINHO S OARES , ANDREIA FONSECA

INTRODUÇÃO
Define-se aborto sético como a infeção dos produtos de conceção (feto, placenta,
fragmentos placentários), no contexto de um aborto (gravidez com ≤22+6 sema-
nas). Pode ocorrer devido à retenção de produtos de conceção, na sequência
de traumatismo uterino, ou de técnica não estéril usada para procedimentos
abortivos. Complica até 3% dos abortos e a sua incidência aumenta com aidade
gestacional na qual ocorreu. Os agentes microbianos mais frequentemen- te
envolvidos têm origem no trato genital inferior (Enterobacteriaceae, Strep-
tococcus, Staphylococcus e Enterococcus; menos frequentemente Clostridium spp.).
A infeção pode estar limitada aos tecidos uterinos, mas pode também estender-
se à pelve e afetar a circulação sistémica, com risco de septicemia, choque sético,
falência multiorgânica, coagulação intravascular disseminada e morte. A
evolução para septicemia pode ser rápida se os produtos infetados se
mantiverem no útero, principalmente quando há bactérias produtoras de toxinas.
Ocorre bacteriemia em 38-61% dos casos e, quando há hemocultu-ras positivas,
são identificadas bactérias anaeróbias em ~60%. A longo prazo,é uma causa
importante de infertilidade secundária, estando também associado a dispareunia,
dor pélvica crónica e aborto espontâneo em gestações futuras. O diagnóstico
é clínico, devendo ser suspeitado perante um quadro de febree arrepios, dor
hipogástrica, corrimento vaginal com cheiro fétido, hemorragia vaginal
persistente e dor à palpação do útero ou dos anexos no contexto deum aborto
recente, espontâneo ou induzido.

ABORDAGEM CLÍNICA
A avaliação inicial inclui: avaliação dos sinais vitais, exame abdominal e gineco-
lógico e ecografia transvaginal. Quando a doente se encontra prostrada ou he-
modinamicamente instável, é necessário assegurar imediatamente dois acessos
venosos e iniciar fluidoterapia com cristaloides. No exame ginecológico devem ser
pesquisadas lesões traumáticas resultantes de procedimentos abortivos.Se
existir corrimento endocervical purulento, este deve ser colhido para exame
bacteriológico. O restante estudo analítico deve incluir: hemoculturas (aeróbios
e anaeróbios), hemograma, proteína C reativa, provas de coagulação e grupo
sanguíneo (se desconhecido). Perante um quadro compatível com choque sético,
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

devem ser pedidos também: ionograma, função hepática e renal e gasimetria.


Deve ser proposto internamento e iniciada empiricamente antibioterapia de
largo espetro, de forma a diminuir a probabilidade de bacteriemia associada
ao procedimento cirúrgico:
■ Gentamicina 5 mg/kg endovenosa (EV) 1 vez/dia + clindamicina 900 mg EV
8/8 horas (1.ª escolha);
30 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

■ Ampicilina 2 g EV 4/4 horas + gentamicina 5 mg/kg EV 1 vez/dia + metro-


nidazol 500 mg EV 8/8 horas;
■ Levofloxacina 500 mg EV 1 vez/dia + metronidazol 500 mg EV 8/8 horas;
■ Imipenem 500 mg EV 6/6 horas;
■ Piperacilina + tazobactam 4,5 g EV 8/8 horas.
Havendo estabilidade hemodinâmica, deve ser realizado esvaziamento uterino
cirúrgico urgente sob controlo ecográfico. A infeção é um fator de risco para
aderências intrauterinas e condiciona um maior risco de perfuração uterina.
O material colhido deve ser enviado para exame anátomo-patológico e micro-
biológico (recipiente seco estéril). Deve ser considerada a histerectomia quan-
do ocorre sépsis grave ou na ausência de resposta à terapêutica antibiótica,
peritonite, abcesso pélvico, mionecrose (determinada pela presença de ar nas
paredes uterinas), sépsis por Clostridium ou Streptococcus do grupo A ou ainda
quando existe grande quantidade de tecido uterino desvitalizado ou lacerado,
decorrente de instrumentação uterina prévia.
É expectável uma melhoria clínica substancial cerca de 6 horas após o esvazia-
mento uterino cirúrgico. Se não ocorrer melhoria clínica e analítica franca até às
48 horas, a situação deve ser reavaliada, ponderada a mudança de antibiote-
rapia e a necessidade de intervenções adicionais. A antibioterapia EV deve ser
mantida durante 48 horas após a verificação de melhoria clínica franca, depois
da qual a doente pode ter alta medicada com antibioterapia oral (amoxicilina +
ácido clavulânico 875+125 mg per os (PO) 12/12 horas ou doxiciclina 100 mg
PO 12/12 horas + metronidazol 500 mg PO 12/12 horas) durante 10-14 dias.

BIBLIOGRAFIA
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INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GRAVIDEZ 9
R UI M ARQUES DE CARVALHO

INTRODUÇÃO
A interrupção voluntária da gravidez (IVG) corresponde ao término voluntário
de uma gravidez evolutiva, sem que exista um motivo relacionado com riscos
de saúde para a grávida ou para o feto. A Lei n.º 16/2007 confere licitude a
este ato quando realizado nas primeiras 10 semanas de gravidez e a nota da
Direção-Geral da Saúde (DGS) estabelece as 10+6 semanas, como limite máximo
para ser efetuada. Pode ser solicitada por qualquer mulher psiquicamente capaz,
com idade ≥16 anos. Nas mulheres com idade <16 anos ou psiquicamente
incapazes, a IVG pode ser solicitada pelos respetivos representantes legais
(familiar ascendente ou descendente ou, na sua falta, por quaisquer parentes
da linha colateral). As mulheres que pretendem a IVG devem telefonar, enviar e-
mail ou recorrer pessoalmente ao gabinete administrativo da consulta de
Obstetrícia indicando o tempo de gravidez que pensam ter. Caso já tenham uma
ecografia (com o centro onde foi realizada e o nome do médico devidamente
identificados) comprovando uma gravidez intrauterina com batimentos cardíacos
e com uma datação ≤10+3 semanas no dia em que fazem o contacto, deve ser
agendada a primeira consulta de IVG para logo que existam vagas. Se o tempo
de gravidez for ≥9 semanas, o agendamento da primeira consulta deve ser con-
siderado urgente. Se a datação da gravidez for >10+3 semanas a utente deve
ser informada da impossibilidade legal de realizar a IVG. Idêntica orientação deve
ocorrer nas mulheres que realizaram ecografia de datação.

ECOGRAFIA DE DATAÇÃO
A datação ecográfica da gravidez é realizada pela medição do comprimento
craniocaudal (CCC) até às 13 semanas. Caso existam critérios ecográficos
de gravidez não evolutiva (ver protocolo “7. Aborto e gravidez não evolutiva do
1.º trimestre”) a mulher deve ser encaminhada para a urgência de Obstetrícia e
Ginecologia. Caso não se visualizem batimentos cardíacos embrionários e não
estejam presentes critérios ecográficos de gravidez não evolutiva, deve ser agen-
dada nova ecografia para quando se prevê que a gravidez tenha 6-7 semanas.
Todos os resultados devem ser transmitidos oralmente à grávida, registadosno
programa informático e impressos os relatórios para entregar à grávida. A
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

datação ecográfica da gravidez não implica a pesquisa sistemática de outras


alterações, mas se estas forem visualizadas o médico deve explicar a situação
e promover a adequada orientação da mulher. Após a ecografia de datação,
a utente deve dirigir-se ao gabinete administrativo da consulta de Obstetrícia.
32 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

CONSULTA PRÉVIA (PRIMEIRA CONSULTA)


Será preferencialmente uma videoconsulta realizada por um enfermeiro es-
pecialista em Saúde Materna e Obstétrica. Os objetivos desta consulta são:
avaliação da idade gestacional e das condições para IVG, colheita da história
clínica incluindo grupo sanguíneo, avaliação psicológica e social, preenchimento
do formulário de dados a enviar para a DGS, explicação da necessidade legal
de período de reflexão de 3 dias, explicação do procedimento de IVG medica-
mentosa e reforço da necessidade de contraceção após a IVG (referenciação
para o folheto informativo “Métodos contracetivos” disponível no site do hospital
ou entrega do mesmo). Nas mulheres cujo grupo sanguíneo é desconhecido
deve ser requisitada esta análise e teste de Coombs indireto antes da próxima
consulta. Marcação de segunda consulta após o período mínimo de reflexão
de 3 dias: agendamento para segunda consulta médica nas situações com
patologia médica relevante (ver Anexo); agendamento para segunda consulta
de enfermagem nas restantes situações. Solicitação de apoio de Psicologia ou
Serviço Social, quando necessário.

CONSULTA DA APLICAÇÃO DA MEDICAÇÃO (SEGUNDA CONSULTA)


Será sempre uma consulta presencial, realizada por um médico ou um enfer-
meiro especialista em Saúde Materna e Obstétrica, de acordo com os critérios
expostos na secção anterior. Os objetivos desta consulta são: esclarecimento
de dúvidas adicionais sobre a IVG, recolha de folha de “Consentimento livre e
esclarecido para a interrupção da gravidez” devidamente assinada e início do
protocolo terapêutico. Em caso de desistência da IVG, orientar para consulta pré-
natal no Centro de Saúde. A IVG medicamentosa deve ser preferida, por ter uma
taxa de sucesso que ronda os 95% e estar associada a menores riscos. O
esvaziamento uterino por aspiração/curetagem tem maior risco de perfuração
uterina, bem como de aderências uterinas e acretismo placentário em gestações
subsequentes. Está recomendado apenas quando existe hemorragia vaginal abun-
dante, contraindicação ou insucesso da terapêutica médica. A IVG medicamentosa
deve geralmente ser realizada em ambulatório. Nas mulheres com fatores de
risco: anemia grave, hemofilia, doença renal, sob medicação anticoagulante, sem
apoio domiciliário, deve ser realizada em regime de internamento em sala de
observações (esquema terapêutico igual ao constante no presente protocolo), a
iniciar por um profissional de saúde que não seja objetor de consciência.

IVG medicamentosa
■ Mifepristona 200 mg per os (PO), dose única presencial na consulta;
■ Misoprostol 800 µg [4 comprimidos (comp.)] per vagina (PV), leva para casa para
autoaplicação 48 horas depois. Caso a mulher não se sinta confortável com a
autoaplicação vaginal deve colocar-se a alternativa da administração oral ou
bucal (colocar na bochecha), avisando-se que tem uma taxa de sucesso
ligeiramente menor e que se associa a mais sintomas).
Cuidados adicionais e recomendações em todas estas situações:
■ Deve permanecer em casa após a autoadministração do misoprostol durante
cerca de 48 horas, preferencialmente acompanhada;
Interrupção Voluntária da Gravidez 33

■ Deve tomar paracetamol 1 g PO em SOS de 8/8 horas, ibuprofeno 400 mg


PO em SOS de 8/8 horas (medicamentos de venda livre) se sentir dor ou
febre >38,5 °C;
■ Se tiver diarreia, deve fazer reforço da hidratação oral;
■ Deve recorrer à urgência se: hemorragia vaginal abundante, dor que não cede
aos analgésicos, temperatura >38,5 °C em duas medições separadas de 8
horas anteriores à toma de antipiréticos, vómitos frequentes ou diarreia muito
profusa (mais do que 6 dejeções líquidas);
■ Caso seja solicitado, passar eletronicamente um “certificado de incapaci- dade
temporária para o trabalho” (14-30 dias de licença, de acordo com a avaliação
clínica);
■ Se CCC ≥7 mm, administrar Ig anti-D 300 µg intramuscular (IM) (1 500 UI)
em mulheres Rh (D) negativas com teste de Coombs indireto negativo ou
desconhecido, se o grupo sanguíneo do progenitor masculino for Rh (D) po-
sitivo ou desconhecido;
■ Marcar consulta de controlo cerca de 7 dias depois, exceto em grávidas com
≥10+0 semanas, em que se antecipará o necessário para iniciar um eventual
segundo tratamento até às 10+6 semanas.

CONSULTA DE CONTROLO (TERCEIRA CONSULTA)


Será sempre uma consulta presencial, realizada por um médico. Os objetivos
desta consulta são: avaliação das queixas após a medicação e reavaliação
ecográfica da cavidade uterina. Se persistência do saco gestacional intrauterino,
propor repetição do tratamento médico ou esvaziamento uterino por aspiração/
curetagem. Este último deve ser considerado sobretudo após a segunda falência
do tratamento médico. Avaliação de dúvidas existentes sobre métodos contrace-
tivos e promoção ativa do início da contraceção. Os contracetivos hormonais
combinados devem ser iniciados imediatamente. No caso da preferência pela
contraceção intrauterina, pode ser colocado um dispositivo se o endométrio
estiver fino (≤6 mm). No caso de preferência pelo implante subdérmico, deve
ser colocado imediatamente. Se for necessário, referenciar para consulta de
planeamento familiar, iniciando método contracetivo temporário até lá. Completar
a folha a enviar à DGS, alta e encerramento do processo da consulta.

BIBLIOGRAFIA
ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA. Lei n.º 16/2007, Diário da República n.º 75, SÉRIE I, 17 de abril,
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BRACKEN H, NGOC NTN, SCHAFF E, et al. Mifepristone followed in 24 hours to 48 hours by
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34 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

ANEXO
Situações que necessitam de avaliação médica
■ Suspeita de infeção vaginal, pélvica ou sépsis;
■ Hemorragia genital moderada ou abundante;
■ Coagulopatia;
■ História de alergia à mifepristona ou ao misoprostol;
■ Terapêutica anticoagulante;
■ Corticoterapia crónica;
■ Suspeita de gravidez ectópica, heterotópica ou doença gestacional trofoblás-
tica;
■ Doença renal, hepática ou cardíaca grave;
■ Gravidez com dispositivo intrauterino in situ;
■ Anemia recente (hemoglobina <9 mg/dl), ou trombocitopenia grave (<100 000/
/dl);
■ Porfirias hereditárias;
■ Insuficiência suprarrenal;
■ Asma grave ou com crises, apesar da medicação;
■ Diabetes com vasculopatia;
■ Doença inflamatória intestinal agudizada;
■ Doença psiquiátrica grave;
■ Outras doenças maternas graves;
■ Quando é expectável uma má adesão ao esquema terapêutico.
ABORTO RECORRENTE 10
RITA ROSADO, LUÍSA PINTO

INTRODUÇÃO
Define-se aborto recorrente como a ocorrência de três ou mais abortos espon-
tâneos consecutivos (excluindo gravidez bioquímica, molar e ectópica), tendo
uma incidência de ~1%. Pode ser classificado em primário (em mulheres sem
gestações viáveis) ou secundário (em mulheres com pelo menos um parto).
A conduta é semelhante nas duas situações mas o prognóstico é mais favo-
rável na última. Pode ainda ser classificado em precoce (quando ocorre <14
semanas) ou tardio (quando ocorre ≥14 semanas). As principais causas são:
anatómicas (12-22%), endocrinológicas (~20%), genéticas (2-5%), imunológicas,
ambientais e relacionadas com trombofilias adquiridas (15-25%). Em 40-50%dos
casos, não é possível determinar uma causa. Os principais fatores de risco são a
idade materna avançada e os antecedentes de aborto espontâneo. A taxa de
gravidez bem-sucedida após aborto recorrente é de 55-75%; nos casos de aborto
recorrente inexplicado é de 60-70% nas mulheres com <35 anos e de 40-50% nas
mulheres com ≥35 anos.

ABORDAGEM CLÍNICA
O principal objetivo é tentar determinar a etiologia e delinear uma intervenção
direcionada. A avaliação inicial consiste na anamnese: antecedentes pessoais;
antecedentes ginecológicos e obstétricos, descriminando a idade gestacionaldos
abortos ocorridos; hábitos tabágicos, consumo de álcool, cafeína ou drogas
ilícitas; profissão e condições do local de trabalho. Avaliar também se houve
estudo dos produtos de conceção nos abortos prévios. O exame físico deve incluir
uma avaliação geral, com atenção particular para sinais de endocrino- patia (p.
ex., hirsutismo, galactorreia) e o exame ginecológico. Se os abortos tiverem sido
tardios e associados a dilatação cervical assintomática, suspeitar de insuficiência
cervical (ver protocolo “15. Insuficiência cervical”). Na avaliação inicial devem
também ser solicitados os seguintes exames:
■ Ecografia pélvica e se necessário histerossonografia/histerossalpingografia para
identificar malformações uterinas, sinequias e miomas. A histeroscopia,
laparoscopia e ressonância magnética (RM) nuclear poderão ser úteis, deacordo
com os achados dos exames anteriores;
■ Avaliação da função tiroideia: hormona estimulante da tiroide (TSH) e T4 livre;
Anticoagulante lúpico, anticorpo anticardiolipina (IgM e IgG) e anticorpo anti-
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

β2 glicoproteína I (IgM e IgG): devem ser realizadas duas determinações com,


pelo menos, 12 semanas de intervalo.
Em situações selecionadas:
■ Se todas as avaliações anteriores forem negativas pedir cariotipo de ambos os
elementos do casal;
■ Perante suspeita clínica de diabetes pedir glicemia em jejum;
36 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

■ Perante suspeita clínica de hiperprolactinemia pedir doseamento de prolactina.

Recomendações e terapêutica
Não existe evidência de benefício na utilização de ácido acetilsalicílico (AAS),
heparina de baixo peso molecular (HBPM), progesterona, heparina, corticosteroi- des
ou terapêuticas imunológicas nas situações de aborto recorrente de causa
inexplicada. Estão aconselhadas:
■ Recomendações sobre cessação tabágica, redução do consumo de bebidas
alcoólicas e de bebidas com cafeína;
■ Em mulheres obesas ou subnutridas, medidas conducentes à normalização
ponderal, se necessário com apoio de nutricionista;
■ Oferta de apoio psicológico, se o casal o desejar.

Medidas direcionadas à causa identificada


■ Otimizar doença de base: hipertensão arterial (HTA) crónica, diabetes, doen-
ça inflamatória crónica do intestino, lúpus eritematoso sistémico (LES) (ver
protocolos específicos);
■ Se alteração no cariotipo do(s) progenitor(es) referenciar para aconselha-
mento genético;
■ Se anomalia uterina: ponderar correção cirúrgica de úteros septados, si- nequias
e miomas submucosos. Úteros bicórneos ou unicórneos não têm indicação
cirúrgica (os desfechos obstétricos são geralmente melhores sem correção);
■ Doença tiroideia, diabetes mellitus: otimizar a terapêutica;
■ Hiperprolactinemia: referenciar à Endocrinologia;
■ Anticorpos antifosfolípidos positivos (ver protocolo “51. Síndrome de anti-
corpos antifosfolípidos”);
■ Insuficiência cervical (ver protocolo “15. Insuficiência cervical”).

BIBLIOGRAFIA
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150. May 2015 (reaffirmed 2017).
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ROYAL COLLEGE OF O BSTETRICIANS AND GYNAECOLOGISTS . Recurrent miscarriage, investigation
and treatment of couples. Green top guideline 17. 2011.
GRAVIDEZ ECTÓPICA 11
M ARIA PULIDO VALENTE, M ARIA DE CARVALHO AFONSO

INTRODUÇÃO
Define-se gravidez ectópica (GE) como aquela que se implanta fora da localização
intrauterina normal, ocorrendo em cerca de 2% das gestações. A localização
pode ser tubária (90%), ovárica (2%), intersticial ou cornual (1%), abdominal (1%),
cervical (1%) ou na cicatriz de histerotomia (2%). Raramente é concomitante
com uma gravidez intrauterina – gravidez heterotópica (0,003% das gestações). Os
fatores de risco são: GE prévia (risco de recorrência: 10-25%), cirurgia tubá- ria
prévia (risco 2-7%), antecedentes de doença inflamatória pélvica, patologia
tubária, infertilidade, utilização de dispositivo intrauterino (DIU), idade materna
avançada, cirurgia pélvica/abdominal prévia, tabagismo. Em 50% dos casos não
se identificam fatores de risco. O diagnóstico é baseado na clínica e em exames
subsidiários. Em 50% dos casos observa-se a tríade clássica: amenor- reia,
hemorragia vaginal escassa e dor nos quadrantes abdominais inferiores. Outros
sintomas/sinais são: síncope, dor referida ao ombro, dor à exploração dos fundos
de saco vaginais, massa anexial, defesa abdominal, dor à descom- pressão
abdominal, taquicardia e hipotensão.

GRAVIDEZ ECTÓPICA TUBÁRIA


A GE tubária pode evoluir para rotura da trompa, aborto tubário ou regredir
espontaneamente. Quando detetada antes da rotura, o diagnóstico é baseado
na determinação sérica da subunidade beta livre da gonadotrofina coriónica
humana (-hCG) e na ecografia transvaginal, devendo a avaliação analítica inicial
incluir também hemograma, função hepática e renal (e grupo sanguíneo se des-
conhecido). Na ecografia não se visualiza saco gestacional intrauterino (podendo
estar presente um “pseudosaco”) e observa-se geralmente uma massa anexial
hipoecóica (com ou sem saco gestacional, embrião e batimentos cardíacos). É
frequente a presença de líquido livre no fundo de saco de Douglas. Perante clíni-
ca compatível, valores de -hCG acima do “limiar discriminativo” (1 500 mUI/ml),
e imagem ecográfica anexial sugestiva, estabelece-se o diagnóstico clínico de
GE (excluído o aborto completo pela história clínica). Se a -hCG estiver abaixo
do valor discriminativo ou se não houver imagem ecográfica anexial sugestiva,
devem repetir-se os exames 48 horas depois. Dois valores de -hCG estáveis
ou com um aumento <15% no intervalo de 48 horas, juntamente com clínica e
ecografia compatíveis, estabelecem o diagnóstico de GE tubária.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

Tratamento da gravidez ectópica tubária não-rota


Atitude expectante: deve ser proposta em doentes com -hCG <1 500 mUI/
/ml, valores decrescentes >15% em 48 horas, dor ausente ou ligeira, estabilidade
hemodinâmica, ecografia transvaginal com massa anexial <3,5 cm ou sem visua-
lização de GE, líquido intraperitoneal escasso/moderado e capacidade de realizar
38 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

protocolo de vigilância. A taxa de sucesso é ~70%. A vigilância inclui 3 dosea-


mentos de -hCG intervalados de 48 horas, seguido de avaliação semanal até
negativar. Se a -hCG não decrescer, é necessário considerar outras alternativas.
Tratamento médico com metotrexato: deve ser proposto em doentes com dor
controlável com analgésicos, estabilidade hemodinâmica, -hCG <5 000 mUI/
/ml, massa anexial <3,5 cm, batimentos cardíacos ausentes, líquido intraperi-
toneal escasso/moderado, capacidade de realizar protocolo de vigilância e sem
contraindicações (anemia, leucopenia, trombocitopenia, alterações da função
hepática ou renal, imunodeficiência, doença pulmonar ativa, úlcera péptica ativa,
alcoolismo, hipersensibilidade ao fármaco, gravidez heterotópica e amamenta-
ção). Pode também ser considerado quando -hCG 5 000-10 000 mUI/ml e
massa anexial >3,5 cm, caso a doente não pretenda a cirurgia, sendo a taxa
de sucesso menor nessas situações. O tratamento é geralmente realizado em
regime de ambulatório e de acordo com o esquema indicado no Quadro 11.1,
em doses que dependem da superfície corporal da doente (Tabela 11.1). Apre-
senta uma taxa de sucesso de ~90% (eficácia, segurança e fertilidade futura
semelhantes às da cirurgia). É também aplicável em casos de -hCG persistente
após salpingostomia (ver “Tratamento cirúrgico”, à frente neste capítulo).

Quadro 11.1 – ESQUEMA DE T RATAMENTO COM METOTREXATO E DA VIGILÂNCIA SUBSEQUENTE


Dia 1 Metotrexato (50 mg/m 2 IM)

Dia 4 β-hCG (pode subir em relação ao inicial)


β-hCG: se desceu <15% em relação a dia 4, dar segunda dose de metotrexato (igual à
Dia 7 anterior); se desceu ≥15% em relação a dia 4, fazer vigilância semanal até negativar
IM – intramuscular.

Tabela 11.1 – CÁLCULO DA SUPERFÍCIE CORPORAL, DE ACORDO COM AS MEDIDAS DE PESO


E ALTURA MAIS FREQUENTES
Peso/Altura 150 cm 155 cm 160 cm 165 cm 170 cm 175 cm 180 cm
40 kg 1,3 1,3 1,4 1,4 1,4 1,5 1,5
45 kg 1,4 1,4 1,4 1,5 1,5 1,5 1,6
50 kg 1,4 1,5 1,5 1,5 1,6 1,6 1,6
55 kg 1,5 1,5 1,6 1,6 1,6 1,7 1,7
60 kg 1,5 1,6 1,6 1,7 1,7 1,7 1,8
65 kg 1,6 1,6 1,7 1,7 1,7 1,8 1,8
70 kg 1,6 1,7 1,7 1,8 1,8 1,8 1,9
75 kg 1,7 1,7 1,8 1,8 1,9 1,9 1,9
80 kg 1,7 1,8 1,8 1,9 1,9 2,0 2,0
85 kg 1,8 1,8 1,9 1,9 2,0 2,0 2,0
90 kg 1,8 1,9 1,9 2,0 2,0 2,1 2,1
Nota: para valores adicionais de superfície corporal: https://halls.md/body-surface-area/bsa.htm
Gravidez Ectópica 39

Como precauções adicionais após tratamento recomenda-se: evitar relações


sexuais até -hCG negativar, evitar exposição solar (risco de dermatite associada
ao metotrexato), evitar ingestão de ácido fólico durante 15 dias, evitar anti-
-inflamatórios não esteroides (AINE) durante 15 dias (risco de supressão medular
e toxicidade gastrointestinal), avaliação ecográfica semanal enquanto houver
sintomatologia ou -hCG >500 mUI/ml, e depois mensal até -hCG negativar.
Tratamento cirúrgico: a propor como alternativa possível à terapêutica médica,
quando não existem critérios ou quando houve falência da terapêutica médi-
ca, quando há desejo de contraceção definitiva, perante doença tubária com
fertilização in vitro planeada, e quando há repetição de GE na mesma trompa. Em
doentes hemodinamicamente instáveis, deve optar-se pela laparotomia. Nas
restantes deve ser privilegiada a abordagem laparoscópica a qual, se não houver
capacidade de realização imediata, pode ser adiada para o dia útil se- guinte. A
salpingectomia está recomendada se houver hemorragia persistente, GE
recorrente na mesma trompa, lesão/distorção tubária importante, gravidez
heterotópica, contraindicação para metotrexato ou desejo de contraceção defi-
nitiva. A salpingostomia deve ser considerada nas restantes situações. Nesta
última é necessário manter uma avaliação semanal de -hCG até negativar. Se
não houver diminuição da -hCG é necessário considerar-se o tratamento com
metotrexato (ver “Tratamento médico com metotrexato”).

GRAVIDEZ ECTÓPICA OVÁRICA


Ecograficamente pode observar-se saco gestacional ovárico ou tecido trofoblás-
tico no córtex ovárico. O tratamento pode ser médico com metotrexato (ver
“Tratamento médico com metotrexato”) ou cirúrgico, realizando-se ressecção
parcial ou total do ovário.

GRAVIDEZ ECTÓPICA INTERSTICIAL (OU CORNUAL)


Ecograficamente pode observar-se a cavidade uterina vazia, saco gestacional
na região cornual, sem comunicação com a cavidade endometrial e camada
miometrial fina (<5 mm) a rodeá-lo. As opções terapêuticas são: metotrexato
sistémico se -hCG <5 000 mUI/ml (ver “Tratamento médico com metotrexato”);
metotrexato em injeção local se -hCG entre 5 000-10 000 mUI/ml (50 mg:
25 mg no saco gestacional e 25 mg no trofoblasto, injeção concomitante de
5 mEq KCl se batimentos cardíacos visíveis). Caso exista instabilidade hemodinâ-
mica, -hCG >10 000 mUI/ml ou insucesso do tratamento médico é necessário
considerar tratamento cirúrgico com ressecção em cunha do corno uterino e
salpingectomia homolateral.
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GRAVIDEZ ECTÓPICA CERVICAL


O sintoma mais comum é a hemorragia vaginal indolor. Ecograficamente pode
observar-se cavidade endometrial vazia, canal cervical alargado, saco gestacional
abaixo do orifício cervical interno e da inserção das artérias uterinas, embrião
ou feto no canal cervical. As opções terapêuticas são: metotrexato sistémico se
-hCG <5 000 mUI/ml, (ver “Tratamento médico com metotrexato”); metotrexato
40 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

em injeção local se -hCG >5 000 mUI/ml, (50 mg: 25 mg no saco gestacional
e 25 mg no trofoblasto, injeção concomitante de 5 mEq KCl se batimentos car-
díacos visíveis). Caso haja instabilidade hemodinâmica, hemorragia profusa ou
persistente, ou falência do tratamento médico deve considerar-se embolização
pré-cirúrgica das artérias uterinas ou laqueação cirúrgica do ramo descendente
das artérias uterinas, seguido de curetagem/aspiração uterina, se necessário
complementada com colocação de balão intrauterino.

GRAVIDEZ ECTÓPICA NA CICATRIZ DE HISTEROTOMIA


Ecograficamente pode observar-se: cicatriz de histerotomia alargada por uma
massa que pode fazer procidência no contorno anterior do útero, ausência de
gravidez intrauterina, trofoblasto entre a bexiga e a parede anterior do útero,
ausência de miométrio entre o saco gestacional e a bexiga, evidência Doppler
de perfusão do peritrofoblasto. As opções terapêuticas são: metotrexato sis-
témico se -hCG <5 000 mUI/ml, (ver “Tratamento médico com metotrexato”);
metotrexato em injeção local se -hCG >5 000 mUI/ml, (50 mg: 25 mg no saco
gestacional e 25 mg no trofoblasto, injeção concomitante de 5 mEq KCl se ba-
timentos cardíacos visíveis). Caso haja instabilidade hemodinâmica, hemorragia
abundante, ou falência do tratamento médico considerar resseção cirúrgica da GE
seguida de correção da cicatriz da histerotomia.

GRAVIDEZ ECTÓPICA ABDOMINAL


A localização da GE e o quadro clínico são muito variáveis. Nas fases iniciais
pode não haver imagem ecográfica sugestiva de GE, situação denominada gra-
videz de localização incerta. Esta situação é compatível com uma atitude
expectante se estiverem presentes os critérios definidos para o tratamento da GE
tubária (ver “Atitude expectante”). É também possível o tratamento médico com
metotrexato se estiverem presentes os critérios definidos para a GE tu- bária não-
rota (ver “Tratamento médico com metotrexato”), mesmo na ausência de imagem
ecográfica. Quando o saco gestacional é visível na ecografia, o diagnóstico assenta
na visualização da cavidade uterina vazia e ausência de miométrio na zona de
implantação da placenta. Na presença de feto com ba- timentos cardíacos visíveis
é preferível a abordagem cirúrgica por laparotomia, com extração fetal e
deixando a placenta in situ, devido ao elevado risco de hemorragia do leito
placentário.

GRAVIDEZ HETEROTÓPICA
A apresentação é semelhante à da GE tubária, mas o diagnóstico é geralmente
mais tardio, devendo ser considerado em mulheres com gravidez intrauterina
evolutiva associada a dor abdominal intensa. O tratamento médico com meto-
trexato está contraindicado sendo a salpingectomia laparoscópica o tratamento
de eleição.
Gravidez Ectópica 41

CUIDADOS ADICIONAIS EM TODAS AS SITUAÇÕES DE GRAVIDEZ ECTÓPICA


Na altura do diagnóstico de GE:
■ Se comprimento craniocaudal (CCC) ≥7 mm, se houve documentação de ba-
timentos cardíacos, ou se ≥7semanas de amenorreia: administrar imunoglo-
bulina (Ig) anti-D 300 mcg IM (1 500 UI) em mulheres Rh (D) negativas com teste
de Coombs indireto negativo ou desconhecido, se o grupo sanguíneodo
progenitor masculino for Rh (D) positivo ou desconhecido;
■ Após a resolução da situação deve enviar-se informação para o médico assis-
tente e passar eletronicamente um “certificado de incapacidade temporária
para o trabalho” (14-30 dias de licença, de acordo com a avaliação clínica).
Em alternativa, passar uma declaração comprovativa da situação de interrup-
ção da gravidez para entregar na Segurança Social.

BIBLIOGRAFIA
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© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS
12 DOENÇA TROFOBLÁSTICA GESTACIONAL

INÊS M ARTINS, CLÁUDIA ARAÚJO

INTRODUÇÃO
A doença trofoblástica gestacional (DTG) engloba todos os tumores resultantes de
proliferação anómala de células trofoblásticas, subdividindo-se em três tipos:
mola hidatiforme (MH) (completa, incompleta e invasiva), neoplasia maligna
do trofoblasto (coriocarcinoma, tumor trofoblástico do leito placentário, tumor
trofoblástico epitelioide), e lesões não neoplásicas e não molares (exagero da
zona de implantação, nódulo de leito placentário). Na ausência de um diagnóstico
histopatológico definitivo, a doença diagnosticada como resultado de elevação
persistente da subunidade beta livre da gonadotrofina coriónica humana (-hCG)
após o esvaziamento cirúrgico/expulsão espontânea de uma gravidez molar é
denominada DTG persistente. A DTG persistente, a MH invasiva e a neoplasia
maligna do trofoblasto são englobadas numa entidade denominada neoplasia
trofoblástica gestacional (NTG). O tumor trofoblástico do leito placentário, o
tumor trofoblástico epitelioide e as lesões benignas não molares são entidades
raras, não sendo abordadas no presente protocolo.

MOLA HIDATIFORME
É causada por uma fecundação aberrante que resulta numa gravidez genetica-
mente anómala à custa da expressão excessiva de genes paternos, podendo
ser diploide ou triploide. Ocorre uma proliferação excessiva do trofoblasto, po-
dendo coexistir tecido embriofetal (MH parcial) ou podendo este estar ausente
(MH completa). Afeta ~0,18% das gestações. Constituem fatores de risco: idade
materna >40 anos, etnia asiática e diagnóstico anterior de MH. Cercade 20%
dos casos de MH completa e ~5% dos casos de MH parcial evoluempara NTG.

Diagnóstico
A principal manifestação clínica é a hemorragia vaginal no 1.º trimestre, sendo as
restantes (hiperemese, pré-eclâmpsia precoce, hipertiroidismo) atualmente
raras, devido ao diagnóstico e tratamento mais precoces. O diagnóstico baseia-se
numa imagem ecográfica sugestiva (placenta com múltiplas vesículas hipoecogé-
nicas, com ou sem tecido embriofetal) e níveis séricos de -hCG anormalmente
elevados para a idade gestacional, sendo o diagnóstico definitivo histológico.
Nas doentes com suspeita clínica de MH solicitar: doseamento sérico de -hCG,
hemograma, função hepática, renal e tiroideia, estudo da coagulação, ecografia
transvaginal e radiografia torácica.
Doença Trofoblástica Gestacional 43

Orientação clínica

Perante o diagnóstico clínico de MH preconiza-se o internamento no setor de


Medicina Materno-Fetal e:
■ Determinação do grupo sanguíneo e reserva de 2U de concentrado de eri-
trócitos;
■ Esvaziamento uterino cirúrgico por aspiração no período diurno, logo que
tenham decorrido pelo menos 6 horas de jejum. Deve ser realizado sob
anestesia geral, sob controlo ecográfico e sob perfusão de ocitocina [5 UI
em 500 ml de soro fisiológico (SF) a 250 ml/hora] a qual deve ser mantida
durante 2 horas após o esvaziamento. A sonda de aspiração deve ser
colocada ao nível do orifício cervical interno e avançada lentamente em direção
ao fundo uterino à medida que o volume uterino for diminuindo e até que
não exista qualquer conteúdo (rever com cureta, se necessário). Se for
indispensável efetuar dilatação cervical prévia, devem ser escolhidos métodos
mecânicos (dilatadores ou sonda de Foley), estando desaconselhada a
utilização de prostaglandinas. Todo o material colhido deve ser enviado
para estudo histológico. Deve ser administrada imunoglobulina (Ig) anti-D
a mulheres com grupo sanguíneo Rh- (ver protocolo “7. Aborto e gravidez não-
evolutiva do 1.º trimestre”);
■ Alta geralmente às 24 horas pós-cirurgia, com referenciação para a consulta
de Medicina Materno-Fetal;
■ Doseamento de β-hCG às 48 horas e depois semanalmente. Nas molas parciais
o seguimento é descontinuado após um doseamento negativo; nas molas
completas a vigilância deverá manter-se por 12 meses com doseamen- tos
mensais após o primeiro doseamento negativo;
■ Desaconselhar fortemente nova gravidez durante o período de vigilância e
recomendar contraceção eficaz. A contraceção oral combinada de baixa do-
sagem não está contraindicada. Os dispositivos intrauterinos não devem ser
utilizados antes da normalização da hCG, pelo risco de perfuração uterina
associado a subinvolução uterina e a mola invasiva.
Nos casos em que o diagnóstico de MH é estabelecido apenas pela avaliação
histológica dos produtos de conceção, deve ser repetida a ecografia transvaginal
e realizado esvaziamento uterino por aspiração se houver evidência de conteúdo
intrauterino. A restante vigilância é semelhante.
Planeamento de nova gravidez: o risco de nova gravidez molar é de ~1% após
uma gestação molar e de ~20% após duas gestações molares, recomendando-se
ecografia transvaginal precoce em gestações subsequentes.

NEOPLASIA TROFOBLÁSTICA GESTACIONAL


IDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

Engloba todas as formas persistentes, invasivas ou metastáticas de DTG (DTG


persistente, MH invasiva e neoplasia maligna do trofoblasto) e afeta ~0,003%
das gestações. Na MH invasiva, forma mais frequente de DTG, ocorre inva-
são do miométrio ou metastização, geralmente pulmonar. O coriocarcinoma pode
ocorrer após qualquer gravidez, mas a incidência após MH completa é1 000
44 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

capacidade de invasão local e metastização. Constituem fatores de risco para


a NTG: idade >40 anos e diagnóstico anterior de MH.

Diagnóstico
O espetro de apresentação clínica da NTG é variável, podendo a suspeita advir de
valores de -hCG >100 000 mUI/ml, hemorragia uterina anómala, presença de
cistos tecaluteínicos >6 cm, hipertensão arterial (HTA) de novo, hiperemese,
subinvolução uterina pós-parto ou, mais raramente, sintomas associados a um
quadro metastático. O diagnóstico é efetuado de acordo com os seguintes
critérios:
■ Diagnóstico histológico de coriocarcinoma ou de MH invasiva;
■ Subida dos níveis de -hCG (≥10%) em 3 doseamentos semanais;
■ Níveis estáveis de -hCG (variação <10%) em 4 doseamentos semanais.
Perante a suspeita clínica de NTG, a biópsia diagnóstica é desaconselhada de-
vido ao risco hemorrágico e por não ser considerada essencial para o início de
tratamento. Perante uma hemorragia uterina abundante, é necessário o esvazia-
mento uterino cirúrgico, devendo o material ser enviado para estudo histológico.
A biópsia de lesões metastáticas é desaconselhada, dada a hipervascularização da
NTG e o risco de hemorragia.

Estadiamento e avaliação dos níveis de risco


Todas as mulheres com NTG devem ser referenciadas à consulta de Gineco-
logia Oncológica para estadiamento e avaliação do score de risco, essenciais para
determinar a terapêutica e para estabelecer o prognóstico da doença(ver
Quadro 12.1 e Tabela 12.1). Para este fim deve solicitar-se: doseamento sérico
de -hCG, hemograma, função hepática, renal e tiroideia, estudo da coagulação,
ecografia transvaginal, radiografia de tórax. Perante a suspeita de metastização
pulmonar, esta deverá ser confirmada por tomografia com- putorizada (TC)
torácica. Na presença de metástases pulmonares solicitar ressonância magnética
(RM) cerebral com contraste e TC abdominal comcontraste, sendo opcional a
realização de RM pélvica. Os doseamentos de hCG e o estadiamento
radiológico deverão ser realizados idealmente nas 24horas prévias ao início
do tratamento.


Estádio I: limitada ao útero

Estádio II: extensão para além do útero, mas limitada às estruturas
genitais (anexos, vagina e ligamento largo) por metastização ou ex-
tensão direta

Estádio III: metastização pulmonar, com ou sem envolvimento dos
órgãos genitais

Estádio IV: todos os outros locais metastáticos
* De Acordo com as Orientações da FIGO de 2018
Doença Trofoblástica Gestacional 45

Tabela 12.1 – NÍVEIS DE PROGNÓSTICO DA NTG*


Score
0 1 2 4
Idade (anos) <40 ≥40 – –
Gravidez anterior MH Aborto Termo –
Intervalo entre gravidez e <4 4-6 7-12 >12
quimioterapia (meses)
β-hCG sérica <1 000 1 000-10 000 10 000-100 000 ≥100 000
pré-tratamento (UI/l)
Maior dimensão do tumor <3 cm 3-4 cm ≥5 cm –
(incluindo o uterino)
Local das metástases Pulmão Baço, rim Gastrointestinal Fígado, cérebro

Número de metástases 0 1-4 5-8 >8

Insucesso de – – Monoterapia ≥2 fármacos


quimioterapia prévia
* De Acordo com a OMS e FIGO

Orientação clínica
As doentes com NTG devem manter vigilância clínica na consulta de Ginecologia
Oncológica em articulação com a Oncologia Médica para eventual instituição
de quimioterapia. As doentes consideradas de baixo risco (estádios I-III, com
score <7) têm uma sobrevida que se aproxima dos 100%. O tratamento pre-
conizado envolve monoquimioterapia, baseada em metotrexato ou actinomici-
na D. Nas doentes com projeto reprodutivo concluído, ou nas situações “de
resgate”, a histerectomia com salpingectomia apresenta taxas de cura ~80%.
Nas doentes com projeto reprodutivo poderá ser ponderado como terapêutica
inicial um segundo esvaziamento uterino cirúrgico com curetagem (taxas de
cura 9-80%). Nos casos em que este procedimento não possibilita a cura,
o efeito citorredutor permite redução do número de ciclos de quimioterapia.
As doentes de alto risco (estádios IV e/ou score ≥7) têm sobrevivência global
de ~95% em centros com experiência. O tratamento preconizado envolve poli-
quimioterapia e eventual cirurgia “de resgate” com realização de histerectomia
e/ou toracotomia nos casos de doença resistente, desde que seja exequível
uma excisão completa. A vigilância clínica pressupõe o doseamento sérico de
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

-hCG: na doença de baixo risco, a monitorização deve ser semanal atéà sua
negativação e, posteriormente, mensal durante 12 meses. Na doença de alto
risco, a monitorização deverá ser semanal até às 6 semanas e, pos- teriormente,
mensal até 12-18 meses, com seguimento individualizado até aos 5 anos. Deve-
se desaconselhar fortemente uma nova gravidez durante o período de tratamento
e no primeiro ano após terminação da quimioterapia, recomendando-se
contraceção eficaz.
46 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Gravidez após neoplasia trofoblástica gestacional


Numa gravidez subsequente a uma NTG deve ser realizada ecografia transvaginal
precoce. A placenta ou os restos ovulares, em caso de aborto, devem ser en-
viados para estudo histológico. A -hCG deve ser doseada às 6 e 10 semanas pós-
parto, altura em que deve ser indetetável.

BIBLIOGRAFIA
CANCRO GINECOLÓGICO. Consensos Nacionais 2020 da Sociedade Portuguesa de Ginecologia.
COSTA HL, D OYLE P. Influence of oral contraceptives in the development of post-molar tro-
phoblastic neoplasia-a systematic review. Gynecol Oncol. 2006;100(3):579-585.
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nal trophoblastic disease: description and critical assessment. Int J Gynecol Cancer.
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T AVASSOLI FA, D EVILEE P, eds. World Health Organization classification of tumours: pathology
and genetics of tumors of the breast and female genital organs. Lyon, France: IARC Press
2013.
HIPEREMESE GRAVÍDICA 13
ALEXANDRA M EIRA, ALEXANDRA HENRIQUES

INTRODUÇÃO
A hiperemese gravídica é a expressão mais grave do quadro de náuseas e vó- mitos
frequente no início da gravidez, afetando ~0,3% de todas as gestações. Define-se
como a ocorrência de vómitos repetitivos e persistentes (com início nas
primeiras 9 semanas de gravidez e não relacionados com outras causas),
associados a cetonúria e a perda ponderal. Os principais fatores de risco são:
hiperemese em gestação anterior, obesidade, gravidez múltipla, doença neoplási-
ca do trofoblasto e alterações da função tiroideia. As complicações graves são
raras e incluem: encefalopatia de Wernicke, síndrome de Mallory-Weiss, rotura
esofágica, neuropatia periférica, pneumotórax, aborto, restrição de crescimen-
to e morte fetal. Esta situação causa frequentemente alterações analíticas:
elevação do hematócrito, alterações eletrolíticas (hiponatremia, hipocloremia,
hipo/hipercaliemia); aumento das transaminases, bilirrubina, amílase e lípase;
alterações da função tiroideia (aumento da T4 livre e diminuição da hormona
estimulante da tiroide (TSH) com autoanticorpos negativos).

ABORDAGEM CLÍNICA
Na urgência
■ Avaliação da tensão arterial (TA), frequência cardíaca materna (FCM) e peso;
■ Ecografia obstétrica para despiste de doença do trofoblasto e gravidez ge-
melar;
■ Avaliação analítica: hemograma, ionograma, função renal (ureia, creatinina),
função hepática (transaminases, bilirrubina), função tiroideia (T4 livre e TSH),
amílase, lípase, exame sumário de urina;
■ Vigilância em jejum durante 3-4 horas na sala de observações da urgência, ex-
ceto se tiver critérios de internamento (ver “Critérios de internamento” abaixo);
■ Soro polieletrolítico 1000 ml endovenoso (EV) a 500 ml/hora;
■ Ondansetron 4 mg em bólus EV lento;
■ Após 2-3 horas, avaliação da tolerância da alimentação com líquidos (chá com
açúcar em pequenas quantidades) e, em caso de sucesso, com bolachas.

Critérios de internamento
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

■ Desidratação ou perda de peso marcados;


■ Alterações analíticas marcadas;
■ Persistência de vómitos após hidratação e tratamento antiemético inicial;
■ Má resposta ao tratamento em ambulatório, com cetonúria e perda ponderal
continuadas.
48 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Tratamento em ambulatório
Terapêutica antiemética
■ Doxilamina + dicloverina + piridoxina: (Nausefe®) 10 mg per os (PO) (1 de
manhã, 2 à noite) (1.ª escolha);
■ Dimenidrinato: 25-50 mg PO de 6/6 horas (não exceder 200 mg/dia se
terapêutica concomitante com doxilamina);
■ Prometazina: 25 mg PO de 6/6 horas;
■ Ondansetron: 4 mg PO de 12/12 horas;
■ Metoclopramida: 10 mg PO de 8/8 horas.
Recomendações adicionais
■ Refeições frequentes (≥6/dia) com ingestão de pequena quantidade de ali-
mentos sólidos a cada refeição, pouco condimentados e bem mastigados. Evitar
alimentos gordurosos, doces ou ácidos;
■ Ingestão de uma bolacha de água e sal em jejum de manhã, antes de se levantar;
■ Suplemento alimentar de gengibre 250 mg PO às 3 principais refeições;
■ Evitar a exposição a cheiros intensos.

Tratamento em regime de internamento


■ Soro polieletrolítico 1000 ml EV a 125-500 ml/hora, de acordo com estado
de hidratação. Não exceder 6 000 ml/dia;
■ Evitar soros glicolisados nas primeiras horas, devido ao risco de encefalopatia
de Wernicke quando há deficiência de tiamina (não é possível dosear no hos-
pital). Iniciar soro polieletrolítico com glicose apenas se mantiver intolerância
alimentar após 6 horas;
■ Se potássio sérico <3 mmol/l, grávida a tomar antiarrítmicos ou com insufi-
ciência renal pedir apoio de Medicina Interna para a prescrição de potássio. Nas
restantes situações, administrar potássio em 1 000 ml soro fisiológico (SF),
de acordo com a Tabela 13.1. Reavaliação dos níveis séricos a cada 12-24
horas:

Tabela 13.1 – E SQUEMA DE R EPOSIçÃO DO P OTÁSSIO NAS SITUAçÕES DE HIPOCALIEMIA


Potássio sérico Esquema de perfusão Ritmo de perfusão
3,0-3,5 mmol/l 2 amps. de 75 mg/ml 10 ml (40 mmol/l) 250 ml/h
<3 mmol/l 4 amps. de 75 mg/ml 10 ml (40 mmol/l) 250 ml/h

■ Antieméticos: ondansetron 4-8 mg em bólus EV lento de 12/12 horas. Em


alternativa metoclopramida 10 mg (amps. 5 mg/ml, 2 ml) em bólus EV lento
de 8/8 horas;

■ Reintroduzir alimentação líquida e sólida em pequenas quantidades, segundo


vontade da grávida;
■ Suplementação vitamínica: tiamina 100 mg (1 amp. de 50 mg/ml com 2 ml) em
100 ml de SF a correr em 30 minutos 1 vez/dia durante 2-3 dias, quando os
vómitos têm mais de 3 semanas de evolução, quando é necessário fluido-
terapia com glicose, ou quando é necessária nutrição parentérica.
Hiperemese Gravídica 49

Casos refratários à terapêutica habitual

■ Adicionar à terapêutica antiemética cloropromazina 25-50 mg (1 amp. 25 mg/


/ml, 2 ml) em bólus EV lento de 8/8 horas;
■ Prednisolona 15 mg PO (comps. de 5 mg) de 8/8 horas ou prednisolona 125
mg (amps. 125 mg/ml, 2 ml) em bólus EV lento 1 vez/dia. Se não houver
resposta, suspender ao 3.º dia, sem necessidade de desmame. Se houver
resposta, no 4.º dia faz 15 mg PO 8/8 horas, do 5.º-7.º dia faz 10 mg PO
8/8 horas, e depois faz 5 mg PO 8/8 horas durante mais 7 dias;
■ Em casos refratários a toda a terapêutica médica, considerar nutrição entéri- ca
através de sonda nasogástrica, nutrição parentérica e, em último recurso,
interrupção médica da gravidez.

BIBLIOGRAFIA
ABAS MN, TAN PC, AZMI N, et al. Ondansetron compared with metoclopramide for hypere-
mesis gravidarum: a randomized controlled trial. Obstet Gynecol. 2014;123(6):1272-1279.
AMERICAN C OLLEGE OF O BSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS . Nausea and vomiting of pregnancy.
Practice Bulletin no. 189. Obstet Gynecol. 2018;131(1):e15-e30.
DING M, LEACH M, BRADLEY H. The effectiveness and safety of ginger for pregnancy-induced
nausea and vomiting: a systematic review. Women Birth. 2013;26(1):e26-e30.
GILL SK, EINARSON A. The safety of drugs for the treatment of nausea and vomiting of
pregnancy. Expert Opin Drug Saf. 2007;6(6):685-689.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS
Situações Próprias da

III
Gravidez que Ocorrem
Predominantemente no
2.º e 3.º Trimestres
ENCARCERAMENTO UTERINO 14
M ARIA P ULIDO VALENTE , CRISTIANA M ARINHO S OARES , S USANA S ANTO

INTRODUÇÃO
Entende-se por encarceramento uterino a situação em que ao longo da gravidez
o fundo uterino fica retido na cavidade pélvica. Tem uma incidência de ~0,03%
das gestações. Os principais fatores de risco são o útero em retroversão (ocorre
em 15-20% das mulheres não grávidas e em cerca de 11% das mulheres na
fase inicial da gravidez), concavidade sagrada pronunciada com promontório
proeminente, endometriose, doença inflamatória pélvica, antecedentes de ci-
rurgia abdominal ou pélvica, aderências pélvicas ou uterinas, cistos ováricos,
leiomiomas, gestações multifetais, malformações uterinas, prolapso uterino e
encarceramento uterino anterior. O diagnóstico é clínico, ocorrendo geralmente
às 14-16 semanas de gestação. As queixas mais frequentes são retenção uri-
nária (sintoma precoce mais comum), outra sintomatologia urinária (polaquiúria,
disúria, incontinência urinária paradoxal), dor hipogástrica, obstipação, hemorragia
vaginal, dor perineal e tenesmo rectal. Ao exame objetivo encontra-se um colo
uterino difícil de visualizar (muito anteriorizado), uma massa palpável no fundo
de saco posterior e uma altura do fundo uterino inferior à esperada para a idade
gestacional. A ecografia revela geralmente um colo uterino alongado e deslocado
anteriormente. Numa minoria dos casos, as grávidas mantêm-se assintomáticas
e o diagnóstico é efetuado apenas na altura do parto. Esta situação é atual- mente
muito rara na segunda metade da gravidez, mas quando ocorre as prin- cipais
complicações obstétricas são: restrição de crescimento fetal (RCF), parto pré-
termo (PPT), necrose da parede uterina, rotura uterina e morte fetal. Pode haver
também compressão de estruturas intestinais e urinárias, gangrena rectal,
peritonite, hidronefrose, rotura vesical e insuficiência renal. A compressão dos
vasos pélvicos aumenta a predisposição para o tromboembolismo venoso (TEV).

ABORDAGEM CLÍNICA
A abordagem clínica depende da idade gestacional.

Entre as 14-20 semanas


Em grávidas assintomáticas ou com sintomas ligeiros deve ser proposta a redu-
ção passiva do encarceramento, em que a grávida adota a posição genupeitoral
durante 10 minutos 3 vezes/dia, após esvaziamento vesical. Caso não resolva após
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

1 semana ou se houver sintomas relevantes, deve ser tentada a redução manual


do encarceramento (ver Figura 14.1). A primeira tentativa pode ser semanestesia,
mas se não for bem tolerada é necessária uma sedação:
■ Colocar a grávida em posição de litotomia com as pernas em apoios;
■ Desinfeção perineal;
■ Esvaziamento vesical;
54 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

■ Aplicação de pressão digital contínua no fundo de saco vaginal posterior,


empurrando o fundo uterino em direção cefálica até à libertação do útero.
Realizar sob controlo ecográfico transabdominal;
■ Se necessário, aplicar uma pinça de Pozzi no lábio anterior do colo e realizar
tração na direção do introito vaginal para fazer contrapressão;
■ Se necessário, pode ser realizado toque rectal para auxiliar o procedimento;
■ Em situações muito raras pode ser necessário o recurso a colonoscopia ou a
laparoscopia para complementar o procedimento. A recorrência da situa-
ção é extremamente rara, pelo que a vigilância subsequente da gravidez é
geralmente de rotina.

Figura 14.1 – Técnica de redução manual do encarceramento uterino.

Após as 20 semanas
Deve adotar-se uma atitude expectante, porque a redução manual do encarcera-
mento tem uma taxa de sucesso reduzida e um elevado risco de complicações
obstétricas, nomeadamente morte fetal e PPT. As medidas de suporte incluem:
autocateterização vesical intermitente, analgesia e vigilância das complicações. O
parto vaginal está contraindicado nestas situações, devendo ser agendada uma
cesariana programada para as 36 semanas de gestação. A incisão abdominal
deve ser mediana, na tentativa da redução do encarceramento uterino antes da
histerotomia. Se tal não for possível, a histerotomia deve ser realizada o mais
acima possível, perto do ponto de flexão uterino. A realização de histerotomia no
local onde normalmente se localiza o segmento inferior acarreta um risco elevado
de lesão da bexiga, colo e vagina, bem como uma grande dificuldade na
extração fetal.

BIBLIOGRAFIA
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ultrasound imaging appearances. Am J Roentgenol. 2013;201(1):223-229.
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Surv. 2016;71(10):613-619.
INSUFICIÊNCIA CERVICAL 15
SÍLVIA SERRANO , M ARIA DE C ARVALHO AFONSO

INTRODUÇÃO
Entende-se por insuficiência cervical a incapacidade de o colo do útero man-
ter o tónus necessário para a retenção dos produtos de conceção dentro da
cavidade uterina, na ausência de contrações uterinas regulares. Manifesta-se
por um aborto tardio ou um parto pré-termo (PPT) que ocorre entre as 14-27
semanas, na ausência de sintomatologia relacionada com contrações uterinas
(perda fetal assintomática no 2.º trimestre). Tem como principais causas os
defeitos do desenvolvimento embrionário dos ductos müllerianos, as doenças
do tecido conjuntivo (p. ex., síndrome de Ehlers-Danlos ou síndrome de Marfan),
traumatismo cervical anterior (p. ex., dilatação cervical mecânica, conização), a
hiperdistensão uterina e a inflamação/infeção local. Frequentemente não é pos-
sível identificar uma causa subjacente. A incidência estimada ronda os 0,5%. O
diagnóstico baseia-se na história de duas ou mais perdas fetais assintomáticas
no 2.º trimestre; na história de uma perda fetal assintomática do 2.º trimestre,
juntamente com um colo curto na presente gravidez; ou na deteção de dilatação
e apagamento cervical entre as 14-27 semanas, na ausência de sintomatologia
sugestiva de contrações uterinas regulares. As membranas podem estar prolap-
sadas para a cavidade vaginal e pode ocorrer rotura espontânea das mesmas.

ABORDAGEM CLÍNICA
A abordagem depende do momento e dos achados na altura do diagnóstico.

História de duas perdas fetais assintomáticas do 2.º trimestre


■ Abstenção de atividade física intensa durante toda a gravidez;
■ Progesterona 200 mg per vagina (PV) 1 caps./dia ao deitar a partir das 13+0
semanas até às 36+6 semanas;
■ Recomendar ciclorrafia cervical indicada pela história às 14-15 semanas
(ver protocolo “17. Ciclorrafia cervical por via transvaginal”).

História de uma perda fetal assintomática do 2.º trimestre


Abstenção de atividade física intensa durante toda a gravidez;
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

■ Progesterona 200 mg PV 1 caps./dia ao deitar a partir das 13+0 até às 36+6


semanas;
■ Propor avaliação ecográfica seriada do comprimento cervical entre as 16-
-24 semanas, quinzenal se o comprimento cervical for ≥30 mm, ou semanal
se comprimento cervical for <30 mm ou se houver um encurtamento franco
do colo;
56 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

■ Recomendar ciclorrafia cervical indicada pela ecografia até às 24+6 semanas, se


na avaliação seriada do colo se constatar um encurtamento do mesmo (<25
mm) (ver protocolo “17. Ciclorrafia cervical por via transvaginal”).

Dilatação cervical assintomática entre as 14-28 semanas


■ Propor internamento hospitalar e repouso relativo no leito;
■ Propor ciclorrafia cervical indicada pela clínica entre as 14+0-24+6 semanas, se
tecnicamente possível e na ausência de contraindicações. Esta medida reduz
em 45% o risco de PPT antes das 34 semanas (ver protocolo “17. Ciclorrafia
cervical por via transvaginal”);
■ Ciclo de corticosteroides de acordo com protocolo “71. Corticosteroides para
indução da maturidade fetal”;
■ Não sendo possível realizar ciclorrafia cervical, progesterona 200 mg PV 1
caps./dia ao deitar, desde a data de diagnóstico até às 36+6 semanas, manter
internamento hospitalar e abordagem individualizada.

GESTAÇÕES MÚLTIPLAS
A abordagem clínica perante a história de duas perdas fetais assintomáticas
do 2.º trimestre e perante a história de uma perda fetal assintomática do 2.º
trimestre é igual à das gestações unifetais. Na dilatação cervical assintomáti-
ca, a ciclorrafia reduz em 50% a incidência de PPT antes das 28 semanas e
reduz a mortalidade perinatal em 78%. Nos colos curtos e na dilatação cervical
assintomática pode ser considerada a colocação de um pessário vaginal de Arabin
entre as 14+0-30+0 semanas, em alternativa à ciclorrafia cervical, quando
tecnicamente possível.

BIBLIOGRAFIA
BERGHELLA V, RAFAEL TJ, SZYCHOWSKI JM, et al. Cerclage for short cervix on ultrasonography in
women with singleton gestations and previous preterm birth: a meta-analysis. Obstet
Gynecol. 2011;117(3):663-671.
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Randomized Controlled Trial. Am J Obstet Gynecol. 2020;223(6):902.e1-902.e11.
COLO CURTO 16
M ARIA DE CARVALHO AFONSO, DIOGO AYRES DE CAMPOS, LUÍSA PINTO

INTRODUÇÃO
Define-se colo curto como a deteção por ecografia transvaginal de um compri-
mento cervical ≤25 mm entre as 16+0-24+0 semanas, ou ≤20 mm após as 24+0
semanas, na ausência de contractilidade uterina relevante. O colo curto antes das
30 semanas tem uma associação forte com o parto pré-termo (PPT), mas esta
associação deixa de se verificar após este período. A avaliação do com- primento
cervical está indicada por rotina na ecografia do 2.º trimestre. Em grávidas com
história sugestiva de insuficiência cervical deve realizar-se avalia- ção seriada
entre as 16-24 semanas, com intervalo quinzenal se o comprimento cervical for
≥30 mm, e com intervalo semanal se for <30 mm. Na gravidez múltipla e nos
antecedentes de insuficiência cervical deve ser realizada por ecografia
transvaginal. Nas restantes situações, a ecografia transvaginal apenas é realizada
quando há suspeita de colo curto por ecografia transabdominal ou quando esta
última é inconclusiva.

ORIENTAÇÃO CLÍNICA
Todas as grávidas com colo curto devem abster-se de atividade física intensa
e de atividade sexual. Deve ser-lhes entregue o panfleto informativo “Tenho um
colo curto – o que preciso de saber”.

Gravidez unifetal
Sem história sugestiva de insuficiência cervical, sem dilatação cervical
■ Progesterona 200 mg per vagina (PV) 1 caps./dia ao deitar a partir da data
do diagnóstico até às 36+6 semanas (reduz em 30% a incidência de PPT <34
semanas, em 50% a incidência de PPT <37 semanas, em 50% a morte neo- natal,
em 60% a necessidade de ventilação neonatal e em 25% a admissãoem
Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais).

Com história sugestiva de insuficiência cervical, sem dilatação cervical


■ Progesterona 200 mg PV 1 caps./dia ao deitar a partir das 13+0 até às 36+6
semanas;
Propor ciclorrafia cervical indicada pela história ou pela ecografia, se tec-
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

nicamente possível e na ausência de contraindicações, entre as 14+0-24+6


semanas (ver protocolo “17. Ciclorrafia cervical por via transvaginal”);
■ Não sendo possível realizar ciclorrafia, vigilância em ambulatório.

Com dilatação cervical


■ Propor internamento hospitalar;
58 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

■ Progesterona 200 mg PV 1 caps./dia ao deitar a partir da data de diagnóstico


até às 36+6 semanas;
■ Propor ciclorrafia cervical indicada pela clínica, se tecnicamente possível e
na ausência de contraindicações, entre as 14+0-24+6 semanas (ver protocolo “17.
Ciclorrafia cervical por via transvaginal”);
■ Ciclo de corticosteroides de acordo com protocolo “71. Corticosteroides para
indução da maturidade fetal”;
■ Não sendo possível realizar ciclorrafia, manter internamento hospitalar e abor-
dagem individualizada.

Gravidez múltipla
Sem história sugestiva de insuficiência cervical, sem dilatação cervical
■ Progesterona 200 mg PV 1 caps./dia ao deitar a partir da data do diagnóstico
até às 36+6 semanas;
■ Considerar a colocação de um pessário vaginal de Arabin entre as 14+0-30+0
semanas;
■ Vigilância em ambulatório.

Com história sugestiva de insuficiência cervical, sem dilatação cervical


■ Progesterona 200 mg PV 1 caps./dia ao deitar a partir das 13+0 até às 36+6
semanas;
■ Propor ciclorrafia cervical indicada pela história ou pela ecografia, se tec-
nicamente possível e na ausência de contraindicações, entre as 14+0-24+6
semanas (ver protocolo “17. Ciclorrafia cervical por via transvaginal”);
■ Não sendo possível realizar ciclorrafia, vigilância em ambulatório.

Com dilatação cervical


■ Internamento hospitalar e abordagem individualizada;
■ Progesterona 200 mg PV 1 caps./dia ao deitar a partir da data de diagnóstico
até às 36+6 semanas;
■ Ciclo de corticosteroides de acordo com protocolo “71. Corticosteroides para
indução da maturidade fetal”.
■ Considerar a colocação de um pessário vaginal de Arabin entre as 14+0-30+0
semanas, se tecnicamente possível.

BIBLIOGRAFIA
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Colo Curto 59

ROMERO R, NICOLAIDES KH, CONDE-AGUDELO A, et al. Vaginal progesterone decreases preterm


birth ≤ 34 weeks of gestation in women with a singleton pregnancy and a short cervix: an updated
meta-analysis including data from the OPPTIMUM study. Ultrasound Obstet Gynecol.
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VAISBUCH E, HASSAN SS, M AZAKI-TOVI S, et al. Patients with an asymptomatic short cervix (<or=15
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counseling. Am J Obstet Gynecol. 2010;202(5):433.e1-8.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS
17 CICLORRAFIA CERVICAL POR VIA TRANSVAGINAL

JOANA GOULãO BARROS, M ARIA DE CARVALHO AFONSO

INTRODUÇÃO
A ciclorrafia cervical tem por objetivo promover o encerramento do colo do útero nas
situações de suspeita de insuficiência cervical, podendo ser realizada por via
transvaginal ou transabdominal. A ciclorrafia transvaginal pode realizar-se
utilizando as técnicas de McDonald ou de Shirodkar (ver “Técnica”, à frente
neste capítulo). A primeira é geralmente mais simples e rápida, estando asso-
ciada a menor hemorragia, mas pressupõe um colo anatomicamente identifi-
cável e estruturalmente íntegro. A ciclorrafia transabdominal está geralmente
reservada para os casos em que a via transvaginal não é bem-sucedida ou
não é tecnicamente possível, estando fora do âmbito do presente protocolo.
As complicações da ciclorrafia são raras (<2%), sendo a principal a rotura in-
traoperatória de membranas. Pode também ocorrer hemorragia, rotura diferida
de membranas e corioamnionite. Por vezes a fita da ciclorrafia torna-se laxa,
podendo ser considerada a realização de nova ciclorrafia quando tal acontece
antes das 24+6 semanas. Raramente, pode resultar estenose cervical.

INDICAÇÕES
Ciclorrafia indicada pela história (realizada eletivamente às 14-15 semanas por
antecedentes sugestivos de insuficiência cervical)
■ Grávidas com antecedentes de ≥2 partos antes das 28 semanas ou abortos
tardios (≥14 semanas) sugestivos de insuficiência cervical (que ocorreram
sem contractilidade uterina relevante).

Ciclorrafia indicada pela ecografia (realizada entre as 14+0-24+6 semanas por


encurtamento cervical)
■ Grávidas com antecedentes de 1 parto antes das 28 semanas ou aborto tardio
(≥14 semanas) sugestivo de insuficiência cervical (que ocorreram sem
contractilidade uterina relevante) associado a encurtamento progressivo do
comprimento cervical detetado em ecografias seriadas realizadas entre as 16-
24 semanas.

Ciclorrafia indicada pela clínica (realizada entre as 14+0-24+6 semanas por dila-
tação assintomática)
■ Grávidas sem contractilidade relevante nas quais se visualizam as membranas
através de um colo dilatado ou quando há protusão das mesmas na vagina.
Constituem contraindicações para a ciclorrafia cervical: contractilidade ute-
rina rítmica ou frequente, corioamniotite, rotura de membranas, suspeita de
Ciclorrafia Cervical por Via Transvaginal 61

descolamento da placenta, protusão de membranas em ampulheta com escasso


líquido amniótico (LA) rodeando o feto ou evidência de malformações fetais
major.

TÉCNICA
Previamente à cirurgia
■ Ecografia para confirmar viabilidade fetal, idade gestacional, presença de
sludge e ausência de malformações fetais;
■ Obtenção de consentimento informado escrito;
■ Abstinência sexual na semana anterior à ciclorrafia programada;
■ Colheita de exsudado vaginal para cultura (geral, Chlamydia trachomatis e
Neisseria gonorrhoeae) e tratamento de eventuais infeções cervicais e vaginais
– apenas nas ciclorrafias programadas e urgentes;
■ Quando existe protusão de membranas ou sludge, protelar o procedimento
por 24-48 horas com a grávida em repouso. Na protusão de membranas
considerar indometacina 100 mg per rectum (PR) em toma única, seguida de 25
mg per os (PO) a cada 4-6 horas para reduzir o volume de LA. Havendo
estabilidade clínica, realizar amniocentese. A ciclorrafia está contraindicada se
a concentração de glucose no LA for ≤14 mg/dl ou desidrogenase lática (LDH)
>400 UI;
■ Tocólise com indometacina 100 mg PR 2 horas antes da cirurgia;
■ Antibioterapia profilática 1 hora antes da cirurgia: azitromicina 500 mg endo-
venosa (EV) e clindamicina 900 mg EV – apenas nas ciclorrafias emergentes.

Preparação da cirurgia
■ Pode ser realizada sob anestesia locorregional ou geral;
■ Presença de dois ajudantes, para otimizar a exposição do colo;
■ Colocar a doente em posição de litotomia com as pernas em apoios, e se
necessário em Trendelenburg;
■ Esvaziamento vesical prévio;
■ Preparação de fita de politereftalato de etileno (Mersilene® 5 mm), previa-
mente embebida em lidocaína + clorexidina (Instillagel®, seringas pré-cheias), para
facilitar o deslizamento da fita;
■ Desinfetar genitais externos, períneo, hipogastro e raiz das coxas com clo-
rexidina alcoólica a 2%;
■ Após indução da anestesia, desinfeção da vagina com iodopovidona a 2%
solução aquosa.

Aspetos comuns às duas técnicas


© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

■ Expor o colo com valvas retas compridas;


■ Pinçar os lábios anterior e posterior com pinças de Allis;
■ Perante a visualização de membranas, se a dilatação cervical for <2 cm,
introduzir no canal cervical uma sonda de Foley n.º 16, à qual se cortou a ponta,
e insuflar o balão com 30 ml de soro fisiológico (SF), após ultrapassaro orifício
cervical interno. O balão é desinsuflado e a sonda retirada após a
62 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

colocação da ciclorrafia, mas antes de apertar o nó. Para dilatações cervicais


maiores, empurrar as membranas com um retângulo de esponja hemostática
(Spongostan® ) montado numa pinça de Collins coração;
■ Tracionar o colo para fora e para baixo, de forma a identificar a prega de reflexão
cervicovaginal.

Técnica de McDonald
■ Introduzir a agulha da fita às 12 horas, 5 mm abaixo da prega de reflexão,
fazendo-a sair às 9 horas. O ponto deve ser suficientemente profundo para
incluir o máximo de tecido cervical, mas sem atingir o canal cervical (ver Figura
17.1);
■ Utilizando as pinças de Allis para expor o colo (bordo direito, face posterior e
bordo esquerdo) e rodando as valvas vaginais, dar pontos das 9-6 horas,6-3
horas e 3-12 horas (ver Figura 17.2);
■ Retirar as pinças de Allis e tracionar as extremidades da fita;
■ Realizar ecografia para confirmar o posicionamento da ciclorrafia. Em corte
longitudinal, o centro da linha imaginária que une os pontos deve idealmente
estar a >20 mm do orifício cervical externo;
■ Encerramento da ciclorrafia com 3 nós travados e atados firmemente;
■ Cortar as extremidades da fita, deixando cerca de 5 cm livres na vagina para
facilitar a remoção.

Figura 17.2 – Localização dos pontos


da sutura na técnica de McDonald.
(Fonte: ver final do capítulo)

Figura 17.1 – O primeiro ponto


da técnica de McDonald.
(Fonte: ver final do capítulo)

Técnica de Shirodkar
■ Incisão transversal com cerca de 2 cm na mucosa cervical anterior e na
mucosa cervical posterior, junto às pregas de reflexão cervicovaginal e cervi-
corretal (ver Figura 17.3);
■ Disseção romba do reto posteriormente e da bexiga anteriormente, expondo a
superfície do colo até à inserção dos ligamentos uterossagrados e cardinais;
■ Com pinças de Allis curvas, pinça-se o bordo lateral do colo dos dois lados, entre
as duas superfícies desnudadas;
Ciclorrafia Cervical por Via Transvaginal 63

■ Introduzir a agulha da fita às 12 horas, fazendo-a sair às 7 horas. O ponto


deve ser suficientemente profundo para incluir o máximo de tecido cervical,
sem atingir o canal cervical (ver Figura 17.3);
■ À esquerda procede-se como no ponto anterior, fazendo a agulha entrar às 6
horas e sair à 1 hora (ver Figura 17.3);
■ Retiram-se as pinças de Allis. Confirma-se a correta colocação da ciclorrafia com
ecografia (ver “Técnica de McDonald”);
■ Sutura das incisões da mucosa cervical com poliglactina-910 (Vicryl® 2/0);
■ Encerramento da ciclorrafia com 3 nós travados e atados firmemente;
■ Cortar as extremidades da fita, deixando cerca de 5 cm livres na vagina para
facilitar a posterior remoção.

Figura 17.3 – Os passos principais da técnica de Shirodkar.


(Fonte: ver final do capítulo)

Pós-operatório
■Repouso moderado no leito nas primeiras 24 horas;
■Tocólise com indometacina 100 mg PR 12/12 horas, nas primeiras 24 horas;
■Alta hospitalar às 12-24 horas, na ausência de intercorrências;
■Permanecer em casa com atividade física limitada durante uma semana;
■Restrição da atividade desportiva e esforços físicos intensos até às 37+0
semanas;
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

■ Abstinência sexual até às 37 semanas;


+0

■ Progesterona vaginal até às 36 semanas.


+6

Remoção da ciclorrafia (sem necessidade de analgesia)


■ Eletivamente às 37+0 semanas, em ambulatório;
■ Em qualquer momento da gestação, se ocorrer contractilidade uterina rítmica
sustentada ou suspeita de corioamniotite.
64 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

BIBLIOGRAFIA
BERGHELLA V, RAFAEL TJ, SZYCHOWSKI JM, et al. Cerclage for short cervix on ultrasonography in
women with singleton gestations and previous preterm birth: a meta-analysis. Obstet
Gynecol. 2011;117(3):663-671.
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Fonte das figuras


17.1-17.3 – MONTENEGRO, N, et al. Protocolos de Medicina Materno-Fetal, 3.ª ed.
Lisboa: Lidel, 2014.
PARTO PRÉ-TERMO ESPONTÂNEO E TOCÓLISE 18
DIOGO AYRES DE CAMPOS, L UÍSA P INTO

INTRODUÇÃO
Define-se parto pré-termo (PPT) espontâneo como aquele que ocorre entre as
22+0-36+6 semanas de gravidez e se inicia sem intervenção médica. Ocorre em
~7% das gestações, sendo uma das principais causas de morbilidade e morta-
lidade neonatais. As formas de apresentação clínica são:
■ Sintomas prodrómicos de PPT: contractilidade uterina frequente, mas irregu- lar,
associada ou não a sensação de peso contínuo no hipogastro, sensação contínua
de pressão vulvar, aumento da frequência urinária ou aumento do corrimento
vaginal. Todos os sintomas ocorrem na ausência de modificações cervicais;
■ Ameaça de parto pré-termo (APPT): contractilidade uterina regular ou muito
frequente (>10 contrações nas últimas 2 horas), na ausência de modificações
cervicais;
■ Trabalho de parto pré-termo: contractilidade uterina regular ou muito fre- quente
(ver definição anterior) com modificações cervicais (apagamento e/ ou
dilatação do colo).

ABORDAGEM CLÍNICA
Para além da história clínica e do exame vaginal devem ser realizados a estas
grávidas:
■ Pesquisa de leucócitos e nitritos na urina com tira-teste;
■ Colheita para urocultura;
■ Cardiotocografia (CTG) para avaliar contractilidade (se <25+0 semanas ape-
nas tocografia);
■ Ecografia para avaliação do comprimento cervical (se gestação com ≤34+0
semanas). Realizada com bexiga vazia, mínima pressão da sonda, corte longi-
tudinal, visualização de todo o canal cervical e máxima ampliação possível (ver
Figura 18.1). Devem ser realizadas 3 medições e utilizada a mais curta. Em co-
los encurvados é necessário dividir em segmentos retos e somar esses valores.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

Figura 18.1 – Imagem correta para avaliação do comprimento cervical.


66 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Sintomas prodrómicos de PPT


Perante suspeita clínica ou laboratorial de infeção urinária iniciar antibioterapia
(ver protocolo “52. Infeções do trato urinário”). A grávida deve ter alta com
indicação para manter repouso moderado e abstinência sexual durante 3-4dias
se tiver menos de 36+0 semanas e para regressar à urgência se a con- tractilidade
uterina se tornar regular ou muito frequente (>10 contrações nas últimas 2 horas).

Ameaça de parto pré-termo


Perante suspeita clínica ou laboratorial de infeção urinária iniciar antibioterapia
(ver protocolo “52. Infeções do trato urinário”):
■ Se colo >25 mm e contrações indolores, deve ter alta com indicação para
manter repouso moderado e abstinência sexual durante 3-4 dias se tiver me-
nos de 36+0 semanas e para regressar à urgência se a contractilidade uterina
se tornar dolorosa ou muito frequente (>10 contrações nas últimas 2 horas);
■ Se contrações francamente dolorosas ou colo 15-25 mm manter vigilância
em sala de observações com CTG contínua e reavaliação clínica e ecográfica do
colo. Se após 12 horas não tiver contrações dolorosas e o comprimento cervical
se mantiver sobreponível, deve ter alta com indicação para manter repouso
moderado e abstinência sexual durante 3-4 dias se tiver menos de 36+0
semanas. Regressa à urgência se a contractilidade uterina se tornar regular e
dolorosa ou muito frequente (>10 contrações nas últimas 2 horas);
■ Colo <15 mm constitui critério diagnóstico de trabalho de PPT (ver “Trabalho
de parto pré-termo” abaixo).

Trabalho de parto pré-termo


■ Internamento no bloco de partos;
■ Confirmação de disponibilidade de vagas de Neonatologia. Informar a grávida
do prognóstico neonatal, de acordo com a idade gestacional. Esclarecer a grá-
vida de que, se o parto ocorrer antes das 23+0 semanas não haverá tentativa
de reanimação neonatal e que esta ocorrerá sempre se nascer depois das
24+0 semanas. Entre as 23+0-24+0 semanas deve ser chamada a Neonatologia, para
informar do prognóstico e acordar com o casal a atitude após o parto;
■ Iniciar tocólise durante 48 horas se gestação <34+6 semanas (ver “Tocólise”,
à frente neste capítulo);
■ Realizar ciclo de corticosteroides de acordo com protocolo “71. Corticoste-
roides para indução da maturação fetal”;
■ Realizar neuroproteção de acordo com protocolo “72. Neuroproteção fetal com
sulfato de magnésio” se gestação <32+0 semanas;
■ Considerar antibiótico de acordo com protocolo “77. Streptococcus do grupo
B – prevenção da infeção neonatal”;
■ Se contrações cessarem espontaneamente ou com tocólise, transferir para
setor de Medicina Materno-Fetal.
Parto Pré-Termo Espontâneo e Tocólise 67

TOCÓLISE

Indicada em grávidas em trabalho de PPT entre as 24+0 -34+6 semanas, como medida
temporária (48 horas de tratamento) para realizar ciclo de corticoste- roides, ou
para transferência hospitalar. Está contraindicada na presença de corioamnionite,
patologia materna grave (eclâmpsia, pré-eclâmpsia grave, insta- bilidade
hemodinâmica, etc.) ou patologia fetal grave (anomalias fetais graves,
insuficiência placentária, morte fetal, etc.). Não existe consenso quanto ao
tocolítico de primeira linha. No entanto, pelo perfil de segurança, recomenda-se
a utilização do atosiban como primeira opção. A tocólise de manutenção não
é recomendada.

Atosiban (sem contraindicações absolutas)


■ Bólus inicial: 6,75 mg (0,9 ml, 7,5 mg/ml) endovenoso (EV) lento (durante
1 minuto), seguido de:
– Perfusão de carga durante 3 horas: diluir 4 ampolas (amps.) de 37,5 mg/5ml
em 180 ml de soro fisiológico (SF), perfusão EV a 24 ml/hora, seguido de:
○ Perfusão de manutenção durante o máximo de 45 horas: mesma diluição
do anterior, perfusão EV a 8 ml/hora.
Efeitos secundários: náuseas, cefaleias, tonturas, vómitos, taquicardia, hipoten-
são, hiperglicemia, hipertermia, insónia, prurido.

Nifedipina (contraindicações: hipotensão materna, insuficiência cardíaca con-


gestiva, estenose aórtica)
■ 10 mg per os (PO) de 15/15 minutos durante 1 hora (4 tomas) seguido 10
mg PO a cada 4-6 horas (dose máxima diária 180 mg).
Efeitos secundários: cefaleias, hipotensão, astenia, alterações vasomotoras.

Indometacina (contraindicações: ≥32+0 semanas, úlcera péptica, doença renal,


coagulopatia, oligoâmnios)
■ 100 mg per rectum (PR), seguida de 25 mg PO a cada 4-6 horas;
■ Se utilizado durante >48 horas deve haver avaliação ecográfica diária do
líquido amniótico (LA) e do canal arterial.
Efeitos secundários: oligoâmnios, encerramento prematuro do canal arterial.
Via do parto
Preconiza-se o parto vaginal quando o feto está em apresentação cefálica de
vértice, exceto de existir outro motivo que o contraindique. Se for necessário
IDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

abreviar o período expulsivo a ventosa não deve ser utilizada antes das 34+0
semanas. Deve ser realizada cesariana quando o feto está em apresentação
pélvica entre 24+0-33+6 semanas. Considerar o parto vaginal nas restantes si-
tuações.
68 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

BIBLIOGRAFIA
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Practice Bulletin No. 159. Obstet Gynecol. 2016;127(1):e29-e38.
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HIPERTENSÃO GESTACIONAL, PRÉ-ECLÂMPSIA E
SÍNDROME DE HELLP 19
INÊS M ARTINS , J OANA GOULãO B ARROS , D IOGO AYRES DE CAMPOS

INTRODUÇÃO
Define-se hipertensão arterial (HTA) na gravidez como a tensão arterial (TA) sis-
tólica ≥140 mmHg ou diastólica ≥90 mmHg, em duas medições separadas por,
pelo menos, 4 horas. A TA deve ser avaliada com um esfigmomanómetro manual,
nos dois braços, com a grávida sentada ou em decúbito lateral esquerdo, pernas
descruzadas, cotovelo apoiado, braçadeira colocada ao nível do coração, após um
período mínimo de 5 minutos de repouso. Se o perímetro do braço <35 cm usar
braçadeira de adulto, se 35-45 cm usar braçadeira grande e se perímetro
>45 cm usar braçadeira extragrande. A HTA na gravidez subdivide-se em:
■ HTA crónica (ver protocolo “35. Hipertensão arterial crónica”): HTA prévia à
gestação ou diagnosticada antes das 20 semanas ou que persiste para além
de 12 semanas após o parto. A maioria dos casos corresponde a HTA essencial
(primária), mas 10% dos casos são secundários a outra patologia,
nomeadamente renal e endocrinológica. A HTA crónica associa-se a risco
aumentado de pré-eclâmpsia (17-25%), descolamento prematuro da placenta
(1,5%, comparado com 0,6% na população geral), restrição de crescimento fetal
(10-20%) e parto pré-termo (PPT) (12-36%, mas na HTA grave 62-70%);
■ HTA gestacional: HTA detetada após as 20 semanas, em grávidas previa- mente
normotensas e sem critérios de pré-eclâmpsia. Está associada a risco
aumentado de pré-eclâmpsia;
■ Pré-eclâmpsia: HTA detetada após as 20 semanas (mais comum no 3.º tri-
mestre, mas pode também ocorrer no 2.º trimestre e no pós-parto imediato)
em grávidas sem HTA crónica, associada a proteinúria de novo (≥300 mg na
urina de 24 horas ou razão proteína/creatinina ≥0,3 mg/dl em urina ocasional
– valores positivos devem ser confirmados em urina de 24 horas) ou lesão
de órgão-alvo (ver "Lesão de órgão-alvo”, à frente neste capítulo);
■ Pré-eclâmpsia sobreposta em HTA crónica: grávidas com HTA crónica que
desenvolvem de novo lesão de órgão-alvo ou proteinúria (≥300 mg na urina
de 24 horas). A elevação isolada da TA ou o agravamento de proteinúria
preexistente não constituem critérios de diagnóstico. O quociente soluble fms-
like tyrosine kinase-1/placental growth factor (sFlt-1/PLGF) é útil perante
diagnósticos duvidosos;
■ Síndrome de HELLP: microangiopatia trombótica caracterizada pela conjuga-
ção de hemólise (esquizocitos no sangue periférico ou bilirrubina total ≥1,2
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

mg/dl ou desidrogenase lática (LDH) >600 UI/l ou haptoglobina ≤25 mg/dl),


elevação das transaminases aspartato aminotransferase (AST) >70 UI/l ou
duplicação do valor habitual) e trombocitopenia (<100 000/mm3 ), associado
a um quadro de pré-eclâmpsia;
■ Eclâmpsia (ver protocolo “101. Eclâmpsia”): convulsões tónico-clónicas ge-
neralizadas no contexto de pré-eclâmpsia, na ausência de outra doença neu-
rológica que as justifique.
70 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Lesão de órgão-alvo
■Renal: creatinina (Cr) >1,1 mg/dl ou duplicação do seu valor habitual;
■Hepática: elevação das transaminases, epigastralgia ou dor no hipocôndrio
direito que não cede a terapêutica analgésica e não tem outra causa provável;
■Neurológica: cefaleia intensa e persistente que não cede à terapêutica analgé-
sica, escotomas persistentes, amaurose, alteração do estado de consciência
sem outra causa provável, trombose;
■Hematológicas: trombocitopenia <100 000/mm 3 , hemólise – elevação da
LDH e da bilirrubina total, diminuição da haptoglobina ou esquizocitos no
sangue periférico;
■Edema pulmonar.
O quociente sFlt-1/PLGF é útil perante a suspeita de pré-eclâmpsia, sobretudo
em casos duvidosos:
■ <38 – exclui pré-eclâmpsia.
Vigilância em ambulatório, reavaliação sFlt-1/PLGF apenas se surgir algum
sinal/sintoma novo.
■ 38-85 antes das 34 semanas e 38-110 após as 34 semanas – elevada pro-
babilidade de desenvolver pré-eclâmpsia nas 4 semanas seguintes.
Vigilância em ambulatório, reavaliação semanal: sFlt-1/PLGF, proteinúria, he-
mograma, transaminases, LDH e Cr.
■ >85 antes das 34 semanas ou >110 após as 34 semanas – provável pré-
-eclâmpsia.
Internamento em Medicina Materno-Fetal e corticosteroides para maturação
fetal.

ORIENTAÇÃO CLÍNICA
HTA gestacional
■ Consulta semanal com cardiotocografia (CTG) e proteinúria em tira-teste;
■ Avaliação analítica (proteinúria 24 horas, hemograma, transaminases, LDH e
Cr) de 2/2 semanas ou se houver agravamento tensional;
■ Ecografia adicional às 28 s e m a n a s (s e H T A n ã o c o n tro l a da o u s o b
te r a pê u ti c a ) e à s 36 semanas;
■ Terminar eletivamente a gravidez a partir das 37 semanas se rácio sFlt-1/
/PLGF elevado ou em padrão ascendente. Nas restantes situações terminar
eletivamente às 39 semanas.
Pré-eclâmpsia sem critérios de gravidade
■ ≥37 semanas: terminar a gravidez. Durante o trabalho de parto: TA de 1/1
horas, balanço hídrico, avaliação analítica (hemograma, transaminases, LDH e
Cr) de 12/12 horas;
■ <37 semanas: internamento no setor de Medicina Materno-Fetal. Anti-hiper-
tensores se necessário (ver “Terapêutica anti-hipertensiva”). Avaliação da TA
de 4/4 horas durante o dia, avaliação analítica (hemograma, transaminases,
LDH, Cr) bissemanal, ciclo de corticosteroides (ver protocolo “71. Corticoste-
roides para indução da maturidade fetal”), CTG diária após as 25+0 semanas,
ecografia semanal com biometria fetal quinzenal. A reavaliação da proteinúria,
Hipertensão Gestacional, Pré-Eclâmpsia e Síndrome de HELLP 71

quando o doseamento é >300 mg não é útil, uma vez que não é critério de gra-
vidade da doença, mas apenas de diagnóstico. Terminação da gravidez se
evolução para pré-eclâmpsia grave, CTG patológica ou critérios ecográficos
de restrição de crescimento fetal (RCF) com indicação para terminação da
gravidez (ver protocolo “29. Restrição de crescimento fetal”). Ponderar alta
com vigilância na consulta se grávida assintomática, TA <150/100 mmHg, sem
lesão de órgão-alvo, CTG e crescimento fetal normais. Recomendar vigilância
diária da TA, consulta semanal com CTG e avaliação analítica (hemograma,
transaminases, LDH e Cr), ecografia semanal com biometria quinzenal. Re-
correr à urgência se sintomas sugestivos de agravamento.

Pré-eclâmpsia grave
Define-se como TA sistólica ≥160 mmHg e/ou TA diastólica ≥110 mmHg per-
sistentes, ou qualquer uma das lesões neurológicas, renais ou hematológicas
descritas anteriormente, ou edema pulmonar, ou duplicação do valor das tran-
saminases no intervalo de 48 horas ou complicações hepáticas (ver “Compli-
cações hepáticas”, à frente neste capítulo).
Internamento no bloco de partos até estabilização clínica. TA de 1/1 hora;
balanço hídrico; cateterização venosa e soro fisiológico (SF) a 100 ml/hora;
avaliação analítica [hemograma, plaquetas, ionograma com magnésio, transa-
minases, LDH, Cr e provas de coagulação com tempo de tromboplastina parcial
ativada (aPTT), tempo de protrombina (TP) e fibrinogénio se trombocitopenia
<100 000/mm3 ou se duplicação do valor das transaminases] de 6/6 horas;
CTG contínua; ecografia para avaliação de crescimento fetal; ciclo de corti-
costeroides (ver protocolo “71. Corticosteroides para indução da maturidade
fetal”). Profilaxia das convulsões com sulfato de magnésio (ver protocolo “101.
Eclâmpsia”). Anti-hipertensores se necessário (ver “Terapêutica anti-hipertensi-
va”, à frente neste capítulo).
≥34 semanas: terminar a gravidez.
24-34 semanas: terminar a gravidez se instabilidade hemodinâmica materna, HTA
que não cede à terapêutica, eclâmpsia, síndrome de HELLP, complicações
hepáticas (ver “Terapêutica anti-hipertensiva”, à frente neste capítulo), sintomas
neurológicos apesar da terapêutica com sulfato de magnésio, edema pulmo-
nar, insuficiência renal ou oligúria [débito urinário ≤0,5 ml/kg/hora durante 4
horas que não responde à hidratação endovenosa (EV)], duplicação do valor
das transaminases em 12 horas; trombocitopenia <80 000/mm3 , alterações
da coagulação, CTG suspeita ou patológica, RCF (ver protocolo “29. Restrição
de crescimento fetal”). Se situação clínica estabilizar transferir para o setor de
Medicina Materno-Fetal com monitorização igual à da pré-eclâmpsia moderada.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

Síndrome de HELLP
Atuação clínica sobreponível à da pré-eclâmpsia grave. O apoio da Anestesiologia
e Imuno-hemoterapia são importantes para considerar suporte transfusional
(plaquetas, plasma fresco congelado, concentrado eritrocitário) em caso de
coagulopatia ou trombocitopenia <40 000/mm3 e a plasmaférese em situações
refratárias.
72 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Complicações hepáticas
Hematoma/rotura hepática
■ Suspeitar perante dor epigástrica intensa e referida ao ombro, náuseas/
/vómitos, anemia e trombocitopenia;
■ Diagnóstico imagiológico por ecografia e tomografia computorizada (TC);
■ Evitar palpar ou mobilizar a doente;
■ Solicitar apoio da Cirurgia Geral e Imuno-hemoterapia;
■ Terminar a gravidez;
■ Vigilância em Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) com monitorização hemo-
dinâmica intensiva e ecografia seriada;
■ É frequente haver reabsorção do hematoma;
■ Laparotomia emergente em caso de rotura.

Enfarte hepático
■ Suspeitar perante dor no epigastro/hipocôndrio direito e elevação muito mar-
cada das transaminases (>1 000);
■ Diagnóstico imagiológico por ecografia e TC;
■ Terminar a gravidez;
■ Vigilância em UCI com monitorização hemodinâmica intensiva e ecografia
seriada;
■ Na maioria dos casos a resolução é espontânea.

TERAPÊUTICA ANTI-HIPERTENSIVA
A instituir quando TA sistólica ≥140 mmHg ou diastólica ≥90 mmHg, sendo o
objetivo manter a TA sistólica em valores próximos de 135 mmHg e TA diastólica
em valores próximos de 85 mmHg. Visa sobretudo evitar a hemorragia cerebral
materna, não revertendo a progressão da doença.

Emergências hipertensivas (TA sistólica >180 mmHg ou diastólica >120 mmHg)


Labetalol (ampolas de 100 mg/20 ml)
■Bólus inicial: 20 mg EV durante 2 minutos. Se não for eficaz ao fim de 10
minutos, bólus de 40 mg durante 2 minutos. Se não for eficaz ao fim de 10
minutos, bólus de 80 mg durante 2 minutos a intervalos de 10 minutos até
um máximo de dois;
■ Terapêutica de manutenção (1-2 mg/minuto): 1 ampola em 100 ml de SF em

bomba perfusora a 60-120 ml/hora EV, até se obterem os valores tensionais


desejados ou durante 40 minutos;
■ Contraindicações: asma grave, insuficiência cardíaca congestiva;

■ Efeitos secundários: bradicardia fetal e neonatal.

Nifedipina (caps. de 10 mg)


■ 10 mg per os (PO) de 15/15 minutos até atingir TA alvo (máximo de 4 tomas),
seguido de 10 mg PO a cada 4-6 horas (dose máxima diária de 180 mg).
A administração sublingual (SL) tem risco de hipotensão grave;
Hipertensão Gestacional, Pré-Eclâmpsia e Síndrome de HELLP 73

■ Contraindicações: estenose aórtica grave, enfarte agudo do miocárdio;


■ Efeitos secundários: taquicardia, precordialgia, cefaleia, náuseas.

Hipertensão grave (TA sistólica 160-180 mmHg ou diastólica 110-120 mmHg)


Nifedipina (caps. de 10 mg)
■ 10 mg PO a cada 4-6 horas ou em SOS (dose máxima 180 mg/dia);
■ Ver contraindicações e efeitos secundários anteriores.

Nifedipina de ação prolongada


■ 30-60 mg PO 1-2 vezes/dia (dose máxima 120 mg/dia);
■ Ver contraindicações e efeitos secundários anteriores.

TERMINAÇÃO DA GRAVIDEZ E VIA DO PARTO


Na maioria das situações a escolha da via do parto rege-se apenas por critérios
obstétricos não relacionados com a doença hipertensiva. Na síndrome de HELLP,
eclâmpsia ou insuficiência renal, o parto deverá ocorrer num período <12 horas,
pelo que a cesariana necessita de ser considerada se índice de Bishop <5.
A cesariana é também a opção mais segura nas complicações hepáticas, na
coagulação intravascular disseminada, nas complicações neurológicas gravese
no edema pulmonar grave ou que não responde rapidamente à terapêutica.Nas
restantes situações, deve ser dada preferência à indução do trabalho de parto
(ver protocolo “74. Indução do trabalho de parto e maturação cervical”).

