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Erem Confederação do Equador –

- Produção de alimentos e conservação Ambiental - (1)

A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS E OS DESAFIOS DA SUSTENTABILIDADE.


29 de abril de 2019 
 
Revista Higiene Alimentar 
 
É antiga a preocupação dos produtores de alimentos em relação a sua qualidade intrínseca e
aos riscos que podem acarretar à saúde do consumidor, quando os cuidados básicos de caráter higiênico
e sanitário deixam a desejar. Agora, outra responsabilidade se impõe: a de produzir alimentos sem
agredir o meio ambiente, o que significa produzi-los de maneira limpa, salvaguardando a natureza,
economizando água, utilizando matérias-primas e processos saudáveis e, sobretudo para os produtos de
origem animal, respeitando o bem-estar dos animais fornecedores de matérias-primas e produtos
alimentares.

Encontram-se, portanto, os países produtores de alimentos, como o Brasil, diante de um


grande desafio: a necessidade de continuar produzindo alimentos para uma população com franca
tendência de crescimento (pelo menos até 2050, segundo dados da Organização Mundial da Saúde), mas
terão que fazê-lo mediante a nova filosofia exigida pela sociedade, respeitando o homem, o animal e o
meio ambiente. Ou seja, acelera-se e se torna irreversível o modo de produzir alimentos de forma, não
somente justa, mas, acima de tudo, ética.

Assistiu-se nas últimas décadas, incontestavelmente, a um crescente aprimoramento da


qualidade dos alimentos, especialmente no que tange às suas condições higiênicos sanitárias. Programas
de rastreamento das cadeias de produção garantiram a melhoria da qualidade dos alimentos
produzidos, levando o consumidor a contar com produtos certificados quanto à sanidade e aos processos
utilizados na produção. Tal evolução deveu-se, não somente ao esforço das empresas para qualificarem
melhor os meios de elaboração mas, também, aos governos, que se apetrecharam intensamente para
tornar mais rigorosas a legislação e a fiscalização dos alimentos e, ainda, ao consumidor que, mais
informado, tem reclamado, por meio de serviços privados e oficiais que o protegem, exigindo seus
direitos em receber alimentos de qualidade e a um preço justo. Nesse contexto, o Brasil mostra uma
condição, no mínimo, paradoxal: é o quarto maior produtor mundial de alimentos, mas desperdiça
cerca de 32 milhões de toneladas de tudo que produz, por ano. Tal quantidade de alimentos seria
suficiente para alimentar 25 milhões de pessoas, no mesmo período. As perdas, infelizmente, não se
resumem apenas ao valor dos alimentos não consumidos, que representam tempo, dinheiro e energia
desviados, mas vão além: acabam nos aterros sanitários, poluindo o ambiente e sendo uma das
principais fontes de gases do efeito estufa.

Outra faceta desse paradoxo mostra um país dividido em duas situações: uma, de avanço
tecnológico, contando com uma moderna indústria de alimentos, na qual se trabalha com todo o rigor
higiênicos sanitário e que conta com os mais eficazes programas de controle de qualidade e, outra,
lamentavelmente, que não dispõe dos mínimos recursos para a elaboração de alimentos qualificados.
Apenas para citar um exemplo desse paradoxo, basta lembrar a posição da indústria de carne, hoje, no
Brasil: ao lado de uma empresa de ponta, dotada dos mais avançados sistemas de controle e
responsável pela posição do país como um dos principais exportadores de carne bovina do mundo, ainda
permanece vivo, paralelamente, um outro tipo de indústria, às margens da lei e atentando contra a
saúde pública, representado pelos abates clandestinos, que se converteu em verdadeiro mercado
paralelo e ilegal. Convive-se, pois, na área de alimentos no Brasil, com duas realidades bastante
diferentes, o avanço e o atraso.

O avanço, entretanto, pode criar problemas que não existiam ou, então, eram simplesmente
inaparentes, mas que o abuso tecnológico acabou por escancará-los. É o que se costuma referir, hoje,
por conflito entre a produção de alimentos, a sustentabilidade e a saúde do consumidor ou, como
afirma Alejandro Schejtman (Abastecimento e Segurança Alimentar, Unicamp, 2000), “ao examinar o
problema da sustentabilidade dos sistemas alimentares, deve-se mencionar que alguns apresentam
efeitos ambientais negativos, entre os quais: um padrão de modernização que sobre mecaniza, que
sobre intensifica o uso de substâncias químicas, que é altamente intensivo no uso de energia e que, em
algumas regiões, imprime acelerada deflorestação, para implementar uma pecuária extensiva ou
explorar a floresta nativa”.

