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Cristiane Schmidt

Neide Araujo Castilho Teno


Antonio Carlos Santana de Souza
(Organizadores)

O QUE VEM TE CONSTITUINDO PROFESSOR?


Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência
Copyright © dos autores

Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida ou
transmitida ou arquivada, desde que levados em conta os direitos dos autores.

Cristiane Schmidt; Neide Araujo Castilho Teno; Antonio Carlos Santana de Souza
[organizadores].

O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a


vida e a formação na docência. São Paulo, Mentes Abertas, 2023, 170 p.

ISBN: 978-65-80266-80-7

1. Ensino. 2. Docência. 3. Autobiografia. 4. Formação de Professores. I. Título.

CDD 370

Diagramação e capa: Maristela Zeviani.

A Editora Mentes Abertas divulga os trabalhos acadêmicos presentes nessa obra e não
se responsabiliza de maneira alguma por qualquer tipo de plágio, cópia ou citação
indevida por parte de qualquer integrante deste livro e condena veementemente esta
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https://mentesabertas.minhalojanouol.com.br/ A Mentes Abertas é filiada à ABEC
SUMÁRIO

PREFÁCIO ........................................................................6
Prof. Dr. Carlos Cernadas (UFPA)

APRESENTAÇÃO
NARRATIVAS DE PROFESSORES E OS FIOS QUE TECEM A
DOCÊNCIA: Memórias de quem ensina .....................................8
Cristiane Schmidt
Neide Araujo Castilho Teno
Antonio Carlos Santana de Souza

PARTE 1
NARRATIVAS AUTOBIOGRÁFICAS
Relatos de professoras-pesquisadoras participantes das
Rodas de Conversas: “O que te fez Professora?” ...................... 15

Capítulo 1
O QUE TE FAZ PROFESSOR? ........................................... 16
Walkyria Alydia Grahl Passos Magno e Silva (UFPA)

Capítulo 2
COMO ME TORNEI PROFESSORA? .................................. 26
Dörthe Uphoff (USP)

Capítulo 3
CONTEXTUALIZANDO CAMINHOS E CONSTRUINDO
IDENTIDADE: Autobiografia .................................................. 43
Neide Araujo Castilho Teno (UEMS)

Capítulo 4
CONSIDERAÇÕES SOBRE O GÊNERO MEMORIAL
AUTOBIOGRÁFICO ............................................................... 55
Ana Sophia Monteiro Barbosa (UFPA)
Capítulo 5
FLUÍNDO COMO UM RIO: Uma análise de como as
trajetórias influenciam na construção da identidade dos
professores do Grupo de Pesquisa e Estudos - SUPROF da UFPA
............................................................................................ 67
Leandro Carneiro Oliveira (UFPA)
Ingled Dayanna Goncalves Xavier (UFPA)
Cristiane Schmidt (UFPA)
Antonio Carlos Santana de Souza (UEMS)

PARTE 2
NARRATIVAS AUTOBIOGRÁFICAS: Relatos de participantes
do Projeto de Pesquisa e Estudos de Narrativas de Sujeitos-
Professores em Formação- SUPROF ....................................... 85

Capítulo 6
MEMORIAL AUTOBIOGRÁFICO ....................................... 86
Yagma Suely Vieira Figueira (UFPA)

Capítulo 7
MEMORIAL AUTOBIOGRÁFICO ....................................... 96
Andressa Costa dos Santos (UFPA)

Capítulo 8
MEMORIAL AUTOBIOGRÁFICO ..................................... 107
Nilda Eunice Castro Pereira Costa (UFPA)

Capítulo 9
MEMORIAL AUTOBIOGRÁFICO ..................................... 115
Daniele Angélica Borges Foletto (UNEMAT)

Capítulo 10
MEMORIAL AUTOBIOGRÁFICO ..................................... 123
Fabiana da Silva Lira (UNEMAT)
Capítulo 11
MEMORIAL AUTOBIOGRÁFICO ..................................... 132
Yara Fernanda de Oliveira Adami (UNEMAT)

Capítulo 12
MEMORIAL AUTOBIOGRÁFICO ..................................... 141
Tânia Maria Sanábria Carvalho Tolotti (UNEMAT)

Capítulo 13
MEMORIAL AUTOBIOGRÁFICO ..................................... 152
Flaviane Leite da Silva Cassia (UNEMAT)

Capítulo 14
ENTREVISTA: Como é a Formação Docente na Alemanha?
A experiência na universidade de Leipzig ........................ 158
INTERVIEW: Wie ist die Lehrerausbildung in Deutschland? Die
Erfahrungen an der Universität Leipzig .................................. 158
Katja Lieber (Universität Leipzig -Deutschland)

SOBRE OS AUTORES .................................................... 164


O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

PREFÁCIO

O homem, por sua natureza gregária, é um inato contador de


histórias. Ao contá-las, vai tecendo ideias, crenças e valores nas
próprias narrativas criadas, contribuindo a conformar seu universo
particular, pois esses relatos não contêm só evidências de um
determinado saber, senão sua própria realização. Assim, quem conta
histórias organiza seu mundo e o dá a conhecer. Desse modo, a
realidade transforma-se por meio das histórias contadas, adquirindo
novos sentidos e interpretações.
A capacidade humana de rememorar os tempos pretéritos por
meio das narrativas mostra o desejo de reter e guardar o tempo que
já se foi com o intuito de tentar evitar seu total desaparecimento.
Relatar o passado e o vivido significa tratar de buscar lembranças de
lugares, pessoas e situações, porque todo este conjunto memórias
conforma o marco das nossas evocações, frequentemente
caracterizado por um leque de sentimentos difícil de definir e
controlar.
Recordando, o sujeito reflexiona sobre suas vivências e as
reorganiza a partir da distância entre o passado e o momento atual,
dado que as lembranças representam a captura do pretérito no
presente, permitindo entender o presente por meio do que já passou.
Portanto, narrar supõe clarificar um interminável diálogo entre o
presente, o passado e as expectativas para o futuro, e neste processo
sem fim, o diálogo entre o sujeito e o narrado adquire múltiplas
facetas. Esta dinâmica produz um conjunto de relações que podem
ser analisadas sob diferentes perspectivas. Deste modo, o sujeito
elabora sua visão e sua representação dos fatos que marcaram sua
própria história. Por isso, quando o passado é analisado, caminha-se
ao encontro de um outro tempo com características próprias, com
singularidades e multiplicidades.
A memória é vida. Em consequência, encontra-se à mercê de
constantes evoluções e mudanças, submetida à luta entre a

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

lembrança e o esquecimento, exposta a múltiplas transformações,


capaz de longos adormecimentos e de profundas revitalizações,
sempre envolvida na inconsciência de sua imperfeição e na
intensidade do rememorado. Essa intensidade constitui,
precisamente, o elemento mais marcante das memórias contidas na
obra “O que vem te constituindo professor? Memoriais
autobiográficos entre a vida e a formação na docência”. Este livro de
narrativas evidencia o potencial de formação que possui este gênero
textual, contendo o relato dos acontecimentos de maior relevância
do percurso acadêmico de seus autores, criando um solo fértil para a
reflexão sobre temáticas transcendem para o âmbito do ensino. A
obra, assim, convida a ressignificar as concepções que todos nós,
professores, temos sobre o processo de ensino-aprendizagem.
Avanço que nas seguintes páginas serão encontrados
testemunhos que descrevem como foram iniciadas as práticas
profissionais dos autores, reflexões sobre experiências de superação,
descrições de trajetórias de vida, propostas de inovação dos
processos de ensino-aprendizagem e exemplos da enorme
capacidade destes docentes para enfrentar contextos desafiadores,
tudo isso culminado com a ilustração dos resultados do impacto
dessas ações no percurso acadêmico dos alunos.
Por último, considero necessário apontar que esta obra, na qual
histórias reais se entrelaçam, comprova o enorme valor deste
processo de compartilhamento de narrativas no fomento do
sentimento grupal dos professores e no desenvolvimento do mútuo
conhecimento, produzindo, como efeito, que nós leitores nos
tornemos melhores docentes e melhores pesquisadores. Auguro-
lhes, sem dúvida, uma muito interessante leitura.

Prof. Dr. Carlos Cernadas (UFPA)

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

APRESENTAÇÃO

NARRATIVAS DE PROFESSORES E OS FIOS QUE


TECEM A DOCÊNCIA
Memórias de quem ensina

A memória é escrita num tempo, um tempo que permite


deslocamento sobre as experiências. Tempo e memória que
possibilitam conexões com as lembranças e os esquecimentos de si,
dos lugares, das pessoas e das dimensões existenciais do sujeito
narrador (SOUZA, 2007, p.4)

Iniciamos a apresentação desta obra cruzando fios, entrelaçando


histórias pois é preciso falar de memórias. As memórias carregam no
tempo as itinerâncias da vida e da profissão, um tempo vivido,
singular, porém com experiências carregadas de sentidos do vivido.
As narrativas memorialísticas são costuradas de fios, que não
obrigatoriamente guardam verdades, mas conservam na memória
aquilo que viveu “restando esta tensão entre o que aconteceu e o
que o sujeito desejaria que tivesse acontecido, ou como ele concebe
hoje o acontecido” (FISCHER, 2011, p. 21-22).
Presente, passado e futuro são dimensões do tempo, contudo a
compreensão esquiva da nossa competência de apreensão. E para
entender acerca do tempo fomos ao “tempo linguístico” que tem
muita ligação com exercício da palavra (BENVENISTE, 1989), e
quando usamos nas narrativas o presente do indicativo para situar
acontecimentos na contemporaneidade, estamos inconscientemente
traçando linhas divisórias, o que possibilita fazer relações ente o
passado e o futuro. Segundo Benveniste, o presente sempre será o
início do discurso, uma vez que a língua ordena o tempo.
Esta obra caminha pelas autobiografias escritas numa
temporalidade linguística que de certa maneira constituem aspecto
fundamental para a composição do discurso do falar de si. Os
sujeitos, personagens dos memoriais narram suas trajetórias
deixando pistas que podem permitir a concepção de determinados

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

efeitos de sentido. O deslocamento das experiências para a


contemporaneidade não deixa de ser lembranças carregadas de
significados que cada narrador confere às suas reminiscências. Por
isso, é necessário recordar, pois o que é lembrado traz sentido para
vida. Caminhamos nessa apresentação pelo tempo e pela memória,
trazendo lugares, pessoas, acontecimentos que possibilitaram
conexões entre outros espaços geográficos e outras culturas.
Reunimos nessa obra lembranças, esquecimentos, diferentes
lugares, diferentes pessoas e dimensões existenciais do sujeito
narrador que narra fatos de sua memória numa diversidade de
caminhos que auxiliam as narrativas. E nessa dialogia entre o vivido e
o narrado, o E-book busca mostrar dizeres que afiancem a
socialização do conhecimento e o sujeito se posicione, dando voz em
seu texto, interagindo com as práticas de linguagem.
Ao indagar: O que te fez professor, encontramos com as
Narrativas Autobiográficas, com histórias de professoras-
pesquisadoras ao redor de um tempo. Foram as Rodas de Conversas
que alimentaram e estimularam as narrativas memorísticas.
Tudo iniciou como uma rota de rio, sem conhecer as curvas sem
pensar na trajetória, mas o rio não parou. Ora estreitando, ora se
alargando transformou em um projeto de pesquisa intitulado
“Pesquisa Narrativa: Memoriais de Sujeitos Professores em
Formação-SUPROF” situado nas áreas de conhecimento da
Linguística, Letras e Artes , da Universidade Federal do Pará (UFPA),
por meio da Faculdade de Letras Estrangeiras Modernas (FALEM)
em parceria com a Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul
(UEMS) e a Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), e
num desembocar de águas encontrou o berço de nascimento de
memórias.
Vale lembrar que entre os fios que cruzam as histórias desse
projeto encontramos no Diretório dos Grupos de Pesquisa do Brasil
(CNPq) o ‘Grupo de Pesquisa e Estudos de Narrativas de Sujeitos-
Professores em Formação’1- Linha de Pesquisa ‘Pesquisa Narrativa e

1
5 Cf. espelho do grupo, disponível em: http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/
9449448776089474. Acesso em:12 fev. 2021.

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Formação de Professores de Línguas Estrangeiras’, o suporte para


concretizar as ações das rodas de conversas. Estiveram presentes
nessas rodas de conversas: alunos dos cursos de Letras Língua
Inglesa, Alemã, Espanhola e Francês; alunos egressos de Letras-
Língua Alemã e os pesquisadores que atuam nas áreas de Letras e
Linguística das regiões Norte e Centro-Oeste, especificamente das
instituições UFPA, UEMS e UNEMAT.
Entre correntezas, memorias e trajetórias foram produzidos
memoriais, cada uma com sua especificidade própria, com seu modo
de dizer o singular “O que vem te constituindo professor? Memoriais
autobiográficos entre a vida e a formação na docência”. Assim esta
obra tem o propósito de fomentar reflexões no campo da formação
de professor, nas diferentes áreas de conhecimento, bem como
constituir um espaço de encontro e socialização de práticas de
narrativas Autobiográficos de Professores.
O E-book está organizado em duas partes, PARTE 1 - Narrativas
Autobiográficas: relatos de professoras-pesquisadoras participantes
das Rodas de Conversas: ‘O que te fez Professora? E PARTE 2 -
Narrativas Autobiográficas: relatos de participantes do Projeto de
Pesquisa e Estudos de Narrativas de Sujeitos-Professores em
Formação- SUPROF contendo quatorze capítulos.
O Capítulo 1 “O que te faz professor?” de Walkyria Alydia Grahl
Passos Magno e Silva (UFPA), caminha de modo diferente , pois
como a própria autora explica “este é um texto diferente do que estou
habituada a escrever. Ele não relata um experimento; ele não tem
uma metodologia a ser explicada e nem questões de pesquisa a
serem respondidas”. No entanto, traz para roda de conversa
questões da alma, pedaços de uma professora que carrega uma
trajetória muito peculiar. Parte de um macrossistemas para aninhar-
se a outros subsistemas. Assim fala de sua trajetória, de sua
identidade, de sua formação, de seu concurso como um rio
caudaloso, e seu modo de ser professora e “viver a vida de uma
professora, com todas as alegrias e dificuldades que a carreira me
trouxe”.

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

No Capítulo 2 “Como me tornei professora?” de Dörthe Uphoff


(USP), a estudiosa busca suas origens escolar na Alemanha, e fala das
línguas que cursou no Gymnasium de sua cidade no interior: inglês
(matéria obrigatória), francês (eletiva), latim (eletiva) e espanhol
(optativa). Apresenta uma trajetória bastante movimentada com
estadias em Paris e Londres, na Universidade de Colônia, Alemanha.
Foi no Brasil seu porto seguro para docência particularmente na
UFSC. Com narrativas de muito conhecimento e trajetórias
diversificadas ela defende a “qualificação de professores como um
processo contínuo, que apenas inicia na graduação, mas perdura pela
vida profissional inteira”.
O Capítulo 3 “Contextualizando caminhos e construindo
identidade: autobiografia” de Neide Araujo Castilho Teno (UEMS),
encontramos uma narrativa metafórica trazendo para roda de
conversa muita poesia, exposição de vínculos inseparáveis na
formação da identidade, trazendo em “cada ponta da história de vida
uma metáfora para ilustrar e bordar o caminho construído dessa
identidade”. Caminha por entre curvas e paragens descrevendo sua
formação, suas amizades carregando um sentimento de satisfação e
alegria principalmente por ter percebido que o sentimento presente
nas primeiras cenas de seu memorial se mantém vivo e pulsante,
como se o tempo passado só tivesse fortalecido o presente.
O Capítulo 4 “Considerações sobre o gênero memorial
autobiográfico” de Ana Sophia Monteiro Barbosa (UFPA), inicia
descrevendo a importância do gênero textual acadêmico, de cunho
autobiográfico, como um texto em que o próprio escritor
(memorialista) assume, as funções de autor, narrador e personagem
da sua própria história. Nessa linha de raciocínio apresenta breve
contextualização do gênero memorial autobiográfico no âmbito
acadêmico, com destaque local, para as produções realizadas no
interior do projeto “Pesquisa Narrativa: memoriais de sujeitos-
professores de línguas em formação” (SUPROF), além de
compreendê-lo melhor enquanto gênero textual.
Conclui seu texto apresentando uma proposta de manual para a
elaboração de memoriais.

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Capítulo 5 “Fluindo como um rio: uma análise de como as


trajetórias influenciam na construção da identidade dos professores do
grupo de pesquisa e estudos - SUPROF da UFPA” dos autores Leandro
Carneiro Oliveira (UFPA), Ingled Dayanna Goncalves Xavier
(UFPA),Cristiane Schmidt (UFPA) e Antonio Carlos Santana de Souza
(UEMS), registra a caminhada de um grupo de estudo e suas parcerias
com diferentes instituições de ensino e do envolvimentos de alunos
nas ações do projeto, bem como relata a publicação de produções e
realização de eventos a partir do projeto. Um texto contendo as
primeiras impressões do grupo de pesquisa acerca dos memoriais
acadêmicos.
O Capítulo 6 “Memorial autobiográfico” de Yagma Suely Vieira
Figueira (UFPA), caminha por fios de acontecimentos passados de
longos períodos da vida, sua caminhada na formação por meio de
lembranças em uma atmosfera de distanciamento do fictício e ao
mesmo tempo proporciona uma narrativa com muita clareza dos
fatos. É como um exercício de reflexão sobre o passado e projeção
sobre suas expectativas para o futuro. Recorda de nomes que fizeram
a diferença na sua formação e entre o glamour da arquitetura e o
gosto por ser professora de matemática, o segundo passo falou mais
alto.
O Capítulo 7 “Memorial autobiográfico”, de Andressa Costa dos
Santos (UFPA), traz como seu primeiro contato a escola em Belém
do Pará, passou pelo Jardim 1, frequentou regiões ribeirinha, áreas
de várzea, transporte, alimentação escassa. A memória não falha
quando lembra como chegava na escola “ locomoção, só era possível
por meio aquático, os professores da Educação Infantil, enfrentavam
1h de viagem de barco”, e a sala de aula um barracão de madeira
cedido pela igreja da comunidade. Nem por isso desistiu de ser
professora.
O Capítulo 8 “Memorial Autobiográfico” de Nilda Eunice Castro
Pereira Costa (UFPA), inicia seu memorial fazendo referência a sua
participação no grupo Pesquisa e Estudos de Narrativas de Sujeitos-
Professores em Formação vinculado à FALEM-UFPA, e a importância
de estudar temas relacionados ao ensino-aprendizagem e formação
de professores. Traz uma trajetória de experiências rica de

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

significados e aprendizagens no curso de história, e em 2020 inicia o


curso Letras-francês da Universidade Federal do Pará com o intuito
de ser professora. Acredita numa educação possível de sobreviver
sem ter a necessidade de fazer parte desse sistema corrompido.
O Capítulo 9 “Memorial autobiográfico” de Daniele Angélica
Borges Foletto (UNEMAT), caminha por muitas trilhas e
oportunidades inclusive passar o ano letivo 2000/2001 nos Estados
Unidos da América, na cidade de Taylorsville no estado da Carolina
do Norte cursar o ensino médio. Foi tutora de cursos que ensinam
pessoas com deficiência mental na faculdade comunitária de
Cattawba Valley na cidade de Hickory. Um memorial carregado de
viagens com experiências de realizar cruzeiro pelas Bahamas, com
experiências culturais, em gastronomia nos EUA, incluindo sabores
da Grécia, México, Japão, Itália, Tailândia, China, Espanha, Marrocos
entre outros. O leitor vai encontrar no memorial narrativas de vida
com caraterísticas importantes para construção da identidade.
O Capítulo 10 “O memorial autobiográfico” de Yara Fernanda de
Oliveira Adami (UNEMAT), inicia sua trajetória na cidade de Nova
Andradina em Mato Grosso do Sul, onde nasceu. Cursou Pedagogia
na Unopar (uma faculdade EAD), e curso de letras , morando sempre
em ‘Campex’, ( nome popular dado pelos estudantes para a moradia
estudantil existente no campus de Pontes e Lacerda). Apaixonada
pela sociolinguística continua se dedicando e pesquisando , com um
memorial recheado de encontros e desencontros.
O Capítulo 11 “Memorial autobiográfico” de Tânia Maria Sanábria
Carvalho Tolotti (UNEMAT), parte de fios longínquos e chega no
Mato Grosso do Sul, na cidade Três Lagoas, fronteira com São Paulo
para iniciar sua alfabetização. Narra suas vivências em escola de uma
vila Militar da cidade, conheceu a cartilha “Caminho Suave”, e conta
histórias de vizinhos, professores que fizeram a diferença em sua
vida. Sua narrativa passa por diferentes lugares dada a profissão do
pai (militar) , assim passou por Cuiabá, Campo Grande e chega no Rio
Grande do Sul. Entre tantas andanças vai para Polônia e Hungria
representar o Brasil em dois festivais de folclore. Participa
ativamente do PROLLER (Programa de Leitura). Uma narrativa
envolvente de uma trajetória eclética enquanto professora.

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

O Capítulo 12 “O memorial autobiográfico” de Flaviane Leite da


Silva Cassia (UNEMAT) desenvolve seu memorial trazendo
passagens diversas até chegar ao Mestrado em Literatura, pela
Universidade Estadual de Mato Grosso- UNEMAT- Campus Tangará
da Serra, relatando experiências , fragilidades, sucessos para seu
crescimento acadêmico e profissional . Uma trajetória inspiradora
para seguir em frente sem desistir, por isso torna aluna especial no
Programa de Pós-graduação em Linguística nas disciplinas “Línguas
indígenas” e “Sociolinguística”, e mesmo em função administrativo,
consegue chegar ao objetivo, concluindo com êxito suas pretensões.
O Capítulo 14 “Entrevista: como é a Formação Docente na
Alemanha?: A experiência na Universidade de Leipzig Interview: wie ist
die Lehrerausbildung in Deutschland?: die Erfahrungen an der
Universität Leipzig“ de Katja Lieber (Leipizig Universität-
Deutschland).

Cristiane Schmidt
Neide Araujo Castilho Teno
Antonio Carlos Santana de Souza

Referências

BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral II. Campinas, SP:


Pontes, 1989.
FISCHER, Beatriz T. Daudt. Introdução: De enguias e outras metáforas. In:
FISCHER, Beatriz T. Daudt (Org.). Tempos de escola: memórias.
Volume II. São Leopoldo: Oikos, Brasília: Liber Livro, 2011, p. 17-24.
SOUZA, Elizeu Clementino de. História de vida e práticas de formação:
escrita de si e cotidiano escolar. Brasília: Programa Salto para o futuro,
SEED/MEC, 2007.

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

PARTE 1

NARRATIVAS AUTOBIOGRÁFICAS
Relatos de professoras-pesquisadoras participantes das
Rodas de Conversas
“O que te fez Professora?”

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Capítulo 1

O QUE TE FAZ PROFESSOR?

Walkyria Alydia Grahl Passos Magno e Silva (UFPA)

Introdução

Este é um texto diferente do que estou habituada a escrever. Ele


não relata um experimento; ele não tem uma metodologia a ser
explicada e nem questões de pesquisa a serem respondidas. No
entanto, ele começa por uma pergunta. Essa pergunta nos leva ao
íntimo da alma, indagando quais os pedaços de mim que me fazem,
de fato, uma professora.

Desenvolvimento

Eu gostava muito de minhas professoras, quase todas mulheres.


Eu as admirava e a profissão me atraia. Conclui a Escola Normal1 em
1972, tendo assim a minha primeira investidura oficial na carreira. No
ano seguinte, entrei na Faculdade de Letras. Durante meu primeiro
curso de graduação, fui professora particular de inglês em todas as
horas vagas de que dispunha durante o dia. Os estudos não pararam
nunca, pois quem ensina precisa também aprender. Mais adiante,
neste texto, minha trajetória será mais explicitada, com suas
dificuldades e sucessos.
Antes de entrar na história de ensino e sua contraparte da
pesquisa, gostaria de discorrer um pouco sobre uma ancoragem que
me satisfaz teoricamente para compreender melhor minha profissão,

1
A “normalista” formada podia ensinar nas escolas primárias de primeira à quarta
séries. Tinha o direito também de assumir classes no pré-escolar: jardim de
infância, abrigando crianças de cinco anos em média, e pré-primário, com as
crianças de seis. Antes dessa idade, as crianças costumavam ficar em casa.

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

as relações que construí, enfim, a minha vida no aprender e no


ensinar. Me refiro às Teorias da Complexidade e, mais,
especificamente, aos Sistemas Adaptativos Complexos, tema da
próxima seção.

Sistemas adaptativos complexos

O pensamento complexo na Linguística Aplicada foi


primeiramente introduzido por Larsen-Freeman (1997) e no Brasil por
Paiva (2005). São características dos sistemas adaptativos complexos
(SAC): abertura, emergência, dinamismo, não linearidade,
(co)adaptação, sensibilidade a feedback, auto-organização e
presença de atratores. Agentes e elementos formam esses sistemas.
Chamamos agentes todas as pessoas envolvidas em um determinado
sistema e elementos são os objetos inanimados, lugares e
subprocessos que se interrelacionam com os agentes em interações
dinâmicas.
Os SACs são abertos por serem dinâmicos e esse dinamismo os
coloca sempre frente a novos elementos que causam relações
inéditas na sua trajetória. Sua abertura permite a entrada de novos
elementos e o aninhamento de outros sistemas, mudando toda a
trajetória e criando situações para a emergência de novos
comportamentos. Devido a essa constante mudança, os elementos e
agentes de um SAC se coadaptam e se auto-organizam para que o
sistema continue operando. Os SACs são também sensíveis a
feedback, quando reagem ao andamento do sistema. No entanto,
essa reação nunca é garantida. Em certos momentos, muita energia
é injetada em um sistema, resultando em reações pífias. Em outras
ocasiões, uma pequena ação ou interferência pode causar tremendas
alterações em cadeia no SAC: o chamado efeito borboleta. Na
trajetória de um sistema, ele pode se estabilizar, embora
dinamicamente, em estados preferidos chamados atratores, dos
quais só sairá com alguma ação que o tire de lá. Caso a entropia seja

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

maior do que a energia reposta em um sistema, ele tende a


desaparecer2.
Todos os sistemas observados e descritos em um dado momento
estão aninhados em macrossistemas maiores ao mesmo tempo em
que aninham outros subsistemas. Os estudos em complexidade
enfocam o desenvolvimento das relações entre subsistemas,
elementos e agentes em um dado SAC ao longo do tempo. Neles,
tudo está conectado. Em cada um, desenvolve-se uma trajetória
única. Subsistemas aninhados do sistema ensino e aprendizagem,
tais como o sistema identitário, o sistema de motivação e os
processos de autonomização estão todos interligados, mesclando-se
razão e emoção.
É na Teoria dos Sistemas Complexos que encontro o respaldo
para integrar todas as minhas ações que me encaminharam para ser
a professora que sou hoje.

Minha trajetória como professora

Sempre quis ser professora. A professora que eu sou teve uma


condição inicial quando eu era muito pequena. Tenho a clara imagem
de mim mesma brincando com bonecas e ursinhos enfileirados em
banquinhos e cadeirinhas. Eu tinha um pequeno quadro negro no
qual eu escrevia com giz as lições para meus alunos inanimados e, no
final da aula, passava-lhes lições de casa. Eles respondiam as
perguntas que lhes fazia (era eu que respondia, assumindo diferentes
vozes); faziam os deveres (era eu que os fazia) e algumas vezes “eles”
erravam, dando-me a chance de corrigi-los. Eu lhes contava histórias
e lhes ensinava tudo o que aprendia na escola. Assim, todas as
funções de uma professora em sala de aula, pelo menos naquele
tempo, estavam representadas nas minhas atuações daquela
realidade.
Acredito que a formação de um professor começa quando ele
pisa em uma sala de aula pela primeira vez na sua infância. A imagem

2
As características dos SACs estão mais bem descritas e exemplificadas em Magno
e Silva e Borges, 2016.

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

que fazemos de nossos primeiros professores é, de certa forma,


indelével e serve como base para a construção do professor que
seremos. Lembro-me, como se fosse hoje, de minha professora de
jardim de infância. Seu nome era Annelore. Ela nos tratava
carinhosamente e nos liderava nas tarefas entremeadas de
brincadeiras, lições de coordenação motora e de desenho, pintura
etc. Minha hora favorita era o momento de ler histórias no cantinho
da leitura.
Sempre gostei muito de estudar. Aprender conteúdos novos me
fascina até os dias de hoje. Segui pelo curso primário e ginasial e,
posteriormente, ingressei no Curso Normal, que formava professores
para atuação do primeiro ao quinto ano. Enquanto cursava a Escola
Normal, eu tinha aulas de inglês, de alemão, de música, além das
atividades próprias do curso. Precisei me organizar para dar conta de
tudo. Ao ser necessário escolher que curso seguir na universidade, foi
fácil identificar que minha área era a de Ciências Humanas e eu cursei
Licenciatura em Letras – Alemão e Português na Universidade
Federal do Paraná. Prossegui, cursando o Mestrado em Linguística,
mais especificamente em Sociolinguística, na Universidade Estadual
de Campinas. Depois de me mudar para Belém, acompanhando o
amor paraense que encontrei naquela cidade, voltei à universidade,
por questões profissionais, para obter também o grau de licenciada
em Letras – Inglês, desta feita pela Universidade Federal do Pará.
Trabalhei, sempre dando aulas, em vários lugares. Desde
criança, eu dava aulas para pessoas reais – primos ou vizinhos – que
precisavam de um auxílio na sua compreensão das matérias,
sobretudo de línguas. Durante o primeiro curso universitário, em
Curitiba, eu dava aulas particulares pois era impedida de assumir um
emprego com horas regulares devido a grande disponibilidade de
horários exigida pela universidade então. Eu acompanhava
estudantes, dava aulas para profissionais que precisavam se
especializar em suas áreas ou ler artigos científicos em inglês. Até
lecionei para dois pequeninos irmãos que haviam vivido nos Estados
Unidos enquanto seu pai lá cursava doutorado e cuja mãe desejava
que eles não perdessem o domínio da língua então obtido. Eu ia à
casa deles duas vezes por semana para “brincar em inglês”. Em

19
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Belém, meu primeiro emprego foi no Centro Cultural Brasil – Estados


Unidos (CCBEU).
Depois, fui contratada pelo Centro de Instrução Braz de Aguiar
(CIABA), escola de formação de pilotos, mecânicos e radio
operadores para a Marinha Mercante Brasileira. Nesta escola, éramos
cinco professores de inglês e ensinávamos de acordo com o curso dos
alunos: inglês geral e específico para os pilotos, inglês específico para
os radio operadores, com o vocabulário e a sintaxe apropriados para
a comunicação navio-navio, navio-portos ou navio-práticos. Para os
mecânicos dos enormes motores ensinávamos a ler os manuais, em
sua maioria em inglês. Isso era o inglês para fins específicos, que
alcançou grande sucesso na década de 1980 e 1990 do século
passado. Na dificuldade ou inexistência de materiais apropriados,
preparávamos as nossas próprias aulas em colaboração com os
professores das disciplinas específicas. Que aprendizagem didática
foi esta nos três anos que passei no CIABA! Quando sai de lá, fui
trabalhar novamente no CCBEU, instituição na qual fui professora de
inglês e servi como diretora executiva durante três anos.
Prestei concurso e assinei meu contrato com a Universidade
Federal do Pará em 1992. Ao chegar, trabalhei muito com língua
inglesa e suas literaturas, e, aos poucos, com a experiência já
adquirida no CIABA, fui me dedicando aos cursos de línguas para fins
específicos para diferentes cursos da universidade. Isso me
proporcionou um trânsito em diferentes institutos e conheci
praticamente por inteiro o campus de Belém e seus cursos. Já como
servidora, tive a oportunidade de me afastar do trabalho para
trabalhar na obtenção de meu título de doutorado em Ciências da
Linguagem, pela Universidade Jean Jaurés (então le Mirail) em
Toulouse, na França. Em minha tese fiz um estudo dos manuais de
informática, que, naquela época, eram ainda publicados em inglês e
em papel. Usei recursos de programas de análise linguística para
identificar a densidade semântica e padrões de sentenças e de textos
que qualificavam essa linguagem como uma língua de especialidade.
Toda essa análise visava buscar maneiras de melhor ensinar a língua.
Um artigo com os achados mais importantes da tese foi publicado
(MAGNO E SILVA, 2004).

20
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

A partir de meu retorno à sala de aula na universidade após o


doutoramento, passei a lecionar mais diretamente para o Curso de
Letras – Inglês e a priorizar a formação de professores dessa língua.
Há alguns anos ouvi de um de meus excelentes professores “O
melhor professor é aquele que também está aprendendo algo”. Dizia
ele que pouco importava o que o professor aprendesse; podia ser um
instrumento musical, uma forma de artesanato, uma especialidade
culinária, qualquer coisa. O fato de ser um aprendiz é que era a maior
lição, pois implicava no erro, no desacerto, na falta de prática com a
tarefa, na estranheza da nova prática, na pouca destreza do agir,
enfim, na ultrapassagem da zona de conforto de cada um. São essas
experiências não tão bem-sucedidas que vão, aos poucos,
construindo a competência.

A pesquisa em minha vida profissional

Dado o comentário que finaliza a subseção anterior, não há a


menor possibilidade de um professor parar de aprender. Assim, para
aprender mais, é preciso pesquisar. Principiei minhas atividades de
pesquisa assim que entrei na UFPA. Essas atividades abarcavam meu
interesse de então, que era o inglês para fins específicos. Este
interesse resultou, anos depois, na minha tese de doutorado,
anteriormente mencionada.
Já no início do milênio, as questões ligadas à autonomia do
estudante passaram a abrigar minhas inquietações. Em um artigo
com conhecimentos teóricos ainda incipientes, indico essa
preocupação (MAGNO E SILVA, 2003). A partir do ano seguinte
passei a pesquisar a fundo o tema da autonomia na aprendizagem de
línguas estrangeiras, uma vez que meu contato com os alunos no
Curso de Inglês mostrava a variedade de competências entre eles,
embora tivessem tido a mesma formação na universidade.
O que aguçou minha curiosidade foi o fato de que, por vezes,
alunos que entravam no curso sem qualquer conhecimento da língua,
se formavam com um comando melhor na língua do que aqueles que
já sabiam o básico da língua ao entrar. Isto, aliado à minha própria

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

narrativa de aprendizagem de línguas3, consciente de que me tornei


competente em inglês por meio de várias ações – hoje eu diria
estratégias de aprendizagem – que partiram de mim mesma para
aprender aquela língua. Idealizei uma investigação intitulada
“Caminhos da autonomia na aprendizagem de línguas estrangeiras”
acoplada à criação do que seria, no futuro, o centro de autoacesso da
Faculdade de Letras Estrangeiras Modernas (FALEM) da UFPA. Este
centro, gerador de dados para quase todas as pesquisas
posteriormente engendradas, é a Base de Apoio à Aprendizagem
Autônoma (BA3), mais bem descrita em Magno e Silva (2017; 2018).
Em 2008, ainda intrigada com a baixa competência de alguns dos
alunos do curso de Letras – Inglês, pensei que talvez eles não se
interessassem para assumir o protagonismo de suas trajetórias de
aprendizagem porque se sentiam desmotivados para tal. Passei a
estudar com afinco as compreensões atualizadas de motivação na
aprendizagem de línguas, sobretudo as obras de Dörnyei e Ushioda
(DÖRNYEI; USHIODA, 2011). A compreensão da motivação como
uma “maré que enche e vaza”, sendo esse processo normal em
qualquer aprendizagem, muito me ajudou a conscientizar meus
alunos. Orientei diversos planos de iniciação científica, trabalhos de
conclusão de curso (TCC) e dissertações de mestrado sobre o
assunto.
A partir de 2011, um novo conhecimento veio juntar-se às minhas
preocupações como pesquisadora. Neste estágio, preocupávamo-
nos com a linguagem pela qual nos dirigíamos aos alunos com
dificuldades. Além das leituras sobre autonomia e motivação,
incluímos os escritos sobre crenças (BARCELOS, 2010), por exemplo
e sobre afeto e emoções de aprendizes (ARNOLD, 1999;
MOSKOVICZ, 1978). Estas leituras levaram o grupo de pesquisas por
mim liderado a se interessar pelo aconselhamento em aprendizagem
de línguas, em uma interface entre a linguística aplicada e a
psicopedagogia. Passamos a praticar essa modalidade de
aconselhamento, embasados nos estudos de Mozzon-McPherson

3
Disponível em http://www.veramenezes.com/amfale/nar_pesq_wal.html . Acesso
em: 18/03/2022.

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

(2007), Kelly (1996) e Mynard e Carson (2012). Nessa fase,


ajudávamos nossos alunos no processo de aprender e não apenas em
relação ao conteúdo. A conscientização e o diálogo direcionado para
esses processos levava os alunos a identificarem, eles próprios, seus
pontos fracos e procurarem as maneiras de saná-los.
Em 2013 tive a oportunidade de desenvolver um pós-doutorado
na Universidade Federal de Minhas Gerais (UFMG) no qual estudei
profundamente as Teorias da Complexidade. Mensalmente, nos
reuníamos em Belo Horizonte em um grupo multidisciplinar para
desvendar as entrelinhas do livro de Larsen-Freeman e Cameron
(2008). A partir esse estágio pós-doutoral, passei a ensinar as Teorias
da Complexidade no Programa de Pós-Graduação em Letras na
UFPA e a inserir pequenas doses da compreensão do sistema de
ensino e aprendizagem como um SAC até mesmo nas aulas da
graduação. Aprendi na UFMG que bolsistas de iniciação científica
poderiam estudar os SACs, bastando para isso que observassem uma
ou duas características do sistema, apontando em seus dados a
evidência do que encontravam.

Conclusão

As ações brevemente descritas acima são basicamente os


ingredientes que me fizeram professora e formadora de professores.
Tudo isto, no entanto, não nos transforma em verdadeiros mestres.
A essência, a meu ver, é um misto de curiosidade por aprender e por
saber transmitir essa curiosidade para os alunos.
A abordagem complexa ajuda-nos a compreender os processos
longitudinais retrospectivamente. Aprecio perceber as várias
condições iniciais que tive em minha vida, as adaptações e co-
adaptações realizadas frente a novos elementos e agentes que
interagiram comigo. Também são visíveis os momentos de
bifurcação e da trajetória por um caminho e não por outro, que teria
consequências totalmente diferentes. Mais importante que tudo são
as emergências: algo novo que surge a partir de uma certa
confluência de fatores. Então, respondendo à pergunta geradora
deste texto: o que me fez professora foi viver a vida de uma

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

professora, com todas as alegrias e dificuldades que a carreira me


trouxe.

Referências

ARNOLD, J. (Ed.). Affect in Language Learning. Cambridge: Cambridge,


1999.
BARCELOS, A.M.F. Emoções, Reflexões e Transformações de Alunos -
Professores e Formadores de Professores de Línguas. Campinas:
Pontes, 2010.
DÖRNYEI, Z. Motivação em ação: buscando uma conceituação processual
da motivação de alunos. Tradução de André Diniz e Walkyria Magno e
Silva. In: BARCELOS, A.M.F. Linguística Aplicada: Reflexões sobre
ensino e aprendizagem de língua materna e língua estrangeira.
Campinas: Pontes, 2000-2011. p. 199-236.
DÖRNYEI, Z.; USHIODA, E. Teaching and Researching Motivation.
Harlow, England: Pearson, 2011.
KELLY, R. Language counseling for learner autonomy: the skilled helper in
self-access language learning. In: PEMBERTON, R.; LI, E.; OR, W.;
PIERSON, H.D. Taking Control. Autonomy in Language Learning.
Hong Kong: Hong Kong University Press, 1996. P. 93-113.
LARSEN-FREEMAN, D. Chaos/Complexity science and second language
acquisition. Applied Linguistics. 1997. 18(2): 141-165.
LARSEN-FREEMAN, D.; CAMERON, L. Complex Systems and Applied
Linguistics. Oxford, Oxford University Press, 2008.
MAGNO E SILVA, W. Tipos textuais no dizer e do fazer. Moara, n. 22, p. 65-
77, 2004.
MAGNO E SILVA, W. Autonomia no ensino e aprendizagem de línguas.
Moara, n. 20 (jul./dez.), p. 73-81, 2003.
MAGNO E SILVA, W.; BORGES, E.F.V. Complexidade em ambientes de
ensino e aprendizagem de línguas. Curitiba: CRV, 2016.
MAGNO E SILVA, W. The role of self-access centers in foreign language
learners autonomization process. In: Nicolaides, C.; MAGNO E SILVA,
W. (Eds.), Innovations and challenges in applied linguistics and
learner autonomy. Campinas: Pontes, 2017. P. 183-230.
MAGNO E SILVA, W. Autonomous learning support base: enhancing
autonomy in a TEFL undergraduate program. In: Murray, G.; LAMB, T.
(Eds.). Space, Place and Autonomy in Language Learning. London:
Routledge, 2018. P. 219–232.

