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Universidade Federal do Espírito Santo

Departamento de Geografia

Geografia Rural

Cecília Cruz Vecina

Natália Crivellaro Couto

Análise da colonização europeia nas terras ao sul e ao norte do Rio Doce –


Espirito Santo nos séculos XIV e XX

Vitória

Julho/2019
Este trabalho se dará a partir das análises dos aspectos que caracterizam as colônias
fundadas por imigrantes europeus no final do século XIX e início do século XX. As
regiões de destaque serão chamadas por colônias ao sul do Rio Doce e ao norte do
mesmo mais precisamente as cidades de Santa Teresa e Águia Branca, respectivamente.
Para isso foi coletado relatos de entrevista com moradores atuais ou que já residiram nas
regiões, em análise comparativa com o relatório de campo de Pasquale Petrone para a
Associação Brasileira de Geógrafos (AGB) e com boletim geográfico de Walter Alberto
Egler para a Revista Brasileira de Geografia (RBG) ambos de 1962.

Aspectos geográficos da área de colonização antiga do Espírito Santo é o resultado de


um trabalho de campo orientado por Pasquale Petrone durante a XII Assembleia Geral
da AGB que ocorreu em Colatina no ano de 1957. A área do estudo abarca a
colonização antiga do estado fazendo um trajeto de modo a analisar as cidades de Santa
Leopoldina e Santa Teresa que já se destacavam em número de população e os núcleos
rurais de Santo Antônio do Canaã, São João de Petrópolis, São Roque do Canaã,
Boapaba e Santa Maria. Este excerto analisará o município de Santa Teresa com
enfoque na comunidade de São João de Petrópolis de onde tem-se entrevista em áudio
de moradores.

Antes da segunda metade do século XIX o Espírito Santo não recebeu imigrantes
europeus e ficou isolado dos demais estados com que fazia divisa, porém Santa
Leopoldina e até mesmo Santa Teresa, tinham passagem de muitos tropeiros mineiros
antes mesmo das iniciativas de colonização europeia. A partir do ano de 1870 vieram se
juntar aos que já estavam aqui poloneses, alemães e pomeranos. Mais tarde, no ano de
1875 foi quando 60 famílias italianas chegaram ao barracão que abrigaria os colonos
vindos principalmente da província de Vêneto na Itália e fundando a primeira cidade de
colonização italiana do Brasil. Segundo a análise de Petrone esses imigrantes vieram de
canoas até a cabeceira do rio Santa Maria da Vitória e de lá f
oram penetrando pelas matas, abrindo picadas e caminhos passando por Santa
Leopoldina até chegar a Santa Teresa.

São João de Petrópolis foi o núcleo rural do início da colonização de Santa Teresa e
local de surgimento do barracão, beirando o rio Santa Maria do Rio Doce possui terras
menos acidentadas que a Sede e por isso temperaturas um pouco mais baixas. Estes que
aqui chegaram se instalaram ao redor do barracão no aguardo do ganho dos lotes
prometidos aos imigrantes pelo governo brasileiro e em 26 de Julho de 1875 foi o dia
que ocorreu a partilha, feriado municipal da cidade até os dias atuais. De acordo com a
análise de Petrone, em 1952 outros povos como antigos escravos e mineiros e seus
descendentes habitavam a região de Santa Teresa na época desse estudo de campo,
fazendo com que a população possuísse mestiços e fosse heterogênea. Afirma ainda que
dialetos como o pomerânio ou o vêneto são bem usuais nas casas tradicionais
principalmente entre os mais velhos.

Sobre o sistema de demarcação de terras este seguiu um modelo que também se aplicou
aos imigrantes europeus no sul do país. Eram demarcadas “linhas” coloniais que
pegavam de um topo de morro passando pela escarpa e fundo de vale até chegar ao
outro topo de morro. Era característico a casa ficar no fundo do vale e as plantações nas
escarpas ao redor dela. O que foi de predominância nessa distribuição dos lotes foi a
média e pequena propriedade com lotes iniciando em 50 hectares, depois passando a 30
e por último fixando em 25 hectares. Porém é comum que alguns colonos tenham
pegado lotes maiores ou mais de um lote caracterizando sua propriedade como uma
fazenda. Em entrevista com Dona Dorinha Vivaldi, ela afirma que seu avô era capitão e
dono de tudo, que tinha uma patente do governo brasileiro, sua relação com a formação
de São João de Petrópolis será melhor contextualizada em breve.

