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poesiabr

# 01
poesiabr
# 01
vol. 1

1ª edição
São Paulo, julho/2022
Organização, capa e projeto gráfico:
Editora Versiprosa

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


TuxpedBiblio (São Paulo - SP)

E23a Editora Versiprosa (org).

Antologia PoesiaBR n.01 - volume 1 / Organizadora: Editora


Versiprosa. – 1. ed. - São Paulo : Editora Versiprosa, 2022.
172 p.; 16x23 cm

ISBN 978-65-997486-9-1

1. Autores(as) Brasileiros(as). 2. Literatura Brasileira.


3. Literatura Contemporânea. 4. Poesia. I. Título.
II. Assunto. III. Organizadora.

CDD B869.91
22-3048611 CDU 82-1(81)

Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário Pedro Anizio


Gomes CRB-8 8846

ÍNDICE PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO:


1. Literatura brasileira: Poesia / Prosa.
2. Literatura: Poesia (Brasil).

Os direitos desta edição são exclusivos da Editora Versiprosa:


Rua Cunha Gonçalves, 115 - Butantã, São Paulo-SP.
www.editoraversiprosa.com.br
SUMARIO A rena 35
A ngelica B astarrica
SOS T erra 36
B eatriz F reire
De frente para o mar 15 E spelho da saudade 37
A delgício R ibeiro de P aula B etão
D elírio 17 G entileza 38
A lessandra D amascena B runa L aís R ocha
U ma P enitência para o I mortal 19 Ao menos uma vez 39
A lex C osta B runo L ucio R osa
H elena 20 O morto - vivo 40
A lex W olney C. G. G ouvêa
O amigo e o estranho 22 D entes caninos 41
A lexandre C olombo T avares de L ima C aio N eri
O utra vez 23 V iela 42
A lexandre de A raujo V ieira C amila A lexandre B oschini
A fogamento ou T entativas I núteis R emédio pra alma 43
D e N ão A fogamento 24 C arla G omes
A line C. L. L ima
B revidade 44
E xplicação 25 C átia H ughes
A line L ourenço
S ina do palhaço 45
R eflexo 26 C ésar B uracoski
A line Y umi T omimori (D ramaticadora )
A deus M estre R iachão 46
I magens ilustrativas 27 C harles D alan
A lisson T omé
D olorido perdão 47
H um ano 28 C hrys O liveira
A lmir L ima
M anifesto , de perto
A rranjos 29 - partes esquecidas de mim 48
A na B eatriz L opes C orinne P oeta
É um nada tão tudo ... 30 P ulsar 49
A na C arolina A guiar C avallari C osme S anches
A raiva 31 P ode ir 50
A na M artins C ristina T rigo N ascimento
I mpalpável 32 E la 51
A ndré C ipreste de V argas D ébora A maro
V ersificar 33 A penas mais um 52
A ndrea S ilva S ouza D iego L eonardo de S ouza
Eu te quero , tu me queres 53 canos quebrados rangem 73
DOMGAIA H elen K aliski
D omínio 55 E fêmera P aixão 74
E. L ewis H ellen C arvalho
C atarina 56 A ntifuturismo 75
E duardo A. R odrigues H enrique de A breu
A utêntico A mor 57 O amor entre você e eu 76
E rnande A rcanjo I ngrid B rito
D esatinos 58 F uga para o exterior 77
F.F J.A.S ilva
A bismo 59 M ensagem ao radical 78
F elipe E duardo de O liveira S ilva J énerson A lves
Q ueimadas 79
Sem título 60
J oaquim C esário de M ello
F ernanda M ynarski M artins -C osta
P rimeiro C horo 80
B eatriz , a filha que nunca existiu 61
J olene P aula
F ernando F fherush
C hromosomes 81
S al 62
J orge A breu
F lavia de A ssis e S ouza
D iadora 82
V ento 63
J orge L azaro de O liveira C osta
F lávia S antos
S obre nossa casa comum 83
T udo o que somos 64
J osé D ouglas A lves dos S antos
G. s
[D esmistificador de D álias ]
S ua vitória é lutar 65
S audade 85
G abriela A lmeida S ousa de A zeredo C oelho
J ota V ilaça
E státua 66
L ugares inacessíveis 87
G abriela Z immer
J u C erqueira
V estígios D a P andemia 67
R obalos roubados em costas do adeus 88
G escélio C outinho “ P oeta do S ertão ”
J ulia P eccini
I ntuição 69
C asa da alma 89
G éssica M enino
J uliana A lmeida
C ítrico 70
R udá 90
G iovana L ucas
J uliano L ira
P oesia não é fim , mas recomeço 71
Um mais um são dois e meio . 91
G iuliano M artins
K. K alli
L amento lusotropical 72
R oteiro 92
G uilherme G iesta F igueiredo
K attherine
O T empo 93 A rquipélago 112
L eonardo E lgin M arcus Z anom
V azio de filha 94 P eito de B ukowski 113
L etícia D antas M aria C arolina F ernandes O liveira
N ov 11, com chuva 95 Um passado tão presente 114
L etícia N ogueira A ntunes P io M aria G abriela dos S antos S ilva
R epetindo 22 96 testamento 115
L ílian S aeko T aba M ariana R eis
T ua 97 S em título 116
L ua V argas M ariane B rugnari
R etrô . expectiva 98 C igarro 117
L uana S ouza M arina S ales D ias
A mulher do fim do mundo 100 S oldado E squecido 118
L ucas M ello P ioner (L ucano da B ética ) M ateus P eixoto
O luar e a menina bela 101 A S emana que já faz 100 anos 120
L úcia P aulino M atheus N unes
Da criaçã 0 em zer 0 102 P erda da auréola 121
L uciana Q uintão de M oraes M attos R odrigues
F inal de T arde 103 P ara L ydia 123
L ucinha A maral M idori
P oema N ovo 104 U ma A mpulheta e um ( a ) B iruta 124
L uiz E duardo de C arvalho M urilo C reado
O que vier veio , mas o que veio ficou 105 C iclo , círculos e circo 125
mabs N atanael O távio
S em título 106 O C asamento 126
M anuela P oiana N atascha L opes
a pergunta 107 Q ue os sonhos nunca terminem 128
M arcel L uiz N elson B. F ilho
P ecado revogado ? 108 E scassez 129
M arcelo R eis P athy M ilaré B ertão
M ulheres P antaneiras 109 A ntepasto 130
M árcia D antas P atrícia R eis
amigo bom 110 T ransformação ! 131
M árcio A driano M oraes P atrick R aymundo de M oraes
Só você não percebeu 111 F ilha e pai 132
M arcos L opes P aulo O séas de C arvalho
S em título 133 R eflexão 152
P ietra G arcia S andra M aria B arcelos
S em título 134 M enino de E ngenho em poesia 153
R afael P etito S ebastião A mâncio
F lor africana 135 A mor de mãe 155
R ailma C avalcante S ilvia C arvalho
O que eu faço sem você 136 E spatifado 156
R aimunda A lves M elo S ilvia F errante
Se as estrelas falassem 137 densidade 157
R ebeca R. F inkler T ailany C osta
I nfância 138 um lugar silencioso 158
R ejane B arros T alita B ranco
V acina J á 139 T empo 159
R icardo B aba thomas

D escompasso 140 D rummondiana 160


R icardo X avier T úlio V elho B arreto
M aturidade aos 16 141 C aneta 161
R ita K awamata V inícius P erobeli
V igília 143 I nsônia 162
R oberta R ossener W ashington R ibeiro
O tal sentimento 144 C om as próprias mãos 164
R odrigo de A raujo F onseca W endel V aladares
L amento da verdade 145 T ijolos furados 165
R odrigo O rtiz V inholo Y asmin B otelho
R eflexos 146 As três visões das câmeras 166
R oque A loisio W eschenfelder Z enildes A lves
Os donos da T erra 147 T ijolos furados 167
R osamares da M aia Z yon C olbert
V oo 148
R osilene A ugustin
P resa a você 149
R ute J.S. B arbosa
S ilêncio 150
S abrina G esser
O mundo 151
S amira A marildo
As publicações da série Poesia BR têm como principal objetivo a descober-
ta e a difusão de poetas contemporâneos(as) nas diferentes regiões do país.
Procuramos abarcar a diversidade característica deste gênero literário, com
múltiplas temáticas, linguagens, tons e propostas estéticas. A periodicidade
das edições é trimestral e suas convocatórias são abertas para todos(as). Nas
próximas páginas, temos a honra de apresentar os poemas selecionados para
este volume.

13
DE FRENTE PARA O MAR

Estou aqui, de frente para o mar,


Contemplando este oceano imenso,
O seu final não consigo imaginar,
Tanta água, que não vai mais acabar,
Pois é muito maior do que eu penso.

E a cada onda que chega nessa praia,


Eu de frente para este mar, aqui,
Postado estou, feito um atalaia,
A minh’alma, então, quase desmaia,
Lembrando que tudo foi feito por Ti.

Fizeste tudo, tão belo e exuberante,


O mar, a areia, as ondas e a serra.
A Tua graça é como chuva, abundante,
És Deus presente e não estás distante,
Não existe outro igual em toda a terra!

As ondas, o mar, a areia e o vento,


Tu os fizeste conforme a Tua vontade,
Então não cabe no meu pensamento,
A todo instante, a cada vão momento,
Imaginar o tamanho da Tua majestade.

Olhando o desenrolar de cada vaga,


Eu penso em Ti e fico maravilhado,
Pois, se um barco no mar naufraga,
A Tua palavra é o que me afaga,
No Teu conselho, não serei abalado.

Vejo o mar a se desmanchar na areia


E as ondas morrendo aos meus pés,
Na Tua luz, que sempre me clareia,
Não vejo ninguém que contigo pareia,
Pois sei, Senhor, quão grande Tu És!

E nesse vislumbrar de contemplação,


15
Ouve, óh Deus, a minh’alma a suspirar,
Pois a Ti entrego todo o meu coração,
Maravilhado me rendo em adoração,
Enquanto estou em frente a este mar.

Adelgício Ribeiro de Paula

16
DELÍRIO

Hoje descobri o quão sou frágil, deixei as lágrimas caírem,


me despi dos meus sentimentos e rasguei-me diante de Deus,
Percebi que os meus propósitos vão além das minhas vestes
e estão em sintonia com a alma.

Oh alma! Que tanto vagueia com esses pensamentos,


Umas horas turbulento, outras me trazendo acalento,
Estou cercada pela ingratidão, tão grande és tu,
Na noite fria e suave da madrugada é ela que me conduz ao poço da escuridão.

Minha alma que me perdoe, mas enfermo está o meu coração,


Quero ser livre deixe-me ir…
Preciso me libertar das amarras do destino, mas que destino?
Quem o faz sou eu, me perco e me completo nos limites da imensidão.

Sinto-me perplexa, uma incógnita que atormenta duvidando até das verdades,
Perdoa-me, os meus desejos são realidades fingidas,
Talvez sonhos, alucinações ou até mesmo recordações,
Tenho medo do furor das tempestades sombrias.

Onde estou? Preciso ver o que está em minha volta,


Se aproxima, mostra-te.
Não consigo! Socorro!
Esse era o grito que estava preso.
Quero falar, necessito ser ouvida.

Mas...nesse silêncio, só ouço passar o vento que corre em minha direção,


Vento seco, que me cobre o rosto pálido e o olhar perdido ao infinito,
Fazendo-me despertar do delírio, volto ao sentido,
E no canto do quarto escuro assim como uma gaivota que vai e volta,
Eis me aqui no abrigo, graças aquele vento, fui capaz de apagar um momento.

Agora já sei como voltar, é só ir até janela, aquela mesmo amarela,

17
É por lá que sopra o vento, despertando sentimentos,
Que fazem recuperar sentidos, trazendo de volta a simples canção;
Em um tom sereno que toca o coração.

Alessandra Damascena

18
UMA PENITÊNCIA PARA O IMORTAL

Tão frescas e nobres as tulipas daquele ilustre campo


Jamais contemplei uma tonalidade tão afável
Botões tranquilos tremulam diante deste vil manto
Embebido de uma melancolia irremediável
Sigo o caminho honrado reservado ao mal inescrupuloso
Para o qual, temo eu, aguarda um fim odioso

Permaneço sob o céu azul, sobrara-me apenas a espera


Sozinho e ferido cerro os dentes, sigo em linha reta
Ao fitar o corrupto pesar que a tudo dilacera
Ergo a cabeça em meio ao choro de alerta

Deixe-me clamar por ti, ó deus que odeio


Permita que eu pereça e livre-me de tamanho sofrimento
Já não consigo encarar este meio
A guardar calamidades que com temor enfrento

Pássaros cantando melodias repletas de temperança


Junto ao perfume das flores cheio de perdão
Lembram-me momentos distantes de ódio e vingança
A cada passo desejo furiosamente atirar-me ao chão
Em busca daquela tão distante esperança

Condenado a vagar vislumbrando alegria e amor


Meu corpo reflete uma imensa vergonha e solidão
A espera de um fim para esta excruciante dor
Rezo em busca de qualquer que seja a salvação
Um imortal a quem não é permitida a saída
E pecados vis para uma existência há muito exaurida

Alex Costa

19
HELENA

Passava na rua Helena


e todos paravam para admirar
E depois dela nada mais importava
Nem os carros batidos
Tampouco o caos da cidade
Não importavam os atrasos,
nem compromissos com o acaso

Passava Helena,
E em sua direção vinham palavras
Desejos e as inquietudes de olhares
Vinham pétalas de acalento
Acordes em sonetos
Sussurros soprados ao vento

Helena sorria e se faziam amores platônicos


Paixões contidas
Desejos oprimidos
Volúpia tardia

Helena passava e o dia ficava mais bonito


O sol brilhava mais forte
Os sorrisos eram distintos
E as flores exalavam a sorte

Helena passava e a vida por um instante parava para admirar suas curvas
Seu riso desajeitado
Seu perfume de rosas do campo
e seu andar balanceado

Passava Helena e com ela levava o caos


levava o sal
Trazia o bem
Espantava o mal
Ela passava e a hora se espreguiçava

20
E quando Helena sumia na rua
A vida voltava aos eixos
Sem os passos de Helena para conduzir a dança do cotidiano
Tudo fica meio sem graça, vida bagunçada
Tudo sem jeito.