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

MOSCOVICZ, G. Caring and Sharing in the Foreign Language Class. New


York: Newbury House, 1978.
MOZZON-McPHERSON, M. Supporting independent learning
environments: an analysis of structures and roles of language learning
advisers. In: RUBIN, J. (Ed.). Counselling in Language Learning Settings.
London: Longman, March 2007. Special Issue of System. Vol. 35: 1, p.
66-92.
MYNARD, J.; CARSON, L. Advising in Language Learning. Dialogue, tools,
and context. Harlow, England: Pearson, 2012.
PAIVA, V.L.O.M. Modelo fractal de aquisição de línguas. In: BRUNO, F.C.
(Org.) Reflexão e Prática em ensino/aprendizagem de língua
estrangeira. São Paulo: Editora Clara Luz, 2005. p. 23-36
USHIODA, E. The Role of Motivation. Dublin: Authentik, 1996.

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Capítulo 2

COMO ME TORNEI PROFESSORA?

Dörthe Uphoff (USP)

Sempre gostei de estudar línguas. Durante minha trajetória


escolar na Alemanha, optei sucessivamente por todas as línguas que
era possível cursar no meu Gymnasium de pequena cidade no interior:
inglês (matéria obrigatória), francês (eletiva), latim (eletiva) e
espanhol (optativa). Agradavam-me sobretudo as diferenças nas
estruturas e na pronúncia dos idiomas; lembro que sentia prazer no
desafio de formular frases e pequenos textos, tentando expressar
ideias com outras ferramentas linguísticas. A metodologia das
línguas modernas, na época, era bastante eclética, composta de
procedimentos audiolinguais, além de tímidos elementos do ensino
comunicativo, havendo também muita leitura de textos originais,
principalmente literários e jornalísticos.
Em consequência, minhas habilidades de compreensão e
produção escritas eram bastante desenvolvidas – mas a oralidade
nem tanto. Isso mudou quando, após a conclusão do ensino médio,
passei a morar dez meses em Paris, trabalhando como au pair, e,
depois, ainda alguns meses em Londres, exercendo a mesma
ocupação. Lembro-me que, passados os primeiros momentos de
desconforto e medo, comecei a vivenciar a imersão nas línguas com
uma euforia e alegria que me deixavam bastante surpresa. Intuía que
estava mudando ao falar outro idioma, descobrindo características
em mim que até então desconhecia. Aos poucos, começava a
entender que falar uma outra língua significava mais do que mudar o
código da conversa, o instrumento de comunicação. Envolvia
também aspectos identitários que, no meu caso, incluíam um
gostinho de liberdade, um ânimo diferente que me agradava.

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

A sala de aula de língua estrangeira representava, para mim, um


espaço para apreciar e experimentar novas formas de expressão.
Gostava muito desse ambiente seguro e protegido, mas ainda não
cogitava a ideia de fazer desse interesse uma profissão no futuro. Ao
contrário, achava que não tinha o perfil adequado para ser
professora, já que era uma pessoa bastante quieta e introvertida, e,
por isso, não me via no papel de conduzir as atividades de uma turma
de alunos.
Depois das minhas estadias em Paris e Londres, passei a estudar
Letras (germanística e romanística) na Universidade de Colônia,
Alemanha. Além disso, cursava também algumas disciplinas de
sociologia, como formação secundária (Nebenfach). Na medida do
possível, procurava selecionar disciplinas teóricas voltadas para a
aquisição de língua materna e estrangeira, embora não houvesse,
naquele tempo, muita oferta nessa área. Assim, entrei em contato
com as principais hipóteses de aquisição de segunda língua discutidas
na época – hipótese contrastiva, hipótese da identidade e hipótese
da interlíngua – através do artigo seminal de Bausch e Kasper (1979).
Essa leitura, assim como a leitura de Klein (1992), impulsionou
sobremaneira o meu gosto pela Linguística Aplicada, de modo que
comecei a vislumbrar uma atividade profissional nesta área do
conhecimento. Até hoje, quando ministro a disciplina
“Aquisição/Aprendizagem do Alemão como Língua Estrangeira”, no
âmbito da licenciatura na USP, reservo uma aula para trabalhar um
trecho da obra de Klein (1992) que propõe uma reflexão sobre a
seguinte situação hipotética:

Vamos supor que você tenha um acidente aéreo e caia sobre


um remoto vale de montanha na Nova Guiné, sobreviva e,
depois de algumas dificuldades, alcance uma tribo, vamos
chamá-la de Eipo, que não tem nenhum contato com o resto
do mundo, exceto com algumas tribos vizinhas. Vamos ainda
assumir que os Eipo são uma tribo pacífica e que o recebem de
forma amigável. Entretanto, não há a menor perspectiva de
deixar o vale num futuro previsível: você deve estar preparado
para viver ali por muitos anos. Nesta situação, provavelmente
seria aconselhável aprender a língua dos Eipo, o Eipomek, bem

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

como algumas outras habilidades e comportamentos que


fazem parte da vida social dos Eipo. Quais são, então, os
elementos que desencadeiam o processo de aquisição de
língua?1 (KLEIN, 1992, p. 43)

A partir desse cenário (um tanto dramático), Klein (ibid.) introduz


três aspectos necessários para que a aquisição de segunda língua
possa ser iniciada: estímulo (Antrieb), competência linguística
(Sprachvermögen) e acesso (Zugang).
O raciocínio lógico-teórico que caracteriza a abordagem
psicolinguística de Klein (1992) retrata também a maneira como eu
me aproximava desse tema, durante minha graduação e mestrado na
Alemanha: interessavam-me sobretudo os processos cognitivos de
aquisição de língua, ao passo que aspectos pedagógicos, voltados
para o ensino-aprendizagem do idioma em contexto institucional,
pouco me atraiam. Continuava não me enxergando como professora
e, por isso, assuntos didático-metodológicos não desempenhavam
um papel importante nas minhas buscas acadêmicas. Também a
minha dissertação de mestrado manteve um enfoque estritamente
teórico, explorando as propriedades semânticas e pragmáticas da
partícula modal denn.
Em agosto de 1994, após a conclusão dos meus estudos com o
título de Magister Artium, me mudei para o Brasil, terra do meu
marido. Inicialmente, minha vontade era procurar um programa de
pós-graduação, no intuito de continuar meus estudos de aquisição de

1
No original alemão: „Angenommen, Sie stürzen mit dem Flugzeug über einem
abgelegenen Gebirgstal in Neu Guinea ab, überleben und erreichen nach einigen
Strapazen einen Stamm, nennen wir sie die Eipo, der außer zu einigen
Nachbarstämmen keinen Kontakt zum Rest der Welt hat. Nehmen wir weiter an,
die Eipo sind ein friedlicher Stamm und nehmen Sie nicht unfreundlich auf. Es
besteht jedoch nicht die geringste Aussicht, das Gebirgstal in absehbarer Zeit zu
verlassen: Sie müssen sich darauf einrichten, viele Jahre dort zu leben. In dieser
Lage wäre es wahrscheinlich angeraten, die Sprache der Eipo, das Eipomek, zu
lernen wie auch einige weitere Fertigkeiten und Verhaltensweisen, die zum
sozialen Leben der Eipo gehören. Welche Komponenten gehen in den dann
einsetzenden Spracherwerbsprozess ein?“ Todas as traduções do alemão e inglês
realizadas neste trabalho são de minha autoria.

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

segunda língua em nível de doutorado. Não tinha uma ideia clara


sobre o que pretendia pesquisar, mas lia bastante sobre o assunto por
conta própria. No entanto, logo estávamos de mudança novamente,
de São Paulo para Joinville, Santa Catarina, onde meu marido aceitou
uma oferta de emprego. Pouco depois, também eu recebi um convite
de trabalho – para atuar como professora de alemão no Colégio Bom
Jesus, antiga escola alemã da cidade com forte presença do idioma
no currículo. Resolvi aceitar, sem muita convicção de que ia me dar
bem.
Para falar a verdade, já tinha acumulado algumas experiências de
ensino anteriormente. Durante a adolescência, dava aulas de reforço
em francês e matemática para alunos mais novos - uma atividade
comum na época para ganhar um pouco de dinheiro. Ademais, na
época da graduação, realizava bicos esporádicos como professora
particular de alemão como língua estrangeira. Mas dar aulas em uma
escola regular, para turmas inteiras de crianças ou adolescentes, me
parecia muito mais difícil, um enorme desafio. E os poucos estágios
de observação que tinha realizado durante a graduação não
ajudaram a dissipar as minhas dúvidas. Olhando para trás, não
lembro bem porque resolvi aceitar o convite. Talvez tenha sido a
vontade mais geral de começar a minha vida profissional no Brasil, e
conhecer pessoas nesse âmbito.
As primeiras aulas que ministrei no Colégio Bom Jesus foram
para uma turma da quinta série, e, após pouco tempo, minha
coordenadora e eu decidimos em comum acordo de que essa não era
uma faixa etária com a qual me dava particularmente bem. A sorte
foi que estava faltando também uma professora na sétima série, de
modo que fui transferida para as turmas desse nível. A diferença foi
enorme e, para mim, uma grande surpresa. Com minha parca
experiência como professora, não podia acreditar que dois anos a
mais de idade causavam tanta diferença na interação com os alunos.
E mais, nunca imaginara que podia me dar bem com essa faixa etária,
que sempre era considerada difícil - adolescentes de treze anos… Mas
o que aconteceu foi que, com essa nova atribuição de turmas, quase
instantaneamente comecei a sentir muita alegria e bem-estar no
ofício de professora. Era uma sensação de flow que me preenchia

29
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

quase todas as vezes que entrava em aula. Na época, já conhecia o


conceito de flow, de Csikszentmihalyi, mas consultei novamente
alguns textos do autor para preparar o presente relato e refletir
melhor sobre a virada que estava acontecendo na minha vida
profissional naquele tempo.
De acordo com Csikszentmihalyi (2014, s/p), “o estado flow é
intrinsecamente gratificante e leva o indivíduo a replicar as
experiências; isto introduz um mecanismo seletivo no
funcionamento psicológico que promove o crescimento”. Assim,
uma condição importante para que o flow aconteça é encontrar um
equilíbrio entre as capacidades autopercebidas e as oportunidades de
ação, por meio de desafios “que estendam, mas não excedam
excessivamente as habilidades existentes” (ibid.). Nessa situação,
uma pessoa consegue aprofundar suas habilidades sem se sentir
ameaçada ou sobrecarregada. Uma outra característica do flow é a
concentração intensa ao realizar determinada atividade, o profundo
mergulho no momento presente, que também é vivenciado como
muito agradável. Em leitura recente, de uma obra da professora e
ativista bell hooks (2021), encontrei uma descrição que capta bem
esse estado de atenção profunda, que ainda me regozija quando
ministro minhas aulas:

A sala de aula é um dos ambientes de trabalho mais dinâmicos


precisamente porque nos é dado pouco tempo para fazer
muita coisa. Para atuar com excelência e estima, professores e
professoras precisam estar totalmente presentes no
momento, concentrados e focados. (HOOKS, 2021, p. 52)

Reavaliando hoje essa fase inicial da minha carreira enquanto


professora, percebo que o flow foi muito importante para que eu
ficasse na profissão, sem mesmo cogitar outros tipos de emprego. Os
desafios didáticos que enfrentava no Colégio Bom Jesus eram
consideráveis, mas conseguíamos construir em conjunto,
coordenação e eu, as condições necessárias para que pudesse
superá-los. Para citar um exemplo, recebi a tarefa de preparar a
primeira turma do colégio para a prova do Deutsches Sprachdiplom

30
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

(DSD), e, no intuito de alcançar esse objetivo de prestígio para a


comunidade escolar, me foi concedida bastante liberdade na escolha
dos procedimentos metodológicos. O livro didático utilizado na
época, o Wer?Wie?Was?, rapidamente se mostrou ineficaz para o
preparo dos alunos e, assim, eu podia usar ou elaborar os materiais
que mais me pareciam adequados para determinada turma. Hoje
penso que essa experiência, no início da minha carreira de professora
de alemão, foi muito importante para instigar meu senso crítico a
respeito dos livros didáticos internacionais, que não costumam levar
em consideração as necessidades e interesses do alunado local.
Paralelamente, participava de cursos de aperfeiçoamento
fornecidos pelo Departamento Central de Escolas no Exterior
(Zentralstelle für das Auslandsschulwesen, sigla ZfA) e fiz uma
especialização no IFPLA (Instituto de Formação de Professores de
Alemão) sobre questões didático-metodológicas do ensino da língua.
Um ponto alto nessa época foi, sem dúvida, minha primeira
participação, ainda como ouvinte, no Congresso Internacional de
Professores de Alemão (Internationale Tagung der Deutschlehrerinnen
und Deutschlehrer, sigla IDT), em 1997 na cidade de Amsterdã,
Holanda. Assisti com muito entusiasmo às palestras e atividades do
evento e lembro nitidamente ter experienciado uma sensação
prazerosa de “chegar em casa”, ou seja, de ter encontrado o meu
nicho profissional.
Para além dos cursos e eventos externos, estudava também por
conta própria. Uma das minhas leituras mais marcantes na época foi
a Deutsche Grammatik. Ein Handbuch für den Ausländerunterricht
(HELBIG; BUSCHA, 2001), famosa gramática de referência
especificamente voltada para professores de alemão como língua
estrangeira (ALE). A obra apresenta e explicita as estruturas
morfossintáticas através do olhar de fora, próprio dos aprendizes
que, ao contrário de mim enquanto falante de L1, não dispõem de um
conhecimento intuitivo da língua. Essa mudança de perspectiva foi
fundamental para que eu pudesse alcançar uma compreensão mais
clara dos desafios que os alunos de ALE enfrentam, já que, durante
minha graduação na Alemanha, as aulas de linguística se
concentravam sobretudo na competência do falante nativo, no

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

sentido chomskyano. Como explicam Helbig e Buscha (2001, p. 17,


aspas no original),

Para o falante nativo, uma gramática serve principalmente


para tomar consciência ou sistematizar algo que ele formula e
usa corretamente de qualquer forma - devido a sua "intuição
linguística" (ou seja, sua segurança em lidar com regras
linguísticas adquirida na infância). Ao estrangeiro [sic!] falta
essa intuição linguística, a "competência" no idioma em
questão. Portanto, uma gramática para o ensino de línguas
estrangeiras requer regras mais explícitas que especifiquem
com a maior precisão possível como sentenças alemãs são
formadas e usadas corretamente.2

Desse modo, até hoje costumo afirmar que me formei


germanista na Alemanha, enquanto me tornei uma DaFlerin
(professora/especialista de ALE) apenas no Brasil.
A sensação de flow nas minhas aulas no Colégio Bom Jesus
permaneceu por muito tempo, porém, após alguns anos, senti falta
de um ambiente mais acadêmico. Cogitava fazer uma pós-graduação
na UFSC e quando fiquei sabendo de uma vaga de professora efetiva
na instituição, não pensei duas vezes e me candidatei. Passei no
concurso e em junho de 1998 assumi o cargo.
Quando cheguei à UFSC, pensei que tivesse encontrado o meu
lugar de atuação profissional e que desenvolveria a minha carreira por
lá. Continuava a sentir muito prazer em lecionar a língua alemã, e
gostava de estar inserida no curso de Letras, reunindo, de certa
forma, ambas as partes do meu percurso formativo até então –
germanística e ALE. Comecei a ministrar também a disciplina

2
No original alemão: “Dem Muttersprachler dient eine Grammatik vornehmlich
dazu, etwas bewusst zu machen oder zu systematisieren, was er ohnehin –
aufgrund seines ”Sprachgefühls“ (d.h. seiner in der Kindheit erworbenen Sicherheit
in der Handhabung der sprachlichen Regeln) – richtig bildet und verwendet. Dem
Ausländer fehlt dieses Sprachgefühl, die “Kompetenz“ in der betreffenden
Sprache. Deshalb verlangt eine Grammatik für den Fremdsprachenunterricht
explizitere Regeln, die möglichst genau angeben, wie richtige deutsche Sätze
gebildet und verwendet werden.”

32
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

“Estudos Culturais” que me forçava a adquirir conhecimentos mais


amplos sobre a história (cultural) da Alemanha, além de desenvolver
uma narrativa sobre o assunto que podia apresentar em sala de aula.
Minhas aprendizagens seguiam, desse modo, em ritmo acelerado,
mas percebia também um certo desgaste: a sensação de flow
simplesmente não se instalava mais com tanta facilidade como
antes. De início, não compreendia bem o que estava acontecendo,
porém, com o tempo, crescia em mim a consciência de que estava
cansada de ser vista como uma referência “natural” da cultura alemã,
pelo fato de que nasci e vivi naquele país até terminar a faculdade.
Avaliando esse conflito na retrospectiva, entendo que eu mesma me
colocava nessa posição de desconforto, aceitando a responsabilidade
que sentia ao “explicar” a cultura alemã aos meus alunos. Creio que,
com o passar do tempo, após cinco anos morando no Brasil,
começava a enxergar o meu país de origem com outros olhos, mais
distante; simplesmente não estava mais tão imersa nos discursos que
circulavam na Alemanha, o que provocava certo estranhamento e
desalento em mim.
Esse processo de desidentificação me acompanhou por vários
anos, na virada do novo milênio, e foi impulsionado pelo nascimento
da minha filha, em novembro de 1999. De repente, a minha vida
profissional, que parecia estável, passou por diversas turbulências.
Não consegui me adaptar à carga dupla de professora universitária e
mãe de um bebê recém-nascido e, por falta de alternativas viáveis,
acabei pedindo exoneração do meu cargo na UFSC. Em seguida,
prestei vestibular – na mesma instituição que acabara de deixar –
para o curso de licenciatura em matemática, num ímpeto repentino
de mudar os rumos da minha carreira profissional: queria continuar a
ser professora, mas não mais de alemão, e a matemática sempre me
agradara. Passei no vestibular e iniciei o curso, mas logo o abandonei
novamente, pois estávamos de mudança para Manaus, no
Amazonas, onde meu marido recebera uma oferta de emprego. Tudo
isso aconteceu em menos de dois anos e, olhando para trás, ainda me
impressiona a radicalidade (e também a coragem) com a qual
tomamos essas decisões.

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Em Manaus, após esse período de inquietações, resolvi me


afastar da vida profissional por um tempo para cuidar da minha filha
e me dedicar a estimular o seu processo de aprender a língua alemã.
Nos meus anos em Joinville e Florianópolis, tinha conhecido muitas
histórias de vida em que se lamentava a perda do alemão no seio
familiar. Percebia que não poucas pessoas mantinham uma relação
conflituosa com o idioma: desejo, falta, cobrança e arrependimento
eram algumas das sensações que meus interlocutores catarinenses
manifestavam em conversas informais. Não queria que minha filha
desenvolvesse uma relação desse tipo com a língua alemã, mas sabia
também que manter o alemão vivo no contexto familiar não era
tarefa fácil em Manaus: Por muito tempo, eu não tinha contato com
outros falantes do idioma, uma situação que ao mesmo tempo me
contentava e preocupava.
O desafio de uma educação bilíngue como projeto familiar é um
tema que encheria facilmente outro relato de memória, por isso,
prefiro não me estender sobre esse assunto aqui. Entretanto, vale
ressaltar que essa experiência influenciou muito os rumos posteriores
das minhas buscas teóricas e práticas no ensino de alemão. Passei a
considerar a qualidade da vivência com a língua (Spracherleben, cf.
BUSCH, 2012) como uma dimensão essencial no meu fazer
pedagógico, para além dos aspectos curriculares e didático-
metodológicos que marcam determinada situação de ensino.
Após três anos morando em Manaus, resolvemos nos mudar
para Valinhos, um município de médio porte próximo a Campinas, no
interior de São Paulo. Eu almejava fazer doutorado na Unicamp e,
além disso, queríamos proporcionar uma alfabetização bilíngue à
nossa filha, escolhendo para isso o Colégio Visconde de Porto
Seguro, que mantém uma unidade na cidade.
A matemática se revelara um flerte passageiro, e já em Manaus
eu tinha retomado minhas leituras na área da Linguística Aplicada.
Queria pesquisar mais a fundo a possibilidade de ensinar uma língua
estrangeira sem a presença de um livro didático, como eu mesma
tinha praticado no colégio em Joinville. Nas minhas experiências
posteriores, o livro didático sempre me parecia uma instância
incômoda, que muitas vezes atrapalhava mais do que ajudava no

34
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

desenvolvimento dos processos de ensino-aprendizagem.


Naturalmente eu sabia que o livro didático facilitava a preparação das
aulas, ao pré-selecionar os conteúdos e procedimentos
metodológicos. No meu anteprojeto de doutorado, eu queria
entender melhor como se dava o planejamento de curso sem o apoio
desse dispositivo, quais seriam os desafios e também os benefícios
dessa situação. A proposta foi bem avaliada e passei em segundo
lugar no processo seletivo do Departamento de Linguística Aplicada
da Unicamp em 2004.
No entanto, logo que iniciei os estudos de doutoramento,
comecei a enfrentar uma série de embates teóricos. Meu projeto de
pesquisa continha diversas referências que refletiam o estado da arte
de ALE como era estudado e praticado na Alemanha, centro dessa
disciplina acadêmica ainda jovem. Assim, respaldava-me, por
exemplo, na teoria construtivista da aprendizagem, muito discutida
na época na literatura de DaF (Deutsch als Fremdsprache). Para minha
surpresa, essa perspectiva era bastante criticada pelos meus
professores, que desaprovavam sobretudo a concepção de sujeito
subjacente ao construtivismo, considerada inapropriada por
trabalhar com uma noção de um sujeito (supostamente) livre e
autossuficiente. Por motivos parecidos, também a concepção
humanista do sujeito da psicologia rogeriana foi rejeitada ou, pelo
menos, considerada deficitária. Defendia-se, ao contrário, uma
concepção discursiva do sujeito, reforçando sua condição histórica e
ideológica.
As discussões acaloradas me deixavam perplexa; não queria
aceitar que, ao assumir um sujeito histórico, eu tinha que abdicar de
elementos do construtivismo ou da psicologia humanista que
considerava relevantes. Para complicar ainda mais a situação, minha
proposta de pensar o ensino de ALE sem a presença do livro didático
também não era bem recebida, quando apresentei o projeto em uma
mesa redonda no 6º Congresso Brasileiro de Professores de Alemão,
em 2006 na USP. A reação do público foi um misto de espanto e
indignação, e percebi que para muitos professores era simplesmente
impossível imaginar a prática de ensino sem o auxílio de um livro
didático. Sentia que estava tocando em um alicerce oculto da área de

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

DaF, mexendo com relações de poder implícitas, para as quais eu não


tinha me atentado ainda. A experiência originou uma revisão
profunda do meu projeto e decidi tornar o poder que parecia emanar
do livro didático, o foco das minhas investigações.
Contudo, ainda precisava resolver os impasses teóricos nos quais
esbarrava em relação à concepção de sujeito que pretendia adotar.
Cada vez mais, as diferenças entre a área de DaF, na Alemanha, e a
Linguística Aplicada, no Brasil, ficavam claras para mim: operava-se
com teorias conflitantes, nos pressupostos mais profundos (e
frequentemente não explicitados) das concepções de sujeito, língua
e educação linguística que embasavam as pesquisas e discursos
científicos. Desse modo, eu precisava achar algum meio-termo, um
lócus enunciativo que fosse reconhecido por interlocutores nos dois
lados, pois queria que a minha tese fosse lida em ambos os contextos.
Não posso reconstruir, no presente relato, todos os meus
movimentos de busca, que eram intensos, mas vale dizer que acabei
por encontrar um lugar de fala (relativamente) confortável na obra de
Foucault, em sua fase genealógica. Suas concepções de poder, saber
e discurso me proporcionaram o respaldo necessário para que eu
pudesse desenvolver o meu argumento. Lembro ainda do alívio que
senti quando me deparei com o seguinte trecho do filósofo, em seu
artigo “O sujeito e o poder” (FOUCAULT, 1995, p. 244, aspas no
original):

Quando definimos o exercício do poder como um modo de


ação sobre as ações dos outros, quando as caracterizamos pelo
“governo” dos homens, uns pelos outros – no sentido mais
extenso da palavra, incluímos um elemento importante: a
liberdade. O poder só se exerce sobre “sujeitos livres”,
enquanto “livres” - entendendo-se por isso sujeitos individuais
ou coletivos que têm diante de si um campo de possibilidade
onde diversas condutas, diversas reações e diversos modos de
comportamento podem acontecer.

Foi a partir desse arcabouço teórico-analítico que passei a


entender o meu campo de atuação profissional com outros olhos.
Uma vez descobertas as relações de poder, não podia mais

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

considerar a área de ALE como um espaço que “apenas” visava


fomentar a aprendizagem dos alunos, como sugere o princípio da
Lernerorientierung (orientação ao aprendiz), uma das diretrizes
centrais da didática de DaF nas décadas de 1990 e 2000. Havia outras
forças em jogo também, e enquadrar a educação linguística como um
quebra-cabeça meramente didático-metodológico me parecia, de
repente, muito ingênuo da minha parte.3
Havia outras leituras, na época do meu doutoramento, que
provocaram reflexões significativas e que marcam a minha prática
docente até hoje: a obra “Liberdade de aprender” de Carl Rogers
(1973), por exemplo, em que a aprendizagem é apresentada como um
processo ambivalente. Se, por um lado, o ser humano aparece
dotado de uma propensão natural para aprender, por outro, ele tende
a vivenciar esse processo como intrinsecamente ameaçador, motivo
pelo qual cabe à figura do professor reduzir ao mínimo possível as
ameaças externas (avaliações severas, situações percebidas como
humilhação e/ou vergonha pelo aluno etc.), às quais os aprendizes
estão sujeitos no sistema educacional (cf. UPHOFF, 2008).
Além disso, vale citar a leitura de “O monolinguismo do outro”,
de Jacques Derrida (2001), que me abriu os olhos sobre a difícil
relação entre língua e identidade que envolve todas as línguas que
falamos, incluindo a L1: “A língua dita materna nunca é puramente
natural, nem própria nem habitável [...]. [Há] uma alienação essencial
na língua – que é sempre do outro [...]” (DERRIDA, 2001, p. 90).4

3
No meu artigo “Quem são os especialistas no ensino de línguas?” (UPHOFF, 2020),
apresento uma reflexão mais recente sobre as relações de força que se entrecruzam
no ensino de línguas.
4
Em Uphoff (2007), examino um caso de bilinguismo com base nessa ótica
deconstrutivista. O trabalho constituiu uma das quatro qualificações necessárias
para adquirir o título de doutora em Linguística Aplicada na Unicamp, na época.
Mais tarde, já trabalhando na USP, tive um reencontro importante com Derrida,
através da obra de Busch (2012), que inicia seu texto retomando o filósofo. A autora
trata do conceito de Spracherleben (vivência linguística) analisando três eixos
envolvidos em qualquer experiência linguística: a) percepção própria vs. percepção
alheia; b) pertencimento vs. não-pertencimento; c) poder vs. impotência (cf.
BUSCH, 2012, p. 15-21).

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Logo antes de defender minha tese de doutorado, em agosto de


2009, fui admitida pelo Centro de Ensino de Línguas (CEL) da
Unicamp como professora temporária de alemão. A contratação
marcou meu retorno à docência em contexto universitário,
constituindo também meu primeiro emprego em regime integral
desde que deixara a UFSC nove anos antes. Acho importante frisar
esse aspecto, já que muito amadurecimento pessoal – como mãe,
estudiosa, pesquisadora e também estrangeira morando no Brasil –
tinha ocorrido nesse meio-tempo. Estava insegura em retomar a
profissão, pois não sabia como o longo período fora da sala de aula
afetaria a minha performance como professora em contexto
institucional. Para minha felicidade, a sensação de flow voltou a se
instalar quase instantaneamente. Gostava de interagir com os alunos
e apreciava a liberdade pedagógica que me foi proporcionada pelos
colegas. Havia a presença de um livro didático, mas o material
adotado, a Blaue Blume (EICHHEIM et al., 2006), se posicionava
decididamente fora do mainstream pós-comunicativo da época,
focando em textos autênticos desde as unidades iniciais. Assim, eu
dispunha de muito espaço para exercer a criatividade e elaborar as
aulas de acordo com a minha percepção das prioridades
pedagógicas, uma conduta que Prabhu (2019 [1990]) denomina sense
of plausibility, ou seja, a “compreensão subjetiva dos professores a
respeito de sua prática de ensino”5 (PRABHU, 2019, p. 138).
Conforme explica o autor:

É quando o senso de plausibilidade de um professor está


engajado na operação de ensino que se pode dizer que o
professor está envolvido, e o ensino acaba não sendo
mecânico. Além disso, quando o senso de plausibilidade está
envolvido, a atividade de ensino é produtiva: há então uma
base para o professor estar satisfeito ou insatisfeito com a
atividade, e cada instância de tal satisfação ou insatisfação é
em si mesma um insumo adicional para o senso de
plausibilidade, confirmando ou desconfirmando ou revisando-

5
No original inglês: “teacher's subjective understanding of the teaching they do”

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

o em alguma pequena medida, e geralmente contribuindo


para seu crescimento ou mudança.6 (ibid., p. 139)

Em sua obra Language teacher education for a global society,


também Kumaravadivelu (2012) cita o conceito de sense of
plausibility de Prabhu, ao observar que professores desenvolvem, ao
longo do tempo, “uma consciência inexplicada e às vezes inexplicável
do que constitui um bom ensino”7 (ibid., p. 33). Acredito que uma
instituição de ensino deva propiciar um ambiente em que esse
conhecimento pessoal, muitas vezes velado, possa ser instigado para
que se torne cada vez mais palpável e explícito ao/à professor/a.
Em agosto de 2011, passei em primeiro lugar no concurso da
Universidade de São Paulo (USP), para provimento de uma vaga de
professor/a de língua no curso de Letras/Alemão. Fui contratada no
início de 2012 e atuo na instituição desde então. A vaga chamou meu
interesse porque havia a possibilidade de participar do programa de
pós-graduação em Língua e Literatura Alemã e começar a orientar
trabalhos de pesquisa na área de ALE. Esse novo campo de atuação
me atraía bastante, pois queria continuar investigando as
especificidades do ensino-aprendizagem de alemão no Brasil. As
horas/aula no CEL/Unicamp não me deixavam tempo suficiente para
as atividades de pesquisa, mas desejava ser as duas coisas: professora
e pesquisadora. Além disso, abriu-se, na USP, outra área de docência:
as disciplinas didático-metodológicas da licenciatura em língua
alemã, que ministro regularmente hoje em dia. Assim, comecei a
exercer também a função de formadora de professores,

6
No original inglês: “It is when a teacher's sense of plausibility is engaged in the
teaching operation that the teacher can be said to be involved, and the teaching
not to be mechanical. Further, when the sense of plausibility is engaged, the
activity of teaching is productive: there is then a basis for the teacher to be satisfied
or dissatisfied about the activity, and each instance of such satisfaction or
dissatisfaction is itself a further influence on the sense of plausibility, confirming or
disconfirming or revising it in some small measure, and generally contributing to its
growth or change.”
7
No original inglês: “an unexplained and sometimes unexplainable awareness of
what constitutes good teaching”

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

acompanhando os licenciandos na fase inicial de seu processo


formativo.
Entendo a qualificação de professores como um processo
contínuo, que apenas inicia na graduação, mas perdura pela vida
profissional inteira. Percebo claramente que, após mais de 25 anos
trabalhando como professora em diversos contextos, ainda aprendo
muito, a cada dia que atuo na educação linguística. Por isso, me
pergunto com frequência o que devo ensinar a meus alunos que se
preparam para iniciar a carreira de professor/a de alemão. O que seria
tão importante no ofício do professor que não poderia ser deixado
para fases posteriores, sempre diversificadas e um tanto incertas? A
resposta a essa pergunta não é fácil, já que grande parte do currículo
da licenciatura é dedicada ao ensino do próprio idioma, sobrando
pouco tempo para trabalhar questões mais específicas do saber-fazer
pedagógico. Considerando meu próprio percurso formativo, em que
descobri a profissão quase por acaso, penso que deve haver,
relativamente cedo, um espaço para experimentação do papel de
professor/a, de modo seguro e bem dosado, mas com o
acompanhamento próximo de um/a docente veterano/a, para
acolher as dúvidas e emoções que possam surgir nas primeiras
experiências de ensino. Não raro, afloram sustos e medos, que por
falta de apoio não são devidamente trabalhados, quando poderíamos
vivenciar o flow, até mesmo como professor/a inexperiente, como
mostra a minha trajetória.
Para finalizar, gostaria de reforçar a importância de alimentar o
diálogo entre os colegas, seja enquanto professor/a ou
pesquisador/a, a fim de criar uma “comunidade de prática”,
compartilhando experiências, anseios e conquistas da vida
profissional. Como formula Kumaravadivelu (2012, p. 91),

Uma comunidade de prática refere-se a um grupo de pessoas


que estão unidas por uma preocupação ou paixão comumente
compartilhada por algo, e interagem regularmente umas com

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

as outras a fim de aprofundar seus conhecimentos, aprimorar


suas habilidades e enriquecer sua experiência.8

Acredito que a longevidade na profissão depende muito da


relação dialógica que é possível construir com os pares (e também
alunos e orientandos), no intuito de se manter aberto, curioso e
entusiasmado com as aprendizagens infindáveis que o trabalho
educacional proporciona.

Referências

BAUSCH, Karl-Richard; KASPER, Gabriela. Der Zweitsprachenerwerb:


Möglichkeiten und Grenzen der „großen“ Hypothesen. Linguistische
Berichte, n. 64, p. 3-35, 1979.
BUSCH, Brigitta. Das sprachliche Repertoire oder Niemand ist
einsprachig. Klagenfurt: Drava, 2012.
CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly. Teoria do flow, pesquisa e aplicações.
Tradução de Marina Gomes. ComCiência, n. 161, s/p, 2014. Disponível
em: http://comciencia.scielo.br/pdf/cci/n161/10.pdf (14/06/2022).
DERRIDA, Jacques. O monolinguismo do outro ou a prótese de origem.
Tradução de Fernanda Bernardo. Porto: Campo das Letras, 2001.
EICHHEIM, Hubert et al. Blaue Blume. Deutsch als Fremdsprache. Livro do
Curso. Campinas: Editora da Unicamp, 2006.
FOUCAULT, Michel. O sujeito e o poder. In: DREYFUS, Hubert L.;
RABINOW, Paul. Michel Foucault. Uma trajetória filosófica: para além
do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1995 [1983], p. 231-249.
HELBIG, Gerhard; BUSCHA, Joachim. Deutsche Grammatik. Ein
Handbuch für den Ausländerunterricht. Berlin et al.: Langenscheidt,
2001 [1970].
HOOKS, Bell. Ensinando comunidade: uma pedagogia da esperança.
Tradução de Kenia Cardoso. São Paulo: Editora Elefante, 2021.
Klein, Wolfgang. Zweitspracherwerb. Eine Einführung. Frankfurt am Main:
Hain, 1992.

8
No original inglês: “A community of practice refers to a group of people who are
bound together by a commonly-shared concern or passion for something, and
regularly interact with each other in order to deepen their knowledge, sharpen their
skills, and enrich their experience.”

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Kumaravadivelu, B. Language teacher education for a global society. A


modular model for knowing, analyzing, recognizing, doing and seeing.
New York/London, Routledge, 2012.
PRABHU, N.S. There is no best method – why? In: PRABHU, N.S.
Perceptions of language pedagogy. Hyderabad: Orient Blackswan,
2019, p. 125-144. [Primeira publicação do artigo em 1990.]
ROGERS, Carl Ransom. Liberdade para aprender. Belo Horizonte:
Interlivros, 1973.
UPHOFF, Dörthe. As línguas do outro: reflexões sobre um caso de
bilingüismo. Fragmentos, n. 33, p. 229-243, 2007. Disponível em:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/fragmentos/article/view/8666/800
7 (19/06/2022).
UPHOFF, Dörthe. A ameaça da língua estrangeira. In: Anais do 6ª
Congresso Brasileiro de Professores de Alemão 2006. São Paulo:
ABRAPA, 2008, p. 1-9 (CD-Rom).
UPHOFF, Dörthe. O poder do livro didático e a posição do professor no
ensino de alemão como língua estrangeira. Tese de doutorado.
Campinas: IEL/Unicamp, 2009.
UPHOFF, Dörthe. Quem são os especialistas no ensino de línguas? In:
ROCHA, Décio; DEUSDARÁ, Bruno; ARANTES, Poliana, PESSÔA,
Morgana (orgs.). Pesquisar com gêneros discursivos: interrogando
práticas de formação docente. Rio de Janeiro: Editora Cartolina, 2020,
p. 145-155. Disponível em https://www.editoracartolina.com/em-
discurso-3 (19/06/2022).

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Capítulo 3

CONTEXTUALIZANDO CAMINHOS E CONSTRUINDO


IDENTIDADE
Autobiografia

Neide Araujo Castilho Teno (UEMS)

Pensar o que me fez Professora passa por longos caminhos,


condições pessoais, financeiras, familiares entre tantas outras que
cortam os caminhos de formadores. Vou caminhar essa exposição
relacionando minhas duas formações: a formação em Letras e a
formação em Pedagogia, ambas formações em educação, vínculos
inseparáveis na formação de minha identidade. Por isso, trago a cada
ponta da história de vida uma metáfora para ilustrar e bordar o
caminho construído dessa identidade.
Nossa roda de conversa busco na metáfora o modo de caminhar,
com “O guardador de rebanhos‖, de Alberto Caeiro, um dos
heterônimos do poeta Fernando Pessoa:

O meu olhar é nítido como um girassol. Tenho o costume de


andar pelas estradas. Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás... E o que vejo a cada
momento. É aquilo que nunca antes eu tinha visto... Sinto-me
nascido a cada momento. Para a eterna novidade do Mundo
(CAEIRO, 1986).

Busquei no olhar do poeta CAEIRRO (1986) a metáfora


“CAMINHO” por ser um dispositivo que possibilita o olhar para todos
os lados, e ainda desperta para um caminhar de renascer a todo
momento. Nossa identidade e construída assim, por trilhas, atalhos,
passagem, um olhar para trás, um olhar para frente, e cada momento
ganha um sentido diferente na vida e na formação. Eu sonhei ser

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

médica, mas o medo afastou essa ideia, e tudo conspirava para ser
professora a todo momento.
Pensando no momento histórico quando nasci em 1951.O Brasil
vivenciava o início do voto popular, e Getúlio Vargas retomava a
presidência da República, pelo PTB. Minha história começa, nesse
clima, em uma cidade do interior de São Paulo, Andradina (SP),
fazenda São João, região denominada Campestre, divisa com o
córrego Moinho, onde meus avós, ali chegaram na qualidade de
pequenos proprietários, cultivando e lidando com o manejo do gado
para tirar subsistência para o casal, cinco filhos e dois filhos de
criação. Ainda me recordo do quadro rural que sempre viveram meus
pais e da luta diária de meus avós, dividindo o que ganhavam em
proporções de subsistência entre os filhos. Em 1957 fui matriculada
no primeiro ano, quando o país vivenciava a gestão de Juscelino
Kubitschek e a construção da nova capital federal, Brasília.
Os meus interlocutores eram os meus pais, tios, avós,
professores, ouvia falar em creches, mas nunca frequentei, e fui
alfabetizada com a famosa cartilha Caminho Suave. No primário,
vivenciei a pedagogia dos castigos, tipo ficar em pé de frente às
paredes dos corredores por não ter realizado alguma atividade em
sala ou tarefa, ficar com os braços abertos e livros nas mãos por
algum tempo, ajoelhar em grãos de milho, encher páginas de
caligrafia com as mesmas frases, copiar várias vezes a mesma
palavra, mas nem por isso tenho marcas de revolta.
Sou consciente que fui fruto de uma tendência pedagógica
tradicional na qual entre professor-aluno não possuía diálogo,
conforme relata Libâneo (1993 p. 24), que a autoridade do professor
era forte na escola tradicional e qualquer comunicação entre aluno e
professor não existia no decorrer das aulas, assim o “[...] professor
transmite o conteúdo na forma de verdade a ser absorvida; em
consequência, a disciplina imposta é o meio mais eficaz para
assegurar a atenção e o silêncio”.

