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Outra faceta desse paradoxo mostra um país dividido em duas situações: uma, de avanço
tecnológico, contando com uma moderna indústria de alimentos, na qual se trabalha com todo o rigor
higiênicos sanitário e que conta com os mais eficazes programas de controle de qualidade e, outra,
lamentavelmente, que não dispõe dos mínimos recursos para a elaboração de alimentos qualificados.
Apenas para citar um exemplo desse paradoxo, basta lembrar a posição da indústria de carne, hoje, no
Brasil: ao lado de uma empresa de ponta, dotada dos mais avançados sistemas de controle e
responsável pela posição do país como um dos principais exportadores de carne bovina do mundo, ainda
permanece vivo, paralelamente, um outro tipo de indústria, às margens da lei e atentando contra a
saúde pública, representado pelos abates clandestinos, que se converteu em verdadeiro mercado
paralelo e ilegal. Convive-se, pois, na área de alimentos no Brasil, com duas realidades bastante
diferentes, o avanço e o atraso.
O avanço, entretanto, pode criar problemas que não existiam ou, então, eram simplesmente
inaparentes, mas que o abuso tecnológico acabou por escancará-los. É o que se costuma referir, hoje,
por conflito entre a produção de alimentos, a sustentabilidade e a saúde do consumidor ou, como
afirma Alejandro Schejtman (Abastecimento e Segurança Alimentar, Unicamp, 2000), “ao examinar o
problema da sustentabilidade dos sistemas alimentares, deve-se mencionar que alguns apresentam
efeitos ambientais negativos, entre os quais: um padrão de modernização que sobre mecaniza, que
sobre intensifica o uso de substâncias químicas, que é altamente intensivo no uso de energia e que, em
algumas regiões, imprime acelerada deflorestação, para implementar uma pecuária extensiva ou
explorar a floresta nativa”.
4 – a reação da população à maneira como são produzidos alguns alimentos, submetendo os animais a
sofrimentos que poderiam ser evitados: é o caso das aves de postura presas em gaiolas, ou frangos de
corte “aprisionados” nas granjas ou, o que se costumou chamar de “bem-estar dos animais de
produção;
Está, portanto, definitivamente colocado o conflito: houve evidente evolução das tecnologias
de produção e industrialização dos alimentos mas, com ela, foram criados, também, alguns problemas,
antes inexistentes ou que não tinham a significância que hoje têm. Quando nos debruçamos sobre este
assunto, parece-nos que o conflito é recente. Na verdade, ele veio se agravando nos últimos anos, pois
há quase 15 anos, Gordon Conway, ecologista especializado em questões agrícolas, com vasta
experiência em programas de desenvolvimento na Ásia e na África, já alertava: “Precisamos ‘planejar’
melhores plantas e animais, desenvolver (ou redescobrir) alternativas para fertilizantes e pesticidas
inorgânicos, melhorar o manejo do solo e da água e realçar oportunidades de renda para os
economicamente desfavorecidos, especialmente as mulheres; tudo isso depende basicamente de
estabelecer parcerias genuínas entre pesquisadores e homens da terra, que podem oferecer
contribuições inestimáveis para a criação e aplicação de novas técnicas”.
Outro aspecto que estimula esse paradoxo é que a produção de alimentos tem como fator
limitante a sua própria qualidade, uma vez que grandes contingentes alimentares são retirados do
mercado em virtude de suas impropriedades e, mesmo, ameaças que podem oferecer ao ingestor.
Segundo Hodges, a resposta mais comum para o aumento da produção de leite, carne e ovos é
uma intensificação ainda maior da produção animal, além do estabelecimento de unidades de produção
intensiva em países em desenvolvimento. O sistema de produção intensiva desenvolvido no mundo
ocidental, ao longo dos últimos 50 anos, foi notoriamente bem-sucedido para o aumento da quantidade
e redução dos preços do leite, carne e ovos. Este sistema é baseado na criação de grandes unidades
produtivas dependentes de altos investimentos em capital, combustível, produtos químicos e recursos
tecnológicos. Mas as consequências econômicas, sociais e ambientais negativas se multiplicaram, assim
como os efeitos sobre a saúde os animais, aves e seres humanos e sobre o clima. Sabe-se que este
sistema intensivo é insustentável. Uma vez que a cadeia de produção de alimentos é cada vez mais
globalizada, a produção intensiva de alimentos é uma ameaça para bilhões de pequenos produtores do
mundo todo que não podem pagar os custos desta intensificação.
Agora, como enfatiza Hodges, “deve-se forçosamente perguntar: será que os consumidores
estão prontos para pagar mais pelo leite, carne e ovos produzidos de maneira sustentável? Se é verdade
que a produção intensiva não pode solucionar o problema da alimentação mundial sem enormes
consequências negativas, então só existe uma resposta séria para esta pergunta, que também se aplica
às mudanças climáticas: será que as pessoas querem reduzir e modificar o seu modo de consumo para
evitar o aquecimento global? A sustentabilidade sempre vai custar mais do que a não-sustentabilidade,
mas vale a pena. Podemos parecer mais pobres em alguns itens não essenciais, mas no final do dia,
ainda vamos estar por aqui”.
Seria exagero afirmar, como Hodges, que estamos caminhando rapidamente para a
insustentabilidade da produção de alimentos? São palavras dele: “Alguns céticos duvidam de que
estamos caminhando para o desastre. Eles argumentam que o sistema intensivo pode ser expandido
indefinidamente para produzir quantidades de alimento cada vez maiores ou mesmo a preços cada vez
mais baixos. Mas grandes líderes mundiais de todas as áreas nos dizem constantemente – não há escolha
– estamos em rota de colisão com a realidade. Não quero negar os perigos e já escrevi mais
detalhadamente sobre isto (World Poultry Science Journal, Vol 65, março de 2009, páginas 5-21). Meu
objetivo é estimular a discussão, abrir nossas mentes, ampliar nossa visão, alongar nossa escala de
tempo, fortalecer fundamentos essenciais e assim nos levar a pensar além do nosso paradigma
habitual.”