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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS


CAMPUS CIDADE DE GOIÁS
CURSO DE DIREITO

Lívia Lara Salgado

A LEI 12.318/2010 E AS REPETIÇÕES TRAZIDAS AO


ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO

Cidade de Goiás (GO), fevereiro de 2012.

Lívia Lara Salgado


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A LEI 12.318/2010 E AS REPETIÇÕES TRAZIDAS AO


ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO

Trabalho de Conclusão de Curso de Direito para


obtenção do título de Bacharel do Curso de Direito
da Universidade Federal de Goiás.

Orientador: Professora Adriana

Cidade de Goiás (GO), fevereiro de 2012.

Lívia Lara Salgado


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“As famílias felizes parecem-se todas; as


famílias infelizes são infelizes cada uma à sua
maneira.”

Léon Tolstói
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RESUMO

A estrutura familiar tem modificado-se constantemente em compasso aos


avanços culturais e jurídicos da sociedade. Neste contexto, a promulgação da
Constituição Federal de 1988 e a adoção do princípio do melhor interesse da criança
contribuíram preponderantemente para uma revolução no instituto familiar.
Com base nestas modificações, houve uma reestruturação do poder familiar,
o qual tornou-se um poder-dever conferido aos pais de garantir o desenvolvimento
pleno e saudável dos filhos.
Não obstante, verifica-se que a própria reforma de certos institutos jurídicos,
tais como o divórcio e a guarda dos filhos têm gerados novos fenômenos a serem
atendidos pelo poder judiciário. Nesta seara destaca-se a Síndrome da Alienação
Parental (SAP), estabelecida pelo professor especialista Richard Gardner. Conforme
Gardner (2002), a síndrome da alienação parental é um distúrbio psicológico
desenvolvido por crianças expostas a disputas judiciais de custódia, as quais
passam a hostilizar um dos genitores, ao serem estimuladas pelo genitor guardião.
Assim, o presente trabalho monográfico tem como intuito analisar a Lei
12.318/2010, a qual trata acerca do fenômeno da alienação parental. Por
conseguinte, far-se-á uma análise da Lei 12.318/2010 em comparado com as
preexistentes no momento de sua edição, buscando evidenciar as repetições
trazidas por esta lei ao ordenamento jurídico pátrio.

Palavras chaves: princípio do melhor interesse da criança, poder familiar, síndrome


da alienação parental.
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ABSTRACT

The family structure has changed constantly in step with advances cultural
and legal aspects of society. In this context, the enactment of the Federal
Constitution of 1988 and the adoption of the principle of best interests mainly
contributed to a revolution in the institution of the family.
Based on these changes, there was a restructuring of family power, which
became a power and duty granted to parents to ensure the full and healthy
development of children.
Nevertheless, it appears that the actual reform of certain legal institutions,
such as divorce and child custody have generated new phenomena to be met by the
judiciary. In this endeavor there is the Parental Alienation Syndrome (PAS),
established by Professor Richard Gardner specialist. As Gardner (2002), parental
alienation syndrome is a psychological disorder developed by children exposed to
judicial custody disputes, which will then harass a parent, when stimulated by the
custodial parent.
Thus, this monograph is to analyze the order 12.318/2010 Law, which is about
the phenomenon of parental alienation. Therefore, far-there will be an analysis of the
Law on 12.318/2010 compared with pre-existing at the time of its issue, seeking to
highlight the reps brought by this law to the legal parental rights.

Keywords: principle of the best interests of the child, family power, parental alienation
syndrome
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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................09

1. PODER FAMILIAR À LUZ DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA


CRIANÇA...................................................................................................................14
1.1 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DE
FAMÍLIA......................................................................................................................14
1.2 A ADOÇÃO DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA NO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO...............................................................17
1.3 A REESTRUTURAÇÃO DO PODER FAMILIAR À LUZ DO PRINCÍPIO DO
MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA........................................................................22

2. REFLEXÕES ACERCA DA SÍNDROME DA ALIENAÇÃO


PARENTAL................................................................................................................35
2.1 POLÊMICAS SOBRE A SÍNDROME DA ALIENAÇÃO
PARENTAL.................................................................................................................35
2.2 A “VILÃ ALIENADORA” E O MITO DO PRIMADO
MATERNO..................................................................................................................42
2.3 DIAGNÓSTICOS, TRATAMENTOS E PUNIÇÕES........................................52

3. A LEI 12.318/2010 E AS REPETIÇÕES TRAZIDAS AO ORDENAMENTO


JURÍDICO PÁTRIO....................................................................................................63
3.1 NOÇÕES PRELIMINARES ACERCA DA LEI 12.318/2010..........................63
3.2 A LEI 12.318/2010 E A INIBIÇÃO DE ATOS DE ALIENAÇÃO
PARENTAL.................................................................................................................71
3.3 A LEI 12.318/2010 E AS REPETIÇÕES TRAZIDAS AO ORDENAMENTO
JURÍDICO PÁTRIO....................................................................................................76

CONCLUSÃO ........................................................................................................ ....91

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS............................................................................93
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INTRODUÇÃO

A priori, vislumbra-se que a família atualmente regida pelos laços


afetivos anteriormente baseava-se tão somente em seus aspectos patrimonialistas.
O Código Civil de 1916 refletia a este aspecto da sociedade, tutelando direitos
econômicos em detrimento dos direitos do grupo familiar.

A família seguia um modelo patriarcal onde o pai exercia o controle


absoluto sob os demais entes. As mulheres e os filhos eram considerados meros
objetos de direito, sem qualquer vontade própria.

Contudo, ante as intensas modificações sociais, jurídicas e


econômicas, tornou-se insustentável permanecer com este modelo retrógrado de
instituto familiar. Neste momento de profundas mudanças, foi promulgada a
Constituição Federal de 1988, a qual evidenciou principalmente a valorização dos
direitos humanos.

Ante a esta nova perspectiva, tornou-se obsoleto o Código Civil de


1916, o qual preceituava uma entidade familiar baseada em interesses
patrimonialistas. Isto porque a Constituição de 1988 adotava a visão de família
sedimentada em laços afetivos.

Ademais, a hierarquização de papéis parentais fora igualmente


abolida, uma vez que a Carta Magna proclamava a igualdade entre homens e
mulheres.

No que tange aos direitos afetos à criança e ao adolescente,


vislumbra-se que com a adoção da Doutrina da Proteção Integral, bem como do
princípio do melhor interesse da criança, tornou-se intolerável a imagem de que a
criança era mero objeto de direitos dos pais. Neste sentido, a criança passou a ter
seus direitos assegurados com prioridade, buscando-se garantir seu melhor
interesse, haja vista sua condição de pessoa em desenvolvimento.
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Por conseguinte, após esta constitucionalização do Direito de


Família tornou-se insustentável a manutenção do retrógrado Código Civil de 1916. A
sociedade clamava por uma legislação que abarcasse seus avanços sociais e
jurídicos.

Assim, foi promulgado em 2002 o novo Código Civil, adequando-se


ao princípio da dignidade da pessoa humana, bem como ao princípio do melhor
interesse da criança.

Com o advento do Código Civil de 2002 modificou-se profundamente


o instituto denominado anteriormente de “pátrio poder”. No Código Civil de 1916 o
pátrio poder era concebido como um meio de dominação dos pais sobre sua prole.
As crianças eram tidas como meros objetos de direitos dos pais, sem qualquer
vontade própria. Todavia, no Código Civil de 2002 o instituto do pátrio poder foi
remodelado atendendo ao princípio do melhor interesse da criança. Passou a ser
denominado poder familiar e tornou-se um múnus público exercido pelos pais.
Assim, trata-se na verdade de um poder-dever dos pais de garantir o melhor
interesse de seu filho.

No segundo capítulo serão abordadas as polêmicas referentes à


Síndrome da Alienação Parental (SAP), bem como seu diagnóstico e formas de
tratamento.

Preliminarmente cabe ressaltar que a síndrome da alienação


parental foi estabelecida pelo professor especialista do Departamento de Psiquiatria
Infantil da Universidade de Colombia e perito judicial, Richard Gardner, em 1985.
Conforme Gardner (2002), diversas crianças envolvidas no contexto de disputas
judiciais de custódia desenvolviam uma série de sintomas psicológicos específicos
ao serem estimuladas pelo genitor guardião a hostilizar o outro pai.

Não obstante, verifica-se que apesar de Gardner defender com


veemência a existência da Síndrome da Alienação Parental, tem-se que as
pesquisas científicas empreendidas por este foram muito limitadas. Gardner (2002)
baseou-se única e exclusivamente na sua experiência para determinar a existência
do distúrbio, contudo não apresentou dados concretos acerca deste.
9

Questiona-se ainda, a dificuldade de diagnóstico da síndrome da


alienação parental, haja vista a ausência de material científico sobre o assunto.
Gardner (2002) limita-se a discorrer sobre a facilidade de constatação da síndrome,
não apresentando, contudo os meios para obter um diagnóstico preciso. Ressalta-se
ainda, que a perícia psicológica na hipótese de suspeita de alienação parental é de
suma importância, haja vista que qualquer falha no diagnóstico poderá acarretar
danos irreparáveis à higidez mental da criança.

Segundo Gardner (2002), o tratamento dispensado à síndrome da


alienação parental deve ser equânime ao seu grau de instalação. Gardner refere-se
a existência de três estágios sendo eles: leve, moderado e severo. Esta
diferenciação é realizada com base na freqüência e intensidade dos sintomas
apresentados pela criança.

Como formas de “tratamento” ao genitor alienador, Gardner sugere:


a comunicação desfavorável do terapeuta dirigida ao tribunal; a redução da pensão
alimentícia; a imposição de uma obrigação, como por exemplo, o pagamento de
multa; a ameaça de transferir a guarda para o outro genitor; e a ordem de prisão
temporária. Isto posto, vislumbra-se que os métodos de tratamento dispostos por
Gardner remetem muito mais a punições do que a um tratamento propriamente dito.
Nesta seara, o genitor alienador é visto não como um paciente, mas sim como um
criminoso a ser repreendido por sua atitude danosa.

Outra vertente acerca da Síndrome da Alienação Parental, defendida


por Analicia Martins de Sousa (2011) interpreta o fenômeno da “alienação parental”
em consonância com as modificações históricas e sociológicas ocorridas nos
modelos de papéis parentais.

Conforme estudo realizado pela autora, o “instinto materno” fora


historicamente inculcado nas mulheres a partir do século XVIII e fez com que esta
assumisse interinamente o dever exclusivo pelo cuidado dos filhos. Os pais até
então eram tidos como meros provedores, e, portanto coadjuvantes na criação de
seus filhos.

Com as modificações sociais as mulheres alcançaram direitos


paritários aos dos homens, assumindo papéis semelhantes a estes na esfera
10

pública. Contudo, no âmbito doméstico a mulher não abriu mão da sua primazia como
genitora, ou seja, mesmo desempenhando atividades profissionais fora do lar a mulher
permaneceu com o modelo tradicional de “mãe cuidadora dos filhos” arraigado à sua
personalidade. Portanto, a mulher não abdicou de seu espaço no âmbito doméstico,
somente acumulou funções, enquanto os homens perderam o seu status de provedor único
e continuaram coadjuvantes no cuidado com os filhos.

No entanto, o surgimento do instituto do divórcio acalorou este


debate acerca das funções parentais, porém na maioria dos casos a guarda dos
filhos era concedida à mãe, por esta ser considerada naturalmente mais propensa
ao cuidado da prole.

Porém, o princípio melhor interesse da criança passou a prevalecer


sob este mito do primado materno no cuidado dos filhos. Logo, tornou-se mais
freqüente a promoção de ações judiciais de custódia de pais buscando garantir seu
direito de convivência com seus filhos.

Por conseguinte, algumas mães, por medo de perderem seu papel


de destaque no cuidado dos filhos, passaram a utilizar-se de mecanismos de
influência sobre a criança para forçar a desvinculação desta com o genitor alienado.
Assim, o fenômeno da alienação parental seria derivado de uma mudança social e
jurídica do meio familiar.

O terceiro capítulo trará uma comparação entre os mecanismos


legais dispostos no Código Civil de 2002, no Código de Processo Civil, na Lei
8069/1990 e na Lei 11698/2008; e os expressos na Lei 12.318/2010, tendo como
objetivo demonstrar as modificações trazidas por esta legislação.

Preliminarmente faz-se um apanhado histórico dos mecanismos


jurídicos referentes ao direito de guarda presentes no Código Civil de 1916 até a
promulgação da Lei 12318/2010. Ademais, citam-se algumas legislações
estrangeiras atuais promulgadas com o fito de inibir a prática de atos de alienação
parental.

Far-se-á ainda, uma análise aprofundada da Lei 12.318/2010, bem


como dos direitos que são colocados em questão nas ações de alienação parental.
Por um lado, poderá ocorrer a restrição do direito de convivência familiar da criança
11

em face do genitor alienado. Por outro lado, existe a possibilidade da real ocorrência
de um abuso emocional, físico ou sexual perpetrado pelo genitor alvo em desfavor
da criança, e, por conseguinte a legitimação do contato deste abusador com o
infante.

Por fim, analisa-se com a devida acuidade os mecanismos


processuais dispostos pela Lei 12318/2010 e as supostas alterações trazidas por
estes. Demonstra-se que a Lei 12318/2010, em detrimento das modificações que lhe
foram atribuídas, limitou-se apenas a dar maior ênfase a dispositivos legais
preexistentes no Código de Processo Civil e na Lei 8069/1990.
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1. PODER FAMILIAR À LUZ DO PRÍNCIPIO DO MELHOR


INTERESSE DA CRIANÇA

1.1 Constitucinalização do Direito de Família

Preliminarmente, é imprescindível compreender as modificações


ocorridas na estrutura familiar, bem como as razões destas alterações, com o fito de
analisar com maior profundidade os mecanismos legais que atualmente a tutelam.

Vislumbra-se, primeiramente, que a família consolidou-se como


unidade celular básica da sociedade, haja vista que representa o primeiro contato do
indivíduo com seus iguais. A própria Constituição Federal de 1988 predetermina em
seu art. 226, que “a família é a base da sociedade”.

Isto posto, depreende-se que as mutações sociais, advindas de


avanços tecnológicos, culturais e éticos têm influenciado preponderantemente o seio
familiar.

Neste sentido, a compreensão atual de família está sobejamente


conectada aos novos valores incutidos na sociedade. Assim, ante as intensas
modificações sociais, a família tem se redefinido e adquirido perspectivas diferentes.
Oportuno se faz a menção dos doutrinadores Cristiano Chaves de Farias e Nelson
Rosenvald acerca do tema em comento:

“Composta por seres humanos, decorre, por conseguinte, uma


mutabilidade inexorável na compreensão da família, apresentando
sob tantas e diversas formas, quantas forem as possibilidades de se
relacionar, ou melhor, de expressar amor, afeto. A família, enfim, não
traz consigo a pretensão da inalterabilidade conceitual. Ao revés,
seus elementos fundantes variam de acordo com os valores e ideais
predominantes em cada momento histórico” ( Farias e Rosenvald,
2010, p. 05)
13

Não obstante, tem-se que a família, atualmente regida pelos laços


afetivos, anteriormente possuía mero caráter patrimonialista. As relações
matrimoniais efetivavam-se e mantinham-se com o fim de resguardar o patrimônio
aos herdeiros. Tais preceitos eram claramente difundidos no Código Civil de 1916,
senão vejamos o preceituado pelo estudioso Paulo Luiz Netto Lôbo:

“Até mesmo o mais pessoal dos direitos civis, o direito de família, é


marcado pelo predomínio do conteúdo patrimonializante, nos códigos.
No Código Civil Brasileiro de 1916, por exemplo, dos 290 artigos do
Livro de Família, em 151 o interesse patrimonial passou à frente.
Como exemplo, o direito assistencial da tutela, curatela e da ausência
constitui estatuto legal de administração de bens, em que as pessoas
dos supostos destinatários não pesam. Na curatela do pródigo, a
prodigalidade é negada e a avareza é premiada. A desigualdade dos
filhos não era inspirada na proteção de suas pessoas, mas do
patrimônio familiar. A maior parte dos impedimentos matrimoniais não
têm as pessoas, mas seus patrimônios, como valor adotado.” (Lôbo,
2004, p.05).

Destarte, verifica-se que a sociedade à época da promulgação do


Código Civil de 1916, detinha posicionamento meramente patrimonialista no que
tange as relações familiares. Prevalecia o modelo patriarcal e hierarquizado da
família, onde o homem exercia um poder absoluto, haja vista que mantinha sozinho
o sustento dos entes familiares, cabendo a estes uma devoção incondicional ao
patriarca.

Ressalta-se que o matrimônio, visto como condição essencial à


formação da entidade familiar era contraído com vistas à formação de patrimônio,
independente de laços afetivos entre os sujeitos desta relação. Frise-se, por
oportuno, o disposto pelos doutrinadores Cristiano Chaves de Farias e Nelson
Rosenvald:

“Mais ainda, compreendia-se a família como unidade de produção,


realçados os laços patrimoniais. As pessoas se uniam em família com
vistas à formação de patrimônio, para sua posterior transmissão aos
herdeiros, pouco importando os laços afetivos. Daí a impossibilidade
de dissolução do vínculo, pois a desagregação da família
corresponderia à desagregação da própria sociedade. Era o modelo
14

estatal de família, desenhado com os valores dominantes naquele


período da revolução industrial.” (Farias e Rosenvald, 2010, p. 04).

Ademais, este modelo de família patriarcal, regulava-se


primordialmente por interesses econômicos e valores religiosos, não havendo
qualquer limitação estatal ao poder conferido ao chefe de família. Somente a este
cabia a cidadania plena, podendo exercê-la em detrimento da dignidade dos demais
membros da família, sem que houvesse qualquer intervenção pública no espaço
privado familiar. Assim, assevera o doutrinador Paulo Luiz Netto Lôbo:

“Na família patriarcal, a cidadania plena concentrava-as na pessoa do


chefe, dotado de direitos que eram negados aos demais membros, a
mulher e os filhos, cuja dignidade humana não podia ser a mesma. O
espaço privado familiar estava vedado à intervenção pública,
tolerando-se a subjugação e os abusos contra os mais fracos.” (Lôbo,
2004, p. 07).

Neste diapasão, depreende-se que este modelo de família


patriarcal, refletia-se no ordenamento jurídico pátrio, uma vez que o Código Civil de
1916 tutelava direitos patrimoniais em detrimento dos direitos humanos dos entes
familiares.

No entanto, com a promulgação da Constituição Federal de 1988,


decorrente da intensa modificação social do país, o Código Civil de 1916 tornou-se
obsoleto, haja vista que era dissonante de diversos preceitos expressos no texto
constitucional. Tornou-se imprescindível a adequação do diploma cível às novas
tendências e valores sociais, principalmente no que tange ao princípio da dignidade
da pessoa humana, disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal de 1988.

Assevera-se que a Constituição Federal de 1988 instituiu diversas


mudanças concernentes a estrutura familiar. Primeiramente, concedeu igualdade de
direitos entre homens e mulheres, conforme art. 5º, I, tornando incompatível o
regramento conquanto ao “patrio poder”, bem como todos que instituíam direitos e
deveres diferenciados entre os cônjuges, disciplinados no Código Civil de 1916.
Ademais, tolheu o poder ilimitado que o chefe de família possuía sobre os demais
15

entes familiares. Isto posto, tornou-se urgente a atualização do diploma civil


seguindo os parâmetros instituídos pela Carta Magna. Neste sentido assevera o
ilustre doutrinador Paulo Luiz Netto Lôbo:

“Com efeito, a incompatibilidade do Código Civil com a ideologia


constitucionalmente estabelecida não recomenda sua continuidade. A
complexidade da vida contemporânea, por outro lado, não condiz
com a rigidez de suas regras, sendo exigente de minicodificações
multidisciplinares, congregando temas interdependentes que não
conseguem estar subordinados ao exclusivo campo do direito civil.
São dessa natureza os novos direitos, como o direito do consumidor,
o direito do meio ambiente, o direito da criança e do adolescente.”
(Lôbo, 2004, p. 04).

Mormente, a Constituição Federal de 1988 instituiu a mutação do


enfoque familiar patrimonial para o afetivo. Assim, ocorreu a valorização dos sujeitos
pertencentes ao núcleo familiar em detrimento dos bens concernentes deste vínculo.
Determinou-se uma maior intervenção estatal no âmbito das relações privadas, com
fulcro de tutelar os direitos humanos. Neste diapasão, discorrem os doutrinadores
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

“A transição da família como unidade econômica para uma


compreensão igualitária, tendente a promover o desenvolvimento da
personalidade de seus membros, reafirma uma nova feição, agora
fundada no afeto. Seu novo balizamento evidencia um espaço
privilegiado para que os seres humanos se complementem e se
completem. Abandona-se, assim, uma visão institucionalizada pela
qual a família era, apenas, uma célula social fundamental, para que
seja compreendida como núcleo privilegiado para o desenvolvimento
da personalidade humana.” (Farias e Rosenvald, 2010, p. 06).