Eu no meio do caminho

E mais uma vez busco uma metáfora de um poeta dos ervais com

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

quem convivi e aprendi muita da vida. Bebi da fonte de sua cacimba


e trilhei meus caminhos:

Eu sou o homem desajeitado e de gestos xucros que veio de


longe. Eu sou o homem fronteiriço que na infância atribulada
recebeu nas faces sanguíneas os açoites desse vento, vadio e
aragano [...] Eu vim dos ervais, meus irmãos, do fogo dos
“barbaquás”, do canto triste e gemente dos urus, dos bailados
divertidos[...]Eu vim, em verdade, dos charcos e da poeira
revolvente dos tempos, puros de espírito o caminho certo da
vida. [...] Fui gemido de carreta manchega [...] envaidecido
tropel de tropilha crioula e índio aragano, trilhador de todos os
caminhos. (SEREJO, 1973).

Os caminhos trilhados pela história de vida de Hélio Serejo


repetem-se na história de vida de muitos professores. Na verdade,
repete-se um pouco, também, no texto da minha vida. Semelhante a
esse poeta, procuro coisas que me constituem como pessoa e que,
subjetivamente, me dão prazer e me inspiram a narrar sobre meu
percurso profissional. Como Helio Setejo, eu já caminhei muito, vim
de longe, do interior do Estado de São Paulo, das lutas do campo, da
época áurea da construção da barragem Urubupungá. Eu vim da
Terra de Moura Andrade, da terra do boi. Vivi nas proximidades do
Rio Feio, rodeadas de fazendas promissoras.
Venho de longe, mas aproximo, cada vez mais, do ser professora
quando cruzei campos araganos, trilhei estradas, pulei pontes e nessa
trajetória, eu me distanciei do lugar onde nasci, deixei a fazenda de
meus pais e avós, e fui para cidade acompanhada de meus pais para
estudar. Conheci pessoas, fiz laços afetivos, deixei marcas e
personagens que foram se constituindo durante esse trajeto. Essa
trilha percorrida que, inicialmente foi em decorrência dos meus pais,
foi também fruto das minhas necessidades pessoais, que, em busca
de desafios, acabaram se transformando em novas conquistas.
Caminhei por Escolas estaduais, fiz ginásio, simpatizei com
professores de música, de artes manuais, de esportes. Foi com um
professor de Língua Portuguesa “seu Manoel” que aprendi a gostar
de ler, de resumir, contar causos, pintar cadernos, recitar, apagar o

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

quadro. Com um olhar nítido como um girassol (CAEIRO, 1986) volto


ao passado e me vejo no ginásio, no clássico (escola Normal) e no
colegial. Foi nesses espaços que houve o encantamento pelos livros,
falo de Graciliano Ramos , de Jose de Alencar, e de toda coleção da
ática Bom livro que existia nas escolas: Iracema, Til, Pequeno
Príncipe, Sertanejo, Dom Casmurro, Moreninha, Meus Vinte Anos,
Cortiço, Lucíola, entre tantos outros. Não tenho lembranças de
algum professor realizando alguma leitura para nos alunos, ou
incentivar os alunos a ler algo.
Agora, me lembro bem de responder longos questionários sobre
a leitura, cobrança de quantidade de leitura, quem era personagem
principal, qual era o enredo, como a história terminou, uma cobrança
mais técnica do que de formação. Podemos citar alguns hábitos
escolares desse período: fila para entrar e sair das salas de aula,
hastear a bandeira Brasileira, cantar o Hino Nacional, cantar o hino
do Estado, vistar as tarefas, encapar os livros e cadernos, ler para o
diretor da escola, vistar o uniforme e a higiene.
Foi no ensino médio e no meio normal o meu encontro com os
livros de contos, poesias e romances de grandes autores nacionais.
Quando eu li Castro Alves e Guimaraes Rosa , Jorge Amado foi o
impacto de gerações pois os alunos não podiam ler essa literatura.
Tieta do Agreste era um livro proibido pela sua linguagem insinuante,
carregada de ambivalências, como bem explica o escritor para a
personagem Tieta, “Pastora de Cabras”, retratando a simbologia e a
ideia de “cabra macho”, tão presente na época. Fui concluir essa
leitura bem mais tarde quando iniciei a escrita de trovas, de poemas
etc.
Foi nesse espaço que li sobre as reformas educacionais, ouvia
falar em Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Paulo Freire, Pedagogia do
Oprimido. Por mais que eu destaque meu envolvimento com as
várias leituras e autores ao longo de minha trajetória, nesta roda de
conversa, não será possível dada sua amplitude. Toda essa trajetória
foi o diferencial para eu ser professora, por vontade própria e pela
valorização que eu enxergava na profissão, ser professor era algo de
alto escalão. Muito cedo já fui dar aulas de admissão em uma escola
pública, eu tinha 17 anos.

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Considero o divisor de Águas, quando entrei na faculdade Barão


de Mauá em Ribeirão Preto (hoje Centro Universitário Barão de
Mauá), nesse espaço fui uma fiandeira de tudo e semelhante a Helio
Serejo, “Eu não vinha dos ervais, do fogo dos barbaquás”, mas vinha
apostando tudo que tinha, ser professora de qualquer jeito. A medida
em que avançava no curso tecia uma intimidade com os professores,
com os colegas, talvez pelo fato de me identificar com a profissão, e
muito logo fui dar aulas noturnas de Língua portuguesa para alunos
com defasagem de aprendizagem. As histórias, as tradições e as
vivências do grupo de professores com as quais convivi, em
diferentes lugares, certamente influenciaram minha formação.
Nessa Universidade eu vivenciei a rotina dos cursos de medicina
e biológicas e quando entrei pela primeira vez em um laboratório de
aulas práticas foi um choque de sentimentos. O contato com peças
anatômicas que simulam o corpo humano e a manipulação dos
cadáveres e partes de corpos humanos me fizeram enxergar que não
nasci para a educação da saúde. Toda essa vivência constituiu mais
uma das minhas caminhadas para ser professora.
Foi nesse espaço de Universidade em Ribeirão Preto que fiz
amizade com grandes pessoas, hoje personagens da Tv , Jornal Rural
, todavia não podia esquecer de uma jovem menina Tania Colóquio,
aquela amigas que chegam para ficar. Muitas vezes fui acolhida em
sua casa (Guara /São Paulo) para passar fim de semana, lavar roupas,
passear enfim. Não tem como narrar fatos da vida sem lembrar de
pessoas significativas na nossa trajetória. Essa é uma delas.
Chego mais perto de Mato Grosso quando na escrita dessa roda
de conversa empresto de Raquel Naveira e Hélio Serejo as metáforas
de trilhar e tecer caminhos para falar dos lugares que venho
ocupando nessa minha trajetória.
O caminho se alarga mais um pouco, aumentando os fios, tecem
a trajetória ora curtos, ora longos, construindo ponto a ponto cada
pedaço de minha vida. Nessa tessitura eu encontro com poetas
renomados, com os quais convivi e tenho muito apreço: Manoel de
Barros, Emanuel Marinho, Raquel Naveira, Rutênio Marcelo,
professora Glorinha de Sá Rosa, Professor José Pereira Lins, além
daqueles que me ensinaram o caminho da formação de professor:

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Fávero e Koch (1988), Bakhtin ( 1997, 2006 ) , Josso (2004), entre


tantos outros.
Chego no ano 1974 , muitas transformações no caminho, deixo
Ribeirão Preto , me casei em São Paulo vim fixar residência em Mato
Grosso, assumindo um concurso público em uma cidade pequena,
(CAARAPO/MS) onde passei meus primeiros dezoito anos de vida,
curtir nascimento dos três filhos, e iniciar na vida profissional como
professora concursada do ensino fundamental e médio pelo Estado
de Mato Grosso do Sul, Estado que havia de ser constituído com a
divisão do Estado.
Em 1977 guardo mais um marco na minha história de vida,
Presidente-General Ernesto Geisel assinava o documento
decretando a separação de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A
estudiosa Bittar (2009, p.25-26) pesquisadora da UFMS acredita que
essa divisão “só foi possível porque o regionalismo, finalmente,
encontrou respaldo na política nacional.” Foi nesse contexto de
separação de Estado que assumi concurso público e passei a ser
funcionária pública estadual-ser professora efetiva.
Em 1976/1997 o caminho abre novos horizontes, cursei de
Pedagogia, e a especialização em linguística que veio como uma
necessidade e complemento da minha formação pedagógica e muito
contribuiu para minha lotação como professora efetiva na disciplina
de Estágio Supervisionado no Curso de Letras e Pedagogia na UEMS.
Posso falar que nasci para ser professora e gosto de ensinar.
Desde o início de minha vida profissional, escolhi o ensino superior
como minha meta. Formada em Licenciatura Plena em Letras, pela
UFMS, ministrei aulas em escolas de ensino fundamental e médio na
ocasião oportuna em que surgia uma aposentadoria de uma colega
de língua portuguesa em Dourados.

O que sou e o que me faz caminhar

Faço uma parada no caminhar para refletir sobre esse longo


período, dezoito anos na cidade de Caarapó /MS, que representou um
marco profissional em minha trajetória, pois aprendi a conduzir uma
sala de aula, valorizar os alunos, integrar-me no contexto escolar,

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

desenvolver ações a partir de projetos; fiz do espaço escolar o


prolongamento da minha casa. O lugar onde morava proporcionava
essa atitude em qualquer professor, pois nada tinha (cinema,
biblioteca, clube), restando o contato com os colegas educadores e a
escola.
A relação com os alunos, a minha maneira de conduzir as aulas
eram detalhes que pesavam mais que a própria teoria que trazia para
ser discutida na sala, eu atendia os alunos em minha casa. Minha casa
era o prolongamento da minha sala de aula. Sempre fui muito
próxima dos alunos, ajudando-os afetivamente, construindo um
sentimento maternal ou fraternal, aquilo que falta nos braços de
muitas famílias, conforme explica Bakhtin (2003, p. 148), uma relação
pai/mãe-filho(a) entre professor e aluno, uma vez que, [...] “numa
concepção social, o centro axiológico é ocupado por valores sociais”
e as de experiências particulares, de atitudes solidárias e de lutas que
vão organizando e delimitando o espaço escolar. Hoje entendo
porque, nas reuniões de pais, alguns alunos aproximavam-se com as
mães para me conhecerem ou me apresentavam as famílias quando
me encontravam na missa aos domingos. Parecia que eles tinham
uma necessidade de levar o afeto familiar para outros espaços;
levavam para dentro de nossas aulas experiências de suas casas, de
suas amizades, conflitos familiares.
Nesse espaço de tempo descobri a magia do ser professor, como
algo surreal, não tinha cansaço, tristeza, noite mal dormida, que ao
pisar nos corredores das salas de aula, tudo era recompensado, a sala
de aula vira um palco iluminado, uma sensação de êxtase mesmo. Na
frente de uma sala de aula não são as palavras dos livros que são ditas,
ou ensinadas, são modo de descobrir o mundo, nossos exemplos de
vida para os alunos valem mais que qualquer palavra ensinada. O
professor transmite exemplo de vida, a forma de ser enquanto
pessoa, transmite bons cuidados, tudo isso vai contribuindo para a
formação. E a construção de identidade.
O espaço que ocupei em minha trajetória de formação foi uma
vida de entrega, uma troca de energia com alunos, pais e colegas
professores, pois ser professor não é uma coisa passiva,
independentemente do método ou da ferramenta que utiliza, na

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

frente de uma sala aula eu fui mãe, professora, amiga, psicóloga. E na


escola fui conselheira, organizadora de festas, de campanhas, de
reuniões de colegiado, criadora de bibliotecas, projetos de leitura, fui
ajudante de merendeira.
Hoje consigo entender também que com essas atitudes
solidárias, eu fui me construindo profissionalmente e descobrindo o
meu modo de ser na profissão de professora, ao mesmo tempo, meus
alunos estavam construindo suas identidades profissionais e para isso
selecionavam e vivenciavam situações hipotéticas sobre
desempenho profissional, vendo na figura do professor seu modo de
ser e estar. Descobri que ser mãe, psicóloga e professora são coisas
muito imbrincadas.
Com minha mudança para Dourados, fui trabalhar na Agência de
Ensino, antiga Delegacia de Ensino, ocasião em que participei de
todas as assessorias de implantação dos colegiados nas escolas, pela
Secretaria de Educação do Estado, e de todas as ações de avaliação
sobre as dificuldades de linguagem e escrita que os alunos
apresentavam causando muita repetência e evasão escolar.
Nesse espaço, aprendi a olhar de fora para dentro da escola.
Sempre é bom o professor passar por outras paragens, como a
Agencias de Ensino, Secretarias de Educação, Coordenações,
Direção. Houve um declínio da sala de aula para muitas salas de aula,
pois tínhamos que estar envolvidas com capacitações docentes de
professores das diferentes escolas. Esse caminhar em outros
espaços, diferente da sala de aula, me tornou mais fiandeira ainda,
porque nessa dimensão eu passei do ensino para dimensão sócio-
cultural incluindo as relações psicológicas, familiares.
Tudo isso me fez ser cada dia mais professora. Vivenciei abertura
de escolas, fechamento de escolas, vivenciei políticas do poder (fica
na escola quem o diretor quisesse), apadrinhamentos entre outras.
Tudo isso nunca foi motivo de deixar de ser professor, mas foram
causas para eu definir onde era meu lugar realmente no meu ser
professora.
Foi nesse espaço de trabalho que alarguei minhas relações
pessoais com Professora Leocádia Aglaé Petri Leme, Edenor
Machado, Ivo Nascimento, José Laerte Cecílio Tetila, Luiz Antônio

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Álvares Gonçalves entre tantos outros. Até porque eu acredito que


ser professor e levar conhecimento para um sujeito ser melhor na
sociedade olhando para as especificidades. Os alunos não são iguais,
cada um carece de um tempo de aprendizagem, os alunos trazem
para escola seus indícios de sexualidade e disso o professor precisa
entender também. Alguns nem precisa do professor para seguir na
aprendizagem, outros carecem de reinvenção de novas práticas para
dar conta do ensinar e aprender. Nós professores temos que inventar
sempre, envolver emocionalmente com os alunos, tocando,
articulando, movimento o corpo, gesticulando, numa relação de
vínculos de aprendizagem, veja estou falando de práticas pedagogias
otimizadas no interior das salas de aulas.

Outras paragens, outros rumos...

É preciso entrar em estado de árvore. “É preciso entrar em


estado de palavra. Só quem está em estado de palavra pode enxergar
as coisas sem feitio. (Manoel de Barros). Estar em “estado de
palavras”, por meio da metalinguagem, não significa ignorar o
contexto social em que se constrói a realidade. Assim como Manoel
de Barros em um processo autorreflexivo da palavra explora o espaço
e a realidade, eu não poderia esquecer a noção da realidade que hoje
vivo. Assim, como não posso perder de vista as transformações que
vêm ocorrendo na educação e formação de professores. É preciso
enxergar as coisas a partir do uso do recurso da autorreflexão, tão
bem instaurada no trecho da poesia, de Barros, como um ato
reflexivo no qual a palavra é essencial em todas as relações do ser,
consigo mesmo e com seus semelhantes. Em estação como esta, eu
busco as palavras e o conhecimento sobre formação de professores
como recursos para eu avançar em meu intento.
Nessa paragem falo agora das universidades por onde passei e
me encontro. A partir das experiências como professora na UFMS, as
memórias significativas são aquelas resultantes de atividades cujo
uso da escrita extrapola o contexto de sala de aula. Nessa instituição
lecionei diferentes disciplinas, realizei alguns trabalhos interessantes
com os alunos do curso de Pedagogia: oficinas para serem

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

desenvolvidas com estudantes de 1ª a 4ª série do ensino


fundamental. Entre um ano outro trabalhei em regime de cedência
para UFMS, aprendi muito com os colegas de departamento, destaco
Professora Dra. Aparecida Negri Esquerdo, profissional diferenciada,
pesquisadora nata , com ela aprendi a ser pesquisadora e hoje cultivo
com carinho essa amizade, e admiro esses profissionais sérios e
comprometidos com uma educação transformadora.
Após concurso na UEMS, deixei tudo que desenvolvia em
instituições privadas e me dediquei em regime de tempo integral à
docência nesta instituição. Tendo em vista o eixo que move a
universidade — o ensino, a extensão e a pesquisa, o meu trabalho
teve um outro olhar.
Destarte, falar dos projetos, das pesquisas, das funções que
exerci na Universidade Estadual onde me aproximei da pesquisa por
meio do meu projeto de mestrado, e mais tarde emaranhei-me em
projetos de extensão e nunca mais parei, enxergo a pesquisa como
ferramenta que me possibilita encontrar caminhos às situações
enfrentadas, tanto em minha atividade de ensino como de extensão
na universidade.
Trago a marca de outros rumos trilhados nessa minha história,
não fui somente trota-campo, cruza-mundo, e docente, fui também
chefe do núcleo de ciências humanas, na UEMS em 2007, fui Membro
e Conselheira da Câmara de Ensino, mas trago a certeza de que foram
estações passageiras.
Como professora das disciplinas de Prática de Leitura e Produção
de Textos (PLPT), Fundamentos Metodológicos da Língua
Portuguesa das Séries Iniciais do Curso Normal Superior, Estágio
Supervisionado, do Curso de Letras da UEMS, desenvolvemos um
trabalho sobre Histórias de Leituras por meio de produções de
narrativas memorísticas com a finalidade de refletir com esses
professores/alunos, as concepções de leitura dentro e fora da escola.
Estou descrevendo o Curso Normal Superior da UEMS , que durou
dez anos, estive nele na abertura e no encerramento, e nesses longos
anos os alunos construíram por meio de narrativas, suas histórias de
vida.

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

E como professora de todas as turmas fui junto construindo


memorias de formação, artigos refletindo sobre essas memórias
consideradas significativas na vida dos alunos, o que justifico meu
interesse por essa temática doutorado.
No ano de 2006, de posse de um banco de dados de memoriais
(narrativas formativas) produzidas pelos alunos do CNS eu ingressei
no doutorado. E desde então eu dedico parte de minhas pesquisas
nessa temática de Histórias de Vida/ Narrativas Formativas e outra
parte em temáticas ligadas a Linguagem (linguística aplicada e agora
na Multimodalidade). Foi no doutorado que conheci o CIPA –
Congresso Internacional de Pesquisa (Auto)Biográfica , que já no IX
Congresso reunindo diferentes estudiosos nessa área. Esse
congresso eu considero o maior congresso dessa área e a
oportunidade de dialogar sobre as potencialidades das narrativas
autobiográficas enquanto método de pesquisa e prática de formação
e suas contribuições para a produção científica nas diversas áreas do
conhecimento.
Hoje o CIPA vem reunindo pesquisadores de universidades
brasileiras e do exterior, pós-graduandos, graduandos, professores
da educação básica, membros de associações científicas nacionais e
internacionais, interessados na produção científica e em práticas
(auto) formativas, nas diversas áreas do conhecimento que
investigam o humano, com base em narrativas de sua própria
experiência.
Por fim, fui caminhando, vencendo as curvas, realizando
paragens em Raquel Naveira, bebendo da fonte de Hélio Serejo, e,
sem pensar no desenho que ia se formar, encerro minha narrativa,
aposentada, pesquisadora sênior na UEMS , apesar de meu olhar não
encontrar formas muito definidas para agradar o leitor,
principalmente por ter percebido que o sentimento presente nas
primeiras cenas se mantém vivo e pulsante, como se o tempo
passado só tivesse fortalecido o presente.

Referências

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes,

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

1997.
BAKHTIN, Mikhail. Arte e Responsabilidade. Estética da Criação Verbal.
São Paulo:
Martins Fontes, 2003.
BAKHTIN, Mikhail; VOLOSHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da
linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da
linguagem. São Paulo: 2006.
BITTAR, Marisa. Mato Grosso do Sul, a construção de um estado: poder
político e elites dirigentes sul-mato-grossenses. Vol. 2. Campo Grande,
MS:
Editora UFMS, 2009
CAEIRO, Antonio .O guardador de rebanhos (heterônimo de Fernando
Pessoa). 1986. Disp. em: <http://www.cfh.ufsc.br/~magno/guar
dador.htm>.Acesso/ 2021.
FÁVERO, Leonor; KOCH, Ingedore Villaça. Linguística Textual:
Introdução. São Paulo: Cortez. 1988
JOSSO, Marie- Christine. Experiência de vida e formação. São Paulo:
Cortez, 2004.
BARROS, Manuel de. Retrato do artista quando coisa. Rio de Janeiro:
Record, 1998.
LIBÂNEO, Jose Carlos. Democratização da Escola pública: A pedagogia
Crítica dos conteúdos. 11ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 1993.

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Capítulo 4

CONSIDERAÇÕES SOBRE O GÊNERO MEMORIAL


AUTOBIOGRÁFICO

Ana Sophia Monteiro Barbosa (UFPA)

Breve Contextualização

Este capítulo trata sobre um gênero textual acadêmico


autobiográfico intitulado memorial. Derivado do latim, o termo
memoriale consiste em algo que ajuda a memória, que faz lembrar. O
memorial pode ser identificado em diversas áreas de conhecimento,
além de possuir diferentes significados, a depender do contexto de
uso, isto é: na Arquitetura (monumento), no Direito (relatório) e
Letras (texto descritivo autobiográfico). Por conta de sua
considerável amplitude, o gênero memorialístico pode ser
denominado como memorial descritivo, profissional, acadêmico, de
formação ou simplesmente memorial (Cf. NÓVOA, 1995; SOARES,
2001; SEVERINO, 2002; CARRILHO et al, 2003; OLIVEIRA, 2018).
Neste artigo concentraremos os estudos desse gênero na área de
Letras, com foco especial na formação de professores de línguas.
O interesse por esse assunto surgiu para nós, discentes do curso
de Letras e professores de línguas estrangeiras, em especial, Língua
Alemã, por meio do ingresso no Grupo de Estudos e Pesquisa
designado „Pesquisa Narrativa: memoriais de sujeitos-professores de
línguas em formação” (SUPROF), liderado pela Profa. Dra. Cristiane
Schmidt, na Universidade Federal do Pará (UFPA). Inicialmente, o
memorial era desconhecido por grande parte dos membros do grupo,
devido ser, em nosso contexto acadêmico, um gênero textual
incomum, adotado em ocasiões específicas, como em seletivas para
os cursos de mestrado e doutorado ou ao término desses cursos,
além de concursos públicos para professor titular, conforme edital

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

para provimento de cargos de Professor da Carreira do Magistério


Superior para o quadro permanente da UFPA nº 349, de 04 de
dezembro de 2018.1
Modernamente tem sido também solicitado o “memorial
descritivo” por empresas públicas ou privadas, como opção ou
substituto do curriculum vitae (OLIVEIRA, 2018, p.137). Nesse sentido,
Brasileiro (2021, p.172) nos informa que o memorial como atividade
discursiva da memória e de reflexão crítica sobre o processo de
formação de professores, “tem sido também utilizado como trabalho
de conclusão de curso (TCC), configurando-se como uma retomada
intencional e articulada dos dados do curriculum vitae.” A exemplo
disso, podemos mencionar que a Universidade Estadual de
Campinas, em seu Programa Especial para Formação de Professores
(PROESF) em exercício na Educação Infantil e nas primeiras séries do
Ensino Fundamental dos 19 municípios que integram a Região
Metropolitana de Campinas, instituiu o memorial de formação como
requisito para a obtenção de diploma de graduação2.
A partir das ideias expostas, surge para nós um questionamento:
Por qual motivo o memorial se tornou uma ferramenta avaliativa no
âmbito acadêmico/profissional? Para esse questionamento, Passegi
(2000) afirma que:

[...] decretos de 1934 e 1935, que criam na Universidade de São


Paulo as exigências de um notório saber para ingresso como
catedrático, justificam que a escrita de si ultrapassasse o
modelo sintético do curriculum vitae. A partir de 1968, com a
reforma universitária e o desenvolvimento da pós-graduação,
eles passam a ser utilizados para o cargo de professor titular e
de livre docente. É a partir dos anos 1980, durante o processo
de redemocratização do país, de mudança na carreira docente
e crescimento dos índices de professores doutores, que o
memorial passa a fazer também parte de concursos para

1
Edital disponível em: https://letrasfrancesufpa.files.wordpress.com/2019/
02/edital-349-2018-concurso-professor-efetivo.pdf
2
Normas para a apresentação do memorial de formação. Disponível em:
https://www.fe.unicamp.br/drupal/sites/www.fe.unicamp.br/files/pf/subportais/gr
aduacao/proesf/proesf_normas_memorial.doc

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

ingresso no cargo de adjunto. Nos anos 1990, essas escritas de


si dão um salto fundamental em sua concepção como arte
profissional de reinvenção identitária, conforme discuti em um
dos meus primeiros trabalhos.

Sobre esse assunto, Linhares e Nunes (2008) consideram que os


memoriais autobiográficos, produzidos ao longo da história do Brasil,
constituem fontes biográficas de pesquisa, conforme se pode
constatar no livro Memórias, memoriais: pesquisa e formação docente,
elaborado por diferentes grupos de pesquisa no Brasil, a exemplo das
instituições UNICAMP, PUCRS, UNEB e UFRN. As autoras destacam
que entender os memoriais “como fato social ou como prática
acadêmica permitiria desvendar os motivos de sua expansão,
consequências e desdobramentos para o ensino superior no Brasil
e/ou (re)compor o mosaico das representações de práticas
educacionais no país.”
Vale destacar que o memorial (descritivo, profissional,
acadêmico ou de formação), é um gênero textual que vem ganhando
cada vez mais notoriedade e espaço para discussão acadêmica e
científica, no tocante à qualificação e formação profissional dos
sujeitos, como apresentam os teóricos até aqui mencionados. A
seguir continuamos a explorar o teor desse gênero.

O gênero Memorialístico

A partir das ideias iniciais, compreendemos o memorial como um


gênero textual acadêmico, de cunho autobiográfico, isto é, um texto
em que o próprio escritor (memorialista) assume, de forma
simultânea, as funções de autor, narrador e personagem da sua
própria história, levando em consideração aspectos que julgar mais
importantes de sua vida e que estejam alinhadas com a área de
conhecimento requisitada ou destino de apresentação.
Ao escrever o texto, o memorialista (autor) relata sua trajetória
escolar e profissional de forma histórica e reflexiva, de modo a
resgatar memórias de vivências passadas. Por ser uma produção
autobiográfica, esse gênero tem como característica fundamental a

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

escrita em primeira pessoa do singular, o que o torna, no quesito


composição, um gênero acadêmico particular em relação aos
demais.
Na concepção de Prado e Soligo (2007, p. 6) a autobiografia é
uma obra literária ou científica, na qual constam relatos de fatos
memoráveis dos quais o autor tenha participado. “É uma marca, um
sinal, um registro do que o autor considera essencial para si mesmo e
que supõe ser essencial também para os seus ouvintes/leitores”.
Ao que se refere à característica fundamental desse gênero,
Santos (2005) diz que “o memorial é escrito em primeira pessoa,
devendo sintetizar aqueles momentos menos marcantes e
desenvolver aqueles mais significativos”.
A partir dessa assertiva, tomamos como exemplo algumas
passagens de cinco memoriais3 produzidos por membros do Grupo
de Estudos e Pesquisa „Pesquisa Narrativa: memoriais de sujeitos-
professores de línguas em formação” (SUPROF), conforme ilustrado
abaixo:

(i) “Eu estava ansiosa para aprender a língua e seria


novamente o que me faria diferente na universidade. Me
dedicava e conseguia atingir bons conceitos nas disciplinas,
mas o fato do curso ter poucos professores no quadro de
ensino fez com que os níveis de língua fossem transferidos
para a manhã.”

(ii) “Neste lugar aprendi o que era seminário, como fazer


resumos, a importância da leitura e a inutilidade de
questionários frente a provas que diziam: disserte a respeito
ou apresente argumentos.”

3
Até o presente momento o grupo de estudos e pesquisa SUPROF acumula corpora
de 18 memoriais acadêmicos.

58
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

(iii) “Me identifiquei com o curso, minhas habilidades em


língua inglesa se desenvolviam com primazia e eu me
realizava durante as aulas, para mim era pura diversão,
não considerava uma obrigação e sim uma distração. A
língua Inglesa me foi apresentada de um modo tão
prazeroso que procuro fazer o mesmo nas minhas aulas.”

(iv) “Minha primeira experiência após minha formação


inicial concluída foi como professora de Língua Alemã no
Colégio Farroupilha, na cidade de Porto Alegre/RS, durante
dois anos (1996-1998). Nesse contexto, deparei-me com os
desafios inerentes ao processo de ensino e aprendizagem
de Língua Alemã na educação básica, em âmbito do ensino
privado.”

(v) “Depois que terminei a graduação, me vi correndo


contra o tempo. Não consigo me ver parada, tanto que
enquanto terminava a pós, trabalhava e durante o
mestrado, no momento, sai do serviço (dava aula de inglês
no ensino provado) para poder me dedicar na minha
pesquisa; (Eu sempre começo algo pensando já no próximo
alvo).”

Nos trechos acima, podemos observar tanto semelhanças como


diferenças no plano composicional adotado pelos memorialistas, nas
produções dos textos, como a escolha do léxico, uso do tempo verbal
no passado (aprendi, identifiquei, entre outros.), além dos traços
afetivos revelados ao longo das leituras. Na obra Estética da criação
verbal, Bakhtin (1997, p. 279) afirma que:

A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas,


pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e
cada esfera dessa atividade comporta um repertório de
gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais


complexa. Cumpre salientar de um modo especial a
heterogeneidade dos gêneros do discurso (orais e escritos),
que incluem indiferentemente: a curta réplica do diálogo
cotidiano com a diversidade que este pode apresentar
conforme os temas, as situações e a composição de seus
protagonistas), o relato familiar, a carta (com suas variadas
formas), a ordem militar padronizada, em sua forma lacônica e
em sua forma de ordem circunstanciada, o repertório bastante
diversificado dos documentos oficiais (em sua maioria
padronizados), o universo das declarações públicas (num
sentido amplo, as sociais, as políticas).

Outra característica marcante nos fragmentos mencionados é o


caráter crítico-reflexivo, uma vez que os autores-memorialistas se
expressam de maneira consciente sobre os pontos positivos e
negativos que os conduziram a determinado estágio da vida
profissional. Enquanto para alguns o processo de ensino-
aprendizagem fluía de forma tranquila e prazerosa, para outros havia
uma certa dificuldade no prosseguimento das coisas. Por outro lado,
toda experiência vivenciada, ora positiva, ora negativa, traria
contribuições significativas para a prática profissional dos sujeitos-
professores, bem como no âmbito do reconhecimento identitário
docente.
Dessa forma, Schmidt (2014, p. 85) acrescenta que “cada sujeito
vai construindo sua identidade e apoiando-se nos aspectos
considerados fundamentais e definidores das suas escolhas, ao passo
que tem uma forma singular de ver o mundo e de enfrentar situações
inesperadas”.

Memorial, como se faz? – Proposta de manual

Fundamentados nas leituras críticas, discussões teóricas e


compartilhamento de saberes no Grupo de Estudos e Pesquisa
SUPROF, é de nosso interesse, criar um manual conciso para
memorialistas iniciantes (estudantes de graduação, pós-graduação,
pesquisadores e afins.) Ademais, acreditamos que este manual

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

poderá contribuir para futuros estudos no âmbito da escrita


acadêmica e científica.
É de nosso conhecimento que existe uma hierarquia na
normalização de trabalhos acadêmicos, sendo a ABNT (Associação
Brasileira de Normas Técnicas) a principal responsável pela criação e
comercialização de normas nacionais. Em segundo plano, temos as
diretrizes das Instituições (Universidades, Empresas etc.), que
apoiadas a ABNT, instituem os critérios de formatação e conteúdo
dos trabalhos.
Em vista disso, temos um número expressivo de normas
direcionadas para a elaboração de trabalhos. A norma NBR
14724/2011 – Princípios gerais para a elaboração de trabalhos
acadêmicos – detalha a estrutura de trabalhos na academia, como o
trabalho de conclusão de curso (TCC), monografia, dissertação e a
tese. No caso do memorial, também adotamos essa norma.

A seguir apresentamos a estrutura do memorial, conforme a


norma supracitada.

Fonte: ABNT NBR 14724 (2011)

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Levando em conta a estrutura acima, abordaremos a parte


textual, que se divide em introdução, desenvolvimento e
considerações finais.
a) Introdução: nessa parte, o autor-memorialista apresenta-se
e faz algumas considerações sobre sua formação pessoal e
profissional, através de uma breve explanação sobre as
principais atividades por ele realizadas. Neste ponto, o autor
situa seu leitor sobre as motivações para escrever o memorial.
Exemplos:

(i)
“Desde 1993, quando concorri pela primeira vez a uma
bolsa de iniciação científica da Fapergs, escrevo e reescrevo
o Curriculum Vitae. Todavia, memorial descritivo, é o
primeiro que elaboro. Procurei seguir as orientações de
Moraes (1992) e Boaventura (1995) para a elaboração do
meu memorial, o qual será apresentado à coordenação do
Programa de Pós-Graduação em Informática na Educação
para o processo seletivo ao Curso de Doutorado em
Informática na Educação da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul.” (BRASILEIRO, 2021 apud PASQUALOTTI,
2006)

“Este Memorial de formação, sob o título “Memórias de


(ii) uma Educadora Vitoriosa”, requisito parcial à obtenção do
título de licenciada em Pedagogia – habilitação para
educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental
tem como objetivo apresentar acontecimentos marcantes
ocorridos em minha trajetória estudantil, profissional e
acadêmica.” (SILVA, 2013)

a) Desenvolvimento: Nessa seção, o autor rememora suas


origens educacionais, partindo de sua formação básica até
a superior ou mais atual. Também vale mencionar nessa
parte do texto, aspectos relativos as experiências

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

vivenciadas, investimentos pessoais e financeiros,


referenciais teórico-metodológicos, acompanhados de
uma reflexão crítica da prática laboral. Segundo Brasileiro
(2021, p.177), “[nesse exercício] é necessário fazer uma
ligação coerente entre todos os passos da carreira,
podendo o autor inserir algumas fotos e imagens que
ilustrem as situações relatadas, com as respectivas
legendas”. No que diz respeito a estrutura, as partes do
todo podem ser organizadas em subtítulos que sinalizem
as ideias a serem desenvolvidas, como podemos constatar
nos seguintes exemplos:
(i)
1. CONTRARIANDO A VELHA DITADURA
2. A ESCOLA PRIMÁRIA
2.1 Mudando de Perspectiva
2.2 Decisões Importantes
3. VOLTA AO COMEÇO
3.1. Escolhas
7. RESILIÊNCIA

(ii)
2. OS ANOS INICIAIS
2.1 O Ensino Fundamental
2.2 O ensino médio
3. O curso de Tecnóloga em Comunicação institucional
4. O curso de Letras com habilitação em alemão

b) Conclusão: Ao finalizar o memorial, o autor deve


apresentar uma avaliação sobre os caminhos percorridos
em sua formação profissional, além de indicar os rumos
que sua carreira deve tomar.
A exemplo da conclusão, selecionamos um trecho de um
memorial apresentado à Faculdade de Odontologia, da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), como requisito avaliativo para
promoção à classe de Professor Titular do Departamento de
Odontologia Social e Preventiva.

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

“A elaboração deste Memorial me deu oportunidade de


voltar a olhar para trás no tempo e perceber claramente
quantas pessoas foram importantes nessa minha caminhada.
Agradeço imensamente aos alunos, professores, técnico-
administrativos, pacientes, profissionais e à minha família,
todos que me ajudaram nessa trajetória.
Quanto às minhas projeções futuras, pretendo continuar
desenvolvendo pesquisas, orientando meus alunos de pós-
graduação e lecionando na graduação, que é onde meu
trabalho mais me desafia nesse momento. Os tempos são
outros, os alunos são outros e o ensinar precisa também ser
outro”. (VARGAS, 2019, p.70)

Escrever um memorial não é tarefa simples, pois em muitos


momentos podemos sentir-nos inseguros quanto ao conteúdo de
nossos textos. Por esse motivo, julgamos necessário fazer algumas
colocações, a saber:
a) O início do memorial pode ser resumido em uma palavra:
identidade. Portanto, você deve se apresentar e falar sobre
suas origens e formação básica;
b) O foco principal do memorial é a formação acadêmica dos
sujeitos. Dessa forma, você deve narrar os fatos em ordem
cronológica;
c) É importante relatar de forma coerente as experiências mais
significativas da atuação docente;
d) Refletir sobre a trajetória percorrida nunca é demais. Quais
foram os principais desafios enfrentados na profissão? Como
foi o relacionamento com os alunos e colegas de profissão?
Houve mudanças no processo de ensino-aprendizagem?;
e) Não há um número de páginas definido para o memorial,
dessa forma, você pode explorar diversas vias do discurso;
f) Utilize o recurso da citação. Pesquise trabalhos científicos
(artigos, ensaios, teses etc.) que estejam de acordo com suas
ideias. Os portais eletrônicos de períodos científicos podem
ajudar;
g) Outros: informações que você considerar relevantes.

64
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Ao longo das páginas buscamos, em primeiro plano,


contextualizar o leitor acerca dos estudos envolvendo memorial
autobiográfico, de modo a compreender suas origens e utilidade
como instrumento avaliativo na formação de professores. Em
segundo plano, consideramos pertinente caracterizá-lo, enquanto
gênero do discurso, conforme aponta Bakhtin (1997). A esse respeito,
podemos dizer que o memorial é um gênero acadêmico dotado de
recursos textuais, os quais perpassam pelas experiências do
constituir-se docente. Com o objetivo de compreender melhor a
composição do gênero memorialístico, utilizamos excertos de
memoriais elaborados pelos participantes Grupo de Estudos e
Pesquisa SUPROF, em atividade desde 2019.
Por fim, tentamos propor um manual conciso para elaboração do
memorial acadêmico, com ênfase na parte textual (introdução,
desenvolvimento e conclusão), além de fornecer algumas dicas
relativas ao seu conteúdo. Vale ressaltar que não é nossa intenção
prescrever uma norma geral para a produção desse gênero, dado os
gêneros “estão sujeitos a mudanças, decorrentes não só das
transformações sociais, como oriundas de novos procedimentos de
organização e acabamento da arquitetura verbal” (KOCH, 2003, p.
54). Dessa forma, a promover uma profunda reflexão sobre o
processo de formação dos sujeitos-professores em formação.

Referências

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução de Maria


Emsantina Galvão G. Pereira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
BRASILEIRO, Ada Magaly Matias. Como produzir textos acadêmicos e
científicos. São Paulo: Contexto, 2021.
CARRILHO, Maria de Fátima Pinheiro et al. Diretrizes para a elaboração
do memorial de formação. Natal: IFESP, 1997. (Mimeo).
KOCH, Ingedore G.Villaça. Desvendando os segredos do texto. 2. ed. São
Paulo: Cortez, 2003.
LINHARES, Célia; NUNES, Clarice. O memorial: lugar de reinvenção da
trajetória de educadores. In: Memorial, memoriais: pesquisa e
formação docente. Natal, RN: EDUFRN; São Paulo: Paulus, 2008.