Para Pasquale Petrone essa fragmentação em pequenas propriedades contribuiu para o


“parcelamento das áreas culturais” (1967, p.30) e o que eu observo é que ele aponta
como característica ruim a partilha de pequenos lotes de modo a ficarem lado a lado
misturando a cultura de ambos povos que ali se encontravam. Uma prova disso é que
posteriormente ele critica a fragmentação das colônias (como era nomeado os lotes) por
herança chamando de “verdadeiras aberrações” (1967, p.33). Segundo ele os lotes eram
muito pequenos e mal davam para o sustento de uma família de 6 a 8 membros e
dividindo ficaria ainda pior, logo o que era característico na região era um dos
descendentes comprar as terras dos demais irmãos após a partilha da herança ou ele
ficar responsável pela administração de todas as partes, onde tudo era de todos
igualmente. Um exemplo típico que conseguimos desse caso foi na aula de campo em
São João de Petrópolis com a turma de Geografia Rural, após entrevista com uma
professora moradora das rendondezas:

“Quando meu bisavô veio com aquela herança toda lá, não havia divisão
necessária entre meu avô e meus tios avós, eles trabalhavam todos
coletivamente. Ai eles tinham, o que eles falavam, os paiol e lá eles
armazenavam as coisas que eles compravam nos sacos né, de tecidos. E por
exemplo, se eu precisasse, se minha família precisasse podia pegar, não havia
uma distribuição, era tudo coletivamente.” (Roselaine, 2019)

O principal produto plantado nessas terras é o café, uma monocultura destinada ao


mercado comercial. Derruba-se a mata nativa e queima a matéria orgânica seca e planta-
se café nas terras. Após 10, 15 anos com este plantio retira-se o mesmo e planta-se
lavoura branca como milho, feijão, arroz e mandioca, alegando que a terra não está mais
fértil para o café, é necessário deixar o terreno repousar por mais 15 anos. Lavoura
branca é o nome que se dá a alimentos de subsistência tanto para as famílias quanto para
as criações de animais de menor porte como o milho e desde o início da colônia se faz
esses plantios, hora em maior quantidade, hora em menor. E segundo Pasquale o milho
é um alimento fundamental na vida de italianos de Vêneto.

O sistema de trabalho é tarefa familiar já que as propriedades não são grandes, não
havendo necessidade de mão de obra familiar. Os que trabalham nas lavouras são
principalmente filhos homens, logo explica o interesse na vinda de famílias numerosas
por parte do governo brasileiro, mais mão de obra e sem necessidade de pagamento ou
de distribuir mais lotes. Para embasar essa percepção minha, trago mais um trecho da
professora da escola Frederico Pretti:

“Por exemplo, meu avô não teve nenhuma filha, nenhuma filha, todos filhos,
todos homens né, 5 homens. A gente até falava né, o vovô ficar doente,
nenhuma mulher, ele era muito ranzinza. Então ficou essa parte pra gente,
cuidar né, dele, porque não tem nenhuma mulher. E a vovó não engravidou,
porque né historicamente as famílias eram mais numerosas, a vovó só não
teve mais porque meu avô não queria, ele não quis ter, porque acho que ele já
tinha 5 homens então era a mão de obra necessária que ele precisava, tava
suficiente pra ele”. (Roselaine, 2019)

