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O argumento contra a silogística que Descartes persegue com maior vigor não é aquele
que se volta contra sua circularidade ou inadequação como um método de descoberta,
mas antes aquele que a exibe como um impedimento para conduzir nosso raciocínio. É
um tipo completamente diferente de argumento se comparado aos que discutimos até
agora. Na Regra IV das Regras, ele nos diz:
Mas se o método nos dá uma explicação perfeita do uso da intuição intelectual para não
cairmos no erro contrário à verdade, e do meio de encontrar deduções para chegar ao
conhecimento de tudo, parece-me que nada mais se exige para ele ser completo, já que
nenhuma ciência se pode adquirir a não ser pela intuição intelectual ou pela dedução,
como antes ficou dito. Nem ele se pode estender até ensinar como se devem fazer estas
operações, porque são as mais simples e primeiras de todas, de tal maneira que, se nosso
entendimento as não pudesse usar antes, não compreenderia nenhum dos preceitos do
próprio método por mais fáceis que fossem. Quanto às outras operações intelectuais,
que a dialética se esforça por orientar com a ajuda das primeiras, são aqui inúteis, ou
antes, devem contar-se entre os obstáculos, já que não há nada que se possa juntar à
pura luz da razão, sem a obscurecer de uma ou outra maneira. (AT x. 372-3)
Esta “luz da razão”, ou “luz natural” como é chamada na Regra X, aparentemente não
pode nos enganar, na medida em que “nenhum dos erros que o homem comete... são
devidos à imperfeição da inferência; eles são causados meramente pelo fato de que nos
apoiamos em experiências pouco compreendidas ou porque emitimos afirmações
precipitadas e sem fundamento.” (AT x. 365).
O modo como esta passagem tem sido tomada é como uma reivindicação de que a
dedução não desempenha um papel real no conhecimento. Ian Hacking a toma deste
modo, assimilando a perspectiva cartesiana àquela do matemático G. H. Hardy, cujo
pensamento acerca das provas é o de que consistem em “tagarelices, floreios retóricos
destinados a afetar psicologicamente... dispositivos para estimular a imaginação dos
pupilos.”
Hacking baseia sua leitura no apelo à doutrina das verdades eternas. Esta doutrina,
elaborada primeiramente em três cartas a Mersenne de 15 de abril, de 6 de maio e de 27
de maio 1630, fornece uma consideração acerca da compreensão que tem Deus das
verdades. A segunda carta apresenta o essencial da doutrina:
XXX
XXX
Hacking considera a doutrina da intuição e a doutrina das verdades eternas juntas como
ilustrações de uma concepção subjacente da irrelevância da prova para a verdade.
Construída neste contexto, o cerne da doutrina das verdades eternas é que as verdades
eternas dependem unicamente da vontade de Deus, que não necessita de dedução
(prova); ele conhece verdades em virtude de tê-las criado (ou seja, de tê-las querido),
então a prova é claramente irrelevante. Esta doutrina parece então espelhar a doutrina da
intuição que, segundo a interpretação de Hacking, sustenta que necessitamos apenas da
intuição, e não da dedução, no conhecimento das verdades.
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