PÓS-PARTO
Nas situações de síndrome de HELLP, eclâmpsia, complicações hepáticas ou
situações de instabilidade materna, a puérpera deve ser vigiada em UCI nas
primeiras 48 horas ou até o quadro clínico estabilizar. Manter sulfato de
magnésio nas 24 horas iniciais de puerpério nos casos de pré-eclâmp- sia
grave e durante 48 horas nos casos de síndrome de HELLP e eclâmp- sia,
juntamente com monitorização analítica (ver protocolo “101. Eclâmpsia”).
Manter ainda vigilância da TA de 4/4 horas durante o dia e a terapêutica anti-
hipertensiva (o labetalol e a nifedipina são seguros durante a amamenta-
ção) com eventuais ajustes posológicos. No puerpério imediato deve ser dada
preferência à nifedipina de ação prolongada pela comodidade posológica.A
alta deve ser programada após estabilização analítica e controlo da TA, com
indicação para monitorização bissemanal da TA em ambulatório e reavaliação
na consulta de puerpério. Nesta consulta, a puérpera deve ser orientada para
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

a consulta de Cardiologia-Hipertensão se mantiver HTA.

BIBLIOGRAFIA
AMERICAN COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS. Emergent therapy for acute-onset, severe
hypertension during pregnancy and postpartum period. Committee Opinion No. 692.Obstet
Gynecol. 2017;129(4):e90-e95.
74 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

AMERICAN COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS. Hypertension in pregnancy. Reportof


the American College of Obstetricians and Gynecologists’ Task Force on Hypertension in
Pregnancy. Obstet Gynecol. 2013;122(5):1122-1131.
KOOPMANS CM, BIJLENGA D, GROEN H, et al. Induction of labour versus expectant monitoring for
gestational hypertension or mild pre-eclampsia after 36 weeks’ gestation (HYPITAT): a
multicentre, open-label randomised controlled trial. Lancet. 2009;374(9694):979-988.
POON L, SHENNAN A, HYETT JA, et al. The International Federation of Gynecology and Obste-
trics (FIGO) initiative on pre-eclampsia: A pragmatic guide for first-trimester screening and
prevention. Int J Gynecol Obstet. 2019;145(Suppl. 1):1-33.
STEPAN H, HERRAIZ I, SCHLEMBACH D, et al. Implementation of the sFlt-1/PlGF ratio for prediction
and diagnosis of pre-eclampsia in singleton pregnancy: implications for clinical practice.
Ultrasound Obstet Gynecol. 2015;45(3):241-246.
TRANQUILLI AL, DEKKER G, M AGEE L, et al. The classification, diagnosis and management of the
hypertensive disorders of pregnancy: A revised statement from the ISSHP. Pregnancy
Hypertens. 2014;4(2):97-104.
PLACENTA PRÉVIA E DE INSERÇÃO BAIXA 20
DIOGO AYRES DE CAMPOS, L UÍSA P INTO

INTRODUÇÃO
Por placenta prévia entende-se a placenta que se sobrepõe ao orifício cervical
interno e por placenta de inserção baixa aquela que está implantada a <2 cm
deste orifício (Figura 20.1). Ocorrem em ~0,4% das gestações a termo e os
principais fatores de risco são: placenta prévia em gravidez anterior, cesariana
anterior, cirurgia uterina anterior envolvendo o endométrio e gestação múltipla.
O diagnóstico é realizado por ecografia transvaginal (após esvaziamento vesi-
cal), tendo relevância clínica sobretudo no 3.º trimestre, já que antes tem uma
incidência muito superior, devido à ausência de distensão do segmento inferior
do útero. Tanto a placenta prévia como a placenta de inserção baixa têm risco
aumentado de hemorragia anteparto, acretismo placentário (5-25%), hemorragia
intraparto e pós-parto. As placentas implantadas entre 2-5 cm do orifício cer-
vical interno no 3.º trimestre também têm riscos ligeiramente aumentados de
acretismo placentário e hemorragia periparto, pelo que este achado deve ser
referido na ecografia do 3.º trimestre. O acretismo placentário é particularmente
frequente nos casos de placenta anterior com cicatriz prévia de cesariana. A
placenta prévia e a placenta de inserção baixa podem não causar sintomatologia
e serem achados ocasionais na ecografia, ou podem manifestar-se por hemorra-
gia vaginal e mais raramente por dor hipogástrica ou contractilidade uterina. O
toque vaginal com permeabilização do colo está contraindicado nestas situações.

Placenta prévia Placenta de inserção baixa


Figura 20.1 – Placenta prévia e placenta de inserção baixa.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

ABORDAGEM CLÍNICA
A abordagem clínica depende da idade gestacional e do quadro clínico. Em
todos os casos devem ser pesquisados ecograficamente sinais de acretismo
placentário. Quando o diagnóstico é efetuado no 2.º trimestre, a localização da
76 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

placenta deve ser reavaliada às 32-34 semanas e, se o diagnóstico for confir-


mado, de novo às 36 semanas.

Placenta prévia e placenta de inserção baixa assintomáticas


Após o diagnóstico de placenta prévia recomenda-se abstinência sexual, cessação
da atividade desportiva e limitação de esforços a partir do 3.º trimes- tre. Na
placenta de inserção baixa estas recomendações apenas são neces- sárias após
um episódio hemorrágico. Em ambas as situações, a vigilância da gravidez é feita
em ambulatório e a grávida deve recorrer à urgência se ocorrer hemorragia
vaginal, contractilidade regular ou dor hipogástrica. É frequente ha- ver
hemorragia abundante aquando da dilatação cervical, pelo que deve ser proposta
uma cesariana programada às 37 semanas na placenta prévia e às38 semanas
na placenta de inserção baixa.

Placenta prévia e placenta de inserção baixa com hemorragia ativa


Deve ser proposto internamento hospitalar, repouso absoluto no leito e manter
jejum até se clarificar a evolução clínica inicial. Deve ainda realizar-se os se-
guintes procedimentos:
■ Pedir hemograma, creatinina, tipagem, provas de coagulação;
■ Cateterizar veia com cateter de 16G e iniciar soro fisiológico (SF) com glicose
a 5% em bomba perfusora a 300 ml/hora;
■ Considerar pedido de concentrado de eritrócitos, de acordo com o volume
da hemorragia;
■ Monitorização da frequência cardíaca materna (FCM), tensão arterial (TA) e
saturação de O2 de 1/1 hora até à estabilização clínica;
■ Vigilância da perda hemática vaginal;
■ Cardiotocografia (CTG) contínua se idade gestacional ≥25+0 semanas. Auscul-
tação fetal 4/4 horas nas restantes situações;
■ Realizar ciclo de corticosteroides, segundo protocolo “71. Corticosteroides
para indução da maturidade fetal”;
■ Considerar tocólise até completar ciclo de corticosteroides, se contractilidade
regular (ver protocolo “71. Corticosteroides para indução da maturidade fetal”)
■ Considerar início de neuroprotecção, de acordo com protocolo “72. Neuropro-
teção fetal com sulfato de magnésio”;
■ Contactar Neonatologia se idade gestacional entre as 23+0 e 36+6 semanas.

Critérios para realizar cesariana urgente ou emergente (apenas um necessário)


■ Instabilidade hemodinâmica materna;
■ Hemorragia vaginal abundante, anemia materna grave ou coagulopatia ma-
terna;
■ CTG suspeita ou patológica.

Critérios para uma atitude expectante (todos são necessários)


■ Estabilidade hemodinâmica materna;
■ Hemorragia vaginal ausente ou escassa;
Placenta Prévia e de Inserção Baixa 77

■ CTG normal (ou auscultação cardíaca fetal normal quando não é possível obter
CTG);
■ Idade gestacional <37+0 semanas.
Deve adaptar-se o aporte de líquidos, monitorização materno-fetal, dieta e mo-
bilização materna à evolução da situação clínica. Com pelo menos 12 horas
de estabilização clínica pode passar-se a vigilância dos sinais vitais e da perda
hemática vaginal para 1 vez/turno, CTG 1 vez/turno (ou auscultação cardíaca
fetal 1 vez/turno), repouso moderado no leito e dieta geral. Manter vigilância em
internamento até às 48 horas sem perdas hemáticas, após a qual poderáser
considerada alta, caso não haja alterações analíticas importantes, a grávida não
resida longe do hospital e tenha facilidade de transporte. Manter vigilância em
ambulatório até às 37 semanas, mas considerar internamento até ao partose
houver um segundo episódio de hemorragia. Agendar cesariana programada para
as 37 semanas.

Aspetos particulares da cesariana


■ Deve ser realizada previamente tipagem e reserva de 2U de concentrado de
eritrócitos;
■ Devido aos riscos de acretismo placentário e de hemorragia pós-parto deve
estar presente um obstetra experiente;
■ Deve evitar-se a entrada transplacentária no útero pelo risco de anemia neo-
natal. A ecografia pré-operatória ou intraoperatória é útil para determinar
o local da incisão da histerotomia. Caso ocorra entrada transplacentária,
a extração fetal deve ser rápida e a clampagem do cordão deve ser imediata;
■ Após a dequitadura, deve ser avaliada cuidadosamente a hemorragia provenien- te
do leito placentário. Caso exista hemorragia persistente, é recomendável
realizar pontos transfixantes verticais no segmento inferior (ver protocolo “103.
Hemorragia pós-parto precoce”).

BIBLIOGRAFIA
AMERICAN COLLEGE OF O BSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS . Abnormal placentation: Placenta
previa, vasa previa, and placenta accreta. Obstet Gynecol. 2015;126(3):654-668.
ROYAL COLLEGE OF O BSTETRICIANS AND GYNAECOLOGISTS . Placenta praevia, placenta praevia,
accreta and vasa praevia: diagnosis and management. Green-top guideline no. 27. London:
RCOG Press, 2011.
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21 DESCOLAMENTO PREMATURO DA PLACENTA

L UÍSA P INTO , D IOGO AYRES DE C AMPOS

INTRODUÇÃO
Define-se descolamento prematuro da placenta como a ocorrência antes do parto
de uma separação parcial ou completa entre a placenta e o leito uterino. Asso-
cia-se habitualmente a hemorragia materna para este espaço, a qual se pode
exteriorizar por via vaginal ou permanecer oculta (hematoma retroplacentário). Afeta
cerca de 0,5% das gestações e, na maioria dos casos, ocorre após a 37.ª semana.
Os principais fatores de risco são: antecedentes de descolamento da placenta,
traumatismo abdominal, tabagismo ou consumo de cocaína durante a gravidez,
doença hipertensiva da gravidez, descompressão uterina súbita (após rotura de
membranas em situações de hidrâmnios ou após o parto do primei-ro gémeo).
Pode manifestar-se por hemorragia vaginal, dor abdominal leve a moderada e
hipercontractilidade uterina. Raramente é assintomático, mas em 10-20% dos
casos não ocorre hemorragia vaginal. A deteção ecográfica de um hematoma
retroplacentário apoia fortemente o diagnóstico, mas a sua ausência não o exclui.
Pode causar anemia, coagulopatia de consumo, desequilíbrio hemo- dinâmico e
hipoxia fetal aguda ou crónica. Trata-se de uma situação irreversível,pelo que a
ocorrência de hemorragia vaginal abundante ou moderada persistente,bem como
a deteção de alterações cardiotocográficas ou ecográficas sugesti- vas de
hipoxia fetal devem condicionar a terminação imediata da gravidez. Na maioria
dos casos, no entanto, o descolamento placentário é insidioso, podendo manter-
se estável durante semanas e a quantidade de sangue exteriorizado não se
correlaciona com a extensão do descolamento.

ABORDAGEM CLÍNICA
Perante a suspeita de um descolamento da placenta, a grávida deve ser inter-
nada com indicação para repouso absoluto no leito e jejum até se clarificar a
evolução clínica. Outras medidas a tomar são:
■ Pedir hemograma, creatinina, tipagem, provas de coagulação;
■ Iniciar soro fisiológico (SF) com glicose a 5% em bomba perfusora a 300
ml/hora;
■ Monitorizar a frequência cardíaca materna (FCM), tensão arterial (TA) e satu-
ração de O 2 de 1/1 hora até à estabilização clínica;
■ Vigilância da perda hemática vaginal;
■ Cardiotocografia (CTG) contínua se idade gestacional ≥25+0 semanas. Auscul-
tação fetal 4/4 horas nas restantes situações;
■ Considerar ciclo de corticosteroides segundo protocolo “71. Corticosteroides
para indução da maturidade fetal”;
■ Considerar início de neuroproteção de acordo com protocolo “72. Neuropro-
teção fetal com sulfato de magnésio”;
Descolamento Prematuro da Placenta 79

■ Contactar Neonatologia para informar da situação se idade gestacional entre


as 23+0-36+6 semanas.

Critérios para realizar cesariana urgente ou emergente (apenas um dos critérios


é necessário)
■ Instabilidade hemodinâmica materna;
■ Hemorragia vaginal abundante ou moderada persistente, anemia materna
grave, coagulopatia materna;
■ CTG suspeita ou patológica.

Critérios para uma atitude expectante (todos os critérios são necessários)


■ Estabilidade hemodinâmica materna
■ Hemorragia vaginal ausente ou escassa;
■ CTG normal (ou auscultação cardíaca fetal normal quando não é possível obter
CTG).
Nas situações em que o parto vaginal está iminente, pode ser considerado o parto
vaginal instrumentado como alternativa à cesariana urgente ou emergente.
De acordo com a evolução clínica da situação, deve adaptar-se o aporte de
líquidos, a monitorização materno-fetal, a dieta e a mobilização materna. Após
12 horas de estabilidade, ponderar alterar a intensidade da monitorização para:
vigilância de sinais vitais e perda hemática vaginal 1 vez/turno, CTG 1 vez/turno
(ou auscultação cardíaca fetal 1 vez/turno), repouso moderado no leito e dieta
geral. A atitude expectante deve ser mantida até às 37 semanas, procedendo-se
então à terminação da gravidez, preferencialmente por indução do trabalho de
parto com monitorização materno-fetal apertada.

Morte fetal
Perante uma morte fetal proceder imediatamente à terminação da gravidez,
idealmente tentando um parto vaginal, mas tendo em consideração o estado
clínico materno (ver protocolo “31. Morte fetal”).

BIBLIOGRAFIA
ROYAL COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNAECOLOGISTS. Antepartum haemorrhage. Green-top
guideline no. 63. London: RCOG Press, 2011.
TIKKANEN M. Placental abruption: epidemiology, risk factors and consequences. Acta Obstet
Gynecol Scand. 2011;90(2):140-149.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS
22 GRAVIDEZ MÚLTIPLA – VIGILÂNCIA PRÉ-NATAL E
COMPLICAÇÕES

ANDREIA FONSECA, M ÓNICA CENTENO

INTRODUÇÃO
A ecografia do 1.º trimestre é importante para a correta classificação da gravidez
múltipla em: bicoriónica (BC) com duas placentas, duas cavidades amnióticas
e fetos que podem ser dizigóticos ou monozigóticos, ter sexos concordantes ou
discordantes; monocoriónica (MC), podendo ser biamniótica (BA) ou monoam-
niótica (MA). Na gravidez MA os fetos são, por regra, monozigóticos e com sexo
fetal concordante. Nas gestações múltiplas de maior ordem são possíveis várias
combinações quanto à corionicidade e ao número de cavidades amnióticas.
A gravidez múltipla associa-se a maior risco de complicações: aborto (~2 vezes
nas BC, ~10 vezes nas MC), hiperemese gravídica (~2-3 vezes), diabetes gesta-
cional (DG) (~2 vezes), doença hipertensiva da gravidez (~3-4 vezes), colestase
gravídica (~2 vezes), crescimento fetal discordante (~20%), restrição de cresci-
mento fetal (1 feto afetado em ~60%, ambos afetados em ~2% dos BC e ~8%
dos MC), malformações congénitas (~2-5 vezes nas MC), parto pré-termo (PPT) (~5
vezes nas BC, ~10 vezes nas MC) e mortalidade perinatal (~5-7 vezes nasBC,
~10-14 vezes nas MC).

VIGILÂNCIA DA GRAVIDEZ
■ Consultas mensais até às 28 semanas, quinzenais entre as 28-32 semanas e
semanais com cardiotocografia (CTG) após as 34 semanas;
■ Aconselhar aportes calóricos diários e aumento ponderal de acordo com a Tabela
22.1:

Tabela 22.1 – APORTE CALÓRICO DIÁRIO E AUMENTO PONDERAL R ECOMENDADOS NAS GESTAçÕES
GEMELARES, DE ACORDO COM O IMC PRÉ-GESTACIONAL OU NO INÍCIO DA GRAVIDEZ
IMC
Categoria de peso Aporte calórico diário Aumento ponderal
(kg/m2)
Baixo peso <18,5 4 000 kcal Não definido
Peso normal 18,5-24,9 3 500 kcal 17-25 kg
Excesso de peso 25-29,9 3 250 kcal 14-23 kg
Obesidade ≥30 3 000 kcal 11-19 kg
IMC – índice de massa corporal

■ Ácido acetilsalicílico (AAS) 150 mg per os (PO) 1 vez/dia ao deitar, a iniciar


entre as 11-15+6 semanas (até às 36 semanas, até ao parto ou ao desen-
volvimento de pré-eclâmpsia);
■ Suplementação com ≥60 mg/dia de ferro elementar e 1 mg/dia de ácido fólico
durante toda a gravidez;
Gravidez Múltipla – Vigilância Pré-Natal e Complicações 81

■ Vigilância ecográfica de acordo com a Tabela 22.2;


■ Aconselhar a redução progressiva da atividade física após as 24 semanas ou
antes se existir contractilidade uterina frequente;
■ Colheita de exsudado vaginal/rectal para Streptococcus do grupo B às 34
semanas.

Tabela 22.2 – PARÂMETROS A AVALIAR NAS ECOGRAFIAS R ECOMENDADAS NA V IGILÂNCIA


DA GRAVIDEZ MC E BC
Idade gestacional MC BC Parâmetros a avaliar na ecografia
(semanas)
11 +0-13 +6   Datação, corionicidade e amnionicidade, rastreio aneuploidias
16 
Biometria, LA, fluxometria AU
18 
Anato mia, bio metria, LA, fluxo metria AU e AC M, comprimento do
20 +0-22 +6  
colo. Ecocardiograma se MC
Depois 2/2s 
Biometria, LA, fluxometria AU e ACM
Depois 4/4s 
LA – líquido amniótico; AU – artéria umbilical; ACM – artéria cerebral média.

Rastreio pré-natal
O rastreio combinado do 1.º trimestre tem uma taxa de deteção para trissomia
(T) 21 de ~86% e o do 2.º trimestre de ~47%. O DNA fetal livre no sangue materno
pode ser realizado em gestações MC e BC, com um desempenho para T21 idêntico
ao das gestações simples. Estima-se uma taxa de deteção de98,8% para T21.
O desempenho para T18 e T13 é ainda questionável. A taxa de testes
inconclusivos, principalmente por baixa fração fetal individual, é ~3 vezes
superior à da gravidez única.

Diagnóstico pré-natal
Quando tecnicamente possível, a biópsia das vilosidades coriónicas (BVC) po-
derá ser realizada nos gémeos BC, pois em casos de aneuploidia permite a
realização mais precoce de feticídio seletivo, minimizando os riscos para o outro
feto. A amniocentese é uma alternativa após as 16 semanas, devendoser
protelada para as 20-22 semanas nos MC. A taxa de aborto é de 2-3%para
ambas as técnicas.

COMPLICAÇÕES ESPECÍFICAS
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

Crescimento fetal discordante e restrição de crescimento fetal


Considera-se crescimento fetal discordante quando a diferença entre a esti-
mativa de peso dos fetos (EPF) é ≥25%, usando a fórmula: (EPFmaior – EPFmenor/
/EPFmaior)×100. Considera-se restrição de crescimento fetal (RCF) nas gestações
BC quando a estimativa de peso de um dos fetos é <P3 ou estão presentes ≥2
82 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

dos seguintes critérios: EPF <P10, crescimento fetal discordante (de acordo com
a definição anterior) ou índice de pulsatilidade (IP) da AU do feto mais pequeno
>p95. A orientação clínica das situações de RCF nas gestações BC é semelhante
à das gestações únicas (ver protocolo “29. Restrição de crescimento fetal”).
Nas gestações MC, a RCF ocorre em 10-15% dos casos e deve-se à partilha desigual
da placenta. Associa-se a maior risco de morte fetal do feto com RCF e a
complicações neurológicas de ambos. Considera-se RCF nas gestações MC quando
a estimativa de peso de um dos fetos é <p3 ou estão presentes ≥2dos
seguintes critérios: estimativa de um dos fetos <P10, perímetro abdominal (PA)
de um dos fetos <P10, crescimento fetal discordante (de acordo com a definição
anterior) ou IP da AU do feto mais pequeno >p95. Nos gémeos MC, a RCF é
classificada de acordo com o Doppler da AU do feto mais pequeno em:
■ Tipo 1: fluxo diastólico positivo, com prognóstico favorável, morte fetal em 2-
4% e sequelas neurológicas em ≤5%;
■ Tipo 2: fluxo diastólico persistentemente ausente ou invertido, com prog-
nóstico reservado, elevado risco de agravamento do estado do feto restrito,
verificando-se degradação progressiva dos parâmetros fluxométricos, com
morte fetal em ~30% e sequelas neurológicas em ≤15%;
■ Tipo 3: fluxo diastólico intermitentemente ausente ou invertido, com evolução
imprevisível, morte do feto restrito em 10-20%, até 20% dos fetos sem RCF
com sequelas neurológicas. A vigilância clínico-ecográfica nestas situações
está considerada na Tabela 22.3, devendo ser realizado ciclo de corticoste-
roides uma semana antes da data previsível do parto.

Tabela 22.3 – RCF NAS GESTAçÕES GEMELARES MC


Tipo Vigilância clínica e ecográfica Terminação da gravidez
Ecografia 1 vez/semana + avaliação ■
Se fluxometria normal: 34-36 semanas
1
do cresci mento 15/15 dias ■
Se fluxometria alterada, de acordo com os achados

Se fluxo diastólico persistentemente ausente na AU e
fluxometria do DV normal: 32-34 semanas

Se fluxo diastólico persistentemente invertido na AU
Ecografia 2 vezes/semana + avalia-
2 e/ou IP do DV >p95: 30 semanas
ção do crescimento 15/15 dias ■
Se onda “a” ausente ou invertida no DV e/ou disfun- ção
cardíaca moderada a grave e/ou hidrópsia: 28
semanas

Se fluxo metria do DV normal e ausência de outro s
sinais de deterioração fetal (sem disfunção cardíaca
Se IP do DV >p95 ou oligoâmnios: in- moderada a grave ou hidrópsia): 32-34 semanas
3 ternamento, ciclo de corticosteroides ■
Se IP do DV >p95: 30 semanas
+ ecografia diária + CTG 1 vez/turno ■
Se onda “a” ausente ou invertida no DV e/ou disfun- ção
cardíaca moderada a grave e/ou hidrópsia: 28
semanas
■ Em todas as situações: ecocardiograma fetal às 28-30 se manas + neurossonografia às 30-32 se-
manas
■ Se diagnóstico do tipo 2 ou 3 <24 semanas: considerar referenciação para laser das anastomoses
placentárias (ver “Síndro me de transfusão feto-fetal”)
DV – ducto venoso.
Gravidez Múltipla – Vigilância Pré-Natal e Complicações 83

Síndrome de transfusão feto-fetal

A síndrome de transfusão feto-fetal (STFF) é específica das gestações MC,resulta


de um desequilíbrio hemodinâmico devido a uma transfusão não com- pensada de
sangue entre os gémeos através de anastomoses arteriovenosas. Ocorre em 10-
20% das gestações MC, surgindo tipicamente no 2.º trimestre, e tem uma elevada
morbimortalidade.
Critérios de diagnóstico: hidrâmnios e distensão vesical do feto recetor, oli-
goâmnios e bexiga colapsada no feto dador (stuck twin). Classifica-se em cinco
estádios de Quintero (Tabela 22.4) e a progressão da doença não implica uma
passagem evidente por todos. Quando existem discrepâncias no crescimento fetal
ou no LA (sem critérios de RCF ou STFF), deve haver uma vigilância eco- gráfica
semanal pelo risco de evolução para STFF.
Terapêutica: no estádio I está indicada a atitude expectante com ecografia
semanal. Nos estádios II-IV está indicada a fotocoagulação laser das anasto- moses
placentárias, idealmente entre as 18-26 semanas. Programar cesariana
idealmente para as 35-36 semanas. No estádio V, se morte de apenas um dos
fetos e se >24 semanas, proceder como descrito em “Morte de um gémeo no
2.º ou 3.º trimestres”.

Tabela 22.4 – SÍNDROME DE T RANSFUSÃO FETO-FETAL – E STÁDIOS DE QUINTERO


Estádio Características
Discrepâncias do LA: dador com oligoâmnios (maior lago <2 cm) e recetor com hidrâmnios
I
(maior lago >8 cm)
II Bexiga do feto dador não visível ecograficamente
Alterações fluxométricas:

Ausência ou inversão do fluxo diastólico da AU
III ■
Ausência ou inversão da onda “a” do DV

Fluxo pulsátil na veia umbilical
IV Hidrópsia fetal
V Morte de um ou mais fetos

Sequência anemia-policitemia
Do inglês twin anemia-polycytemia sequence (TAPS), é específica das gestações
MC e resulta da transfusão crónica de pequenos volumes de sangue através
de anastomoses de pequeno calibre, permitindo uma compensação hemodinâ-
mica. Caracteriza-se pela presença de anemia num feto e policitemia no outro
[diferença de hemoglobina (Hb) pós-natal >8 g/dl], sem discrepâncias no volume
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

de LA. Ocorre espontaneamente em 3-6% dos gémeos MC e em 2-13% após


fotocoagulação laser no contexto de STFF, sendo mais frequente no 2.º trimestre
tardio ou no 3.º trimestre. O diagnóstico é estabelecido quando se deteta um
pico de velocidade sistólica da artéria cerebral média (PVS-ACM) >1,5 múltiplos
da mediana (MoM) no feto anémico e <1 MoM no feto policitémico. Na ausência
de hidrópsia fetal a atitude deve ser expectante. Se houver hidrópsia fetal é
84 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

necessário considerar a transfusão intrauterina ou a fotocoagulação laser das


anastomoses placentárias.

Gémeo acárdico
Do inglês twin reversed arterial perfusion (TRAP) sequence, é específico das
gestações MC, ocorrendo em ~1% destes casos. Caracteriza-se pela presença
de um gémeo acárdico (recetor) perfundido retrogradamente pelo gémeo dador
através de anastomoses arterioarteriais. Cerca de 30% dos dadores morrem
por insuficiência cardíaca congestiva antes das 18 semanas. A terapêutica
consiste na fotocoagulação laser ou bipolar ou ablação por radiofrequência do
cordão umbilical do feto acárdico e que deve ser realizada preferencialmente
entre as 13-16 semanas.

Gravidez monoamniótica
Corresponde a ~1% das gestações gemelares e apresenta elevada morbilidade
(~40%) e mortalidade (~10%) perinatais, pois, para além das complicações da
gestação MC (o STFF é menos frequente), surge uma complicação específica:
o entrelaçamento dos cordões umbilicais com oclusão da circulação fetal, con-
dicionando complicações neurológicas (oclusão intermitente) ou morte fetal
(oclusão mantida).

Gémeos siameses (conjuntos)


Ocorrem em ~1% das gestações MA e caracterizam-se pela fusão de partes
corporais simétricas (mais frequentemente o tórax). O diagnóstico é geralmente
no 1.º trimestre (fetos muito próximos, que não mudam de posição em relação ao
outro e se movem em conjunto). O prognóstico depende das estruturas
anatómicas partilhadas (~18% sobrevivem).

Gravidez trigemelar
Pode apresentar-se sob a forma de várias combinações de corionicidade e
amnionicidade, o que condiciona o desfecho e os riscos maternos, fetais e
perinatais. Para rastreio de aneuploidias aconselha-se apenas a ecografia do
1.º trimestre. O PPT é a principal causa de morbimortalidade, mas não existe
evidência que suporte as atitudes preventivas recomendadas em gestações
simples (progesterona vaginal, pessário de Arabin ou ciclorrafia cervical). A
redução embrionária deve ser considerada se o casal manifestar esse desejo,
associando-se a uma melhoria dos desfechos obstétricos e perinatais (aborto
~11% na gestação trigemelar vs. ~5% após redução para gemelar; parto <28
semanas ~8% vs. ~3%; parto <32 semanas ~20% vs. ~10%; mortalidade pe- rinatal
92/1 000 vs. 26,6/1 000). Na gravidez tricoriónica está indicada a avaliação
ecográfica mensal, com medição do comprimento cervical a partir das 16
semanas. Se existir um componente MC, seguir o protocolo de vigilância das
gestações MC (ver "Vigilância da gravidez"). Está indicada a administração
profilática de um ciclo de corticosteroides às 28 semanas (exceto se existir
outra indicação para a sua administração mais precoce).
Gravidez Múltipla – Vigilância Pré-Natal e Complicações 85

Morte de um gémeo no 2.º ou 3.º trimestres


Quando ocorre morte de um gémeo em gestações BC está indicada a atitude
expectante com vigilância clínica e ecográfica em ambulatório e terminação da
gravidez de acordo com os critérios habituais. Nas gestações MC verifica-se
risco elevado de morte fetal (20-25%) e de sequelas neurológicas graves (20-
30%) para o gémeo sobrevivente. Aquando do diagnóstico, está indicada a
realização de ecografia semanal com fluxometria da AU, PVS-ACM e DV. Perante
sinais de anemia fetal (PVS-ACM >1,5 MoM) ponderar transfusão intrauterina.
Na ausência de sinais de anemia fetal, deve ser mantida atitude expectante
com vigilância clínica e ecográfica semanal (fluxometria semanal e biometria
quinzenal). Deve ser realizada neurossonografia e ressonância magnética (RM)
fetal 4-6 semanas após a morte fetal. Nas situações de estabilidade clínica, a
terminação da gravidez deve ser programada para as 34 semanas.

PROGRAMAÇÃO DO PARTO
De acordo com o tipo de gravidez múltipla, a terminação da gravidez deve ser
programada nos seguintes momentos:
■ Gemelar BC: às 37-38 semanas;
■ Gemelar MC: às 36 semanas;
■ Gemelar MC pós-laser: cesariana às 35 semanas;
■ Gemelar MA: cesariana às 32-34 semanas;
■ Trigemelar: cesariana às 34-35 semanas.
Deve ser realizado ciclo de corticosteroides se for previsível que ocorra um
(PPT) a curto prazo (ver protocolo “71. Corticosteroides para indução da ma-
turidade fetal”).

BIBLIOGRAFIA
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86 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

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ROTURA PREMATURA DE MEMBRANAS 23
INÊS M ARTINS , D IOGO AYRES DE C AMPOS , L UÍSA P INTO

INTRODUÇÃO
Entende-se por rotura prematura de membranas (RPM) aquela que ocorre na
ausência de trabalho de parto. A incidência é de 8-10% de todas as gestações
e em ~3% a RPM ocorre antes das 37 semanas. O diagnóstico é baseado
na história clínica e na visualização ao espéculo de líquido amniótico (LA)
exteriorizando-se pelo orifício cervical externo, se necessário após manobras
de Valsalva ou mobilização fetal. Quando há dúvida no diagnóstico, pode recor-
rer-se ao teste de cristalização, avaliação do pH vaginal (nitrazina), ou deteção
de -microglobulina 1 placentária (AmniSure®) no líquido vaginal. Pode também
ser útil a avaliação ecográfica do LA.

ABORDAGEM CLÍNICA
A grávida deve ser informada dos riscos associados à RPM, de acordo com a
idade gestacional (parto pré-termo (PPT), corioamnionite, deformidades postu-
rais, hipoplasia pulmonar) e deve ser proposto internamento. Deve ser realizada
colheita para urocultura, exsudado vaginal para aeróbios, exsudado cervical para
Chlamydia trachomatis e Neisseria gonorrhoeae e exsudado vaginal/rectal para
Streptococcus do grupo B (caso não tenha sido realizado há menos de5
semanas). O toque vaginal só está indicado na presença de contractilidade uterina
regular e dolorosa, perante suspeita de prolapso do cordão ou quando está
indicada a indução do trabalho de parto.

Gestação <23+0 semanas (pré-viabilidade)


■ Atitude expectante sem medicação específica na ausência de contraindica- ções
(ver “Contraindicações para a atitude expectante na rotura prematurade
membranas”, à frente neste capítulo);
■ Repouso relativo no leito;
■ Hemograma e proteína C reativa diários durante 7 dias e depois 3 vezes/
/semana;
■ Ecografia a cada 5 dias durante 10 dias e depois 1 vez/semana;
■ Ampicilina 2 g endovenosa (EV) 6/6 horas 48 horas + azitromicina 1 g per os
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

(PO) toma única. A partir do 3.º dia: amoxicilina 500 mg PO 8/8 horas durante
5 dias. Se alérgica à penicilina: clindamicina 900 mg EV 8/8 horas 48 horas +
gentamicina (1 mg/kg) EV 8/8 horas 48 horas + azitromicina 1 g PO toma única,
seguindo-se clindamicina 300 mg PO 8/8 horas durante 5 dias;
■ Se houver oligoâmnios persistente durante ≥10 dias deve ser transmitido aos
pais o prognóstico muito desfavorável, informando da possibilidade de solicitar
uma interrupção médica da gravidez (IMG).
88 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Gestação entre as 23+0-23+6 semanas


■ Atitude expectante sem medicação específica na ausência de contraindica- ções
(ver “Contraindicações para a atitude expectante na rotura prematurade
membranas”, à frente neste capítulo);
■ Hemograma e proteína C reativa diários durante 7 dias e depois 3 vezes/
/semana;
■ Solicitar apoio de Neonatologia para prestar informação ao casal sobre ris-
cos de um parto às 23 semanas e tomada de decisão partilhada sobre a eventual
reanimação do recém-nascido (RN). Iniciar ciclo de corticosteroides para
maturação fetal se houver decisão de reanimar (em alternativa diferir para as
24 semanas);
■ Repouso relativo no leito;
■ Ecografia 1 vez/semana;
■ Ampicilina 2 g EV 6/6 horas 48 horas + azitromicina 1 g PO toma única. A
partir do 3.º dia: amoxicilina 500 mg PO 8/8 horas durante 5 dias. Se alér- gica
à penicilina: clindamicina 900 mg EV 8/8 horas 48 horas + gentamicina (1
mg/kg) EV 8/8 horas 48 horas + azitromicina 1 g PO toma única, seguin- do-se
clindamicina 300 mg PO 8/8 horas durante 5 dias.

Gestação entre as 24+0-35+6 semanas


■ Atitude expectante na ausência de contraindicações (ver “Contraindicações
para a atitude expectante na rotura prematura de membranas”, à frente neste
capítulo);
■ Repouso relativo no leito;
■ Ecografia semanal. Cardiotocografia (CTG) diária a partir das 25+0 semanas;
■ Hemograma e proteína C reativa diários durante 7 dias e depois 3 vezes/
/semana;
■ Repetir colheita vaginal/rectal para Streptococcus do grupo B a cada 5 se-
manas;
■ Ciclo de corticosteroides para maturação fetal de acordo com o protocolo
“71. Corticosteroides para indução da maturação fetal”;
■ Ampicilina 2 g EV 6/6 horas 48 horas + azitromicina 1 g PO toma única. A
partir do 3.º dia: amoxicilina 500 mg PO 8/8 horas durante 5 dias. Se alér- gica
à penicilina: clindamicina 900 mg EV 8/8 horas 48 horas + gentamicina (1
mg/kg) EV 8/8 horas 48 horas + azitromicina 1 g PO toma única, seguin- do-se
clindamicina 300 mg PO 8/8 horas durante 5 dias;
■ Se Streptococcus do grupo B positivo, terminação da gravidez a partir das 34+0
semanas;
■ Se ocorrer contractilidade rítmica considerar a possibilidade de tocólise apenas
enquanto completa o ciclo de corticosteroides (ver protocolo “71. Corticoste-
roides para indução da maturidade fetal”). Após as 34+6 semanas a tocólise está
contraindicada.

Critérios para propor alta e vigilância em ambulatório


■ Idade gestacional ≥26+0 semanas;
■ Decorreram pelo menos 15 dias de RPM e de vigilância em internamento;
Rotura Prematura de Membranas 89

■ Estabilidade clínica, ausência de leucocitose e proteína C reativa normal nos


últimos 7 dias;
■ Colo uterino fechado e índice de líquido amniótico (ILA) >2 cm em avaliação
ecográfica;
■ Capacidade permanente de acesso rápido ao hospital.

Recomendações na altura da alta


■ Abstinência sexual, evitação de banho de imersão e não utilizar tampões
vaginais;
■ Autoavaliação da temperatura corporal 2 vezes/dia;
■ Regressar à urgência se: contrações uterinas rítmicas, temperatura >38 °C
ou hemorragia vaginal;
■ Consulta semanal.

Avaliações semanais na consulta


■ Hemograma e proteína C reativa;
■ Ecografia e CTG;
■ Repetir colheita vaginal/rectal para Streptococcus do grupo B a cada 5 se-
manas.

Gestação ≥36+0 semanas


■ Indução imediata do trabalho de parto de acordo com o protocolo “74. In- dução
do trabalho de parto e maturação cervical” (ou cesariana se o parto vaginal
estiver contraindicado);
■ Pedir hemograma e proteína C reativa às 24 horas pós-rotura (a cada 12
horas caso o rastreio de Streptococcus do grupo B seja positivo ou desco-
nhecido);
■ Para informação adicional ver protocolos “81. Febre intraparto e corioam-
nionite” e “77. Streptococcus do grupo B – prevenção da infeção neonatal”.

Contraindicações para a atitude expectante na RPM


Trabalho de parto, corioamnionite, descolamento da placenta, hemorragia vaginal
moderada/abundante, prolapso do cordão, CTG suspeita ou patológica ou qual-
quer outra situação em que esteja indicada a terminação da gravidez. Perante
situações de alto risco infeccioso como imunodepressão, valvulopatia grave ou
prótese valvular, diabetes insulinodependente, infeção pelo vírus da imunodefi-
ciência humana (VIH), herpes genital ativo, a decisão deve ser individualizada.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

BIBLIOGRAFIA
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MACROSSOMIA FETAL 24
CATARINA POLICIANO, CLÁUDIA ARAÚJO

INTRODUÇÃO
Designa-se por “suspeita de macrossomia fetal” uma estimativa ecográfica
do peso fetal acima do percentil 90 (p90) para a idade gestacional. Define-se
recém-nascido (RN) macrossómico como aquele que apresenta um peso ao
nascer >4 000 g. Cerca de 8% dos RN têm um peso >4 000 g e ~1% tem um
peso >4 500 g, mas este número varia muito de acordo com as características
da população estudada. A ecografia tem uma margem de erro de ~15% na
estimativa de peso fetal (EPF), apresenta uma baixa sensibilidade na deteção
de RN macrossómicos, mas uma especificidade elevada, ~97% para o peso
>4 000 g e ~99% para o peso >4 500 g. O exame abdominal e a altura uterina
continuam a ser métodos úteis de rastreio, mas a suspeita de macrossomia
fetal deve ser sempre estabelecida por exame ecográfico. A macrossomia fetal
está associada a um aumento da incidência de trabalho de parto estacionário
e parto distócico (cerca de 2 vezes), lacerações perineais (cerca de 2-3 vezes)
e hemorragia pós-parto (cerca de 2 vezes). Verifica-se ainda uma maior morbi-
lidade neonatal em consequência do risco aumentado de distocia de ombros
(cerca de 15 vezes): fratura da clavícula (cerca de 8 vezes), paralisia do plexo
braquial (cerca de 20 vezes, sendo que a 80-90% resolve sem incapacidade
permanente) e asfixia perinatal. Os principais fatores de risco para macrossomia
fetal são: diabetes mellitus descompensada (incidência ~20%), antecedentes de
RN macrossómico (risco 5-10 vezes superior), obesidade materna (risco 2
vezes superior), ganho excessivo de peso durante a gravidez (≥12 kg – risco 2-
3 vezes superior).

ABORDAGEM CLÍNICA DAS SITUAÇÕES DE SUSPEITA DE MACROSSOMIA FETAL


A indução do trabalho de parto em gestações de termo com suspeita de ma-
crossomia fetal permite uma redução de cerca de 80% na incidência de distocia
de ombros e de fraturas fetais. Com esta medida não se verificam diferenças
significativas na taxa de cesarianas ou de outros desfechos perinatais adversos.
Assim, está indicado:
■ Indução do trabalho de parto às 38 semanas se EPF às ≥36+0 semanas
>p95 mas <4 500 g;
■ Cesariana eletiva às 39 semanas se EPF ≥4 500 g.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

No entanto, a decisão sobre a via do parto deve ter ainda em consideração a


avaliação da bacia materna, a coexistência de diabetes mellitus mal controla-
da, os pesos de RN anteriores por parto vaginal, a ocorrência de morbilidade
materno-fetal em partos vaginais anteriores e a existência de cesarianas pré-
vias. A suspeita de macrossomia fetal não contraindica a tentativa de parto
vaginal após uma cesariana. Quando se opta por realizar uma prova de trabalho
de parto, deverão ser tomadas atitudes no sentido de lidar com uma possível
92 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

distocia de ombros, cujo risco aumenta significativamente perante um segundo


período do trabalho de parto prolongado.

BIBLIOGRAFIA
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POLIHIDRÂMNIOS 25
SARA VARGAS , S USANA SANTO

INTRODUÇÃO
Define-se polihidrâmnios como um volume de líquido amniótico (LA) aumentado e
tem uma incidência de 1-2%. É frequentemente um achado ecográfico ocasional
no 2.º ou 3.º trimestres, mas pode ser suspeitado perante uma altura uterina
acima do esperado. O diagnóstico é ecográfico e corresponde a um índice de
LA (ILA) ≥25 cm ou a um maior lago de LA ≥8 cm. É classificado como ligeiro
em ~80% dos casos (ILA 25-29 cm ou maior lago 8-12 cm), moderado em ~15% (ILA
30-34 cm ou maior lago 12-16 cm) ou grave em ~5% (ILA ≥35 cm ou maior lago >16
cm). O volume de LA traduz um balanço entre a sua produção e eli- minação e na
segunda metade da gravidez resulta essencialmente da produção de urina e da
deglutição fetal. Assim, as causas principais de polihidrâmnios (Quadro 25.1) são
as situações que condicionam aumento da produção de urina (circulação
hiperdinâmica, anomalia renal, diurese osmótica) ou a diminuição da
capacidade de deglutição (obstrução digestiva, doença neuromuscular). O
prognóstico depende da etiologia e da gravidade do polihidrâmnios. Em 50-
60% dos casos é idiopático (diagnóstico de exclusão), mas pode associar-se a
outras condições. Estão presentes malformações fetais em ~80% dos casos de
polihidrâmnios grave.
Nos casos mais graves a grávida pode apresentar como sintomas, dispneia,
desconforto abdominal ou contractilidade relacionada com a distensão uterina.
Associa-se a maior risco de rotura prematura de membranas (RPM), apresenta-
ção/situação fetal anómala, parto pré-termo (PPT), prolapso do cordão umbilical,
descolamento placentário, trabalho de parto prolongado, parto distócico, atonia
uterina pós-parto e morte perinatal.

Quadro 25.1 – PRINCIPAIS CAUSAS DE P OLIHIDRÂMNIOS


Causas maternas

Diabetes

Isoimunização

Infeções: CMV, toxoplasmose, varicela, parvovírus B19, sífilis

Medicação: lítio
Causas fetais
Malformações estruturais:
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– Gastrointestinais: atresia do esófago/duodeno/jejuno-íleo, fístula traqueoesofágica, onfalocelo, gas-


trosquise, síndrome de hipoperistaltismo intestinal megabexiga-microcólon
– SNC: defeitos do tubo neural, tumores
– Cardiovasculares: malformações cardiovasculares, arritmias, radbdomioma
– Geniturinárias: obstrução unilateral, displasia multiquística, tumores
– Respiratórias e tórax: malformação congénita das vias aéreas, hidrotórax, hérnia diafragmática
(continua)
94 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

(continuação)

Causas fetais
– Músculosqueléticas: acondroplasia, displasia tanatofórica, artrogripose, miastenia gravis
– Tumores fetais como teratoma sacrococcígeo
– Orofaciais: fenda palatina, micrognatia

Doenças neuromusculares

Endocrinopatias: diabetes insípida, tireotoxicose, pseudo-hipoaldosteronismo, síndrome de Bartter

Anemia

Macrossomia

Aneuploidia/síndrome genético

STFF
Causas placentárias

Corioangioma
CMV – citomegalovírus; SNC – sistema nervoso central; STFF – síndrome de transfusão feto-fetal.

ABORDAGEM CLÍNICA
Polihidrâmnios assintomático
A abordagem inicial tem como objetivo identificar a etiologia e a gravidade do
polihidrâmnios:
■ Anamnese e reavaliação analítica;
■ Exclusão de diabetes;
■ Pesquisa de anticorpos irregulares;
■ Completar rastreio de infeções: CMV, toxoplasmose, varicela, parvovírus B19,
sífilis;
■ Ecografia com Doppler multivasos;
■ Ecocardiograma fetal;
■ Estudo citogenético fetal se houver anomalias ecográficas, polihidrâmnios
grave ou restrição de crescimento fetal (RCF).
Algumas situações (diabetes, anemia) são passíveis de correção, com reversão
do polihidrâmnios. A grávida deve ser referenciada às consultas de Medicina Fetal
e de Genética se na ecografia houver malformações estruturais ou polihi-
drâmnios grave. Nos casos de polihidrâmnios ligeiro idiopático e assintomático
a atitude deve ser expectante com vigilância ecográfica mensal. Nas restantes
situações, a vigilância deve ser adaptada à etiologia e gravidade da situação
(ecografia cada 1-3 semanas). A programação do parto deve ser definida por
critérios obstétricos.

Polihidrâmnios sintomático
Amniorredução (1.4 escolha)
Deve ser realizada na Unidade de Ecografia com a grávida internada ou em obser-
vação. Realizar tocólise e ciclo de corticosteroides se houver ameaça de parto pré-
-termo (APPT). Inserção de uma agulha 20G sob controlo ecográfico, usando técni-
ca estéril. Aspiração ativa de 100-125 ml/minuto de LA até o ILA/maior lago de LA
Polihidrâmnios 95

se encontrarem dentro dos valores normais ou até um valor máximo de 2 500 ml.
Pode haver desconforto ou dor abdominal ligeiros que geralmente cessam rapi-
damente. O risco de complicações é muito baixo, mas inclui: trabalho de parto
pré-termo, descolamento placentário, RPM e corioamnionite. Deve realizar cardio-
tocografia (CTG) durante 2 horas após o procedimento. Estando assintomática,
a grávida poderá ter alta, com indicação para fazer contagem formal dos movi-
mentos fetais e avaliação diária da temperatura axilar. Deve dirigir-se à urgência
de Obstetrícia e Ginecologia se: contrações uterinas regulares, perda de LA,
hemorragia vaginal, temperatura >38,5 °C ou redução dos movimentos fetais.
A amniorredução está contraindicada nas grávidas seropositivas para o vírus
da imunodeficiência humana (VIH), hepatite B e C com carga viral (CV) elevada,
bem como na fase ativa do trabalho de parto. Ponderar terminar a gravidez a
partir das 35 semanas de gestação, se polihidrâmnios sintomático e recorrente.

Indometacina (como terapêutica de manutenção após amniorredução ou quando esta está con-
traindicada)
Até às 32 semanas de gestação na dose de 25 mg per os (PO) 6/6 horasnos
casos de recorrência de polihidrâmnios sintomático com necessidade de
amniorredução seriada ou se existe contraindicação para amniorredução. Deve
ser realizado ecocardiograma fetal 24-48 horas após o início da terapêutica e
depois semanalmente, bem como avaliação ecográfica semanal do LA. Contrain-
dicações: úlcera péptica, discrasia hemorrágica, doença renal crónica (DRC),
hipersensibilidade aos anti-inflamatórios não esteroides (AINE), idade gestacional
superior a 32 semanas.

BIBLIOGRAFIA
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bulletin no. 175. Obstet Gynecol. 2016;128(6):e241-e256.
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© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS
26 COLESTASE GRAVÍDICA

RITA M ENDES SILVA , D IOGO AYRES DE CAMPOS

INTRODUÇÃO
A colestase gravídica na população portuguesa ocorre em cerca de 2% de todas
as gestações e caracteriza-se por prurido generalizado e elevação dos ácidos
biliares, frequentemente associados ao aumento das enzimas hepáticas. Tem uma
fisiopatologia ainda pouco esclarecida, estando envolvidos fatores genéticos e
hormonais. A sua importância clínica prende-se com o incómodo causado pelo
prurido materno e com o risco de morte fetal que ocorre em ~1,2% dos casos,
numa idade gestacional mediana de 38 semanas. A morte fetal parece ser
decorrente de um evento agudo de causa ainda não esclarecida, não estando
envolvido um processo hipoxico crónico, e ocorre sobretudo em grávidas com
valores elevados de ácidos biliares (>40 µmol/L). A incidência de colestase
gravídica é ~2%, sendo mais frequente em gestações múltiplas. Pode ocorrer no
2.º ou no 3.º trimestres (sendo mais frequente neste último) e resolve esponta-
neamente após a gravidez. Não existe evidência de complicações a longo-prazo,
mas ~50% dos casos recorrem em gestações subsequentes, aumentando para
~90% se houver também história familiar. O diagnóstico baseia-se na ocorrência
de prurido generalizado com predomínio nas palmas das mãos e plantas dos
pés, geralmente com agravamento noturno. No exame físico não se observa
eritema cutâneo, mas podem existir lesões de coceira. A suspeita clínica deve ser
confirmada pelos seguintes exames complementares:
■ Ácidos biliares preferencialmente em jejum: é o parâmetro mais sensível, sendo
geralmente >10 µmol/L; Formatada: Não Realc
■ Aspartato aminotransferase (AST), alanina aminotransferase (ALT), bilirru- bina
total: os valores de referência na gravidez são ~20% inferiores aos da população
geral e geralmente estão elevados nesta doença, não sendo no entanto um
critério necessário para o diagnóstico;
■ Tempo de protrombina (TP), tempo de tromboplastina parcial ativada (aPTT):
alterados em ~20% dos casos;
■ Ecografia abdominal superior (para exclusão de lesão hepática e de litíase biliar).
Em casos atípicos podem também ser úteis: antigénio de superfície do VHB
(Ag HBs), anti-VHA total, anti-VHC, serologia do vírus Epstein-Barr, serologia do
citomegalovírus (CMV) (para exclusão de causas virais), anticorpos antimúscu-
lo liso (SMA), anticorpos anti-LKM (microssomal do fígado e rim) e anticorpos
antimitocondriais (para exclusão de causas autoimunes).

ABORDAGEM CLÍNICA
A vigilância deve preferencialmente ser realizada em ambulatório, com reavalia-
ção semanal dos ácidos biliares, marcadores da função hepática e cardiotoco-
grafia (CTG). Para alívio sintomático do prurido prescrever:
■ Hidroxizina 25 mg per os (PO) 6/6 horas;
Colestase Gravídica 97

■ Difenidramina 10 mg/g + óxido de zinco 80 mg/g + Cânfora 1 mg/g


(Caladryl® creme) aplicação tópica nas zonas de prurido em SOS 3-4 vezes/
/dia;
■ Ácido ursodesoxicólico 500 mg PO de 12/12 horas (Ursofalk® 250 mg caps.),
que pode ser aumentado até 2 g PO de 12/12 horas se não houver melhoria
dos sintomas. Contraindicações: colecistite aguda, litíase biliar sintomática,
obstrução biliar. Efeitos secundários: náuseas, fezes moles e diarreia;
■ Vitamina K1 10 mg subcutânea (SC) em dose única (Kanakion MM® 10 mg/1 ml
amp. injetável/oral), caso se verifique aumento do TP. A repetir 2-3 dias
depois, se a alteração persistir;
■ Outras medidas: banhos de água fria, utilização de roupa de algodão;
■ Recomendação para efetuar contagem formal diária dos movimentos fetais,
parando quando chega aos 10 movimentos. Se não chegar aos 10 movimentos
em 12 horas recorrer à urgência de Obstetrícia e Ginecologia.

Internamento
Indicado se ácidos biliares >40 μmol/L ou se prurido refratário à terapêutica
anteriormente descrita:
■ Se prurido refratário à medicação anterior, associar rifampicina 150-300 mg
PO 12/12 horas (rifampicina caps. 300 mg). Contraindicações: obstrução biliar,
alcoolismo. Efeitos secundários: náuseas, vómitos, diarreia, flatulência, anorexia,
astenia, confusão, sonolência, cefaleias, ataxia, tonturas, distúrbios visuais,
alterações da função hepática e renal, síndrome febril, eritema, eo- sinofilia,
leucopenia transitória, trombocitopenia, hemólise;
■ Avaliação bissemanal das enzimas hepáticas;
■ CTG 1 vez/turno.

Terminação da gravidez
■ Às 38 semanas, se ácidos biliares <40 µmol/L;
■ Às 36 semanas, se ácidos biliares persistentemente >40 μmol/L;
■ Entre as 34-36 semanas, se prurido refratário à terapêutica, icterícia, antece-
dentes de morte fetal <36 semanas associada a colestase gravídica, ácidos
biliares persistentemente >100 μmol/L apesar da terapêutica ou agravamento
persistente das enzimas hepáticas.
A via de parto rege-se por critérios obstétricos.

Puerpério
Suspender a medicação específica da colestase gravídica, mantendo apenas
hidroxizina em SOS. A amamentação não está contraindicada. Em relação à
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

contraceção, as pílulas contendo apenas progestativo estão associadas a baixo


risco de recorrência do prurido. Confirmar ausência de sintomas e normaliza-
ção laboratorial (ácidos biliares, AST, ALT, bilirrubina total) 6-8 semanas após
o parto, o que apoia o diagnóstico. É aceitável iniciar pílula estroprogestativa
combinada em baixa dose após normalização analítica. Se houver persistência
de alterações laboratoriais ou ácidos biliares >40 μmol/L referenciar à consulta
de Gastrenterologia.
98 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

BIBLIOGRAFIA
GIRLING JC, DOW E, SMITH JH. Liver function tests in pre-eclampsia: importance of com- parison
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ISOIMUNIZAÇÃO RH (D) – PREVENÇÃO E ABORDAGEM 27
ANDREIA F ONSECA , S USANA S ANTO

INTRODUÇÃO
Entende-se por isoimunização na gravidez a formação de anticorpos maternos
contra antigénios (Ag) de origem paterna expressos na membrana celular dos
eritrócitos fetais, podendo associar-se a doença hemolítica fetal e neonatal
(DHFN). O antigénio D do sistema Rhesus é o mais frequentemente envolvido
na DHFN moderada a grave (outros são os grupos Kell, Duffy, Kidd). A ausência do
gene que codifica o Ag D classifica um indivíduo como Rh (D) negativo, o que
ocorre em cerca de 15% das grávidas de origem europeia. Um número pequeno de
indivíduos classificados como D fraco apresentam variantes doAg D que podem
levar à produção de anticorpos anti-D; durante a gravidez devem ser considerados
como Rh (D) negativos. A sensibilização de mulheres Rh (D) negativas pode
ocorrer fora da gravidez através de transfusão de sangue ou hemoderivados,
partilha de agulhas, produtos contaminados com sangue e transplante de órgãos).
O Ag D é detetável no sangue fetal após as 7 semanas de gestação e a
sensibilização materna pode ocorrer com volumes pequenos (<0,3 ml). Após a
exposição, ocorre uma resposta lenta, predominantemente de imunoglobulina
(Ig) M, à qual se segue a produção de IgG capaz de atravessara placenta. Numa
nova exposição, a resposta IgG é geralmente rápida e exu- berante, mesmo para
quantidades pequenas de sangue fetal (0,05-0,1 ml). A administração pós-natal
sistemática de Ig anti-D a puérperas suscetíveis leva a uma redução da taxa de
isoimunização de 16% para 2%. Com a profilaxia sistemática às 28 semanas reduz-
se este número para cerca de 0,2%.

PROFILAXIA DA ISOIMUNIZAÇÃO Rh (D)


A profilaxia está indicada nas grávidas Rh (D) negativas com teste de Coombs
indireto negativo (não isoimunizadas) quando o progenitor masculino é Rh (D)
positivo ou desconhecido. Constituem exceções os casos em que o grupo Rh (D)
do feto (determinado durante a gravidez ou no sangue umbilical após o parto) é
negativo. A Ig anti-D 300 mcg intramuscular (IM) (equivalente a 1500 UI) deve
ser administrada logo que possível após os seguintes eventos, de preferência
nas primeiras 72 horas e até um máximo de 28 dias:
Rotina na gravidez
Por volta das 28 semanas de gravidez (ou posteriormente, se não adminis-
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

trada às 28 semanas).
Aborto e morte fetal
■ Aborto, interrupção médica da gravidez (IMG) ou gravidez ectópica (GE) ≥7
semanas;
■ Doença gestacional do trofoblasto;
■ Morte fetal no 2.º ou 3.º trimestres.
100 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Outros eventos sensibilizantes na gravidez


■ Biópsia das vilosidades coriónicas (BVC), amniocentese, cordocentese, redução
embrionária, cirurgia fetal;
■ Traumatismo abdominal materno de intensidade moderada a grave;
■ Hemorragia vaginal moderada a abundante após as 7 semanas;
■ Versão cefálica externa (VCE).
Pós-parto imediato
■ Se recém-nascido (RN) Rh (D) positivo, teste Coombs direto negativo e última
Ig anti-D há >3 semanas.
A semivida da Ig anti-D é de 3-4 semanas, pelo que o teste de Coombs não
deve ser repetido antes de terem decorrido pelo menos 6 semanas após a
administração. Se após a administração surgir uma nova indicação ou uma
recorrência da indicação (das supracitadas), a Ig anti-D 300 mcg IM deve ser
repetida se tiverem decorrido pelo menos 6 semanas.

Necessidade de doses adicionais de Ig anti-D


Nalgumas situações, uma dose de 300 mcg de Ig anti-D pode não ser sufi-
ciente para neutralizar os eritrócitos fetais em circulação materna. O teste de
Kleihauer-Betke quantifica a hemorragia feto-materna e define as situações
em que é necessário administrar doses adicionais (não é útil em doenças que
cursam com uma maior percentagem de Hb F – drepanocitose ou talassemia).
Deve ser solicitado nas seguintes situações: morte fetal no 2.º ou 3.º trimes-
tres, traumatismo abdominal materno grave, VCE com complicações, técnicas
fetais invasivas após as 20 semanas com complicações, cesariana por placenta
prévia ou acreta, descolamento major da placenta, dequitadura manual, mano-
bras internas durante o parto (versão podálica interna, grande extração pélvica). Deve
ser enviada uma amostra de sangue materno (colhida pelo menos 30-45 minutos
após o evento) em tubo de hemograma. O resultado é fornecido em percentagem
de eritrócitos fetais (%EF). Para cálculo da dose de Ig anti-D a administrar é
necessário determinar o volume de eritrócitos fetais transfundido (vol EF) usando
a fórmula:
Vol EF (ml) = (%EF/100) x 2 400 ou
Vol EF (ml) = (n.º EF/n.º eritrócitos maternos) x 2 400.
As doses adicionais são calculadas segundo a regra de 125 UI por cada ml de
eritrócitos fetais. As doses adicionais de Ig anti-D deverão ser administradas
em locais diferentes, idealmente ao longo de 12 horas (no máximo 1 500 mcg/24
horas).

GRÁVIDA COM ISOIMUNIZAÇÃO Rh (D)


Primeira gravidez com isoimunização
O diagnóstico baseia-se na deteção de anticorpos anti-D no soro materno. Se
houver certeza da paternidade e o grupo de sangue do progenitor masculino for
desconhecido, deve ser pedida grupagem AB0 Rh do mesmo. Se este for Rh (D)
negativo, o feto será também Rh (D) negativo e não existe risco de DHFN. Se o
progenitor masculino for Rh (D) positivo, é necessário determinar o seu genótipo.
Isoimunização Rh (D) – Prevenção e Abordagem 101

Se o progenitor masculino for homozigótico (DD), o feto é obrigatoriamente Rh


(D) positivo e está em risco de DHFN. Nos casos de heterozigotia paterna (Dd),
50% dos fetos serão Rh (D) negativos e 50% serão Rh (D) positivos. Nestes
casos e nos casos de paternidade incerta, é necessária a determinação do
genótipo fetal. Esta pode ser realizada no sangue materno (após as 11 sema-
nas, com uma sensibilidade >95%) ou, caso haja outra indicação para tal, por
amniocentese (idealmente não transplacentária, com sensibilidade de 98,7% e
especificidade de 100%).
Nas grávidas isoimunizadas com feto Rh (D) positivo, existe uma correlação
entre os títulos de anticorpos (a maior diluição de sangue para a qual ocorre
aglutinação) e a gravidade da DHFN. Está indicada a avaliação mensal dos títu-
los de anticorpos até às 28 semanas e depois quinzenal até ao parto, desde
que os títulos se mantenham estáveis (variações ≤1 diluição) e abaixo do nível
crítico. A monitorização dos títulos de anticorpos deve ser realizada no mesmo
laboratório e considera-se a titulação 1:16 como o nível crítico, a partir do qual
existe risco de DHFN.
Uma vez atingido o nível crítico ou se houver subida ≥2 vezes no título, passa
a ser necessária a ecografia semanal para deteção de sinais de anemia fetal,
através da avaliação da velocidade do pico sistólico na artéria cerebral média
(VPS-ACM) e de sinais de hidrópsia fetal. A VPS-ACM ≥1,5 múltiplos da mediana
(MoM) para a idade gestacional tem uma sensibilidade de 100% e uma taxa
de falsos positivos de 12% para anemia fetal moderada a grave antes das 35
semanas. O achado de uma VPS-ACM ≥1,5 MoM deve ser confirmado 24 horas
depois. Se confirmado ou se documentada uma hidrópsia fetal, deve ser propos-
ta cordocentese para determinar a hemoglobina (Hb) fetal e, se esta estiver dois
desvios-padrão abaixo da média para a idade gestacional ou se o hematócrito
for <30%, deve realizar-se transfusão intrauterina quando a idade gestacional é
<35 semanas. Previamente à transfusão, administrar corticosteroides de acordo
com protocolo “71. Corticosteroides para indução da maturidade fetal”. Após as
35+0 semanas, a monitorização da anemia fetal através da VPS-ACM é menos
precisa e valores >1,5 MoM devem levar à terminação da gravidez.

Grávida com gestação anterior afetada por isoimunização Rh (D)


Todas as gestações seguintes apresentam risco de DHFN se o feto for Rh (D)
positivo. A conduta clínica é semelhante à descrita na secção anterior, exceto
no que diz respeito à monitorização dos títulos de anticorpos, uma vez que não
existe correlação entre estes e o grau de anemia fetal. Assim, deve ser realizada
avaliação ecográfica semanal a partir das 18 semanas. Quando os títulos de
anticorpos são muito altos (≥1:256) antes das 18 semanas ou quando ocorreu
morte fetal prévia com hidrópsia antes das 22-24 semanas, ponderar a reali-
zação de plasmaférese ou a administração de Ig inespecífica endovenosa (EV)
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

(1 g/kg de peso materno semanal) a partir das 10-12 semanas para protelar a
necessidade de cordocentese e de transfusão intrauterina até às 22-24 semanas.

Vigilância da gravidez após transfusão intrauterina


Estima-se que o hematócrito fetal diminua cerca de 1%/dia após a primeira trans-
fusão, 0,9%/dia após a segunda e 0,6%/dia após a terceira. Deve realizar-se
102 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

semanalmente ecografia (avaliação da VPS-ACM e de sinais de hidrópsia) e


cardiotocografia (CTG) (se ≥25+0 semanas). Mantêm-se os critérios anteriormente
descritos para nova cordocentese e transfusão.

Terminação da gravidez
■ Às 37-38 semanas nos casos com baixo risco de anemia;
■ Após as 35+0 semanas quando há suspeita de anemia moderada ou grave
(VPS-ACM ≥1,5 MoM ou hidrópsia fetal);
■ Após a última transfusão, a terminação da gravidez deve ser agendada tendo
em conta o tempo decorrido desde o último procedimento, o tempo expectável
para o feto apresentar anemia e a avaliação fetal (ecografia e CTG).
A via de parto é decidida por critérios obstétricos, exceto na suspeita de anemia
grave (CTG patológica ou hidrópsia fetal) em que está indicada a cesariana.
Informar a Neonatologia, a fim de agilizar o pedido de hemoderivados que possam
ser necessários. Após o parto, colher sangue do cordão umbilical para hemograma,
bilirrubina e teste de Coombs direto (tubo de coagulação).

BIBLIOGRAFIA
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antibodies during pregnancy. Green-top Guideline No. 65. RCOG, 2014.
HIDRÓPSIA FETAL NÃO IMUNE 28
M ARIA PULIDO VALENTE, M ARIA DE CARVALHO AFONSO

INTRODUÇÃO
Define-se hidrópsia fetal como a acumulação de líquido em dois ou mais dos
seguintes compartimentos fetais: peritoneu (ascite), pleura (derrame pleural),
pericárdio (derrame pericárdico) e tecido celular subcutâneo (espessura cutânea
>5 mm). Associa-se frequentemente a placentomegalia (espessura ≥4 cm no 2.º
trimestre e ≥6 cm no 3.º trimestre) e a polihidrâmnios. Devido ao uso generali-
zado de imunoglobulina (Ig) anti-D na profilaxia de isoimunização Rh, ~90% dos
casos de hidrópsia fetal são de causa não imune. A incidência de hidrópsia
fetal não imune ronda os 0,06%. As grávidas estão geralmente assintomáticas, mas
podem referir aumento do volume abdominal ou diminuição dos movimentos fetais.
Muito raramente ocorre a síndrome de Ballantyne (mirror syndrome), de
etiopatogenia desconhecida, que é caracterizado pelo aparecimento de edema
materno generalizado, proteinúria e, ocasionalmente, pré-eclâmpsia. São vários
os mecanismos fisiopatológicos subjacentes à hidrópsia fetal: redução da pres-
são oncótica sanguínea (p. ex., anemia, doença hepática, nefropatia), aumento
da pressão venosa (p. ex., cardiopatias), aumento da permeabilidade capilar
(p. ex., infeção congénita) ou obstrução da drenagem linfática na cavidade
torácica e abdominal. As principais causas estão expostas no Quadro 28.1.
As cromossomopatias constituem mais de metade dos casos antes das 20 semanas.
Após as 24 semanas, a etiologia mais frequente são as cardiopatias congénitas. A
sobrevivência global é inferior a 50% e o prognóstico depende da etiologia
subjacente e da idade gestacional. O presente protocolo estabelece a abordagem
inicial desta situação, de forma a chegar a uma etiologia provável.A abordagem
subsequente de cada causa e o risco de recorrência ultrapassamo âmbito do
protocolo.

Quadro 28.1 – CAUSAS DE H IDRÓPSIA FETAL NÃO IMUNE


Cromossómica (7-16%)
Síndrome de Turner

Trissomia 21

Outras

Hematológica (4-12%)
Anemia (causa fetal ou extrafetal), aplasia das células vermelhas

Hemorragia fetal ou feto-materna



© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

Hemoglobinopatias (alfa-talassemia)

Infeciosa (5-7%)

Parvovírus B19

CMV

Sífilis

Toxoplasmose
(continua)
104 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

(continuação)

Malformações
Cardiovasculares (17-35%) – estruturais ou do ritmo

Torácicas (6%)

Displasia linfática (5-6%)


Sistema urinário (2-3%)


Gastrointestinais (0,5-4%)

Displasias esqueléticas (3-4%)


STFF (3-10%)
Síndromes genéticas (3-4%)

Rasopatias (síndrome de Noonan e espectro Noonan)

Síndrome de pterígios múltiplos

Sequência de deformidades por acinesia fetal

Síndrome nefrótica congénita

Síndrome de linfedema congénita
Doenças metabólicas (1-2%)
Doenças dos lisossomas (mucopolissacaridoses, doença de Gaucher,

doença de Niemann-Pick)
Défices congénitos da glicosilação: PMM2 (fosfomanomutase 2), etc.

Doenças dos peroxisomas


Glicogenose tipo IV

Tumores fetais (2-3%)


Teratoma

Linfangioma

Tuberoma

Neuroblastoma

Placentares e do cordão

Corioangioma

Angiomixoma do cordão

Aneurisma da AU

Torção da veia umbilical

Nó verdadeiro do cordão
Causa mista (3-15%)
Desconhecida (15-25%)
CMV – citomegalovírus; STFF – síndrome de transfusão feto-fetal; AU – artéria umbilical.

ABORDAGEM CLÍNICA
A abordagem etiológica da hidrópsia fetal não imune deve ser multidisciplinar,
envolvendo a Obstetrícia e a Genética. O estudo deve ser feito por etapas,
procurando primeiro as causas mais frequentes e, só depois, as mais raras.É
importante averiguar a história pessoal e familiar de doenças crónicas, gené-
ticas, exposição a medicamentos, tóxicos e infeções.
Hidrópsia Fetal Não Imune 105

Avaliação materna

■ Hemograma com plaquetas, grupo de sangue e teste de Coombs indireto;


■ Função hepática, renal, provas de coagulação;
■ Hormona estimulante da tiroide (TSH), T4 livre e anticorpos antitiroideus;
■ Proteinúria (se edema materno generalizado);
■ Eletroforese das hemoglobinas (se asiáticos pesquisar alfa-talassemia), teste
de Kleihauer-Betke;
■ Serologia da rubéola, toxoplasmose, sífilis, parvovírus B19, CMV, listeria,
coxsackie, varicela, herpes simplex, vírus sincicial respiratório (se história
sugestiva);
■ Anticorpos anti-SSA e SSB (se bradiarritmia);
■ Rastreio de deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase (se história familiar).

Avaliação fetal
Ecografia morfológica com avaliação da velocidade máxima do pico sistólico
(VMPS) na artéria cerebral média (ACM) e ecocardiograma fetal. A subsequente
abordagem rege-se pelo esquema da Figura 28.1.

Diagnóstico invasivo
■ Biópsia das vilosidades coriónicas (BVC), amniocentese ou cordocentese para
avaliação genética: pesquisa de aneuploidias (13, 18, 21, X e Y) por quan-
titative florescence polymerase chain reaction (QF-PCR), estudo do cariotipo
fetal (se aneuploidia presente no QF-PCR), análise array comparative genomic
hybridization (CGH) se QF-PCR normal;
■ Polymerase chain reaction (PCR) para fator Rh (D) fetal, painel next generation
sequencing (NGS) para rasopatias (síndrome de Noonan e espectro Noonan)
se análise array CGH normal e suspeita ecográfica, painel alargado de genes
(exoma clínico ou total) se houver história pessoal/familiar (decisão conjunta
com Genética);
■ Avaliação de infeção fetal (se análise materna compatível com imunidade ou
primoinfeção) – PCR para CMV, parvovírus B19 (se sinais de anemia fetal) e
toxoplasmose;
■ Avaliação metabólica fetal (se forte suspeita de doença metabólica) – pedir
estudo bioquímico e enzimático para doenças metabólicas.
Em caso de necessidade de punção de cavidades fetais, proceder à avaliação
citológica, exame bioquímico e bacteriológico do líquido. Em caso de cordocen-
tese, avaliar hemograma com plaquetas. Indicar ao laboratório para armazenar
material para eventuais estudos posteriores.
IDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS
106 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal


Provável INFEÇÃO FETAL, ■
Provável ANEMIA FETAL
sem anemia ■
Serologias do parvovírus

Serologias (CMV,Toxoplasma ■
Estudo das hemoglobinas
gondii e parvovírus B19) com eventual estudo
molecular (G-6-PD; G-6-PI;
Se não houver infeção mater-
def. piruvato-quinase)
na documentada, equacionar ■
Teste de Kleihauer-Betke/
doença metabólica ou cau-
/citometria de fluxo
sas raras de infeção.
MoM – múltiplos da mediana.
Figura 28.1 – Abordagem clínica na investigação etiológica da hidrópsia fetal não imune.

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RESTRIÇÃO DE CRESCIMENTO FETAL 29
JOANA GOULãO BARROS , R UI M ARQUES DE C ARVALHO

INTRODUÇÃO
O termo restrição de crescimento fetal (RCF) refere-se às situações em que o
feto, devido a fatores genéticos ou ambientais, não atinge o seu potencial de
crescimento. A RCF deve ser suspeitada ecograficamente quando a estimativa
de peso fetal (EPF) ou perímetro abdominal (PA) são <p10. A etiologia da RCF é
variada e pode dividir-se em causas maternas, fetais e placentárias. As causas
maternas incluem as doenças crónicas com compromisso respiratório, vascular
ou hemodinâmico (doenças pulmonares, cardíacas, renais, endocrinológicas,
hematológicas), exposição a tóxicos, deficiências nutricionais e má absorção
intestinal. As causas fetais incluem as anomalias cromossómicas, doenças gené-
ticas ou congénitas (sobretudo cardiopatias) e as infeções fetais. A insuficiência
placentária refere-se às situações de défice crónico da função vilositária, que
pode dever-se a invasão trofoblástica deficitária, enfarte, inflamação ou fibrose.
A avaliação etiológica destas situações deve basear-se na história clínica, com
identificação dos fatores anteriormente descritos, e nas seguintes medidas:
■ Ecografia detalhada, incluindo reavaliação morfológica, avaliação do líquido
amniótico (LA), fluxometria fetal multivasos [artéria umbilical (AU), artéria
cerebral média (ACM), ducto venoso (DV) e índice cerebroplacentário (ICP)] e
fluxometria das artérias uterinas maternas. Ecocardiografia se houver suspeita
de cardiopatia fetal;
■ Reavaliação das serologias maternas para citomegalovírus (CMV), sífilis, to-
xoplasmose e rubéola;
■ Reavaliação do rastreio e diagnóstico pré-natal de aneuploidias;
■ Referenciação à consulta de Medicina Fetal se RCF confirmada.
A abordagem clínica subsequente depende da etiologia da RCF e rege-se de acordo
com protocolos específicos, podendo incluir a amniocentese com estudo de array
comparative genomic hybridization (CGH) e estudo de infeções fetais,se houver
suspeita de causa genética ou infeciosa.

ABORDAGEM CLÍNICA DOS CASOS DE INSUFICIÊNCIA PLACENTÁRIA


O diagnóstico de RCF por insuficiência placentária baseia-se na documentação
de alterações da fluxometria fetal e na exclusão das outras causas anterior- mente
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

descritas. Deve ser subdividida em precoce (<32 semanas) e tardia (≥32 semanas),
representando formas diferentes de apresentação e de progressãoda doença.
Estabelece-se o diagnóstico de RCF precoce quando a EPF ou PAsão <p3, ou
quando há um fluxo telediastólico ausente na AU. São também critérios de
diagnóstico uma EPF ou PA <p10, desde que associado a índice de pulsatilidade
(IP) da AU ou na artéria uterina >p95. Nas gestações com menosde 24 semanas,
considera-se RCF quando a EPF é <p10, independentemente
108 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

da avaliação fluxométrica. Define-se como RCF tardia quando a EPF ou PA <p3


ou quando estão presentes dois dos seguintes critérios:
■ EPF ou PA <p10;
■ Cruzamento de percentis superior a dois quartis;
■ IP da AU >p95 ou ICP <p5.
Considera-se um feto leve para a idade gestacional quando a EPF <p10, mas
não se cumprem os restantes critérios de diagnóstico de RCF.
Não existem intervenções pré-natais capazes de reverter ou minimizar a pro-
gressão da RCF por insuficiência placentária, pelo que a abordagem clínica se
centra na vigilância da função placentária com o objetivo de determinar o mo-
mento a partir do qual os riscos fetais da manutenção in utero se sobrepõem
aos riscos da prematuridade.

RCF precoce (<32 semanas)


Se IP da AU >p95, IP da ACM <p5 ou ICP <p5
■ Vigilância em ambulatório;
■ Contagem formal diária dos movimentos fetais a partir da hora de acordar,
registando o tempo que demorou até chegar aos 10 movimentos. Recorrer à
urgência de Obstetrícia e Ginecologia se isto não ocorrer num período de 10
horas ou quando aumenta progressivamente o tempo que demora a chegar
aos 10 movimentos;
■ Fluxometria multivasos semanal;
■ Avaliação biométrica de 2/2 semanas.

Se fluxo telediastólico ausente na AU


■ Propor internamento;
■ Iniciar ciclo de corticosteroides para maturação fetal (ver protocolo “71. Cor-
ticosteroides para indução da maturidade fetal”);
■ Fluxometria multivasos 2 vezes/semana;
■ Cardiotocografia (CTG) 8/8 horas;
■ Avaliação biométrica de 2/2 semanas.

Se fluxo telediastólico umbilical invertido ou IP do DV >p95 ou oligoâmnios (maior lago <2 cm)
■Propor internamento;
■Iniciar ciclo de corticosteroides para maturação fetal (ver protocolo “71. Cor-
ticosteroides para indução da maturidade fetal”);
■ Fluxometria multivasos 3 vezes/semana;

■ CTG 1 vez/turno;

■ Avaliação biométrica de 2/2 semanas.

Se onda “a” do DV ausente ou invertida


■ Propor internamento;
■ Iniciar ciclo de corticosteroides para maturação fetal (ver protocolo “71. Cor-
ticosteroides para indução da maturidade fetal”) com vista à terminação da
gravidez imediatamente a seguir;
■ CTG 1 vez/turno;
Restrição de Crescimento Fetal 109

■ Fluxometria multivasos diária.

RCF tardia (≥32 semanas)


Se IP da AU >p95
■ Vigilância em ambulatório;
■ Contagem formal diária dos movimentos fetais a partir da hora de acordar,
registando o tempo que demorou até chegar aos 10 movimentos. Recorrer à
urgência de Obstetrícia e Ginecologia se isto não ocorrer num período de 10
horas ou quando aumenta progressivamente o tempo que demora a chegar
aos 10 movimentos;
■ Fluxometria multivasos semanal;
■ CTG semanal;
■ Avaliação biométrica de 2/2 semanas.

Se IP da ACM <p5 ou ICP <p5


■ Propor internamento após confirmar alteração da fluxometria 6-12 horas depois
(se necessário, propor internamento em observação durante este período de
tempo);
■ Iniciar ciclo de corticosteroides para maturação fetal de acordo com protocolo
(“71. Corticosteroides para indução da maturidade fetal”);
■ Fluxometria multivasos 3 vezes/semana;
■ CTG 1 vez/turno;
■ Avaliação da biometria 2/2 semanas.

Critérios para terminação da gravidez na RCF por insuficiência placentária


Consideram-se os seguintes critérios para recomendar a terminação da gravidez,
de acordo com a idade gestacional:
■A partir das 26 semanas (idealmente após completar ciclo de corticosteroi-
des):
– Se onda “a” do DV ausente ou invertida;
– Se CTG patológica (i.e., com baixa variabilidade persistente e/ou desace-
lerações tardias repetitivas);
■A partir das 32 semanas (idealmente após completar ciclo de corticosteroi-
des):
– Se fluxo telediastólico da AU invertido;
■ A partir das 34 semanas:

– Se fluxo telediastólico da AU ausente;


■ A partir das 37 semanas:
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

– Em todas as situações de RCF.


Nota: sempre que se verifique uma alteração da fluxometria fetal que justifique
a terminação da gravidez, esta deve ser repetida e confirmada nas 6 horas
seguintes. Pode coexistir patologia materna que, por si só, condicione a termi-
nação mais precoce da gravidez por outras causas.
110 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Feto leve para a idade gestacional


Nestas situações, preconiza-se a fluxometria multivasos após 1 semana e rea-
valiação da EPF com fluxometria multivasos após 2 semanas. Se a fluxometria
continuar normal e se o feto se mantiver na mesma curva de crescimento, deverá
ser reavaliado de 2/2 semanas e terminar a gravidez às 39 semanas de
gestação.

BIBLIOGRAFIA
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management of fetal growth restriction. Int J Gynaecol Obstet. 2021;152(Suppl 1):3-57.
ARRITMIAS CARDÍACAS FETAIS 30
S USANA SANTO , M ÓNICA REBELO

INTRODUÇÃO
As arritmias cardíacas fetais complicam ~2% das gestações, podendo ser dete-
tadas por auscultação da frequência cardíaca fetal (FCF), cardiotocografia (CTG)
ou ecografia, sendo esta última geralmente usada para confirmar o diagnóstico.
O presente protocolo descreve as principais arritmias, indicando as que justificam
a realização de um ecocardiograma fetal para melhor caracterização do ritmo
cardíaco e para exclusão de doença cardíaca estrutural.

EXTRASSÍSTOLES
As extrassístoles raramente se associam a doença cardíaca estrutural e, na
maioria dos casos, não necessitam de intervenção, principalmente quando são
ocasionais [<3-5/minuto e linha de base entre 110-160 batimentos por minuto
(bpm)]. As extrassístoles supraventriculares são as mais frequentes e raramente
evoluem para taquiarritmia. Nestas situações está recomendada a diminuição
do consumo de cafeína e de outros estimulantes. Quando as extrassístoles são
mais frequentes justifica-se uma avaliação ecocardiográfica em 2-3 semanas.
Quando ocorre bloqueio da condução auriculoventricular dos batimentos ectópi-
cos, a frequência ventricular pode estar reduzida.

TAQUIARRITMIAS
Traduzem-se por uma linha de base >160 bpm e associam-se a malformações
cardíacas em 1-5% dos casos.

Taquicardia sinusal
Linha de base entre 160-200 bpm. Requer avaliação materna para excluir fe- bre,
tirotoxicose, infeção, administração de fármacos taquicardizantes. Se não for
identificada uma causa materna, deve realizar-se ecografia obstétrica para
excluir anemia fetal e malformações. Caso não se identifique um motivo para
a taquicardia e a linha de base persista >180 bpm, deve realizar-se um eco-
cardiograma fetal. Se a linha de base estiver entre 160-180 bpm, deve realizar
um ecocardiograma apenas se a taquicardia se mantiver em duas observações
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

distintas.

Taquicardia supraventricular
É a forma mais frequente de taquicardia, podendo ser intermitente ou persis-
tente, com uma linha de base geralmente entre 180-260 bpm. O mecanismo
mais frequente é o de reentrada auriculoventricular. A persistência de taquicardia
112 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

supraventricular pode comprometer a estabilidade hemodinâmica, por reduzir o


enchimento diastólico e o débito cardíaco, podendo levar a hidrópsia fetal. Nos
casos intermitentes, a atitude deve ser apenas de vigilância se o feto estiver
hemodinamicamente estável. Na taquicardia supraventricular persistente com
sinais de compromisso hemodinâmico ou hidrópsia fetal, caso a gestação tenha
<37 semanas deve ser instituído tratamento com antiarrítmicos. Não existem
estudos que comparem a eficácia dos diferentes fármacos.

Digoxina
■ Dose inicial: 1-2 mg per os (PO) de 12/12 horas nas primeiras 24 horas;
■ Dose de manutenção: 0,5-0,75 mg PO 1 vez/dia.
Deve avaliar-se digoxinemia diária nas primeiras 48 horas e posteriormente a cada
3 dias – os níveis pretendidos são de 1-2 ng/ml (2-3 ng/ml nos fetos com
hidrópsia). A terapêutica com digoxina deve ser iniciada em regime de
internamento, com monitorização da toxicidade materna – gastrointestinal, do
sistema nervoso central (SNC) e cardíaca (arritmias), esta última através de
eletrocardiograma (ECG) diário. Nos fetos com hidrópsia há geralmente maior
resistência à terapêutica com digoxina, comparativamente a outros fármacos.
Pode ser necessário considerar a administração intramuscular (IM) ou intrape-
ritoneal no caso de não haver resposta à terapêutica oral.

Sotalol
■ Dose inicial: 80 mg PO 8/8 horas;
■ Dose de manutenção: 160-480 mg/dia divididos em 8/8 horas (reajustada a
cada 72 horas com base na FCF).
Deve realizar-se ECG materno diário. A dose deve ser diminuída antes do parto
para reduzir os riscos de hipoglicemia neonatal.

Flecainida
100-300 mg/dia PO divididos em 8/8 horas. Os níveis séricos pretendidos são
de 0,2-1 mcg/ml. Pode determinar aumento dos níveis de digoxina se for utilizada
em simultâneo. Deve realizar-se ECG materno diário.

Flutter auricular
Mais raro que a taquicardia supraventricular, apresenta uma frequência auricular
entre 300-500 bpm e uma frequência ventricular de 150-200 bpm, devido a
um bloqueio da condução auriculoventricular de 2:1, 3:1 ou 4:1. O mecanismo
é geralmente de macrorreentrada auricular. Associa-se a alterações cromossó-
micas ou a doença estrutural cardíaca em ~30% dos casos. A hidrópsia fetal
é frequente. Deve iniciar-se terapêutica antiarrítmica preferencialmente com sotalol
(ver “Sotalol”).

Taquicardia ventricular
É uma situação muito rara, caracterizada por uma FCF >200 bpm. Pode resol-
ver espontaneamente ou necessitar de tratamento com propranolol 40 mg PO 6/6
horas ou 8/8 horas ou amiodarona [dose inicial 1 800-2 400 mg/dia PO
Arritmias Cardíacas Fetais 113

divididos em 6/6 horas (nas primeiras 48 horas); dose de manutenção 200-400


mg/dia PO divididos em 6/6 horas].

BRADIARRITMIAS
Traduzem-se por uma linha de base <100 bpm.

Bradicardia sinusal
A frequência auricular é igual à ventricular. Pode ser devida a uma disfunção do
nódulo sinusal, síndrome do QT longo ou malformações cardíacas congénitas.
Devem ser avaliados os anticorpos anti-Ro/SSA e anti-La/SSB maternos.

Bloqueio de batimentos ectópicos


Podem ocorrer em bigeminismo ou trigeminismo, originando FCF baixas. É neces-
sário efetuar o diagnóstico diferencial com bloqueio auriculoventricular completo.
São geralmente transitórios e não afetam a função cardíaca. Recomenda-se a
diminuição do consumo de cafeína e outros estimulantes.

Síndrome do QT longo
É uma situação muito rara. Pode manifestar-se com bradicardia, mas mais fre-
quentemente apresenta-se com períodos alternados de bradiarritmia e taquiar-
ritmia. É importante averiguar a história familiar e orientar para a Cardiologia
Pediátrica.

Bloqueio auriculoventricular do 2º grau


É um achado raro, apresentando-se como um ritmo irregular, com FCF lenta e
aumento do intervalo entre as ondas P e R do eletrocardiograma fetal de um
batimento para o seguinte. Progride geralmente para o bloqueio auriculoventri-
cular completo. Devem ser pesquisados os anticorpos anti-Ro/SSA e anti-La/
/SSB maternos. No caso dos bloqueios auriculoventriculares de 1.º e 2.º grau deve
ser iniciada a terapêutica com dexametasona 4-6 mg/dia PO que parece diminuir
a progressão da doença.

Bloqueio auriculoventricular do 3.º grau ou completo


Existe uma dissociação completa da frequência auricular e ventricular, por au-
sência de condução auriculoventricular. A frequência auricular é normal e a
ventricular situa-se geralmente entre 50-80 bpm. Em ~50% dos casos asso-cia-se
a doença cardíaca estrutural. O risco de morte fetal é elevado quando coexiste
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

com uma malformação cardíaca congénita, fibroelastose endocárdica ou hidrópsia


fetal. Devem ser avaliados os anticorpos anti-Ro/SSA e anti-La/SSB maternos. Na
presença de bloqueio de 3.º grau a terapêutica com dexametasona
e betamiméticos é controversa e o prognóstico depende da idade gestacional,
da FCF e da existência de sinais de insuficiência cardíaca e de hidrópsia fetal.
Deve ser programada uma cesariana se a idade gestacional >34+0 semanas e
a equipa neonatal deve estar preparada para a colocação de um pacemaker.
114 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

VIA DE PARTO NAS ARRITMIAS CARDÍACAS FETAIS


As arritmias fetais não constituem necessariamente uma contraindicação para o
parto vaginal, desde que seja possível a monitorização fetal intraparto e desde
que não exista insuficiência cardíaca fetal ou hidrópsia fetal. Nestas últimas
situações, deve ser realizada uma cesariana. O momento do parto necessita
de ser coordenado com a Cardiologia Pediátrica.

BIBLIOGRAFIA
AYRES- DE -C AMPOS D, SPONG CY, C HANDRAHARAN E, for the FIGO Intrapartum Fetal Monitoring
Expert Consensus Panel. FIGO consensus guidelines on intrapartum fetal monitoring: Car-
diotocography. Int J Gynaecol Obstet. 2015;131(1):13-24.
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SOUTHALL DP, RICHARDS J, HARDWICK RA, et al. Prospective study of fetal heart rate and rhythm
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MORTE FETAL 31
S USANA REGO , RUI M ARQUES DE C ARVALHO , L UÍSA PINTO , D IOGO AYRES DE CAMPOS ,
CRISTINA FERREIRA

INTRODUÇÃO
Entende-se por morte fetal aquela que ocorre antes da expulsão ou extração
completa do útero, ocorrendo em ~0,2% das gestações. O diagnóstico estabe-
lece-se quando não são visualizados batimentos cardíacos fetais na ecografia
(confirmada por dois operadores, sendo pelo menos um deles especialista) ou
quando nasce um feto sem sinais de vida.
O presente protocolo diz respeito a todas as situações de morte fetal, ou seja,
às gestações cujo feto tem biometrias compatíveis com idade gestacional ≥10+0
semanas.
Os principais fatores de risco são: raça negra [odds ratio (OR) 2,0-2,2], idade
materna ≥35 anos (OR 1,8-3,3), nuliparidade (OR 1,2-3,0), obesidade (OR 2,1-
-2,8), hipertensão (OR 1,5-2,7), diabetes (OR 1,2-7,0), tabagismo (OR 1,7-3,0)
e gestação múltipla (OR 1,0-3,7). As principais causas de morte fetal são:
patologia fetal (restrição de crescimento, anomalias cromossómicas, malforma-
ções congénitas, hidrópsia), patologia obstétrica (doença hipertensiva, colestase
gestacional), infeção intrauterina, hemorragia feto-materna, descolamento pla-
centário, anomalias do cordão umbilical e hipoxia intraparto. Dependendo da
investigação realizada, não se encontra causa aparente em 25-60% dos casos, mas
o estudo genético, a autópsia e o exame anátomo-patológico da placenta
permitem um diagnóstico etiológico mais preciso.
A morte fetal é geralmente causa de grande sofrimento para a grávida e fami-
liares. Deve ser transmitida por um médico especialista, num local resguardado,
de forma empática, mas passando uma informação inequívoca e dando tempo
para que o(s) recetor(es) percorram a cadeia de reações consequentes à rece- ção
de más notícias. Se necessário, deve ser solicitado o apoio da Psicologia. Deve ser
proposto o internamento hospitalar e a terminação da gravidez logo que
possível, mas adaptando isto à vontade da grávida.

PRÉ-VIABILIDADE (<23+0 semanas)


Avaliação analítica materna
■ Grupagem AB0 e Rh (D) e pesquisa de aglutininas irregulares (se não tiver
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

realizado na gravidez);
■ Hemograma.

Terminação da gravidez
■ Mifepristona 200 mg per os (PO) toma única, seguida de alta, levando 4
comprimidos (comps.) de misoprostol para casa;
116 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

■ Internamento 48 horas após, iniciando misoprostol 400 mcg (2 comps.) per


vagina (PV) ou sublingual (SL) de 3/3 horas até ao máximo de 5 adminis-
trações;
■ Vigilância de sinais vitais 4/4 horas e vigilância da perda hemática vaginal;
■ Paracetamol 1 g PO em SOS de 8/8 horas, metamizol magnésico 575 mg
PO em SOS de 12/12 horas, ibuprofeno 400 mg PO em SOS de 8/8 horas,
tramadol 1 ampola (amp.) (100 mg/2 ml) endovenosa (EV) em 100 ml de
soro fisiológico (SF) a correr em 5 minutos, em SOS de 6/6 horas;
■ Transferência para o bloco de partos para maior controlo da dor ou para
expulsão dos produtos de conceção. É possível esperar até 4 horas pela ex-
pulsão da placenta se não houver hemorragia importante ou sinais de infeção;
■ Pode repetir ciclo de misoprostol após pausa de 12-24 horas. Após falha do
2.º ciclo, considerar sulprostona 1 000 mcg (2 amps.) EV em 1 000 ml de SF
a 90 ml/hora (dose máxima de 1 500 mcg em 24 horas). Considerar também
métodos de maturação cervical e indução do trabalho de parto (ver protocolo
“74. Indução do trabalho de parto e maturação cervical”).

PÓS-VIABILIDADE (≥23+0 semanas, ou se idade gestacional desconhecida, quando


peso ≥500 g)
Avaliação analítica materna
■ Grupagem AB0 e Rh (D) e pesquisa de aglutininas irregulares (se não tiver
realizado na gravidez);
■ Hemograma e provas de coagulação;
■ Teste de Kleihauer-Betke;
■ Hemoglobina glicada (HbA1c) se não tiver realizado prova de tolerância à
glicose oral (PTGO) na gravidez;
■ Serologias para sífilis, citomegalovírus (CMV) e parvovírus B19 (se não tiver
resultados recentes);
■ Perfil de intoxicação para principais drogas de abuso;
■ Hormona estimulante da tiroide (TSH);
■ Anticorpos antifosfolípidos (AAF) (anticoagulante lúpico, anticardiolipina, anti
2 glicoproteína I);
■ Se restrição de crescimento fetal (RCF) grave ou história pessoal/familiar de
trombose: mutação do fator V de Leiden, mutação da protrombina, antitrombina
III, e atividade das proteínas C e S.

Terminação da gravidez
Até às 28+0 semanas, não havendo cicatriz uterina prévia, deve ser utilizado o
esquema terapêutico acima exposto em “Terminação da gravidez”. Caso exista
uma cicatriz uterina prévia ou após as 28+0 semanas deve ser seguido o proto- colo
“74. Indução do trabalho de parto e maturação cervical”.

Estudo genético
Deve ser solicitado quando há malformações fetais ou fenótipo sugestivo, bem
como nas situações em que não existe uma explicação clara para a morte.
Morte Fetal 117

As seguintes amostras devem ser colhidas em condições de assepsia (campo, luvas


e material de colheita esterilizado):
■ Fragmento de placenta próximo da inserção do cordão que intercete todas
as camadas;
■ Fragmento de pele com 1×1 cm de tamanho (calcâneo ou coxa).
As amostras devem ser colocadas em meios de cultura fornecidos pelo Serviço
de Genética e guardadas no frigorífico. Retirar do frigorífico um pouco antes para
ficarem à temperatura ambiente. Verificar o prazo de validade e se o meio de
cultura está límpido e sem vestígios de inquinação. Excecionalmente, pode ser
usado SF estéril. Colocar cada fragmento em frasco separado e etiquetar com
a descrição do tecido colhido. Enviar logo que possível para o Serviço de Genética.
Caso não seja possível o envio no mesmo dia, manter no frigorífico e enviar o
mais cedo possível no dia útil seguinte. Preencher a requisição de cariotipo do
Serviço de Genética.
Caso seja impossível colher fragmentos, tirar sangue do cordão umbilical para
tubo com EDTA (conservar no frigorífico).