65
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

NÓVOA, ANTONIO. Vidas de professores. 2. ed. Porto: Porto editora ltda,


1995.
OLIVEIRA, Jorge Leite de. Texto acadêmico: técnicas de redação e de
pesquisa científica. 10. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2018.
PASSEGGI, Maria da Conceição. Memoriais de formação: processos de
autoria e de (re) construção identitária. In: Conferência de Pesquisa
Sociocultural, 3, 2000, Campinas. Anais. Campinas 2001. Disponível
em: http://www.fae.unicamp.br/br2000/trabs/1970.doc. Acesso em: 15
de julho de 2022.
PRADO, G. V. T.; SOLIGO, R. Memorial de formação – quando as memórias
narram a história de formação. In: Porque escrever é fazer história –
Revelações, Subversões, Superações. 2. ed. Campinas, SP: Editora
Alínea, 2007.
SCHMIDT, Cristiane. Memórias e Trajetórias: Implicações na Construção da
Identidade do Profissional de Línguas”. Revista Línguas & Letras –
Unioeste, v. 15, n. 28, p. 85-95, 2014.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 22. ed.
rev. E ampl. De acordo com a ABNT. São Paulo: Cortez, 2002.
SILVA, Gilvanete Lopes da. Memórias de uma educadora vitoriosa.
Orientador Prof. Ms. Valkley Xavier Teixeira de Hollanda. 2013, 37 f.
Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Pedagogia). Instituto
de Educação Superior Presidente Kennedy, Natal/RN, 2013.
SOARES, Magda. Metamemória-memória: travessia de uma educadora. 2.
ed. São Paulo: Cortez, 2001.
VARGAS, Andreia Maria Duarte. Memorial acadêmico: a trajetória de uma
professora universitária. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo
Horizonte, 2019. Disponível em: https://www.bu.ufmg.br/imagem/
000020/000020e3.pdf. Acesso em 20 de julho de 2022.

66
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Capítulo 5

FLUÍNDO COMO UM RIO


Uma análise de como as trajetórias influenciam na
construção da identidade dos professores do Grupo de
Pesquisa e Estudos - SUPROF da UFPA

Leandro Carneiro Oliveira (UFPA)


Ingled Dayanna Goncalves Xavier (UFPA)
Cristiane Schmidt (UFPA)
Antonio Carlos Santana de Souza (UEMS)

A Rota do Rio

O projeto de pesquisa intitulado “Pesquisa Narrativa: Memoriais


de Sujeitos Professores em Formação-SUPROF” situado nas áreas de
conhecimento da Linguística, Letras e Artes foi desenvolvido, entre
os anos de 2019 e 2022, na instituição Universidade Federal do Pará
(UFPA) através da Faculdade de Letras Estrangeiras Modernas
(FALEM) em parceria com a Universidade Estadual do Mato Grosso
do Sul (UEMS) e a Universidade do Estado de Mato Grosso
(UNEMAT).
Vale destacar que esse projeto está cadastrado no Diretório dos
Grupos de Pesquisa do Brasil (CNPq) como ‘Grupo de Pesquisa e
Estudos de Narrativas de Sujeitos-Professores em Formação’1- Linha
de Pesquisa ‘Pesquisa Narrativa e Formação de Professores de
Línguas Estrangeiras’, sendo composto de 18 participantes, dentre
esses graduandos, graduados e demais pesquisadores da área de
formação de professores de língua estrangeira.

1
5 Cf. espelho do grupo, disponível em: http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/
9449448776089474. Acesso em:12 fev. 2021.

67
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Os graduandos são alunos dos cursos de Letras Língua Inglesa,


Alemã, Espanhola e Francês; já os formados são alunos egressos de
Letras-Língua Alemã e os pesquisadores atuam nas áreas de Letras e
Linguística. Os integrantes são provenientes das regiões Norte e
Centro-Oeste, especificamente das instituições UFPA, UEMS e
UNEMAT.
Durante sua duração, o projeto realizou diversos encontros,
eventos e produções como as listadas abaixo:
(i) Organização de Evento: O ciclo de Rodas de Conversas “O que
te fez Professora? ”, realizado na plataforma online Google Meet com
o objetivo de receber um convidado “Professor- Pesquisador da área
do ensino de Línguas” e discutir temas sobre a trajetória deles em um
memorial na modalidade oral que ocorreram entre agosto de 2020
até janeiro de 20212.
(ii) Publicação: A primeira produção foi o capítulo do livro “Mudar
Faz Bem! Um relato sobre como a mudança do ambiente ‘repaginou’ a
dinâmica do Projeto “Pesquisa Narrativa: Memoriais de Sujeitos-
Professores em Formação” -UFPA3 que foi publicado no livro
‘Linguagem e Ensino: Da Linguística à Análise Dialógica do
Texto/Discurso’, organizado por Neide Araújo Castilho Teno e Ivo Di
Camargo Junior na Editora Mentes Abertas. Neste artigo o texto
produzido retrata como foi a adaptação à modalidade a distância
durante a pandemia da Coronavírus no ano de 2020-2021 com foco
na organização das Rodas de Conversa “O que te fez Professora?”
(iii) Participação em Evento e Publicação: Mediante a
participação do grupo de pesquisa no II SIEPELL-FALEM/UFPA4,
resultou a segunda produção intitulada ‘O Jogo das Sombras: uma

2
As Rodas de Conversas receberam cinco convidadas representando as cinco
regiões do Brasil, quais foram: Dra. Tania Aparecida Martins da UNIOESTE (Região
Sul); Dra. Dörthe Uphoff da USP (Região Sudeste); Dra. Rogéria Costa Pereira da
UFC (Região Nordeste); Dra. Neide Araujo Castilho Teno da UEMS (Região Centro-
Oeste); e, Dra. Walkyria A. G. Passos Magno e Silva da UFPA (Região Norte).
3
Tendo como autores OLIVEIRA, L. C.; SCHMIDT, C. ; SOUZA, A. C. S.
4
II Seminário Integrado de Ensino, Pesquisa e Extensão em Língua e Literatura.
Realizado pela Faculdade de Letras Estrangeiras Modernas (FALEM), na
Universidade Federal do Pará (UFPA), nos dias 27 e 28 de maio de 2021.

68
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

análise dos aspectos convergentes nos memoriais autobiográficos


produzidos pelo SUPROF- UFPA’5 publicado no livro digital do II
SIEPELL. Neste artigo são apresentadas as primeiras impressões do
grupo de pesquisa acerca dos memoriais acadêmicos, bem como
estudos realizados por alguns participantes do grupo.
(iv) Organização de Evento: A palestra intitulada “Vida
Acadêmica: como construir uma carreira acadêmica”? conduzida
pelo Prof. Dr. Antonio Carlos Santana de Souza (UEMS/UNEMAT) e
a palestra “Docência e Pesquisa: uma escolha que faz a diferença”
proferida pela Profa. Dra. Carla Maria Schmidt da área de
Secretariado Trilíngue (UNIOESTE) nos meses de abril e maio de
2021 aos integrantes do Grupo de Pesquisa e Estudos - SUPROF.
(vi) Organização de Evento: A palestra intitulada “A importância
do Currículo Lattes na vida acadêmica” foi proferida pela doutoranda
Samantha Fröhlich -UFPR em outubro de 2021 que atendeu a
comunidade acadêmica, além dos cursos de Letras. A palestrante
apresentou a importância do cadastro e uso do Curriculum Lattes na
Plataforma, considerando a pesquisa acadêmica.
(v) A organização do Evento “Roda de Conversa: O que te fez
professora? Encontro com a Profa. Dra. Katja Lieber” (Universidade de
Leipzig/Alemanha) realizado em maio de 2022, sendo esse evento
realizado em línguas alemã e inglesa com participantes de todo o
Brasil.
As produções listadas retratam algumas das ações realizadas nos
quase três anos e mostram a importância da construção da trajetória
dos sujeitos-professores e como a linha de pesquisa se apresenta em
constante mudança. Acreditamos que ainda há um longo caminho a
ser explorado, com vistas a refletir acerca dos conhecimentos
compartilhados pela área de estudo e pesquisa na formação de
professores de línguas estrangeira e materna em âmbito regional,
nacional e, até, em contexto internacional.

5
SEMINÁRIO INTEGRADO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO DE LÍNGUA E
LITERATURA, 2., 2021, Belém. Saberes e práticas docentes no ensino, na pesquisa
e na extensão de línguas e literaturas. Organizadores: Cristiane de Mesquita Alves
et al. Belém: UFPA, 2022.

69
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

As Correntezas: Fundamentação Teórica

Sabemos que as discussões da aquisição e constituição da


identidade por si só necessitam de um artigo completo para sua
definição. Dessa forma, para uma melhor conclusão sobre os
aspectos identitários no contexto da formação de identidade de
professores, seguem alguns conceitos e teorias de formação da
identidade:
Para Bauman (2003) a sociedade sai de uma sociedade sólida que
permanece até metade do século XX, e apresenta o processo de
liquefação na qual a sociedade se encontra. A sociedade vive um novo
momento social em que questões sobre privacidade passaram a
invadir o discurso político e o capital deixa de ser parte do trabalho.
Isso nos leva a construção de uma identidade leve, instável e volátil.
Esta volatidade se faz presente na busca de um estado onde as
fronteiras identitárias seguem um fluxo de ideias constantes e
reformulações para cada momento de interação.
Para Hall (2015), a identidade se forma no decorrer da vida por
um processo de constante reformulação. No entendimento do autor,
a identidade é caracterizada como algo em constante movimento
para um ser diferente do que era a algum tempo atrás, pois a
mudanças ao redor do indivíduo influenciam diretamente sua
percepção da identidade que tem.
Ao mesmo tempo, Appiah (2016) destaca três concepções da
identidade que são a nominativa, normativa e subjetiva: nominativa,
pois é marcada por processos históricos como tendemos a nominar
através de rótulos indivíduos pertencentes a grupos sociais distintos;
normativas porque se espera determinadas ações de um ser com um
rótulo em questão comporte-se como esperado segundo as normas
sociais implícitas a aquele grupo; subjetiva, este conceito é em parte
do normativo, pois como esperamos determinados comportamentos
dependem do comportamento que advém de quem é seu portador,
criando uma relação de formação identitária mediante qual rótulo
somos taxados e vivenciamos como nosso (exemplo: negro,
professor, hetero...).

70
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Esta tentativa de catalogação da identidade nos remete à


notoriedade da definição de como a identidade se transformou em
um “assunto do momento” e suas complicações para o bem-estar
social. Segundo Bauman (2005) e dialogando com os pensamentos
de Appiah (2016) acerca da questão da variação identitária ser uma
ferramenta moderna de interação com a sociedade e comparando-a
com a fragmentação do ser pós-moderno de Hall (2015).
Em uma entrevista realizada por Benedetto Vecchi com o teórico
Bauman ele destaca o seguinte fragmento:

É realmente um dilema e um desafio para a sociologia se você


se lembrar de que, há apenas algumas décadas, a “identidade”
não estar nem perto do centro do nosso debate,
permanecendo unicamente um objeto de meditação filosófica.
Atualmente, no entanto, a “identidade” é o “papo do
momento”, um assunto de extrema importância e em
evidência. Esse súbito fascínio pela identidade, e não ela
mesma, é que atrairia a atenção dos clássicos da sociologia,
caso tivessem vivido o suficiente para confrontá-lo. (BAUMAN,
2005, p. 23)

O estudo da identidade ganhou visibilidade nos últimos anos


com teorias sobre a formação da identidade e como construir a
individualidade em um mundo cada vez mais globalizado. As
fronteiras se encurtaram com o avanço das informações e isso criou
um ser social cada vez mais volátil por entre a Modernidade Líquida
que Bauman (2003) retratou. No fragmento acima o autor apresenta
a popularização das discussões sobre a identidade quando o assunto
deixa o campo filosófico e adentra ao campo da sociologia como
objeto de estudo.
Appiah (2016) complementa ao afirmar que pesquisou na
internet as palavras “identity social” e encontrou pouco mais de 120
milhões de resultados, ainda na mesma busca acrescentou a palavra
“Problem” os resultados reduziram-se para 30 milhões. Após essa
busca o autor conclui que:

71
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

[...]atualmente se fala bastante a respeito de identidade, uma


vez que a raça gênero, orientação sexual, nacionalidade e
religião, entre tantos outros marcadores são identidade; e
parece que, por esses dados do Google, um quarto se refere à
identidade como problema. (APPIAH, 2016, p.18)

Talvez um catalizador desta busca, pelo estudo da identidade,


não esteja na mudança do campo de estudo, mas sim na
concretização do problema. Problema este que surge quando a
sociedade evolui e novos discursos surgem sobre o mesmo
referencial.
Estes novos discursos só podem ser encontrados na fronteira
entre o público e o privado, pois como Appiah (2016) adverte que
esperamos que determinados grupos se portem de uma “forma” e
quando grupo x apresenta um comportamento diferenciado daquele
esperado cria problematização sobre a identidade alheia, pois
munido de preconceitos de normas sociais julgamos o grupo x. Essas
identidades de grupos nos põem em um determinado caminho sobre
a forma de pensar que o grupo “aluno” deve ter comportamentos de
“aluno” e o “professor” comportamentos de “professor”. Porém em
um mundo líquido podemos ter um sujeito que tenha ao mesmo
momento de identificação como “aluno e professor” e definir como
se porta em cada momento nesta posição.
A identidade individual, de certa forma, irá se tornar um artigo
de luxo na sociedade atual, na qual o movimento transforma as
individualidades em um uma série de rótulos que devemos seguir, por
aspectos normativos sociais, rótulos esses que geram uma
sobrecarga para o portador deles (BAUMAN, 2005).

Minha colega de trabalho e amiga Agnes Heller, com quem


compartilho, em grande medida, os apuros da vida, uma vez se
queixou, que sendo mulher, húngara, judia, norte-americana e
filósofa, estava sobrecarregada de identidades demais para
uma pessoa. (BAUMAN, 2005, p.19)

Nas palavras de Bauman, essa sobrecarga de identidades cria


uma forma de se tornar impossível ser um ser unificado, pois

72
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

constantemente estamos procurando agir como x, y ou z – mediante


o rótulo que estamos representando naquele momento. Assim a
definição de fragmentação da identidade apresentada por Hall (2015)
demonstra como essas complexas redes de identidades interagem:

O sujeito assume identidades diferentes em momentos


distintos, identidades que não são unificadas ao redor de um
“eu” coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias,
empurradas em diferentes direções, de tal modo que nossas
identificações estão sendo continuamente deslocadas. Se
sentimos que temos uma identidade unificada desde o
nascimento até a morte é apenas porque construímos uma
cômoda história sobre nós mesmos ou uma confortadora
“narrativa do eu”. (HALL, 2015, p.13)

Recentemente foi lançado o filme Fragmentado (2016) do diretor


M. Night Shyamalan, qual tem o seguinte enredo: Kevin possui 23
personalidades distintas e consegue alterná-las quimicamente em
seu organismo apenas com a força do pensamento. Durante a trama
o personagem Kevin constantemente fala sobre a “luz6” que as suas
personalidades ficam discutindo repetidamente sobre quem deveria
ter o controle. A fragmentação do ser pós-moderno se cria do
momento em que temos diferentes formas de recepção para
diferentes momentos da nossa vida. Em paralelo a trama do filme
não se é tão diferente a discussão entre qual “identidade interna” está
em constante busca da “luz”. Appiah (2016) reflete que as
identidades são tão variadas e extensas porque, no mundo moderno,
as pessoas precisam de um enorme rol de ferramentas para construir
sua vida.
O constante papel da identidade em mudança e readaptação nos
torna seres múltiplos. O “eu de hoje” é diferente do “eu de amanhã”,
pois a própria sociedade está em constante reformulação dos papeis
dos indivíduos – reformulação do papel social de um indivíduo em sua
trajetória. Assim essa iquidez social faz com que a pluralidade de
identidades se torne um fardo para a construção do eu (BAUMAN,

6
Controle sobre o corpo de Kevin.

73
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

2005), a impossível unificação do ser em uma identidade coerente


(HALL, 2015) e a necessidade de sua variação do ser como ferramenta
social (APPIAH, 2016) cria um fato marcante na trajetória do sujeito-
professor, pois pode em cada momento de sua jornada ter sido
afetado por uma dessas variantes.
Mediante esses pontos levantados, a pergunta que surge é “Qual
seria a rotulação presente na formação da identidade do professor na
sociedade moderna?”.
A identidade atual transpõe em diversos momentos as fronteiras
de que se é esperado como comportamento do ser social dentro
daquele contexto e criamos uma relação de pertencimento para que
se trabalhe profundamente o conjunto de rótulos e identidades
apresentadas na sua formação. Se pegamos um termo abrangente
como o rótulo “professor” se espera uma determinada fórmula de
como é o professor e se espera que haja uma atitude determinada
deste portador do rótulo (boa comunicação, paciência, entre outros).
Há pouco tempo tínhamos cristalizada em nossas mentes o
professor como o senhor mais velho cômico que reclamava dos
alunos e do salário- figura clássica de chico Anízio -, seres ditatoriais
munidos do giz e uma palmatória ou uma clássica senhorinha
cuidadora de seus alunos que não seria capaz de levanta-se e lutar por
seus direitos- as tias de Paulo (FREIRE, 1993). Como um rótulo em
constante mudança hoje, após o período pandêmico, se apresenta
como ser voltado as tecnologias cientes de mais diversas ferramentas
de ensino à distância e de como captar a atenção de seus alunos. E
perante o momento político do país, que o professor seja um sujeito
politizado, ciente das lutas da categoria e dos direitos de seus alunos.
Para a sociedade em geral a definição do que é o professor está
transitante em diversas esferas. Alguns grupos de poder ainda os
querem como um ser guardião do conhecimento sem uma afinidade
própria e que estar ali para seguir ordens de diversos materiais de
como se portar em classe – movimentos como a escola sem partido
ou de retirada de sua autonomia transferindo-a para apostilados.
Outra parte luta para que o professor tenha uma autonomia sobre
como ensinar diversos conteúdos na sala de aula e não perca sua
identidade de educador.

74
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Não se pode refletir sobre trajetória sem pensar na definição


social que a figura do professor representa no andamento de cada
sujeito em formação. Os sujeitos analisados nos memoriais tiveram
contato com professores diferentes em vários pontos. Alguns
apresentaram narrativas de constante vontade do caminho e outros
apresentaram contatos com outros professores ou argumentos que
os transformam em um caminho inviável para seu desenvolvimento.
O discurso e a transformação do professor é uma constante, pois
trata de diversos aspectos que reformulam em função da imagem do
professor.
Terminamos esta parte com a retomada da reflexão sobre a
formação da identidade de Schmidt (2014, p. 86): “Cada sujeito vai
construindo sua identidade e apoiando-se nos aspectos considerados
fundamentais e definidores das suas escolhas, ao passo que tem uma
forma singular de ver o mundo e de enfrentar situações inesperadas”.
Esta forma singular de ver o mundo pode ser interpretada como
a negociação de suas identidades internas com o mundo externo e as
situações inesperadas são os redemoinhos que não podemos prever
na trajetória do rio que seguimos.

O Mergulho nas Águas: Aspectos Metodológicos

Na metodologia escolhida para o tratamento dos dados e


posterior análise foi contemplada a abordagem qualitativa, pois no
conceito de uma perspectiva social esta reflexão advém do uso de
técnicas hábeis visando discursos advindos de contextos de múltiplas
significações e escalas de valoração (COFFEY, 1996; MAYS, 2000).
Para tanto, valemo-nos do método dos mapas conceituais, que
são estruturas gráficas, com conceito interrelacionados, que apoiam
a organização cognitiva. Para Faria (1995 apud SOARES PEREIRA,
2018) esses mapas indicam as relações existentes entre conceitos,
conectando-os por meio de palavras de ligação e oferecendo
incentivos a aprendizagem.
A partir dessa perspectiva, vale ressaltar que o corpus deste
estudo é composto pelos doze memoriais autobiográficos
produzidos pelos integrantes do projeto de pesquisa no período de

75
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

2019 a 2021. Considerando isso, não analisamos os dados de forma


literal contando cada palavra para a elaboração dos mapas
conceituais, mas sim em uma forma de validade semântica dentro do
texto.
Em um primeiro momento unimos as palavras – elementos
recorrentes nos memoriais autobiográficos – em grupos lexicais por
temas, conforme quadro abaixo:

Quadro 1: Grupos de Palavras


Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3 Grupo 4 Grupo 5
Palavras Palavras
Palavras Palavras
Palavras ligadas ligadas a ligadas a
ligadas a ligadas a
a trajetória memória e leitura e
familiares professores
lembrança materiais
-Pai - Caminho - Livros
-Mãe -Professores -Trajetória -Memória - Leitura
-Irmão -Educadores - Escolha -Lembrança -Material
-Tios - Professor - Oportunidade -Relembro didático
-Parentes - Professora - Dificuldade -Lembro
em geral
(Fonte: Autores, 2022)

A partir desses grupos de palavras, confeccionamos o quadro


abaixo:

Tabela 1- Quadro de organização das unidades lexicais


Total de
Grupo/
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 unidades
Memorial
lexicais
Grupo 1-
unidades
lexicais
2 4 16 12 1 18 6 1 2 2 2 6 72
relativas
aos
familiares
Grupo 2 –
unidades
5 4 28 25 16 9 24 19 21 18 26 7 202
lexicais
relativas

76
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

aos
professores
Grupo 3 –
unidades
lexicais 6 2 4 4 4 2 3 9 3 11 4 2 54
relativas à
trajetória
Grupo 4 –
unidades
lexicais 4 6 2 2 2 3 12 1 2 3 0 2 39
relativas à
memória
Grupo 5 –
unidades
lexicais
5 9 5 0 2 1 16 0 6 11 9 0 64
relativas à
leitura e
materiais
(Fonte: Autores, 2022)

Após esse agrupamento o grupo mais notório é o Grupo 2 –


unidades lexicais relativas aos professores- já que pelo fato de
constar várias repetições nesse campo semântico - unidades lexicais
a professores a palavra professores está ligada as memórias que se
faziam presente.
Em uma análise mais detalhada do impacto das escolhas dos
produtores o Grupo 1- unidades lexicais relativas aos familiares
apresenta um impacto para a formação do professor. Após a
definição desses grupos de palavras se fez o uso da ferramenta do site
Cavan para a montagem de nuvens de palavras apresentadas na
próxima seção.

As Profundezas: Discussão de Dados e Resultados

Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele
se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser
já se modificou. Heráclito, o pai da dialética, apresenta a nós que
somos seres em constante mudanças como a água de um rio que está
seguindo seu ciclo para algum lugar, o ser está seguindo sua
trajetória.

77
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Mergulhar em um rio e estar ciente das correntezas que estão no


meio da trajetória do rio e que demanda força para nadar ao outro
lado é necessária e quando sair delas você será um ser diferente.
Diante disso, esta seção tem como objetivo apresentar um mapa de
ideias construído com a leitura detalhada dos memoriais produzidos
pelo SUPROF.
O primeiro ponto de análise foram os resultados obtidos e
apresentados no artigo intitulado ‘O Jogo das Sombras: uma análise
dos aspectos convergentes nos memoriais autobiográficos produzidos
pelo SUPROF-UFPA (SCHMIDT; OLIVEIRA; SOUZA, 2020), o qual
analisa as convergências presentes nos memoriais produzidos,
mesclando-as em categorias que são:
(i) Categoria Professor: Enfatizamos que o professor é uma
figura de destaque em um memorial quando o autor tem
memórias afetivas com a figura do educador.
(ii) Categoria Família: A família é o primeiro núcleo social no qual
a criança faz parte e tem importância na constituição da
identidade individual e social do sujeito-professor.
(iii) Categoria Escola: A escola destaca-se como o ambiente onde
se tem um dos primeiros contatos com o professor e diversos
profissionais do ambiente escolar (coordenadores, monitores,
faxineiros, merendeiros, vigias...) e é um ambiente que marca
as mudanças de fase etária (infância e adolescência).
(iv) Categoria Universidade: Como a categoria da escola, também
a universidade tem uma função relevante no tocante aos
caminhos a serem seguidos na vida das pessoas.
(v) Categoria Leitura: A leitura está associada ao fazer docente,
pois ler é o exercício do estudo, reflexão e construção de
significados.
Analisando as categorias apresentadas e mediante uma releitura
foram selecionados os grupos de ideias recorrentes, no caso mais
presentes nos textos, os quais contribuíram para a criação do mapa
de ideias abaixo:

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Figura 1- Ideias centrais dos memoriais

(Fonte: Autores, 2022)

Como seres em constante transformação e mudados em


diversos caminhos, podemos concluir que a cada novo estudo com
memoriais a lista de palavras provavelmente mudará, pois o ser que
somos hoje é uma das nossas múltiplas facetas sociais que estão em
constante mudança (HALL, 2015). Com estas mudanças destacamos
a palavra escolhas, pois esse lexema está diretamente relacionado a
trajetória, sendo que ela desempenha um papel importante na
formação profissional, também no caso da formação de um
professor.
Professor é a palavra presente em formação e família em um local
de destaque, porque o caminho se reformula com esses dois fatores.
As demais palavras constam em menor número de ocorrência, pois
definem contatos feitos com o primeiro professor, como em: primeiro
contato/professor, carreira/escolhas, leitura/família...
Focando na pergunta norteadora do estudo, ao procurar discutir
acerca das implicações sobre as vivências/trajetórias, as
representações e os discursos na construção da identidade do
profissional de língua estrangeira, dividimos a discussão em duas
partes: as narrativas de origem; e as narrativas de escolhas.
No tocante às narrativas de origem, vale ressaltar que elas se
apresentam textualmente nas frases iniciais dos memoriais, pois
muitos remetem à infância, a figura do primeiro (a) professor (a),
contato com a família, a origem social e geográfica que o sujeito-
professor formou sua primeira noção de identidade.

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formação na docência

A infância é onde as memórias de longo prazo começam a ser


formadas. Estudos de Bauer e Pathman (2008) apresentam que a
memória é uma capacidade crítica que desempenha um papel vital
no funcionamento social, emocional e cognitivo. A memória forma a
base de nosso sentimento de identidade, orienta nossos
pensamentos e nossas decisões, influencia nossas reações
emocionais e nos permite aprender.
Podemos notar que os papeis das memórias formadas na
primeira infância refletem em várias decisões no decorrer da vida do
adulto, assim como a completa supressão e algumas dessas
lembranças, por um fator traumatizante.
A partir de uma leitura e levantamento nas frases iniciais dos
memoriais, especificamente, nos dois primeiros parágrafos de cada
memorial, tem-se o mapa de palavras-chave abaixo:

Figura 2: Mapa de palavras - Início dos memoriais

(Fonte: Autores, 2022)

Destacamos neste mapa (Figura 2) as palavras memória,


experiências e lembranças, pois elas refletem a breve reflexão
apresentada no início dos memoriais, de que alguns autores
apresentam a origem daquela narrativa que é desenvolvida. Este fato
é importante, porque alguns autores não parecem estar confiantes
sobre as memórias que serão apresentadas no memorial, pois em
alguns memoriais nota-se o tom de confusão sobre os pensamentos
que foram levados a refletir. Por isso em um plano secundário estão
presentes sentenças que remetem a conceitos como ‘Minha
falha/memória, Minha busca/lembranças, Minhas
primeiras/experiências’.

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Esta busca representa a narrativa de origem de seu autor que no


decorrer do texto argumentara com as questões de suas narrativas
de escolhas que mudaram sua forma de pensar sobre professores e
suas metodologias.
Já as narrativas de escolhas remetem aos momentos em que o
sujeito apresenta escolhas em sua vida que o levaram à docência
(escolha do curso cursado, emprego, desejo por algo...), algumas
podendo serem voluntárias (viagem para outro país) ou involuntárias
(mudança inesperada de vida), as mesmas escolhas podem ser lidas
como o fim de uma carreira anterior para o sujeito encontrar uma
nova fase de sua identidade.
Quando se tematiza as memórias sobre seu próprio eu vem à
nota as rememorações sobre as reflexões condizentes a própria
trajetória do indivíduo, nesse sentido algumas similaridades são
encontradas, as quais foram organizadas em categorias analíticas e
sistematizadas na tabela a seguir.

Tabela 2: Relação das Categorias

(Fonte: Autores, 2022)

A família é o primeiro núcleo social que encontramos em nossa


vida. Para tanto, as duas primeiras perguntas analíticas foram: Havia
algum familiar professor na sua infância? E seus familiares lhe
motivaram a continuar os estudos?

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formação na docência

Os resultados obtidos foram que 25% dos memoriais relatam


que sim, havia algum familiar professor na sua infância. Mas vale
destacar que mesmo por familiar professor alguns relatam que não
tiveram inspiração nos exemplos na família. Formulando a longo
prazo novas concepções de o que é ser professor e 45% dos
participantes relatam que o núcleo familiar foi importante para a
motivação no caminho dos estudos. Vale destacar que para boa parte
dos participantes os pais não chegaram a concluir o ensino médio - o
que representa para eles e a sociedade uma nova forma de asserção
para uma nova classe em diversos pontos.
Como um ponto de indagação a terceira pergunta de análise foi
no sentido de inferir se o autor relatava que brincava de ser professor
quando criança.
Dos memoriais analisados 18% contém relatos que remetem a
brincadeira de ser professor motivada como brincadeira ou forma de
interação social com outras crianças. Também vale ressaltar que
alguns se tornaram professores do bairro e com o tempo a
brincadeira se tornou algo lucrativo e formulou que aquilo lhe
proporcionava uma nova perspectiva de vida.
As duas últimas perguntas de análise remetem ao período entre
a infância e adolescência: Você pensou em alguma outra área de
atuação antes de se tornar professor de língua estrangeira? E em sua
trajetória houve algum professor que o motivou a profissão de forma
direta ou indireta?
Os resultados obtidos inferem que 36% das narrativas, ou seja,
quase a metade dos autores dos memoriais autobiográficos
apresentavam o desejo por uma área diferente da formação em
Letras e/ou Línguas, como Geografia, história, Matemática, Física,
Arquitetura. Alguns chegaram a cursar a área desejada ou
começaram na área de línguas como segunda graduação e 36% dos
autores se identificaram como professores e estão se projetando
como professores, na medida em que eles encontraram em seu
caminho.

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formação na docência

Chegada ao Oceano: Algumas (In)Conclusões

O oceano olhado de cima parece uma superfície plana, mas


quando aproximada ele se mostra a confusão de ondas e enquanto
mais próximo mais ele te assusta. Assim é o ser humano. Imagine
quantas correntes de água desaguam neste oceano e quantas ondas
craquelam pela superfície chegando os areais das praias. A trajetória
do ser humano começa em uma nascente e deságua em um oceano
que ideias do próprio ser. Cada rio tem um trajeto que muda a cada
nova transposição, mas sempre chega a seu ponto final.
O professor passa do papel de aluno com um ser que já cavou
toda a sua trajetória e traz consigo um papel de mais poder
influenciar no caminho de cada rio que formará em seus alunos, pois
ele carrega o papel de apresentar a educação como um caminho a ser
diferenciado.
A trajetória é semelhante de muitos, mas isso não os
transformam em uma única unidade, mas os pluraliza ao
transformarem-nos em unidades diferentes com o mesmo fim. Não
se tem uma fórmula mágica para unir como se faz um bom professor.
E o peso deste rótulo social é constantemente reformulado e
transpassa por diversas concepções na sua trajetória. Se a identidade
é uma luz a trajetória é como um rio que segue um fluxo, pois a vida
não para como um rio e o próprio tempo.
Acreditamos que as questões desencadeadoras do presente
estudo foram contempladas, o que não nos impede de impulsionar
discussões futuras sobre e em que medida uma trajetória tem um
impacto na formação da identidade de uma/a professor/a de línguas
estrangeira e materna.

Referências

APPIAH, K.A. Identidade como Problema. In: SALLUM Jr, BRASILIO; et al


(Org.). Identidades. São Paulo: EDUSP. 2012.
BAUMAN, Z. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: J.
Zahar. 2005.
BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
BAUER PJ. PATHMAN T. Memória e desenvolvimentos inicial do cérebro.

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formação na docência

Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Enciclopédia sobre o


Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclo
pedia-crianca.com/cerebro/segundo-especialistas/memoria-e-desenvo
lvimento-inicial-do-cerebro. Publicado: Dezembro 2008 (Inglês).
Consultado 09 janeiro 2022.
FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São
Paulo: Olho d’água, 1993.
HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. 12 ed. Rio de Janeiro:
Lamparina, 2015.
OLIVEIRA, Leandro C.; SCHMIDT, Cristiane; SOUZA, Antonio C. S. Mudar
Faz Bem! Um relato sobre como a mudança do ambiente repaginou a
dinâmica do Projeto Pesquisa Narrativa: Memoriais de Sujeitos-
Professores em Formação?- UFPA. In: TENO, Neide A. Castilho;
CAMARGO JUNIOR, Ivo Di (Org.). Linguagem e Ensino: da linguística
à análise dialógica do texto/discurso. 1ed.São Paulo: Mentes Abertas,
2021, v. 1, p. 85-94.
OLIVEIRA, L C; SCHMIDT, C. O Jogo das Sombras: uma análise dos
aspectos convergentes nos memoriais autobiográficos produzidos pelo
SUPROF- UFPA. In: ALVES, Cristiane de Mesquita, et al (org.) Saberes
e práticas docentes no ensino, na pesquisa e na extensão de línguas
e literaturas. Belém: UFPA, 2022. p.59-75
SCHMIDT, Cristiane. Memórias e Trajetórias: Implicações na Construção da
Identidade do Profissional de Línguas”. Revista Línguas & Letras –
Unioeste, v. 15, n. 28, p. 85-95, 2014.
SOARES PEREIRA, Adriana [et al.]. Metodologia da pesquisa científica
[recurso eletrônico]– 1. ed. Santa Maria, RS: UFSM, NTE, 2018. 1 e-
book.

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

PARTE 2

NARRATIVAS AUTOBIOGRÁFICAS
Relatos de participantes do Projeto de Pesquisa e
Estudos de Narrativas de Sujeitos-Professores em
Formação- SUPROF

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formação na docência

Capítulo 6

MEMORIAL AUTOBIOGRÁFICO

Yagma Suely Vieira Figueira (UFPA)

Quando se busca pela memória acontecimentos passados de longos


períodos da vida, o risco que se corre é acrescentar uma comparação às suas
percepções experienciais de hoje. Sua perspectiva dos fatos muda e as
sensações ganham peso maior ou menor de acordo com a sua realidade.
Escrever um memorial é trabalhar suas lembranças em uma atmosfera de
distanciamento do fictício e ao mesmo tempo proporcionar a sua narrativa
uma clareza dos fatos. É como um exercício de reflexão sobre o passado e
projeção sobre suas expectativas para o futuro.

Contrariando a Velha Ditadura

Sou de uma família de quatro irmãs. Mulheres fortes e cheias de


opiniões. Minha mãe veio do interior do Marajó de uma cidadezinha
chamada Breves. Sua família era muito humilde e veio para a cidade
grande em busca de mais recursos para os estudos dos filhos. Meu pai
era da cidade grande e sempre foi um homem inspirador que
contagiava as pessoas pelo seu carisma e pelo amor aos estudos. Ele
sempre foi a minha inspiração intelectual, porque mesmo diante de
um acidente terrível que devastou nossa família, ele conseguiu se
reinventar e aprendeu uma nova profissão por correspondência. Ele
tinha quatro formações acadêmicas, antes do acidente, mas não
poderia mais exercê-las. O mundo para os paraplégicos era cheio de
preconceitos e pouca mobilidade motora. Ele gostava de ler sobre
tudo, hábito aliás que adquiri com ele. Aos doze anos li meu primeiro
best seller , “O Poderoso Chefão” do Mário Puzzo, livro aliás que
depois da quinta leitura, conseguia lembrar de cor de parágrafos
inteiros.
Quando éramos crianças meu pai era sempre orgulhoso das
quatro filhas e nos apontava aos amigos dizendo qual profissão

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formação na docência

teríamos no futuro. Eu seria a Economista, uma das suas profissões,


já que eu gostava muito de matemática. Mas aos nove anos eu já
retrucava dizendo que seria arquiteta. E assim fomos nos
desenvolvendo com a visão da formação acadêmica na cabeça
contrariando a premissa de que moça de “boa família” é educada para
casar e ter filhos. Um fato aliás, bastante criticado pela maioria dos
irmãos do meu pai, que o questionavam sobre uma frase dita por ele
e que ficou cristalizada na minha cabeça: “filhas, o marido de vocês é
a profissão que vocês escolherem e isso só se consegue na
faculdade”. Meu pai era um homem a frente do seu tempo e dos
pensamentos retrógrados da sua geração. Então, suas quatro filhas
se graduaram e embora ele não tenha tido tempo para presenciar
esses feitos, ele deve estar satisfeito lá de onde ele estiver.

A Escola Primária

Nos anos iniciais da minha vida escolar eu não tinha muita


percepção do que estava fazendo na escola. As professoras estavam
sempre gritando com alguma criança ou estavam ao quadro batendo
com a palmatória para que todos se calassem. Aquilo me deixava um
pouco irritada, porque ficava ansiosa para conhecer a parte legal da
escola que a mamãe sempre dizia quando estava me deixando lá.
Eu sempre tive facilidade em aprender sobre as disciplinas, antes
chamadas de matérias, mas nunca questionava a professora sobre
algo. Eu ouvia, fazia e aprendia exatamente como as professoras
orientavam, digo professoras, porque naquela época era pouco
comum ter professores do gênero masculino ministrando aulas para
as séries iniciais. Embora, houvesse o curso normalista para
professores no Colégio IEEP (Instituto Estadual de Educação no Pará)
e lá havia muitos alunos homens se formando como professores do
primário, e eu não tenho recordações desses professores atuando nas
séries de primeira à quarta série.
Estudei em pelo menos duas escolas diferentes no bairro onde
morava. Na primeira, que foi a “Escola Estadual Duque de Caxias” de
primeira à oitava série, eu estudei apenas a primeira série e tenho
uma péssima recordação de lá. Em um evento festivo, o “Dia da

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Árvore”, sofri uma agressão física de uma menina mais velha e fiquei
calada sem reação até que minha irmã apareceu para me defender.
Desde aquele dia eu passei a ter medo na escola. Não era fácil sair da
sala na hora do recreio. E quando eu comecei a me sentir mais segura
uma garota evangélica de outra turma veio evangelizar na sala de
aula na ausência da professora e me apontava o dedo dizendo que eu
teria o sinal da besta na testa e que eu e minha família iriamos morrer,
porque servíamos ao capeta, já que adorávamos imagens.
Na época eu já fazia o catecismo para a primeira comunhão e
fiquei aterrorizada quando descobri que no meu livrinho de
evangelho tinha o livro de Apocalipse. E não adiantava a minha mãe
ou a professora me explicarem que no livro “Apocalipse” da Bíblia não
está escrito que todo mundo vai morrer se não for evangélico. Até
hoje o livro do apocalipse me aterroriza e foi o único que nunca
consegui ler na Bíblia. Apesar desses episódios traumáticos, eu ia
para a escola e me concentrava na aula. Saía para o recreio somente
depois de fazer os exercícios e ficava sempre com o mesmo grupo de
colegas. A professora me parecia sempre inquieta e eu tinha pena
dela, afinal eram trinta e cinco crianças para ela dar conta. Apesar
disso, eu consegui aprender a ler e já estava dando conta das minhas
primeiras anotações no caderno costurado à mão feito pela minha tia
em papel ao maço com capa de papel de presente.
Na série seguinte eu fui para outra escola do bairro, a “Escola
Estadual Virgínia Alves da Cunha” uma escola exclusiva de primeira à
quarta série. Lá eu fui feliz. Meu quintal era muro de fundos com a
área de recreação da escola. E sempre depois de voltar para casa eu
colocava uma escada no muro para ver as crianças jogando bola e na
fila da merenda. Eu contava quantos alunos já tinham sido servidos e
quantos já tinham repetido. Desde aquela época a matemática já me
fascinava. Eu andava pelas ruas contando os postes, os carros, os
desenhos nas grades das casas, tudo era motivo para virar número.
Talvez por isso eu tenha feito meus primeiros vestibulares para
matemática e arquitetura.
A escola era cheia de disciplina. Tinha a hora de fazer a fila para
entrar, tinha o dia de cantar os hinos no pátio enquanto as bandeiras
eram hasteadas, e para cantar o hino tinha que ser com a mão no

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

peito. A farda tinha que estar sempre impecável, mas apesar da


rigidez com organização e disciplina eu amava ir para a aula. Minha
professora Rosana era sorridente e sempre chegava com uma tarefa
divertida para animar a turma. Foram três anos divertidos e lá eu fiz
as pazes com o ambiente escolar. Acho que foi nessa época que
comecei a brincar de dar aula para minhas priminhas. Eu era uma
professora muito severa. Colocava de castigo e contava histórias de
terror para amedrontar as pobrezinhas se as tarefas não eram
entregues. Talvez reproduzindo meu terror da primeira série lá no
Duque de Caxias.