O que é muito comum de ocorrer também é a presença de meeiros na cultura de café


onde podem ocorrer vários acordos, mas o mais comum é trabalhar nas terras de quem
contrata a meia e ao final da produção receber metade da colheita ou alguma quantia
mais inferior. Na maioria dos casos o meeiro mora nas terras e numa casa do dono sem
precisar pagar nada por isso. Nessa área existem alguns espaços para plantio de sua
própria lavoura branca e criações de pequeno porte ou deixar alguma vaca leiteira no
pasto do proprietário. É vantajoso para os colonos terem meeiro, pois é um modo mais
simples de encontrar mão de obra principalmente em época colheita. O que Pasquale
verificou em toda região é o fato de um filho obter maior idade e casar-se e construir
uma casa nas terras do pai, passando a ser meeiro deste. Os que o pai não consegue
manter na propriedade, pela dificuldade de novos lotes, vão tentar a vida em outras
terras ao norte de Colatina (ou ao norte do rio Doce). Pode acontecer também do filho
ainda passar alguns anos na propriedade do pai e ainda assim um tempo mais tarde
buscar o norte. A característica de meação de terras é muito comum também nos
processos de migração mais tardios que ocorreram do rio Doce para cima, sentido norte,
como em Águia Branca. “[...] várias colônias pertencem a irmãos ou pessoas ligadas por
parentesco. Estabelece-se, então, um sistema de utilização das propriedades por
condomínio, verificando-se o auxílio mútuo entre os parentes, com a divisão equitativa
dos resultados.” (PETRONE,1952, p.66)

O sistema de meação surge na própria Itália, inclusive muito comum em Vêneto, onde
são originários muitos colonos. Importou-se esse sistema pro Brasil e o mesmo sofreu
algumas alterações variando de área pra área do país, mas na região estudada é o uso do
trabalho dos filhos e a cooperação mútua as maiores aparições do sistema de meia. Esse
fato pode ser comprovado em São João de Petrópolis em mais um trecho da entrevista
com Roselaine ela demonstra como o pai tinha força da palavra e ainda queria que os
filhos permanecessem todos juntos em suas terras dividindo igualmente tudo que as
terras davam.

“Meu avô fez uma escritura doando a terra né, mas só demarcando, por
exemplo, você tem 20% da escritura né da terra, 20% né. Ao olho delimitou-
se o que cada um iria produzir. Mais ou menos em vida ele já falava: oh esse
pedaço é seu, esse pedaço é seu... Mas nada tem uma escritura constatando o
nome de todo mundo. E ali pro exemplo se um dia eu for pedir a nossa parte,
não, é o mesmo do vovô, ninguém vende, ninguém vende pra estranho, se eu
puder comprar, você pode vender, os únicos compradores são os próprios
tios, ninguém vende para mais ninguém que seja de fora.” (Roselaine, 2019)

Até agora, depois de explanado a visão de Pasquale Petrone sobre a caracterização das
terras de Santa Teresa e seus arredores parece que só tenho concordâncias com o autor.
Realmente no que tange os aspectos descritivos a equipe de campo fez um bom
trabalho. O que não concordo com ele é o fato de vangloriar algumas situações como as
colonizações superiores dos núcleos de Santa Catarina e Rio Grande do Sul em
comparação com Santa Leopoldina e Santa Teresa. Não aparece em nenhum momento
criticas às imigrações europeias, o real motivo da vinda de colonos para o Brasil numa
época em que estava-se abolindo a escravidão. Do que o Brasil precisava nessa época?
Trabalhadores para um sistema fabril que nem existia? Trabalhadores para os engenhos
de açúcar que agora sem a população escravizada precisava continuar funcionando? Ou
a mão de obra já iria para os cafezais?