Estudo microbiológico
Se houver suspeita de infeção, enviar fragmento da placenta em meio seco estéril
para estudo microbiológico.

Registo de memórias
Aos pais deve ser dada total autonomia para decidir se querem ver, tocar, tirar
fotografias e fazer a impressão digital dos pés do bebé. Para alguns pais estes
gestos são importantes e podem ajudar no processo do luto.

REGISTOS LEGAIS E REQUISIÇÕES DE ANATOMIA PATOLÓGICA


Os registos legais aplicam-se a situações de expulsão de um feto morto no
hospital, entrada no hospital de um recém-nascido (RN) morto unido pelo cordão
umbilical à mãe, entrada no hospital de um RN morto não unido pelo cordão
umbilical à mãe, mas em que a avaliação clínica materna seja compatível com
uma expulsão recente.

Se existe suspeita de atos ilegais (qualquer que seja a idade gestacional)


Devem ser alertadas as autoridades policiais e passado certificado de óbito
(CO) eletrónico (https://servicos.min-saude.pt/acesso/faces/sico/LoginMS.jsp?
asd=1) com causa de morte indeterminada e boletim de informação clínica (no
mesmo site). A datação da gravidez é realizada com base nos elementos clínicos
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

disponíveis. Mesmo não havendo uma datação segura através da amenorreia


ou de ecografia, pode ser realizada através de outros dados clínicos (pesoe/ou
características fetais). Nos casos em que não é possível datar com segu- rança a
gravidez, esta informação deve ser explicitada nas informações clínicas
transmitidas. Deve fazer-se uma impressão do CO para deixar no processo clínico,
e do boletim de informação clínica para entregar à equipa de enferma- gem. A
equipa de enfermagem deve preencher o “Ofício de comunicação de
118 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

boletim de informação clinica ao ministério público”, colocar-lhe uma etiqueta


da grávida, juntar-lhe o boletim de informação clínica e enviar estes documen-
tos protocolados para o secretariado da saída da urgência central. A equipa
de enfermagem contacta a casa mortuária para vir levantar o corpo e a pla- centa
ao bloco de partos, os quais serão depois enviados para o Instituto de Medicina
Legal. Os pais devem ser informados que lhes será transmitida mais informação
nesse local.

Não havendo suspeita de atos ilegais


Nestas situações os procedimentos a realizar dependem da idade gestacional
e estão resumidos no Quadro 31.1.

Gravidez com <24+6 semanas


Não é necessário passar CO, quer em expulsões espontâneas quer nas interrup-
ções médicas da gravidez (artigo 209.º-A, Decreto-Lei n.º 113/02, 20/4/2002).
Os pais devem ser informados de que não é necessário fazer o registo civil do
bebé, nem realizar funeral. Deve pedir-se exame histológico do feto e da pla-
centa, que não carece de autorização dos pais (fazer uma única requisição com
dois níveis: 1 – Feto; 2 – Placenta. Os produtos são colocados em recipientes
separados e identificados. Nos dias úteis são enviados para Anatomia Patológi-
ca com a respetiva requisição. Nos restantes dias são guardados no frigorífico
do bloco de partos e enviados no dia útil seguinte). Nas gestações com >22+0
semanas os pais podem decidir fazer o registo civil do bebé e realizar funeral:
neste caso, o feto é enviado para a casa mortuária e a placenta para Anatomia
Patológica, sendo necessário passar um CO eletrónico e imprimir uma guia de
transporte para que os pais possam mais tarde levantar o corpo (ver “Todas
as restantes situações”, à frente neste capítulo). A Anatomia Patológica depois
articulará com a casa mortuária para a realização do exame histológico do feto.

Gravidez com ≥25+0 semanas


■ Situações de interrupção médica da gravidez (IMG) consideradas na alínea
c) do artigo 142.º do Código Penal: se a morte fetal foi consequência de
“interrupção da gravidez efetuada (…) em estabelecimento de saúde oficial (…)
quando (…) houver seguros motivos para prever que o nascituro virá a sofrer,
de forma incurável, de grave doença, ou malformação congénita (…)” os pais
devem ser informados de que estas situações são em tudo conside- radas
semelhantes às do parágrafo anterior. Como especificado atrás, os pais podem
decidir fazer o registo civil do bebé e realizar o funeral;
■ Todas as restantes situações: é obrigatório passar um CO eletrónico e enviar
o feto para a casa mortuária. É necessário também imprimir a guia de trans-
porte, para depois o corpo ser levantado para realizar o funeral. Os familiares
devem ser informados de que é obrigatório fazer o registo civil do feto e realizar
funeral. Existem organizações que comparticipam nas despesas do funeral, se
tal for solicitado pelo casal (contactar Serviço Social). A placenta é colocada
num recipiente próprio, devidamente identificado e, nos dias úteis, éenviada
para Anatomia Patológica acompanhada da respetiva requisição. Nos restantes
dias é guardada no frigorífico do bloco de partos e enviada no dia útil seguinte.
Nos casos em que o médico estabelece que existe uma causa
Morte Fetal 119

evidente para a morte fetal (descolamento major da placenta, RCF grave, etc.),
deve colocar essa causa no CO eletrónico, sem necessidade de aguardar por
qualquer outra informação. Se não existe uma causa de morte evidente, ou se
for importante esclarecer algum outro aspeto, deve recomendar-se à puérpera a
realização de uma autópsia clínica (que carece da autorização da puérperae
deve ser decidida num prazo máximo de 24 horas). O pedido de autópsia deve
ser enviado para Anatomia Patológica, juntamente com a autorização da
puérpera, até ao dia útil seguinte ao nascimento. Se há dúvida na causade
morte e a autópsia foi autorizada, o CO eletrónico só deve ser passado após
o resultado provisório da mesma (no próprio dia e até 2 dias úteis). Nestas
situações ou se a autópsia clínica não explicar a causa de morte, existem duas
opções: a) o médico assume uma causa provável de morte e regista-a no CO
eletrónico; b) o médico regista “causa indeterminada” e a situação passa a ficar
na dependência do Instituto de Medicina Legal, com necessidade de envio do
corpo para autópsia médico-legal. Esta última opção deve ser bem ponderada,
porque consome recursos, atrasa o funeral e causa desgaste para a família.

Quadro 31.1 – R ESUMO DOS PROCEDIMENTOS A REALIZAR PERANTE O NASCIMENTO DE UM FETO MORTO , DE
ACORDO COM A IDADE GESTACIONAL , NÃO HAVENDO SUSPEITA DE ATOS ILEGAIS
Gestação <22+0 semanas Gestação 22+0-24+6 semanas Gestação ≥25+0 semanas

Exame histológico do feto e da ■
Não é obrigatório realizar fune- ■
Exame histológico da placenta
placenta (enviar para o serviço ral, mas os pais pode m optar (enviar para o serviço de Ana-
de Anatomia Patológica) por o fazer tomia Patológica)

Não se e mite CO ne m guia de ■
Em contexto IMG: igual à ges- ■
RN enviado para casa mor-
transporte tação <22 +0 semanas tuária

Não é necessário fazer o regis- ■
Eventual autópsia do RN, de
to civil, nem realizar funeral acordo com a autorização

Passar certificado de incapaci- da puérpera, no caso de não
dade temporária (14-30 dias) haver uma causa de morte
evidente

É obrigatório e mitir uma C O/
/guia de transporte

É necessário registo civil e fu-
neral do RN

Informar a puérpera que terá
direito a licença de materni-
dade
IMG – interrupção médica da gravidez.

CUIDADOS PUERPERAIS
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

Ponderar supressão láctea se gravidez >20 semanas (ver protocolo “93. Cui-
dados maternos de rotina no puerpério”). Referenciação para a consulta de
Medicina Materno-Fetal, 6 semanas após o parto.
120 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

BIBLIOGRAFIA
AMERICAN COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS. Management of stillbirth. Practice
Bulletin No. 102. March 2009 (Reaffirmed 2016).
CÓDIGO PENAL. Diário da República 63/1995.
ROYAL COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNAECOLOGISTS. Late intrauterine fetal death and
stillbirth. Green-top Guideline No. 55. RCOG Press, 2010.
INTERRUPÇÃO MÉDICA DA GRAVIDEZ 32
M ARIANA PIMENTA , I NÊS FRANCISCO P EREIRA

INTRODUÇÃO
Entende-se por interrupção médica da gravidez (IMG) a utilização de procedi-
mentos médicos que levam ao aborto ou parto de um feto previamente vivo, pelos
motivos definidos na lei:
a) Quando constitui o único meio de remover perigo de morte ou de grave e
irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da grávida,
pode ser praticada em qualquer idade gestacional;
b) Quando se mostra indicada para evitar perigo de morte ou de grave e dura-
doura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da grávida e
for realizada nas primeiras 12+6 semanas de gestação;
c) Quando se prevê que o nascituro virá a sofrer de grave doença ou malforma-
ção congénita e se realizar até às 24+6 semanas de gestação. No caso de
fetos inviáveis pode ser praticada em qualquer idade gestacional;
d) Caso a gravidez tenha resultado de crime contra a liberdade e autodetermi-
nação sexual – até às 16+6 semanas.

ABORDAGEM CLÍNICA
O método a aconselhar depende da idade gestacional, avaliada pelo comprimento
craniocaudal (CCC) ou outras biometrias ecográficas fetais. A IMG medicamen-
tosa deve ser geralmente preferida, por estar associada a menor risco materno.
Com este método ocorre retenção de restos placentários em cerca de 8% dos casos
e hemorragia abundante com necessidade de suporte transfusional em
<1% dos casos. O esvaziamento uterino cirúrgico por aspiração/curetagem
tem riscos acrescidos de perfuração uterina, laceração cervical, aderências
uterinas e acretismo placentário posterior. Contudo, está fortemente recomen-
dado quando ocorre hemorragia vaginal abundante, compromisso hemodinâmico
e patologia materna, coagulopatia, patologia cardíaca grave, hemoglobina (Hb)
<9 mg/dl, porfirias hereditárias, insuficiência suprarrenal, corticoterapia crónica,
presença de dispositivo intrauterino (DIU) não removível, gravidez heterotópica,
alergia à mifepristona ou ao misoprostol, insuficiência hepática, insuficiência
renal, diabetes com vasculopatia, doença inflamatória intestinal agudizada, ou
quando é expectável uma má adesão ao esquema terapêutico e de controlo. É
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

necessário também quando ocorre falência dos métodos anteriores.


Em todas as situações é necessário: consentimento informado escrito, aceita-
ção pela comissão técnica de certificação para interrupção da gravidez, pedido
de hemograma, grupo sanguíneo e teste de Coombs indireto (se não tiver
resultados recentes).
122 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Gravidez com ≤9+6 semanas ou CCC ≤40 mm


■ Mifepristona 200 mg per os (PO) toma única, seguida de alta, levando
4 comprimidos (comps.) de misoprostol para casa;
■ 48 horas depois: autoaplicação de misoprostol 800 mcg (4 comps.) per vagina
(PV) em dose única (em alternativa pode ser utilizada a via sublingual (SL) ou
bucal – menos eficaz e com mais efeitos secundários). Efeitos secundários:
náuseas, vómitos, diarreia, cefaleias, tonturas, alterações da temperatura
corporal. Deve permanecer em casa acompanhada nas 4 horas seguintes à
aplicação.
■ Paracetamol 1 g PO em SOS de 8/8 horas, metamizol magnésico 575 mg
PO em SOS de 12/12 horas, ibuprofeno 400 mg PO em SOS de 8/8 horas;
■ Se náuseas ou vómitos: ondansetron 4 mg PO em SOS de 12/12 horas; se diarreia,
reforço da hidratação oral;
■ Deve regressar à urgência se: hemorragia vaginal abundante, dor que não
cede aos analgésicos, temperatura axilar >38,5 °C, vómitos que não cedem
ao antiemético ou diarreia muito profusa (mais do que 6 dejeções líquidas).
A taxa de sucesso ronda os 94%. Se não ocorrer nenhum dos efeitos anteriores
regressa à urgência 1 semana depois, para reavaliação ecográfica. Se persis-
tência de saco gestacional intrauterino: nova aplicação de misoprostol 800 mcg
(4 comps.) PV, seguida de alta e regresso após 7 dias. Em alternativa: esvazia-
mento uterino por aspiração/curetagem (sobretudo após falência da segunda
aplicação). Entre 2-5% das mulheres necessitam de esvaziamento uterino (para
controlo de hemorragia ou para completar a IMG).

Gravidez com 10+0-11+6 semanas


Semelhante ao ponto anterior, mas a aplicação de misoprostol é feita em regime
de internamento em SO.
■ Mifepristona 200 mg PO toma única, seguida de alta;
■ 48 horas depois: faz misoprostol 800 mcg (4 comps.) PV em dose única na
urgência. Internamento em SO com vigilância de sinais vitais 4/4 horas e
vigilância da perda hemática vaginal;
■ Paracetamol 1 g PO em SOS de 8/8 horas, metamizol magnésico 575 mg
PO em SOS de 12/12 horas, ibuprofeno 400 mg PO em SOS de 8/8 horas,
tramadol 1 ampola (amp.) (100 mg/2 ml) endovenosa (EV) em 100 ml de soro
fisiológico (SF) a correr em 5 minutos, em SOS de 6/6 horas. Se náuseas
ou vómitos, ondansetron 4 mg PO em SOS de 12/12 horas;
■ Reavaliação ecográfica 1 hora após clínica sugestiva de expulsão;
■ Alta se clinicamente estável e se não tiver saco gestacional intrauterino.Se
houver persistência de saco gestacional após 24 horas, nova aplicação de
misoprostol 800 mcg (4 comps.) PV. Esvaziamento uterino por aspiração/
/curetagem (sobretudo após falência da segunda aplicação).

Gravidez com 12+0-27+6 semanas


■ Feticídio se idade gestacional ≥22+0 semanas, a realizar no dia da toma de
mifepristona;
■ Mifepristona 200 mg PO dose única, seguida de alta;
Interrupção Médica da Gravidez 123

■ Regressa 48 horas depois para internamento e inicia misoprostol 400 mcg (2


comps.) PV ou SL de 3/3 horas até ao máximo de 5 administrações;
■ Vigilância de sinais vitais 4/4 horas e vigilância da perda hemática vaginal;
■ Paracetamol 1 g PO em SOS de 8/8 horas, metamizol magnésico 575 mg
PO em SOS de 12/12 horas, ibuprofeno 400 mg PO em SOS de 8/8 horas,
tramadol 1 amp. (100 mg/2 ml) EV em 100 ml de SF a correr em 5 minutos,
em SOS de 6/6 horas;
■ Transferência para bloco de partos se for necessário maior controlo da dor
ou para expulsão dos produtos de conceção, se idade gestacional ≥14 se- manas.
É possível esperar até 4 horas pela expulsão da placenta, se não houver
hemorragia importante ou sinais de infeção;
■ Pode repetir ciclo de misoprostol uma vez após pausa de 12-24 horas. Após
falha do segundo ciclo, considerar sulprostona 1 000 mcg (2 amps.) EV em
1 000 ml de SF a 90 ml/hora (dose máxima de 1 500 mcg em 24 horas).
Considerar também métodos de maturação cervical e indução do trabalho de
parto (ver protocolo “74. Indução do trabalho de parto e maturação cervical”).

Gravidez com ≥28+0 semanas


■ Feticídio;
■ Proceder como para uma indução do trabalho de parto (ver protocolo “74.
Indução do trabalho de parto e maturação cervical”).

SITUAÇÕES PARTICULARES
Antecedentes de cesariana
A IMG medicamentosa pode ser usada até às 24 semanas. A taxa de rotura uterina
é <1% com uma cicatriz e 2,5% com duas cicatrizes uterinas. O misopros-tol está
contraindicado após as 24 semanas, devido ao risco de rotura uterina.

Placenta prévia no 2.º trimestre


Diferir início da IMG médica para 3-7 dias após o feticídio, de forma a diminuir
o risco hemorrágico.

OUTRAS MEDIDAS COMUNS A TODAS AS SITUAÇÔES DE IMG


Se CCC ≥7 mm (ou se ≥7 semanas de amenorreia, no caso de não haver infor-
mação ecográfica): administrar imunoglobulina (Ig) anti-D 300 mcg intramuscular
(IM) (1 500 UI) em mulheres Rh (D) negativas com teste de Coombs indireto
negativo ou desconhecido, se o grupo sanguíneo do progenitor masculino for
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

Rh (D) positivo ou desconhecido.

Após a resolução da situação


■ Promover a inibição da lactação, como regra geral após as 24 semanas de
gestação;
■ Enviar informação para o médico assistente;
124 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

■ Passar eletronicamente um “certificado de incapacidade temporária para


o trabalho” (14-30 dias de licença, de acordo com a avaliação clínica). Em
alternativa, passar uma declaração comprovativa da situação de interrupção da
gravidez para entregar na Segurança Social.

BIBLIOGRAFIA
AMERICAN COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS. Medical management of first trimes-
ter abortion. Practice Bulletin no. 143. Obstet Gynecol. 2014;123(3):676-692.
AMERICAN COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS. Prevention of infection after gyne-
cologic procedures. Practice Bulletin no. 195. Obstet Gynecol. 2018;131(6):e172-e189.
AMERICAN COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS. Second-trimester abortion. Practice
Bulletin no 135. Obstet Gynecol. 2013;121(6):394-406.
BOMBAS T, BRANCO M, FRANCO S, et al. Clinical recommendations for late termination of
pregnancy including fetal death. Acta Obstet Ginecol Port. 2017;11:132-143.
KULIER R, KAPP N, GÜLMEZOGLU AM, et al. Medical methods for first trimester abortion.
Cochrane Database Syst Rev. 2011:CD002855.
ROYAL COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNAECOLOGISTS. Late intrauterine fetal death and
stillbirth. Green-top guideline No. 55. Oct 2010.
WILDSCHUT H, BOTH MI, M EDEMA S, et al. Medical methods for mid-trimester termination of
pregnancy. Cochrane Database Syst Rev. 2011:CD005216.
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Medical management of abortion. 2018. https://apps.who.
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IV
Doenças Maternas
Coexistentes
OBESIDADE E EXCESSO DE PESO 33
ANDREIA FONSECA, CLÁUDIA ARAÚJO

INTRODUÇÃO
As definições e subcategorias da obesidade estão consideradas na Tabela 33.1.
Para calcular o índice de massa corporal (IMC) devem ser utilizados valores pré-
gestacionais. Se estes não forem fidedignos, utilizam-se os avaliados na primeira
consulta da gravidez. Na grávida com obesidade estão aumentados os riscos de
diabetes gestacional (DG) (~6 vezes), doença hipertensiva da gravidez (~3 vezes),
anomalias congénitas, sobretudo defeitos do tubo neural (~2 vezes), macrossomia
fetal (~2 vezes), distocia de ombros (~2,5 vezes), índice de Apgar
<7 no 1.º minuto (~31%), internamento em Unidade de Cuidados Intensivos
Neonatais (~38%), morte perinatal (~2 vezes), cesariana (~2-3 vezes), infeção pós-
operatória (~2 vezes), hemorragia pós-parto (~2 vezes), depressão pós-parto (~2
vezes) e cessação precoce da amamentação (~40%). No termo da gravidez está
aumentado (~2 vezes) o risco de morte fetal a partir das 39-40 semanas.O
excesso de peso aumenta o risco de DG (~3 vezes), depressão pós-parto (~2 vezes)
e cessação precoce da amamentação (~12%). Existe ainda uma dimi- nuição de
~20% na taxa de deteção de malformações fetais. Os descendentes têm maior
risco de desenvolver obesidade e doença metabólica.

Tabela 33.1 – AUMENTOS PONDERAIS RECOMENDADOS DE ACORDO COM O IMC INICIAL


IMC Aumento ponderal Aumento ponderal semanal
Categoria de peso
(kg/m2) recomendado na gravidez no 2.º e 3.º trimestres
Excesso de peso 25,0-29,9 7,0-11,5 kg 0,3 kg
Obesidade classe I 30,0-34,9
Obesidade classe II 35,0-39,9 5,0-9,0 kg 0,2 kg
Obesidade classe III ≥40,0

ABORDAGEM CLÍNICA
Preconceção
Encorajar a perda de peso antes de engravidar e enviar para consulta de Nu-
trição, de forma a diminuir os riscos anteriormente descritos. Ponderar enviar
LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

à consulta de Obesidade (Endocrinologia) se IMC ≥40 ou se IMC ≥35 com


comorbilidades.

Gravidez
■ Solicitar consulta de Nutrição desde o início da gravidez se IMC ≥30;
128 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

■ O aumento ponderal a recomendar durante a gravidez está considerado na


Tabela 33.1;
■ Se a estimativa de peso fetal (EPF) na ecografia das 32 semanas for >p90
solicitar ecografia adicional às 36 semanas;
■ Consultas semanais com cardiotocografia (CTG) a partir das 38 semanas;
■ Se IMC ≥35, solicitar consulta de Anestesiologia pré-parto;
■ Recomendar indução do trabalho de parto às 38 semanas, se EPF às 36
semanas >p95, às 39 semanas se IMC ≥50 e às 40 semanas se IMC ≥40.

Parto
■ Contenção elástica dos membros inferiores a partir do momento em que
deixe de deambular;
■ Profilaxia de tromboembolismo venoso (TEV), de acordo com protocolo “39.
Tromboembolismo venoso – profilaxia”;
■ Monitorização interna da frequência cardíaca fetal (FCF) se a qualidade da
monitorização externa não for satisfatória;
■ O primeiro período do trabalho de parto é geralmente mais demorado;
■ Em caso de cesariana, mantém-se a dose de antibiótico profilático, todos
os passos da técnica cirúrgica e o método de encerramento da pele. Se for
necessário melhorar a exposição cirúrgica, elevar o avental adiposo, fixando-o
com adesivo ao tórax. No final, colocar uma compressa sob o avental para
reduzir a humidade no local da ferida operatória.

Puerpério
■ Profilaxia do TEV, de acordo com protocolo “39. Tromboembolismo venoso –
profilaxia”;
■ Promover a mobilização precoce;
■ Utilizar meias de contenção elástica até à deambulação completa;
■ Evitar a desidratação;
■ A contraceção hormonal progestativa pode ser utilizada durante a amamen-
tação. Se não amamentar, evitar contraceção estroprogestativa quando IMC
>35, pelo risco de TEV. O método contracetivo ideal é o dispositivo intrauterino
(DIU) de levonorgestrel, a inserir 4-6 semanas após o parto.

BIBLIOGRAFIA
AMERICAN COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS. Immediate Postpartum long-acting re-
versible contraception. Committee Opinion No. 670. Obstet Gynecol. 2016;128(2):e32-e37.
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Opinion no.156. Obstet Gynecol. 2015;126:e112-e126.
M INSART AF, BUEKENS P, DE SPIEGELAERE M, et al. Neonatal outcomes in obese mothers: a
population-based analysis. BMC Pregnancy Childbirth. 2013;13:36.
ROYAL COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNAECOLOGISTS. Management of women with obesity
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ZHANG C, WU Y, LI S, et al. Maternal prepregnancy obesity and the risk of shoulder dystocia:
a meta-analysis. BJOG. 2018;125(4):407-413.
CIRURGIA BARIÁTRICA PRÉVIA 34
CATARINA POLICIANO, CLÁUDIA ARAÚJO

INTRODUÇÃO
A cirurgia bariátrica é usada no tratamento da obesidade grau III e da obesidade
grau II com duas ou mais comorbilidades associadas, perante o insucesso das
mudanças de estilo de vida e da terapêutica médica. Divide-se em:
■ Cirurgia restritiva (banda gástrica ajustável, sleeve gástrico): cujo mecanismo de
ação é a redução do volume gástrico, implicando deficiências nutricionais
ligeiras;
■ Cirurgia malabsortiva (bypass jejuno-íleo ou jejunocólico, derivação biliopan-
creática): cujo mecanismo de ação é a redução do comprimento do intestino
delgado funcional, gerando assinergia entre os alimentos e as secreções
biliopancreáticas, implicando frequentemente défice de proteínas e micronu-
trientes (ferro, cálcio, vitamina B 12, ácido fólico e vitamina D);
■ Cirurgia mista (bypass gástrico em Y de Roux): o procedimento mais utilizado
atualmente, combinando os mecanismos de ação restritivo e malabsortivo.
A cirurgia bariátrica é frequentemente eficaz na otimização do peso prévio à
gravidez, na melhoria de comorbilidades associadas, especialmente diabetes
e hipertensão arterial (HTA), e na diminuição do risco de macrossomia fetal.
Por outro lado, aumenta o risco de restrição de crescimento fetal (RCF) e de
recém-nascidos leves para a idade gestacional. Raramente, os défices nutri-
cionais causam doença (p. ex., anemia por défice de vitamina B12).

ABORDAGEM CLÍNICA
Preconceção
■ Recomendar contraceção eficaz nos 12-24 meses após a cirurgia, devido à rápida
perda ponderal que ocorre neste período, a qual aumenta o risco dos desfechos
neonatais adversos descritos anteriormente. Após colocação debanda gástrica,
a possibilidade de ajuste da banda e perda mais controlada de peso, leva a
que este intervalo possa ser individualizado. Após cirurgia malabsortiva,
prescrever contraceção por outra via que não a oral;
■ Solicitar consulta de Nutrição;
■ Avaliação analítica de deficiência de micronutrientes (hemograma, ferro, fer-
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

ritina, vitamina B 12, cálcio, ácido fólico e vitamina D);


■ Suplementação com ácido fólico e outros micronutrientes em função dos défices
detetados;
■ Após cirurgia malabsortiva, a absorção de medicação oral pode estar di- minuída
ou ser errática. Evitar medicamentos com fórmulas de libertação prolongada.
Se o nível terapêutico for crítico, deve ser realizado doseamento do fármaco.
130 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Vigilância da gravidez
■ Deve ser incentivado acompanhamento por nutricionista e programa de ativi-
dade física se decorridos mais de 12 meses desde a cirurgia;
■ Avaliação analítica trimestral de deficiência de micronutrientes (hemograma,
ferro, ferritina, vitamina B 12, cálcio, ácido fólico e vitamina D);
■ Suplementação em função de défices específicos (ácido fólico 5 mg/dia,
ferro elementar 50-100 mg/dia, cálcio 800-1 200 mg de citrato de cálcio/
/dia, vitamina D 400 UI/dia, vitamina B 12 500-1 000 mcg/dia per os (PO) ou
1 000 mcg/semana intramuscular (IM). Está ainda recomendada a ingestão
de 60 g/dia de proteínas;
■ Se banda gástrica ajustável, a diminuição da constrição gástrica pode ser uma
opção para limitar défices nutricionais e aliviar náuseas e vómitos, a decidir em
conjunto com cirurgião bariátrico;
■ Não recomendar restrição do aporte calórico, mesmo que a grávida mantenha
um índice de massa corporal (IMC) elevado;
■ Ecografias adicionais às 28 e 36 semanas para rastreio da RCF;
■ Perante náuseas, vómitos ou dor abdominal persistentes, suspeitar de obs-
trução intestinal, fístulas, hemorragia gastrointestinal, hérnias, erosão ou mi-
gração de banda. Solicitar avaliação pelo cirurgião bariátrico;
■ Estas grávidas não devem realizar a prova de tolerância à glicose oral (PTGO)
pelo risco de síndrome de Dumping – cólicas abdominais, distensão abdomi-
nal, náuseas, vómitos, diarreia – resultante da ingestão de hidratos de carbono
de absorção rápida que são esvaziados para o intestino delgado, com desvio
de líquido do espaço intravascular para o lúmen intestinal. Secundariamente
pode ocorrer hiperinsulinemia, hipoglicemia, taquicardia, palpitações, ansie- dade
e diaforese. Como alternativas, promover avaliação de glicemia capilar em
jejum e 1 hora após as três principais refeições durante 1 semana ou determinar
valor de hemoglobina glicada (HbA1c).

Trabalho de parto e puerpério


A terminação da gravidez e a via de parto regem-se por critérios obstétricos. Após
cirurgia restritiva, evitar a utilização de analgésicos não esteroides pelo risco de
ulceração gástrica. Se amamentar, manter avaliação analítica de défices
nutricionais e suplementação em conformidade. A contraceção oral é menos
eficaz após a cirurgia malabsortiva, pelo que deve ser evitada.

BIBLIOGRAFIA
AMERICAN COLLEGE OF O BSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS . Bariatric surgery and pregnancy.
Practice Bulletin no. 105. Obstet Gynecol. 2009;113(6):1405-1413.
BRITISH OBESITY AND M ETABOLIC SURGERY SOCIETY. Guidelines on perioperative and posto- perative
biochemical monitoring and micronutrient replacement for patients undergoing bariatric
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CHEVROT A, KAYEM G, COUPAYE M, et al. Impact of bariatric surgery on fetal growth res- triction:
experience of a perinatal and bariatric surgery center. Am J Obstet Gynecol.
2016;214(5):655.e1-7.
JOHANSSON K, CNATTINGIUS S, NÄSLUND I, et al. Outcomes of pregnancy after bariatric surgery.
N Engl J Med. 2015;372:814-824.
Cirurgia Bariátrica Prévia 131

PARENT B, M ARTOPULLO I, WEISS NS, et al. Bariatric surgery in women of childbearing age, timing
between operation and birth, and associated perinatal complications. JAMA Surg.
2017;152(2):128-135.
YI XY, LI QF, ZHANG J, et al. A meta-analysis of maternal and fetal outcomes of pregnancy
after bariatric surgery. Int J Gynaecol Obstet. 2015;130(1):3-9.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS
35 HIPERTENSÃO ARTERIAL CRÓNICA

INÊS M ARTINS , J OANA GOULãO B ARROS , DIOGO AYRES DE CAMPOS

INTRODUÇÃO
Define-se hipertensão arterial (HTA) na gravidez como tensão arterial (TA) sistó-
lica ≥140 mmHg ou diastólica ≥90 mmHg, em duas medições separadas por,
pelo menos, 4 horas. A TA deve ser avaliada com um esfigmomanómetro manual,
nos dois braços, com a grávida sentada ou em decúbito lateral esquerdo, pernas
descruzadas, cotovelo apoiado, braçadeira colocada ao nível do coração, após um
período mínimo de 5 minutos de repouso. Se o perímetro do braço <35 cm usar
braçadeira de adulto, se 35-45 cm usar braçadeira grande e se perímetro
>45 cm usar braçadeira extragrande. A HTA na gravidez subdivide-se em:
■ HTA crónica: HTA prévia à gestação ou diagnosticada antes das 20 semanas ou
que persiste para além de 12 semanas após o parto. A maioria dos casos
corresponde a HTA essencial (primária), mas 10% dos casos são secundários
a outra patologia, nomeadamente renal e endocrinológica. A HTA crónica asso-
cia-se a risco aumentado de pré-eclâmpsia (17-25%), descolamento prematuro
da placenta (1,5%, comparado com 0,6% na população geral), restrição de
crescimento fetal (10-20%) e parto pré-termo (PPT) (12-36%, mas na HTA
grave 62-70%);
■ HTA gestacional (ver protocolo “19. Hipertensão gestacional, pré-eclâmpsia e
síndrome de HELLP”): HTA detetada após as 20 semanas, em grávidas
previamente normotensas e sem critérios de pré-eclâmpsia. Está associada
a risco aumentado de pré-eclâmpsia;
■ Pré-eclâmpsia (ver protocolo “19. Hipertensão gestacional, pré-eclâmpsia e
síndrome de HELLP”): HTA detetada após as 20 semanas (mais comum no
3.º trimestre, mas pode também ocorrer no 2.º trimestre e no pós-parto ime-
diato) em grávidas sem HTA crónica, associada a proteinúria de novo (≥300 mg
na urina de 24 horas ou razão proteína/creatinina ≥0,3 mg/dl em urina
ocasional – valores positivos devem ser confirmados em urina de 24 horas)
ou lesão de órgão-alvo;
■ Pré-eclâmpsia sobreposta em HTA crónica (ver protocolo “19. Hipertensão
gestacional, pré-eclâmpsia e síndrome de HELLP”): grávidas com HTA crónica
que desenvolvem de novo lesão de órgão-alvo ou proteinúria (≥300 mg na urina
de 24 horas). A elevação isolada da TA ou o agravamento de proteinúria
preexistente não constituem critérios de diagnóstico. O quociente fms-like
tyrosine kinase receptor-1/placental growth factor (sFlt-1/PLGF) é útil perante
diagnósticos duvidosos;
■ Síndrome de HELLP (ver protocolo “19. Hipertensão gestacional, pré-eclâmp-
sia e síndrome de HELLP”): microangiopatia trombótica caracterizada pela
conjugação de hemólise (esquizocitos no sangue periférico ou bilirrubina total
≥1,2 mg/dl ou desidrogenase lática (LDH) >600 UI/l ou haptoglobina ≤25 mg/
/dl), elevação das transaminases (AST >70 UI/l ou duplicação do valor
Hipertensão Arterial Crónica 133

habitual) e trombocitopenia (<100 000/mm3), associado a um quadro de pré-


eclâmpsia;
■ Eclâmpsia (ver protocolo “101. Eclâmpsia”): convulsões tónico-clónicas ge-
neralizadas no contexto de pré-eclâmpsia, na ausência de outra doença neu-
rológica que as justifique.

ORIENTAÇÃO CLÍNICA
Preconceção e gravidez
■ Incentivar prática desportiva moderada, se não existirem contraindicações;
■ Avaliar lesão de órgão-alvo (fundoscopia, proteinúria de 24 horas, creatinina
sérica, eletrocardiograma (ECG) e ecocardiograma no caso de haver alterações
no anterior). Em casos de difícil controlo, repetir avaliações no 3.º trimestre;
■ Caso não tenham realizado rastreio de pré-eclâmpsia, ácido acetilsalicílico
(AAS) 150 mg per os (PO) ao deitar, a iniciar entre as 11-15+6 semanas (até
às 36 semanas, até ao parto ou ao desenvolvimento de pré-eclâmpsia);
■ Instituir terapêutica anti-hipertensiva se TA sistólica ≥140 mmHg ou TA dias-
tólica ≥90 mmHg, com o objetivo de atingir valores de TA sistólica a rondar
os 135 mmHg e de TA diastólica a rondar os 85 mmHg. Os inibidores da
enzima de conversão da angiotensina (iECA) e os antagonistas dos recetores
da angiotensina II (ARA) estão contraindicados. Opções terapêuticas:
– Alfa-metildopa: 250-1 000 mg PO 2-3 vezes/dia, até um máximo de 3 g/dia.
Contraindicações: insuficiência hepática. Efeitos secundários: sonolência,
edema periférico, bradicardia;
– Nifedipina de ação prolongada: 30-60 mg PO 1-2 vezes/dia, até um máximo
de 120 mg/dia. Contraindicações: estenose aórtica grave, enfarte agudo do
miocárdio. Efeitos secundários: taquicardia, precordialgia, cefaleia, náusea;
– Metoprolol: 50-100 mg PO 1-2 vezes/dia, até um máximo de 200 mg/
/dia. Contraindicações: asma, doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC),
bloqueio auriculoventricular. Efeitos secundários: bradicardia, tonturas, náu-
sea, xerostomia;
■ Ecografias adicionais às 28 e 36 semanas;
■ Em grávidas com mau controlo tensional ou com lesão de órgão-alvo, consulta
semanal após as 32 semanas com avaliação da proteinúria em tira-teste e
cardiotocografia (CTG);
■ Propor terminação eletiva da gravidez às 39 semanas devido ao risco de
descolamento prematuro da placenta. A via de parto rege-se por critérios
obstétricos.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

Puerpério
Vigilância da TA (4/4 horas durante o dia) e dos sinais/sintomas sugestivos
de pré-eclâmpsia nas primeiras 48 horas. Manter terapêutica anti-hipertensiva,
preferencialmente com nifedipina ou metoprolol, pela comodidade posológica
na altura da alta.
134 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

BIBLIOGRAFIA
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Hypertens. 2014;4(2):97-104.
ANEMIA 36
RITA M ENDES SILVA , L UÍSA PINTO

INTRODUÇÃO
Os critérios laboratoriais de anemia na gravidez são diferentes dos utilizados para
a população geral (ver Tabela 36.1). A persistência de anemia durante a gravidez,
sobretudo quando a hemoglobina (Hb) é <8,5 g/dl, está associadaa desfechos
obstétricos adversos como restrição de crescimento fetal (RCF), parto pré-termo
(PPT), morbilidade materna e em casos mais graves, morte fetal. A anemia pode
ter múltiplas causas: perda hemática aguda ou crónica; déficede produção por
deficiências nutricionais de ferro (75-85% dos casos), vitamina B 12 ou ácido fólico;
défice de absorção gastrointestinal; doença crónica, infe- ção, depressão
medular, hipotiroidismo; aumento da destruição, por hemólise intrínseca
(hemoglobinopatias, deficiência de glicose 6-fosfato desidrogenase, eliptocitose,
esferocitose) ou adquirida (mediada por autoanticorpos, coagulação intravascular
disseminada, pré-eclâmpsia grave e síndrome de HELLP, púrpura trombótica
trombocitopénica, síndrome hemolítico-urémico, glomerulonefrites, prótese
valvulares mecânicas ou medicamentos).

Tabela 36.1 – CRITÉRIOS PARA E STABELECER O DIAGNÓSTICO DE A NEMIA


NA G RAVIDEZ E PUERPÉRIO
Hb
1.º trimestre <11 g/dl
2.º trimestre <10,5 g/dl
3.º trimestre <11 g/dl
Puerpério <10 g/dl
Hb – hemoglobina sérica.

ABORDAGEM CLÍNICA
A abordagem clínica inclui a anamnese: etnia, país de origem, alimentação (ve-
getarianismo), fármacos, antecedentes de doença renal, hepática, autoimune,
infecciosa, endocrinológica, história familiar de anemia, doenças da coagulação,
perdas sanguíneas, dádiva regular de sangue. O exame objetivo e a avaliação
laboratorial ajudam na obtenção de um diagnóstico etiológico. As situações mais
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

complexas de anemia (associada a doença crónica, sideroblástica, hemolítica)


devem ser referenciadas à consulta de Hematologia. O valor de volume globular
médio (VGM) classifica a anemia em três tipos:
■ Anemia microcítica (VGM <80 fl): o doseamento de ferritina, saturação da
transferrina, ferro sérico e capacidade total de fixação do ferro (CTFF) estabe-
lecem o diagnóstico de anemia ferropénica (Tabela 36.2). A eletroforese das
136 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

hemoglobinas é importante para exclusão de hemoglobinopatias (ver protocolo


“37. Hemoglobinopatias”);

Tabela 36.2 – PRINCIPAIS ACHADOS L ABORATORIAIS NAS DIFERENTES E TIOLOGIAS DA A NEMIA


Parâmetros Doença crónica Deficiência de ferro Talassemia
Hb N/↓ N/↓ N/↓
VGM N/↓ ↓ ↓↓
RDW N/↑ ↑↑ N
Saturação da transferrina ↓↓ ↓↓ N
Ferritina N/↑ ↓↓ N
Ferro sérico ↓↓ ↓↓ N
CTFF ↓↓ ↑↑ N
N – níveis normais; ↓ – níveis reduzidos; ↑ – níveis elevados; RDW – red cell distribution width.

■ Anemia normocítica (VGM 80-100 fl): a contagem de reticulócitos periféricos


permite diferenciar as anemias hipoproliferativas das anemias por destrui-
ção periférica (Figuras 36.1 e 36.2). O teste de Coombs direto permite o
diagnóstico de anemias hemolíticas autoimunes, aloimunes ou mediadas por
drogas (cefalosporinas, metildopa). O esfregaço de sangue periférico e os
marcadores de hemólise [desidrogenase lática (LDH) e bilirrubina] podem trazer
informações adicionais;
■ Anemia macrocítica (VGM >100 fl): associada ao défice de ácido fólico ou de
vitamina B12. O défice de vitamina B12 pode ocorrer por défice de ingestão, má
absorção (gastrectomia, anemia perniciosa, acloridria), fármacos que interfiram
na síntese de DNA ou no metabolismo do folato ou défice de transcobalamina.
O défice de ácido fólico está habitualmente relacionado com défice de ingestão,
má absorção ou fármacos. Mais raramente a anemia macrocítica está associa-
da a hipotiroidismo, alcoolismo, síndromes mielodisplásicas ou reticulocitose.

VGM <80 fL

Ferritina <15 ng/ml Ferritina >15 ng/ml

Anemia ferropénica Eletroforese da Hb

Figura 36.1 – Critérios para o diagnóstico diferencial das principais


causas de anemia microcítica.
Anemia 137

Coombs direto Coombs direto


negativo positivo

Infeções Deficiência de G6PD Anemia


Medicação Hemoglobinopatias hemolítica
Doença renal A. Microangiopáticas (SHU,PTT) autoimune
Anemia aplásica Esferocitose
Eliptocitose

Figura 36.2 – Critérios para o diagnóstico diferencial das principais causas


de anemia e normocítica.

TRATAMENTO DA ANEMIA POR DEFICIÊNCIAS NUTRICIONAIS


Anemia ferropénica
O ferro heme presente na carne e peixe é de fácil absorção. O ferro não heme
(vegetais) tem absorção mais limitada. Deve ser recomendada uma dieta rica
em carne ou peixe, evitando a ingestão simultânea com antiácidos, cálcio, leite,
chá, café, espinafres, que reduzem a absorção. Por outro lado, o ácido ascórbico,
as saladas e os citrinos aumentam a absorção.

Ferro oral
Indicado perante o diagnóstico de anemia ferropénica ou valores de ferritina
<15 ng/ml (independentemente do valor de Hb). Deve ser administrado dia-
riamente ou em dias alternados com pelo menos 1 hora de jejum podendo
ser administrado em jejum ou antes das refeições (Tabela 36.3), na dose de 40-
200 mg/dia de ferro elementar. Evitar toma simultânea com alumínio, mag- nésio,
cálcio, zinco, inibidores da bomba protões e antagonistas dos recetores de
histamina.
Efeitos secundários: obstipação, náuseas, vómitos, diarreia, fezes escuras. Na
presença de efeitos secundários optar por outra formulação.
É de prever um aumento dos reticulócitos ao fim de 8-10 dias e da Hb em
1 g/dl após 4 semanas. Uma vez normalizada a Hb, continuar mais 4-6 meses
até ferritina >30 ng/ml e saturação da transferrina >20%.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS
138 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Tabela 36.3 – PRINCIPAIS FORMULAçÕES DE FERRO ORAL ISOLADO DISPONÍVEIS EM PORTUGAL*


Sal de ferro/
Substância ativa Marca Ferro elementar Posologia
/Apresentação
100 mg/amp. 5 ml
Maltofer ® 357 mg/amp. 5 ml
Hidróxido de ferro 100 mg/comp.
Ferrum Haussman ® 357 mg/comp. 1-2 comp./dia
Polimaltose 50 mg/ml
Ferrum Hausmann ® 178,6 mg/ml
(1 ml = 18 gotas)
Legofer ® 800 mg/amp. 15 ml 40 mg/amp. 15 ml
Proteínosuccinilato
Fervit ® 800 mg/amp. 15 ml 40 mg/amp. 15 ml 1-2 amp./dia
de ferro
Fetrival ® 800 mg/amp. 15 ml 40 mg/amp. 15 ml
329,7 mg/comp.
Ferro Gradumet ® libertação retardada 105 mg/comp.
Sulfato ferroso 1-2 comp./dia
Ferro Tardyferon ® 256,3 mg/comp. 80 mg/comp.
libertação retardada
Gluconato ferroso Hemototal ® 300 mg/amp. 10 ml 35 mg/amp. 10 ml 1-2 comp./dia
Pirofosfato férrico Fisiogen Ferro 396,1 mg/comp. ou 30 mg/comp. ou
1-2 comp./dia
(lipossomal) Forte ® saqueta saqueta

Ferro endovenoso
Está indicado quando, apesar da terapêutica com ferro oral, a Hb se mantém
<10 g/dl ou a ferritina se mantém <15 ng/ml, ou quando existe intolerância ao
ferro oral ou síndrome de má absorção. Antes de iniciar, solicitar hemograma com
reticulócitos, sideremia, saturação da transferrina, CTFF, ferritina, vitamina B 12 e
folatos.
Contraindicações: infeção bacteriana (o ferro atua como pró-oxidante podendo
exacerbar o quadro clínico), 1.º trimestre da gravidez ou se houver hipersensibili-
dade. O risco de hipersensibilidade é maior em doentes com alergias conhecidas,
quadros imunológicos ou inflamatórios, asma grave, eczema ou outras atopias.
A administração de ferro oral só deve ser reiniciada após reavaliação analítica,
a efetuar 6 semanas depois da administração de ferro endovenoso (EV).
■ Óxido férrico sacarosado (Venofer®)
– Cálculo do défice de ferro (mg): Peso pré-gravidez (kg) × (Hb 15 g/dl – Hb
atual) x 2,4 + 500 mg.
– Administração: 7 mg/kg com máximo de 300 mg em 3 horas 30 minutos,
2 vezes/semana. Diluição 100 mg/100 ml soro fisiológico (SF). Reavaliação
terapêutica ao fim de 1-2 semanas.
– Reações adversas: hipotensão, náuseas, lombalgia (0,5-1,5%).
■ Carboximaltose férrica (Ferinject ® )
– Cálculo do défice de ferro (mg): para Hb <10g/dl, se <70 kg administrar
1 500 mg (30 ml de Ferinject); se >70 kg administrar 2 000 mg (40 ml
de Ferinject).
– Administração: 20 mg/kg até máximo de 1 000 mg/semana em 15 minutos.
Diluição em SF <200 mg em 50 ml, 200-500 mg em 100 ml, 500-1 000 mg
em 250 ml. Reavaliação terapêutica 2-3 semanas após tratamento.
– Reações adversas: náuseas (3,3%).
Anemia 139

Transfusão

A considerar se Hb <7 g/dl sem resposta terapêutica ao ferro EV, quando existe
hemorragia abundante ou quando a anemia é sintomática.

Anemia por défice de ácido fólico


Ácido fólico 1 mg per os (PO) 1 vez/dia. Reforçar ingestão de vegetais e le-
gumes.
Se não ocorrer resposta terapêutica referenciar a consulta de Hematologia.

Anemia por défice de vitamina B12


Vitamina B12 (cobalamina) 1 mg intramuscular (IM) 1 vez/semana durante 8
semanas e depois 1 vez/mês.
Se não ocorrer resposta terapêutica referenciar a consulta de Hematologia.

ANEMIA NO PUERPÉRIO
Dosear Hb se ocorreu hemorragia >1 000 ml, anemia não controlada na gravidez
ou sintomas sugestivos de anemia:
■ Se Hb >9 g/dl e assintomática, iniciar ferro oral;
■ Se Hb 6-9 g/dl e sintomática ou com intolerância, falta de adesão ou de resposta
ao ferro oral, considerar ferro EV;
■ Se Hb <6 g/dl, ou Hb <7 g/dl e sintomática ou hemodinamicamente instável,
propor transfusão sanguínea. Após normalização da Hb, continuar terapêutica
com ferro oral pelo menos durante 6 semanas, para reposição das reservas.

BIBLIOGRAFIA
AMERICAN COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS. Anemia in pregnancy. Practice Bul- letin
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IDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS
37 HEMOGLOBINOPATIAS

CATARINA POLICIANO, LUÍSA PINTO

INTRODUÇÃO
As hemoglobinopatias são um grupo heterogéneo de doenças monogénicas que
incluem anomalias estruturais da hemoglobina (Hb) e défice da síntese de
determinadas cadeias da globina. O diagnóstico é realizado por eletroforese da
Hb (hemoglobinas anómalas) e deve ser solicitado às grávidas que apresentem
anemia normocítica ou anemia microcítica não ferropénica (ver protocolo “36.
Anemia”). Caso a eletroforese da Hb seja normal e a grávida seja proveniente do
sudeste asiático, deve ser proposto o estudo da -talassemia (Alfa-talassemia
estudo genético), que devido à sua raridade não está considerada no presen-
te protocolo. Quando a grávida tem o diagnóstico de hemoglobinopatia, para
avaliação do risco de transmissibilidade da doença ao feto, deve ser oferecida
a possibilidade de realização de eletroforese da Hb ao progenitor masculino, após
aconselhamento.

DREPANOCITOSE (anemia de células falciformes)


É uma doença autossómica recessiva, caracterizada pela produção de Hb S, a qual
em condições de menor saturação de oxigénio leva a que os eritrócitos adquiram
a forma de foice, sejam menos deformáveis, tendam a obstruir os vasos
sanguíneos, transportem menos oxigénio e durem menos tempo. A sua destruição
prematura causa anemia, icterícia e crises dolorosas. É mais preva- lente em
mulheres provenientes da África subsariana, Índia e Médio Oriente. Na situação
de heterozigotia (Hb AS) a percentagem de Hb S é de 35-40%. Esta situação não
condiciona risco acrescido durante a gravidez, exceto uma maior incidência de
infeções urinárias; as grávidas devem ser vigiadas como as de baixo risco. Se
existe homozigotia (Hb SS), quase toda a Hb é Hb S, com pe- quena percentagem
de Hb A2(22) e Hb F(2y2). Os achados clínicos incluem anemia normocítica
normocrómica, crises vaso-oclusivas repetidas por obstrução microvascular com
interrupção da perfusão em vários órgãos incluindo o baço, pulmões, rins, coração
e cérebro. As crises vaso-oclusivas esplénicas repetidas condicionam a ocorrência
de uma autoesplenectomia, geralmente anterior à adolescência, aumentando
ainda mais o risco de infeção. Na gravidez existe maior risco de restrição de
crescimento fetal (RCF) (~2 vezes), eventos trom- boembólicos (~2,5 vezes),
pneumonia (~10 vezes), infeções geniturinárias (~2 vezes), pré-eclâmpsia (~1,2
vezes) e parto pré-termo (PPT) (~1,4 vezes). Podem ocorrer outras
hemoglobinopatias em heterozigotia com a Hb S (Hb SC e Hb S/
/-talassemia), ocasionando quadros clínicos semelhantes ao da drepanocitose
em homozigotia e devendo ser abordados da mesma forma.
Hemoglobinopatias 141

Abordagem clínica das situações de homozigotia


Preconceção
Descontinuar a hidroxiureia e quelantes de ferro (exceto desferroxamina) três
meses antes da conceção. Solicitar ecocardiograma (para avaliar a fração de
ejeção e despistar hipertensão pulmonar), avaliação oftalmológica (para despiste
de retinopatia proliferativa falciforme), proteinúria de 24 horas, função renal (para
despiste de nefropatia e conhecimento de função basal) e urocultura (se posi-
tiva, tratar e repetir mensalmente; se negativa, repetir trimestralmente). Rever
boletim de vacinas e administrar vacina antipneumocócica e antimeningocócica
nas esplenectomizadas.

Gravidez
A vigilância deve ser efetuada por equipa multidisciplinar, incluindo hematologista
e imuno-hemoterapeuta. Vigilância mensal até às 24 semanas, 2/2 semanas
até às 34 semanas e depois semanal com ecografias adicionais às 28 e 36 semanas.
Na primeira consulta: descontinuar desferroxamina, alertar para a necessidade
de evicção de fatores desencadeantes de crises vaso-oclusivas como ambientes
frios, esforço físico exagerado, infeções, desidratação (ter em atenção o adequa-
do controlo de náuseas e vómitos) e stress. Nas análises do 1.º trimestre pedir
pesquisa de anticorpos irregulares antieritrocitários e, se negativa, repetir no
2.º trimestre, pelo risco aumentado de aloimunização. Oferecer a possibilidade
de diagnóstico pré-natal caso o progenitor masculino também seja portador
da doença. Estas grávidas não devem fazer suplementação com ferro oral. Se
houver necessidade de internamento por complicação médica ou obstétrica,
realizar profilaxia do tromboembolismo venoso (TEV) (ver protocolo “39. Trom-
boembolismo venoso – profilaxia”). Não se recomenda a transfusão ou exsan-
guineotransfusão profiláticas, pois estas apenas diminuem o número de crises
vaso-oclusivas, sem melhorar o desfecho da gravidez. Quando a transfusão está
indicada clinicamente, o objetivo é baixar a Hb S para valores <40% e manter
a Hb total >10 g/dl. Perante complicações como a anemia aguda e a síndrome
torácica aguda pode ser necessária a exsanguineotransfusão.

Crises vaso-oclusivas
Existe risco aumentado durante a gravidez, sobretudo no 3.º trimestre, parto e
pós-parto. A grávida deve ser internada e orientada em conjunto com a Hemato-
logia e a Imuno-hemoterapia, realizando hidratação com cristaloides (60 ml/kg/
/dia), oxigénio por máscara de forma a manter a saturação de O2 >95%, anal-
gesia com opioides per os (PO) ou endovenosa (EV), de acordo com intensidade
da sintomatologia e cardiotocografia (CTG) 3 vezes/dia.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

Síndrome torácica aguda


É a complicação mais grave e corresponde a um enfarte pulmonar. Manifesta-se
por: febre, tosse seca ou produtiva, dispneia, taquipneia ou hipoxemia, em as-
sociação com o aparecimento de infiltrados pulmonares na radiografia torácica.
Deve ser tratada com hidratação e antibioterapia EV (macrólido ou cefalosporina).
142 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Trabalho de parto
Deve ser administrado oxigénio por máscara de forma a manter a saturação de
O2 >95%, e realizada hidratação EV (2 l/dia).

β-TALASSEMIA
É uma doença autossómica recessiva causada por uma mutação no gene da be-
ta-globina, resultando em défice ou ausência de Hb A1(22). É mais prevalente
em mulheres provenientes da bacia mediterrânica. Os indivíduos heterozigóticos
para a mutação apresentam β-talassemia minor (traço talassémico) e a gravi-
dez não se associa a maior risco materno ou perinatal; as grávidas devem ser
vigiadas como as de baixo risco. As situações de homozigotia classificam-se
em β-talassemia major ou β-talassemia intermédia, consoante existe necessi-
dade persistente ou esporádica de transfusões sanguíneas. Embora na forma major
a gravidez seja um evento raro (a doença conduz geralmente à morte na infância
ou adolescência), associa-se a risco elevado de RCF, miocardiopatia e
endocrinopatia maternas por sobrecarga de ferro, eventos tromboembólicos e
complicações infeciosas (sobretudo quando há antecedentes de esplenecto- mia).
Os achados laboratoriais são: anemia microcítica hipocrómica, presença de
células em alvo no esfregaço de sangue periférico, eletroforese da Hb com
percentagem elevada de Hb A2 (>3,5%) e em ~50% dos casos elevação de Hb F.

Abordagem clínica da β-talassemia major e intermédia


Preconceção
Deve ser efetuado o rastreio de lesões orgânicas por sobrecarga de ferro através
de ecocardiograma, eletrocardiograma (ECG), função tiroideia e ecografia abdo-
minal. Descontinuar quelantes do ferro (exceto desferroxamina) 3 meses antes da
conceção. Rever boletim de vacinas e recomendar vacina antipneumocócicae
antimeningocócica nas mulheres eplenectomizadas. Desaconselhar a gravidez se
a função cardíaca estiver reduzida ou se Hb <10 g/dl.

Gravidez
Deve ser efetuada por equipa multidisciplinar, incluindo hematologista e imuno-
-hemoterapeuta. Vigilância mensal até às 28 semanas e depois 2/2 semanas
com ecografias adicionais às 28 e 36 semanas. Descontinuar desferroxamina,
sobretudo no 1.º trimestre. Evitar suplementação com ferro se não houver défice.
Oferecer diagnóstico pré-natal, caso o progenitor masculino seja portador da
doença. No 2.º e 3.º trimestres, ponderar retomar desferroxamina, sobretudo
em casos de risco de miocardiopatia por sobrecarga de ferro (a decidir com
hematologista).
Na -talassemia major, está recomendada avaliação cardíaca materna às 28
semanas. A decisão de iniciar transfusão depende do agravamento da ane-
mia ou da evidência de RCF. O objetivo é manter níveis de Hb ≥10 g/dl.
No 3.º trimestre, se grávida assintomática, sem necessidade de transfusões
prévias na gravidez e Hb ≥8 g/dl, não é necessário realizar transfusão. Se Hb
<8 g/dl, programar transfusão de duas unidades de concentrado de eritrócitos
às 37-38 semanas. Na grávida esplenectomizada, se plaquetas >600 ×109 /l,
Hemoglobinopatias 143

deve iniciar-se profilaxia de eventos trombóticos com heparina de baixo peso


molecular (HBPM) e ácido acetilsalicílico (AAS) (ver protocolo “39. Tromboem-
bolismo venoso – profilaxia”).

Trabalho de parto
Caso haja necessidade de suporte transfusional, e a grávida não esteja previa-
mente medicada, ponderar administração de desferroxamina 2 g EV a cada 24
horas durante o trabalho de parto (a decidir com Hematologia).

ASPETOS COMUNS ÀS DUAS HEMOGLOBINOPATIAS


Gravidez
As grávidas com formas homozigóticas de hemoglobinopatia devem ser vigiadas
na consulta de Medicina Materno-Fetal. As restantes, se o progenitor masculino
tiver uma eletroforese da Hb normal ou se o casal não pretender diagnóstico pré-
-natal, devem ser vigiadas nos Centros de Saúde. Deve ser oferecido hemograma
e eletroforese de Hb aos progenitores masculinos das grávidas homozigóticas e
heterozigóticas, após aconselhamento. Deve ser oferecido diagnóstico pré-natal
quando as grávidas são homozigóticas e o progenitor masculino heterozigótico,
quando ambos os progenitores são heterozigóticos e quando houve uma gravi- dez
anterior afetada. A terminação da gravidez e a via de parto regem-se por
critérios obstétricos.

Trabalho de parto
Não existe contraindicação para analgesia locorregional.

Puerpério
Deve ser mantida hidratação endovenosa (EV) durante 24 horas ou até existir
adequada hidratação oral. Se o parto ocorrer por cesariana, prescrever profi-
laxia do TEV durante 6 semanas (ver protocolo “39. Tromboembolismo venoso
– profilaxia”). As hemoglobinopatias não contraindicam a amamentação. Caso
a puérpera pretenda amamentar, a hidroxiureia e os quelantes do ferro (exceto
desferroxamina) devem ser evitados.

BIBLIOGRAFIA
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TROMBOCITOPENIA 38
LAURA CRUZ, M ÓNICA CENTENO

INTRODUÇÃO
Define-se trombocitopenia como uma contagem de plaquetas <150 000/ul.
A sua incidência no 3.º trimestre é de 6-11%. Em ~1% dos casos as plaque-
tas são <100 000/ul. Constituem causas de trombocitopenia específicas da
gravidez: trombocitopenia gestacional (ver secção seguinte), pré-eclâmpsia e
fígado gordo agudo da gravidez. Entre as causas não específicas da gravidez
destacam-se: púrpura trombocitopénica imune (PTI), síndrome de anticorpos
antifosfolípidos (SAAF), lúpus eritematoso sistémico (LES), infeções pelo vírus
da imunodeficiência humana (VIH), hepatite C e citomegalovírus (CMV), fármacos
(heparinas, antimicrobianos, anticonvulsivantes, analgésicos), trombocitopenia
congénita, coagulação intravascular disseminada, síndrome hemolítico-urémico,
púrpura trombocitopénica trombótica, sequestro esplénico, distúrbios medularese
défices nutricionais (folato e vitamina B 12).
Para o diagnóstico são importantes: a anamnese, incluindo antecedentes mé-
dicos, toma de fármacos e antecedentes familiares de doenças associadas
a trombocitopenia; o exame objetivo que deve incluir a avaliação da tensão
arterial (TA), pesquisa de petéquias, hemorragia cutâneo-mucosa e esplenome-
galia; avaliação analítica com hemograma, reticulócitos, tempo de protrombina
(TP), tempo de tromboplastina parcial ativada (aPTT), fibrinogénio, esfregaço de
sangue periférico (necessário contactar laboratório – 98087); doseamento da
alanina aminotransferase (ALT), aspartato aminotransferase (AST), desidro-
genase lática (LDH), bilirrubina total, creatinina, ácido úrico e análise sumária de
urina. Em casos selecionados podem ser úteis: anticorpos antifosfolípidos,
anticorpos anti-DNAds, anticorpos antinucleares (ANA), haptoglobina, função
tiroideia, serologias víricas, ecografia abdominal e biópsia medular. Não está
recomendado o doseamento dos anticorpos antiplaquetários nem da trombo-
poietina. No presente protocolo abordam-se em pormenor as duas causas mais
frequentes de trombocitopenia.

TROMBOCITOPENIA GESTACIONAL
É a causa mais frequente de trombocitopenia, afetando ~5% das gestações.
Embora a sua patogénese seja incerta, pensa-se estar relacionada com a he-
modiluição e com o aumento da destruição de plaquetas. Pode manifestar-se a
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

partir das 20 semanas, mas é mais frequente no 3.º trimestre. Trata-se de uma
trombocitopenia isolada, sendo por isso um diagnóstico de exclusão. Na maioria
dos casos, o doseamento de plaquetas é >80 000/ul e os valores normalizam
1-2 meses após o parto (repetir nesta altura para confirmar o diagnóstico). Não
está associada a risco de trombocitopenia neonatal. Geralmente não necessita de
terapêutica, mas se as plaquetas forem <80 000/ul deve ser consultada a
Hematologia.
146 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

PÚRPURA TROMBOCITOPÉNICA IMUNE


Trata-se de uma doença autoimune adquirida, caracterizada pela produção de
anticorpos IgG dirigidos a glicoproteínas plaquetárias, ocorrendo em ~0,02% das
gestações. A IgG pode atravessar a placenta e induzir trombocitopenia fetal/
/neonatal (10-15%), sendo o risco de hemorragia intracraniana perinatal <1,5%.

Gravidez
Está indicado tratamento se discrasia hemorrágica (equimoses, petéquias,
gengivorragias, hematúria, hemartrose), plaquetas <30 000/ul, ou plaquetas
<80 000/ul no final da gestação para permitir a realização de analgesia lo-
corregional no trabalho de parto. Contactar Hematologia para uma decisão
terapêutica conjunta:
■ Prednisolona: deve ser iniciada na dose de 20 mg per os (PO) 1 vez/dia de manhã
e posteriormente ajustada para 0,25-2 mg/kg/dia. A resposta inicial ocorre
geralmente em 2-14 dias e o pico de resposta ao final de 1-4 semanas. Deve
durar pelo menos 21 dias, sendo a dosagem posteriormente diminuída até se
manter uma contagem de plaquetas >50 000/ul;
■ Imunoglobulina (Ig): 1 g/kg endovenosa (EV), distribuídos por 2 ou 3 dias de
forma a não ultrapassar os 50 g/dia. Está indicada nos casos refratáriosaos
corticosteroides, quando os efeitos secundários dos corticosteroides são
intoleráveis ou quando é necessário um incremento plaquetário mais rápido.
A resposta ocorre geralmente em 1-3 dias, com um pico ao fim de 2-7 dias.
Pode ser repetida a cada 3-7 dias se necessário;
■ Esplenectomia: deve ser considerada apenas na ausência de resposta aos
corticosteroides e à Ig. Idealmente deverá ser agendada para o 2.º trimestre;
■ Imunossupressores (azatioprina, rituximab): a considerar em casos seleciona-
dos, de acordo com a Hematologia;
■ Transfusão de plaquetas: deve ser evitada, exceto em situações de hemorragia
grave ou se plaquetas <50 000/ul antes de uma cirurgia major.

Parto
É necessário minimizar as complicações hemorrágicas durante a analgesia lo-
corregional e o parto. A via de parto rege-se por critérios obstétricos. O número
de plaquetas considerado seguro para a analgesia locorregional é ≥80 000/ul.
Para valores inferiores é necessário considerar outras alternativas de analgesia
ou, se houver tempo, iniciar tratamento para aumentar a concentração de pla-
quetas (ver “Gravidez”). No trabalho de parto deve ser evitada a monitorização
interna da frequência cardíaca fetal (FCF) e, se possível, o parto instrumentado. Após
o parto, deve colher-se sangue umbilical para contagem de plaquetas. O número
mínimo de plaquetas considerado seguro para a realização de uma cesariana é
≥50 000/ul. Pode ser necessário realizar transfusão de plaquetas ou administrar
Ig EV (ver “Gravidez”).
Trombocitopenia 147

Puerpério

Não existe contraindicação para amamentação. Deve ser evitada a utilização


de anti-inflamatórios não esteroides (AINE).

BIBLIOGRAFIA
ADAMS TM, ALLAF MB, VINTZILEOS AM. Maternal trombocytopenia in pregnancy: diagnosis
and management. Clin Lab Med. 2013;33(2):327-341.
AMERICAN COLLEGE OF O BSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS . Trombocytopenia in pregnancy.
Practice Bulletin no. 166. Obstet Gynecol. 2016;128(3):e43-e53.
AMERICAN SOCIETY OF HEMATOLOGY. Clinical practice guide on thrombocytopenia in pregnancy,
2013.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS
39 TROMBOEMBOLISMO VENOSO – PROFILAXIA
CATARINA REIS DE CARVALHO, LUÍSA PINTO

INTRODUÇÃO
O tromboembolismo venoso (TEV) é uma das principais causas de morbilidade
e mortalidade materna nos países industrializados. O risco tromboembólicona
gravidez e puerpério é 4-5 vezes superior ao da população geral. O TEV
ocorre em ~0,2% das gestações, com uma mortalidade associada de ~0,001%
(correspondendo a ~9% das mortes maternas). Das situações de TEV ~80%
correspondem a trombose venosa profunda (TVP) e as restantes a tromboem-
bolismo pulmonar (TEP). Cerca de 50% dos casos ocorrem durante a gravidez
e os outros 50% durante o puerpério. O risco de TEV pode ser reduzido com a
administração profilática de anticoagulantes.

INDICAÇÕES PARA PROFILAXIA


A profilaxia do TEV está recomendada nas situações presentes na Tabela 39.1.

Tabela 39.1 – INDICAçÕES PARA PROFILAXIA DO T ROMBOEMBOLISMO V ENOSO


Gravidez Puerpério

TEV na presente gestação*
Anticoagulação

Antecedentes de ≥2 episódios de TEV Anticoagulação
terapêutica durante

Antecedentes de TEV com trombofilia de alto risco** terapêutica
6 semanas

Antecedentes de TEV com anticorpos antifosfolípidos

Antecedentes de 1 episódio de TEV idiopático

Antecedentes de 1 episódio TEV na gravidez ou sob Anticoagulação
Anticoagulação
contraceção profilática durante
profilática

Antecedentes de TEV com trombofilia de baixo risco*** 6 semanas

Trombofilia de alto risco sem episódios de TEV
Anticoagulação

Antecedentes de TEV com fator desencadeante transi-
– profilática durante
tório (p. ex., cirurgia)
6 semanas
* Em grávidas com TEV durante a presente gestação, a anticoagulação deve manter-se durante 3-6 meses.
** Trombofilias de alto risco: homozigotia para fator V Leiden ou para mutação no gene da protrombina, dupla heterozigotia
fator V de Leiden/mutação no gene da protrombina, deficiência de antitrombina.
*** Trombofilias de baixo risco: heterozigotia para fator V Leiden ou para mutação no gene da protrombina, deficiência de
proteína C ou S.

Para além das indicações anteriores, deve ser realizada anticoagulação pro-
filática no puerpério durante 10 dias, se a soma dos fatores de risco for ≥3 (Tabela
39.2).
Tromboembolismo Venoso – Profilaxia 149

Tabela 39.2 – INDICAçÕES ADICIONAIS PARA PROFILAXIA DO T ROMBOEMBOLISMO VENOSO NO PUERPÉRIO


QUANDO SOMA DE PONTOS É SUPERIOR OU IGUAL A 3
Ponderação Fatores de risco para TEV
Trombofilia de baixo risco sem episódios anteriores de TEV, fa miliar de 1.º grau com
história de TEV antes dos 50 anos, idade >35 anos, IMC 30-40 kg/m2 , fumadora atual,
1 ponto paridade >3, veias varicosas exuberantes, pré -eclâmpsia, gravidez múltipla, cesariana
eletiva, parto instrumentado, trabalho de parto com duração >24 horas, PPT, feto morto,
hemorragia pós-parto >1 000 ml ou com necessidade de transfusão
Cesariana intraparto, IMC >40 kg/m 2 , procedimentos cirúrgicos major, necessidade de
repouso absoluto no leito, comorbilidades médicas (cancro, insuficiência cardíaca, en -
2 pontos
farte do miocárdio, lúpus ativo, doença inflamatória intestinal, poliartropatia inflamatória,
síndrome nefrótica)
IMC – índice de massa corporal; PPT – parto pré-termo.

Deve ponderar-se também a colocação de um filtro na veia cava inferior em


mulheres com TVP recorrente, TVP extensa ou quando ocorre um episódio de TVP,
apesar da terapêutica instituída. Em mulheres com défice de antitrombina, deve
considerar-se a administração de concentrado de antitrombina (a decidir
juntamente com Imuno-hemoterapia).
Situações de elevado risco hemorrágico
Mesmo quando indicada, a anticoagulação deve ser ponderada nas seguintes
situações: doença hemorrágica conhecida (p. ex., hemofilia ou doença de von
Willebrand), hemorragia ativa em mulheres com risco elevado de hemorragia
major (p. ex., placenta prévia), trombocitopenia (<75 000 plaquetas), acidente
vascular cerebral isquémico ou hemorrágico nas 4 semanas anteriores, doença
renal grave [taxa de filtração glomerular (TFG) <30 ml/minuto/1,73 m2], doença
hepática grave [aumento do tempo de protrombina (TP)] ou hipertensão arterial
(HTA) não controlada (sistólica >200 mmHg ou diastólica >120 mmHg).

Anticoagulantes
Heparinas de baixo peso molecular
As heparinas de baixo peso molecular (HBPM) têm maior semivida do que a
heparina não fracionada (HNF), sendo os agentes de 1.ª linha na profilaxia do TEV
na gravidez. Não atravessam a barreira placentária, não são teratogénicas e não
são excretadas no leite materno. Não necessitam de monitorização labora- torial,
exceto em grávidas obesas, com insuficiência renal ou com deficiência de
antitrombina (nesses casos é necessário monitorizar mensalmente os níveis de
anti-Xa com o objetivo de atingir 0,6-1,0 U/ml, 4-6 horas após a administração).
As HBPM implicam também menor risco de hemorragia, trombocitopenia, reações
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

alérgicas e osteoporose. Não é necessária contagem de plaquetas antes de iniciar


terapêutica, exceto se tiver havido exposição prévia a heparina. Nos tratamentos
>10 dias, deve realizar-se hemograma 10 dias após o início da terapêutica.
A HPBM mais utilizada é a enoxaparina e a dose depende do peso materno:
■ Dose profilática: 50-90 kg – 40 mg subcutânea (SC), 1 vez/dia; 91-130 kg
– 80 mg SC, 1 vez/dia; >130 kg – 0,6 mg/kg/dia;
150 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

■ Dose terapêutica: 1 mg/kg SC, 12/12 horas.


Outras HBPM:
■ Dose profilática:
– Dalteparina 5 000 U SC, 1 vez/dia (sem ajuste com o peso corporal);
– Tinzaparina (amp. de 10 000 UI/ml) 2 500-4 500 UI SC, 1 vez/dia (ajus-
tada ao risco e ao peso).
■ Dose terapêutica:
– Dalteparina 200 U/kg SC, 1 vez/dia ou 100 U/kg SC, 12/12 horas;
– Tinzaparina (20 000 UI/ml) 175 U/kg SC, 1 vez/dia.

Heparina não fracionada


Também não atravessa a barreira placentária, mas tem uma semivida mais curta
do que a HBPM (cerca de 1,5 hora). A terapêutica inicia-se com 10 000 U
endovenosa (EV), 12/12 horas, ajustando-se depois de acordo com o tempo de
tromboplastina parcial ativada (aPTT). Em ~5% dos casos causa tromboci- topenia,
pelo que está indicado realizar contagem de plaquetas 5 dias após o início da
terapêutica e a cada 2-3 dias nas primeiras 3 semanas. Necessita de
monitorização laboratorial através do aPTT, com o objetivo de se atingir 1,5-
-2,5 vezes o valor normal. Se o aPTT estiver superior ao nível terapêutico, a
ação anticoagulante pode ser rapidamente revertida com sulfato de protamina
(1,5 mg por cada 100 UI de HNF).

Varfarina
Atravessa a placenta, sendo teratogénica sobretudo entre as 6-12 semanas (risco
~5%) e aumentando o risco de hemorragia fetal durante toda a gestação.A sua
utilização pode ser ponderada perante casos de risco particularmente elevado de
TEV, como a presença de próteses valvulares mecânicas. No puer- pério, a sua
utilização é segura para o recém-nascido (RN), mas implica maior risco materno
de hemorragia e hematomas.

Novos anticoagulantes (rivaroxabano, apixabano, edoxabano)


Existe ainda pouca experiência sobre o seu uso na gravidez e amamentação,
pelo que a sua utilização é desaconselhada.

ATUAÇÃO PERIPARTO EM GRÁVIDAS SOB ANTICOAGULAÇÃO


■ Devem ser adotadas as medidas gerais de profilaxia do TEV: mobilização,
hidratação adequada e meias de compressão elástica;
■ A anticoagulação deve ser suspensa se ocorrer contractilidade regular ou
hemorragia vaginal;
■ Na grávida sob anticoagulação em dose profilática: suspender HBPM 12 ho-
ras antes da indução do trabalho de parto ou da cesariana eletiva. Na grávida
em trabalho de parto, se a última dose de HBPM foi há <12 horas, a anal-
gesia locorregional está contraindicada, podendo optar-se por analgesia EV;
■ Grávida sob anticoagulação em dose terapêutica: suspender HBPM 24 horas
antes da indução do trabalho de parto ou da cesariana eletiva. A analgesia
locorregional está contraindicada se a última dose tiver sido administrada
Tromboembolismo Venoso – Profilaxia 151

há <24 horas. Se possível, passar HBPM para HNF às 36-37 semanas [ou antes,
se houver ameaça de parto pré-termo (APPT)]. A analgesia locorregional pode ser
efetuada 4 horas após a última administração de HNF, se o aPTTfor normal.

ATUAÇÃO NO PUERPÉRIO EM GRÁVIDAS SOB ANTICOAGULAÇÃO


■ Manter as medidas gerais de profilaxia do TEV: mobilização, hidratação ade-
quada e meias de compressão elástica;
■ Reiniciar HBPM 6 horas após o parto vaginal e 12 horas após cesariana;
■ A remoção do cateter epidural deve ser programada para 12 horas após a
administração de dose profilática de HBPM ou 24 horas após administração
de dose terapêutica. Após remoção do cateter, a HBPM pode ser recomeçada
6 horas depois (24 horas depois no caso de punção traumática);
■ No caso de mulheres com indicação para anticoagulação continuada, para
além do período de gravidez/puerpério (válvulas mecânicas, trombofilias de
alto risco, etc.), deve proceder-se à transição para varfarina (12 horas após
parto vaginal e 24 horas após cesariana), mantendo a HBPM em dose tera-
pêutica juntamente com a varfarina durante, pelo menos, 5 dias até obtenção
de International normalised ratio (INR) adequado (a realizar ao 5.º dia), e por
2 dias suplementares após atingir esse alvo. Este ajuste pode ser feito em
ambulatório com o apoio do serviço de Imuno-hemoterapia;
■ A HBPM, a HNF, a varfarina, outros antagonistas da vitamina K, danaparoide e
aspirina em baixas doses podem ser utilizados na amamentação;
■ As mulheres com trombofilia ou antecedentes de TEV não devem utilizar con-
traceção hormonal combinada. As alternativas disponíveis são o dispositivo
intrauterino (DIU), progestativos isolados, métodos de barreira ou contraceção
definitiva.

BIBLIOGRAFIA
AMERICAN COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS. Thromboembolism in Pregnancy.
Guideline no. 19. ACOG, 2011.
ROYAL COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNAECOLOGISTS. Reducing the risk of venous throm-
boembolism during pregnancy and the puerperium. Green-top Guideline no. 37a. London:
RCOG Press, 2015.
SOCIEDADE PORTUGUESA DE ANESTESIOLOGIA. Recomendações para profilaxia do tromboembo- lismo
venoso em anestesia e cirurgia no doente adulto: Recomendações perioperatórias para
profilaxia do tromboembolismo venoso. Guia de Consenso. 2014.
TANG AW, GREER I. A systematic review on the use of new anticoagulants in pregnancy. Obstet
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THOMAS O, LYBECK E, STARNDBERG K, et al, Monitoring low molecular weight heparins at
therapeutic levels: Dose-responses of, and Correlations and differences between aPTT, anti-
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Factor Xa and thrombin generation assays. PLoS One. 2015;10(1):e0116835.


WEI MY, WARD SM. The anti-factor Xa range for low molecular weight heparin thrombopro-
phylaxis. Hematol Rep. 2015;7(4):5844.
40 TROMBOEMBOLISMO VENOSO – TRATAMENTO
CATARINA REIS DE CARVALHO, LUÍSA PINTO

INTRODUÇÃO
O tromboembolismo venoso (TEV) engloba a trombose venosa profunda (TVP), que
corresponde a ~80% dos casos, e o tromboembolismo pulmonar (TEP), que
corresponde a ~20%. O TEV constitui uma das principais causas de mortalidade
e morbilidade materna nos países de elevados recursos. O risco trombótico
está aumentado 4-5 vezes ao longo da gravidez e ~20 vezes no puerpério. São
conhecidos múltiplos fatores de risco para TEV, os quais devem ser avaliados
durante a gravidez e puerpério, com o objetivo de ponderar a necessidade de
tromboprofilaxia (ver protocolo “39. Tromboembolismo venoso – profilaxia”).

TROMBOSE VENOSA PROFUNDA


A TVP tem uma incidência idêntica nos três trimestres da gravidez e no puerpério
(~0,1% das gestações) ocorrendo em 70-90% dos casos no membro inferior
esquerdo e em 70-80% na veia íleo-femoral. A apresentação clínica depende da
localização, da extensão da oclusão e da intensidade da resposta inflamatória,
sendo os sintomas e sinais mais frequentes: dor, sensação de calor, edema
unilateral, eritema ou descoloração, sinal de Homans (dor na face posterior da
perna à dorsiflexão súbita do pé). Se o TEV ocorrer no território íleo-femoral
os sintomas podem ser atípicos: dor na nádega, virilha, flanco ou abdómen.
Perante uma suspeita, deve ser utilizado o score de Wells modificado para esti-
mar a probabilidade de TVP (Quadro 40.1). Em caso de probabilidade elevada,
deve ser solicitado apoio da Cirurgia Vascular e devem ser considerados os
seguintes exames:
■ D-dímeros (se probabilidade baixa): se negativos excluem o diagnóstico. Va-
lores positivos têm um valor limitado, já que os níveis aumentam com a
idade gestacional e na presença de descolamento placentário, pré-eclâmpsia
e sépsis;
■ Eco-Doppler dos membros inferiores (se D-dímeros positivos ou probabilidade
elevada): o teste positivo confirma o diagnóstico e indica a necessidade de
anticoagulação terapêutica. O teste negativo nem sempre exclui o diagnósti-
co – se probabilidade elevada iniciar anticoagulação terapêutica e repetir o
exame uma semana depois. Nessa altura, se o exame se mantiver negativo,
deve parar a anticoagulação;
■ Venografia, ressonância magnética nuclear, pletismografia de impedância ou
tomografia computorizada: a considerar quando existem dúvidas no diagnós-
tico com eco-Doppler (a decidir com Cirurgia Vascular).
Tromboembolismo Venoso – Tratamento 153

Quadro 40.1 – SCORE DE W ELLS MODIFICADO PARA TVP


Características Pontuação
Neoplasia ativa (em tratamento, nos últimos 6 meses ou em paliativos) 1
Paralisia, paresia ou imobilização recente das extremidades inferiores 1
Imobilização no leito ≥3 dias ou cirurgia major nas últimas 12 semanas 1
Sensibilidade dolorosa em todo o trajeto do sistema venoso profundo 1
Edema de toda a perna 1
Aumento do volume gemelar >3 cm em relação à perna contralateral 1
Edema compressível confinado à perna sintomática 1
Veias colaterais superficiais (não varicosas) 1
TVP prévia bem documentada 1
Diagnóstico alternativo pelo menos tão provável como o de TVP -2
Probabilidade de TVP
Baixa 0-1
Elevada ≥2

TROMBOEMBOLISMO PULMONAR
O TEP ocorre em ~0,02% das gestações, sendo mais frequente no puerpério do que
durante a gravidez. Entre 70-90% dos êmbolos pulmonares têm origem nas veias
íleo-femorais. O diagnóstico é frequentemente difícil, pois apenas ~5% das
doentes apresentam sintomatologia típica. A apresentação clínica compreende:
dispneia (~80%), dor torácica do tipo pleurítico (~70%), agitação psicomotora
(~60%), tosse (~50%), taquipneia (~90%), taquicardia (~40%), diaforese, febre
baixa, fervores, sibilos, síncope e colapso cardiovascular. Em ~30% dos casos
não existem sinais ou sintomas de TVP.
Perante a suspeita de TEP deve ser dada prioridade à avaliação da estabilidade
hemodinâmica. O score de Wells (Quadro 40.2) pode ser utilizado para cálculo
da probabilidade de TEP. A investigação realiza-se através dos seguintes exames:
■D-dímeros (se probabilidade baixa): se negativos excluem o diagnóstico. Va-
lores positivos têm um valor limitado, já que os níveis aumentam com a
idade gestacional e na presença de descolamento placentário, pré-eclâmpsia
e sépsis;
■ Gasimetria arterial: para identificar hipoxemia com ou sem hipocapnia;
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

■ Radiografia (Rx) tórax (0,001 rads fetais): achados sugestivos – infiltrados,

derrame pleural, atelectasia, elevação do hemidiafragma. Pode ser dispensado


se a angiotomografia (angio-TAC) for realizada em 1.ª linha;
■ Eletrocardiograma (ECG): pode apresentar taquicardia sinusal, desvio direi-

to do eixo cardíaco, bloqueio de ramo direito, inversão da onda T, presença


de onda S em D1, de onda Q em D3 e de onda T invertida em D3 (padrão
S1Q3T3);
154 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

■ Ecocardiograma: ponderar em doentes instáveis ou se não estiverem disponí-


veis outros métodos. Pode apresentar dilatação ou hipocinesia do ventrículo
direito, ou regurgitação tricúspide;
■ Angiografia pulmonar por tomografia computorizada (TC) helicoidal (angio-
-TAC) (0,005 rads fetais): é o exame de 1.ª linha por ter maior sensibilidade
e especificidade. A angio-TAC utiliza um contraste iodado. A exposição à
radiação e ao contraste não parece estar associada a efeitos teratogénicos,
embora o contraste possa afetar o funcionamento da tiroide fetal no período
neonatal. Deve ser requisitada perante uma probabilidade intermédia ou alta
de TEP, ou ainda perante uma probabilidade baixa com D-dímeros positivos.
A angio-TAC positiva confirma o diagnóstico e a negativa exclui o diagnóstico.
Se a angio-TAC for inconclusiva, deve ser ponderada a realização de cintigra-
fia de ventilação/perfusão, eco-Doppler dos membros inferiores, ressonância
magnética (RM) ou angiografia (a decidir com Medicina Interna/Pneumologia);
■ Cintigrafia de ventilação/perfusão (0,019 rads fetais): indicada apenas se a
angio-TAC não estiver disponível ou for inconclusiva, pois tem menor sensibi-
lidade e especificidade, associando-se ainda a maior radiação fetal;
■ Angiografia pulmonar: apenas se o diagnóstico não for excluído por métodos não
invasivos.

Quadro 40.2 – SCORE DE W ELLS PARA TEP


Características Pontuação
TEP ou TVP prévias 1
Frequência cardíaca >100 bpm 1
Cirurgia ou imobilização nas 4 semanas anteriores 1
Hemoptises 1
Neoplasia ativa 1
Sinais clínicos de TVP 1
Diagnóstico alternativo menos provável do que TEP 1
Probabilidade de TEP
Baixa 0-1
Intermédia 2-6
Elevada ≥7
bpm – batimentos por minuto.

ABORDAGEM CLÍNICA DO TROMBOEMBOLISMO VENOSO


■ Constituem indicações para internamento: TEP, TVP extenso ou com sintoma-
tologia exuberante. Devem também ser tidos em consideração outros ante-
cedentes médicos e outra patologia obstétrica relevante. Em casos graves pode
ser necessário o internamento numa Unidade de Cuidados Intensivos; Deve ser
■ iniciada anticoagulação em dose terapêutica o mais precocemente possível,
mesmo antes da confirmação diagnóstica, se a probabilidade de TVP ou TEP
for elevada. As heparinas de baixo peso molecular (HBPM) são o
Tromboembolismo Venoso – Tratamento 155

agente de 1.ª linha (ver protocolo “39. Tromboembolismo venoso – profilaxia”).


A monitorização terapêutica (nível de anti-Xa) apenas é necessária nos extre-
mos de peso (<55 kg ou >90 kg) ou quando existe disfunção renal. Deve ser
realizado hemograma 10 dias após o início da terapêutica, devido ao risco de
trombocitopenia. Este tratamento deve manter-se por 6 meses, se for episódio
único em mulher sem antecedentes relevantes, ou por 12 meses na presença
de trombofilia ou episódios trombóticos recorrentes. Devem incluir-se sempre
nestes períodos, pelo menos 6 semanas no pós-parto. A atuação intraparto
e no puerpério de mulheres sob anticoagulação exige cuidados particulares (ver
protocolo “39. Tromboembolismo venoso – profilaxia”);
■ A trombólise (alteplase, estreptoquinase) pode ser necessária em caso de TEP
maciço com compromisso hemodinâmico. A gravidez e a cesariana re- cente
(<1 semana) são contraindicações relativas para trombólise, pelo que a
abordagem nestes casos deve ser individualizada;
■ A embolectomia pode ser uma opção terapêutica se houver falência ou con-
traindicação para trombólise ou na presença de trombos livres nas cavidades
cardíacas direitas. A colocação de um filtro na veia cava inferior deve ser
discutida com a Cirurgia Vascular se: episódio de TEV perto do parto (>37
semanas), episódio de TEV em veias proximais, TEV recorrente apesar de
adequada terapêutica anticoagulante ou risco elevado de hemorragia asso-
ciada à anticoagulação;
■ Ao tratamento deve associar-se a contenção elástica dos membros inferiores
grau II (23-32 mmHg) ou grau III (34-46 mmHg) e os exercícios de marcha.

BIBLIOGRAFIA
AMERICAN COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS. Thromboembolism in pregnancy. Practice
Bulletin No. 196. Obstet Gynecol. 2018;132(1):e1-e17.
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41 DIABETES PRÉVIA
M ÓNICA CENTENO , M ARIA I NÊS A LEXANDRE , ANA C OELHO G OMES

INTRODUÇÃO
Define-se diabetes prévia como a diabetes mellitus que estava presente e foi
diagnosticada antes da gravidez. Pode subdividir-se em:
■ Diabetes mellitus tipo 1 (DM1): caracteriza-se por um défice absoluto de
insulina, maioritariamente de causa autoimune. O diagnóstico é habitualmente
efetuado na infância ou final da adolescência e corresponde a 5-10% de todas
as formas de diabetes;
■ Diabetes mellitus tipo 2 (DM2): caracteriza-se por um aumento da resistência
periférica e consequente carência relativa de insulina, estando associada a
fatores hereditários, hábitos de vida sedentários e obesidade. O diagnóstico
é geralmente realizado na idade adulta.
Existem outras formas mais raras que incluem a diabetes monogénica, asso- ciada
a endocrinopatias, secundária a fármacos ou a doenças do pâncreas. As gestações
com diabetes prévia associam-se a riscos aumentados de malfor- mações fetais
(4-8 vezes, sobretudo quando existe mau controlo metabólico no 1.º trimestre),
morte fetal (1-3 vezes), parto pré-termo (PPT), macrossomia, hidrâmnios,
dificuldade respiratória do recém-nascido (RN) e alterações me- tabólicas
neonatais. Estas grávidas têm maior risco de infeção, hipoglicemia
(particularmente na DM1) e hemorragia pós-parto (por hiperdistensão uterina,
secundária a macrossomia fetal e polihidrâmnios).

ABORDAGEM CLÍNICA
Preconceção
■ Avaliar hemoglobina glicada (HbA1c), se >6,5%, reavaliar terapêutica antidia-
bética com Endocrinologia;
■ Rastreio de doença de órgãos-alvo: retinopatia (fundoscopia), nefropatia (crea-
tinina, proteinúria de 24 horas, clearance da creatinina), doença cardíaca (ECG
e ecocardiograma se houver alterações no ECG ou sintomatologia);
■ Desaconselhar gravidez se: cardiopatia isquémica, retinopatia proliferativa não
tratada, doença renal crónica (DRC) (clearance da creatinina <60 ml/hora),
síndrome nefrótica (proteinúria de 24 horas >3 g), hipertensão arterial (HTA)
não controlada, gastroenteropatia grave.

Vigilância na gravidez
Deve ocorrer em consulta multidisciplinar com Endocrinologia, Obstetrícia e
Nutrição. Os objetivos glicémicos estão expostos no Quadro 41.1.
Diabetes Prévia 157

Quadro 41.1 – VALORES GLICÉMICOS A ATINGIR DURANTE A GRAVIDEZ


Jejum e pré-prandial 70-99 mg/dl
1 hora após as refeições 100-129 mg/dl

2 horas após as refeições 100-119 mg/dl


Noturna 80-120 mg/dl

Medidas não farmacológicas


■ Plano alimentar personalizado elaborado por nutricionista;
■ Promoção do exercício físico pelo menos 3 vezes/semana, se não houver
contraindicação obstétrica;
■ Autovigilância da glicemia capilar:
– DM1: 6-9 vezes/dia (jejum, pré-prandial e 1 hora após o início das três
principais refeições e eventualmente do lanche). À noite se houver suspeita
de hipoglicemia noturna;
– DM2: 4-9 vezes/dia, dependendo da terapêutica.

Terapêutica farmacológica
■ A ser ajustada sempre que há dois ou mais valores elevados num período
de uma semana:
– DM1: insulinoterapia intensiva (insulina de ação lenta/intermédia associada
a insulina de ação rápida antes das refeições). Pode ser utilizada insulina
humana ou análogos (esquema a realizar por Endocrinologia);
– DM2: se previamente medicada com metformina e com adequado controlo
glicémico, manter a terapêutica pelo menos até avaliação em consulta
multidisciplinar.

Outros cuidados na gravidez


■ Frequência individualizada das consultas, de acordo com o controlo metabólico
e a existência de complicações (oftalmológicas, renais, cardiovasculares), mas
geralmente quinzenal até às 32 semanas e depois semanal com cardiotoco-
grafia (CTG). Rastreio de doença de órgão-alvo, caso não o tenha feito em
preconceção (ver “Preconceção”);
■ Nefropatia e complicações cardiovasculares: o risco de pré-eclâmpsia é 2-4
vezes superior, sobretudo em mulheres com proteinúria ou HTA crónica. Nesta
população, a proteinúria de 24 horas deve ser avaliada trimestralmente e deve
ser realizada avaliação semanal da tensão arterial (TA);
■ Retinopatia: avaliação oftalmológica a intervalos de 1-6 meses, de acordo com
o risco de progressão;
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

■ Ecocardiograma fetal: às 20-22 semanas;


■ Ecografias adicionais: às 28 e às 36 semanas;
■ HbA1c: mensal, com o objetivo de manter ≤6,5%.
158 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Internamento
Deve ser considerado em casos de dificuldade no controlo metabólico, vómi-
tos/diarreia recorrentes, deterioração da função renal e outras complicações
da gravidez.

Momento e via de parto


■ O parto deve ser preferencialmente por via vaginal;
■ Terminação da gravidez às 39 semanas, na ausência de complicações;
■ Terminação da gravidez individualizada, não devendo em regra ultrapassar as 38
semanas se: CTG suspeita, restrição de crescimento fetal, estimativa de peso
fetal (EPF) >p95, morte fetal anterior, pré-eclâmpsia, agravamento da HTA,
nefropatia ou retinopatia;
■ Cesariana eletiva se EPF >4 500 g. Se EPF >4 000 g, decisão individualizada de
acordo com outros fatores clínicos;
■ Perante a suspeita de macrossomia fetal, prosseguir na intenção do parto vaginal
(incluindo o parto instrumentado) apenas perante uma boa progressão da
dilatação e da descida da apresentação.

Controlo da glicemia em regime de internamento


■ Enquanto a grávida se alimentar normalmente mantém-se o esquema de
vigilância e tratamento instituído em ambulatório. Se a grávida não souber o
esquema de insulina e se alimentar normalmente, iniciar controlo da glicemia
em jejum e 1 hora após as três principais refeições e contactar Endocrinologia
para prescrever esquema;
■ Iniciar vigilância apertada da glicemia (Quadro 41.2) quando a grávida deixa de
se alimentar normalmente, quando entra em trabalho de parto espontaneamen-
te ou atinge a fase ativa no trabalho de parto induzido. Os valores de glicemia
capilar recomendados durante o trabalho de parto são de 70-110 mg/dl.

Quadro 41.2 – DIABETES PRÉVIA CONTROLADA COM FÁRMACOS



Não administrar a dose habitual de insulina ou de metformina prescrita durante a
Quanto não gravidez
se alimenta ■
Soro polieletrolítico com glicose a 125 ml/hora
normalmente/ ■
Avaliação da glicemia capilar a cada 1 hora e administração de insulina regular EV de
/em trabalho acordo com algoritmo de correção
de parto ■
Insulina regular 50 UI em 50 ml de SF em perfusão EV com débito de acordo com
glicemia capilar (ver “Algoritmo de correção”)
Glicemia capilar (mg/dl): <80 81-100 101-120 121-150 151-200 201-250 251-300 301-350 351-400 >400
Algoritmo de Insulina regular* EV (UI): 0 0,5 1 2 4 6 7 8 9 10
correção Se glice mia >350 mg/dl, ad ministrar 5 UI de insulina regular IM de 2/2 horas até a
glicemia <120 mg/dl
(continua)
Diabetes Prévia 159

(continuação)


Após a dequitadura, manter as perfusões em curso até iniciar a alimentação oral. Só
faz perfusão de insulina se glice mia capilar >100 mg/dl

Logo que inicie alimentação oral, suspende perfusão de insulina e inicia administra-
Após o parto ção de insulina regular (ou análogo rápido) por via SC em função da glicemia capilar
medida antes das refeições (algoritmo de correção no pós-parto)

Se glicemia capilar >140 mg/dl em duas avaliações sucessivas, contactar Endocrino -
logia para introdução de insulina basal
Glicemia capilar (mg/dl): <140 141-200 201-250 251-300 301-350 351-400
Algoritmo de Insulina regular SC (UI): 0 3 5 8 10 12
correção no
pós-parto Se glicemia >400 mg/dl, ad ministrar 5 UI de insulina regular IM de 2/2 horas até a
glicemia <160 mg/dl
SF – soro fisiológico; IM – intramuscular; SC – subcutânea.
* Insulina Regular = Actrapid®, Humulin Regular®, Insuman Rapid®

Se hipoglicemia (glicemia ≤70 mg/dl)


■ Suspeitar se a grávida apresentar fome súbita, tremor, palidez, suores, palpi-
tações, taquicardia, astenia, apatia, cefaleia, sonolência ou alterações com-
portamentais. Confirmar com determinação de glicemia capilar;
■ Se a alimentação oral for possível, dar 15 g de açúcar (dois pacotes) diluí-
dos em água ou chá. Se a via oral não for possível, administrar 2-4 ampolas
(amps.) EV de soro glicosado hipertónico (amps. de 20 ml de glucose a 30%);
■ Avaliar glicemia 15 minutos depois. Se mantiver a hipoglicemia repete o
procedimento anterior. Se normalizar, dar refeição com hidratos de carbono de
absorção lenta (cereais, vegetais, leguminosas). Contactar Endocrinologia para
reavaliação terapêutica.