Mudando de Perspectiva

Quando passei para a quinta série precisei mudar de escola. Fui


para o “República de Portugal” uma escola municipal, ainda no meu
bairro com uma estrutura bem grande e pelo menos quatorze salas
de aulas. Agora eu iria iniciar minha vida adulta, pelo menos era o que
eu pensava, já que teria que dar conta daquele momento em diante
de dez “matérias”, e eu não poderia me sair mal em nenhuma, porque
eu era a professora de reforço das crianças da vizinhança.
Além da matemática eu também me encantei pelas ciências e
não via a hora de ter aula de física de novo. Foi muito interessante já
iniciar meu aprendizado com as ciências naturais tendo uma
professora como tutora da disciplina. A professora Madalena dava
aula de matemática, física e química em dias alternados. Eu também
tinha uma disciplina com um nome enorme que todos chamavam
pela sigla OSPB (Organização Social e Política Brasileira) e outra que
era facultativa e desmembrada em pelo menos mais quatro,
Educação para o Lar (que englobava organização doméstica,
artesanato e boas maneiras), Técnicas Agrícolas (aprendíamos sobre
os meios de produção agrícolas e como fazer uma horta doméstica),
Técnicas Comerciais (tratava da redação de textos como recibo,
requerimento, relatório, etc.). Coisas do mundo adulto.
Agora eu já tinha muitos professores e me sentia importante,
porque me destacava nas disciplinas que os meus colegas menos
gostavam, sempre era convidada a ir ao quadro resolver algum

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

problema de matemática e quase sempre podia apagar a lousa.


Nesse período aprendi sobre responsabilidade, generosidade,
miséria e lealdade. Eu morava na periferia e as chuvas alagavam os
canais ao lado da escola. Alguns colegas tinham vergonha de dizer
que moravam perto do canal e que precisavam de ajuda para
atravessar as ruas alagadas, e nós sempre dávamos um jeito de pedir
carona para os motoristas que passavam por ali. Era duro saber que
aquela farda molhada seria usada no próximo turno de aula pelo
irmão de algum colega nosso. Famílias grandes de periferias tinham
dessas coisas.

Decisões Importantes

Foi nessa época que eu bati o martelo e decidi ser professora de


matemática. Mas o glamour da arquitetura e a importância que a
palavra arquiteta tomava nas falas do meu pai iam me seduzindo. Eu
só tinha doze anos, mas olhava para as casas, para os telhados, para
as molduras nas entradas e já transformava tudo em metros, alturas,
distâncias...então comecei a sondar as escolas de níveis médios pelo
meu bairro e descobri o “Colégio Integrado Francisco da S Nunes”.
Entrei no curso de Auxiliar técnico em Edificações aos quatorze anos.
E já no primeiro ano fui desafiada por uma professora de geografia
que tinha um lema: “ninguém tira dez na minha matéria e ninguém
tira zero se tiver decorado o que é geografia”. Bem, eu não queria tirar
um só por ter decorado uma frase, então corri atrás do dez. E
moralmente eu o tirei, mas ela não anotou no meu conceito e eu tirei
9,95. Tudo bem, eu sabia que aquilo era um dez.
Foi nessa época também que eu entendi o que era discriminação
racial e bullying, embora eu não conhecesse por esses nomes. Eu
mesma pratiquei bullying com uma colega, e até hoje isso me marca
como um evento triste. Não tive a oportunidade de encontrá-la para
me retratar, porque ela precisou voltar para o interior, mas com toda
a certeza me fez repensar sobre as coisas que eu escutava e
reproduzia, porque uma galera também estava dizendo.
O meu curso era empolgante e eu continuava amante da
matemática e da arquitetura. As áreas de conhecimentos para as

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

faculdades eram divididas em ciências, Ciências Biológicas(CB),


Ciências Humanas(CH) e Ciências Exatas (CE; os chamados nerds). E
eu era empolgada com esse termo, porque ele nos tornava diferentes
dos demais. Até que começaram os assédios vindos desse mundo tão
masculino e cheio de fanfarrões. Como eu me destacava no curso fui
indicada para fazer um estágio em uma grande empresa de
arquitetura aqui de Belém, e infelizmente já na entrevista fui
assediada pelo gerente de equipamentos técnicos. Assim, não voltei
na empresa para levar os documentos e trabalhar.
Quando cheguei ao terceiro ano, as matérias eram ainda mais
específicas da área de CE e a geografia, biologia, história, etc. ficaram
para trás. Porém, tínhamos aulas de inglês, e eu estava encantada
com o método de ensino do professor, que notadamente amava o
que fazia. Ele dava aula de um jeito muito diferente. Trazia revistas
escritas em inglês com temas e artigos futurísticos. Era um misto de
geografia, física, sociologia e educação artística e literatura nas aulas
dele. Não escrevíamos quase nada da lousa, tudo vinha das nossas
cabeças e das discussões sobre os temas e sobre as palavras que
precisávamos aprender usando os verbos “to bee” e “to heavy”.
Como nosso curso era de auxiliar técnico em edificações não
havia a preocupação com os conteúdos para o vestibular, e eu não
fazia cursinho para isso. Mas resolvi me inscrever para fazer a prova
para o curso de arquitetura na Federal. Me saí razoável e quase passei
para a segunda fase. As provas tinham peso de acordo com as áreas
e eu não tinha aula de geografia, biologia ou literatura, já que meu
curso era de CE.
No ano seguinte fiquei focada e me inscrevi em três faculdades.
Passei em duas, arquitetura na UNAMA (Universidade da Amazônia)
e matemática na UEPA (Universidade Estadual do Pará). Nessa época
aos dezenove anos eu já estava casada e grávida e foi difícil levar duas
faculdades adiante. Optei por continuar o curso de arquitetura e um
ano depois precisei abandonar para dar conta das minhas
responsabilidades de mãe, afinal era comum escutar “quem pariu
Mateus que embale”.

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Volta ao Começo

E quase dez anos depois voltei a estudar. Tive apoio da minha


família materna e fiz cursinho. Eu já tinha três filhos e um emprego.
Desta vez optei pela área das ciências humanas. O PSS (Programa
Seriado Seletivo) já existia e era destinado aos alunos do nível médio,
uma outra forma de ingressar nas universidades públicas e que
diminuíam os números de vagas para os candidatos de outras
demandas. Os vestibulares eram coordenados para não coincidirem
nas datas dos exames e outras faculdades particulares começaram a
surgir em Belém.
Tomei coragem e me inscrevi para pedagogia mesmo com uma
concorrência altíssima de 62 por vaga. Entre filhos e fraldas eu acabei
não passando. No ano seguinte fiz cursinho e fui convidada a
participar de um concurso de redação tradicional em Belém:
“Concurso de redação do Círio” entre cento e cinquenta instituições
de ensino públicas e particulares e alcancei o quarto lugar. Fiquei a
frente de escolas de elites tradicionais de Belém. Foi um incentivo
para o meu primeiro lugar no vestibular no curso de Formação de
Professores na UEPA e para o meu 35º lugar em Letras dupla
habilitação na Federal. Eu estava orgulhosa de mim e decidida a não
deixar as coisas saírem mais dos eixos. Eu trabalhava e cuidava de três
filhos. As coisas não eram fáceis.
O curso noturno da federal começava às 17:30 e eu saia do
trabalho as 17h. Eu levava 1:15h para chegar na Federal, e quase
sempre levava falta nos primeiros horários de aula, o que me
renderam por duas vezes conceitos divergentes dos meus
desempenhos nos conteúdos das disciplinas. Presença física é
primordial para obter nota excelente. Eu só dormia 3 horas por dia e
essa era a minha realidade de mãe de três filhos, esposa, acadêmica,
assalariada e dona de casa. E apesar disso, eu me sentia empolgada
com tudo que estava vivendo na universidade.

Escolhas

Na dupla habilitação é preciso escolher uma língua estrangeira

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

como parte do seu curriculum de professor, então escolhi a língua


alemã. Na verdade, ela já estava escolhida desde criança. Uma vez vi
uma reportagem sobre a segunda guerra e ouvi um soldado falando
alemão. Achei que ele estava xingando a pessoa que falava com ele.
Fiquei curiosa e guardei aquele som para usar nas brincadeiras com
meus primos.
Eu estava ansiosa para aprender a língua e seria novamente o
que me faria diferente na universidade. Me dedicava e conseguia
atingir bons conceitos nas disciplinas, mas o fato do curso ter poucos
professores no quadro de ensino fez com que os níveis de língua
fossem transferidos para a manhã. Eu trabalhava e não poderia largar
o emprego para me dedicar apenas à universidade. Acabei
abandonando a segunda habilitação.
Nesse ínterim eu vive um turbilhão de emoções. Encaramos três
greves e precisamos cumprir três semestres em um. Eu quebrei a
perna, me separei e perdi o emprego. E finalmente em 2005 me
formei professora em Língua Portuguesa. Em seguida fiz uma
especialização em ‘Ensino aprendizagem do português’
semipresencial, que durou um ano e meio; casei-me de novo e fiquei
latente em casa por três anos. Eu não me sentia estimulada para
atuar em minha área de formação.
Toda essa montanha russa durante a graduação culminou em
processos de depressões e baixa estima. Situações como divórcio e
readaptação familiar parecem acarretar um peso muito maior para
quem fica com as responsabilidades de gerir o conforto emocional e
a condução intelectual desse processo quando há filhos envolvidos. A
mãe toma um lugar de destaque e o papel de professora fica
submerso.

Resiliência

Passado algum tempo e inquieta com a minha condição de


professora não atuante, resolvi prestar vestibulinho para Letras com
habilitação em Alemão, agora desmembrado da dupla habilitação.
Eu queria terminar o que havia começado na graduação passada. Me
inscrevi sem falar para ninguém e só comuniquei quando já estava

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

com os documentos para a matrícula. As aulas iniciaram em 2011 e


eu estava novamente empolgada em construir algo.
Tomei ciência da grade curricular do curso e não encontrei
nenhuma dificuldade com as disciplinas, mas confesso que o número
reduzido de alunos e o fato da maioria ser de jovens recém-saídos do
ensino médio me deixou um pouco desconfortável. Jovens de
primeira graduação e uma parte já falando em mobilidade
acadêmica, isso me assustou um pouco. Fomos nos alocando nas
chamadas panelinhas por idades e a turma já estava ficando mais
coesa quando veio a primeira greve. Logo em seguida ao retorno das
aulas eu fui voluntária em um projeto de extensão que era voltado
para o ensino de Alemão para crianças em situações de risco. Foi uma
experiência gratificante.
Em seguida veio a segunda greve e um semestre meio confuso.
Nesse período meus dois filhos mais velhos já moravam na Alemanha
e eu já havia comprado a passagem para visitá-los nas férias de julho.
Nesse momento eu conheci o ressentimento. Como precisei me
ausentar em julho e a greve nos obrigou a estender o período de aulas
até o meio do mês, eu acabei ficando reprovada por faltas que eu
ainda nem tinha. Eu passei em todas as outras disciplinas
antecipadamente e apenas numa eu era obrigada a assistir todas as
aulas mesmo sem ter nenhuma falta até o momento da viagem.
Fiquei me sentindo tão injustiçada que abandonei o curso, porque
não queria olhar para a pessoa que me reprovou por faltas que eu
ainda nem tinha.
Em 2010 o MEC lançou uma portaria de convocação para o
retorno de todos os alunos que tinham concluído mais de 25% do
curso superior público e queriam voltar a estudar, e eu correspondia
a esse critério. Resolvi voltar por força da insistência de duas amigas
queridas, colegas de curso. Foi bom voltar e terminar o que tinha
começado. Eu sempre acho péssimo deixar as coisas pelo meio do
caminho ou mal resolvidas. Foi nesse momento que passei a prestar
mais atenção na graduação e me concentrar nas disciplinas
pedagógicas. Porém, eu tinha um impasse, eu agora tinha um
negócio para administrar, eu era empreendedora, mas também
queria aproveitar a universidade enquanto eu podia. Me revesti de

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

entusiasmo e me engajei em projetos, ajudei a organizar oficinas, fui


voluntária no laboratório de línguas estrangeiras (LAEL) e resolvi
fazer meu trabalho de conclusão de curso voltado para as dúvidas que
eu tinha sobre a minha própria formação e de como eu me sentia
sobre ela.
O tema do meu Trabalho de Conclusão de Curso foi “A Influência
da Formação Acadêmica na Tomada de consciência da Identidade de
Professor”. Minha orientadora foi a Dra. Cristiane Schmidt que hoje é
coordenadora do projeto de pesquisa intitulado “Pesquisa Narrativa:
memoriais de Sujeitos Professores em Formação”, projeto do qual
participo e que tem me ajudado nessa jornada de formação
acadêmica contínua.

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formação na docência

Capítulo 7

MEMORIAL AUTOBIOGRÁFICO

Andressa Costa dos Santos (UFPA)

Retrospectiva Inicial

No ano de 1998, em um contexto familiar inapropriado para


receber um novo membro na família, devido aos constantes conflitos
de um casal, veio ao mundo em condições adversas, por
complicações na gestação, a caçula de três irmãos nascida na cidade
de Belém do Pará.
Com o risco eminente para a vida da mãe e falta de condições
financeiras para custear o tratamento e criação do feto, o qual com
baixa probabilidade nasceria com vida, fez com que a mãe decidisse
interromper a gravidez, salvo pela sua vizinha, amiga e madrinha do
segundo filho desta, que se dispôs a lhe dar suporte e se necessário
fosse a assumiria a criação desta criança como sua.
O período foi difícil, no entanto a minha mãe adotiva juntamente
com seu esposo, meu pai adotivo, levaram diversas vezes a minha
mãe biológica para o hospital nas altas madrugadas. Vocês devem
estar se perguntando, cadê o pai da criança? Bem, este é um caso à
parte. O pai biológico trabalhava como garçom/barmen à noite, com
isso tornou-se alcoólatra, na data de pagamento sumia de casa
aparecendo dias depois.
Dois anos após o meu nascimento os dois se separaram de
maneira traumática. Minha mãe saiu de casa nos levando com ela,
porém ela não foi bem recebida pela minha avó, que a humilhava
incansavelmente, destarte teve de deixar o seu segundo filho na casa
dos avós paternos, o primogênito ficou com ela e eu voltei para a casa
dos meus pais adotivos. Por insistência da minha mãe biológica ao
menos um dos meus irmãos não ficou comigo, mas a minha vida não
mudou muito, pois mesmo antes da separação eu já morava com os

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formação na docência

meus pais adotivos, as casas localizadas na periferia, eram coladas


uma à outra, os meus pertences e eu habitávamos com os meus pais
adotivos desde as minhas primeiras memórias, já que a minha mãe
biológica passava o dia no trabalho.
Dois anos mais tarde, meus pais adotivos resolveram voltar para
a terra natal do meu pai, na ilha do Urubuéua, no município de
Abaetetuba-PA, que fica à 51.38 km, em linha reta, à duas horas de
Belém. Minha mãe biológica já havia se reestabelecido, mas optou
por não ficar com a minha guarda alegando que não seria justo com
os meus pais e nem comigo, pois estava habituada ao convívio.

Primeiro Contato com a Escola

Meu primeiro contato com a escola foi ainda em Belém do Pará,


meus pais biológicos me matricularam em duas escolas privadas do
bairro onde morávamos, no Guamá. Eu não lembro muito bem como
isso funcionava, acredito que no revezamento, todavia com o tempo
fiquei só em uma escola, isso percorreu por um ano, pois no ano
seguinte meus país adotivos e eu nos mudamos para Abaetetuba-PA.
Em um novo ambiente, tive de refazer o Jardim 1,
correspondente ao primeiro nível da Educação Infantil, por se tratar
de escola pública, eu só poderia ingressar na Educação Infantil aos 4
anos, então refiz e não tive problemas, pois eu gostava de fazer as
tarefas e já soletrava, assim me adaptei facilmente as outras crianças
e a professora que era ótima.
Em uma região ribeirinha, na área de várzea, a realidade era
outra, transporte, alimentação, costumes, o que incluía fortemente
as escolhas lexicais dos moradores. A locomoção, só era possível por
meio aquático, os professores da Educação Infantil, enfrentavam 1h
de viagem de barco, para ministrar as aulas nos dias úteis, o ambiente
de aula localizava-se em um barracão de madeira cedido pela igreja
da comunidade.
A Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental
Nossa Senhora de Fátima, localizada as margens do Rio Urubuéua
Fátima, foi onde passei a minha vida estudantil, na educação básica,
mesmo que esta não ofertasse a Educação Infantil a níveis iniciais até

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formação na docência

2002, além do ensino médio até ao presente, no entanto a escola


cedia o espaço, intermediava as relações por possuir o vínculo com
outras instituições.
No meu segundo ano consecutivo estudando na escola, tive a
primeira oportunidade de auxiliar os meus colegas em sala de aula
sob a supervisão da professora, ela dizia que eu seria professora, eu
negava incansavelmente dizendo que seria veterinária, entretanto
ela estava certa quanto a isso. Essa mesma professora possuía um
vasto conhecimento em Língua Brasileira de Sinais (Libras) e queria
me ensinar, mas a casa dela ficava a uma distância considerável da
minha e localizava-se às margens da baía, para uma garota de 5 anos
sair de casa de casco (embarcação de pequeno porte movida a remo),
a periculosidade era imensa, mesmo eu sabendo nadar muito bem.
Em razão das adversidades mantive o desejo de aprender Libras com
a promessa de que um dia o faria.
A partir da primeira série do Ensino Fundamental I, passei a de
fato usufruir do espaço da escola durante as aulas. Nunca tive
problemas com a distância, pois eu residia ao lado da escola, ao
contrário da maioria que tinha de enfrentar um longo trajeto, as
vezes temporal e ventania na baía para chegar na escola.
A partir do 6º ano, no Ensino Fundamental II, as aulas saiam do
formato regular e entravam no modelo do Sistema Modular de
Ensino (SOME), que funciona por meio de módulos. No espaço de
dois meses, estudávamos de uma a quatro disciplinas no máximo,
dependia da carga horária de cada uma, as disciplinas com a maior
carga horária eram de 16h por semana, e as com menor 8h. O
problema é que estudávamos em um período em que só era possível
termos seis aulas por turno, sobravam duas, as quais nem todos os
professores tinham a disposição para dar, exceto alguns que
deixavam acumular para completar as horas em uma manhã ou tarde
que estivéssemos livres. Com isso tínhamos aula geralmente três
vezes na semana, dependia muito do módulo, quase nunca
estudávamos até na sexta-feira.
Apesar de tudo eu admirava alguns bons professores que se
dedicavam e se empenhavam na luta por melhorias em defesa da
educação, dentre os quais, muitos se deslocavam da região

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formação na docência

metropolitana de Belém, outros da cidade de Abaetetuba para levar


conhecimento as ilhas de Abaetetuba e adjacências. Lembro como
se fosse hoje, eu estava no 6º ano do Ensino Fundamental II, no dia
em que um professor de Geografia fez a pergunta “O que vocês irão
fazer ao concluir o Ensino Médio?”. Essa pergunta provocou um
sentimento distinto, pois nunca havia pensado em me afastar da
minha família e isso me causou pânico, todavia a partir desse dia
passei refletir sobre essa questão.
No primeiro semestre do ano seguinte, no 7º ano do Ensino
Fundamental, contrai Meningite e de agravante um Acidente
Vascular Cerebral (AVC), parei de estudar, pois passei por um período
de tratamento e retornei no ano seguinte, no entanto, tive
dificuldades em me adaptar em outra turma e principalmente voltar
ao meu ritmo de estudo, que nunca mais foi o mesmo. Eu gastava
horas para entender um assunto, se comparado a anteriormente,
compreendia o mesmo em minutos, isso era no mínimo frustrante e
desesperador. Sem afinidade com a minha turma passei dias difíceis,
mas não compartilhava o que estava passando com ninguém, nem
mesmo os meus pais.
Com o tempo me adequei a minha nova condição de aprendente,
continuei me saindo bem em todas as disciplinas com muito esforço
e por gostar de estudar, as que eu tinha um carinho especial era
Matemática e Língua Portuguesa, apesar de não ter o hábito de ler
pela falta de incentivo e contato com a leitura. No 9º ano, após ler
Dom Casmurro, por indicação do meu irmão, me apaixonei pela
leitura, passei a ler romances, contos e etc. Com isso decidi que queria
fazer Letras-Língua Portuguesa, já a Matemática ficou em segunda
opção, pois eu tinha prazer em fazer cálculos, principalmente na área
da Geometria. Nos anos seguintes mantive meu posicionamento e
minhas médias excelentes em ambas as disciplinas.
Com base nas minhas leituras comecei a interagir com os
professores da área de Ciências Humanas e expor os meus
pensamentos a respeito, eu me destacava por conta disso, tendo em
vista que nas ilhas as pessoas não têm o hábito de ler ou se interessar
por esse tipo de conteúdo.

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Decisões que mudaram a minha Vida

No 1º ano do Ensino Médio, aos meus 17 anos, comecei a fazer


um curso de informática na cidade de Abaetetuba, eu tinha que sair
no máximo 4h da manhã de casa, para chegar na cidade cedo. Os
custos de um curso na cidade tornavam-se altos, somando o valor do
curso ao transporte e alimentação, mesmo assim eu dei início. Como
eu chegava bem cedo na cidade, procurei algo para fazer antes do
horário da minha aula, para aproveitar o tempo, então comecei a
pegar umas dicas de redação por um preço em conta, com um
professor que dava aulas de reforço. Eu já estava no 2º ano do Ensino
Médio, conversando com esse professor, ele me disse que eu deveria
fazer um curso de inglês, pois seria bom para ingressar no mercado
de trabalho, segui o conselho dele e decidi procurar um curso de
inglês na cidade, por sorte havia aberto um recente na esquina da
casa desse professor.
Contei para os meus pais que eu gostaria de fazer um curso de
Inglês, pois eu já pensava em fazer algo para agregar ao meu currículo
considerando um futuro profissional, eles me apoiaram, minha mãe
foi na escola, avaliar os valores, mas eles não teriam condições de
arcar com todas as despesas de dois cursos e as passagens. Assim,
minha mãe adotiva entrou em contato com o meu pai biológico
explicando a situação e pedindo ajuda, a essa altura ele estava em
outra fase da vida, curado do vício e trabalhando, havia se casado
novamente, teve uma filha e constituiu uma nova família ao lado da
sua esposa.
Meu pai biológico se propôs em ajudar, com a colaboração dos
três eu conseguiria terminar o curso de informática e fazer o de
inglês. Depois de concluir informática, permaneci no inglês, mas em
casa estudar inglês sem internet era desestimulante, como
morávamos em zona rural, não tínhamos acesso e muito menos
pessoas que soubessem para que eu pudesse trocar experiências a
respeito.
Nos primeiros dias do curso de inglês tudo era novo e foi um
pouco difícil se adequar, mas no decorrer do primeiro ano foi fluindo
muito bem, o professor era alegre e extrovertido, com atividades

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interativas e dinâmicas envolventes. O material didático usado pela


escola era muito bom, estávamos realmente aprendendo a língua e
não revendo a gramática do “Verb Be” como na escola.
Durante as férias eu geralmente passava uns dias com a minha
mãe biológica, em uma dessas vezes, eu já estava no 3º ano do Ensino
Médio quando o meu irmão me perguntou o que eu iria fazer da vida,
se já havia decidido qual curso iria prestar vestibular, eu respondi
Letras-Língua Portuguesa, ele me fez outra pergunta sugestiva, já
que eu estava fazendo curso de inglês, o porquê de não optar por
Letras-Língua Inglesa. A partir daí refleti e decidi seguir esse
caminho, prestei o vestibular e fui aprovada aos 19 anos, um mês
após ter concluído o Ensino Médio.

Primeiras Impressões e Decepções

Tudo aconteceu muito rápido, na mesma semana que saiu o


resultado, tínhamos de anexar os documentos no site, na semana
seguinte apresentar os documentos na instituição. Tive problemas
com a documentação, pois eu não sou registrada no nome dos meus
pais adotivos, e não dava para reunir os documentos dos meus pais
biológicos a tempo, então anexei os dos meus pais adotivos, mesmo
sendo divergentes dos meus, a verdade é que não sei como a
instituição aceitou. Com feriados nesse curto espaço, dificultou ter
acesso a declaração de conclusão do Ensino Médio, então eu só tive
um dia útil, na sexta-feira, para pegar na sede da escola em
Abaetetuba.
Uma colega e eu que havíamos sido aprovadas, atravessamos a
baía no meio de um temporal a tarde, quase naufragamos no meio da
tempestade, correndo contra o tempo para chegar na escola antes de
fecharem os portões, em razão de na segunda-feira ser feriado e na
terça termos de estar às 09:00h em Belém para fazer a habilitação,
apesar de toda a luta, valeu a pena, pois conseguimos.
Ao chegar na Universidade Federal do Pará (UFPA), recebemos a
notícia que uma amiga havia falecido na mesma manhã, a alegria se
transformou em tristeza, o abalo foi imenso, tornando o primeiro

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contato traumatizante, carregado de morbidez e lembranças


negativas.
Na semana seguinte retornei a Belém para o início das aulas o
choque de realidade foi durante as aulas de inglês no primeiro
semestre, a turma tinha 27 alunos e a maioria já falava um pouco,
alguns já davam aula, outros moraram fora do país e já eram fluentes.
Nas primeiras aulas tentei participar e me voluntariava com toda a
empolgação de caloura, mas sempre era cortada pela professora, que
por sinal era muito boa no que fazia, com métodos inovadores,
especialmente no quesito Tecnologia, mas sua grande falha, foi não
priorizar os que estavam no início dos estudos da língua,
considerando que a disciplina era Língua Inglesa I. Insisti em tentar
me envolver, porém ela sempre chamava as pessoas que já tinham
um inglês bom para participar, isso aconteceu várias vezes, passei a
me sentir muito mal por conta dessas situações e deixei de tentar
participar das atividades.
Diferente da minha turma do ensino médio, não havia união, não
me senti acolhida e fui aprendendo pouco e travando no inglês a cada
dia, por falta de prática e medo de falar. Pior que isso, ao logo do
curso percebi que algumas pessoas queriam se aproveitar das
situações, passei alguns constrangimentos por conta da minha
ingenuidade, mas por outro lado serviu para o meu amadurecimento.
Nos quatro semestres seguintes, as disciplinas de Língua Inglesa
II, III, IV e V, foram ministradas por apenas uma professora que
possuía conhecimentos profundos da língua, em contrapartida, ela
fazia valer-se unicamente de métodos tradicionais, usando o material
didático exigido pelo curso como recurso central e sem flexibilização
ou abertura para opiniões.
No 3° semestre participei da monitoria dos Cursos Livres de
Línguas Estrangeiras da UFPA, todavia confesso que não me agradei,
pois o meu papel em sala de aula não divergia do papel de um aluno
do curso, eu me sentava como ordenado pela professora e assistia a
aula como os demais. No 4º semestre tive a consciência da
funcionalidade do meu curso e me senti ainda pior, pois me
questionava constantemente o porquê de estar em um curso de

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formação na docência

licenciatura em inglês, sendo que nem a língua inglesa eu sabia


direito. Como iria ensinar algo que eu não sabia?

Amadurecimento e Transformação

Conforme o passar do curso eu ganhei confiança e deixei de me


importar com a opinião dos que a minha volta se encontrava, apenas
considerava o posicionamento de quem eu pedia, e media o meu
esforço durante cada etapa, dessa forma eu mesma passei a me auto
exigir e me criticar de forma mais rígida. Entrei na monitoria de um
laboratório de línguas, com o objetivo de somar as minhas primeiras
horas de extensão do curso, para a minha surpresa foi uma fase de
descobrimento pessoal.
Ao longo da graduação participei de muitas oficinas e minicursos
na Base de Apoio à Aprendizagem Autônoma (BA3), eventos
organizados pela instituição, treinamentos e até minicursos de
Francês promovidos pelo Idiomas Sem Fronteiras (ISF). Não podendo
deixar de mencionar o Pacataca, um projeto de teatro que recebe a
todos os aprendentes de inglês que tem interesse em praticar a língua
e aprender através da troca de experiências culturais, foi durante o
projeto que tive meu primeiro contato com pessoas de outros países
e me arrisquei a falar sem me preocupar com represálias.
Um tempo depois participei de uma seleção e ingressei em um
projeto de ensino e extensão intitulado “FÁ LÁ English Project -
FLEP”, onde tive a minha primeira experiência como docente em sala
de aula, fiquei no projeto por 6 meses, esse foi o tempo de duração,
já que no ano seguinte, em 2020, antes de darmos início a nova fase,
a Fundação suspendeu as aulas por conta da Pandemia da Covid-19.
O FLEP era um projeto de ensino de Inglês para estudantes de música
da Fundação Amazônica de Música - FAM, era realizado aos sábados.
A experiência foi diferente, a sensação de estar do outro lado é
outra, mas ao mesmo tempo a profissão dobra a carga de
responsabilidade, obrigando estar seguro do que está fazendo e se
impor nas situações, principalmente quando se trabalha em grupo,
pois as divergências eram constantes. Não foi uma oportunidade tão
produtiva, visto que não tivemos orientação sobre a construção de

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formação na docência

planos de aula, organização de conteúdo, materiais e coisas


relacionadas, a troca se dava entre os alunos estagiários. Ouvia falar
na diferença de tratamento entre os alunos do período da manhã e os
da noite, mas senti na pele esse contraste durante o projeto, era
como se os alunos da manhã procurassem defeito no que fazíamos,
essa visão não era exclusivamente minha, os outros estagiários do
curso noturno assim como eu compartilhavam do mesmo
pensamento com base nas observações.
Em 2019, consegui um estágio como Bolsista PROAD, no
Arquivo Central da UFPA, onde eu exerci meus deveres na unidade,
cumprindo carga horária de 20 horas semanais, desempenhando
atividades no Serviço de Expedição de Correspondências. Um novo
mundo se abriu, conheci novas pessoas e estabeleci novas relações,
aprendi assuntos relacionados a parte administrativa, além de
observar alguns atritos entre o corpo docente e o corpo
administrativo da instituição, me surpreendendo com alguns
posicionamentos controversos aos discursos explicitamente
igualitários. Fiquei dois anos, o tempo máximo permitido, apesar de
não atuar na minha área de formação, foram anos preciosos que
contribuíram vigorosamente para o meu desenvolvimento
intelectual e crescimento profissional.
Com o advento da Pandemia da Covid-19, as aulas foram
adaptadas para o ambiente virtual, aos poucos fui me adequando
conforme a necessidade. Dentro desse contexto o meu próximo
trabalho como professora foi na disciplina de Metodologia do Ensino
de inglês I e II, onde tivemos de abrir um curso de inglês online, no
qual o docente das disciplinas tornou-se coordenador do curso. As
tarefas foram disponibilizadas no Google Classroom, os alunos
tinham uma semana para fazer até o próximo encontro síncrono, pelo
Google Meet, quando as dúvidas que houvesse poderiam ser sanadas.
No final, tudo ocorreu muito bem, finalizamos o curso com
excelência, mesmo sendo a turma piloto de Metodologia no formato
remoto.
Com a experiência de ministrar na modalidade online veio a
satisfação da profissão, e as respostas para os meus
questionamentos internos nos momentos de fragilidade e

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formação na docência

insegurança. Com todos esses conhecimentos adquiridos, me


candidatei em um projeto piloto intitulado MIGRANTE (MIGRE), é
um projeto de ensino e apoio linguístico aos estudantes indígenas
não falantes de português e aos ingressantes pelo PSE e estrangeiros.
Foi uma experiência inovadora, pois nunca havia atuado no ensino de
português como língua estrangeira, tive de me adaptar a forma de
trabalho e construção de recursos, mas dessa vez ao contrário do
projeto anterior, tivemos formação antes de darmos início aos
trabalhos. Já no projeto em andamento, tínhamos reuniões
semanais, a professora coordenadora assistia as nossas aulas que
ficavam gravadas e dava um feedback individual, contribuindo de
forma real e efetiva para a nossa formação.
Através desse projeto tive a oportunidade de trabalhar na
aplicação do exame de proficiência, CELPE-BRAS, onde passamos
por uma formação online até a realização do exame. Lisonjeada atuei
como avaliadora-observadora e entrevistadora ao lado da docente
que foi coordenadora do projeto MIGRE, a qual possui grande
experiência no Ensino de Português como Língua Estrangeira (PLE) e
atualmente foi efetivada na UFPA.
No segundo semestre da faculdade, paralelamente a graduação
comecei a fazer o Curso Livre de Inglês, na Universidade Federal do
Pará (UFPA), finalmente em 2021 após terminar o curso de inglês,
pude dar início ao Curso Livre de Libras, pois desde a infância
almejava, mas não tinha condições de custear. No primeiro semestre
de 2021, fiz o nível básico na Universidade Federal Rural da Amazônia
(UFRA), na modalidade remota, paralelamente fiz um curso básico,
presencial de Libras no Contexto Cristão. Terminado o primeiro nível,
abriu seleção para o Curso de Libras Intermediário Online pela UFPA
de Bragança, me candidatei e passei na primeira etapa, logo após, fiz
uma entrevista e garanti a minha vaga, novamente segui o curso,
acompanhado do Intermediário Libras no Contexto Cristão.
Através da Libras pude abrir meus olhos para o público com
necessidades especiais e isso me despertou o interesse pela educação
inclusiva aponto de desenvolver meu Trabalho de Conclusão de
Curso (TCC) visando essa comunidade, especialmente a comunidade
surda.

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Nese sentido, resiliência é a palavra que me define, desde o


ventre da minha mãe lutei pela minha sobrevivência, na vida não seria
diferente, pois foi com lutas que cheguei até aqui e é por meio das
pedradas que reerguerei o meu muro. O aprendizado é um processo
continuo, acredito que com prática e dedicação todos podemos
alcançar nossos ideais e construir nossas identidades no percurso.

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formação na docência

Capítulo 8

MEMORIAL AUTOBIOGRÁFICO

Nilda Eunice Castro Pereira Costa (UFPA)

Os Primeiros Passos

Este memorial começou a ser desenvolvido durante minha


participação no grupo Pesquisa e Estudos de Narrativas de Sujeitos-
Professores em Formação vinculado à FALEM-UFPA, sob a
coordenação da Prof.ª Dra. Cristiane Schmidt..
Minha participação no referido grupo se deu por perceber a
necessidade de me inteirar um pouco mais sobre temas como ensino-
aprendizagem e formação de professores. Foi uma experiência curta,
porém rica de significados e aprendizagens que adquiri com as
leituras e ao ouvir os memoriais dos outros participantes.
A historiadora Marina Maluf considera que

No processo de rememoração autobiográfica opera-se uma


transformação interna do indivíduo: o “eu” do passado não é o
mesmo “eu” que se apresenta no momento da escrita. O
esforço de reordenação das imagens passadas é condicionado
pelo presente de quem se lembra. Isto significa a construção de
uma outra unidade para o conjunto diverso das imagens
passadas; em outras palavras, é a elaboração de um novo
ponto de vista ou perspectiva em relação ao passado que
reconstrói a vivência primeira e todavia não coincide com ela.
Dessa forma o sujeito que se mostra ao leitor é antes o sujeito
do presente e não o que é contado por ele próprio (MALUF,
1995, p. 31).

Desse modo, na tentativa de encontrar minhas memórias num


passado do qual me faltam diversas peças, busco estabelecer uma

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

situação de reconstrução que antes de tudo é uma tentativa de me


entender no presente como estudante e principalmente como futura
professora. Assim, pretendo rememorar minha vida em família e
escolar em suas diversas fases pontuando quais lembranças positivas
e negativas me trouxeram à docência (BRASILEIRO, 2021).

Uma pequena Leitora

Sou a filha mais velha de uma família formada por pai, mãe e
duas irmãs mais novas. Na maior parte do tempo, meus avós
moravam no andar de baixo e nossa família no andar acima, então,
era comum estar em contato com tios e primos o tempo todo. Nasci
e cresci num bairro da periferia de Belém não tão afastado do centro,
mas sem todos os privilégios deste, como saneamento básico, coleta
regular de lixo e asfaltamento nas ruas.
Apesar de ser um bairro relativamente tranquilo, com vizinhos
próximos e com rua calma, não tínhamos acesso a ela e dificilmente
brincávamos com as crianças da vizinhança, com exceção de uma
vizinha a qual minha avó gostava que lhe fizesse companhia.
Antes que eu nascesse, meu pai já havia comprado uma
enciclopédia infantil que seria útil na minha fase escolar. Ele sempre
cultivou em nós três o gosto pela leitura. Nós sempre o víamos lendo,
ele sempre lia histórias para dormirmos e comprava livros novos e
divertidos. Os livros estavam aqui e ali pela casa, nós até tínhamos
uma pequena estante no quarto para que eles ficassem sempre à mão
e eram para nós como brinquedos. Mais tarde, passamos a ler os que
pertenciam à biblioteca de meu pai, sobretudo os romances. Hoje, sei
que o gosto pela leitura foi um dos maiores legados que ele deixou
para nós três.
Meu pai chegou a Belém com a idade de 18 anos, que foi quando
ele se sentou em um banco de escola pela primeira vez; minha mãe
chegou aos 12 anos e também nunca tinha ido à escola. Ambos já
sabiam ler e escrever e também sabiam que a educação seria a única
chance que teriam de alcançar uma vida com melhor qualidade.
Então, os dois sempre deixaram muito claro que a educação não
só era importante como necessária, inclusive, ambos, a duras penas

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

concluíram o curso superior, por isso, eu sempre acreditei que cursar


uma universidade era o desejo de qualquer pessoa e só quem
realmente era obrigado a trabalhar não o seguia, nunca passou pela
minha cabeça não entrar numa faculdade, era algo até mesmo
natural.

As primeiras Letras

Comecei a estudar aos três anos, já que meus pais trabalhavam.


Como valorizavam o ensino, sempre estudamos em escola particular.
Posso arriscar a dizer que o dinheiro que entrava em casa era
destinado à nossa sobrevivência e educação. Geralmente não
passeávamos ou viajávamos, não gastávamos com supérfluos, não
comíamos fora, mas nunca faltava um livro ou material escolar e as
mensalidades escolares nunca atrasavam.
Assim, comecei a estudar numa escola de ensino infantil com
poucos alunos na sala, que geralmente permaneciam na mesma no
ano seguinte. Os pais e a direção tinham uma comunicação fácil,
assim como as professoras que estavam sempre por perto da entrada
prontas para falar com os pais. Não lembro como se deu de fato
minha alfabetização, apesar de lembrar das vogais formando
desenhos e da professora escrevendo as sílabas no quadro. Sei que
não tive muitas dificuldades no início, mas lembro de não entender o
porquê da letra “c” ter som /k/ e /s/ ao mesmo tempo e de achar muito
estranho os dígrafos, mas como um bom estudante da época, apenas
decorei o que era necessário, sem as explicações supérfluas. De todas
as professoras que tive nessa escola, lembro de duas, a que deu início
a minha alfabetização e a da 3ª série.1
Da primeira, só me recordo por conta das fotos da minha colação
de grau, já da segunda me lembro muito bem porque gostava muito
dela. Ela era rígida e cobrava os alunos, mas ao mesmo tempo era
tranquila e no fim do ano me deu um livro de português para 4ª série
com dedicatória que eu guardei entre meus itens prediletos por anos,
revisitando-o de tempos em tempos para reler seus textos.

