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XII Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq

Centro Universitário Ritter dos Reis

O edifício da prefeitura de Porto Alegre e a materialização dos ideais


positivistas
Rafael Ferreira Marconatto
Arquiteto e Urbanista
Uniritter Laureate International Universities
rafael.marconatto@hotmail.com

Resumo: O presente trabalho apresenta um breve estudo sobre a representação simbólica na


fachada do edifício construído para abrigar a prefeitura municipal de Porto Alegre, chamada à
época de Intendência Municipal, projetado para ser um símbolo da municipalidade e demonstrar
os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade da recém proclamada república, também foi
propagador dos ideais do positivismo de Auguste Comte, não se esperaria menos já que estes
ideais nortearam a proclamação bem como a classe política republicana, aliado ao fato de as
secretarias municipais encontrarem-se à época dispersas em edifícios locados, a oportunidade de
materializar o discurso republicano e a justificativa para fazê-lo caíram como uma luva nas mãos
do então intendente e nada mais oportuno que contratar um projetista também partidário de tais
ideais, a análise discorre acerca as características do estilo arquitetônico empregado bem como
da composição e detalhes da estatuária fachadista visando entender como esta mensagem foi
posta e transmitida, é interessante ver o tipo de estátuas utilizadas e a hierarquia que por vezes
aparece, assim como a forma de utilização dos estilos e demais adornos que marcam os
pavimentos.

1 Introdução
O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por meta, esta é a máxima
positivista idealizada por Auguste Comte, que inspirou o lema “Ordem e Progresso“
estampado por Raimundo Teixeira Mendes na bandeira nacional, ícone máximo do
positivismo brasileiro. Nem só nos símbolos nacionais encontramos os ideais positivistas,
em Porto Alegre eles estão espalhados pela arquitetura e estatuária, um de seus
representantes mais importantes é o edifício da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, à
época chamado Intendência Municipal.
Este trabalho se atem a uma breve verificação da fachada principal do edifício, por
entendermos tratar-se da parte mais representativa do ideal positivista, tanto no estilo
quanto na composição e estatuária.
Foram analisados separadamente a composição, os elementos arquitetônicos e as
esculturas, desta forma é possível ter um entendimento mais específico de cada parte do
projeto.
Inicialmente é apresentado um sucinto histórico que possibilita ao leitor se situar
quanto ao pensamento político dos líderes da época.

2 A encomenda do projeto arquitetonico

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O Rio Grande do Sul vivia um momento de pujança econômica e a indústria iniciava


suas atividades de forma próspera, o ufanismo, sempre presente nos discursos positivistas,
influenciou a forma de construir, “recomendando” que se valorizasse esse desenvolvimento
explicitamente, e assim o era.
A futura obra da Intendência teria uma característica muito particular à época, seria o
primeiro representante do pensamento positivista, o qual norteava as autoridades da época,
principalmente no Partido Republicano e esta representação deu-se mais significativamente
na estatuária implantada na fachada principal.
Antes da construção do edifício, no Paço Municipal, as secretarias estavam alocadas
em alguns pontos alugados no cento histórico da cidade, mas o Intendente, recém eleito em
1887 pelo Partido Republicano, Engenheiro José Montaury de Aguiar Leitão (Spalding,
1967, p.162) prometeu construir uma sede a fim de reunir as secretarias até então
separadas fisicamente.
O ex-presidente do estado, Júlio Prates de Castilhos, indicou, segundo nos Günter
Weimer, (Doberstein, 2011 p.22) o engenheiro construtor de pontes João Antônio Luís
Carrara Colfosco, para que ficasse encarregado do projeto, este declarado simpatizante dos
ideias Positivistas (Spalding, 1967, p.165), que antes havia sido solicitado ao também
engenheiro Oscar Munis Bittencourt, mas que foi rejeitado por não agradar nem mesmo o
projetista (Spalding, 1967, p.164), mesmo assim Oscar ficou encarregado pela execução da
obra.
A pedra fundamental foi lançada em 5 de abril de 1898, a obra foi iniciada em 28 de
setembro de 1898, ao custo de aproximadamente 500 contos de réis, e concluída em maio
de 1901. (Spalding, 1967, p.165)

3 O “estilo” positivista
Veneziano, Colfosco projetou a, então, Intendência Municipal ao estilo de um
palacete neorrenascentista italiano, onde impera a simetria, característica primordial, e a
composição tripartida, composta de base, corpo e coroamento (figura 01), a planta foi
desenhada em forma de “H”, sobre a rigidez da do projeto Doberstein nos coloca:

