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Indo direto ao ponto, agora: camarada, não é uma questão de "saber o que é valor".

A teoria marxista do
valor é totalmente contrária à teoria marginalista, isto é factual e é o cerne do nosso debate. Se
concordássemos nisso, então teríamos a mesma posição política, entende? O marxismo e as correntes
liberais teóricas já diferem em sua essência, em sua teoria do valor. Nós evidentemente discordamos
nisso!

Você afirma que o que define o valor de uma mercadoria é a oferta e demanda. Eu discordo, camarada,
e explico o porquê. Eu bato na mesma tecla: há uma propriedade social na definição do valor, que se
apresenta quando as mercadorias coexistem entre si em uma relação definitiva de troca. A fim de
exemplificar e expor por que o seu raciocínio é, no mínimo, suspeito, usemos, então, o gráfico de oferta
e demanda o qual citei no meu último comentário. Note que quando pegamos o gráfico em questão,
existe um preço máximo e mínimo predefinidos à mercadoria. Seu preço não pode sair dali. Se for alto
demais, o consumidor não o comprará, e, da mesma forma, se for baixo demais, o capitalista se recusará
a vendê-lo, porque potencialmente estará tomando prejuízo. Há um limite específico já bem definido no
gráfico de oferta e demanda, e isto se vê com qualquer gráfico da internet (e eu explicitaria isto se o
YouTube permitisse imagens, coisa que infelizmente não é verdade).

O ponto que quero fazer em relação ao valor é expor que se a oferta e demanda o regulasse, o gráfico de
oferta e demanda propriamente dito não seria já limitado em um espaço específico. Só pode ser alto até
ponto x; da mesma forma, só pode ser baixo até ponto y. Este é o preço orbitando ocasionalmente o
valor já intrínseco à mercadoria quando em contato com outra; isto é, este é o preço orbitando o
trabalho socialmente necessário à produção daquela mercadoria. Se o valor fosse definido pela oferta e
demanda, teríamos um gráfico que muda constantemente seus máximos e mínimos; que não tem
definições sólidas de preço mínimo e preço máximo a ser alcançado. Se a oferta e demanda desse valor à
produção, e não o trabalho instituído na produção daquilo, então nem mesmo o dinheiro poderia se
fazer valer, porque ele sequer poderia expor o valor intrínseco à mercadoria, isto é, a quantia de
trabalho socialmente necessário despendido nela. Você, eu imagino, tende a confundir preço com valor,
implicando que o preço final é necessariamente o valor que uma mercadoria tem por si própria.

Dito isso, passemos ao próximo tópico. Você afirma que eu "apenas considero custo de produção como
o real valor de um produto", mas isso não é verdade. Da mesma forma, eu nunca afirmei que o preço
deve ser necessariamente equivalente; deve, apenas, orbitar em torno do valor em questão. Distorções
podem e vão ocorrer no modo de produção capitalista, que é, por natureza, instável. Acontece que o
preço nunca vai explodir a um nível extremamente distante do valor entregue, por natureza, à
mercadoria quando no mercado. Eu já exemplifiquei a materialidade dessa afirmação com os limites
expostos no próprio gráfico de oferta e demanda.

Eu não sei se entendi bem o que você quis dizer com "o custo de produção e o custo do trabalho não
entram no cálculo do custo de investimentos; é uma questão de ignorar o tempo para o retorno ao
investimento, e, além disso, encontrar o lucro". Você quis implicar que o cálculo que o proprietário dos
meios de produção faz quando vai definir as métricas financeiras do próprio negócio não leva em conta a
força de trabalho do operário que ele contrata (uma mercadoria como qualquer outra)? Você quis dizer
que o capital giratório e fixo que entram na empresa não valem nada?
Em relação à afirmação de que "o trabalho só faz sentido se buscar o lucro", eu discordo
completamente. Sem lucro o trabalho faz sentido, sim, ora. Existe uma grande diferença entre o modo
de produção capitalista, que visa o lucro, e outros modos de produção - inclusive mais antiquados -, que
buscam a subsistência. O capitalismo inverteu o papel da produção para com o homem, colocando-a em
posição de comando ao reafirmar a posição de que o objetivo último dos esforços humanos é lucrar. Isso
não faz sentido, camarada. O objetivo último do dispêndio de músculos e cérebros não pode ser senão a
satisfação das necessidades, e o proletário, no capitalismo, sem acesso aos meios de produção, se
humilha a trabalhar na propriedade privada produtiva alheia com o intuito único de, ao receber seu
salário, se sustentar.