1
Optei por utilizar a nomenclatura da minha época de estudante.

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Lembro de ter tido anos muitos felizes nessa escola e, apesar de


ser tímida, não tinha medo de me expressar, além disso, todos os
alunos eram amigos, mesmo que de vez em quando saísse alguma
faísca.
Porém as coisas mudaram na 4ª série, quando passei a estudar
em outra escola. Saí de uma turma de no máximo 12 alunos, para uma
de 60. Infelizmente, era uma escola que se importava muito com
resultados: tinha painel com as fotos dos melhores alunos, havia
triagem para selecionar os melhores alunos para uma turma e os
piores para outra (e os alunos sabiam disso); existia uma cobrança
recorrente por parte da professora responsável para que
ultrapassássemos em nota a outra turma.
Lembro de uma prova de português na qual a resposta a uma
questão era substantivo. Não lembrava dessa nomenclatura, então
escrevi o que me veio à mente, mas quando entreguei a prova para
professora, ela leu e falou em voz alta: “não é essa a resposta, isso
que tu escreveste a gente usa quando está na alfabetização, pega e
faz de novo”. Eu fiquei muito envergonhada e passei muito tempo na
cadeira tentando lembrar, mas não consegui, entreguei do modo que
estava e ela me olhou com uma cara de desapontamento.
Não me sentia bem nessa escola, nunca falava ou perguntava
nada, tinha muito medo de errar e que rissem de mim, porque a
maioria dos alunos já era acostumada a esse sistema de cobrança e
também cobravam uns dos outros um bom desempenho, mesmo que
de maneira indireta. Por fim, vale ressaltar que todos os alunos
consideravam nossa professora responsável ‘má’, enquanto a outra
turma tinha a sorte de ter pego a professora ‘boa’. Seja como for, foi
nesse momento que passei a ter medo dos professores, medo de
errar, medo de falar e me expressar. Mesmo assim, mantinha boas
notas e passava com tranquilidade na maioria das disciplinas, mesmo
que não fosse a melhor aluna da turma.
No ano seguinte, felizmente, passei a frequentar uma escola
mais próxima ao trabalho de meus pais, a qual seguia um pouco o
padrão da anterior, mas com menos ênfase em resultado. Nesta
escola estudei da 5ª série ao 3º ano do segundo grau e me sentia
melhor do que na anterior. Adorava voltar às aulas depois das férias,

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

adorava realmente ir à escola, rever os amigos e aprender muitas


coisas diferentes, apesar disso, continuava tímida, medrosa e calada
durante as aulas. Mas convenhamos, as aulas eram num estilo
tradicional, com os alunos participando principalmente ao responder
alguma raríssima pergunta do professor.
Obviamente alguns queriam ouvir o que tínhamos a dizer, porém
a grande maioria nos preferia calados. O quadro negro era
preenchido de informação que passávamos horas copiando, o
professor falava muito e dificilmente usava algum novo recurso, no
máximo um paradidático nas aulas de redação ou português. As
avaliações consistiam em alguns trabalhos escritos, pouquíssimas
apresentações orais e as tradicionais provas escritas. Nas aulas de
educação artística era possível entrar um pouco mais numa
aprendizagem sem tantas amarras, mas no geral estávamos presos
ao livro didático e às explicações do professor, que eu aliás
considerava como detentor de todo o saber.
Uma situação que me marcou, foi a introdução na turma de um
aluno surdo. Nessa época, a escola estava participando de um
programa que oferecia bolsas a alunos desfavorecidos e esse
adolescente, de 14 ou 15 anos, começou a estudar com a gente.
Porém, não houve nenhum preparo ou adaptação para atender
as necessidades dele. Os professores ensinavam como sempre e ele
entendia o que conseguisse, o que acredito que influenciava num
comportamento extremamente agitado que ele apresentava, ele
mudava de carteira todo tempo e tentava chamar atenção dos outros
alunos. O único professor que lembro de conversar com ele e utilizar
algumas de suas experiências em sala era o de OSPB, já os outros
dificilmente se dirigiam a ele. Durante este ano em que
compartilhamos o mesmo ambiente, ele se meteu em algumas
brigas em sala de aula, pois era agressivo com outros garotos e
parecia feliz ao entrar em conflitos e ser chamado na diretoria, mas
nunca era punido, não importava a gravidade de suas ações.
Acredito que todas as confusões que causava tinham a ver com o
mundo solitário que habitava naquela escola, era a busca por uma
atenção que ele raramente recebia devido ao despreparo dos
professores, da direção e dos outros alunos.

111
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Até o momento, parece que tive mais experiências negativas do


que boas com professores, porém estes foram momentos que me
marcaram e fazem parte da minha construção como professora,
sendo importante considerá-los.
Apesar disso, não era de modo negativo que via a profissão. Na
minha concepção de criança/adolescente, nenhum profissional sabia
mais que um professor, pois esse teria estudado muito para alcançar
essa posição, acreditava que o professor sempre tinha razão e mesmo
quando não concordava com alguma alegação, repensava para
tentar me enquadrar nas concepções do professor. Eu sempre
respeitei muito professores e outros funcionários da escola e nunca
quis decepcioná-los.
Seja como for, tive a oportunidade de ser aluna de alguns
mestres excelentes: um professor de história que sempre dava a
palavra para os alunos; um professor bem humorado de artes que
adorava criar situações pedagógicas divertidas na sala de aula; uma
professora de história muito séria e ética que sabia explicar muito
bem; uma professora de inglês que ensinou além do verbo to be, nos
fazendo até mesmo ler um livro em inglês; uma professora de
redação atenta às nossa dificuldades e preocupada em saná-las, etc.

Experiência no Ensino Superior

Quando escolhi o curso de bacharelado e licenciatura em


História, muitas pessoas acharam que era por influência de um
professor de história do qual fui aluna por alguns anos. No entanto,
escolhi meu curso com a intenção de ser arqueóloga, mas ao mesmo
tempo sempre flertei com a possibilidade de ser professora, já que é
o que acontece com muitos profissionais da área. Porém, depois de
alguns meses, já estava muito interessada em seguir a carreira
docente. Mesmo que o curso na época fosse voltado mais para o
bacharelado, realmente adorei as disciplinas pedagógicas e me
preparei para seguir a carreira docente, até ter minha primeira
experiência em sala de aula durante, o que seria hoje ,o estágio
durante, o que seria hoje ,supervisionado.

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Minha dupla deveria acompanhar as aulas de uma turma de 6ª


série de uma escola de ensino fundamental próxima a uma área de
periferia da cidade. A professora de história da turma, assim que nos
viu, nunca mais apareceu na sala, a não ser em um dia, quando foi
assinar o ponto do mês. As aulas ocorriam no turno da tarde e durante
o verão as salas eram incrivelmente quentes e abafadas, o que
prejudicava muito a concentração dos alunos. Estes tinham a faixa
etária média de 15 anos e os meninos, principalmente, eram
agressivos e desafiadores. A maioria deles não ligava pra nada, com
umas duas ou três exceções, inclusive, alguns liam como se
estivessem ainda em processo de alfabetização. Era como se nada
funcionasse ali, do porteiro à diretora.
A escola tinha biblioteca, projetores, sala de computação, mas
nada disso era utilizado pelos professores e alunos. Aqueles
assinavam o ponto no fim do mês, marcando presença todos os dias,
o que nós vimos que não era verdade. Nunca vi a diretora andando
pela escola, por outro lado, sempre vi professores atrasados, faltosos,
cansados e sobrevivendo como possível correndo de escola para
escola numa rotina estafante.
Ao mesmo tempo, conversava com colegas de turma que
achavam tudo isso normal, digo, a falta de compromisso dos
docentes e direção, a vida corrida e sufocante dos professores, os
alunos agressivos (que só precisavam de um professor firme, de
acordo com eles), além de alguns até mesmo dizerem que
aproveitariam todas as oportunidades para não dar aula.
Essas situações minaram minha vontade de me tornar
professora. Perguntava-me se era esse o tipo de vida que gostaria de
viver, afinal eu era nova e não estava preparada para esta realidade,
que era a única que tinha tido até então, mas que na época me parecia
ser a única possível.
Além disso, o curso de história tinha uma deficiência muito
grande na área de ensino-aprendizagem, o que era ridículo já que a
maioria dos alunos seguiria por este caminho e não pela pesquisa. Por
isso, ao terminá-lo, não me sentia preparada para ser professora. Não
aceitava a realidade que me foi apresentada, não aceitava o
comportamento dos profissionais com os quais mantive contato. Não

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

tinha ânimo, na verdade tinha até medo de me tornar professora de


fato. Desse modo, tornei-me dona de casa por um tempo e depois
passei a trabalhar em projetos pessoais desenvolvendo meu próprio
negócio.

Uma Segunda Chance

Em 2019, a economia não ajudava, estava muito cansada e


saturada com meu trabalho, o que me levou fechar a empresa e
tentar o ENEN em uma área que sempre me interessou.
Assim, desde 2020 sou aluna do curso de Letras-francês da
Universidade Federal do Pará e sim, tenho a intenção de dar aulas,
pois, mais madura, consigo compreender e entender alguns aspectos
da educação que não compreendia antes. Decidi dar a mim mesma
uma segunda chance porque o desejo de dar aula nunca morreu de
fato, mesmo quando trabalhava em outras atividades me pegava
pensando em como seria uma carreira docente. Porém, retomar de
onde parei era muito difícil porque a forma de ensinar mudou muito
nos 20 anos que separam minha formação dos dias atuais, além de
não ter estudado capítulos importantíssimos da história brasileira,
como a africana e a indígena.
Assim, a melhor opção pareceu ser abraçar outro curso, no qual
pudesse desenvolver esse projeto e, já que amo literatura e francês,
ficou obvio escolher o curso no qual estou inserida no momento.
Acredito que é possível sobreviver no mundo da educação sem
ter a necessidade de fazer parte desse sistema corrompido,
principalmente porque as boas e más experiências que tive na minha
vida educacional me mostraram as melhores escolhas, as que devo
evitar e que devo continuar seguindo o exemplo de alguns
professores maravilhosos que deixaram sua marca na minha
formação como cidadã e futura professora.

Referências

BRASILEIRO, Ada Magaly Matias. Como produzir textos acadêmicos e


científicos. São Paulo: Contexto, 2021.
MALUF, Marina. Ruídos da Memória. São Paulo: Siciliano, 1995.

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Capítulo 9

MEMORIAL AUTOBIOGRÁFICO

Daniele Angélica Borges Foletto (UNEMAT)

A critério de identificação e para que o leitor se situe nos espaços


de tempo e compreenda a respeito de qual época me refiro, tenho 39
anos, nasci dia 3 de abril de 1984.
Desde a minha tenra infância, recordo-me brincando de ser
professora, mas não havia pensado racionalmente a respeito da
profissão, ela simplesmente aconteceu de um modo tão natural que
acredito que nasci para ensinar, o ambiente escolar me fascina,
considero um local sagrado onde nascem as mais lindas e fantásticas
oportunidades que propiciam as mudanças mais significativas em
nossas vidas.
Tive o meu primeiro contato com a Língua Inglesa aos 11 anos de
idade na antiga 5ª série, em 1995, e não me agradou muito pois a
professora não era muito sociável e simpática e o material didático
era pouco atraente, aos 12 anos de idade meus pais me matricularam
em uma escola de idiomas no município de Barra do Bugres-MT, pois
minhas notas na disciplina de língua inglesa não estavam
satisfatórias.
Me identifiquei com o curso, minhas habilidades em língua
inglesa se desenvolviam com primazia e eu me realizava durante as
aulas, para mim era pura diversão, não considerava uma obrigação e
sim uma distração. A língua Inglesa me foi apresentada de um modo
tão prazeroso que procuro fazer o mesmo nas minhas aulas.
Aos 13 anos um desequilíbrio econômico assolou minha família e
o primeiro gasto a ser cortado foi o curso de Inglês, me desesperei
diante da situação e sabendo da necessidade de contratação de uma
secretária para o período noturno na escola de Idiomas, ofereci meus
serviços em troca das aulas de Inglês. Assim foi por um curto período
de tempo, até que uma das professoras não pode estar presente no
horário da aula das crianças e tomei uma atitude para sanar a

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

situação, entrei com as crianças para a sala e iniciei a rotina com as


crianças, logo a professora delas chegou e ficou observando pela
janela de vidro da porta. Tudo fluiu muito naturalmente e deu tudo
certo, a partir deste dia minha função mudou, passei de secretária a
professora.
A partir disso, as responsabilidades aumentaram, assim como as
oportunidades, e uma das oportunidades mais significativas que tive
foi passar o ano letivo 2000/2001 nos Estados Unidos da América, na
cidade de Taylorsville no estado da Carolina do Norte para cursar o
último ano do ensino médio. Estando lá pude participar como tutora
de cursos que ensinam pessoas com deficiência mental a
manusearem jogos de computador e ensiná-los a desempenhar
tarefas domésticas, essas atividades foram desenvolvidas na
faculdade comunitária de Cattawba Valley na cidade de Hickory.
Foi nos Estados Unidos que meu crescimento pessoal,
intelectual, emocional e cultural se desenvolveu com uma velocidade
notável, a meu ver, pois lá precisei tomar decisões importantes que
forçaram a minha maturidade. Também passei por experiências de
viagens incríveis, como por exemplo fazer um cruzeiro pelas
Bahamas. Longe dos meus pais, tive de fazer escolhas de acordo com
os princípios que faziam parte do meu ser.
Em relação à cultura do povo estadunidense da região na qual
residi por um ano, não era comum tomar banho todos os dias no
inverno, algo que para mim na época era inaceitável, mas eu tomei
banho todos os dias, algo que acabou prejudicando minha saúde me
causando feridas na pele em várias partes do corpo, pois o banho de
imersão em agua quente deveria acontecer apenas uma vez na
semana, e durante os outros dias deveria apenas passar um pano
úmido com sabonete líquido nas partes íntimas e axilas.
Foram inúmeras experiências culturais, incluindo a gastronomia
dos EUA, como existem muitos imigrantes no país, tive a
oportunidade de provar sabores quem vêm de diversas partes do
mundo como: Grécia, México, Japão, Itália, Tailândia, China,
Espanha, Marrocos entre outros que não me recordo mais. E provar
comidas de outros países é uma experiência incrível e cheia de
sensações agradáveis e não tão agradáveis assim, mas mesmo sendo

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

uma adolescente de 16 anos consegui abrir minha mente para novas


possibilidades no contexto cultural.

Ao entender a língua como uma prática social de construção de


sentidos, no momento em que se ensina língua também se
ensina formas de entender e construir o mundo, implicando
desenvolver atitudes respeitosas em relação aos sentidos de
outras pessoas e culturas (SCHMIDT, 2017, p. 34).

Ao retornar para o Brasil, prestei vestibular para administração,


no entanto não me identifiquei com o curso, e logo prestei vestibular
para letras. Concluí o curso, passei em primeiro lugar em um concurso
municipal em 2007 para professora de Língua Inglesa onde atuei por
7 anos até que fui chamada para o concurso do Estado do Mato
Grosso em 2014 que havia sido classificada em 2010. Em 2008 prestei
vestibular para arquitetura e dei início ao curso como passatempo de
luxo, digo porque na época eu tinha as tardes livres e sempre me
interessei por esta área, mas cursei apenas os 4 primeiros semestres,
porém pretendo retomar os estudos futuramente.
Em 2009 a convite e patrocínio da família com quem morei pude
retornar aos Estados Unidos para visitá-los e ministrar um curso de
língua inglesa para estrangeiros, na faculdade comunitária de
Cattawba Valley em Hickory no estado da Carolina do Norte.
Logo em 2013 participei de um programa do governo federal em
parceria com a CAPES e a instituição FULLBRIGHT, com a duração de
6 semanas nos Estados Unidos que envolveu aproximadamente 540
professores de língua Inglesa de escolas públicas brasileiras que
consistia em uma imersão linguística e cultural com a carga horaria
de 6 horas diárias e passeios culturais aos finais de semana
patrocinados pelo governo federal.
Posso dizer que educação tem o poder de transformar vidas,
assim como a minha vem sendo transformada desde o meu primeiro
dia na escola, recordo-me que os primeiros contatos com livros
infantis foram satisfatórios e a leitura começou a fluir à medida que a
professora estimulava e cobrava nas aulas de Língua Portuguesa.

117
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Para mim era uma imensa satisfação poder ir à escola e aprender


cada vez mais sobre o mundo que nos cerca, recordo-me de um dia
ter cometido um ato indisciplinar e ser enviada para a biblioteca
como “castigo”, mas o que era para ser castigo se tornou um prazer,
e pude explorar muitos livros no período que estive na biblioteca,
então visitá-la antes ou depois da aula se tornou um hábito.
Consequentemente, as produções escritas também ganharam
destaque, pois é sabido que a leitura reflete diretamente na escrita, e
as produções escritas, as conhecidas “redações” eram frequentes, a
partir da 4ª série havia ao menos 2 produções por semana, que eram
corrigidas individualmente pela professora ou trocávamos as
produções e cada aluno corrigia a produção escrita do colega tenho
memórias mais precisas a partir dos meus 10 anos.
É a partir deste momento que tenho as lembranças mais nítidas
das aulas e dos professores, a escola para mim sempre foi um solo
sagrado, de respeito e de muito aprendizado e troca de saberes. Na
época eu não tinha maturidade para enxergar desta forma, mas meu
comportamento sempre foi muito bom dentro do esperado para a
minha idade. E meu relacionamento com os professores e demais
funcionários sempre foi de respeito e admiração, e hoje fazendo este
memorial consigo perceber o quanto a escola e os professores que
tive foram e, são ainda importantes neste momento. Pois eles me
ensinaram como agir e como não agir diante de determinadas
situações, e tento como profissional ser uma professora que gostaria
de ter, e muitas vezes me pergunto se eu me agradaria como aluna
das atitudes que tenho e faço reflexões acerca da minha prática.

Com certeza a escola favorece para o crescimento intelectual


de cada um, servindo como espaço de construção de
conhecimentos, muito além do ato de alfabetização, e
reportando o indivíduo ao contato direto com a construção do
saber e seus pontos de questionamento e variáveis. A função
do professor também é destaque no aprimoramento desse
ensino, sendo este um ativador e fomentador (ROSA,
SANTANA, SCHMIDT, 2018, p. 5).

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Posso ainda afirmar que absolutamente todos os professores


que passaram pela minha vida me ensinaram além da disciplina que
ministraram, a ter ou não ter determinadas atitudes adotadas por
eles durante suas práticas pedagógicas. Com esses professores
também aprendi a valorizar o conhecimento prévio do aluno, seus
saberes adquiridos fora do contexto escolar e de algum modo
valorizar e ressignificar esse assunto dentro dos conteúdos
curriculares.

O conceito de Abordagem intercultural surge a partir dos


pilares da relação entre língua e cultura na interação e vem
ganhando força no contexto contemporâneo, marcado pela
globalização, pela rápida troca de informações, pelo
intercâmbio cultural e pela mobilidade social (SCHMIDT, 2017,
p. 97).

Algo muito importante que gostaria de destacar sobre a arte de


ser professor, é o carinho, o respeito e a empatia que devemos ter
com nossos alunos, pois ao longo dos anos como docente vivenciei
inúmeras experiências com alunos rebeldes e que não apresentavam
um desenvolvimento satisfatório. E ao me aproximar gentilmente
destes alunos, descobri que alguns possuem um histórico de abuso
familiar, de exploração sexual, abuso de substâncias ilícitas entre
outros problemas, e que a escola é vista como um refúgio para essas
crianças.

Sucede na sala de aula que esferas distintas se encontram,


realidades que incertamente idealizaríamos, se manifestam no
comportamento dos estudantes que carregam consigo um
volume cultural adquirido fora da escola. [...] no cotidiano de
nossas salas de aula, precisamos estar atentos para outros
mundos – como os construídos longe dos grandes centros
urbanos, se quisermos nos contrapor à exclusão de muitos e à
cidadania de poucos, buscando contribuir para a construção de
uma sociedade efetivamente mais democrática (KNIJNIK,
1996, p. 143).

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Quando escrevi este memorial pela primeira vez, eu estava


desenvolvendo minha dissertação e pesquisa do mestrado em
Sociolinguística Educacional, um desafio com o propósito de
elevação intelectual e profissional. Posso dizer que ser professora de
língua inglesa é abrir uma porta de oportunidades que uma parcela
significativa dos alunos desconhecia. Trata-se de uma profissão
nobre, mas nossos governantes não a valorizam pois reconhecem o
poder que um professor bem remunerado pode ter, - o de abrir os
olhos para o conhecimento. E uma população com conhecimento
deixa de ser massa de manobra, pois segundo Nelson Mandela ‘a
educação é a arma mais poderosa que você tem para mudar o
mundo’.
Em fevereiro de 2021 pude concluir minha dissertação e obter o
título de Mestra, algo que até hoje me surpreende, pois desenvolvi a
pesquisa em meio a Pandemia de Covid 19 que assolou o globo
terrestre e que até a atualidade ainda amedronta muitos. Foram
incontáveis desafios, desde o confinamento, isolamento social,
passar pela doença, perder amigos até me adaptar com instrumentos
digitais que auxiliaram o desenvolvimento da pesquisa como redes
sociais, aplicativos de mensagens e até mesmo o telefone fixo, que
era algo que tinha caído em desuso mas voltou a ser muito utilizado
durante a pandemia.
Revisitando o momento pandêmico que vivemos, quando os
alunos não podiam frequentar as aulas presenciais, eu tive uma leve
sensação de que os profissionais da educação seriam mais
valorizados após os responsáveis pelos alunos notarem o quão
complexo é arte de ensinar. Contudo não aconteceu o que pensei, na
verdade, tivemos incontáveis reclamações e falsos testemunhos de
que os professores não trabalharam durante a pandemia, grande
engano. Foi neste período que muitos tiveram de se reinventar como
profissional, aprender a utilizar a tecnologia que nunca haviam tido
contato, tiveram de comprar ferramentas tecnológicas para
ministrarem suas aulas online e ressignificar suas práticas
pedagógicas.
Neste momento estou revisitando este memorial e atualizando
as informações, agora como Doutoranda em 2022 dando sequência

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

a minha pesquisa voltada para a temática das ‘Expressões


Idiomáticas em Língua Inglesa’, um momento muito importante da
minha vida, no qual estou a refletir sobre todas as possíveis práticas
pedagógicas que pretendo adotar futuramente, em como valorizo os
professores alfabetizadores e de outras áreas. E fico tentando
encontrar uma resposta para a desvalorização deste profissional tão
necessário dentro das diversas sociedades.
São diversos os desafios de um professor de idioma, no meu caso
como professora de Língua Inglesa, existem momentos em que a
última coisa que consigo fazer dentro da sala de aula é de fato ensinar
Inglês pois, há emergências que precisam ser sanadas como um aluno
que desmaia de fome ao adentrar na sala, ou uma aluna que chega
desesperada contando que foi violada por alguém da família. Claro
que não são todos os dias que experenciamos esses acontecimentos,
mas quando ocorrem, de certa forma, nos tiram o foco e o equilíbrio.
Após o Mestrado e agora no Doutoramento, consigo enxergar a
relevância e o poder que a linguagem e determinadas características
culturais desempenham dentro de uma sociedade, sendo que é na
escola que nós professores podemos ensinar nossos estudantes a
utilizarem a sua comunicação para crescer profissional, cultural e
socialmente. A escola, mais uma vez, é um espaço sagrado, porém
cheio de conflitos, mas também repleto de lindas oportunidades que
os professores podem fomentar enaltecendo o repertório linguístico
cultural dos seus estudantes e os guiando a utilizar as variedades
linguísticas de acordo com cada ocasião.
É dentro deste contexto, em uma escola com uma clientela de
estudantes provenientes de lares conflituosos, socialmente
vulneráveis, que me esforço para ensinar além da disciplina que
ministro, ensinar valores morais me aproximando linguisticamente e
também emocionalmente dos meus alunos, me colocando no lugar
deles, compreendendo a realidade de cada um e tentando na medida
do possível para que de fato, o aprendizado ocorra.
“Os professores de língua e a escola estão diante de um grande
desafio no que se diz respeito à aproximação do mundo do aluno, ou
seja, quando se deparam com os saberes que os alunos trazem de
casa” (CYRANKA; OLIVEIRA, 2014, p. 3).

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

De acordo com o Filósofo alemão Kant (1999) o ser humano é


aquilo que a educação faz dele, e mais que ensinar e aprender a
docência me proporcionou experiências desafiadoras e inigualáveis
pois a educação me propicia ascensão pessoal e profissional e me
oportuniza a compartilhar com a sociedade.

Referências

CYRANKA, Lúcia Furtado de Mendonça; OLIVEIRA, Luís Carlos de. A


reeducação sociolinguística na sala de aula. Revista Eletrônica da
Faculdade Metodista Granbery. Curso de Pedagogia - N. 16, JAN/JUL
2014. Disponível em: http://re.granbery.edu.br.
KANT, Immanuel. Sobre a pedagogia. Tradução de Franciso Cock F. 2ª ed.,
Piracicaba: Editora Unimep, 1999.
KNIJNIK, Gelza et AL. A Educação em Tempos de Globalização. Porto
Alegre: 1996.
ROSA, L. A.; SCHMIDT, C.; SOUZA, A. C. S. Desafiando a norma culta. Web
Revista SOCIODIALETO, v. 8, n. 24, 2018. p. 53-64.
SCHMIDT, C. O livro didático de língua alemã no contexto de formação
de professores no Brasil. Curitiba: Appris, 2017.

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Capítulo 10

MEMORIAL AUTOBIOGRÁFICO

Fabiana da Silva Lira (UNEMAT)

Memória pode ser entendida popularmente como a


capacidade que o ser humano tem de conservar e relembrar
experiências e informações relacionadas ao passado, sendo
estas, parte de processos de interação de cada indivíduo com
seu meio. (LARA, 2016. p.1).

Refletir sobre o passado é trazer à tona lembranças que


moldaram a nossa existência. Rememorar é mais do que
simplesmente recordar algo, é resgatar vivências e sentimentos que
marcaram nossa trajetória. Ao pensar sobre isso, me lembro de
algumas dificuldades enfrentadas durante meu crescimento. Nos
primórdios da minha existência, no dia 11 de outubro de 1995, eu,
Fabiana, nasci em uma família de baixa renda, mãe analfabeta e pai
com estudos até a antiga 4ª série. Apesar das dificuldades
financeiras, valorizavam a educação como um caminho para um
futuro melhor.
Porém, mesmo com a valorização do estudo em casa, sempre
tive problemas de aprendizagem. Recordar datas, fatos e
acontecimentos nunca foi uma tarefa fácil para mim. No entanto,
percebo que esses lapsos de memória não me impediram de
aprender, crescer, de buscar conhecimento e me tornar quem sou
hoje. Lara 2016 reitera que,

Estudar os elementos que constroem e constituem a memória


se faz deveras importante, pois a mesma está intrinsecamente
ligada ao processo de construção da identidade, seja ela
individual ou coletiva. A partir de tais aspectos podem-se
reconhecer os acontecimentos passados e ainda conservar as

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

informações que nos são relevantes à preservação,


rememoração. (LARA, 2016, p.3).

Rememorar minha história e pensar sobre particularidades da


minha vida me faz compreender que a memória é uma construção
complexa e multifacetada, que pode falhar em alguns aspectos, mas
ainda assim ser capaz de nos proporcionar aprendizados valiosos. E,
acima de tudo, me faz sentir grata pela minha família, que sempre
valorizou a educação e me incentivou a buscar o conhecimento,
mesmo com minhas limitações.
Minha vida pode ser dividida em antes e depois de um momento
específico, quando completei sete anos, meus pais moravam em uma
fazenda distante da escola, lutavam para suprir as necessidades
básicas da família, porém era hora de ingressar na escola, mas, não
havia transporte escolar disponível na região. Desesperados, meus
pais tomaram uma decisão difícil: eu iria morar com uma educadora
para poder frequentar a escola.
Momento difícil para todos nós, mas essa decisão mudou minha
vida para sempre. Finalmente tive acesso à educação formal e pude
aprender a ler e escrever, algo que parecia inalcançável antes.
Descobri um mundo de possibilidades que se abriram para mim.
Indubitavelmente, a escola proporciona benefícios significativos para
o desenvolvimento intelectual de cada indivíduo, constituindo-se em
um ambiente propício à construção de conhecimentos que
ultrapassam o simples ato de alfabetização. Além disso, a escola
também oportuniza o contato direto do aluno com a construção do
saber, incluindo seus pontos de questionamento e variáveis, Rosa,
Santana, Schmidt, 2018.
Hoje, olhando para trás, vejo o quanto essa experiência foi
valiosa e o impacto que teve em minha vida. A decisão dos meus pais
foi um sacrifício enorme, mas fizeram o que era necessário para me
dar a oportunidade de uma educação melhor. Morar com uma
educadora permitiu que eu tivesse acesso à escola e pudesse iniciar
meus estudos.
Iniciei meu primeiro ano, também conhecido como pré, sem
muitas lembranças a recordar, mas relato as dificuldades que

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

enfrentei na alfabetização. Contudo, com a ajuda dos colegas e da


professora atenciosa, consegui desenvolver minhas habilidades e
alfabetizar. Nessa época não me recordo de ter feito muitas leituras,
mas estava em pleno processo de alfabetização. Segundo, Paulo
Freire, “o papel do professor e da professora é ajudar o aluno e a aluna
a descobrirem que dentro das dificuldades há um momento de
prazer, de alegria” (2003, p.52). Ao compreender que as dificuldades
fazem parte do processo de aprendizagem e que podem ser
superadas com o apoio adequado, continuei e persisti em meus
estudos.
Os anos foram passando, continuei minha jornada de
aprendizado. Recordo-me vagamente dos detalhes dessa fase da
minha vida. Lembro-me pouco da maneira como os professores
conduziam suas aulas, mas sei que todos foram importantes para
meu desenvolvimento. Depois de alguns anos, minha família
precisou se mudar, fomos morar na cidade. Estudei o restante do
Ensino Fundamental em escola municipal, onde as condições
financeiras eram precárias e a maioria dos alunos vinha das classes
mais baixas da cidade. Levava minha vida de estudos com o maior
esforço possível, pois sabia que estava aproveitando a oportunidade
de estudar. Sempre tive em mente que deveria aproveitar as
oportunidades da vida. E assim, mesmo com as dificuldades e as
limitações, continuei a crescer e a desenvolver como pessoa e
estudante.
Minhas memórias do ensino fundamental são bastante
afetuosas, apesar de não ter muitas lembranças de leituras. Naquela
época, havia um dia da semana reservado para cantar o hino nacional
e durante o ano tinha várias festividades, como festivais de poesia e
apresentações. Lembro-me particularmente dos concursos de
poesia, eram realizados anualmente na escola. Todos os alunos eram
incentivados a escrever poesias, que eram selecionadas e corrigidas
pelos professores antes de serem lidas em público durante os
festivais. Essas atividades eram uma oportunidade para que os alunos
pudessem expressar sua criatividade e aprimorar suas habilidades de
escrita.

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Durante meu ensino fundamental e médio, tive muitos


professores com diferentes especialidades, cada um buscando inovar
suas metodologias de ensino para nos envolver nas aulas, de acordo
com que a sociedade ia mudando. Segundo Paulo Freire “não é a
educação que forma a sociedade de uma determinada maneira,
senão que esta, tendo-se formado a si mesma de uma certa forma,
estabelece a educação que está de acordo com os valores que guiam
essa sociedade” (1975, p. 30). Tem-se a importância de considerar a
sociedade como influência direta na forma como a educação é
conduzida e organizada, pensando nas inovações e melhorias.
Lembro-me que os livros didáticos eram bastante utilizados,
especialmente nas disciplinas de história, geografia e língua
portuguesa. Os professores utilizavam a lousa para escrever o
conteúdo, já que não havia muitas alternativas disponíveis na época.
Entre todos os professores que fizeram parte da minha jornada
escolar/básica, uma em particular marcou minha vida. Professora de
matemática, conhecida por ser bastante exigente e firme em suas
aulas, sempre buscando formas diferentes de desafiar seus alunos.
Lembro-me com carinho do caderninho de casa que eu usava para
praticar matemática, já que eu amava essa disciplina e seu jeito de
ensiná-la.
Em uma ocasião no 8º ano, essa professora de matemática fez
um questionamento em sala sobre o que queríamos ser quando
crescêssemos. Na época, eu respondi que queria ser defensora dos
direitos humanos, mesmo sem saber como seguir esse caminho.
Ainda não havia passado pela minha cabeça a ideia de ser educadora,
mas essa professora certamente teve um grande impacto em minha
vida e influenciou a minha escolha de carreira.
À medida que o tempo passava, um pensamento persistia em
minha mente: o desejo de estudar o curso de Direito. Eu havia
concluído o ensino médio em 2013, mas sem recursos financeiros
para pagar a faculdade, minha única opção foi tentar ingressar em
uma universidade pública no período noturno. Para isso, prestei o
Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e obtive uma nota média,
porém, ao tentar a disciplina que mais me identificava, matemática,
não obtive êxito. Apesar dessa decepção, não desisti do meu sonho

126
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

de cursar o ensino superior e decidi prestar vestibular na Universidade


do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) para o curso de Direito.
Infelizmente, não fui bem-sucedida e, novamente, faltaram-me
recursos financeiros para me matricular em um curso particular.
Sempre tive em mente que concurso público seria o caminho
mais seguro para alcançar a estabilidade financeira e profissional que
almejava. Determinada a não desistir, continuei buscando
alternativas para seguir estudando. Decorrente a esse pensamento
decidi prestar vestibular novamente na UNEMAT, dessa vez para o
curso de Letras/Inglês. Entendia que, com esse curso, teria uma
formação mais completa e poderia ter mais chances de passar em um
concurso público. O curso me permitiria trabalhar durante o dia e
estudar à noite. Durante esse tempo, enfrentei muitas dificuldades,
mas mesmo assim, mantive-me firme e nunca reprovei em nenhuma
disciplina.
Apesar do meu esforço no curso, ainda enfrentava dificuldades
em língua Portuguesa. Contudo, não deixei que esses obstáculos me
desanimassem e continuei empenhada em meu objetivo de concluir
o curso universitário. Durante o curso de Letras, tive outros contatos
com diversas formas de leitura. No início, enfrentei alguns
empecilhos, devido à minha formação escolar não muito satisfatória.
Mas não desisti e continuei estudando. Aos poucos, percebi a
importância de ser um educador, um facilitador, que auxilia o aluno a
percorrer os caminhos que já foram trilhados por outros antes. Aqui
nessa fase da vida começo a entender que poderia estar defendendo
os direitos humanos através do conhecimento fornecido para meus
futuros alunos, pois segundo Silva: “A falta de conhecimentos sobre
a nossa condição de sujeitos sociais leva, então, a distorções nas
relações sociais humanas” (SILVA, 2020, p.4).
Desde a graduação em Letras/Inglês, percebi que meu interesse
estava direcionado para a área da Sociolinguística. O estudo das
variações linguísticas, suas causas e implicações sociais sempre me
fascinaram. Dessa forma decidi que queria seguir na área acadêmica
e busquei um programa de mestrado em Linguística com ênfase em
Sociolinguística, na mesma universidade. Ingressei no programa em

127
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

2020 e, desde então, tenho me dedicado intensamente aos estudos,


buscando sempre me aprimorar como pesquisadora e professora.
Durante o mestrado em Sociolinguística, tive a oportunidade de
aprofundar meus conhecimentos em áreas como variação linguística,
políticas linguísticas e de realizar uma pesquisa sobre a variação
linguística em sala de aula, com entrevistas direcionadas aos
professores e textos dos alunos em uma escola do interior. Foram
dois anos de muita dedicação, estudo e pesquisa, que me permitiram
ter uma visão mais ampla sobre a relação entre linguagem e
sociedade. Nesse período, tive a oportunidade de participar de
eventos científicos, onde pude apresentar meus trabalhos e discutir
com outros pesquisadores da área. Essas experiências foram
fundamentais para o meu amadurecimento acadêmico.
As leituras de obras fundamentais, como as de Willian Labov e
Bortoni-Ricardo, foram cruciais para o desenvolvimento da minha
pesquisa e da minha formação como pesquisadora. Atualmente,
estou cursando o doutorado em Linguística, ainda na UNEMAT,
prosseguindo o estudo anterior em variações linguísticas.
Tenho muito a aprender e aperfeiçoar em minha trajetória
acadêmica e profissional, mas sinto que a leitura tem sido uma
grande aliada nessa jornada. O estudo e a pesquisa da linguagem é
fundamental para a compreensão do mundo em que vivemos, para a
evolução da sociedade e para a formação de profissionais cada vez
mais qualificados e conscientes de sua responsabilidade social. Por
isso, assim que concluir os estudos, pretendo levar para a sala de aula
reflexões sobre as diversidades linguísticas e culturais e sobre a
importância da valorização das variedades linguísticas presentes em
nossa sociedade.
Diante dos fatos não me cabe a tarefa de definir o que é um bom
professor pois é uma tarefa complexa, pois depende do ponto de
vista de quem está observando. Seria um olhar do aluno ou do próprio
professor? Na minha opinião, um bom professor é aquele que se
dedica a auxiliar e traçar os caminhos que devem ser percorridos
pelos alunos. Um bom professor é um educador que busca sempre o
melhor para os seus alunos e os auxilia a alcançar os seus objetivos.
Silva 2020, entende que “O trabalho do professor é o mais

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

importante diante de todos os outros tipos de trabalho, pois possui


um grande papel, o ofício e a profissão de promover o conhecimento
sobre o mundo e as sociabilidades” (SILVA, 2020, p.8).
Em virtude de estar professora, entendo que não basta apenas
transmitir o conhecimento, é necessário criar um ambiente de
aprendizagem que permita aos alunos se envolverem de forma mais
ativa e eficaz. Dessa forma, busco sempre criar estratégias e
atividades que despertem a curiosidade e o interesse dos alunos, pois
isso estimula o aprendizado e o desenvolvimento de habilidades
importantes para a vida. Segundo Schram e Carvalho,

O professor, segundo Paulo Freire, não precisa saber apenas o


conteúdo, mas também como ensinar aquele conteúdo. O que
requer atenção e disciplina para não dar ênfase apenas aos
problemas sociais e políticos deixando de lado o conteúdo, ou
o inverso, enfatizando um conteúdo desvinculado das
questões políticas e sociais do meio. (SCHRAM; CARVALHO,
s/d, p.8).

Quando em sala de aula, um dos desafios que enfrento é


conseguir lidar com a diversidade de alunos. Cada um tem sua própria
história de vida, suas crenças, valores e experiências. Por isso, é
necessário buscar uma metodologia que atenda às diferentes
necessidades, proporcionando um ambiente de inclusão e respeito às
diferenças.
Além disso, como educadora, acredito que é preciso estimular o
senso crítico dos estudantes, fazendo com que eles não apenas
“absorvam” o conhecimento, mas também desenvolvam a
capacidade de questionar e refletir sobre o que estão aprendendo.
Essa habilidade é fundamental para que os alunos se tornem
cidadãos conscientes e atuantes na sociedade. Sempre busco me
atualizar e me capacitar, tanto em relação aos conteúdos que ensino
quanto às metodologias e técnicas pedagógicas. Entendo que o
processo de aprendizagem é contínuo e que sempre há algo novo a
ser aprendido. Dessa forma, estar sempre aberta a novas ideias e

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

propostas, para que possa melhorar cada vez mais minha prática
educativa.
Desde cedo, percebi a importância das relações interpessoais e
da coletividade na sociedade. Penso que todos precisamos uns dos
outros para evoluir e progredir, e é nessa mesma perspectiva que
atuo como professora. Na sala de aula, procuro sempre estabelecer
um ambiente acolhedor e de troca de ideias, onde os alunos se sintam
confortáveis para expressar suas opiniões e dúvidas.
Para Schram e Carvalho, “A relação professor – aluno para Paulo
Freire, deve partir do reconhecimento das condições sociais,
culturais, econômicas dos alunos, suas famílias e o seu entorno
(SCHRAM; CARVALHO, s/d, p. 7), o que contribui para um ensino
mais inclusivo e humanizado.
Compreendo que a socialização é fundamental para o
desenvolvimento dos alunos, e que isso pode refletir positivamente
em suas vidas futuras. Lembro-me de que, durante faculdade,
comecei a perceber que muitos dos alunos que estudavam comigo
apresentavam dificuldades em se comunicar e se relacionar com os
outros. E, por isso, busquei formas de trabalhar essas habilidades em
sala de aula, por meio de dinâmicas e grupo e atividades que
incentivavam a interação entre os alunos.
Além disso, selecionar conteúdos relevantes e atrativos, que
despertem o interesse deles. Afinal, se eles não se sentirem
motivados a aprender, todo o esforço e trabalho m sala de aula pode
ser em vão. Portanto, essas regalias levadas para sala de aula, são
produtos de todo esse meu processo de vida, principalmente aos
tempos dedicados à leitura e à reflexão sobre questões pedagógicas
e sociais. Presumo que quanto mais eu me aprofundo no
conhecimento, mais eu posso contribuir para o desenvolvimento dos
meus alunos e deixar uma marca positiva em suas vidas.

Referências

FREIRE, Paulo. Cartas a Cristina: Reflexões sobre minha vida e minha


práxis. 2ª ed. São Paulo: UNESP, 2003.
LARA, C.B.Q. A importância da memória para a construção da identidade:

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

O caso da igreja Nossa Senhora Imaculada Conceição de Dourados/MS.