Após ler alguns tópicos do livro O cativeiro da terra de José de Souza Martins as coisas
se encaixam melhor. As vindas de imigrantes para o Brasil foi num contexto de pós Lei
de Terras e meandrando as negociações da abolição da escravidão. A Lei de Terras de
1850 estabeleceu que a compra seria o único acesso possível as terras. O que não é
coincidência é quando a terra era livre, qualquer um poderia chegar e se apossar sem
estar infringindo a lei, os trabalhadores eram cativos, presos, e quando entra-se num
contexto de abolição de escravidão os papéis se invertem, os trabalhadores passam a ser
“livres” e a terra cativa, pertencente a alguém. Isso fez com que as terras pertencessem
nas mãos de quem já possuía terras ou dinheiro para compra-las, ou seja, os mesmos
fazendeiros e coronéis com terras. Precisava-se ocupar as terras livres e devolutas do
Estado? Como José de Souza Martins aponta, além da disponibilidade de terras
precisava-se de mão de obra que faria o mesmo trabalho que até então era feito pelo
escravo, surgindo a categoria de trabalhador assalariado. A promessa feita a maioria dos
imigrantes para integrá-los na cultura do café no estado de São Paulo foi de que se
trabalhassem muito e juntassem dinheiro, conseguiriam vir a se tornar proprietários de
terras. (2010, p. 47 e 48) Porque não pagar as pessoas que foram escravizadas para
continuar trabalhando em suas terras? Suponho que seja porque não queriam mais os
negros, queriam embranquecer a população. E porque em São Paulo o imigrante vem
para ser trabalhador quanto no Espirito Santo ele já chega proprietário de terras? Diante
o refletido principalmente com esse trabalho é que em São Paulo já existiam grandes
proprietários de terra, pois era uma cidade de colonização mais antiga, as terras do
Espirito Santo estavam completamente deserta se comparadas a elas, não existiam
fazendeiros em número suficiente para tomar conta de tudo. Atrelado a isso, o racismo
contra os negros recém libertos e seus descendentes não permitiram que eles também
fossem donos de terras igual a população branca, logo, pensou-se em trazer imigrantes
para ocupar as terras devolutas do estado.
Retornando para a obra de Petrone, na comunidade de São João de Petrópolis, ocorreu a
criação de uma Escola Agrotécnica que contribuiu para elevação da localidade como
mais urbanizada e com infraestrutura um pouco melhor, fazendo com que muitos
habitantes não se dedicassem apenas às atividades rurais mais a prestar serviços ou ter
um cargo efetivo na escola. Com base no relato de Dona Dorinha, podemos presenciar
isso. Seu bisavô, o capitão Vivaldi possuía um título, uma patente cedida pelo governo
brasileiro justificando que ele era o capitão da região. Segundo sua bisneta entrevistada,
ele era dono de todas as terras da comunidade de São João, e a escola ficava em sua
propriedade. Sabemos que no fim do século XIX e início do séculos XX vigorou um
sistema no Brasil chamado coronelismo que era o estado se fazendo presente em lugares
distantes da capital, concedendo títulos a quem tinha terras e era influente na região de
alguma forma, como no caso, possuindo uma escola em sua propriedade. O pai de Dona
Dorinha nunca trabalhou na roça, ele era assistente de serviços gerais na Escola
Agrotécnica. Assim Dona Dorinha e seu marido também nunca trabalharam com isso,
ele era funcionário efetivo da bomba de água do governo localizada na comunidade,
tudo isso reforçando o caráter mais desenvolvido que São João possuía, apesar de
apresentar uma localidade pequena.

Para finalizar a caracterização a partir do livro de Pasquale Petrone em suas


considerações finais ele compara muito os aspectos da colonização antiga espírito-
santense com a colonização do sul do Brasil em Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Diz que apesar dos sinais de desenvolvimento como os citados sobre São João de
Petrópolis e o processo promissor de destaque econômico da região, “os colonos
continuam a se caboclizar” (1962, p.109). E mais, ele continua com seus comentários
racistas como na citação a seguir:

Julgamos, todavia, que a caboclização não é a assimilação desejada,


indiscutivelmente, não é o que convém ao país. Não é para isso que levas de
colonos se deslocaram-se para cá e é extremamente prejudicial o nivelamento
bitolado pelos padrões de nosso caboclos. (PETRONE, 1962, p.109)

Para ele é um problema que os imigrantes europeus se casem com pessoas de outras
etnias e sofram um processo de miscigenação. Ele sente que estes irão perder sua
história, seus costumes e até o esquecimento da própria língua. Em nenhum momento
ele menciona que antes da vinda dos europeus existiam outros povos aqui, originários
ou miscigenados de outros contatos com o homem branco. Dona Dorinha em sua
entrevista diz que seu avô odiava negro, que não podia ver um passando longe na
estrada e já atirava. O relato de Dona Dorinha data mais ou menos o cenário de 1875 e o
relatório de campo publicado pela AGB foi em 1962, quase 90 anos depois e ainda
acontecem processos de silenciamento e de violência para com os povos que foram
escravizados no Brasil.