Puerpério
Pode ser utilizada contraceção progestativa contínua.

BIBLIOGRAFIA
AMERICAN C OLLEGE OF O BSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS . Pregestational diabetes mellitus.
Guideline no. 60. Obstet Gynecol. 2005;105:675-685.
AMERICAN COLLEGE OF O BSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS . Ultrasound in pregnancy. Practice
Bulletin no. 175. Obstet Gynecol. 2016;128(6):e241-e256.
NATIONAL INSTITUTE OF CLINICAL EXCELLENCE . Diabetes in pregnancy: management from pre-
conception to the postnatal period. December 2020.
SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, Diabetes e Metabolismo, Sociedade Portuguesa de
Diabetologia, Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal. Secçãode
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

Neonatologia da Sociedade Portuguesa de Pediatria. Relatório de Consenso “Diabetese


Gravidez”. Janeiro 2011.
SOCIETY OF OBSTETRICIANS AND GYNAECOLOGISTS OF CANADA. Diabetes in Pregnancy. Guideline no.
393. J Obstet Gynaecol Can. 2019;41(12):1814-1825.
WANG PH, LAU J, CHALMERS TC. Meta-analysis of effects of intensive blood-glucose control on
late complications of type I diabetes. Lancet. 1993; 341(8856):1306-1309.
42 DIABETES GESTACIONAL
M ÓNICA CENTENO , M ARIA I NÊS A LEXANDRE , ANA C OELHO G OMES

INTRODUÇÃO
Define-se diabetes gestacional (DG) como a intolerância aos hidratos de carbono
diagnosticada pela primeira vez durante a gravidez. A DG aumenta o risco de
macrossomia fetal, distocia de ombros, pré-eclâmpsia e morte fetal, situações
que se minimizam com o adequado equilíbrio metabólico durante a gravidez.
O diagnóstico baseia-se nos critérios constantes na Tabela 42.1. Caso não seja
possível realizar prova de tolerância à glicose oral (PTGO), recomendar autovigi-
lância da glicemia capilar em ambulatório 4 vezes/dia (jejum e 1 hora após o
início das três principais refeições) durante 1 semana entre as 24-28 semanas.

Tabela 42.1 – VALORES DE GLICEMIA USADOS PARA ESTABELECER O DIAGNÓSTICO DE DIABETES GESTACIONAL
Normal Diabetes gestacional Diabetes prévia
Jejum <92 mg/dl 92-125 mg/dl ≥126 mg/dl

60 minutos <180 mg/dl ≥180 mg/dl –

120 minutos <153 mg/dl 153-199 mg/dl ≥200 mg/dl


Nota: Glicemia em jejum no 1.º trimestre e PTGO com 75 g de glicose às 24-28 semanas.

ABORDAGEM CLÍNICA
Vigilância na gravidez
Determinações da glicemia capilar em jejum e 1 hora após o início das três
principais refeições. Os objetivos glicémicos constam do Quadro 42.1.

Quadro 42.1 – VALORES GLICÉMICOS ALVO NA DIABETES GESTACIONAL


Jejum ≤95 mg/dl

1 hora após as refeições ≤140 mg/dl


2 horas após as refeições ≤120 mg/dl

Medidas não farmacológicas


■ Plano alimentar personalizado elaborado por nutricionista;
■ Promoção do exercício físico pelo menos 3 vezes/semana, se não houver
contraindicação obstétrica.
Diabetes Gestacional 161

Terapêutica farmacológica

■ Deve ser iniciada, em qualquer altura da gravidez, sempre que os objetivos


glicémicos não são atingidos (dois ou mais valores elevados num período
de 1 semana) após a instituição das medidas não farmacológicas. O critério para
necessidade de ajuste terapêutico é igual;
■ Insulina subcutânea (SC): prescrição de Endocrinologia;
■ Metformina: 500 mg/dia, per os (PO) em 1-3 tomas, durante ou após as re-
feições. Deve considerar-se a sua utilização após o 1.º trimestre, em grávidas
obesas e/ou com insulinorresistência marcada, com fetos sem restrição de
crescimento e com valores de glicemia que rondem 10-20 mg/dl acima dos
valores de referência. Não foram, até à data, demonstrados efeitos terato-
génicos nem aumento de complicações neonatais. Apresenta vantagens em
termos de custo, via de administração e satisfação da grávida.

Vigilância obstétrica
■ Periodicidade das consultas adaptada ao controlo metabólico e à existência de
complicações. Consulta semanal com cardiotocografia (CTG) a partir das 34
semanas, se terapêutica farmacológica ou doença vascular materna. Consulta
semanal com CTG a partir das 37 semanas em grávidas com bom controlo
metabólico e sem terapêutica farmacológica. Vigilância individualizada se
controlo metabólico difícil, ou complicações fetais [alterações do crescimento fetal
ou do líquido amniótico (LA)];
■ Se o diagnóstico foi no 1.º trimestre pedir ecocardiograma fetal às 20-24
semanas;
■ Ecografias adicionais às 28 semanas (se diagnóstico no 1.º trimestre) e às 36
semanas.

Momento e via de parto


■ O parto deve ser preferencialmente por via vaginal;
■ Indução do trabalho de parto às 39 semanas, se DG controlada com fármacos;
■ Indução do trabalho de parto às 40 semanas, se DG controlada sem fárma- cos,
sem alterações de crescimento fetal ou do LA;
■ Terminação da gravidez individualizada, não devendo em regra ultrapassar as
38 semanas se: controlo metabólico difícil, alterações no crescimento fetal
ou do LA, doença vascular materna, estimativa de peso fetal (EPF) às 36
semanas >p95 ou morte fetal anterior;
■ Cesariana eletiva se EPF >4 500 g. Se EPF >4 000 g, decisão individualizada
de acordo com outros fatores clínicos;
■ Perante a suspeita de macrossomia fetal, prosseguir na intenção do parto vaginal
(incluindo o parto instrumentado) apenas perante uma boa progressão da
dilatação e da descida da apresentação.
IDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

Controlo da glicemia em regime de internamento


■ Enquanto a grávida se alimentar normalmente mantém-se o esquema de
vigilância e tratamento instituído em ambulatório. Se a grávida não souber
o esquema de insulina e se se alimentar normalmente, iniciar controlo da
glicemia em jejum e 1 hora após as três principais refeições e contactar
162 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

■ Iniciar esquema de controlo apertado de glicemia (Quadros 42.2 e 42.3) quando


a grávida deixa de se alimentar normalmente, quando entra em tra- balho de
parto espontaneamente ou atinge a fase ativa no trabalho de parto induzido.
Os valores de glicemia capilar recomendados durante o trabalho de parto são
de 70-110 mg/dl.

Quadro 42.2 – DG CONTROLADA SEM FÁRMACOS


Enquanto não ■
Soro polieletrolítico com glicose a 125 ml/hora
se alimenta ■
Avaliação da glicemia capilar a cada 4 horas e administração de insulina regular SC
normalmente de acordo com algoritmo de correção
Glicemia capilar (mg/dl): <100 101-150 151-200 201-250 251-300 301-350

Algoritmo de Insulina regular* SC (UI): 0 3 4 6 8 10


correção Se glicemia >350 mg/dl, ad ministrar 5 UI de insulina regular IM de 2/2 horas até a
glicemia <120 mg/dl

Após iniciar alimentação oral, suspende soro e faz avaliação da glicemia em jejum de
manhã e 1 hora após as três principais refeições
Se glicemia <120 mg/dl em três determinações sucessivas, suspender as pesquisas
Após o parto

de glicemia

Se glice mia >200 mg/dl em duas determinações sucessivas, instituir esquema de
insulina de base
* Insulina Regular = Actrapid®, Humulin Regular®, Insuman Rapid®

Quadro 42.3 – DG CONTROLADA COM FÁRMACOS



Não administrar a dose habitual de insulina ou de metformina prescrita durante a
gravidez
Enquanto não ■
Soro polieletrolítico com glicose a 125 ml/hora
se alimenta ■
Avaliação da glicemia capilar a cada 1 hora e administração de insulina regular EV de
normalmente acordo com algoritmo de correção

Insulina regular 50 UI em 50 ml de SF em perfusão EV com débito de acordo com
glicemia capilar (ver “Algoritmo de correção”)
Glicemia capilar (mg/dl): <80 81-100 101-120 121-150 151-200 201-250 251-300 301-350 351-400 >400
Algoritmo de Insulina regular* EV (UI): 0 0,5 1 2 4 6 7 8 9 10
correção Se glice mia >350 mg/dl, ad ministrar 5 UI de insulina regular IM de 2/2 horas até a
glicemia <120 mg/dl

Após dequitadura, suspende soro com insulina, mantendo soro polieletrolítico com
glicose a 125 ml/hora até iniciar alimentação oral

Não ad ministrar a dose habitual de insulina ou de metformina prescrita durante a
gravidez

Enquanto não inicia alimentação oral: avaliação da glicemia capilar a cada 2 horas e
Após o parto administração de insulina regular SC de acordo com algoritmo de correção pós-parto

Após iniciar alimentação oral, suspende soro e faz avaliação da glicemia em jej um de
manhã e 1 hora após as três principais refeições. Administração de insulina regular
SC de acordo co m algoritmo de correção pós-parto

Se glicemia >140 mg/dl em duas avaliações sucessivas, reiniciar dose de insulina ou
metformina prescrita durante a gravidez
(continua)
Diabetes Gestacional 163

(continuação)

Glicemia capilar (mg/dl): <140 141-200 201-250 251-300 301-350 351-400


Algoritmo de Insulina regular SC (UI): 0 3 5 8 10 12
correção no
pós-parto Se glicemia >400 mg/dl, ad ministrar 5 UI de insulina regular IM de 2/2 horas até a
glicemia <160 mg/dl
SF – soro fisiológico.
* Insulina Regular = Actrapid®, Humulin Regular®, Insuman Rapid®

Se hipoglicemia (glicemia ≤70 mg/dl)


■ Suspeitar se a grávida apresentar fome súbita, tremor, palidez, suores, palpi-
tações, taquicardia, astenia, apatia, cefaleia, sonolência ou alterações com-
portamentais. Confirmar com determinação de glicemia capilar;
■ Se a alimentação oral for possível, dar 15 g de açúcar (dois pacotes) diluí-
dos em água ou chá. Se a via oral não for possível administrar 2-4 ampolas
(amps.) EV de soro glicosado hipertónico (amps. de 20 ml de glucose a 30%);
■ Avaliar glicemia 15 minutos depois. Se mantiver a hipoglicemia repete o
procedimento anterior. Se normalizar, dar refeição com hidratos de carbono de
absorção lenta (cereais, vegetais, leguminosas). Contactar Endocrinologia para
reavaliação terapêutica.

Puerpério
■ Pode ser utilizada contraceção progestativa contínua;
■ No dia de alta marcar PTGO com 75 g de glicose para 6-8 semanas após o
parto, uns dias antes da consulta de revisão puerperal, e nesta última proce-
der à reclassificação do diagnóstico, de acordo com a Tabela 42.2.

Tabela 42.2 – RECLASSIFICAçÃO NO PÓS-PARTO (PTGO COM 75 G DE GLICOSE)


Classificação Glicemia mg/dl
Jejum ≥126 ou
Diabetes mellitus
às 2 horas ≥200
Jejum <126 e
Anomalia da tolerância à glicose
às 2 horas 140-200
Anomalia da glicemia em jejum Jejum 110-126

BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA CM, DORES J, RUAS L. Consenso de diabetes gestacional: Atualização 2017. RevPort
Diabetes. 2017;12(1):24-38.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

HOD M, KAPUR A, SACKS DA, et al. The International Federation of Gynecology and Obstetrics
(FIGO) initiative on gestational diabetes mellitus: A pragmatic guide for diagnosis, mana-
gement, and care. Int J Gynecol Obstet. 2015;131(Suppl 3):S173-S211.
INTERNATIONAL ASSOCIATION OF D IABETES AND P REGNANCY STUDY GROUPS CONSENSUS PANEL,
M ETZGER BE, GABBE SG, et al. International association of diabetes and pregnancy study groups
recommendations on the diagnosis and classification of hyperglycemia in pregnancy. Diabetes
Care. 2010;33(3):676-682.
43 CETOACIDOSE DIABÉTICA
M ÓNICA CENTENO , JOANA SOUSA , M ARIA I NÊS A LEXANDRE , ANA C OELHO G OMES

INTRODUÇÃO
A cetoacidose diabética afeta 5-10% das grávidas com diabetes pré-gestacio-
nal, podendo ter uma apresentação diferente e ocorrer com níveis glicémicos
inferiores, comparativamente à restante população diabética. Em consequência
da hiperglicemia grave, ocorre diurese osmótica, da qual resulta depleção mar-
cada do volume plasmático, diminuição da perfusão tecidular e cetoacidose
materna. Da diminuição da perfusão uteroplacentária e da acidose materna
podem resultar hipoxia e acidose fetais. Constitui uma urgência obstétrica, pois
quando não é identificada e tratada adequadamente, associa-se a morte fetal em
~30% dos casos.
Os sintomas e sinais mais frequentes são náuseas e vómitos, astenia, dor
abdominal, poliúria, polidipsia, hiperventilação, hálito cetónico, desidratação
mucocutânea, taquicardia, hipotensão e alteração do estado de consciência
(letargia, défices neurológicos focais, obnubilação).
As alterações laboratoriais incluem: hiperglicemia, acidose metabólica (pH <7,30
e défice de bases >12 mEq/l, HCO 3 >15 mEq/l) e alterações da função renal.
Pode ter vários fatores desencadeadores, sendo os principais: infeção (mais
frequentemente respiratória e urinária), má adesão à terapêutica antidiabética, to-
cólise com simpaticomiméticos e corticoterapia para indução da maturação fetal.

ABORDAGEM CLÍNICA
A abordagem terapêutica é semelhante à preconizada para a população não
grávida e inclui reposição da volemia, correção do desequilíbrio hidroeletrolítico
e da acidose, correção da glicemia e pesquisa e correção de fatores desen-
cadeadores. A cetoacidose diabética não constitui indicação para terminar a
gravidez. A cesariana emergente antes da estabilização da situação deve ser
evitada, pois aumenta a morbilidade materna e está associada a pior desfecho
fetal do que a recuperação in utero. A terminação da gravidez apenas deverá ser
considerada em situações de ausência de resposta à terapêutica e de rápida
deterioração do estado materno-fetal.
Cardiotocografia (CTG) contínua: é frequente ocorrer variabilidade reduzida e
a ausência de acelerações, por vezes também com desacelerações tardias. Estas
alterações geralmente revertem lentamente com a resolução da situação.
Monitorização materna: frequência cardíaca e respiratória, tensão arterial (TA),
eletrocardiograma (ECG) contínuo, oximetria, capnografia. Avaliações analíticas:
glicemia de hora a hora; eletrólitos, osmolaridade e gasimetria arterial cada 1-2
horas, até à estabilização da situação. Se instabilidade hemodinâmica ou pH
arterial <6,90, obter apoio da Medicina Intensiva.
Cetoacidose Diabética 165

Reposição da volemia: colocação de acesso endovenoso (EV), soro fisiológico (SF)


a 0,9% 15-20 ml/kg/hora (1-1,5 l/hora) nas primeiras 2 horas. Após re- posição do
volume intravascular, obter valor corrigido de sódio (Na+) sérico (no contexto da
hiperglicemia é necessário acrescentar 2 mEq ao valor obtido deNa+ sérico, por
cada 100 mg/dl de glicose sérica superior ao valor de 100 mg/
/dl). A fórmula a utilizar é: Na + corrigido = Na + medido + 0,016 × (glicose –
100). Se Na+ sérico corrigido normal ou aumentado, passar para SF a 0,45%, 4-
14 ml/kg/hora. Se Na+ sérico diminuído, manter SF a 0,9%. Adicionar dextrose 5%
ao SF se glicemia ≤200 mg/dl.
Potássio (K+): independentemente do valor inicial de K+, existe frequentemente
défice deste ião. Se K+ <3,3 mEq/l, protelar insulinoterapia e administrar cloreto
de potássio (KCl) 20-40 mEq/hora EV até atingir valor desejado, que deve ser
entre 4,5-5,5 mEq/l. Se K+ entre 3,3-5,3 mEq/l, administrar KCl 20-30 mEq/hora
EV e manter valores K+ entre 4,5-5,5 mEq/l. Se K+ ≥5,3 mEq/l, não administrar KCl
e monitorizar níveis de K+ de 2/2 horas.
Insulina: só deve ser iniciada se valores de K+ ≥3,3 mEq/l (ver “Potássio”). Infusão
contínua 0,14 U/kg/hora EV. Se glicemia não diminuir >50 mg/dl ao fim da
primeira hora, duplicar a dose de infusão de insulina. Se glicemia <200 mg/dl,
reduzir a dose de insulina para 0,002-0,05 U/kg/hora EV. A infusão de insulina
deve ser mantida até à estabilização da situação e glicemia ≤200 mg/
/dl, altura em que deve iniciar insulina subcutânea (SC).
Identificar e tratar possíveis fatores desencadeadores: vómitos incoercíveis, je- jum
prolongado, infeção (respiratória, dentária, pielonefrite, corioamnionite, etc.).

BIBLIOGRAFIA
AMERICAN COLLEGE OF O BSTETRICIAN AND GYNECOLOGISTS . Pregestational diabetes mellitus.
Practice Bulletin no. 201. Obstet Gynecol. 2018;132(6):e228-e248.
CARROL MA, YEOMANS ER. Diabetic ketoacidosis in pregnancy. Crit Care Med. 2005;33 (10
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HAGAY ZJ, WEISSMAN A, LURIE S, et al. Reversal of fetal distress following intensive treatment
of maternal diabetic ketoacidosis. Am J Perinatol. 1994;11(6):430-432.
SIBAI BM, Viteri OA. Diabetic ketoacidosis in pregnancy. Obstet Gynecol. 2014;123(1):167-
178.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS
44 HIPO E HIPERTIROIDISMO
CATARINA REIS DE CARVALHO, M ÓNICA CENTENO, ANA COELHO GOMES, M ARIA INÊS ALEXANDRE

INTRODUÇÃO
Durante a gravidez a glândula tiroideia apresenta alterações fisiológicas, no-
meadamente um aumento de volume e um aumento de ~50% na produção
das hormonas tiroxina (T4) e tri-iodotironina (T3). A maioria destas alterações
é adaptativa, mas nalgumas mulheres ocorre disfunção tiroideia. O rastreio de
doença tiroideia apenas está indicado nas grávidas com fatores de risco: bócio,
antecedentes pessoais ou familiares de disfunção tiroideia, clínica sugestiva de
disfunção tiroideia, tiroidectomia prévia, anticorpos antitiroideus positivos,
diabetes tipo 1 ou outras doenças autoimunes, história de irradiação cervical,
infertilidade, aborto de repetição e utilização de fármacos como lítio ou amioda-
rona. Nestas grávidas, a hormona estimulante da tiroide (TSH) deve ser doseada
e se <0,1 mUI/l ou >2,5 mUI/l, a T4 livre e os anticorpos antitiroideus devem
também ser avaliados. A TSH diminui ligeiramente no 1.º trimestre e apresenta
um aumento progressivo ao longo da restante gravidez (ver Tabela 44.1 para
critérios de diagnóstico).

Tabela 44.1 – CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA O HIPOTIROIDISMO E HIPERTIROIDISMO , CLÍNICO E SUBCLÍNICO


T4 livre
Diagnóstico TSH
1.º trimestre 2.º trimestre 3.º trimestre
Hipotiroidismo clínico >4,0 mUI/l <0,1 ng/dl <0,4 ng/dl
Hipotiroidismo subclínico >4,0 mUI/l 0,1-2,2 ng/dl 0,4-2,2 ng/dl 0,4-5,2 ng/dl
Hipertiroidismo clínico <0,1 mUI/l >2,2 ng/dl >5,2 ng/dl
Hipertiroidismo subclínico <0,1 mUI/l 0,1-2,2 ng/dl 0,4-2,2 ng/dl 0,4-5,2 ng/dl

HIPOTIROIDISMO
A prevalência do hipotiroidismo clínico na gravidez é de 0,3-0,5% e do hipotiroi-
dismo subclínico de 2-3%. Em áreas sem carência de iodo, a tiroidite de Hashi-
moto, caracterizada pela presença de anticorpos antitiroideus (particularmente
antitiroperoxidase) é a principal causa de hipotiroidismo clínico. Os sintomas
são facilmente confundidos com os da gravidez normal: fadiga, obstipação,
intolerância ao frio, cãibras, ganho de peso, edemas, pele seca e queda de cabelo.
O bócio pode estar ou não presente.
O hipotiroidismo clínico não tratado está associado a risco aumentado de
complicações como: aborto espontâneo (~30%), anemia, insuficiência cardíaca,
pré-eclâmpsia, descolamento prematuro de placenta, baixo peso ao nascimento,
hemorragia pós-parto e alterações do desenvolvimento neurocognitivo. O hipoti-
roidismo fetal é raro (~0,0005%).
Hipo e Hipertiroidismo 167

O hipotiroidismo subclínico raramente está associado a complicações obsté-


tricas e, em mulheres saudáveis, é improvável que progrida durante a gravi-
dez. A suplementação com iodo (200 mcg/dia), desde a preconceção até ao
2.º semestre, está indicada em mulheres provenientes de áreas deficientes em
iodo ou com défices nutricionais, como profilaxia do hipotiroidismo gestacio-
nal. As restantes devem ser aconselhadas a utilizar sal iodado (ver protocolo
“2. Vigilância pré-natal de rotina”).

Abordagem clínica
Se o diagnóstico de hipotiroidismo clínico foi anterior à gravidez, deve ser reali- zado
o ajuste pré-concecional da dose de levotiroxina, de modo a obter valores de TSH
≤2,5 mUI/l. É previsível a necessidade de um aumento de 20-50% da dose
prévia, entre as 4-6 semanas de gestação. Quando o hipotiroidismo clínico é
detetado durante a gravidez, deve iniciar-se levotiroxina em dose variável de
acordo com o valor da TSH, ajustando com aumentos progressivos de 25-50%
até serem atingidos os alvos terapêuticos: TSH ≤2,5 mUI/l (ou se anticor-pos
positivos: 1.º trimestre – TSH 0,1-2,5 mUI/l; 2.º e 3.º trimestres – TSH 0,3-
3,0 mUI/l). O tratamento do hipotiroidismo subclínico é mais controverso.
Recomenda-se a terapêutica com levotiroxina se TSH >2,5 mUI/l e anticorpos
antitiroideus positivos, ou se TSH >4 mUI/l independentemente da presença
de anticorpos antitiroideus.
A reavaliação laboratorial (TSH e T4 livre) deve ocorrer 4 semanas após o início
ou o ajuste da terapêutica, ou a cada 6-8 semanas perante estabilidade clíni-
ca. A restante vigilância da gravidez, incluindo indicação para monitorização
fetal anteparto, indução e tipo de parto, regem-se por critérios obstétricos. No
puerpério, deve ser retomada a dose pré-concecional. Caso a medicação se tenha
iniciado durante a gravidez, a decisão de a suspender depende do valor inicial de
TSH e do título dos anticorpos antitiroideus, sendo segura nos casosem que a
dose de levotiroxina é ≤50 mcg/dia. Está indicada a reavaliação da função
tiroideia 6 semanas após o parto. Não existe contraindicação para a
amamentação.

HIPERTIROIDISMO
A prevalência do hipertiroidismo clínico na gravidez é de 0,1-0,4% e a do hiper-
tiroidismo subclínico é de ~0,6%. O hipertiroidismo geralmente agrava no 1.º
trimestre, melhora no 2.º trimestre e, por vezes, recidiva após o parto. Os prin-
cipais sinais e sintomas associados são ansiedade, irritabilidade, palpitações,
taquicardia, insuficiência cardíaca de alto débito, intolerância ao calor, hipersu-
dorese, aumento do trânsito intestinal, aumento do apetite e perda de peso.
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O hipertiroidismo gestacional associado à hiperemese gravídica é uma situação


autolimitada, abordada em protocolo específico. A doença de Graves é responsá-
vel por ~85% dos casos de hipertiroidismo e é caracterizada pelo aparecimento de
bócio, oftalmopatia, mixedema pré-tibial e thyrotropin receptor antibodies (TRAb)
positivos. Está recomendada a repetição da pesquisa de TRAb no 3.º tri- mestre
para promover despiste das situações de hipertiroidismo fetal/neonatal.
168 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

O hipertiroidismo clínico não tratado pode associar-se a complicações maternas


e fetais: crise tireotóxica, insuficiência cardíaca congestiva, pré-eclâmpsia, aborto
espontâneo, morte fetal, parto pré-termo (PPT), restrição de crescimento fetal (RCF)
e hipertiroidismo fetal/neonatal (1-5%).

Abordagem e tratamento
O hipertiroidismo subclínico não requer tratamento. No hipertiroidismo clínico,
a normalização das hormonas tiroideias com fármacos antitiroideus deve ser
atingida o mais precocemente possível, de preferência nos 3 meses anteriores
à gravidez:
■ Propiltiouracilo: é o fármaco de primeira linha no 1.º trimestre, por se as- sociar
a menor passagem através da placenta. No período pré-concecional a
terapêutica das mulheres tratadas com tiamazol deve ser alterada para
propiltiouracilo. Este associa-se a hepatotoxicidade (0,1-0,2%) e a um risco
baixo de defeitos congénitos (2-3%). A dose inicial deve ser individualizada e
determinada por um endocrinologista;
■ Tiamazol: a evitar no 1.º trimestre por se associar a aplasia cutis congénita
(~0,03%) e a outros defeitos congénitos (2-4% e de maior gravidade do que
os associados ao propiltiouracilo). Caso a grávida tenha anteriormente tomado
propiltiouracilo, a dose inicial deve ser 20 vezes inferior. A dose inicial deve ser
individualizada e determinada por um endocrinologista. O alvo terapêutico é a
obtenção de níveis de T4 livre no limite superior da normalidade nas não
grávidas. Inicialmente a avaliação laboratorial (TSH e T4 livre) deve realizar-se
a cada 2-4 semanas e, após estabilidade clínica, a cada 4-6 semanas. Após o 1.º
trimestre a maioria das grávidas tem indicação para reduzir ou suspender a
medicação, como forma de evitar o hipotiroidismo fetal. A decisão de alterar a
terapêutica de propiltiouracilo para tiamazol após as 16 semanas, para re- duzir
a hepatotoxicidade, é controversa e deve ser individualizada. Ambos os
fármacos se associam, principalmente nos primeiros meses de terapêutica,
a efeitos adversos (3-5%): reações alérgicas, agranulocitose (~0,15%, indica- ção
para suspensão) e insuficiência hepática (<0,1%). Não há evidência de benefício
da monitorização hepática durante o tratamento;
■ Propranolol (10 mg per os (PO) 1-3 vezes/dia): pode ser utilizado por períodos
curtos, para alívio dos sintomas. Na gravidez tardia associa-se a hipoglicemia
neonatal ligeira e transitória, apneia e bradicardia.
A tiroidectomia total, apesar não estar recomendada na doença de Graves, pode
ser considerada no 2.º trimestre no caso de intolerância, incumprimento tera-
pêutico, ou se a função tiroideia não estiver controlada apesar de antitiroideus
em alta dose. O iodo radioativo está contraindicado na gravidez.
A restante vigilância da gravidez, incluindo indicação para monitorização fetal
anteparto, indução e tipo de parto, rege-se apenas por critérios obstétricos.
No parto, se houver uma doença de Graves com TRAb positivos no 3.º trimestre,
hipotiroidismo pós-iodo radioativo/cirurgia à tiroide por doença de Graves ou
história de doença tiroideia não especificada e sem acompanhamento regular,
devem ser pesquisados TRAb no sangue umbilical ou no do recém-nascido (RN).
No puerpério, caso tenha estado medicada no 3.º trimestre, deve manter a
mesma dose de antitiroideu.
Hipo e Hipertiroidismo 169

Nos restantes casos, deve reavaliar a função tiroideia 1-2 meses após o parto
em consulta de Endocrinologia. Não há contraindicação para a amamentação
se a dose de propiltiouracilo for <300 mg/dia e a de tiamazol <20 mg/dia.

BIBLIOGRAFIA
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45 DERMATOSES
SARA RODRIGUES PEREIRA , A NDREIA F ONSECA

INTRODUÇÃO
O presente protocolo descreve as principais dermatoses da gravidez. Para além
destas, existem também alterações cutâneas fisiológicas na gravidez, conse-
quentes a variações hormonais, metabólicas e imunológicas que geralmente não
necessitam de tratamento e revertem após o parto. Incluem-se nesta categoria:
hiperpigmentação (~90%) sobretudo no abdómen, face, axilas, região perimami- lar,
região inguinal, períneo e face interna das coxas; aumento de pigmentação dos
nevos que regride parcialmente nos 12 meses após o parto, mas se opadrão se
modificar deve ser avaliado por Dermatologia; prurido fisiológico do 3.º
trimestre (~20%) sobretudo no couro cabeludo, região umbilical, vulvar e perianal
– se incomodativo podem ser usados emolientes ou corticosteroides tópicos (ver
Quadro 45.1); estrias (~60%) que esbatem após a gravidez mas não desaparecem,
podendo beneficiar com tratamentos dermatológicos; aumento da lipodistrofia
(celulite); telangiectasias (~30%); eritema palmar (~65%); edema da face e das
extremidades; petéquias; crescimento de fibromas, leiomiomas,
dermatofibromas, neurofibromas; miliária, hiperidrose, acne e tubérculos de
Montgomery nas aréolas mamárias; hirsutismo (face, região suprapúbica, braços,
pernas e dorso) que regride até 6 meses após o parto.

PENFIGOIDE GESTACIONAL
O penfigoide gestacional, anteriormente herpes gestacional, ocorre em ~0,02%
das gestações e tem etiologia autoimune (anticorpos maternos contra os anti-
génios do complexo principal de histocompatibilidade classe II, antigénio leuco-
citário humano DR-3 ou DR-4 paternos, que têm reação cruzada com antigénios
da membrana basal de pele). Está associado a maior risco de prematuridade
(~20%) e restrição de crescimento fetal (RCF) (~34%), o qual é proporcional à
gravidade da dermatose. Até 10% dos recém-nascidos (RN) apresentam lesões
cutâneas, secundárias à passagem de anticorpos maternos, que resolvem em
dias ou semanas. Manifesta-se pelo aparecimento, geralmente entre as 21-
-28 semanas, de pápulas e placas urticariformes pruriginosas, em forma de alvo,
com formação subsequente de vesículas e bolhas tensas, com início na região
umbilical e que disseminam de forma centrífuga para as extremidades, podendo
afetar palmas e plantas (Figura 45.1). As mucosas estão tipicamente poupadas.
Numa fase inicial, pode ser indistinguível da erupção polimorfa da gravidez (EPG),
sendo necessária reavaliação posterior. Em ~75% dos casos ocorre agravamento
periparto.
Diagnóstico: a clínica geralmente é suficiente, mas em casos atípicos pode ser
feita determinação dos anticorpos anti-BP180 séricos (aumentados em ~92%
dos casos) ou mesmo a biópsia cutânea com imunofluorescência direta (gold
standard).
Dermatoses 171

Tratamento: os corticosteroides tópicos de alta potência (ver Quadro 45.1)


são a primeira escolha para as lesões pré-bolhosas. No caso de prurido intenso
podem ser associados anti-histamínicos. Na fase bolhosa, ou perante uma gran-
de extensão ou sintomatologia exuberante, devem ser dados corticosteroides
sistémicos – 0,5-1 mg/kg/dia per os (PO) – até 1-2 semanas após supressão
das bolhas. Os corticosteroides sistémicos devem ser novamente considerados
antes do parto, pelo elevado risco de agravamento nesta altura. Em casos gra-
ves é necessário considerar azatioprina, imunoglobulina (Ig) endovenosa (EV) e
plasmaférese. Devido ao risco de RCF, deve ser realizada avaliação ecográfica
adicional às 28 e às 36 semanas.

Figura 45.1 – Lesões abdominais típicas do penfigoide gestacional.

ERUPÇÃO POLIMORFA DA GRAVIDEZ


A EPG, anteriormente conhecida por pápulas e placas urticariformes e prurigi-
nosas da gravidez (PPUPG), ~0,6% das gestações, sendo mais frequente em
primíparas (~73%). A etiologia é desconhecida. Os fatores de risco são o ganho
ponderal excessivo, a gravidez gemelar e a presença de estrias. Não está asso-
ciada a risco materno ou fetal acrescido. Manifesta-se pelo aparecimento no 3.º
trimestre (por vezes no pós-parto) de pápulas e placas urticariformes sobre as
estrias abdominais (Figura 45.2), que se podem estender para as coxas, tronco
e membros, poupando a região periumbilical, a palma das mãos e a planta dos
pés (ao contrário do penfigoide gestacional). Em quase metade dos casos surge
eritema não urticariforme, lesões eczematiformes, lesões com aspeto em alvo
e vesículas de 1-2 mm, mas nunca bolhas. É este aspeto polimorfo que dá o
nome à doença. Resolve espontaneamente em 4-6 semanas ou após o parto.
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Figura 45.2 – Lesões abdominais típicas da erupção polimórfica da gravidez.


172 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Diagnóstico: é apenas clínico. A histologia não é específica e a imunofluo-


rescência direta é negativa, sendo útil apenas para diferenciar do penfigoide
gestacional.
Tratamento: a maioria das doentes não necessita de corticoterapia como estra-
tégia inicial, dada a natureza limitada e benigna da doença. Podem ser usados
emolientes para alívio sintomático, associados a anti-histamínicos em casode
prurido intenso (ver Quadro 45.1). Sendo necessário iniciar corticoterapia tópica,
são preferíveis formulações de potência baixa a moderada. Se a doença for
extensa, considerar corticosteroides sistémicos (0,25-0,5 mg/kg/dia PO) por
períodos inferiores a 4 semanas.

ERUPÇÕES ATÓPICAS DA GRAVIDEZ


São as dermatoses mais frequentes, ocorrendo sobretudo em grávidas com
predisposição pessoal ou familiar para atopia e estão associadas a dermatite
atópica, rinite alérgica e asma. Não conferem risco materno-fetal acrescido.

Eczema atópico da gravidez


Ocorre em ~10% das grávidas.
Habitualmente aparece no 1.º ou 2.º trimestres e caracteriza-se por lesões
papulares ou placas eczematiformes pruriginosas do pescoço, peito ou pregas.
Diagnóstico: é apenas clínico. A histologia é inespecífica. Se houver suspeita
de sobreinfeção bacteriana deve ser realizada cultura de exsudado.
Tratamento: emolientes e corticosteroides tópicos. Se o prurido for intenso,
anti-histamínicos e corticosteroides sistémicos. O tacrolimus e pimecrolimus
tópicos (classe C) e a fototerapia podem ser alternativas, bem como os imu-
nossupressores sistémicos como a ciclosporina e azatioprina.

Prurigo da gravidez
Ocorre em ~0,3% das gestações.
Caracteriza-se pelo aparecimento no 2.º e 3.º trimestres (sobretudo às 25-30
semanas) de pápulas discretas e nódulos escoriados no tronco e superfície
extensora dos membros, ocasionalmente no abdómen. As lesões regridem ge-
ralmente após o parto, mas podem persistir até 3 meses.
Diagnóstico: é apenas clínico. Pode ser confundido com escabiose. A histologia
não é específica e a imunofluorescência direta é negativa.
Tratamento: emolientes e anti-histamínicos. Se a sintomatologia for refratária deve
ser realizada corticoterapia tópica. Nos casos mais graves, pode ser con- siderada
fototerapia com luz ultravioleta B (UVB) de banda estreita.

Foliculite pruriginosa da gravidez


Ocorre em ~0,03% das grávidas.
Habitualmente ocorre no 2.º e 3.º trimestres e caracteriza-se pelo aparecimento
de pápulas e pústulas foliculares pruriginosas, sobretudo do tronco. Resolve 1-2
Dermatoses 173

meses após o parto. Não envolve a face, nem ocorrem comedões, excluindo-se
assim o diagnóstico de acne.
Diagnóstico: é geralmente apenas clínico, mas em casos duvidosos pode ser
confirmado por biópsia (histologia: perifoliculite, foliculite estéril).
Tratamento: emolientes, corticosteroides tópicos e peróxido de benzoílo (p.
ex.: Benzac 5® ). Em casos graves, pode ser considerada a fototerapia.

PSORÍASE PUSTULOSA DA GRAVIDEZ


A psoríase pustulosa da gravidez, anteriormente impetigo herpetiforme, uma
doença muito rara, com poucos casos descritos na literatura. A etiologia é
desconhecida, não estando relacionada com infeção estafilocócica ou herpética.
A doença tem tendência a recorrer em gestações subsequentes. Manifesta-se pelo
aparecimento, no 3.º trimestre, de uma erupção eritemato-pustulosa quese
inicia geralmente nas pregas cutâneas. Evolui de forma simétrica e bilateral com
pústulas que, ao romper, originam erosões e crostas pouco aderentes. Pode
acompanhar-se de febre, calafrios, náuseas, vómitos, diarreia, artralgias, mal-
estar e convulsões.
Diagnóstico: a confirmação histológica é importante devido à gravidade da doen-
ça. A histologia revela pústula subcórnea preenchida por neutrófilos e infiltrado
inflamatório perivascular. Analiticamente: leucocitose com neutrofilia, aumento da
velocidade de sedimentação, hipoalbuminemia e anemia ferropénica.
Tratamento: tem um elevado risco de morte fetal, pelo que se recomenda
internamento hospitalar, cardiotocografia (CTG) 1/turno e ecografia semanal.
Emolientes e corticosteroides sistémicos. Em casos refratários: ciclosporina.
A fototerapia pode ser usada como adjuvante terapêutica. Antibioterapia se
ocorrer sobreinfeção bacteriana.

Quadro 45.1 – PRINCIPAIS MEDICAMENTOS USADOS NAS DERMATOSES



Aveeno Dermexa creme emoliente® (200 ml) – venda livre, aplicação local 3-4
Emolientes vezes/dia

Caladryl Derma creme® (200 g) – venda livre, aplicação local 3-4 vezes/dia
Loratadina (classe B) – venda livre, 10 mg PO 1 vez/dia
Anti-histamínicos


Cetirizina (classe B) – venda livre, 10 mg PO 1 vez/dia

Baixa potência – hidrocortisona creme 10 mg/ml, 30 ml, 2-3 aplicações/dia

Média potência – valerato de dexa metasona creme 1 mg/g 30 ml 2-3 aplica-
ções/dia
Alta potência – valerato de betametasona creme 1 mg/g 30 ml 1-2 aplicações/
Corticosteroides

/dia
tópicos ■
Muito alta potência – propionato de clobetasol cre me 0,5 mg/g 30 ml 1-2 apli-
cações/dia
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(os dois últimos devem ser reservados para casos graves e pelo período mais
curto possível)
Prednisolona (5 ou 20 mg co mp.) – dose inicial 0,5-1 mg/kg PO 1 vez/dia de
Corticosteroides manhã. Dose de manutenção não deve exceder 10-15 mg/dia no 1.º trimestre
sistémicos (aumento ligeiro do risco de fenda labial e fenda palatina). Com terapêutica prolon -
gada em doses elevadas estão descritos RCF e insuficiência suprarrenal do RN
174 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

PARTO E PUERPÉRIO
A via do parto rege-se por critérios obstétricos. A amamentação e a contraceção
hormonal não estão contraindicadas. Existe um ligeiro risco de recorrência do
penfigoide gestacional em mulheres sob contraceção hormonal.

BIBLIOGRAFIA
C HI CC, W ANG SH, C H ARLE S-HOLME S R, et al. Pemphigoid gestationis: early onset and
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2009;160(6):1222-1228.
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ROTH MM. Pregnancy dermatoses: diagnosis, management and controversies. Am J Clin
Dermatol. 2011;12(1):25-41.
EPILEPSIA 46
ALEXANDRA M EIRA, CLÁUDIA ARAÚJO, ISABEL LOUçãO DE AMORIM

INTRODUÇÃO
A epilepsia afeta 0,3-0,6% das gestações, estando associada a um aumento ligeiro
da incidência de aborto espontâneo, parto pré-termo (PPT), doença hi- pertensiva,
hemorragia pós-parto e morte perinatal. A mortalidade materna em grávidas
epiléticas é de ~0,1% e as grávidas com crises tónico-clónicas gene- ralizadas
persistentes (estado de mal epilético) ou recorrentes têm um risco elevado de
hipoxia e morte fetal. A maioria das mulheres mantém a mesma frequência de
crises durante a gravidez, em 8-20% a frequência diminui e em 19-38% aumenta.
A suspensão ou redução voluntária dos fármacos antiepiléticos é parcialmente
responsável pelo aumento da frequência de crises. O risco de o recém-nascido
(RN) vir a desenvolver epilepsia está aumentado quando a mãe, ambos os pais ou
um irmão são afetados, nos casos das epilepsias genéticas, sendo que na maioria
das situações não é possível prever esse risco.

ABORDAGEM CLÍNICA
A utilização de fármacos antiepiléticos implica uma incidência global de malfor-
mações 2-4 vezes superior à da população geral (4-9% vs. 1-3%). As malforma- ções
mais frequentes são: fenda labial e palatina, malformações cardíacas, defei-tos do
tubo neural, anomalias esqueléticas e hipospádias. Caso seja necessário manter
ou iniciar fármacos antiepiléticos, preferir aqueles com menor risco de
teratogenicidade (três primeiros do Quadro 46.1), se possível em monoterapia, na
menor dose eficaz. Evitar os fármacos cujo risco ainda não foi cabalmente
avaliado: gabapentina e oxcarbazepina.

Quadro 46.1 – RISCO DE MALFORMAçÕES MAJOR COM FÁRMACOS ANTIEPILÉTICOS


(comparados com mulheres com epilepsia não medicadas)
Levetiracetam RR = 0,32 (IC95% 0,10-1,07)

Lamotrigina RR = 1,07 (IC95% 0,64-1,77)


Carbamazepina RR = 1,50 (IC95% 1,03-2,19)
Ácido valproico ou valproato RR = 3,13 (IC95% 2,16-4,54)

Topiramato
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RR = 1,99 (IC95% 0,65-6,08)


Fenobarbital RR = 1,95 (IC95% 0,97-3,93)

Fenitoína RR = 2,40 (IC95% 1,42-4,08)


Primidona RR = 2,81 (IC95% 1,13-7,02)
RR = risco relativo; IC95% = intervalo de confiança de 95%.
176 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Preconceção
Abordagem em colaboração com o serviço de Neurologia, de forma a prevenir
as crises epiléticas usando fármacos com menor teratogenicidade (ver Quadro
46.1). Idealmente, a gravidez deve ocorrer em contexto de doença estabilizada,
sem crises convulsivas há pelo menos 6 meses. É seguro suspender os fárma-
cos antiepiléticos após um período de 2 anos sem crises. Uma vez suspensos,
sugere-se um período adicional de 6 meses antes de engravidar. Recomenda-se
suplementação com ácido fólico 1 mg per os (PO) 1 vez/dia. Caso a mulher esteja
medicada com carbamazepina ou ácido valproico está recomendada uma dose de
4 mg PO 1 vez/dia.

Gravidez
■ A vigilância deve ser realizada nas consultas de Medicina Materno-Fetal e
Neurologia;
■ Informar a grávida para, dentro do possível, procurar reduzir os fatores desen-
cadeadores de crises (stress, privação de sono, vómitos, diarreia);
■ Os fármacos antiepiléticos em curso devem geralmente ser mantidos, pelo risco
de crises quando a medicação é alterada, com monitorização trimestral dos
níveis plasmáticos caso esteja sob ácido valproico ou carbamazepina, e
eventual ajuste da dose de forma a manter níveis terapêuticos. A monitori-
zação dos níveis plasmáticos deve também ser realizada na suspeita de não
adesão ou de toxicidade;
■ Manter a suplementação com ácido fólico durante toda a gravidez, na mesma
dose da preconceção (ver “Preconceção”);
■ Ecocardiograma fetal às 21-24 semanas.

Parto
A via de parto rege-se habitualmente por critérios obstétricos. Considerar cesaria-
na programada em mulheres com crises tónico-clónicas generalizadas recorrentes
no último trimestre ou com história de grande mal epilético associado ao stress.
Manter os fármacos antiepiléticos durante o trabalho de parto.

Puerpério
Recomendar cuidados em manter períodos de descanso. As doses eficazes de
fármacos antiepiléticos diminuem no puerpério. No caso de ajuste terapêutico
durante a gravidez, a dose prévia deve ser retomada gradualmente. A amamen-
tação não está contraindicada. Os fármacos antiepiléticos mais utilizados são
detetáveis no leite materno, mas em concentrações geralmente insuficientes para
causarem qualquer efeito no RN.

PERANTE UMA CONVULSÃO


■ Pedir colaboração da Neurologia e quando a crise cessar, assegurar a per-
meabilidade da via aérea;
■ Administrar oxigénio por máscara facial a 100%, iniciando a 15 l/minuto e depois
adaptando à oximetria de pulso;
Epilepsia 177

■ Estabelecer um acesso endovenoso (EV) e administrar: diazepam 10 mg em


bólus EV, seguido de bólus adicionais de 2 mg até perfazer um total de 20 mg;
■ Se crises persistirem: fenitoína 10-20 mg/kg EV a 25-50 mg/minuto – ne-
cessita de eletrocardiograma (ECG) contínuo, ou ácido valproico 10-40 mg/
/kg EV (10 mg/kg/minuto), ou levetiracetam 1-3 g EV durante 15 minutos,
ou lacosamida 200-400 mg EV.

BIBLIOGRAFIA
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© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS
47 ESCLEROSE MÚLTIPLA

ALEXANDRA M EIRA, CLÁUDIA ARAÚJO, PEDRO COELHO, JOãO DIAS FERREIRA

INTRODUÇÃO
A esclerose múltipla é uma doença autoimune que causa inflamação, des-
mielinização e degeneração axonal do sistema nervoso central (SNC). É mais
frequente no sexo feminino e os sintomas iniciam-se em média aos 30 anos.
Em 85-90% dos casos apresenta-se na forma surto-remissão, com episódios
recorrentes de disfunção neurológica, graus variáveis de recuperação clínica e
aumento progressivo dos défices neurológicos. Os sintomas incluem: alterações
piramidais (diminuição da força muscular, incluindo paraparesia e paraplegia),
alterações da sensibilidade (parestesias, dormência, anestesia), alterações cere-
belosas (desequilíbrio, descoordenação motora, nistagmo, disartria), alterações
visuais (diminuição da acuidade, diplopia, escotomas), vertigem, fadiga, cefaleia
e disfunção cognitiva. O diagnóstico é baseado na história clínica e confirmado
por ressonância magnética (RM) e por punção lombar. Durante a gravidez, a
incidência de surtos geralmente diminui, sobretudo no 3.º trimestre, mas tende
a aumentar nos 3 meses pós-parto. A gravidez não tem um impacto significativo
na progressão da doença. Existe um ligeiro aumento na incidência de cesariana,
parto instrumentado e recém-nascidos (RN) leves para a idade gestacional.

ABORDAGEM CLÍNICA
A abordagem clínica deve ter em conta a terapêutica em curso, a duração da
doença e os défices neurológicos existentes, e é realizada em colaboraçãocom
a Neurologia. Os fármacos modificadores da doença visam aumentar os períodos
de remissão, melhorando o prognóstico neurológico a longo prazo (ver Tabela
47.1).

Medicação
Tabela 47.1 – PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS FÁRMACOS MODIFICADORES DA DOENçA
NA E SCLEROSE MÚLTIPLA

Fármaco Categoria Tempo de suspensão Evidência sobre aborto ou


FDA antes da conceção teratogenicidade
1 200 casos descritos na literatura, sem
Interferão beta
C Sem necessidade au mento do risco de aborto ou teratoge-
(Rebif ®, Avonex®)
nicidade
Acetato de 4 000 casos descritos na literatura, se m
glatirâ mero B Sem necessidade au mento do risco de aborto ou teratoge-
(Copaxone ®) nicidade
(continua)
Esclerose Múltipla 179

(continuação)

Fármaco Categoria Tempo de suspensão Evidência sobre aborto ou


FDA antes da conceção teratogenicidade
Fingolimod Aumento do risco de aborto ou teratoge-
C 2 meses
(Gylenia ® ) nicidade
Dados limitados da literatura, mas não pa-
Fumorato de
C Sem necessidade rece existir aumento do risco de aborto ou
dimetilo
malformações
Aconselhada conce-
Teriflunomida ção apenas com Risco elevado de aborto e teratogenici-
X
(Aubagio ®) concentrações do dade
fármaco <0,02 mg/L
Sem aumento do risco de aborto ou tera-
Natalizumab
C 2 meses togenicidade
(Tysabri ®)
Alterações hematológicas ligeiras no RN
Sem evidência de aumento do risco de
aborto ou teratogenicidade
Alemtuzumab
C 4 meses Aumento do risco de tiroidite autoimune
(Lemtrada ®)
materna e tiroidite neonatal por transfe-
rência de anticorpos maternos
Risco de linfopenia e depleção de células
Rituximab C 12 meses
B no RN até 6 meses após o parto
Exposição in utero associada a risco de
Ocrelizumab Ainda sem
12 meses linfopenia e depleção de células B no RN
(Ocrevus ®) classificação
até 6 meses após o parto
Sem aparente aumento do risco de aborto
Cladribina ou teratogenicidade (outros inibidores da
D 6 meses
(Mavenclad ®) síntese de DNA foram associados a tera-
togenicidade)
FDA – Food and Drug Administration.

Existem novos fármacos aprovados para a esclerose múltipla (siponimod, ofatu-


mumab) para os quais ainda não existem dados suficientes relativamente aos seus
efeitos na gravidez.

Preconceção
Os fármacos modificadores de doença só devem ser considerados em precon-
ceção e durante a gravidez quando existe doença muito ativa ou elevado risco
de recidiva com a suspensão. Assim, na maioria dos casos é aconselhado sus-
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

pender o fármaco modificador da doença. Quando isto não é possível devem ser
considerados os fármacos mais seguros e com adequado tempo de suspensão
preconceção (ver Tabela 47.1).
180 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Gravidez
Vigilância nas consultas de Medicina Materno-Fetal e Neurologia, com ajuste de
fármacos se necessário (ver Tabela 47.1). Vigilância obstétrica semelhante à
da gravidez de baixo risco, exceto se houver necessidade de utilizar fármacos com
menor perfil de segurança. Podem ser utilizados corticosteroides – me-
tilprednisolona ou prednisolona endovenosa (EV) – e imunoglobulina (Ig) para
tratamento de surtos durante a gravidez, em baixa dose e por períodos curtos.

Parto
A decisão da via de parto necessita de ter em conta a condição neurológica,
incluindo a força muscular e o grau de espasticidade. A analgesia epidural não
está contraindicada.

Puerpério
Nas mulheres com coordenação neurológica suficiente, não existe contraindi-
cação para a amamentação e esta não influencia a atividade da doença no pós-
parto. O acetato de glatirâmero, o interferão beta e os corticosteroides podem
ser utilizados durante o período de amamentação, sendo os restantes fármacos
desaconselhados ou contraindicados.

BIBLIOGRAFIA
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MIASTENIA GRAVIS 48
M ARIANA PIMENTA, CLÁUDIA ARAÚJO

INTRODUÇÃO
A miastenia gravis é uma doença autoimune rara, caracterizada por disfunção da
transmissão neuromuscular nos músculos esqueléticos, que se manifesta por
episódios de fraqueza e fadiga muscular. É mais frequente no sexo feminino e
entre os 20-40 anos. Existem duas formas da doença: a forma ocular, que atinge
os músculos oculares extrínsecos e palpebrais, e a forma generalizada que, para
além destes, atinge os músculos das extremidades, bulbares e respiratórios.
A miastenia gravis pode manifestar-se inicialmente pela forma ocular e depois
progredir para a forma generalizada. Fala-se em crise miasténica quando ocorre
insuficiência respiratória. Esta doença pode estar associada a outras doenças
autoimunes e a anomalias do timo (hiperplasia e timoma). O quadro clínico
pode incluir ptose, diplopia (sintomas iniciais em ~50% dos casos), disfagia,
disartria, défice de força muscular nas extremidades e dificuldade respiratória. As
manifestações são habitualmente intermitentes e agravam com o uso muscular
repetitivo. O diagnóstico é baseado na clínica e confirmado pelo doseamento de
autoanticorpos (anti-AChR – anti-acetylcholine receptor, e anti-MuSK – anti-muscle
specific kinase), estudos de eletrofisiologia e eletromiografia. A gravidez não afeta
o prognóstico da doença, mas durante a gestação ocorre exacerbação clínica
em ~40% dos casos, remissão em ~30% e estabilidade clínica nos restantes.
O comportamento da doença é frequentemente diferente em gestações suces-
sivas. As exacerbações tendem a ocorrer mais no 1.º trimestre e no puerpério.
Existe acréscimo de risco de rotura prematura de membranas (RPM) (sobretudo
com o uso de corticoterapia no 1.º trimestre), morbilidade e mortalidade ma-
ternas. O risco de morte materna é inversamente proporcional à duração da
doença (risco máximo no primeiro ano de doença).

ABORDAGEM CLÍNICA
Medicação
■ O metotrexato e o micofenolato de mofetil têm efeito teratogénico conhecido e
devem ser descontinuados por um período mínimo de 3 meses antes da
gravidez;
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

■ A piridostigmina atravessa pouco a barreira placentária e não há registo de


associação com malformações fetais. É também segura na amamentação (<0,1%
passa para o leite materno). Pode ser necessário um aumento nadose. A
formulação endovenosa (EV) corresponde a um terço da dose oral;
■ A prednisolona é o corticosteroide de eleição porque é metabolizada na pla-
centa e apenas 10% atinge a circulação fetal, se a dose diária for <20 mg.
É também segura na amamentação;
182 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

■ A azatioprina é considerada segura na gravidez e amamentação, porque o fígado


fetal não tem capacidade para metabolizar o fármaco nos seus me- tabolitos
ativos;
■ O tacrolimus é considerado seguro na gravidez e na amamentação, mas parece
condicionar um risco ligeiramente maior de diabetes gestacional (DG)e doença
hipertensiva;
■ A ciclosporina não é teratogénica, mas deve ser evitada durante a amamen-
tação;
■ A imunoglobulina (Ig) EV e a plasmaférese são seguras na gravidez e ama-
mentação;
■ Os relaxantes musculares devem ser evitados, pois agravam os efeitos da
doença;
■ A petidina e outros opioides devem ser evitados pelo efeito depressor res-
piratório;
■ O sulfato de magnésio também condiciona bloqueio neuromuscular e deve
ser evitado. Na eclâmpsia pode ser considerado, depois de asseguradas
condições para ventilação mecânica (decisão conjunta com Anestesiologia e
Neurologia). Para profilaxia de novas convulsões deve ponderar-se o uso de
levetiracetam ou fenitoína;
■ Os betabloqueadores e antagonistas dos canais de cálcio podem causar
exacerbação da doença, devendo preferir-se como anti-hipertensivo a alfa-me-
tildopa. O labetalol pode ser usado na crise hipertensiva, após assegurada
uma adequada monitorização respiratória (decisão conjunta com Anestesiologia
e Neurologia);
■ Os fármacos depressores respiratórios (benzodiazepinas, sedativos) e os
aminoglicosídeos (p. ex., gentamicina), podem causar exacerbação da doença
e só devem ser usados depois de assegurada uma adequada monitorização
respiratória (decisão conjunta com Anestesiologia e Neurologia).

Preconceção
A orientação deve ser realizada em conjunto com a Neurologia, planeando a
gravidez após estabilização da doença e otimização da terapêutica. A gravidez
deve ser desaconselhada no primeiro ano após o diagnóstico ou quando adoença
ainda não está controlada. É importante avaliar a função tiroideia e dosear os
anticorpos antitiroideus, para garantir uma função tiroideia normal antes da
gravidez. Havendo indicação para timectomia, esta deve ser realizada antes da
gravidez.

Gravidez
Avaliar a função tiroideia (se não foi avaliada no período pré-concecional) e
realizar um eletrocardiograma (ECG). Manter terapêutica em curso, exceto se
estiverem a ser usados fármacos teratogénicos (ver "Medicação"). A vacina
antipneumocócica deve ser aconselhada às grávidas que fazem imunossupres-
sores. As infeções devem ser prontamente tratadas. Agendar uma consulta de
Anestesiologia pré-parto.
Miastenia Gravis 183

Parto

A via de parto rege-se por critérios obstétricos. As grávidas medicadas com


prednisolona em dose ≥7,5 mg/dia durante mais de 2 semanas devem ser
medicadas com hidrocortisona 100 mg EV no início do trabalho de parto.
A analgesia locorregional deve ser encorajada como forma de evitar o stress
prolongado e a fadiga muscular. Não é de esperar alterações no primeiro período
do trabalho de parto, uma vez que as contrações têm origem no músculo liso
uterino. No segundo período pode ser necessário recorrer ao parto instrumen-
tado por fadiga muscular. A Neonatologia deve ser alertada na altura do nas-
cimento porque em 9-30% dos casos ocorre uma forma transitória de miastenia
gravis neonatal, relacionada com a presença de autoanticorpos maternos em
circulação. A incidência desta situação é independente do grau de controlo da
doença materna e, quando presente, não significa que o recém-nascido (RN)
venha a desenvolver a doença.

Puerpério
No puerpério imediato existe maior risco de exacerbação da doença, pelo que
deve ser considerada a monitorização durante 24 horas numa Unidade de
Cuidados Intensivos (a decidir em conjunto com Neurologia e Anestesiologia),
particularmente se ocorreu uma cirurgia ou infeção. A amamentação deve ser
incentivada, se não houver fadiga muscular que a impossibilite, estando contrain-
dicada se a puérpera estiver a tomar ciclosporina, metotrexato ou micofenolato
de mofetil (ver "Medicação").

BIBLIOGRAFIA
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IDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS
49 HEPATITE AUTOIMUNE

CLÁUDIA ARAÚJO

INTRODUÇÃO
A hepatite autoimune é uma doença inflamatória crónica, caracterizada pela
destruição progressiva do parênquima hepático, que pode evoluir para cirrose e
falência hepática. A incidência é de ~0,017%, ocorrendo sobretudo em mulheres
em idade reprodutiva. As manifestações clínicas mais frequentes são fadiga,
anorexia, náuseas e dor abdominal. O diagnóstico baseia-se nas seguintes altera-
ções laboratoriais: aumento das transaminases, hipergamaglobulinemia, presença de
anticorpos antinucleares (ANA), antimúsculo liso (SMA), antiantigénio solúvel do
fígado/fígado-pâncreas (anti-SLA/LP), e anticitoplasma de neutrófilos (ANCA).O
diagnóstico implica a exclusão de doenças hepáticas de etiologia genética, viral,
alcoólica e medicamentosa. Por vezes existe confirmação histológica da hepatite.
É frequente a presença concomitante de doenças autoimunes extra-
-hepáticas (tiroidite e síndrome de Sjögren). A resposta aos imunossupressores
também é útil na confirmação do diagnóstico. A doença hepática com cirrose está
associada a infertilidade, mas o tratamento imunossupressor tornou a gravidez
mais frequente. A gravidez está associada a maior risco de aborto espontâneo,
parto pré-termo (PPT) e recém-nascidos (RN) leves para a idade gestacional.

ABORDAGEM CLÍNICA
Preconceção
O aconselhamento deve ser realizado em conjunto com a Gastroenterologia.
Os fármacos imunossupressores são essenciais para controlar a sintomato-
logia e evitar a progressão da doença. Privilegiar os fármacos mais seguros
na gravidez e amamentação – ver categoria da Food and Drug Administration (FDA)
no Quadro 49.1. Desincentivar a gravidez até a doença estar em remis-são
(ausência de sintomas, níveis normais de transaminases e ausência de
hipergamaglobulinemia).

Quadro 49.1 – PRINCIPAIS MEDICAMENTOS UTILIZADOS NA HEPATITE AUTOIMUNE


E A R ESPETIVA CATEGORIA FDA DE S EGURANçA NA GRAVIDEZ
Fármacos Classe
Sulfassalazina
B
Biológicos (adalimumab, anacinra, certolizumab, etanercept, golimumab, infliximab, ustecinumab)
Hidroxicloroquina, ciclosporina, tacrolimus
C
Biológicos (abatacept, natalizumab, rituximab, tocilizumab)
Azatioprina, ciclofosfamida, prednisolona, d-penicilamina, mercaptopurina, micofenolato de mofetil D
Metotrexato, leflunomida X
Hepatite Autoimune 185

Gravidez

■ Vigilância nas consultas de Medicina Materno-Fetal e Gastroenterologia, com


ajuste de fármacos se necessário (ver Quadro 49.1);
■ Avaliação analítica trimestral da função hepática: aspartato aminotransferase
(AST), alanina aminotransferase (ALT), gama-glutamil transferase (GGT), fosfa-
tase alcalina, eletroforese das proteínas, tempo de tromboplastina parcial ati- vada
(aPTT), tempo de protrombina (TP), e international normalised ratio (INR);
■ Ecografia morfológica precoce às 18 semanas se tiverem sido utilizados
fármacos teratogénicos;
■ Nas grávidas com cirrose hepática recomenda-se a realização de endoscopia
digestiva alta no 2.º trimestre para exclusão da existência de varizes esofá-
gicas (a acordar com a Gastroenterologia);
■ Ecografias adicionais às 28 e 36 semanas para rastreio da restrição de
crescimento fetal (RCF).

Parto
Na doença bem controlada e sem cirrose hepática, a via do parto depende apenas
de critérios obstétricos. Nas grávidas com cirrose hepática e varizes esofágicas é
mais seguro o parto por cesariana.

Puerpério
Manter terapêutica imunossupressora. A terapêutica com prednisolona e aza-
tioprina não contraindica a amamentação.

BIBLIOGRAFIA
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50 LÚPUS ERITEMATOSO SISTÉMICO E
SÍNDROME DE SJÖGREN

M ÓNICA CENTENO, LUÍSA PINTO, SUSANA CAPELA

INTRODUÇÃO
O lúpus eritematoso sistémico e a síndrome de Sjögren correspondem a duas
situações de causa autoimune que podem associar-se a complicações específi- cas
durante a gravidez, pelo que a sua abordagem multidisciplinar é fundamentalpara
a obtenção de uma gravidez com sucesso.

LÚPUS ERITEMATOSO SISTÉMICO


O lúpus eritematoso sistémico (LES) é uma doença autoimune que afeta maio-
ritariamente mulheres em idade reprodutiva, tendo uma prevalência de 0,05-
-0,14%. A gravidez predispõe a um aumento da atividade lúpica, com taxas de
exacerbação de ~60%, se a doença se encontrar ativa no momento da conce- ção.
A probabilidade de complicações obstétricas é superior nestas doentes: pré-
eclâmpsia (16-30%), restrição de crescimento fetal (RCF) (10-30%) e parto pré-
termo (PPT) (~30%), maioritariamente iatrogénico. O diagnóstico de LES faz-se
perante a presença de pelo menos quatro critérios (obrigatoriamente um clínico
e um imunológico) ou de nefrite lúpica confirmada em biópsia na presença de
anticorpos antinucleares ou anti-DNA.

Critérios clínicos
■ Lúpus cutâneo agudo ou subagudo;
■ Lúpus cutâneo crónico;
■ Úlceras orais e/ou nasofaríngeas na ausência de outras causas;
■ Alopecia na ausência de outras causas;
■ Artrite não erosiva de duas ou mais articulações periféricas;
■ Serosite (pleurite ou pericardite);
■ Proteinúria >0,5 g/24 horas ou presença de cilindros celulares no exame
microscópico de urina;
■ Alterações neurológicas: convulsões, psicose, neuropatia, mielite, estado con-
fusional agudo;
■ Anemia hemolítica;
■ Leucopenia (<4 000/mm3) ou linfopenia (<1 000/mm3 );
■ Trombocitopenia (<100 000/mm3) na ausência de medicação que o justifique.

Critérios imunológicos
■ Anticorpos antinuclear positivo;
■ Anticorpos anti-DNA double strand (anti-DNAds) positivo;
■ Anticorpos anti-Smith (anti-Sm, pequenas ribonucleoproteínas nucleares) po-
sitivo;
Lúpus Eritematoso Sistémico e Síndrome de Sjögren 187

■ Anticorpos antifosfolípidos positivos (anticorpos anticardiolipina IgM ou IgG;


anticorpos anti-2-glicoproteína IgM ou IgG; anticoagulante lúpico ou venereal
disease research laboratory (VDRL) falso positivo para sífilis);
■ Baixos níveis de complemento (C3, C4 ou CH50);
■ Teste de Coombs direto positivo na ausência de anemia hemolítica.

Abordagem clínica
Os imunossupressores são essenciais para controlar a sintomatologia.

Preconceção
A gravidez deve ser desaconselhada se: hipertensão pulmonar grave (pressão
sistólica na artéria pulmonar >50 mmHg) ou sintomática; doença pulmonar
restritiva grave; insuficiência cardíaca grave; insuficiência renal crónica (creati-
nina (Cr) >2,8 mg/dl); acidente vascular cerebral nos 6 meses anteriores, flare
lúpico grave nos 6 meses anteriores. Idealmente, as mulheres com LES devem
ter a doença inativa durante pelo menos 3 meses antes de engravidarem. Na
avaliação pré-concecional, otimizar a terapêutica, prescrevendo fármacos que
possam ser continuados durante a gravidez. Os imunossupressores mais utili-
zados são os corticosteroides, tacrolimus, ciclosporina e azatioprina. A hidroxi-
cloroquina diminui a ocorrência de flares e melhora os desfechos obstétricos,
nomeadamente diminuindo o risco de bloqueio cardíaco congénito em grávidas
com anticorpos anti-SSA/SSB positivos. O micofenolato de mofetil deve ser sus-
penso 6 semanas antes da gestação e o metotrexato e ciclofosfamida devem
ser suspensos 3 meses antes.

Gravidez
■A vigilância deve ocorrer na consulta de Medicina Materno-Fetal, com apoio
de reumatologista/internista e, se necessário, de nefrologista;
■Consultas mensais até às 28 semanas, quinzenais até às 34 semanas e,
posteriormente, semanais. O esquema pode necessitar de ser ajustado pe-
rante o aparecimento de complicações maternas ou fetais;
■Ácido acetilsalicílico (AAS) 150 mg per os (PO) 1 vez/dia ao deitar, a iniciar
entre as 11-15+6 semanas (até às 36 semanas, ao parto ou ao desenvolvi- mento
de pré-eclâmpsia) se não tiver feito rastreio da pré-eclâmpsia;
■Ver medicação imunossupressora;
■Nas grávidas sob terapêutica crónica com corticosteroides ou heparina de
baixo peso molecular (HBPM) é recomendada a suplementação com cálcio
1 500 mg PO 1 vez/dia, vitamina D 100 UI PO 1 vez/dia e encorajado o exercício
físico regular;
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

■ Análises adicionais: no 1.º trimestre – transaminases, hormona estimulante

da tiroide (TSH), T4 livre, anticorpos antifosfolípidos, anticorpos anti-Ro/SSA


e anti-La/SSB. Em cada trimestre – Cr, anticorpos anti-DNAds, complemento
(C3, C4, CH50) e exame sumário de urina;
■ Ecocardiograma fetal se anticorpos anti-Ro/SSA ou anti-La/SSB positivos;

■ Ecografias adicionais às 28 e 36 semanas;

■ Cardiotocografia (CTG) semanal a partir das 34 semanas;


188 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

■ Na ausência de complicações, programar terminação da gravidez para as 39


semanas, sendo a via de parto determinada por critérios obstétricos.

Situações particulares
Presença de anticorpos anti-Ro/SSA ou anti-La/SSB
Ocorre em ~33% dos pacientes com LES, conferindo um risco aumentado de
lúpus neonatal (3-5%), que pode incluir rash cutâneo, anemia, leucopenia, trom-
bocitopenia, disfunção hepática e bloqueio cardíaco congénito (~2%, 15-20% se
já tiver ocorrido em filho anterior) por miocardite e fibrose do nódulo auriculo-
ventricular e feixe de His. Se houver progressão para bloqueio auriculoventricular
completo (3.º grau), o risco de hidrópsia fetal é de 40-60% e a mortalidade
perinatal de 45-50%. Em ~80% dos casos há necessidade de colocar um pace-
maker pós-natal. Recomenda-se ecocardiograma fetal quinzenal entre as 18-27
semanas (auscultação nas semanas alternadas) e às 32 semanas medição
ecográfica do intervalo PR (normal: 90-50 ms). No caso de deteção de bloqueio
auriculoventricular de 1.º ou 2.º grau, iniciar dexametasona 4-6 mg PO 1 vez/
/dia, a qual diminui a progressão da doença. No caso de bloqueio de 3.º grau
ou hidrópsia fetal, programar cesariana se >34 semanas, contactando Neona-
tologia para eventual necessidade de colocação de pacemaker.

Nefrite lúpica
O diagnóstico diferencial entre nefrite lúpica e pré-eclâmpsia pode ser difícil
no contexto de LES. Os principais fatores discriminatórios estão expostos na
Tabela 50.1. A nefrite lúpica deve ser tratada com corticosteroides e um imu-
nossupressor como a azatioprina. Caso ocorra deterioração progressiva, pode
ser necessário terminar a gravidez.

Tabela 50.1 – PRINCIPAIS FATORES DISCRIMINATÓRIOS ENTRE A NEFRITE LÚPICA E A PRÉ-ECLÂMPSIA


Nefrite lúpica Pré-eclâmpsia
TA Normal-alta Alta
Início da HTA Qualquer altura >20 semanas
Proteinúria Presente Presente
Sedimento urinário Hematúria, cilindrúria Normal
Ácido úrico Normal Elevado
Anticorpos anti-DNAds Aumentados Normais
Complemento Diminuído Normal
Atividade lúpica extrarrenal Pode estar presente Ausente
Doppler das artérias uterinas Pode ser normal Alterado
sFlt-1/PLGF Normal Aumentado
TA – tensão arterial; HTA – hipertensão arterial; Anticorpos anti-DNAds = anticorpos anti DNA double strand; sFlt-1 = soluble
fms-like tyrosine kinase-1; PLGF = placental growth factor.
Lúpus Eritematoso Sistémico e Síndrome de Sjögren 189

Parto

Se a grávida estiver medicada com prednisolona em dose >7,5 mg/dia (ou cor-
ticosteroide equivalente) há >3 semanas, durante o trabalho de parto/cesariana
deve ser administrada hidrocortisona 100 mg endovenosa (EV) toma única +
50 mg EV 8/8 horas durante 24 horas para prevenir uma crise suprarrenal
aguda.

Puerpério
Pode ser usada contraceção progestativa oral com desogestrel, dispositivo
intrauterino (DIU) com levonorgestrel ou implante subcutâneo.

SÍNDROME DE SJÖGREN
A síndrome de Sjögren é uma doença autoimune rara que afeta primariamente as
glândulas lacrimais e salivares, com infiltração linfocítica extensa das mesmas.
Caracteriza-se por uma diminuição na produção de lágrimas e saliva (queratocon-
juntivite sicca ou síndrome sicca). Acompanha frequentemente outras doenças
autoimunes e a gravidez não parece afetar o curso da doença. Associa-se à
produção de vários anticorpos como o fator reumatoide, anticorpos antinucleares
(ANA), anticorpos anti-Ro/SSA e anti-La/SSB. Estes últimos são os mais espe-
cíficos desta síndrome, encontrando-se em ~80% dos doentes. O principal risco
durante a gravidez é a ocorrência de bloqueio cardíaco congénito condicionado
pela presença destes anticorpos (ver "Presença de anticorpos anti-Ro/SSA ou anti-
La/SSB"). O momento e a via do parto regem-se por critérios obstétricos.

BIBLIOGRAFIA
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51 SÍNDROME DE ANTICORPOS ANTIFOSFOLÍPIDOS

LUÍSA PINTO, M ÓNICA CENTENO

INTRODUÇÃO
O termo síndrome de anticorpos antifosfolípidos (SAAF) designa uma situação
autoimune adquirida que associa a presença de anticorpos antifosfolípidos (AAF)
com fenómenos tromboembólicos ou desfechos obstétricos adversos.
Pode ocorrer na ausência ou na presença de outra doença autoimune (p. ex.,
lúpus eritematoso sistémico (LES) ou síndrome de Sjögren). O SAAF associa-se
a doença trombótica em 5-12% dos casos, sobretudo no compartimento veno-
so (65-70%), sendo que as tromboses podem ocorrer em localização atípica (p.
ex., retina, mesentérica, subclávia); pré-eclâmpsia em 14-18%; trombocito- penia
autoimune em 40-50%, a qual requer diagnóstico diferencial com púrpura
trombocitopénica imune (PTI) e trombocitopenia induzida pela heparina; restrição
de crescimento fetal (RCF) em 15-30% e parto pré-termo (PPT) em ~33%. A pro-
babilidade de complicações é menor se a gravidez tiver início na ausência de
sintomas e se os níveis de AAF forem baixos, e aumenta se existir positividade
para mais do que um AAF.
Os AAF estão presentes em ~2% das mulheres saudáveis e a sua presençaisolada
tem um baixo valor preditivo para a ocorrência de desfechos obstétricos adversos.
Por outro lado, 5-20% das mulheres com aborto recorrente têm AAF (ver protocolo
“10. Aborto recorrente”). Devem ser pedidos AAF a todas as mulheres com história
de tromboembolismo, aborto recorrente, morte fetal, RCFe pré-eclâmpsia grave
com início <34 semanas. Não devem ser pedidos AAF a mulheres que têm apenas
trombocitopenia, amaurose fugaz, ou livedo reticular. O diagnóstico de SAAF
baseia-se na presença de, pelo menos, um critério clínico e um critério
laboratorial dos descritos seguidamente, sendo que os mesmos não podem distar
>5 anos entre si.

Critérios clínicos
■ ≥1 episódios de trombose arterial, venosa ou dos pequenos vasos, afetando
qualquer tecido ou órgão (confirmados por exames de imagem, Doppler ou
histopatologia) – SAAF trombótico;
■ ≥1 mortes fetais inexplicadas com ≥10 semanas de gestação, sem altera- ções
morfológicas (documentado por ecografia ou exame anátomo-patológico)
– SAAF obstétrico;
■ ≥1 partos prematuros de recém-nascidos (RN) morfologicamente normais com
≤34 semanas de gestação, por pré-eclâmpsia grave ou achados compatíveis
com insuficiência placentária – SAAF obstétrico;
■ ≥3 abortos consecutivos, espontâneos e não explicados com <10 semanas
de gestação (excluídas malformações uterinas, alterações hormonais ou ano-
malias cromossómicas) – SAAF obstétrico.
Síndrome de Anticorpos Antifosfolípidos 191

Critérios laboratoriais (presentes em ≥2 ocasiões com pelo menos 12 semanas


de intervalo)
■ Anticoagulante lúpico no plasma;
■ Anticorpos anticardiolipina (IgG ou IgM) no soro ou plasma – GPL (fosfolípidos
G) ou MPL (fosfolípidos M) >40 ou >p99;
■ Anticorpos anti-β2-glicoproteína 1 (IgG ou IgM) no soro ou plasma em níveis
>p99.

ABORDAGEM CLÍNICA
Gravidez
■ Logo que confirmada a viabilidade fetal, iniciar heparina de baixo peso mole-
cular (HBPM) (ver doses no protocolo “39. Tromboembolismo venoso – profi-
laxia”) e ácido acetilsalicílico (AAS) 150 mg per os (PO) 1 vez/dia ao deitar,
de acordo com a história clínica e os achados laboratoriais (Tabela 51.1.);

Tabela 51.1 – T RATAMENTOS RECOMENDADOS NA GRAVIDEZ E PUERPÉRIO , DE ACORDO COM OS VÁRIOS


TIPOS DE SAAF
Tipos de SAAF Gravidez Puerpério
SAAF obstétrico (aborto recor- AAS + HBPM profilática durante
AAS + HBPM profilática
rente ou perda fetal) 10 dias
SAAF obstétrico por outros cri- AAS + HBPM profilática durante
AAS
térios 10 dias
SAAF tro mbótico (atual ou pas- HBPM terapêutica 6 semanas +
AAS + HBPM terapêutica
sado) referenciar
AAF isolados (se m critérios de AAS + HBPM profilática durante
AAS*
SAAF) 10 dias
*Considerar a adição de HBPM em dose profilática em situações de dupla ou tripla positividade dos AAF, ou quando os títulos
de anticorpos são muito elevados.

■ A terapêutica prolongada com HBPM está associada a uma diminuição da massa


óssea, pelo que deve ser feita suplementação com cálcio 1 500 mg PO 1
vez/dia, vitamina D 100 UI PO 1 vez/dia e encorajado o exercício físico regular;
■ As consultas devem ser mensais até às 24 semanas, quinzenais até às 32-
-34 semanas e semanais depois;
■ Pedir ecografia suplementar às 28 e 36 semanas;
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

■ Recomendar contagem formal dos movimentos fetais após as 24+0 semanas e


cardiotocografia (CTG) semanal após as 34+0 semanas;
■ Recomendar indução do trabalho de parto às 39 semanas. A decisão da via de
parto rege-se por critérios obstétricos.
192 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Puerpério
Tal como noutras doenças autoimunes, pode ocorrer uma exacerbação neste
período. Manter terapêutica de acordo com a Tabela 51.1. Pode ser usada
contraceção progestativa oral com desogestrel, dispositivo intrauterino (DIU)
com levonorgestrel ou implante subcutâneo.

BIBLIOGRAFIA
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2011.
INFEÇÕES DO TRATO URINÁRIO 52
RITA M ENDES SILVA , L UÍSA PINTO

INTRODUÇÃO
As infeções do trato urinário (ITU) afetam ~10% das gestações e incluem a
bacteriúria assintomática, a cistite aguda e a pielonefrite aguda. Quando não
tratadas, a bacteriúria assintomática e a pielonefrite aguda associam-se a parto
pré-termo (PPT) em ~25% dos casos. Os agentes etiológicos na mulher grávi-
da são semelhantes aos encontrados na não grávida, sendo o mais frequen-
te a Escherichia coli (63-85%), seguida do Streptococcus do grupo B (7-30%),
Klebsiella pneumoniae (3%), Enterobacter (3%) e Proteus mirabilis (2%). Os perfis
de resistência antibiótica são também idênticos.

BACTERIÚRIA ASSINTOMÁTICA
A incidência na gravidez é de 2-10%. Uma vez que não existem sintomas, o
diagnóstico baseia-se na presença de bacteriúria significativa na urocultura:
≥105 unidades formadoras de colónias (UFC)/ml numa amostra colhida por micção
ou ≥102 UFC/ml numa amostra colhida por cateterização vesical. No caso do
Streptococcus do grupo B, deve ser valorizada bacteriúria ≥104 UFC/ml. O
tratamento é baseado no teste de sensibilidade aos antibióticos (TSA)e na
segurança do fármaco na gravidez, devendo ter uma duração de 3-5 dias (Tabela
52.1). Associa-se a uma redução de 80% na evolução para pielonefrite. A
urocultura deve ser repetida 1 semana após o término do tratamento.

Tabela 52.1 – PRINCIPAIS ANTIBIÓTICOS USADOS PARA TRATAMENTO DAS I NFEçÕES DO T RATO URINÁRIO
NA G RAVIDEZ
Fármaco Posologia Notas
Fosfomicina 3 g PO, toma única –
Cefradina 500 mg PO 12/12 horas, 5 dias Ou outra cefalosporina de 1.ª ou
Cefuroxima 500 mg PO 12/12 horas, 5 dias 2.ª geração

Evitar se: deficiência de glico-


Nitrofurantoína 100 mg PO 6/6 horas, 5 dias se-6-fosfato desidrogenase, 1.º
trimestre ou ≥36 semanas
875/125 mg PO 12/12 horas, Evitar como abordage m e mpí-
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

Amoxicilina + ácido clavulânico


5 dias rica
160/800 mg PO 12/12 horas, Não utilizar no 1.º trimestre e
Trimetoprim + sulfametoxazol
5 dias ≥36 semanas
PO = per os.
194 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Bacteriúria persistente
O diagnóstico estabelece-se quando na urocultura de controlo se documenta
bacteriúria (≥105 UFC/m) com a mesma estirpe. O tratamento deve ser efetuado
com o mesmo antibiótico durante 7 dias ou com outro antibiótico durante 3-5
dias, de acordo com o TSA. A urocultura deve ser repetida 1 semana após o
término do tratamento. Se a bacteriúria persistir após dois ciclos de antibiótico,
deve ser iniciada terapêutica profilática diária ao deitar, de acordo com TSA (p.
ex., amoxicilina 500 mg PO, cefradina 500 mg PO, nitrofurantoína 100 mg PO).
Repetir urocultura no 2.º e 3.º trimestres e, se bacteriúria persistir, efetuar
tratamento antibiótico dirigido durante 7 dias.

Bacteriúria recorrente
O diagnóstico baseia-se na identificação de outra estirpe bacteriana na uro-
cultura de controlo ou na presença de bacteriúria significativa após uma uro-
cultura negativa. Deve ser tratada como um primeiro episódio de bacteriúria, com
ajuste ao TSA. Se houver recorrência associada à atividade sexual, deve efetuar-
se terapêutica profilática pós-coital, com toma única adaptada ao TSA (ver
"Bacteriúria persistente").

CISTITE AGUDA
O diagnóstico é sobretudo clínico, ocorrendo urgência miccional, disúria, pola-
quiúria e sensação de peso hipogástrico. O exame sumário de urina e os exames
de tira-teste não são essenciais para o diagnóstico na presença de sintomas
típicos, mas podem ser úteis em quadros menos típicos. Nestas situações, a
ausência de leucocitúria deve sugerir um diagnóstico alternativo. A hematúria e
a nitritúria poderão não estar presentes, mas quando documentadas são muito
sugestivas de cistite aguda. Deve ser colhida urina para urocultura e iniciado
tratamento antibiótico empírico (ver Tabela 52.1). A urocultura permite confirmar
o diagnóstico e efetuar o ajuste da terapêutica ao TSA, no caso de não haver
melhoria sintomática.

Cistite persistente
Atuar como descrito em “Bacteriúria persistente”.

Cistite recorrente
Deve ser considerada a terapêutica profilática com base no TSA, em dose diária
ou pós-coital (se sintomatologia associada à atividade sexual). Nas situações
com maior risco de complicações (diabetes prévia, imunossupressão, antece-
dentes de cirurgia urológica, drepanocitose, etc.), a profilaxia deve ser iniciada
após o primeiro episódio.
Infeções do Trato Urinário 195

PIELONEFRITE AGUDA

O diagnóstico baseia-se sobretudo na clínica: temperatura >38 °C, dor lombar,


náuseas, vómitos, dor à percussão do ângulo costovertebral. Os sintomas de
cistite podem estar ou não presentes. Como exames complementares solicitar:
exame sumário de urina, urocultura, hemograma, creatinina, ionograma, proteína
C reativa. A ecografia renal apenas deve ser efetuada quando há persistência
de febre após 48 horas de antibioterapia, quadro clínico grave, história de litíase
renal, diabetes prévia, antecedentes de cirurgia urológica, imunossupressão ou
episódios frequentes de pielonefrite. As hemoculturas devem ser reservadas
para quadros clínicos graves. A leucocitúria e nitritúria são muito frequentes, pelo
que a sua ausência deve sugerir um diagnóstico alternativo.

Abordagem clínica
A pielonefrite aguda na gravidez está associada a um risco superior de compli-
cações (~20%): sépsis, PPT, insuficiência respiratória, insuficiência renal, coagu-
lação intravascular disseminada, anemia, pelo que está indicado o internamento
hospitalar. Também estão indicados:
■ Antibioterapia endovenosa (EV) empírica até 48 horas de apirexia e, depois,
regimes orais ajustados ao TSA (Tabela 52.2) até perfazer 14 dias de anti-
bioterapia;

Tabela 52.2 – ANTIBIOTERAPIA EV PARA O T RATAMENTO DA PIELONEFRITE AGUDA


Não complicada Imunodepressão ou obstrução urinária
Ceftriaxona 1 g EV/dia
Piperacilina/Tazobacta m 3 375 g EV 6/6 horas
Ceftazidima 500 mg EV 12/12 horas
Cefepima 1 g EV 12/12 horas
Meropenem 500 mg EV 8/8 horas
Cefuroxima 750 mg EV 8/8 horas
1-2 g EV 6/6 horas + 1,5
Ampicilina + Gentamicina* Ertapenem 1 g EV/dia
mg/kg EV 8/8 horas
* A nefrotoxicidade e a ototoxicidade dos aminoglicosídeos, embora raras nos tratamentos com dose baixa e de curta duração,
podem ocorrer com terapêuticas prolongadas, pelo que estes agentes só devem ser utilizados quando existe resistência microbiana,
alergia a outros antibióticos, ou perante um quadro de sépsis.

■Hidratação EV [soro fisiológico (SF) 1 000 ml EV/24 horas] e hidratação oral,


mantendo débito urinário >50 ml/hora;
■Na ausência de melhoria após 48 horas: repetição das análises referidas acima
em "Pielonefrite aguda" e da urocultura e realização de hemoculturas e
ecografia renal. Ponderar alteração antibiótica;
■ Urocultura 1-2 semanas após cessação de antibioterapia.
IDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

■Alta ao fim de 24-48 horas de apirexia sob antibioterapia oral (Quadro 52.1);
Existe recorrência de pielonefrite em 6-8% dos casos, pelo que deve ser pro-
posta terapêutica profilática com base no TSA, em dose diária ou pós-coital (se
sintomatologia associada à atividade sexual) desde o primeiro episódio. Repetir
urocultura no 2.º e 3.º trimestres e, se bacteriúria persistir, efetuar tratamento
antibiótico dirigido de 7 dias.
196 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Quadro 52.1 – R EGIMES ORAIS SUBSEQUENTES (ATÉ COMPLETAR 14 DIAS)


Cefuroxima 500 mg PO 12/12 horas
Cefaclor 250 mg PO 8/8 horas

Cefixima 400 mg PO 24/24 horas


Amoxicilina + ácido clavulânico 875/125 mg PO 12/12 horas
Trimetropim + sulfametoxazol* 160/800 mg PO 12/12 horas
* Evitar no 1.º trimestre e ≥36 semanas.

BIBLIOGRAFIA
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CÓLICA RENAL 53
LAURA CRUZ , D IOGO AYRES DE CAMPOS

INTRODUÇÃO
Define-se cólica renal como a dor que ocorre quando existe obstrução do trato
urinário, geralmente por encravamento de cálculos na pelve renal ou no ureter.
Os cálculos possuem habitualmente cálcio na sua composição, estimando-seque
em 65-75% dos casos sejam constituídos por fosfato de cálcio.
A incidência durante a gravidez é semelhante à da mulher não grávida, rondando
os 0,5%. É mais frequente no 2.º e 3.º trimestres da gravidez e em multíparas.
A maioria das vezes existe história de litíase renal prévia.
O diagnóstico deve ser suspeitado quando ocorre uma dor forte, com exacer-
bações e períodos de remissão, num dos flancos, com irradiação para a fossa ilíaca
homolateral (89-100% dos casos). Pode ser acompanhada de hematúria
macroscópica (~25% dos casos), disúria e polaquiúria (ocasionais), náuseas e
vómitos (ocasionais).

ABORDAGEM CLÍNICA
Exames complementares de diagnóstico
■ Ecografia abdominal: é o exame de primeira linha e permite detetar dilatação
ureteral e/ou hidronefrose. Por vezes deteta também a presença de cálculos
na porção terminal do ureter (sensibilidade 34-95%);
■ Hemograma, ionograma, creatinina, proteína C reativa: sobretudo para excluir
outras hipóteses diagnósticas como apendicite, colecistite e pielonefrite;
■ Exame sumário de urina: hematúria microscópica em 75-95% dos casos,
piúria em ~40% dos casos;
■ Urocultura: para excluir infeção concomitante.

Terapêutica médica
Com a terapêutica médica consegue-se que o cálculo seja eliminado em 65-80%
dos casos, cessando a sintomatologia:
■ Soro polieletrolitico 1 000 ml endovenoso (EV) a 250 ml/h durante 4 horas;
■ Paracetamol 1 g EV em dose única;
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

■ Diclofenac 75 mg EV, com segunda dose, se necessário, ao fim de 30 minutos;


■ Cetorolac 60 mg EV em dose única, se as anteriores não tiverem efeito;
■ Antibioterapia apenas na suspeita de infeção concomitante (ver protocolo “52.
Infeções do trato urinário”).
198 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Terapêutica invasiva
Está indicada quando ocorrem: falha da terapêutica médica, sépsis, quadro
obstrutivo em rim único, uropatia obstrutiva bilateral. Nestas circunstâncias,
deve ser contactada a Urologia, sendo de considerar as seguintes alternativas:
■ Colocação de um cateter ureteral em duplo J (que necessita de ser mudado
a cada 4-8 semanas até ao parto);
■ Nefrostomia percutânea;
■ Remoção do cálculo por ureteroscopia;
■ A abordagem deve ser multidisciplinar, incluindo Urologia, Radiologia e Anes-
tesiologia. Pode ser considerada a analgesia epidural se a dor for refratária
aos analgésicos anteriormente referidos e não for possível uma terapêutica
invasiva.

BIBLIOGRAFIA
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LESÃO RENAL AGUDA 54
LUÍSA PINTO, ESTELA NOGUEIRA

INTRODUÇÃO
O termo lesão renal aguda substitui na atualidade a designação “insuficiência
renal aguda”. Tem uma incidência na gravidez de ~0,6% em países de elevados
recursos. O diagnóstico assenta na elevação abrupta da creatinina sérica basal
(≥0,3 mg/dl) ou na redução do débito urinário (<0,5 ml/kg/hora em 6-12 ho- ras).
Pequenas variações da creatinina (Cr) (0,2-0,3 mg/dl) devem também ser
valorizadas e monitorizadas, pois podem corresponder a uma perda importante
da função renal. As causas mais frequentes de lesão renal aguda na gravidez estão
expostas no Quadro 54.1.

Quadro 54.1 – PRINCIPAIS CAUSAS DA L ESÃO RENAL AGUDA NA GRAVIDEZ


Antes das 20 semanas Depois das 20 semanas

Causa pré-renal (p. ex., hiperemese gravídica, ■
Pré-eclâmpsia grave/Síndrome de HELLP
he morragia associada ao aborto) ■
Púrpura trombocitopénica trombótica/Síndrome

Necrose tubular aguda (secundária a aborto séti- hemolítico-urémico
co, ou sépsis de outra causa) ■
Fígado gordo agudo da gravidez

Necrose cortical/Necrose tubular aguda secun-
dária a hemorragia

Lesão obstrutiva

ABORDAGEM CLÍNICA
Perante a suspeita de lesão renal aguda a grávida deve ser internada, mantendo
monitorização da tensão arterial (TA) e da diurese 1 vez/turno.
Avaliação analítica: hemograma com pesquisa de esquizocitos, função renal (Cr,
ureia), sedimento urinário, proteinúria (amostra de urina com rácio proteínas/
/creatinina ou proteinúria de 24 horas), função hepática [aspartato aminotrans-
ferase (AST), alanina aminotransferase (ALT), GT, fosfatase alcalina, bilirrubina
total], desidrogenase lática (LDH), haptoglobina, estudo da coagulação e rácio
fms-like tyrosine kinase receptor-1/placental growth factor sFlt1/PLGF na suspeita
de pré-eclâmpsia. Perante quadro infecioso colher hemoculturas e urocultura.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

Avaliação imagiológica: ecografia renovesical.


Deve ser contactada a Nefrologia, sendo que nos casos de lesão renal aguda grave,
nomeadamente na presença de hipervolemia, acidemia ou hipercaliemia
refratárias à terapêutica médica, pode ser necessário iniciar hemodiálise.
200 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Terapêutica
É dirigida à causa subjacente e implica frequentemente fluidoterapia para repo-
sição volémica e correção de alterações iónicas. Devem ser evitados fármacos
nefrotóxicos, nomeadamente aminoglicosídeos, vancomicina e anti-inflamatórios não
esteroides (AINE). No contexto de pré-eclâmpsia é necessário ponderar a
terminação da gravidez tendo em conta a idade gestacional, a gravidade e
evolução da lesão renal aguda e a gravidade da disfunção de outros órgãos.
O grau de proteinúria não constitui por si só uma indicação para terminar a
gravidez. A atitude expectante implica monitorização diária da função renal.
A administração de sulfato de magnésio para profilaxia de convulsões necessita
de ser ajustada à função renal (ver protocolo “101. Eclâmpsia”). Na púrpura
trombocitopénica trombótica e na síndrome hemolítico-urémico o tratamento
implica plasmaférese. Nos casos de síndrome hemolítico-urémico atípico está
indicada terapêutica com eculizumab.

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DOENÇA RENAL CRÓNICA 55
LUÍSA PINTO, ESTELA NOGUEIRA

INTRODUÇÃO
A doença renal crónica (DRC), termo que substitui atualmente a designação
“insuficiência renal crónica”, atinge ~6% das mulheres em idade fértil. Define-se
pela presença de lesão renal estrutural (detetada por alteração analítica uriná-
ria, imagiológica ou histológica) ou funcional [detetada por redução de taxa de
filtração glomerular (TFG)], presente há pelo menos 3 meses. A abordagem deve
ser realizada em conjunto com a Nefrologia, podendo ser também necessária
a articulação com a equipa de hemodiálise ou de transplante renal. A DRC
subdivide-se nas categorias constantes no Quadro 55.1.

Quadro 55.1 – CATEGORIAS DA DRC



G1 (TFG >90 ml/minuto)

G2 (TFG 60-89 ml/minuto)

G3 (TFG 30-59 ml/minuto)

G4 (TFG 15-29 ml/minuto)

G5 (TFG <15 ml/minuto)

G5D (em diálise)

G(1-5)T (após transplante renal)

DOENÇA RENAL CRÓNICA (G1 A G5)


Preconceção
A progressão da DRC associa-se a disfunção do eixo hipotalâmico-hipofisário-go-
nadal e nos estádios mais avançados (G3 a G5) a ciclos anovulatórios, irregu-
laridades menstruais, amenorreia e infertilidade. Assim, a gravidez deve ocorrer
idealmente nos estádios G1 ou G2. As doentes com doença renal hereditária
podem transmitir a doença ao feto e devem ser referenciadas a consulta de
Genética, sendo de considerar a possibilidade de diagnóstico pré-implantatório.
A DRC associa-se frequentemente a complicações da gravidez como hipertensão
arterial (HTA), sendo ambas fatores de risco independentes para pré-eclâmpsia.
Em ~50% das grávidas ocorre agravamento da HTA. A DRC associa-se também a
maior incidência de parto pré-termo (PPT) (~85%), restrição de crescimento fetal
(RCF) (~65%) e morte perinatal (10-20%). A incidência de complicações aumenta
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

significativamente com a progressão da doença, principalmente nos estádios G4


e G5 (ver Tabela 55.1). A grávida com DRC tem maior risco de desenvolver ou
agravar a proteinúria e de sofrer deterioração da função renal, a qual pode ser
transitória ou permanente. Nos estádios de DRC G4 e G5 pode haver neces- sidade
de antecipar a diálise. Definir a melhor altura para engravidar implica:
estadiamento da DRC (função renal, sedimento basal e proteinúria), avaliação da
atividade de eventual doença imunológica (ver protocolo “50. Lúpus eritematoso
202 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

sistémico e síndrome de Sjögren”), suspensão de fármacos teratogénicos com


posterior reavaliação imunológica e renal. Pode ser considerada a manutenção de
inibidores da enzima de conversão da angiotensina (iECA) e de antagonistas dos
recetores da angiotensina II (ARA) até à conceção, se proteinúria >1 g/dia.