1.2 A Adoção do Princípio do Melhor Interesse da Criança no


Ordenamento Jurídico Brasileiro

Com o advento da Constituição Federal de 1988 vislumbra-se que o


ordenamento jurídico pátrio adotou diversos princípios cujo objetivo precípuo era a
tutela da dignidade da pessoa humana.
16

No que tange aos direitos afetos à criança e ao adolescente, a Carta


Magna seguiu a Doutrina da Proteção Integral e, por conseguinte o princípio do
melhor interesse da criança.

No entanto, a priori deve-se analisar o princípio do melhor interesse


da criança para posteriormente entender as razões de sua adoção no âmbito jurídico
internacional e suas influências nos dispositivos legais nacionais.

Cabe por oportuno transcrever o comentário do jurista Paulo Lôbo


acerca do principio em comento. Senão vejamos:

“O princípio do melhor interesse significa que a criança – incluído o


adolescente, segundo a Convenção Internacional dos Direitos da
Criança – deve ter seus interesses tratados com prioridade pelo
Estado, pela sociedade e pela família, tanto na elaboração quanto na
aplicação dos direitos que lhe digam respeito, notadamente nas
relações familiares, como pessoa em desenvolvimento e dotada de
dignidade.” (Lôbo, 2008, p. 53-54)

Segundo José Marinho Paulo Júnior, uma das primeiras referências


ao princípio do melhor interesse da criança ocorreu na Inglaterra em 1836.
Conforme o autor, neste período os julgados referentes à guarda passaram a
analisar a primazia do interesse dos menores em detrimento dos direitos conferidos
aos pais.

Nos Estados Unidos o princípio fora denominado the best interest of


the child e introduzido em 1813 com o caso conhecido por Commonwealth versus
Addicks, conforme dispõe a autora Beatrice Marinho Paulo:

“Em 1813, o princípio do the best interest of the child foi também
introduzido nos Estados Unidos, em um caso (Commonwealth versus
Addicks) onde o Tribunal concedeu a guarda à mãe adúltera, por
considerar ser do melhor interesse da criança, em razão de sua
pouca idade, permanecer sob os cuidados, carinhos e atenções
maternos, não tendo a conduta da mulher para com o marido
nenhuma relação com seu papel como mãe.”
17

Contudo, vislumbra-se que após as grandes atrocidades cometidas


durante os períodos da 1ª e da 2ª Guerras Mundiais, houve uma maior preocupação
conquanto à garantia de direitos humanos básicos. Neste interregno, ocorreu o
surgimento de diversos tratados internacionais voltados à tutela de tais direitos. No
que tange aos direitos afetos à criança e ao adolescente houve um maior destaque
para o princípio do melhor interesse da criança.

A Declaração de Genebra, aprovada em 1924, foi uma das primeiras


referências expressas aos direitos da criança e do adolescente. Composta por cinco
artigos versava acerca da proteção especial que devia ser destinada aos infantes.

Destaca-se ainda a Declaração Universal dos Direitos Humanos


promulgada em 1948, a qual dispunha em seu art. XXV, item 2 que “a maternidade e
a infância têm direito a cuidados e assistência especiais”.

Outro importante documento acerca desta priorização dos interesses


do infante é a Declaração Universal dos Direitos da Criança, promulgada em 1959.
Este tratado determina que a criança e o adolescente em virtude de sua condição de
pessoa em desenvolvimento necessitam de proteção e cuidados especiais. Frise-se,
o Princípio 2º da Declaração dos Direitos da Criança o qual assevera:

“Princípio 2º. A criança goza de proteção especial e a ela devem ser


concedidas oportunidades e facilidades, pela lei e por outros meios,
para torná-la capaz de desenvolver-se fisicamente, mentalmente,
moralmente, espiritualmente e socialmente, em condições normais e
saudáveis, de liberdade e dignidade. Buscando atingir esse objetivo,
na elaboração de leis, o melhor interesse da criança deve ser usado
como parâmetro.”

Cabe por oportuno, citar ainda o primeiro item do art. 3º da


Convenção Internacional dos Direitos da Criança, o qual determina que “Todas as
ações relativas às crianças, levadas a efeito por autoridades administrativas ou
órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da
criança.”.

O Brasil, ante a esta intensa modificação internacional no quadro de


direitos relativos à criança e ao adolescente, ratificou diversas das convenções que
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versavam acerca do tema em comento, conforme elucidam Beatrice Marinho Paulo e


José Marinho Paulo Junior:

“O Direito à Proteção Integral do Menor e o Princípio do Melhor


Interesse da Criança foram também previstos, respectivamente, pelo
art. 19 da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (Pacto
de São José da Costa Rica), em 1969, e, pelo art.3, nº 1, da
Convenção Internacional dos Direitos da Criança [10], em 1989.
Ambas as Convenções foram ratificadas pelo Brasil, sendo a primeira
através do Decreto n.º 678/92 e a segunda, pelo Decreto nº
99710/90. Desta forma, o Estado brasileiro incorporou, em caráter
definitivo, aqueles princípios em seu sistema jurídico, ainda mais
quando o art. 5º, § 2º da Constituição Federal é expresso ao declarar
que os direitos e garantias ali enumerados não excluem os oriundos
de tratados internacionais dos quais o Brasil seja parte.”

Ademais, vislumbra-se que o ordenamento jurídico brasileiro já


demonstrava certo respeito ao princípio do melhor interesse da criança, sendo que
inclusive no defasado Código de Menores promulgado em 1.979 fazia-se expressa
menção ao referido princípio, dispondo em seu art. 5º que “Na aplicação desta Lei, a
proteção aos interesses do menor sobrelevará qualquer outro bem ou interesse
juridicamente tutelado.”
Contudo, assevera-se que as convenções supracitadas não
introduziram qualquer meio coercitivo tendente a garantir os direitos nelas previstos.
Tratavam-se apenas de preceitos morais a serem seguidos pelos Estados
participantes dos tratados.

Coube, portanto ao legislador brasileiro buscar meios de garantir a


priorização dos direitos da criança e do adolescente. Por conseguinte o
ordenamento jurídico pátrio passou a adotar como preceitos constitucionais a
doutrina da proteção integral e o princípio do melhor interesse da criança, com o fito
de propiciar o pleno desenvolvimento dos infantes.

No entanto, com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a


expressa adoção da doutrina da Proteção Integral, o princípio do melhor interesse
ganhou nova ênfase. Senão vejamos o explicitado pela doutrinadora Andréa
Rodrigues Amin:
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“A Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças que


adotou a doutrina da proteção integral, reconhecendo direitos
fundamentais para a infância e adolescência, incorporado pelo artigo
227 da CF e pela legislação estatutária infanto-juvenil, mudou o
paradigma do melhor interesse da criança.” ( Amin, 2008, p. 27).

Nesta seara, o art. 227 da Constituição Federal de 1988 demonstra


a adoção deste princípio:

“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à


criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito
à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão”.

Ademais, vislumbra-se que além da Constituição Federal de 1988,


normas infraconstitucionais foram promulgadas com o intuito de viabilizar a
realização do melhor interesse da criança e sua proteção integral. O Estatuto da
Criança e do Adolescente de 1990 é um desses mecanismos legais, conforme
depreende-se de seus artigos 4º e art. 6º:

“Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e


do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade a efetivação dos
direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a)Primazia de receber proteção e socorro em quaisquer


circunstâncias;
b)Precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância
pública;
c)Preferência na formulação e na execução das políticas sociais
públicas;
d)Destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas
relacionadas com a proteção à infância e juventude.”
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“Art. 6º . Na interpretação desta Lei, levar-se-ão em conta os fins


sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos
e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e
do adolescente como pessoas em desenvolvimento.”

Frise-se que a enumeração de prioridades elencadas no art. 4º do


Estatuto da Criança e do Adolescente não é exaustiva, informando somente o
mínimo de cuidados exigíveis. Isto porque, seria impossível descrever
pormenorizadamente todas as situações em que se deveria considerar o melhor
interesse da criança.

Ademais, vislumbra-se que houve a clara intenção do legislador em


destinar proteção especial à criança e ao adolescente, em razão de sua condição
peculiar de pessoa em desenvolvimento. Para tal desiderato, instituiu-se que a
obrigação de proteger os menores não é atribuída única e exclusivamente à família,
mas também ao Estado e a sociedade. Neste diapasão, ilustra o doutrinador Dalmo
de Abreu Dallari:

“O apoio e a proteção à infância e juventude devem figurar,


obrigatoriamente, entre as prioridades dos governantes. Essa
exigência constitucional demonstra o reconhecimento da necessidade
de cuidar de modo especial das pessoas que, por sua fragilidade
natural ou por estarem numa fase em que se completa sua formação,
correm maiores riscos.” (Dallari, 2006, p. 40).

1.3 A Reestruturação do Poder Familiar à Luz do Princípio do


Melhor Interesse da Criança

Antes de adentrar no estudo das modificações atinentes ao poder


familiar no Código Civil de 2002, é imprescindível a compreensão do instituto no
antigo diploma.

A priori, vislumbra-se que o Código Civil de 1916 adotava a


expressão “pátrio poder” para definir a autoridade exercida pelos pais com relação
21

aos filhos menores. Tal instituto fora denominado “poder familiar” no Código Civil de
2002 e sofreu profundas alterações.

O pátrio poder encontrava-se disposto no art. 380 do Código Civil de


1916, o qual preceituava “Durante o casamento, exerce o pátrio poder o marido,
como chefe da família, e na falta ou impedimento seu, a mulher”. Depreende-se que
a própria nomenclatura ”patrio poder”, reflete o sexismo existente na sociedade
contemporânea a promulgação do Código Civil de 1916. Ademais, conforme
compreende-se da leitura do art. 380, o exercício do pátrio poder cabia tão somente
a figura paterna, e somente no caso de sua ausência ou impedimento era concedido
à mulher. As crianças, por sua vez, não eram consideradas sujeitos de direitos, mas
sim objetos de direito despidos de vontade própria.

Contudo, houve modificação em tal dispositivo formulada pela


promulgação do Estatuto da Mulher Casada. Conforme o referido estatuto, o pátrio
poder seria concedido a ambos os pais, no entanto, este seria exercido pelo marido
com a colaboração da mulher. Senão vejamos, o disposto na Lei 4.121/62 (Estatuto
da Mulher Casada):

“Art. 380. Durante o casamento compete o pátrio poder aos pais,


exercendo-o o marido com a colaboração da mulher. Na falta ou
impedimento de um dos progenitores passará o outro a exercê-lo com
exclusividade.

Parágrafo único. Divergindo os progenitores, quanto ao exercício do


pátrio poder, prevalecerá a decisão do pai, ressalvado à mãe o direito
de recorrer ao juiz para a solução da divergência.”

No entanto, ante as intensas modificações sociais e econômicas


enfrentadas pelo país, e principalmente tendo em vista a franca expansão dos
direitos femininos, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu o tratamento
isonômico ao homem e à mulher. Tornando despiciendo o dispositivo cível que
instituía a prevalência do marido no exercício do poder familiar. Assim, tem-se que a
Carta Magna preceitua em seu art. 226, § 5º “Os direitos e deveres referentes à
sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.
22

Tem-se ainda que a família igualmente sofreu profundas


transformações, tendo tornado-se mais igualitária e democrática, havendo uma
maior preocupação com os integrantes da entidade familiar e na proteção de seus
direitos. Passa-se a valorizar e tutelar o pleno desenvolvimento da dignidade da
pessoa humana, primordialmente em face da criança. Neste diapasão, coaduna o
doutrinador Paulo Luiz Netto Lobô:

“No que respeita à dignidade da pessoa da criança, o artigo 227 da


Constituição expressa essa viragem, configurando seu específico bill
of rigths, ao estabelecer que é dever da família assegurar-lhe 'com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária', além de
colocá-la 'à salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão'. Não é um direito
oponível apenas ao Estado, à sociedade ou a estranhos, mas a cada
membro da própria família. É uma espetacular mudança de
paradigmas.” (Lôbo, 2004, p.7-8).

Nestes termos, o ordenamento jurídico pátrio passa a identificar a


criança como sujeito de direitos, em condição especial de desenvolvimento,
devendo, portanto, ter seus interesses tutelados com prioridade. O Estado passa a
instaurar medidas específicas de proteção ao menor, em razão de sua fragilidade e
com o fito de propiciar a plenitude de sua formação.

Isto posto, vislumbra-se que o princípio do melhor interesse da


criança influenciou preponderantemente a mudança de diversos dispositivos legais
referentes ao Direito de Família. Nesta seara, ocorreu primeiramente a
reestruturação do Poder Familiar na Lei 8.069/90, a qual foi inovadora ao dispor em
seu art. 21:

“Art. 21. O pátrio poder será exercido, em igualdade de condições,


pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil,
assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância,
recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da
divergência.”
23

Pois bem, vislumbra-se claramente a inadequação do Código Civil


de 1916, frente às modificações tanto normativas quanto sociais ocorridas no país.
Tais mudanças impulsionaram a criação de um novo Código Civil que atendesse às
evoluções sociais e jurídicas ocorridas no país.

Acerca do surgimento do novo diploma cível assevera o doutrinador


Luiz Edson Fachin:

“No tempo das fragmentações legislativas e da despatrimonialização


do Direito privado, da constitucionalização do Direito de Família e da
defesa principiológica e valorativa das relações de afeto, o que se viu
produzir, no campo das representações políticas do Estado, foi o
novo Código Civil brasileiro”. (Fachin, 2008, p. 07).

Assim, fora promulgado em 10 de janeiro de 2002 o novo Código


Civil. Em consonância com o disposto constitucional e infraconstitucionalmente, o
Código Civil de 2002 adotou princípios como o da igualdade, da liberdade, da
responsabilidade, bem como do melhor interesse da criança, nos mecanismos legais
referentes ao poder familiar. Por óbvio, tem-se que o Código Civil de 2002 ainda é
limitado, contudo, em diálogo com o que anteriormente era previsto, depreende-se
que houve verdadeira revolução no Direito de Família. Assim frisemos a explanação
do ilustre doutrinador Luiz Edson Fachin:

“Igualdade, liberdade e responsabilidade são três princípios que estão


no capítulo da Constituição Federal sobre a família. No
relacionamento entre pais e filhos, a ordem jurídica deve se inspirar
em valores que fomentem um ambiente familiar sadio e equilibrado. O
novo Código Civil, em vigor desde janeiro de 2003, ao tratar do poder
familiar, acolhe essa ordem de pensamento, embora pudesse ter
avançado mais no sentido de reconhecer, sempre, o melhor interesse
da criança como núcleo central das preocupações do sistema
jurídico.” (Fachin, 2008, p. 14).

Com a promulgação do Código Civil de 2002, o instituto


anteriormente denominado “pátrio poder” passou a vigorar com a seguinte redação:
24

“Art. 1.631. Durante o casamento e a união estável, compete o poder


familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o
exercerá com exclusividade.

Parágrafo único. Divergindo os pais quanto ao exercício do poder


familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução
do desacordo.”

Assim, conforme já mencionado, a nomenclatura dada a este


instituto fora modificada uma vez que a expressão “pátrio poder”, fora substituída
pela denominação “poder familiar”. Tal mudança terminológica se deve ao fato de
que a expressão “pátrio poder” remetia ao exercício exclusivo e arbitrário do poder
pelo pai sobre a prole sendo esta, portanto, incompatível com os princípios
declamados pela Carta Magna.

Contudo, doutrinariamente, a expressão “poder familiar” têm sido


alvo de severas críticas, haja vista que esta evidencia somente a mudança ocorrida
conquanto aos detentores do poder, deixando de ser exclusivamente atribuído à
figura paterna, passando a pertencer aos integrantes do instituto familiar. No
entanto, assevera-se que não seria correta a denominação “poder familiar”, uma vez
que deveras este não consiste em uma forma de dominação dos pais sobre sua
prole, como remete a palavra “poder”, mas sim um meio de proteção integral dos
filhos. Ressalta-se que tem-se popularizado o termo “autoridade familiar” como o
mais correto, haja vista que este abarca melhor a reestruturação dada ao instituto à
luz dos princípios constitucionais. No que tange a definição terminológica, assevera
o doutrinador Paulo Lôbo:

“A denominação ainda não é a mais adequada, porque mantém a


ênfase no poder. Todavia, é melhor que a resistente expressão „pátrio
poder‟, mantida inexplicavelmente, pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei n. 8069/90), somente derrogada com o Código Civil.
Com a implosão, social e jurídica, da família patriarcal, cujos últimos
estertores se deram antes do advento da Constituição de 1988, não
faz sentido que seja reconstruído o instituto apenas deslocando o
poder do pai (pátrio) para o poder compartilhado dos pais (familiar). A
mudança foi muito mais intensa, na medida em que o interesse dos
pais está condicionado ao interesse do filho, ou melhor, ao interesse
de sua realização como pessoa em desenvolvimento.” (Lôbo, 2008, p.
268).
25

Muito além da modificação terminológica, o instituto do poder familiar


fora delineado sob novos contornos no Novo Código Civil. Deixou de constituir uma
forma de dominação dos pais em relação aos filhos, tornando-se um meio de
garantir o pleno desenvolvimento da criança.

Assim, depreende-se que a principal modificação ocorrida no Código


Civil de 2002, no que tange o poder familiar, é a visualização da criança como
sujeito de direitos que necessita para o seu desenvolvimento de cuidados
específicos e proteção. Divorcia-se, portanto, da ideia de que a criança é mero
objeto de direito dos pais, conforme era proclamado pelo Código Civil de 1916.

O exercício do poder familiar igualmente modificou-se, tendo como


escopo garantir às necessidades do infante. Assim, determina-se que no atual
ordenamento jurídico, o poder familiar caracteriza-se mais pelos deveres que lhe são
inerentes do que pelos direitos que advém deste. Os pais passam a ter a obrigação
de garantir o desenvolvimento pleno e saudável dos filhos, constituindo verdadeiro
múnus público. Acerca desta modificação, explana o doutrinador Paulo Lôbo:

“Em verdade ocorreu uma completa inversão de prioridades, nas


relações entre pais e filhos, seja na convivência familiar, seja nos
casos de situações de conflitos, como nas separações de casais. O
pátrio poder existia em função do pai; já o poder familiar existe em
função e no interesse do filho. Nas separações dos pais o interesse
do filho era secundário ou irrelevante; hoje, qualquer decisão deve
ser tomada considerando seu melhor interesse.” (Lôbo, 2008, p. 54).

Neste diapasão, o poder familiar é compreendido com uma


obrigação natural inerente aos pais, consubstanciada no provimento do pleno
desenvolvimento de sua prole. Portanto, divorcia-se do conceito de “pátrio poder”, o
qual era arbitrariamente exercido pelo pai em detrimento dos direitos dos filhos,
conforme já explanado. Assim, cita-se a conceituação do poder familiar elucidada
pela doutrinadora Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel:

“O poder familiar, pois, pode ser definido como um complexo de


direitos e deveres pessoais e patrimoniais com relação ao filho
menor, não emancipado, e que deve ser exercido no melhor interesse
deste último. Sendo um direito-função, os genitores biológicos ou
adotivos não podem abrir mão dele e não o podem transferir a título
gratuito ou onerososo.”(Maciel, 2008, p. 72).
26

Por conseguinte, o poder familiar constitui um poder-dever, pois


apesar de incutir autoridade aos pais para gerir a vida dos filhos, é acima de tudo um
múnus público. Neste sentido, a doutrinadora Maria Helena Diniz elucida acerca do
poder familiar:

“Esse poder conferido simultânea e igualmente a ambos os genitores,


e, especialmente, a um deles, na falta do outro (CC, art. 1690, 1ª
parte), exercido no proveito, interesse e proteção dos filhos menores,
advém de uma necessidade natural, uma vez que todo ser humano,
durante sua infância, precisa de alguém que o crie, eduque, ampare,
defenda, guarde e cuide de seus interesses, regendo sua pessoa e
seus bens. Com o escopo de evitar o jugo paterno-materno, o Estado
tem intervindo, submetendo o exercício do poder familiar à sua
fiscalização e controle ao limitar, no tempo, esse poder; ao restringir o
seu uso e os direitos dos pais.” (Diniz, 2010, p. 513)

Destarte, o Estado passa a fixar a limitação deste poder, fazendo


com que prevaleça os deveres em detrimento dos direitos concedidos aos pais.
Repele-se, portanto, o poder arbitrário e intransigente sobre os filhos não sendo, a
autoridade familiar, absoluta.

Não obstante, a ausência do cumprimento dos deveres vinculados


ao exercício do poder familiar enseja punição prevista na Lei 8069/90 em seu art.
249. Acarreta ainda sanções cíveis e criminais. Por exemplo, na seara cível deixar o
filho em abandono acarreta a perda do poder familiar, conforme art. 1.638, II do
Código Civil de 2002. No que tange às sanções penais, vislumbra-se que são
tipificadas as condutas de abandono material e intelectual do filho, compreendidas
respectivamente nos artigos 244 e 246 do Código Penal Brasileiro.