A esta argumentação, outras são constantemente acrescentadas:

1 – o uso intenso de água na agricultura e para a produção geral de alimentos;

2 – transtornos e doenças humanas advindos do abuso de alimentos industrializados, como a obesidade;

3 – a perda de qualidade dos alimentos pelas injunções e necessidades da própria industrialização: é o


caso, por exemplo, do aumento dos prazos de validade, para que possam chegar em tempo hábil aos
centros consumidores, mas à custa da utilização de aditivos químicos;

4 – a reação da população à maneira como são produzidos alguns alimentos, submetendo os animais a
sofrimentos que poderiam ser evitados: é o caso das aves de postura presas em gaiolas, ou frangos de
corte “aprisionados” nas granjas ou, o que se costumou chamar de “bem-estar dos animais de
produção;

5 – a participação da pecuária para o aquecimento global;

6 – doenças emergentes e reemergentes transmitidas pelos alimentos;

7 – o surgimento com maior intensidade de algumas zoonoses de origem alimentar;

8 – a contaminação dos alimentos em regiões desprovidas de saneamento básico, com especial


referência à qualidade da água e à disponibilidade de lixo e esgoto, etc. etc.

Está, portanto, definitivamente colocado o conflito: houve evidente evolução das tecnologias
de produção e industrialização dos alimentos mas, com ela, foram criados, também, alguns problemas,
antes inexistentes ou que não tinham a significância que hoje têm. Quando nos debruçamos sobre este
assunto, parece-nos que o conflito é recente. Na verdade, ele veio se agravando nos últimos anos, pois
há quase 15 anos, Gordon Conway, ecologista especializado em questões agrícolas, com vasta
experiência em programas de desenvolvimento na Ásia e na África, já alertava: “Precisamos ‘planejar’
melhores plantas e animais, desenvolver (ou redescobrir) alternativas para fertilizantes e pesticidas
inorgânicos, melhorar o manejo do solo e da água e realçar oportunidades de renda para os
economicamente desfavorecidos, especialmente as mulheres; tudo isso depende basicamente de
estabelecer parcerias genuínas entre pesquisadores e homens da terra, que podem oferecer
contribuições inestimáveis para a criação e aplicação de novas técnicas”.
Outro aspecto que estimula esse paradoxo é que a produção de alimentos tem como fator
limitante a sua própria qualidade, uma vez que grandes contingentes alimentares são retirados do
mercado em virtude de suas impropriedades e, mesmo, ameaças que podem oferecer ao ingestor.

O Índice Global de Segurança Alimentar (disponível para consulta e download no site


http://foodsecu-rityindex.eiu.com) mede os riscos e fatores que norteiam a segurança alimentar,
incluindo acessibilidade, disponibilidade, qualidade e segurança. Em acessibilidade, avalia-se o gasto
das famílias com alimentação, a proporção da população abaixo da linha da pobreza, o produto interno
bruto per capita, a presença de programas de segurança alimentar, as tarifas de importação agrícola e
o acesso dos produtores rurais a financiamentos. A disponibilidade confere a oferta suficiente de
alimentos, gastos públicos em pesquisa na agricultura, infraestrutura agrícola, volatilidade agrícola e
instabilidade política. E no âmbito da qualidade e segurança determina-se a diversificação da dieta,
padrões nutricionais, biodisponibilidade de micronutrientes, qualidade proteica e segurança dos
alimentos.

Pelo exposto, é patente a necessidade de se aumentar a produção de alimentos, num futuro


próximo, para uma população crescente. Mas esse aumento deve se dar não só em quantidade, mas em
qualidade e não agredindo o meio ambiente e os próprios animais de produção, para os quais a
sociedade clama por um mínimo de bem-estar. A este respeito, merecem consideração as observações
do geneticista animal John Hodges, professor das Universidades de Cambridge (Inglaterra) e Colúmbia
Britânica (Canadá), que tem participado, através da FAO, de programas de melhoramento genético de
rebanhos e, como especialista em agribusiness, produção de alimentos, ética e meio ambiente, tem
insistido em mudanças no modelo de produção de alimentos, já que considera exaurida e ameaçada a
produção intensiva, como praticada nos dias de hoje. Vale a pena meditar sobre as suas colocações,
que aparecem a seguir.