Tabela 55.1 – INCIDÊNCIA DE COMPLICAçÕES NA GRAVIDEZ , DE ACORDO COM A CATEGORIA DA DRC

Grau de DRC Complicações RN vivo sem Agravamento da Diálise no 1.º ano


obstétricas sequelas função renal após gravidez
G1-G2 26% 96% <10% <1%
G3 42% 95% 10-15% ~1-3%
G4-G5 79% 78% 20-50% 38%
RN – recém-nascido.

Gravidez
Dependendo do quadro clínico, as consultas devem ocorrer a cada 2-4 semanas
até ao 3.º trimestre e depois a cada 1-2 semanas.
■ Monitorização domiciliária diária da TA e ajuste terapêutico se necessário
(TA alvo <140/90 mmHg);
■ Ácido acetilsalicílico (AAS) 150 mg per os (PO) ao deitar, a iniciar às 12 semanas
(até às 36+0 semanas, até ao parto ou ao desenvolvimento de pré-eclâmpsia);
■ Análises sanguíneas adicionais (mensais): hemograma, ionograma, creatinina
(Cr), ureia (Ur) sedimento urinário, proteinúria (proteinúria de 24 horas inicial-
mente e depois rácio proteínas/creatinina urinário – P/Cr U), cálcio, fósforo,
bicarbonato, ferritina, saturação da transferrina, função hepática;
■ Exame bacteriológico de urina mensal: tratar bacteriúria assintomática e
cistite durante 7 dias e ponderar profilaxia antibiótica se: história de infe- ções
urinárias de repetição, um episódio de bacteriúria assintomática ou de cistite
na presente gestação, tendo em conta o teste de sensibilidade aos antibióticos
(TSA) das uroculturas prévias;
■ Se proteinúria >3 g/dia, profilaxia do tromboembolismo venoso (TEV) durante a
gravidez e primeiras 6 semanas pós-parto (ver protocolo “39. Tromboembo-
lismo venoso – profilaxia”);
■ Ecografias adicionais às 28 e 36 semanas;
■ Cardiotocografia (CTG) semanal a partir das 32 semanas.
Considerar a terminação da gravidez se agravamento da DRC, HTA não contro-
lada, pré-eclâmpsia grave ou sinais de hipoxia fetal. A via de parto rege-se por
critérios obstétricos.

Pós-parto
Evitar utilização de anti-inflamatórios não esteroides (AINE). Avaliação da TA 1
vez/turno, monitorizar a função renal, planear com a Nefrologia a abordagem
terapêutica pós-alta e marcar consulta de reavaliação. A amamentação não está
contraindicada, sendo segura sob terapêutica com ciclosporina, tacrolimus,
azatioprina, prednisolona, nifedipina e enalapril.
Doença Renal Crónica 203

DOENÇA RENAL CRÓNICA EM DIÁLISE (G5D)


Preconceção
A probabilidade de gravidez em mulheres em diálise (peritoneal ou hemodiálise)
é baixa, no entanto, a intensificação dos esquemas de hemodiálise permite o
aumento da taxa de gestações de 1-7% para 15-20%. A prevalência de compli-
cações durante a gravidez é elevada: pré-eclâmpsia (~90%), agravamento da HTA
(>50%), polihidrâmnios (~40%), RCF (50-80%), PPT (48-84%), morte neonatal (9-
25%), cesariana (~65%), necessidade de transfusões sanguíneas (~25%) e morte
materna (rara). Estes resultados podem ser melhorados com esquemas intensivos
de diálise durante a gravidez, os quais aumentam a duração médiada gestação
de 27 para 36 semanas, a taxa de nados vivos de 48 para 84%, e o peso médio
ao nascer de 1 800 para 2 500 g. As complicações obstétricas nestas mulheres são
inferiores após transplante renal, pelo que, sempre que a idade materna o
permita e na ausência de hiperimunização (que pode prolongar o tempo de
espera), se deve recomendar esta opção. Pode ser necessário ajuste terapêutico:
suspender iECA e ARA, sevelamer, calcimimético. A epoetina e o ferro
endovenoso (EV) são seguros.

Gravidez
As irregularidades menstruais frequentes e o facto de a subunidade beta livre
da gonadotrofina coriónica humana (-hCG) poder estar cronicamente elevada di-
ficultam o diagnóstico de gravidez. Assim, perante a suspeita, deve ser realizada
ecografia precoce para diagnóstico e datação. Outras medidas importantes são:
■Esquema intensivo de hemodiálise, passando idealmente a 6 sessões de 6
horas/semana (ureia alvo <75 mg/dl);
■Liberalização da dieta com ingestão proteica de 1,5 a 1,8 g/kg/dia;
■Ajuste da dose de ferro e epoetina [hemoglobina (Hb) alvo: 10-11 g/dl],
duplicar as doses de vitaminas hidrossolúveis (complexo B e ácido fólico);
■AAS 150 mg PO ao deitar, a iniciar às 12 semanas (até às 36+0 semanas,
até ao parto ou ao desenvolvimento de pré-eclâmpsia);
■O rastreio bioquímico de aneuploidias não é fiável nestas doentes;
■Análises sanguíneas adicionais: hemograma, ionograma, cálcio, fósforo, bi-
carbonato, função hepática inicialmente mensal e semanal após as 26 se-
manas. A maior parte destas doentes está anúrica ou tem diurese vestigial, pelo
que a proteinúria não é informativa. Correção de eventual hipocaliemia,
hipocalcemia, hipofosfatemia e alcalose metabólica;
■ Ajuste da terapêutica anti-hipertensiva (TA alvo <140/90 mmHg) e do peso

seco na diálise (~0,5 kg/semana no 2.º e 3.º trimestres);


■ Ecografias adicionais às 28 e 36 semanas;
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■ CTG semanal a partir das 32 semanas.

Considerar a terminação da gravidez se agravamento da DRC, HTA não contro-


lada, pré-eclâmpsia grave ou sinais de hipoxia fetal. A via de parto rege-se por
critérios obstétricos. Se diálise há menos de 8 horas avaliar coagulação dado
o uso de heparina na diálise.
204 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Pós-Parto
Pode fazer AINE exceto se mantiver diurese residual. Avaliação da TA 1 vez/turno,
monitorizar a função renal, planear com a Nefrologia a abordagem terapêutica
pós-alta e marcar consulta de reavaliação. Ajustar terapêutica anti-hipertensiva
e peso seco. A amamentação não está contraindicada, se os fármacos de uso
crónico forem adaptados.

TRANSPLANTADA RENAL (G1 A 5T)


Preconceção
A gestação deve ser protelada para >1 ano após o transplante, já que antes existe
maior risco de rejeição e maior exposição a imunossupressores. Ideal- mente, as
doentes devem ter uma boa função renal (Cr <1,5 mg/dl), proteinú- ria <500
mg/dia e não apresentar evidência de rejeição há >1 ano, ou de infeções agudas
potencialmente teratogénicas [p. ex., citomegalovírus (CMV)]. Os
imunossupressores devem ser ajustados 3-6 meses antes da conceção (o
micofenolato de mofetil e o sirolimus/everolimus devem ser substituídos). Existe
risco aumentado de complicações obstétricas como: pré-eclâmpsia (~30%),HTA
gestacional ou agravamento da HTA crónica (~50%), PPT (~50-60%), RCF, baixo
peso ao nascer (~50%; peso médio ~2 500 g), diabetes gestacional (DG) (~8%) e
cesariana (~50%). O risco de rejeição do transplante é baixo (~3-4%). Nas
transplantadas com boa função do enxerto (Cr <1,5 mg/dl), habitualmente não
ocorre agravamento da função renal. No entanto, nas fases avançadas da
disfunção do enxerto (Cr >1,5 mg/dl, DRC G3-5T), o risco vai aumentando com
a gravidade da doença.

Gravidez
Observação a cada 2-4 semanas até às 28 semanas e depois a cada 1-2 se- manas,
de acordo com situação clínica.
■ Monitorização domiciliária diária da TA e ajuste terapêutico se necessário
(TA alvo <140/90 mmHg);
■ AAS 150 mg PO ao deitar, a iniciar às 12 semanas (até às 36+0 semanas, até
ao parto ou ao desenvolvimento de pré-eclâmpsia);
■ As grávidas Rh- transplantadas com dador Rh+ desenvolvem anticorpos anti-D
em ~5% dos casos, pelo que se recomenda a profilaxia da isoimunização
Rh (D) (ver protocolo “27. Isoimunização Rh (D) – prevenção e abordagem”);
■ Análises sanguíneas adicionais: hemograma, Cr, Ur, ionograma, sedimento
urinário, função hepática, cálcio, fósforo, bicarbonato (a cada 2-4 semanas).
Proteinúria 24 horas inicial e depois P/Cr U (a cada 2-4 semanas). Vírus de
hepatite C (VHC), CMV (DNA CMV sérico) e herpes vírus (trimestrais). Níveis
séricos de tacrolimus e ciclosporina (pelo menos mensal);
■ Exame bacteriológico de urina (mensal): tratar bacteriúria assintomática e
cistite durante 7 dias e ponderar profilaxia antibiótica se: história de infeções
urinárias de repetição, um episódio de bacteriúria assintomática ou de cistite
na presente gestação, tendo em conta o TSA das uroculturas prévias;
■ Ecografias adicionais às 28 e 36 semanas;
Doença Renal Crónica 205

■ CTG semanal a partir das 32 semanas.


A via de parto rege-se geralmente por critérios obstétricos. A avaliação ecográfica da
localização do enxerto está indicada quando não é previamente conhecida e
exista a possibilidade de obstruir o canal de parto ou condicionar a abordagem
numa cesariana.

Pós-parto
Evitar fármacos nefrotóxicos (AINE), avaliação da TA 1 vez/turno e ajuste te-
rapêutico se necessário. Monitorizar a função renal, níveis de tacrolimus e
ciclosporina no pós-parto imediato. Planear com a Nefrologia a abordagem te-
rapêutica após a alta e agendar consulta de reavaliação. A amamentação não
está contraindicada e é segura sob terapêutica com prednisolona, ciclosporina,
tacrolimus e azatioprina.

BIBLIOGRAFIA
CABIDDU G, CASTELLINO S, GERNONE G, et al. A best practice position statement on pregnan-
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NEVIS IF, REITSMA A, DOMINIC A, et al. Pregnancy outcomes in women with chronic kidney
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WEBSTER P, LIGHTSTONE L, M CKAY DB, et al. Pregnancy in chronic kidney disease and kidney
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© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS
56 SÍNDROME GRIPAL
M ARIA P ULIDO VALENTE , D IOGO AYRES DE C AMPOS , M ARIA JESUS M ORGADO

INTRODUÇÃO
A síndrome gripal é uma infeção aguda do aparelho respiratório causada pelo vírus
influenza. Para a maioria das pessoas saudáveis, a síndrome gripal é de
intensidade moderada e autolimitada. No entanto, as grávidas e as mulheres
nos primeiros 15 dias do puerpério constituem grupos de risco para doença
grave. A principal complicação da síndrome gripal na gravidez é a pneumonia
(viral ou bacteriana secundária), a qual é mais frequente no 2.º e 3.º trimestres.
Outras complicações mais raras são: parotidite, bronquite, sinusite, miocardite,
pericardite, miosite, rabdomiólise, eventos cardiovasculares (insuficiência cardía- ca,
enfarte agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral), insuficiência renal aguda,
encefalopatia e exacerbação de doenças crónicas. Existe ainda risco au- mentado
de parto pré-termo (PPT) (3 vezes) e de mortalidade perinatal (5 vezes).A síndrome
gripal caracteriza-se pelo início súbito de um dos seguintes sintomassistémicos:
febre, mal-estar, prostração, cefaleias, mialgias ou dor generalizada, juntamente
com um ou mais dos seguintes sintomas respiratórios: tosse, odino- fagia,
inflamação da mucosa nasal ou faríngea, dificuldade respiratória. Perante uma
forte suspeita clínica de síndrome gripal deve confirmar-se o diagnóstico através
de uma colheita de exsudado nasofaríngeo [introduz-se uma zaragatoa numa das
narinas cerca de 2,5 cm junto do septo nasal, rodando-a várias vezes antes de
retirar. A zaragatoa é colocada em recipiente próprio e enviada para o laboratório
– método reverse transcription polymerase chain reaction (RT-PCR)].O resultado
fica disponível em 24 horas, devendo a grávida/acompanhante contactar
telefonicamente o local onde foi colhido, para obter esta informação.

ABORDAGEM CLÍNICA
Às grávidas e puérperas (até 15 dias pós-parto) com síndrome gripal deve ser
prescrito tratamento antiviral, o qual pode ser realizado durante o aleitamento
materno. Este tratamento visa sobretudo diminuir o risco de evolução para
doença grave:
■ Oseltamivir 75 mg (Tamiflu®) per os (PO) 12/12 horas durante 5 dias, ingeri-
do com alimentos. Em doentes com insuficiência renal é necessário ajustar
a dose (depuração de creatinina 30-59 ml/minuto – 75 mg/dia; 10-29 ml/
/minuto – 30 mg/dia; ≤10 ml/minuto – não recomendado; hemodiálise –
30 mg 1 hora após a sessão, 3 tomas durante 1 semana).
O início da terapêutica deve ser o mais precoce possível, de preferência nas
primeiras 48 horas após o aparecimento dos sintomas. Em época de ativida-
de gripal, o início do tratamento antiviral não deve depender da confirmação
laboratorial. Os antecedentes de vacinação contra a gripe sazonal também não
são motivo para protelar a terapêutica. Caso o RT-PCR do exsudado venha ne-
gativo a doente deve suspender a terapêutica. Deve também ser recomendado
Síndrome Gripal 207

o repouso relativo, hidratação, paracetamol 1 g PO em SOS de 8/8 horas,


evitar o contacto com outras pessoas e usar máscara quando estes contactos
são inevitáveis. Todas as pessoas que entrem em contacto com objetos usados
pela grávida devem desinfetar as mãos com solução alcoólica. Habitualmente,
os sintomas resolvem em 3-5 dias.

Síndrome gripal grave


Perante os seguintes sinais e sintomas de gravidade, a grávida deve ser ob-
servada pela Medicina Interna para avaliações adicionais:
■ Dispneia em repouso ou para pequenos esforços;
■ Frequência respiratória repetidamente ≥30 cpm (ciclos por minuto);
■ Saturação periférica de O2 ≤92%, na ausência de outra causa;
■ Suspeita de pneumonia;
■ Hemoptise;
■ Instabilidade hemodinâmica: tensão arterial (TA) sistólica <90 mmHg, dimi-
nuição da TA sistólica >30 mmHg em relação ao valor basal ou TA diastólica
≤60 mmHg, exceto se corresponder ao valor basal;
■ Vómitos persistentes ou diarreia grave.

BIBLIOGRAFIA
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57 HEPATITES VÍRICAS
INÊS M ARTINS , L UÍSA PINTO

INTRODUÇÃO
O presente protocolo aborda as infeções pelos vírus das hepatites A, B, C, D
e E na gravidez. A vigilância destas grávidas deve ser realizada na consulta de
Medicina Materno-Fetal, em colaboração com o serviço de Gastrenterologia.

HEPATITE A
A infeção pelo vírus da hepatite A (VHA) é endémica em África, na Ásia e na
América do Sul, mas pode ocorrer de forma esporádica ou epidémica noutros
locais. É a causa mais comum de hepatite viral aguda. As vias de transmissão são:
fecal-oral, através da ingestão de alimentos ou água contaminados e por contacto
interpessoal próximo. A transmissão vertical é muito rara. O período deincubação
é de 15-50 dias. Não são conhecidos efeitos da gravidez na infeção e existe
também pouca informação sobre a incidência e impacto da hepatite A na
gravidez. Sendo uma doença autolimitada, o tratamento consiste em medidas de
suporte, não apresentando especificidades na gravidez. Não estão descritos casos
de mortalidade materna ou fetal associados à hepatite A.
Diagnóstico: a presença de IgM anti-VHA estabelece o diagnóstico de hepatite
A aguda. Na fase de convalescença, estão presentes anticorpos IgM e IgG. A
presença de IgG anti-VHA na ausência de IgM significa que ocorreu vacinação ou
infeção prévia, traduzindo proteção contra a infeção.
Prevenção: os cuidados de higiene (mãos e alimentos) constituem a forma
mais eficaz de prevenção. A vacina (vírus inativado) pode ser administrada na
gravidez e deve ser recomendada antes de uma viagem para zona endémica.
Em ~70% dos casos existem níveis protetores de anticorpos 2 semanas após
a primeira dose. A segunda dose deve ser administrada após 6-12 meses. A
profilaxia pós-exposição (nas primeiras 2 semanas) é recomendada em grávidas
não vacinadas, com contacto próximo com doente infetado: se idade ≥41 anos,
deve ser realizada imunoglobulina (Ig) anti-VHA (0,02 ml/kg em dose única); se
idade <41 anos, deve ser realizada dose única da vacina.
Puerpério: a amamentação não está contraindicada, mas o recém-nascido (RN)
deve realizar profilaxia com Ig, já que existe excreção de RNA do VHA no leite
materno.

HEPATITE B
A infeção pelo vírus da hepatite B (VHB) constitui um importante problema de
saúde pública mundial, sobretudo em zonas endémicas (África, Oceânia, Ásia
Ocidental). A transmissão ocorre por via sexual, percutânea e vertical. Quando
a infeção ocorre no período perinatal, o risco de instalação de doença crónica
Hepatites Víricas 209

é de ~90%, quando ocorre na idade adulta este é de ~1%. A hepatite B crónica


evolui para cirrose em 15-40% dos casos. A gravidez não parece influenciar o
curso da infeção aguda. Nos casos de hepatite B crónica, a carga viral (CV)
pode aumentar durante a gravidez, em provável relação com a imunossupressão
fisiológica. Em ~25% das doentes pode ocorrer uma exacerbação nos 6 meses
após o parto, com elevação do valor habitual das transaminases e possível
seroconversão ao antigénio do envelope do VHB (Ag HBe), habitualmente sem
sintomatologia associada e com resolução espontânea, embora estejam descri-
tos casos de falência hepática aguda. O risco de transmissão vertical (sobretudo
periparto ou pós-natal) é de 10-40% se o Ag HBe for negativo e de 70-90%
se este for positivo, existindo uma associação entre a presença de Ag HBe
e CV elevada. Embora a evidência científica seja escassa, pensa-se que as
técnicas de diagnóstico pré-natal invasivo e a amniotomia aumentam o risco de
transmissão vertical. Na ausência de cirrose, não parece haver maior incidência
de desfechos obstétricos adversos.
Diagnóstico: a presença de antigénio de superfície do VHB (Ag HBs) estabelece
o diagnóstico de hepatite B. A avaliação dos anticorpos presentes (contra o core
ou contra a superfície) diferencia o tipo de infeção (ver Quadro 57.1).

Quadro 57.1 – INTERPRETAçÃO DOS R ESULTADOS DOS DIVERSOS DOSEAMENTOS


REALIZADOS RELATIVAMENTE AO VHB
Ag HBs- | Anti-HBc- | Anti-HBs- Sem contacto prévio com o VHB
Ag HBs- | Anti-HBc+ | Anti-HBs+ Imune por infeção natural
Ag HBs- | Anti-HBc- | Anti-HBs+ Imune por vacinação
Ag HBs+| Anti-HBc+ | IgM anti-HBc+ | Anti-HBs- Infeção aguda
Ag HBs+| Anti-HBc+ | IgM anti-HBc- | Anti-HBs- Infeção crónica
Infeção resolvida ou falso anti-HBc + (= suscetível)
Ag HBs- | Anti-HBc+ | Anti-HBs-
ou infeção oculta ou infeção aguda em resolução

Perante o diagnóstico de hepatite B na gravidez, a grávida deve ser referenciada


à consulta de Gastrenterologia. Deve ser avaliada a CV (DNA -VHB) às 24-28
semanas, a presença do Ag HBe e as transaminases – alanina aminotransferase
(ALT) e aspartato aminotransferase (AST) –, bilirrubina, albumina, plaquetas e
coagulação. Deve ainda ser realizada ecografia hepática.
Prevenção: a vacina (3 doses – 0, 1 e 6 meses) é segura na gravidez e deve ser
recomendada a grávidas suscetíveis e com comportamentos de risco (múltiplos
parceiros sexuais, utilização de drogas intravenosas, contacto íntimo com porta-
dores de VHB). A profilaxia pós-exposição (vacinação e/ou administração de Ig
anti-VHB nas 24 horas após exposição) está indicada em grávidas suscetíveis
que tiveram contacto próximo com indivíduo com hepatite B, de acordo com o
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

esquema previsto no programa nacional de vacinação.


Prevenção da transmissão vertical: nas grávidas Ag HBs+ está indicada pro-
filaxia da infeção do RN com vacina do VHB e Ig anti-VHB nas primeiras 12
horas de vida. Esta dupla profilaxia reduz a transmissão perinatal para ~10%.
Quando a grávida apresenta elevada CV (DNA VHB >200 000 UI/ml), preconiza-se
a profilaxia adicional com tenofovir (classe B) no 3.º trimestre da gestação e
210 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

nas primeiras 4 semanas pós-parto. Esta tripla profilaxia parece praticamente


anular o risco de transmissão vertical.
Terapêutica antivírica: Nas doentes com fibrose avançada ou cirrose e naquelas
que iniciaram terapêutica antivírica antes da gravidez, os análogos nucleótidos
devem ser mantidos com ajuste preferencial para o tenofovir (fármaco de pri-
meira linha na gravidez). A terapêutica com interferão alfa deve ser evitada na
gravidez (classe C).
Parto: a via de parto rege-se por critérios obstétricos. Perante rotura prematu-
ra de membranas (RPM) no termo em grávida com CV positiva, recomenda-se
a indução imediata do trabalho de parto para reduzir o risco de transmissão
vertical. Se possível evitar a amniotomia, a monitorização interna da frequência
cardíaca fetal (FCF) e a episiotomia.
Puerpério: a amamentação não está contraindicada desde que o RN tenha
recebido profilaxia dupla (vacina e IgG anti-VHB). A terapêutica materna com
tenofovir parece ser segura. Este fármaco não deve ser suspenso sem avaliação
prévia da Gastrenterologia.

HEPATITE D
A infeção pelo vírus da hepatite D (VHD) é endémica na bacia do Mediterrâneo
e só ocorre em doentes infetados pelo VHB, já que o VHD requer o Ag HBs
para a sua replicação. Pode ocorrer um quadro agudo de coinfeção VHB/VHD
ou uma superinfeção em doentes com hepatite B crónica. A hepatite D engloba
um largo espetro de manifestações clínicas que vai desde o estado de portador
assintomático até à insuficiência hepática aguda, não estando descritas particu-
laridades durante a gravidez. A pesquisa do anticorpo anti-VHD está preconizada
perante uma exacerbação da hepatite B, com eventual doseamento da CV (RNA
VHD). A cotransmissão vertical VHB+VHD é muito rara, o que é explicado pela
relação inversa da CV do VHB e do VHD durante a gravidez. A prevenção da
infeção pelo VHD implica a vacinação contra o VHB. Não se preconizam medidas
adicionais de prevenção da transmissão vertical.

HEPATITE C
A infeção pelo vírus da hepatite C (VHC) é atualmente uma das principais
causas de doença hepática. As vias de transmissão são a parentérica, prin-
cipalmente a endovenosa (EV) (p. ex., drogas injetáveis), sendo mais raras a
vertical e a sexual. Os 6 meses iniciais de infeção correspondem a hepatite aguda,
assintomática em ~75% dos casos. Ocorre resolução espontânea em
~15% dos casos e progressão para hepatite crónica nos restantes, dos quais 15-
30% evoluem para cirrose. Durante a gravidez os níveis das transaminases
tendem a diminuir e pode ocorrer um aumento ligeiro da CV durante o 2.º e 3.º
trimestres, refletindo a imunossupressão fisiológica. Estão descritos casos de
resolução espontânea da infeção pelo VHC no período pós-parto, em relação com
a produção aumentada de células T específicas para o vírus. Nas grávidas com
hepatite C crónica existe um risco relativo de 1,5 vezes de restrição de cresci-
mento fetal (RCF) e o risco de colestase gravídica está 50 vezes aumentado. A
transmissão vertical (sobretudo periparto) ocorre em ~5% das grávidas com CV
Hepatites Víricas 211

positiva. O valor da viremia não está diretamente relacionado com o risco de


transmissão, mas a coinfecção com o vírus da imunodeficiência humana (VIH)
parece duplicar a taxa de transmissão vertical. Embora a evidência científica seja
escassa, pensa-se que as técnicas de diagnóstico pré-natal invasivo aumentem
o risco de transmissão vertical. Em grávidas com CV positiva e com indicação para
diagnóstico pré-natal invasivo, deve ser dada preferência à amniocentese
relativamente à biópsia das vilosidades coriónicas (BVC).
Diagnóstico: baseia-se na deteção de anticorpos anti-VHC, que surgem 2-6 me-
ses após a exposição, e na deteção da CV (RNA VHC) que surge 1-3 semanas
após a exposição e traduz infeção ativa (ver Quadro 57.2).

Quadro 57.2 – INTERPRETAçÃO DOS R ESULTADOS DOS DIVERSOS DOSEAMENTOS


REALIZADOS R ELATIVAMENTE AO VHC
Anti-VHC- | RNA VHC- Sem contacto prévio com o VHC
Anti-VHC+ | RNA VHC+ Infeção ativa (aguda ou crónica)
Infeção resolvida/tratada ou falso resultado anti-
Anti-VHC+ | RNA VHC-
-VHC (dosear com outro método)
Anti-VHC- | RNA VHC+ Infeção aguda, ainda sem produção de anticorpos

Se diagnosticada infeção ativa durante a gravidez, a grávida deve ser referen-


ciada à consulta de Gastrenterologia. Deve ser avaliada a CV, o genótipo do
VHC e os níveis de transaminases (ALT e AST), bilirrubina, albumina, plaquetas
e coagulação. Deve ser ainda realizada ecografia hepática.
Prevenção: não existe vacina nem Ig anti-VHC. A prevenção assenta na evicção
de comportamentos de risco. Não estão preconizadas intervenções farmacoló-
gicas profiláticas relativamente à transmissão vertical da hepatite C.
Terapêutica antivírica: nenhum fármaco utilizado na hepatite C está atualmente
aprovado para utilização na gravidez: peginterferão (classe C), ribavirina (classe
X), ledipasvir e sofosbuvir (antivíricos de ação direta com classe ainda não atri-
buída). As recomendações atuais preconizam o tratamento antes da conceção
e após o parto.
Parto: a via de parto rege-se por critérios obstétricos. Perante RPM no termo
em grávida com CV positiva, recomenda-se a indução imediata do trabalho de
parto para reduzir o risco de transmissão vertical. Deve ser evitada a realização
de amniotomia, monitorização interna da FCF e episiotomia.
Puerpério: a amamentação não está contraindicada na ausência de fissuras
ou hemorragia mamilar.

HEPATITE E
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

O vírus da hepatite E (VHE) representa uma causa pouco frequente de hepatite


viral aguda. É mais prevalente em África e na Ásia, estimando-se uma seropre-
valência na Europa de ~3%. Os suínos são o principal reservatório animal e em
Portugal ~30% dos trabalhadores com exposição ocupacional a estes animais
apresentam anticorpos contra o VHE. As vias de transmissão são a fecal-oral,
zoonómica e vertical. É uma infeção habitualmente autolimitada, mas nas regiões
212 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

endémicas pode resultar em falência hepática fulminante, sobretudo quando


a infeção ocorre no 3.º trimestre da gestação. Nos doentes imunodeprimidos pode
também ocorrer doença crónica. A mortalidade materna associada a esta
complicação é de 15-25%. Nas zonas endémicas está ainda associada a RPM, aborto
espontâneo, parto pré-termo (PPT) e morte fetal e a taxa de transmis- são vertical
é de 23-50%. O tratamento consiste em medidas de suporte, não apresentando
especificidades na gravidez.
Diagnóstico: a presença de RNA VHE no sangue ou fezes estabelece o diag- nóstico
de hepatite E. Este doseamento é realizado no Instituto Nacional de Saúde Dr.
Ricardo Jorge (INS-RJ).
Prevenção: recomendam-se os cuidados de higiene das mãos e alimentos e
a confeção mais cuidada da carne de porco. A vacina não existe em Portugal
e não está recomendada na gravidez. Não estão preconizadas intervenções
farmacológicas profiláticas relativamente à transmissão vertical da hepatite E.
Parto: a via de parto rege-se por critérios obstétricos.
Puerpério: a transmissão do VHE pelo leite materno não foi excluída e a in- feção
neonatal é potencialmente grave, pelo que a amamentação deve ser
desencorajada.

BIBLIOGRAFIA
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Hepatites Víricas 213

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© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS
58 CITOMEGALOVÍRUS
TERESA LOUREIRO, LUÍSA PINTO

INTRODUÇÃO
O citomegalovírus (CMV) é um herpes vírus que pode permanecer latente no
organismo após uma infeção primária. A transmissão ocorre por contacto di-
reto através da saliva, sémen, secreções vaginais, urina, fezes, sangue e leite
materno. A infeção primária é habitualmente assintomática, mas em ~10% dos
casos ocorre sintomatologia inespecífica do tipo gripal. Em Portugal estima-se que
~70% das mulheres em idade fértil possuam anticorpos contra o CMV e que a
incidência de infeção primária na gravidez seja de ~1% nas grávidas
seronegativas, sendo a das infeções não primárias desconhecida. Nas infeções
primárias a transmissão vertical é de 30-40%. A infeção neonatal por CMV ocorre
em 0,6-1% de todos os recém-nascidos (RN). Dos RN infetados ~90% são
assintomáticos e destes apenas ~13% apresentarão sequelas, na maioriauma
diminuição progressiva da acuidade auditiva. Os RN sintomáticos podem
apresentar doença grave incluindo petéquias, icterícia hipotonia, microcefalia,
convulsões, hepatomegalia, esplenomegalia e coriorretinite. Nestas situações
graves ~10% dos RN morrem e ~60% apresentam sequelas graves (atraso
psicomotor, défice neurológico, surdez, défice visual e atraso na linguagem).
O risco de sequelas é limitado a infeções que ocorrem no 1.º trimestre ou
no período periconcecional. No total, 15-20% das crianças infetadas (5-8% de
crianças nascidas de mães infetadas) desenvolvem sequelas. Não existe va-
cina disponível para o CMV. A prevenção passa por: lavagem cuidadosa das mãos,
utilização de máscaras quando em contacto com indivíduos de risco, evitar
partilhar bebidas e alimentos com indivíduos infetados. Estas medidas reduzem
em ~85% o risco de seroconversão durante a gravidez. O diagnóstico é baseado
na avaliação serológica da IgM e da IgG específicas (Tabela 58.1). A serologia
deve ser pedida a todas as grávidas, o mais precocemente possí- vel no 1.º
trimestre (ver protocolo “2. Vigilância pré-natal de rotina”), nas que tiveram
contacto durante o 1.º trimestre com um indivíduo infetado, ou quando ocorrem
achados ecográficos sugestivos (ver Quadro 58.1). A deteção de IgG numa grávida
previamente seronegativa (seroconversão) e a deteção de IgM associada a IgG com
baixa avidez são ambos critérios diagnósticos de infeção primária. A IgM+ isolada
não determina uma infeção primária recente, poispode persistir durante vários
meses ou até anos após a infeção primária esurge também em infeções não
primárias e em reações cruzadas com outros vírus, nomeadamente o Epstein-Barr.
A avidez da IgG é usada para definir o momento da infeção: um índice de avidez
alto é sugestivo de infeção há >3 meses, um índice de avidez baixo não permite
excluir uma infeção recente. O diagnóstico de infeção não primária é difícil e
incerto, pois o aumento da IgG não é específico desta situação.
Citomegalovírus 215

Tabela 58.1 – INTERPRETAçÃO DOS RESULTADOS SEROLÓGICOS R ELATIVOS AO CMV


Serologia Significado
Infeção primária (se serologia anterior negativa), reativação, reinfeção, ou infeção
IgG+/IgM+
antiga (avaliar avidez da IgG)
IgG-/IgM+ Infeção primária ou falso positivo (repetir após 10 dias)
IgG+/IgM- Infeção prévia
IgG-/IgM- Sem contacto prévio com o CMV

ABORDAGEM CLÍNICA
Gravidez
Grávidas com evidência serológica de infeção primária antes das 14 semanas
têm indicação para realizar profilaxia com valaciclovir [4 g per os (PO) 2 vezes/
/dia] até à realização da amniocentese. Durante este tratamento deve ser
efetuada monitorização da função renal semanalmente no primeiro mês e quin-
zenalmente posteriormente. O valaciclovir reduz em ~65% a transmissão vertical
após infeção primária. A amniocentese deve ser recomendada a partir das 18
semanas em grávidas com o diagnóstico de infeção primária (idealmente 8
semanas após a infeção materna primária, quando esta é localizável no tempo
e pelo menos 4 semanas após o início da terapêutica), ou perante achados
ecográficos suspeitos (Quadro 58.1).

Quadro 58.1 – PRINCIPAIS ACHADOS ECOGRÁFICOS SUGESTIVOS DE I NFEçÃO FETAL POR CMV
Anomalias cerebrais graves Anomalias cerebrais ligeiras Anomalias extracerebrais

Ventriculomegalia grave (≥15 mm) ■
Ventriculomegalia ligeira a ■
Intestino hiperecogénico (grau 3)

Hiperecogenicidade periventricu- moderada (10-15 mm) ■
Hepato megalia (lobo esquer-
lar ■
Sinequias intraventriculares do ≥40 mm)

Hidrocefalia ■
Calcificações intracerebrais ■
Esplenomegalia (maior diâme-

Microcefalia (<2 desvios-padrão) ■
Cistos subependimários tro ≥40 mm)

Hipoplasia do cerebelo/vérmis ■
Cistos do plexo coroideu ■
RCF

Agenesia do corpo caloso ■
Calcificações dos vasos ■
Oligoâmnios

Porencefalia lenticuloestriados nos gân- ■
Hidrâmnios

Lisencefalia glios da base ■
Ascite

Lesões císticas periventriculares ■
Derrame pleural
da substância branca ■
Edema subcutâneo

Aumento dos espaços pericere- ■
Hidrópsia
brais ■
Placentomegalia (≥40 mm)

Alteração da giração ■
Calcificações intra-hepáticas
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

RCF – restrição de crescimento fetal.

A infeção fetal é estabelecida por deteção do CMV no líquido amniótico (LA)


com teste de polymerase chain reaction (PCR). Caso o PCR seja negativo ex- clui-
se o diagnóstico de infeção fetal, devendo suspender-se a terapêutica com
valaciclovir e manter apenas a vigilância ecográfica. Caso o PCR seja positivo,
deve ser mantido o valociclovir até ao parto e é necessário avaliar o risco de
216 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

infeção fetal grave através de ecografia a cada 2-4 semanas, neurossonografia


e ressonância magnética (RM) às 30-32 semanas. Deve ser também ponderada
a realização de cordocentese para hemograma, plaquetas e doseamento da carga
viral (CV), informando a grávida de que este procedimento está associado a um
risco de perda fetal de ~3%, mas que fornece informações importantes sobre o
prognóstico fetal (o risco de doença sintomática no RN é muito maior na
presença de anomalias cerebrais graves, plaquetas ≤100 000/mm3 e CV
≥4,93 log10 UI/ml). Até às 24+6 semanas a grávida pode optar pela interrupção
médica da gravidez (IMG). Se a ecografia e a ressonância magnética cerebral
do feto forem normais, o valor preditivo negativo para sequelas moderadas a
graves é de 100%, persistindo um risco residual de ~17% de surdez neuros-
sensorial unilateral. Em fetos com achados ecográficos extracerebrais, com
anomalias cerebrais ligeiras, CV ≥100 000 UI/ml ou plaquetas ≤100 000/
/mm3 , o tratamento com valaciclovir até ao parto aumenta de 43% para 82% a
proporção de RN assintomáticos.

Parto
A via de parto rege-se por critérios obstétricos. Deve ser contactada a Neonato-
logia na altura do parto, para avaliar a presença de infeção neonatal. A placenta
deverá ser enviada para exame anátomo-patológico.

Puerpério
A amamentação não está contraindicada.

BIBLIOGRAFIA
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PARVOVÍRUS B19 59
SARA R ODRIGUES PEREIRA , M ÓNICA CENTENO

INTRODUÇÃO
O parvovírus B19 é o agente responsável pelo eritema infecioso ou “quinta
doença”, afeção frequente na infância e caracterizada por febre e artropatia
ocasional, seguidas de exantema reticular de predomínio facial (slapped cheek), mas
podendo também atingir o tronco e as extremidades. No adulto imuno-
competente a infeção é assintomática em ~25% dos casos e nos restantes
manifesta-se por sintomas inespecíficos do tipo gripal. Este vírus é transmitido
por via respiratória, a viremia inicia-se ~6 dias após a exposição e mantém-se
cerca de uma semana, desaparecendo quando surge a sintomatologia. Entre 30-
-60% dos adultos possuem anticorpos para o parvovírus B19. Quando a infeção
é adquirida na gravidez, o risco de complicações fetais é superior antes das
20 semanas. A infeção fetal ocorre em 25-33% dos casos. O parvovírus B19
é citotóxico para os precursores dos glóbulos vermelhos fetais pelo que ~10%
dos fetos infetados desenvolvem anemia e ~3% desenvolvem hidrópsia, a qual
se pode desenvolver rapidamente (em 2 semanas) ou ser de instalação mais
lenta (até 12 semanas). A mortalidade de fetos com hidrópsia não tratados é
de ~50% e de fetos submetidos a transfusão fetal de 15-25%. Não está reco-
mendado o rastreio serológico do parvovírus B19 na gravidez devido à baixa
incidência desta infeção. Não existe vacina disponível e a prevenção passa
por lavagem cuidadosa das mãos, utilização de máscaras e evitar a partilha de
bebidas e alimentos. Não existe benefício em remover grávidas seronegativas
de empregos com maior risco de contágio (p. ex., contacto com crianças).
A profilaxia após contacto, usando imunoglobulina (Ig) inespecífica só deve ser
considerada em grávidas imunocomprometidas.
As grávidas expostas a um indivíduo infetado ou com suspeita clínica de infe-
ção devem realizar, para diagnóstico, um doseamento serológico de anticorpos
IgG e IgM específicos (Tabela 59.1). Os anticorpos IgM positivam 10 dias após
a exposição e imediatamente antes do início da sintomatologia; apresentam
um pico aos 25-30 dias, desaparecendo 4-6 meses depois. Os anticorpos IgG
são detetados ~7 dias após o início da sintomatologia e geralmente persistem
durante anos. Não estão descritas infeções fetais se a grávida se encontra
imunizada no momento da exposição.

Tabela 59.1 – INTERPRETAçÃO DOS E XAMES S EROLÓGICOS R ELATIVOS AO PARVOVÍRUS B19


© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

Serologias Interpretação
IgM-/IgG- Suscetibilidade (repetir em 3 semanas)
IgM+/IgG- Provável infeção recente (<7 dias)
IgM+/IgG++++ Provável infeção recente (7 dias a 4 meses)
IgM-/IgG+ Infeção prévia (imunidade) (≥4 meses)
218 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

ABORDAGEM CLÍNICA
Perante o diagnóstico de uma infeção aguda por parvovírus B19, a grávida deve
ser informada de que não há risco aumentado de malformações congénitas nem
existe terapêutica antiviral ou intervenções que evitem a infeção. Se a infeção
ocorrer antes das 20 semanas, existe um risco de morte fetal de ~11%. Se
ocorrer após as 20 semanas, o risco de morte fetal é de ~1%. As situações de
anemia ligeira/moderada são geralmente bem toleradas e resolvem espontanea-
mente após 4-6 semanas sem deixar sequelas. Nos casos sujeitos a transfusão
fetal, a probabilidade de alterações graves do neurodesenvolvimento é de ~11%.
Após as 22 semanas deve ser realizada ecografia semanal durante 10 semanas
após a exposição para avaliar: velocidade máxima do pico sistólico (VMPS) na
artéria cerebral média (ACM), derrame pleural, derrame pericárdico, ascite, edema
da parede abdominal, polihidrâmnios/oligoâmnios, cardiomegalia, hidrocefalia,
microcefalia, calcificações intracranianas e hepáticas.
A partir das 20-22 semanas a grávida deve realizar contagem formal diária dos
movimentos fetais e recorrer à urgência de Obstetrícia e Ginecologia se forem
inferiores a 10 em 12 horas.
A amniocentese com polymerase chain reaction (PCR) para parvovírus B19 deteta
o vírus no líquido amniótico (LA), sendo útil sobretudo em situações de hidró- psia
fetal em grávidas assintomáticas e sem história conhecida de exposição.

Anemia grave
Se VMPS-ACM ≥1,50 múltiplos da mediana (MoM) ou hidrópsia fetal, é provável
que exista uma anemia grave. Note-se que a anemia e a hidrópsia podem regre-
dir espontaneamente em 4-6 semanas (~30% de resolução para a hidrópsia).
Após as 34 semanas existe indicação para terminação da gravidez após ciclo
de corticosteroides. Entre as 18-33 semanas propor transfusão fetal (risco de
morte fetal de ~3%). Após a transfusão manter ecografias semanais até a si-
tuação reverter. Caso não ocorra reversão da anemia às 34 semanas deve ser
considerada a terminação da gravidez. Após a reversão da anemia, a vigilância da
gravidez e a conduta relativamente ao parto são semelhantes à de qualquer
gravidez de baixo risco.

BIBLIOGRAFIA
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SÍFILIS 60
M ARIA PULIDO VALENTE, LUÍSA PINTO

INTRODUÇÃO
A sífilis é uma infeção sistémica causada pelo Treponema pallidum, uma espi-
roqueta gram-negativa. A transmissão ocorre maioritariamente por via sexual,
através do contacto com as lesões, mas também por via parentérica e vertical
(transplacentária ou intraparto). A gravidez não altera as manifestações da sífilis.
O período de incubação é em média de 3 semanas (10-90 dias), não havendo
evidência clínica ou serológica de infeção, mas podendo ocorrer transmissão
do organismo. Clinicamente a doença é subdividida em:
■ Sífilis primária: durante a qual ocorre disseminação linfática e hematogénica,
e que se caracteriza por lesão cancroide no local de inoculação (úlcera única
em ~60% dos casos, indolor, margens elevadas e duras, base granular não
exsudativa), linfadenopatias habitualmente bilaterais, indolores e sem sinais
inflamatórios. A lesão regride espontaneamente em 3-6 semanas e em ~25% dos
casos há resposta imunológica adequada e eliminação da infeção;
■ Sífilis secundária: ocorre 2-8 semanas após a infeção primária por dissemi- nação
hematogénica e caracteriza-se por sintomas sistémicos inespecíficos (febre,
mialgias, odinofagia, linfadenopatia generalizada) ou eritema maculo- papular das
palmas das mãos e plantas dos pés. Podem também ocorrer condilomas planos
(condiloma lata) na região anogenital ou axilar e lesões na boca, faringe ou
colo uterino que são altamente infeciosas. Resolve es- pontaneamente sem
tratamento em 3-4 meses;
■ Sífilis latente: surge quando a doença não é tratada nos estádios anteriores,
não havendo manifestações clínicas, mas persistindo as alterações serológi- cas.
Subdivide-se em sífilis latente precoce (<1 ano desde a infeção primária) e
sífilis latente tardia (>1 ano desde a infeção primária);
■ Sífilis terciária: surge em ~30% dos doentes, 15-30 anos após uma sífilis primária
não tratada; inclui lesões cardiovasculares e gomas (lesões granu- lomatosas
nodulares em qualquer órgão);
■ Neurossífilis: alterações neurológicas diversas que podem ocorrer em qual-
quer uma das fases anteriormente descritas mas são mais frequentes na doença
prolongada.
As principais complicações da sífilis que ocorre no início da gravidez são o aborto
e a morte fetal. No final da gravidez podem ocorrer: hidrópsia fetal, hepatomegalia,
anemia, trombocitopenia, parto pré-termo (PPT), morte perinatal e sífilis congénita.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

O risco de sífilis congénita está diretamente relacionado com o estádio da doença


materna: sífilis primária 70-100%, sífilis latente precoce ~40%, sífilis latente tardia
~10%. Atualmente, é raro a doença ser identificada através da lesão primária (a
referenciar à Dermatologia) ou das manifestações clínicas associadas à sífilis
secundária, terciária ou neurossífilis. A confirmação do diagnóstico é feita por:
■ Testes não treponémicos [rapid plasma reagin (RPR) e venereal disease re-
search laboratory (VDRL)]: detetam anticorpos não específicos e são utilizados
220 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

para rastreio e para monitorização da resposta ao tratamento. O resultado


é expresso em titulação, com níveis mais elevados relacionados com maior
atividade da doença. São pouco específicos, podendo apresentar falsos po-
sitivos em doenças autoimunes, consumo de drogas injetáveis e gravidez;
■ Testes treponémicos [fluorescent treponemal antibody absorption test (FTAabs),
hemaglutination/microhemaglutination assay for antibodies to treponema pal-
lidum (MHA-TP/TPHA), treponema pallidum passive particle agglutination (TP-
PA), enzyme immunoassay (EIA), anticorpos anti-Treponema pallidum]: ava- liam
diretamente a presença de espiroquetas e são utilizados para a con- firmação
do diagnóstico. Nalguns laboratórios são utilizados como primeira linha no
rastreio. Em cerca de 85% dos doentes, os testes treponémicos permanecem
positivos para toda a vida;
■ Microscopia de fundo escuro: realizada pela Dermatologia, é a técnica mais
específica quando existe lesão ativa ou condiloma lata. São necessárias três
determinações negativas em dias consecutivos para se considerar uma lesão
negativa.
Perante um rastreio com teste não treponémico positivo deve ser solicitado
um teste treponémico. Um teste treponémico positivo traduz uma sífilis ativa ou
antiga. Se tiver sido efetuado tratamento correto e os títulos forem ≤1:4 trata-se
de uma sífilis já tratada, pelo que não é necessária medicação adicional. Todas
as restantes situações necessitam de tratamento (ver “Abordagem clínica”, à
frente neste capítulo). Caso o teste treponémico seja negativo, não existe sífilis
ativa e trata-se de um teste não treponémico falsamente positivo. Perante um
rastreio com um teste treponémico positivo deve ser solicitado um teste não
treponémico. Caso sejam ambos positivos existe uma sífilis ativa ou já tratada,
dependendo da história e do título. Caso o teste não treponémico seja negativo,
deve ser solicitada confirmação com outro teste treponémico. Se este for positivo
deve considerar-se uma sífilis ativa ou tratada e agir como descrito acima. Caso
seja negativo, pode ser um falso positivo do primeiro teste treponémico ou uma
infeção precoce, pelo que deve ser repetido 3-4 semanas depois.

ABORDAGEM CLÍNICA
Preconceção
Numa mulher com história de sífilis que efetuou tratamento adequado, os testes
treponémicos permanecem positivos, pelo que se deve monitorizar a resposta
à terapêutica com testes não treponémicos. Se ocorreu uma diminuição de
4 vezes nos títulos do teste não treponémico (avaliações intervaladas de 6 meses),
pode presumir-se a cura e dispensar qualquer abordagem adicional durante a
gravidez.

Gravidez
A penicilina G benzatina é o único tratamento comprovadamente eficaz durante
a gravidez, prevenindo a infeção congénita em >98% dos casos. A taxa desucesso
é menor se o tratamento for realizado no 3.º trimestre, se o intervalo entre o
tratamento e o parto for <30 dias, se não existe declínio do título dos anticorpos
ou se existem anomalias ecográficas.
Sífilis 221

Sífilis primária, secundária ou latente precoce

Penicilina G benzatínica 2,4 milhões de unidades intramuscular (IM)/semana,


2 doses com 1 semana de intervalo.

Sífilis latente tardia (incluindo casos de duração desconhecida)


Penicilina G benzatínica 2,4 milhões de unidades IM/semana durante 3 se-
manas.

Neurossífilis
Penicilina cristalina aquosa 3-4 milhões de unidades (endovenosa (EV) 4/4
horas durante 10-14 dias.
Se o esquema terapêutico for interrompido, deverá ser recomeçado e realizado in-
tegralmente. As grávidas comprovadamente alérgicas à penicilina devem efetuar
dessensibilização no hospital de dia de Imunoalergologia, de modo a poderem
realizar o esquema referido, já que não existe nenhuma alternativa comprovada-
mente eficaz durante a gravidez. Aquando do tratamento, existe risco de desen-
volvimento da reação de Jarisch-Herxheimer, com febre aguda frequentemente
acompanhada de cefaleias e mialgias, que se pode associar a contractilidade
uterina e a desacelerações variáveis, por vezes tardias. As grávidas com >25
semanas deverão ser internadas em sala de observações para a administração
de penicilina, mantendo-se sob vigilância cardiotocográfica contínua durante um
período de pelo menos 2 horas após a sua administração. O tratamento da
reação de Jarisch-Herxheimer é sintomático (hidratação, antipiréticos, tocólise
em SOS) e o quadro resolve habitualmente em 24-48 horas. O(s) parceiro(s)
sexual(ais) deve(m) ser encaminhado(s) para a consulta de Dermatologia ou,
no caso de ser impossível, deve ser recomendado o tratamento imediato com
penicilina G benzatínica, 2,4 milhões de unidades IM em dose única.
Os testes não treponémicos permitem avaliar a resposta ao tratamento, devendo
ser realizados mensalmente até se tornarem negativos ou baixos e estáveis (≤1:4).
Deve ser utilizado o mesmo teste e preferencialmente no mesmo labo- ratório,
uma vez que os títulos não são sobreponíveis. Após o tratamento da sífilis
primária, os valores devem descer duas diluições até ao 3º-4º mês. Deve ser
assumida falência terapêutica se ocorrer subida ou persistência no título 4-6
meses após a terapêutica. Nestes casos, o tratamento deve ser repetido e
ponderada a punção lombar para pesquisa de infeção no líquido cefalorra-
quidiano. A sífilis congénita pode ser suspeitada na ecografia, cuja frequência
necessita de ser adaptada ao tempo de gestação e ao tipo de sífilis. Os acha-
dos mais frequentes são hepatomegalia, ascite, placentomegalia, hidrâmnios
e hidrópsia fetal. No entanto, a maioria dos fetos infetados não apresenta
IDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

alterações ecográficas.
Parto e puerpério
Se possível, o parto deve ser evitado em período de manifestações clínicas ou
<30 dias após a terapêutica, porque nestas circunstâncias aumenta o risco de
sífilis congénita. A via de parto rege-se por critérios obstétricos.
222 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

A amamentação não está contraindicada, se a mãe tiver sido tratada. Deve ser
efetuada reavaliação analítica aos 3, 6 e 12 meses após o parto, no médico
assistente. Na sífilis tardia reavaliar também aos 24 meses.

BIBLIOGRAFIA
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TOXOPLASMOSE 61
RITA M ENDES SILVA , L UÍSA PINTO

INTRODUÇÃO
O Toxoplasma gondii é um parasita que tem como hospedeiro definitivo o gato, no
intestino do qual se reproduz, sendo os oocistos libertados através das fezes. Os
oocistos podem permanecer infeciosos no solo durante anos, contaminando os
animais que os ingerem e levando à formação de cistos no seu músculo estriado.
Os humanos podem ser infetados através da ingestão de oocistos presentes no
solo, vegetais, água, ou através da ingestão de cistos na carne malcozinhada
de animais infetados (p. ex., porco, vaca, coelho, cordeiro). A seroprevalência
nas mulheres em Portugal é de 13-33%, variando com o local de residência.
A incidência da infeção primária na gravidez é de ~0,05%, sendo raríssima a
infeção não primária nas mulheres imunocompetentes. As complicações obsté-
tricas incluem: aborto espontâneo [odds ratio (OR 6,63)], parto pré-termo (PPT)
(OR 3,49), restrição de crescimento fetal (RCF) (OR 4,49) e morte fetal (OR 3,49).
A probabilidade de transmissão vertical aumenta ao longo da gravidez (sem risco
no período pré-concecional, 10-25% no 1.º trimestre, 30-35% no 2.º trimestre, 60-
-80% no 3.º trimestre), mas a ocorrência de complicações fetais diminui (~60% no
1.º trimestre, ~25% no 2.º trimestre, ~15% no 3.º trimestre). Dos recém-nascidos
(RN) infetados, ~80% são assintomáticos. Os restantes podem exibir coriorretinite,
surdez, cegueira, défice cognitivo e atraso motor. A adoção de medidas preventivas
reduz a incidência da infeção e constitui a intervenção mais importante: lavar
as mãos antes de manusear alimentos; lavar cuidadosamente em água corrente
ou descascar todos os frutos e vegetais, incluindo saladas pré-preparadas (a
desinfeção com lixívia ou vinagre é pouco eficaz); cozinhar bem (>66 °C) a carne
e refeições pré-confecionadas, utilizando luvas no seu manuseio; evitar consumo
de fumados não cozinhados, congelar a carne antes da confeção (pelo menos 3
dias a -20 °C); usar luvas e lavar cuidadosamente as mãos após manuseio de terra;
manter os gatos dentro de casa, alimentando-os com comida cozinhadaou ração;
evitar manipular fezes de gatos. Embora geralmente assintomática, a infeção
materna pode cursar com febre, cefaleias, mialgias, faringite, hepatoes-
plenomegalia, eritema maculopapular não pruriginoso e linfadenopatia cervical. A
coriorretinite e a infeção cerebral são muito raras e ocorrem sobretudo quando há
imunodepressão ou em casos de reativação. O diagnóstico baseia-se na deteção
de anticorpos IgM e IgG contra o toxoplasma no sangue materno (Tabela 61.1).

Tabela 61.1 – INTERPRETAçÃO DOS EXAMES SEROLÓGICOS R ELATIVOS À TOXOPLASMOSE E SUBSEQUENTE


© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

ABORDAGEM CLÍNICA
Resultado Significado Abordagem
IgG-/IgM- Ausência de contacto prévio Rastreio trimestral, medidas preventivas
IgG-/IgM+ Infeção recente ou IgM falso positivo Repetição da serologia 3 semanas depois
(continua)
224 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

(continuação)

Resultado Significado Abordagem


Infeção recente, infeção prévia ou IgM Testar avidez/confirmação serológica na
IgG+/IgM+
falso positivo ausência de seroconversão
Repetir apenas no contexto de imunode-
IgG+/IgM- Infeção prévia
pressão

A IgM surge cerca de 1 semana após a infeção e persiste até 1-2 anos, com
pico às 8 semanas. A taxa de falsos positivos é de ~60% pelo que perante IgG-
/IgM+ se aconselha repetição serológica após 3 semanas em laboratório de
referência. Se o título de IgM é estável e a IgG persiste negativa, assumir falsa
positividade. A IgG surge cerca de 2 semanas após a infeção, os seustítulos
sobem rapidamente e permanecem positivos indefinidamente. Se coe- xistirem
com IgM+, determinar avidez em laboratório de referência. Se a avidez for forte,
a infeção terá ocorrido há >3-4 meses. Se a avidez for fraca, não se pode excluir
infeção recente. A repetição serológica após 3 semanas permite documentar a
subida (>3 diluições) ou a estabilidade da titulação, auxiliando no diagnóstico
de infeção recente ou passada.

ABORDAGEM CLÍNICA
Perante uma seroconversão (serologia inicial IgG- com IgM- ou + e ulterior com
IgG+) ou perante suspeita de infeção durante a gravidez (IgG+/IgM+ com avidez
fraca ou intermédia):
■ Iniciar espiramicina 1 g per os (PO) 8/8 horas. Efeitos secundários: náuseas,
vómitos, diarreia, eritema cutâneo. Este fármaco é eficaz sobretudo se numa
fase mais inicial (taquizoíto) prévia à formação de cistos, pelo que o seu início
deve ser imediato. Acumula-se na placenta, sendo utilizado com o intuito de
prevenir a infeção fetal, não tendo benefício materno direto conhecido. Se
alergia ou intolerância, azitromicina 500 mg PO a cada 48 horas;
■ Pesquisar sinais ecográficos de toxoplasmose congénita (calcificações intra-
cranianas, ventriculomegalia, hidrocefalia, hidrópsia fetal, microcefalia, placen-
tomegalia, hepatomegalia, esplenomegalia, ascite, RCF) – baixa sensibilidade
e especificidade;
■ Amniocentese pelo menos 6 semanas após a provável seroconversão e após as
20 semanas, para pesquisa de Toxoplasma gondii no líquido amniótico (LA)
por técnica de polymerase chain reaction [(PCR), especificidade ~100%,
sensibilidade ~90%].

Se PCR negativo
■ Manter profilaxia da infeção fetal com espiramicina (1 g 8/8 horas) até ao parto;
■ Ecografia mensal.

Se PCR positivo
■ Informar a grávida que o tratamento reduz a gravidade das complicações fe-
tais, mas não as evita. Na maior parte dos casos, a toxoplasmose congénita
Toxoplasmose 225

apresenta um impacto reduzido na qualidade de vida e na acuidade visual


dos filhos. A interrupção da gravidez pode ser ponderada, sobretudo perante
uma infeção adquirida no 1.º trimestre e associada a alterações ecográficas
relevantes;
■ Alterar para esquema terapêutico de maior eficácia: sulfadiazina (1,5 g PO 12/12
horas) + pirimetamina (fornecimento hospitalar, 50 mg PO 1 vez/dia, apenas
no 2.º e 3.º trimestres pelo risco teratogénico) + ácido folínico (15mg PO 1
vez/dia), este último a manter durante 1 semana após o término dos anteriores.
Pelo risco de depressão medular materna e do RN, deve realizar-sehemograma
15/15 dias e suspender terapêutica às 34 semanas. Se houver alergia às
sulfamidas ponderar pirimetamina + ácido folínico + clindamicina 300 mg PO
6/6 horas. Em caso de alergia à pirimetamina, trimetoprim + sulfametoxazol
160+800 mg PO 8/8 horas;
■ Ecografia 15/15 dias e neurossonografia. Ponderar ressonância magnética (RM)
cerebral no 3.º trimestre para estudo neurológico suplementar em caso de
lesões intracranianas.

Parto
A decisão sobre a via de parto rege-se apenas por critérios obstétricos.
Para confirmação de infeção e eventual transmissão vertical, está recomendado:
■ Envio de uma porção de placenta (>100 g) para o Instituto Nacional de Saúde
Dr. Ricardo Jorge (INS-RJ), para pesquisa de antigénio por inoculação em
animais. Conservar entre 4-8 ºC, entregar no laboratório idealmente no dia
da colheita;
■ Envio de duas amostras de sangue do cordão umbilical para o INS-RJ (1 ml
em tubo seco e 1 ml em EDTA) para serologia IgG/IgM e PCR;
■ Envio de uma amostra de sangue materno (1 ml em tubo seco) para o INS-RJ,
para serologia IgG/IgM;
■ Envio da placenta restante para exame anátomo-patológico.

Puerpério
A amamentação não está contraindicada.

BIBLIOGRAFIA
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VARICELA 62
RITA ROSADO, ANDREIA FONSECA, CLÁUDIA ARAÚJO

INTRODUÇÃO
O vírus varicela-zóster (VZ) é responsável pela varicela e pelo herpes zóster.
A varicela é a manifestação da infeção primária, após a qual o vírus pode
permanecer latente nos gânglios nervosos. O herpes zóster é uma forma re-
corrente da infeção, resultante da reativação viral, mas não tem implicações
materno-fetais importantes, pelo que não é abordado neste protocolo. A vari-
cela carateriza-se por um exantema maculo-papulo-vesicular pruriginoso, com
lesões em vários estádios de evolução, sendo o envolvimento habitualmente
progressivo: face, tronco e extremidades. Nos 4 dias que antecedem o exantema
podem existir febre, mialgias e mal-estar geral. A transmissão ocorre sobretudo
através de secreções respiratórias e por contacto direto com o fluido das lesões
vesiculares. O período de incubação é de 10-21 dias e o período de contágio
compreende os 2 dias que antecedem o exantema até ao momento em que
todas as lesões cutâneas ficam cobertas por crosta. Cerca de 95% das grávidas
já se encontram imunizadas (por infeção na infância ou por vacinação), pelo
que a incidência é apenas de ~0,1%. Quando ocorre em adultos, a varicela associa-
se a um maior risco de complicações, nomeadamente: pneumonia, encefalite,
hepatite, miocardite e insuficiência suprarrenal. A pneumonia é a complicação
mais frequente na gravidez, afetando 5-10% das doentes. É mais grave em fases
mais avançadas da gestação e manifesta-se habitualmente por tosse que
surge 2-6 dias após o exantema e que evolui para um quadro de dispneia, dor
torácica, hemoptises e cianose. Os fatores de risco para de- senvolvimento de
pneumonia são: tabagismo, >100 lesões cutâneas, infeção nos 2.º e 3.º
trimestres, antecedentes de doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) e
imunossupressão. A radiografia (Rx) torácica evidencia geralmente um infiltrado
nodular/miliar peri-brônquico bilateral. A transmissão vertical ocorre em ~8% dos
casos, por via transplacentar ou após o nascimento através das partículas
respiratórias ou por contacto direto com as lesões cutâneas mater- nas. A infeção
perinatal pode ser assintomática, manifestar-se pela síndrome da varicela
congénita (SVC) ou por varicela neonatal. A SVC é caracterizada por: hipoplasia
congénita dos membros e dedos, deformações das extremidades associadas a
lesões cutâneas cicatriciais ao longo dos dermátomos, alterações neurológicas
(atrofia do córtex, hidrocefalia, microcefalia, convulsões, alterações do
neurodesenvolvimento), alterações oftalmológicas (cataratas, coriorretinite,
microftalmia, atrofia do nervo ótico), alterações viscerais (atrésia ou estenose
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

intestinal, calcificações pulmonares ou hepáticas) e restrição de crescimento


fetal (RCF). A mortalidade ronda os 30% nos primeiros meses de vida. O risco
de SVC é de ~0,4% se a infeção materna ocorrer até às 12 semanas e ~2%
se esta ocorrer entre as 13 e as 20 semanas. Após as 20 semanas é muito
raro ocorrer (cerca de 10 casos descritos na literatura).
228 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

ABORDAGEM CLÍNICA
Preconceção
Todas as mulheres devem ser questionadas sobre antecedentes pessoais de
varicela. Caso desconheçam ou estejam incertas sobre se tiveram a doença, ou
caso afirmem que não a tiveram, deve ser doseada a IgG-VZ. Em mulheres não
imunizadas deve ser oferecida vacinação. Existem duas vacinas vivas atenuadas
(Varivax® e Varilrix®) e o esquema de vacinação inclui duas doses separadas
por um intervalo mínimo de 4-8 semanas. A contraceção deve ser mantida no
primeiro mês após a toma da última dose.

Gravidez
As mulheres seronegativas, as que desconhecem ou que estão incertas sobre
se tiveram a doença e as que afirmam que não a tiveram, devem ser acon-
selhadas a evitar a exposição a indivíduos com varicela ou com suspeita da
doença. A vacinação está contraindicada na gravidez, mas pode ser realizada
durante a amamentação.

Exposição à varicela
Considera-se exposição à varicela: varicela num dos membros do agregado
familiar, contacto próximo com indivíduo com varicela durante >5 minutos ou
permanência no mesmo quarto hospitalar de um doente infetado. Nestas situa-
ções, se não houver antecedentes pessoais de varicela, vacinação ou seropositi-
vidade, deve ser pedido o doseamento da IgG-VZ. Perante uma grávida exposta
à varicela e IgG-VZ negativa deve ser oferecido imunoglobulina (Ig) anti-VZ
(Varitect® ) 1 ml/kg (25 UI/kg) endovenosa (EV), administrada em perfusão, em
sala de observações, a 0,1 ml/kg/hora durante os primeiros 10 minutos, ritmo que
se for bem tolerado pode ser aumentado progressivamente até um máximo de 1
ml/kg. A administração deve ser feita o mais precocemente possível após a
exposição, idealmente nas primeiras 96 horas e no máximo até aos 10 dias. Esta
terapêutica reduz o risco de ocorrência e atenua a gravidade da infeção, caso
esta ocorra. Embora a sua eficácia seja menor, caso não exista IgG-VZ disponível,
pode ser administrada Ig inespecífica, 400 mg/kg EV, repartida de forma a não
ultrapassar os 50 g/dia. O período de incubação da doença após a Ig anti-VZ
aumenta cerca de 7 dias. A grávida deve ser aconselhada a evitar novo contacto
com a pessoa infetada até que todas as suas lesões cutâneas atinjam a fase de
crosta.

Varicela na gravidez
Implicações maternas
Deve ser avaliada a presença de fatores de risco para varicela complicada
[tabagismo, doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), imunosupressão, cor-
ticoterapia] e de critérios clínicos de gravidade (sinais de doença sistémica
grave, sintomas neurológicos como fotofobia, convulsões ou tonturas, sintomas
respiratórios, dor torácica, lesões cutâneas hemorrágicas, grande densidade
Varicela 229

de lesões cutâneas) e caso estes existam, deve ser proposto internamento


hospitalar. Perante o diagnóstico de varicela complicada ou de pneumonia por
varicela, a grávida deve ser internada em isolamento e iniciado tratamento com
aciclovir 10-15 mg/kg EV 8/8 horas durante 7 dias. Devem ainda ser prescritos:
paracetamol 1 g per os (PO) 8/8 horas em SOS, hidroxizina 25 mg PO em SOS até
6/6 horas, desinfeção das lesões com solução iodada 12/12 horas para evitar
sobreinfeção bacteriana. Não existe benefício em administrar Ig anti-VZ após o
aparecimento dos sinais e sintomas.
A grávida com varicela não complicada deve ficar no domicílio e evitar contacto
com outros indivíduos suscetíveis. Caso tenham decorrido menos de 24 horas
desde o início dos sintomas deve ser receitado aciclovir 800 mg PO 5 vezes/
/dia durante 7 dias (reduz a duração e intensidade dos sintomas). Devemainda
ser prescritos: paracetamol, hidroxizina e desinfeção das lesões com solução
iodada.

Implicações fetais
Até às 20+6 semanas a grávida deve ser referenciada à consulta de Medicina
Materno-Fetal para despiste de SVC. Solicitar ecografia com estudo detalhado
da anatomia fetal e neurossonografia, a realizar 5-7 semanas após a infeção
materna. Os achados ecográficos mais associados à SVC são: deformidadesdos
membros, microcefalia, hidrocefalia, calcificações dos tecidos moles e RCF.
Oferecer a possibilidade de amniocentese para pesquisa de DNA viral no líquido
amniótico (LA) a partir das 17 semanas, desde que já tenham decorrido 5 se-
manas após o início dos sintomas. A presença de DNA do vírus no LA confirma
ou exclui a infeção fetal, mas não é preditiva da gravidade da SVC. Assim:
■ Se DNA viral no LA negativo e sem alterações ecográficas: o risco de SVC é muito
baixo. Deve apenas repetir ecografia às 28 e às 32 semanas;
■ Se DNA viral no LA positivo e sem alterações ecográficas: risco moderado de
SVC. Deve repetir ecografia às 22-24, 28 e 32 semanas. Se não houver alterações
ecográficas nesta fase o risco de SVC é muito baixo;
■ Se DNA viral no LA positivo e alterações ecográficas sugestivas: risco elevado
de SVC. Ponderar ressonância magnética (RM) fetal e aconselhar de forma
individualizada.
Após as 21+0 semanas deve-se informar o casal do risco muito baixo de SVC e
desaconselhar a realização de amniocentese.

Varicela no periparto
Quando o início do exantema materno ocorre entre 6 dias antes e 2 dias após
o parto, o recém-nascido (RN) tem um risco de 17-30% de desenvolver varicela
neonatal, a qual tem uma mortalidade de ~30% nos RN que não receberam
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

Ig anti-VZ e de ~7% nos que a receberam imediatamente após o parto ou nas


primeiras 48 horas após o aparecimento de lesões cutâneas puerperais. Quando
a varicela é diagnosticada >36+0 semanas ou no contexto de uma ameaça de parto
pré-termo (APPT), a grávida deve ser internada em isolamento até que todas as
lesões se encontrem em fase de crosta. Deve evitar-se que o parto ocorra nos
primeiros 5-7 dias após o início do exantema, podendo ser necessáriorecorrer a
tocólise (ver protocolo “18. Parto pré-termo espontâneo e tocólise”).
230 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Pode ser realizada analgesia locorregional, se decorridos >5 dias após o início
do exantema e a punção for em zona sem lesões. Antes desse período deve
ser evitada, pelo possível risco de transmissão ao sistema nervoso central (SNC).
Após o parto, o RN deve ser isolado dos outros RN, mas não da mãe.Deve ser
administrada ao RN Ig anti-VZ imediatamente após o parto (ou nas48 horas
após o aparecimento de lesões cutâneas na puérpera).
A varicela não constitui uma contraindicação para a amamentação. Se houver
lesões cutâneas próximas do mamilo, evitar colocar o RN na mama afetada,
promovendo a extração do leite da mesma. O leite extraído pode ser oferecido
ao RN, se este tiver recebido Ig anti-VZ ou aciclovir.

BIBLIOGRAFIA
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ROYAL C OLLEGE OF O BSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS . Chickenpox in pregnancy. Green-top
Guideline No. 13. 2015.
HERPES SIMPLEX 63
LAURA CRUZ, M ÓNICA CENTENO

INTRODUÇÃO
O vírus Herpes simplex (VHS) apresenta dois subtipos: VHS-1 e VHS-2. O VHS-1
está mais associado a infeção labial e o VHS-2 a infeção genital, mas ambos podem
estar envolvidos nos dois tipos de lesões. A infeção transmite-se por contacto
direto com indivíduos infetados, geralmente assintomáticos. O período de
incubação varia entre 2-12 dias para os dois subtipos. A infeção herpética pode
ser classificada em primária ou recorrente. Estabelece-se o diagnóstico de
infeção primária quando ocorre isolamento viral na ausência de anticorpos espe-
cíficos. A sintomatologia é mínima ou ausente em 90% dos casos. Podem existir
sintomas prodrómicos como prurido, ardor, dor ou parestesias, que antecedem
o aparecimento de úlceras dolorosas. O herpes genital pode ser acompanhado por
disúria, manifestações sistémicas (febre, letargia, cefaleias) e adenopatias
inguinais. Os anticorpos específicos surgem até 12 semanas após a infeção e
permanecem positivos indefinidamente. A infeção genital pelo VHS-1 raramente
recorre, enquanto a do VHS-2 recorre frequentemente. A infeção recorrente é
definida pelo isolamento de VHS-1 ou VHS-2 nas lesões cutâneas, na presença
de anticorpos para o mesmo vírus. Geralmente associa-se a sintomas ligeiros
e a um menor número de lesões, havendo uma eliminação viral baixa durante
3-5 dias. Na ausência de medidas preventivas, a transmissão vertical é de 25-50%
nas infeções genitais primárias, ~33% no primeiro episódio recorrente e 1-3%
nos restantes episódios recorrentes. Em >90% dos casos a transmis- são ocorre
durante a passagem do feto no canal de parto, por contacto direto com secreções
maternas infetadas. A transmissão vertical transcervical ascen- dente ou
transplacentária é muito rara. O herpes neonatal ocorre em ~0,01% dos
nascimentos e pode resultar em infeção disseminada (25%, com 30% de
mortalidade), doença do SNC (30%, com 4% de mortalidade), envolvimento da
pele, olhos ou boca (45%) e sequelas neurológicas em 20% dos sobreviventes.
O VHS é um vírus com baixo potencial teratogénico, estando descritos casos
raros de malformações cutâneas, oftalmológicas e neurológicas após infeção
no 1.º ou 2.º trimestres.

ABORDAGEM CLÍNICA
Perante a suspeita clínica é importante questionar o parceiro sexual sobre a exis-
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

tência de lesões sugestivas de herpes. Na suspeita de infeção primária ou na


presença de infeção genital exuberante, o diagnóstico deve ser confirmado por:
■ Cultura do líquido vesicular: a realizar nas primeiras 48-72 horas após o
aparecimento das lesões, colhendo o líquido de vesiculas íntegras. As cul- turas
são positivas em ~80% das lesões primárias e em ~40% das lesõesrecorrentes,
mas as úlceras em cicatrização têm menor probabilidade de originarem culturas
positivas;
232 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

■ Polymerase chain reaction (PCR) do DNA viral das lesões: não exige vesículas
íntegras e é mais sensível do que a cultura do líquido vesicular;
■ Serologia VHS-1 e VHS-2: deve ser realizada quando há suspeita de infeção
primária ou quando os testes virológicos são negativos.

Tratamento da infeção por VHS


O tratamento deve incluir a desinfeção das úlceras com solução iodada para
diminuir o risco de sobreinfeção bacteriana. Quando há dor associada, prescre-
ver lidocaína a 2% em gel para aplicação tópica de 6/6 horas e paracetamol
1 g per os (PO) em SOS de 8/8 horas. Está também indicado tratamento com
antivirais por reduzir a excreção viral, a gravidade e a duração da doença:
■ Infeção primária: aciclovir 400 mg PO 8/8 horas, durante 7-10 dias ou va-
laciclovir 1 g PO 12/12 horas, durante 7-10 dias;
■ Infeção recorrente: aciclovir 400 mg PO 8/8 horas, durante 5 dias ou vala-
ciclovir 1 g PO 1/dia, durante 5 dias.
Estes fármacos são considerados seguros na gravidez (classe B). O tratamento
pode ser prolongado se, ao final de 10 dias, a cicatrização das lesões nãoestiver
completa. Em infeções genitais graves ou disseminadas está indicado aciclovir
5-10 mg/kg endovenoso (EV) 8/8 horas, durante 2-7 dias, seguido de aciclovir
400 mg PO 8/8 horas, até perfazer 10 dias de tratamento. O fa- mciclovir não
está recomendado na gravidez pela ausência de estudos sobrea sua segurança.
Quando ocorreu herpes genital (primário ou recorrente) durante a gestação, deve
também ser realizado tratamento profilático a partir das 36 semanas e até ao
parto com aciclovir 400 mg PO 8/8 horas ou valaciclovir 500 mg PO 12/12
horas, para reduzir a excreção viral e as lesões herpéticas no momento do parto
(reduz em 75% as infeções recorrentes e em 40% a necessidade de realizar
cesariana).

Rotura prematura de membranas pré-termo


Nas grávidas com herpes genital ativo e rotura prematura de membranas (RPM)
pré-termo, se gestação <34 semanas, ponderar atitude expectante e iniciar aci-
clovir 5 mg/kg EV 8/8 horas. Tratando-se de uma infeção recorrente prescrever
aciclovir 400 mg PO 8/8 horas. A partir das 34+0 semanas está geralmente indicada
a cesariana. A decisão nestes casos deve ser individualizada e multi- disciplinar
(Obstetrícia e Neonatalogia).

Trabalho de parto ou rotura prematura de membranas a termo


Na presença de sintomas prodrómicos ou de lesões genitais ativas no início do
trabalho de parto, ou se tiver ocorrido uma infeção primária no 3.º trimestre, está
indicado o parto por cesariana para reduzir a transmissão vertical (como parto
vaginal, na infeção genital primária é de 30-60% e na lesão genital recorrente de
1-3%). Na RPM a termo, a cesariana deve ser realizada logo que possível
(idealmente nas primeiras 6 horas após rotura). A cesariana não está indicada
na presença de lesões herpéticas não genitais (nestes casos as lesões devem
ser protegidas durante o trabalho de parto). Caso a grávida
Herpes Simplex 233

não pretenda cesariana, deve realizar aciclovir 5 mg/kg EV 8/8 horas até ao
parto. Nestas situações evitar a amniotomia, a monitorização fetal interna e o
parto instrumentado.

Puerpério
A amamentação não está contraindicada, exceto na presença de lesões her-
péticas na mama. A puérpera e os familiares próximos com infeção herpética ativa
devem proteger as lesões e proceder à higiene cuidadosa das mãos antes de
manipular o recém-nascido (RN). O aciclovir e o valaciclovir são seguros na
amamentação.

BIBLIOGRAFIA
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© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS
64 TUBERCULOSE
ANA DAGGE, M ÓNICA CENTENO

INTRODUÇÃO
Estima-se que a prevalência mundial de tuberculose (TB) na Europa seja de
~0,06%. É causada por inalação de bacilos do complexo Mycobacterium, sendo
o M. tuberculosis o mais comum. Após um episódio de TB ativa, >90% dos indi-
víduos mantêm os bacilos em estado inativo durante longos períodos de tempo
(TB latente), podendo ocorrer reativação, sobretudo no contexto de imunossu-
pressão. Os indivíduos com TB latente são assintomáticos e não contagiosos.
A gravidez não altera o curso da TB, não aumenta o risco de reativação, nem
altera a resposta ao tratamento. A TB ativa pode estar associada a infeção con-
génita por disseminação hematogénica, mas este evento é muito raro. Quando há
ausência ou atraso no tratamento da TB, existe maior risco de parto pré-termo
(PPT), restrição de crescimento fetal (RCF), pré-eclâmpsia e mortalidade perinatal.
A vacina do bacilo Calmette-Guérin (BCG) não deve ser administrada durante a
gravidez. Deve ser realizado rastreio de TB: em mulheres com fatores de risco
[infeção pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH) ou outras situações de
imunossupressão – em preconceção ou no início da gravidez], perante sintomas
sugestivos, quando existiu um contacto próximo com indivíduo contagioso ou
quando ocorreu uma viagem recente para zona endémica. Os testes de rastreio
são seguros, específicos, e não são afetados pela gravidez. O teste da tuber-
culina (Mantoux) é positivo se a área de induração for ≥10 mm em indivíduo
VIH negativo ou ≥5 mm em indivíduo VIH positivo, imunodeprimido ou com
contacto próximo com indivíduo contagioso. O interferon-gamma release assay
(IGRA) deve ser realizado sempre que o teste da tuberculina for positivo ou 8-10
semanas após um teste da tuberculina negativo para exclusão do diagnóstico.
Um rastreio positivo, sem sintomatologia ou outros exames positivos, estabelece
o diagnóstico de TB latente. Quando acresce uma história de mal-estar, febre,
suores noturnos, anorexia, cansaço, tosse, perda de peso, ou uma radiografiade
tórax sugestiva, estabelece-se o diagnóstico de TB ativa. No entanto, os testes
de rastreio negativos não excluem totalmente a TB ativa, já que podem demorar
8-12 semanas a positivar.

TUBERCULOSE LATENTE
Tratamento
Está indicado se: grávida VIH positiva (risco de doença ativa de ~10%/ano), a
conversão do teste da tuberculina ocorreu há <2 anos (risco de doença ativa de
~5% no primeiro ano) ou ocorreu exposição recente a indivíduo contagioso (risco
de doença ativa ~0,5%/ano). As grávidas com TB latente sem indicação para
tratamento devem ser orientadas para a consulta de Pneumologia 3-6 me- ses
após o parto, para reavaliação da necessidade de terapêutica. As mulheres
Tuberculose 235

em tratamento para TB latente antes da conceção, devem manter o tratamento


durante a gravidez.
Isoniazida 5 mg/kg (máx. 300 mg) per os (PO) 1 vez/dia + piridoxina 25-50 mg
PO 1 vez/dia, durante 9 meses.
Esquemas alternativos: Isoniazida 15 mg/kg (máx. 900 mg) PO 2 vezes/semana
durante 6-9 meses; isoniazida 5 mg/kg (máx. 300 mg) PO 1 vez/dia durante
6 meses; rifampicina 600 mg PO 1 vez/dia durante 4 meses (apenas se into-
lerância ou suspeita de resistência à isoniazida).

TUBERCULOSE ATIVA
O quadro clínico e a abordagem são semelhantes aos da mulher não grávida,
embora alguns dos sintomas possam ser confundidos com as alterações fisio-
lógicas da gravidez. A TB pulmonar é a mais frequente e geralmente manifes- ta-
se por: tosse pouco produtiva e persistente (o mais comum), hemoptise e
dispneia. Os sintomas associados às formas extrapulmonares estão expostosna
Tabela 64.1.

Tabela 64.1 – SINTOMAS ASSOCIADOS ÀS FORMAS E XTRAPULMONARES DE TUBERCULOSE


Local Sintomas
Cefaleias, vómitos, alterações do comportamento, sinais focais, alteração
SNC
do estado de consciência
Linfadenopatias com >4 semanas de duração, indolores, com ulceração
Gânglios linfáticos
superficial
Lombalgia, monoartrite, abcessos paravertebrais, sinais de co mpressão
Ossos e articulações
medular
Sistema gastrointestinal Dor abdominal baixa inexplicada associada a sintomas constitucionais
Outros Geniturinários, cutâneos, pericárdicos (muito raros)
SNC – sistema nervoso central.

Abordagem clínica
A avaliação deve ser efetuada por uma equipa multidisciplinar, incluindo um
Infeciologista, e as grávidas encaminhadas para o Centro de Diagnóstico Pneu-
mológico (CDP) da área de residência, sendo a referenciação feita por contacto
telefónico direto. Deve ser realizada uma radiografia (Rx) ao tórax com proteção
abdominal. Nenhum padrão imagiológico é patognomónico, principalmente em
indivíduos VIH positivos, mas o padrão clássico inclui infiltrados pulmonares e
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

cavitações a nível dos lobos superiores. Na presença de Rx ao tórax sugestiva,


devem ser colhidas três amostras de expetoração para pesquisa de bacilos álcool-
ácido resistentes (BAAR) por microscopia (frequentemente negativa em grávidas
VIH positivas) e para cultura de micobactérias (permite o diagnóstico definitivo,
mas o resultado demora 4-6 semanas) e uma amostra para ampli- ficação de
ácidos nucleicos. Na suspeita de TB extrapulmonar, os testes de diagnóstico
devem ser individualizados. O diagnóstico de TB ativa obriga à
236 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

pesquisa de infeção por VIH, hepatite B e C, doença hepática crónica (transa-


minases e bilirrubina), consumo de álcool e exposição a outros hepatotóxicos.

Tratamento
A TB pulmonar é geralmente tratada em regime de ambulatório, mas a hospi-
talização pode ser necessária em casos de instabilidade clínica, insuficiência
hepática grave ou falta de apoio familiar/social. Na TB pulmonar com doente
bacilífera (exame micobacteriológico direto ou cultural positivo ou pesquisa de
ácido nucleicos do M. tuberculosis positiva em amostras respiratórias), esta deve
ser internada em quarto individual sob medidas de isolamento respiratório
(serviço de Doenças Infeciosas ou Pneumologia). O risco de transmissão de
TB é mínimo se forem cumpridas todas as medidas preventivas. O isolamento
respiratório deve ser suspenso, caso não se confirme o diagnóstico ou se houver
melhoria clínica após 15 dias de tratamento antibacilar e exame direto negativo.
Com exceção da estreptomicina (contraindicada por causar ototoxicidade no
feto), todos os outros fármacos de primeira linha são considerados seguros na
gravidez. A isoniazida tem risco de hepatotoxicidade e neurotoxicidade periférica
no periparto. A função hepática deve ser avaliada antes do início do tratamento
e depois mensalmente. Devem ser pesquisados sinais e sintomas de hepatite
(anorexia, náuseas, vómitos, urina escura, icterícia, parestesias persistentes das
mãos e pés, fadiga persistente, febre com três ou mais dias, dor no quadrante
superior direito do abdómen, hemorragia ou artralgias). Outros efeitos adversos
da isoniazida incluem: eritema cutâneo, distúrbios neuropsiquiátricos (depressão,
mania, perda de memória, psicose), neurite periférica e convulsões. Os principais
efeitos adversos da rifampicina são trombocitopenia, anemia hemolítica, febre e
eritema cutâneo. O tratamento deve incluir terapêutica combinada, deve ter uma
duração mínima de 6 meses e deve ser realizado com toma única em regime
de toma observada diretamente.

TB pulmonar
■ 2 meses: isoniazida 5 mg/kg (máx. 300 mg) PO 1 vez/dia + piridoxina 25
mg PO 1 vez/dia + etambutol 15 mg/kg PO 1 vez/dia + rifampicina 10 mg/
/kg (máx. 600 mg) PO 1 vez/dia + pirazinamida 25 mg/kg (máx. 1 500 mg)
PO 1 vez/dia;
■ Fase de manutenção de 4 meses: isoniazida + rifampicina (doses seme-
lhantes).

TB extrapulmonar
A fase de manutenção deve ser prolongada: SNC/disseminada/osteoarticular total
de 10 meses, ganglionar/pericárdica total de 4 meses. Na TB meníngeaou
pericárdica, deve ser adicionada corticoterapia:
■ TB pericárdica: prednisolona 60 mg PO 1 vez/dia, durante 4 semanas, com
desmame progressivo;
■ TB meníngea: prednisolona 20-40 mg PO 1 vez/dia ou dexametasona 12 mg
intramuscular (IM) 1 vez/dia durante 3 semanas, com desmame progressivo
durante 3 semanas.
Tuberculose 237

As grávidas com serologia VIH positiva, sob terapêutica antirretroviral, devem


manter essa terapêutica, mas considerando as interações medicamentosas, de
forma a minimizar o risco de toxicidade. Se ainda não fazem antirretrovirais, o
início dos antibacilares deve ser prioritário. Os desfechos perinatais adversos (pré-
eclâmpsia, mortalidade neonatal e baixo peso ao nascimento) são mais frequentes
nas grávidas com os dois agentes infeciosos.

PARTO E PUERPÉRIO NA GRÁVIDA COM TUBERCULOSE


A via de parto rege-se por critérios obstétricos. As mulheres com clínica su-
gestiva de TB ativa devem ser separadas do recém-nascido (RN) até a situação
ficar esclarecida. Mulheres em tratamento para TB latente e mulheres com TB
ativa com pelos menos 2 semanas de tratamento adequado podem amamentar.
Os antibacilares são excretados no leite materno em quantidade muito baixa.
As mulheres medicadas com isoniazida devem manter a suplementação de
piridoxina (25 mg/dia) durante a amamentação.

BIBLIOGRAFIA
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65 PERTURBAÇÕES DO HUMOR E DA ANSIEDADE
LAURA CRUZ, M ÓNICA CENTENO, GABRIELA ANDRADE, BEATRIZ CÔRTE-REAL, LUÍS C ÂMARA PESTANA

INTRODUÇÃO
A gravidez constitui um período de maior vulnerabilidade para o aparecimento,
agravamento ou recidiva das perturbações do humor e de ansiedade. Os ante-
cedentes de perturbação psiquiátrica (seguimento em consulta e/ou terapêutica
psicofarmacológica), bem como a existência de fatores de risco associados,
devem ser investigados na consulta pré-concecional ou na primeira consulta
da gravidez. O presente protocolo incide sobre as perturbações de humor e de
ansiedade mais frequentes na gravidez.

PERTURBAÇÃO DEPRESSIVA
Cerca de 15% das mulheres reportam sintomas depressivos durante a gravidez.
Os principais fatores de risco são os antecedentes de ansiedade ou depres-
são, gravidez não planeada ou não desejada, caraterísticas da personalidade
(p. ex., perfecionismo ou propensão à culpabilidade), estrato socioeconómico
baixo, ausência de suporte social adequado e violência doméstica. Define-se epi-
sódio depressivo pela ocorrência de sintomas depressivos durante, pelo menos,
2 semanas. O quadro clínico é caracterizado pela presença de humor deprimido
e/ou perda de interesse/prazer pela maioria das atividades, manifestações estas
que se podem acompanhar de insónia ou hipersónia, alteração do apetite com
ou sem alteração do peso, inquietação ou lentificação psicomotora, irritabilidade,
baixa energia, dificuldade de concentração, sentimentos de culpa, desvalorização
pessoal e pensamentos relacionados com a morte/ideação suicida.
A escala de depressão pós-parto de Edimburgo (Figura 65.1) diz respeito à semana
anterior e pode ser utilizada para rastreio da depressão na gravidez eno pós-
parto. Uma pontuação >11 é muito sugestiva de depressão, mas não quantifica a
sua gravidade.
A perturbação depressiva durante a gravidez é preditora de depressão no pós-
-parto e está associada a baixa adesão aos cuidados pré-natais, aumento do
consumo de tabaco, álcool e outras substâncias psicoativas. Poderá ser respon-
sável pelo ligeiro aumento de risco de aborto espontâneo, parto pré-termo (PPT)
e parto instrumental. No pós-parto associa-se a dificuldade no estabelecimento
do vínculo materno e a risco acrescido de psicopatologia em idade pediátrica.
Perturbações do Humor e da Ansiedade 239

1. Tenho sido capaz de me rir e ver o lado 2. Tenho tido esperança no futuro.
divertido das coisas. ■
Tanta como sempre tive – 0

Tanto como dantes – 0 ■
Menos do que costumava ter – 1

Menos do que antes –1 ■
Muito menos do que costumava ter – 2

Muito menos do que antes – 2 ■
Quase nenhuma – 3

Nunca – 3
3. Tenho-me culpado sem necessidade 4. Tenho estado ansiosa ou preocupada sem motivo.
quando as coisas correm mal. ■
Não, nunca – 0

Sim, a maioria das vezes – 3 ■
Quase nunca – 1

Sim, algumas vezes – 2 ■
Sim, por vezes – 2

Raramente – 1 ■
Sim, muitas vezes – 3

Não, nunca – 0
5. Tenho-me sentido com medo ou muito 6. Tenho sentido que são coisas demais para mim.
assustada, sem motivo. ■
Sim, a maioria das vezes não consigo resolvê-las – 3

Sim, muitas vezes – 3 ■
Sim, por vezes não tenho conseguido resolvê-las

Sim, por vezes – 2 como antes – 2

Não, raramente – 1 ■
Não, a maioria das vezes resolvo-as facilmente – 1

Não, nunca – 0 ■
Não, resolvo-as tão bem como antes – 0
7. Tenho-me sentido tão infeliz que durmo mal. 8. Tenho-me sentido triste ou muito infeliz.

Sim, quase sempre – 3 ■
Sim, quase sempre – 3

Sim, por vezes – 2 ■
Sim, muitas vezes – 2

Raramente – 1 ■
Raramente – 1

Não, nunca – 0 ■
Não, nunca – 0
9. Tenho-me sentido tão infeliz que choro. 10. Tive ideias de fazer mal a mim mesma.

Sim, quase sempre – 3 Sim, muitas vezes – 3


Sim, muitas vezes – 2 Por vezes – 2


Só às vezes – 1 Muito raramente – 1


Não, nunca – 0 Nunca – 0

Figura 65.1 – Escala de depressão pós-parto de Edimburgo.

Tratamento
Preconceção ou primeira consulta
Havendo antecedentes de depressão, recomendam-se geralmente os fármacos
que foram previamente eficazes, desde que seguros na gravidez. A desconti-
nuação da terapêutica pode conduzir a recaídas, estando desaconselhada se
existir história de perturbação depressiva recorrente, com episódios graves ou
sintomatologia durante a atual gravidez. A interrupção do tratamento apenas
deverá ser considerada quando ocorre um período livre de sintomatologia de-
pressiva superior a 6-12 meses.

Episódio depressivo ligeiro a moderado


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O tratamento de primeira linha é a psicoterapia, sendo a terapia cognitivo-


-comportamental e a terapia interpessoal as modalidades mais utilizadas. Os
fármacos antidepressivos são uma alternativa se a psicoterapia não for aces- sível
ou aceite pela grávida, se não for eficaz, ou quando há antecedentes de depressão
grave.
240 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Episódio depressivo grave


Os fármacos de primeira linha são os inibidores seletivos de recaptação da
serotonina (ISRS). Os mais utilizados são: sertralina, fluoxetina e citalopram,
estando associados a um risco muito baixo de teratogenicidade. A paroxetina deve
ser evitada durante a gestação, particularmente no 1.º trimestre, porque
condiciona maior risco de malformações cardíacas. A prescrição de ISRS após
as 20 semanas está associada a um risco ligeiro de hipertensão pulmonar
persistente no recém-nascido (RN) (~0,5%). Outros efeitos neonatais comuns
associados à exposição tardia aos ISRS são: tremor, taquipneia, hipoglicemia,
choro fraco e diminuição do tónus muscular, os quais podem ocorrer nos pri-
meiros dias de vida e desaparecem geralmente após 1-2 semanas. Causam
também um ligeiro aumento do risco de hemorragia pós-parto quando tomados no
mês que antecede o parto. A sertralina e a paroxetina são compatíveis com o
aleitamento materno. Foram documentados efeitos muito ligeiros do citalopram nas
crianças em aleitamento materno, mas existe ainda pouca experiência com este
medicamento. Na ausência de resposta aos ISRS, mesmo após otimização da
dose, podem considerar-se os inibidores seletivos de recaptação da seroto- nina
e noradrenalina (ISRSN). Dentro desta classe, o fármaco de primeira linha é a
venlafaxina. Com a toma deste medicamento durante a amamentação, estão
documentados alguns casos de lactentes que apresentaram choro, irrita- bilidade
e padrões anormais de sono, bem como sintomas compatíveis com a suspensão da
venlafaxina após a interrupção do aleitamento materno. Assim, necessita de ser
considerado o risco-benefício deste fármaco na amamentação. Os antidepressivos
tricíclicos associam-se a efeitos neonatais semelhantes aos dos ISRS e ainda a
hipotensão ortostática e efeitos anticolinérgicos tais como obstipação e retenção
urinária, pelo que estão desaconselhados.

Eletroconvulsivoterapia
A eletroconvulsivoterapia (ECT) está indicada na depressão grave (particularmen-
te se existir ideação suicida, sintomas psicóticos ou catatónicos), sobretudo
quando é necessária uma resposta rápida e/ou há refratariedade a outras in-
tervenções. É geralmente bem tolerada, eficaz e segura em todos os trimestres
da gravidez. Estão descritos casos raros de hemorragia vaginal, aborto espon-
tâneo, descolamento da placenta, PPT, insuficiência placentária e bradicardia
transitória. Pode condicionar alterações transitórias da tensão arterial (TA) e o
aparecimento de contrações uterinas. Os efeitos secundários maternos mais
frequentes são alterações transitórias de memória, cefaleias e náuseas. O es-
quema terapêutico mais frequente são 2-3 sessões semanais, com um número
total médio de 6-12 sessões.