Agora, se você considera 'lucro' como satisfação das necessidades, então eu discordo de você a nível
semântico. O lucro deve se referir especificamente ao ganho de capital, porque senão qualquer coisa vira
lucro; você se abstrai do termo a ponto de generalizá-lo. Seguindo a sua lógica, qualquer coisa que
alimente o estômago ou a fantasia, o espírito, será considerado lucro. A mim, o lucro é estritamente
financeiro. O lucro é o acúmulo, a extração de capital. É preciso expor essa definição porque senão
podemos nos confundir no nosso debate. Não é relevante estender esse tópico, porém, porque acredito
que a sua definição de lucro não é exatamente o cerne da tua argumentação, e, portanto, pode ser
jogada de lado, tal como a minha.

Quando você diz que o dinheiro é um instrumento de troca, eu concordo. Quando diz que ele "é um
produto como qualquer outro, tendo valor, oferta e demanda", eu discordo de modo extremo. Se se
perguntar por que não podemos imprimir dinheiro infinitamente ou quanto vale um real, você verá por
que discordo de você. Isto é, não faz sentido considerar que o dinheiro tem qualquer valor senão
expressar o valor de OUTRAS mercadorias, ser o intermédio entre ambas, ser aquilo que expressa o
trabalho socialmente necessário contido em cada mercadoria. Quanto vale um real? Nada. Um real. Não
há dissertação acerca do tópico porque ele é naturalmente embaraçoso, porque o dinheiro não constitui
valor real, porque o dinheiro só tem como função expressar valores ALHEIOS a ele, não tendo valor por si
só. Por que não imprimimos dinheiro? Porque estaríamos inundando a economia com um papel que não
tem valor por conta própria! E porque ele não tem valor é que imprimi-lo não faz sentido. E porque ele
não age como todas as outras mercadorias é que você o usa como equivalente universal. E porque ele
não é como as outras mercadorias é que você atribui uma função tão importante a um papel-moeda
qualquer, que, por si só, nada vale, mas na economia capitalista, tornou-se a forma-valor que expressa
em si próprio o valor de OUTRAS mercadorias.

E eu discordo novamente de você quando você fala que a oferta e demanda é suprema no capitalismo.
Você afirma que o salário do trabalhador é definido pela oferta e demanda, eu digo que não é, mas que
é distorcido por esta. O salário do trabalhador vale exatamente o que lhe é necessário para a formação e
subsistência. Mas, novamente, e para que fique bem claro: o marxismo não nega a existência da oferta e
demanda. É óbvio que o PREÇO da mercadoria força de trabalho (i.e salário) será distorcido de acordo
com a oferta e demanda. Ele, porém, VALE por si só, seu valor é um fim em si mesmo, o dispêndio de
energia do trabalhador já é algo que por conta própria e tem valor intrínseco. Note que jamais, em
hipótese alguma teremos uma profissão mais humilde e menos qualificada sendo tão bem paga quanto
uma profissão que exige maior formação, maior dispêndio de produção para ser produzida. A
mercadoria força de trabalho é uma mercadoria como qualquer outra, e, portanto, tem valor quando em
um mercado, e este tal valor é distorcido pela oferta e demanda e fatores ocasionais, o que o leva a se
traduzir após todos estes processos em um preço definitivo. O camarada diz que "o custo para produzir
um médico capacitado é alto, não porque precisa ser muito capacitado, o que leva muito trabalho, mas
porque a demanda é por médica é alta". Ora, camarada. É justamente o contrário. A demanda é alta
porque é preciso muita capacitação, nota? Use, se precisar de clarificação, o exemplo que dei
anteriormente: você não verá uma formação que exige menor qualificação em escassez, você não a verá
recebendo salários estrondosos. Por quê? Porque os esforços para a criação daquela força de trabalho
em específico, daquilo que está contido em seu processo elementar, em seu átomo, não é maior quando
comparados aos esforços feitos para gerar um médico, por exemplo. Sendo assim, conclui-se que a
demanda é alta porque é preciso muita qualificação para se empenhar na área, e não o contrário, como
você afirma.