Ademais, deve-se compreender que o poder familiar constitui um


múnus público, haja vista que trata-se de um direito-função estando em uma posição
intermediária entre o poder e o direito subjetivo, conforme assevera a doutrinadora
Maria Helena Diniz (2009).
27

Vislumbra-se ainda, que o poder familiar é indisponível, haja vista


que não poderá ser delegado a outrem. Mesmo na hipótese em que o pai consinta
na adoção de seu filho, não haverá a delegação do poder, mas sim a renúncia deste.

O poder familiar é ainda imprescritível, ou seja, mesmo que os pais


deixem de exercê-lo por determinado período de tempo, este não extingue-se. Só
haverá a extinção nas hipóteses definidas em lei.

Destarte, o poder familiar é também indivisível. Contudo, poderá


haver a divisão de seu exercício, por exemplo, nos casos de pais separados. Nesta
hipótese cada um dos genitores deverá se ocupar de determinados deveres inerentes
a este poder. Nestes termos, não será possível a cisão do poder familiar, porém os
pais poderão reger e administrar em consenso a vida dos filhos.

Neste diapasão, cita-se a caracterização do poder familiar descrita


pela doutrinadora Maria Berenice Dias:

”O poder familiar é irrenunciável, intransferível, inalienável,


imprescritível e decorre tanto da paternidade natural como da filiação
legal e da socioafetiva. As obrigações que dele defluem são
personalíssimas. Como os pais não podem renunciar aos filhos, os
encargos que derivam da paternidade também não podem ser
transferidos ou alienados.“ (Dias, 2010, p. 414).

É imprescindível o entendimento do exercício deste poder, que se


reveste muito mais de obrigações do que de direitos propriamente ditos. Pois bem, o
poder familiar é exercido não com o fito de conceder direitos aos pais, uma vez que
tais direito encontram-se vinculados a deveres cujos titulares são os filhos, mas sim
com o intuito de preservar o melhor interesse da criança e seu pleno
desenvolvimento. Assim assevera o doutrinador Paulo Lôbo. Senão vejamos:

“Em matéria de exercício do poder familiar, deve-se ter presente o


seu conceito de conjunto de direitos e deveres tendo por finalidade o
interesse da criança e do adolescente. Os pais não exercem poderes
e competências privados, mas direitos vinculados a deveres e
cumprem deveres cujos titulares são os filhos. Por exemplo, os pais
28

têm o direito de dirigir a educação e a criação de seus filhos e, ao


mesmo tempo, o dever de assegurá-las.”( Lôbo, 2008, p. 275)

Porém, ressalta-se que o exercício do poder familiar não é


concedido única e exclusivamente aos pais. Na atual conjectura social, ante os
diversos formatos de entidades familiares presentes no Brasil, torna-se impossível
engessar o ordenamento jurídico pátrio atribuindo o exercício do poder familiar
apenas aos pais. Muito embora os textos legais evoquem tal preceito, deve-se tratar
com a devida acuidade estas hipóteses, empregando para tanto o princípio da
interpretação em conformidade com a Constituição, bem como o princípio do melhor
interesse da criança. Neste sentido, corrobora o entendimento do doutrinador Paulo
Lôbo:

“Ante o princípio da interpretação em conformidade com a


Constituição, a norma deve ser entendida como abrangente de todas
as entidades familiares, onde houver quem exerça o múnus, de fato
ou de direito, na ausência de tutela regular, como se dá com irmão
mais velho que sustenta os demais irmãos na ausência de pais, ou de
tios em relação a sobrinhos que com ele vivem.” (Lôbo, 2008, pág.
272).

Nestes termos, a situação padrão é a da divisão do exercício do


poder familiar entre os pais casados ou comprometidos pela união estável, contudo
existem diversos outros formatos de família que não são tutelados em lei, mas que
possuem o mesmo poder-dever em relação ao infante.

Ademais, conforme já ressalvado, os pais separados permanecem


exercendo normalmente o poder familiar. Assim, mesmo que o filho encontre-se
sobre a guarda de somente um dos genitores, este não possuirá exclusivamente o
poder familiar. Ao outro genitor caberá o direito de visitas, bem como o direito de
influir em todas as decisões relativas ao infante. Poderá ainda, quando discordar do
pai detentor da guarda, recorrer à justiça com o fito de assegurar o que for melhor
para a criança. Neste termos, assevera a doutrinadora Maria Berenice Dias:
29

”Solvido o relacionamento dos pais, nada interfere no poder familiar


com relação aos filhos (CC 1.632).O exercício do encargo familiar
não é inerente à convivência dos cônjuges ou companheiros. É plena
a desvinculação legal da proteção conferida aos filhos à espécie de
relação dos genitores. Todas as prerrogativas decorrentes do poder
familiar persistem mesmo quando do divórcio dos genitores, o que
não modifica os direitos e deveres em relação aos filhos (CC 1.579).
Também a dissolução da união estável, não se reflete no exercício do
poder familiar. Em caso de divergência, qualquer um dos pais pode
socorrer-se da autoridade judiciária (CC 1.631 parágrafo único).“
(Dias, 2010, p. 416).

O ideal seria que as decisões acerca da criação do menor fossem


tomadas em harmonia pelos pais. No entanto, tornou-se corriqueiro os embates
judiciais versando sobre discordância dos genitores com relação ao destino de seus
filhos, os quais tornam-se objetos do litígio. Cita-se, por oportuno, o doutrinador
Paulo Lôbo:

”O poder familiar é exercido em conjunto pelos pais, no casamento e


na união estável, diz a lei. Essa é a situação padrão, da convivência
familiar entre ambos os pais e os filhos, presume-se que haja
harmonia no exercício, o que supõe permanente estado de
conciliação das decisões dos pais, com concessões recíprocas,
equilíbrio, tolerância e temperança. A vontade de um não pode
prevalecer sobre a do outro. Não é fácil o exercício da co-
parentalidade quando esses valores são substituídos pela imposição
de um contra o outro ou pela intransigência de um ou de
ambos.”(Lôbo, 2008, p. 273).

Ainda conquanto ao exercício do poder familiar, o Código Civil de


2002 elenca em seu art. 1.634 às competências atribuídas aos pais. Senão vejamos:

“Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:
30

I - dirigir-lhes a criação e educação;


II - tê-los em sua companhia e guarda;
III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;
IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico,
se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não
puder exercer o poder familiar;
V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida
civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem
partes, suprindo-lhes o consentimento;
VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;
VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços
próprios de sua idade e condição.”

Prima facie, cabe adentrar na considerada a mais importante


dentre as obrigações atribuídas aos pais, qual seja, a de direção da criação e da
educação do filho. Tal conceito abrange não somente a formação intelectual do
menor, como também moral, política e espiritual, visando seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Em consonância,
menciona o doutrinador Washington de Barros Monteiro:

”O poder familiar é conceituado, cada vez mais, como um


poder educativo de caráter social. Assiste, pois, aos genitores o
encargo de velar pela formação dos filhos, a fim de torná-los
úteis a si, à família e à sociedade. Dentre essas obrigações
está a de matricular o filho na rede regular de ensino.“
(Monteiro, 2007, p. 350)

Neste diapasão, assevera-se que existe o ”poder“ dos pais de


definirem qual será o método de educação aplicado ao filho, bem como optar
pelo ensino público ou privado. Ao mesmo tempo que existe um ”dever“ destes
de matricular seu filho na rede regular de ensino, cabendo inclusive sanção
penal ao pai que deixar de cumprir tal obrigação, nos termos do art. 246 do
Código Penal.

Tendo em vista que o ensino é um direito subjetivo público, o


Estado deverá, em conjunto com a família, promover e incentivar a educação
dos menores. Nestes termos, a jurisprudência tem entendido inclusive, que na
31

hipótese dos pais não conseguirem fazer com que os filhos frequentem a
escola, o Estado deverá intervir, disponibilizando acompanhamento psicológico
a quem se nega estudar.

No que tange o direito dos pais de ter o filho em sua


companhia, verifica-se que este é igualmente um poder-dever. Constitui um
dever, pois os pais devem proporcionar aos filhos à sua companhia bem como à
convivência familiar. Manifesta-se como direito, pois os pais podem fixar a
residência do filho e exigir que este não se ausente sem a devida permissão. O
direito de guarda possibilita ainda que os pais fiscalizem dentro e fora do
domicilio, dentre outras prerrogativas.

Conforme anteriormente citado, com a ruptura do laço


matrimonial não extingue-se o poder familiar. Contudo, este passa a ser
exercido em conjunto pelos pais separados. O direito de guarda igualmente não
deve ser atribuído a apenas um dos genitores, conforme alteração estabelecida
pela Lei 11.698/2008, o art. 1.584, § 2º do Código Civil de 2002 dispõe que
“quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será
aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada”. Assim os pais
continuariam com as mesmas tarefas inerentes ao poder familiar que lhe eram
atribuídas à época do matrimônio, acompanhando e convivendo conjuntamente
com o desenvolvimento de seu filho.

Isto posto, tem-se questionado severamente o denominado


”direito de visita“, uma vez que o correto seria direito à convivência, uma vez
que a separação do casal não enseja a perda deste direito. Neste diapasão,
critica o doutrinador Paulo Lôbo:

”O direito de visita, interpretado com a Constituição (art. 227), é


direito recíproco de pais e dos filhos à convivência, de
assegurar a companhia de um com os outros,
independentemente da separação. Por isso, é mais correto
dizer direito à convivência, ou à companhia, ou ao contato
(permanente), do que direito de visita (episódica).“ (Lôbo, 2008,
p. 30).
32

É ainda de competência dos pais, a concessão de permissão


para o casamento, aos filhos maiores de 16 anos e menores de 18 anos, sendo
nula a permissão para o matrimônio referente a filhos menores de 16 anos.
Ademais, na hipótese de divergência entre os pais, é assegurado a qualquer
deles ou ao próprio filho acionar o judiciário com o fito da solução da discórdia.

Caberá ainda ao pai, nomear tutor ao filho, por testamento ou


documento autêntico, se o outro dos pais lhe não sobreviver, ou o sobrevivo
não puder exercitar o poder familiar. Frise-se que esta hipótese só é cabível,
quando o outro genitor já veio a óbito ou é incapaz de exercer o poder familiar,
haja vista que não seria lícito um dos pais privar o outro do poder que lhe é
inerente.

É atribuído aos pais o dever de representar os filhos quando


estes são menores de 16 anos, e assisti-los quando maiores de 16 anos e
menores de 18 anos. Assim, os filhos só obterão capacidade civil após
completarem 18 anos, só então estarão aptos a postular em juízo, por exemplo.

Esta ainda entre a competência dos pais conferida pelo poder


familiar, o direito de reclamar os filhos de quem ilegalmente os detenha. Para
tanto deverá ser ensejada ação de busca e apreensão.

Por fim, os pais poderão exigir que os filhos lhes prestem


obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. Contudo
deve-se analisar com ressalva tal preceito, uma vez que não deverá existir
abuso no exercício dessa prerrogativa.
33

2. REFLEXÕES ACERCA DA SÍNDROME DA ALIENAÇÃO


PARENTAL

2.1 Polêmicas sobre a Síndrome da Alienação Parental

O termo Síndrome da Alienação Parental, popularmente


conhecido como SAP, foi estabelecido pelo professor especialista do
Departamento de Psiquiatria Infantil da Universidade de Colombia e perito
judicial, Richard Gardner, em 1985. Gardner (2002), com base em suas
experiências no sistema judiciário norte-americano, constatou que certas
crianças desenvolviam uma série de sintomas psicológicos específicos ao
serem expostas em disputas judiciais de custódia em que figuravam como
partes seus genitores. Verificou-se ainda, que estas crianças demonstravam
animosidade exacerbada em desfavor de um dos pais, principalmente sob
aquele que não possuía a guarda da mesma.

Preliminarmente, Richard Gardner (2002) entendeu tratar-se de


uma manifestação de brainwashing (lavagem cerebral) empreendida pelo
genitor-guardião em face da criança, com o intuito de programá-la a rejeitar e
denegrir o outro pai, sem qualquer motivo aparente. Contudo, posteriormente
compreendeu não tratar-se de simples lavagem cerebral, haja vista que a
criança colaborava para a “campanha depreciativa” do genitor.

Neste sentido, assevera Richard Gardner acerca da suposta


síndrome:

“A Síndrome de Alienação Parental (SAP) é um distúrbio da


infância que aparece quase exclusivamente no contexto de
disputas de custódia de crianças. Sua manifestação preliminar
é a campanha denegritória contra um dos genitores, uma
campanha feita pela própria criança e que não tenha nenhuma
justificação. Resulta da combinação das instruções de um
genitor (o que faz a “lavagem cerebral, programação,
34

doutrinação”) e contribuições da própria criança para caluniar o


genitor-alvo. Quando o abuso e/ou a negligência parentais
verdadeiros estão presentes, a animosidade da criança pode
ser justificada, e assim a explicação de Síndrome de Alienação
Parental para a hostilidade da criança não é aplicável.”
(Gardner, 2002, p. 02)

Todavia, esse conceito estipulado por Gardner não é absoluto,


sendo que existem diversas variações entre os estudiosos do tema. Há
confusão inclusive quanto à determinação do indivíduo que sofre da Síndrome
de Alienação Parental. Alguns psicólogos entendem que o genitor-alienador é,
conjuntamente com a criança, portador da síndrome. Porém, Gardner (2002)
assevera que a SAP refere-se exclusivamente à criança, sendo que o genitor
programador possui um distúrbio psicológico diverso.

Neste diapasão, Ullmann apud Analicia Martins de Sousa


(2011) entende que “a Síndrome da Alienação Parental pode ser definida como
atitudes do genitor guardião da criança que visam influenciá-la para que odeie
o outro genitor mesmo sem fundamento real”.

Assevera-se que em detrimento do que enunciava Richard


Gardner (2002) em suas diversas publicações acerca da clareza e
plausibilidade do diagnóstico da síndrome, muitas são as críticas quanto à
existência do referido distúrbio. Ademais, a não inclusão da Síndrome da
Alienação Parental no DSM IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais) gerou ainda mais controvérsias conquanto ao uso deste
termo, principalmente no âmbito dos tribunais. Assim, havia uma preleção pela
utilização de outros diagnósticos devidamente descritos no DSM IV, ou mesmo
pela referência apenas a “alienação parental”.

Contudo, Richard Gardner (2002) entendeu não ser apropriada


a utilização do termo Alienação Parental (AP) haja vista que este compreende
uma gama de fatores muito abrangentes pelo qual a criança rechaçaria o
genitor. Assim, segundo o autor seriam hipóteses de alienação parental: o
abuso sexual, o abuso psicológico, os maus tratos, o abandono moral do
infante; ou seja, qualquer situação grave o suficiente para “alienar” a criança do
35

convívio do pai. Neste diapasão, a “alienação parental” em desfavor de um


genitor agressor é plenamente justificável. No que se refere a SAP, esta
pressupõe que um dos pais, denominado alienador, programe a criança para
denegrir e rejeitar o outro genitor, dito alienado, sem qualquer motivo
justificável.

Assim, assevera Richard Gardner sob a discussão em testilha:

“O problema com o uso do termo AP é que há muitas razões


pelas quais uma criança pode ser alienada dos pais, razões
que não têm nada a ver com programação. Uma criança pode
ser alienada de um pai por causa do abuso parental da criança
- por exemplo: físico, emocional ou sexual. Uma criança pode
ser alienada por causa da negligência parental. As crianças
com transtornos de conduta frequentemente são alienadas de
seus pais, e os adolescentes atravessam geralmente fases de
alienação. A SAP é vista como um subtipo da alienação
parental. Assim sendo, substituir o termo AP pelo de SAP não
deveria causar confusão, mas causa.” (Gardner, 2002, p. 02).

Ainda segundo Gardner, em sede de disputas judiciais os


peritos responsáveis pela avaliação psicológica dos genitores, bem como da
criança alienada, sentiam-se desconfortáveis ao utilizar a expressão Síndrome
da Alienação Parental, uma vez que esta não encontrava-se listada no DSM IV.
Ao mencionarem a SAP, estes temiam que fossem desacreditados pela tese da
defesa do genitor-guardião, fundamentada na inexistência de tal distúrbio, e na
consequente ausência de tratamento ou punição com base em tal diagnóstico.
Isto posto, os psicólogos nomeados a realizar o laudo pericial
preferencialmente utilizavam-se de outros diagnósticos de distúrbios com
sintomas semelhantes a SAP, os quais encontravam-se devidamente descritos
no DSM IV.

No que tange os diagnósticos previstos no DSM IV aplicáveis


às crianças vítimas de SAP, Richard Gardner destaca o “transtorno de conduta”
como o mais utilizado em avaliações psicológicas. Este distúrbio pressupõe por
parte do infante “um comportamento repetitivo e persistente, no qual os direitos
básicos dos outro, assim como normas/regras sociais importantes adequadas à
36

idade, são violados”. No entanto, Gardner (2002) assevera ser inviável a


substituição deste diagnóstico pela SAP, haja vista que este não abarca a
programação do genitor-alienador em face da criança, que por sua vez
somente contribui para a “campanha de depreciação” do outro pai.

Ademais, vislumbra-se que diversas outras síndromes


inerentes às situações de litígio conjugal são contemporâneas ao surgimento
da SAP, e igualmente foram utilizadas pelos peritos em substituição ao
diagnóstico desta, sem, no entanto constarem em nenhum manual psiquiátrico
de classificação de transtornos mentais. Conforme afirma Sousa (2011), dentre
as síndromes mais conhecidas destaca-se a “Sexual Allegations in Divorce
Syndrome” (SAID), a qual fora descrita pelos psicólogos Blush e Roos em 1986
e referia-se a imputação de falsas acusações de abuso sexual. No contexto
atual, as denúncias infundadas de abuso sexual têm sido consideradas por
muitos autores sintomas de SAP no estágio avançado.

Ainda segundo Sousa (2011), merecem relevo as síndromes


referentes exclusivamente às mães, tais como a Medea Syndrome (Síndrome
de Medeia) e Divorce Related Malicius Motheer Syndrome (Síndrome da Mãe
Malvada no Divórcio). A Síndrome de Medeia surgiu em 1988, e fora defendida
por Jacobs e Wallerstein. O nome refere-se à personagem mitológica que mata
os próprios filhos, no intuito de vingar-se da traição de seu marido. Como na
estória, a mãe atingida pela Síndrome de Medeia utilizaria de seus próprios
filhos na saga por vingança contra o ex-cônjuge. Quanto a Síndrome da Mãe
Malvada no Divórcio, esta fora criada em 1994 por Turkat e refere-se à genitora
que interfere maldosa e incessantemente na relação dos filhos com o pai, com
o fito de afastá-los e consequentemente de vingar-se do ex-marido.

Não por acaso, estas síndromes foram “detectadas” em datas


tão próximas uma das outras. As profundas mudanças sociais, culturais e
legislativas na década de 70 ocasionaram esta reestruturação dos papéis
parentais e o surgimento de novos conflitos judiciais referentes a estes papéis.
Em uma análise mais atida constatamos que estas “síndromes” possuem
37

grandes conexões com o momento histórico vigente à época do surgimento


destas. Acerca dessa relação, elucida a psicóloga Analicia Martins de Sousa:

“Segundo Rand (1997), as síndromes mencionadas, incluindo a


SAP, surgiram como resultado de transformações sociais
ocorridas em meados dos anos 1970. Época em que o
tratamento legal acerca do divórcio, em diversos estados norte-
americanos, deixou de priorizar à mulher quanto a guarda dos
filhos menores de idade e passou a respaldar,
preferencialmente, a guarda compartilhada e o critério do
melhor interesse da criança. Vale mencionar que essa
perspectiva é também adotada por Gardner (2001a) para
justificar o aumento de casos em sua prática clínica,
identificados por ele como sendo de SAP” (Rand apud Sousa,
2011, p. 101)

Contudo, neste primeiro momento façamos somente uma breve


reflexão quanto à clareza da existência da Síndrome da Alienação Parental,
bem como seus possíveis sintomas, e posteriormente adentraremos no mérito
das influências sociológicas e jurídicas na criação deste distúrbio.

Preliminarmente, cabe por oportuno, citar a conceituação de


síndrome descrita por Gardner:

“Uma síndrome, pela definição médica, é um conjunto de


sintomas que ocorrem juntos, e que caracterizam uma doença
específica. Embora aparentemente os sintomas sejam
desconectados entre si, justifica-se que sejam agrupados por
causa de uma etiologia comum ou causa subjacente básica.
Além disso, há uma consistência no que diz respeito a tal
conjunto naquela, em que a maioria (se não todos) os sintomas
aparecem juntos. O termo síndrome é mais específico do que o
termo relacionado a doença. Uma doença é geralmente um
termo mais geral, porque pode haver muitas causas para uma
doença particular. Por exemplo, a pneumonia é uma doença,
mas há muitos tipos de pneumonia- p.ex., pneumonia
pneumocócica e broncopneumonia - cada uma delas tem
sintomas mais específicos, e cada qual poderia razoavelmente
ser considerado uma síndrome (embora não haja o costume de
se utilizar comumente esse termo).” (Gardner, 2002, p.02).