Agora passemos a parte de caracterização das terras ao norte do rio Doce, de


colonização mais recente. Sobre este tema utilizou-se o boletim geográfico intitulado A
Zona Pioneira ao Norte do Rio Doce de Walter Alberto Egler publicado pela Revista
Brasileira de Geografia em 1962. O rio era um grande empecilho para a disseminação
do modelo de colonização europeia implantada no sul do Estado, visto que possuía
considerável largura e suas águas turvas eram bem profundas em alguns pontos. A
principal cidade que auxiliou a transpor essa barreira física que impedia a colonização
foi Colatina que antes de imigrantes europeus vindos do Vale do Canaã, já recebia
mineiros e outros povos pelos seus afluentes como os rios Santa Maria, Santa Joana e
Guandu. Mesmo sendo inferido que as terras eram desabitadas ou habitadas por outros
que não se tinha notícias, como índios, maior era a vontade de desbravá-la indo atrás da
promessa de terra devoluta e fértil. Isso levou muitos filhos de colonos da região sul do
estado, que estavam sendo meeiros nas terras de seus pais, a migrarem para as terras
desconhecidas.

A minha crítica nesse primeiro momento de introdução do boletim geográfico escrito


por Egler é que ele naturaliza o processo da colonização. Assim como José de Souza
Martins aponta que houve uma naturalização do trabalho como algo intrínseco ao
homem, sinto que para Egler o processo de colonização e ocupação das terras por
europeus é algo que deve ocorrer. Em nenhum momento ele se questiona da violência
adotada tanto para com o meio ambiente no processo de derrubada das matas virgens e
abertura de caminhos quanto para os indígenas que ali habitavam sinalizando na página
147 que estes não simbolizavam nenhum perigo para o homem civilizado. Além da
violência do apagamento das culturas e trajetórias indígenas teve também a violência
explicita com destruição de roças e mortes de índios tanto por combate ou por doenças
de homens brancos, logo não tiveram outra escolha a não ser recuarem. E, em minha
opinião, Egler sustenta seus argumentos racistas quando na próxima página, 148, diz
que era necessário contingente humano para povar aquelas terras desabitadas. Ele segue
raciocínio parecido com o Petrone, acreditando que apenas o homem branco e puro
poderia ser capaz disso e descreditando todo o restante populacional. Para Petrone,
porém, o problema é que tem contingente populacional para as atividades de manejo da
terra, o problema é qual tipo de pessoas são essas. Ele cita com grande insatisfação
como, mencionado anteriormente, o processo de miscigenação que sofreram essas áreas
de colônia, diferente de Egler, que nem sequer menciona tal fato.

No subtópico d’A conquista do vale do rio Doce refere-se o primeiro povoado que se
tem notícias às margens do rio Doce foi o povoado de Santa Maria do rio Doce, onde
por volta do ano de 1891 iniciava-se a derrubada das matas para medição e entrega dos
lotes. E como muito comum nesse processo de aquisição de terras foi a construção de
um barracão chamando de Barracão de Santa Maria (1962, p.160). Egler destaca
também que apesar de muitos colonos já estarem se fixando na margem direita do rio, o
verdadeiro processo de adentrar o território começou por volta do ano 1928 com a
construção da ponte de Colatina. A cidade também tinha uma estação de trem em seu
território onde era possível virem colonos de Minas Gerais, Rio de Janeiro e sul do
Espirito Santo pelos trilhos da ferrovia.