Alex Wolney

21
O AMIGO E O ESTRANHO

Vai tarde
A luz enobrece

Escurece a alma em fúria


Arde… ficarei mais

Quero te desejar
Sou seu amigo
Covarde, deseje mais
O mundo acaba amanhã
O tempo continuará a seguir seu rumo
É mesmo estranho, tudo confuso

Chama.

Me chama pois as nossas vidas não permitem mais


Abandonar é pra quem tem coisa ruim por dentro
Não faz sentido, te tirar e colocar de novo pra dentro
Meu destino anda de mãos dadas com meu paraíso
Aquilo que almejo, me é prometido
Estranho também é amigo.
Só durante o dia
À noite me despeço, agradeço desejos.

Alexandre Colombo Tavares de Lima

22
OUTRA VEZ

Vamos nos ver


outra vez
O que nos impedirá?
Não há amor maior
no céu e na Terra.
Outra vez
Nossos olhos
brilharão
Como estrelas
unidas
Amantes
Do amor mais puro.
Outra vez
Desta vez
Não haverá
Última vez
Outra vez
Sempre a primeira vez
Para sempre
a primeira vez
Outra vez.

Alexandre de Araujo Vieira

23
AFOGAMENTO OU TENTATIVAS INÚTEIS DE
NÃO AFOGAMENTO

Muitas vezes
Me joguei ao mar
Sem boia
Sem bote
Sem salva-vidas por perto

Me afoguei

O mar me arrastou de volta


À superfície
Terra firme
Ou quase isso

Hoje permito sentir apenas


As ondas batendo nos pés
Em terra firme
Ou o mais próximo disso

Me molho no raso
Me banho à beira
Não me afogo mais

Aline C. L. Lima

24
EXPLICAÇÃO

Por que estamos separados?


Por que vivemos isolados?
Por que não podemos nos tocar?
Por que vivemos sozinhos?
Deus,
Oxalá,
Seja Ele quem quer que seja,
Terá a explicação.
Ou não.

Aline Lourenço

25
REFLEXO

Não sei quem sou,


na identidade meu nome,
aniversário,
números aleatórios.

Eu sou…
o que eu sou,
não o que dizem por aí…

Decidi um dia partir de mim,


quarto sem porta, impossível.

Imaginei uma saída, mas entendi


a liberdade era minha própria vida
procurei por um espelho,
demorado o processo
de me identificar,
me amar,
ainda em processo,
cultivo flores no teto

A saída, será meu reflexo.

Aline Yumi Tomimori (Dramaticadora)

26
IMAGENS ILUSTRATIVAS

Ontem imaginava a beleza do céu


Meu coração inundava de alegria
Por te imaginar, no altar, com véu

Dos planos escritos em papel


A concretude deles já se fazia
Em tua mão esquerda, o anel

Não poderia ser mais cruel


Enquanto a lágrima caía
Borrava a tinta do pincel

Alisson Tomé

27
HUM ANO

Para Maria Luiza, Mateus e Alice

Já neiro a beira do mar


A esperar feverê, iro pra pular,
Antes que acabe a noite.
Mar só... Mente branda apreciando a espuma brincar n’areia
Sem ouvir o outro, que abril a boca e mentiu
Mai outra poesia que li duas vezes, depois guardei,
Como faz todo mundo
Jun... Ho! Lá vai rojão fagulhando o céu.
Olha o busca pé!!!
Julho passou na fogueira e nem se queimou
Agosto nisso?
Se tem, brotam as flores
Tem arco-íris chamando o sol
Ou tubro céu se abre
Ou então as secas árvores morrerão todas
No vembro desta ventania
Que dezembronhando a história me arrastou hum ano
E tecerei outro... E terei outro... E serei outro...
Até morrer...

Almir Lima

28
ARRANJOS

Eu tenho um caso de amor com as palavras.


Ou com a significância de seus arranjos.
Em meu momento, onde estamos a sós.
Depois como mágica ela toma a forma.
Daquilo que há no coração.
Aquilo que grita ou cala.
Emudece ou transparece.
E não mais me pertence.
Vai voar, habitar; coexistir em outras esferas.
Deixou- me.
Simplesmente ensinou-me a delicada forma do desapego.
As palavras e seus arranjos.
Foram para sempre.
Lampejos cintilantes.
Agora traços de memória.
Ou simplesmente.
Trajetória.

Ana Beatriz Lopes

29
É UM NADA TÃO TUDO...

Você é fora da curva


Do meu amor ouvi falar
E também as palavras mais fofas:
Que a ensinei a amar

Não sou sua prioridade


E só tenho o espaço da amizade
Nada parece igual
Até meu signo é seu inferno astral

Mas eu sinto que sente


Ou confundo o sentimento
Amar mexe com nossa mente
Nunca estou no seu momento

Ana Carolina Aguiar Cavallari

30
A RAIVA

Silenciando me ouço
Com a nitidez do céu depois da chuva.
As escadas parecem infinitas,
Mas não as perco de vista.
Quero me encontrar na contramão da vida
Para me ver de frente.
Tentando decifrar as feições
Me reconheço, quase me entrego,
Mas me amo,
Amo os frutos do meu amor.
Na trilha da raiva vivo no driblar de sensações.
Uma vida feliz dentro do quadro,
Cheia de zeros.
O relógio já passou da conta
E o tempo me transformou num sopro.
Hoje sou apenas um sussurro
Do que um dia foi um grito.

Ana Martins

31
IMPALPÁVEL

Sentimento vivido intensamente


Porém, muito pouco conhecido
Vive nos arredores de cada um
Perpassa qualquer entendimento
Responde pela alcunha de paixão
Auspício de inquietação
Produz quilos de suspiros a cada segundo
Torna o coração uma balbúrdia
Em meu cerne, sei o que ocorre
Hormônios fora de controle
Emoções além da conta
Sentimentos que transbordam de um pobre coração
Sabe-se lá o que vai acontecer
O riso se mistura ao choro
A alegria em um segundo se transforma em melancolia
A saudade não termina
O carinho não se esvai
Jaez indescritível
Toda simetria torna-se vazia
O arrebol traz à tona milhões de lembranças
O futuro traz desejos
Te quero com fervor
Em meu âmago peço seu carinho
Isso é amor
Eu sei

André Cipreste de Vargas

32
VERSIFICAR

Ama-se muito
E a muitos
Um de meus
Amores
É bastante especial
Amo letras,
Palavras,
Frases
Adoro versificar
Penso no meu
E no teu mundo
Sem elas
Que nos envolvem
Desde o conceber
Elas estão em
Toda parte
Eu tenho ainda
Um desejo
Ao tratá-las
O de tratá-las
muito bem
Ao te ensiná-las
Que as use bem
Também
Será possível
O seu uso
Apenas com, e
Por amor?
Se elas nascem
no cérebro
E no coração
Bons sentimentos
As farão melhores
Mais ternas
Até que cheguem a

33
A ti
Que de tão inebriados
Os próprios ouvidos
Diga-as assim
Desse jeito
Também a mim!

Andrea Silva Souza

34
ARENA

abro os braços
e quero abraços
hoje eu quero caber
em algum espaço
em algum pedaço
quero virar para o lado
e não me arranhar
quero dar um passo
sem tropeçar
todo lugar parece diferente
você não sente (?)
ou sou eu que cresci
e depois encolhi
tudo está fora do molde
mas eu sinto ainda tanto calor
porém vivo com esse pavor
de ver na esquina
um tanto de desamor
vai
me estica
me expande
me faz caber
eu sei
sou pequena
e é tão grande essa arena

Angelica Bastarrica

35
SOS TERRA

Socorro! Socorro!
No quebrar das ondas do mar
O único som que se ouve é o choro
e tormento das águas.
O oceano está se afundando em sujeira,
as florestas virando pó e nem o ar que nos
sustenta é confiável.
O ser humano é incansável,
quanto mais poder,
dinheiro ele tiver Mais ele vai querer.
Nós nos tornamos o grande e
irreversível câncer dessa
Linda esfera azul.
Extinção, a nossa? Ainda não mas a de
muitos Animais pois para nós eles são
apenas troféus
Para colocarmos em nossas paredes
Essa conta está altíssima um dia
teremos que pagar.
Espero Por Deus não estar aqui para
ver pois O fim do homem está por
vir, só não queremos enxergar.

Beatriz Freire

36
ESPELHO DA SAUDADE

Sentimento
Ambíguo
Uma moeda
De um lado
Angústia da separação
De outro alegria e
Esperança do reencontro

Em momentos
Difíceis, reviva
Alegria dos bons momentos
De convivência
Um olhar, uma
Aventura que
Só vocês viveram

Betão

37
GENTILEZA

O passo que alguém dá para trás


Para que o outro siga em frente
Um sorriso em dia de chuva
Um bom dia num dia mau

A sutileza de um gesto
Capaz de mudar um ser inteiro
Se hoje eu fui o alvo
Que amanhã eu seja o arqueiro

Bruna Laís Rocha

38
AO MENOS UMA VEZ

Caminhando pelo céu, em uma noite sem estrelas


Vejo todos presos em seus moldes
Hoje não quero sorrisos quebrados, palavras afáveis
Quero o toque honesto da tristeza
Suas mãos frias acariciam meus cabelos deixando que as lágrimas venham
Livres, finalmente…

Que se afaste a luz ofuscante do dia


Só verei o que a escuridão mostra
Hoje abraço minha dor
Não gritarei para que me solte
Seu aperto sufocante vai me libertar
Eu e ela seremos um…

Àqueles que ousarem olhar


Àqueles que tentarem me salvar
Àqueles que quiserem criticar
Saibam: fui verdadeiro
Ao menos uma vez…

Bruno Lucio Rosa

39
O MORTO-VIVO

Se não morreu tá vivo, o moribundo


Do chão pra baixo é o aeroporto
Eis que um dia jaz defunto
E desolou-se em reconforto.

Daqui subiu pro submundo


Onde pra viver basta estar morto.
Saiu pra dentro de outro mundo,
Chegou partindo do mesmo porto.

Escalou ao ponto mais profundo


Desceu de reto ao cume torto,
Se limpou ficando imundo
A ríspida tumba é seu conforto.

Com a labuta de um vagabundo


Consentiu seu autoaborto,
Partiu leve como chumbo
E asseado como um porco.

É só o começo o fim de um mundo,


O sepulcro é um berço em meio ao horto,
De onde termina um ciclo é oriundo...
No final, viver mesmo é estar morto!

C. G. Gouvêa

40
DENTES CANINOS

Meus sonhos dormem de dia


E me acordam durante a noite
Eu os prendo com a mesma covardia
De quem repreende seus latidos com açoite

Latidos, pois, são cães odiosos ao seu dono


Não os escolhi eles só me seguiram até em casa
E tive que optar pela prisão ou pelo seu abandono
Como quem adota um papagaio e corta suas asas

Não os solto, pois, são tudo o que tenho comigo


Então peço que me perdoem pelo meu egoísmo
Escolhi viver assim não por desgosto ou capricho
Mas sim por olhá-los e ver o meu próprio abismo

Mas um cão não sabe o que é um dente canino


Assim como ainda não sei o que significa amar
Tenho apenas as mesmas ilusões de menino
Quero a maresia, mas sempre neguei o mar

Não darei novamente as mãos aos dentes caninos

Caio Neri

41
VIELA

Gostaria de saber o meu próprio tema


O que conta na referência
O assunto que me sustenta
Pois por erro
Ou falta de acerto
Esqueci qual seria o primeiro
Quem disse que contava
Agora dilacera com a porta na cara
Mesmo que ache passado
Isso fará parte do que é julgado
Então me invade
Essa culpa de mocidade
Imatura e sem piedade
E só penso em como acontece essa divisão de pares
Se sou eu em todos os andares
Ou apenas esse excesso de olhares
Pois que julgue a própria vida
Nem assim terá saída
O que não te acolhe
É a culpa que consome
E quase rompendo o peito
Espero o meu mar de defeitos
Destruindo tudo o que já foi feito
Só para dizer-me louca
A filha mais nova da mulher sem roupa
Aquela a quem não se poupa
E agora eu rezo em silêncio, só para manter-me isento
Como se a culpa não viesse de nada além do próprio peito
Poetisa-me

Camila Alexandre Boschini

42
REMÉDIO PRA ALMA

Um remédio pra alma!


O que eu faço agora;
Com essa dor que não vai embora.
É com você que eu perco o juízo;
Faço tudo que preciso.
É algo que me muda pra melhor;
Esqueço o que houve de pior.
Uma terapia do amor;
Faz meu mundo ganhar cor.
Eu preciso dar uma universal na minha vida;
É o que se precisa.
É uma fisioterapia que tanto queria.
Escuto tanto você desabafar;
E de repente está a melhorar.
Adoro tanto o seu carinho;
Que não me deixa sozinho.
Uma marca que cicatriza;
Eu fico bem é o que precisa.
Eu só me perco em distração;
Faço uma loucura pra te esquecer então.
Escutar certas palavras só faz bem;
Tem coisas que eu não sei viver sem.
Que a minha vida mude.
Que eu tenha atitude.
Que eu tenha sempre fé para alcançar o que quiser.