Neste diapasão, Gardner elenca ainda o conjunto de sintomas


que caracterizam o diagnóstico da SAP, senão vejamos:
38

“Similarmente, a SAP é caracterizada por um conjunto de


sintomas que aparecem na criança geralmente juntos,
especialmente nos tipos moderado e severo. Esses incluem:

1. Uma campanha denegritória contra o genitor alienado.

2. Racionalizações fracas, absurdas ou frívolas para a


depreciação.

3. Falta de ambivalência.

4. O fenômeno do “pensador independente”.

5. Apoio automático ao genitor alienador no conflito parental.

6. Ausência de culpa sobre a crueldade a e/ou a exploração


contra o genitor alienado.

7. A presença de encenações „encomendadas‟.

8. Propagação da animosidade aos amigos e/ou à família


extensa do genitor alienado.” (Gardner, 2002, p. 03).

Contudo, apesar da argumentação positiva do autor no que


tange a existência da síndrome, existem poucos materiais de pesquisa que
abordam e definem completamente tal tema. O próprio Gardner, considerado o
maior estudioso no assunto, limita-se em seus trabalhos ao expor que a
identificação dos sintomas da síndrome se deve a anos de sua experiência e
trabalho em disputas judiciais envolvendo infantes. No entanto, não existem
pesquisas ou dados reais, específicos, que corroborem com este
assentamento. Apresentar a SAP como incontestável, frente às inúmeras
ocorrências de rejeição da criança contra o pai em sede de litígios conjugais, é
no mínimo precipitado, posto que outros fatores influenciam
preponderantemente nestas situações.

Gardner (2002) sustenta-se ainda na clareza e obviedade do


diagnóstico da SAP, sendo que em detrimento do exposto, a própria
conceituação da síndrome é alvo de muitas controvérsias entre estudiosos.
Para Gardner, a negativa da existência da síndrome é inadmissível, haja vista
que a maioria dos sintomas manifesta-se juntos.
39

Ademais, Gardner (2002) determina que a grande controvérsia


existente em relação a SAP, deve-se aos adversários, ou seja, aos genitores-
alienadores, nas disputas judiciais. Estes na tentativa de camuflar e continuar
sua incisiva programação em face do filho, tentam por todos os meios
desconstituir e invalidar o diagnóstico de Síndrome de Alienação Parental.
Como anteriormente mencionado, um dos argumentos mais fortes é a ausência
da descrição da SAP no DSM IV.

O autor, em sua ânsia de tornar irrefutável a existência da


síndrome chega a compará-la com a AIDS, conforme se depreende deste
trecho:

“Há algumas pessoas, especialmente adversários nas disputas


de custódia de crianças, que alegam que não existe uma
entidade tal como a SAP. Essa posição é especialmente
provável que seja tomada pelos profissionais de saúde legal e
mental que estão apoiando o lado de alguém que é claramente
um programador da SAP. O argumento principal dado para
justificar essa posição é que a SAP não aparece no DSM-IV.
Dizer que a SAP não existe porque não é listada no DSM-IV é
como dizer em 1980 que a AIDS (síndrome de imuno-
deficiência adquirida) não existia porque não foi listada até
então em livros de texto médicos de diagnósticos-padrão. O
DSM-IV foi publicado em 1994.” (Gardner, 2002, p. 04)

Não obstante, apesar do intuito de Gardner de tornar óbvia e


certa a SAP entre os estudiosos, esta demonstra-se demasiadamente
controversa. Existe uma intensa discordância no meio acadêmico quanto à
existência, o conjunto sintomático, o diagnóstico e o tratamento adequado para
a referida síndrome. Isto porque não existe uma pesquisa abrangente sobre o
assunto. Gardner (2002) somente defende-se com o argumento de que a
existência da síndrome é óbvia, e que seu diagnóstico é facilmente realizado
por um profissional da área. Afirma ainda que circulam atualmente diversas
publicações e pesquisas acerca do distúrbio em testilha.

Contudo, não merece respaldo assertiva de que a


manifestação de sintomas similares no mesmo grupo de pessoas seja o
consequente nascimento de uma síndrome. Sem um estudo preciso e
minucioso, não pode-se levantar tal hipótese. No estudo da SAP, encontra-se
40

exatamente isto: a ausência de uma pesquisa aprofundada acerca do tema. É


certo que existem diversas publicações referentes ao tema, a maioria delas
baseadas nos estudos realizados por Gardner, os quais não foram inteiramente
conclusivos. Em consonância ao disposto, a psicóloga Analicia Martins de
Sousa, obtempera:

“O psiquiatra norte-americano afirma a existência da SAP sem,


contudo, apresentar dados obtidos por meio de pesquisas
científicas que embasem o conceito por ele criado. Ao que
parece, a defesa que faz em relação a SAP ampara-se antes
em seus argumentos do que em métodos científicos. Nesse
sentido, vale destacar a análise que Escudero, Aguilar e Cruz
(2008) realizaram sobre os escritos de Gardner. Esses autores
concluíram que o psiquiatra norte-americano amparou-se
fundamentalmente em analogias com certas doenças (mas não
com transtornos psiquiátricos) e argumentações supostamente
lógicas para comprovar que sua teoria aborda uma síndrome
de fato. Aliado a isso, continuam os autores, Gardner utiliza-se
do consenso com outros profissionais que pensam de forma
similar a ele, como forma de evidência científica de suas
afirmações ou de sua teoria. (Sousa, 2011, p. 121-122).

2.2 A “Vilã” Alienadora e o Mito do Primado Materno

Conforme aludido anteriormente, o tema em comento possui


grandes controvérsias, principalmente devido à ausência de estudos
aprofundados sobre este. O surgimento deste fenômeno de repúdio da criança
em relação a um dos genitores na constância de uma disputa judicial é ainda
mais obscuro para os doutrinadores, haja vista que existem diversos
entendimentos sobre este fato. Gardner aponta para uma causa patológica
derivada da atuação do genitor sobre a prole, contudo existem estudos que
determinam como causa para tal fenômeno as mudanças sociais e jurídicas.

Destaca-se, preliminarmente, a hipótese sustentada por


Gardner (2002), qual seja o fenômeno supracitado decorre da manifestação de
uma síndrome (SAP). Segundo o autor, no contexto de disputas judiciais de
custódia o genitor guardião influenciaria o filho a rebelar-se contra o outro pai,
41

dando ensejo ao aparecimento da SAP. A criança, em um primeiro momento


agiria de tal forma somente para agradar o genitor, dito alienador, contudo com
o decorrer do tempo ela acreditaria nas memórias que lhe foram inculcadas
pelo guardião e o laço afetivo com o outro pai seria completamente rompido.

Portanto, a síndrome desencadeia-se devido a uma grande


influência exercida pelo genitor guardião em face da criança, tendente a fazê-la
odiar e rejeitar o pai sem qualquer justificativa plausível. O alienador utiliza-se
de estratagemas e dramatizações para conseguir seu objetivo de denegrir o
outro genitor. Induz ainda, a criança a tomar partido nesta guerra, usando-a
para vingar-se do ex-cônjuge. Assim, explana o psicólogo Evandro Luiz Silva:

“Quando a separação é marcada por muitas brigas e


desentendimentos, fugindo do controle do alienador em
potencial, ele vai, de uma maneira insidiosa, persuadindo seus
filhos, levando-os a um afastamento progressivo do outro
progenitor. Começa com um espaçamento de visitas, e
reiteradamente sua supressão, deixando um tempo grande
sem contato, para que seja suficiente para as crianças
sentirem-se desamparadas. Vale destacar que a noção de
tempo é vivenciada de forma diferente pelas crianças e, assim,
um afastamento curto sob a perspectiva dos adultos pode ser
experienciado como abandono na perspectiva da criança".
(Silva, 2007, p. 28).

O genitor alienador age sempre com o intuito de obstruir o


contato da criança com o outro pai, enfraquecendo a relação de afeto existente
entre este e a criança. O alienador aproveita-se ainda desta condição, para
deturpar a imagem que a criança possui do pai, fazendo com que esta
incorpore o seu discurso rancoroso. Assim, o filho passa a fantasiar uma
situação de abandono que na verdade não existe.

Tal situação, conforme auferem alguns estudiosos sobre o


tema, deve-se ao fato de que a criança ainda não possui o sistema cognitivo
completo, ou seja, não é completamente madura para discernir o que se passa
ao seu redor. Assim, muitas vezes as crianças embasam-se nas percepções de
seus pais em detrimento das suas próprias percepções da realidade. Na
hipótese do guardião empreender investidas sobre sua prole com o intuito de
42

denegrir o genitor alvo, é muito provável que a criança desenvolva certa


aversão a este por compreender que o guardião diz a verdade. Ocorre, neste
momento, que a criança passa a compartilhar da distorção sofrida pelo genitor
alienador. Neste sentido assevera a psicóloga Maria Antonieta Pisano Motta:

“Como as crianças acreditam muito mais nas percepções dos


seus pais do que nas próprias percepções, elas participam de
qualquer distorção perceptiva ou 'delusão' que seja
compartilhada com elas por um genitor, a menos que haja
fatores mitigadores, atenuantes. Outras teorias como a
psicanalítica também apresentam explicações para essa
distorção de percepção da criança atrelando-a à dependência
emocional que a criança/adolescente tem da mãe ou a
questões edípicas não adequadamente 'resolvidas', tal como
odiar o pai por quem se sentiu traída numa identificação com a
mãe em seu papel junto ao pai.” (Motta, 2007, p. 48).

Em um primeiro momento, a criança manifesta-se contraria ao


genitor alienado, única e exclusivamente por medo de desagradar o seu
guardião. Ela encontra-se em uma crise de lealdade, de um lado encontram-se
as lembranças da convivência com um pai amoroso e preocupado, do outro se
encontram as falsas acusações estipuladas pelo alienador, segundo o qual o
pai “abandonou-os”, “traiu-os”, e, portanto não se importa mais com eles.

O genitor alienador utiliza-se de ardis e simulações para incutir


o ressentimento que sente do ex-cônjuge na criança. Chega inclusive a
chantagear o próprio filho para que este o “escolha” em detrimento do outro pai,
colocando a criança em um impasse. Normalmente, o filho optará pelo
guardião, haja vista que compreende ser dependente sobremaneira deste.
Assim, dispõe Maria Antonieta Pisano Motta:

“É normal que o genitor alienador ameace o filho de abandoná-


lo ou de mandá-lo viver com o outro genitor. A criança é posta
numa situação de dependência e fica submetida regularmente
a provas de lealdade. Este procedimento atua sobre a emoção
mais fundamental do ser humano: o medo de ser abandonado.”
(Motta, 2007, p. 49).
43

Neste sentido, a criança é levada a optar pela defesa de um


dos genitores em detrimento do outro, prevalecendo, na maioria dos casos, o
guardião pela maior dependência que a criança possui deste.

Frise-se, por oportuno, o enunciado pela psicóloga e


psicanalista Maria Antonieta Pisano Motta:

“Os conflitos de lealdade caracterizam-se como a necessidade


imposta às crianças de escolher entre seus pais. Quando
vítimas desse conflito elas tendem a defender, tomar partido,
proteger um dos genitores e a renegar, afastar-se e acusar o
outro, o que as leva intenso sofrimento.” (Motta, 2007, p. 52-
53).

Desta forma, em meio às contendas litigiosas o guardião


estabelece uma “aliança” com o filho no intuito de vingar-se do genitor
alienado. Nestes termos, o guardião relega o bem-estar da criança a segundo
plano, dando maior atenção à destruição dos laços afetivos existentes entre pai
e filho, com o intuito de prejudicar o ex-cônjuge. Acerca desta “aliança” a
estudiosa Analicia Martins de Sousa cita Giberti:

“Giberti (1985) assinala que a contenda entre os ex-cônjuges


pode contribuir para que os filhos estabeleçam uma aliança em
favor de um desses. Por vezes, os genitores empenham-se em
um processo de desqualificação e de desautorização da outra
figura parental no intuito de 'ganhar' os filhos, isto é, tê-los
apenas para si.” (Giberti apud Sousa, 2011, p. 37)

A pretensão do genitor alienador é desfazer o vínculo da


criança com o outro pai, bem como tornar-se o único adulto em quem esta
possa confiar. Ele considera-se o único capaz de cuidar suficientemente bem
de seu filho, tornando inviável a aproximação de qualquer outro adulto.
Ademais este cria um vínculo simbiótico com a sua prole, onde o outro pai é
indesejável.

Segundo Gardner (2002), o genitor guardião (consciente ou


inconscientemente) induz a manifestação da síndrome da alienação parental no
próprio filho. Alguns autores ressaltam que o surgimento do comportamento
44

alienante por parte do guardião pode mesmo anteceder a ruptura conjugal, haja
vista tratar-se de um traço psicológico deste. Assim, a psicóloga Analicia
Martins de Sousa menciona o disposto por Silva e Resende:

“entendemos que só comportamentos que remetem a uma


estrutura psíquica já constituída, manifestando-se de forma
patológica quando algo sai de seu controle. São pais instáveis,
controladores ansiosos, agressivos, com traços paranoicos, ou
em muitos casos, de uma estrutura perversa” (Silva e Resende
apud Sousa, 2011, p. 156).

Isto posto, verifica-se que o cenário da separação judicial seria


somente o estopim para o aprofundamento de um distúrbio psicológico
preexistente no genitor alienador. Neste momento de fragilidade, o alienador
utiliza-se preponderantemente do filho para mover uma vingança patológica
contra o outro genitor. Conquanto a figura do alienador, a psicóloga Maria
Antonieta Pisano Motta, dispõe:

“O alienador não respeita as regras e costuma não obedecer às


sentenças judiciais. Presume que tudo lhe é devido e que as
regras são só para os outros. É às vezes sociopata e sem
consciência moral. É incapaz de ver a situação de outro ângulo
que não o seu e especialmente o ponto de vista e interesse dos
filhos são ignorados. Não distingue a diferença entre dizer a
verdade e mentir. Deixar os filhos em contato com o outro
genitor ou mesmo com outra pessoa é para ele como arrancar
uma parte de seu corpo, sendo muito convincente no seu
desamparo e nas suas descrições quanto ao mal que lhe foi
infligido e às crianças pelo genitor alvo. Consegue muitas
vezes fazer as pessoas envolvidas com seu caso acreditarem
nele.” (Motta, 2007, p. 38)

Assim, o genitor alienador é visto como um sociopata que


pratica abuso emocional contra seu próprio filho. Existem atualmente diversos
“sites” e “textos” que o descrevem desta forma. Contudo, deve-se ressaltar que
não existem pesquisas científicas que determinam claramente se o genitor
guardião que provoca a rejeição de seu filho contra o outro pai, possui algum
distúrbio psicológico.
45

Obtempera-se que no contexto atual, dentre os casais


divorciados geralmente às mães ficam com a guarda dos filhos. Dados do
IBGE de 2009 demonstram que 87,6% dos filhos de casais separados
encontram-se sob a guarda materna.

Neste sentido, assevera-se que existem diversas críticas


acerca da Síndrome da Alienação Parental, definindo-a como sexista, haja vista
que grande parte dos autores dão destaque à figura materna como principal
vilã alienadora. Senão vejamos o que retrata a psicóloga Analicia Martins de
Sousa:

“A teoria de Gardner, além de não possuir reconhecimento


oficial, é alvo de inúmeras críticas por ser identificada como de
caráter sexista. A princípio, na década de 1980, o psiquiatra
norte-americano declarou que em 85% a 90% dos casos por
ele analisados, as mães induziam o(s) filho(s). Na edição de
1998 de seu livro The parental alienation syndrome, justifica
essa prevalência como relativa à diferença de gênero, de
acordo com a análise sobre a literatura científica da época.”
(Sousa, 2011, p. 128).

Todavia, após grandes polêmicas Gardner (2002) “redimiu-se”


afirmando, novamente com base em suas experiências, que a porcentagem
entre homens e mulheres alienadoras é proporcional. Contudo não foram
apresentados dados que comprovem tal assertiva.

O fato é que por diversas vezes as mulheres são tidas como


vilãs no contexto de disputas judiciais de custódia. Contudo é demasiadamente
precipitado afirmá-las como alienadoras potenciais de seus filhos. Não se deve
generalizar ao ponto, por exemplo, de considerar que toda e qualquer denúncia
de abuso sexual da mãe em desfavor do pai é na verdade um meio ardiloso de
retirar o mesmo do convívio de seu filho. O retrato da mãe alienadora descrito
por diversos psicólogos não encontram fundamento em nenhuma pesquisa
científica, mas tão somente na experiência que estes possuem sobre o
assunto.

Neste diapasão, a autora Analicia Martins de Sousa enfatiza:


46

“Outro aspecto, não menos provável, é que pode estar em


curso na atualidade a construção de uma nova personagem
social, a mãe alienadora, a qual deve ser combatida, afastada e
punida, sugerindo-se com isso, uma nova caça as bruxas. A
justificativa que tem sido empregada sobre os comportamentos
de algumas mães guardiãs estarem associados à existência de
patologias, ou à sua estrutura psíquica, parece ignorar a
construção social do papel materno em nossa sociedade. A
imagem social acerca da maternidade, impulsionada
inicialmente pela medicina higienista do século XVII, conferiu
status social ao papel da mulher na sociedade, como também
foi estreitamente associada à condição da mulher, ou seja, ser
mãe não seria apenas uma possibilidade para a mulher, mas
um destino inexorável (Badinter, 1985; Costa, 2004; Donzelot,
1986).” (Sousa, 2011, p. 160).

Ademais, destaca-se que em detrimento da popularidade dos


aspectos psicológicos atribuídos à alienação parental, o fator sociológico tem
sido relegado ao esquecimento. Vislumbra-se que em um contexto histórico
recente, as mulheres eram designadas única e exclusivamente à guarda de
sua prole, sendo os pais meros coadjuvantes na criação dos filhos. Existe
ainda nos dias atuais, preponderante afirmação de que as mulheres possuem
um instinto “materno” nato, e, portanto seriam mais habilidosas que os pais no
cuidado com os filhos.

Destarte, há que se ressaltar que o referido “instinto materno”


atribuído a mulher, não é fator somente biológico, mas também social. Esta
obrigação de cuidado com a prole quase que inerente à mulher, não pode ser
admitida como algo irrefutável, até porque os historiadores delimitam que esta
assertiva é decorrente de diversos discursos sociais estabelecidos entre o
século XVII e XVIII. Neste contexto, a obrigação do “amor materno” teria sido
cunhada por sociólogos e economistas, posto que a desídia apresentada por
certas mulheres em relação aos filhos havia gerado um crescimento
exponencial da mortandade infantil. Assim, determina Badinter apud Analicia
Martins de Sousa (2011):

“Segundo dados gerais apresentados por Badinter (1985), na


França, entre os séculos XVII e XVIII, em torno de 25% das
47

crianças não ultrapassavam o primeiro ano de vida (p. 37). A


tese corrente era a de que as mães não deveriam se apegar
aos filhos, tendo em vista as poucas chances de sobrevida
após o nascimento. Contudo, a autora inverte essa lógica,
propondo que a elevada taxa de mortalidade infantil era devido
ao „desinteresse e a indiferença‟ por parte das mães, que
deixavam as crianças aos encargos das nutrizes” (Badinter
apud Sousa, 2011, p. 52)

Isto posto, depreende-se que o amor materno idealizado não é


inabalável. Conforme retro mencionado, na França entre os séculos XVII e
XVIII às crianças eram relegadas ao esquecimento tanto pelos pais quanto
pelas mães e em decorrência disso havia uma mortalidade infantil tão
exacerbada.

Ainda segundo Badinter apud Sousa (2011), houve uma maior


preocupação no que tange esse controle de mortalidade infantil a partir do final
do século XVIII. Isto porque, os indivíduos passaram a ser vistos como força de
trabalho e, por conseguinte, passaram a ter valor econômico. Nestes termos,
tornou-se vantajoso para os burgueses a garantia da sobrevivência das
crianças para que se tornassem trabalhadores saudáveis, bem como soldados
fortes em época de guerra. Para tanto, iniciou-se um trabalho de
conscientização principalmente direcionado às mães, enaltecendo o amor
materno e a importância do cuidado destas para com a sua prole.

Neste diapasão, a mulher subjugada ao marido e sem qualquer


papel de relevância na sociedade, tornou-se insubstituível na preservação e
criação dos filhos. Além de garantirem a educação de seus rebentos, a mãe
passou a ser responsável pela manutenção da saúde destes, incluindo desde
uma maior higienização do ambiente doméstico, como a aplicação da medicina
popular em uma associação com o médico de família. Assim, salienta Analicia
Martins de Sousa:

“O desenvolvimento da medicina doméstica terá um importante


papel no sentido de modificar os costumes, especificamente,
no caso das famílias burguesas. A associação estabelecida
entre o médico de família e a mãe será fundamental para a
reprodução e promoção do saber médico, o qual competia com
48

a medicina popular, representada pela figura das comadres.