A seguir, Egler finalmente adentra o assunto para a descrição da colonização de Águia


Branca. Uma breve caracterização desse município é que ele fica a 88 km de Colatina,
num terreno com morros mais suaves que os encontrado em Santa Teresa, porém ainda
assim acidentados. Há uma intercorrência de alguns picos de maciços graníticos
chamado atualmente de Reserva dos Pontões Capixaba, um pouco antes da sede do
município. Continuando com Egler, ele diz que também em 1928 a Sociedade
Colonizadora de Varsóvia fez um acordo com o governo do Espírito Santo onde foi
concedido aos colonos que viessem da Polônia a área de 50 mil hectares no curso
superior do rio São José, valendo este contrato até o ano de 1946. E como ele afirma na
página 162, há bastante contradições sobre a quantidade de famílias polonesas que
vieram através desse pacto, logo fui buscar referências por outros meios.

A fonte que encontrei com Álvaro Guaresqui Cruz, aguiabranquense, foi seu Trabalho
de Conclusão de Curso sobre o Munícipio de Águia branca feita pelos alunos do 4º ano
do curso de administração integrado ao ensino médio do Instituto Federal do Espirito
Santo no Campus Colatina. A parte sobre aspectos históricos foi construída a partir de
entrevistas com o diretor da Associação Polonesa de Águia Branca (APOLAB) e
informações de registros da prefeitura e em tal parte conta que o governo polonês
deveriam introduzir 1.800 famílias de colonos com no mínimo 3 pessoas apta para o
trabalho, sendo um pai, uma mãe e um filho de idade maior que 13 anos. Porém o
governo polonês apresentou irregularidades no que tange o cumprimento do contrato e
começou a cobrar pelas terras que seriam cedidas gratuitamente pelo governo do
Espirito Santo. Agravando a situação de descumprimento do contrato, começou-se a
Segunda Guerra Mundial na Europa e por tal motivo o número de famílias que
chegaram na cidade não passaram de 250, segundo registros da APOLAB.

Os imigrantes levavam cerca de 30 dias para chegar ao destino final entre as viagens de
navio e burros de carga e chegaram ao local sem nenhum tipo de infraestrutura como
ocorreu em outros pontos de colonização, a exemplo de em Santa Teresa. Diante disto,
os que possuíam maior poder aquisitivo migraram para o sul do país que já possuíam
colônias consolidadas para recebê-los, os que ali permaneceram buscaram uma forma de
sobreviver construindo barracos me nas margens das matas que mais tarde foram
retiradas para o plantio do café. Apesar da fixação conturbada nessas terras, esta foi a
primeira e única iniciativa de colonização organizada e de grande porte que houve na
região. Ao mesmo tempo em que esta, ocorria as migrações espontâneas de italianos e
alemães e seus descendentes vindos da região serrana abaixo do rio Doce que possuíam
poder aquisitivo para compra de lotes, de acordo com o apresentado por Egler (1962,
p.162).

A atividade agrícola implementada pelos poloneses foi o plantio de café, porém as


técnicas que foram utilizadas nada tem a ver com as práticas de agricultura da Polônia,
eles adaptaram-se ao que estava sendo utilizado no Brasil. De acordo com um
levantamento realizado pela APOLAB em 2010 o munícipio de Águia Branca não
possui grandes latifundiários, herança herdada pela divisão dos lotes na época de
imigração polonesa. Ainda hoje chamam seu pedaço de terra de colônia, fato que
também foi observado pela descrição de Pasquale na região de Santa Teresa.

Retomando os escritos de Wagner Egler, sobre a região noroeste do estado e A


paisagem humana atual, em 1928 ocorreu a crise do café e como é sabido foi algo de
proporção nacional. Algumas lavouras já não estavam tão produtivas e foram
derrubadas, queimadas e implementados pastos para gado. Porém esse é um processo
caro e fez isso quem já possua propriedade do tamanho de fazendas. Ao pequeno
proprietário, arrendatário e meeiro não restou outra coisa a não ser continuar com as
plantações de café. Após a crise do café veio o período de Segunda Guerra Mundial e os
preços dos produtos agrícolas começaram a se elevar e precisava-se de uma maior
produção e as terras esgotadas de safras anteriores não conseguiam suprir essa
necessidade do mercado. O tratamento que davam a terra era parecido com o que os
indígenas realizavam: derrubavam, queimavam, esgotavam aqueles recursos e seguiam
adiante, não pensavam em adubar e recuperar as áreas esgotadas. (1962, p. 163).