Carla Gomes

43
BREVIDADE

O canto azul do sanhaço encantou a tarde,


metamorfoseando-a em uma imagem
quase imortal.

Cátia Hughes

44
SINA DO PALHAÇO

Por baixo do manto colorido


E do rosto mascarado
Pintado em faces diferentes;
Sendo uma triste e a outra contente.

Se escondo o amante do riso


Companheiro imortal da alegria.
Quem facilmente tira sorrisos,
De quem enfrenta um temeroso dia.

Mentiroso, é o que ele é.


Há os que dizem que é ladrão de mulher
Mas como pensar quem vos assiste;
Que tua verdade é a face triste?

E como gostar de levar essa vida?


Fingindo ter nervos de aço.
Um pulsar por um sorriso
Essa é a sina do palhaço.

César Buracoski

45
ADEUS MESTRE RIACHÃO

Salvador amanheceu com seus atabaques em silêncio


Riachão seguia cantando
Alegrando seu samba
Sua gente simples
Acompanhado por todos os Santos Católicos
Caminhando pelas ruas
Riachão sambava
Deslizava no asfalto baiano
Uma multidão acompanhava o sambista
Em cada encruzilhada
O sambista cumprimentava o dono da rua
O céu se abriu
Os Orixás
Os Santos Católicos
Sutilmente dançavam, cantavam, saudavam
O velho sambista

Charles Dalan

46
DOLORIDO PERDÃO

Aquele cujo nome eu não cito


Eu bem sei o quanto minha alma chorou
Ele se projetou para o imprevisto
E toda chama de amor apagou.

Removeu de mim a felicidade


Alcançou o que não posso conhecer
Vivo a certeza e nunca a falsidade
Ser forte é sentir dor e se esquecer.

Há pecado maior do que enganar


Aquela que do amor foi despertar?
Sem intenção ficar ou vê-la plena.

Quando a conta chegar, jamais esqueça


Pois espero que em tua vil cabeça
Guardes meu perdão digno de pena.

Chrys Oliveira

47
MANIFESTO, DE PERTO
- PARTES ESQUECIDAS DE MIM

Ei, somos seus cílios, nos deixe sermos lírios em você!


Prazer, sou sobrancelha. Posso ser pura esguelha?
Olá, senhor cotovelo. Que tal me posicionar no espelho?
Olases, somos suas pintas. Decoramos seu corpo todo como tintas.
Oi, sou seu umbigo. Que tal trocar umas palavras comigo?
Ei, sou tornozelo. Protuberante como o joelho, gostaria de ser tratado com
mais zelo.
Olha ela, dona canela. Você sabe, exatamente, onde fica ela?
Passeando por seu corpo, lembre-se da gente!
Somos tão importantes, quanto presentes!

Corinne Poeta

48
PULSAR

Do alto do viaduto
Escuto
A cidade falar
A cidade gritar
A cidade clamar
A cidade gemer
A cidade sorrir
A cidade chorar
A cidade veloz
Acolhida e algoz
A cidade presente e ausente
A cidade da cura
A cidade doente.
Do alto do viaduto
Escuto
O silêncio da noite
No apagar das luzes
E o bater suave do vento
Na janela de cada apartamento.
Ao longe, o som boêmio do bar
Caras e bocas
Sorrisos alegres
O flerte no olhar.
Do alto do viaduto
Escuto
A cidade pulsar.

Cosme Sanches

49
PODE IR

Você deixou a festa e eu fiquei.


Fiquei parada no meio do salão esperando que você voltasse.
Olhando todos como que se irreconhecíveis, perdendo o referencial enquanto o
via partir sem que nenhuma atitude minha pudesse ser suficiente.
E eu não o faria de qualquer modo.

Pode ir, mas deixa a saudade, a vontade de ficar mais ao meu lado, de se aninhar
nos meus braços.
Carrega consigo tudo o que nos fez feliz e vê se não esquece de que sempre
houve amor.

Pode ir, mas aceite que a sua covardia desviou nosso destino.
Não se sinta tão culpado com a escolha. Em seu lugar, de fato, nunca teria feito
o mesmo, mas compreendo tuas razões. Compreendo, mas não as aceito. Julgo-o
covarde.

Agora vá, mas primeiro deixa-me lembrar-lhe o que é o amor e de como nos
transformávamos em felicidade, apenas me abrace…

Não me importo. Evite voltar seus olhos para mim por mais um momento, apenas
me deixe agora. Não te peço para ficar, se é tua vontade ir.

Mas antes, deixe apenas seu sorriso, o olhar doce e a lembrança dos tantos eu
te amo que ouvi. Apenas garanta-me que permanece a vontade de voltar, ainda
que tardiamente, de ficar para sempre, de me amar.

Diga-o apenas mais uma vez…

Cristina Trigo Nascimento

50
ELA

Ela se despiu de si mesma


Para agradar aos outros.
Mas quando se olhou no espelho,
Viu quão feia ficava
Naquele vestido costurado
De opiniões.

Ela nua,
ela, ela.
Assim mesmo,
Desse jeito,
É que ficava tão bela.

Débora Amaro

51
APENAS MAIS UM

De lá pude avista-la e do mesmo pedestal onde antes a encontrara agora estava só,
Fria, nua e sem ação. Buscava em meio à multidão seus olhos, mas os desencontros
venceram – vilões! Frente a frente com o espelho que já não refletia nada, salvo o
reflexo da memória que trazia em um mero momento em minha mente. Louco!
Dizia e pensava e via. Mas não, trazia no peito uma vida não vivida, um espetáculo
abandonado, um show sem final, a música sem partitura... Agora, tudo era silêncio
ressoando o eco do não vivido, pairando na mente do louco sem sentido.

Diego Leonardo de Souza

52
EU TE QUERO, TU ME QUERES

Talvez pode ser sim


Talvez pode ser não
Talvez é só talvez
Uma possibilidade
Uma cama pode ser
Um sofá
Uma cadeira
Uma esteira
Um som pode ser uma canção
Um poema
Uma palavra
Uma letra
Pode ser é talvez!
Um beijo pode ser selinho
No rosto
Na boca
Toques no corpo
Me beija
Me estrela
Me treme
Me contém
Talvez eu vá
Talvez você venha
Talvez nos encontremos
Talvez nos beijemos
Talvez só façamos promessas
Prometo te amar para sempre
Seja como amiga
Como mulher, ou pessoa,
Mas não prometo sair de mãos dadas
Dizer que és minha
Porque ninguém é meu dono
Ninguém é teu dono
Eu não te tenho
Você me tem

53
No sonho
Na cama
No olhar
Na conversa segredada que é só tua
Que é só minha

DOMGAIA

54
DOMÍNIO

Sombras vagueiam pelo céu


À espera de gigantes
Os quais possam ajudar
Oferecem seus serviços,
Entendem a situação
Só não podem ser vistos
Ou logo desaparecerão
É um jogo divertido
Complicado
Previsível
Em meio à escuridão

Aguardam o precioso momento


Em que ao céu retornarão.

E. Lewis

55
CATARINA

Pelos cantos desta Terra


Te catei Catarina
Pelos vales e rios
Te catei Catarina
Pelos cantos de fumo
Te catei Catarina
Cansei:
Agora tu me catas!

Eduardo A. Rodrigues

56
AUTÊNTICO AMOR

Descobri que não existe amor


Nas palavras sem atos,
Na união sem hiatos
E no frio que desconhece o calor.

Descobri que não existe carinho


Nos abraços sem saudade,
Nos beijos sem “maldade”
E sem a vontade de ficar sozinho.

Aconteceu quando a dura realidade


Prendeu nosso dia a dia
E a paixão revelou sua intimidade.

Aconteceu quando se rompeu o pudor


E o ingênuo encanto se perdeu.
Foi aí que descobri o autêntico amor.

Ernande Arcanjo

57
DESATINOS

Vivi os sonhos que não sonhei


Sonhei os sonhos que não vivi
Dos pesadelos, às vezes tenho assombros.
A insônia, amiga tagarela, que martela
Obsessivamente a mente... MENTE
Pronunciando mil pensamentos pensados
de presente, futuro e passado.
Mantém-me unida. Munida
de e às inquietudes inquietas que inquietam minha alma...
CALMA! Pede meu peito em despeito,
desterro, destroços, descrentes, destino
DESATINO! Desafino, defino...
Definho...
Sou menos do que era...
Sou mais do que seria...
Se não fosse...
O feito, o fato, o fito do teu feitio...
Fitando-me...
Ah! Olhos que me enxergaram...
Acharam. Olharam. Viram. Tocaram. Falaram...
AMARAM? Não.
Amor é verbo que tem o dever de ser conjugado, dividido
COMPARTILHADO
Dado e recebido. Não estocado.
Sentido, vivido, fluído
MATERIALIZADO!
Todos os paradoxos cabem no amor.
Mas o amor, em paradoxos não se acomoda.

F.F

58
ABISMO

O orvalho de cicatrizes de minha alma recrudesce em meu choro


A santidade de tuas mãos
Elevam meu espírito
A tristeza é pó em formato convexo
Convexo de dor
Os espasmos de alegria
São vertidos em sorrisos
Perdidos na cidade de Baia
Que nos dias de hoje é mera lembrança
Não me esqueço de afagar teus cabelos
Por um instante
Sou tudo e nada
Sou uma simples metáfora
Exagerado como uma hipérbole
Apaixonado pela palavra
Distante da realidade
Vivo em totalidade
Esmagado por sentimentos que teimam em ter voz
Em um abismo chamado eu...

Felipe Eduardo de Oliveira Silva

59

Não tente adivinhar onde está


No compasso da letra; sonorosa música lenta.
Que vai tocar.

Os sons penetram em meu ouvido


E depois, acomodam-se em meu coração.

Mas, então, por que és assim tão impalpável?


Música do meu grande delírio.
Quero ter-te, quero tocar-te.

Teu som é belo, tua voz me fascina


Porém tuas mãos nunca senti;

És prosa, és música, és soneto


És a imensidão do abstrato que nos paira

Se almejo-te de forma intensa;


Se respiro para amar-te
Por que continuas a fugir?

Fernanda Mynarski Martins-Costa

60
BEATRIZ, A FILHA QUE NUNCA EXISTIU

Foi num tempo áureo que já se extinguiu


Digo aos deuses que minha esperança ali partiu
Veio como um tépido sopro carregado de inspiração
Numa perfumada tarde de primavera de tão pura adoração

A suntuosa gestação era mais que um sonho


Era a grã-bênção do Senhor, e me deixava risonho
Tão dengosa criatura há de vir em breve, pensei, orgulhoso
Era a realização total do projeto-mor em um sublime ato milagroso

Um serzinho especial a brincar por toda a casa


Uma flor divina, um casto anjo munido de asa
Pelo terreiro, doce ente certamente correria
Por altas árvores, como um macaco, subiria

O gato Ket, de tanta sagacidade, teria finda sua majestade


O cão Rex, de tanta amizade, não seria mais a celebridade
Bananeira, goiabeira, mangueira, palmeira, figueira, oliveira, jabuticabeira
Tudo que pelo quintal crescesse, de qualquer maneira, ela seria hospedeira

Tanta veneração, tanto sentimento, tanto regozijo, tanta expectativa


Mas os planos adernaram, transformando deserta minha perspectiva
A prospecção da alma falhou, levando para sempre um pouco de mim
Não era para ser assim... Impiedosamente, o destino ceifou meu jardim

Vida ingrata de herculana desilusão! — bradei aos céus


Tomado de decepção, atinei em vão, tinha me lançado ao léu
Desta vez, não entraste em cena, não pisaste no palco, ó minha atriz
Em meu coração despedaçado a vida não mais medrou; fez-se uma cicatriz
Sozinho, no vazio, minha voz gorgolejava; minhas lágrimas fluíam em chafariz
Adeus, filha tão amada e prometida que nunca tive! Adeus, minha querida Beatriz!

Fernando Ffherush

61
SAL

Salpica saúde
Se em excesso e amiúde
Também ilude

Tempera o insosso
Se em dose de colosso
No futuro dói na carne e no osso

Reluz alvura
Se nos olhos sem sutura
Até cega a bravura

Cristaliza ao vento
Se em pilhas de fermento
Impede a gastronomia do experimento

Todo mundo tem


Se a ninguém faz desdém
Até o limite tácito permite ir além

Flavia de Assis e Souza

62
VENTO

Posso ser sufoco ou alívio!


Depende da forma como você me vê.
Às vezes sou vendaval,
bagunço os meus e os seus sentimentos, todos!
Coloco em desordem meus afetos e pensamentos.
Perco-me nos redemoinhos, que levanto nas tardes frias.
Deixo o mar revolto ao cruzar com uma tempestade,
E na tormenta me falta o ar! Desespero!
Procuro a calmaria.
Então briso. Com leveza,
Tocando a alma, trazendo alívio.
E no silêncio me vejo, me sinto, me percebo!
Encontro o eixo,
Retomo os pensamentos,
Encontro minha paz!
Eu vento,
Sou o ar em movimento!
Instável, sopro:
Posso trazer a chuva,
Bailar com a areia,
Brincar com a neve,
Guiar o navegante em alto mar!
Voejar…
Quando te encontrar;
Posso te deixar me tocar, mas não prometo ficar.

Flávia Santos

63
TUDO O QUE SOMOS

A ausência de desamor me foi concebida


Depois de eras de tormento
Sinto, é algo além de um “eu te amo”
Ou qualquer uma dessas falas bonitas ditas por lábios sem sentimentos

É como se o amor materializado estivesse a me atravessar


Mas nada físico nem literal
Nem sequer chamaria de “destino”
Pode-se dizer que é uma conexão astral
Algo divino
Como almas que chegaram ao seu destino final

Será amor, ou uma mera coincidência?