Além disso, tal associação privilegiará a mãe burguesa como
auxiliar do médico no interior da família, conferindo a ela certa
autoridade, bem como a valorização e o reconhecimento de
seu papel social no cuidado e educação dos filhos, futuros
cidadãos (op. cit.).” (Sousa, 2011, p. 55).

Consoante a essa valorização do papel feminino no âmbito


doméstico, promoveu-se lentamente a prevalência do amor em detrimento da
autoridade. A mulher passou a ter a função de “rainha do lar”, pelo menos no
que tange a organização da casa e cuidado com os filhos. Ademais, incutiu-se
no âmago feminino a equiparação da maternidade como felicidade plena.
Assim, a mulher aceita seu papel no âmbito doméstico, haja vista que uma
eventual deste rejeição seria considerada anormal. Portanto, mesmo que por
vezes fosse a contragosto a mulher curvava-se a imposição social.

Em detrimento da valorização do papel da mulher, encontra-se


a depreciação do homem. Este antes visto como autoridade absoluta no
ambiente doméstico, passa a ter seu poder flexibilizado em virtude das
mudanças operantes na compreensão de família. A família deixa de ser uma
sociedade com fins lucrativos para enfatizar seu caráter afetivo entre os
membros. O homem, por sua vez, encontra-se com sua função autoritária
diminuída consolidando-se como mero provedor familiar.

Em épocas distintas, os fenômenos ocorridos na Europa foram


vivenciados no cenário nacional. Principalmente na fase de transição entre
colônia e nação, no século XIX, operou-se no Brasil verdadeira transformação
nos papéis parentais atribuídos ao homem e a mulher. Conforme consta, as
mulheres ganharam espaço na esfera familiar, tornando-se responsável tanto
pela higienização como pela proteção e educação dos filhos, em razão de sua
“vocação natural” para a maternidade. Quanto ao homem, este mantinha seu
status de mero provedor da prole, não envolvendo-se na seara doméstica. Isto
posto, Analicia Martins de Sousa sustenta:

“Dessa forma, tanto no contexto nacional como na Europa, a


partir da intervenção do saber e práticas médicas, articuladas a
49

interesses econômicos e políticos do Estado, delineiam-se


outros contornos aos papéis de pai e mãe na sociedade: à
mulher, por sua suposta vocação natural, caberia os cuidados
com a prole, bem como manter um ambiente suficientemente
higiênico, para toda a família; já o homem, mais voltado para a
esfera pública, deveria garantir a subsistência do grupo familiar
e a imposição de regras e sanções, de acordo com as normas
sociais.” (Sousa, 2011, p. 59).

Esta análise quanto ao contexto histórico do surgimento do


primado materno no cuidado para com a prole nos leva a tecer considerações
quanto os papéis parentais estabelecidos atualmente.

Com efeito, as mulheres hodiernamente alcançaram uma


situação de igualdade de direitos com os homens, exercendo papéis
semelhantes a este na esfera pública. Não obstante, no âmbito doméstico a
mulher não abriu mão da sua primazia como genitora, ou seja, mesmo
desempenhando atividades profissionais fora do lar a mulher permanece com o
modelo tradicional de “mãe cuidadora dos filhos” arraigado à sua
personalidade. Existe, portanto, um acúmulo de funções para as mulheres,
enquanto os homens encontram-se “perdidos” quanto ao seu papel, uma vez
que perderam o status de provedor único da família e acabam atuando como
coadjuvante na esfera doméstica. Ressalta-se o disposto por Analicia Martins
de Sousa:

“Assim, além de as mulheres não terem abandonado o modelo


tradicional de mãe e dona de casa, elas incorporaram o
discurso da independência e da realização profissional. „Ou
seja, na verdade, a identidade feminina não foi
substancialmente alterada mas sim ampliada para incluir este
novo papel da mulher‟ (p. 95). Segundo essa autora, a
conciliação dos diferentes campos de atuação da mulher,
apesar de difícil, é vista como algo possível, que depende,
exclusivamente, de soluções individuais.” (Sousa, 2011, p. 68-
69).

Há, portanto, uma valorização exacerbada quanto à


importância da presença da mãe em detrimento da do pai. Certas mães
buscam, inclusive, suprir o afeto do pai tornando-se “mãe e pai” ao mesmo
50

tempo, por acharem-se capazes de realizar todas as atribuições maternas e


paternas sem qualquer auxílio. Contudo, deve-se destacar que não existem
distinções entre os genitores, sendo que ambos são de suma importância ao
desenvolvimento saudável do infante.

No entanto, esta subestimação do “amor paternal”, vem sendo


questionada e modificada em muitos aspectos. Os pais despidos de sua figura
autoritária e impassível tornaram-se atualmente mais carinhosos e
participativos no cuidado com os filhos. Tanto que no momento da separação
buscam por todos os meios manterem o convívio com sua prole. Esta tentativa
de aproximação, por vezes é sentida como uma ameaça ao controle que a mãe
exerce sobre o filho.

Destarte, aufere-se que a mudança de perspectivas sociais e


jurídicas tem modificado a compreensão dos papéis parentais e gerado
fenômenos como a “alienação parental”. No ordenamento jurídico pátrio, por
exemplo, tem-se dado maior relevo em sede de litígios conjugais ao princípio
do melhor interesse da criança e consequentemente tem-se abandonado o
argumento de que a mãe é naturalmente mais preparada para cuidar dos filhos.
Assim, a mulher receosa de perder seu espaço tão duramente conquistado,
utiliza-se de todos os artifícios para perpetuar-se como imprescindível no
núcleo familiar. Nestes termos, a psicóloga Analicia Martins de Sousa cita
Ridenti:

“Ou ainda como refere Ridenti (1998, p.171), „o desejo feminino


em compartilhar com os homens as responsabilidades
familiares se mescla ao desejo de não abrir mão de um dos
poucos espaços de poder que as mulheres dispõem‟. Assim, as
mulheres permanecem com o poder e controle já conquistados
sobre as atividades no espaço privado do lar, ao mesmo tempo
que avançam para o mundo público, onde, diferentemente,
terão que disputar com os homens atividades que durante
muito tempo foram tidas como exclusivamente do universo
masculino.”(Ridenti apud Sousa, 2011, p. 70)

Neste diapasão, vislumbra-se que os pais têm buscado cada


vez mais manter-se presente na vida dos filhos. Contudo, algumas mães, seja
51

por insegurança ou por vingança contra o ex-cônjuge, utilizam-se de


mecanismos de influência sobre a criança para forçar a desvinculação desta
com o genitor alvo. Assim, este fenômeno seria derivado de uma mudança
social e jurídica do meio familiar. Cabe lembrar o explicitado por Maria Berenice
Dias:

“Este tema começa a despertar atenção, pois é prática que


vem sendo denunciada de forma recorrente. Sua origem está
ligada à intensificação das estruturas de convivência familiar, o
que fez surgir em conseqüência, maior aproximação dos pais
com os filhos. Assim, quando da separação dos genitores,
passou a haver entre eles uma disputa pela guarda dos filhos,
algo impensável até algum tempo atrás. Antes, a naturalização
da função materna levava a que os filhos ficassem sob a
guarda da mãe. Ao pai restava somente o direito de visitas em
dias predeterminados, normalmente em fins-de-semana
alternados.” (Dias, 2007, p. 11).

Não se pretende, contudo afirmar a inexistência de um caráter


patológico em algumas guardiãs, porém a generalização que se faz acerca da
Síndrome da Alienação Parental pode ter consequências desastrosas para
mães, pais e filhos. Deve-se, portanto ter mais cautela ao sugerir a presença
de uma patologia. Neste sentido afirma a psicóloga Analicia Martins de Sousa:

“Provavelmente, em alguns casos que aportam aos juízos de


família há chance de haver psicopatologias envolvidas.
Contudo, da forma como vem sendo encaminhada no contexto
nacional a discussão sobre a SAP, com a banalização do
conceito de síndrome, a patologia parece se tornar a regra e
não a exceção. Ademais, ao se colocar o foco de análise sobre
a patologia, ou seja exclusivamente sobre o indivíduo, perde-se
de vista a amplitude da problemática que envolve o
afastamento do genitor que não detém a guarda dos filhos. A
patologização de comportamentos no contexto da separação
conjugal pode ser, na verdade, uma forma de privatização e
individualização de dificuldades vivenciadas por muitos
genitores, desvitalizando, com isso, uma maior discussão na
sociedade sobre a igualdade de direitos de mães e pais
separados.” (Sousa, 2011, p. 157).
52

2.3 Diagnósticos, Tratamentos e Punições

Muito embora, a grande maioria dos psicólogos defenda a


patologia do fenômeno da alienação parental, não há de fato uma proposta de
tratamento, mas sim de punição. Em fato, o alienador é visto mais como um
criminoso do que como um paciente. Neste sentido, Trindade apud Sousa
(2011, p. 158) menciona “o alienador, como todo abusador, é um ladrão da
infância, que utiliza a inocência da criança para atacar o outro”. Outros fazem
juízos morais em relação ao comportamento do alienador, como Silva (2007, p.
27) “São pais instáveis, controladores, ansiosos, agressivos, com traços
paranóicos, ou, em muitos casos de uma estrutura perversa.”
Isto posto, destaca-se que o genitor alienador é visto como um
criminoso do século XVIII, haja vista que não procura-se a sua
“ressocialização”, mas sim a sua exclusão da sociedade pela periculosidade
que este representa para a criança, conforme Sousa (2011, p. 160). Contudo,
se este está acometido por uma síndrome o correto seria o tratamento e não a
punição.
Ocorre que o diagnóstico realizado pelos peritos em sede de
disputa de custódia refere-se na maioria das vezes a comportamentos isolados
de cada individuo. Contudo, deve-se compreender que a psicologia não é um
cálculo matemático cujo resultado é um determinado tratamento. Conforme
anteriormente dito, deve-se fazer uma ponderação sobre o que deriva-se de
uma patologia e o que é resultado de influências exteriores. Assim elucida a
psicóloga Analicia Martins de Sousa:

“A alteração nos comportamentos de crianças que vivenciam o


litígio de seus pais precisa ser apreendida na interseção do
jogo das relações familiares com os fenômenos sociais. Nesse
ponto, considera-se interessante fazer uma inversão lógica, ou
seja, ao invés de fixar o olhar nos sintomas infantis, poderia se
indagar sobre a existência de fenômenos sociais que
possibilitaram, ou melhor, que vêm até hoje, contribuindo para
a emergência de certos comportamentos exibidos por crianças
e responsáveis em situações de litígio conjugal.” (Sousa, 2011,
p. 105).
53

Não se deve, por conseguinte, polarizar a disputa litigiosa,


atribuindo ao alienador a figura de “monstro” e “sociopata”, e ao genitor alvo
como sendo a vítima indefesa de tal situação. Isto seria impossível até mesmo
pela própria complexidade dos indivíduos, haja vista que não compete a
ninguém ser completamente bom ou ruim.

Ressalta-se que em razão da ocorrência de alienação parental


encontra-se muitas vezes uma relação doentia, e não um indivíduo somente.
Neste sentido, o próprio Gardner (2002) menciona que a Síndrome da
Alienação Parental só se viabiliza quando a criança toma partido na campanha
denegritória em desfavor do genitor alvo. Obtempera-se ainda que esta
“campanha” em desfavor do pai não é provocada somente pela afirmação do
alienador, mas atribui-se em algumas partes a sentimentos inerentes a própria
criança. Senão vejamos o disposto por Maria Antonieta Pisano Motta:

“Os ataques ao genitor alvo podem, por exemplo, estar


vinculados ou sendo reforçados pelo sentimento de abandono
decorrente da separação; ao desejo de que os pais voltem a
viver juntos, aos desejos e necessidades do genitor alienador,
ao ciúme pelo novo casamento do genitor alvo, ao ciúme pelo
nascimento de um novo irmão fruto desse novo casamento,
etc.” (Motta, 2007, p. 51)

Em outro prisma, deve-se ainda ponderar se este alijamento do


genitor alvo pela criança não possui alguma razão. A hipótese de ocorrência de
abuso físico, sexual ou emocional deve ser devidamente analisada, não
podendo-se concluir pela incidência de alienação parental sem antes haver a
realização de um laudo pericial informando tal possibilidade.

No entanto, ainda existem muitas incertezas quanto a


elaboração desse diagnóstico, principalmente no que tange à pessoa a ser
realizado o exame, a criança ou o genitor alienador. Motta, assevera que deve-
se partir da análise psicológica do genitor alienador, conforme a seguir:
54

“Características psicológicas, comportamentos recorrentes, e


padrões de relacionamento formam um conjunto valioso a ser
observado, pois montam um quadro geral do genitor alienador,
de sua relação com os filhos, com o ex-cônjuge e com o
ambiente, de modo geral suficientemente claro, para não deixar
margens para dúvidas de que o que está em curso é a
Síndrome de Alienação Parental” (Motta, 2007, p. 39).

Neste mesmo sentido, Fonseca elenca ainda uma série de


atitudes perpetradas pelo genitor guardião caracterizadoras da alienação
parental, são elas:

“(...) não comunica ao outro genitor fatos importantes


relacionados à vida dos filhos (rendimento escolar,
agendamento de consultas médicas, ocorrência de doenças
etc.); (…) apresenta o novo companheiro à criança como sendo
seu novo pai ou mãe; (…) transmite o seu desagrado diante da
manifestação de contentamento externada pela criança em
estar com o outro genitor; controla excessivamente os horários
de visitas; (…) quebra, esconde ou cuida mal de presentes que
o genitor alienado dá ao filho; (...)” (Fonseca apud Sousa, 2011,
p. 173).

Contudo, outros profissionais da área entendem que esse


exame deve ser realizado na criança e a partir deste deve-se verificar se há ou
não ocorrência de alienação parental. Neste caso deveria ocorrer a análise do
depoimento da criança, no sentido de verificar se este encontra-se eivado de
algum tipo de programação.

Porém, conforme já explicitado, esse diagnóstico realizado


individualmente demonstra-se incompleto. O ideal seria a análise do contexto
psicossocial, bem como o exame de todos os membros da família. O
tratamento proposto por Gardner pressupõe uma avaliação individualizada
como se a presença da síndrome fosse algo intrínseco ao alienador e seu filho.
Ademais, Gardner (2002) defende que dependendo do nível de gravidade do
caso (leve, moderado ou severo), haveria um tratamento específico para a
síndrome. Refutando tais argumentos, explana a psicóloga Analicia Martins de
Sousa:
55

“A teoria de Gardner, em realidade propõe um saber sobre o


indivíduo. Saber este, que como refere Foucault (2005, p. 121)
é 'extraído dos próprios indivíduos, a partir do seu próprio
comportamento', tornando-se dessa forma, uma verdade
inquestionável, como se o especialista, em sua prática, apenas
desvelasse um verdade natural, intrínseca aos indivíduos. O
saber extraído será, então, convertido em modos de controle
sobre os indivíduos. No caso da SAP, pode-se dizer que tal
controle se exercerá, fundamentalmente por meio de punição, a
qual aparecerá travestida em tratamento para os membros do
grupo familiar, como se verá mais adiante.” (Sousa, 2011, p.
105-106).

Defende-se que de acordo com o grau de instalação da


síndrome dever-se-á aplicar um “tratamento” diferenciado. Gardner (2002)
refere-se à existência de três estágios sendo eles: leve, moderado e severo. Tal
diferenciação é realizada com base na freqüência e intensidade dos sintomas
presentes na criança. Assim, no nível leve, a criança apresentaria apenas
manifestações superficiais e esparsas de alguns sintomas. No nível moderado,
há uma sintomática mais clara, haja vista que a criança recusa-se a ver o pai,
bem como tece comentários depreciativos quanto a este. No último estágio, a
criança alimenta conjuntamente com o genitor alienador uma fantasia em que o
genitor alvo deve ser evitado, entrando em completo desespero com a mera
presença deste. Acerca desta diferenciação, explana a psicóloga Analicia
Martins de Sousa:

“Em resumo, no nível leve, a criança apresenta manifestações


superficiais e intermitentes de alguns sintomas. No segundo
nível, o moderado, identificada pelo autor como o mais comum,
os sintomas estão mais evidentes; a criança faz comentários
depreciativos contra o pai, o qual é visto por ela como mau
enquanto a mãe é tida como boa; as visitações são realizadas
com grande relutância, mas, quando afastada da mãe, a
criança consegue relaxar e se aproximar do pai. O último nível,
severo, representa, de acordo com dados de Gardner, uma
pequena parcela dos casos de SAP; os sintomas aparecem
mais exacerbados do que no nível moderado; a mãe e a
criança se encontram em folie à deux, em que compartilham
fantasias paranoides com relação ao pai; a criança entra em
pânico frente à idéia de ir com este, tornando, assim
impossíveis as visitações.” (Sousa, 2011, p. 106).
56

Neste diapasão, deve-se analisar em que quadro a criança


encontra-se para determinar a medida cabível para o tratamento da síndrome.
Depreende-se, portanto, que o psicólogo encontra-se em uma posição
imprescindível à solução da lide, haja vista que será com base no diagnóstico
realizado por este que o juiz determinará qual será a sanção cabível ao genitor
alienador. Analicia Martins de Sousa ilustra a importância deste profissional no
caso concreto:

“Em meio aos discursos sobre a SAP é inegável a associação


entre a prática do profissional psicólogo e a punição, pois é a
partir da realização do diagnóstico feito por esses profissionais
que será dado seguimento à punição do genitor alienador pelo
aparelho jurídico. Além disso, como se verá, o próprio
tratamento a ser conduzido por este profissional em casos
considerados de SAP tem caráter punitivo.”

Cabe por oportuno, assinalar quais seriam os meios utilizados


para coibir a Síndrome da Alienação Parental, segundo François Podevyn:

“Segundo a importância, estas são as sanções possíveis


(GARDNER2, §8 e 9)
e)uma comunicação desfavorável do terapeuta dirigida ao
tribunal
f)uma redução da pensão alimentícia
g)uma obrigação
h)uma ameaça de transferir a guarda para o outro genitor
i)uma ordem de prisão temporária” (Gardner apud Podevyn,
2001).

Isto posto, vislumbra-se que os métodos de tratamento


dispostos por Gardner, assemelham-se muito mais a punições do que a um
tratamento propriamente dito. Configura-se, portanto, nova violência em face
da criança, haja vista que a punição do genitor guardião produzirá sobre ela um
sentimento de injustiça e, por conseguinte, culpa.
57

A primeira sanção anteriormente narrada refere-se a uma


comunicação desfavorável do terapeuta dirigida ao tribunal sobre o genitor
alienador. Ora, esta medida estimularia tão somente a personificação do
psicólogo como um espião a favor do judiciário, bem como atribuiria a este
profissional um poder punitivo, o qual não lhe é devido. Ademais, vai de
encontro a todos os preceitos éticos ligados a esta profissão, haja vista que a
comunicação ao juiz de informações obtidas em sede de terapia acarretaria na
quebra do sigilo profissional.

A segunda sanção proposta por Gardner seria a redução do


valor da pensão alimentícia. Dentre todas, esta é a mais absurda, uma vez que
trata-se de uma punição voltada exclusivamente ao infante. Aufere-se que o
filho menor é o credor desta obrigação alimentar, necessária ao seu pleno
desenvolvimento, não devendo ser penalizado pelo comportamento inaceitável
perpetrado pelo genitor guardião.

Propõe-se ainda o adimplemento de uma obrigação. Contudo,


se o genitor guardião é na verdade portador de um distúrbio psicológico, não
parece razoavelmente eficaz a exigência do cumprimento de uma obrigação
como forma de tratamento. A cobrança de multas não seria um meio eficaz de
fazer com que o alienador compreenda que a sua conduta esta prejudicando o
desenvolvimento saudável de seu filho. Não há, por conseguinte, um fim
terapêutico, mas sim exclusivamente punitivo.

Estipula-se ainda, a ameaça ao genitor alienador de


transferência da guarda para o outro genitor. No entanto, há que sopesar em
que nível da síndrome a criança se encontra. Em casos severos de alienação
parental, por exemplo, reverter a guarda poderia ocasionar mais malefícios a
criança, haja vista que lhe será retirado o único adulto a quem esta confia.
Ademais, crianças nesta situação desenvolvem um vínculo praticamente
simbiótico com o genitor guardião, portanto, esta ruptura imediata poderia ser
mais prejudicial para o psicológico da criança. Em consonância, verifica-se que
em alguns casos os laços com o genitor alvo já foram completamente
58

desfeitos, tornando o processo de reaproximação deste com a criança mais


delicado do que a mera imposição de uma sentença judicial.

