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Mise-en-scène: termo francês que define o processo inteiro da direção de um filme, incluindo a encenação, a montagem e a trilha
sonora. Ou seja, a mise-en-scène compreende todos os aspectos da filmagem sob a direção do cineasta: a interpretação, o
enquadramento, a iluminação e o posicionamento da câmera, e tudo isso acontece dentro de um espaço físico - o set. A direção de
arte de um filme vai construir essa espaço físico, esse "mundo narrativo" para que a mise-en-scène aconteça.
visuais - pintura, moda, fotografia, arquitetura, desenho - e claro, da realidade que
nos rodeia. Ela não é uma obra em si mesma, ela existe em função de algo: dá
vida, conteúdo, ajuda a “tridimensionalizar” determinado roteiro. E para tanto, tem
a seu dispor uma diversidade de ferramentas, materiais e técnicas.
O(a) diretor(a) de arte não trabalha sozinho(a), mas sim, liderando uma equipe, a
equipe de arte, que forma o departamento de arte de um filme. Nesse departa-
mento, há outros profissionais que trabalham em conjunto com o(a) diretor(a) de
arte: cenógrafo(a), produtor(a) de arte, produtor(a) de objetos, pintores de arte,
cenotécnicos, aderecistas, assistentes, contrarregra, efeitistas.
Na década de 1930, na produção do longa "E o vento levou" (dir. Victor Fleming,
1939), surge o termo Production Design, cunhado pelo produtor do filme David O.
Selznick. Durante a produção do filme, William Cameron Menzies, foi o respon-
sável a desenhar a visualidade do filme e orientar toda a equipe de arte, criando
e mantendo o desenho do filme fiel ao projeto ao longo da produção. Antes, o tra-
balho de Menzies era conhecido como "design de interiores de filmes". Seu reco-
nhecimento foi tão valioso que a Academia criou uma categoria no Oscar especi-
almente “por sua maravilhosa realização no uso da cor para aprimorar o clima
dramático”.
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No hemisfério norte, a estrutura de produção dos filmes e séries é um pouco diferente, e o trabalho
das equipes, mais segmentado. A equipe de arte é formada pelo production designer (responsável pela
criação do conceito visual e universo narrativo) e com ele trabalham diretamente o art director (responsável
pela execução e entrega dos sets), o set decorator (responsável pela pesquisa, criação e entrega dos
na produção cinematográfica, sobretudo EUA e Canadá. No Brasil, ainda não é
comum o uso deste termo, mas na prática, é o mesmo tipo de trabalho que nós
diretore/as de arte fazemos em projetos grandes e estruturados.
Para isso, o(a) diretor(a) de arte se relaciona artisticamente com a direção, com a
direção de fotografia e com a produção, e essa relação eu chamo de direção de
arte total: o desenho do projeto como um todo, a partir do roteiro, levando em
consideração as necessidades narrativas, dramáticas, e dentro de uma estrutura
de produção existente - locações, prazos, equipe e orçamento.
Para a criação desse universo visual da obra audiovisual, é feita uma rica pesqui-
sa, de conteúdo e de iconografia (imagens), levantamento das locações, dese-
nhos, listas de todas as necessidades (cenografia, objetos) por cena e tudo isso é
organizado num documento, o PROJETO DE DIREÇÃO DE ARTE.
móveis e objetos para a ambientação dos sets) e o props master (responsável pela pesquisa, criação e
entrega dos objetos que tem manuseio pelos atores/personagens).
Esse projeto vai nortear a pesquisa de figurino e caracterização e também as
eventuais intervenções na pós-produção, como a construção de elementos ceno-
gráficos em 3D. Esse projeto também será a base para que seja alcançado o look
previsto para o filme (após captação das imagens, correção de cor e marcação de
luz pela fotografia).
Em um projeto de filme/série de época, que não a atual, a direção de arte faz não
somente uma pesquisa acerca dos ambientes, mobiliário e vestuário, mas tam-
bém acerca dos costumes ao longo do tempo. Nos próximos módulos, vamos nos
dedicar a levantar casos que exemplificam esses processos de pesquisa.