Diante desses relatos de crise e segunda guerra observamos que mesmo sendo
produções de pequeno porte tanto Petrone retrata quanto Egler falam de produções de
café e de acordo com minha percepção são com foco em venda para mercado já que
apenas Petrone cita a produção de lavoura branca para alimento da família. Egler é mais
incisivo nessa questão como aponta a citação a seguir:

[...] interessa-se muito mais em saber qual a situação do mercado do café e


qual o preço das terras. Um interesse comum impulsionou ambas: a sede de
terras virgens. Analisando a situação com cuidado chega-se à triste conclusão
de que atrás de tudo, como causa principal, está o apego aos métodos
rotineiros de lavoura e que esta região é a última reserva que está sendo
tomada de assalto por vários lados. (EGLER, 1962, p.167)

Ele trás um debate muito mais econômico a respeito do uso e ocupação da terra já que
percorreu em seu trabalho de campo a região nos anos 1950 e acompanhou bem o
processo de procura de novas terras. Ele lamenta que esteja ocorrendo dessa forma, sem
nenhum apreço pela colônia embora essa característica seja muito maior de população
mineira penetrando o estado do Espirito Santo em busca de novas terras e fazendo
fronteira com as terras de colonos em Águia Branca.

Aqui, depois de toda essa contextualizada acerca da colônia de Águia Branca acrescento
parte do relato de minha família, de descendência italiana de Pasquale Crivellaro que
chegou a terras brasileiras em 1903. Seu filho, meu bisavô José Crivellaro, nasceu em
Trajano de Moares no Rio de Janeiro passando a morar depois em Muquin no sul do
estado. Ele veio com seus 6 filhos e a esposa para uma comunidade no interior de Águia
Branca por volta de 1946, sendo a localidade conhecida atualmente como Braço do Sul.
Em Muqui a família já realizava o trabalho de meia e quando vieram para essa
localidade continuaram a ser meeiros e conseguiram juntar um dinheiro, provavelmente
nessa época o pagamento já era em dinheiro e não mais em produção ou eles
conseguiam vender a parte da produção que era destinada a eles. Conseguiu comprar
uma terra em Córrego da Onça, comunidade próxima onde os descendentes da família
residem até hoje.
Segundo a entrevista com minha mãe e meu tio, Maria Aparecida e Afonso Crivellaro,
eles se instalaram num terreno que possuía mata virgem e precisavam fazer a derrubada
e cercar o lote, por isso o preço era mais acessível para a compra. E também eles
conseguiam se beneficiar da venda de madeiras de derrubada: a cada 2 caminhões de
madeiras vendidas eles conseguiam comprar 1 alqueire de terra. Essa característica de
produção é bem típica da vasta região de colonização ao norte do rio Doce, pautada na
extração de madeira e cultura do café. “A primeira representa empreendimento em
bases capitalistas; a segunda resulta do esforço somado de um grande número de
pequenas propriedades, em nada semelhantes às grandes fazendas que caracterizam esta
cultura no estado de São Paulo” (EGLER, 1962, p. 169). Ele diz que apenas a
derrubada e venda de madeira é um processo capitalista. Acho ingênuo de sua parte,
pois se há produção monocultura não é apenas para consumo da família e se não é para
consumo é para venda, logo abastece o mercado e o sistema capitalista da mesma forma
que a venda de madeira de lei. Ser pequena propriedade não significa dizer que está
rompendo com esse sistema de lucro.