Por fim, menciona-se a possibilidade de uma ordem de prisão


temporária do genitor alienador. Mais uma vez caracteriza-se no discurso de
Gardner a equivalência do genitor alienador a um criminoso e não um paciente.
Em nenhuma das hipóteses anteriormente debatidas, existe um real tratamento
para o alienador, mas sim uma punição para evitar o tipo de comportamento
perpetrado por este, considerado indesejável. Neste sentido destaca Analicia
Martins de Sousa:

“Refletindo sobre o tratamento recomendado por Gardner à


família em litígio, concebe-se que diz respeito mais a técnicas
disciplinares (Foucault, 2007) do que a intervenções
terapêuticas. Sob o discurso da doença e seu tratamento
subjazem a coerção imediata, o controle constante, a
imposição de comportamentos, a violência tácita no confronto
de forças entre o profissional terapeuta e os membros da
família, com o objetivo de subjugar, disciplinar estes últimos,
tornando-os dóceis e cooperativos.” (Sousa, 2011, p. 117).

Destarte, vislumbra-se que é empreendido verdadeiro


terrorismo em face do genitor alienador para que passe a ter um
comportamento aceitável. Isto não acarretará a “melhora” deste, uma vez que o
genitor alienador acredita estar fazendo o melhor para o seu filho. Mesmo que
tais medidas sejam tomadas o alienador não abortará sua missão de
desconstrução da imagem do genitor alvo. Ameaçá-lo não fará com que
compreenda que este comportamento prejudicará o filho no futuro. Sobre esta
“teoria da ameaça” assevera a psicóloga Analicia Martins de Sousa:

“De forma semelhante, no caso da SAP, as ameaças utilizadas


pelo terapeuta aos membros da família servem para combater
qualquer atitude que não seja a de colaborar com o tratamento
previsto. As ameaças indicadas por Gardner (1991, s/p.) vão
desde a restrição de contato da mãe alienadora com a criança
até ameaças sobre a mudança de guarda, que, segundo esse
autor, servem para que a genitora se lembre de cooperar. Com
isso, o tratamento da SAP é também identificado como „teoria
da ameaça‟, segundo Escudero, Aguilar e Cruz (2008, p.303).”
(Sousa, 2011, p. 115).
59

Conquanto o tratamento da criança portadora da síndrome,


Gardner sugere a terapia como meio de “desprogramar” o infante. Contudo, o
autor não é detalhista quanto ao método utilizado para esta desinformação da
criança. Ressalta-se ainda, que tal teoria compreende a criança como um robô
que pode ser programado e desprogramado ao bel prazer dos adultos. Há que
se questionar se este tratamento não constitui uma nova agressão em face da
criança. Primeiramente, vejamos um breve resumo determinado por François
Podevym de como ocorreria esse tratamento da criança:

“O terapeuta deve focalizar o tratamento como uma


desinformação e desprogramação. Deve ajudar o filho a se
conscientizar de que foi vítima de uma lavagem cerebral (o que
é mais fácil de ser entendido pelos filhos maiores). A técnica
consiste em falar neste sentido: „Não te peço para utilizar
minhas palavras. Quero que faças suas próprias observações.
Quero que reflitas no que se passou durante a última visita com
teu pai (mãe) e que tu te perguntes se as coisas que tua mãe
(pai) te disse que aconteceriam, realmente aconteceram ou
não. Durante tua próxima visita, quero que observes e preste
atenção, e que chegues à tua própria conclusão sobre a
existência de tal perigo ou de tal fato. Dizes que és bastante
grande e bastante inteligente para formar tua própria opinião.
Estou de acordo contigo. As pessoas inteligentes formam sua
opinião baseando-se em suas próprias observações, e não
sobre as observações de outras pessoas, quaisquer que
sejam. Exatamente como te pedi para me provar no que
acreditas baseado naquilo que observou no passado, te peço
que me prove, na próxima vez, depois da sua próxima visita,
baseado naquilo que verás e sentirás por ti mesmo.‟"
(GARDNER2, §40 y 41).” (Podevym, 2011).

Obtempera-se, que tal tratamento ainda é demasiadamente


obscuro, haja vista que não existem estudos suficientes acerca do tema
proposto. Gardner baseou-se apenas em seu conhecimento para a elaboração
de um tratamento para uma suposta síndrome. Contudo, não colacionou dados
ou instrumentos que comprovem a eficácia deste mecanismo. Sujeitar os filhos
a nova lavagem cerebral sem a certeza plena do que esta ocorrendo em seu
interior é demasiadamente precipitado. Assim, vale mencionar o preceituado
por Analicia Martins de Sousa:
60

“Diante do que expõe a autora, cabe assinalar que, as medidas


sugeridas, visando proteger a criança, podem, em realidade,
ocultar um outra forma de violência contra a própria criança,
causando a ela ainda mais sofrimento. É preciso levar em
conta que qualquer medida tomada contra os pais implicará
conseqüências aos filhos.” (Sousa, 2011, p. 177).

Portanto, verifica-se que em detrimento do exposto por


Gardner, não há um tratamento para a SAP e sim uma punição tanto para os
pais quanto para os filhos coibindo tal prática.

O ideal seria o auxílio psicológico de casais logo após o


rompimento, para que compreendam a importância de seu comportamento
nesta etapa da vida dos filhos. É ainda imprescindível a conscientização dos
pais no sentido de que o rompimento dos laços conjugais não caracteriza o
rompimento dos laços parentais. Para tanto, é necessário uma “prevenção” da
alienação parental, fomentando entre ex-cônjuges o debate e entendimento no
intuito de realizar o melhor interesse da criança.
61

3. A LEI 12.318/2010 E AS REPETIÇÕES TRAZIDAS AO


ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO

3.1. Noções Preliminares Acerca da Lei 12.318/2010

A priori, cabe exemplificar como se deu o surgimento dos


primeiros mecanismos legais utilizados na coerção da prática de atos de
alienação parental, para depois adentrar na discussão acerca da tão atual Lei
12.318/2010.

Segundo consta, fatores como a modificação dos papéis


parentais, a adoção do princípio do melhor interesse da criança, bem como a
disseminação do conceito de alienação parental, foram fundamentais para o
aumento das controvérsias conquanto a guarda dos filhos no âmbito do poder
judiciário. Isto posto, Dias (2007) afirma que apesar de ter-se popularizado com
a nomenclatura SAP, tal fenômeno não é novo nas Varas de Família. Ocorre
que com o advento do divórcio e busca pela primazia da guarda compartilhada
e pelo melhor interesse da criança, aumentou o número de genitores que
recorrem ao poder judiciário com o fito de restabelecer a relação com seu filho.

Não obstante, após a nomenclatura deste fenômeno


presenciou-se uma verdadeira proliferação desta síndrome, haja vista que tem
sido imensamente difundida no âmbito das Varas de Família, bem como em
grande parte dos meios de comunicação vigentes.

Ante a este intenso debate acerca da alienação parental


passou a difundir-se a possibilidade de uma adequação normativa em face
deste novo fenômeno. Assim, em decorrência desta forte influência passaram a
ser descritos mecanismos jurídicos próprios à prevenção e punição dos
genitores que dificultavam a convivência do outro pai com o filho. No que tange
62

as legislações internacionais, as estudiosas Analicia Martins de Sousa e Leila


Maria Torraca de Brito coadunaram:

“A partir dessa perspectiva, alguns países vêm solicitando


estudos aprofundados sobre possíveis desdobramentos da
separação conjugal para pais e filhos, objetivando maior
clareza a respeito de artigos a serem modificados nas
respectivas legislações para que seja possível assegurar a
convivência familiar entre pais e filhos após o divórcio. Mostra-
se, dessa forma, compreensão sobre a necessidade de o
ordenamento jurídico ser um fator de suporte ao exercício da
paternidade e da maternidade. Nessa perspectiva, destaca-se
o estudo coordenado pela socióloga Irène Théry (1998) – a
pedido do governo francês – que visava a avaliar se a
legislação daquele país estaria apropriada à realidade das
famílias contemporâneas e, em caso contrário, quais seriam as
mudanças legislativas necessárias. No material elaborado a
partir de consulta e da colaboração de diversos profissionais,
Théry chama a atenção para a crescente tendência de
psicologização de questões que surgem no debate sobre as
famílias contemporâneas, com interpretações carregadas de
conteúdo moral e que desconsideram o contexto social,
político, econômico e cultural que afetam as questões
familiares (1998, p. 20).” (Brito e Sousa, 2011, p. 273).

Neste diapasão, depreende-se que diversos países criaram


uma série de sanções tendentes a coibir atos de alienação parental. Destaca-
se como exemplo, os Estados Unidos, onde em certos estados é possível
inclusive a prisão por até um ano do guardião que frustra o direito de
convivência familiar do filho em relação ao outro genitor. Cabe por oportuno,
mencionar o descrito por Douglas Phillips Freitas e Graciela Pellizzaro:

“Ainda no cenário internacional, a explosão de pesquisas sobre


a Síndrome de Alienação Parental, formou uma consciência
social nos Estados Unidos, entre outros Estados norte-
americanos, que passaram a reconhecer, em seus tribunais, os
danos psicológicos, causados aos filhos por meio da Síndrome
de Alienação Parental. Nos Estados da Califórnia e da
Pensilvânia, em seu regramento punitivo, há a advertência de
que, se o outro genitor de exercer o direito de visita é castigado
com prisão máxima de um ano e multa, além de penas
alternativas (entre outras restritivas de direito, como suspensão
ou supressão da carteira de motorista). No Estado do Texas, o
genitor alienador, por ter provocado intencionalmente o
desequilíbrio emocional da criança e por ter procedido de
63

maneira imprudente, pode ser inquirido pelo tribunal, como


punição mais severa que nos anteriormente citados.” (Freitas e
Pellizzaro, 2011, p. 19).

Ainda conquanto as legislações adotadas por outras nações no


combate a alienação parental prepondera Douglas Phillips Freitas e Graciela
Pellizzaro:

“Na Europa, no país da Espanha mais precisamente, diversos


julgados mencionam a Síndrome da Alienação Parental como
forma direta de agressão psicológica às crianças nos casos de
divórcio, entretanto está apenas começando a considerar como
um problema grave, diferente do México, que incluiu na última
reforma do Código Civil dispositivos sobre a Síndrome da
Alienação Parental.” (Freitas e Pellizzaro, 2011, p. 19).

Não obstante, ainda conforme Freitas e Pellizaro (2011)


depreende-se que o termo Síndrome da Alienação Parental passou a figurar
em diversas sentenças judiciais em todo o globo. Assim, apesar de não ter
reconhecimento oficial no que tange ao DSM IV, a síndrome tornou-se uma
epidemia no âmbito dos tribunais.

Com o intuito de propagar a Síndrome da Alienação Parental


foram criados diversos sites e comunidades na internet, os quais acabaram
influenciando e pressionando preponderantemente os membros do poder
legislativo à promulgação de legislações acerca do distúrbio em comento.

Obtempera-se que os meios de comunicação têm dado grande


ênfase ao distúrbio presente no contexto de disputas judiciais de custódia,
promovendo com isso a comoção da opinião pública. Informações são
divulgadas por todos os meios possíveis para que haja uma cobrança quanto a
atitudes do Estado para tutelar o direito de convivência familiar das crianças
acometidas desta síndrome. Assim, pressionado pelas vias midiáticas o Poder
Público obriga-se a criação de mais sanções, visando sanar tal situação,
contudo omite-se no que tange a prevenção deste surto da síndrome.
64

No ordenamento jurídico nacional, vislumbra-se que as


modificações referentes à guarda dos filhos deram-se de maneira lenta,
culminando com a Lei de Alienação Parental. Diversas foram as influências
sociais, políticas e jurídicas no percurso desta legislação. Nestes termos, cabe
fazer um breve relato das legislações anteriores a referida norma que tratam a
cerca da guarda dos filhos.

Preliminarmente depreende-se que o Código Civil de 1916,


dispunha a cerca da guarda dos filhos:

“Art. 326. Sendo o desquite judicial, ficarão os filhos menores


com o cônjuge inocente.

§ 1º Se ambos forem culpados, a mãe terá direito de conservar


em sua companhia as filhas, enquanto menores, e os filhos até
a idade de seis anos.

§ 2º Os filhos maiores de seis anos serão entregues à guarda


do pai.”

Isto posto, vislumbra-se que a guarda dos filhos era atribuída


ao cônjuge “inocente” de culpa da separação do casal. A mulher era tratada
como incapaz no referido código, e ainda não lhe fora atribuída grande
importância no cuidado com os filhos. No entanto, com o advento do Estatuto
da Mulher Casada vislumbra-se que ocorreram modificações no sentido de
privilegiar a guarda materna, haja vista que o art. 326, § 1º do Código Civil
passou a vigorar da seguinte forma “Se ambos os cônjuges forem culpados
ficarão em poder da mãe e os filhos menores, salvo se o juiz verificar que de tal
solução possa advir prejuízo de ordem moral para êles.”

Nesta seara, merece destaque uma das primeiras


manifestações do Estado no sentido de regular disputas judiciais de custódia.
Trata-se do caso conhecido como “Lei Teresoca” onde Getúlio Vargas, então
presidente do Brasil, promulgou dois decretos-lei com o fim exclusivo de
beneficiar Assis Chateaubriand, jornalista e político de grande influência no
Brasil, na disputa judicial de custódia com Cora Acunã, por sua filha Teresa,
65

havida fora do casamento. Caetano Lagrasta Neto faz um sucinto apanhado do


referido caso, senão vejamos:

“Embora tenha se negado a reconhecer a paternidade,


Chateaubriand, através de meios criminosos, exercia de fato o
pátrio poder sobre Teresa, nada obstante vetado pela
legislação vigente. O juiz da causa, posteriormente Ministro do
Supremo Tribunal Federal, Nelson Hungria, permaneceu com a
criança em sua residência até o final do processo, vendo-se a
mãe prejudicada ante a mistura de conceitos éticos, religiosos
e verdadeiras pressões físicas. Ao cabo, Getúlio promulga um
último decreto, que concedia o direito da guarda ao pai, mesmo
que não casado com a genitora da menor, desde que
desquitado de anterior cônjuge, condição que era vedada pelo
Código Civil de 1916. Teresa, por sua vez, até os 18 anos,
residiu com outro juiz, ao depois também Ministro daquela
mesma Corte, Orozimbo Nonato, circunstâncias que facilitaram
a vida de Chateaubriand e destruíram a de Cora, sabe-se lá
com que traumas em Teresa, num episódio que cunhou a
frase, ou algo que o valha: „Se a lei é contra mim, vamos ter
que mudar a lei‟.” (Lagastra, 2009, p. 47).

No caso em comento, vislumbra-se que não foi possível à


Chateaubriand reconhecer sua filha Teresa em um primeiro momento, haja
vista que na data do nascimento desta, vigia no ordenamento jurídico brasileiro
a vedação ao reconhecimento legal dos filhos havidos fora do matrimônio.
Assim, com o fito de obter a guarda de sua filha, Chateaubriand utilizou-se de
sua influência no meio político para obter a modificação do referido instituto, o
qual foi atendido através do Decreto Lei 4.737/42 o qual dispunha “Art.1º O
filho havido pelo cônjuge fora do matrimônio pode, depois do desquite, ser
reconhecido ou demandar que se declare sua filiação.”. Chateaubriand então
desquitou-se e enfim pode reconhecer legitimamente sua filha Teresa.

Todavia, ainda subsistia um entrave a Chateaubriand para a


obtenção do direito de guarda de sua filha, uma vez que o art. 16 do Decreto
Lei nº 3.200/41 disciplinava:“O pátrio poder será exercido por quem primeiro
reconheceu o filho, salvo destituição nos casos previstos em lei.”. Como Cora
Acunã era quem havia primeiramente reconhecido a filha Teresa, conforme o
dispositivo retro, esta ficaria sob a sua guarda. Contudo, após novas pressões
de Chateaubriand, Getúlio Vargas assinou o Decreto-Lei nº 5.213 o qual
66

dispunha “Art. 16. O filho natural, enquanto menor, ficará sob o poder do
progenitor que o reconheceu, e, se ambos o reconheceram, sob o do pai, salvo
se o juiz decidir doutro modo, no interesse do menor.”. Só então Chateaubriand
passou a fazer jus ao seu direito de guarda conquanto a filha Teresa.

Posteriormente, com a promulgação da Constituição Federal


de 1988, fez-se insustentável à luz dos princípios constitucionais a mantença
do defasado Código Civil de 1916, tendo sido promulgado o novel Código em
2002, o qual preceituava a cerca da guarda dos filhos em seu art. 1.584
“Decretada a separação judicial ou o divórcio, será ela atribuída a quem revelar
melhores condições para exercê-la”.

Depreende-se, por conseguinte, que com o advento do Código


Civil de 2002 o ordenamento jurídico pátrio desvinculou-se da idealização de
que a mulher seria naturalmente mais propensa ao cuidado dos filhos do que o
pai. Houve, portanto, a adequação do Código Civil ao princípio do melhor
interesse da criança.

Mesmo antes do advento do Código Civil de 2002, o


entendimento jurisprudencial pátrio já havia citado a aplicação do melhor
interesse da criança em sede de disputas judiciais de custódia, senão vejamos:

Ementa: O BRASIL AO RATIFICAR A CONVENCAO


INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DA CRIANCA,
ATRAVES DO DECRETO 99.710/90, IMPOS, ENTRE NOS, O
PRINCIPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANCA,
RESPALDADA POR PRINCIPIOS LEGAIS E
CONSTITUCIONAIS. O QUE FAZ COM QUE SE RESPEITE
NO CASO CONCRETO A GUARDA DE UMA CRIANCA, DE
03 ANOS DE IDADE, QUE DESDE O NASCIMENTO SEMPRE
ESTEVE NA COMPANHIA DO PAI E DA AVO PATERNA. NAO
E CONVENIENTE, ENQUANTO NAO DEFINIDA A GUARDA
NA ACAO PRINCIPAL, QUE HAJA O DESLOCAMENTO DA
CRIANCA PARA A COMPANHIA DA MAE, QUE INCLUSIVE E
PORTADORA DE TRANSTORNO BI-POLAR. AGRAVO
PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70000640888, Oitava
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Antônio
Carlos Stangler Pereira, Julgado em 06/04/2000)
67

Destarte, verifica-se uma revalorização da figura paterna que


tornou-se mais participativa no desenvolvimento do infante.
Consequentemente, o número de ações de guarda demandadas pelos pais
aumentou-se. Mesmo antes da promulgação do Código Civil de 2002 já havia
elevado consideravelmente o número de homens que recorriam ao judiciário
com o intuito de obter a guarda do filho, conforme dados apresentados por
Silva:

“Em 26 de setembro de 2002, no debate sobre guarda de filhos


promovido pela Associação pela Participação de Pais e Mães
Separados na vida dos Filhos (Participais), uma das questões
que mais chamou atenção dos assistentes foi o aumento do
pedido de guarda por homens. Em São Paulo, no ano de 2001,
pela primeira vez no Judiciário estadual, o pedido de guarda
feito por pais foi maio que o feito por mâes, 53% contra 45%.”
(Silva, 2008, p. 77).

Em decorrência da busca pela igualdade de direitos parentais,


surgiu a proposta de um novo modelo de guarda, a guarda compartilhada. Esta
não instituiria tão somente a “visitação” do genitor não guardião, mas também a
participação plena deste na vida de seu filho. Não trata-se de dividir
igualitariamente a criança, fazendo com que esta possua residência em dois
endereços e perca seu referencial de casa, trata-se de exercer solidariamente
todos os direitos e deveres inerentes ao poder familiar, com o fito de
proporcionar o melhor interesse da criança

Não obstante, depreende-se que diversas associações como a


Associação de Pais e Mães Separados (APASE); SOS Papai e Mamãe; e Pais
para Sempre, passaram a cobrar dos legisladores uma norma que previsse a
possibilidade da adoção da guarda compartilhada entre ex-cônjuges. Ademais,
verifica-se que esta modalidade de guarda passou a ser expressa em algumas
jurisprudências sob o argumento de que não havia qualquer norma que a
tornasse invalida.

Neste diapasão, após forte clamor social, promulgou-se a Lei


11.698/2008, a qual instituiu no ordenamento jurídico brasileiro a preleção pelo
68

instituto da guarda compartilhada. Demonstra-se oportuno antever fatos


concretos que teriam culminado com tal alteração legislativa. Portanto,
imprescindível transcrever o trecho disposto por Ana Maria Milano Silva:

“Acompanhando a sistemática diferenciada da sociedade em


evolução, as decisões judiciais também começaram a se
fundamentar nos novos papéis que homens e mulheres
estavam desempenhando na família e na própria sociedade,
passando a conferir a guarda dos filhos aos pais mais vezes,
devido ao gradual desaparecimento da mãe tradicional,
totalmente dedicada ao cuidado dos filhos. Por isso, os homens
com empregos de horário flexível, que já cuidavam dos filhos
antes da separação do casal, passaram a receber o
beneplácito judicial de poderem assumir a guarda destes.”
(Silva, 2008, p. 78).