Como diretora de arte, eu criei um gráfico simples que serve de base para
estruturar a criação do conceito visual de uma obra audiovisual:
As escolhas da direção de arte estão totalmente relacionadas as escolhas da di-
reção e da direção de fotografia, como uma troca sem hierarquia, do ponto de vis-
ta do conceito visual e da linguagem a ser usada na filmagem. No gráfico abaixo,
eu dou continuidade ao esquema usado anteriormente:
Outro grande item do gráfico acima é a linguagem, cuja premissa vem da direção,
que traz direcionamento em relação à estética da decupagem (como essa história
será contada através dos planos e futura montagem) e da interpretação (como
serão dirigidos os atores para a construção de cada personagem). Essa lingua-
gem influencia e é influenciada pelas linguagens visuais da direção de arte e da
direção de fotografia, num jogo combinado e afinado.
O roteiro, que vocês conhecem bem, é um texto técnico que traz uma narrativa
dividida em cenas, com descrição das (principais) ações, com os diálogos de ca-
da cena (quando existirem), com indicações de algumas características dos per-
sonagens, e dos ambientes (quando se fazem necessárias). Ele é a premissa que
será trabalhada pelas equipes de todos os departamentos para que seja trans-
formado em uma obra audiovisual. Portanto, esta seção se baseará não somente
na pesquisa da direção de arte, mas na relação intrínseca entre roteiro e visuali-
dade.
A relação entre roteiro e visualidade é muito íntima, não somente dentro do pro-
cesso criativo da direção de arte ou da direção de fotografia (departamentos ma-
joritariamente “visuais” dentro de uma produção) e da direção geral. O processo
criativo de escrita de roteiro bebe muito da fonte de pesquisa visual - pictórica e
fílmica. Realizadores audiovisuais geralmente são pessoas com grande repertório
dentro das artes visuais - pintura, fotografia, cinema, vídeo -, da literatura, do tea-
tro e da música.
O objeto livro foi uma grande referência para a construção cromática do filme,
sendo que a ideia inicial para a palheta de cor foi exatamente a imagem de livros
de capa dura dispostos numa prateleira. Além dos aspectos formais da imagem,
livros dispostos em prateleiras é uma imagem muito afetiva da minha infância na
casa dos meus avós e meus pais.
Ou seja, existe uma narrativa (a história do filme) que causa uma sensação (amor
pelos livros) que traz uma imagem sensorial e cromática (os livros de capa dura
na prateleira e suas cores).
O longa "Para minha amada morta", dirigido por Aly Muritiba (2015, 140', HD) e
produzido pela Grafo Audiovisual de Curitiba nos serve de exemplo: após a morte
de sua esposa, Fernando torna-se um homem quieto e introspectivo e cria, sozi-
nho, seu filho Daniel. Todas as noites, enquanto seu filho dorme, o viúvo "revive"
a presença da esposa, tentando organizar seus pertences. Um dia, ele descobre,
em uma fita VHS, que sua esposa tinha tido um amante, Salvador. Fernando de-
cide então investigar a verdade por trás destas imagens, desenvolvendo uma ob-
sessão que consome seus dias e rotina.
A palheta de cor desse filme foi estruturada por universo dos personagens princi-
pais: Fernando e Salvador, pois eu enxerguei dois universos distintos que se an-
tagonizam na narrativa. Em linhas gerais, propus para o diretor e para o diretor de
fotografia duas grandes palhetas de cor, de certa maneira, contrastantes, uma
para cada universo de personagem.
A semiótica é uma ferramenta que procura entender como o ser humano interpre-
ta as coisas dentro do ambiente que o envolve. Ou seja, como as pessoas atribu-
em significado ao que está a seu redor. E isso não é exatamente o que a direção
de arte faz? Interpreta visualmente palavras de um roteiro, e constrói realidade(s)
visível(is), pra o personagem viver suas histórias. Para isso, a direção de arte
leva em consideração o contexto cultural não somente do personagem, mas do
próprio profissional.
Tendo o roteiro como premissa para a criação do universo visual de uma obra
audiovisual, geralmente partimos do macro/sensação/atmosfera até a pesquisa
mais específica que deve dar conta de cada elemento constituinte do ambiente e
do universo dos personagens.
A ideia é desnudar o processo criativo, criar uma visão "de dentro pra fora", ou
seja, uma visão bastante diferente da mera análise de filmes conhecidos. A ideia
principal aqui é que você entre em contato com os bastidores do processo.