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Descoberta e Prova

A interpretação cartesiana da inferência em termos de uma apreensão


instantânea de acordo com a luz natural da razão exclui qualquer expectativa de
fornecer uma consideração formal de relações lógicas, uma vez que qualquer tentativa
deste tipo se concentraria necessariamente em etapas inferenciais, e é precisamente
disso que a perspectiva cartesiana se determinou a nos manter afastados. Contudo, ao
longo de sua obra Descartes pensa o raciocínio efetivo e verdadeiro em termos de
raciocínio matemático, e raciocínio matemático é, para ele, raciocínio algébrico. O
raciocínio algébrico é formal, de fato ele é o paradigma de raciocínio formal, e os
primórdios da lógica moderna podem ser traçados num retorno à representação de Boole
de teoremas da silogística tradicional em termos algébricos. Como pode Descartes, por
um lado, sustentar a álgebra como um modelo e, por outro, ridicularizar as tentativas de
fornecer uma perspectiva formal da inferência?
Nossa tarefa neste capítulo consiste em determinar até que ponto duas ideias
aparentemente antitéticas, a concepção de inferência como intuitus e a concepção
algébrica de raciocínio, podem ser reconciliadas. A chave para o problema repousa na
interpretação cartesiana da álgebra como um método de descoberta e no modo como ele
distingue entre um método de descoberta e um método de exposição. A silogística, e o
raciocínio dedutivo em geral, Descartes vê como incluídos nesta última categoria.
Consequentemente, há uma divisão sutil (sharp) entre raciocínio algébrico e inferência
dedutiva. Nossa preocupação será sobre como se dá esta sutil divisão e quais
consequências ela acarreta.

ANÁLISE E DESCOBERTA
Nas Respostas às Segundas Objeções, Descartes expõe suas razões para não propor seus
argumentos ‘de um modo geométrico’ em termos de uma distinção entre ‘a ordem e o
método de prova’ (AT vii. 155ff.). A ordem geométrica de prova consiste simplesmente
na apresentação de um assunto de tal modo que sempre se é capaz de explicar esse
assunto em termos do que se passou antes. Descartes nos diz que tenta seguir a ordem
geométrica de prova nas Meditações e isso fez com que fosse necessário apresentar a
distinção mente/corpo na Sexta Meditação e não na Segunda. O cerne dessa observação
é presumivelmente que poderíamos esperar que uma distinção tão fundamental e
importante fosse apresentada tão antes quanto possível, portanto na Segunda
Meditação.1
O método geométrico de prova envolve dois procedimentos, análise e síntese. A
análise nos mostra ‘o modo pelo qual algo foi metodicamente descoberto’ e seguindo
uma prova analítica, entendemos completamente o que é provado, na medida em que
nós mesmos o descobrimos. Como Descartes afirma, ‘tiramos a conclusão por nós
mesmos’. Esse tipo de prova não compele ao assentimento, contudo, pois falhará em
convencer alguém desatento, sendo requeria uma compreensão de todas as partes da
prova para uma compreensão da necessidade da conclusão.

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