Diria eu, uma certeza
Algo além do infinito, como teorias sem lógica e os mitos sem essência
Sensação de experiência com esse teu coração que se resume a pureza

Pois somos poemas largados aos ventos


Sentimentos intensos e vulgares
Ambos epicentros
Universos reprimidos em olhares.

G.s

64
SUA VITÓRIA É LUTAR

Tocou o chão com seus pés


De forma que há muito tempo não fazia.
O piso, quase intacto por ela
Parecia uma rocha densa e fria.

A sensibilidade estava fortemente presente


E aquela emoção
De dar os seus “primeiros passos” novamente
Ecoou os quatro cantos daquele lar.

No corredor,
Ela imaginou uma pista de corrida
Com direito a linha de largada
E uma faixa ao chegar.

Quando ouviu um sonoro


“Pode ir!”
Ela não pensou em nada
Somente em caminhar.

Como se tivesse esperado


A vida inteira para viver
Aquele momento único
E se libertar.

Dentro dela existe


Uma infinidade de coragem
Para este mundo desbravar.

Voa, Resoluta
A sua vitória é lutar!

Gabriela Almeida Sousa de Azeredo Coelho

65
ESTÁTUA

Esporádicas explosões de neurônios,


abrir e fechar de pálpebras,
um passarinho em meu ombro.

Musgo é tecido do tempo que me cobre o vulgar.


Enquanto meu corpo,
museu de mitos,
cede a posição de eterna espectadora.

Esporádicas explosões de neurônios,


iluminam minhas ideias:
movimento de mão antes sedimentada.

Fóssil é lembrança de um passado


soterrado e sepultado
que vive solitário em sua anacronia
e chora petróleo.

Esporádicas explosões de neurônios,


barriga roncando
ao espreguiçar de sono finito.

Fome é instinto primitivo


que me desfaz etérea
e me torna mundana,
tal qual enchentes e escassez.
[Musgo era o tempo zombando de mim]

Gabriela Zimmer

66
VESTÍGIOS DA PANDEMIA

Das muitas vidas ceifadas


Por um vírus que alucina
Que mata sem piedade
Parece que veio da China.

Chegou sorrateiramente
E de repente se expandiu
Por todos os continentes
Passando aqui no Brasil.

Sem saber como lidar


Travou até os sabidos
Começaram a estudar
Na busca por um antídoto.

No vai e vem das vacinas


Uma aprova a outra desaprova
Enquanto a indecisão
O povo se apavora.

Sem ter para onde ir


Nem trabalho e nem passeio
Só com masca e álcool em gel
Foi aí que pânico veio.

Os hospitais se lotavam
De gente contaminada
Até quem nada sentia
Fazia o teste e acusava.

A pessoa que pegava


O tal COVID chamado
Mesmo ele indo pra casa
Ficava engurujado.

É essa a mazela deixada

67
Por essa contaminação
Que muitos têm que lidar
Chamada de depressão.

E mesmo em casa trancado


Muitos vão ter que ficar
Proibidos de sair
Não pode nem se arriscar.

Assim foi ficando feia


A vida de quem nada tem
Pra comprar uma cesta básica
E viver sem um vintém.

Começaram-se os protestos
Pras coisas normalizar
Que chegou algumas vacinas
Pra gente se imunizar.

Foi preciso confiar


Nas ciências aqui da terra
Pois com a permissão de Deus
Venceremos essa guerra.

Viva a esperança!

Gescélio Coutinho “Poeta do Sertão”

68
INTUIÇÃO

Intuição, de mulher, de mãe, de avó.


Intuição do existir, do sobreviver, do viver.
Intuição da existência humana.
Do frágil desacompanhado.

O instinto atrelado à minha intuição,


Intuição de menina, de moça, de mulher.
Abro a janela, vejo a intuição do rato, que pulou
Do meu lado à procura de refúgio e escuridão.

Intuição de sobrevivência, de lutas e adaptações.


A vida por um fio, até mesmo por uma fresta.
A intuição da amizade, do amor carecido, da proteção
Inesperada. A intuição da seleção natural.

Entre a brisa das árvores esguias e sombrias,


Jaz a intuição da espera, do esconderijo, da toca
De proteção, do abrigo, do lar construído.
A intuição da sobrevivência do ser viaja entre os labirintos da vida e da morte.

Géssica Menino

69
CÍTRICO

(Sinestesia ou nonsense?)

Então diz qual a cor mais certa.


Me sonha a palavra mais reta.
Me mostra a linha mais leve.
Indica o som mais cítrico.
Me traz o cheiro mais mole.
Me entrega teu gosto vazio.
Teu vazio.
Meu.

Vazio, que nada!

Me diz qual a cor do vazio.


Me sonha o vazio da palavra.
Me reta a linha tão cítrica, tão crítica.
Som, dica, indica o teu cheiro.
Teu cheiro.
Meu nada.
Me entrega teu cheiro, ainda que eu não te mole por estas palavras (dica).

Não digo as palavras certas, mas tua cor traz som ao meu gosto.
E eu gosto.
É leve.
É sonho.
É meu.
E teu.
Sou tua (talvez).

Cítrico, mas sincero.


(Ou sincero mais cítrico?)
Não é mais, mas é mais ainda.

Giovana Lucas

70
POESIA NÃO É FIM, MAS RECOMEÇO

Poesia não é fim, mas recomeço, relendo


Do fim pós leitura, de mim, recomeçando
O sentimento sentido, o sentimento passado, presente
Dentro da poesia, dentro de mim, adentro
Um presente ingrato, que não me reconhece
Rápido demais primeiro, incômodo demais, em minutos
Para serem vividos mais de uma vez
Lendo pensando em coisas, em sentimentos vividos
Que ficaram e ainda estão aqui, dormentes
Despertados quando acordados pelo que eu li.

Giuliano Martins

71
LAMENTO LUSOTROPICAL

Dos mares salgados do atlântico


Ergueram-se homens de grosso trato,
Feito meu bisavô que nunca conheci.

Nas vielas dos meus pensamentos,


busco a imagem do jovem gajo
maltrapilho e esperançoso

Cheguei a falar que trouxe em sua mala


Esperança e saudade
E trouxe também,
uma dose de lirismo,
Lá de Trás-os-Montes.

Maior herança que me deu


Desse sangue ralo que corre em minhas veias
a lusa parte chegou ao meu combalido coração

Meus silêncios eleitos são preces


para que tão doce-ácido português,
eu possa escrever aquilo que me cala

Teu nome era o mesmo do meu


Teu sobrenome também era o mesmo do meu

Em duas épocas diferentes,


na triste história desse mundo,
dois jovens de mesmo nome e sobrenome choraram

Lágrimas do sal da terra que uniu pelo tempo tão lusófono lamento.

Guilherme Giesta Figueiredo

72
CANOS QUEBRADOS RANGEM

escuro e absolutamente nada.


os olhos estão abertos sei que estão
bem abertos no limite do arregalado
e nada

canos velhos
é a única coisa que consigo perceber.

a cabeça inteira vibra com o som desses canos velhos rangendo.


é tudo tão distante e tão intenso
uma velocidade atropelante
dá para sentir vindo de lá, daquele lado

o vento chega bem antes.


uma ventania imensa que está sendo expulsa de dentro.

só que não tem saída.


essa ventania e sei lá o que vem junto vão ocupar tudo isso.
são tudo isso

é uma avalanche.

o toque é rápido, não sei quão rápido.

já estou em outro lugar.


acho.

água, uma imensidão de água. de ar líquido. de mutação de substância.

microcosmos de moléculas. uniões triplas em formas de bolhas.


sufocantes imensas englobantes
e todas as cores.
tons azuis, verdes, pretos, cinzas, amarelos, vermelhos.
tudo passando pelo mesmo prisma, espectro e se fragmentando

Helen Kaliski

73
EFÊMERA PAIXÃO

Sou cria da sua ira


Laço solto na imensidão
Me contam histórias que sua mente inventa
Você acreditou, mas não foi capaz de aceitar
Chora, ri e imita o autor
Palavras inertes nesse caso de amor
Eu grito seu nome
Você não me ouve
Não consigo me desprender de ti
Somos um e não temos vontade própria
Corro o tempo todo busco você
Quando penso que te tenho
Tu me escorres pelos dedos
Não sei mais o que fazer
Minhas forças já não bastam
Como posso te encontrar

Hellen Carvalho

74
ANTIFUTURISMO

Memória do que não foi


presença do que não está
o antes que vem depois
a casa que não é lugar

Dupla que não são dois


história pra não contar
o destino que me perdoe
mas nego o que será.

Henrique de Abreu

75
O AMOR ENTRE VOCÊ E EU

O amor entre você e eu, nasceu em um simples olhar.


E sem que nós dois percebêssemos, já estávamos flutuando de
Tanto amar.
Daquele lindo jeito.
Nós dois em um amor eterno, cheio de tesão e paixão
Totalmente sem explicação.
Eu te amo e sei que você me ama.
Ah! Lindo o dia em que te conheci,
Foi como um sonho,
Uma realidade fora de si.
O amor entre você e eu pode se tornar uma linda história.
Uma história sem dimensão.
E se algum dia existir um tempo estimado.
Será o de nós dois juntinhos, bem velhinhos,
No tempo tão aproximado do final de dois apaixonados.

Ingrid Brito

76
FUGA PARA O EXTERIOR

Preciso fugir desse mutismo


Que habita dentro de mim
Sair de mim
Para o eu outro,
Não diz a filosofia:
Eu sou tu
E tu és eu.?

Acho que me aprofundei


Muito no eu
E quase tornei-me homicida
Dando cabo do tu.
Nem sei dizer
Quanto sóis nasceram
Desde minha concepção
Preciso urgentemente
De um combustível para a vida
Até os dias de hoje
Lutando contra genocidas
Eu quero viver mais,
Aprender a cantar
Meu grito de liberdade
Tornar-me extrovertido
Fugir desse mutismo

J.A.Silva

77
MENSAGEM AO RADICAL

Tu que xingas e apontas


Os atores dos contrastes.
Dedo em riste, firmes hastes,
Voz altíssona, frases tontas…
Sempre estás com as mãos prontas
Pra jogar pedra e, no perigo,
Constróis teu próprio castigo
Em perverso itinerário.
Ao teu adversário
Tu chamas de ‘inimigo’.

Para expor teu argumento,


Tu gritas e te exaltas,
Do teu próximo apontas faltas
Sem ouvir um só momento…
Tu te tornas violento
Com o teu radicalismo.
Em nome do ‘idealismo’,
Do real estás a esmo,
Sem nem notar que a ti mesmo
Estás chamando um abismo.

Vem, agora eu te convido


A fazer reflexão,
A segurar minha mão,
A ouvir e ser ouvido.
Todo reino dividido
Cai por terra e fere os pés.
Não quero os gládios cruéis
De uma guerra inconsequente,
Até porque eu sou gente
Da mesma forma que és!

Jénerson Alves

78
QUEIMADAS

Os mortos continuam morrendo


no apagar gradual dos meus dias

Há os que já se foram afogados


pelas inundações do tempo
tossidos das lembranças como se fossem
resfriados ou fumaças exaladas dos cigarros

Deles apenas lembro que os esqueci


no silêncio do interior fundo da não-memória
aquele lugar sem rosto rumor ou nome
onde habitam os sumidos abandonados
deixando em seus sítios agora vagos
velhas covas esperando novos apossados

Em meus pretéritos mais antigos


não me cabem todos os finados
é preciso o cessar de alguns fios
para continuar fiando às lareiras
este tecido tão muito e tanto mal-usado

Mas em mim ainda subsistem incêndios


e o cheiro das carnes queimadas
a me permanecer condenado às saudades

Quando por fim o último morto partir


não havendo ninguém mais a lembrar
é que vou então deixar de existir
no debelar das fogueiras
e no vanescer da minha história

Joaquim Cesário de Mello

79
PRIMEIRO CHORO

O texto me assalta, me toma, me assusta


Sem aviso, me surpreende
Paro e deixo que venha...
Assente-se
Materialize-se
Manifeste-se
Tome a minha mente
Encontre seu rumo
Desenhe sua forma
Preencha o espaço das minhas reflexões.

Saber-me fecunda
Gerando e parindo
Vidas, Palavras, Ideias, Discursos
Se não...
Inquietação, desassossego e dor!

Tantos são os processos de criação...

Voltei ao meu!

Primeiro choro.

Jolene Paula

80
CHROMOSOMES

Eu quero a linguagem livre


Aquela que não admites
Que dizes soar estranha
Deturpada ousada demais

Eu quero a linguagem gente


Aquela que achas feia
Que dizes ser diferente
Por ir além da gramática
Sujeitos genéticas genitais

Eu quero a linguagem neutra


Que desmascara tua cara
Quando falas que aceitas
Mas, perto de ti, não! Jamais!

Jorge Abreu

81
DIADORA

No galho da mangueira
havia uma portentosa arara
gulosa e sublime em sua gingada.

Alimentando-se em pleno alvorecer,


e comigo pensei: deve ser o café
ou será que não o é?

- Interessante é colher a fruta madura...


sem ao menos inquirir a consequência
dessa jovial procedência biológica.

Por fim, entendi que a colorífica asa


precisa duma bela presenteada impudica,
De Zeus é Deodora à mim é diadora.

Jorge Lazaro de Oliveira Costa

82
SOBRE NOSSA CASA COMUM

Em quantas dimensões um sonho nos leva,


Quantas presenças sentimos falta em uma vida?
Quantas histórias na memória são soterradas
Enquanto outras mais iniciam sua despedida?
A distância entre a Terra e Marte
É maior do que entre as pessoas na avenida?
As vitórias hoje comemoradas
Amanhã serão lembradas sob outra perspectiva?