Cabe, preliminarmente, tecer algumas considerações acerca


da Lei 11698/2008. Vislumbra-se que o referido instituto busca dirimir conflitos
judiciais entre ex-cônjuges referentes à guarda dos filhos propondo para tanto
um sistema de ampla visitação ao genitor não guardião, bem como a
responsabilização mútua dos pais em questões acerca da vida do infante. Em
consonância, assevera Ana Maria Milano Silva:

“A lei define a guarda compartilhada como um sistema de co-


responsabilização do dever familiar entre os pais, em caso de
ruptura conjugal ou da convivência, em que os pais participam
igualmente daguarda material dos filhos, bem como os direitos
e deveres emergentes do poder familiar.” (Silva, 2008, p.98)

Ante o sucesso obtido perante o Poder Legislativo com a


promulgação da Lei 11698/2008, os membros das associações de pais
separados colocaram seu foco na elaboração de um dispositivo legal que
versasse acerca dos atos de alienação parental. Assim, vislumbra-se que
houve uma intensa difusão do tema Alienação Parental nestas associações.
Nestes termos, analise-se o disposto por Analicia Martins de Sousa e Leila
Maria Torraca de Brito:
69

“Verifica-se que essa mudança de foco do tema igualdade


parental para a temática da SAP teve início no ano 2006,
quando da tramitação do projeto de lei sobre a guarda
compartilhada. Como justificativa para tanto, destaca-se a
afirmação publicada na página eletrônica de uma associação
de pais separados de que, „em decorrência da celeridade com
que o projeto de lei (sobre guarda compartilhada) está
tramitando, (e) do novo artifício usado pelos genitores
guardiães em não aceitar a participação do genitor não
guardião no desenvolvimento dos filhos (...)‟, a associação
estabelece como prioridade em suas ações a difusão do tema
SAP1.” (Brito e Sousa, 2011, 270).

Portanto, depreende-se que no contexto da criação da Lei da


Alienação Parental, as associações de pais separados empreenderam
verdadeira campanha para a promulgação da referida lei.

3.2. A Lei 12.318/2010 e a Inibição de Atos de Alienação Parental

Conforme Sousa (2011), após a instituição do divórcio, a


flexibilização dos papéis parentais e o aumento de disputas judiciais de
custódia, tornou-se comum o fenômeno de aliança entre a criança e o genitor
guardião com o intuito de promover uma campanha de depreciação em face do
outro pai. Desta maneira, o guardião utiliza-se de mecanismos legítimos (tais
como denúncias de falso abuso sexual ou maus tratos), bem como da lealdade
incondicional do próprio filho, para empreender uma constante batalha
judiciária com o fito de destruir o relacionamento existente entre a criança e o
ex-cônjuge.

Segundo Ivone M. Coelho de Souza (2010), as disputas


judiciais de custódia tornaram-se cada vez mais freqüentes no âmbito das
Varas de Família. Isto porque, com o advento do instituto do divórcio, os ex-
cônjuges passaram a disputar em sede judicial além de seus objetos, os seus
próprios filhos. Utilizados como ferramentas nesta disputa, os filhos sofrem
tanto com a perda do genitor alvo quanto com a exposição tão precoce a um
litígio. Assim, observa-se que em grande parte dos casos o objeto da lide deixa
70

de ser o bem estar da prole e passa a ser a retaliação perpetrada entre os ex-
cônjuges. Neste sentido, assevera ainda a psicóloga Ivone M. Coelho de
Souza:

“Considerar a dupla parental, meramente a partir das


demandas e contestações, os alegados direitos indiscriminados
de partilhar o filho – a exemplo dos bens do antigo casal, como
se da mesma categoria fossem – pode ser um
encaminhamento de questão que não esgota a necessidade da
criança, ou até invista contra ela. Melhor seria levar em conta
uma série de fatores e características desta criança e do grupo,
interativamente, embora sejam procedimentos de difícil
implantação.” (Souza, 2010, p. 31).

Portanto, deve-se preliminarmente analisar a existência da


necessidade da criação de uma lei com o fito de inibir os atos de alienação
parental. Imprescindível ainda, questionar se a promulgação de uma lei
viabilizaria a implementação do princípio do melhor interesse da criança.

Destarte, em detrimento da expectativa produzida pela


promulgação da Lei 12318/2010, vislumbra-se atualmente um sistema judiciário
moroso e muitas vezes ineficaz. Assim, as disputas judiciais de custódia
arrastam-se por anos a fio, muitas vezes sem que haja uma solução para o
litígio. Contudo, a mora nesta espécie de litígio pode causar prejuízos
irreparáveis a higidez mental das partes. Cabe destacar, o mencionado por
Major apud Motta:

“Com efeito não se pode reconstruir o vínculo entre a criança e


o genitor „alienado‟ se houver um hiato de meses ou alguns
anos. O genitor „alienado‟ torna-se um forasteiro para a criança.
O modelo principal para ela será o do genitor patológico, e
possuidor de disfunções sendo que como conseqüência,
muitas dessas crianças desenvolvem sérios transtornos
psiquiátricos.” (Major apud Motta, 2007, p. 59).
71

É importante sopesar os direitos em questão. Por um lado, há a


restrição do direito de convivência familiar da criança em face do genitor
alienado. Por outro lado, existe a possibilidade de haver realmente abuso
emocional, físico ou sexual perpetrado pelo genitor alvo em relação à criança.
Esta questão revestida de tanta obscuridade foi alvo da Lei 12318/2010.
Contudo, não parece razoável estipular em uma lei um rol de possíveis
decisões cabíveis no caso de suspeita de alienação parental, deve-se sim
analisar o caso concreto para posteriormente decidir-se acerca de qual decisão
promoverá o melhor interesse da criança.

Ademais, por versar acerca de um possível distúrbio


psicológico dever-se-á ser realizado em sede judicial o competente laudo
pericial avaliando a possibilidade da existência de atos de alienação parental.
No entanto, questiona-se esse poder conferido ao psicólogo de estabelecer se
existe ou não indícios de atos de alienação parental. Seria, de fato, tão simples
determinar a diferenciação existente entre o discurso de uma criança alienada
e o de uma criança abusada física ou psicologicamente? Conquanto ao
exposto, preceitua a psicóloga Ivone M. Candido Coelho de Souza:

“Mais grave ainda, o técnico sob impasse é levado a ponderar


necessariamente duas condições adversas quase equiparáveis
em riscos morbígenos: há imposição vazia de alienação
parental e a situação patogênica está insinuada; há ameaça
real, ou fortes indícios, na presença de um genitor, e a
contraindicação para a convivência é inevitável. Em ambas as
hipóteses, o abuso à criança está perpetrado, e a partir desta
consideração os elementos para a intervenção psicológica
ampla são de indicação fechada.” (Souza, 2010, p. 33).

Destarte, a convivência familiar saudável da criança para com


seu genitor dependerá da decisão proferida pelo juiz que em grande parte dos
casos fundamenta-se no laudo pericial desenvolvido pelo psicólogo. Ocorre
que as ciências são falíveis, e na hipótese em testilha um erro pode gerar a
ruptura total dos vínculos familiares, ou mesmo a legitimação da convivência da
criança com um genitor abusador. Nesta seara, as estudiosas Analicia Martins
72

de Sousa e Leila Maria Torraca de Brito apresentam alguns casos concretos de


erros judiciários que tiveram conseqüências nefastas, dentre estas cita-se:

“Em julho de 2010, alcançou grande destaque na mídia o caso


de uma menina de 5 anos de idade que teve a guarda invertida
em favor do pai, ao mesmo tempo em que foi impedido
qualquer contato entre mãe e filha pelo período de noventa
dias. Embora fosse uma criança saudável, como garantiu seu
pediatra, a menina veio a falecer após sucessivas internações
hospitalares ao longo do primeiro mês em que esteve sob a
guarda do pai. Ao serem identificados ferimentos e luxações no
corpo da criança, foi levantada a suspeita de maus-tratos por
parte do pai guardião (Lima, 2010). Conforme matéria
publicada em revista de grande circulação nacional (Lobato,
2010), a juíza responsável pelo caso teria baseado sua decisão
em laudo psicológico, o qual concluíra que a criança estaria
sendo vítima de alienação parental.” (Lima, Lobato apud Brito e
Sousa, 2011, p. 277-278).

Isto posto, a Lei 12318/2010 determina que ao ser constatado


em laudo psicológico que o guardião empreende atos de alienação parental em
desfavor do próprio filho, várias poderão ser as medidas utilizadas pelo juiz
para cessar tal abuso. Dentre elas, poderá haver o afastamento da criança do
genitor alienador para que saia da esfera de influência deste. Contudo, ao
analisar tais hipóteses vislumbra-se que há a legitimação de uma nova
alienação parental, desta vez perpetrada pelo Estado, o qual poderá impor o
desligamento do genitor de sua prole. Assim, elucidam as estudiosas do tema
Analicia Martins de Sousa e Leila Maria Torraca de Brito:

“A lista de medidas que podem ser adotadas parece sugerir


que, agora, o Estado é quem possui o direito de alienar um dos
pais da vida da criança. Nesse sentido, questiona-se se teorias
psicológicas dariam respaldo a tais medidas. Estar-se-ia
desconsiderando os prejuízos emocionais causados à criança,
que bruscamente será afastada do genitor com quem convive e
com quem mantém fortes ligações?” (Brito e Sousa, 2011, p.
276)
73

Portanto, a Lei 12318/2010 busca a resolução do litígio com o


simples diagnóstico estabelecido pelo psicólogo conquanto a existência da
alienação parental. Após o recebimento do laudo pericial, o juiz fundamentaria-
se em algum dos meios legais para conter esta forma de abuso em desfavor da
criança. No entanto, há que ressaltar que estas questões são envoltas por
particularidades e situações as quais não podem ser devidamente previstas
pelo legislador. Destaca-se o descrito por Ivone M. Candido Coelho de Souza:

“As soluções, outra vez, se aproximam se houver descuido na


avaliação do quadro. Submeter os afetos conturbados a rigores
legais – principalmente quando sob a influência da divulgação
de novos tratos, novas divulgações, para tão antigos impasses
– não reduzirá as árduas conseqüências que produzem, ao que
pese o esforço do legislador, ou do julgador, em enfrentar a
exposição da criança ante abusos dos poderes parentais.
Algumas coisas que o projeto realça inclusive, são
profundamente silenciosas, e a transmissão se passa em nível
não consciente, ou indireto, racionalizado, ficando, portanto, ao
alcance somente de intervenções técnicas especializadas. E
mesmo estas estão longe da infalibilidade que pudesse garantir
o amparo da criança. Novamente, jurisdicionalizar sobre os
sentimentos, para que se equacione a questão, é de duvidosa
eficácia.” (Souza, 2010, p. 31).

Assim, há atualmente uma tendência de penalização dos


fenômenos decorrentes das disputas judiciais. Contudo, é necessário ponderar
sobre a imprescindibilidade destas sanções, haja vista já existir no
ordenamento jurídico pátrio diversos mecanismos legais que visam prevenir ou
interromper os atos de alienação parental. Aumentar a punição a esta prática
não ocasiona necessariamente a sua diminuição ou conscientização por parte
do genitor alienador, apenas aumentará o poder de intervenção do Estado no
âmbito das relações familiares.

“Os discursos mencionados sobre a SAP, ao que parece,


seguem uma tendência marcante na atualidade, a de clamor
por punições. Segundo Rauter (2006), como forma de intimidar,
de desencorajar pelo temor, alguns vêem na adoção não só de
um maior número de penas mas também de penas mais
rigorosas, a solução de questões sociais. Seria essa a forma
de impedir alianças entre o genitor guardião e os filhos
74

menores de idade, bem como impedir a exclusão daquele que


não detém a guarda? Ao que parece, a questão vem se
encaminhando nesse sentido.” ( Rauter apud Sousa, 2011, p.
182-183).

3.3. Lei 12.318/2010 e as Repetições Trazidas ao Ordenamento


Jurídico Pátrio

Com o intuito de compreender as inovações processuais


introduzidas pela Lei 12318/2010, faz-se necessário a análise de alguns dos
seus artigos. Assim, haverá uma melhor compreensão das mudanças ocorridas
no ordenamento jurídico brasileiro.

Preliminarmente, conforme depreende-se da redação do art. 4º


da Lei 12318/2010, o legislador conferiu tramitação prioritária ao processo que
versa acerca de possível alienação parental. Transcreve-se por oportuno:

“Art. 4º Declarado indício de ato de alienação parental, a


requerimento ou de ofício, em qualquer momento processual,
em ação autônoma ou incidentalmente, o processo terá
tramitação prioritária, e o juiz determinará, com urgência,
ouvido o Ministério Público, as medidas provisórias necessárias
para preservação da integridade psicológica da criança ou do
adolescente, inclusive para assegurar sua convivência com
genitor ou viabilizar a efetiva reaproximação entre ambos, se
for o caso.”

No entanto, ante a análise dos dispositivos legais anteriores a


Lei 12318/2010, tais como a Lei 8069/90 e o Código de Processo Civil,
vislumbra-se que já havia o reconhecimento desta prioridade na tramitação dos
processos que versam acerca de interesse de menores. Estas normas
adequam-se ainda ao princípio da supremacia do interesse da criança. O
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) assegura expressamente a
prioridade na tramitação dos procedimentos afetos aos menores, sob pena de
responsabilidade. Assim, dispõe o art. 152, parágrafo único, do ECA:
75

“Art. 152. Aos procedimentos regulados nesta Lei aplicam-se


subsidiariamente as normas gerais, previstas na legislação
processual pertinente.

Parágrafo Único. É assegurada, sob pena de responsabilidade,


prioridade absoluta na tramitação dos processos e
procedimentos previstos nesta Lei, assim como na execução
dos atos e diligências judiciais a eles referentes.”

Ademais, igualmente não representa novidade a intervenção do


Ministério Público na hipótese em testilha, haja vista que a competência deste
já está devidamente disposta no Código de Processo Civil em seu art. 82, I, o
qual determina a necessidade da intervenção do parquet “nas causas em que
há interesses de menores”.

No que tange a urgência na aplicação de medidas provisórias


necessárias à preservação da integridade psicológica da criança ou do
adolescente, determina-se que esta já possuía respaldo legal. Conforme
depreende-se do Estatuto da Criança e do Adolescente, são princípios que
regem a aplicação das medidas específicas de proteção: a intervenção
precoce, bem como a proporcionalidade e a atualidade. Nesta seara, é
imprescindível a transcrição do artigo 100 que trata acerca do tema:

“Art. 100. Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as


necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem
ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.

Parágrafo Único. São também princípios que regem a


aplicação das medidas:

(...)

VI- intervenção precoce: a intervenção das autoridades


competentes deve ser efetuada logo que a situação de perigo
seja conhecida;

(...)

VIII- proporcionalidade e atualidade: a intervenção deve ser a


necessária e adequada à situação de perigo em que a criança
76

ou o adolescente se encontra no momento em que a decisão é


tomada; (...)”

Depreende-se ainda, da redação do parágrafo único, do art. 4°


da Lei nº 12.318/2010 que o legislador estipulou uma garantia de mínima
visitação assistida entre a criança ou adolescente e seu genitor. Senão
vejamos:

“Parágrafo Único. Assegurar-se-á à criança ou adolescente e


ao genitor garantia mínima de visitação assistida, ressalvados
os casos em que há iminente risco de prejuízo à integridade
física ou psicológica da criança ou do adolescente, atestado
por um profissional eventualmente designado pelo juiz para
acompanhamento da visitas.”

Destarte, vislumbram-se entendimentos jurisprudenciais


anteriores a lei em estudo, acerca desta ponderação feita entre a garantia da
convivência familiar do infante com seu pai e a possibilidade de legitimar a
visitação de um genitor agressor. Caberia, portanto, ao juiz, na análise do caso
concreto estipular segundo seu livre convencimento, bem como atento ao
princípio do melhor interesse da criança e com base nas provas carreadas nos
autos, decidir conquanto a necessidade de cessação das visitas. Frise-se
entendimentos jurisprudenciais que tratam do tema:

“Ementa: DIREITO DE VISITAS. MELHOR INTERESSE DA


CRIANÇA. Indicando os autos a relevância de manter os
vínculos entre filha e genitor, e considerando que a menina
manifesta forte desejo de rever o familiar, descabe suspender a
visitação, com o acompanhamento de assistente social.
Embora o pai biológico esteja sendo processado criminalmente
em razão de supostos abusos sexuais contra a infante, não há
como impedir as visitas quando os elementos de convicção
apontam no sentido da não-ocorrência da agressão, havendo
que se atentar ao melhor interesse da criança. Negado
provimento e aplicada à mãe e à filha, de ofício, medida de
proteção (arts. 101, V, e 129, III, ambos do ECA), com
recomendações à origem. (Agravo de Instrumento Nº
70009968983, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do
RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 01/12/2004).”
77

“AGRAVO DE INSTRUMENTO - DIREITO DE VISITAS -


PEDIDO DE SUSPENSÃO - RISCO DE DANO AO INFANTE -
COMPROVAÇÃO - IMPRESCINDIBILIDADE. - Por se tratar de
direito assegurado em lei ao genitor que não detém a guarda, a
restrição das visitas deverá ser sempre excepcional, quando
absolutamente necessária à proteção dos filhos, para quem,
mesmo após a separação, é extremamente importante a
permanência do convívio habitual com ambos os pais,
independentemente da forma em que tenha sido estabelecida a
guarda. - Inexistindo elementos concretos que desabonem a
conduta do genitor, não se justifica a suspensão liminar do seu
direito de visitas. (Agravo de Instrumento Nº 1.0024.08.196565-
9/001, 8ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça de MG, Relator:
Elias Camilo, Julgado em 30/07/2009).”

Conforme analisado, deve-se partir do princípio do melhor


interesse da criança com o fito de assegurar uma decisão mais adequada ao
caso em concreto. Neste sentido dispõem Douglas Phillips Freitas e Graciela
Pellizzaro:

“Quando as acusações são narradas, por exemplo, em ações


de redução ou de suspensão de período de convivência ou
modificação de guarda, o magistrado, ainda que desconfie da
sua veracidade, deve prezar pelo melhor interesse do menor,
devendo dar a tutela necessária para evitar majoração do dano
ante a possível veracidade da acusação. Outrossim, salvo
raros casos, não se justifica a cessação total do contato com o
genitor acusado, devendo, por exemplo, manter períodos de
convivência vigiados até a conclusão da investigação.” (Freitas
e Pellizzaro, 2011, p. 32).

O art. 5º da Lei nº 12.318/2010 assevera sobre a determinação


da perícia psicológica ou biopsicossocial, nos casos em que há indícios de
alienação parental. Conforme depreende-se, o legislador determinou a
possibilidade da propositura da ação autônoma ou incidental para que seja
avaliado a existência de prática de alienação parental. Nestes termos, existe a
possibilidade de pugnar pela elaboração de um laudo pericial no curso de
ações de divórcio ou modificação de guarda (Freitas e Pellizaro, 2011).
78

Assim preceitua o art. 5º da Lei da Alienação Parental:

“Art. 5o Havendo indício da prática de ato de alienação


parental, em ação autônoma ou incidental, o juiz, se
necessário, determinará perícia psicológica ou biopsicossocial.

§ 1o O laudo pericial terá base em ampla avaliação psicológica


ou biopsicossocial, conforme o caso, compreendendo,
inclusive, entrevista pessoal com as partes, exame de
documentos dos autos, histórico do relacionamento do casal e
da separação, cronologia de incidentes, avaliação da
personalidade dos envolvidos e exame da forma como a
criança ou adolescente se manifesta acerca de eventual
acusação contra genitor.

§ 2o A perícia será realizada por profissional ou equipe


multidisciplinar habilitados, exigido, em qualquer caso, aptidão
comprovada por histórico profissional ou acadêmico para
diagnosticar atos de alienação parental.

§ 3o O perito ou equipe multidisciplinar designada para verificar


a ocorrência de alienação parental terá prazo de 90 (noventa)
dias para apresentação do laudo, prorrogável exclusivamente
por autorização judicial baseada em justificativa
circunstanciada.”

Não obstante, verifica-se que este dispositivo, apesar de não


estar expressamente previsto nos dispositivos legais anteriores, já possuía
efetividade prática no âmbito dos tribunais. Isto se deve ao fato da
interpretação do disposto no art. 332 do Código de Processo Civil, o qual
preceitua:

“Art. 332. Todos os meios legais, bem como os moralmente


legítimos, ainda que não especificados neste Código, são
hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a
ação ou a defesa”.

Portanto, tendo em vista que são admitidos todos os meios de


prova, conclui-se que o requerimento da perícia com o intuito de identificar a
suposta prática de ato de alienação parental era possível mesmo antes da
79

elaboração da lei em comento. Cite-se o exposto por Fredie Didier Júnior,


acerca dos meios de prova:

Os fatos podem ser evidenciados por qualquer meio de prova,


ainda que não previsto na lei, desde que se trate de um meio
lícito e moralmente legítimo (art. 332, CPC). Assim ao lado dos
meios de prova típicos, que contam com expressa previsão em
lei, admitem-se os meios de prova atípicos, que não encontram
sede legal. (Didier, 2010, p. 49).