PERTURBAÇÃO AFETIVA BIPOLAR


A perturbação afetiva bipolar (PAB) caracteriza-se por uma alternância entre
episódios de mania, hipomania e depressão. Está geralmente indicado o trata-
mento de manutenção com fármacos estabilizadores do humor (p. ex., lítio e
valproato de sódio). O valproato de sódio está contraindicado na gravidez, devido
ao seu elevado risco teratogénico. O lítio é considerado o fármaco de primeira
linha no tratamento da PAB. Está associado a um risco acrescido da anomalia
Perturbações do Humor e da Ansiedade 241

de Ebstein (~0,5%) quando administrado no início da gravidez, mas estudos re-


centes demonstraram uma menor magnitude desse efeito, ocorrendo sobretudo
quando a dose diária é superior a 900 mg/dia. Havendo exposição ao lítio no
1.º trimestre, deve ser realizado um ecocardiograma fetal às 16-18 semanas.
Recomenda-se a monitorização regular dos níveis séricos de lítio, devido às
alterações farmacocinéticas que ocorrem na gravidez e de forma a identificar
eventuais situações de toxicidade que requerem uma abordagem específica.
Quando o lítio é descontinuado, a dose deve ser reduzida lentamente ao longo
de 2-3 semanas, uma vez que o risco de recaída é elevado. As doentes com
PAB necessitam de acompanhamento psiquiátrico regular durante a gravidez e
no pós-parto. Em fase aguda (episódios de configuração depressiva, maniforme
ou mista) a abordagem é geralmente efetuada pela Psiquiatria, podendo ser
necessária a utilização de fármacos antipsicóticos (p. ex., aripiprazol, risperidona,
paliperidona e haloperidol). Os antidepressivos devem ser evitados nos doentes
com PAB e estão indicados apenas em situações particulares, durante curtos
períodos, em associação com um estabilizador de humor. A realização de ECT
pode ser considerada quando existem episódios afetivos graves sem resposta
adequada à terapêutica instituída e em que exista elevado risco de suicídio,
agitação psicomotora grave no contexto de sintomatologia psicótica ou deterio-
ração do estado geral por desnutrição ou desidratação (p. ex., na presença de
manifestações catatónicas).

PERTURBAÇÕES DA ANSIEDADE
Incluem as fobias, a perturbação de pânico, a perturbação da ansiedade ge-
neralizada e a perturbação de stress pós-traumático. Como primeira linha, está
indicada a psicoterapia. A terapêutica com benzodiazepinas está indicada no
tratamento sintomático da ansiedade quando esta é grave e incapacitante, mas
apenas durante um período de tempo limitado. É desaconselhada no tratamento
a médio/longo prazo porque, apesar de aliviar os sintomas, não trata a pertur-
bação da ansiedade de base. Os ISRS (ver “Tratamento do episódio depressivo
grave”) são considerados os fármacos de primeira linha. A combinação de um
antidepressivo com uma benzodiazepina pode ser útil inicialmente numa ansieda-
de grave, com posterior descontinuação da benzodiazepina. Durante a gravidez,
as benzodiazepinas de eleição são as que têm uma semivida curta/intermédia
– clonazepam, oxazepam e lorazepam. Não devem ser utilizadas por mais de
2 semanas, dado o risco de dependência e de complicações neonatais. A sua
administração próxima do termo pode causar toxicidade e abstinência neonatal,
incluindo índice de Apgar baixo, apneia, hipotermia, hiperreflexia, hipertonia ou
hipotonia, irritabilidade, letargia, trémulo, vómitos e dificuldade na alimentação.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

BIBLIOGRAFIA
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NEOPLASIA INTRAEPITELIAL CERVICAL 66
RITA ROSADO, ANA GOMES DA COSTA, ANABELA COLAçO

INTRODUÇÃO
A neoplasia intraepitelial cervical (CIN) ocorre em ~1% das gestações. O rastreio
na grávida é semelhante ao da mulher não grávida: realizar se última citologia há
>3 anos ou teste de papilomavírus humano (HPV) de alto risco há >5 anos. A
gravidez induz alterações no colo do útero que podem mimetizar situações de
displasia cervical, tornando a avaliação colposcópica mais complexa. As biópsias
do exocolo estão reservadas para situações de suspeita de doença de alto
grau ou de doença invasiva, e as biópsias do endocolo estão contraindicadas.
Os tratamentos destrutivos e excisionais também estão contraindicados por-
que comportam um risco hemorrágico de 5-14% e de aborto de ~33%. Mesmo
a CIN 3 tem uma taxa de regressão elevada (48-70%) e risco de progressão
para cancro invasivo durante a gravidez muito reduzido. Assim, perante o diag-
nóstico de CIN e após exclusão de doença invasiva, o tratamento é diferido
para depois do parto. Não se recomenda a vacinação contra o HPV durante
a gravidez. As vacinas quadrivalente e nonavalente podem ser administradas
durante a amamentação.

ABORDAGEM CLÍNICA – ALTERAÇÕES NO RASTREIO


Citologia negativa e teste HPV de alto risco positivo
Se a genotipagem do HPV for positiva para o HPV 16 ou 18, encaminhar para
colposcopia. Se a genotipagem do HPV for positiva para outros HPV de alto
risco, repetir coteste aos 12 meses ou 12 semanas após o parto.

Citologia alterada e teste HPV de alto risco positivo


Se a genotipagem do HPV for positiva para o HPV 16 ou 18, encaminhar para
colposcopia, independentemente do tipo de alteração citológica. Se a genotipa-
gem do HPV for positiva para outros HPV de alto risco, proceder de acordo com
o tipo de alteração citológica, conforme apresentado em seguida.

Atipia citológica minor: ASC-US (atypical squamous cells of undertermined significance) ou LSIL (low grade
squamous intraepithelial lesion)
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

Encaminhar para colposcopia, que pode ser diferida para 12 semanas apóso
parto.

HSIL (high-grade squamous intraepithelial lesion)


Está sempre indicada a realização de colposcopia na gravidez. Se os achados
colposcópicos forem normais, de grau 1 ou de grau 2 e sem aspetos sus- peitos
de invasão, deve ser evitada a realização de biópsias. Nestes casos,
244 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

está indicada a vigilância com coteste e colposcopia em cada trimestre. Se


achados colposcópicos de grau 2 com suspeita de invasão, deve ser realizada
biópsia para excluir lesão invasiva ou microinvasiva. Se o resultado histológico não
documentar invasão, está recomendada a vigilância com coteste e colpos- copia
em cada trimestre, com biópsia se suspeita de agravamento da lesão. Reavaliação
com colposcopia e coteste às 8-12 semanas após o parto. O procedimento
excisional diagnóstico só está indicado se existir forte suspeita de lesão invasiva
oculta.

ASC-H (atypical squamous cells, cannot rule out HSIL)


Está sempre indicada a realização de colposcopia na gravidez, mesmo na pre-
sença de teste HPV de alto risco negativo, devendo a conduta ser igual à das
mulheres com citologia com HSIL.

AGC (atypical glandular cells)


Está sempre indicada a realização de colposcopia na gravidez e ecografia pél-
vica para estudo dos anexos. A curetagem endocervical e a biópsia endometrial
estão contraindicadas na gravidez.

ABORDAGEM CLÍNICA – ACHADOS HISTOLÓGICOS


CIN1 (LSIL)
Sem indicação para tratamento. Referenciar para colposcopia 12 semanas após
o parto.

CIN2 e CIN3 (HSIL)


Está recomendada colposcopia em cada trimestre, com biópsia se suspeita de
agravamento da lesão. O coteste e a colposcopia devem ser repetidas 8-12
semanas após o parto. A biópsia excisional com ansa diatérmica ou laser está
indicada apenas se houver forte suspeita de microinvasão, idealmente entre as
12-18 semanas de gestação.

Adenocarcinoma in situ
Referenciação para colposcopia e orientação individualizada, de acordo com a
idade gestacional.

COLPOSCOPIA NA GRAVIDEZ
Se a junção escamocolunar for visível e a zona de transformação for do tipo 1
ou 2 com achados colposcópicos normais ou de grau 1, não deve ser realizada
biópsia e está indicada a realização de coteste 12 semanas após o parto. Se
a junção escamocolunar não for visível e a zona de transformação for do tipo 3
com achados colposcópicos de grau 2 ou com suspeita de microinvasão, devem
ser efetuadas biópsias em função dos achados. A curetagem endocervical está
contraindicada.
Neoplasia Intraepitelial Cervical 245

BIBLIOGRAFIA

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lesions for cervical cancer prevention, 2013.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS
67 VULVOVAGINITES

CATARINA PAULO DE SOUSA, LUÍSA PINTO

INTRODUÇÃO
Vulvovaginites é o termo genérico que se utiliza para designar os distúrbios
causados pela inflamação da mucosa vulvovaginal ou por alteração da flora va-
ginal. Têm como causas mais frequentes as infeções consideradas no presente
protocolo, podendo também ocorrer inflamação de causa química ou alérgica. O
diagnóstico etiológico tem por base a anamnese e o exame ginecológico, poden-
do também ser úteis o exame a fresco ao microscópio e os testes laboratoriais.

VAGINOSE BACTERIANA
Resulta da proliferação de bactérias anaeróbias, sendo a mais frequente a Gard-
nerella vaginalis. Tem como fatores de risco: múltiplos parceiros ou mudança
recente de parceiro sexual, parceiro sexual do sexo feminino, irrigação vaginal
recente. Esta infeção aumenta o risco de aborto tardio, parto pré-termo (PPT)
e endometrite puerperal. O principal sintoma é o corrimento com cheiro fétido,
mas em mais de 50% dos casos é assintomática. Ao exame ginecológico ob- serva-
se leucorreia branca-acinzentada, espumosa, com cheiro fétido. No examea fresco
visualizam-se células vaginais com margens indistintas recobertas por bactérias
(clue cells) e ausência de polimorfonucleares. Quando colocado hidró- xido de
potássio a 10%, o corrimento apresenta um cheiro fétido característico (teste de
aminas positivo).

Tratamento
Se grávida sintomática, com antecedentes de PPT, com ameaça de PPT ou se
programada para interrupção da gravidez, utilizar um dos seguintes tratamentos:
■ Metronidazol 500 mg per os (PO) 2 vezes/dia ou 250 mg PO 3 vezes/dia,
durante 7 dias;
■ Clindamicina 300 mg PO 2 vezes/dia, durante 7 dias;
■ Cloreto de dequalínio comprimido (comp.) vaginal 10 mg per vagina (PV) 1
vez/dia, durante 6 dias.
Não está recomendado o tratamento do parceiro sexual.

VULVOVAGINITE FÚNGICA
É causada pelo crescimento exagerado de fungos geralmente da espécie Candida
sp. Tem como fatores de risco: diabetes mellitus, imunossupressão, antibiotera-
pia recente. Não está associada a desfechos obstétricos adversos. Os sintomas
principais são: prurido vulvar, ardor vulvar, disúria e dispareunia. No exame
ginecológico pode observar-se eritema vulvovaginal, fissuras ou escoriações,
associados a leucorreia branca espessa, sem cheiro, aderente às paredes da
Vulvovaginites 247

vagina. No exame a fresco visualizam-se pseudo-hifas e polimorfonucleares


abundantes.

Tratamento
Quando sintomática deve realizar um dos seguintes tratamentos:
■ Clotrimazol comp. vaginal 500 mg PV ao deitar em dose única + creme vaginal
2 vezes/dia, durante 7 dias;
■ Econazol óvulo 150 mg PV 1 vez/dia ao deitar durante 3 dias + creme vaginal 2
vezes/dia, durante 7 dias;
■ Sertaconazol óvulo 300 mg PV ao deitar em dose única + creme vaginal 2
vezes/dia, durante 7 dias.
Não está recomendado tratar o parceiro sexual. Não está demonstrado na gravi-
dez o benefício da terapêutica de manutenção em casos de infeção recorrente. O
fluconazol 150 mg PO em dose única pode ser considerado no 2.º e 3.º trimestres,
quando não há melhoria sintomática com os tratamentos tópicos.

TRICOMONÍASE VAGINAL
É uma infeção sexualmente transmissível causada pelo protozoário Trichomonas
vaginalis. Tem como fatores de risco: novo parceiro sexual, outras infeções
sexualmente transmissíveis e está associada a associada a aumento de risco
de rutura prematura de membranas, PPT e restrição de crescimento fetal (RCF).
Tem como sintomas principais: prurido vulvar, ardor vulvar, disúria, polaquiúria,
dispareunia e corrimento com cheiro fétido, podendo também ser assintomática.
Ao exame ginecológico, observa-se corrimento amarelo-esverdeado, arejado,
com odor fétido, eritema vulvovaginal e do colo do útero (colpite em framboesa).
No exame a fresco visualizam-se protozoários flagelados e polimorfonucleares
abundantes. Quando colocado hidróxido de potássio a 10%, o corrimento apre-
senta um cheiro fétido característico (teste de aminas positivo).

Tratamento
Está indicado nas infeções sintomáticas e assintomáticas, usando um dos
seguintes:
■ Metronidazol 500 mg PO 2 vezes/dia, durante 7 dias;
■ Metronidazol 2 g PO toma única.
O parceiro sexual também deve ser tratado.
No caso de infeções vulvovaginais mistas, ou perante incerteza diagnóstica,
pode ser usado o tratamento com cloreto de dequalínio comp. vaginal 10 mg
PV 1 vez/dia, durante 6 dias.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

BIBLIOGRAFIA
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248 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

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MASSAS ANEXIAIS 68
N UNO SIMõES COSTA , I NÊS REIS

INTRODUÇÃO
A incidência de massas anexiais na gravidez é de ~0,1%. Estas são na grande
maioria benignas, de natureza funcional e com regressão espontânea. As lesões
malignas têm uma incidência de ~0,003% e correspondem a ~3% das massas
identificáveis, apresentando-se geralmente em estádios precoces. O diagnóstico
de massas anexiais na gravidez é geralmente incidental, no contexto de uma eco-
grafia obstétrica de rotina; mais raramente, apresentam sintomas inespecíficos
como dor abdominal, dor lombar, distensão abdominal, alterações do trânsito in-
testinal ou queixas urinárias. As massas anexiais podem ser ainda identificadas no
exame físico, como uma massa abdominopélvica ou um abaulamento dos fundos
de saco vaginais. Por vezes, o diagnóstico decorre de uma complicação
relacionada com a massa anexial (ver “Complicações”, à frente neste capítulo)
ou é um achado ocasional na cesariana. As principais causas e diagnósticos
diferenciais das massas anexiais estão consideradas no Quadro 68.1.

Quadro 68.1 – PRINCIPAIS CAUSAS DAS MASSAS ANEXIAIS NA GRAVIDEZ


Lesões do ovário Lesões peritoneais e tubárias
Massas funcionais ■
Cisto de inclusão peritoneal

Corpo lúteo ■
Cisto do paraovário

Cisto folicular ■
Hidrossalpinge

Hiperestimulação ovárica ■
Gravidez heterotópica

Cistos tecaluteínicos

Luteoma
Tumores epiteliais (benignos, malignos, borderline) Leiomiomas

Seroso e mucinoso ■
Pediculados

Endometrioide ■
Do ligamento largo

Células claras

Células de transição
Tumores de células germinativas
Massas não ginecológicas

Teratoma maduro ou imaturo

Disgerminomas ■
Cisto mesentérico

Da vesícula vitelina ■
Massa apendicular

Carcinoma embrionário ■
Doença diverticular
Rim pélvico
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Tumores dos estroma ■


Cisto do úraco

Fibrotecomas

Tumores de células da granulosa

Tumor estromal esclerosante

Sertoli-Leydig
Lesões metastáticas
250 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

ABORDAGEM CLÍNICA
O diagnóstico definitivo é geralmente histológico, mas a imagiologia, a clínica
e o doseamento de marcadores tumorais permitem chegar muitas vezes a um
diagnóstico presuntivo com elevada precisão.

Ecografia
As lesões com <5 cm de diâmetro representam maioritariamente cistos fun-
cionais (folicular ou do corpo lúteo) e ~70% destas situações regridem até ao início
do 2.º trimestre. O corpo lúteo pode persistir em 13-17% das gestações.As lesões
sem características ecográficas de complexidade são geralmente benignas e
representam cistos funcionais, cistos serosos uniloculares, cista- denomas serosos
ou hidrossalpinge. As lesões com características ecográficas de complexidade
podem incluir lesões benignas: corpo lúteo, endometrioma, cisto tecaluteínico,
cistadenoma multilocular, leiomioma pediculado, teratoma quístico maduro ou
gravidez extrauterina. O teratoma quístico maduro é a lesão quística mais
frequente após as 16 semanas e é geralmente benigno (risco de diferenciação
em carcinoma invasivo <2%). As lesões malignas constituem
~10% das massas que persistem durante a gestação, correspondendo a tumores
epiteliais em ~50% e a tumores das células germinativas em ~33% dos casos.
Dos tumores epiteliais, ~50% correspondem a tumores borderline. Em ~20% dos
casos o estudo ecográfico não é conclusivo e pode ser complementado com
ressonância magnética (RM) sem contraste (o gadolínio está contraindicado na
gravidez). A tomografia computorizada (TC) sem contraste pode ser considerada
quando os anteriores não são conclusivos (a dose de radiação habitualmente
utilizada é considerada segura na gravidez).

Marcadores tumorais
O CA-125 está geralmente aumentado no início da gravidez e nas primeiras
semanas pós-parto. Entre as 15 semanas de gestação e o parto, os níveis são
geralmente normais, mas podem estar aumentados na pré-eclâmpsia. A
desidrogenase lática [(LDH), aumentada no disgerminoma] tem geralmente níveis
normais na gravidez, podendo estar aumentada na pré-eclâmpsia. As concentra-
ções de human epididymis protein 4 [(HE4), aumentadas no cancro do ovário] não
parecem ser influenciadas pela gravidez, pelo que o doseamento deste marcador
é útil neste contexto. Outros marcadores como a alfafetoproteína (AFP), a inibina
A, o antigénio carcinoembrionário (CEA) e a gonadotrofina coriónica humana (hCG)
estão elevados durante a gravidez, pelo que a sua interpretação é mais difícil.

Tratamento
A abordagem destas situações deve ter em conta o risco de progressão da doen-
ça, o risco de complicações (ver “Complicações”, à frente neste capítulo) e os
riscos da terapêutica para o feto. Como regra geral, perante uma grávida assin-
tomática e com achados ecográficos sugestivos de benignidade, deve repetir-se
a ecografia após 4 semanas e, não havendo crescimento da lesão, manter-se
uma atitude expectante com reavaliação no pós-parto. Constituem potenciais
indicações cirúrgicas na gravidez: suspeita de malignidade (por características
Massas Anexiais 251

ecográficas ou pelo ritmo de crescimento), presença de formações sólidas com 6-


8 cm (pelo risco de torção) ou qualquer formação com >10 cm na cavidade pélvica
(pelo risco de obstrução do canal de parto). A aspiração guiada por ecografia pode
ser considerada em cistos simples com dimensões >5 cm. Caso exista
necessidade de cirurgia, esta deve idealmente ser realizada entreas 14 e as 20
semanas. Pode ser ponderada a abordagem laparoscópica, masa laparotomia é
mais adequada quando existe forte suspeição de malignidade (ver protocolo “69.
Cirurgia não obstétrica”).

Complicações
Dependem do tamanho da lesão e da idade gestacional e incluem: torção, rotura,
hemorragia, obstrução do canal de parto e apresentação fetal anómala, asso-
ciando-se as três primeiras mais frequentemente a um quadro abdominal agudo.
A torção está descrita em ~5% das gestações com massas anexiais, sendo a
incidência maior para massas de 6-8 cm (~22%); ocorre sobretudo durante o
1.º trimestre da gravidez, diminuindo o risco à medida que a gravidez progride.

BIBLIOGRAFIA
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Practice Bulletin no. 83. Obstet Gynecol. 2007;110(1):201-214.
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WEBB KE, SAKHEL K, ABUHAMAD AZ. Adnexal mass during pregnancy: a review. Am J Perinatol
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© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS
69 CIRURGIA NÃO OBSTÉTRICA

N UNO SIMõES C OSTA , I NÊS REIS

INTRODUÇÃO
As situações que mais frequentemente condicionam uma indicação cirúrgica na
gravidez são: apendicite aguda, doenças das vias biliares, obstrução intestinal,
patologia anexial, patologia mamária e traumatismos. O presente protocolo des-
creve os cuidados específicos a respeitar perante uma cirurgia não obstétrica
durante a gravidez.

CUIDADOS ESPECÍFICOS
Programação da cirurgia
Quando existe uma indicação cirúrgica urgente ou emergente, esta pode ser
realizada em qualquer altura da gravidez, sob o princípio de que os benefícios
do procedimento superam os riscos maternos e fetais. Quando a indicação
cirúrgica não é urgente ou emergente, mas não pode esperar pelo final da
gestação, deve agendar-se preferencialmente para depois do 1.º trimestre. Em-
bora não exista evidência consistente de um acréscimo do risco de aborto ou
do risco teratogénico dos agentes anestésicos e dos procedimentos cirúrgicos
realizados no 1.º trimestre, esta exposição deve por princípio ser minimizada.
Para os procedimentos que envolvem a cavidade abdominal, estes deverão
idealmente ser realizados entre as 14-20 semanas, dado que após este período
as dimensões do útero podem dificultar a cirurgia e tornam mais difícil realizar
o procedimento sem manipulação uterina.

Cuidados pré-operatórios
A decisão cirúrgica e o planeamento da mesma deve incluir uma discussão
multidisciplinar, envolvendo a equipa cirúrgica, Obstetrícia, Anestesiologia e Neo-
natologia. O consentimento informado escrito, para além dos riscos relacionados
com a cirurgia, deve incluir os riscos obstétricos e, nos fetos viáveis, a hipótese
da necessidade de realizar uma cesariana emergente.

Cuidados perioperatórios
■ Jejum pré-operatório de pelo menos 6 horas [8 horas se índice de massa
corporal (IMC) ≥30], exceto em procedimentos emergentes;
■ Profilaxia antibiótica de acordo com o procedimento cirúrgico;
■ Avaliação do risco tromboembólico e aplicação das medidas profiláticas (ver
protocolo “39. Tromboembolismo venoso – profilaxia”);
■ Após as 20 semanas posicionar a grávida preferencialmente em decúbito
lateral esquerdo, para minimizar a compressão aorto-cava;
Cirurgia Não Obstétrica 253

■ A medida mais importante na prevenção da contractilidade é evitar a mani-


pulação uterina. Em cirurgias abdomino-pélvicas, realizadas no 3.º trimestre,
deve considerar-se tocólise profilática. Caso se instale um quadro de contrac-
tilidade uterina na sequência do procedimento, iniciar tocólise (ver protocolo
“18. Parto pré-termo espontâneo e tocólise”);
■ Considerar ciclo de corticosteroides, de acordo com o risco de parto pré-termo
(PPT) associado à doença em causa e ao tipo de cirurgia (ver protocolo “71.
Corticosteroides para indução da maturação fetal”);
■ Avaliar a frequência cardíaca fetal (FCF) antes e após o procedimento, com
um aparelho Doppler portátil. Após as 25 semanas, se a situação for instável
ou condicionar grande risco de PPT, realizar cardiotocografia (CTG) contínua
se esta não interferir com a cirurgia. Se interferir com a cirurgia, realizar CTG antes
e após o procedimento;
■ Nas cirurgias em que ocorra remoção do corpo lúteo, prescrever progesterona
100 mg per vagina (PV) 12/12 horas até às 10 semanas de gestação;
■ Nas situações instáveis, nas cirurgias que necessitam de manipulação uterina ou
quando se realiza CTG contínua é necessária a presença da equipa de
obstetrícia no bloco operatório e a preparação prévia do material cirúrgico e
de reanimação neonatal necessário para realizar uma cesariana emergente.

Laparoscopia
Os benefícios da laparoscopia na mulher grávida são os mesmos que na mulher
não grávida, podendo condicionar menor manipulação uterina. Não existe um
limite absoluto em termos de idade gestacional para a realização de uma lapa-
roscopia, mas o momento ideal é igualmente entre as 14-20 semanas, pelos
motivos enunciados anteriormente.
■ A entrada na cavidade abdominal deve ter em conta o volume do útero graví-
dico. A angulação caudal da agulha de Veress deve ser de 15° podendo ser
necessário modificar os pontos de entrada habituais (Figura 69.1) ou realizar
uma entrada aberta. O desvio lateral do útero pode ajudar a evitar lesões
durante os procedimentos de entrada na cavidade abdominal. Recomenda-se
descompressão gástrica prévia à insuflação e à colocação dos trocars;
■ A pressão intra-abdominal deve manter-se entre 8-12 mmHg, não ultrapas- sando
os 15 mmHg;
■ Está recomendada a monitorização contínua de CO2 (capnografia);
■ O posicionamento em Trendelenburg deve ter em conta a fase da gravidez, sendo
a inclinação menor quanto maior a idade gestacional.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS
254 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Figura 69.1 – Pontos de entrada para a cirurgia laparoscópica durante a gravidez.

Laparotomia
Deve ser reservada para situações de abdómen agudo com sinais francos de
irritação peritoneal ou com instabilidade hemodinâmica, instabilidade clínica,
lesões de grandes dimensões ou com elevado grau de suspeição de maligni-
dade. Pode ser considerada também sempre que o cirurgião não tenha grande
experiência em laparoscopia.

BIBLIOGRAFIA
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Educ Anaesth Critical Care Pain. 2012;12(4):203-206.
ABDÓMEN AGUDO 70
CATARINA POLICIANO, JOAQUIM NUNES

INTRODUÇÃO
O abdómen agudo manifesta-se por um quadro de dor abdominal moderada/
/intensa persistente, de aparecimento mais ou menos súbito, geralmente com
menos de 24 horas de evolução, podendo acompanhar-se de outros sintomas como
náuseas, vómitos e hemorragia vaginal. Trata-se de uma situação urgente,que
exige diagnóstico etiológico rápido, e frequentemente implica uma interven- ção
cirúrgica. Os sinais de irritação peritoneal (defesa, dor à descompressão, rigidez)
podem surgir mais tardiamente nas grávidas, devido à interposição do útero
gravídico e à laxidão dos tecidos da parede abdominal. A avaliação etiológica é
semelhante à da mulher não grávida, não devendo os exames complementares de
diagnóstico e as intervenções terapêuticas ser adiadas,pois tal atitude aumenta
a morbilidade e mortalidade materna e neonatal. Al- gumas causas não
ginecológicas de abdómen agudo são mais frequentes na gravidez, devido às
alterações fisiológicas acompanhantes (obstrução intestinal, pancreatite aguda,
colecistite aguda).

Causas ginecológicas
Rotura de cisto anexial hemorrágico: manifesta-se geralmente por dor aguda
unilateral num dos quadrantes inferiores do abdómen, que pode ser desenca-
deada pelo esforço. Na ecografia pélvica visualiza-se massa anexial com ou sem
hemoperitoneu. A necessidade de intervenção cirúrgica depende da estabilidade
hemodinâmica e da intensidade da dor após analgesia.
Torsão anexial: manifesta-se geralmente por dor aguda num dos quadrantes
inferiores do abdómen. Na ecografia visualiza-se uma massa anexial com au-
sência de vascularização. No entanto, o quadro clínico e a ecografia podem ser
inespecíficos. Perante a suspeita clínica, a cirurgia não deve ser adiada pelo risco
de necrose anexial.
Torsão ou degenerescência de mioma: manifesta-se geralmente por dor pélvi-
ca aguda num dos quadrantes inferiores do abdómen. A suspeita é sobretudo
ecográfica. Só tem indicação cirúrgica se a dor pélvica não ceder à terapêutica
analgésica.
Síndrome de hiperestimulação ovárica: complicação de técnica de procriação
medicamente assistida.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

Causas obstétricas
Gravidez ectópica (GE) rota: ver protocolo “11. Gravidez ectópica”.
Descolamento prematuro de placenta: ver protocolo “21. Descolamento pre-
maturo da placenta”.
Rotura uterina: ver protocolo “84. Hipoxia fetal e tocólise aguda”.
256 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Rotura hepática: hemorragia intra ou extra-hepática (ver protocolo “19. Hiper-


tensão gestacional, pré-eclâmpsia e síndrome de HELLP”).
Tromboflebite pélvica: complicação do puerpério (ver protocolo “81. Febre in-
traparto e corioamnionite").
Complicações da cesariana: hematoma e abcesso intraperitoneais.

Causas não obstétrico-ginecológicas


Apendicite aguda: é a causa mais frequente de abdómen agudo de causa não
obstétrico-ginecológica. O crescimento uterino pode desviar o apêndice da sua
localização habitual, levando a que o ponto álgico se encontre alguns centímetros
acima do ponto de McBurney.
Hemoperitoneu espontâneo: causa rara de abdómen agudo, mais frequente no
2.º trimestre, devido a laceração de veias/varicosidades da face posterior do
útero ou paramétrio. Manifesta-se por dor súbita nos quadrantes inferiores do
abdómen e sinais de choque. O diagnóstico é intraoperatório.
Outras: pancreatite aguda, colecistite aguda, cólica renal, perfuração de úlcera
péptica, gastrenterite aguda, oclusão intestinal, diverticulite aguda, hérnia encar-
cerada (umbilical, inguinal), rotura de aneurisma da aorta abdominal, isquemia
mesentérica, enfarte esplénico, rotura de aneurisma da artéria esplénica, trau-
matismo abdominal, patologia torácica (pneumonia, enfarte agudo do miocárdio).

ABORDAGEM CLÍNICA
Anamnese: o diagnóstico assenta fortemente na caracterização da dor – locali-
zação (ver Quadro 70.1), irradiação, início, duração, tipo, fatores de alívio e de
agravamento, sintomas acompanhantes.
Exame abdominal: pesquisar dor superficial, dor à exploração profunda e de-
fesa à palpação dos diferentes quadrantes abdominais. Deve ser pesquisada
especificamente a dor no ponto de McBurney e o sinal de Murphy, bem como
a dor à descompressão abdominal.
Exame vaginal: avaliação das características cervicais e da presença de dor à
exploração dos fundos de saco vaginais.
Avaliação laboratorial: hemograma, ionograma, função hepática (transaminases,
bilirrubina), amílase pancreática, exame sumário de urina.
Ecografia pélvica
CTG: se gestação >25 semanas.
Analgesia adequada: diversos estudos demonstram uma acuidade diagnóstica
semelhante quando se institui uma analgesia adequada.
Caso as causas obstétricas e ginecológicas de abdómen agudo tenham sido
excluídas, a grávida deve ser observada pela Cirurgia Geral. Em caso de dúvida
diagnóstica, os exames subsidiários subsequentes dependem das hipóteses
consideradas mais prováveis. A ressonância magnética (RM) é preferível à to-
mografia axial computadorizada, evitando radiação ionizante e tendo geralmente
uma acuidade diagnóstica equivalente. Se a avaliação clínica e os exames
complementares de diagnóstico não permitirem identificar a etiologia e a doente
Abdómen Agudo 257

estiver estável e com a dor controlada, poderá ser internada e posteriormente


reavaliada. Outra alternativa é a realização de laparoscopia diagnóstica.

Quadro 70.1 – PRINCIPAIS E TIOLOGIAS DO A BDÓMEN AGUDO, DE ACORDO COM A LOCALIZAçÃO DA DOR
Quadrante superior direito Epigastro Quadrante superior esquerdo

Colecistite Gastrite
■ ■
Gastrite

Cólica biliar Úlcera péptica
■ ■
Úlcera péptica

Colangite Pancreatite
■ ■
Pancreatite

Hepatite Colecistite
■ ■
Esplenomegalia

Abcesso hepático Trombose/isquemia mesen-
■ ■
Rotura esplénica

Pancreatite térica ■
Oclusão intestinal

Úlcera péptica Oclusão intestinal
■ ■
Diverticulite do ângulo es-

Apendicite na gravidez tardia Enfarte agudo do miocárdio

plénico

Oclusão intestinal Pericardite
■ ■
Pneumonia

Doença inflamatória intes- ■
Enfarte agudo do miocárdio
Periumbilical
tinal ■
Pericardite

Pneumonia Apendicite (inicial)

Enterocolite

Quadrante inferior esquerdo
Quadrante inferior direito Trombose/isquemia mesen-
■ ■
Diverticulite

Apendicite térica ■
Apendicite

Doença inflamatória intes- Oclusão intestinal
■ ■
Oclusão intestinal
tinal Doença inflamatória intes-
■ ■
Colite isquémica

Diverticulite de Meckel ou tinal ■
Hérnia encarcerada
cecal Rotura da aorta abdominal
■ ■
GE

Adenite mesentérica Aneurisma
■ ■
Salpingite

Oclusão intestinal Hérnia encarcerada
■ ■
Torção anexial

Hérnia encarcerada ■
Rotura de cisto anexial
Hipogastro

GE ■
Nefrolitíase
Salpingite Apendicite

■ ■
Pielonefrite
Enterocolite


Torção anexial

Rotura de cisto anexial Diverticulite


Nefrolitíase Oclusão intestinal


Pielonefrite Doença inflamatória intes-

tinal
Hérnia

GE

Salpingite

Torção anexial

Rotura de cisto anexial


BIBLIOGRAFIA
BIRNBAUM A, SCHECHTER C, TUFARO V, et al. Efficacy of patient-controlled analgesia for pa-
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Cuidados Periparto
V
CORTICOSTEROIDES PARA INDUÇÃO DA
MATURIDADE FETAL 71
DIOGO AYRES DE CAMPOS, L UÍSA P INTO

INTRODUÇÃO
Nas situações clínicas em que é previsível que ocorra um parto pré-termo (PPT)
a curto prazo, a administração materna de corticosteroides com capacidade de
atravessar a placenta reduz a incidência de morte neonatal, de síndrome de
membrana hialina, enterocolite necrotizante e hemorragia intraventricular nos
recém-nascidos (RN). No entanto, os benefícios deixam de ser claros após as
35+0 semanas de gestação. O ciclo de corticosteroides consiste num dos seguintes
esquemas terapêuticos alternativos:
■ Betametasona acetato/fosfato: duas doses de 12 mg intramuscular (IM) com
24 horas de intervalo;
■ Dexametasona: quatro doses de 6 mg IM com 12 horas de intervalo.

INDICAÇÕES
Gestações entre as 24+0 e as 34+6 semanas, em que existe uma elevada proba-
bilidade de que o parto ocorra nos 7 dias seguintes. Incluem-se nestas situa-
ções o trabalho de PPT, a rotura prematura de membranas (RPM), a hemorragia
vaginal moderada/abundante, pré-eclâmpsia, etc. A eficácia máxima observa-se nas
24 horas após a administração da última dose de corticosteroides. No entanto,
existe benefício mesmo quando o parto ocorre antes de completado o ciclo,
pelo que é vantajoso efetuar pelo menos uma administração (exceto quando o
parto está iminente). Constituem contraindicações para a utilização de
corticosteroides a infeção materna grave e a corioamnionite clínica (ver
“Situações particulares”).

Situações particulares
■ As grávidas medicadas cronicamente com corticosteroides devem também
realizar ciclo de corticosteroides para maturação fetal, dado que só a betame-
tasona e a dexametasona atravessam adequadamente a barreira placentária;
■ Nas situações urgentes e emergentes (p. ex., hemorragia vaginal abundante,
síndrome de HELLP, etc.) não deve ser protelado o parto com o objetivo de
aguardar o efeito dos corticosteroides;
■ Na gravidez múltipla, apesar de os níveis circulantes dos corticosteroides serem
IDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

inferiores aos observados na gestação unifetal, as doses a administrar são


semelhantes;
■ Nas gestações com parto previsível entre as 23+0-23+6 semanas, a adminis- tração
de corticosteroides apenas deve ser considerada depois de os proge- nitores
terem sido esclarecidos do prognóstico do RN (pela Obstetrícia e pela
Neonatologia) e terem optado pela realização de manobras de reanimação após
262 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

■ Na grávida diabética, os corticosteroides aumentam a resistência à insulina, pelo


que se devem monitorizar mais frequentemente as glicemias e conside- rar a
administração de insulina (ver protocolos “41. Diabetes prévia” e “42. Diabetes
gestacional”).

CICLO DE RESGATE
A administração de múltiplos ciclos de corticosteroides a intervalos regulares
não é recomendada, por se associar a maior morbilidade fetal e infantil. Está
recomendada uma repetição única do ciclo de corticosteroides (ciclo de resgate)
nos casos em que:
■ Há um novo evento que faça prever que o parto vá ocorrer nos 7 dias se-
guintes;
■ Gestação com <34+0 semanas;
■ Ciclo inicial terminado pelo menos 14 dias antes.

BIBLIOGRAFIA
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NEUROPROTEÇÃO FETAL COM SULFATO DE MAGNÉSIO 72
DIOGO AYRES DE CAMPOS, L UÍSA P INTO

INTRODUÇÃO
A prematuridade é um importante fator de risco para a ocorrência de paralisia
cerebral, tendo esta uma incidência 80 vezes superior em crianças nascidas entre
as 24-28 semanas de gestação. Apesar do seu mecanismo de ação não ser
ainda totalmente compreendido, a administração materna de sulfato de magnésio
(MgSO 4) até às 32 semanas de gestação diminui significativamentea incidência
e a gravidade de paralisia cerebral na infância.

INDICAÇÕES
A administração de MgSO 4 para neuroproteção fetal está indicada em gestações
entre as 24+0-31+6 semanas quando ocorre:
■ Trabalho de parto pré-termo (PPT) em que seja previsível que o parto ocorra
nas 12 horas seguintes (contractilidade uterina regular na fase ativa do pri-
meiro período do trabalho de parto ou contractilidade uterina muito intensa
e frequente na fase latente do trabalho de parto);
■ Qualquer indicação para terminação eletiva da gravidez.
Contraindicações: Miastenia gravis, insuficiência cardíaca e defeitos de con-
dução cardíaca.

ESQUEMA POSOLÓGICO DE MgSO4


Dose de carga: 4 g de MgSO 4 em 100 ml de soro fisiológico (SF) em perfusão
endovenosa (EV) durante 20 minutos [diluir 2 ampolas (amps.) de MgSO 4 a
20% – cada ampola (amp.) de 10 ml contém 2 g de MgSO 4 – em 100 ml de
SF e administrar em bomba perfusora a 300 ml/hora], seguida da dose de
manutenção.
Dose de manutenção: MgSO 4 em perfusão EV a 1 g/hora (diluir 5 amps. de
MgSO4 a 20% em 500 ml de SF e administrar em bomba perfusora a 50 ml/
/hora) até ao parto. A perfusão deve ser suspensa às 12 horas, exceto se o parto
estiver iminente.
Efeitos secundários: cefaleias, confusão, letargia, ansiedade, sensação de fra-
queza, sensação de calor ou de frio, suores, sensação de desmaio, palpitações,
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

dificuldade respiratória, hipotensão, contração muscular.


Cuidados adicionais durante a administração de MgSO 4: registo da diurese com
debitómetro, avaliação do reflexo patelar de 4/4 horas, avaliação da frequência
respiratória e da magnesemia de 6/6 horas (intervalo menor se insuficiência renal
ou se sinais clínicos de toxicidade). A magnesemia deve manter-se abaixo dos 6
mg/dl. Os reflexos tendinosos perdem-se com níveis séricos de magnésio de 9-12
mg/dl e a paragem respiratória ocorre com níveis >12 mg/dl.
264 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Reinício da perfusão de MgSO4


Após a suspensão da perfusão, se voltar a ocorrer qualquer uma das indicações
para administração de MgSO 4 anteriormente descritas, o reinício da perfusão
depende da duração da interrupção:
■ Menos de 6 horas: reiniciar apenas com dose de manutenção (ver “Esquema
posológico de MgSO 4”);
■ Mais de 6 horas: iniciar dose de carga seguida de dose de manutenção (ver
“Esquema posológico de MgSO 4”).

Se ocorrerem sinais de toxicidade por MgSO4


Administrar gluconato de cálcio a 10% (solução injetável 97 mg/ml), 15-30 ml
EV em bólus, durante 2-5 minutos.

BIBLIOGRAFIA
AMERICAN COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS. Magnesium sulfate before anti- cipated
preterm birth for neuroprotection. Committee Opinion no. 455. Obstet Gynecol.
2010;115(3):669-671.
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VERSÃO CEFÁLICA EXTERNA 73
M ARIA DE CARVALHO AFONSO, DIOGO AYRES DE CAMPOS, LUÍSA PINTO

INTRODUÇÃO
A versão cefálica externa (VCE) permite reduzir a incidência de apresentações
não cefálicas a termo e diminuir a taxa de cesarianas por este motivo. A taxa de
sucesso da VCE ronda os 50% (60% nas multíparas, 40% nas nulíparas). Após
uma VCE com sucesso, 97% dos fetos mantêm-se em apresentação cefálica até
ao parto. O desconforto que a VCE provoca é muito variável, mas deve infor-
mar-se sempre a grávida que a manobra será imediatamente suspensa se não
estiver a tolerar a dor. As complicações da VCE são muito raras e geralmente
limitadas a desacelerações transitórias da frequência cardíaca fetal (FCF). Em
0,45% das VCE ocorre descolamento da placenta ou bradicardia fetal susten- tada,
que levam à necessidade de realizar rapidamente uma cesariana. A VCE deve ser
oferecida a todas as mulheres com gravidez única e feto em situação transversa
ou em apresentação pélvica, a partir das 36 semanas, desde que não
apresentem nenhuma das seguintes contraindicações:
■ Outra indicação para parto por cesariana (placenta prévia, duas cesarianas
anteriores, etc.);
■ Risco elevado de descolamento de placenta (hemorragia vaginal ativa, ante-
cedentes de descolamento de placenta);
■ Rotura prematura de membranas (RPM) e dilatação cervical (risco de prolapso
do cordão);
■ Malformações major da cavidade uterina;
■ Restrição de crescimento fetal (RCF) com alterações fluxométricas que con-
traindiquem um parto vaginal;
■ Cardiotocografia (CTG) suspeita ou patológica;
■ Cabeça fetal deflectida com ângulo superior a 90°;
■ Duas ou mais circulares cervicais apertadas.
A cesariana anterior, o trabalho de parto em início sem dilatação cervical, o
oligoâmnio isolado e a evidência ecográfica de uma circular cervical não cons-
tituem contraindicações para a VCE.

PROCEDIMENTO
Aconselhar a grávida a ingerir apenas líquidos claros (água, chá, sumos sem polpa,
com ou sem açúcar) nas 8 horas anteriores e ficar em jejum nas 2 horas anteriores.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

A VCE realiza-se numa sala onde esteja disponível um ecógrafo, em regime de


internamento para observação.

Previamente à VCE
■ A grávida deve esvaziar a bexiga;
■ CTG com critérios de normalidade (mínimo de 20 minutos);
266 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

■ Ecografia para avaliar: apresentação fetal, localização da placenta, estimativa


de peso fetal (EPF), volume do líquido amniótico (LA), existência de circulares
cervicais e estado de flexão da cabeça;
■ Obter consentimento informado escrito;
■ Se útero tenso iniciar tocólise com salbutamol 1 ampola (amp.) de 5 mg
(5 mg/5 ml) em 100 ml de soro fisiológico (SF) em bomba perfusora a 3 ml/
/hora. Aumentar 3 ml/hora a cada 15 minutos, até haver palpação fácil das
partes fetais ou a frequência cardíaca materna (FCM) ≥100 batimentos por
minuto (bpm) (contraindicações: doença cardíaca isquémica, doença valvular,
alterações do ritmo cardíaco, doença pulmonar crónica, hipertensão pulmonar.
Nessas situações fazer atosiban bólus de 6,75 mg/0,9 ml).

Manobras de VCE
Posicionar a grávida em decúbito dorsal, ligeiramente inclinada para a esquer-
da. Tentar primeiro a cambalhota fetal anterógrada. Com uma mão eleva-se a
pelve fetal acima da bacia materna, puxando-a para um dos flancos. Com a
outra mão dirige-se o polo cefálico na direção da bacia materna. Na segunda e
terceira tentativas pode tentar-se a cambalhota fetal retrógrada. As tentativas
não devem ultrapassar 2 minutos de duração e devem ser intervaladas por,
pelo menos, 1 minuto de repouso. Durante os intervalos deve avaliar-se a FCF.
Suspender a manobra se: dor intolerável referida pela grávida, desaceleração da
FCF (<90 bpm durante >1 minuto). Abandonar a VCE: ao segundo episódio de
dor intolerável referida pela grávida, se desaceleração prolongada da FCF (<90
bpm durante >3 minutos) ou após três tentativas sem sucesso.

Após a VCE (com ou sem sucesso)


■ CTG durante 60 minutos;
■ Em grávidas Rh (D) negativas com Coombs negativo, se progenitor masculi-
no Rh (D) positivo ou desconhecido, administrar imunoglobulina (Ig) anti-D 300
mcg (1 500 UI) intramuscular (IM) (exceto se o grupo sanguíneo do feto for
Rh (D) negativo ou se tiver feito Ig anti-D nas 6 semanas anteriores).

BIBLIOGRAFIA
AMERICAN C OLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS . External cephalic version. Practice
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INDUÇÃO DO TRABALHO DE PARTO E
MATURAÇÃO CERVICAL 74
M ARIA DE C ARVALHO AFONSO , S USANA SANTO

INTRODUÇÃO
Entende-se por indução do trabalho de parto o desencadeamento artificial de
contrações uterinas rítmicas, que condicionam dilatação e apagamento do colo
uterino, e o consequente início do trabalho de parto. A maturação cervical é um
processo lento que envolve modificações na estrutura interna do colo, tornando-o
apto a dilatar. Na altura em que se estabelece uma indicação para indução do
trabalho de parto, a maturação cervical pode já ter ocorrido espontaneamente
ou pode ser necessário desencadeá-la previamente.
A avaliação do índice de Bishop modificado (Tabela 74.1) é essencial para de-
terminar a necessidade de maturação cervical antes de se realizar uma indução
do trabalho de parto. Assim, na presença de um índice de Bishop desfavorável
(<6) é necessária a maturação cervical (que sempre que possível será reali-
zada em ambulatório), para assegurar o maior sucesso da posterior indução
do trabalho de parto. Perante um índice de Bishop favorável (≥6) a maturação
cervical prévia é desnecessária.

Tabela 74.1 – ÍNDICE DE BISHOP MODIFICADO


0 1 2 3
Posição do colo Posterior Intermédio Anterior –
Consistência cervical Duro Intermédio Mole –

Apagamento cervical 0-30% 40-50% 60-70% ≥80%


Dilatação cervical (cm) 0 1-2 3-4 ≥5
Estádio da apresentação -3 -2 -1/0 ≥+1

Constituem indicações para indução do trabalho de parto as complicações de


saúde maternas ou fetais que beneficiam com a terminação da gravidez, mas
que não implicam o nascimento quase imediato. Nestas situações, pressupõe-
-se que os riscos de deixar a gestação prosseguir são superiores aos riscos
da indução. São indicações para indução do trabalho de parto: complicações
médicas ou obstétricas que põem em risco a saúde materna ou fetal, morte fetal,
rotura prematura de membranas (RPM) a partir das 36 semanas e idade
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

gestacional ≥41+0 semanas. Para diminuir o risco de complicações neonatais


deverá, sempre que possível, ser evitada a indução do trabalho de parto antes
das 39 semanas de gestação, exceto em situações em que exista um claro
benefício de saúde para a mãe ou para o feto. Constituem contraindicações
absolutas para a indução do trabalho de parto: existência de três ou mais
cesarianas anteriores, cesariana anterior com incisão não segmentar, cirurgia
268 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

uterina prévia que envolve grande extensão do miométrio ou com entrada na


cavidade, e todas as situações que contraindicam o parto vaginal.

MÉTODOS DE MATURAÇÃO CERVICAL


Balão de Foley
A maturação cervical com balão de Foley associa-se a uma elevada taxa de sucesso
na alteração do índice de Bishop, juntamente com uma baixa prevalên- cia
(~0,26%) e pouca gravidade de efeitos adversos. Está contraindicada nas
situações de RPM. Deve constituir a primeira escolha nas grávidas com cesa- riana
anterior e nas gestações gemelares. Envolve os seguintes procedimentos:
■Cardiotocografia (CTG) normal durante pelo menos 20 minutos antes de co- locar
o balão;
■Após desinfeção cervical, introduzir o balão através do canal cervical comuma
pinça de Cheron. Depois de ultrapassar o orifício cervical interno, insuflar com
40 ml de água destilada e posteriormente tracionar, sendo o tubo fixado à face
interna da coxa;
■CTG durante 1 hora;
■As grávidas com gestação gemelar, cesariana anterior ou com fatores derisco
materno-fetal relevantes [hemorragia vaginal, descolamento placentário, pré-
eclâmpsia, hipertensão gestacional, hipertensão arterial (HTA) mal contro- lada,
diabetes mal controlada, colestase gravídica sintomática ou com níveis
elevados de ácidos biliares, restrição de crescimento fetal (RCF), redução dos
movimentos fetais, etc.] devem ficar internadas no setor de Medicina
Materno-Fetal e realizar CTG sempre que ocorra dor ou contractilidade ute-
rina rítmica. As restantes poderão ter alta, se não houve intercorrências no
procedimento e a CTG estiver normal;
■Sem restrições de dieta;
■Paracetamol 1 g per os (PO) em SOS de 8/8 horas (venda livre);
■Recorrer à urgência de Obstetrícia e Ginecologia ou chamar médico se: perda de
líquido ou hemorragia vaginal, dor abdominal que não cede à analgesia ou
contrações uterinas rítmicas e dolorosas. Caso nenhum destes aconteça,
recorrer à urgência de Obstetrícia e Ginecologia ou reavaliação na manhã
seguinte;
■ Na reavaliação: indução do trabalho de parto com ocitocina se índice de Bishop

≥6 (ver “Métodos de indução do trabalho de parto”, à frente neste capítulo).


Ponderar novo ciclo de maturação cervical se índice de Bishop <6,a iniciar
imediatamente.

Dinoprostona insert vaginal 10 mg (Propess®, prostaglandina E2, sistema de


libertação prolongada)
A maturação cervical com o insert de dinoprostona está associada a uma ele- vada
taxa de sucesso na modificação do índice de Bishop. Em ~30% dos casos
desencadeia o trabalho de parto e em ~5% causa taquissistolia, por vezes com
alterações da CTG. Nestes casos é possível a remoção imediata do insert, com
reversão da situação em 2-13 minutos. Pode ser utilizada nas situações de RPM.
Nas grávidas com cesariana anterior, gestações gemelares monocoriónicas, ou
Indução do Trabalho de Parto e Maturação Cervical 269

RCF com alterações fluxométricas importantes, deve ser realizada no bloco de


partos. Está contraindicada se: hipersensibilidade ao fármaco, mais de uma
cesariana anterior ou glaucoma. Envolve os seguintes procedimentos:
■ Internamento no setor de Medicina Materno-Fetal;

■ CTG normal durante pelo menos 20 minutos antes de colocar o insert;

■ Colocar cateter venoso, sem necessidade de iniciar soros por rotina.

■ Introdução do insert de dinoprostona transversalmente no fundo de saco

vaginal posterior;
■Decúbito lateral durante 30 minutos após a aplicação. Sem restrições poste-
riores de deambulação, mesmo após rotura de membranas, se o colo estiver
fechado ou a apresentação apoiada;
■Sem restrições de dieta;
■CTG 1 vez/turno durante 1 hora. CTG contínua a partir do momento em que
ocorra dor ou contractilidade uterina rítmica;
■Paracetamol 1 g endovenoso (EV) em SOS de 8/8 horas, tramadol 100 mg EV
em SOS de 6/6 horas, ondansetron 4 mg EV bólus lento em SOS de8/8
horas;
■Transferir para o bloco de partos se fase ativa do trabalho de parto (≥4 cm
de dilatação com ≥80% de apagamento), necessidade de realizar analgesia
adicional, ou necessidade de monitorização materno-fetal mais apertada
(p. ex., CTG suspeita, hemorragia vaginal relevante);
■Retirar insert de dinoprostona se: taquissistolia com alterações da CTG (ver
“Complicações”, à frente neste capítulo), fase ativa do trabalho de parto, CTG
patológica, ou ao final de 24 horas;
■Na reavaliação (após exteriorização espontânea ou deliberada): indução do tra-
balho de parto se índice de Bishop ≥6 e já tiverem passado 30 minutos após
a remoção. Ponderar novo ciclo de maturação cervical se índice de Bishop <6.

Misoprostol (Cytotec®, análogo da prostaglandina E1)


A maturação cervical com misoprostol está associada a uma taxa de sucesso
na modificação do índice de Bishop semelhante à do insert de dinoprostona.
Em ~50% dos casos desencadeia o trabalho de parto e em ~10% causa ta-
quissistolia, por vezes com alterações da CTG. Pode ser utilizado na RPM.Está
contraindicado nas grávidas com cesariana anterior, hipersensibilidade ao
fármaco e glaucoma. Envolve os seguintes procedimentos:
■ Internamento no bloco de partos;
■ CTG normal durante pelo menos 20 minutos antes de iniciar a maturação
cervical;
■ Colocar cateter venoso, sem necessidade de soros por rotina;
■ Manter alimentação com líquidos claros e gelatina.
■ Misoprostol 25 mcg per vagina (PV) de 4/4 horas, no fundo de saco vaginal
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

posterior. Dose máxima 125 mcg/dia (5 aplicações);


■ Decúbito lateral durante 30 minutos após cada aplicação. Sem restrições
posteriores de deambulação, mesmo após rotura de membranas, se o colo
estiver fechado ou a apresentação apoiada;
■ CTG contínua, exceto quando a grávida se desloca ao quarto de banho;
■ Paracetamol 1 g EV em SOS de 8/8 horas, tramadol 100 mg EV em SOS de
6/6 horas, ondansetron 4 mg EV bólus lento em SOS de 8/8 horas;
270 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

■ Avaliação da tensão arterial (TA) e da frequência cardíaca materna (FCM) de


4/4 horas;
■ Se houver ≥5 contrações/10 minutos, deve protelar-se a próxima aplicação; Nas
■ reavaliações: indução do trabalho de parto se índice de Bishop ≥6 e já tiverem
passado 4 horas da última administração. Ao fim de um ciclo completo (5
aplicações), se índice de Bishop se mantiver <6, ponderar novo ciclo de
maturação cervical, a iniciar imediatamente ou após uma pausa de até 24
horas, conforme preferência da grávida.

MÉTODOS DE INDUÇÃO DO TRABALHO DE PARTO


Ocitocina: ver protocolo “80. Ocitocina na indução e aceleração do trabalho
de parto”.
Amniotomia: só deve ser realizada se dilatação cervical ≥2 cm e a apresentação
estiver apoiada. Após amniotomia deve aguardar-se pelo menos 30 minutos
antes de iniciar ou aumentar o ritmo de perfusão ocitócica. Contraindicada se
seropositividade para hepatite B, C, D ou vírus da imunodeficiência humana (VIH),
ou suspeita de procidência do cordão umbilical.

COMPLICAÇÕES DA MATURAÇÃO CERVICAL E DA INDUÇÃO DO TRABALHO DE


PARTO
■ Taquissistolia: definida como a ocorrência de ≥5 contrações em dois períodos
consecutivos de 10 minutos, ou >15 contrações em 30 minutos, podendo ou não
condicionar alterações da CTG;
■ Alterações CTG: ver protocolo “83. Cardiotocografia – interpretação”. Suspen-
der ocitocina, retirar insert de dinoprostona, ou retirar cápsula de misoprostol
(se ainda for possível). Ponderar tocólise aguda (ver protocolo “84. Hipoxia
fetal e tocólise aguda”);
■ Rotura uterina: ver protocolo “84. Hipoxia fetal e tocólise aguda”.

MATURAÇÃO CERVICAL E INDUÇÃO DO TRABALHO DE PARTO NEGATIVAS


Define-se maturação cervical negativa como a manutenção do índice de Bishop
<6, após dois ciclos de maturação cervical. Nestas situações devem ser con-
sideradas as alternativas: indução do trabalho de parto com ocitocina e a
amniotomia (se tecnicamente possível) ou parto por cesariana. A decisão deve ser
individualizada e tomada por um médico especialista, tendo em conta a situação
psicológica e as expectativas da grávida.
Define-se indução do trabalho de parto negativa como a ausência de entrada em
fase ativa do trabalho de parto ao final de 24 horas de perfusão ocitócica, após
rotura de membranas (se tecnicamente possível). A abordagem destas situações
deve ser individualizada, sendo a cesariana uma hipótese forte a considerar.
Indução do Trabalho de Parto e Maturação Cervical 271

BIBLIOGRAFIA
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Gynecologists Workshop. Obstet Gynecol. 2012;120(5):1181-1193.
THOMPSON MR, TOWERS CV, HOWARD BC, et al. The use of prostaglandin E1 in peripartum
patients with asthma. Am J Obstet Gynecol. 2015;212(3):392.e1-3.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS
75 CUIDADOS DE ROTINA DURANTE O
TRABALHO DE PARTO

DIOGO AYRES DE CAMPOS, ISABEL VITAL, FILIPA LANçA, GRAçA OLIVEIRA

INTRODUÇÃO
O presente protocolo define os cuidados de rotina a serem prestados durante
o trabalho de parto, podendo ser necessárias medidas diferentes ou adicionais em
situações de risco ou de inadequada evolução do mesmo. Define-se fase latente
do 1.º período como o intervalo que decorre entre o início do trabalho departo e
os 4 cm de dilatação (exclusive). Nestas situações não se preconiza o
internamento por rotina, exceto quando este for considerado a melhor forma de
gerir a situação clínica por motivos de dor, ansiedade, dificuldade de acesso ao
hospital ou vigilância materno-fetal. Define-se fase ativa do 1.º período como o
intervalo que decorre entre a dilatação cervical ≥4 cm, com apagamento ≥80%
e a dilatação completa. Define-se fase latente do 2.º período como o intervalo
entre o momento em que é detetada dilatação cervical completa até ao momento
em que se iniciam os esforços expulsivos maternos. Define-se fase ativa do 2.º
período como o intervalo entre o início dos esforços expulsivos maternos e o
nascimento total do feto. Quando na equipa médica ou de enfermagem existirem
elementos que necessitem de prática na assistência ao parto eutócico, haverá
uma articulação entre os profissionais de saúde de forma a assegurarem uma
distribuição equitativa (começando sempre pelo elemento mais novo), para que
estes elementos possam realizar os exames vaginais durante o trabalho departo
e a assistência à fase ativa do 2.º período.

NA ALTURA DO INTERNAMENTO
Cuidados de enfermagem
■ Avaliação da temperatura auricular;
■ Avaliação da tensão arterial (TA) com medidor automático, no braço direito, com
a grávida sentada, pernas descruzadas, cotovelo apoiado, braçadeira colocada
ao nível do coração, após um período mínimo de 5 minutos sentada. Se o
perímetro do braço <35 cm usar braçadeira de adulto, se 35-45 cmusar
braçadeira grande e se perímetro >45 cm usar braçadeira extragrande.
■ Avaliação da proteinúria se TA sistólica ≥140 ou TA diastólica ≥90 mmHg (exceto
se houver rotura de membranas).

Cuidados médicos
■ Pedido de hemograma, estudo da coagulação com fibrinogénio e tipagem:
se houver antecedentes de hemorragia pós-parto major, coagulopatia heredi-
tária ou adquirida, útero miomatoso, cesariana anterior, multíparas com ≥5
partos, gestações múltiplas, polihidrâmnios, suspeita de macrossomia fetal,
suspeita de corioamnionite, hemoglobina (Hb) <10g/dl ou trombocitopenianas
análises do 3.º trimestre, terapêutica anticoagulante e/ou antiagregante,
Cuidados de Rotina Durante o Trabalho de Parto 273

índice de massa corporal (IMC) >35, pré-eclâmpsia, ausência de análises do


3.º trimestre;
■ Pedido de 2U de concentrado de eritrócitos (para além das análises consi-
deradas no ponto anterior): se houver hemorragia ativa, suspeita de descola-
mento da placenta, placenta prévia, suspeita de placenta acreta, coagulopatias
hereditárias ou adquiridas, fibrinogénio <4 g/dl, plaquetas <100×109/l;
■ Pedido de teste rápido do vírus da imunodeficiência humana (VIH) e anti-
génio de superfície do vírus da hepatite B (Ag HBs): quando as respetivas
serologias do 3.º trimestre não estão disponíveis;
■ Pedido de avaliação por anestesiologista: de acordo com critérios em anexo.

NA FASE LATENTE DO 1.º PERÍODO (a efetuar pelo enfermeiro da sala)


■ Entrega do folheto “Guia de acolhimento ao bloco de partos”;
■ Cateterização de uma veia, preferencialmente no membro superior direito,
com agulha de 18 ou 20 G. Não administrar soros por rotina em grávidas
saudáveis, com gravidez sem intercorrências, com início de trabalho de parto
espontâneo e sem cesariana anterior. Nas restantes, administrar soro poliele-
trolítico com 5% glicose 1 000 ml endovenoso (EV) ao ritmo de 125 ml/hora;
■ Avaliação da temperatura auricular, pulso radial e TA de 4/4 horas;
■ Avaliação da tolerância à dor em todas as interações com a grávida. Ajudar a
grávida com métodos não farmacológicos de alívio da dor quando solicitado.
Sempre que a parturiente considerar métodos farmacológicos de alívio da
dor, entregar panfleto “Métodos farmacológicos para alívio da dor do parto”
e depois chamar anestesiologista. Chamar anestesiologista sempre que for
necessário otimizar a analgesia em curso;
■ Exame vaginal de 4/4 horas se nada ocorrer que justifique exame vaginal
imediato (vontade de realizar esforços expulsivos, desaceleração prolongada,
necessidade de monitorização interna). Nas grávidas com trabalho de parto
induzido ou acelerado e naquelas com cesariana anterior, quando há contra-
ções rítmicas, o exame vaginal será de 2/2 horas;
■ A não evolução da dilatação ou apagamento num intervalo de 4 horas deverá
ser comunicada a um obstetra;
■ Monitorização cardiotocográfica externa contínua até ao parto, preferencial-
mente com telemetria. Havendo perda de sinal frequente e recorrente e não
havendo contraindicações [herpes genital ativo, seropositividade VIH com car-
ga viral (CV) positiva, seropositividade para hepatite B, C ou D, suspeita de
alterações da coagulação fetal, incerteza sobre a apresentação, ou quando a
rotura artificial de membrana é desaconselhada por a apresentação não estar
insinuada], realizar monitorização interna da frequência cardíaca fetal (FCF).
Chamar obstetra se cardiotocografia suspeita ou patológica (ver protocolo
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

“83. Cardiotocografia – interpretação”);


■ Registo no partograma de todos os dados recolhidos;
■ Encorajamento da mobilização (levantar-se, caminhar, sentar-se na bola), mes- mo
após rotura de membranas desde que a apresentação esteja insinuadano
canal do parto;
■ Oferecer líquidos claros (água, chá com ou sem açúcar, sumos sem polpa), ge-
latina, ou gelados de água com sabor a fruta, conforme a parturiente desejar;
274 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

■ Não proceder a amniotomia artificial por rotina nas mulheres com início de
trabalho de parto espontâneo.
Nas parturientes submetidas a analgesia do neuroeixo alteram-se os seguintes
cuidados:
■ Administração de soro polieletrolítico com 5% glicose 1 000 ml EV ao ritmo
de 125 ml/hora;
■ Avaliação do pulso radial e TA com medidor automático 10 minutos após cada
administração do bólus e nas situações de “analgesia epidural controlada
pelo doente”, nos 10 minutos que se seguem ao bólus horário que a grávida
pode realizar;
■ Avaliação da temperatura auricular de 2/2 horas;
■ Avaliação de 4/4 horas da capacidade de micção espontânea vs. a neces-
sidade de algaliação;
■ Mantém-se o encorajamento da mobilização, mas o primeiro levante após cada
bólus deve ser acompanhado pelo enfermeiro da sala.

NA FASE ATIVA DO 1.º PERÍODO (a efetuar pelo enfermeiro da sala)


Mantêm-se os cuidados referidos na secção anterior, alterando-se:
■ Exame vaginal de 2/2 horas, se nada ocorrer que justifique exame imediato. A
não evolução da dilatação num intervalo de 2 horas deverá ser comunicada a
um obstetra;
■ Encorajamento da mobilização até aos 6 cm e depois conforme vontade da
parturiente.

NA FASE LATENTE DO 2.º PERÍODO (a efetuar pelo enfermeiro da sala)


Mantêm-se os cuidados referidos na secção anterior, alterando-se:
■ Exame vaginal de 1/1 hora se nada ocorrer que justifique exame imediato. A não
evolução da descida da apresentação num período de 1 hora deverá ser
comunicada a um obstetra. A ausência de vontade de fazer esforços expulsivos
após 2 horas numa multípara e 3 horas numa nulípara deverá ser comunicada a
um obstetra.

NA FASE ATIVA DO 2.º PERÍODO (a efetuar pelo responsável pelo parto)


Mantêm-se os cuidados referidos na secção anterior, alterando-se:
■ A parturiente poderá adotar a posição que preferir até a apresentação aflorar à
vulva;
■ Exame vaginal a cada 15 minutos se nada ocorrer que justifique um exame
imediato. A não evolução da descida da apresentação num período de 30
minutos ou os esforços expulsivos que ultrapassem 60 minutos de duração
deverão ser comunicados a um obstetra.
Quando a apresentação aflora à vulva:
■ Presença na sala de pelo menos dois profissionais de saúde: responsável pelo
parto e responsável pelos cuidados ao recém-nascido (RN);
■ Chamada de neonatologista de acordo com critérios em anexo;
Cuidados de Rotina Durante o Trabalho de Parto 275

■ Colocação da grávida em posição semissentada ou em quatro apoios (confor-


me preferência da grávida), de forma a avaliar sinais de laceração perineal;
■ Desinfeção vulvar e perineal com octenidina + fenoxietanol (Octiset® solução
cutânea), exceto se houver antecedentes de alergia em que deverá ser com
iodopovidona;
■ Colocação de proteções esterilizadas à volta dos membros inferiores e por
baixo do períneo;
■ Preparação do responsável pelo parto com máscara, touca, bata e luvas
esterilizadas;
■ Preparação do responsável pelos cuidados ao RN com luvas esterilizadas;
■ Massagem perineal com vaselina, durante cerca de 30 segundos no intervalo
das contrações (3-5 massagens);
■ Não realizar manobra de Kristeller (pressão fúndica);
■ Proteção do períneo quando a apresentação distende a vulva.
■ Episiotomia mediolateral a um ângulo de 60° da fúrcula vaginal, apenas se es-
tiver a ocorrer laceração (após obtenção de consentimento verbal da grávida).
Após o nascimento:
■ Ocitocina 10 UI em bólus EV lento (ao longo de 1-2 minutos) seguido de ocitocina
5 UI em 500 ml de soro fisiológico (SF) em bomba perfusora a 500 ml/hora se a
puérpera tiver soros em curso ou veia patente [caso contrário ocitocina 10 UI
intramuscular (IM)], a efetuar pelo enfermeiro responsável pelos cuidados ao
RN;
■ Se a puérpera estiver semissentada ou deitada, colocação do RN no abdó-
men, em contacto com a pele ou em cima de uma proteção, de acordo com
preferência materna (exceto quando o comprimento do cordão não o permite);
■ Aspiração da orofaringe apenas quando existe mecónio espesso ou quando
existem muitas secreções e o RN não chora ao final do 1.º minuto de vida.
Nestas situações chamar neonatologista (a efetuar pelo enfermeiro respon-
sável pelos cuidados ao RN);
■ Colheita de sangue do cordão umbilical para gasimetria (ver protocolo “89.
Gasimetria umbilical”);
■ Colheita de sangue do cordão umbilical para determinação do grupo de sangue
(ver protocolo “27. Isoimunização Rh (D) – prevenção e abordagem”);
■ Colheita de sangue do cordão umbilical para células estaminais, de acordo
com o desejo da grávida;
■ Laqueação do cordão umbilical após terem passado 1-2 minutos do nascimen- to
(se a puérpera solicitar poderá ser após deixar de pulsar), exceto se: RN nasce
hipotónico ou não respira espontaneamente (ver parágrafo seguinte) hidrópsia
fetal, restrição de crescimento grave, gestação gemelar com trans- fusão feto-
fetal, rotura do cordão. Clamp umbilical a ~3 cm do abdómen fetal, pinça de Kelly
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

a ~4 cm do abdómen fetal. Secção do cordão entre os dois (poderá ser realizada


pela parturiente ou pelo acompanhante se a primeira manifestar vontade).
Quando o RN nasce hipotónico ou não respira espontaneamente alteram-se
os seguintes cuidados:
■ Chamada emergente do neonatologista;
276 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

■ Laqueação tripla precoce do cordão umbilical (clamp umbilical a ~3 cm do


abdómen fetal, pinça de Kelly a ~4 cm do abdómen fetal, pinça de Kelly junto
à vulva materna);
■ Secção imediata do cordão umbilical;
■ Passagem do RN à mesa de reanimação;
■ Manobras de reanimação;
■ Colheita de sangue umbilical para gasimetria no segmento laqueado entre
as duas pinças de Kelly.

CUIDADOS À MÃE NO PÓS-PARTO IMEDIATO (a efetuar pelo responsável pelo parto)


■ Avaliação frequente da perda hemática vaginal. Chamar obstetra e anestesio-
logista se ocorrer hemorragia vaginal profusa ou persistente, ou se a relação
entre o pulso radial e a TA sistólica for >0,9;
■ Avaliar se ocorreu o descolamento placentário por mobilização abdominal do
fundo uterino e observação da retração do cordão. Chamar um obstetra se
30 minutos após o nascimento ainda não ocorreu descolamento placentário;
■ Extração placentária por tração controlada do cordão umbilical conjugada com
massagem uterina externa ou esforços expulsivos maternos;
■ Avaliação macroscópica da placenta: inserção e número de vasos do cordão,
comprimento do cordão, peso, inspeção da face materna para avaliar cotilé-
dones, inspeção da face fetal para identificar vasos seccionados no bordo.
Registo destes elementos no processo clínico materno;
■ Avaliação da formação do globo de segurança. Chamar um obstetra se o globo
de segurança não estiver formado ou se o útero descontrair ≥2 vezes;
■ Avaliação da integridade vulvar e perineal, com avaliação sistemática da integri-
dade de toda a circunferência do esfíncter anal externo. Chamar um obstetra
se houver suspeita de laceração de 3.º ou 4.º grau;
■ Sutura de lacerações do 1.º grau apenas quando há hemorragia ativa ou distorção
anatómica relevante;
■ Desinfeção vulvar e perineal com octenidina + fenoxietanol (Octiset® solução
cutânea), exceto se houver antecedentes de alergia em que deverá ser com
iodopovidona;
■ Exame vaginal sistemático para confirmar inexistência de compressas.
Se houver lugar a episiorrafia ou correção de lacerações perineais (a realizar
pelo responsável pelo parto, as correções das lacerações de 3.º e 4.º grau são
realizadas por um obstetra):
■ Colocação da puérpera em posição de litotomia com os membros inferiores
apoiados em perneiras;
■ Colocação de nova proteção esterilizada por baixo do períneo;
■ O responsável pelo parto deve substituir as luvas esterilizadas;
■ Episiorrafia/correção de laceração perineal (ver protocolo “90. Lacerações
perineais”);
■ Desinfeção vulvar e perineal com octenidina + fenoxietanol (Octiset® solução
cutânea), exceto se houver antecedentes de alergia em que deverá ser com
iodopovidona.
Cuidados de Rotina Durante o Trabalho de Parto 277

CUIDADOS AO RN NO PÓS-PARTO IMEDIATO (a realizar pelo enfermeiro responsável


pelos cuidados ao RN)
■ Registo da hora de nascimento completo do corpo fetal;
■ Avaliação do índice de Apgar ao 1.º, 5.º e 10.º minuto;
■ Usar água morna se for necessário remover sangue ou mecónio da face e cabeça.
Não remover o vérnix caseoso do corpo. Se a mãe for seropositivapara VIH,
hepatite B e C, usar água morna corrente para remover sangue e mecónio, mas
não o vérnix caseoso;
■ Colocação do RN em decúbito lateral no tórax materno, em contacto pele a pele,
coberto por lençóis aquecidos e gorro para manter a normotermia,se houver
segurança de que a mãe está capaz de o segurar (contraindica- ções: mãe
sonolenta, consumidora de drogas ilícitas ou psicofármacos, sefez opiáceos
há <2 horas). Manter vigilância com presença contínua na sala.O RN pode
ficar em contacto pele a pele durante toda a primeira hora devida;
■ Encorajar a amamentação o mais cedo possível (exceto se contraindicado);
■ Ao final da primeira hora de vida, ou antes se este não permanecer junto
à mãe:
– Avaliação do peso;
– Administração de vitamina K, 1 mg IM na coxa esquerda do RN;
– Identificação com pulseira eletrónica (exceto nos RN transferidos para a
Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais) e com pulseira mãe-filho onde
é escrito o nome da parturiente.

VIGILÂNCIA DA PUÉRPERA E RN NAS PRIMEIRAS 2 HORAS (a efetuar pelo enfer-


meiro da sala)
■ Na primeira hora, avaliação do pulso radial e TA a cada 15 minutos, com medidor
automático. Chamar obstetra e anestesiologista se a relação entreo pulso
radial e a TA sistólica for >0,9;
■ Na primeira hora, avaliação do globo de segurança e da hemorragia genital a
cada 15 minutos ou se a puérpera referir perdas ou sintomas sugestivos de
desequilíbrio hemodinâmico. Chamar um obstetra se globo de segurança não
estiver formado, se descontrair ≥2 vezes, ou se houver hemorragia profusa/
/persistente;
■ Restrição da alimentação até às 2 horas pós-parto;
■ Na primeira hora, observação do RN a cada 15 minutos. Chamar neonatolo-
gista se existir gemido ou outros sinais de dificuldade respiratória;
■ Preenchimento dos registos hospitalares e do boletim de grávida relativamente
ao parto e ao RN.
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CUIDADOS ANTES DA TRANSFERÊNCIA DE SETOR (a efetuar pelo enfermeiro da


sala às 2 horas pós-parto)
■ Avaliação do globo de segurança;
■ Avaliação da perda hemática vaginal;
278 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

■ Alimentação sólida, se a puérpera assim pretender. Após terminar a alimen-


tação:
– Obturação do cateter de perfusão EV, se situação clínica estável, dor apenas
ligeira e não estiverem prescritos medicamentos por via EV;
– Remoção do cateter epidural se não houver indicação em contrário e se
dor apenas ligeira. Caso contrário, não retirar o cateter e chamar aneste-
siologista;
– Contactar o setor do Puerpério e transferir puérpera e RN.

BIBLIOGRAFIA
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Resuscitation. 2015;95:249-263.
GUPTA JK, HOFMEYR GJ, SHEHMAR M. Position in the second stage of labour for women without
epidural anaesthesia. Cochrane Database Syst Rev. 2012;(5):CD002006.
INTERNATIONAL FEDERATION OF GYNECOLOGY AND OBSTETRICS, INTERNATIONAL CONFEDERATION OF M IDWIVES,
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JIANG H, QIAN X, CARROLI G, et al. Selective versus routine use of episiotomy for vaginal
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1999;28(5):507-512.

ANEXO 1
Critérios para pedir avaliação de anestesiologia na admissão ao bloco de partos (se
não previamente realizada na consulta)
■Doença cardiovascular (hipertensão mal controlada, cardiopatia relevante,
arritmias não corrigidas);
■Doença pulmonar (hipertensão pulmonar, insuficiência respiratória);
■Doença renal (insuficiência renal, transplante);
■Doença neurológica (central ou periférica);
■Doença endocrinológica (diabetes com mau controlo glicémico, disfunção
tiroideia não controlada, feocromocitoma);
■ Doença hematológica (Hg <9 g/dl, plaquetas <100×10 /l, coagulopatias);
9

■ Doença neoplásica (atual ou passada);

■ História de alergia a fármacos anestésicos;


Cuidados de Rotina Durante o Trabalho de Parto 279

■ Complicações anestésicas prévias;


■ Alterações anatómicas que façam prever complicações anestésicas (IMC >35,
via aérea difícil, alterações na coluna).

ANEXO 2
Critérios para chamada de neonatologia ao bloco de partos
Chamada emergente
■ RN que ao final do primeiro minuto de vida exibe hipotonia, apneia, bradicar-
dia, palidez ou cianose;
■ Distocia de ombros;
■ Prolapso de cordão;
■ Paragem cardiorrespiratória materna.

Chamada para estar presente na altura do nascimento


■ Parto instrumentado (exceto se o obstetra entender que não é necessário);
■ Cesariana;
■ Parto gemelar;
■ Parto pélvico;
■ Suspeita de hipoxia fetal intraparto;
■ Suspeita de infeção intrauterina;
■ Gestação com <37+0 semanas;
■ Diagnóstico antenatal de malformação fetal major.

Chamada não emergente após o nascimento


■ RN com gemido, adejo nasal ou tiragem/taquipneia;
■ Malformações do RN.
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76 PARTO VAGINAL APÓS CESARIANA

M ARIA DE CARVALHO AFONSO , DIOGO AYRES DE C AMPOS , L UÍSA PINTO

INTRODUÇÃO
A tentativa de parto vaginal após cesariana (PVAC) é considerada uma opção
segura em casos selecionados, desde que estejam assegurados os cuidados
necessários à segurança do procedimento. A probabilidade de sucesso varia entre
49-87%, dependendo de fatores individuais. Os dois melhores fatores preditores
de sucesso são o parto vaginal anterior (sobretudo um PVAC ante- rior) e o início
espontâneo do trabalho de parto. Outros fatores associados ao sucesso incluem:
cesariana anterior por uma indicação não recorrente, apenas uma cesariana
segmentar transversa, idade materna <35 anos, índice de Bishop
>6, índice de massa corporal (IMC) <30 kg/m2 e estimativa de peso fetal (EPF)
<4 000 g. A principal complicação da tentativa de PVAC é a rotura uterina
(ver protocolo “84. Hipoxia fetal e tocólise aguda”), a qual pode condicionar
hemorragia materna, descolamento da placenta e hipoxia fetal aguda. A rotura
uterina é uma situação imprevisível que ocorre em ~0,47% das tentativas de PVAC
e ~0,03% das cesarianas programadas em grávidas com uma cesariana anterior.
Quando há necessidade de induzir o trabalho de parto em grávidascom uma
cesariana anterior, a rotura uterina ocorre em ~1,1% dos induzidos com
ocitocina, ~2% dos induzidos com dinoprostona e ~6% dos induzidos com
misoprostol. Perante uma rotura uterina, o risco de complicações perinatais
graves é de ~0,2%.

ABORDAGEM CLÍNICA
Proposta de tentativa de PVAC
A tentativa de PVAC deve ser proposta a todas as grávidas que não tenham
contraindicação para parto vaginal e que cumprem todos os seguintes critérios:
■ Uma cesariana segmentar transversa anterior;
■ Inexistência de outras cicatrizes uterinas envolvendo o miométrio e com
entrada na cavidade endometrial;
■ Inexistência de rotura uterina prévia.
A tentativa de PVAC não deve ser oferecida às grávidas com 2 cesarianas seg-
mentares anteriores. Caso a grávida com 2 cesarianas segmentares anteriores
solicite a tentativa de PVAC pode ser aceite perante condições muito favoráveis
(decisão individualizada a ser tomada por um médico especialista).

Cuidados adicionais na altura da decisão sobre tentativa de PVAC


■ A grávida deve assinar consentimento informado escrito;
■ Deve aguardar-se pelo início espontâneo do trabalho de par to até às 41
semanas, salvo motivo médico em contrário.
Parto Vaginal após Cesariana 281

Maturação cervical e indução do trabalho de parto

■ Caso seja necessário proceder a uma maturação cervical ou indução do tra- balho
de parto devem ser realizadas em regime de internamento hospitalar;
■ Caso seja necessária maturação cervical (índice de Bishop <6): preferir a
colocação de um balão de Foley (ver protocolo “74. Indução do trabalho de
parto e maturação cervical”). Deve ser realizada cardiotocografia (CTG) na
primeira hora após o procedimento e depois se ocorrerem contrações rítmicas
ou dor abdominal de qualquer tipo. A dinoprostona deve ser reservada para
grávidas com rotura prematura de membranas (RPM) e deve ser realizado
internamento no bloco de partos com CTG contínua, vigilância da tensão
arterial (TA) e da frequência cardíaca materna (FCM) de 15/15 minutos. O
misoprostol está contraindicado nestas grávidas;
■ Para a indução do trabalho de parto (índice de Bishop ≥6): deve ser realizado
internamento no bloco de partos, CTG contínua, vigilância da TA e da FCM de
15/15 minutos. Iniciar perfusão com ocitocina a 6 ml/hora (1 mUI/minuto)
(ver protocolo “80. Ocitocina na indução e aceleração do trabalho de parto”).

Trabalho de parto
■ Manter CTG contínua, vigilância da TA e da FCM de 15/15 minutos;
■ Manter especial atenção às alterações cardiotocográficas, incluindo a perda
de sinal e a frequência das contrações uterinas (ver protocolo “83. Cardio-
tocografia – interpretação”) e aos critérios de trabalho de parto estacionário
(ver protocolo “82. Trabalho de parto estacionário”).

BIBLIOGRAFIA
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IDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS
77 STREPTOCOCCUS DO GRUPO B – PREVENÇÃO DA
INFEÇÃO NEONATAL

M ARIA PULIDO VALENTE, M ARIA DE CARVALHO AFONSO

INTRODUÇÃO
O Streptococcus do grupo B (Strep B) ou Streptococcus agalactiae é a prin- cipal
causa de infeção neonatal grave (sépsis, pneumonia, meningite). Cer- ca de
10-30% das grávidas estão colonizadas (vagina ou reto) por Strep B.O rastreio
sistemático na gravidez e a profilaxia antibiótica intraparto reduzem em ~80% o
risco de transmissão vertical, bem como a morbilidade e morta- lidade
associadas. Está preconizada a colheita de exsudado vaginal e rectal para
pesquisa de Strep B às 35-37 semanas (rastreio do Strep B) a todas as
grávidas em que existe a possibilidade de um parto vaginal (ver protocolo “2.
Vigilância pré-natal de rotina”). O presente protocolo diz respeito à profi- laxia
antibiótica intraparto.

INDICAÇÕES PARA PROFILAXIA ANTIBIÓTICA INTRAPARTO


■ Rastreio do Strep B+ realizado após as 32+0 semanas;
■ Urocultura positiva para Strep B (bacteriúria ≥104) em qualquer momento
da gestação;
■ Recém-nascido (RN) anterior com infeção neonatal por Strep B;
■ Na ausência de resultado de rastreio do Strep B após as 32+0 semanas,
perante um dos seguintes fatores de risco:
– Trabalho de parto pré-termo (<37+0 semanas);
– Rotura prematura de membranas pré-termo (<37+0 semanas).

A profilaxia antibiótica não está indicada


■ Em grávidas com rastreio do Strep B+ e cesariana realizada antes da fase
ativa do 1.º período do trabalho de parto com membranas intactas, qualquer
que seja a idade gestacional;
■ Quando na gravidez prévia o rastreio do Strep B foi positivo, mas não ocorreu
infeção neonatal por Strep B;
■ Nas grávidas com qualquer um dos fatores de risco anteriormente identifica- dos,
mas com rastreio do Strep B negativo;
■ Em grávidas em trabalho de parto ou com rotura prematura de membranas (RPM)
a termo, sem resultado de rastreio do Strep B. Nestas situações, devem ser
pedidos marcadores inflamatórios às 12 horas após rotura (ver protocolo “23.
Rotura prematura de membranas”);
■ Nas grávidas em qualquer idade gestacional com febre intraparto (nestas
situações deve ser realizada antibioterapia terapêutica e não profilática (ver
protocolo “81. Febre intraparto e corioamnionite”).
Streptococcus do Grupo B – Prevenção da Infeção Neonatal 283

ESQUEMA DE PROFILAXIA ANTIBIÓTICA INTRAPARTO


O antibiótico deve ser iniciado, logo que possível, após o início da fase ativa
do 1.º período do trabalho de parto ou após RPM, e mantido até ao parto. Na
ausência de testes de sensibilidade antibiótica as alternativas são:
■ Ampicilina 2 g endovenosa (EV), seguido de 1 g EV de 4/4 horas;
■ Penicilina G 5 milhões UI EV, seguido de 2,5 milhões UI EV de 4/4 horas.
Se houver alergia à penicilina e baixo risco de anafilaxia: cefuroxima 1,5 g EV
seguida de 750 mg EV de 8/8 horas. Se houver alergia à penicilina e elevado
risco de anafilaxia: clindamicina 900 mg EV de 8/8 horas ou Vancomicina 1 g
EV de 12/12 horas.

Considerações adicionais
■ Em grávidas com rastreio do Strep B+ e RPM após as 34+0 semanas, a indução
do trabalho de parto deve ser imediata (ver protocolo “23. Rotura prematura
de membranas”);
■ Havendo febre intraparto ou suspeita clínica de corioamnionite, a antibioterapia
instituída é terapêutica e não profilática (ver protocolo “81. Febre intraparto
e corioamnionite”);
■ Em grávidas com rastreio do Strep B+, os seguintes procedimentos não es-
tão contraindicados: descolamento das membranas, indução do trabalho de
parto, colocação de balão de Foley, monitorização cardiotocográfica interna. A
amniotomia artificial também não está contraindicada, devendo idealmente ser
realizada >2 horas após o início da antibioterapia profilática;
■ A desinfeção vaginal intraparto não reduz o risco de infeção neonatal por
Strep B.

BIBLIOGRAFIA
A MERICAN C OLLEGE OF OBSTE TRICIANS AND GYNECOLOGISTS. Prevention of early-onset group
B streptococcal disease in newborns. Committee Opinion no. 485. Obstet Gynecol.
2011;117(4):1019-1027.
HUGHES RG, BROCKLEHURST P, STEER PJ, et al. for the Royal College of Obstetricians and
Gynaecologists. Prevention of early-onset neonatal group B streptococcal disease. Green-top
guideline No. 36. BJOG. 2017;124:e280-e305.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS
78 ENDOCARDITE BACTERIANA – PROFILAXIA PERIPARTO

M ARGARIDA CAL, D IOGO AYRES DE CAMPOS

INTRODUÇÃO
A endocardite bacteriana é uma complicação rara, mas que pode implicar graves
riscos de saúde, particularmente quando existe uma doença cardíaca subjacente.
Na população geral, a profilaxia da endocardite bacteriana é atualmente ape- nas
recomendada para procedimentos com elevado risco de bacteriemia e em doentes
de muito elevado risco, nomeadamente aqueles que foram submetidosa cirurgia
corretiva com material prostético. A indicação para profilaxia periparto da
endocardite em grávidas com doença cardíaca, que foi prática generalizada
durante muitos anos, não é atualmente recomendada.

ABORDAGEM CLÍNICA
Por se estimar que o número de microrganismos em circulação após o parto
vaginal e após a cesariana seja muito escasso, e face à ausência de evidên-
cia de que estes eventos se associem a maior risco de endocardite infeciosa,
não está atualmente recomendada a profilaxia da endocardite bacteriana no
periparto, qualquer que seja a doença cardíaca subjacente ou o procedimento
cardíaco a que a grávida tenha sido sujeita.

BIBLIOGRAFIA
2015 EUROPEAN SOCIETY OF CARDIOLOGY GUIDELINES FOR THE MANAGEMENT OF INFECTIVE ENDO-
CARDITIS: EUR HEART J. 2015;36:3075-3128.
AMERICAN COLLEGE OF CARDIOLOGY/AMERICAN HEART ASSOCIATION. Guideline update on valvular
heart disease: focused update on infective endocarditis. Circulation. 2008;118:887-896.
AMERICAN HEART ASSOCIATION. Prevention of infective endocarditis. Circulation. 2007;116:1736-
-1754.
NATIONAL INSTITUTE OF CLINICAL EXCELLENCE. Prophylaxis against infective endocarditis. An-
timicrobial prophylaxis against infective endocarditis in adults and children undergoing
interventional procedures. Clinical guideline no. 64. London, 2008.
THE TASK F ORCE ON THE M ANAGEMENT OF CARDIOVASCULAR DISEASES DURING PREGNANCY OF THE
EUROPEAN SOCIETY OF CARDIOLOGY. Guidelines on the management of cardiovascular diseases
during pregnancy. Eur Heart J. 2011;32:3147-3197.
VIRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA HUMANA – PREVENÇÃO
DA TRANSMISSÃO VERTICAL PERIPARTO 79
CATARINA REIS DE CARVALHO, LUÍSA PINTO

INTRODUÇÃO
A transmissão vertical do vírus da imunodeficiência humana (VIH) é a principal
causa da síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA) na criança, sendo a
utilização de terapêutica antirretroviral combinada (TARVc) durante a gravidez e a
carga viral (CV) os fatores de risco mais importantes. A redução da transmissão
vertical é conseguida através de medidas instituídas anteparto, periparto e ao
recém-nascido (RN). O presente protocolo aborda as medidas de prevenção pe-
riparto. Não existem ensaios clínicos que fundamentem o benefício da profilaxia
da transmissão vertical na infeção pelo VIH2, baseando-se as recomendações
na experiência clínica e nas estratégias de prevenção para o VIH1.

ABORDAGEM CLÍNICA
Grávida sob TARVc e com CV <50 cópias/ml no 3.º trimestre
■ Deve ser proposta a tentativa de parto vaginal;
■ A maturação cervical (mecânica ou farmacológica) e a indução do trabalho
de parto não estão contraindicadas;
■ No caso de rotura prematura de membranas (RPM) no termo, a indução do
trabalho de parto deve ser imediata;
■ Manter o esquema de TARVc durante o trabalho de parto;
■ Não há benefício na administração adicional de zidovudina (AZT) endovenosa
(EV) durante o trabalho de parto;
■ A amniotomia não se associa a maior risco de transmissão vertical, podendo
ser realizada segundo indicação obstétrica. A duração da rotura de membranas
também não se associa a aumento do risco;
■ Se possível, deve evitar-se a monitorização fetal interna e o parto instru-
mentado.

Grávida sob TARVc e com CV >50 e <1 000 cópias/ml no 3.º trimestre
■ Manter o esquema de TARVc até ao parto;
■ Deve fazer profilaxia periparto com AZT;
■ A via de parto deve ser individualizada.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

Grávida sob TARVc com CV ≥1 000 cópias/ml no 3.º trimestre ou desconhecida


Grávida com TARVc iniciada há <4 semanas
Grávida sem TARVc durante a gravidez
■ Recomendar cesariana para as 38 semanas;
■ Manter o esquema de TARVc até à cesariana;
286 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

■ Iniciar a profilaxia periparto com AZT EV (ver “Profilaxia periparto com zido-
vudina”, à frente neste capítulo) 3 horas antes da cirurgia;
■ A profilaxia antibiótica na cesariana é igual à da restante população.

Grávida com indicação para cesariana programada devido à seropositividade VIH, mas
que se apresenta em trabalho de parto ou com rotura prematura de mem- branas
no termo
A atitude deve ser individualizada, já que se desconhece se a cesariana reduz
ou não o risco de transmissão vertical:
■ Se estiver em fase ativa do trabalho de parto, prevendo-se que este seja rápido,
permitir o parto vaginal e iniciar AZT EV, evitando amniotomia, moni- torização
interna da frequência cardíaca fetal (FCF) e parto instrumentado;
■ Na ausência de trabalho de parto ou na fase latente de trabalho de parto: realizar
cesariana, iniciar AZT EV, se possível 1 hora antes da mesma.

Rotura prematura de membranas pré-termo


■ Não há contraindicação para administração de corticosteroides para indução
da maturidade fetal;
■ <34 semanas: a decisão deve ser individualizada e multidisciplinar;
■ 34-36 semanas: se CV >1 000 cópias/ml, proceder a cesariana; iniciar AZT
EV, se possível 1 hora antes. Se CV <50 cópias/ml, proceder como nas res-
tantes gestações (ver protocolo “23. Rotura prematura de membranas”). Se
CV >50 e <1 000 cópias/ml, iniciar AZT e interromper a gestação.

Grávida em trabalho de parto sem determinação de VIH no 3.º trimestre


■ Pedir teste rápido do VIH;
■ Se positivo ou inconclusivo: atuar como se CV >1 000 cópias/ml, pedir con-
firmação laboratorial e CV. Informar Neonatologia e recomendar aleitamento
artificial e extração do leite materno até resultados estarem disponíveis.

Profilaxia periparto com zidovudina


■ Iniciar 3 horas antes de uma cesariana programada e, se possível, 1 hora
antes de uma cesariana urgente;
■ Iniciar na fase ativa do trabalho de parto ou após rotura de membranas;
■ Bólus inicial: 2 mg/kg (1 ml/kg) durante 1 hora;
■ Manutenção: 1 mg/kg/hora (0,5 ml/kg/hora) até ao parto.
1 ampola (amp.) de AZT = 200 mg/20 ml de solvente. Cada amp. é diluída em
80 ml de soro glicosado a 5%, sendo que após a diluição cada ml de solução
tem 2 mg de AZT. Preparar a quantidade adequada a perfundir, de acordo com
o peso da grávida e o tempo previsto até ao parto. A dose máxima de AZT é
de 1 200 mg (6 amps.).
Virus da Imunodeficiência Humana – Prevenção da Transmissão Vertical Periparto 287

Cuidados no parto
Não há evidência de que a laqueação tardia do cordão umbilical aumente o
risco de transmissão vertical. A higiene do RN deve seguir as normais gerais
(ver protocolo “75. Cuidados de rotina durante o trabalho de parto”).

Puerpério
A amamentação deve ser desaconselhada a todas a mulheres seropositivas para
o VIH, prescrevendo-se supressão láctea (ver protocolo “93. Cuidados maternos
de rotina no puerpério”).

BIBLIOGRAFIA
AMERICAN COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS. Scheduled cesarean delivery and the
prevention of vertical transmission of HIV infection. Committee Opinion no. 234. May 2000,
reaffirmed 2017.
BRITISH HIV ASSOCIATION GUIDELINES FOR THE MANAGEMENT OF HIV INFECTION IN PREGNANT WO -MEN ,
2018.
D IREçãO-GERAL DA S AÚDE . Recomendações portuguesas para o tratamento da infeção VIH1
e VIH2, 2015.
EUROPEAN AIDS CLINICAL SOCIETY. Guidelines Version 11.0. October 2021. http://www.eac-
society.org/media/final2021eacsguidelinesv11.0_oct2021.pdf
RECOMMENDATIONS FOR THE USE OF ANTIRETROVIRAL DRUGS IN PREGNANT WOMEN WITH HIV INFECTION
AND INTERVENTIONS TO REDUCE PERINATAL HIV TRANSMISSION IN THE U NITED STATES , October 2017.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS
80 OCITOCINA NA INDUÇÃO E ACELERAÇÃO DO TRABALHO
DE PARTO

M ARIA DE CARVALHO AFONSO , D IOGO AYRES DE C AMPOS

INTRODUÇÃO
A utilização de ocitocina para a indução do trabalho de parto implica um índice
de Bishop favorável (ver protocolo “74. Indução do trabalho de parto e matura-
ção cervical”). Por aceleração do trabalho de parto entende-se a utilização de
ocitocina endovenosa (EV) para aumentar a frequência e intensidade das contra-
ções uterinas durante o trabalho de parto, quer este seja de início espontâneo,
quer tenha sido induzido. Em ambas as situações, a utilização de ocitocina
deve ser cuidadosa, pois acarreta riscos acrescidos de hipoxia fetal devida a
hipercontractilidade uterina e de rotura uterina (sobretudo em grávidas previa-
mente submetidas a cirurgia uterina envolvendo a profundidade do miométrio).
A ocitocina só deve ser iniciada 30 minutos após a remoção do insert vaginal
de dinoprostona ou 4 horas após a última aplicação de misoprostol vaginal.
Pode ser iniciada imediatamente após a retirada do balão de Foley.