É, o mundo não vai nada bem,


Disso a Mafalda já sabia.
Se do lado de fora parece um caos,
Do lado de dentro reina a euphoria*.
E assim como se confunde religioso com espiritual
Fica até mesmo mais difícil distinguir noite de dia.

Em quantos sonhos as dimensões nos levam,


Quanta falta fazemos para outras vidas?
Quantas histórias na memória são iniciadas
Enquanto outras já estão na porta de saída?
A distância entre o Ocidente e o Oriente
É maior do que entre as pessoas na academia**?
De todas essas guerras particulares e declaradas,
Quantas delas nos trouxeram maior harmonia?

É, o mundo não vai nada bem,


Disso a Mafalda já dizia.
Se do lado de fora alimenta-se o mal,
Do lado de dentro cresce a histeria.
E fica difícil diferenciar arte do que é banal
Como é difícil distinguir delírio de ironia.

* Faço uma referência à série televisiva homônima (Euphoria, 2019-), criada por Sam
Levinson.

83
Em quantos espaços o tempo nos leva,
Quantos lugares percorremos numa vida?
Quantas memórias em nuvens são armazenadas
Que não equivalem àquelas que ficam ao final do dia?
A distância entre a Terra e Vênus
É maior do que as tantas sombras na avenida?
O silêncio ontem tão sagrado
Algum dia será ouvido por quem grita?

O mundo não vai nada bem,


Isso a Mafalda já previa.
Se do lado de fora virou vendaval,
Do lado de dentro aumenta a ventania.
E fica difícil diferenciar insanidade de racional,
Como pode ser difícil distinguir valor de mais-valia.

José Douglas Alves dos Santos [Desmistificador de Dálias]

** Academia no sentido espaço/contexto acadêmico.

84
SAUDADE

Que saudade sinto de ti, mesmo estando aqui


Do meu ladinho
Que saudade tenho da tua presença
Na tua ausência

Saudade engana a gente fingindo ir embora


Eis o segredo: ela sempre está conosco
Naqueles corações nostálgicos, sensíveis
Onde são possíveis
Tantas saudades

É ela que nos faz cantar, escrever, citar poemas


Faz tudo valer a pena
Comprar flores, nos faz atores, inspiradores
Nos faz correr como loucos
E tampouco nos importamos

Que saudade sentiríamos da saudade se ela não existisse entre nós!


Nossos corações seriam vazios de emoções
Não existiriam tantas canções
De amor, de sentimentos nobres
Seríamos um tantinho mais pobres

Saudade cria espaços na gente


Onde cabem nossos entes amados
Os amigos estimados
Onde cabem as boas lembranças
Tantas nuanças!

Ela é uma espécie de guardiã, uma anciã atenta


Que em silêncio sustenta
Amores diversos, aqueles versos,
Submersos na velha e boa saudade!

85
Oh nobre Deusa da aproximação,
Sublimação personificada em nós
Curvo-me ao teu altar para exaltar
Sem me ocultar de tua presença
E não permitirei que nenhuma tentação me convença
Que tu, Deusa encantada, seja violentada
Aqui dentro de mim!

Jota Vilaça

86
LUGARES INACESSÍVEIS

Tenho lugares que não foram navegados.


Sinto-me em território estranho, limitado,
Com espaços misteriosos e indecifráveis.

Sinto-me um desconhecido em terras estrangeiras,


Proprietária do ambiente, mas sem pertencimento,
Não pertenço ao mundo de coisas inimagináveis.

Estou ligada a tudo e sou nada,


Sou incapaz de me ser por completo,
Sou incapaz de deixar fluir o que está nos lugares inacessíveis.

Não sei se o mundo tem estrutura para tamanho estrondo,


Então, conformo-me com as terras exploradas e conhecidas
E aqueles lugares continuam inacessíveis.

Ju Cerqueira

87
ROBALOS ROUBADOS EM COSTAS DO ADEUS

Um de nós se chama Mateus.


Casado com a linha do anzol,
a aliança rasga o
d
e
d
o
em nome da liberdade

Misturado por palavras


mais claras que seu comportamento,
a vara pressupõe o acaso

O vermelho que já foi poeta


remói a proa
O poeta vem ter com ele,
procura
o recebe

Na saúde
e na doença,
o sangue
é uma estratégia

Aos olhos de silêncio


que pulsa no casco,
Mateus arrasta
robalos roubados
em costas do adeus

Julia Peccini

88
CASA DA ALMA

Entre agulhas, papéis e fitas


Linhas, alfinetes e tintas
Borda letras coloridas
No papel risca uma flor
Na janela pinta o sol
No chão costura um jardim
Exala incenso a palavra
Cheiro de rosa e jasmim

Entre pincéis, livros e cores


Linhas, enfeites e flores
Desenha e colore a vida
Escreve, compõe histórias
Transforma o lar em poesia
Poemas de alegria e de dor
A casa que essa alma habita
É morada de um sonhador

Juliana Almeida

89
RUDÁ

Antes de você eram meias as noites


quebrantadas
e por vagar solitária entre as ruas do cais
a imaginar outras vidas nos barcos horizontes
perdidas também eram todas as manhãs
céus vacilantes
que por teus encontros
tardios
formaram o dia
imperfeito

Juliano Lira

90
UM MAIS UM SÃO DOIS E MEIO.

Dois corpos no meio do mundo.


Dois olhos no meio da estrada.
Dois corações no meio da praça.
Dois sonhos no meio da rua.
Dois passos no meio da igreja.
Dois dias no meio da cama.
Dois filhos no meio da casa.
Dois meses no meio do ano.
Dois medos no meio do acaso.
Dois choros no meio da espera.
Nós dois no meio de tudo.
Um só, inteiro de luto.

K. Kalli

91
ROTEIRO

Chega a ser lúdico


Universos múltiplos, extensos, absurdos
A vista corre sob o olhar cansado,
Outros tempos, era no deslumbre dos ventos

Me perco e não temo


Volto
Mas para onde?
Rebobina a fita, eu te vejo

Toca nas retinas


Novo dia, semblante de vida
Corre, que molha os desertos dos olhos
Voa, que chove o maremoto dos dogmas

Nas aventuras dos ares,


Me dispus inteira
Cabelos de ondas, moldura crua
Estreitam as portas, sigo nua

Entre as festas, os anos e as peças


Segues duvidando
Sigo acreditando
Na chuva, diluímos as palavras

Roteiro sem mapa, viagem de graça


As ruas sopram miragem
O céu acorda em desalinho
A rota, eu sei, perdi no caminho

Kattherine

92
O TEMPO

O tempo corre como um foguete


e como foguete ao chão ele se acaba
distante palmos a fundo e na caixa
que prende os restos do que para trás deixou o tempo
que em algum outro tempo se desfaz ao dançar das larvas
que de tempos em tempos também se acabam

Leonardo Elgin

93
VAZIO DE FILHA

“Descansa”, a mãe dizia, “que a vida é uma só”,


“Juízo minha filha”, “manda notícia, tem dó”.
Essa doçura das palavras que o tempo consumia,
Pouco a pouco ela esquecia,
E o hoje virou pó.
Mas das migalhas da vida,
Ela colhe as alegrias,
Cumprindo o dia a dia,
Com paciência de Jó.

Torcendo que a mãe esteja a par,


Aguardando para lhe explicar,
Como é que ela deu um nó
Nos caminhos traçados,
Muito antes planejados.
E os conselhos ela sabia de cor.
Uma esperava linha reta,
A outra ziguezagueou na certa,
Transformando a vida num Miró.

E o que fez a menina


A que ficou sozinha?
A criada a pão de ló?
Esperou a mãe dela,
Olhando pela janela,
Em rio de lágrimas e suor.

Letícia Dantas

94
NOV 11, COM CHUVA

Ainda preciso sentir o verde


Encostar no ar fresco
Entender as cores e seus contrastes
Correr com a ignorância de uma criança.

As folhas balançam e meu coração junto a elas se estremece


Sinais do mundo real, onde estão?
Paralela à terra, sou camadas inteiramente complexas, essencialmente eu.

Livre, me sinto presa à felicidade


Por enquanto, agito o ambiente com meus passos galopantes carregados pelo
entusiasmo de viver o que me atrevi a imaginar.

Letícia Nogueira Antunes Pio

95
REPETINDO 22

Ai, que preguiça!


Ano de muita saúva
E encheção de linguiça

Lílian Saeko Taba

96
TUA

Já faz um tempo que escorrego por palavras soltas


Na vaga tentativa de externar
Aquilo de mais belo do meu peito
Qual a razão de escrever poesias, se o tempo devora todo afago que deposito aqui?
Me diz qual é a cor que você enxerga o nosso amor...
Diz qual a visão que tem destes olhos verdes
Fala alto, para eu ouvir.
Assim quem sabe eu grito para o céu também.
Grito sobre a beleza de te olhar assim de canto
Grito sobre a casa nova que conheci em teu peito
Grito aquelas três palavras tão ensaiadas...
Me faço luz em meio à tua fumaça
E me queimo em cada tragada de teu cigarro.
Trague trazendo conforto para minha alma agitada
Se já te vejo em cada caminho ainda não percorrido meu
Deixe-me mostrar a que vim
Me deixa amar tua alma nua
Me deixa amar teu corpo cicatrizado
Me deixa ser, de fato o seu amor
Se és tu o lobo que uiva para a lua,
Serei eu eternamente cheia
De vontades de ser tua.

Lua Vargas

97
RETRÔ.EXPECTIVA

Transitei
mesmo quando tive medo
eu fui

Me arrisquei
vivi
caí

Levantei
em diferentes danças
todo o meu corpo

Sambei
na terra firme
movimentos tantos

Habitei
as minhas tantas partes
diferentes personagens de mim

Experimentei
em ondas de ir e vir
calmas e turbulentas

Mergulhei
na vida
dores e amores
aberturas e recolhidas

Equilibrei
na vastidão de sentires
e na feiura do que meus olhos veem

98
Me reinventei
mais uma vez
não a última

Caminhei...

Luana Souza

99
A MULHER DO FIM DO MUNDO

Meu coração está enlutado,


Perdemos Elza Soares.
Que se decrete um feriado,
E doze salvas de tiros pros ares.

Pois a mulher do fim do mundo,


E que provou que Deus é mulher,
De coração vasto e profundo,
Onde nenhum patriarca meteu a colher.

Comeu o pão que foi amassado,


Pelas mãos do próprio capeta.
Foi presente, futuro e passado,
Teve mais brilho que o tal cometa.

Provou que há lado certo,


Lutou o justo e bom combate.
E por mais árido que fosse o deserto,
Jamais fugiu do debate.

Noventa e um anos de vida,


Quase um século de austeridade.
Amansou praga, curou ferida,
Desfrutará da eternidade.

Lucas Mello Pioner (Lucano da Bética)

100
O LUAR E A MENINA BELA

Menina bela na noite.


Um céu estrelado!
Brilha um luar sereno.
Onda e mar...
Areia branca.

Menina bela de coração feliz,


Para o luar uma cantiga,
Amiga faceira!
Um grande amor!

Menina bela na praia,


Noite de mil estrelas.
Luar no mar da imensidão,
Ondas na areia branca.

O luar para a menina bela,


Coração de felicidade!
Ondas do mar...
Cantigas de amor.

Noite de estrelas,
Sombras da noite.
O luar e a menina bela,
Um sonho de amor!

Lúcia Paulino

101
DA CRIAÇÃ 0 EM ZER 0

Se agrega a0 mapa de pequenas


dimensões : treme se arrepia : ela
se sente se abraça bem

na p0rta d0 últim0 dia c0nhecid0


que h0uve que havia - diz -
quand0 eu sabia a0nde eu ia

ag0ra, grit0 invisível


vence lúdic0 lúcid0 e def0rmad0
a vida na m0rte e vice-versa

não se perde a v0z


estam0s junt0s num temp0 0utr0
mas n0ta este esface-
lad0 vazi0 que n0s cer-

invade e jaz Impress0 n0 papel


nã0 etern0, mesm0 assim
s0lar (( mais que presente
0 áp0r0 )( transmutand0-se
para um dia se ver em v00((
cert0

Luciana Quintão de Moraes

102
FINAL DE TARDE

No entardecer da vida
O sol se põe calado
De pouco a pouco se esconde
Em nosso final de tarde.

Os dias lindos e iluminados


Vão se perdendo no passado
Histórias bem escritas
Ou mal contadas
Já não importam
Tudo está consumado.

Nossas certezas
Se esvaem
Com o pôr do sol
Que nos para
Nos ensina
Nos cala
Em nosso final de tarde.

Lucinha Amaral

103
POEMA NOVO

trocar de olhos
riscar um fósforo
na escuridão

buscar o novo
ver o contorno
da imensidão

seguir o vulto
tatear o escuro
da imaginação

deter o logro
fugir do engodo
da presunção

sustar o susto
pular o muro
da solidão

garimpar o ouro
encontrar o outro
em comunhão

Luiz Eduardo de Carvalho

104
O QUE VIER VEIO, MAS O QUE VEIO FICOU

Vai
Rega a memória
A imagem, o tato, o som
Lembra
Lembra pra mim

Vem
E traz
Eu espero.
O que vier veio

Às vezes o tempo precisa passar


Para você voltar
Às vezes vem como um click
Um estalo
Pode ser um cheiro
Vem de qualquer som
Sensível como o toque
O que vier veio

Às vezes fica conosco


Às vezes fica preso conosco
Penoso
Ou
Saudoso
O que vier veio

mabs

105

Enterrada em uma encruzilhada


jaz a imagem que via no espelho
coberta de terra molhada
das chuvas de janeiro
soterrado junto às expectativas
meu pulmão se enche de partículas
meus olhos enxergam o breu
das noites úmidas
e o corpo abatido que penosamente trabalha:
meu peito se enche outra vez
mais um sussurro-grito
que não chega à superfície.

