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INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
DOUTORAMENTO EM EDUCAÇÃO
Administração e Política Educacional
2012
Clara Freire da Cruz, Conselhos Municipais de Educação: política educativa e acção pública, IEUL, 2012
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Clara Freire da Cruz, Conselhos Municipais de Educação: política educativa e acção pública, IEUL, 2012
Muller reforça esta ideia de que a política pública «não é um dado mas antes um
construído» (Muller, 2009: 23). Propõe um esquema de análise que realça as dimensões
cognitivas e normativas das políticas públicas (sem esquecer a organizacional). Afasta-
se dos esquemas «sequenciais» da decisão política5, relativizando a imagem
convencional do decisor e o impacto da decisão política na acção pública. Na sua
opinião, as políticas públicas não se confinam aos processos de decisão em que
participam múltiplos actores, mas estendem-se ao espaço «onde uma dada sociedade
constrói a sua relação com o mundo» ou, melhor dizendo, aos processos de construção
de uma interpretação da realidade, das representações de uma dada sociedade «para
compreender e agir sobre o real tal qual o apercebe» (Muller, 2009: 58). O objecto das
políticas públicas não é «resolver problemas» mas construir os quadros de interpretação
do mundo, os referenciais6 que estabelecem uma relação entre as políticas e a
construção de uma ordem social.
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Muller propõe algumas precauções relativamente à análise sequencial com o objectivo de evitar uma
visão demasiado simplista das políticas públicas. Em primeiro lugar, refere que a ordem das etapas de
uma política pode não corresponder ao modelo sequencial e exemplifica: uma decisão pode ser tomada
sem que o problema seja anteriormente posto; certas etapas podem ser simplesmente omitidas; a
operacionalização pode começar antes da formalização da decisão. Em segundo lugar, refere que por
vezes as etapas são difíceis de identificar, como o momento da decisão ou mesmo a fase de aplicação.
Reconhece utilidade à grelha sequencial pelas questões que esta põe e pelas respostas que fornece, mas
argumenta que a sua utilização não deve ser mecânica (Muller, 2009: 25-27). No quadro de análise das
políticas e da acção públicas as críticas aos esquemas sequenciais alertam-nos especialmente para a
ordem, para a omissão e acumulação de etapas. Este último aspecto interessa-nos especialmente já que a
decisão política não se restringe a um único momento (convencionalmente entregue ao Estado e à
Administração Central); a decisão política está presente noutras etapas, nomeadamente na
operacionalização da política quando os actores locais interpretam e aplicam as orientações políticas
centrais adaptando-as aos seus contextos e aos seus interesses.
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Para Muller o referencial de uma política é «constituído por um conjunto de prescrições que dá sentido
a um programa de acção pública, através da definição dos critérios de escolha e dos modos de designação
dos objectivos» (Muller, 2004b: 371). Abarca um processo cognitivo de diagnóstico e compreensão do
real (limitando a sua complexidade) e um processo prescritivo de acção sobre esse mesmo real. O
referencial, enquanto estrutura de sentido, articula quatro níveis de percepção do mundo (distintos, mas
interligados): os valores, as normas, os algoritmos e as imagens.
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para «o que se passa no seio das sociedades, nas suas interacções múltiplas, diversas e
complexas, que as estruturam» (Comaille, 2004: 414). Neste contexto de análise define
assim política pública:
(…) o produto de um processo social, que se desenrola num tempo determinado, no interior de um
quadro institucional que limita o tipo e o nível dos recursos disponíveis através de esquemas
interpretativos e de escolha de valores que definem a natureza dos problemas políticos colocados e
as orientações da acção (van Zanten, 2004: 26, citando Duran, 1990: 240; ver também Barroso,
2006a: 11).
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Delvaux justifica este interesse teórico e heurístico pelo facto de considerar que, quanto mais os
processos políticos são marcados pela sua não linearidade e pela sua complexidade, mais os actores que
neles participam transportam consigo conhecimentos diversos que penetram nesses processos por canais
diversos (Delvaux, 2007: 61-88).
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Segundo Lascoumes e Le Galès, uma política pública compreende cinco elementos (que se interligam
entre si, conforme o esquema proposto pelo pentágono das políticas públicas): os actores, as
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Actores
Representações Instituições
Processos Resultados
Figura 1.1. O pentágono das políticas públicas (adaptado de Lascoumes & Le Galès, 2007:13).
Nesta proposta de análise estes dois autores insistem na ligação entre o político e
o social e defendem uma abordagem em que se associam estas duas entradas, marcando
a necessidade de se estudarem as articulações entre a regulação social e a regulação
política, entre o que é governado pelas políticas públicas e o que não é; entendem as
políticas públicas como hipóteses de trabalho no sentido de não serem programas
estritos e racionais, mas experiências a observar (marcadas pela incerteza e pelos jogos
dos actores), puzzles a resolver aquando da sua implementação. Referem o seguinte:
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(…) a acção pública contribui para a mudança social, para resolver conflitos, para ajustamentos
entre diferentes grupos de interesses, mas visa igualmente atribuir recursos, criar ou compensar as
desigualdades. A interacção, mais ou menos bem organizada, entre autoridades públicas e actores
sociais é central para as políticas públicas. Não reivindicamos que a sociedade é necessariamente
estruturada pela política, mas acreditamos que o é em parte, através das políticas públicas
(Lascoumes & Le Galès, 2007: 17).
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Quando se fala de elementos e de dimensões das políticas e da acção públicas, percebemos que se trata
de diferentes versões da mesma perspectiva de análise. Existe mesmo uma relação estreita entre uns e as
outras, sendo difícil precisar onde acabam os primeiros e começam as segundas. Em Hassenteufel
entendemos perfeitamente esta ligação, quando refere que os componentes (elementos) de uma política
correspondem às três sequências-chave (dimensões) dessa mesma política (Hassenteufel, 2008: 8-10).
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estudo de certas dimensões dos seus processos de concepção e de execução e dos efeitos
que determinam» (Barroso, 2006a: 12), antes deve abarcar «os quadros globais
permitindo integrar, ao mesmo tempo: o estudo das ideias e dos valores que orientam a
tomada de decisão; a autoridade e o poder dos actores implicados; as consequências das
acções para os seus beneficiários e para a sociedade em geral» (Barroso, 2006a: 12,
citando van Zanten, 2004: 24).
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