Anais do XIII Encontro Regional de História (história e democracia:
possibilidades do saber histórico. Coxim-MS – 08 a 11 de novembro de
2016.
ROSA, L. A.; SCHMIDT, C.; SOUZA, A. C. S. Desafiando a norma culta. Web
Revista SOCIODIALETO, v. 8, n. 24, 2018. p. 53-64.
SCHRAM, Sandra Cristina; CARVALHO, Marco Antônio Batista. O pensar
educação em Paulo Freire: Para uma Pedagogia de mudanças.s/d.
SILVA, Enio Waldir da. Direitos humanos ao conhecimento pertinente. XXV
Jornada de Pesquisa em Educação de qualidade, Unijuí, 20-23 out. 2020.

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Capítulo 11

MEMORIAL AUTOBIOGRÁFICO

Yara Fernanda de Oliveira Adami (UNEMAT)

Tudo começou em 1993, quando nasci na cidade de Nova


Andradina em Mato Grosso do Sul. De uma família humilde, pais
trabalhadores assalariados e um irmão mais velho.
Meus pais não tiveram a oportunidade de completar os seus
estudos, minha mãe estudou até a 4º ano do fundamental e meu pai
entrou no ensino médio que não fora concluído. Tudo era muito
difícil, aliás, mais difícil do que atualmente. Nem sei se os meus avós
sabem ler, mas creio que não. (Essa é uma pergunta que me fiz
somente agora).
Minha família sempre procurou o melhor para nós, ganhávamos
muitas coisas quando éramos pequenos (meu irmão e eu), de patroas
que a minha mãe tinha e isso era um alívio pois nem sempre os meus
pais podiam comprar. Principalmente brinquedos e roupas usadas.
Era motivo de festa quando ela chegava com as sacolas em casa.
Minha mãe toda vida foi secretária do lar. É até hoje.
Um fato que trago na memória é que nossa vizinha Cristina era
professora. Por um tempo ela me deu aula e eu morria de medo dela
contar algo para minha mãe e ela brigar comigo depois, coisas de
criança! Na época eu tinha uns 7 anos ou mais, era muito divertido
poder ir caminhando para a escola com a professora, meus amigos
ficavam boquiabertos, achando que ela era a minha tia. Logo a
professora Cristina se aposentou e os nossos encontros eram só em
roda de conversa entre vizinhas, minha mãe adorava bater um papo
e o filho da Cristina tinha a mesma idade que o meu irmão, então ela
sempre dava coisas para ele. Tudo isso aconteceu quando
morávamos na minha cidade natal, Nova Andradina.
Uma vez, ao decidir buscar algo melhor, meu pai resolveu se
mudar para uma cidade no interior de São Paulo, ela se chamava São
José dos Campos. Foi em meados de 1999 e 2000. Acho que foi antes

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

da história da Cristina, pois eu ia para o jardim de infância lá, era


muito divertido. Só não era legal a parte de eu ter que usar óculos,
pois me sentia desajustada, meus amiguinhos me enchiam de
apelidos, não era legal.
Não durou muito tempo a nossa estadia nessa cidade, já que meu
pai vivia sendo assaltado por trabalhar em um posto de gasolina e
infelizmente, fui vítima de um homem, que era vizinho nosso (não irei
verbalizar, mas é isso mesmo que vocês estão pensando). Pela nossa
integridade física e mental, meus pais decidiram que era melhor
voltar para o MS e recomeçar dali.
Para o meu irmão e eu foi muito melhor, pois já tínhamos
amizades e liberdade no MS. E em SP vivíamos preso em casa, sem
amigos e com medo do nosso pai não chegar em casa. A gente tinha
uma pequena noção do perigo, sempre que via o nosso pai aflito.
Enquanto a minha mãe deixava o meu irmão na escola, eu ia com ela
na casa as patroas, que ela fazia faxina para ajudar o meu pai na
renda.
Desde muito nova sempre fui questionadora. Minha mãe mesmo
diz aos risos, que a fase do “por que” levou anos para passar. Na
escola, em meados de 2000, amava brincar com os meus colegas e
era apaixonada pela minha primeira professora que me alfabetizou,
o nome dela era Leila. Aprendi a cantar o hino nacional, dancei a
minha primeira quadrilha na festa junina. Ahhhhh, eu amava!
De lá para cá, na 1ª série, estranhei um pouco o ambiente escolar,
afinal, ter um tempo cronometrado para realizar as atividades
propostas não me deixava nenhum pouco confortável. Minha mãe ao
perceber a minha relutância em ir para a escola, procurou a ajuda de
uma psicóloga que foi benéfica naquele momento, e desde então,
deslanchei nos estudos.
Nunca fui amiga da matemática, continuamos inimigas até hoje.
A língua portuguesa sempre me foi mais prática. Morei no interior do
Mato Grosso na época do ensino médio, e sei muito bem, o que a falta
de um bom profissional faz na vida de uma pessoa: o ensino fica
limitado quando não se é aprofundado. Pelo fato da cidade não
oferecer uma boa infraestrutura, quem pegava as aulas das matérias

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

específicas eram os pedagogos, não tínhamos um professor de


biologia, física, história e matemática, por exemplo.
No momento de eu escolher para qual curso prestar o vestibular,
isso pesou. A vida toda eu sonhava em ser agrônoma, mas a grade
curricular em si já me deixava aflita: matemática e química - socorro!
Por mais que eu sempre tenha sido uma menina estudiosa... Hoje
eu não consigo verbalizar do porque eu parei no tempo após o ensino
médio. Sempre trabalhei desde os 16 anos como babá de uma criança
com síndrome de Down, a Maria Luiza (hoje ela tem 20 anos e lembra
de mim assim como eu me lembro dela), e continuei trabalhando
ainda por mais um tempo, até findar o meu 3º ano do ensino médio.
Talvez eu ficasse na esperança de algum curso tocar o meu coração
ou eu cair de paraquedas em alguma faculdade (isso é o que falo
quando entro nesse assunto, mas na verdade, eu queria ser médica e
me especializar em dermatologia. Só que eu era pobre demais para
pagar uma faculdade e burra demais para passar em um vestibular
tão concorrido como medicina. Com 16 anos eu já tinha essa noção
de proporção de concorrência), não sei explicar. Ali, não tinha
nenhuma faculdade de agronomia, acho que me mantive na minha
zona de conforto e deixei o tempo passar. A agronomia foi um sonho
utópico, pois eu morei em uma fazenda gigantesca (sim, gigantesca
– os filhos do dono dessa fazenda hoje, fazem medicina em
faculdades particulares e viajam para fora do Brasil a cada 30 dias),
então eu via aquele mar de soja e ficava impressionada. Acreditei
nessa teoria de ser agrônoma por uns bocados de anos.
Com 18 anos, ser professora não havia passado pela minha
cabeça ainda, era uma profissão que eu admirava, no entanto, não
me via nela. Engravidei, tive a minha filha, e pensei: “Preciso de uma
graduação, pois hoje tenho por quem lutar”.
Na verdade, hoje refletindo um pouco, depois que fui mãe aos 19
anos, o que eu mais ouvia em casa era que eu tinha que arrumar um
emprego. Mas como eu arrumaria um emprego sem profissão? Isso
não entrava na minha cabeça, porque eu queria ter uma profissão –
aquela que a gente estuda, faz faculdade, pega o diploma e para os
meus pais a palavra ‘profissão’, soava diferente daquilo que eu
imaginava.

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

O tempo passou...

Fui curtindo o crescimento da minha filha, trabalhando e


morando com o meu pai até que em 2014, comecei a cursar
pedagogia na Un ULBRA opar (uma faculdade EAD), juntamente,
com um cursinho de inglês que eu fazia duas vezes na semana.
Fiz o ENEM em 2015 e me inscrevi para o curso de letras em
Pontes e Lacerda, pela UNEMAT. Mas, sem intenção de passar. Não
estava fazendo nada naquele momento (sentada a frente do
computador), vi a minha nota, analisei as possibilidades e me
inscrevi. Resultou que eu passei e fui fazer o curso.
Definitivamente eu caí de paraquedas no curso, pois na minha
cabeça o curso de letras era somente gramática e de repente eu
estava estudando sobre signos que não eram da astrologia (sim, eu
assustei!), foi ali que eu soube da existência da linguística e da
literatura. Nunca escondi de ninguém que eu sou uma apaixonada
fervorosa pela literatura, foi ela quem me fez continuar no curso e que
me restabeleceu como ser humano. Pois até então, eu era uma
pessoa com sonhos comuns.
Durante a minha vida acadêmica na graduação, residi no
‘Campex’, nome popular dado pelos estudantes para a moradia
estudantil existente no campus de Pontes e Lacerda. Existe toda uma
seleção para conseguir a vaga da moradia, como eu vinha de uma
família pobre de recursos financeiros, consegui a vaga. Foi uma época
de tranquilidade econômica para os meus pais, que mesmo
separados me ajudavam como podiam para me manter estudando.
O aluguel, água, energia e internet eram todos custeados pela
universidade, o que me ajudou muito e me incentivou a continuar
estudando – pois eu sabia o preço que seria para morar fora, sem
contar o preço psicológico que eu pagava por deixar a minha filha pra
trás.
Nessa altura do campeonato, eu, com uma filha de 4 anos e sem
uma graduação, graças a Deus tive essa oportunidade de sair para
estudar e ter com quem deixar a minha filha (no caso a minha mãe),
e conseguir minimizar os gastos para me manter estudando. Foram
escolhas necessárias que me fortaleceram ainda mais para poder

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

conseguir concluir o curso. Na moradia estudantil o gasto com


alimentação também era dividido com as moradoras da residência,
eram 4 estudantes por casa, ou seja, eu dividia o valor da comida com
mais 3 estudantes. O que me ajudava mais ainda na questão
financeira.
Ter passado pelo Campex foi uma experiência de crescimento
como ser humano diferente de todos os eventos que eu havia
passado na vida. Morar com 3 pessoas desconhecidas não é uma
tarefa fácil. São 4 cabeças pensantes, recheadas de vivências
culturais e familiares diferentes, de fato, nem sempre as coisas saem
como planejamos. No entanto, me manter morando no Campex era
mais importante para mim do que quebrar cabeça com pessoas
ignorantes. Vivi na moradia estudantil por 2 anos e meio e sou grata
por tudo que a Universidade do estado do Mato Grosso fez por mim.
Sai por vontade própria, devido ter conhecido o meu namorado –
hoje esposo, também universitário da faculdade, do curso de
zootecnia, e ele ter me convidado para morar na cidade com ele.
Ele também era de outra cidade e residia na cidade de Pontes e
Lacerda para estudar. Aceitei e fui. Estamos junto até hoje, já são 5
anos e meio de casamento e temos uma filha de 8 meses cheia de
saúde. A faculdade não me deu somente um ensino de qualidade, ela
me presenteou também com um ser humano dono de um coração
admirável que juntos construímos uma família linda.
Na primeira disciplina de língua portuguesa, no 1º semestre, foi
um choque. Descobri que não entendia nada de gramática e percebi
que a caminhada não seria tão fácil como eu deduzi. Em linguística
ao me deparar com Saussure, ave Maria! Que teoria complicada, eu
olhava para os estudantes de direito do campus e ficava pensando:
“por que não tentei fazer direito?”, eu ia dormir todos os dias
pensando nisso. Mas no dia seguinte, acordava, esperava a biblioteca
do campus abrir, ia lá, escolhia na seção de linguística vários livros
sobre ele e me debruçava.
Nem sempre eu saia de lá satisfeita com o que eu havia
aprendido, pois nem sempre eu entendia o que Saussure ensinava.
Era difícil me deslocar para esse campo de teoria sobre aquilo que eu
acreditava ser tão simples.

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Já na disciplina de Textos fundamentais de literatura, eu


flutuava. Amava me deslocar para o mundo da fantasia, eu lia e a
sinestesia tomava conta de mim. Foi nessa disciplina que li a Trilogia
Tebana e sinto orgulho de dizer que foram os primeiros livros
literários que li na vida!
No meio do curso, já no 4º ou 5º semestre, cursei a disciplina de
literatura contemporânea. Ela foi o divisor de águas na minha vida.
Me lembro do dia em que lemos o conto “Os anões” (2010), da autora
Verônica Stigger, quando cheguei no meu quarto, após a aula, eu
chorei.
Fiquei muito impactada o tema abordado sobre a impaciência e
agressividade humana. Aquilo me horrorizou profundamente e me
fez refletir como que em poucas linhas os escritores conseguem
retratar a sociedade atual tão fiel a realidade. Com seus inúmeros
defeitos e qualidades. Tratar do humano para o humano.
Na mesma época, lemos também contos do autor Luiz Vilela, ele
foi o autor do conto que escolhi para trabalhar na monografia,
juntamente com a autora Clarice Lispector. Contos que falavam da
morte em vida e do luto pós morte. Sai da faculdade acreditando que
pela literatura eu teria muitas portas abertas, mas para isso eu teria
que me deslocar novamente de cidade para seguir em um mestrado.
Optei por não viver na estrada novamente. Eu já havia saído de
campos de Júlio para Pontes e Lacerda, vivendo de passagens de
ônibus e maternidade, depois ao chegar em Cáceres eu teria que viver
assim novamente? Não aceitei a ideia. Sempre tive vontade de fazer
um mestrado, e na cidade de Cáceres existe vários programas de pós-
graduação por ser a cidade que comporta a sede da Unemat.
Viver no Campus era muito bacana. Eu conhecia os professores
de quase todos os cursos, ajudava-os em épocas de eleições do
colegiado, participava de todos os eventos do campus, assistia as
defesas de monografias de todos os cursos, enfim, eu sempre
arrumava coisas para fazer além de estudar. Era cansativo a parte de
ir para minha cidade, Campos de Júlio, todo fim de semana pois eu
não conseguia passar muito tempo com a minha filha. Isso me doía,
saber que eu não podia ficar o tempo que eu desejava com ela. Por
isso, quando retornava para a faculdade, fazia valer a pena a minha

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

ausência em casa. Me sentir produtiva era uma forma de me consolar,


de concretizar a dor que eu sentia de não poder vê-la crescer com
momentos de ação acadêmica.
Eu possuía tempo para me dedicar aos estudos e literalmente me
dedicava.
Na disciplina de sociolinguística, eu achava bacana o pensar nas
variações existentes no Brasil e aquilo me chamava a atenção, só que
nunca na minha vida eu pensei, imaginei que no dia de hoje, estaria
fazendo um doutorado nessa área. A vida me trouxe até este
momento.
Quando findei a graduação, meu esposo voltou para Cáceres,
lugar que sua família residia – enquanto a minha família morava em
Campos de Júlio (500 km de uma cidade para a outra), e me trouxe
com ele. Viemos, Julia e eu.
Trabalhei por 1 ano e meio em uma escola particular na disciplina
de língua inglesa. Foi uma experiência terrível pois todas as minhas
expectativas com o ensino privado foram quebradas. Ali eu percebi
que quem paga mais, pode mais. Mas, não posso generalizar que
todas as escolas são assim, deixo claro que a minha experiência
naquele momento foi essa. Enfim, cheguei à conclusão de que eu
precisava continuar estudando para que a minha vida não ficasse
estagnada com aulas em lugares que eu não me sentisse confortável.
Ingressei no mestrado na turma de 2021, na área dos estudos
linguísticos. Foi um marco na minha vida pois o tormento contra a
pós-graduação começa quando você fala que vai concorrer na
seleção e muitos colegas de profissão ficam te falando: se você não
tiver um professor conhecido no programa, nem tenta; desiste, você
nem é daqui da cidade, vai receber um não de cara” ; até mesmo um
“vixi, vai continuar estudando para professora?”.
Não liguei para o senso comum, entrei para concorrer a vaga na
área da sociolinguística, passei e fui. Foi um percurso tranquilo no
qual tive como orientadora a professora Dra. Cristiane Schmidt, que
me acolheu e direcionou a minha produtividade numa trajetória
calma e intensa. Exatamente nessa dualidade. No fim do primeiro
ano do mestrado, engravidei. Tive alguns percalços antes dessa
gravidez que resultou no nascimento da minha caçula, não entrarei

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

em detalhes, mas gostaria de ressaltar que nessa altura da


caminhada, eu tinha dois sonhos: concluir a minha dissertação e ser
mãe novamente. Realizei os dois sonhos.
Qualifiquei a minha dissertação no dia 05/07/2022 e no dia
05/08/2022 a Maria Clara nasceu. Não peguei licença maternidade, a
minha gravidez me motivou ainda mais a continuar com os projetos
em andamento. Eu fui bolsista da Capes o que me ajudou muito com
todo esse percurso de pesquisa.
Realizar a pesquisa sociolinguista em sala de aula, coletando
dados, transcrevendo, discutindo teorias, planejando os próximos
passos, os encontros online com a orientadora, tudo isso me deixou
mais interessada e disposta a ir além dos meus limites.
Muito se discute sobre os problemas enfrentados pelos
professores, que não são poucos, mas eu, Yara, prefiro pensar na
diferença que o meu conhecimento pode fazer na vida de alguém. De
alguém que assim como eu, esperava o melhor, sem saber por qual
caminho ir atrás do ‘melhor’.
Eu não segui a linha do tempo que a sociedade impõe aos jovens,
de sair da escola, ir direto para a faculdade e trabalhar na profissão...
Hoje eu percebo que o tempo foi generoso comigo.
Não sei quando retornarei para a sala de aula, mas até lá,
continuarei estudando, me qualificando para que quando chegue o
momento, eu não desaponte os meus alunos.
Quando alguém me pergunta: ‘Yara, de onde você é?’ Eu
particularmente não sei o que responder. Por morar em tantos
lugares, acabo que não me sinto pertencente a um único lugar, tanto
que respondo: ‘você quer saber onde eu nasci?’, e começo a descrever
a minha trajetória.
Sou da terra do teréré mas amo o chimarrão; (detalhe que nunca
fui no Rio Grande do Sul);
Atualmente tenho 29 anos e já me sinto velha;
A minha irmã caçula – por parte de pai, é mais nova que a minha
filha; (Marcela tem 8 anos e a minha primogênita 9);
Meus pais se separaram quando eu tinha 18 anos e ambos
seguiram as suas vidas; (Meu pai foi o que sempre me ajudou
financeiramente, enquanto a minha mãe me ajudava com a Júlia);

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Depois que terminei a graduação, me vi correndo contra o


tempo. Não consigo me ver parada, tanto que enquanto terminava a
pós, trabalhava e durante o mestrado, no momento, sai do serviço
(dava aula de inglês no ensino privado) para poder me dedicar na
minha pesquisa; (Eu sempre começo algo pensando já no próximo
alvo);
E uma filosofia que levo comigo desde que me situei no mundo é
a seguinte: Eu, Yara, não faço com os outros o que eu não gostaria
que fizessem comigo. Assim como eu não me vejo no mesmo lugar
para o futuro. Quero evoluir sempre como ser humano, mãe, esposa,
mulher e acadêmica. No começo deste memorial, eu estava no
começo do mestrado. Hoje, com a dissertação defendida, encontro-
me no doutorado e sigo com a mesma orientadora, muita coisa se
passou. Graças a Deus que foram somente coisas boas.
Um conselho que deixo para você que estiver lendo o meu
memorial: as oportunidades acabam somente quando morremos,
por isso, não pare. Continue sempre seguindo em frente!
É isso. Espero que tenham curtido conhecer uma parte da minha
história, e daqui para a frente novos capítulos serão escritos. Uma
tese está em desenvolvimento, uma bebê em fase de crescimento e
a minha pré-adolescente segue na incessante busca de respostas
para todos os seus anseios. Aqui tem uma mãe, mulher, filha, esposa
e estudante, que segue sempre buscando o melhor mesmo que para
isso, escolhas difíceis precisem ser tomadas. Avante!

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Capítulo 12

MEMORIAL AUTOBIOGRÁFICO

Tânia Maria Sanábria Carvalho Tolotti (UNEMAT)

Nasci em uma pequena cidade chamada São Luz Gonzaga – RS,


sendo esta da região das missões, a noroeste do estado do Rio
Grande do Sul. As regiões jesuíticas se desenvolveram por largo
território que atingiu a Argentina, Paraguai e Brasil, criando uma
florescente civilização de construtores, escultores, entalhadores,
pintores, músicos e outros artesãos, os quais deixaram marcas que se
perduram nas ruinas da denominada República Guarani. Atualmente
São Luiz Gonzaga é conhecida como capital estadual da música
missioneira e capital gaúcha do arroz carreteiro.
Minha mãe, Dona Leontina Sanábria Neder, tem descendência
espanhola, meu tataravô é espanhol e meu bisavô era uruguaio e veio
para o Brasil com 14 anos. Meu pai, Santilho Carvalho Neder, tem
descendência Síria, filho de comerciante, meu avô Elias Atála Neder,
veio para o Brasil ainda jovem.
Quando eu nasci, meu pai estava no exército. Na formação
conjugal era o 2º casamento de minha mãe, que por decorrência da
vida era viúva e com 05 filhos. No dia do meu nascimento, era uma
tarde de 1964, em plena revolução, onde o Brasil vivia um dos piores
conflitos entre grupos políticos de direita e extrema esquerda.
Morávamos a 200 metros do exército e, segundo minha mãe, havia
canhões por todo lado. Foi um período governado pelos militares, a
chamada ditadura que perdurou 21 anos da história do país.
Passaram-se alguns anos e meu pai, em decorrência da vida
militar, foi transferido para o então estado Mato Grosso, que no
período ainda não havia sido dividido territorialmente em Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul, numa cidadezinha chamada Três
Lagoas, fronteira com São Paulo. Lá tive meu encontro pela primeira
vez com a escrita. Estudei numa escola de freiras, fiz o jardim da
Infância. Tinha 04 anos e meu irmão 03. A única coisa que me lembro

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formação na docência

dessa época, foi que um dia meu pai ficou de serviço e não foi nos
buscar na escola, meu irmão chorava muito e a professora que nos
levou para casa. Não muito tempo depois mudamos de escola, pois
mudamos para a vila Militar da cidade e lá na localidade havia uma
pequena escola para os moradores.
Comecei a conhecer as primeiras letras e a querida cartilha
“Caminho Suave”, adorava ir à escola e morar na Vila Militar era
muito divertido, adorava meus vizinhos e os demais moradores.
Tínhamos uma vizinha, que se chamava Maria, porém todos a
chamavam dona Maria. Ela era uma grande contadora de histórias,
dos mais diversos tipos. Costumávamos, eu e as criançadas da Vila,
nos reunir ao redor da cadeira de balanço de Dona Maria para ouvir
suas contações de histórias. Ela era uma verdadeira artista. Fazia
caras e bocas, parecia até que entravamos nas histórias.
Para encerrar a sessão, ela costumava contar histórias de
assombração, nossa a gente tremia de tanto medo e quando ela
terminava nos dizia: “ - agora, cada macaco no seu galho e corre
senão a mula sem cabeça vai pegar vocês”. Meu Deus, corríamos com
o coração saindo pela boca de tanto medo, nossa era tão
bom!!! Dona Maria foi para mim uma grande influenciadora para
gostar tanto do folclore brasileiro. Passaram –se uns 02 anos e meu
pai foi transferido novamente, desta vez para Campo Grande MS.
Fui matriculada novamente em uma escola de Freiras, chamada
Escola Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Escola muito rígida,
ensino puxado. Fiz até o 1º semestre do 4º ano primário. Nessa escola
havia interclasses de conhecimentos gerais de história, geografia,
ciências, português, matemática. Tudo organizado com palco e
microfone. Adorava essas gincanas! Depois, minha família mudou-
se para uma chácara. Em um outro bairro e fui estudar numa escola
pública. Fiz a 4ª e 5ª série. Com todas estas idas e vindas do meu pai,
mudávamos muito de um lugar para outro, de uma cidade para outra,
e com este vai e vem não tenho na memória o nome de meus
professores.
Posteriormente meu pai foi novamente transferido, dessa vez
para CUIABÁ, era o ano de 1979, tinha 14 anos e já estava atrasada na
escola, porém nunca reprovei!!!! Minha família, meus irmãos e eu não

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formação na docência

gostávamos muito dessas mudanças, pois sempre acabávamos


deixando para trás, amigos, vizinhos e pessoas bem quistas!
Logo mudamos para uma vila do outro lado da cidade perto do
exército onde meu pai trabalhava (9º Batalhão de Engenharia e
Construções). Nesse novo bairro, fui estudar numa escola pública,
próximo a minha casa fiz a 5ª e 6ª série. Lembro que tinhas várias
matérias que hoje não existem mais no ensino regular, tais como
práticas do lar, horta, pintura, artesanato. Tinha os desfiles de 07 de
setembro, as festas da escola (primavera, festa junina) fiz muitas
amizades e lá conheci uma amiga, Mara que até hoje preservamos a
amizade. Mas o tempo na escola só durou 01 anos e meu pai
conseguiu uma casa na Vila Militar da Cidade, em um outro extremo.
Lá moramos até eu concluir o 8º ano do ensino fundamental, numa
escola pública próxima de casa.
Em 1984 meu pai resolveu que queria voltar novamente para o
Rio Grande do Sul. Chegando lá, fui matriculada numa Escola Pública
de Ensino Médio. Nossa, não me acostumei, nem com a escola, nem
com os alunos. Me sentia fora da casinha. Então, pela primeira vez,
desisti de estudar! Meus colegas eram mais jovens que eu, os estudos
eram mais fortes, tinha até laboratório na escola, fiquei deslocada,
longe dos meus colegas, enfim, cheguei em casa e falei para meu pai
que queria trabalhar!!! E realmente, só trabalhei, por 05 anos. Fiquei
noiva e dançava num Grupo de Danças Folclóricas, adorava estar num
grupo folclórico.
Passados 05 anos que estávamos no Sul, meu pai nos comunicou
que estava prestes a se aposentar e que para a carreira dele seria
melhor fazer um curso para oficial e se aposentar numa região de
fronteira no Mato Grosso. Quando chegamos em Cuiabá de volta,
meu noivo veio junto. Logo fizemos amizades e nos convidaram para
ir ao Centro Mato-grossense de Tradições Gaúcha - CMTG Bento
Gonçalves. Pelo nosso estilo, chamamos muito a atenção e logo
fomos convidados para dar aulas de dança e formar grupos folclóricos
no CMTG. Os Grupos foram criados, fizeram sucesso, nos casamos no
Centro de tradições e nossa “fama” se espalhou pelo estado.
Recebemos várias propostas para trabalhar em CMTG´S e acabamos
por vir para Cáceres. Aqui, meu então marido, dava aulas de danças

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no CMTG e trabalhava como locutor da rádio Difusora, com um “


Programa Gaúcho”, eu trabalhava em um consultório médico. No
CMTG, conheci um amigo, que era semianalfabeto, porém de
grandes posses. Foi convidado para ser “Patrão”, nome designado ao
presidente da entidade. No dia da sua posse, ele recebeu de um
amigo o seu discurso escrito, no entanto, o nervosismo e a pouca
leitura dificultou o mesmo em fazer o discurso.
Este meu amigo, depois da festa nos relatou que nunca mais iria
passar vergonha por conta da pouca leitura. Passado a festa, ele
procurou uma escola de jovens e adultos e acabou levando um monte
de amigos juntos. Foram eu, meu esposo, a esposa dele, a cunhada,
entre outros. Então meu retorno a sala de aula se deu em 1992, eu iria
completar 28 anos.
Fiz o Ensino médio em menos de 02 anos, tive excelentes
professores e até hoje consigo me lembrar o nome de alguns deles.
Meus professores do passado, não lembro o nome de nenhum,
alguns foram bem significativos, mas passei tão pouco tempo com
eles, e a troca constante de escola não me deixou ter apego por
nenhum.
Quando terminei o Ensino Médio, procurei a UNEMAT para fazer
inscrição no vestibular. Minha 1ª opção seria Direito, minha família
toda optou pelo direito, mas como eu trabalhava há época, escolhi
Letras, porque era o único reconhecido pelo MEC, era noturno e
porque achava que iria aprender português e a gramática.
No curso de Letras, confesso que os 04 primeiros semestres
quase me fizeram desistir. Achava as aulas de diacronia, filosofia,
didática, inglês instrumental, cansativas. O inglês instrumental era no
laboratório e sempre acontecia alguma coisa para não termos a aula
no local. Durante o período de graduação, concomitantemente eu
participava do Grupo de danças Chalana, que me completava como
pessoa, artista e dançarina.
Nos semestres seguintes já comecei a me identificar com as
aulas, amei a professora Olga Castrillon com as literaturas Infanto-
Juvenil; depois a professora Elizabeth Baptista com as Literaturas
brasileiras; o professor Bento Mathias com suas aulas diferenciadas
em forma de teatro. Lembro-me uma vez que fiz a uma peça,

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baseado nos Saltimbancos, para explicar a próclise, mesóclise e


ênclise. Letra da música: “Os saltimbancos, história de uma gata”.
Entrei vestida de gata, com rabo, orelha e tudo, foi um sucesso!!!
- “ Me alimentaram, Me acariciaram, Me aliciaram, Me
acostumaram”...
Em 1996 viajei para a Inglaterra com o Grupo Chalana, minha
primeira viagem internacional. Eu sempre levei a arte e a cultura para
dentro da UNEMAT. Tudo que era evento, estávamos lá, eu e o
Chalana. Quando fomos convidados para ir para Inglaterra o
Professor Valdir Silva, professor de Inglês Instrumental no curso de
letras, também era o vocalista do Chalana e nosso tradutor de inglês
durante a turnê. Ficamos 15 dias na Inglaterra, no mês de julho. Em
outubro do mesmo ano fomos para Colômbia. Como eu era uma boa
aluna, sempre estava dentro da média. Em 1997, estava no 6º
semestre fui para o México, no 7º semestre de 1998 fui para Itália com
o Grupo, fiquei 54 dias, estava escrevendo minha monografia, Olga
Castrillon era minha orientadora.
Defini o tema e comecei a escrevê-lo antes de sair para a viagem.
Durante a turnê, escrevia nas horas de folga. Quando retornei
entreguei para professora, o trabalho quase concluído. Ela leu, fez
algumas correções e eu após corrigi-las mandei datilografar. O tema
era “ O Siriri Mato-grossense”. Falei para a professora que gostaria de
apresentar o siriri (dança) no final da minha apresentação oral. No 8º
semestre, já nos últimos dias de aula, a professora Betinha (Elizabeth
Baptista), convidou as alunas da turma (éramos 14, de 44 que
iniciaram o curso), para fazer o concurso da Prefeitura de Cáceres,
pois havia acabado de sair o Edital para professor. Ficamos
temerosas, pois estávamos saindo da graduação, mas fui aprovada e
assumi o concurso em 1999.
Como professora, fui trabalhar na E.M Raquel Ramão da Silva,
com alunos do 6º aos 9º anos. Logo fiz projetos voltados a leitura.
Trabalhava com seminários de livros de literatura universal e
brasileira para adolescentes. Consegui vários livros para escola
através de projetos e doações, facilitando aos alunos o acesso aos
livros que muitos deles acabavam por levarem emprestados para
casa e depois discutíamos os livros através de seminários. Depois as

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formação na docência

melhores estórias eles escreviam um roteiro e dramatizavam para a


escola inteira, numa apresentação dentro do Projeto Dramatização e
poesia.
Como era um projeto para escola inteira, as professoras das
séries iniciais, trabalhavam a poesia. Era um projeto que os alunos
amavam! No encerramento dos projetos, sempre levava o Grupo
Chalana para incentivar os alunos a conhecer a cultura e aprender a
gostar e respeitar.
Em 2003, mês de julho fui para Polônia e Hungria representar o
Brasil nesses dois festivais de folclore. Quando retornei, os alunos
ficaram bastante motivados com meu trabalho com a dança e com os
projetos de leitura e teatro. Em dezembro do mesmo ano, teve
eleição para diretor da escola, e fui convidada pelos colegas a me
candidatar. Aceitei e fui eleita pela comunidade. Tive que sair das
salas de aula, mas não parei com os Projetos, e sempre participava
das formações continuadas oferecidas pela Prefeitura e outros
órgãos.
Naquela época, quanto mais cursos, mais pontos na escola. Foi
num desses cursos que conheci o Programa PROLER – Programa
Nacional de Incentivo à Leitura. Minha gestão como diretora,
2003/2004, pode-se dizer que foi tranquila, nada de excepcional em
relação as escolas públicas municipais. O diferencial que criei 02
grupos de danças folclóricas na escola: um infantil e juvenil. As
crianças começaram a ser chamadas por toda a cidade, inclusive
cidades vizinhas para se apresentarem.
Em 2005 fui convidada para trabalhar na equipe pedagógica, na
Secretaria Municipal de Educação. Chegando na Secretaria, no cargo
de Superintendente de algumas escolas, nas orientações
pedagógicas e administrativas. Nessa época reatamos o Programa
PROLER, e no ano seguinte, fui indicada como Coordenadora do
COMITÊ PROLER de Mato Grosso, com sede em Cáceres. No mesmo
ano fui ao Rio de Janeiro, fazer curso e me atualizar em relação ao
funcionamento do Programa. Durante minha gestão, como
coordenadora do Comitê PROLER Cáceres/MT fiz e realizei vários
projetos na área da leitura, sendo autora dos seguintes Projetos: - I
Gincana Literária – Dramatização e Poesia/2006; - II Gincana Literária

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formação na docência

– Dramatização e Poesia/ 2007; - III Gincana Literária – Dramatização,


Poesia e Dança Folclórica – 2008.
Também em 2007, sob minha coordenação, realizamos o 1º
encontro do PROLER e o V do estado, cujo tema foi V Encontro
Estadual do PROLER: “Quem conta um conto, aumenta o ponto”. As
escolas que aderiram ao Programa, inscreveram os alunos e os
mesmos recontaram seus contos dramatizando-os para todas as
escolas participantes e as demais que foram convidadas a assistir.
Houve toda uma mobilização da secretaria para levar os alunos ao
Centro Cultural da cidade. Para os professores, houve palestras com
vários convidados, cujos temas eram voltados para a leitura e oficinas
de danças e teatro.
Em dezembro de 2007 participei, como representante estadual
do Comitê PROLER/MT no Rio de Janeiro de 04 a 07 de dezembro de
2007 no II Simpósio Latino-Americano de Bibliotecas Públicas, no XIV
Encontro Nacional do PROLER, sobre o tema: “BIBLIOTECAS
Públicas e Leitura, O livro – do mundo ao Cibermundo, onde ao final
do encontro, ficou definido o tema a ser trabalhado pelos comitês
estaduais: “ Leitura e as Novas Tecnologias: Como incluir a população
brasileira?
Retornei para Mato Grosso com mil ideias, e logo coloquei-as no
papel. Apresentei para a SME 02 projetos, um do desfile de 07 de
setembro “ Desfile de 07 de setembro: Brasil, do “descobrimento” aos
dias atuais, onde as escolas desfilaram contando a história do Brasil,
desde sua colonização até os dias atuais, e o projeto do encontro do
PROLER. O evento aconteceu de 09 a 12 de setembro, de 2008: VI
Encontro Estadual do PROLER: “A leitura e a escrita frente às novas
tecnologias”.
No final daquele ano, de 02 a 04 de dezembro, participei do XII
Encontro Nacional do PROLER, na casa da Leitura na Fundação
Biblioteca Nacional, onde os 08 estados que realizaram o encontro
estadual apresentaram suas experiências exitosas. Estavam
presentes no evento, além dos palestrantes, Jane Paiva – PROLER
NACIONAL, Ira Maciel, Marisa Lajolo, Eni Orlandi, e para um Papo de
Roda pé, FERREIRA GULLAR. Ao final desse encontro Nacional,
ganhei vários livros de Machado de Assis, fiquei extremamente feliz.

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formação na docência

No encerramento foi divulgado o tema para o próximo ano “


Literatura na escola”. Retornei para Cáceres e voltamos ao trabalho,
preparar o tema a ser discutido nas escolas e o projeto do encontro
estadual.
Em 2009, eu tinha uma viagem marcada para julho de 2009,
juntamente com o Grupo Chalana, iríamos para Bulgária representar
o Brasil num Festival de Folclore, portanto, precisei programar
o Encontro do PROLER para abril, um encontro mais modesto,
porém não menos importante. O projeto foi por mim elaborado e
aprovado pela SME. O evento aconteceu de 22 a 28 de abril de 2009,
cujo tema foi: “ Literatura na escola: Produção e Gestos de
Produção”.
Enquanto isso, na Bulgária, em julho de 2009 o Grupo se
apresentava todas as noites, e o público votava numa urna na saída
do Festival, os Melhores da Noite, e ao final do Festival iriam divulgar
os melhores do Festival. O Grupo Chalana ficou em 1º lugar, em 2º a
Argentina e em 3º o México.
No final de 2009, fiquei doente e de atestado médico por um
período de 03 meses. Nesse meio tempo em que fiquei fora, assumiu
um novo Secretário, o Professor Dimas da UNEMAT, que achou por
bem levar o Programa PROLER para dentro da UNEMAT. Quando
retornei para Secretaria, não tinha mais o Programa o novo secretário
havia formado sua equipe de trabalho e eu deveria retornar para a
escola. Porém, um dia antes de retornar para a escola, fui chamada à
Secretaria e recebi o convite de assumir a Coordenação da
Assistência Social CREAS – Centro de Referência Especializado de
Assistência Social (CREAS).
O CREAS é um órgão público onde são oferecidos serviços com
o objetivo de acolher, orientar, e acompanhar famílias e indivíduos
em situação de violação de direitos, fortalecendo e reconstruindo os
vínculos familiares e comunitários. Como eu já havia sido Conselheira
Tutelar, conhecia um pouco do ECA – Estatuto dos Direitos da
Criança e Adolescente. Fique na Assistência Social por 02 anos e,
posteriormente, retornei à direção de uma escola.
Como diretora, desenvolvi vários projetos de leitura, dança,
xadrez (também ensinei xadrez em várias escolas) e em 2017 nos

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formação na docência

convidaram para participar de um Projeto de teatro do FETRAN que


era de prevenção a acidentes de trânsito. Seria uma disputa
primeiramente por região, depois estadual e finalmente
nacional. Convidei os meus alunos do Grupo de Dança da escola
(Chalaninha), chamamos um Professor de renome na área de teatro,
que veio de Cuiabá, recebeu para isso, e nos passou todas as técnicas
que ele sabia. Treinou nossos alunos e fizemos finalmente a inscrição
da escola e dos alunos.
Inscrevemos 02 grupos. Um mirim e um juvenil. Depois que o
professor foi embora, começamos a trabalhar com a nossa própria
técnica, corporal, facial, que tínhamos da dança. Adaptamos 02
textos “ Os saltimbancos” para as crianças, e um texto de Dante
Alighieri – A divina Comedia, para o juvenil. Na regional, competimos
em Várzea Grande com 08 escolas, entre elas a Colégio FATO
Educacional (particular), onde o professor de teatro era o
coordenador do grupo deles.
Em 2018, retornei novamente para SME- Secretaria Municipal
de Educação, nova gestão na escola, nova gestão na SME. Retornei
com 02 convites, um para trabalhar com o pedagógico e o outro para
trabalhar com administrativo. Aceitei o administrativo, pois para
mim seria um novo desafio. Em 2018 também fui para a Coreia do
Sul com o Grupo Chalana, participamos de um concurso de dança e
ficamos em 3º lugar, competindo com Coreia, Japão, Espanha, África,
México, etc.
Em 2019, parecia que seria um ano calmo, estávamos ainda
usufruindo do sucesso da Coréia e fazendo planos para o futuro, tanto
na Educação, quanto na cultura, enfim, o ano transcorreu sem
maiores expectativas. Durante o ano de 2020, até o mês de maio,
tudo ficou parado. Só medo e insegurança! A partir de agosto, teve
início as aulas escolares. O trabalho remoto, reformulação de
calendário e matriz curricular. Trabalho dobrado para a
administração escolar.
Em meio a tanta insegurança, O Grupo Chalana, foi convidado a
participar de uma live para ajudar a arrecadar alimentos para a
UNEMAT ajudar alguns funcionários e professores que ficaram sem
contrato. Depois disso, tudo voltou ao chamado “novo normal”,

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novas descobertas, novas maneiras de trabalhar, distanciamento,


máscaras, medos, perdas de entes queridos, todo mundo com medo
de todo mundo, um verdadeiro filme de terror da vida real.
Em outubro saíram vários editais para mestrado, surgiu a
oportunidade pela qual sempre sonhei. Sempre tive muita vontade
de fazer mestrado, porém a insegurança me impediu de tentar.
Inicialmente pensei em me dedicar em Literatura, porém só tinha na
cidade de Tangará da Serra - MT, município vizinho, de forma
presencial, e o trabalho me impossibilitava.
Finalmente me vi realizando meu sonho quando saiu o edital de
mestrado para Linguística. Eu poderia tentar encaixar o meu amor
pela dança folclórica com uma proposta de mestrado voltado para a
dança. Fiquei muito ansiosa para ler o edital, porque vislumbrava
aproveitar esta oportunidade. Li o Edital várias vezes e troquei ideias
com meu filho e amigos. Queria fazer o mestrado, mas com um tema
que eu tivesse afinidade e somasse para o bem comum social. E veio
a minha mente “ O preconceito Linguístico nas toadas do cururu” pois
sempre ouvia as pessoas criticarem de forma negativa as
apresentações desses grupos de cururueiros.
Ao sair o Edital, preparei os 04 temas a serem abordados, dando
maior apresso ao preconceito linguístico. Depois de alguns dias saiu
o resultado e eu nem acreditei, meu nome estava lá, passei!!!! Custei
a acreditar que eu tinha conseguido e fiquei muito, muito feliz!
Finalmente as aulas começaram, de forma remota, estranhei
inicialmente, mas aos poucos fui me acostumando. Tive professores
maravilhosos e colegas bem companheiros. Tive dificuldades sim,
tanto com as matérias, quanto com o trabalho, pois não consegui
dispensa para estudo e estou tendo que conciliar. Mas graças a Deus
e a ajuda das colegas, a compreensão dos professores e da minha
orientadora professora Cristiane, consegui terminar todos os créditos
com conceito “A” em todas as matérias, isso para mim foi incrível!
Em 2022, o ano começou e sei que será um ano bastante
apertado, trabalho, dissertação por escrever, mas acredito que tudo
dará muito certo. Muitos sonhos, objetivos, com focos ainda a serem
alcançados, e um deles é dar continuidade aos estudos. E que venha

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o doutorado! “Posso ainda não ter chegado onde eu queria, mas estou
mais perto do que ontem”. – Alexsandra Zulpo.