Isto posto, destaca-se que a atuação do psicólogo na


elaboração do laudo psicológico para diagnosticar a suposta alienação parental
já possuía antes do advento da Lei 12318/2010, caráter pericial. Portanto, a
referida Lei apenas tornou formal a utilização do termo “perícia” para o estudo
desenvolvido por psicólogos no âmbito das lides familistas. Em consonância
com o disposto tem-se o entendimento jurisprudencial a seguir exposto:

“Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE


ALTERAÇÃO DE GUARDA DE MENOR. DECISÃO QUE
RESTABELECEU AS VISITAS PATERNAS COM BASE EM
LAUDOPSICOLÓGICO FAVORÁVEL AO PAI. PREVALÊNCIA
DOS INTERESSES DO MENOR. Ação de alteração de guarda
de menor em que as visitas restaram reestabelecidas,
considerando os termos do laudo psicológico, por perita
nomeada pelo Juízo, que realizou estudo nas partes
envolvidas. Diagnóstico psicológico constatando indícios de
alienação parental no menor, em face da conduta materna.
Contatos paterno filiais que devem ser estimulados no intuito
de preservar a higidez física e mental da criança. Princípio da
prevalência do melhor interesse do menor, que deve
sobrepujar o dos pais. NEGARAM PROVIMENTO AO
AGRAVO DE INSTRUMENTO. (Agravo de Instrumento Nº
70028169118, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do
RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado em
11/03/2009).” (grifo nosso).

Mormente, assevera-se que a função do perito é de especial


relevância na verificação da existência de prática de alienação parental, uma
vez que este levará fatos científicos que fogem ao conhecimento do juiz. Só
então com base nestes apontamentos e nas demais provas carreadas nos
80

autos, o magistrado apreciará qual é a medida cabível para a cessação do


abuso perpetrado contra a criança. A importância do profissional que elaborará
o laudo pericial é tamanha que a lei frisa a necessidade deste apresentar
“aptidão comprovada por histórico profissional ou acadêmico para diagnosticar
atos de alienação parental”. Neste sentido, asseveram Douglas Phillips Freitas
e Graciela Pellizzaro:

“A Lei da Alienação Parental exige peritos na acepção da


palavra, ou seja, profissionais especializados na área que irão
periciar. O trabalho do perito culminará na apresentação de um
laudo que servirá certamente para a fundamentação das
medidas necessárias a serem tomadas pelo magistrado.”
(Freitas e Pellizzaro, 2011, p. 57).

Conquanto o art. 6º da Lei 12318/2010, este expressa


instrumentos processuais capazes de inibir ou atenuar a prática de atos de
alienação parental. Ressalva-se ainda, que estes meios coercitivos poderão ser
cumulados ou não com a responsabilização cível ou criminal do genitor
alienador. Contudo, cabe ressaltar que anteriormente a legislação pátria já
manifestava-se no sentido de que a prática de qualquer ato tendente a ferir
direito fundamental da criança ou do adolescente, constituiria ato ilícito, e
portanto seria passível de indenização.

Entre o rol de medidas dispostas no artigo em comento


encontram-se: declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o
alienador; ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor
alienado; estipular multa ao alienador; determinar acompanhamento
psicológico e/ou biopsicossocial; determinar a alteração da guarda para guarda
compartilhada ou sua inversão; determinar a fixação cautelar do domicílio da
criança ou adolescente; e declarar a suspensão da autoridade parental.

Assim dispõe o art. 6º da Lei da Alienação Parental:


81

“Art. 6o Caracterizados atos típicos de alienação parental ou


qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou
adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o
juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da
decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla
utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar
seus efeitos, segundo a gravidade do caso:
I - declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o
alienador;
II - ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor
alienado;
III - estipular multa ao alienador;
IV - determinar acompanhamento psicológico e/ou
biopsicossocial;
V - determinar a alteração da guarda para guarda
compartilhada ou sua inversão;
VI - determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou
adolescente;
VII - declarar a suspensão da autoridade parental.
Parágrafo único. Caracterizado mudança abusiva de endereço,
inviabilização ou obstrução à convivência familiar, o juiz
também poderá inverter a obrigação de levar para ou retirar a
criança ou adolescente da residência do genitor, por ocasião
das alternâncias dos períodos de convivência familiar.”

Neste sentido, cabe uma análise decomposta dos instrumentos


inibitórios da prática da alienação previstos no art. 6º da Lei 12318/2010.

O inciso I, do art. 6º determina a declaração da ocorrência da


alienação parental e a conseqüente advertência do genitor alienador. Este seria
o instrumento adequado para inibir atos de alienação parental de nível leve.
Contudo, nota-se que não deve prevalecer como primeira opção a via judiciária
na resolução dessa espécie de litígio. Aconselha-se, primeiramente, o
tratamento psicológico das partes, bem como a tentativa de diálogo e acordo
entre estas. Somente na hipótese de não lograr êxito com tais atitudes, deve-se
recorrer em último momento ao Judiciário. Portanto, causa estranheza o
instrumento processual em comento, haja vista que contra atos de alienação
parental de natureza leve dever-se-ia tentar primeiramente um acordo. Nesta
seara, cita-se o noticiado pelo Supremo Tribunal de Justiça:

“Para a especialista Hildeliza Cabral, o Judiciário não deve ser


a primeira opção. „Detectada a situação, deve o genitor
82

alienado procurar apoio psicossocial para a vítima e iniciar o


acompanhamento psicoterapêutico. Em não conseguindo
estabelecer diálogo com o alienante, negando-se ele a
participar do processo de reconstrução do relacionamento,
deve o alienado requerer ao Juízo da Vara de Família, Infância
e Juventude as providências cabíveis‟, escreve em artigo sobre
os efeitos jurídicos da SAP.”

Em seguida, tem-se a medida tendente a ampliar o regime de


convivência familiar em favor do genitor alienado. Verifica-se que há a
expressa menção à aplicação do instituto da guarda compartilhada com o fito
de minorar os efeitos da alienação parental. No entanto, assevera-se que
conforme anteriormente narrado, a aplicação da guarda compartilhada deve ser
pautada no acordo e na boa convivência entre as partes. Impor a estas tal
modalidade de guarda como medida inibitória de atos de alienação parental
deturpa a real finalidade do instituto que é a obtenção do consenso de decisões
em relação à prole. Assim, mister destacar o preceituado por Analicia Martins
de Sousa e Leila Maria Torraca de Brito:

Nesse sentido, causa surpresa o fato de a guarda


compartilhada, na lei sobre a alienação parental, ser vista como
uma das sanções que poderão ser aplicadas em caso de
reconhecimento de uma alienação parental, especialmente
quando alguns autores já discorreram sobre as contrariedades
de operadores do Direito no que diz respeito à sua aplicação.
(Brito e Sousa, 2011, p. 280).

No que tange o inciso III, do art. 6º da Lei 12318/2010, este


determina a aplicação de multa ao genitor alienador. Ocorre que tal mecanismo
já encontrava-se em prática no âmbito dos tribunais brasileiros, haja vista que o
cumprimento da regulamentação de visitas era entendido como obrigação de
fazer sendo portanto possível a imposição de multa com o intuito de coagir o
alienador a adimplir sua obrigação, com fulcro no art. 461, § 5º do Código de
Processo Civil. Senão vejamos:

“§ 5º. Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do


resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a
83

requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a


imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão,
remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e
impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição
de força policial.”

Ademais o art. 249 do ECA é cristalino ao dispor:

“Art. 249. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres


inerentes ao pátrio poder ou decorrentes de tutela ou guarda,
bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho
Tutelar:

Pena – multa de três a vinte salários de referência, aplicando-


se em dobro em caso de reincidência.”

As jurisprudências anteriores ao advento da Lei 12318/2010


demonstram a aplicação de multa em desfavor do guardião que dificulta a visita
do outro pai aos filhos:

Ementa: DIREITO DE VISITAÇÃO DO GENITOR.


DESENTENDIMENTO ENTRE OS PAIS. APLICAÇÃO DE
MULTA À MÃE POR IMPEDIR A VISITAÇÃO DO PAI. 1. Não é
possível conhecer de matéria preclusa, nem de pedido que não
tenha sido objeto de apreciação no juízo de origem. 2. Como
decorrência do poder familiar, tem o pai não-guardião o direito
de avistar-se com a filha, acompanhando-lhe a educação e
estabelecendo com ela um vínculo afetivo saudável. 3. Não
havendo bom relacionamento entre os genitores e tendo o pai
condições plenas para exercer a visitação, deve ser
assegurado a ele o direito de conviver com a filha, inclusive
através de aplicação de multa à guardiã por impedir a visitação.
4. A mãe deve ser severamente advertida de que deve
respeitar o período de visitas, ficando esclarecida acerca da
responsabilização pela desobediência, bem como do risco de
que a guarda possa vir a ser revertida. 5. A multa deve ser
imposta em relação a cada descumprimento informado, sendo
inadmissível que se aguarde um somatório de condutas
maternas censuráveis a fim de multiplicar a penalização
pecuniária. Recurso conhecido em parte e parcialmente
provido. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Agravo de Instrumento Nº
70023275803, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do
RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves,
Julgado em 25/06/2008). (Grifo Nosso).
84

AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL - ACORDO


FIRMADO ENTRE AS PARTES, EM AÇÃO DE DIVÓRCIO,
REGULAMENTANDO AS VISITAS DO PAI À FILHA -
SUPOSTO DESCUMPRIMENTO DO AJUSTE POR PARTE
DA GENITORA DA MENOR - FIXAÇÃO DE MULTA DIÁRIA
PARA OBRIGÁ-LA AO CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE
FAZER - POSSIBILIDADE - ART. 461 E §§ DO CPC - APELO
ADESIVO - PEDIDO DE MAJORAÇÃO DA ASTREINTE FEITO
PELO EXECUTADO - DESNECESSIDADE - RECURSOS
DESPROVIDOS. Se o acordo judicial firmado pelas partes, e
devidamente homologado pelo juízo na ação de divórcio que
entre elas tramitou, regulamentado as visitas do pai à sua filha,
vinha sendo desrespeitado pela mãe da menor que,
comprovadamente, estava oferecendo resistência em ceder a
guarda da criança nos dias acordados, legítima afigura-se a
atitude do prejudicado, pai da infante, de buscar provimento
judicial para cumprimento de obrigação de fazer em face
daquela, nos termos do art. 461 e §§ do CPC, inclusive com a
possibilidade da fixação de multa diária em face da requerida,
para compeli-la ao cumprimento da obrigação. Se o valor da
multa diária fixada pelo Magistrado já se revela suficiente e
eficaz para inibir a executada de continuar descumprindo a
obrigação estampada no título executivo, não há necessidade
de sua majoração. (Apelação Cível Nº 1.0027.07.120067-
2/001(1) , Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça de MG,
Relator: Armando Freire, Julgado em 12/08/2008). (Grifo
nosso).

Cite-se ainda, o disposto por Joubert R. Rezende, acerca do


acima mencionado:

Com efeito, não se trata de obrigação de dar e de não-fazer,


restando, portanto uma obrigação de fazer infungível, pois
somente o pai (ou a mãe) poderá exercer a visita (obrigação
personalíssima). Se a obrigação infungível não é cumprida, o
ordenamento jurídico municia o “credor” com a tutela específica
das obrigações de fazer, podendo haver a imposição de
astreinte para compelir o “devedor” a cumprir sua obrigação.
(Rezende apud Simão, 2007, p. 18).

Ademais, assevera o inciso IV do art. 6º a possibilidade de


determinar o acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial às partes. Isto
posto, verifica-se que este dispositivo igualmente encontrava amparo antes
85

mesmo do advento da lei em comento. Conforme preceitua a Carta Magna em


seu art. 5º, XXXV, “nenhuma lei excluirá da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça a direito”. Isto posto, observa-se a instituição de uma tutela
inibitória a qual rechaça a possibilidade da lesão do direito (Freitas e Pellizzaro,
2011). Por conseguinte, vislumbra-se que deve haver uma tutela inibitória
tendente a prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da
criança .

Não obstante, verifica-se que o Estatuto da Criança e do


Adolescente é expresso conquanto ao encaminhamento dos pais a tratamento
psicológico, conforme art. 129, III, “São medidas aplicáveis aos pais ou
responsável: encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico”.

Segundo a autora Rosana Barbosa Cipriano Simão, sobre o


dispositivo em testilha:

“Ressalta-se que o genitor que subtrai do seu filho o direito ao


convívio ou contato deste com o outro genitor, em verdade,
além de lhe prejudicar a higidez mental (e, por via de
conseqüência, a integridade de sua dignidade humana) merece
tratamento psicológico que também poderá ser imposto pelo
Juízo no exercício de seu PODER GERAL DE CAUTELA com
fincas no inc. III do art. 129 da Lei 8.069/90.” (Simão, 2007, p.
17).

O inciso V, do art. 6º refere-se a alteração da guarda para a


modalidade compartilhada ou sua inversão para o genitor alienado. Novamente
o legislador dá enfoque ao instituto da guarda compartilhada como forma de
sanção ao alienador que impede o contato do filho com o outro genitor.

No entanto, conforme já mencionado deve-se ponderar acerca


da guarda compartilhada nos casos severos de alienação parental, haja vista
que em detrimento de ser um instrumento inibitório da prática da alienação,
vislumbra-se que a criança pode ser prejudicada com o afastamento do genitor
alienador. Ademais a guarda compartilhada visa a manutenção do vínculo
afetivo entre pais e filhos e não a sua ruptura, conforme sugere o art. 6º, V, da
86

Lei da Alienação Parental. Frise-se o disposto pelas autoras Analicia Martins de


Sousa e Leila Maria Torraca de Brito:

“Nota-se que o espírito da lei da guarda compartilhada visa,


dentre outros aspectos, a alterar o entendimento – que vigorou
por muito tempo – de que a guarda deveria ser
preferencialmente materna. Dessa maneira, em face da
compreensão atual sobre a importância de a criança manter
uma convivência com ambos os responsáveis e suas
respectivas famílias, a guarda deve ser prioritariamente
compartilhada. A lei da guarda compartilhada possibilita,
portanto, um apoio legal para a manutenção dos vínculos entre
pais e filhos após uma separação conjugal, distanciando-se da
ideia de um dispositivo punitivo como parece sugerir a lei sobre
alienação parental. Com a lei da guarda compartilhada,
desenha-se outra coerência para a manutenção do
relacionamento entre pais e filhos após uma separação
conjugal, construindo-se, também, uma ancoragem social para
que pais e mães mantenham seus respectivos lugares junto
aos filhos.” (Brito e Sousa, 2011, p. 278-279).

Entre o rol dos instrumentos processuais inibitórios da prática


de atos de alienação parental, está a determinação de fixação cautelar do
domicílio da criança ou adolescente. Tal dispositivo fora estabelecido pelo
legislador, haja vista que uma das formas mais comuns da prática da alienação
parental é a constante mudança do genitor alienador e da criança, com o intuito
precípuo de impedir as visitas do outro pai.

Ante a intensa prática de atos de alienação parental poderá ser


determinada a suspensão da autoridade parental, a qual remete na verdade ao
instituto do “poder familiar”. Porém, sabe-se que tal mecanismo já era possível
antes do advento da Lei 12318/2010. Senão vejamos o que dispõe o art. 1.637
do Código Civil:

“Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade,


faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens
dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o
Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada
pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o
poder familiar, quando convenha.”
87

Neste diapasão, vislumbra-se que a prática reiterada de atos


de alienação parental poderá ensejar na perda da guarda, haja vista que o art.
1638 do Código Civil dispõe “Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar
o pai ou a mãe que: (…) IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no
artigo antecedente.”

O art. 7º da Lei da Alienação Parental faz nova alusão ao


instituto da guarda compartilhada, ponderando pela preferência da guarda ao
genitor que viabilizar a efetiva convivência da criança ou do adolescente com o

outro genitor. Assim dispõe o art. 7o “A atribuição ou alteração da guarda dar-


se-á por preferência ao genitor que viabiliza a efetiva convivência da criança ou
adolescente com o outro genitor nas hipóteses em que seja inviável a guarda
compartilhada.” Observa-se que o referido artigo deve ser interpretado em
cotejo com o artigo 1.584 do Código Civil, o qual elucida a cerca da guarda
compartilhada.

Por fim, o art. 8º da Lei 12318 trás inovação conquanto ao foro


de competência de julgamento das ações acerca de atos de alienação parental.
Cabe por oportuno a transcrição do referido artigo:

o
“Art. 8 A alteração de domicílio da criança ou adolescente é
irrelevante para a determinação da competência relacionada às
ações fundadas em direito de convivência familiar, salvo se
decorrente de consenso entre os genitores ou de decisão
judicial.”

Segundo a redação do art. 8º da Lei 12318, o foro competente


passa a ser o da propositura da ação e não mais o do domicílio do detentor da
guarda do menor, conforme dispunha a Súmula 383 do Supremo Tribunal de
Justiça “A competência para processar e julgar as ações conexas de interesse
de menor é, em princípio, do foro do domicílio do detentor de sua guarda”.

A modificação trazida pelo art. 8º da Lei 12318/2010 busca


inibir a prática de atos de alienação parental, conjuntamente com o inciso VI,
88

art. 6º da mesma lei, o qual dispõe “determinar a fixação cautelar do domicílio


da criança ou adolescente”.
89

CONCLUSÃO

Conforme depreende-se do presente estudo, a Lei 12318/2010


foi promulgada com o fito de inibir atos de alienação parental. No entanto esta
apenas reforçou institutos legais preexistentes no ordenamento jurídico pátrio.

Vislumbra-se que a Lei 12.318/2010 em seu art. 4º buscou dar


tramitação prioritária ao processo que versa acerca de possível alienação
parental. Contudo, assevera-se que o art. 152, parágrafo único da Lei
8.069/1990, em consonância com o princípio do melhor interesse da criança, já
assegurava a prioridade na tramitação dos procedimentos afetos aos menores,
sob pena de responsabilidade.

Ademais, destaca-se ainda que o art. 4º da Lei 12.318/2010


dispõe sobre a urgência na aplicação de medidas provisórias necessárias à
preservação da integridade psicológica da criança ou do adolescente. Porém,
ressalta-se que dentre os princípios que regem a aplicação das medidas
específicas de proteção aos menores dispostos na Lei 8.069/1990 encontram-
se o da intervenção precoce, o qual determina a intervenção das autoridades
competentes logo que a situação de perigo seja conhecida. Isto posto, verifica-
se que o Estatuto da Criança e do Adolescente já fazia menção à urgência na
aplicação da medida provisória.

O art. 4° da Lei 12.318/2010 institui ainda a garantia de mínima


visitação assistida entre a criança ou adolescente e seu genitor. Não obstante,
obtempera-se que os entendimentos jurisprudenciais pátrio mesmo antes do
advento da lei em comento ponderavam acerca da garantia da convivência
familiar do infante, sendo a cessação das visitas hipótese excepcional.

Conquanto ao art. 5º da Lei 12.318/2010, este preceitua sobre


a determinação da perícia psicológica ou biopsicossocial, nos casos em que há
indícios de alienação parental. Ocorre que o referido dispositivo legal já
encontrava respaldo legal através do disposto no art. 332 do Código de
90

Processo Civil, o qual assevera ser admitido todos os meios legais e


moralmente legítimos de prova.

O art. 6º da Lei 12.318/2010 expressa instrumentos


processuais capazes de inibir ou atenuar a prática de atos de alienação
parental. Porém, ressalva-se que estes meios coercitivos já encontravam-se
dispostos no ordenamento jurídico pátrio, sendo que possuíam efetividade
prática conforme entendimentos jurisprudenciais colacionados no presente
estudo.

No que tange ao art. 7º da Lei da Alienação Parental, este faz


uma nova alusão ao instituto da guarda compartilhada, ponderando pela
preferência da guarda ao genitor que viabilizar a efetiva convivência da criança
ou do adolescente com outro genitor. Portanto, este dispositivo legal deve ser
interpretado em cotejo com o art. 1584 do Código Civil, o qual elucida acerca
da guarda compartilhada.

No entanto, o art. 8º da lei em comento trás inovação


conquanto ao foro de competência de julgamento das ações acerca de atos de
alienação parental. Este dispositivo determina que o foro competente passa a
ser o da propositura da ação e não mais o do domicílio do detentor da guarda
do menor, conforme dispunha a Súmula 383 do Supremo Tribunal de Justiça.

Diante do exposto, conclui-se que a Lei 12.318/2010 não


trouxe grandes mudanças para o rito processual cível, haja vista que os
preceitos dispostos em seu bojo, já vinham sendo cumpridos efetivamente na
prática forense com base em outros fundamentos legais.
91

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