...o positivismo no Rio Grande do Sul teve uma estética que, na arquitetura, tendia
para formas mais rígidas e geométricas (...) uma proposta tão rígida e inflexível como
aquela que os positivistas seguiam para a organização da sociedade, corresponderia
uma arquitetura, e, por extensão, uma estatuária fachadista e monumental, que se
pautasse pelas formas mais rígidas, sóbrias, contidas e subordinadas as regras
clássicas. (Doberstein, 2011 p.19)

Doberstein ainda especula, para explicar tal rigidez, que poderia ser possível que os
positivistas tivessem seguido este caminho dada a utilização do edifício para “...abrigar o
poder constituído...” (Doberstein, 2011 p.21), tendendo, assim, a melhor transmissão de
seus ideais com certo decoro que a gestão pública exige.

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Figura 01: Prefeitura Municipal

Fonte: Divulgação/Agencia RBS/Genaro Joner

4 A fachada e sua simbologia


A elevação principal é composta na parte inferior de uma base rusticada com faixa
inferior e relevo imitando pedras, com detalhes de ordem dórica como as pilastras de fuste
liso, arquitrave e friso com tríglifo, mas sem métopa, as janelas retangulares tem adornos
cimbrados e frontões, as portas acessadas por escadas afastam os transeuntes das
mesmas, talvez dando um ar de espaço reservado, respeitoso e quase inacessível ao
comum, esta ideia é reforçada pelas esculturas de leões (símbolos venezianos) colocados
junto as escadas em frente as colunas, também dóricas e de fuste liso, que formam uma
espécie de pronau em cada acesso, na entrada principal não foram colocados os leões,
tanto a porta como as janelas são encimadas por arcos plenos adornados por esculturas de
ferro fundido, demarcando a hierarquia.
O segundo pavimento é o principal e foi adornado ao estilo da ordem coríntia, sendo
esta uma demonstração de hierarquia entre os pavimentos, tendo mais pilastras que o
andar inferior, estas eram de fuste canelado bem como os pilares que compõem os balcões
de guarda-corpos balaustrados, a porta do balcão principal é encimada por arco pleno, já as
duas laterais são cimbradas, as janelas são do balcão principal tem um entablamento
simples sendo as outras de arco pleno, os três balcões são adornados com frontões, sendo
o central cimbrado e os laterais triangulares.
O coroamento apresenta balaustrada que esconde o telhado de telhas de barro, nas
extremidades laterais foram colocados conjuntos escultóricos e mais ao centro duas
esculturas isoladas, marcando o eixo de simetria está, levemente recuado em relação ao
frontão do segundo pavimento, a torre com o relógio, o brasão da república e aos lado deste
os bustos de José Bonifácio de Andrada e Silva e do Marechal Manuel Deodoro da

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Fonseca, acima uma cúpula de tambor octogonal com pendentes, as pilastras que adornam
a torre e a cúpula são de ordem compósita.

4.1 Primeiro grupo escultórico

Figura 02: Agricultura, comércio e indústria

Fonte: Fotos Públicas/Luciano Lanes/PMPA

No primeiro grupo escultórico (figura 02), localizam-se três figuras, são elas: Ao
centro a deusa grega da agricultura Demeter, com espigas de trigo representando a
fertilidade da terra, a sua direita temos o deus Hermes representando o comércio, a haste
de metal com serpentes enroladas representava a sabedoria e o poder de transformar tudo
em ouro, o saco de moedas indicava o caráter mercantil, a esquerda da agricultura temos
uma figura feminina com uma roda dentada, uma bigorna e um martelo nas mãos
representando a indústria, ela não é inspirada em nenhum deus grego ou romano, esta
figura surgiu no século XVI representando a revolução industrial.
A três figuras estão dispostas em formato triangular, que é a forma mais perfeita
segundo os matemáticos e representa a perfeição buscada pelos positivistas, a aquicultura
em pé ao centro demonstra o caráter de um estado agrícola, mas seu manto caindo sobre
as figuras da indústria e comércio nos alerta para a importância dada a integração entre
esta tríade econômica.

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4.2 Escultura da justiça

Figura 03: Justiça

Fonte: Fotos Públicas/Luciano Lanes/PMPA

A direita do primeiro grupo temos uma figura isolada que representa a justiça punitiva
(figura 03), ela segura uma espada e uma balança, e tem os olhos desvendados para
premiar o bem e punir o mal o que pode indicar que a justiça poderia ser tendenciosa, a
espada é grande e a balança é pequena e pode representar que a punição era mais
aplicada que a imparcialidade da justiça, a característica da arte da época era a
necessidade de representar a realidade, na arte positivista não poderia ser diferente.