Para mim Egler ressalta muito as facilidades encontradas em retirar-se a madeira que já
esta lá posta e aponta como dificuldade a vulnerabilidade das plantações de agricultura
que correm o risco de por algum fator, físico ou biológico, perderem toda a colheita e
por isso não atrai tanto investimento de capital, sendo uma atividade pequenos
proprietários e de base familiar. A contradição de sua fala segundo minha interpretação
é como que o mesmo café, em condições praticamente idênticas se tratando do mesmo
período histórico, pode ter investimento de capitais em São Paulo e não ter no Espirito
Santo? Concordo que em São Paulo ocorrem grandes fazendas de cafezais e aqui a
produção possui um número de hectare reduzido, porém o produto é o mesmo é o
mesmo e sabemos que o capital possui força o suficiente para abarcar o grande e o
pequeno produtor. Talvez nessa época isso não era muito evidente pois o Espirito Santo
ainda estava em desenvolvimento e não ocupava um lugar de muito destaque frente aos
demais estados da região Sudeste. Mas mesmo assim, não acredito na inocência das
pequenas produções monocultoras e nem na não intencionalidade dos produtores de ter
sua saca de café incorporada pelo mercado.

A analise da região de Egler é datado da década de 50, foi o mesmo período que meu
bisavô trouxe mudas de café conilon e começou o plantio em suas terras com a ajuda de
seus filhos, pois como vimos em Petrone as famílias eram numerosas para trabalhar na
lavoura. Se estivesse em um período de crise ou que não compensasse o plantio do café
nas terras de Águia branca por causa das dificuldades, acredito que muitos poderiam
apenas viver da extração de madeira sem comprar terras para o plantio de novos pés de
café. Ou quem sabe comprar gado e por em suas terras recém-desmatadas? Acho que
assim como meu bisavô viu uma oportunidade de ascensão econômica, mesmo que com
muito esforço conseguiu consolidar seus 25 hectares de terra. E assim como também
ocorreu em Santa Teresa, apesar dele não ter migrado de lá, os filhos que casavam
continuavam sendo meeiros das terras do pai, sem ter direito a parte que lhe cabia da
herança. Nesse aspecto a semelhança entre o meu antepassado e o da professora
Roselaine em São João de Petrópolis era o mesmo: muito rígido, de pouca conversa e
não admitia outras pessoas comprando suas terras. Talvez seja por isso que os
descendentes sabem pouco a respeito da constituição de nossa família e os detalhes da
relação com a terra.

Outra coisa que eu não sabia, pois não era visível para mim é que a primeira onda
migratória que percorreu a região de Águia Branca foi de poloneses. Talvez eu não
tenha percebido pelo fato de todos serem brancos e na maioria das vezes com cabelos e
olhos mais claros. Agora estou instigada a procurar a história de outros imigrantes
europeus que foram para Águia Branca e que não relatei aqui nesse texto. Pasquale fala
de filhos de colonos que foram buscar as terras ao norte do rio Doce. Para onde estes
foram se não chegaram à Águia Branca como na época de sua formação, como eu tinha
suposto? Pararam por Colatina? Minha família apesar de ter vindo do sul do estado e ser
de origem italiana não veio de Santa Teresa e também não veio com as mesmas
ambições e aspirações. Minha avó conta que eles vieram de trem até Colatina e de lá
partiram de ônibus para Águia Branca. Nessa época a ponte de Colatina já estava
construída e permitiu acesso as terras do interior. Porém eu não imaginava que existia
uma linha de passageiros que ligava o sul do estado à parte central, pois hoje em dia só
tem o circuito que vem de minas pelo vale do rio Doce e chega a Colatina.

O que fica de vontade para continuar com essa pesquisa da formação do estado do
Espirito Santo é procurar outras fontes sem ser as que constam nos livros e ir além das
visões do homem branco descendente de europeu. Consegui descobrir muitas coisas
sobre uma parte da minha família, a linhagem que eu puxei que se apresenta nos
fenótipos, nos costumes e na cultura. E sobre a outra parte? Qual será de fato a
descendência desses mineiros que largaram seus locais para vir para o Espirito Santo em
meados do século passado? A formação de nosso estado também se deu por eles, os
ditos brasileiros que já estavam aqui antes das levas de imigrantes. Quem que escreveu
ou escreverá a contribuição desses que foram violentados e apagados de nossa história?

Referências Bibliográficas

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