Segundo Hodges, a resposta mais comum para o aumento da produção de leite, carne e ovos é
uma intensificação ainda maior da produção animal, além do estabelecimento de unidades de produção
intensiva em países em desenvolvimento. O sistema de produção intensiva desenvolvido no mundo
ocidental, ao longo dos últimos 50 anos, foi notoriamente bem-sucedido para o aumento da quantidade
e redução dos preços do leite, carne e ovos. Este sistema é baseado na criação de grandes unidades
produtivas dependentes de altos investimentos em capital, combustível, produtos químicos e recursos
tecnológicos. Mas as consequências econômicas, sociais e ambientais negativas se multiplicaram, assim
como os efeitos sobre a saúde os animais, aves e seres humanos e sobre o clima. Sabe-se que este
sistema intensivo é insustentável. Uma vez que a cadeia de produção de alimentos é cada vez mais
globalizada, a produção intensiva de alimentos é uma ameaça para bilhões de pequenos produtores do
mundo todo que não podem pagar os custos desta intensificação.

O impressionante relatório patrocinado pela ONU e Banco Mundial é um argumento poderoso


em favor de novas formas de se aumentar a segurança alimentar mundial (International Assessment of
Agricultural Science and Technology for Development, IAASTD, 2008). Quatrocentos cientistas agrícolas
do mundo todo examinaram os resultados das melhorias agrícolas em países em desenvolvimento
publicado em periódicos mundialmente respeitados ao longo de um período de quatro anos. Eles
observaram que, em geral, a transferência dos métodos ocidentais de criação intensiva não levou à
habilitação do pequeno produtores. Este estudo também demonstrou que as colheitas geneticamente
modificadas, em média, não têm uma produção mais alta por hectare: sua popularidade é devida à
redução nos custos de pulverização.

O relatório mostra que a produção e segurança mundial de alimentos podem ser


substancialmente aumentadas pelo auxílio aos pequenos produtores e criadores de forma a melhorar
seus métodos tradicionais por meio de recursos disponíveis localmente. Eles consideram que planos de
pesquisa e desenvolvimento para estes pequenos produtores são urgentes a fim de levar sua produção a
patamares mais altos e ao seu desenvolvimento, para que, com a melhora da sua produção, também
melhore a qualidade de vida das comunidades rurais pobres e a disponibilidade de alimentos para venda
local. É interessante notar que estas propostas também se aplicam a países desenvolvidos onde ocorre
um aumento da demanda dos consumidores por alimentos orgânicos e produzidos localmente.Estes
produtos são, é claro, um pouco mais caros do que aqueles produzidos em larga escala em sistemas
intensivos.

Agora, como enfatiza Hodges, “deve-se forçosamente perguntar: será que os consumidores
estão prontos para pagar mais pelo leite, carne e ovos produzidos de maneira sustentável? Se é verdade
que a produção intensiva não pode solucionar o problema da alimentação mundial sem enormes
consequências negativas, então só existe uma resposta séria para esta pergunta, que também se aplica
às mudanças climáticas: será que as pessoas querem reduzir e modificar o seu modo de consumo para
evitar o aquecimento global? A sustentabilidade sempre vai custar mais do que a não-sustentabilidade,
mas vale a pena. Podemos parecer mais pobres em alguns itens não essenciais, mas no final do dia,
ainda vamos estar por aqui”.

Seria exagero afirmar, como Hodges, que estamos caminhando rapidamente para a
insustentabilidade da produção de alimentos? São palavras dele: “Alguns céticos duvidam de que
estamos caminhando para o desastre. Eles argumentam que o sistema intensivo pode ser expandido
indefinidamente para produzir quantidades de alimento cada vez maiores ou mesmo a preços cada vez
mais baixos. Mas grandes líderes mundiais de todas as áreas nos dizem constantemente – não há escolha
– estamos em rota de colisão com a realidade. Não quero negar os perigos e já escrevi mais
detalhadamente sobre isto (World Poultry Science Journal, Vol 65, março de 2009, páginas 5-21). Meu
objetivo é estimular a discussão, abrir nossas mentes, ampliar nossa visão, alongar nossa escala de
tempo, fortalecer fundamentos essenciais e assim nos levar a pensar além do nosso paradigma
habitual.”

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