Você prossegue: "o valor real depende do quanto o vendedor calcula do quanto irá retornar do
investimento e o quanto o comprador da a real importancia ao produto, se o produtor fez um calculo
errado ele tem prejuizo, se o comprador se arrepende de comprar ele toma prejuizo." Eu devo,
novamente, discordar, porque você está DE NOVO invertendo as ordens, tal como fez no exemplo
supracitado de profissões. Você diz que o valor é determinado pelo quanto o vendedor calcula em
relação ao investimento, e o quanto o comprador idealiza o produto. Isto é, na verdade, o inverso! O
fetichismo do capitalismo se expõe com toda a sua força quando debatemos isso do seu ponto de vista,
camarada. A dialética, a contradição, da inversão dos papéis está clara nesse debate. Ora, não é que as
coisas supracitadas definam o valor real do produto. É que o valor real do produto define tudo o que foi
dito por você. O vendedor investe e usa a sua noção acerca do trabalho socialmente necessário para
produzir x produto - é assim que ele percebe quanto lucro terá. Veja que nem faz sentido afirmar o
contrário, já que se esse fosse o caso, antes de "calcular quanto do investimento retornará", o produto
nem sequer valor teria. Você não poderia calcular, e se não calcula, não tem valor; se não tem valor, não
calcula. É um paradoxo ilógico. O valor real é que informa o capitalista de quanto retorno ele terá; é o
que informa o consumidor, por meio dos preços pós-distorção via oferta e demanda o que aquele
produto vale, e, consequentemente, gera sua noção de 'importância' [em termos financeiros,
evidentemente].

Você deu um exemplo relacionado ao produtor de tomates. Isto é verdade e tem nome: superprodução.
Marx explora esse fenômeno em "O Capital, livro I". E sim, você está completamente correto nessa
afirmação. Só não sei se você está certo em relação ao raciocínio que o levou a conclui-la. Veja, a
superprodução acontece porque o capitalismo está sempre visando o lucro. Necessidade para tomates
sempre haverá mundo afora, mas o capitalista, visando o lucro eterno em todo produto que faz, às vezes
gastou mais que o que o consumidor necessitado está permitido gastar. Isto é, o produto, que não
poderá ir às mãos de quem precisa por falta de poder de compra, é descartado, jogado fora, destruído; é
por isso que a fome é inerente ao capitalismo, inclusive. Com as forças produtivas de hoje, já teríamos
sanado a fome com um sistema voltado às necessidades, e não ao lucro. O erro do capitalista em relação
à quantia de produção se dá porque, no mercado, é tudo uma questão de instabilidade. É um sistema de
tentativa e erro, naturalmente, porque a distribuição é inefetiva, e, desta maneira, acontecem exageros
como os dissertados por você próprio.

Por fim, e depois desse longo texto, eu quero só comentar sobre as afirmações que você fez em relação
à economia planificada. Você diz que um sistema que produz com base na necessidade não poderia
funcionar. Os dados, no entanto, nos dizem o contrário. A URSS, um país majoritariamente agrário e
ainda parcialmente preso ao feudalismo na época da revolução bolchevique, industrializou-se na
velocidade da luz e estava preparado para enfrentar a Alemanha Nazista em 1941. Foi um dos países que
mais rápido se industrializou na história até hoje. O PIB soviético, por sua vez, crescia como um foguete
em direção ao espaço. Foram construídos mais de quatro mil hospitais, mais de seis mil escolas, e
chegamos à erradicação do analfabetismo (likbez, se te interessar pesquisar), e a desenvolvimentos
espaciais e militares que beiram o absurdo. Falar que a experiência soviética falhou não faz sentido,
camarada, porque as estatísticas nos dizem o contrário. Eu posso te fornecer fontes sobre tudo isso, mas
o YouTube apaga comentários com links para sites externos e eu não vou poder te oferecê-los neste
texto. Se quiser as fontes, só mandar alguma rede social sua que eu te envio diretamente.

Em relação à Cuba: está no HungerMap Live, da World Food Programme, que os cubanos têm apenas 9%
de sua população com 'necessidades alimentícias' e que aqueles com desnutrição são menos que 2.5%
dos cidadãos. Cuba foi um país exemplo no combate ao coronavírus e na produção nacional de uma
vacina, tal como erradicou o analfabetismo recentemente. A UNESCO reconheceu isso, diga-se de
passagem, e também reconheceu o fim da mortalidade infantil na ilha. É claro, ainda é um país em
desenvolvimento, e provavelmente terá muitas dificuldades para evoluir mais, mas que país é que não
faria sendo proibido pelos EUA de comercializar com 95% do mundo? É simplesmente injusto, e, antes
da revolução, Cuba era no mínimo trinta vezes pior. O gráfico de subida do PIB e do IDH de Cuba expõem
isso. Espero que seja o suficiente, e, novamente, valeu pelo papo cabeça (apesar de eu discordar de
absolutamente todas as palavras que você proferiu, ou quase isso).

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