Manuela Poiana

106
A PERGUNTA

rachada a superfície
quebrada a terra
desponto ao sol

em sal e solo
água de chuva
e proteção

raízes - força
folhas - sombra
flores - pássaros e insetos
frutos - alimento
tronco - casa

espaço acima: céu


espaço abaixo: terra
da natureza a beleza
original e pura
em tons e sobretons
arco-íris particular

na calma da mata
o tempo imóvel
a contar as eras
a vida em doação
o existir por servir

por que o machado?

Marcel Luiz

107
PECADO REVOGADO?

Meu eu corpóreo comoveu com seu amor;


Na madrugada a Luamar algo nasceu.
Quem dera ser mais fiel ao apogeu,
A ousadia no seu olhar não tem pudor.

Rasguei o véu com acalanto ditador.


O arrepio com intenção, enrubesceu!
Apaixonada pelo mel esmoreceu...
A musa áurea que viveu pelo vigor.

O pecador é filho meu a vaguear,


Um disparate ocorreu: és o caído.
Em derredor viu o caminho terminar;

Uma nova chance o que peço esvaído.


Homem teimoso eu sei que a liminar,
A revogada tem que ser! Não convencido.

Marcelo Reis

108
MULHERES PANTANEIRAS

Mulheres Pantaneiras
Acordam com o raiar do sol...
Lutam dia a dia para o sustento da família...
cuidam dos filhos, semeiam, plantam, colhem...
Transformam, reciclam...
Trabalham incansavelmente...
Vivem em suas comunidades, fazem artesanatos singulares com características
marcantes da nossa região, com temas indígenas, e outras referências culturais
do povo pantaneiro.
A flora e a fauna pantaneira estão presentes seja nas cores ou nas paisagens,
transformando tudo em uma vitrine do que é o grande pantanal...
Interagem com a natureza de forma harmoniosa,
Faça chuva ou sol nada atrapalha seu caminhar...
Às vezes sofrem caladas, mas não se deixam abater...
É o pilar da casa... onde tudo comporta, tudo suporta...
Trabalham com muita sabedoria, paciência e precisão
Mulheres que buscam seu espaço porque precisam de mais voz, mais respeito
e reconhecimento.
Bravas guerreiras pantaneiras!

Márcia Dantas

109
AMIGO BOM

o bom amigo é aquele que olha longe


que se distancia para ver o todo
e retorna com sua lupa
mostra o que o espelho não oferta
o bom amigo
é aquele que lentamente
nos conserta

Márcio Adriano Moraes

110
SÓ VOCÊ NÃO PERCEBEU

Meeu reflexo sem nexo na poça da ru ua nua mergulha na cadência da boca tua
lambuzad da de céu lácteo e de vãs intrigas e de vagass paixõess e de emeergentes
clarrões que admoeestam o temp po do teempo até mattar em desejo o deesejo tolo
e vulgar doo medo que ain nda rói e dói e fere do tenddão às amídalas quee nem
existem mais mas que deeixam seus traços suas marcas entreabertas como
ponteeiros suíços de um grrande relógio de pragmátiicos pêndulos que às vezes
param como as tuas palavras que profferem tanto o fim e briincam entre as bolas
de gudes e as can nelas de meias rasgadas no pó daa terra que tingem o ar não
mais rarefeito da paisagem frria e que tanto desaafiam em brutas cores hoje
talvez ainda mais llilases ou roxas qu uem sabe branccas pálidas ou caarmins mais
do que o normal fatais como a ponta do teu punhal que bem ou maal sangra
fere mata traça seus planoss que se eu u não me engano não quero acordar me
deixa ser suaa prresa deleitee frescor nascente silêncio as ruas estão tão deseertas
já faz um bom tempoo accredite não há uma viva alma aqui só você não percebeu
EU
DISSE
REPETE
ONDE
ME
PERDI
FOI
NA
IRA
LOUCA
DA
SUA
ARDENTE
BOCA? SÓ VOCÊ NÃO PERCEBEU

Marcos Lopes

111
ARQUIPÉLAGO

Um rio de memórias
Cachoeira abaixo
Deságua

Um imenso oceano
Profundo

Na ponta da língua
A palavra

Marcus Zanom

112
PEITO DE BUKOWSKI

No peito morto de Bukowski jaz um pássaro seco e cinza.


Do azul não restou rastro
traço de ave pequena demais para o peso que suportou
toneladas de lamúria em nome da poesia.
A boemia da subversão.

No texto vivo de Bukowski faz coro azul um pássaro vistoso e gordo.


Afaga o berço frio do leitor que se decide ora tão livre
ora tão preso
sempre superior aos reles que não se regozijam do sofrimento
tola pompa intelectual.

No pomo estéril de Bukowski há pó do que antes era carne.


Sob as grades da covardia
o pássaro sucumbiu antes do algoz.
Passado o último suspiro, abrisse o peito do poeta
não acharia pássaro
não acharia rastro
como qualquer burguês embriagado, encontraria órgão oco
tonta vastidão de desperdício
abarrotado de víscera, entranha.

Maria Carolina Fernandes Oliveira

113
UM PASSADO TÃO PRESENTE

Estamos em uma época difícil


Em que a dor, a paz e o sofrimento
São inevitáveis neste mundo
Em um mundo muito difícil
Pelas guerras que nós mesmos enfrentamos
Nós e o mundo, nós e o nosso mundo

Hoje, morrer se tornou algo fácil


E o coração daqueles que proporcionam a vida é...
Um poço sem fundo e uma roda gigante parada
A paz que antes era farta, já não se acha mais
E nós vivemos como prisioneiros nas nossas próprias casas
... Em segurança. Mas o que é segurança?
Se quiser sobreviver mesmo tem que se lutar todos os dias!

O sofrimento já faz parte da rotina que dia a dia se finda


E, hoje, só chorar não resolve nada!
Se aprende a viver com os traumas da vida
E as pessoas que foram envolvidas não tinham culpa...
Culpa de nada!

Há de se perguntar se o amor ainda existe


Talvez, em aqueles que levam ao pé da letra o ditado
A esperança é a última que morre
O vento assopra, assopra... assopra... o passado,
Mas não apaga as memórias de quem sofreu no passado
Tão presente

Maria Gabriela dos Santos Silva

114
TESTAMENTO

existe um elo
o que conecta
o passado e o
vir a ser

existe um caminho
aquele que se apresenta
para todos os outros

existe o momento exato


da decisão de todos os outros
momentos

existe o imperceptível
e existe o
nada

o silêncio absoluto
o vazio
e a impermanência

existe o morrer
e o nascer
em ciclos

existe a poesia
então a palavra vive
sem medo da eternidade.

Mariana Reis

115

O que nasceu não é a coisa secreta


Que caminha em passos largos pelas trincheiras.
O que nasceu ainda está lá,
Coberto de terra,
Na boca da larva, na ruína silenciosa,
Sussurrando em outra língua.

Mariane Brugnari

116
CIGARRO

Quando a vi pela primeira vez,


usando aquela calça jeans rasgada,
tênis cano alto preto,
uma blusa regata branca,
aquela jaqueta de couro cor de vinho,
batom vermelho sangue estilo Moulin Rouge,
a cor do esmalte das unhas combinando com o tênis
e acendendo aquele cigarro,
enxerguei em pleno detalhe o que a sua boca queria.
Você fez comigo o que fez com aquele cigarro.
O acendeu.
Fumou, FODEU.
Fodeu até chegar à bituca.
E, por fim, terminou de jogar as cinzas fora,
O amassou, pisou, esfregou.
Deixou no bagaço.

Marina Sales Dias

117
SOLDADO ESQUECIDO

Vim Falar de um Personagem


Hoje muito esquecido
No Agreste tem renome pois atende pelo nome
De Jumento Nordestino.

Sempre às vezes nas Histórias


Os seus primos são lembrados
Fica ao Jegue a Escória
E a Glória aos Cavalos.

Estes, Altos e elegantes, mais velozes eu entendo


Mas quando as raças se cruzam
Pra gerar Burro ou Mula
As Éguas querem o Jumento

Carrega a Criança Inocente, a gestante e a Vovó


Não precisa Truculência nem ao menos de cipó

Mas se ele se injuriar, por favor amigo ouça


Muitos Vão se arrebentar
Pois o Jegue vai deixar
Uma mordida ou um coice.

Lampião montou em Jegue


Padim Ciço Mais ainda
Ele é o astro do nordeste
Da Bahia a Paraíba.

Nessa Sociedade Moderna


Onde a Tecnologia Predomina
O Jumento é esquecido, dos bons tempos de serviço
Pelas Estradas e caatingas.

118
O povo hoje é ingrato
Dar pra ver, não tem remorso
Pois até pra tocar o Gado
Nas campinas e nos Pastos, eles querem ir de moto.

Saudades de Antigamente
Onde o Jegue minha gente, tinha muita serventia
Hoje perdeu seu deleite, e ainda virou em alguns banquetes
Uma Carne de Iguaria

Mateus Peixoto

119
A SEMANA QUE JÁ FAZ 100 ANOS

Escancararam as portas do teatro municipal


Onde os olhos se viam homens amarelos, de sangue azul e vermelho,
respirando o ar paulistano.
Cujo pelos ouvidos penetravam as vaias
E no palco vozes recitavam poesias
Que desvairada semana que abalou a cultura brasileira
E a imprensa ao ataque nas críticas soberbas.
Nada consumiu a insana vontade,
Noites que mudaram o destino da classe literária e artística.
E assim se fez os Andrade! Mario e Oswald.

Matheus Nunes

120
PERDA DA AURÉOLA

O exercício posicional de ver a deus


e ao imponente relógio da Igreja
Ver a sacada verde no penúltimo andar do Bavária
Ver a impotente rua do centro vazia

A boemia e o escárnio à norma no Esquinão


A bulimia e esquiva à História no calçadão
cada grama de sonho sufoca e demonstra
que sonho desacordado é sonho vão
!!!antititânico!!! tudo passou...

Vicissitudes de um teatro: se realizar


personagem e peão no primeiro ato
trovar a tragédia à moda moderna
no segundo ato
pensão & bistrô no fundo do mar
tato e contexto:
hotel + cassino na lua
Ver a impávida rua de outrora vazia, sem riso
Ver as improváveis rugas da Máquina tísica

Os testemunhos de amor na Praça do Relógio e dos Bancos


Os testamentos de amanhãs no porão do Madame e em seus flancos
cada grama de sonho enferruja em desencontro
ao sonho sonhado com as mãos no timão
!!!antitetânico!!! tudo passou...

Vicissitudes do ano de vinte vinte: reviver-se


padeiro e cidadão para o terceiro ato
Existe mundo além-vinho, existe vida além-ninho
e dor na epiderme sem ópio e sonho esperando no forno
a grelha e a ceia para Lourenço e Paulo e Petersburgo e States
Estátuas de colonizadores e ruas com nomes de ditadores
DEUS SIVE NATURA – NATURA NON FACIT CAPITALE

121
O exército psicossocial tenta ver deus
e o imprevisível relógio da peleja
Ver a sua queda no pendor das moedas
Ver a imponente rua vazia
e sentir azia ao tremer do grave do tambor
que em tempo bater sem ser carnaval

Mattos Rodrigues

122
PARA LYDIA

Em teus braços sinto estrelas


Que refletem no mar
Revolto em teus olhos
Que volto a me afogar
Nas tuas palavras toco ritmos
De cordas sem fim
Violinos, contrabaixos
E um reles bandolim
Que ressoa no infinito
Labirinto do teu ser
Em que me perco
Me encontro
E que volto a me perder
Tua pele tem um toque
Suave de cetim
De seda do oriente
E da fonte carmim
Que jorra dos teus sonhos
Que esqueces ao acordar
Mas que regam e embriagam
Todo universo
E, claro, aquele mar
Revolto em teus olhos
Que volto a me afogar.
E quem ousar supor
Que em amizade inexiste poesia
Vai morrer sem entender
Como é bom o abraço da Lydia.

Midori

123
UMA AMPULHETA E UM(A) BIRUTA

Uma vez, eu quis parar o tempo


Para não deixar ele me levar
Também já quis parar o vento
Para ele não levar quem amo

Já quis desafiar o mundo e seus desejos


Acreditar que minha janela era o altar
Confiar que na hora certa teria lampejos
Que decidiriam proteger quem amo

Em cima das nuvens tive uma conversa


Que se dizia a respeito sobre minha vida
Que agora correria de forma reversa

Veria minhas memórias de forma repetida,


Lágrimas voltando aos olhos de forma inversa
Me tornei um fantasma de ampulheta vazia

Murilo Creado

124
CICLO, CÍRCULOS E CIRCO

O ciclo termina no prazo e é fechado,


Até que (renovo) outro ciclo.
Os círculos não se encerram, redondeia,
Enche, preenche, até que um vício.
E não parecendo ser, é aberto.
Plano só na geometria.
Um se constrói na brevidade em que
Se encaixa, evapora;
O outro, apenas existe.
Um é mais corpo que alma;
O outro, é mais alma que corpo.
Desenho um círculo e lanço-me em seu interior.
Uma linha riscada e visível para me isolar
De um ciclo fatigado e mórbido.
Mas, se nesse mesmo ciclo encontro
A palavra certa, e só ela tem o dom de permanecer;
Se olho ao redor e já não sei mais
O que é círculo ou ciclo, porque são traços transcendentes – e deles me
alimento...
A arte, ela fermenta a poesia nossa de cada dia,
Eleva-se, perdura; é pão, é fuga...
E é como num breve espetáculo de circo,
A arte, ela sim, pode fazer melhor essa transição.