ESQUEMA TERAPÊUTICO
Devem ser diluídos 5 UI de ocitocina (1 ampola) em 500 ml de soro fisiológico
(SF) (cada ml de solução contém 10 mUI de ocitocina), a perfundir em cateter
periférico de 18 ou 20G.

1. º período do trabalho de parto


Grávida sem cirurgia uterina prévia envolvendo a profundidade do miométrio
Iniciar a 15 ml/hora (2,5 mUI/minuto), aumentando 15 ml/hora após os primei-
ros 30 minutos e depois 15 ml/hora a cada 15 minutos, até se alcançar 3-4
contrações/10 minutos ou se atingir a dose de perfusão máxima de 150 ml/
/hora (25 mUI/minuto), conforme Tabela 80.1.

Tabela 80.1 – PERFUSÃO DE OCITOCINA EMGRÁVIDAS SEM CIRURGIA UTERINA PRÉVIA


Ritmo de perfusão em ml/hora Ritmo de perfusão em Duração da perfusão a este
mUI/minuto ritmo
15 ml/hora 2,5 mUI/minuto 30 minutos
30 ml/hora 5 mUI/minuto 15 minutos
45 ml/hora 7,5 mUI/minuto 15 minutos
60 ml/hora 10 mUI/minuto 15 minutos
75 ml/hora 12,5 mUI/minuto 15 minutos
90 ml/hora 15 mUI/minuto 15 minutos
105 ml/hora 17,5 mUI/minuto 15 minutos
(continua)
Ocitocina na Indução e Aceleração do Trabalho de Parto 289

(continuação)

Ritmo de perfusão em ml/hora Ritmo de perfusão em Duração da perfusão a este


mUI/minuto ritmo
120 ml/hora 20 mUI/minuto 15 minutos
135 ml/hora 22,5 mUI/minuto 15 minutos
150 ml/hora 25 mUI/minuto 15 minutos

Grávida com cirurgia uterina prévia envolvendo a profundidade do miométrio


Iniciar a 6 ml/hora (1 mUI/minuto), aumentando 6 ml/hora após os primeiros
30 minutos e depois 6 ml/hora a cada 15 minutos, até se alcançar 3-4 con-
trações/10 minutos ou se atingir a dose de perfusão máxima de 60 ml/hora
(10 mUI/minuto), conforme Tabela 80.2.

Tabela 80.2 – PERFUSÃO DE OCITOCINA EM GRÁVIDAS COM CIRURGIA UTERINA PRÉVIA


Ritmo de perfusão em ml/hora Ritmo de perfusão em Duração da perfusão a este
mUI/minuto ritmo
6 ml/hora 1 mUI/minuto 30 minutos
12 ml/hora 2 mUI/minuto 15 minutos
18 ml/hora 3 mUI/minuto 15 minutos
24 ml/hora 4 mUI/minuto 15 minutos
30 ml/hora 5 mUI/minuto 15 minutos
36 ml/hora 6 mUI/minuto 15 minutos
42 ml/hora 7 mUI/minuto 15 minutos
48 ml/hora 8 mUI/minuto 15 minutos
54 ml/hora 9 mUI/minuto 15 minutos
60 ml/hora 10 mUI/minuto 15 minutos

2. º período do trabalho de parto


Iniciar a 30 ml/hora, ajustando a dose de acordo com as tabelas, mas a cada
10 minutos, de acordo com a frequência das contrações.

Motivos para reduzir ou suspender a perfusão ocitócica


Nos 30 minutos que se seguem a uma rotura de membranas (artificial ou
espontânea) o ritmo de perfusão não deve ser aumentado. Se ocorrerem ≥5
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

contrações/10 minutos, o ritmo de perfusão deve ser reduzido. Se a cardio-


tocografia (CTG) for suspeita deve ser solicitada uma avaliação médica. Se a
CTG for patológica, a perfusão deve ser suspensa e deverá ser solicitada uma
avaliação médica imediata. O intervalo de tempo para o reinício da perfusão e
o ritmo de perfusão a que é iniciado dependem da avaliação médica, sendo o
ritmo de reinício geralmente metade daquele a que se suspendeu.
290 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

BIBLIOGRAFIA
AMERICAN COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS. Induction of labour. Practice bulletin
no. 107. August 2009
HAYES EJ, WEINSTEIN L. Improving patient safety and uniformity of care by a standardized
regimen for the use of oxytocin. Am J Obstet Gynecol. 2008;198(6):622.e1-7.
ROYAL COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNAECOLOGISTS. Birth after previous caesarean. Green-
-top Guideline No. 45. October 2015.
FEBRE INTRAPARTO E CORIOAMNIONITE 81
LAURA CRUZ, DIOGO AYRES DE CAMPOS, LUÍSA PINTO

INTRODUÇÃO
Considera-se febre intraparto quando a temperatura timpânica da parturiente
é ≥38,5 °C. As causas mais frequentes são a analgesia locorregional e a
corioamnionite. Entre outras causas contam-se as infeções extrauterinas (pneu-
monia, pielonefrite, apendicite, infeção viral, etc.), a desidratação e a reação a
fármacos como o misoprostol.

FEBRE MATERNA ASSOCIADA À ANALGESIA LOCORREGIONAL


A analgesia locorregional pode afetar o centro termorregulador corporal, cau-
sando arrepios, temperatura timpânica subfebril (geralmente entre 37,5 °C e 38,5
°C) e taquicardia fetal. Trata-se de uma situação autolimitada, geralmente
revertendo com a redução da temperatura ambiente do quarto e a adminis- tração
de paracetamol 1 g em bólus endovenoso (EV) lento. Não havendo fatores de risco
para corioamnionite (ver “Corioamnionite”), sinais clínicos de corioamnionite [dor
à palpação uterina, corrimento vaginal purulento ou líquido amniótico (LA) com
cheiro fétido] ou sintomas/sinais de infeção extrauterina, deve apenas aguardar-
se pela reversão da situação, não sendo necessário realizar exames analíticos.

CORIOAMNIONITE
Define-se corioamnionite como uma infeção do LA, membranas, placenta e de-
cídua. Tem geralmente origem polimicrobiana e é causada por migração de
microrganismos originários da flora vaginal ou entérica. Raramente, ocorre após
procedimentos invasivos como a amniocentese ou a biópsia das vilosidades co-
riónicas (BVC), ou por via hematogénica, secundária a infeção materna sistémica.
Constituem fatores de risco para corioamnionite: rotura prolongada de mem-
branas, trabalho de parto prolongado, múltiplos exames vaginais, monitorização fetal
interna, colonização por Streptococcus do grupo B e infeção genital prévia. A
corioamnionite está associada a aumento do risco de distocia dinâmica, parto por
cesariana (2-3 vezes), atonia uterina (2-3 vezes), endometrite puerperal (2-4 vezes)
e, mais raramente, abcesso pélvico (3-4 vezes) e tromboflebite pélvica séptica
(2-3 vezes). O recém-nascido (RN) apresenta risco acrescido de índicede Apgar
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

baixo (2 vezes), sépsis neonatal (2 vezes), convulsões neonatais (2-3 vezes),


pneumonia, meningite, displasia broncopulmonar, paralisia cerebral e morte
neonatal. No entanto, a mortalidade perinatal associada à corioamnionite é
inferior a 1%.
O diagnóstico baseia-se na documentação de febre materna (temperatura timpâ-
nica ≥38,5 °C), que está frequentemente acompanhada de taquicardia materna
292 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

[>100 batimentos por minuto (bpm)] e taquicardia fetal (linha de base >160
bpm), associada a pelo menos um dos seguintes critérios:
■ Dor moderada/intensa à palpação uterina;
■ Corrimento vaginal purulento ou LA com cheiro fétido;
■ Leucocitose (>15 000 leucócitos) e elevação da proteína C reativa (estas análises
devem ser solicitadas quando a febre materna é persistente, está associada aos
sintomas ou aos fatores de risco anteriormente descritos).

Abordagem clínica
Perante o diagnóstico de corioamnionite antes do início do trabalho de par-
to, existe uma indicação formal para terminação da gravidez, sendo a via de
parto regida por critérios obstétricos (a corioamnionite não justifica, por si só,
a realização de uma cesariana). Recomenda-se ainda as seguintes medidas:
■ Paracetamol 1 g 8/8 horas em bólus EV lento;
■ Arrefecimento da temperatura do quarto;
■ Reforço de hidratação EV;
■ Ampicilina 2 g EV 6/6 horas e gentamicina 1,5 mg/kg EV 8/8 horas ou 4,5
mg/kg EV 24/24 horas até melhoria clínica e 48 horas de apirexia (se alérgica
à penicilina: clindamicina 900 mg EV 8/8 horas ou vancomicina 1 gEV 12/12
horas);
■ Nas cesarianas adicionar: clindamicina 900 mg EV 8/8 horas ou metronidazol
500 mg EV 12/12 horas;
■ Hemoculturas se a grávida estiver imunodeprimida ou se não houver resposta
rápida à antibioterapia;
■ Durante o trabalho de parto pode ser necessário corrigir uma distocia dinâ-
mica (ver protocolo “82. Trabalho de parto estacionário”);
■ Após o parto, deve colher-se sangue para gasimetria (ver protocolo “89.
Gasimetria umbilical”).

BIBLIOGRAFIA
AMERICAN COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS. Intrapartum management of in-
traamniotic infection. Committee opinion No. 712. Obstet Gynecol. 2017;130(2):e95-e101.
ARENDT KW, SEGAL BS. The association between epidural labor analgesia and maternal fever.
Clin Perinatol. 2013;40(3):385-398.
CHAPMAN E, REVEIZ L, ILLANES E, et al. Antibiotic regimens for management of intra-amniotic
infection. Cochrane Database Syst Rev. 2014;(12):CD010976.
ROUSE DJ, LANDON M, LEVENO KJ, et al. The Maternal-Fetal Medicine Units cesarean registry:
Chorioamnionitis at term and its duration relationship to outcomes. Am J Obstet Gynecol.
2004;191(1):211-216.
TRABALHO DE PARTO ESTACIONÁRIO 82
DIOGO A YRES DE C AMPOS

INTRODUÇÃO
Define-se trabalho de parto estacionário como aquele em que as contrações
uterinas não condicionam as expectáveis alterações cervicais e/ou a descida da
apresentação fetal. As causas do trabalho de parto estacionário são classica-
mente divididas em mecânicas e dinâmicas. No entanto, as causas mecânicas
condicionam frequentemente também alterações da dinâmica uterina, pelo que
se trata de uma divisão artificial e clinicamente pouco útil. É mais útil identificar
causas inultrapassáveis (que condicionam a necessidade de realização de uma
cesariana) entre as quais se contam: situação transversa, apresentação de face
com mento posterior, apresentação de fronte persistente, suspeita de incom-
patibilidade feto-pélvica, tumefações pélvicas e vulvovaginais que impedem a
progressão da apresentação. Existem também causas potencialmente ultrapas-
sáveis, que podem beneficiar com a aceleração ocitócica do trabalho de parto,
entre as quais se contam as variedades posteriores persistentes e a hipotonia
uterina. Por vezes não se encontra nenhuma causa para o trabalho de parto
estacionário e, nestas situações, deve geralmente ser tentada a aceleração do
trabalho de parto. O trabalho de parto estacionário está associado a maior risco
de corioamnionite, infeção neonatal e, em casos extremos, de fístula obstétrica
(vesicovaginal), os quais são proporcionais à duração do trabalho de parto. Em
muitos hospitais, o trabalho de parto estacionário é o principal motivo de ce-
sariana e de parto vaginal instrumentado, os quais condicionam também riscos
aumentados de complicações de saúde para a puérpera e recém-nascido (RN).

ORIENTAÇÃO CLÍNICA
Os critérios para estabelecer o diagnóstico de trabalho de parto estacionário
variam conforme a fase do trabalho de parto em que ocorrem e constam do
Quadro 82.1. Perante o diagnóstico de trabalho de parto estacionário deve ser
procurada uma causa. Caso se identifique uma causa inultrapassável deve ser
proposta uma cesariana. Nas restantes situações está indicada a aceleração
do trabalho de parto (ver protocolo “80. Ocitocina na indução e aceleração
do trabalho de parto”), exceto se já existe contractilidade uterina adequada. A
aceleração do trabalho de parto visa estabelecer a contractilidade uterina ade-
quada, ou seja, uma frequência de 3-4 contrações a cada 10 minutos. A partir
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

do momento em que esta está assegurada (pode já ser o caso no momento em


que se faz o primeiro diagnóstico de trabalho de parto estacionário), existem
critérios adicionais para propor uma cesariana ou um parto vaginal instrumen-
tado por trabalho de parto estacionário (ver Quadro 82.1).
294 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Quadro 82.1 – CRITÉRIOS PARA E STABELECER O DIAGNÓSTICO DE TRABALHO DE PARTO ESTACIONÁRIO E


CRITÉRIOS ADICIONAIS PARA PROPOR UMA CESARIANA OU PARTO VAGINAL INSTRUMENTADO
1.º período – Fase latente prolongada: contrações uterinas rítmicas com ausência de alterações cervi-
cais num período de 12-18 horas (intervalo pensado para evitar a necessidade de realizar uma interven -
ção durante a noite). Estabelece-se a indicação para cesariana quando não ocorrem alterações cervicais
num período adicional de 6 horas após a existência de contractilidade uterina adequada
1.º período – Fase ativa estacionária: ausência de alterações cervicais num período de 4 horas. Esta -
belece-se a indicação para cesariana quando não ocorrerem alterações cervicais num período adicional de
2 horas após a existência de contractilidade uterina adequada
2.º período – Fase latente prolongada: duração superior a 2 horas em nulíparas ou 1 hora em multí-
paras. Se não se iniciarem espontaneamente esforços expulsivos nu m período adicional de 1 hora, a
parturiente deve ser incentivada a realizar esforços expulsivos simultâneos com as contrações, mesmo
sem ter essa vontade reflexa
2.º período – Fase ativa estacionária: ausência de descida da apresentação após 30 minutos de
esforços expulsivos. Estabelece-se a indicação para parto instrumentado ou para cesariana quando o
nascimento não está iminente num período adicional de esforços expulsivos de 30 minutos
2.º período – Fase ativa prolongada: duração dos esforços expulsivos superior a 1 hora. Estabele -
ce-se a indicação para parto instrumentado ou para cesariana quando o nascimento não está iminente após
um período adicional de esforços expulsivos de 30 minutos

Embora os tempos indicados no Quadro 82.1 sirvam como linhas orientadoras,


são aceitáveis ligeiras adaptações para a decisão de realizar uma cesariana ou um
parto vaginal instrumentado, tendo em conta as expetativas da parturiente, a
frequência das contrações uterinas, a evolução progressiva mas mais lenta do
trabalho de parto, o controlo adequado da dor e as alterações cardiotocográficas.

BIBLIOGRAFIA
AMERICAN COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS, Society for Maternal-Fetal Medicine.
Safe prevention of the primary cesarean delivery. Am J Obstet Gynecol. 2014;210(3):179-
-193.
NATIONAL INSTITUTE FOR CLINICAL EXCELLENCE . Intrapartum care for healthy women and ba-
bies. 2014.
CARDIOTOCOGRAFIA – INTERPRETAÇÃO 83
CATARINA REIS DE CARVALHO , DIOGO AYRES DE C AMPOS

INTRODUÇÃO
A cardiotocografia (CTG) avalia indiretamente o estado de oxigenação fetal atra-
vés do estudo da frequência cardíaca fetal (FCF) e da contractilidade uterina.
Os mecanismos fisiológicos subjacentes à interpretação da CTG são iguais no
anteparto e no intraparto. Vários fatores, incluindo a idade gestacional,a
patologia fetal e a medicação administrada à grávida podem afetar a FCF,
pelo que a análise da CTG necessita sempre de ser integrada com a restante
informação clínica.

INTERPRETAÇÃO
A análise da CTG começa com a avaliação das características básicas, seguida
da classificação.

Avaliação das características básicas da CTG


Linha de base
Corresponde ao nível médio dos segmentos mais horizontais e menos oscilan-
tes da FCF, estimada em períodos de 10 minutos. O valor da linha de base
pode variar entre segmentos subsequentes de 10 minutos. Em traçados com sinais
instáveis, pode ser necessário rever segmentos anteriores, prolongar o traçado,
ou identificar o estado comportamental de vigília ativa, o qual pode levar a uma
estimativa incorretamente elevada da linha de base (ver “Estados
comportamentais fetais”, à frente neste capítulo).
Linha de base normal: valor entre 110-160 batimentos por minuto (bpm). Os fetos
pré-termo tendem a ter valores próximos do limite superior deste intervalo,
enquanto os pós-termo estão mais próximos do limite inferior.
Taquicardia: valor da linha de base >160 bpm durante >10 minutos. A hiperter-
mia materna é a causa mais frequente, podendo ser de origem extrauterina ou
resultante de infeção intrauterina. A analgesia epidural também pode aumentar
a temperatura materna, resultando em taquicardia fetal. Nas fases iniciais de
hipoxemia fetal crónica ou subaguda, a secreção de catecolaminas pode também
resultar em taquicardia. Outras causas menos frequentes são a administração
de beta-agonistas (salbutamol, terbutalina), bloqueadores parassimpáticos (atro-
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

pina, escopolamina) e arritmias fetais como a taquicardia supraventricular e o


flutter auricular.
Bradicardia: valor da linha de base <110 bpm durante >10 minutos. Podem ocorrer
valores entre 100-110 bpm em fetos normais, especialmente em ges- tações pós-
termo. A hipotermia materna, os betabloqueadores e as arritmias fetais, como o
bloqueio auriculoventricular, são outras causas possíveis.
296 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Variabilidade
Descreve as oscilações da FCF, definindo-se como a largura de banda média
em segmentos de 1 minuto.
Variabilidade normal: largura de banda de 5-25 bpm.
Variabilidade reduzida: largura de banda <5 bpm durante >50 minutos em seg-
mentos de linha de base ou durante >3 minutos em segmentos correspondentes
a desacelerações. Pode ocorrer devido a hipoxia do sistema nervoso central (SNC),
com consequente redução da atividade simpática e parassimpática, mas também
se pode associar a lesão cerebral prévia, infeção, administração de depressores
do SNC ou de bloqueadores parassimpáticos. Durante o sono profundo, a
variabilidade situa-se geralmente no limiar inferior da normalidade, mas
raramente é <5 bpm ou dura >50 minutos. Existe alguma subjetividade na
avaliação visual deste parâmetro.
Variabilidade aumentada (padrão saltatório): largura de banda >25 bpm durante
>30 minutos. Pode coincidir com desacelerações recorrentes e estar associa-
da a hipoxia de rápida evolução. A fisiopatologia é ainda mal conhecida, mas
pensa-se ser causada por instabilidade do sistema autónomo.

Acelerações
Subidas abruptas da FCF (do início ao pico em <30 segundos) acima da linha
de base, com >15 bpm de amplitude e duração >15 segundos mas <10 minu-
tos. A maioria coincide com movimentos fetais e são sinal de uma adequada
resposta neurológica fetal e da ausência de hipoxia. Antes das 32 semanas,
a amplitude e duração das acelerações pode ser menor (10 bpm de amplitude
e 10 segundos de duração). Após as 32-34 semanas, com o estabelecimento
dos estados comportamentais (ver “Estados comportamentais fetais”, à frente
neste capítulo), as acelerações raramente ocorrem durante períodos de sono
profundo, os quais podem durar até 50 minutos. A ausência de acelerações
no intraparto, estando as restantes características normais, não traduz hipoxia
fetal. As acelerações coincidentes com contrações uterinas, especialmente no
segundo estádio do trabalho de parto, sugerem um registo inadvertido da fre-
quência cardíaca materna (FCM), uma vez que a FCF geralmente desacelera com
as contrações e os esforços expulsivos maternos, enquanto a FCM aumenta.

Desacelerações
Descidas da FCF abaixo da linha de base, com >15 bpm de amplitude e dura-
ção >15 segundos.
Desacelerações precoces: pouco profundas, de curta duração, com variabilidade
normal na desaceleração e coincidentes com as contrações. Pensa-se serem
causadas por compressão da cabeça fetal e não traduzem hipoxia.
Desacelerações variáveis (em forma de V): exibem uma diminuição rápida da
FCF (início até nadir em <30 segundos), boa variabilidade na desaceleração,
retorno rápido à linha de base, sendo ainda variáveis no tamanho, forma e relação
com as contrações uterinas. Constituem a maioria das desacelerações durante o
trabalho de parto e traduzem uma resposta barorrecetora ao aumen- to da tensão
arterial, em consequência de compressão transitória do cordão umbilical.
Raramente estão associadas a graus importantes de hipoxia fetal.
Cardiotocografia – Interpretação 297

Desacelerações tardias (em forma de U ou com variabilidade reduzida): têm


início ou retorno graduais (>30 segundos) à linha de base, ou variabilidade
reduzida na desaceleração. Quando as contrações estão a ser adequadamente
monitorizadas, as desacelerações tardias iniciam-se >20 segundos após o início de
uma contração, têm um nadir após o pico e um retorno à linha de baseapós
o termo da contração. Indicam uma resposta quimiorrecetora à hipoxemia fetal.
Em traçados com variabilidade reduzida e sem acelerações, a definição de
desaceleração tardia inclui também aquelas com amplitude de 10-15 bpm.
Desacelerações prolongadas: têm duração >3 minutos. Incluem muito prova-
velmente um componente quimiorrecetor desencadeado por hipoxemia aguda.
As desacelerações >5 minutos, com FCF sustentadamente <80 bpm e variabi-
lidade reduzida estão geralmente associadas a hipoxia fetal aguda e requerem
uma intervenção emergente.

Padrão sinusoidal
Padrão suave e ondulante, semelhante a uma onda sinusoidal, com amplitude
de 5-15 bpm e frequência de 3-5 ciclos/minuto. Deve ser valorizado se tiver
duração >30 minutos e não apresentar acelerações. A base fisiopatológica deste
padrão é mal compreendida, mas sabe-se que se associa a anemia fetal grave,
estando também descrito em situações de hipoxia fetal aguda, infeção,
malformações cardíacas, hidrocefalia e gastrosquisis.

Padrão pseudossinusoidal
Semelhante ao sinusoidal, mas com forma em “dentes de serra”, sendo a
ondulação menos suave e arredondada. A duração raramente é >30 minutos e
é antecedido e sucedido por um padrão normal. Encontra-se associado à ad-
ministração de analgésicos, a períodos de sucção e outros movimentos bucais
do feto. O padrão pseudossinusoidal pode ser difícil de distinguir do sinusoidal,
sendo o caráter temporário do primeiro o fator mais discriminante.

Estados comportamentais fetais


Com a maturação do SNC, o feto passa a apresentar períodos de sono profundo
(sem movimentos oculares), que alternam com períodos de sono ativo e períodos
de vigília. A alternância entre estados comportamentais traduz uma resposta
neurológica normal e a ausência de hipoxia fetal. As transições entre estados
tornam-se mais claras após as 32-34 semanas. O sono profundo pode durar
até 50 minutos e está associado a uma linha de base estável, acelerações ausentes
ou muito ocasionais e variabilidade no limite inferior da normalidade.O sono
ativo é o estado comportamental mais frequente, caracterizando-se por um
número moderado de acelerações e variabilidade normal. A vigília ativa associa-
se a variabilidade normal e múltiplas acelerações, o que pode tornar difícil
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

estimar a linha de base. Ocorre sobretudo em períodos noturnos.

Contrações uterinas
Traduzem-se por um aumento gradual da atividade uterina, seguido de uma di-
minuição aproximadamente simétrica, em forma de sino, com 45-120 segundos
de duração. As contrações podem comprimir os vasos que correm na espes-
sura do miométrio e diminuir transitoriamente a perfusão placentária, podendo
298 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

também comprimir o cordão umbilical. Com o tocodinamómetro apenas se avalia


a frequência das contrações, não a intensidade nem a duração das mesmas.
Taquissistolia: frequência excessiva de contrações, definida como a ocorrên-
cia de >5 contrações em 10 minutos, durante dois períodos sucessivos de 10
minutos, ou >15 contrações num período de 30 minutos.

Classificação da CTG
Requer a avaliação prévia das características básicas da CTG (ver “Avaliação das
características básicas da CTG”). Os traçados são classificados em normais,
suspeitos e patológicos, de acordo com os critérios apresentados na Tabela
83.1. Tendo em conta a dinâmica dos sinais da CTG durante o trabalho de parto,
a reavaliação dos traçados deve realizar-se pelo menos a cada 30 minutos.

Tabela 83.1 – CLASSIFICAçÃO DA CARDIOTOCOGRAFIA S EGUNDO AS NORMAS DA FIGO DE 2015


Normal Suspeita Patológica
Linha de base 110-160 bpm <100 bpm
Variabilidade reduzida
Variabilidade 5-25 bpm Ausência de pelo Variabilidade aumentada
menos um critério de Padrão sinusoidal
normalidade, mas sem
Desacelerações repetitivas*
nenhum critério de
Sem (tardias ou prolongadas)
traçado patológico
Desacelerações desacelerações > 30 minutos ou se ↓ variabilidade
repetitivas* > 20 minutos.
Desaceleração > 5 minutos
Sem hipoxia/ Baixa probabilidade Alta probabilidade de hipoxia/
Interpretação
acidose de hipoxia/acidose acidose
Ação para corrigir
Não é necessário Ação imediata para corrigir causas
causas reversíveis
qualquer reversíveis, métodos adjuvantes, ou
Orientação se identificadas,
intervenção se não for possível parto imediato.
clínica monitorização
para melhorar a Em situações agudas, deverá ser
apertada, ou métodos
oxigenação fetal realizado um parto imediato.
adjuvantes
*As desacelerações são repetitivas quando associadas a >50% das contrações.
A ausência de acelerações durante o trabalho de parto tem um significado incerto.

BIBLIOGRAFIA
AYRES- DE -C AMPOS D, SPONG CY, C HANDRAHARAN E; FIGO I NTRAPARTUM F ETAL MONITORING EXPERT
CONSENSUS PANEL. FIGO consensos guidelines on intrapartum fetal monitoring: Cardiotoco-
graphy. Int J Gynaecol Obstet. 2015;131(1):13-24.
HIPOXIA FETAL E TOCÓLISE AGUDA 84
DIOGO AYRES DE C AMPOS , C ATARINA REIS DE C ARVALHO

INTRODUÇÃO
Entende-se por hipoxia fetal a diminuição da concentração de oxigénio nos tecidos
fetais, sendo um diagnóstico primordialmente cardiotocográfico. Está associada a
elevado risco de morte perinatal ou de sequelas neurológicas permanentes. Pode
ocorrer ao longo de dias ou semanas (hipoxia crónica), ao longo de horas
(hipoxia subaguda) ou em poucos minutos (hipoxia aguda). Na hipoxia crónica,
desaparecem as acelerações e a variabilidade é reduzida, podendo ocorrer
desacelerações tardias se existirem contrações. A hipoxia subaguda manifesta-
se por desacelerações repetitivas que evoluem para desa- celerações tardias com
baixa variabilidade. A hipoxia aguda manifesta-se por uma desaceleração
prolongada com baixa variabilidade.

HIPOXIA CRÓNICA
Esta situação cursa geralmente com alterações ecográficas como: oligoâmnios,
restrição de crescimento fetal (RCF) e alterações fluxométricas. O feto não tem
a capacidade de suportar o stress adicional causado pelas contrações uterinas do
trabalho de parto, sendo necessário considerar o parto por cesariana.

HIPOXIA SUBAGUDA E AGUDA


Estas situações têm causas reversíveis e irreversíveis. Se possível, devem ser
abordadas em fases precoces [cardiotocografia (CTG) suspeita], corrigindo-se os
fatores desencadeantes, de forma a prevenir uma hipoxia grave ou prolongada.
A eletrocardiografia fetal (STAN®) nas situações de desacelerações repetitivas
com variabilidade normal e a estimulação do escalpe fetal na presença de
variabilidade reduzida, aumentam a acuidade diagnóstica da CTG. Perante uma
suspeita de hipoxia subaguda ou aguda é necessária uma intervenção para evitar
um desfecho fetal adverso, o que não significa necessariamente a realização
de uma cesariana ou de um parto instrumentado.

Causas reversíveis
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

■ Atividade uterina excessiva: causa mais frequente de hipoxia fetal e pode


ser identificada pela presença de taquissistolia na CTG (>5 contrações em
dois períodos sucessivos de 10 minutos ou >15 contrações num período de
30 minutos) ou um tónus uterino aumentado. A causa é frequentemente
iatrogénica, por administração de ocitocina ou prostaglandinas, e reversível
com a redução ou suspensão da perfusão ocitócica, remoção de prostaglan-
dinas, ou início de tocólise aguda (ver Quadro 84.1). No período expulsivo,
300 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

os esforços expulsivos maternos contribuem também para acentuar a hipoxia


fetal, pelo que devem ser suspensos até a situação reverter;

Quadro 84.1 – TOCÓLISE AGUDA



Salbutamol 25 mcg/minuto EV até uma dose máxima de 125 mcg – 1 amp. (5 mg/5 ml) diluída em
100 ml de SF a 30 ml/hora. Monitorização contínua da FCM. Reduzir ritmo de perfusão se FCM >120
bpm. Suspender perfusão quando a desaceleração reverter ou após 5 minutos ( contraindicações:
doença coronária, história de arritmia cardíaca, diabetes descompensada, hipertiroidismo desco m-
pensado, hipocaliemia)

Atosiban 6,75 mg em bólus EV durante 1 minuto (1 amp. de 7,5 mg/ml, 0,9 ml) (sem contraindicações)
EV – endovenoso; amp. – ampola; SF – soro fisiológico; FCM – frequência cardíaca materna; bpm – batimentos por minuto.

■ Compressão aorto-cava: quando a grávida está em decúbito dorsal, levando à


redução da perfusão placentária. O decúbito dorsal também se pode associar
a atividade uterina excessiva, pela estimulação do plexo sagrado. A alteração
da posição da grávida conduz geralmente à normalização do traçado;
■ Compressão do cordão umbilical: entre estruturas fetais ou entre estas e a
parede uterina, por aperto de um nó verdadeiro ou por estiramento de circu-
lares cervicais apertadas. O diagnóstico é habitualmente estabelecido após o
nascimento. A situação pode melhorar ou reverter com a redução da frequência
das contrações, com a alteração da posição materna ou com a amnioinfusão;
■ Hipotensão materna súbita: geralmente associada à analgesia locorregional.
Pode ser precedida por náuseas e manifestar-se por tonturas, vertigens, visão
turva ou sensação de lipotímia. A tensão arterial (TA) sistólica encontra-se
<90 mmHg ou então regista uma queda >40 mmHg relativamente aos valores
habituais. É importante chamar um anestesiologista nestas situações. A hipo-
tensão geralmente reverte com a administração rápida de fluidos: SF 500 ml
em bomba perfusora a 999 ml/hora durante 30 minutos. Se for necessária
reversão mais rápida, efedrina 3-6 mg em bólus EV lento, 1 amp. (50 mg/
/ml, 1 ml) diluída em 10 ml de SF, bólus de 0,6 ml. Repetir, se necessário, após
5-10 minutos até ao máximo de 3 doses (contraindicações: doença car- díaca,
hipertensão arterial (HTA), hipertiroidismo, feocromocitoma, glaucoma, inibidores
da monoamina oxidase nos últimos 14 dias).

Causas irreversíveis
■ Prolapso do cordão umbilical: detetável por exame vaginal (ver protocolo “100.
Prolapso do cordão umbilical”);
■ Descolamento major da placenta: pode manifestar-se por hemorragia vaginal,
mas por vezes esta ocorre apenas após elevação da apresentação ou após
o parto. É frequente ocorrer dor abdominal aguda contínua, mas esta pode estar
mascarada pela analgesia locorregional. A taquissistolia é frequente em
pequenos descolamentos, mas no descolamento major a contractilidadeé
irregular e ineficiente, predispondo a atonia uterina pós-parto. Perante a
suspeita, o parto deve ser imediato, com monitorização dos sinais vitais,
saturação de oxigénio e eletrocardiograma (ECG) maternos. Cateterizar veia
periférica com cateter de 16G e colher sangue para hemograma, tipagem e
estudo da coagulação;
Hipoxia Fetal e Tocólise Aguda 301

■ Rotura uterina: causa hipoxia fetal em cerca de 30% dos casos, por desco-
lamento concomitante da placenta e por hemorragia materna. Manifesta-se
geralmente por dor abdominal contínua ou à palpação dos quadrantes infe-
riores do abdómen, mas pode estar mascarada pela analgesia locorregional.
Ocorre hemorragia vaginal em cerca de 10% dos casos. A subida da apre-
sentação é muito sugestiva do diagnóstico, mas é um achado infrequente.
A contractilidade geralmente desaparece. Perante a suspeita deve proceder-se
a cesariana emergente. Cateterizar veia periférica com cateter 16G e colher
sangue para hemograma, tipagem e estudo da coagulação. Na cirurgia, pro-
ceder a reparação cirúrgica em dupla camada, com poliglactina-910 (Vicryl®
1) ou poliglecaprone 25 (Monocryl® 1). Quando a reparação não é possível
ou quando a puérpera está hemodinamicamente instável, considerar a histe-
rectomia periparto;
■ Hemorragia fetal: pode ocorrer por hemorragia feto-materna ou rotura de vasa
previa. A morbilidade associada depende da idade gestacional e do volume
da hemorragia, mas é frequente ocorrer hipoxia quando excede 20 ml/kg. Na
CTG ocorre frequentemente um padrão sinusoidal, por vezes com taquicardia
na fase aguda da hemorragia e com desacelerações tardias ou prolongadas
em fases mais avançadas:
– Hemorragia feto-materna: pode ocorrer após traumatismo abdominal, des-
colamento placentário, versão cefálica externa (VCE) e corangioma, mas na
maioria dos casos não tem causa identificável. O diagnóstico é retrospetivo,
com a documentação de anemia no recém-nascido (RN) e positividade do
teste de Kleihauer-Betke;
– Rotura de vasa previa: ocorre geralmente hemorragia vaginal na altura da
rotura de membranas. Quando não existe diagnóstico pré-natal de vasa
previa a mortalidade fetal ronda os 60%;
■ Complicações respiratórias e cardiovasculares maternas [asma aguda, cho- que
hemorrágico, paragem cardiorrespiratória, tromboembolismo, embolia do líquido
amniótico (LA), etc.]: variam quanto à gravidade, reversibilidade e ritmo de
reversão, o qual pode ou não ser compatível com uma atitude expectante face
à hipoxia fetal. O tratamento destas situações sai fora do âmbito do presente
protocolo.

Conduta perante a suspeita de uma hipoxia fetal subaguda


Tentar identificar a causa subjacente, para julgar a reversibilidade dessa con-
dição, de forma a evitar a hipoxia fetal prolongada e a intervenção obstétrica
desnecessária. A administração materna de oxigénio apenas está indicada nas
complicações respiratórias maternas. Durante o período expulsivo, a hipoxia pode
agravar-se rapidamente, pelo que devem ser tomadas medidas urgentes para
melhorar a oxigenação fetal, incluindo a suspensão dos esforços expulsi-vos
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

maternos e, se não houver melhoria acentuada da CTG, o parto imediato.

Conduta perante a suspeita de uma hipoxia fetal aguda


■ Chamar o obstetra mais experiente e pelo menos dois enfermeiros especia- listas;
■ Assegurar uma boa qualidade do sinal da CTG;
302 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

■ Parar ocitocina, remover prostaglandinas (se possível), avaliar contractilidade


(CTG e palpação do fundo uterino);
■ Exame vaginal (para detetar prolapso do cordão umbilical e avaliar condições
para parto instrumentado);
■ Colocar grávida em decúbito lateral e suspender esforços expulsivos (se não
houver condições para parto instrumentado imediato);
■ Avaliar TA, pulso radial e estado de consciência;
■ Procurar causa da hipoxia e implementar medidas para corrigir causas rever-
síveis (ver “Causas reversíveis”).
■ Ter em conta alterações prévias da CTG, RCF e suspeita de corioamnionite
na decisão de extração fetal imediata.
Se forte suspeita de causa irreversível ou ausência de recuperação aos 5
minutos:
■ Contactar com caráter emergente anestesiologista e neonatologista;
■ Proceder a parto instrumentado se houver condições muito favoráveis;
■ Preparar a grávida e o bloco operatório para cesariana emergente, caso não
existam essas condições;
■ Decidir cesariana aos 7-8 minutos, se não houver sinais de recuperação
(extração fetal o mais rápida possível).

Cuidados após o nascimento


Colher sangue umbilical para gasimetria (ver protocolo “89. Gasimetria umbi-
lical”). Registar achados na altura do parto (alterações na placenta e cordão
umbilical). Enviar a placenta para exame anátomo-patológico.

BIBLIOGRAFIA
AYRES- DE -C AMPOS D, A RULKUMARAN S; FIGO INTRAPARTUM F ETAL M ONITORING EXPERT C ONSENSUS
PANEL. FIGO consensus guidelines on intrapartum fetal monitoring: Physiology of fetal
oxygenation and the main goals of intrapartum fetal monitoring. Int J Gynaecol Obstet.
2015;131(1):5-8.
AYRES- DE -C AMPOS D, SPONG CY, C HANDRAHARAN E; FIGO I NTRAPARTUM F ETAL MONITORING EXPERT
CONSENSUS PANEL. FIGO consensus guidelines on intrapartum fetal monitoring: Cardiotoco-
graphy. Int J Gynaecol Obstet. 2015;131(1):13-24.
CHANDRAHARAN E, Arulkumaran S. Acute tocolysis. Curr Opin Obstet Gynecol. 2005;17(2):151-
-156.
DE HEUS R, M ULDER EJ, DERKS JB, et al. Acute tocolysis for uterine activity reduction in term
labor: a review. Obstet Gynecol Surv. 2008;63(6):383-388.
PARTO INSTRUMENTADO 85
M ARIA PULIDO VALENTE, M ARIA DE CARVALHO AFONSO

INTRODUÇÃO
O parto instrumentado tem por objetivo abreviar o 2.º período do trabalho de
parto e inclui o parto auxiliado por ventosa e por fórceps. As principais indi-
cações para a realização de um parto instrumentado são: estado fetal não
tranquilizador, 2.º período do trabalho de parto com fase ativa estacionária (pa-
ragem na descida da apresentação), 2.º período do trabalho de parto com fase
ativa prolongada, contraindicação para esforços expulsivos maternos e exaustão
materna. As contraindicações para a realização de um parto instrumentado
são: suspeita de incompatibilidade feto-pélvica, doença desmineralizante fetal e
suspeita de coagulopatia fetal. Para a realização de um parto instrumentado é
ainda necessário que estejam asseguradas as seguintes condições de seguran- ça:
apresentação cefálica, conhecimento da posição/variedade da apresentação,
apresentação encravada, dilatação cervical completa, membranas rotas, bexiga
vazia, canal de parto parecendo compatível com feto e capacidade para realizar
uma cesariana emergente. Antes de se instrumentar um parto é necessário:
realizar um exame vaginal para confirmar as condições de segurança, colocar
a parturiente em posição de litotomia, proceder a desinfeção vulvar e perineal,
assegurar o esvaziamento vesical e garantir uma analgesia adequada. Deve ser
solicitado um consentimento informado oral.

VENTOSA
A ventosa só deve ser aplicada em apresentações cefálicas de vértice e em
fetos com ≥34 semanas. Excecionalmente, poderá ser considerada quando a
dilatação cervical é de 8-9 cm.

Técnica de aplicação
■ Colocar a campânula da ventosa sobre o ponto de flexão (na linha média,
~3 cm à frente da fontanela posterior);
■ Aplicar ligeira pressão de vácuo (0,2 kg/m2 ) para fixar a campânula;
■ Confirmar a inexistência de tecidos maternos interpostos entre a apresenta-
ção e a campânula;
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

■ Proceder à elevação da pressão do vácuo (até 0,8 kg/m2 );


■ Tracionar a ventosa com a mão dominante, colocando o indicador da mão
contralateral no escalpe fetal e o polegar na campânula. A tração deve ser
coincidente com as contrações, no sentido do eixo do canal de parto;
■ Avaliar a progressão da apresentação no final de cada tração;
■ Realizar episiotomia apenas quando existem sinais de laceração iminente do
períneo.
304 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Critérios de desistência: ausência da descida da apresentação após trações


realizadas durante 3 contrações, desadaptação da ventosa 3 vezes ou duração
da aplicação >20 minutos.
Complicações maternas: lacerações/hematomas vaginais e perineais.
Complicações neonatais (incidência 0,01-0,3%): edema, equimose, laceração do
escalpe, cefalo-hematoma, hematoma subaponevrótico, hemorragia intracraniana,
fratura craniana, hemorragia retiniana, icterícia neonatal.

FÓRCEPS
O fórceps de Simpson é utilizado em apresentações cefálicas de vértice com
variedades anteriores ou posteriores. O fórceps de Kielland é utilizado em
apresentações cefálicas de vértice com variedades transversas ou posteriores que
necessitem de rotação. O fórceps de Simpson pode ainda ser utilizado em
apresentações de face com mento anterior (ver “Fórceps de Simpson em apre-
sentações de face com o mento anterior”, à frente neste capítulo). O fórceps
de Piper é utilizado na retenção de cabeça última, estando fora do âmbito
deste protocolo. O fórceps pode ser utilizado em fetos com idade gestacional
<34 semanas.

Técnica de aplicação
Fórceps de Simpson em variedades anteriores ou posteriores
■ Testar a articulação do fórceps antes da aplicação;
■ Lubrificar a parte exterior das colheres;
■ Inserir uma colher com suavidade e sem forçar, guiada por dois dedos da
mão contralateral;
■ A primeira colher a introduzir é sempre a posterior (Quadro 85.1);

Quadro 85.1 – R AMO DO FÓRCEPS A INTRODUZIR EM


PRIMEIRO LUGAR, DE ACORDO COM A VARIEDADE FETAL
Variedades anteriores

Variedades esq. → Ramo esq.

Variedade OA (direta) → Ramo esq.

Variedades dir. → Ramo dir.
Variedades posteriores

Variedades esq. → Ramo dir.

Variedade OP (direta) → Ramo esq.

Variedades dir. → Ramo esq.

■ A aplicação é sempre biparietal, bimalar;


■ Usar técnica semelhante para a segunda colher e articular os ramos;
■ Verificar o correto posicionamento dos ramos: a sutura sagital deve estar
perpendicular ao plano dos ramos e a pequena fontanela 3 cm atrás do ponto
correspondente ao eixo dos ramos;
■ Tração coincidente com contrações, no sentido do eixo do canal de parto.
Rotação <45° para OA ou OP;
Parto Instrumentado 305

■ Realizar episiotomia (obrigatória) quando a cabeça fetal começa a distender o


períneo;
■ Assegurar proteção do períneo na altura da exteriorização da cabeça;
■ Desarticulação dos ramos antes da exteriorização completa do polo cefálico;
■ Episiorrafia e revisão cuidadosa do canal de parto.

Fórceps de Kielland em variedades transversas ou posteriores


■ A primeira colher a introduzir é sempre a anterior;
■ O lado da colher que tem uma pequena saliência deve apontar sempre para a
pequena fontanela;
■ A mão guia é introduzida na escavação posterior para orientar a introdução
da colher junto ao parietal posterior;
■ A colher é rodada para o parietal anterior com auxilio da mão guia, deslizan-
do-a sobre a face ou o osso occipital;
■ Introdução da colher posterior de modo a ficar colocada no parietal posterior;
■ Articulação dos ramos;
■ Correção de assinclitismo através do deslizar das colheres;
■ Elevação ligeira (desencravamento) da apresentação;
■ Rotação de 90-135° para OA, sem desviar do eixo do canal de parto, e tração
durante as contrações;
■ Uma vez em OA, proceder como indicado anteriormente para o fórceps de
Simpson.

Fórceps de Simpson em apresentações de face com mento anterior


■ A aplicação do fórceps é semelhante às variedades anteriores em apresen-
tação de vértice (ver “Fórceps de Simpson em variedades anteriores ou pos-
teriores”).
■ Logo que o mento tenha ultrapassado a sínfise púbica, proceder a tração superior
(a 45° do plano do leito).
Critérios de desistência: ausência da descida da apresentação após trações
realizadas durante 3 contrações ou duração da aplicação >20 minutos.
Complicações maternas: lacerações/hematomas vaginais e perineais.
Complicações neonatais: lacerações do escalpe e da face, paralisia do nervo
facial, cefalo-hematoma, hemorragia subdural ou intracraniana, fratura da face
e do crânio.

BIBLIOGRAFIA
AMERICAN COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS. Operative vaginal delivery. Practice
Bulletin No. 154. Obstet Gynecol. 2015;126(5):356-365. Reaffirmed 2018.
GRAçA LM. Fórceps. In LM Graça, Medicina Materno-Fetal, 5.ª ed. Lisboa: Lidel, 2017.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

GRAçA LM. Ventosa obstétrica. In LM Graça, Medicina Materno-Fetal, 5.ª ed. Lisboa: Lidel,
2017.
86 PARTO PÉLVICO VAGINAL E RETENÇÃO DE
CABEÇA ÚLTIMA

ANDREIA F ONSECA , DIOGO AYRES DE C AMPOS

INTRODUÇÃO
A possibilidade de um parto pélvico vaginal deve ser colocada às grávidas com
feto em apresentação pélvica, após as 35 semanas de gravidez ou quando em
trabalho de parto, desde que estejam reunidas as seguintes condições de
segurança: estimativa de peso fetal (EPF) entre 2 000-3 500 g, modo nádegas,
ausência de procidência do cordão umbilical, canal de parto parecendo adequa-
do, sem hiperextensão da cabeça fetal e sem outra indicação para cesariana.
Embora o risco absoluto de morbilidade neonatal grave associada ao parto pélvico
vaginal seja de 0,002%, comparativamente com 0,0005% na cesariana
programada, vários estudos indicam riscos semelhantes quando se selecionam
os casos a submeter a tentativa de parto vaginal. Nestas situações, a indução
do trabalho de parto não está contraindicada.

CONDUTA NO TRABALHO DE PARTO


1. º período
Havendo necessidade de amniotomia durante o trabalho de parto, esta deve
ser tardia, já com a pelve descida no canal de parto, para reduzir o risco de
prolapso do cordão umbilical. A aceleração do trabalho de parto não está con-
traindicada. A decisão de cesariana deve ser tomada pelos motivos habituais,
sendo mais frequente a ocorrência de trabalho de parto estacionário, devido
a variedades sacro-posteriores persistentes. A monitorização cardiotocográfica
interna (elétrodo fetal colocado numa das nádegas) deve ser considerada pelos
motivos habituais.

2. º período
Devem estar presentes dois obstetras, pelo menos um dos quais experiente
em parto pélvico vaginal, e um anestesiologista para a eventual necessidade
de relaxamento uterino. Assegurar que a bexiga materna está vazia, que há
uma veia canalizada e que na sala existe um fórceps de Piper e uma com-
pressa grande. A fase latente do 2.º período pode durar até 90 minutos e a
fase ativa até 60 minutos, devendo a cesariana ser considerada quando se
ultrapassam estes limites temporais. A parturiente só deve ser estimulada a
realizar esforços expulsivos se a apresentação se encontrar no estádio +3 ou
abaixo. Preconiza-se a menor manipulação fetal possível, permitindo sempre
que possível o parto pélvico espontâneo. A pelve fetal não deve ser tracionada,
pelo risco de extensão dos membros superiores e da cabeça. O parto pélvico
assistido, utilizando as manobras descritas em “Exteriorização da pelve e dos
membros inferiores”, “Exteriorização dos ombros” e “Exteriorização da cabeça”, está
indicado apenas quando o feto apresenta diminuição do tónus corporal,
Parto Pélvico Vaginal e Retenção de Cabeça Última 307

cardiotocografia (CTG) patológica, ou quando decorrem mais de 3 minutos entre


a visualização do umbigo e a exteriorização da cabeça. Uma vez exteriorizado o
corpo até aos ombros, pode manter-se a monitorização cardiotocográfica com
o sensor Doppler colocado diretamente no tórax fetal.

Exteriorização da pelve e dos membros inferiores


Permitir sempre que possível a exteriorização espontânea da pelve até à visuali-
zação da cicatriz umbilical e, nessa altura, considerar a tração ligeira do cordão
umbilical para formar uma ansa. Com a exteriorização, o sacro geralmente roda
para uma posição anterior. Se tal não acontecer, deve ajudar-se manualmente
esta rotação. Se a expulsão dos membros inferiores for muito lenta pode aju- dar-
se manualmente a sua exteriorização. A partir deste momento, o ajudante deve
exercer, continuamente, pressão ligeira no fundo uterino, de forma a manter a
flexão da cabeça fetal, acompanhando a sua descida.

Exteriorização dos ombros


O corpo do feto pode ser enrolado numa compressa grande para facilitar a
preensão. Colocando ambas as mãos sobre a pelve fetal e tracionando de for-
ma suave e contínua, síncrona com os esforços expulsivos maternos, ajuda-se
a exteriorização do abdómen e tórax fetais. Logo que as omoplatas estejam
visíveis, devem ser inspecionadas: caso o bordo esteja paralelo à coluna, os braços
estarão fletidos e a expulsão espontânea é frequente. Caso o ângulo inferior da
omoplata esteja saliente e rodado para fora, o braço corresponden- te estará em
extensão. Deve libertar-se primeiro o ombro do braço que não esteja em
extensão. O ombro posterior liberta-se levantando o feto e inserindo
cuidadosamente um dedo à volta dessa estrutura, de forma a baixar o braço
e exteriorizar o cotovelo (Figura 86.1). O ombro anterior liberta-se baixando o
feto e realizando manobra semelhante (Figura 86.2). Para criar maior espaço para
a libertação do braço, pode ajudar uma ligeira rotação do tórax fetal no sentido
oposto.

Figura 86.2 – Exteriorização


do ombro anterior.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

Figura 86.1 – Exteriorização


do ombro posterior.

(Fonte: ver final do capítulo)


308 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Se ambos os braços estiverem em extensão, ou se não for possível libertar os


ombros, deve rodar-se o corpo do feto 180° com o ventre em posição inferior
(manobra de Lovset – Figura 86.3), e repetir as manobras anteriormente des-
critas. Depois da extração de um braço, pode ser necessário rodar 180° na direção
contrária, para libertar o outro braço.

Figura 86.3 – Manobra de Lovset.

Exteriorização da cabeça
Com os esforços expulsivos maternos e a pressão suprapúbica, geralmente ocorre
a exteriorização espontânea da cabeça. Quando tal não acontece, deve ser usada
a manobra de Mauriceau-Smellie-Veit (Figura 86.4). O ajudante mantéma pressão
suprapúbica e o executante coloca o corpo do feto sobre o seu ante- braço, com
o dedo médio e indicador da mão no lábio superior, para promover a flexão da
cabeça. Os dedos indicador e anelar da mão contralateral colocam-se sobre os
ombros fetais e o dedo médio sobre a nuca, este último também para promover
a flexão da cabeça. Tracionam-se os ombros para baixo, até se ob- servar a nuca
fetal, e depois o corpo é elevado lentamente e rodado à volta da sínfise púbica
materna, na direção do abdómen materno. Devem evitar-se trações bruscas e força
excessiva, bem como a hiperextensão exagerada da coluna.

Figura 86.4 – Manobra de Mauriceau-Smellie-Veit.


(Fonte: ver final do capítulo)

RETENÇÃO DE CABEÇA ÚLTIMA


Define-se retenção de cabeça última como o insucesso na extração da cabeça
fetal após 2-3 tentativas da manobra de Mauriceau-Smellie-Veit, pelo menos
Parto Pélvico Vaginal e Retenção de Cabeça Última 309

uma delas realizada por um obstetra experiente. A compressão do cordão um-


bilical e a ausência de contacto da via aérea fetal com o ar condiciona uma
hipoxia aguda, e a mortalidade perinatal nestas situações ronda os 4-8%. Por
este motivo, trata-se de uma emergência obstétrica, que deve ser resolvida em
menos de 5 minutos. Nestas situações é necessário:
■ Verbalizar claramente o diagnóstico para os profissionais de saúde na sala,
sem alarmar desnecessariamente a parturiente;
■ Caso não estejam já presentes, chamar com carácter emergente dois enfer-
meiros especialistas, o obstetra mais experiente, neonatologista e aneste-
siologista;
■ Colocar a parturiente em posição de McRoberts;
■ Realizar episiotomia, caso não tenha sido já feita;
■ Aplicar o fórceps de Piper. O assistente eleva ligeiramente o corpo e mem- bros
inferiores do feto enquanto o operador aplica os ramos do fórceps por baixo
destes (Figura 86.5). A aplicação é geralmente direta, primeiro o ramo
esquerdo e depois o direito. Após articulação das colheres, o corpo fetal é
colocado sobre os ramos do fórceps. O operador segura os cabos do fórceps com
uma mão e coloca a mão contralateral como na manobra de Mauriceau-
-Smellie-Veit. A tração no fórceps é realizada inicialmente para baixo até se
visualizar a nuca e depois progressivamente para cima.

Figura 86.5 – Aplicação do fórceps de Piper à cabeça última.

Situações de exceção
Quando não é possível extrair a cabeça fetal com a manobra anteriormente referi-
da, existem alguns procedimentos que necessitam de ser decididos rapidamente:
■ Em fetos prematuros, o corpo pode exteriorizar-se sem ter havido dilatação total
do colo, o que pode ser a causa da retenção da cabeça. Nestas si- tuações
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

devem realizar-se 1-3 incisões cervicais de Dührssen de 1-2 cm de


profundidade, com tesoura de pontas rombas às 2, 6 e 10 horas. Após a
dequitadura, estas incisões necessitam de ser suturadas;
■ Ponderar relaxamento uterino: nitroglicerina 100-250 mcg em bólus endove-
noso (EV) lento e repetir a aplicação do fórceps de Piper;
■ Manobra de Zavanelli com reintrodução dos ombros fetais no canal do parto
(um de cada vez), seguida de cesariana emergente com aplicação de ventosa
310 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

ou fórceps na cabeça fetal e tração contínua, enquanto um ajudante empurra


o corpo para dentro do canal de parto;
■ Sinfisiotomia (ver protocolo “102. Distocia de ombros”);
■ Se tiverem passado mais de 15 minutos desde o diagnóstico de retenção de
cabeça última, o prognóstico fetal é geralmente muito reservado. Nessas
situações, impera sobretudo o cuidado com o bem-estar da parturiente e
a situação deixa de ser uma emergência obstétrica. Deve ser considerada
a repetição cuidadosa das manobras. Como alternativa, poderá ter de ser
considerada a decapitação fetal e a remoção da cabeça fetal por cesariana.

Cuidados no pós-parto imediato


Após a resolução da situação, é necessária a documentação cuidadosa do
acontecimento. A gasimetria umbilical deve ser realizada em todos os casos
de retenção de cabeça última. Tendo havido necessidade de realizar manobras
complexas é necessário realizar uma revisão cuidadosa do canal de parto.

BIBLIOGRAFIA
AYRES- DE -C AMPOS D. Retention of the aftercoming head. In Obstetric emergencies – a prac-
tical guide (pp. 41-48). Springer, 2017.
GOFFINET F, CARAYOL M, FOIDART JM, et al. Is planned vaginal delivery for breech presenta- tion
at term still an option? Results of an observational prospective survey in France and Belgium.
Am J Obstet Gynecol. 2006;194(4):1002-1011.
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OF O BSTETRICIANS AND GYNAECOLOGISTS . Management of breech presentation. BJOG.
2017;124(7):e151-e177.
KOTASKA A, M ENTICOGLOU S, GAGNON R. Vaginal delivery of breech presentation. J Obstet
Gynaecol Can. 2009;31(6):557-566.

Fonte das figuras


86.1 – AYRES DE CAMPOS, D, et al. Emergências Obstétricas, Lisboa, Lidel, 2011.
86.4 – MONTENEGRO, N, et al. Protocolos de Medicina Materno-Fetal, 3.ª ed.
Lisboa: Lidel, 2014.
PARTO NA GRAVIDEZ MÚLTIPLA E PARTO DIFERIDO 87
CATARINA POLICIANO, M ÓNICA CENTENO

INTRODUÇÃO
Os partos de gestações múltiplas têm maior risco de complicações, nomeada-
mente: apresentação fetal anómala, prolapso do cordão umbilical, descolamento
da placenta, hipoxia fetal e hemorragia pós-parto. Numa gravidez gemelar em que
ambos os fetos estão em apresentação cefálica, o parto pode ocorrer por via
vaginal em qualquer idade gestacional e com qualquer estimativa de peso fetal
(EPF) (desde que o segundo não seja ≥20% maior do que o primeiro). Constituem
indicações para cesariana: gémeos siameses, gravidez gemelar monoamniótica
viável, primeiro feto em apresentação pélvica ou transverso, segundo feto pélvico
com hiperextensão da cabeça, segundo feto com estimativa de peso superior
ao primeiro em pelo menos 500 g ou 20% do peso, segundo gémeo pélvico
ou transverso com estimativa de peso <1 500 g, gravidez viável com ≥3 fetos.
A maturação cervical e a indução do trabalho de parto não estão contraindica-
das. Antecedentes de uma cesariana não constituem indicação absoluta para nova
cesariana. A decisão da via de parto na gravidez múltipla deve, sempreque
possível, ser definida durante a consulta pré-natal.

ABORDAGEM CLÍNICA
Na admissão ao trabalho de parto devem ser solicitados: hemograma, estudo
da coagulação com fibrinogénio e tipagem. Deve também ser realizada uma
ecografia para identificar as apresentações fetais, estimar pesos fetais e líqui- do
amniótico (LA) (caso não exista uma avaliação recente). Deve ser realizada
cardiotocografia (CTG) com monitorização interna do primeiro feto logo que
seja possível (se não houver contraindicações). Incentivar a opção materna por
analgesia epidural, para facilitar eventuais manobras obstétricas. A aceleração
do trabalho de parto com ocitocina e a amniotomia não estão contraindicadas.

Período expulsivo
Devem estar presentes na sala um obstetra com experiência em parto gemelar
e pelo menos um enfermeiro especialista. Anestesiologista e neonatologista
devem estar avisados e rapidamente disponíveis no local. O parto do primeiro feto
faz-se segundo os cuidados habituais. Junto da sala deve estar um ecógrafo para
avaliação do segundo feto, após o nascimento do primeiro.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

Cuidados após o nascimento do primeiro feto


Clampar o cordão umbilical (nas gestações monocoriónicas a clampagem deve
ser imediata dada a possibilidade de transfusão feto-fetal aguda) e seccionar o
cordão. Realizar seguidamente ecografia para avaliar a apresentação do segun-
do feto e a localização do foco fetal. O feto pode ser orientado por manobras
312 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

externas para uma situação longitudinal, mas a versão cefálica externa (VCE)
de fetos pélvicos está contraindicada, por se associar a maior risco de hipoxia
fetal. Assegurar CTG externa com boa qualidade de sinal. Realizar exame vaginal
para avaliar a descida da apresentação, integridade da bolsa amniótica e excluir
prolapso/procidência do cordão.
Se CTG normal: iniciar perfusão de ocitocina (ver protocolo “74. Indução do
trabalho de parto e maturação cervical”). Realizar amniotomia da segunda bolsa
logo que esteja estabelecida contractilidade regular e a apresentação esteja
bem-adaptada ao colo e proceder a um parto cefálico ou pélvico de rotina. Não
existe consenso sobre o tempo máximo de latência entre o nascimento dos
dois fetos, mas parece ser seguro aguardar 30-60 minutos. Longos intervalos
de latência associam-se a “retrocesso da dilatação”, dificultando ou mesmo
impedindo as manobras obstétricas descritas em “Versão podálica interna” e
“Grande extração pélvica”.
Se CTG suspeita/patológica, procidência/prolapso do cordão, apresentação
pélvica modo joelhos/pés ou latência >60 minutos, ponderar as alternativas
na apresentação cefálica: versão podálica interna e grande extração pélvica (ver
“Versão podálica interna” abaixo e “Grande extração pélvica”, à frente neste
capítulo), parto instrumental (incluindo ventosa de aplicação alta) ou cesariana
emergente. A escolha depende das alterações da CTG, das condições locais
para um parto vaginal e da experiência do operador. Na apresentação pélvica
as alternativas são: grande extração pélvica (ver “Grande extração pélvica”, à
frente neste capítulo) ou cesariana emergente.

Versão podálica interna


A realizar preferencialmente antes da amniotomia. Pode ser necessário o rela-
xamento uterino anestésico. Introduzir no canal do parto a mão correspondente
ao lado em que estão os membros inferiores do feto (a mão direita na situação
representada na Figura 87.1 e a mão esquerda se estiverem virados para o
lado contralateral). Se possível, localizar e agarrar ambos os pés. Enquanto a mão
interior traciona o(s) pé(s), a mão contralateral empurra a cabeça fetal em
direção ao fundo uterino. Depois de realizada a versão, proceder a eventual
amniotomia e grande extração pélvica (ver “Grande extração pélvica”, à frente
neste capítulo). Não se deve insistir na manobra se o feto não rodar facilmente.

Figura 87.1 – Versão podálica interna com os membros inferiores


situados do lado esquerdo da grávida.
Parto na Gravidez Múltipla e Parto Diferido 313

Grande extração pélvica

Introduzir a mão dominante no canal de parto e localizar ambos, ou pelo menos


um dos pés do feto. Proceder a tração cuidadosa dos pés com o ajudante a
pressionar continuamente o fundo uterino de forma a manter a flexão da cabeça.
Após a extração até ao nível do umbigo, proceder a um parto pélvico ajudado (ver
protocolo “86. Parto pélvico vaginal e retenção de cabeça última”). Pode ser
necessário o relaxamento uterino anestésico.

Cuidados após o nascimento do segundo gémeo


Clampar o cordão do segundo gémeo com dois clamps umbilicais, de forma a
diferenciá-lo do primeiro. Colher sangue de ambos os cordões umbilicais para
gasimetria. Avaliação macroscópica da(s) placenta(s) e envio para exame anáto-
mo-patológico. Vigilância cuidadosa das perdas hemáticas vaginais, sinais vitais
e estado de contração uterina, devido ao risco acrescido de atonia uterina.

TENTATIVA DE PARTO DIFERIDO


a tentativa de parto diferido visa o prolongamento da gestação para o(s) gémeo
restante(s), após o parto pré-termo (PPT) de um ou mais gémeos. Deve ser uma
opção considerada nos partos que ocorrem entre as 20+0-26+6 semanas. Está
contraindicado se: gravidez monocoriónica, suspeita de infeção intra-amniótica,
rotura de membranas do segundo feto, hemorragia vaginal ativa, contractilidade
uterina refratária à tocólise, doença materna grave, malformações fetais major
e suspeita de hipoxia fetal.
Em cerca de 60-65% dos casos é possível evitar a expulsão imediata do(s)gémeo(s)
restante(s). O tempo médio de latência até ao parto do segundogémeo
ronda os 19 dias, estando descritos tempos de latência até 123 dias. O segundo
gémeo tem uma mortalidade 66% menor do que o primeiro e o seu
desenvolvimento neurológico parece ser semelhante ao de recém-nascidos (RN)
de gestações únicas com a mesma idade gestacional. Complicações infeciosas
como a corioamnionite ocorrem em cerca de 22% dos casos, descolamento da
placenta em 6% e sépsis materna em 8%.

Abordagem clínica após o primeiro parto


■ Evitar exames vaginais;
■ Ecografia para avaliar frequência cardíaca do(s) feto(s) restante(s);
■ Laqueação do cordão umbilical do primeiro feto com poliglactina 910 (Vicryl ® 1) o
mais próximo possível do colo, seguida de secção do coto umbilical restante;
■ Tocólise com indometacina 100 mg per rectum (PR) seguida de 25 mg per
IDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

os (PO) de 6/6 horas durante 48 horas;


■ Ampicilina 1 g EV de 8/8 horas, gentamicina 240 mg EV 1 vez/dia, clinda-
micina 900 mg EV 8/8 horas, durante 7 dias;
■ Corticosteroides para indução da maturação fetal (de acordo com o protocolo
“71 – Corticosteroides para indução da maturidade fetal”);
■ Repouso absoluto no leito durante 48 horas;
314 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

■ Vigilância 1 vez/turno da frequência cardíaca fetal (FCF) e CTG 1 vez/dia


após as 25 semanas;
■ Vigilância 1 vez/turno dos sinais vitais;
■ Leucograma e proteína C reativa em dias alternados, durante 7 dias;
■ Considerar alta após 7 dias com vigilância semanal na consulta de Medicina
Materno-Fetal.

BIBLIOGRAFIA
AMERICAN COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS. Multifetal gestations: twin, tri- plet,
and higher-order multifetal pregnancies. Practice Bulletin No. 144. Obstet Gynecol.
2014;123(5):1118-1132.
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experience in one perinatal center. Am J Obstet Gynecol. 2009;200(2):154.e1-8.
BARRETT JF, HANNAH ME, HUTTON EK, et al. A randomized trial of planned cesarean or vaginal
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CENTENO M, C LODE N, T UNA M, et al. Parto diferido – Evolução materna e perinatal. Acta
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SOCIETY FOR M ATERNAL-FETAL M EDICINE. Multifetal gestations: twin, triplet, and higher-order
multifetal pregnancies. Practice Bulletin No. 169. Obstet Gynecol. 2016;128(4):e131-e146.
CESARIANA 88
S USANA SANTO , D IOGO AYRES DE CAMPOS

INTRODUÇÃO
O presente protocolo descreve os principais cuidados pré-operatórios, intraope-
ratórios e pós-operatórios imediatos a adotar na realização de uma cesariana.

CUIDADOS PRÉVIOS EM SITUAÇÕES PROGRAMADAS


Situações que necessitam de avaliação anestésica prévia
Doença cardiovascular (hipertensão mal controlada, cardiopatia relevante, arrit-
mias não corrigidas), pulmonar (hipertensão pulmonar, insuficiência respiratória),
renal (insuficiência renal, transplante renal), neurológica (central ou periférica),
endocrinológica (diabetes com mau controlo glicémico, disfunção tiroideia não
controlada, feocromocitoma), hematológica [hemoglobina (Hb) <9 g/dl, plaque- tas
<100x109 /l, coagulopatias]; alergia a fármacos anestésicos; complicações
anestésicas prévias; alterações anatómicas que façam prever complicações
anestésicas [índice de massa corporal (IMC) >35, via aérea difícil, alterações
na coluna].

Análises pré-operatórias
Perante história prévia de hemorragia pós-parto major, multípara com >4 partos,
cesariana iterativa, gravidez múltipla, útero miomatoso, anemia [Hb <9 g/dlou
hematócito (Hct) <30%], IMC >35, para além das análises de rotina na gravidez,
pedir previamente à cirurgia: hemograma, estudo da coagulação com fibrinogénio
e tipagem.

Reserva de produtos sanguíneos


Quando há hemorragia ativa, descolamento da placenta, placenta prévia, suspeita
de placenta acreta, coagulopatias hereditárias ou adquiridas, fibrinogénio <2,9 g/dl,
plaquetas <100×109 /l) para além das análises pré-operatórias anteriormente
referidas, pedir 2U de concentrados de eritrócitos.

PREPARAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

■ Recomendar banho pré-operatório sempre que possível (em casa ou no setor


de Medicina Materno-Fetal se estiver internada), na véspera ou no dia da
cirurgia (pelo menos 2 horas antes) e secar o cabelo;
■ Antibioterapia profilática 15-60 minutos antes da cirurgia (a realizar pelo
enfermeiro de anestesia) com cefazolina 2 g endovenosa (EV) em dose única
(se alérgica à penicilina: clindamicina 600 mg EV ou eritromicina 500 mg EV
em dose única);
316 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

■ Profilaxia do tromboembolismo venoso (TEV) (ver protocolo “39. Tromboem-


bolismo venoso – profilaxia”);
■ Posicionamento na marquesa cirúrgica em decúbito dorsal com tilt a 15°
para o lado esquerdo;
■ Tricotomia abdominal com máquina de tricotomia (a realizar pelo enfermeiro
circulante);
■ Limpeza uretral com soro fisiológico (SF) e algaliação (a realizar pelo enfer-
meiro circulante após a anestesia);
■ Desinfeção da vagina e da pele do abdómen com octenidina + fenoxietanol
(Octiset® solução cutânea), exceto se houver história de alergia, situação em
que deverá ser utilizada iodopovidona (a realizar pela equipa cirúrgica).

TÉCNICA CIRÚRGICA
■Abertura da parede abdominal: incisão de Pfannenstiel na pele (exceto se
cicatriz mediana anterior). Abertura com bisturi do tecido celular subcutâneo
na linha média, em bisel direcionado ao retalho superior. Abertura da apo-
nevrose dos retos abdominais com bisturi, 2 cm para cada lado da linha
média. Extensão digital lateral da abertura do tecido celular subcutâneo e da
aponevrose. Separação digital da aponevrose dos retos abdominais. Quando
a abertura da aponevrose é efetuada ao nível dos músculos piramidais pode
ser necessária a disseção com tesoura na linha média. Exploração digital e
abertura do espaço entre os retos abdominais. Abertura digital do peritoneu
parietal na parte superior. Colocação opcional de valva suprapúbica;
■Abertura do útero: incisão mediana transversal com bisturi no segmento in-
ferior (cerca de 2 cm acima da reflexão da bexiga), envolvendo o peritoneu e
as fibras superficiais do miométrio subjacente. Havendo aderências da bexiga
ao útero poder ser necessário abrir primeiro o peritoneu uterino e rebater a
bexiga antes de abrir o miométrio. Abertura das restantes fibras musculares e
membranas fetais na linha média com pinça de Kelly. Extensão digital lateral
da abertura do miométrio, podendo ser necessário completar com tesoura;
■Extração fetal: se necessário ajudada com ventosa ou fórceps;
■Profilaxia da hemorragia pós-parto (logo a seguir à extração fetal): ocitocina
10 UI em bólus EV lento (ao longo de 1-2 minutos) seguido de ocitocina 5
UI em 500 ml de SF em bomba perfusora a 500 ml/hora (a realizar pelo
enfermeiro de Anestesia);
■Laqueação e corte do cordão umbilical: aos 1-2 minutos, exceto se houver
necessidade de reanimação neonatal;
■Extração da placenta: por massagem transabdominal e tração do cordão,
sem dequitadura artificial. Revisão uterina interna manual;
■ Encerramento uterino: exteriorização opcional do corpo uterino da cavida-

de abdominal. Referenciação dos bordos superior e inferior da histerotomia.


Histerorrafia em camada dupla ou única envolvendo todo o miométrio, com
pontos contínuos não cruzados de poliglactina-910 (Vicryl® 1) ou poliglecaprone
25 (Monocryl® 1) (se escolher o segundo informar o enfermeiro circulante no
início da cirurgia). Revisão da hemóstase;
■ Limpeza da cavidade pélvica: com compressa grande e exploração dos anexos;

■ Encerramento da parede abdominal: não encerramento do peritoneu visceral

ou parietal. Aproximação dos músculos retos abdominais se houver diástase,


Cesariana 317

com pontos separados de poliglactina-910 (Vicryl® rapide 2/0). Revisão da he-


móstase subaponevrótica. Encerramento da aponevrose dos retos com sutura
contínua não cruzada de poliglactina-910 (Vicryl® 1). Revisão da hemóstase
do tecido celular subcutâneo. Encerramento do tecido celular subcutâneo,
se espessura superior a 2 cm com sutura contínua ou pontos separados de
poliglactina-910 (Vicryl® rapide 2/0). Encerramento da pele com sutura
intradérmica de poliglactina-910 (Vicryl® rapide 2/0) ou poliglecaprone 25
(Monocryl® 3/0) (se escolher o segundo informar o enfermeiro circulante no
início da cirurgia);
■ Desinfeção da ferida operatória com octenidina + fenoxietanol (Octiset® so-
lução cutânea): exceto se houver antecedentes de alergia, situação em que
deverá ser utilizada iodopovidona (a realizar pela equipa cirúrgica);
■ Colocação de penso cirúrgico: penso compressivo apenas quando há difi-
culdades na hemóstase da pele ou tecido celular subcutâneo (a realizar pela
equipa cirúrgica).

CUIDADOS AO RECÉM-NASCIDO NO PÓS-PARTO IMEDIATO (a realizar pelo en-


fermeiro circulante)
■ Transporte para o reanimador. Usar água morna se for necessário remover sangue
ou mecónio da cabeça. Não remover o vérnix caseoso do corpo exceto quando
a mãe é seropositiva para vírus da imunodeficiência humana (VIH), hepatite B
e C [nessas situações o recém-nascido (RN) deverá ser lavado com água
morna];
■ Se o índice de Apgar ao primeiro minuto for normal, se não forem neces-
sários cuidados adicionais, se a mãe o desejar e se houver condições de
segurança, pode colocar-se o RN em decúbito ventral, em contacto pele a
pele no tórax materno, envolto em lençóis aquecidos. O RN pode ficar assim
até ao fim da cirurgia;
■ No final da cirurgia: avaliação do peso, administração de vitamina K 1 mg
intramuscular (IM) na coxa esquerda. Identificação com pulseira eletrónica ou
com pulseira onde é escrito o nome da parturiente;
■ Observação do RN a cada 10 minutos na primeira hora. Chamar neonatologista
se existir gemido ou outro sinal de dificuldade respiratória.

VIGILÂNCIA MATERNA DO PÓS-OPERATÓRIO IMEDIATO (a realizar pelo enfermeiro


de anestesia)
■ Manter ocitocina EV 5 UI em 500 ml de SF a 500 ml/hora até terminar (salvo
indicação médica em contrário);
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

■ Monitorização contínua da frequência cardíaca, da saturação de O 2 e da tensão


arterial (TA) a cada 10 minutos;
■ Chamar obstetra e anestesiologista se a relação entre a frequência cardíaca
e a TA sistólica >0,9;
■ Na primeira hora, avaliação do globo de segurança e da hemorragia genital
a cada 10 minutos ou se a puérpera referir perdas aumentadas ou sintomas
sugestivos de desequilíbrio hemodinâmico. Chamar obstetra e anestesiologista
318 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

se o globo de segurança não estiver formado, se o útero descontrair duas ou


mais vezes ou se houver hemorragia profusa/persistente;
■ Restrição da alimentação durante a vigilância no recobro;
■ Encorajar a amamentação o mais cedo possível (exceto se contraindicado).

BIBLIOGRAFIA
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pdf?ua=1
GASIMETRIA UMBILICAL 89
CATARINA REIS DE CARVALHO , DIOGO AYRES DE C AMPOS

INTRODUÇÃO
A informação proporcionada pela gasimetria umbilical é um elemento essencial
para o estabelecimento ou exclusão do diagnóstico de hipoxia fetal intraparto.
Esta informação pode ter importantes implicações médico-legais e é um auxi- liar
precioso na interpretação dos métodos de monitorização fetal intraparto.
Recomenda-se a realização de gasimetria umbilical nas seguintes situações:
■ Intervenções obstétricas por “estado fetal não tranquilizador” (cesariana, parto
instrumentado);
■ Recém-nascidos (RN) com índice de Apgar <4 ao primeiro minuto ou <7 ao
quinto minuto;
■ Diagnóstico antenatal de restrição de crescimento fetal (RCF);
■ Distocia de ombros, parto pélvico vaginal, parto gemelar vaginal;
■ Suspeita de corioamnionite.

METODOLOGIA DE COLHEITA
■ Colher sangue do cordão umbilical o mais precocemente possível após o
nascimento (intervalo máximo de 10 minutos);
■ Não é necessária a clampagem prévia do cordão para realizar a colheita;
■ Retirar cerca de 2 ml de sangue arterial para uma seringa previamente hepa-
rinizada e cerca de 2 ml de sangue venoso para outra seringa previamente
heparinizada. Assegurar que há contacto do sangue com a heparina localizada
no êmbolo. Expulsar o ar residual das seringas e proteger as agulhas;
■ Caso, subsequentemente, ocorra hemorragia do local de colheita, aplicar pres-
são leve e sustentada até parar;
■ Análise laboratorial num intervalo máximo de 30 minutos após a colheita
(transporte efetuado por assistente operacional).

AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS


A avaliação conjunta da gasimetria da artéria e da veia umbilicais é essencial para
uma interpretação segura dos resultados. Quando os valores de pH entreas duas
amostras diferem >0,02 e os de pCO2 >7,5 mmHg os resultados devem ser
considerados adequados, sendo a amostra com pH mais baixo a do sangue arterial.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

As restantes situações correspondem geralmente a colheitas realizadas no mesmo


vaso, ou a colheitas em que ocorreu mistura do sanguedos dois vasos.
O pH arterial médio do RN de termo após parto vaginal ronda os 7,28. O pH arterial
inferior a 7,00 define a acidemia grave, a qual apresenta uma asso- ciação com
a morte neonatal e com complicações neurológicas a curto prazo. Quando a
valores de pH inferiores a 7,00 se associa um défice de bases
320 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

(BDsangue ou BDecf) superior a 12 mmol/l estabelece-se o diagnóstico de acidose


metabólica. Esta entidade tem uma associação mais forte com a encefalopatia
hipóxico-isquémica, mortalidade perinatal e sequelas neurológicas a longo prazo.

BIBLIOGRAFIA
AMERICAN COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS. Umbilical cord blood gas and acid-
-base analysis. Committee Opinion No. 348. Obstet Gynecol. 2006;108(5):1319-1322.
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toring: Physiology of fetal oxygenation and the main goals of intrapartum fetal monitoring.
Int J Gynaecol Obstet. 2015;131(1):5-8.
WESTGATE J, GARIBALDI JM, GREENE KR. Umbilical cord blood gas analysis at delivery: a time for
quality data. Br J Obstet Gynaecol. 1994;101(12):1054-1063.
LACERAÇÕES PERINEAIS 90
SARA RODRIGUES PEREIRA , S USANA S ANTO

INTRODUÇÃO
As lacerações perineais que ocorrem durante o parto classificam-se de acor-
do com o Quadro 90.1. As de grau III e IV são clinicamente mais relevantes,
têm uma incidência de ~0,5% e podem associar-se a incontinência para fezes
e gases, fístula retovaginal, dor perineal e disfunção sexual. São fatores derisco
para laceração perineal: nuliparidade, etnia asiática, parto instrumental,
variedades posteriores, antecedentes de laceração perineal e macrossomia.
A avaliação sistemática da integridade do esfíncter anal faz parte dos cuidados
de rotina após o parto (ver protocolo “75. Cuidados de rotina durante o trabalho
de parto”). Perante suspeita de laceração do esfíncter anal, deve ser realizada
observação na presença de um médico especialista, com iluminação adequada,
após limpeza e desinfeção, sob analgesia apropriada, a fim de classificar otipo
de laceração. O vértice da laceração deve ser identificado e verificada a
integridade dos esfíncteres anais. O esfíncter anal interno (músculo liso) tem
coloração rosa claro; o esfíncter anal externo (músculo estriado) é vermelho
escuro e geralmente encontra-se em contração tónica, pelo que os topos estão
retraídos, podendo ser mais difícil a sua identificação.

Quadro 90.1 – CLASSIFICAçÃO DAS L ACERAçÕES PERINEAIS PERIPARTO


Grau I Envolve a mucosa vaginal e/ou a pele do períneo
Grau II Envolve os músculos perineais, mas não o esfíncter anal

Grau III Envolve o esfíncter anal


III-a Rotura <50% do esfíncter anal externo
III-b Rotura >50% do esfíncter anal externo

III-c Lesão do esfíncter anal externo e interno


Grau IV Laceração de grau III associada a lesão da mucosa anal

ABORDAGEM CLÍNICA
Laceração de grau I
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

Caso exista hemorragia ativa ou desalinhamento do tecido com possíveis reper-


cussões funcionais ou estéticas as lacerações de grau I devem ser suturadas.
Utilizar poliglatina (Vicryl rapid® ) 2/0 em pontos separados ou sutura contínua
intradérmica.
322 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Laceração de grau II
Realizar sutura contínua da mucosa vaginal com poliglatina 910 (Vicryl rapid®)
2/0, iniciando-se 1 cm atrás do vértice e terminando a nível da fúrcula. Suturar
os planos musculares preferencialmente com sutura contínua com poliglactina
(Vicryl rapid®) 0 ou 2/0, evitando tração excessiva. Encerrar a pele com sutura
intradérmica ou pontos separados usando poliglactina (Vicryl rapid®) 2/0. Se a
laceração estiver na proximidade ou envolver o meato uretral, deve algaliar-se
durante 24 horas, a fim de evitar retenção urinária aguda devida ao edema.

Laceração de grau III


Administrar cefoxitina 1 g endovenosa (EV) em dose única (se alergia à peni-
cilina: clindamicina 900 mg EV em dose única). Solicitar caixa de sutura de
lacerações perineais graves. Colocar o retrator de Weislander. Reparar separa-
damente as lesões dos esfíncteres anais interno e externo, após identificação
dos topos com pinças de Allis:
■ Esfíncter anal interno: sutura topo a topo, com pontos em U, utilizando poli-
dioxanona (PDS®) ou poliglatina 910 (Vicryl® ) 2/0 ou 3/0;
■ Esfíncter anal externo: sutura com sobreposição de topos, com pontos em U,
(geralmente num total de quatro), utilizando polidioxanona (PDS® ) ou poliglatina
910 (Vicryl® ) 2/0 ou 3/0 (Figura 90.1). As lacerações parciais do esfíncter
anal externo devem ser corrigidas com suturas topo a topo e não com sobre-
posição de topos, para não criar maior tensão no segmento suturado. Cortar
os fios curtos para evitar que os mesmos entrem em contacto com a pele. Toque
rectal para confirmar a correta reparação.

Figura 90.1 – Sutura do esfíncter anal externo com sobreposição dos topos.
(Fonte: ver final do capítulo)
Lacerações Perineais 323

Laceração de grau IV

Sutura contínua da submucosa com poliglatina 910 (Vicryl®) 3/0 ou 4/0 (Figura
90.2). Uma vez completado este passo, proceder como especificado anterior-
mente na reparação de lacerações de grau III.

Figura 90.2 – Sutura contínua da submucosa rectal.

Cuidados adicionais no puerpério nas lacerações de grau III e IV


■ Dieta rica em fibras;
■ Gelo local durante 10-15 minutos, 6 aplicações/dia durante 48 horas e de-
pois em SOS;
■ Paracetamol 1 g per os (PO) de 8/8 horas, alternando com ibuprofeno
400 mg PO de 8/8 horas;
■ Lactulose 3 saquetas PO/dia, 30 minutos antes do pequeno-almoço, almoço e
jantar, até as fezes ficarem moles, depois passar a 1-2 saquetas PO/dia.
Alta quando estiver assintomática, com trânsito intestinal restabelecido e fezes
moles. Manter lactulose 1-2 saquetas PO/dia, 30 minutos antes das refeições,
durante 15 dias. Orientação para consulta de Uroginecologia 3 meses após o parto.

BIBLIOGRAFIA
AMERICAN COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS. Prevention and management
of obstetric lacerations at vaginal delivery. Practice Bulletin No. 198. Obstet Gynecol.
2018;132:e87-e102.
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ROYAL COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNECOLOGISTS. The management of third and fourth-
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

-degree perineal tears. Guideline No. 29. 2015.

Fonte das figuras


90.1 – MONTENEGRO, N, et al. Protocolos de Medicina Materno-Fetal, 3.ª ed.
Lisboa: Lidel, 2014.
91 EXAME ANÁTOMO-PATOLÓGICO DA
PLACENTA – INDICAÇÕES

RITA ROSADO, SUSANA SANTO, JOANA ALMEIDA TAVARES

INTRODUÇÃO
O exame anátomo-patológico da placenta fornece frequentemente informações
importantes sobre a ocorrência de patologia materna e fetal, podendo confirmar
um diagnóstico clínico já equacionado ou revelar uma etiologia previamente
desconhecida. Pode ainda fornecer informações importantes em situações de
litígio médico-legal ou de doenças com implicações em gestações futuras.

INDICAÇÕES
Condições maternas
■ Aborto após as 20 semanas;
■ Febre materna ou suspeita de corioamnionite;
■ Doença hipertensiva [hipertensão arterial (HTA) crónica, hipertensão gestacio-
nal, pré-eclâmpsia ou eclâmpsia];
■ Diabetes mellitus pré-gestacional ou gestacional;
■ Coagulopatia materna;
■ Antecedentes recentes de utilização de substâncias de abuso;
■ Isoimunização Rh;
■ Suspeita de descolamento prematuro da placenta;
■ Hemorragia importante do 3.º trimestre;
■ Suspeita de acretismo placentário;
■ Rotura de membranas com duração >24 horas.

Condições fetais e neonatais


■ Morte perinatal;
■ Parto pré-termo (PPT) espontâneo antes das 32 semanas;
■ Restrição de crescimento fetal (RCF);
■ Hidrópsia fetal;
■ Índice de Apgar baixo ou acidose metabólica com necessidade de internamento
em Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais;
■ Suspeita de infeção fetal;
■ Disfunção neurológica neonatal;
■ Anomalias congénitas, fenótipo dismórfico ou cariotipo anormal;
■ Gestação múltipla.

Alterações macroscópicas da placenta ou do cordão umbilical


■ Anomalias acentuadas da placenta (na forma ou peso);
■ Anomalias do cordão umbilical (dois vasos, nó verdadeiro, torsão, inserção
anómala).
Exame Anátomo-Patológico da Placenta – Indicações 325

O estudo anátomo-patológico da placenta não está indicado nas seguintes si-


tuações (entre outras): placenta prévia sem sinais de descolamento placentário,
polihidrâmnios, colestase gravídica, seropositividade para hepatite B e vírus da
imunodeficiência humana (VIH).

CUIDADOS ESPECIAIS NO PEDIDO E NO ENVIO


Informação clínica: data do parto, idade gestacional, peso do recém-nascido
(RN), motivo(s) para o exame anátomo-patológico da placenta (incluindo informa- ção
relevante sobre complicações da gravidez, doenças maternas coexistentes e
antecedentes relevantes).
Acondicionamento e envio da placenta: a placenta deve ser colocada num
contentor de dimensões superiores ao diâmetro do disco placentar, com a face
materna virada para baixo. Nos períodos em que o serviço de Anatomia Patológica
está aberto poderão ser enviadas a fresco. Nos restantes devem ser fixadas em
formol (idealmente, em volume 3 vezes superior ao da placenta).

BIBLIOGRAFIA
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HARGITAI B, M ARTON T, COX PM. Examination of the human placenta. J Clin Pathol.
2004;57(8):785-792.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS
92 ACRETISMO PLACENTÁRIO

S USANA REGO , M ARIA DE C ARVALHO AFONSO , D IOGO AYRES DE CAMPOS

INTRODUÇÃO
Entende-se por acretismo placentário o espectro de alterações de aderência da
placenta à parede uterina que cursam com invasão vilositária anómala. Con-
soante o grau de invasão classifica-se em: placenta acreta ou aderente (~79% dos
casos) em que as vilosidades coriónicas se encontram ancoradas na super- fície do
miométrio; placenta increta (~14% dos casos) em que as vilosidades coriónicas
invadem o miométrio; placenta percreta (~7% dos casos) em que as vilosidades
coriónicas atingem a serosa uterina, por vezes invadindo órgãos pélvicos
adjacentes (mais frequentemente a bexiga). Quanto à extensão lateral classifica-
se em focal ou extensa. Nesta última situação o grau de aderência é
frequentemente heterogéneo. As principais complicações são a hemorragia pós-
parto, a lesão de órgãos adjacentes, o tromboembolismo venoso (TEV) e a infeção
cirúrgica. A incidência é ~0,05% dos partos e os principais fatores de risco são:
cesariana anterior (incidência proporcional ao número de cesarianas), placenta
prévia, lesão prévia do endométrio (esvaziamento uterino, miomectomia, cirurgia
histeroscópica, dequitadura manual) e endometrite. A abordagem por uma equipa
multidisciplinar experiente (equipa da placenta acreta, constituí- da por
obstetras, anestesiologistas, ginecologistas com experiência cirúrgica,
urologistas, radiologistas de intervenção e imuno-hemoterapeutas) reduz sig-
nificativamente a morbilidade materna. O diagnóstico pré-natal é sobretudo
ecográfico, podendo ser complementado por ressonância magnética nuclear
quando existem dúvidas sobre a extensão do acretismo ou quando há suspeita
de invasão de órgãos adjacentes. Em todas as grávidas com cesariana anterior
ou com placenta prévia, na ecografia das 20-23 semanas deve ser realizada
uma avaliação detalhada dos sinais de acretismo. O diagnóstico pré-natal per-
mite o planeamento do parto pela equipa da placenta acreta, com redução da
morbilidade materna e neonatal.

ABORDAGEM CLÍNICA
Diagnóstico pré-natal de placenta increta/percreta, extensa ou no segmento inferior
Estas situações devem ser orientadas pela equipa da placenta acreta. Programar
cirurgia para as 36 semanas. Propor cesariana seguida de histerectomia total
periparto. Em mulheres com desejo de preservar a fertilidade, pode ser equa-
cionada a possibilidade de realizarem cesariana com placenta deixada in situ
(ver “Cuidados pós-operatórios quando a placenta é deixada in situ”, à frente
neste capítulo). A grávida deve ser internada 2-3 dias antes da data programada
do parto, para realizar os seguintes cuidados pré-operatórios:
■ Correção de eventual anemia;
■ Avaliação por anestesiologista;
Acretismo Placentário 327

■ Obtenção de consentimento informado escrito para a cirurgia;


■ Ciclo de corticosteroides para indução da maturação fetal quando indicado
(ver protocolo “71. Corticosteroides para indução da maturidade fetal”);
■ Tipagem, hemograma e provas de coagulação;
■ Reserva de 4U de concentrado eritrocitário e de outros hemoderivados de
acordo com Imuno-hemoterapia;
■ Ponderar colocação de balões nas artérias uterinas ou ilíacas internas, a
insuflar após a extração fetal;
■ Assegurar vaga para recobro pós-operatório em Unidade de Cuidados Inten-
sivos;
■ Assegurar disponibilidade de todo o material necessário à realização do pro-
cedimento cirúrgico;
■ Garantir disponibilidade dos produtos hemostáticos: composto de gelatina e
trombina (Floseal®) ou fibrinogénio e trombina (Tachosil®).

Cuidados intraoperatórios
■ Meias de compressão intermitente. Caso não seja possível: meias de con-
tenção elástica (mantidas até à deambulação pós-parto);
■ Antibioterapia profilática (segundo protocolo “88. Cesariana”). Repetição da
dose se a cirurgia durar >3 horas ou se perda hemática estimada for
>1 500 ml;
■ Ponderar cistoscopia e colocação de stents ureterais;
■ Algaliação e considerar a instilação de 100 ml de soro fisiológico (SF) com
azul de metileno na bexiga;
■ Ácido tranexâmico 1 g endovenoso (EV) lento, imediatamente antes do início da
cirurgia;
■ Incisão cutânea de acordo com zona de implantação da placenta (incisão me-
diana infraumbilical, se a implantação anterior da placenta for acima do seg-
mento inferior do útero; nos restantes casos incisão de Pfannenstiel alargada);
■ Ecografia perioperatória para localizar a zona de inserção placentária e incisão
uterina acima desta;
■ Após extração fetal, secção do cordão umbilical junto da inserção placentária;
■ Não administrar uterotónicos após a extração fetal;
■ Não fazer qualquer tentativa de extração e deixar a placenta in situ;
■ Encerramento da histerotomia com hemóstase cuidadosa;
■ Se tiver sido decidido avançar para histerectomia periparto, pode ser neces-
sário dissecar previamente a zona de neovascularização entre o útero e a be-
xiga, bem como realizar uma cistectomia parcial se houver invasão da bexiga.

Suspeita intraparto de placenta acreta


Nestas situações, não havendo alterações na superfície uterina sugestivas de
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

placenta percreta (abaulamento, coloração azulada e vasos tortuosos), e encon-


trando-se um claro plano de clivagem, deve tentar-se uma extração manual da
placenta, seguida do tratamento da hemorragia pós-parto (ver protocolo “103.
Hemorragia pós-parto precoce”), se necessário com pontos hemostáticos no leito
placentário com poliglactina 910 (Vicryl® 1).
328 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Suspeita intraparto de placenta increta/percreta focal, fora do segmento inferior


Nestas situações pode ser tentada a excisão em bloco da zona de acretismo
e do miométrio/serosa subjacentes, se houver condições anatómicas para o en-
cerramento subsequente da parede uterina. Perante uma hemorragia abundante
ou persistente, avançar para medidas de tratamento da hemorragia pós-parto (ver
protocolo “103. Hemorragia pós-parto precoce”) e histerectomia periparto.

Suspeita intraoperatória de placenta increta/percreta extensa ou do segmento


inferior
O risco cirúrgico nestas situações é elevado, pelo que se não houver hemorragia
ativa, deve optar-se por diferir a cesariana, particularmente se existe suspeita de
invasão de órgãos adjacentes. Deve ser contactada a equipa da placenta acreta
e, se possível, a cesariana deve ser diferida para quando a equipa estiver
presente. Caso não seja possível diferir a cesariana, realizar ecografia
intraoperatória para delimitar zona da inserção da placenta por forma a afastar a
incisão uterina do leito placentário. Após extração fetal, se a equipa da placenta
acreta não estiver presente, evitar qualquer tentativa de remoção da placenta,
seccionar o cordão junto da inserção placentária e deixar a placenta in situ (ver
“Cuidados pós-operatórios”). Encerrar a histerotomia e a restante incisão
abdominal. Perante hemorragia incontrolável ou desequilíbrio hemodinâmico é
necessário avançar para medidas de tratamento da hemorragia pós-parto (ver
protocolo “103. Hemorragia pós-parto precoce”) e histerectomia total periparto.

Cuidados pós-operatórios quando a placenta é deixada in situ


■ Amoxicilina + ácido clavulânico 1 000+200 mg EV 12/12 horas durante 24
horas e depois amoxicilina + ácido clavulânico 850+125 mg per os (PO) durante
8 dias (se alérgica à penicilina: clindamicina 300 mg PO 8/8 horas);
■ Programar histerectomia secundária nas mulheres que não pretendam manter
a fertilidade (logo que a equipa da placenta acreta esteja disponível e estejam
reunidas condições de segurança);
■ As mulheres que pretendem manter a fertilidade e que queiram optar por uma
atitude expectante devem ser informadas de que a taxa global de expulsão
completa é de 75%, em média após 13 semanas (pode ir até 6 meses).
A histerectomia secundária é necessária em 15% das situações, geralmente
por hemorragia ou infeção. Ocorrem complicações graves em 6% dos casos
(sépsis, choque séptico, peritonite, necrose uterina, rotura uterina, fístulas,
lesão de órgãos adjacentes, edema pulmonar agudo, insuficiência renal aguda,
tromboflebite e embolia pulmonar). Na placenta percreta localizada no seg-
mento inferior a taxa de sucesso é de 55% e a incidência de complicações major
é de 40%. A vigilância implica uma consulta semanal nos primeiros2 meses
e depois mensal até aos 6 meses, com avaliação da subunidade beta livre da
gonadotrofina coriónica humana (-hCG) e ecografia em cada consulta. A
fertilidade futura não parece estar afetada, mas a taxa de recorrência é de
25%, com ocorrência de hemorragia pós-parto em 15% e aderências intraute-
rinas em 8%. Podem ser realizadas resseções placentárias por histeroscopia
quando ocorre dor ou hemorragia vaginal.
Acretismo Placentário 329

BIBLIOGRAFIA

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© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS
Cuidados Puerperais
VI
CUIDADOS MATERNOS DE ROTINA NO PUERPÉRIO 93
M ARGARIDA CAL, M ARIA DO CÉU SANTO, FÁTIMA HORTA, M ARIANA FERREIRA, FILIPA LANçA,
GRAçA O LIVEIRA

INTRODUÇÃO
Os primeiros dias de puerpério em mulheres sem fatores de risco estão associa-
dos a uma incidência muito reduzida de complicações maternas, considerando-se
que a vigilância deste período não carece de avaliação médica de rotina até
à altura da alta. Existe, no entanto, a necessidade de prestação de cuidados
específicos de enfermagem e da resolução de complicações minor, que são
relativamente frequentes e que estão considerados neste protocolo. Os cuidados
de rotina alteram-se por ordem médica sempre que ocorrerem complicações.