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Capítulo 13

MEMORIAL AUTOBIOGRÁFICO

Flaviane Leite da Silva Cassia (UNEMAT)

“Me movo como educador, porque, primeiro, me movo como gente”.


( Paulo Freire)

A oportunidade de apresentar minha trajetória acadêmica em


um memorial permitiu-me uma reflexão sobre todas as atividades
realizadas nas áreas profissional, acadêmica e pessoal. Nascida em
02 de outubro de 1977, atualmente tenho 44 anos, meu primeiro
contato com a escola foi muito prematuro para a época, aos 04 anos
de idade, filha de uma típica dona de casa e um servidor público,
único provedor da família, com 5 irmãos maiores que eu , sempre
fomos incentivados e apoiados a estudar, pois somente através da
educação poderíamos ter uma condição de vida melhor, não poderia
esquecer dessa fase tão marcante em minha vida , pois todos já
estavam frequentando o ensino fundamental, eu na companhia
integral de uma das minhas irmãs Filinda Leite, queria estudar
também , para não ficar longe da sua companhia, desse modo,
sabiamente minha mãe realizou minha primeira matrícula escolar,
tendo início em uma escola Municipal "Buscando Saber"- PROSOL,
no município Cáceres-MT, assim sendo, comecei a socialização
escolar, logo , através do lúdico , me reconhecer como pessoa,
pertencente não apenas a família, mas integrante de uma sociedade
que está em constante movimento.
Nessa época vivendo minha doce infância, a memória ainda se
mistura ao sentimento de gratidão, as metodologias utilizadas pela
primeira professora, a inesquecível Jo, todos a chamavam assim, na
inocência de criança a chamava carinhosamente de tia Jo, a
socialização era feita através de danças, que estruturavam a
coordenação motora, fazíamos vários trabalhos manuais , com papel

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crepom e cola, era uma alegria , qual vejo até hoje o ambiente
escolar, como alegre e divertido, se fechar os olhos sinto o sabor e o
cheiro bom ,do leite que nos era oferecido nos intervalos, onde todos
nos reuníamos no refeitório, em fila indiana, minha turminha era a
primeira a se servir, era um momento onde me sentia , mais que
especial.
Entre 06 a 07 anos de idade, fui para a tão sonhada primeira série,
onde fui para Escola Estadual " Onze de Março", no mesmo
município, em que meus outros 05 irmãos frequentavam, me sentia
muito feliz, percebi que seria uma nova fase, cheguei fazendo
pequenas leituras, já conseguia escrever meu nome, a sensação era
extraordinária. Tive uma relação muito boa, com a professora Maria
Albina, ela era rígida, a disciplina e organização era o essencial, nos
intervalos eu não me ausentava muito longe, a escola tinha um
espaço amplo, sempre ficava próxima, para não ser retificada caso
houvesse atrasos, pois isso era comum com alguns colegas, nos
primeiros contatos com a as disciplinas, minhas habilidades com a
linguagem foram reconhecidas, pois os números me deixavam. Me
despedia do ensino fundamental na mesma escola.
No ensino médio, comecei a 1ª série na Escola Estadual Milton
Marques Curvo, no mesmo município, devido a questões pessoais e
particulares, conclui o ensino médio, na Escola Vale do Guaporé, no
município de Pontes e Lacerda.
Essa nova fase , no ano de 1.999 após a conclusão do Ensino
Médio, realizei o primeiro concurso público , incentivada pelos
familiares que acreditavam em meu potencial, fui aprovada para
concurso da SEDUC- Secretaria Educação e Cultura do Estado de
Mato Grosso, qual desempenho até os dias atuais a função de Técnica
Administrativa Educacional-TAE, no ano 2000, nos foi ofertado o
curso profissionalizante, “Arara Azul” , durante 2 anos, nos
capacitando para melhor desenvolver a função, oportunizando- nos
ser profissionalizados na área de gestão escolar.
Pretendia continuar os estudos, a qual no mesmo ano de 2000/01
prestei o vestibular para ingresso na tão sonhada Graduação em
Letras, pela Universidade Estadual de Mato Grosso-UNEMAT,
Campus- Pontes e Lacerda, a minha aprovação foi um grande

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presente, pois concorri com muitos candidatos, para minha sorte, o


único curso a ser ofertado a nível de graduação no município.
Estava realizando um sonho, pois sempre disse que seria
professora de Português, ingressar-me em uma Universidade
pública, fazer o curso que sempre idealizei realmente era um
privilégio, mas a nossa vida nos desafia a todo instante, se apaixonar
pelo professor é muito comum na adolescência, estaria no final dela,
é normal se sentir atraída por uma pessoa inteligente e que inspira
confiança, vive a experiência , a consequência traumática foi
inevitável, quando ocorreu a primeira separação, entre eu e meu
companheiro, éramos jovens e despreparados, emocionalmente e
intelectualmente, me apaixonei por um professor no início da minha
graduação, o relacionamento não foi bem sucedido, logo , meu ex
companheiro, me procurou novamente e reatamos nosso
casamento, tudo muito rápido e impensado , na ânsia de fazer dar
certo, veio a terceira gravidez, solicitei a transferência para o
Munícipio de Cáceres-MT, ficamos um ano ainda , insistindo em algo
que já tinha acabado, porém nos tornamos pais , maduros e
responsáveis. Com a conclusão do curso de Letras no ano de 2005 no
campus de Cáceres mesmo com o final do casamento, a nossa
prioridade era a educação e formação dos nossos filhos,
desenvolvemos o papel de pais, cada um em sua vida particular, com
novas famílias constituídas.
No seguinte ano em 2006, meu sonho em continuar os estudos,
eram latentes, porém com filhos pequenos e tão carentes do seio
materno, (literalmente), era inviável. Nesse período, realizei uma
especialização em Gestão Escolar, ofertado pelo curso de pedagogia,
na mesma Universidade - UNEMAT- Campus Cáceres-MT, a
realidade em fazer o mestrado, se tornou cada vez mais longínqua,
porém muito presente em meu coração. Para marcar essa fase em
minha vida o destino me reservou surpreendentes acontecimentos,
me levou a percorrer novos caminhos , no mesmo ano conheci o meu
esposo, um homem do campo, simples ,sem conhecimento literário ,
tão pouco intelectual, de poucas palavras e grandes atitudes, propôs
dividir a vida ao meu lado, me pedindo em casamento, deixando a tão
comunicativa , professora, servidora pública, mãe, estudante por

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natureza, a que ama linguagem , absurdamente sem palavras,


apenas um sim, desconfiado e curioso, para desvendar, o que
aconteceria nesse novo mundo tão diferente do qual pertenceria.
A mudança para o campo, ocorreu no ano de 2007, das cidades
Cáceres-MT, para São José dos Quatro Marcos-MT, transformações
aconteceram em minha vida profissional e pessoal, foi a raiz de tudo
que vivo atualmente, como profissional da educação em uma escola
campesina, moradora de Comunidade Rural, meus filhos viveram na
simplicidade do campo, foram alunos de escolas Municipal e Estadual
campesinas, após a conclusão do Ensino Fundamental, retornaram
para cidade onde concluíram com êxito a Graduação, exercendo com
responsabilidade e amor , as profissões tal qual foram preparados.
O intuito em fazer o mestrado, ficou evidente e necessário,
precisava está em movimento, soar voz a uma população que sofreu
e sofre tantas dificuldades, em especial ao relacionado aos direitos a
obterem educação de qualidade, sempre acreditei que se educava
com exemplos, foi através da educação que me reconheci e
reconheço-me como uma pessoa que faz parte de uma sociedade
somente através dela que podemos mudar nossa forma de pensar e
consequentemente agir.
Meus interesses sempre foram definidos envoltos a linguagem,
língua e comunicação no ano de 2012 fiz seletivo para o Mestrado em
Literatura, pela Universidade Estadual de Mato Grosso- UNEMAT-
Campus Tangará da Serra, não consegui meu ingresso, acreditava
que precisava fazer novas leituras, ter novas experiências, me
candidatei no ano de 2015 para o Mestrado – Ensino de Linguagem e
seus códigos – parceria entre o Instituto Federal de Mato Grosso-
IFMT e a Universidade de Cuiabá –UNIC, mais uma vez obtendo
muita experiência , porém precisa melhorar , não estava pronta, logo
veio a resposta , não obtive notas o suficiente para a aprovação, obvio
que no começo ficamos decepcionados conosco, uma sensação de
fragilidade e incapacidade, mas descobrimos o que realmente nos
move, e que não nos deixa desistir. Foram tentativas difíceis, porém
muito relevantes ao meu crescimento acadêmico, percebi o quanto
tinha e tenho a aprender.

155
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

A obstinação em ingressar ao Programa de Pós Graduação, mais


uma tentativa aconteceu , decidida em cursar o tão sonhado e
famoso, diga-se de passagem , um tanto famigerado Mestrado,
preparei-me e assim , no ano de 2017 lá estava eu, ansiosa, e ao
mesmo tempo esperançosa realizando , um novo seletivo, desta vez
pelo Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Linguística, nova
negativa, nada me desanimou, na busca pelo conhecimento e me
sentir parte de uma comunidade que trabalha, produz e enriquece
tanto uma classe que na maioria das vezes são tão desmotivados e
desvalorizados por uma sociedade carente de conhecimento.
Ao deparar-me com tantas dificuldades, me pergunto; por que
não desistir? Até dias atuais me questiono; no ano de 2018 me
inscrevi como aluna especial em duas disciplinas do Programa de
Pós-graduação Stricto Sensu em Linguística nas disciplinas “Línguas
indígenas” e “Sociolinguística” sendo aceita, na disciplina
Sociolinguística, ministrada pela professora Cristiane, quando
começou a decisão da linha de pesquisa, que iria colaborar com meu
crescimento intelectual - a Sociolinguística – ao conhecer uma nova
forma de comunicação, que evolui paralelamente ao indivíduo.
Compreendendo que a língua é pensada como sendo heterogênea, e,
por isso, está em constantes mudanças, transformando-se, variando-
se, adequando-se, como tal minha vida percorreu, entre variações e
mudanças, lá estava eu, no ambiente que agrega, o contexto
acadêmico, enfim uma perspectiva positiva e motivadora.
Como a função que desenvolvo é no setor administrativo, fiz
minha carga horária profissional dobrada, para que pudesse me
ausentar as semanas que estaria ausente, porém com muito esforço
e dedicação, consegui chegar ao objetivo, concluindo com êxito, a
atividades propostas na disciplina, no ano seguinte, por motivos
pessoais e altamente aceitáveis, não me inscrevi ao seletivo como
aluna regular.
A elaboração deste Memorial me deu oportunidade de voltar a
olhar para trás no tempo e perceber claramente quantas pessoas
foram importantes nessa minha caminhada, em novembro de 2020,
fiz novamente o seletivo para o ingresso, ao curso de Pós-Graduação
em Linguística, pela UNEMAT, me sentia confiante, pois as leituras

156
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

de autores como Bagno e Calvet, entre outros, contribuíram muito


para realização do seletivo, a vivência no meio acadêmico ,
proporcionou-me uma vivência singular , sou grata aos professores
que demostraram com total paciência o interesse em colaborar com
meus estudos, gratidão especial ao meu esposo, companheiro que
embarcou nesse sonho, sem ao menos entender o real sentido, à
professora Cristiane Schmidt, que ao olhar para minha história,
percebeu que poderíamos desenvolver um trabalho sério e perspicaz,
valorizando assim a cultura camponesa e proporcionando ao
indivíduo rural, a possibilidade de contribuir, afirmando valores e
princípios tão específicos e próprios do trabalhar, do estudar e do
viver no campo.
Atualmente desenvolvo a função como TAE (Técnica
Administrativa Educacional- Biblioteca Integradora) na Escola
Estadual Santa Rosa, município São José dos Quatro Marcos-MT,
mestranda em Linguística, linha da pesquisa Estudo de Processos de
Variação e Mudança proponho investigar o preconceito que ocorre na
variação do falar camponês, com alunos do campo, e como acontece,
especificamente na escola Santa Rosa, um ambiente escolar que
recebe alunos de 2 grandes assentamentos Florestan Fernandes e
Chico Mendes, entre outras comunidades menores, o quadro
docente é formado por professores residentes no perímetro urbano
do município. Procuro observar, descrever e avaliar como se dá essa
relação da linguagem entre professor/ família e alunos na formação
contínua da aprendizagem.
Quanto às minhas projeções futuras, pretendo continuar
desenvolvendo estudos relacionados a linguagem/comunicação que
corroboram com amadurecimento intelectual e acadêmico,
contribuindo para formação dos profissionais da educação que
atuam em escolas do campo, de forma tão comprometida e valorosa.
E você? Se permite a realizar sonhos? De que maneira?

157
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Capítulo 14

ENTREVISTA
Como é a Formação Docente na Alemanha?
A experiência na universidade de Leipzig

INTERVIEW
Wie ist die Lehrerausbildung in Deutschland?
Die Erfahrungen an der Universität Leipzig

Katja Lieber (Universität Leipzig -Deutschland)

Doktorin Katja Lieber ist seit 09/2013 an der Professur


Allgemeine Pädagogik und Erziehungswissenschaft an der
Universität Leipizig -Deutschland.1

Ausbildung:

- 2018: Doktorat ‚Kinderleben in der Welt des Leistungssports‘ im


Bereich Pädagogik
-2002: Studium der Erziehungswissenschaften im
Magisterstudiengang mit den Nebenfächern Sportwissenschaft und
Psychologie
-1997: Studium im Lehramt für Grundschulen mit der
Fächerkombination Mathematik/Sport an der Technischen
Universität Chemnitz

INTERVIEW:

1. Was hat Sie motiviert, Deutschlehrerin zu werden?

1
Weitere Informationen zum Personenprofil an der Webseite
Erziehungswissenschaftliche Fakultät - Universität Leipizig. Erreichbar:
https://www.erzwiss.uni-leipzig.de/personenprofil/mitarbeiter/katja-lieber.

158
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Diese Frage würde ich gern in einer allgemeineren Form


beantworten.
Beeinflusst durch meine Eltern, die beide selbst Lehrer bzw.
Lehrerin waren, hatte ich zeitig in meinem Leben den Wunsch,
Lehrerin zu werden. Nicht nur der Arbeitsplatz Schule, sondern auch
der Umgang mit Menschen wirkten motivierend. Meine Fähigkeiten
probierte ich als erstes an meinem Puppen, indem ich Puppenschule
spielte. Im weiteren Verlauf testete ich meine Fähigkeiten, indem ich
Mitschüler:innen schulische Inhalte erklärte, die sie nicht verstanden
hatten. So kam es letztendlich dazu, dass ich mich dazu entschied,
diesen beruflichen Weg einzuschlagen.

2. Wie funktionieren das Fremdsprachen-Lehren im deutschen


Bildungssystem?

Fremdsprachen zu lehren im deutschen Bildungssystem erfolgt


hauptsächlich im Rahmen von Unterricht. Ein Teil auch im Rahmen
von Ganztagsangeboten bzw. von Arbeitsgemeinschaften, die oft
nachmittags an den Schulen angeboten werden. Desweiteren
können Fremdsprachen außerhalb von Schule an sogenannten freien
Bildungsträgern2 oder an sogenannten Volkshochschulen erlernt
werden.
An den Schulen lernen die Schüler:innen im Rahmen von
Unterricht eine erste Fremdsprache, was meist Englisch oder auch
Französisch ist. Am Gymnasium ist eine zweite Fremdsprache Pflicht.
Oft werden dafür dann zusätzlich Latein und Spanisch angeboten.
Andere Sprachen sind auch möglich, je nachdem, ob entsprechendes
Lehrpersonal vorhanden ist. Um an einer Schule zu unterrichten, ist
eine Lehramtsstudium im Bereich der jeweiligen Sprache
Voraussetzung.
An den freien Trägern bzw. Volkshochschulen ist nicht zwingend
ein Lehramtsstudium notwendig, um Sprachen zu unterrichten. Hier
wird auch oft auf die Kompetenz und Expertise von

2
Als sogenannte freie Bildungsträger werden außerunterrichtliche Institutionen
genannt, bei denen der Staat nicht der Träger ist, sondern bspw. Vereine.

159
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Mutttersprachler:innen zurückgegriffen, die dann an den jeweiligen


Institutionen unterrichten. Zudem ist es an diesen Institutionen für
die Lernenden möglich, Sprachzertifikate zu erhalten, die auch
international anerkannt sind (z.B. Toefl-Test). Im regulären
Schulunterricht gibt es das nicht, da werden keine externen
Zertifikate vergeben, sondern Schulnoten.

3. Haben Sie schon mit inklusiver Bildung gearbeitet?

Direkt mit inklusiver Bildung habe ich sehr wenig gearbeitet, da


im Hochschulbereich die Inklusionsquote nicht sehr hoch ist.
Ausgehend von einem weiten Inklusionsbegriff, der alle
lernrelevanten Differenzlinien mit einbezieht, hatte ich mit
Studierenden mit leichten körperlichen Einschränkungen und mit
Studierenden mit Migrationshintergrund zu tun. Unterschiede im
sozioökonomischen Bereich sind kaum spürbar. Das Studieren in
Deutschland, zumindest an den staatlichen Universitäten, ist
kostenfrei; lediglich ein Semesterbeitrag muss abgeleistet werden.
Zudem können Studierende, deren Eltern ein geringeren
Einkommen haben, eine Ausbildungsförderung beantragen, was sich
BAföG nennt und für Bundesausbildungsförderungsgesetz
(abgekürzt) steht. Dies beinhaltet eine staatliche Förderung die nach
Abschluss der Ausbildung bzw. des Studiums meist nur zur Hälfte
zurückgezahlt werden muss.

4. Wie kann man als Lehrerin mit diesen Herausforderungen in


diesem Bereich umgehen?

In erster Linie ist es wichtig Differenzlinien zu akzeptieren und


dabei zu akzeptieren, dass jeder anders ist. Dann kann eine Lehrkraft
auch zielgerichtet im Unterricht darauf eingehen und die
Studierenden da abholen, wo sie stehen. Das bedeutet für mich vor
allem binnendifferenziertes Lernen zw. Lehren, was auf die
Bedürfnisse der Schüler:innen abgestimmt ist, dass bspw. das
Lerntempo darauf abgestimmt ist.

160
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Für Prüfungen gilt dies in ähnlicher Weise. Hier (wir arbeiten


bereits damit) lässt sich gut mit Nachteilsausgleichen arbeiten. Das
können z.B. längere Bearbeitungszeiten für Klausuren sein oder auch
die Benutzung eines Wörterbuches für Schüler:innen / Studierende
mit Migrationshintergrund.
Gerade für den Bereich Migrationshintergrund halte ich dies für
besonders wichtig, da sich für dieses Schüler:innen und Studierende
ein besondere Situation ergibt, da Bildungsabschlüsse aus den
Herkunftsländern zum größten Teil in Deutschland nicht anerkannt
werden. Diesbezüglich sehe ich es als Aufgabe, diese Studierende in
das Bildungssystem zu integrieren um ihnen bestmögliche Bildung
zukommen zu lassen, um ihnen gute berufliche Startmöglichkeiten
zu verschaffen.

5. Wie funktioniert die Lehrerausbildung in Deutschland?

Die Lehrer:innenausbildung findet in Deutschland grundsätzlich


an Universitäten statt. Da wir in Deutschland eine föderale Struktur
haben und Bildung somit Ländersache ist, gestaltet sich auch die
Lehrer:innenbildung in den Bundesländern unterschiedlich. Das
fängt schon mit der Bezeichnung und damit der Struktur des
Studienganges an. In vielen Bundesländern beruht die
Lehramtsausbildung auf einem Bachelor- und Masterstudiengang,
im Bundesland Sachsen, indem ich arbeite, ist dieser Studiengang
einer, der mit einem Staatsexamen abschließt.
Zukünftige Studierende, die nach dem Abitur Lehramt studieren
möchten, müssen sich an einer Universität bewerben. Dabei gibt es
grundsätzlich vier Bereiche der Lehramtsausbildung: Lehramt für
Grundschulen (Klasse 1 bis 4), Lehramt für Oberschulen
(Sekundarstufe 1 für die Klassen 5 bis 10), Lehramt für Gymnasien
(Sekundarstufe 1 und 2 für Klasse 5 bis 12 (auch 13)) und Lehramt für
Sonderschulen.
Bereits in der Grundschule wird teilweise eine Fremdsprache als
Unterricht angeboten (meist Englisch) und kann als Unterrichtsfach
in einer Kombination mit einem anderen Fach studiert werden.
Ansonsten müssen sich die Studierenden aus dem Fächerkanon zwei

161
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Fächer auswählen, die sie studieren möchten. Diese


Fächerkombination können für den Bereich Fremdsprachen zwei
Sprachen sein oder eine Sprache und ein anderes Fach. Diese Fächer
werden dann je nach Schulform, in der die Studierenden später
arbeiten möchten, vier bis fünf Jahre studiert. Eine
Staatsexamensprüfung beendet das Studium mit einem Abschluss,
dem ersten Staatsexamen.
Um eine Lehrbefähigung zu erhalten, benötigt es noch das
zweite Staatsexamen. Das dauert zwischen 16 und 21 Monaten; in
Sachsen 18 Monate. Während dieser Zeit unterrichten die
Studierenden bereits vier Tage in der Woche an Schulen und erhalten
einen Tag in der Woche noch theoretischen Unterricht an einer
Lehrerausbildungsstätte des Landesamtes für Schule und Bildung
(LASuB).

6. Lernt man Fremdsprachen in den Schulen oder sollte man


einen Sprachkurs besuchen?

Um diese Frage zu beantworten muss gefragt werden, welche


Sprache erlernt werden soll. Die Schule bietet im Rahmen von
Unterricht durch entsprechend ausgebildete Lehrkräfte beste
Voraussetzungen dafür. Allerdings beschränkt sich der schulische
Sprachunterricht auf einzelne Sprachen. Häufig sind das (neben
Deutsch) die Sprachen Englisch, Französisch, Spanisch, Latein.
Weitere Sprachen, wie bspw. Russisch Italienisch oder
vietnamesisch, werden mitunter fakultativ angeboten. Für alle
weiteren Sprachen müsste eine spezielle (private) Sprachschule
besucht oder anderweitige Angebote wahrgenommen werden.
Es gibt allerdings eine Besonderheit in den Grenzgebieten. Dort
findet teilweise Bilingualer Unterricht in der Sprache des
angrenzenden Landes statt. Dies findet man bspw. im Grenzgebiet
zu Polen, zu Frankreich oder zu Dänemark.

7. Was kann man als Lehrer/in tun, um ein Vorbild für die
nächsten Generationen zu sein?

162
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Tatsächlich Vorbild zu sein. Die Menschen (Schüler:innen) die


einen umgeben so nehmen wie sie sind und keine Idealvorstellungen
in sie hineininterpretieren. In erster Linie bedeutet das für mich, allen
Menschen mit Respekt gegenüber zu begegnen und diese Wert- und
Normvorstellung auch weiterzugeben und vor allem auch nach
diesen Vorstellungen selbst zu leben und zu lehren. Jede Lehrkraft
sollte sich deshalb auch der Verantwortung für die nächste
Generation bewusst sein. Ich bin der Meinung, dass jede Lehrkraft ein
Stück von sich selbst weitergibt an die Studierenden (Schüler:innen)
die man selbst betreut. Dieser Verantwortung sollte man sich stets
neu bewusst werden und sein Handeln darauf abstimmen.

8. Welches sind die größten Herausforderungen, die Sie an


Ihrer Universität sehen?

Für die gesamte Universität ist dies schwer zu sagen. Es


studieren derzeit ungefähr 31.000 Studierende in den
verschiedensten Fakultäten und Fachbereichen an der Universität
Leipzig.
Ich bin im Lehramtsstudium tätig. Ich sehe es als meine
Herausforderung an, junge Menschen zu bilden und ihnen auch
Verantwortungsbewusstsein für ihren späteren Beruf mitzugeben,
da sie mit Kindern und Jugendlichen arbeiten. Die jüngere
Generation sehe ich als unser höchstes gesellschaftliches Gut an, die
somit besonderer Beachtung bedarf.

163
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

SOBRE OS AUTORES

Carlos Cernadas Carrera


Possui Doutorado em Letras, área de concentração de Estudos
Linguísticos, pela Universidade Federal do Pará, Doutorado em
Lingüística y sus Aplicaciones pela Universidad de Vigo – Espanha.
Possui Mestrado em Lingüística y sus Aplicaciones - Enseanza del
Espaol como Lengua Extranjera, pela Universidade de Vigo
revalidado pela Universidade Federal do Pará . Licenciado em Letras
Português-Espanhol e Graduação em Relaciones Laborales.
Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal do Pará,
docente tanto do Programa de Pós-Graduação em Letras como da
Faculdade de Letras Estrangeiras Modernas. Colabora como
conselheiro editorial e consultor ad-hoc de periódicos como: Revista
Brasileira de Linguística Aplicada, Moara, Abeache, Fórum
Linguístico, Intercâmbio, Letras Escreve, Linguagem em Foco,
Revista Estudos Linguísticos e Literários e Intertexto. Tem produção
científica em periódicos especializados, capítulos de livros e livros
publicados, organização de livros e revistas e trabalhos completos em
anais de eventos.

Cristiane Schmidt (UFMS)


Docente Permanente do Programa de Pós-graduação em Linguística
da Universidade Estadual do Mato Grosso/UNEMAT - Unidade
Cáceres e orientadora a Nível de Mestrado e Doutorado com
pesquisas na área da Sociolinguística Educacional. Pós-Doutorado
em Linguística pela Universidade Estadual do Mato Grosso do
Sul/UEMS (2018). Doutora em Letras, área de concentração em
Linguagem e Sociedade pela Universidade Estadual do Oeste do
Paraná/UNIOESTE (2016). Mestre em Educação pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS (2008). Licenciada em Letras
Português e Alemão pela Universidade do Vale do Sinos/UNISINOS
(1996). Atualmente é Docente Adjunto do Curso de Letras da
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul/UFMS. Líder do Grupo

164
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

de Pesquisa e Estudos de Narrativas de Sujeitos-Professores em


Formação-SUPROF do CNPq (FALEM/UFPA). Desenvolve pesquisa
sobre Variação Linguística; Livro Didático no Ensino de Língua
Materna e Estrangeira; Metodologias do Ensino e Aprendizagem de
Línguas. Formação de Professores de Línguas. Bilinguismo.

Neide Araujo Castilho Teno (UEMS)


Doutora em Educação. Mestre em Linguística. Docente Sênior do
Programa de Mestrado Profissional em Letras (Profletras) e do
Programa de Mestrado Acadêmico em Letras da Universidade
Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), Unidades Universitárias de
Dourados e Campo Grande-MS. Coordena os seguintes Projetos de
Pesquisa “ (Multi) Letramentos e os Gêneros Textuais e ou
Discursivos: Contribuições para o Ensino e Aprendizagem de Línguas
em Tempos Digitais” e “Narrativas Profissionais: Diálogos Sobre o
Agente de Letramento e o Ensino". Colabora no projeto "Apoio à
qualificação docente: o Profletras em Mato Grosso do Sul" com
recursos da Fundect. ORCID https://orcid.org/0000-0001-5062-9155
E-mail: cteno@uol.com.br

Antonio Carlos Santana de Souza (UEMS)


Pós Doutor em Linguística PNPD-CAPES (2018/2019) e Pós Doutor
em Linguística pela UNEMAT (2016). Doutor em Letras pela UFGRS
(2015). Mestrado em Semiótica e Linguística Geral pela Universidade
de São Paulo (2000). Possui graduação - Bacharelado e Licenciatura
em Letras (Português/Hebraico e Respectivas Literaturas) pela
FFLCH da Universidade de São Paulo (1998). Docente Efetivo e
docente Permanente do Programa de Pós-graduação (Mestrado) em
Letras da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS).
Docente Permanente do Programa de Pós-graduação (Mestrado/
Doutorado) em Linguística da UNEMAT/Cáceres. Atualmente é
pesquisador do GELA do Departamento de Linguística da Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP Líder do Núcleo de
Pesquisa e Estudos Sociolinguístico e Dialetológicos do CNPq
(NUPESD-UEMS) e do Laboratório Sociolinguístico de Línguas Não-
Indo-europeias e Multilinguismo do CNPq (LALIMU). É o Editor-chefe

165
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

da Web-Revista SOCIODIALETO desde 2010. Experiência na área de


Linguística, com ênfase em Sociolinguística e Dialetologia, atuando
principalmente nos seguintes temas: português falado; contatos
linguísticos; fonética e fonologia; morfossintaxe; linguística geral e
diversidade sócio-cultural.

Walkyria Alydia Grahl Passos Magno e Silva (UFPA)


Possui graduação em licenciatura em Letras Português e Alemão
pela Universidade Federal do Paraná (1976), graduação em
licenciatura em Letras Inglês pela Universidade Federal do Pará
(1987), mestrado em Linguística pela Universidade Estadual de
Campinas (1980), doutorado em Ciências da Linguagem pela
Université Toulouse Jean Jaurès (antiga Toulouse II - le Mirail) (2002)
e pós-doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais (2014).
Atualmente é professora Titular da Universidade Federal do Pará.
Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Linguística
Aplicada, atuando principalmente nos seguintes temas: autonomia,
estratégias de aprendizagem, estilos de aprendizagem, motivação,
aconselhamento em aprendizagem de línguas e ensino e
aprendizagem de línguas adicionais no paradigma da complexidade.
Atua nos conselhos editoriais dos periódicos Moara, Revista
Brasileira de Linguística Aplicada, Trabalhos em Linguística Aplicada,
entre outros. Foi Diretora da Faculdade de Letras Estrangeiras
Modernas (2008-210) e Diretora Geral do Instituto de Letras e
Comunicação (2019-2022) da Universidade Federal do Pará.

Dörthe Uphoff (USP)


Professora de língua alemã e metodologia de ensino no
Departamento de Letras Modernas da Universidade de São Paulo
(USP) e doutora em Linguística Aplicada pelo Instituto de Estudos da
Linguagem da UNICAMP (2009). Realizou estágio de pós-
doutoramento na Universidade de Augsburg, Alemanha (2018).
Orienta trabalhos de pesquisa sobre o ensino-aprendizagem de
alemão como língua estrangeira/adicional em nível de graduação e
pós-graduação. Suas áreas de interesse incluem questões de poder
no ensino de línguas, princípios didático-metodológicos, material

166
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

didático, formação de professores, políticas linguísticas e a história


do ensino de alemão no Brasil. Participa do grupo de pesquisa
Zeitgeist: Língua Alemã em Contextos Universitários, cadastrado no
CNPq. Atua como editora-chefe da revista de Estudos Germanísticos
Pandaemonium Germanicum desde março de 2018. Em 2020,
realizou pesquisa de pós-doutoramento na Universidade de Viena,
Áustria, através de uma bolsa CAPES/Print.

Ana Sophia Monteiro Barbosa (UFPA)


Licenciada em Letras com Habilitação em Língua Alemã pela
Universidade Federal do Pará (UFPA) e tem Especialização em
Psicolinguística pela Faculdade Metropolitana do Estado de São
Paulo (FAMEESP). Atualmente é professora substitua do Curso de
Letras-Alemão da UFPA e atua como professora no projeto de
extensão no Curso Livre de Alemão (CLA/UFPA) desde 2016 e integra
o grupo ‘Pesquisa Narrativa: memoriais de sujeitos-professores em
formação’ (FALEM/UFPA).

Leandro Carneiro Oliveira (UFPA)


É graduando do curso de Letras-Alemão pela Universidade Federal
do Pará. Participou como bolsista de iniciação científica (2000-2022)
do Grupo de Pesquisa Narrativa: memoriais de sujeitos-professores
em formação’, coordenado pela Prof.ª Dra. Cristiane Schmidt
(FALEM/UFPA) e atuou como bolsista na secretaria do Projeto de
Extensão ‘Curso Livre de Alemão’ (FALEM/UFPA). Atualmente vem
pesquisando o impacto da jornada de trabalho na formação da
identidade de professores de língua estrangeira.

Ingled Dayanna Goncalves Xavier (UFPA)


É graduanda do curso de Letras-Alemão pela Universidade Federal
do Pará. Participou como bolsista de iniciação científica (2001-2022)
do Grupo de Pesquisa Narrativa: memoriais de sujeitos-professores
em formação’, coordenado pela Prof.ª Dra. Cristiane Schmidt. Atuou
como tutora individual, no Projeto de Extensão ‘Português Língua
Estrangeira para Turmas PEC-G’ (PLE-PEC-G), em 2020. Atualmente

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O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

é participante dos projetos Mobilidade Literária, Coruní, Programa


Extensão Português Língua Estrangeira Peple/UFPA, Projeto Chão
de Encantaria da UFPA. Também participa como voluntária do
Programa Idioma sem Fronteiras (Rede ANDIFES).

Yagma Suely Vieira Figueira (UFPA)


Possui graduação em Letras-Alemão pela Universidade Federal do
Pará (2009), Graduação em Licenciatura em Letras e Artes (2005) e
especialização em Ensino-Aprendizagem da Língua Portuguesa pela
Universidade Federal do Pará (2008). Participou do Grupo de
Pesquisa Narrativa: memoriais de sujeitos-professores em
formação’, e do Laboratório de Ensino de Línguas –LAEL da UFPA.

Andressa Costa dos Santos (UFPA)


Graduada no curso de Letras Língua Inglesa, pela Universidade
Federal do Pará (UFPA). Cursando especialização em Educação
Especial Inclusiva, pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci
(UNIASSELVI). Participou como professora voluntária coordenadora
do Projeto de Extensão ‘Fá Lá English Project’, em 2019. Atuou como
tutora individual, no Projeto de Extensão ‘Português Língua
Estrangeira para Turmas PEC-G’ (PLE-PEC-G), em 2020. Participou
como integrante do grupo de pesquisa ‘Narrativa: memoriais de
sujeitos-professores em formação (2021-2022). Atuou como
professora no ensino de Português Língua Estrangeira/Adicional, nos
projetos ‘MIGRANTE’ (MIGRE), em 2021 e Português Língua
Estrangeira da Rede Andifes IsF, em 2022. Atualmente, participa do
Programa de Extensão Português Língua Estrangeira (PEPLE), como
professora voluntária em formação e pesquisadora.

Nilda Eunice Castro Pereira Costa (UFPA)


Possui graduação em História (BACH./LIC) pela Universidade Federal
do Pará (2001) e Graduação em andamento em Letras – Francês pela
Universidade Federal do Pará, UFPA, Brasil.. Tem experiência na área
de História, com ênfase em História, Cultura e Etnicidade. Cursando
Letras-Francês na Universidade Federal do Pará desde 2020, com

168
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

interesse em Linguística, Literatura, Ensino-aprendizagem


Atualmente é bolsista do Projeto de Pesquisa Políticas linguísticas
em prol da língua francesa e da divulgação das culturas francófonas:
o potencial de Belém.

Daniele Angélica Borges Foletto (UNEMAT)


Doutoranda em Linguística no Programa de Pós-Graduação da
Universidade do Estado de Mato Grosso- UNEMAT. Mestra em
Linguística pela mesma instituição (2021) Campus de Cáceres- MT.
Possui graduação em Letras-Inglês pela Universidade do Estado de
Mato Grosso (2007), Pedagogia pela FAEST (2018) e Especialização
em Fundamentos da Educação: didática e docência do ensino
superior por UNIVAG (2011). Atualmente é professora de Língua
Inglesada da Rede Estadual de Educação de Mato Grosso.
Participante do grupo de pesquisa e Estudos de Narrativas de
Sujeitos-Professores em Formação.

Fabiana da Silva Lira (UNEMAT)


Aluna regular do Curso de Doutorado (Acadêmico) do Programa de
Pós-Graduação em Linguística da Universidade do Estado de Mato
Grosso/UNEMAT, vinculado a linha de pesquisa: Variação/Mudança e
Descrição, Análise e Documentação de Línguas Indígenas. Mestra em
Linguística pela mesma instituição (2022). Especialista em
Metodologia do ensino das línguas portuguesa e inglesa pela
Faculdade Única de Ipatinga, FUNIP, Ipatinga- Brasil. Graduada em
Letras/Inglês pela UNEMAT, Campus-Cáceres. Participante do grupo
de pesquisa e Estudos de Narrativas de Sujeitos-Professores em
Formação pela Universidade Federal do Pará – UFPA. É parecerista
de periódicos na área de Letras, da revista Primeira Escrita - UFMS.
Dedica-se aos estudos de variação e mudanças linguísticas e é
bolsista CAPES.

Yara Fernanda de Oliveira Adami (UNEMAT)


Doutoranda em Linguística no Programa de Pós-Graduação da
Universidade do Estado de Mato Grosso- UNEMAT. Mestra em

169
O que vem te constituindo professor? Memoriais autobiográficos entre a vida e a
formação na docência

Linguística com ênfase nos Estudos Sociolinguísticos (2023),


respectivamente, na cidade de Cáceres (Mato Grosso) e possui
graduação em Letras - Português e Inglês pela Universidade do
Estado de Mato Grosso (2019). Participante do grupo de pesquisa e
Estudos de Narrativas de Sujeitos-Professores em Formação.
Bolsista CAPES.

Tânia Maria Sanábria Carvalho Tolotti (UNEMAT)


Mestra em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em
Linguística da Universidade do Estado de Mato Grosso/UNEMAT
(2023) e possui Graduação em Letras, Português e respectivas
Literaturas Universidade do Estado de Mato Grosso (1988).
Especialização em Língua Portuguesa e respectivas
Literaturas (2004). Atualmente é professora efetiva na Prefeitura
Municipal de Cáceres, no MT e atua na Secretaria Municipal de
Educação. Participante do grupo de pesquisa e Estudos de Narrativas
de Sujeitos-Professores em Formação.

Flaviane Leite da Silva Cassia (UNEMAT)


Mestra em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em
Linguística da Universidade do Estado de Mato Grosso/UNEMAT
(2023), Licenciatura em Letras pela UNEMAT (2005); tem
Especialização em Gestão Escolar (2007) pela mesma universidade.
Atualmente é Técnica em Administração Escolar, efetiva na Escola
Estadual Santa Rosa-MT e desenvolve projetos de leitura na
biblioteca integradora. Participante do grupo de pesquisa e Estudos
de Narrativas de Sujeitos-Professores em Formação.

Profa. Katja Lieber (Leipizig Universität-Deutschland)


Doktorin Katja Lieber ist seit 09/2013 Professur Allgemeine
Pädagogik und Erziehungswissenschaft an der Universität Leipizig -
Deutschland.

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