Natanael Otávio

125
O CASAMENTO

Romântica incorrigível,
Ana sonhara a vida inteira
Com o dia tão especial.
Rubens, seu noivo, respeitando seu desejo,
Deixara todos os preparativos em suas mãos.
Ao completarem três anos de namoro,
Rubens a pediu em casamento.
No mesmo dia,
Ana contactara o hotel fazenda.
Seria um casamento vespertino
E primaveril,
Com vistas ao pôr-do-sol.
Ana encantara-se com os campos de lavanda de lá,
Que perfumara tudo ao redor.
Para cerimônia, um juiz de paz
E um trio de cello, piano e voz,
Que embalaria sua entrada
E pela noite adentro.
No lápis, relacionou 150 convidados.
Permitiu que fossem descalços, se assim desejassem.
Mas não renunciou a suas seis madrinhas
Vestidas de lilás, cor de lavanda.
Na sua fantasia, seriam servidos
Bolo e champanhe.
A pedido de Rubens, abriu uma exceção
E incluiu um buffet com 3 pratos quentes.
O vestido deixara por último.
Estava envolta em diversos e variados modelos,
Não conseguia decidir.
Ela já sabia o que Rubens usaria.
Um terno na cor creme ou off-white
E um sapa-tênis na cor caramelo.
Faltava escolher o vestido.

126
A mãe, vendo a aflição de sua filha,
Ofereceu seu vestido a Ana.
Surpresa, Ana só havia visto o vestido
Nos álbuns da família.
Emocionada, Ana casou-se.

Natascha Lopes

127
QUE OS SONHOS NUNCA TERMINEM

Do passado vêm as lembranças


Cingindo minha alma errante
Nos ternos sonhos como heranças
De uma sublime vida triunfante

Minha súplica perante divindades


Conclama o rito exuberante
No esplendor das credulidades
Meu pensamento é consonante

A dádiva das profusas memórias


É o que cinzela cada sonho meu
Jamais terminando suas trajetórias
Na harmonia poética do seu apogeu

Nelson B. Filho

128
ESCASSEZ

Preciso aprender a ser escassa.


Me sobram reticências...
Faltam vírgulas e pontos finais.
Completamente disponível, atenta
O tempo todo. Todo o tempo.
De prontidão.
Aguardando pedidos... Súplicas...
Será que eles não vêm?
Ansiedade. Angústia.
Sou clichê? Talvez!
Na controvérsia do meu querer,
Minha sobra me torna imperceptível
Chego até ao invisível
Ou será transparente?
Preciso ser necessária. Preciso ser insubstituível!
Será? Não, não mesmo.
Preciso sair da armadilha do controle.
Me conter sem o medo do esquecimento
Preciso ser rara, não abundante
Procurada na antítese da dedicação
Essencial catarse, sem nuances.
Mas, clara, plena, estratégica...
Presente, mas não insistente.
Real, mas não indigesta!
Preciso sim, fazer falta e ser escassa!

Pathy Milaré Bertão

129
ANTEPASTO

Comi tantas palavras que passei a vomitar textos e críticas.


Regurgitei versos melosos, esquisitos...
Com perfis longilíneos e desconexos.
Verti lágrimas venenosas, ao invés de salgadas. Espessas de fluidos ácidos,
vigorosos, doloridos.
Suei visgos transparentes nodosos com cheiro de carne.
Nervosos de tristeza.
Evacuei maldades subversivas, infratoras da ordem geral, verdades com
toques nocivos.
Afoguei-me em líquidos grudentos, transbordando em luz opaca.
Engoli tantas letras, que compus.
Árias, modinhas...
Poemas ditosos e lamentos insurretos.
Saíram, pois não os consegui segurar.
Entornei caldos ferventes de realidades que me queimaram a boca, a pele e
a garganta.
E me engasgaram de indignação.
Machucada por dentro, absorvi toxinas contrárias às ideologias formais e
me deformei.
Adormeci sobre os livros e engoli as mensagens vertiginosas que eles
trazem dentro de si.
Degustei conceitos, definições e apurei o gosto das escolhas.
O paladar fez-se seletivo e o sofrimento foi enorme.
De normal, tornei-me um monstro.
Uma imagem perigosa que reflete um pedido no espelho:
Por favor, não me apresentem o antídoto.

Patrícia Reis

130
TRANSFORMAÇÃO!

Poesia transforma;
Realidade em ser;
Poesia informa;
Molda o seu conhecer.

Palavras que libertam;


Abrem os olhos do Ser;
Letras que ressuscitam;
Vivificam pelo ler;

Escreva sua alma;


E busque inspiração;
Cubra-se com a talma;

Talma de seu coração;


Poesia ativa;
A letra que cativa.

Patrick Raymundo de Moraes

131
FILHA E PAI

O pai deveria dizer que, vez em quando, falha


Que viço esvai, e sentimento, vira e mexe, talha
Que a verdade é frágil como a fina flor de palha
E que experiência cansa, ilude e muita vez atrapalha

Mas, a vergonha de me sentir um homem pulha


De, num universo infinito, ser só ponta de agulha
Chama pela vil e tentadora ideia da maravilha:
a vida pode, e deveria, sempre ser a bela ilha.

E assim, vou purgando a informação que a raça entulha


Até que, numa manhã, sou corrigido por minha própria filha
Que argumenta com energia e brilho de uma centelha:

"Viver, meu pai, é muito diferente de ser só uma pilha


É, por vezes, deleitar-se aos raios que a lua espelha
É, por vezes, tremular às sombras que a luz espalha"

Paulo Oséas de Carvalho

132

os rastros
do que já fui
carrego
nos poros
as novas
rachaduras
do meu
vir-a-ser

desenho
na carne
meu novo vício é deslizar pelas inexistências.

Pietra Garcia

133

Invadir o mundo não escrito e naquela manhã


Um novo modo de usar a
Permanência
Ou aquela tilápia da margem de Atibaia
Em que se transpunha o cínico o
Desejo inquietante
In-
um modo em todas as palavras ausentes do signo
Tecendo inquieto enquanto dimensão secular
O dorsal na espinha perene fisgada
enfim subvertendo lógicas-amarras
Do não-entrementes
Do verbo vazante
Ignaro
Não ditas como
Farejando sinapses, facultando liras
só a pressa Rasante Rasante Racional impele
Ao sigiloso

...

Na pesca em Atibaia era mentira


A insignificância possui seus caprichos
Tardios pela querela revirada.

Rafael Petito

134
FLOR AFRICANA

Menina em fragmentos, cabeça raspada.


cheia de dor e tormentos, negra.
Seus, meus e alheios sofrimentos, descalça.
sorrisos inteiros, olhares derradeiros
corações partidos ao meio,
mentiras vindas do vento,
300 quilômetros por segundo,
ultrapassando pensamentos, rasgando o mundo.
Reflexo torto, sorriso louco,
fragmentos solteiros e desordeiros,
dentro do olhar um poço, sem balde ou cordas,
seco, outrora lamacento,
seco, não mais lamacento.
Um amor fosco, sem gosto,
dentro da mente um rosto,
um amor morto, torto, seco,
como um beco, não, nem tanto,
muito olho derramando pranto,
lamento, mal concebido, sozinho,
mal aquecido, longe, perdido, cheio de dor.
Morto está o poço seco e lamacento,
chuva, cheiro, marcas de água,
o poço transbordando de tempos em tempos,
no peito de muita gente sorriso e tormentos,
faces de pão dormido torcem pelo amor adormecido.
Em algum corredor dois ou quatro desconhecidos, a
braços soltos, loucos, velhos,
Menina flor, sons roucos, apertados, perdidos e folgados.

Railma Cavalcante

135
O QUE EU FAÇO SEM VOCÊ

O que eu faço sem você?


Se você é o meu mundo.
O que eu faço sem você?
Se você é o meu tudo.

Pra que ficar longe de mim?


Pra que me fazer sofrer?
Pra que dizer vai dar um tempo?
Longe de ti eu não aguento.

O que eu faço com teu cheiro?


Que ainda está em minha cama.
O que eu faço com meu corpo?
Se por você ele reclama.

O que eu faço com a vida?


Se eu me sinto tão perdida.
O que eu faço com o mundo?
Com esse desejo profundo.

O que eu faço das lembranças?


E dos sonhos que tivemos.
O que eu faço com as chamas
E do fogo em que ardemos.

O que eu faço com o meu eu?


Se ele chama por você.
O que eu faço com a saudade?
Que não me deixa te esquecer.

Raimunda Alves Melo

136
SE AS ESTRELAS FALASSEM

Ah, se as estrelas falassem,

elas te contariam da saudade que eu sinto de ti e de como você me faz falta.

Se você soubesse que eu sonho acordada em te ter por perto mais uma vez, para
sentir seus lábios nos meus, conectar nossos corações e relembrar do teu cheiro.

Rebeca R. Finkler

137
INFÂNCIA

Se um dia criança eu voltasse a ser


Prolongaria ao máximo o ofício de brincar
Inventaria personagens em cenas brilhantes
Num lúdico cenário em que eu pudesse montar

Viveria ao máximo o meu compromisso


De nada ter meio, começo ou fim
Viajaria em meu mundo fantástico e incrível
Onde a realidade seria irreal para mim

Deixaria os sonhos me furtarem os medos


Conhecendo o mundo de forma tão louca
Cantando, dançando, pulando e correndo
Aproveitando ao máximo essa fase tão boa

Pela pureza da vida seria guiada


E da minha inocência tiraria a esperança
Que no amanhã tudo pode, tudo há de mudar
E que tudo, tudo acontece, quando a gente é criança!

Rejane Barros

138
VACINA JÁ

De repente, tudo era escuridão!


Vivemos o luto e a solidão!
Tantas vozes se calaram
Tantas vidas se encerraram!
Eis que uma luz ilumina
Sorrindo, o povo se vacina!
Não vacile, é vacina no braço
Para a esperança dissipar o cansaço!
E todos veremos nascer um novo dia
Se cuidar é um ato de cidadania!

Ricardo Baba

139
DESCOMPASSO

Quando contigo o mundo para de girar,


Som que nasce diante do perfume único...
Paisagem ímpar surge de uma aurora singular,
Trazendo o aroma suave que massageia meus sentidos, agora perdidos.

Mas o tempo se acelera e corre, debochado.


Não dá uma trégua diante de tamanho achado...
São muitos suspiros, pensamentos em desalinho...
E então somos forçados a voltar ao mundo comum,
Meio sem graça, preto e branco, por si cada um.

E por cada instante que penso em ti, distante,


É como se contra mim o peito apertasse,
No descompasso da vida sem ritmo,
Na esperança de que um dia tu em mim ficaste.

Ricardo Xavier

140
MATURIDADE AOS 16

Faz 15 anos que minha mãe morreu


Minha filha mais nova tem 9
A mais velha, 24
E eu ainda estou decifrando esse mistério

Meu pai completou 80 anos em agosto


Em breve fará 3 anos que me separei
do pai da minha segunda filha viva

Eu tenho 45 anos mas nem parece


Parece que nasci ontem
Ainda não aprendi tanta coisa inútil
que se aprende aos 16 anos

Olho no espelho minhas marcas de expressão


que a cada dia se expressam
ao redor dos olhos e da boca
no pescoço e na barriga
quando eu me abaixo

Eu me sento na beirada da cama esperando


a maturidade (tão útil) chegar

A maturidade
Quando saberei dar as respostas certas
no momento apropriado
Quando não ligarei
para o que não importa
Quando terei certeza do que quero
e de como conseguir
E ao conseguir
não levantarei sequer a sobrancelha direita

141
A maturidade de olhar tudo o que passou
sem um pingo de remorso

***
Meu corpo já não sangra mais como antes
Mas o coração deu pra gotejar
Enquanto espera a maturidade

Na beirada da cama
Marcas de expressão
Coração gotejante
Ânsia de viver
em plenos 16 anos

Rita Kawamata

142
VIGÍLIA

O presente passando passando


Se não for hoje, quando?

O dia está diferente.


Meu lugar minha pele família,
minha gente.

O tempo escorrega na areia.


No fio da otimista ampulheta
que recomeça do fim, pirueta.

As fiandeiras, tear ou teia?

Roberta Rossener

143
O TAL SENTIMENTO

O talo
o tálamo
o álamo
o carvalho
machado no visgo da dor
floresta e orvalho
movimento mental
sofredor

Rodrigo de Araujo Fonseca

144
LAMENTO DA VERDADE

A mentira tem perna curta


mas é muito mais bonita
que a incômoda verdade
A verdade o sonho furta
A verdade esperança limita
segura a louca liberdade

A mentira se empilha
e finge ter profundidade
Uma em cima da outra
prometem uma maravilha
tem muito mais intensidade
que a realidade neutra

A verdade não prevalece


porque a mentira é mais interessante
e nós queremos entretenimento
Se quer convencer, esquece
Desmentir é inútil e estressante
À verdade, o esquecimento

Rodrigo Ortiz Vinholo

145
REFLEXOS

Soluços em noites mal dormidas


Sangue nas ruas berrantes
Horrores, dores, flores

Nos tempos perdidos da vida


Gemem almas não resgatadas
Discussão, mansão, explosão

Voos de feiticeiras ilusionistas


Vampiros fugitivos em transe
Morcegos, corujas, lobisomens

Águas invasoras das enchentes


Nadas de restos flutuantes
Lixo, lama, limo, lava-jato

Na sussurrada política noite


Uma lua teima romantizar
Sem lastro, sem prazo, sem lume

Era uma vez um poeta


Escrevia versos, dizia estrofes
Perplexo, sem nexo, complexo...