4.3 Escultura da república

Figura 04: Justiça

Fonte: Fotos Públicas/Luciano Lanes/PMPA

A direita da justiça temos outra figura feminina representando a república (figura 04)
com o braço direito estendido segurando uma esfera com uma águia, passada a guerra civil
de 1893-95 os republicanos do PRR (Partido Republicano Rio-grandense) vencedores
queriam demonstrar que dominavam (águia) o território (esfera), era uma forma de opressão
aos adversários que é arrematada com o barrete trígio, uma espécie de maça, que é o cetro
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que aparece na mão esquerda, o rosto tem feições enérgicas e o cabelo está atado ao estilo
dos revolucionários franceses, inspiradores do positivismo e da república.

4.4 Segundo grupo escultórico

Figura 05: Liberdade, intelectualidade, democracia e Ciência

Fonte: Fotos Públicas/Luciano Lanes/PMPA

Na extremidade da direita do edifício, encontra-se outro grupo escultórico formado


por quatro figuras (figura 05), em simetria ao grupo da esquerda, também encontram-se em
disposição triangular, mais uma vez representando a perfeição do triangulo, ao centro temos
a representação da liberdade com o livro das leis (constituição da república) na mão direita
e uma tocha na mão esquerda representando o espírito livre e ascendente e a aceitação do
positivismo na sociedade, de sua cabeça saem nove raios que poderia representar as
virtudes positivistas, fato ainda sem comprovação, à direita da liberdade temos a deusa Clio
musa dos artistas e poetas, representando a importância da intelectualidade, do
desenvolvimento do pensamento e da história, segurando o busto de Péricles
representando a democracia, este em tamanho bem menor que as outras esculturas, já que
os positivistas tinham certo receio quanto ao pleno exercício da democracia moderna,
queriam representar a democracia primitiva grega, onde um “líder” comandava o povo de
forma carismática, mas autoritária, ou seja, a democracia era subordinada à história (Clio), à
esquerda da liberdade temos outra figura, agora masculina, representando a ciência
positivista, que era observativa e não especulativa, portando um “lápis” e um caderno, com
olhar atento para escrever o que observa.

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4.4 Bustos

Figura 06: Torre

Fonte: Fotos Públicas/Luciano Lanes/PMPA

Na torre (figura 06) que marca o eixo principal do edifício temos os bustos de José
Bonifácio de Andrada e Silva importante articulador da independência e do Marechal
Deodoro da Fonseca, articulador da proclamação da república, os dois bustos ladeiam o
brasão da república, marcando incisivamente o ideal Republicano.

5 Conclusão

Concluímos assim, que os idealizadores do edifício reconheceram o estilo neo-


renascentista como apropriado para a utilização em edificação governamental, fato que já
vinha ocorrendo desde o renascimento, com seus palácios imperiais e que utilizavam as
esculturas como forma de demonstração de seus ideais e do momento econômico em que
viviam, mas também explicitavam o seu poder e modo de agir perante os inimigos, o
cuidado empregado na fachada eleva as “aplicações” escultóricas de simples alegorias à
símbolos desse pensamento e desse poder, talvez tendo mais valor significativo que a
própria edificação.
Um ponto interessante na aplicação dos ideais era o fato de o positivismo rejeitar os
pensamentos religiosos de deístas, tendo como meta a observação da natureza, e
mantendo em seu “panteão” ícones reais e humanos, então o que fez os líderes locais
utilizarem as figuras da mitologia grega como representantes (ou base) de seus ideais?
Pensamos que é contraditório lutar pela laicização do estado e das instituições públicas e
ao mesmo tempo basear a demonstração de suas convicções com mitologia. Independente
de o conjunto escultórico ser tão bem preparado e de valor artístico significativo, pode ele,
realmente, ser o representante pleno dos ideais positivistas, acreditamos que há um
problema em algum ponto da história, ou o embasamento para a criação das peças foi
equivocada ou a leitura posterior, mas os ideais estão ali.

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Referências

DOBERSTEIN, Arnoldo. Estatuária e Ideologia. 2a Edição. Porto Alegre: Editora da


Cidade, 2011. 167 páginas.

KOCH, Wilfried. Dicionário de Estilos Arquitetônicos. 3a Edição. São Paulo: Editora


Martins Fontes, 2008. 231 páginas.

PIGNATARI, Décio. Semiótica da arte e da arquitetura. 4a Edição. Cotia/SP: Ateliê


Editorial, 2009. 187 páginas.

SPALDING, Walter. Pequena História de Pôrto Alegre. 2a Edição. Porto Alegre: Editora da
Cidade, 2011. 167 páginas.

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