PUÉRPERA DE PARTO VAGINAL


Avaliações
Avaliação de sinais vitais (1 vez/turno)
■ Temperatura auricular, tensão arterial (TA) e frequência cardíaca.
Avaliação de sintomas e sinais (1 vez/turno)
■ Dor, eliminação vesical e intestinal, perda hemática vaginal, dificuldades na
amamentação;
■ Coloração e hidratação da pele e mucosas, avaliação mamária, estado de
involução uterina, lóquios (cor, quantidade e cheiro), inspeção do períneo e
ânus, avaliação dos membros inferiores, local de inserção de cateter epidural.
Avaliação psicoemocional (1 vez/turno)
■ Avaliação do bem-estar psicoemocional da puérpera, da dinâmica familiar
(relação mãe-bebé, pai-bebé e conjugal), avaliação da capacidade de prestar
cuidados ao recém-nascido (RN).

Cuidados gerais
■ Alimentação: dieta geral a partir das 2 horas após o parto;
■ Mobilização: até à realização do primeiro levante deve ser estimulada a mobili-
zação dos membros inferiores. Primeiro levante logo que a puérpera o desejar,
na presença de um enfermeiro. Deve ser encorajado nas primeiras 6 horas;
■ Cuidados perineais (a cargo da puérpera, a primeira vez com o apoio de um
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

enfermeiro): 2 vez/dia e sempre que necessário, com água tépida e gel de ba-
nho com pH neutro. Manter a região seca e mudar frequentemente de penso;
■ Banho: encorajar o banho de chuveiro após o primeiro levante. A primeira
vez deverá ser sob supervisão de um enfermeiro ou assistente operacional;
■ Outros: incentivar a utilização de um soutien apropriado para amamentação. Se
a puérpera entender que uma cinta abdominal lhe proporciona mais conforto,
realçar que deve ser de faixa.
334 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Medicação
■ Cólicas uterinas durante ou após a mamada: paracetamol 1 g per os (PO)
em SOS de 8/8 horas;
■ Se tiver episiorrafia/laceração perineal: paracetamol 1 g PO de 8/8 horas,
alternando com ibuprofeno 400 mg PO de 8/8 horas em SOS; gelo local durante
10-15 minutos 4-6 aplicações/dia.

PUÉRPERA COM PARTO POR CESARIANA


Avaliações
Avaliação de sinais vitais (1 vez/turno)
■ Temperatura auricular, TA e frequência cardíaca.
Avaliação de sintomas e sinais (1 vez/turno)
■ Dor, eliminação vesical e intestinal, perda hemática vaginal, dificuldades na
amamentação;
■ Coloração e hidratação da pele e mucosas, avaliação mamária, estado de
involução uterina, lóquios (cor, quantidade e cheiro), avaliação dos membros
inferiores, penso cirúrgico e zona envolvente, local de inserção de cateter
epidural.
Avaliação de sintomas e sinais (1 vez/turno)
■ Avaliação do bem-estar psicoemocional da puérpera, da dinâmica familiar
(relação mãe-bebé, pai-bebé e conjugal), avaliação da capacidade de prestar
cuidados ao RN.

Cuidados gerais
■ Alimentação: dieta líquida a partir das 2 horas pós-parto se anestesia lo-
corregional, 6 horas pós-parto se anestesia geral. Se bem tolerada, passa2
horas depois a dieta ligeira (chá, bolachas, canja com frango, maçã cozida).
Aconselhar mascar pastilha elástica com moderação entre as 6 e as 24 horas
pós-parto, até restabelecer trânsito intestinal. Dieta geral após as 24 horas;
■ Mobilização: até à realização do primeiro levante deve ser estimulada a mobi-
lização dos membros inferiores. Encorajar o primeiro levante para uma cadeira
a partir das 6 horas, na presença de um enfermeiro. Se tolerar bem, levantes
mais frequentes com deambulação progressiva pelo quarto e, posteriormente,
poderá deslocar-se ao quarto de banho;
■ Algália: retirar logo que tolere o levante para a cadeira, salvo indicação mé- dica
em contrário;
■ Cateter epidural: retirar às 24 horas pós-parto, salvo indicação médica em
contrário;
■ Cateter venoso: retirar às 24 horas pós-parto, salvo indicação médica em
contrário;
■ Penso cirúrgico: levantar ao segundo dia pós-operatório ou antes se estiver
repassado. Ao segundo dia, se a cicatrização estiver a decorrer normalmen-
te, independentemente do tipo de sutura da pele realizada, fica sem penso
cirúrgico. Havendo complicações da cicatrização, solicitar avaliação médica;
Cuidados Maternos de Rotina no Puerpério 335

■ Banho: o banho parcial de chuveiro (sem molhar o cateter epidural) pode


ser às 8-10 horas pós-parto. A primeira vez deverá ser sob supervisão de
um enfermeiro ou assistente operacional. O banho normal pode ser às 24
horas, após removidos os cateteres do antebraço e das costas e colocado um
penso cirúrgico impermeável;
■ Outros: cuidados perineais a cargo da puérpera. Encorajar a utilização de
um soutien apropriado para amamentação. Se a puérpera entender que uma
cinta abdominal lhe proporciona mais conforto, realçar que deve ser de faixa.

Medicação
■ Soro polietrolítico com glicose a 5% 1 000 ml a correr em 24 horas;
■ Com cateter epidural (primeiras 24 horas): morfina 1 mg de 12/12 horas +
3 ml de soro fisiológico (SF) (3 administrações), paracetamol 1 g endovenoso
(EV) 8/8 horas, cetorolac 10 mg EV 8/8 horas;
■ Sem cateter epidural (primeiras 24 horas): tramadol 100 mg EV de 12/12
horas, paracetamol 1 g EV de 8/8 horas, cetorolac 10 mg EV de 8/8 horas;
droperidol 0,625 mg EV de 8/8 horas; ondansetron 1 mg EV em SOS de
6/6 horas;
■ Após retirar cateter epidural (após primeiras 24 horas): paracetamol 1 g PO
de 8/8 horas, ibuprofeno 400 mg PO de 8/8 horas;
■ Obstipação sintomática/distensão abdominal: lactulose 2 saquetas PO/diaem
SOS, 30 minutos antes do pequeno-almoço e jantar; simeticone 42 mg PO 2
comprimidos (comps.) mastigáveis 2 vez/dia em SOS, após almoço e jantar;
■ Sem eliminação intestinal às 48 horas: 2 microclisteres de citrato de sódio
+ laurilsulfoacetato de sódio 450 mg/5 ml + 45 mg/5 ml.

AMAMENTAÇÃO
Amamentação o mais precocemente possível em horário livre, não existindo um
intervalo fixo entre mamadas. O número diário de mamadas pode variar entre
oito e 12. Não dar aos RN nenhum outro alimento (incluindo líquidos) além do
leite materno, salvo indicação médica em contrário. A mãe deve lavar as mãos
antes de cada mamada. A higiene mamária deve ser feita apenas durante o banho
diário. Observar pelo menos uma mamada 1 vez/turno, validando os sinais de
boa pega, que se caracterizam por: o queixo do bebé fica encostado à mama da
mãe; visualiza-se mais aréola acima da boca do bebé do que por baixo; o lábio
inferior do bebé encontra-se encostado à mama e revirado para fora; ouve-se o
bebé deglutir de forma rítmica. Aconselhamento para a mãe se sentar de forma
confortável e bem apoiada, colocação do bebé com a cabeça alinhada com o resto
do corpo, a barriga do bebé fica a tocar na barriga da mãe. Aconselhar a
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

amamentação primeiro de um lado, até esvaziar o mais possível (começando


sempre pelo lado oposto ao da última mamada) e só depois passar para o outro
lado. Se após a mamada em que o RN mamou adequadamente e se encontra
tranquilo, a puérpera ainda sentir tensão mamária desconfortável, aconselhar que
retire parte do leite restante por expressão manual até se sentir mais aliviada,
aplicando previamente compressas mornas ou água tépida. Não dar tetinas ou
chupetas aos RN.
336 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

RESOLUÇÃO DE COMPLICAÇÕES FREQUENTES


Fissuras mamilares
Aplicar colostro/leite nos mamilos antes e após as mamadas. Se não for sufi-
ciente, aplicar lanolina pomada após cada mamada, deixando secar. A pomada
não necessita de ser removida antes da mamada seguinte.

Ingurgitamento mamário
Aplicação local de calor (compressas mornas) 2-3 minutos antes de iniciar a
amamentação. Caso se verifique tensão mamária após o bebé mamar e este ter
ficado satisfeito, drenar manualmente o leite (exemplificar técnica à puérpera). Para
acalmar dor mamária, aplicar compressas frias entre mamadas.

Mamilos planos ou invertidos


Tentar reverter a inversão do mamilo antes da mamada com uma seringa ou
bomba extratora de leite. A utilização de mamilos artificiais de silicone deve
ser cautelosa, visto existirem riscos de diminuição do fluxo de leite que o bebé
consegue extrair, o que poderá levar a uma diminuição da produção de leite.

Hemorroidas
Encorajar a autorredução de hemorroidas internas, gelo local durante 10-15 mi-
nutos até ao máximo de 6 aplicações/dia. Se obstipação: lactulose 2 saquetas/
/dia 30 minutos antes do pequeno-almoço e jantar. Tópico anti-hemorroidário:
2 aplicações locais/dia e após as dejeções.

SUPRESSÃO DA AMAMENTAÇÃO (por indicação médica)


Quando é necessário suprimir a amamentação a puérpera deve usar soutien de
suporte forte, evitar a estimulação mamilar e aplicar gelo local para alívio da dor
e tensão mamária. Para além disso, recomendar:
■ Paracetamol 1 g PO em SOS de 8/8 horas, ibuprofeno 400 mg PO em SOS
de 8/8 horas;
■ Bromocriptina (Parlodel®) 1,25 mg PO 12/12 horas durante 2 dias, seguido de
2,5 mg PO 12/12 horas durante 12 dias adicionais. Contraindicações:
hipertensão arterial (HTA), doença cardíaca grave, doença mental. Efeitos
secundários: azia, dor de estômago, fezes negras, adormecimento súbito,
dispneia, dor torácica, dor lombar, cãibras nas pernas, dor ao urinar, cefaleias,
problemas de visão, edema muscular, agitação, febre alta, taquicardia, HTA,
vertigens, tonturas, congestão nasal, náuseas, vómitos, obstipação.

RETENÇÃO URINÁRIA (necessita de avaliação médica)


O diagnóstico baseia-se na ausência de micção espontânea 10 horas após parto
vaginal ou 10 horas após desalgaliação pós-cesariana. Como medidas gerais
recomenda-se: deambulação, utilização das instalações sanitárias em
Cuidados Maternos de Rotina no Puerpério 337

vez de arrastadeira, promover privacidade, banho quente. Quando estas são


insuficientes:
■ Avaliar função renal (ionograma, creatinina e ureia);
■ Nova algaliação, esvaziamento vesical, seguido de clampagem da algália (trei-
no vesical): desclampar sempre que a puérpera referir vontade de urinar.
Retirar algália após 24 horas e aguardar 6 horas por micção espontânea.

PROPOSTA DE ALTA
■ Entre as 24-48 horas após parto vaginal (a alta deve ser proposta a partir das
24 horas se a puérpera se encontrar clinicamente bem, se estiver confortável
com o apoio ao RN em casa e se o RN tiver alta);
■ Às 48-72 horas após parto por cesariana (a alta deve ser proposta a partir
das 48 horas se a puérpera se encontrar clinicamente bem, se já tiver tido
trânsito intestinal, se a cicatriz operatória estiver bem, se estiver confortável
com o apoio ao RN em casa e se o RN tiver alta). A puérpera deve recorrer ao
Centro de Saúde ou ao médico que vigiou gravidez no 8.º dia pós-cesariana,
10.º dia se índice de massa corporal (IMC) >30 ou diabetes, retirando nessa
altura agrafos ou pontos não absorvíveis, se os houver;
■ Transmitir à puérpera os sinais de alarme e o contacto telefónico do setor
do puerpério (constam do folheto informativo).

BIBLIOGRAFIA
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94 COMPLICAÇÕES DA AMAMENTAÇÃO

S USANA REGO , M ARIA DO CÉU SANTO

INTRODUÇÃO
As complicações da amamentação resultam frequentemente em ansiedade e mal-
estar materno, podendo condicionar uma experiência negativa ou mesmo a
suspensão precoce do aleitamento. No entanto, a maioria destas situaçõesé
facilmente ultrapassada com cuidados simples de implementar, sem neces- sidade
de interromper a amamentação. A mastite e o abcesso mamário são considerados
complicações graves, sendo abordados em protocolo específico.

HIPOGALACTIA
Constitui uma causa frequente de suspensão precoce da amamentação. A puér-
pera geralmente levanta a suspeita e o recém-nascido (RN) pode exibir hipoglice-
mia, baixo débito urinário, trânsito intestinal reduzido e má progressão ponderal.
Deve-se a uma produção insuficiente ou à dificuldade na extração do leite A
etiologia é habitualmente identificada pela história clínica e pela observação da
amamentação. A produção insuficiente de leite pode ser consequência de um
esvaziamento mamário incompleto ou pouco frequente, de um desenvolvimento
mamário insuficiente (constitucional, cirúrgico, por irradiação mamária prévia,
hiperandrogenismo, prolactinoma), atraso na lactogénese (p. ex., obesidade,
resistência à insulina, síndrome do ovário poliquístico, restos placentários, sín-
drome de Sheehan) ou iatrogénica [p. ex., inibidores seletivos de recaptação da
serotonina (ISRS), bromocriptina, descongestionantes, estrogénios]. A dificuldade na
extração de leite pode ser devida a uma separação precoce mãe-bebé, utiliza- ção
de leite artificial, técnica de amamentação incorreta ou mamada infrequente (p.
ex., RN com sonolência, anomalias neurológicas, malformações orofaciais,
prematuridade, freio lingual curto). A abordagem destas situações assenta no
ensino de uma técnica correta de amamentação e, quando não existe alternativa,
na suplementação com leite artificial. A expressão manual após cada mamada
e a utilização de bombas extratoras geralmente aumenta a produção de leite. Não
está recomendada a utilização de métodos farmacológicos na tentativa de
aumentar a produção de leite materno.

DOR MAMILAR
A sensibilidade mamilar durante a amamentação é um fenómeno normal, so-
bretudo nos primeiros dias e no primeiro minuto de cada mamada. Tende a
atenuar depois do quarto dia e a desaparecer por volta do sétimo dia. Em caso de
desconforto muito intenso, a puérpera pode tomar paracetamol 1 g per os (PO)
antes da amamentação. Deve ser distinguida da dor mamilar persistente durante
a mamada. Esta deve-se geralmente a lesões traumáticas (fissuras), doenças
dermatológicas, vasoconstrição mamilar ou infeção local. É importante
Complicações da Amamentação 339

determinar as características da dor (p. ex., início, contexto) e excluir a presença


de patologia autoimune, cirurgia mamária prévia, piercings e mamilos invertidos.
Através do exame mamário podem identificar-se: eritema, fissuras, erupções
cutâneas, edema, vasoespasmo, impetigo, obstrução ductal, abrasões, úlceras
e abcessos. Por vezes é útil a observação da amamentação.

Fissuras mamilares
Geralmente causam dor mamilar intensa que se prolonga para além da primeira
semana. Podem ocorrer por uma técnica de amamentação incorreta ou quando os
RN apresentam anomalias orofaciais (p. ex., freio lingual curto, fenda pa- latina).
É importante promover uma técnica correta de amamentação e evitaro uso de
cremes hidratantes e produtos de lavagem irritativos. O tratamento consiste na
aplicação tópica de agentes cicatrizantes (p. ex., Mitosyl® , Halibut®,Bariéderm®),
compressas mornas ou leite materno. A lanolina, apesar de segura e amplamente
utilizada, não tem uma eficácia claramente demonstrada. Se existirem soluções
de continuidade na pele recomenda-se a profilaxia infeciosa tópica com
bacitracina ou mupirocina. A medicação residual visível deve ser removida antes
de cada mamada, com reaplicação posterior. A amamentação deve iniciar-se pelo
lado não afetado. Como analgésico pode ser utilizado o paracetamol ou o
ibuprofeno. Em RN com freio lingual curto está recomendadaa realização de
frenotomia.

Dermatite areolar
Manifesta-se geralmente por eritema e descamação, tendo como causas prin-
cipais o eczema e a psoríase. O eczema pode dever-se a irritação ou alergia a
agentes tópicos (p. ex., produtos de higiene, lanolina, antifúngicos, antibióticos).
Recomenda-se evicção das substâncias causais e a aplicação de corticosteroides
tópicos (hidrocortisona pomada, Pandermil®) após cada mamada. O tratamento
é semelhante nos casos de psoríase.

Infeções mamilares
Se existirem sinais de infeção bacteriana deve ser colhido exsudado para exame
bacteriológico e iniciada antibioterapia empírica. A infeção bacteriana secundária
a lesões de dermatite (impetigo) deve ser suspeitada quando se observam pús-
tulas ou crostas aderentes à pele. Nas mulheres com lesões de herpes simplex ou
herpes zóster recomenda-se a suspensão da amamentação para diminuir o
risco de transmissão para o lactente e a terapêutica antiviral (herpes simplex –
valaciclovir 500 mg PO 12/12 horas durante 5 dias, herpes zóster – valaciclovir
1 g PO 8/8 horas durante 8 dias). Se as lesões forem unilaterais é segura a extração
artificial do leite, rejeitando-se o leite da mama afetada. O diagnósticoé clínico e
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

serológico. Perante a existência de dor mamilar intensa sem outra causa


aparente, associada a história de candidíase vulvovaginal ou do lactente (p. ex.,
oral, inguinal), é razoável presumir o diagnóstico de candidíase e iniciar
tratamento empírico. Em casos de dúvida, a infeção poderá ser confirmada
através de raspagem da pele ou de cultura do leite. O tratamento consiste na
aplicação de antifúngicos tópicos (p. ex., miconazol, clotrimazol). A medicação
residual deve ser removida antes de cada mamada, com reaplicação posterior.
340 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Quando o tratamento tópico não é eficaz, pode optar-se pela administração de


fluconazol 400 mg PO no primeiro dia, seguidos de 200 mg PO 1 vez/dia durante
14 dias. As infeções fúngicas do RN também devem ser tratadas.

Vasoconstrição mamilar
Ocorre sobretudo em mulheres com fenómeno de Raynaud, sensibilidade anormal
ao frio ou traumatismo mamilar. Manifesta-se por dor, sensação de queimadura
e parestesias com a exposição ao frio ou durante a amamentação. À obser-
vação pode constatar-se a tríade clássica de alterações da coloração: palidez,
seguida de cianose e depois eritema. A puérpera permanece assintomática e
com mamilos de aparência normal entre episódios. As mulheres afetadas devem
amamentar em locais aquecidos. Está recomendada a evicção de substâncias
vasoconstritoras (p. ex., nicotina, cafeína) e o aquecimento do mamilo aquando
do início dos sintomas. A nifedipina pode também aliviar as queixas.

MASTALGIA
Ingurgitamento mamário
O ingurgitamento mamário primário ocorre com o início da produção abundante
de leite entre o terceiro e o quinto dia pós-parto e deve-se sobretudo a edema
intersticial. O ingurgitamento mamário secundário ocorre quando há um dese-
quilíbrio entre a produção e a extração de leite, com acumulação de leite em
excesso (ver também “Hipergalactia”, à frente neste capítulo). Ambos podem ser
acompanhados de tensão e dor mamárias. Para além da promoção da técnica e
frequência recomendadas de amamentação, deve realizar-se extração manual do
leite no final da mamada. A utilização prolongada de bombas de extração está
desaconselhada por aumentar a produção de leite, agravando o ingurgitamento.
Normalmente, a situação resolve espontaneamente ao fim de alguns dias. Se
houver envolvimento areolar, recomenda-se a expressão manual de pequenas
quantidades de leite antes da mamada, de modo a amolecer a aréola e facilitar
a pega. Para alívio da dor, a puérpera pode tomar paracetamol ou ibuprofeno.
Pode ainda aplicar compressas frias no intervalo das mamadas para reduzir o
edema e desconforto. Antes da mamada, pode aplicar compressas mornas ou
tomar duche quente.

Obstrução ductal
A obstrução ductal causa distensão local de uma mama, identificando-se um
nódulo geralmente eritematoso, doloroso e mal delimitado. O diagnóstico dife-
rencial com processos infeciosos faz-se sobretudo pela ausência de manifes-
tações sistémicas. Pode acompanhar-se de obstrução dos poros mamilares,
observando-se neste caso pontos brancos nos mamilos. O tratamento consiste
na desobstrução do ducto afetado e drenagem da área a montante. Pode ten- tar-
se que isto ocorra com mamadas frequentes, precedidas da aplicação de
compressas mornas ou da toma de duche quente, variando o posicionamento
do RN e assegurando a drenagem completa da mama afetada. Pode também
ser realizada expressão manual ou com bomba extratora após a mamada. A
Complicações da Amamentação 341

analgesia com paracetamol ou ibuprofeno é geralmente eficaz no alívio da dor.


A maioria das situações resolvem em 48 horas. Se não houver resolução nesse
período de tempo, está indicada a realização de uma ecografia mamária.

Galactocelo
Os galactocelos são cistos de retenção láctea em ductos obstruídos. Podem
apresentar-se como massas de dimensões variáveis durante a gravidez, ama-
mentação ou após o desmame. São geralmente indolores, exceto quando estão
infetados. Inicialmente contêm leite fluido, mas com o tempo este torna-se mais
espesso. O diagnóstico é ecográfico e deve ser diferenciado de outras massas
mamárias (p. ex., adenomas, fibroadenomas, papilomas, lipomas, abcessos,
doença fibroquística e neoplasias malignas). A aspiração ou a excisão cirúrgica
só estão recomendadas se o galactocelo for incomodativo, não sendo necessária
a interrupção da amamentação.

GALACTORRAGIA
Nos primeiros dias é frequente ocorrer um corrimento mamilar ligeiramente en-
sanguentado, sobretudo no primeiro filho. Pensa-se ser causado por um aumento
da vascularização aquando do início da produção de leite. A situação resolve
espontaneamente em poucos dias. Quando a galactorragia se mantém durante
mais do que uma semana está indicada a exclusão de outras causas como
fissuras mamilares, colonização por Serratia marcescens e mastite. A cultura do leite
deve ser considerada nas duas últimas situações. Se a hemorragia persis- tir sem
diagnóstico etiológico, deve suspeitar-se de um papiloma intraductal,
solicitando-se ecografia mamária e consulta de Mastologia.

HIPERGALACTIA
Algumas mulheres produzem leite em quantidade superior às necessidades do
lactente. A instalação é habitualmente precoce, com resolução espontânea ao
longo das primeiras semanas. Pode manifestar-se por ingurgitamento mamário
(ver “Ingurgitamento mamário”) ou por sintomas no RN como engasgamento,
tosse ou irritabilidade durante a mamada. A mãe deve ser inquirida acerca do
consumo de substâncias que aumentam a produção de leite (p. ex., antagonis- tas
da dopamina, ou a planta medicinal “feno-grego”). A abordagem assentaem
adotar uma posição de maior controlo do fluxo de leite durante a mamada (RN
mais verticalizado com a mãe mais inclinada para trás), reduzir o fluxo
pressionando a mama com a mão e interromper a mamada quando necessário para
o bebé eructar. Pode também ser considerada a amamentação intercalada apenas
de um lado, reduzindo a produção de leite na mama contralateral apli- cando
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

compressas frias para alívio do desconforto resultante. Deve ser evitada a


extração de leite com bomba.

BIBLIOGRAFIA
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FEBRE PUERPERAL 95
M ARINA GATO, M ÓNICA CENTENO

INTRODUÇÃO
Define-se febre puerperal como uma temperatura auricular >38 °C em pelo menos
duas medições consecutivas intervaladas de 6 horas, excluindo-se as primeiras 24
horas do pós-parto. A causa mais frequente é a endometrite puerperal (ver
“Endometrite puerperal” abaixo). Outras causas frequentes são a infeção de
ferida perineal, a infeção da ferida operatória, a mastite puerperal e as
infeções do trato urinário (ver protocolos “96. Mastite e ab- cesso mamário”,
“97. Complicações da ferida perineal”, “98. Complicações da cicatriz de
cesariana” e “52. Infeções do trato urinário”). As causas não infeciosas são o
ingurgitamento mamário (que raramente causa temperatura
>39 °C e dura geralmente menos de 24 horas) e a febre induzida por fár- macos.
Causas mais raras são o abcesso pélvico e a tromboflebite pélvica séptica (ver
“Tromboflebite pélvica séptica”, à frente neste capítulo).

Abordagem clínica
Inicia-se pela anamnese e exame objetivo, pesquisando sinais e sintomas su-
gestivos de um possível foco infecioso. Realizar também os seguintes exames:
■ Hemograma e proteína C reativa;
■ Exame sumário de urina e urocultura;
■ Hemoculturas se houver sinais de doença sistémica grave ou de sépsis
(frequência respiratória >22 cpm, tensão arterial (TA) sistólica <100 mmHg
e alteração do estado de consciência). As hemoculturas devem ser obtidas antes
do início de antibioterapia, mas isto não deve atrasar o início da terapêutica;
■ A ecografia, tomografia computorizada (TC) ou ressonância magnética (RM)
são importantes sobretudo no diagnóstico de causa raras como o abcesso pélvico
e tromboflebite pélvica séptica (ver “Tromboflebite pélvica séptica”, à frente
neste capítulo).

ENDOMETRITE PUERPERAL
Define-se como uma infeção do endométrio e da porção superficial do mio- métrio
e em ~85% dos casos manifesta-se na primeira semana pós-parto. É
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

geralmente uma infeção polimicrobiana ascendente causada por agentes


presentes na flora vaginal ou gastrointestinal. As bactérias aeróbias mais
frequentes são: Streptococcus dos grupos A/B/D, Enterococcus, Staphylococ- cus
aureus e epidermidis, Escherichia coli, Klebsiella e Gardnerella vaginalis. As
bactérias anaeróbias mais frequentes são: Peptostreptococcus e Bacteroi-des
fragilis. Se existirem sinais de doença sistémica grave, choque ou dor abdominal
desproporcional aos achados do exame objetivo, deve ponderar-se
344 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

a possibilidade de infeção por Streptococcus do grupo A, que pode causar


síndrome do choque tóxico e fasceíte necrotizante. Os principais fatores de
risco para a endometrite puerperal são: cesariana (5-10 vezes, mais elevado
na cesariana intraparto), rotura prolongada de membranas, múltiplas observa-
ções vaginais, parto pré-termo (PPT), monitorização fetal interna, parto vaginal
instrumentado, dequitadura manual, colonização por Streptococcus do grupo B
e vaginose bacteriana. O diagnóstico baseia-se nos achados clínicos: febre,
taquicardia [>100 batimentos por minuto (bpm)], dor à palpação uterina, lóquios
com cheiro fétido, leucocitose e elevação da proteína C reativa.

Tratamento
Clindamicina 900 mg endovenosa (EV) 8/8 horas + gentamicina 4,5 mg/kg
1 vez/dia (se insuficiência renal: clindamicina 900 mg EV 8/8 horas + cefuro-
xima 750 mg EV 8/8 horas).
É de esperar uma resposta terapêutica nas primeiras 48 horas do tratamento. A
antibioterapia EV deve ser mantida até 24-48 horas após apirexia. A instituição
de antibioterapia oral após a terapêutica EV é desnecessária. Em cerca de 20%
dos casos há resistência ao antibiótico (mais frequente nas infeções por
Enterococcus ou por Streptococcus do grupo B). Deve adicionar-se ampicilina
2 g EV 6/6 horas. Os níveis circulantes de gentamicina podem também ser
subterapêuticos – dosear e, se necessário, ajustar a dose. A ecografia pélvica é
útil para excluir a retenção de produtos da conceção na cavidade uterina. Caso
existam, realizar esvaziamento uterino por aspiração. É necessário também
considerar outras causas de febre puerperal (ver protocolos “96. Mastite e abcesso
mamário”, “97. Complicações da ferida perineal”, “98. Complicações da cicatriz
de cesariana” e “52. Infeções do trato urinário” e “Tromboflebite pélvica
séptica”).

TROMBOFLEBITE PÉLVICA SÉPTICA


Manifesta-se por febre persistente e dor nos quadrantes inferiores do abdómen
ou no flanco. Os fatores de risco são semelhantes aos do tromboembolismo
venoso (TEV). A TC ou RM podem confirmar a suspeita, mas um resultado
negativo não exclui o diagnóstico. O tratamento inclui antibioterapia seme-
lhante à da endometrite puerperal (ver “Tratamento”) e a anticoagulação com
enoxaparina (ver protocolo “40. Tromboembolismo venoso – tratamento”) du-
rante 48 horas se não foi documentada trombose, durante 2 semanas se foi
documentada trombose de um vaso pélvico, ou 6 semanas se houver trombose
pélvica extensa.

BIBLIOGRAFIA
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96 MASTITE E ABCESSO MAMÁRIO

CATARINA REIS DE CARVALHO, PAULO SANTOS

INTRODUÇÃO
A mastite, com ou sem abcesso mamário concomitante, ocorre em cerca de 2%
das mulheres que amamentam, sendo mais frequente nas primeiras 6 semanas
após o parto. Os principais microrganismos implicados são o Staphylococcus
aureus, incluindo espécies resistentes à meticilina (MRSA), o Streptococcus e
o Staphylococcus epidermidis.

MASTITE
O diagnóstico é clínico, baseado na deteção de sinais inflamatórios locais (dor,
rubor), frequentemente associados a febre e por vezes a mialgias. Em casos
ligeiros, os analgésicos anti-inflamatórios (ibuprofeno 400 mg per os (PO) 8/8
horas) podem ser suficientes. Deve ser incentivado o esvaziamento mamário
frequente através da amamentação ou com bombas de extração de leite. Se
os sintomas não melhorarem em 12-24 horas ou forem muito incomodativos,
iniciar antibioterapia com um dos seguintes esquemas:
■ Amoxicilina + ácido clavulânico 875/125 mg PO 12/12 horas;
■ Flucloxacilina 500 mg PO 6/6 horas;
■ Cefradina 500 mg PO 12/12 horas;
■ Cefuroxima 500 mg PO 12/12 horas.
A duração da antibioterapia deve ser de 10-14 dias, mas pode ser suspensa aos 5-
7 dias se ocorrer uma resposta rápida com remissão completa dos sintomas.Se
houver alergia aos -lactâmicos: claritromicina 500 mg PO 8/8 horas. Na presença
de fatores de risco para infeção por MRSA (antibioterapia no mês anterior,
imunossupressão, infeção prévia por MRSA, contacto com doente com infeção por
MRSA): claritromicina 500 mg PO 8/8 horas ou sulfametoxazol + trimetoprim
800/160 mg PO 12/12 horas.
As culturas de leite materno não são obrigatórias, mas são úteis nos casos de
infeção grave, ausência de resposta a antibioterapia empírica nas primeiras 48
horas, mastite recorrente e mastite adquirida em meio hospitalar. A mastite
recorrente é pouco frequente e normalmente resulta de tratamento antibiótico
inadequado/incompleto ou de dificuldades na amamentação com drenagem
incompleta. Deve ainda ser considerada a possibilidade de abcesso, infeção por
microrganismos incomuns (p. ex., tuberculose) ou carcinoma inflamatório da
mama. Nesta situação, ou perante resposta incompleta à antibioterapia, as
puérperas devem ser encaminhadas para a consulta de Mastologia.
Mastite e Abcesso Mamário 347

ABCESSO MAMÁRIO

Situação em que, concomitantemente com a mastite, existe uma coleção pu-


rulenta no tecido mamário, detetável através de uma zona de flutuação e con-
firmada por ecografia mamária. Para além dos analgésicos anti-inflamatórios
e do esvaziamento mamário frequente deve ser iniciada antibioterapia com
cobertura de MRSA e anaeróbios:
■ Flucloxacilina 500 mg PO 6/6 horas + clindamicina 150 mg PO 8/8 horas.
A duração deve ser de 10-14 dias. Se houver alergia aos -lactâmicos: claritro-
micina 500 mg PO 8/8 horas. Deve ser também realizada drenagem do abcesso:
■ Se <5 cm e uniloculado, drenagem por agulha percutânea (tamanho 14 ou
16G guiada por ecografia, com envio do produto para exame microbiológico);
■ Se >5 cm com área de flutuação, multiloculado ou de evolução longa, drena-
gem cirúrgica sob anestesia geral.

Técnica de drenagem cirúrgica


■ Incisão arciforme paralela à aréola, no local de maior flutuação;
■ Colheita de exsudado purulento para cultura;
■ Desbridamento cuidadoso das locas, com lise de todos os septos;
■ Desinfeção com solução constituída por 1/3 soluto de Dakin + 2/3 água
oxigenada;
■ Colocação de penso cirúrgico.
A puérpera poderá terá alta 2-4 horas após a cirurgia, se houver estabilidade
clínica e o penso não estiver repassado. Os pensos devem ser realizados ini-
cialmente a cada 24-48 horas ou sempre que estiverem repassados. Se a dre-
nagem for abundante e se visualizar um orifício de drenagem, deve ser realizada
nova desinfeção da cavidade (ver “Técnica de drenagem cirúrgica”). Se possível,
manter o aleitamento materno da mama operada. Manter antibioterapia oral
durante 10-14 dias, analgesia adequada e referenciar à consulta de Mastologia.

Critérios para internamento hospitalar


Má resposta ao tratamento em ambulatório (>48 horas), sintomatologia sistémi-
ca grave, instabilidade hemodinâmica, suspeita de sépsis, imunodepressão, pro-
gressão rápida da infeção (eritema progressivo), dúvida na adesão à terapêutica
ou incapacidade de realizar antibioterapia PO. No internamento a antibioterapia deve
ser endovenosa (EV) durante pelo menos 48 horas:
■ Cefazolina 1 g EV 8/8 horas + metronidazol 7,5 mg/kg EV 6/6 horas;
■ Vancomicina 15-20 mg/kg EV 8/8 horas, sem exceder 2 g por dose.
IDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

Se houver alergia aos -lactâmicos ou suspeita de MRSA: clindamicina 600 mg


EV 8/8 horas ou vancomicina (ver dose na linha acima).
Na ausência de resposta à terapêutica, a antibioterapia deve ser adaptada ao
resultado das culturas obtidas na drenagem. As hemoculturas só devem ser
pedidas em casos de doença grave. Todas as puérperas com abcesso mamário
348 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

BIBLIOGRAFIA
AMIR L. ABM Clinical Protocol #4: Mastitis. The Academy of Breastfeeding Medicine Protocol
Committee, 2014.
DIXON M, KHAN L. Treatment of breast infection, BMJ. 2011;342:d396.
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43rd edition (pp. 6-7). Antimicrobial Therapy Inc 2013.
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Expert Rev Anti Infec Ther. 2014;12(7):753-762.
SPENCER JP. Management of mastitis in breastfeeding women. Am Fam Physician.
2008;78(6):727-731.
COMPLICAÇÕES DA FERIDA PERINEAL 97
RITA R OSADO, M ARIA DO CÉU SANTO

INTRODUÇÃO
As complicações mais frequentes da ferida perineal são o hematoma (vulvar
ou vaginal), a infeção e a deiscência. O hematoma afeta ~0,1% dos partos vaginais
e a infeção ocorre em ~1% destes. A taxa de deiscência varia emfunção do
grau da laceração perineal, rondando 0,2% nas lacerações de grauI e na
episiotomia, e atingindo ~4,6% na laceração de grau IV. Os hematomasque
ocorrem acima do músculo elevador do ânus podem ter ponto de partida vaginal,
mas devem ser incluídos na entidade “hematomas abdomino-pélvicos”e estão
fora do âmbito do presente protocolo.

HEMATOMAS VAGINAIS E PERINEAIS


O diagnóstico baseia-se no achado de uma tumefação local, geralmente dura e
dolorosa à exploração, de cor violácea, sem sinais inflamatórios, podendo estar
associada a drenagem espontânea de material sero-hemático.

Abordagem clínica
■ Avaliação da extensão do hematoma, se necessário com recurso a ecografia
transperineal;
■ Avaliação dos sinais vitais e da dimensão do hematoma hora/hora durante
4 horas e depois de 4/4 horas durante 24 horas;
■ Colocação de acesso venoso periférico e administração de cristaloides 3 l/
/dia;
■ Hemograma e provas da coagulação;
■ Algaliação, caso o hematoma comprima a uretra;
■ Se hematoma <5 cm, sem compromisso uretral, assintomático e não aumen-
tando de tamanho: atitude expectante, gelo local durante 10-15 minutos 4-6
aplicações/dia, compressão do hematoma se possível, repouso moderado;
■ Se hematoma >5 cm, sintomático ou a aumentar de tamanho: abertura, dre-
nagem e desbridamento cirúrgico, desinfeção da loca e sutura por planos
incluindo a pele. A realizar no bloco operatório sob anestesia. Antibioterapia
profilática 1-2 horas antes do procedimento: amoxicilina + ácido clavulânico
1 000 + 200 mg endovenoso (EV) dose única (se alérgica à penicilina: clin-
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damicina 600 mg EV em dose única);


■ No pós-operatório, gelo local durante 10-15 minutos, 4-6 aplicações/dia, com-
pressão do local se possível, repouso moderado. Prescrição de analgesia igual
à do puerpério de parto vaginal com episiotomia (ver protocolo “93. Cuidados
maternos de rotina no puerpério”).
350 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

INFEÇÃO
O diagnóstico baseia-se nos achados locais de eritema, edema, calor, dor à
exploração, sinais de flutuação (abcesso) e drenagem espontânea de material
purulento. Podem coexistir sintomas sistémicos, leucocitose, aumento da proteí-
na C reativa e algum grau de deiscência da sutura perineal (ver “Deiscência”,
à frente neste capítulo). Deve efetuar-se avaliação cuidadosa da extensão e
profundidade, incluindo toque rectal para detetar eventuais lesões esfincterianas
e hematomas associados.

Abordagem clínica
Em todas as situações de infeção da ferida operatória deve ser colhido exsudado
local para exame cultural, tendo em vista um eventual ajuste terapêutico, de
acordo com o teste de sensibilidade aos antibióticos (TSA).

Infeção superficial limitada, sem abcesso, sem imunossupressão, sem mal-estar geral ou evidênciade
sépsis
■ Amoxicilina + ácido clavulânico 875 + 125 mg per os (PO) 12/12 horas, durante
7 dias (se alérgica à penicilina: clindamicina 300 mg PO 8/8 horas), ibuprofeno
400 mg PO de 8/8 horas, durante 3 dias;
■ Autodesinfeção perineal diária com iodopovidona 3 vezes/dia;
■ Vigilância em ambulatório com reavaliação ao segundo e ao sétimo dia.

Infeção superficial limitada com abcesso


■Internamento em sala de observações;
■Amoxicilina + ácido clavulânico 1 000 + 200 mg EV toma única (se alérgica à
penicilina: clindamicina 900 mg EV toma única);
■Abertura, drenagem, desbridamento cirúrgico, desinfeção da loca. Não encer-
ramento da pele, de forma a possibilitar a drenagem da cavidade. A realizar no
bloco operatório sob anestesia;
■Alta 2-4 horas após a cirurgia se clinicamente estável, medicada com amo-
xicilina + ácido clavulânico 875 + 125 mg PO 12/12 horas, durante 7 dias
(se alérgica à penicilina: clindamicina 300 mg PO 8/8 horas), ibuprofeno 400
mg PO de 8/8 horas, durante 3 dias. Autodesinfeção perineal com iodopo-
vidona 3 vezes/dia;
■ Vigilância subsequente em ambulatório com reavaliação ao segundo e ao séti-

mo dia. Desinfeção e considerar ressutura da pele se deiscência de grande ex-


tensão e sem exsudado. Caso contrário, encerramento por segunda intenção.

Infeção profunda, extensa, acompanhada de deiscência, imunossupressão, mal-estar geral ou sépsis


■ Internamento;
■ Amoxicilina + ácido clavulânico 1 000 + 200 mg EV 6/6 horas (se alérgica
à penicilina: clindamicina 900 mg EV 8/8 horas + gentamicina 3-5 mg/kg/
dia EV);
■ Abertura, drenagem e desbridamento cirúrgico, deixando a ferida aberta. A
realizar no bloco operatório sob anestesia;
Complicações da Ferida Perineal 351

■ Desinfeções diárias usando esponjas (e não compressas) com soluto de


Dakin e água oxigenada;
■ Ressuturar se deiscência extensa quando a ferida estiver sem exsudado.
Caso contrário, encerramento por segunda intenção;
■ Após melhoria clínica e 48 horas de apirexia: alta medicada com amoxicilina
+ ácido clavulânico 875 + 125 mg PO 8/8 horas até completar 10 dias (se
alérgica à penicilina: clindamicina 300 mg PO 8/8 horas). Reavaliação ao
segundo e ao sétimo dia;
■ Se não houver melhoria clínica, ajuste antibiótico de acordo com TSA.

DEISCÊNCIA
O diagnóstico baseia-se na observação do afastamento dos bordos da ferida
perineal. Deve efetuar-se avaliação cuidadosa da extensão e profundidade, bem
como da existência de infeção concomitante.

Abordagem clínica
Sem sinais de infeção
Desinfeção da ferida. Se a deiscência for de pequenas dimensões e sem con-
sequências funcionais, deixar encerrar por segunda intenção. Se tiver grandes
dimensões ou impacto funcional/estético negativo, ressuturar no bloco opera-
tório, sob anestesia.

Com sinais de infeção


Ver tratamento da infeção acompanhada de deiscência acima.

BIBLIOGRAFIA
CUNNINGHAM FG, et al. Puerperal complications. In Williams Obstetrics, 25 th edition. (pp. 666-
679) McGraw-Hill, 2018.
VERMEULEN H, UBBINK DT, GOOSSENS A, et al. Systematic review of dressings and topical agents
for surgical wounds healing by secondary intention. Cochrane Database Syst Rev.
2004;2:CD003554.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS
98 COMPLICAÇÕES DA CICATRIZ DE CESARIANA

RITA ROSADO, M ARIA DO CÉU SANTO

INTRODUÇÃO
Das mulheres submetidas a cesariana, 2-15% apresentam complicações da ferida
operatória, sendo as mais frequentes: seroma (coleção líquida no tecido celular
subcutâneo), hematoma (coleção de sangue no tecido celular subcutâ- neo,
subaponevrótica ou intra-abdominal), infeção com ou sem abcesso (no tecido
celular subcutâneo, subaponevrótica ou intra-abdominal) e a deiscência
superficial ou profunda. As complicações intra-abdominais não são abordadas
no presente protocolo.

SEROMA
O diagnóstico baseia-se na observação de uma tumefação próxima da cicatriz
da cesariana, geralmente mole, incolor, sem sinais inflamatórios, podendo estar
associada a dor e a drenagem espontânea de material sero-hemático.

Abordagem clínica
■ Se seroma de pequenas dimensões, assintomático, que não aumenta de
tamanho, adotar atitude expectante;
■ Se seroma volumoso, sintomático ou que aumenta de tamanho, proceder
a drenagem percutânea com agulha 20G, em condições de assepsia, sob
anestesia local, seguida de penso compressivo.

HEMATOMA
O diagnóstico baseia-se na observação de uma tumefação próxima da cicatriz
da cesariana, geralmente dura e dolorosa à exploração, de cor violácea, sem
sinais inflamatórios, podendo estar associada a dor e a drenagem espontânea
de material sero-hemático.

Abordagem clínica
■ Avaliação da localização e extensão do hematoma, se necessário com recurso
a ecografia;
■ Se <5 cm de diâmetro, assintomático, que não aumenta de tamanho, adotar

atitude expectante;
■ Se >5 cm de diâmetro, sintomático ou que aumenta de tamanho: abertura,

drenagem e desbridamento cirúrgico, desinfeção da loca, sutura por planos,


incluindo a pele, e penso compressivo. A realizar no bloco operatório sob
anestesia.
Complicações da Cicatriz de Cesariana 353

INFEÇÃO DA CICATRIZ DE CESARIANA

Ocorre geralmente entre o quarto e o sétimo dia pós-operatório e tem como


principais fatores de risco: diabetes, obesidade, rotura prolongada de membra-
nas, corioamniotite, endometrite puerperal, pré-eclâmpsia, anemia, tabagismo
e hemóstase deficiente. Pode afetar a pele, tecido celular subcutâneo (infeção
superficial), fáscia ou planos musculares (infeção profunda). Os agentes mais
frequentemente associados são: Streptococcus hemolítico dos grupos A e B
(infeções nas primeiras 24-48 horas), Staphilococcus epidermidis, Staphilococcus
aureus, Escherichia coli e Proteus mirabilis (infeções mais tardias). O diagnóstico
baseia-se na observação de eritema, edema, calor, dor à exploração, sinais de
flutuação (sugestivos de abcesso) e drenagem espontânea de material purulento.
Podem coexistir sintomas sistémicos, leucocitose, aumento da proteína C reativa
e algum grau de deiscência da ferida (ver “Deiscência”, à frente neste capítulo).

Abordagem clínica
Em todas as situações de infeção da ferida operatória, deve ser colhido exsu- dado
local para exame cultural, tendo em vista um eventual ajuste terapêutico, de
acordo com o teste de sensibilidade aos antibióticos (TSA).

Infeção superficial limitada, sem abcesso, sem imunossupressão, sem mal-estar geral ou evidência
de sépsis
■ Cefuroxima 500 mg per os (PO) 12/12 horas, durante 7 dias (se alérgica à
penicilina: clindamicina 300 mg PO 8/8 horas);
■ Vigilância em ambulatório com reavaliação ao segundo e ao sétimo dia.

Infeção superficial limitada com abcesso


■ Internamento em sala de observações;
■ Cefoxitima 1 g endovenosa (EV) toma única (se alérgica à penicilina: clinda-
micina 900 mg EV toma única);
■ Abertura, drenagem, desbridamento cirúrgico e desinfeção da loca. Não encer-

ramento da pele, de forma a possibilitar a drenagem da cavidade e considerar


colocação de dreno cirúrgico se orifício estreito. Colocação de penso protetor.
A realizar no bloco operatório sob anestesia;
■ Alta 2-4 horas após a cirurgia se clinicamente estável, medicada com cefu-

roxima 500 mg PO 12/12 horas, durante 7 dias (se alérgica à penicilina:


■ Vigilância subsequente em ambulatório com reavaliação ao segundo e ao séti-
clindamicina 300 mg PO 8/8 horas);
mo dia. Desinfeção e considerar ressutura da pele se deiscência de grande ex-
tensão e sem exsudado. Caso contrário, encerramento por segunda intenção.
IDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

Infeção profunda, extensa, acompanhada de deiscência, imunossupressão, mal-estar geral ou sépsis


■ Internamento;
■ Amoxicilina + ácido clavulânico 1 000+200 mg EV 6/6 horas (se alérgica
à penicilina: clindamicina 900 mg EV 8/8 horas + gentamicina 3-5 mg/kg/
/dia EV);
354 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

■ Abertura, drenagem e desbridamento cirúrgico, deixando a ferida aberta.


Colocação de penso de pressão negativa a 125 mmHg. A realizar no bloco
operatório sob anestesia;
■ Desinfeções diárias usando esponjas (e não compressas) com soluto de Dakin

e água oxigenada;
■ Ressuturar quando a ferida estiver sem exsudado;

■ Após melhoria clínica e 48 horas de apirexia: alta medicada com amoxicilina

+ ácido clavulânico 875+125 mg PO 8/8 horas até completar 10 dias (se alérgica
à penicilina: clindamicina 300 mg PO 8/8 horas). Reavaliação ao segundo e ao
sétimo dia;
■ Se não houver melhoria clínica, ajuste antibiótico de acordo com TSA.

DEISCÊNCIA
O diagnóstico baseia-se na observação do afastamento dos bordos da ferida
operatória. Deve efetuar-se uma avaliação cuidadosa da extensão e profundidade
da deiscência, bem como da existência de infeção concomitante.

Abordagem clínica
Sem sinais de infeção
Desinfeção da ferida. Se a deiscência for de pequenas dimensões colocar fitas
adesivas cirúrgicas (Steri-Strips®). Se tiver grandes dimensões, ressutura no bloco
operatório sob anestesia.

Com sinais de infeção


Ver “Infeção profunda, extensa, acompanhada de deiscência, imunossupressão,
mal-estar geral ou sépsis”.

BIBLIOGRAFIA
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DEFEITO DA CICATRIZ DE CESARIANA 99
M ARIA PULIDO VALENTE, SARA VARGAS, JOANA GOULãO BARROS, ANA LUÍSA RIBEIRINHO

INTRODUÇÃO
O defeito da cicatriz de cesariana, também designado por nicho uterino ou istmo-
celo, define-se como um recesso ou indentação no bordo interno da cicatriz de
cesariana com pelo menos 2 mm de profundidade, avaliado após a gravidez. Os
fatores de risco são: histerotomia baixa na cesariana, antecedentes de múltiplas
cesarianas, diabetes gestacional (DG), índice de massa corporal (IMC) elevado e
defeitos na cicatrização associados a doenças crónicas. O diagnóstico baseia-se
na ecografia transvaginal, podendo ser complementado com histerossonografia
a realizar na primeira fase do ciclo menstrual. Pode ser classificado em simples,
simples com uma única ramificação, ou complexo (mais de uma ramificação).
Na ecografia devem registar-se também: dimensões (comprimento, profundidade
e largura) do defeito da cicatriz e das suas ramificações; espessura de mio- métrio
residual (EMR); espessura de miométrio adjacente; distância do defeito à prega
vesicouterina; distância entre o defeito e o orifício interno do colo. A
histeroscopia e a ressonância magnética (RM) podem ser úteis em situações
particulares. A prevalência nas mulheres submetidas a uma cesariana varia em
função da técnica utilizada e dos critérios de diagnóstico (ecografia transvaginal
24-70%; histerossonografia 56-84%), sendo superior em mulheres sintomáticas.
É frequentemente assintomático, sendo um achado incidental na ecografia, mas
pode estar associado aos seguintes sintomas: hemorragia pós-menstrual, dor
pélvica (dismenorreia, dor pélvica crónica, dispareunia) e infertilidade secundária. Na
gravidez, confere um risco acrescido de implantação na cicatriz de cesariana,
deiscência/rotura uterina, placenta prévia e acretismo placentário.

ABORDAGEM CLÍNICA
O tratamento está indicado em mulheres sintomáticas, devendo também ser
recomendado em mulheres assintomáticas com desejo reprodutivo e com EMR
<3 mm, pelo risco de rotura uterina durante uma futura gravidez. O tratamento
a propor depende do desejo reprodutivo e das características do defeito da ci-
catriz de cesariana. Quando se considera um tratamento cirúrgico, as mulheres
devem ser referenciadas à consulta de Ginecologia Cirúrgica.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

Mulher com sintomas, mas sem desejo reprodutivo


O tratamento de primeira linha é a contraceção hormonal combinada. Caso esta
não seja eficaz no controlo dos sintomas, deve ser proposta uma de duas
alternativas cirúrgicas:
■ Resseção das margens do defeito e eletrocoagulação do leito por via histe-
roscópica (preferencial);
356 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

■ Excisão do defeito por laparoscopia, cirurgia vaginal ou laparotomia (a histe-


rectomia pode ser uma alternativa, se coexistirem outras patologias).

Mulher com desejo reprodutivo


A cirurgia está indicada nas seguintes situações:
■ EMR <3 mm: excisão do defeito por laparoscopia (preferencial), cirurgia va-
ginal ou laparotomia;
■ EMR >3 mm e sintomas: resseção das margens e eletrocoagulação do leito

por via histeroscópica.

Cuidados pós-cirúrgicos
Recomenda-se reavaliação ecográfica complementada por histerossonografia 3-6
meses após a cirurgia. As mulheres devem evitar engravidar nos 3-6 meses
subsequentes.

BIBLIOGRAFIA
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the site of a cesarean section scar. J Minim Invasive Gynecol. 2018;25(1):38-46.
Emergências Obstétricas
VII
PROLAPSO DO CORDÃO UMBILICAL 100
M ARIA P ULIDO VALENTE , D IOGO AYRES DE C AMPOS

INTRODUÇÃO
Define-se prolapso do cordão umbilical como a presença de uma ansa do cordão
umbilical abaixo da apresentação fetal, após rotura de membranas. Habitual-
mente a ansa do cordão umbilical ultrapassa o colo do útero e localiza-se na
vagina, podendo alcançar ou mesmo ultrapassar o introito vaginal. Trata-se de
uma emergência obstétrica em que existe grande risco de hipoxia fetal devido
à compressão do cordão umbilical pela apresentação fetal e devido ao vasos-
pasmo causado por manipulação do cordão ou exposição do mesmo ao frio.
A incidência é de ~0,1% de todos os partos. Os principais fatores de risco são:
apresentação fetal anómala, apresentação fetal não encravada, parto pré-termo
(PPT), gravidez múltipla, multiparidade, polihidrâmnios, cordão umbilical longo,
placenta baixamente inserida, amniotomia, rotação manual da cabeça fetal,
versão cefálica externa (VCE), versão podálica interna e aplicação de ventosa ou
fórceps. Associa-se habitualmente às seguintes alterações cardiotocográficas:
desaceleração prolongada com baixa variabilidade (compressão sustentada do
cordão umbilical) ou desacelerações repetitivas (compressões transitórias do
cordão umbilical). O diagnóstico é clínico, através da visualização ou palpação
do cordão umbilical abaixo da apresentação fetal.

ABORDAGEM CLÍNICA
■ Avaliar pulsatilidade do cordão umbilical (estão descritos alguns casos de
sobrevivência do recém-nascido (RN) sem sequelas mesmo em situações de
ausência de pulsatilidade umbilical, quando o prolapso ocorreu poucos minutos
antes);
■ Pedir ajuda, convocando com carácter emergente pelo menos dois enfermeiros

especialistas, um obstetra experiente, o neonatalogista e o anestesiologista


de apoio ao bloco de partos;
■ Elevar a apresentação fetal com uma mão na vagina, sem manipular o cor- dão

umbilical para evitar espasmo vascular. Em princípio, a mão só deve ser


retirada após o nascimento;
■ Se a cama o permitir, colocar a parturiente em posição de Trendelenburg;

■ Realizar o parto o mais rapidamente possível, geralmente por cesariana emer-

gente. É raro ocorrer um prolapso do cordão umbilical no período expulsivo,


EL–EDIÇÕES TÉCNICAS

mas se for esse o caso e se existirem condições muito favoráveis para um


parto instrumentado, deve ser tentado por um obstetra experiente;
■ Se por alguma razão não houver disponibilidade imediata do bloco operató-

rio, instilar 500-750 ml de soro fisiológico (SF) na bexiga através da algália,


manter a parturiente em posição de Trendelenburg ou em quatro apoios com
360 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

possível realizar cesariana. Nestas situações é também lícito tentar o repo-


sicionamento intrauterino do cordão umbilical, havendo boas condições de
sucesso com manipulação limitada do cordão;
■ Após o nascimento, realizar colheita de sangue umbilical para gasimetria (ver

protocolo “89. Gasimetria umbilical”).

BIBLIOGRAFIA
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ROYAL C OLLEGE OF O BSTETRICIANS AND GYNAECOLOGISTS . Umbilical cord prolapse. Green-top
guideline no. 50. RCOG Press, 2014.
ECLÂMPSIA 101
INÊS M ARTINS , J OANA GOULãO B ARROS , D IOGO AYRES DE CAMPOS

INTRODUÇÃO
A eclâmpsia caracteriza-se por convulsões tónico-clónicas generalizadas numa
grávida que geralmente apresenta um quadro típico de pré-eclâmpsia e na
ausência de outra doença neurológica que as justifique. O quadro começa
geralmente por um tremor dos músculos faciais, seguido de uma crise tónica
generalizada de 15-20 segundos e de uma fase tónico-clónica que demora
cerca de 60 segundos. A duração total da crise habitualmente não ultrapassa
os 90 segundos. Posteriormente, há uma inspiração profunda e um estado de
coma, normalmente superficial, de duração variável, com recuperação lenta da
consciência. Raramente, as convulsões sucedem-se com frequência (estado
eclâmptico). No presente protocolo define-se a resposta imediata da equipa de
saúde perante uma crise eclâmptica. A abordagem posterior está considerada
no protocolo “19. Hipertensão gestacional, pré-eclâmpsia e síndrome de HELLP”.

ABORDAGEM CLÍNICA
Durante a convulsão
■ Pedir ajuda (chamar com carácter emergente o obstetra mais graduado, dois
enfermeiros especialistas, anestesiologista);
■ Remover objetos à volta da doente que possam causar lesões;
■ Pedir a “caixa de eclâmpsia”;
■ Aguardar que a convulsão passe (geralmente dura 60-90 segundos).

Imediatamente após a convulsão


■ Colocar a doente em posição lateral de segurança e avaliar permeabilidade
da via aérea;
■ Aspirar secreções orais, se necessário;
■ Oxigénio por máscara a 8 l/minuto;
■ Cateterização venosa.

Monitorização de sinais vitais


LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

■ Avaliação contínua da frequência cardíaca materna (FCM), da tensão arterial


(TA) a cada 5 minutos, avaliação contínua da saturação de oxigénio;
■ Avaliação da frequência respiratória a cada 10 minutos;
■ Cardiotocografia (CTG) contínua, se gestação com >25 semanas.
362 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Sulfato de magnésio para prevenir ou reduzir a recorrência de convulsões


Está indicado nas situações de pré-eclâmpsia grave, síndrome de HELLP (ver
protocolo “19. Hipertensão gestacional, pré-eclâmpsia e síndrome de HELLP”)
e eclâmpsia.
Dose de carga (4 g EV): 2 ampolas (amps.) a 20% em 100 ml de soro fisiológico
(SF) em bomba perfusora a 300 ml/hora (corre em 20 minutos, cada ampola
(amp.) de 10 ml a 20% corresponde a 2 g de sulfato de magnésio);
Dose de manutenção (1-2 g/hora EV): 5 (amps.) a 20% em 500 ml de SF em bomba
perfusora a 50-100 ml/hora, de forma a manter a magnesemia entre 4-6 mg/dl.
Cuidados adicionais específicos: avaliação da diurese, reflexo patelar, frequência
respiratória e magnesemia de 6/6 horas (de 4/4 horas se perfusão
>75 ml/hora, insuficiência renal, ou sinais clínicos de toxicidade). Os reflexos
tendinosos perdem-se com níveis 9-12 mg/dl. A paragem respiratória ocorre
geralmente com níveis >12 mg/dl.
Contraindicações: miastenia gravis, insuficiência cardíaca, defeitos de condução
cardíaca. Se sulfato de magnésio estiver contraindicado: diazepam 10 mg em
bólus EV dado ao longo de 2 minutos.
Havendo sinais de toxicidade: gluconato de cálcio a 10% (solução injetável
97 mg/ml), 15-30 ml em bólus EV lento dado ao longo de 2-5 minutos.
Havendo persistência das convulsões: 2 (amps.) de sulfato de magnésio a
20% em 20 ml de SF, em bomba perfusora a 400 ml/hora. Se não resultar:
diazepam 10 mg em bólus EV dado ao longo de 2 minutos.
Para outras medidas não emergentes (avaliação analítica, registo de diurese,
tratamento anti-hipertensivo, corticosteroides para maturação fetal, terminação da
gravidez) (ver protocolos “19. Hipertensão gestacional, pré-eclâmpsia e sín-
drome de HELLP” e “71. Corticosteroides para indução da maturidade fetal”).

BIBLIOGRAFIA
AYRES- DE -C AMPOS D. Eclampsia. In Obstetric Emergencies – a practical guide (pp. 53-62).
Springer, 2017.
D ULEY L, GÜLMEZOGLU AM, HENDERSON-SMART DJ, et al. Magnesium sulphate and other anticon-
vulsants for women with pre-eclampsia. Cochrane Database Syst Rev. 2010;11:CD000025.
DISTOCIA DE OMBROS 102
M ARIA DE CARVALHO AFONSO , D IOGO AYRES DE C AMPOS

INTRODUÇÃO
Define-se distocia de ombros como a dificuldade em libertar os ombros fetais com
a habitual tração axial inferior da cabeça. Ocorre geralmente por retenção do
ombro anterior acima da sínfise púbica materna. Em situações graves, am- bos os
ombros ficam retidos acima do estreito superior da bacia. Por vezes a mandíbula
deprime o períneo (sinal da tartaruga). A incidência ronda 0,6% dos partos
vaginais. Os principais fatores de risco são: distocia de ombros prévia,
macrossomia fetal e os seus fatores de risco (diabetes, obesidade, aumento
ponderal excessivo na gravidez), gravidez pós-termo, trabalho de parto prolonga-
do, aceleração do trabalho de parto e parto instrumentado. Na presença destes
fatores de risco, deve ser considerada a presença de uma equipa experiente
no momento do parto. No entanto, a maioria das distocias de ombros ocorrem em
parturientes sem fatores de risco, pelo que é considerada uma situação
geralmente imprevisível. A compressão dos vasos cervicais pelos tecidos ma-
ternos causa grande risco de hipoxia fetal, devendo idealmente a situação ser
resolvida em 5 minutos.

ABORDAGEM CLÍNICA
Pedir ajuda, convocando com carácter emergente (caso não estejam já presen-
tes) dois enfermeiros especialistas, um obstetra experiente, um neonatalogista
e um anestesiologista. Suspender os esforços expulsivos maternos, evitar a
pressão fúndica e a rotação da cabeça fetal, bem como a fratura propositada
da clavícula, que estão associadas a uma elevada incidência de lesões neu-
rológicas. Evitar também as trações bruscas e intermitentes sobre a cabeça fetal.
Esta tração deverá ser contínua, progressiva e de intensidade limitada (<100
newtons). Em princípio, não se deve demorar mais do que 1 minuto em cada
manobra.

Manobras externas
Com as manobras externas resolvem-se a grande maioria das situações dedistocia
de ombros.
Hiperflexão das coxas sobre o abdómen (manobra de McRoberts) (Figura 102.1):
LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

efetuada por dois ajudantes, cada um segurando uma perna, e forçando a flexão
das coxas maternas até ao abdómen, enquanto se tenta novamente a tração axial
inferior da cabeça. Esta manobra aumenta o diâmetro ântero-posterior da bacia
materna.
Pressão suprapúbica: a ser conjugada com a manobra anterior (Figura 102.1).
É efetuada de forma firme e contínua por um dos ajudantes. A pressão deverá ser
364 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Figura 102.1 – Manobra de McRoberts conjugada com a pressão suprapúbica.


(Fonte: ver final do capítulo)

Manobras internas
Devem ser realizadas pelo obstetra mais experiente disponível. Pode ser ne-
cessária a execução ou extensão da episiotomia ou o relaxamento uterino
anestésico para facilitar o acesso à cavidade. A ordem pela qual estas ma- nobras
são efetuadas depende da facilidade de acesso às estruturas fetaise da
experiência do executante. Durante estas manobras deve ser mantida a posição
de McRoberts.
Rotação do ombro anterior (manobra de Rubin II) (Figura 102.2): roda-se len-
ta e progressivamente o ombro anterior na direção do tórax fetal, ao mesmo
tempo que um ajudante faz pressão suprapúbica no mesmo sentido. Quando
o diâmetro biacromial estiver numa situação oblíqua (60-90°), exerce-se tração
axial inferior na cabeça.

Figura 102.2 – Rotação do ombro anterior.


(Fonte: ver final do capítulo)

Rotação do ombro posterior (manobra de rotação de Woods) (Figura 102.3):


roda-se o ombro posterior na direção do tórax fetal, ao mesmo tempo que um
ajudante efetua pressão suprapúbica para empurrar o ombro anterior no sentido
oposto. Quando o diâmetro biacromial estiver numa situação oblíqua (60-90°),
exerce-se tração axial inferior na cabeça.
Distocia de Ombros 365

Figura 102.3 – Rotação do ombro posterior.


(Fonte: ver final do capítulo)

Extração do braço posterior (Figura 102.4): insere-se uma mão na vagina se-
guindo o antebraço posterior até se chegar ao cotovelo, flete-se o antebraço sobre
o braço, apanha-se o punho e traciona-se o mesmo junto do tórax de forma
a extrair a mão, o antebraço e o braço. Uma vez extraído todo o membro
posterior, este é usado como alavanca para rodar o ombro posterior na direção
do tórax fetal, extraindo-se assim o ombro anterior.

Figura 102.4 – Extração do braço posterior.


(Fonte: ver final do capítulo)

Manobras de exceção
Os casos de insucesso após as manobras anteriormente descritas represen-tam
as formas mais graves de distocia de ombros. O tempo decorrido desdeo
diagnóstico de distocia é essencial para definir o prognóstico fetal e decidir as
manobras seguintes.
Manobra de Zavanelli (Figura 102.5): consiste na reintrodução lenta da cabeça
fetal na pelve materna seguida de parto por cesariana. Deve ser efetuada no bloco
operatório, sob anestesia geral com agentes halogenados. Após a indução
anestésica, roda-se a cabeça fetal para occipito-anterior, flete-se a mesma e
aplica-se pressão contínua com uma ou duas mãos para reintroduzir lenta e
progressivamente a cabeça na pelve materna. Havendo sucesso na manobra é
realizada uma cesariana emergente.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS
366 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Figura 102.5 – Manobra de Zavanelli.


(Fonte: ver final do capítulo)

Sinfisiotomia: pode ser realizada sob anestesia local, regional ou geral. Deve
ser precedida de profilaxia antibiótica, cateterização da bexiga, tricotomia púbica
e desinfeção da pele. Dois assistentes seguram nas pernas da grávida depois
de as retirar das perneiras para evitar um afastamento brusco dos dois topos. Com
uma mão na vagina, afasta-se a uretra, enquanto com a outra mão se faz uma
incisão vertical entre o 1/3 superior e os 2/3 inferiores da sínfise. Fletindo o cabo
do bisturi para cima, abrem-se os 2/3 inferiores. Reintroduz-se o bisturi com a
lâmina virada para cima, e fletindo-se o cabo para baixo abre-se o 1/3 superior.
É geralmente possível separar a sínfise 2-3 cm, permitindo libertar os ombros
fetais (Figura 102.6).

Figura 102.6 – Sinfisiotomia.


(Fonte: ver final do capítulo)

Após sutura da pele, enfaixa-se a pelve com ligaduras ortopédicas, mantém-se a


sonda vesical durante 2 dias e, durante este tempo, a puérpera fica em decúbito
lateral. Ao terceiro dia inicia-se ambulação assistida. Como complicações estão
descritas lacerações parauretrais, edema da vulva, hematomas paraincisionais
e dificuldades na marcha que, em 1-2% dos casos, persistem durante meses.
Se tiverem passado mais de 15 minutos desde o diagnóstico de distocia de ombros,
o prognóstico fetal é geralmente muito reservado. Nessas situações, impera
sobretudo o cuidado com o bem-estar da parturiente e a situação deixa de ser
uma emergência obstétrica. Deve ser considerada a repetição cuidadosa das
manobras, a tração na cesariana conjugada com a manobra de Zavanelli.
Distocia de Ombros 367

Como alternativa, poderá ter de ser considerada a decapitação fetal e a remoção


do corpo por cesariana.

Cuidados no pós-parto imediato


Após a resolução da situação é necessária a documentação cuidadosa do
acontecimento nos formulários eletrónicos próprios. A gasimetria umbilical deve
ser realizada em todos os casos de distocia de ombros. No entanto, devido
à compressão vascular cervical, os valores gasimétricos podem não refletir o
grau de hipoxia cerebral e o consequente prognóstico neonatal. Tendo havido
necessidade de realizar manobras internas é necessário realizar uma revisão
cuidadosa do canal de parto.

BIBLIOGRAFIA
AMERICAN C OLLEGE OF OBSTETRICIANS AND G YNECOLOGISTS . Shoulder dystocia. Guideline no.
40. Int J Gynaecol Obstet. 2003;80:87-92.
AYRES- DE -C AMPOS D. Shoulder dystocia. In Obstetric emergencies – a practical guide (pp.
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L ENG T, S TUART O, S AHOTA D, et al. Head-to-body delivery interval and risk of fetal acidosis
and hypoxic ischaemic encephalopathy in shoulder dystocia: a retrospective review. BJOG.
2011;118(4):474-479.
ROYAL COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNAECOLOGISTS. Shoulder dystocia. Green-top guidelineno.
42. RCOG, 2012.
WORLD HEALTH ORGANISATION. Shoulder dystocia (stuck shoulders). In Managing complica- tions
in pregnancy and childbirth: guidelines for Midwives and for Doctors (pp. S83-S85). WHO
Press, 2007.

Fonte das figuras


102.1-102.4 – MONTENEGRO, N, et al. Protocolos de Medicina Materno-Fetal, 3.ª
ed. Lisboa: Lidel, 2014.
102.5-102.6 – AYRES DE CAMPOS, D, et al. Emergências Obstétricas, Lisboa,
Lidel, 2011.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS
103 HEMORRAGIA PÓS-PARTO PRECOCE
DIOGO AYRES DE CAMPOS , FILIPA LANçA

INTRODUÇÃO
Define-se hemorragia pós-parto precoce como qualquer perda sanguínea genital
profusa ou persistente, que ocorre nas primeiras 24 horas após o parto, e tem
uma incidência de 1-5%. Define-se hemorragia pós-parto major quando a perda
sanguínea estimada visualmente é >1 000 ml (Figura 103.1) ou quando está
associada a compromisso hemodinâmico. Entre as complicações associadas
contam-se a coagulação intravascular disseminada, a insuficiência renal, a fa-
lência hepática e a síndrome de dificuldade respiratória. As causas principais
são a atonia uterina (70-80%), as lesões do trato genital (15-20%), a retenção
parcial ou total da placenta e o acretismo placentário. Outras causas mais raras
são a rotura uterina, a coagulopatia materna e a inversão uterina.

ABORDAGEM CLÍNICA
A primeira atitude perante uma hemorragia pós-parto precoce é pedir ajuda,
chamando o obstetra mais experiente, um anestesiologista e dois enfermeiros
especialistas. O tratamento da hemorragia pós-parto envolve dois componen-
tes principais, que devem ser realizados em paralelo: o suporte à ventilação e
circulação (geralmente a cargo do anestesiologista) e o tratamento da causa
subjacente (geralmente a cargo do obstetra).

Figura 103.1 – Ajudas visuais para a estimativa da perda sanguínea.


Hemorragia Pós-Parto Precoce 369

Suporte à ventilação e circulação (avaliação ABCDE)

■ Monitorização da frequência cardíaca, tensão arterial (TA) e saturação de O 2;


■ Administração de O2 por máscara (10-15 l/minuto);
■ Se a puérpera estiver inconsciente, avaliar possível paragem cardiorrespira-
tória (ver protocolo “105. Paragem cardiorrespiratória”);
■ Posição de Trendelenburg ou, se não for possível, elevação dos membros
inferiores;
■ Cateterização de duas veias periféricas com cateter preferencial de 16G;
■ Colheita de sangue para tipagem, hemograma, ionograma, estudo da coa-
gulação com doseamento do fibrinogénio, gasimetria e tromboelastografia;
■ Contactar o serviço de Imuno-hemoterapia: reserva de 2U de concentrado
de eritrócitos;
■ Reposição volémica: cristaloides (lactato de Ringer, soro polieletrolítico sim-
ples) e, de acordo com monitorização hemodinâmica, coloides (gelatina, hi-
droxietilamido até 30 ml/kg/dia);
■ Ácido tranexâmico: 1 g endovenoso (EV) em bólus lento, o mais precocemente
possível e até às primeiras 3 horas após o diagnóstico da hemorragia. Repetir
após 30 minutos, se a hemorragia continuar;
■ Algaliação e registo de diurese com debitómetro (objetivo diurese >0,5 ml/
/kg/hora);
■ Manutenção da temperatura corporal (soros previamente aquecidos, manta de
ar quente);
■ Produtos sanguíneos de acordo com valores laboratoriais e/ou tromboelas-
tograma ou se instabilidade hemodinâmica por perdas massivas. Iniciar com
grupo 0 negativo se não houver ainda resultados de tipagem;
■ Considerar fibrinogénio (dose inicial: 25-50 mg/kg para objetivo >2,9 g/l);
■ Decisão conjunta com Imuno-hemoterapia sobre administração de plaquetas,
crioprecipitado, factor VIIa;
■ Corrigir distúrbios ácido-base e hidroeletrolíticos;
■ Se persistência da hemorragia considerar: monitorizar tensão arterial invasiva e
cateterismo venoso central.

Identificação e tratamento da causa subjacente


■ Avaliação frequente do estado de contração uterina;
■ Exame com espéculo (ou valvas vaginais) para pesquisa e correção de lace-
rações do canal do parto;
■ Ecografia uterina e reavaliação da placenta exteriorizada para identificação
de retenção de restos placentários;
■ Identificação e reversão de eventual inversão uterina (ver protocolo “104.
Inversão uterina”);
Na suspeita de rotura uterina ou de acretismo placentário avançar para lapa-
IDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

rotomia.

Atonia uterina
Correção da atonia uterina após parto vaginal (por ordem até situação estabilizar)
370 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

2. Ocitocina 20U em 500 ml de soro fisiológico (SF) a 500 ml/hora.


3. Compressão uterina bimanual durante 10 minutos, como forma de promover
a contratura uterina ou como método temporário de controlo da hemorragia
(Figura 103.2).

Figura 103.2 – Compressão uterina bimanual.


(Fonte: ver final do capítulo)

4. Misoprostol 4 comprimidos (comps.) (800 mcg) sublingual (SL) ou rectal se a


grávida estiver inconsciente (contraindicações: doença inflamatória intestinal,
alergia). Pico sérico atingido aos 30 minutos, semivida ~3 horas.
5. Sulprostona 2 ampolas (amps.) (1 g) EV em 500 ml de SF a 125 ml/hora.
Aumentar, se necessário, até 500 ml/hora e voltar à dose inicial após es-
tabilização [contraindicações: asma, doença cardíaca, hipertensão arterial
(HTA) grave e diabetes].
6. Balão de Bakri introdução digital ou após inserção de espéculo e preensão
do colo com pinça de coração (Figura 103.3). Encher o balão com 400-500 ml
de SF aquecido (em úteros grandes pode ser necessário maior quantidade).
Parar de encher quando o balão começa a distender o colo. Cefoxitina 1 g
EV de 8/8 horas até retirar balão. Desinsuflar o balão às 6-12 horas e, se
não houver hemorragia, retirá-lo.

Figura 103.3 – Balão de Bakri inserido na cavidade uterina.


(Fonte: ver final do capítulo)

7. Embolização das artérias uterinas (contactar Radiologia de intervenção).


8. Laparotomia e considerar as medidas dos pontos 3-8 da “Correção da atonia
uterina após cesariana”.
Hemorragia Pós-Parto Precoce 371

Correção da atonia uterina após cesariana (por ordem até situação estabilizar)
1. Exteriorização do útero, massagem uterina direta, seguida de compressão
sustentada.
2. Considerar medidas referidas nos pontos 2 e 4-6 da “Correção da atonia uterina
após parto vaginal”.
3. Suturas compressivas com poliglactina 910 (Vicryl® 1) (Figura 103.4): 2-4
pontos de B-Lynch, 2-4 pontos de Hayman (se não houver cicatriz de cesa-
riana), ou pontos de Alcides-Pereira.

B-Lynch Hayman Alcides-Pereira


Figura 103.4 – Os três tipos de suturas uterinas compressivas.

4. Pontos transfixantes verticais no segmento inferior com poliglactina 910


(Vicryl® 1), se a hemorragia provém do segmento inferior em casos de pla-
centa prévia (Figura 103.5).

Figura 103.5 – Pontos transfixantes verticais no segmento inferior.

5. Sulprostona intramiometrial 1 amp. (500 mcg) em 10 ml de SF, se existem


áreas de atonia localizada.
6. Desvascularização uterina progressiva. Laqueação progressiva do ramo
ascendente de uma artéria uterina, seguida do contralateral; laqueação
do ramo uterino da artéria ovárica, seguida do contralateral. Parar logo que
a hemorragia estabilize (Figura 103.6). Para laqueação dos ramos as-
cendentes das artérias uterinas, reflete-se a bexiga, cria-se um orifício no
ligamento largo, cerca de 2 cm abaixo da incisão da cesariana, e passa-se
um ponto de poliglactina 910 (Vicryl® 1) a transfixar o miométrio, a cerca
de 2 cm da margem lateral. A taxa de sucesso da técnica é de ~85%. A irrigação
uterina é mantida através de anastomoses das artérias retais e vesicais,
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

estando documentada a recanalização dos vasos e casos de gravidez


subsequente.
372 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Figura 103.6 – Desvascularização uterina progressiva.

7. Histerectomia periparto (total ou subtotal, se a primeira não for tecnicamente


possível) com clampagem e laqueação dupla dos pedículos vasculares.
8. Tamponamento pélvico, quando persiste a hemorragia proveniente dos va-
sos pélvicos após histerectomia. Inserem-se compressas grandes num saco
esterilizado, o qual é ligado por via vaginal a um peso (Figura 103.7). Re-
quer profilaxia antibiótica com cefoxitina 1 g EV de 8/8 horas até o saco
ser exteriorizado passado 12 horas. Após a abertura do saco, feita por via
vaginal, extraem-se as compressas individualmente e depois o saco.

Figura 103.7 – Tamponamento pélvico.


(Fonte: ver final do capítulo)

BIBLIOGRAFIA
AYRES- DE -C AMPOS D. POST- PARTUM HEMORRHAGE . In Obstetric emergencies – a practical guide
(pp. 63-78). Springer, 2017.
CHANDRAHARAN E, ARULKUMARAN S. Surgical aspects of postpartum hemorrhage. Best Pract
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PEREIRA A, NUNES F, PEDROSO S, et al. Compressive uterine sutures to treat postpartum
bleeding secondary to uterine atony. Obstet Gynecol. 2005;106(3):569-572.
Hemorragia Pós-Parto Precoce 373

RAMANATHAN G, ARULKUMARAN S. Postpartum hemorrhage. J Obstet Gynaecol Can.


2006;28(11):967-973.
ROYAL COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND GYNAECOLOGISTS. Prevention and management of post-
partum hemorrhage. Green-top guideline no. 52. RCOG, 2009.

Fonte das figuras


103.2-103.3 – AYRES DE CAMPOS, D, et al. Emergências Obstétricas, Lisboa,
Lidel, 2011.
103.7 – MONTENEGRO, N, et al. Protocolos de Medicina Materno-Fetal, 3.ª ed.
Lisboa: Lidel, 2014.
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS
104 INVERSÃO UTERINA
LAURA CRUZ, M ARIA CARLOTA CAVAZZA, TERESA LOUREIRO

INTRODUÇÃO
Define-se como uma procidência do fundo uterino para o interior da cavidade
uterina que ocorre após o parto. A incidência ronda 0,01% dos partos e a sua
patogénese não se encontra totalmente esclarecida, parecendo associar-se à
aplicação de tração exagerada no cordão umbilical e à utilização de pressão
fúndica. Classifica-se como aguda (83,4%) se ocorre nas primeiras 24 horas
pós-parto; sub-aguda (13,9%) se ocorre entre as 24 horas e as 4 semanas;
crónica (2,6%) se surge após as 4 semanas. Subdivide-se também em: grau
1 – fundo uterino não ultrapassa o colo; grau 2 – fundo uterino na vagina; grau
3 – fundo uterino ao nível ou para além do introito vaginal (90% dos casos são
graus 2 e 3); grau 4 – inversão uterina e vaginal (Figura 104.1). Diagnostica-
-se por palpação bimanual e nos graus 3 e 4 observa-se a protusão de uma
massa arredondada ao nível ou que ultrapassa o introito vaginal. Associa-se a
hemorragia pós-parto (95%), choque hipovolémico (40-60%), dor pélvica (7-10%)
e retenção urinária.
Grau 1 Grau 2

Figura 104.1 – Subdivisão de acordo com o grau da inversão uterina.

ABORDAGEM CLÍNICA
Devido ao elevado risco hemorrágico, trata-se de uma emergência obstétrica,
sendo necessário pedir ajuda, assegurando a presença de um obstetra expe-
riente, um anestesiologista e pelo menos dois enfermeiros especialistas. O
Inversão Uterina 375

suporte circulatório e respiratório fica geralmente a cargo do anestesiologista (ver


protocolo “103. Hemorragia pós-parto precoce”) enquanto a correção da inversão
uterina fica a cargo do obstetra.

Reposição uterina por via vaginal


Deve ser tentada o mais precocemente possível, porque se vai formando um anel
de constrição e edema no segmento inferior do útero que torna o reposiciona-
mento cada vez mais difícil. A dequitadura deve ser preferencialmente realizada
após esta manobra, exceto se o volume placentário for um fator impeditivo da
mesma. Suspendem-se os agentes uterotónicos e exerce-se pressão contínua
sobre o fundo uterino com a palma da mão, deslocando-o lentamente para
a cavidade abdominal (Figura 104.2). Após a reposição, realizar compressão
uterina bimanual e administrar uterotónicos para reduzir hemorragia e prevenir
as recidivas. Se a primeira tentativa não tiver sucesso, havendo estabilidade
hemodinâmina, realizar relaxamento uterino com salbutamol (Quadro 104.1) ou
agentes halogenados (sevoflurano, isoflurano) e tentar novamente. Profilaxia
antibiótica com cefazolina 2 g endovenosa (EV) em toma única.

Figura 104.2 – Reposição uterina por via vaginal.

Quadro 104.1 – RELAXAMENTO UTERINO COM S ALBUTAMOL (25 MCG/MINUTO EV)



1 amp. (5 mg/5 ml) em 100 ml SF a 30 ml/hora.

Monitorizar FCM e reduzir ritmo de perfusão se >120 bpm.
Contraindicações: doença coronária, arritmia cardíaca, diabetes descompensada, hipertiroidismo des-
compensado, hipocaliemia.
amp. – ampola; SF – soro fisiológico; FCM – frequência cardíaca materna; bpm – batimentos por minuto.

Reposição uterina por via abdominal (laparotomia sob anestesia geral)


Indicada em casos de insucesso da reposição uterina por via vaginal, recidivas
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

ou instabilidade hemodinâmica.
Técnica de Huntington: tração progressiva dos ligamentos redondos com pinças
de Allis (Figura 104.3).
376 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Figura 104.3 – Técnica de Huntington para reposição uterina por via abdominal.
Técnica de Haultain (em caso de falha da técnica de Huntington): histerotomia
posterior mediana com cerca de 5-6 cm atingindo o anel cervical, seguida de
tração progressiva sobre os ligamentos redondos com pinças de Allis ou repo- sição
digital do fundo uterino através do orifício da histerotomia (Figura 104.4).
Perante o insucesso destas técnicas está indicada a realização de histerectomia.
Complicações: encontram-se descritas complicações infeciosas (endometrite
puerperal) e hemorrágicas, bem como rotura uterina durante a tentativa de
reposição.

Figura 104.4 – Técnica de Haultain para reposição uterina por via abdominal.

BIBLIOGRAFIA
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PARAGEM CARDIORRESPIRATÓRIA 105
CATARINA REIS DE C ARVALHO , D IOGO AYRES DE CAMPOS

INTRODUÇÃO
A paragem cardiorrespiratória manifesta-se por perda de consciência e cianose
central. A ausência de movimentos respiratórios e de pulso carotídeo confirmam
o diagnóstico. Ocorre em ~0,003% das gestações. O eletrocardiograma (ECG) pode
demonstrar assistolia, fibrilhação ventricular, taquicardia ventricular ou outro
tipo de atividade elétrica sem pulso. Está associada a elevada mortali- dade
materna e fetal, bem como a importantes sequelas. A antecipação desta
complicação, o reconhecimento precoce e o início de manobras de reanimação
têm um impacto profundo no prognóstico. Independentemente da causa da
paragem, a abordagem inicial é semelhante e envolve o suporte à oxigenação/
/circulação materna e a cesariana emergente in situ quando não ocorre reversão
nos primeiros 4 minutos. A cesariana é importante para a sobrevivência fetal
e melhora também o prognóstico materno, devido à redução da compressão aorto-
cava.

ABORDAGEM CLÍNICA
Situações periparagem
Antecipar uma possível paragem cardiorrespiratória perante dispneia súbita ou
taquipneia associada a cianose central. Nestas situações colocar a grávida em
posição lateral de segurança (Figura 105.1), iniciar monitorização contínua da
frequência cardíaca materna (FCM) e ECG. Avaliar saturação de O 2 e tensão
arterial (TA) a cada 5 minutos. Iniciar cardiotocografia (CTG) se gestação ≥25+0
semanas. Trazer o carro de emergência e colocar um plano duro por baixo da
grávida. Cateterizar uma veia periférica com cateter largo (14 ou 16G), adminis-
trar O 2 por máscara 8 l/minuto. Se a situação se mantiver estabilizada, inves-
tigar possíveis causas (ver “Causas mais frequentes”, à frente neste capítulo).
ÇÕES TÉCNICAS

Figura 105.1 – Grávida em posição lateral de segurança.


378 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

Perante uma paragem cardiorrespiratória confirmada


■ Pedir ajuda, chamando com carácter emergente um anestesiologista, um obs-
tetra experiente, pelo menos dois enfermeiros especialistas, um neonatologista
e a equipa de reanimação hospitalar;
■ Caso não tenha sido já realizado: iniciar monitorização contínua da FCM e
ECG. Avaliar saturação de O2 e TA a cada 5 minutos. Iniciar CTG se gestação
≥25+0 semanas. Trazer o carro de emergência e colocar um plano duro por
baixo da grávida (se gravidez com mais de 20 semanas, usando uma cunha
ou almofada, colocar com tilt a 30° – Figura 105.2). Em alternativa, o útero pode
ser puxado para o lado esquerdo (Figura 105.3). Cateterizar uma veia
periférica com cateter largo (14 ou 16G);

Figura 105.2 – Grávida com tilt para a esquerda a 30º.

Figura 105.3 – Ajudante puxando o útero para a esquerda.


(Fonte: ver final do capítulo)

■ Via aérea: colocar a grávida em decúbito dorsal, com extensão do pescoço e


elevação da mandíbula (Figura 105.4), inspecionar a boca e aspirar secre- ções,
se necessário. Pode ser colocado temporariamente um tubo de Mayo, mas logo
que possível realizar entubação orotraqueal (tubo de 6,5 mm ou7 mm) para
maior segurança sobre a via aérea e redução do risco de aspi- ração gástrica;
Paragem Cardiorrespiratória 379

Figura 105.4 – Extensão do pescoço e elevação da mandíbula.


■ Respiração: realizar ventilações com máscara de Ambu, sob O2 a 100%,
15 l/minuto, ao ritmo de 10-12 ventilações/minuto, de forma a manter a
saturação de O 2 a 94-98%;
■ Circulação: iniciar massagem cardíaca externa imediatamente após a dete- ção
da paragem cardiorrespiratória, independentemente do padrão ECG. As
compressões torácicas são realizadas a um ritmo de cerca de 100/minuto,
deprimindo o esterno 5-6 cm (Figura 105.5). As compressões apenas são
suspensas para realizar desfibrilhação (ver “Se ECG compatível com fibri-
lhação ventricular ou taquicardia ventricular sem pulso”) ou durante breves
segundos ao final de cada ciclo de 2 minutos, para reavaliar ECG e pulso
carotídeo. Os ciclos de 2 minutos são suspensos apenas quando se deteta
pulso carotídeo e ECG com ritmo normal, ou quando é declarada a morte.
No 3.º ciclo administrar adrenalina 1 mg em bólus endovenoso (EV). No 5.º ciclo
repetir adrenalina 1 mg EV e juntar amiodarona 150 mg em bólus EV.Em
alternativa à amiodarona, administrar lidocaína 1 mg/kg em bólus EV. A
adrenalina pode continuar a ser repetida em ciclos alternados;

Figura 105.5 – Posição para a massagem cardíaca externa.


■ Logo que possível: colher sangue para hemograma, ionograma, função renal e
hepática, estudo da coagulação e tipagem. Realizar também gasimetria
arterial, algaliação com debitómetro e registo de diurese;
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

■ Iniciar cristaloides [soro fisiológico (SF) ou lactato de Ringer] ao ritmo de


100 ml/hora e depois ajustar de forma a manter diurese >30 ml/hora;
■ Se ECG compatível com fibrilhação ventricular ou taquicardia ventricular sem
pulso está indicada a desfibrilhação precoce com choque de 200 J bifásico
(em desfibrilhadores monofásicos 360 J). Colocar previamente placas autoa-
desivas (Figura 105.6) e garantir condições de segurança para a equipa de
reanimação antes do choque (parar temporariamente compressões, remover
380 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

fonte de oxigénio, afastar toda a equipa). Se não ocorrer reversão para ritmo
normal após o primeiro choque, realizar segundo choque, logo que a equipa
esteja novamente estável. Se não houver reversão após o 2.º choque admi-
nistrar adrenalina e amiodarona (ver “Circulação”) antes de novo choque.

Figura 105.6 – Posicionamento das pás do desfibrilhador.


■ Se idade gestacional >20 semanas e não houver reversão ao final de 4 mi-
nutos, realizar cesariana emergente in situ (no local onde ocorreu a paragem,
mantendo manobras de reanimação). A circulação periférica é escassa durante
a massagem cardíaca, pelo que a hemorragia é muito limitada e não existe
necessidade de analgesia enquanto a grávida estiver inconsciente. Apenas são
necessárias luvas esterilizadas, desinfeção da pele e bisturi para a incisão
na pele. Realizar gasimetria umbilical após a extração fetal.

Após reversão da paragem cardiorespiratória


Se a reversão ocorrer antes da cesariana, está geralmente indicada a terminação
da gravidez logo que possível, mas isto depende da causa, duração, possibilidade
de recorrência e do traçado cardiotocográfico. Se a reversão ocorrer durante
a cesariana in situ, a grávida deve ser transferida para o bloco operatório logo que
a hemorragia esteja controlada, para se completar a cirurgia em maior segurança.
Após estabilização da doente, esta deve ser transferida para uma Unidade de
Cuidados Intensivos. A identificação e o tratamento da causa da paragem
cardiorrespiratória passam a ser prioritários para evitar recidivas (ver “Causas
mais frequentes” abaixo). Pode ser útil perguntar os antecedentes ea história
recente a um parente/acompanhante. De acordo com a suspeição clínica, deve
ser ponderada também a realização de ECG de 12 derivações, ecocardiograma,
radiografia torácica, doseamento de d-dímeros, cintigrafia de
ventilação/perfusão, ou angiotomografia computorizada (angio-TAC) pulmonar.

CAUSAS MAIS FREQUENTES


Hipovolemia: geralmente em consequência de hemorragia obstétrica (ver proto-
colo “103. Hemorragia pós-parto precoce”).
Embolia de líquido amniótico (LA): reação anafilática que ocorre no periparto
e até às 48 horas do puerpério, com constrição arteriolar pulmonar e falência
Paragem Cardiorrespiratória 381

ventricular esquerda. Manifesta-se geralmente com hipotensão profunda, disp-


neia, edema pulmonar e por vezes convulsões. Numa segunda fase, existe liber-
tação de tromboplastina e pode ocorrer coagulação intravascular disseminada
com hemorragia pós-parto grave. O diagnóstico é de exclusão e o tratamento
de suporte, de forma a manter a TA, débito cardíaco, oxigenação e perfusão
tecidular adequada com fluidoterapia, vasopressores, hemoderivados e ventila-
ção controlada.
Tromboembolismo pulmonar (TEP): diagnóstico a considerar quando ocorre difi-
culdade respiratória, tosse ou dor torácica pleurítica. A presença de fatores de
risco contribui para a suspeição. A saturação de O 2 é geralmente baixa e pode
ocorrer diminuição dos sons ventilatórios na auscultação pulmonar. É suficiente
haver um grau razoável de suspeita clínica para se iniciar heparina de baixo peso
molecular (HBPM) em doses terapêuticas, exceto quando há contraindi- cação
absoluta (ver protocolo “40. Tromboembolismo venoso – tratamento”).
Doença hipertensiva da gravidez: no contexto após crise eclâmptica (ver pro-
tocolo “19. Hipertensão gestacional, pré-eclâmpsia e síndrome de HELLP”).
Alterações metabólicas: as alterações do potássio são as mais frequentes.É
necessário avaliar o ionograma e a terapêutica em curso. Se hipocaliemia,
administrar cloreto de potássio 1-2 ampolas (amps.) de 75 mg/ml, 10 ml (40
mmol/l) em 1 000 ml de SF a 250 ml/hora. Se hipercaliemia, adminis-trar
10 ml de cloreto de cálcio 10% EV em 10 minutos e solução de glucose 25 g
(50 ml de glicose a 50%) e insulina 10 UI, EV em 20 minutos. Considerar também
a hipermagnesemia secundária à sobrecarga de sulfato de magnésio (ver
protocolo “101. Eclâmpsia”).
Tóxicos: ponderar a ocorrência de intoxicação por anestésicos locais, decor-
rentes da analgesia/anestesia locorregional. O tratamento passa por adminis-
tração de intralipid 20% 1,5 ml/Kg em bólus EV durante 1 minuto, seguido de
infusão a 0,25 mL/kg/minuto EV durante 20 minutos, ou até haver estabilidade
hemodinâmica.
Doença cardiovascular: a cardiomiopatia periparto, o enfarte agudo do miocár-
dio e a disseção da aorta são as causas mais frequentes. A clínica pode ser atípica
com vómitos e epigastralgias. Ponderar este diagnóstico, sobretudo na presença
de fatores de risco cardiovasculares.
Choque anafilático: reação alérgica sistémica grave com compromisso da via
aérea, ventilação e/ou circulação, de início súbito e deterioração rápida. Pode
associar-se a eritema cutâneo, prurido, angioedema da face, edema da via aérea
superior, dispneia, sibilos, cianose, palidez e hipotensão. Se possível, suspender
imediatamente o contacto da grávida com os possíveis agentes alergénios. Se
houver risco iminente de obstrução da via aérea, realizar entubação orotraqueal e
© LIDEL–EDIÇÕES TÉCNICAS

ventilar com O 2 a 100%. Administrar de imediato adrenalina 0,5 mg intramuscular


(IM) e repetir a dose a cada 5 minutos, de acordo com a resposta. Administrar 500
ml de SF EV a 250 ml/hora, clemastina 0,025 mg/kg (máx. 2 mg) em bólus EV, e
hidrocortisona 4 mg/kg (máx. 200 mg) em bólus EV. Colher amostras de sangue
para doseamento de triptases 1-2 horas após o diagnóstico de choque anafilático
e referenciar a doente para a Imunoalergologia.
382 Protocolos de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal

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Fonte das figuras


105.3 – MATERNIDADE DR. ALFREDO DA COSTA. Protocolos de Atuação da Ma-
ternidade Dr. Alfredo da Costa, 3.ª ed. Lisboa: Lidel, 2017.

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