Roque Aloisio Weschenfelder

146
OS DONOS DA TERRA

Qual liberdade nos habita?


Se tudo que há se contesta.
Tudo se cogita, do despertar
Ao caminho para caminhar.
Que alforria nos premia?
Em convulsão o peito se agita.
O Homem parametrizou o homem,
Só para conter a sanha de matar.
Regras, dogmas, caminhos e religiões,
Algemas invisíveis para o pensamento.
É preciso conter e a todos amordaçar.
.............................................................
Eu sem saber aportei neste Mundo,
Com sede, fome de viver e amar.
Só quero a Terra, sem escritura de posse.
Águas limpas sem taxas e impostos,
A energia transformada, sem exploração.
Mas, achei tudo com dono ou preposto.
Terra grilada pela ambição.
A natureza solapada em uso capião.
Então alugo um pequeno pedaço,
Porque sendo rico de consciência,
Não tenho escritura de propriedade.
Só tenho no peito amor e verdade,
Posse garantida de sete palmos no chão.

Rosamares da Maia

147
VOO

Solitário, envolvido pelo luar da lua cheia


E pelo brilho das estrelas,
Pensando no passado
E nas histórias vividas,
Um canto melancólico assobiou
Que no silêncio da madrugada ecoou.
Tomado por um alívio no peito,
Postou-se a cantar mais alto
Mais alto e mais forte.
Satisfeito, em seu galho adormeceu.
Ao clarear o dia,
Toda a imensidão avistou
E a beleza da paisagem apreciou.
Encheu seu coração de esperança,
Com coragem e confiança
Uma decisão tomou.
Bateu asas e atrás dos seus sonhos voou.

Rosilene Augustin

148
PRESA A VOCÊ

Se importasse você faria


Você diria
Me amaria
Não deixaria de ser.

Se importasse não seria assim


Um ponto para o fim
Uma palavra para o ponto
Uma atitude para a palavra.

Não seria uma cova rasa com esperança para reviver.

Se importasse me deixaria ir
Me libertária para prosseguir
Ir ao longe sem voltar
Sem esperar você ficar.

Se importasse não seria uma caixa


Muito menos uma casa
Seria um mundo de possibilidades
Seria o total da verdade.

Mas nunca importou


E por isso ainda estou aqui.

Rute J.S. Barbosa

149
SILÊNCIO

meu desejo é dizer


sem usar palavra

meu desejo é escrever


palavras que não dizem
a que vêm
e para onde vão

sonho com palavra aberta


sem conceito
ou significado
aquele tipo de palavra-símbolo
que abre na vida
o portal real-mágico

venho de um solo trágico


e meu destino é lugar nenhum
meu desejo é apenas algum
dentre tantos outros selvagens
vivo de angústias
que me trazem
os deveres da multidão

preciso ser esquecida


carcomida pelas esquinas
tatuada
de solidão
mas meu desejo me responde
[você não tem nome]
e finalmente
solta minha mão

Sabrina Gesser

150
O MUNDO

O mundo acabou
Quando dizemos o que esperam
O mundo acabou
Quando fingimos
Quando aceitamos o errado
O início do fim começa dentro de nós

Samira Amarildo

151
REFLEXÃO

Agora fiquei divagando!


Entre Aristóteles e Thomas Hobbes:
A crença no que move o homem:
O pensamento coletivo que constrói – “o animal político”
Ou o instinto de suprir desejos e necessidades individuais – “o homem é o
lobo do homem”

As experiências tendem a me levar pelo segundo caminho


A acreditar que tudo é uma cadeia interminável de desejos
Na necessidade humana de suprir seus próprios interesses
De aperfeiçoar e colocar em prática habilidades necessárias a consecução
de um fim!

E qual é esse fim?


Desejo, poder, reconhecimento?

Ah, complexo humano!


Apaixonante e aterrorizador!
Do que é capaz para alcançar seu fim?
O que é mais importante para ti?

Deixe-me olhar nos teus olhos!


Deixe-me ver através de sua alma!
Parece assustador!
Por me expor e por te expor.
Mas só assim.

Sandra Maria Barcelos

152
MENINO DE ENGENHO EM POESIA

Lembro-me como se fosse hoje


Da minha mãe caída no chão, ensanguentada
Feito bicho do mato, na espreitada
Da viagem de trem, prolongada
Da chegada ao engenho, na invernada
Dos banhos de rio, das mergulhadas
Dos passarinhos cantando, das revoadas
Das brincadeiras de crianças, levadas

Mas também me lembro das tristezas e das angústias que aquilo me causava

De como fui parar ali, desgostoso


Do motivo mortis de mamãe, tenebroso
Do meu pai levado pela polícia, como doido
Da morada no engenho, um desafogo
Carregado de sentimento ruim, maldoso

O gosto pelas máquinas me faziam esquecer daquilo, brutal


E voltava para o meu mundo, normal
Um mundo de coisas novas, sem igual

O tempo foi passando e, com ele, fui entendendo como funcionava o engenho

Da lida no eito, ferrenho


Da safra do ano, comendo
Do bueiro fumaçando, cinzento
Das negras cantando, um alento
Do sorriso do meu avô, a contento
Dos passeios às tardes, um momento
Das primeiras letras escritas, desalento

E fui crescendo como um menino normal


Conhecendo as fruteiras, a senzala e o curral
Saía o cheiro de leite e entravam as curvas do mal
O sabor do primeiro beijo pelo prazer sexual

153
Então a hora era chegada
Da despedida malvada
Da ida ao colégio, forçada
Minha sentença estava marcada
Cheguei criança ingênua, apavorada
Saí pestinha perdida, endemoniada

Sebastião Amâncio

154
AMOR DE MÃE

Amor de mãe
Cheira à relva molhada
Chocolate derretido
Bolo saindo do forno
Banho de mangueira
numa tarde ensolarada.

Amor de mãe
É como luz na estrada escura
Sol nas manhãs de inverno
Vento que vem do mar
Água que brota da terra

Amor de mãe
É brisa que acaricia o rosto
Flor que inunda o olhar
Lua cheia que invade a noite
Mel que adoça a vida

Amor de mãe é assim...


A gente quer explicar,
mas o que nos resta é sentir.

Silvia Carvalho

155
ESPATIFADO

Saio feito um raio


num voo cego e inquieto
nada mais importa

Abro minhas asas


não penso em mais nada
tenho sede de voar

Me solto por azuis


desse céu tão imenso
Quero respirar a liberdade
assim como respiro
a força desse vento
que me bate na face

Rasgo as nuvens e sei;


agora sou parte do céu azul
Vejo uma luz ao longe
Gosto de luz
essa luz me chama
Não sei se quero ir
mas a luz insiste e é tão linda

Dou um voo rasante


espatifo-me numa porta de vidro
fechada

Silvia Ferrante

156
DENSIDADE

a textura de pedra
daqueles dias
me fizeram acreditar
que todas as florestas
sufocam

eu
que já fui sombra
a me esconder
atrás das árvores
da seiva tirei força

quebrar pedras
é um duro possível.

Tailany Costa

157
UM LUGAR SILENCIOSO

olho pro papel e me desafio a escrever algo que acalme minha mente barulhenta
desde que você foi, permaneço em silêncio

mas não minha mente


muito menos meu coração
ele continua acelerado
não se acostumou com sua ausência
penso em você e ele parece correr uma maratona
mas ele corre sozinho
sem você
e pior,

sem
mim

tudo permanece silencioso


eu me movimento com cuidado para não correr o risco de esbarrar em algo que
possa me derrubar

mas sua falta de palavras me desmoronou

sigo em silêncio

Talita Branco

158
TEMPO

O tempo nunca para


Indo sempre em frente,
Queria poder pará-lo, sabe?
Mas não quero que volte, também
Seria artificial, egoísta
Uma parada momentânea
Beneficiaria a todos
Pelo menos, eu acho

O tempo passa
Tudo o acompanha.
Me sinto deslocado,
Talvez não seja o único
Mas, para mim, eu sou
O tempo não para
E o que faço eu?
Para onde vou?

Não sou velho, sou jovem


Não sou jovem, sou velho
Às vezes, sinto que sou nada
Quase sempre, na verdade
Mas será que é difícil
Ou eu que não me esforço?
Acho que não devia ser tanto,
Mas quem disse que se importam?

O tempo segue,
Eu me isolo.
Fecho os olhos
E finjo que ignoro.

thomas

159
DRUMMONDIANA

A palavra, não mime,


nem busque na marra uma rima;
ainda que isso lhe pareça algo sublime.

Descreva o que observa ao redor


ou escreva o que você sente;
ainda que isso não lhe apeteça, tente.

Ou então faça como o Drummond:


restrinja e prescreva a poética;
ainda que, ao final, o poema desafine.

Aliás, se esforce mesmo para sair do tom


sem receios de não agradar;
ainda que, ao encará-lo, o leitor desatine.

Pense nisso, persista, siga em frente


e não se faça de rogado, se desafie;
e o poema terá tudo o que já lhe define.

Túlio Velho Barreto

160
CANETA

Nunca mais encostei na caneta, era destro e virei adestrado,


a anatomia do dedo mudou e pareço os amigos decepcionados
por descobrir que ao invés de férias, teriam caderno caligrafado

Eu ria, e me valia de um valor inestimável


Que letra bonita! (se dizia)
e eu nem sequer discutia,
porque no raso eu sabia que era verdade
e no fundo me hidratava de vaidade

Mas olha a idade:


letra é passado,
passado de papel pra tela
e eu envergonhado porque na tela
não existe nenhum legado
limitando minhas ideias

Os atalhos me emburrecem numa pressa


que perco a noção até do meu nome, meu rosto, meus gostos
então acredito em qualquer link, clique, tique que explique em poucas palavras
o que sinto,
ou me escaneia com definições alheias pra eu desconstruir caixas velhas
e me enfiar dentro das caixas modernas

azul é meu mar de ideias e informações


preto é meu documento, seriedade e idade
coloridos são meus títulos, lembretes, verbetes e
tipografias bonitas que mais se parecem fotos antigas,
me lembrando que em 98 eu apertava a caneta e não cliques

Vinícius Perobeli

161
INSÔNIA

Morro de medo
que algum padre ou pastor
do lusofonismo
julgue meu verso livre
um verso Deus-me-livre.

Morro de medo
que algum professor
de cesurada fala
e de rival idade
destaque um antiartifício,
descarte da minha pena
a tal literariedade.

Temo mais ainda


que alguma musicista
assegure não haver
ritmo no poema,
nem poema no tema,
e insista que meus transversos
são como pedras para seus ouvidros.

Poeta, ecos de ego impostor...


Não finge com destemor,
medroso de que sua lira
desperte a versada ira
de algum severo leitor.

Por que não desescrever?


Porque gosta de temer,
gosta de noite de terror.

162
Comecei a escrever
e nunca mais adormeci.

Poesia não é sonhar,


é não conseguir dormir.

Washington Ribeiro

163
COM AS PRÓPRIAS MÃOS

não é que não houvesse outra maneira

mas foi necessário machucar os pés


macerar pedras e espinhos
caminhar carregando farpas
e raízes de outras árvores

foi necessário empunhar punhais


compactuar com ervas e bichos
engolir a seco todo amargor
vencer a sombra e o silêncio

foi necessário aprender sobre os ciclos


parir a semente germinada no estômago
expurgar a culpa ancestral de eva
e abdicar do direito ao paraíso

foi necessário aceitar a solidão


celebrar perdas e esquecimentos
entender o luto e o pranto
dos que precisaram continuar

foi necessário não desistir


não desistir, não desistir
até entender que eu mesmo
teria que abrir as janelas
e deixar entrar o sol

Wendel Valadares

164
TIJOLOS FURADOS

o teto baixo
lampejo de luz quase um breu
mini furos nos tijolos quase quebrados
parece tudo em paz
permanece em paz

a paz reina
o reino não oficial
tudo em paz
permanece.

quando avistaram a partir dos pequenos furos


as atrocidades ali cometidas, não somente no pretérito
permanecem
permanecem em paz
não o reino dessa vez
mas permanece.

balas disparam em corpos específicos


ainda quentes e nem sempre tão vividos
permanecem
os corpos permanecem os mesmos
os disparos continuam
a festa de sons acontece
e ninguém comemora
pelo menos não o reino

e segue os príncipes órfãos


ou o reino sem príncipes
tudo permanece
infelizmente.

Yasmin Botelho

165
AS TRÊS VISÕES DAS CÂMERAS

Por trás das lentes


Há sempre um curioso
Obsceno? Maldoso?

Pelas lentes das câmeras


Um ser exposto
Escorraçado, humilhado!

E há os contempladores dos eventos,


Com visões extasiadas
Algumas, impregnadas de escárnio
Outras, de seres sentidos
Com olhares apagados
Mergulhados na escuridão
Ofuscados pelos raios das luzes
Que desencadeiam
Desespero e agonia
Em almas chorosas

Então, só o tempo!

Zenildes Alves

166
TIJOLOS FURADOS

Seu corpo se jogou ao vento


Levando-a para longe do que tinha
Seus traços marcados
Ficaram
Ecoaram em minha mente
Horas. Dias. Semanas.
Esqueci-me da sua beleza.

Seu brilho, se foi


Apagou-se como a brasa de um cigarro
Sendo massacrado por uma sola vida.
Seu fogo, esfriou
Como o café esquecido na mesa do poeta.

Só restaram lembranças
De um bar
De uma noite
De uma suposta vida.
As margens quebraram-se.

O que sobrou
Foi somente o centro
Que te devorou
E te respirou
Como uma triste necessidade infeliz.

Zyon Colbert

167
Esta obra foi composta nas tipologias hwt
e gentium basic, e impressa em junho de
2022 pela grafica nossa impressao.

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