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Cabecinhas Rosa Processos Cognitivos Cultura Estereotipos Sociais
Cabecinhas Rosa Processos Cognitivos Cultura Estereotipos Sociais
“The pictures inside the heads of these Lippmann debruça-se sobre a forma como
human beings, the pictures of a cultura nos fornece os elementos para
themselves, of others, of their needs, ‘recortar’ a realidade em elementos signi-
purposes, and relationship, are their ficativos, conferindo-lhe nitidez, distintivi-
public opinions. Those pictures which dade, consistência e estabilidade de signifi-
are acted upon by groups of people, cado. O autor reflecte sobre as limitações
or by individuals acting in the name humanas no processamento da informação e
of groups, are Public Opinion with sobre a forma como os preconceitos intro-
capital letters”. duzem enviesamentos na selecção, interpre-
Walter Lippmann, 1922 tação, memorização, recuperação e uso da
informação. Neste sentido, podemos consi-
1. Introdução derar que esta obra de Lippmann constitui
um primeiro esboço de uma área de estudo
Em 1922, o jornalista e analista político hoje dominante no seio da psicologia social:
Walter Lippmann publica Public Opinion, a cognição social.2
uma obra que analisa como as pessoas
constroem as suas representações da reali- 2. Imagens e clivagens: as funções dos
dade social e de que forma essas represen- estereótipos sociais
tações são afectadas tanto por factores in-
ternos como externos. Segundo Lippmann, Lippmann (1992/1961) é considerado o
as ‘representações’ – the pictures inside the fundador da conceptualização contemporânea
heads – funcionam como ‘mapas’ guiando dos estereótipos e do estudo das suas fun-
o indivíduo e ajudando-o a lidar com infor- ções psicossociais (e.g., Ashmore e DelBoca,
mação complexa, mas também são ‘defesas’ 1981; Marques e Paéz, 2000). O termo
que permitem ao indivíduo proteger os seus ‘estereótipo’ já existia desde 1798, mas o seu
valores, os seus interesses, as suas ideolo- uso corrente estava reservado à tipografia,
gias, em suma, a sua posição numa rede de onde designava uma chapa de metal utiliza-
relações sociais. As representações não são da para produzir cópias repetidas do mesmo
o espelho da realidade, mas sim versões hiper- texto (Stroebe e Insko, 1989). O termo
simplificadas da realidade. também já era usado de forma esporádica nas
As representações nunca são neutras, pois ciências sociais para denotar algo ‘fixo’ e
dependem mais do observador do que do ‘rígido’, o que se prende com a origem
objecto, já que este define primeiro e vê etimológica da palavra: stereo que, em gre-
depois: go, significa ‘sólido’, ‘firme’.
Por analogia, Lippmann salientou a ‘ri-
“For most part we do not first see, gidez’ das imagens mentais, especialmente
and then define, we define first and aquelas que dizem respeito a grupos so-
then see. In the great blooming, ciais com os quais temos pouco ou nenhum
buzzing confusion of the outer world contacto directo. A visão dos estereótipos
we pick out what our culture has como algo rígido caracterizou muitos dos
already defined for us, and we tend estudos posteriores sobre esta temática. No
to perceive that which we have entanto, o autor não descurou a possibi-
picked out in the form stereotyped lidade de mudança dos estereótipos e sa-
for us by our culture” (Lippmann, lientou o carácter criativo da mente huma-
1922/1961: 81) na.
540 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
highly charged with the feelings that and openminded, the novelty is taken
are attached to them. They are the into the picture, and allowed to modify
fortress of our tradition, and behind it. Sometimes, if the incident is
its defense we can continue to feel striking enough, and if he has felt a
ourselves safe in the position we general discomfort with his
occupy” (Lippmann, 1922/1961: 96). established scheme, he may be shaken
to such an extent as to distrust all
É precisamente pelo seu papel na manu- accepted ways of looking at life”
tenção do sistema de valores do indivíduo (Lippmann, 1922/1961: 100).
e do statu quo, que os estereótipos dificil-
mente são abalados por informação incon- Estes aspectos viriam a ser estudados
gruente com os mesmos. algumas décadas mais tarde por Allport
(1954/1979) e amplamente demonstrados por
“There is nothing so obdurate to estudos em cognição social. O autor salienta
education or to criticism as the o carácter rígido dos estereótipos e o facto
stereotype. It stamps itself upon the de estes constituírem imagens demasiado
evidence in the very act of securing ‘generalizadas’ e ‘exageradas’ que descuram
the evidence. (…) If what we are a variabilidade dos membros dos outros
looking at corresponds successfully grupos e negam a sua individualidade
with what we anticipated, the (Lippmann, 1922/1961: 116).
stereotype is reinforced for the future Este aspecto foi empiricamente demons-
(pp.98-99). (...) For when a system trado pelos estudos sobre o efeito de acen-
of stereotypes is well fixed, our tuação – a tendência para exagerar as
attention is called to those facts which semelhanças entre os membros da mesma
support it, and diverted from those categoria social e para acentuar as diferenças
which contradict” (Lippmann, 1922/ entre membros de categorias diferentes (Tajfel
1961: 119). e Wilkes, 1963) – e sobre o efeito de
homogeneidade do exogrupo – a tendência
Neste sentido, Lippmann faz referência de perceber o grupo dos outros como mais
ao que posteriormente se veio a designar homogéneo do que o grupo de pertença
como ‘profecias auto-confirmatorias’ (Merton, (Quattrone e Jones, 1980).3
1949/1968), amplamente demonstradas pelos Lippmann debruçou-se ainda sobre o
estudos em cognição social (e.g., Hamilton, poder dos ‘rótulos’ e os seus efeitos nefastos
1979). Quando um membro de determinado na percepção das pessoas: “They are too
grupo age de forma contraditória ao estere- empty, too abstract, too inhuman” (1922/
ótipo, Lippmann considera que, na maior 1961: 160). Na perspectiva do autor, só uma
parte das vezes, este membro passa a ser visto longa educação crítica permitiria aos indi-
como uma excepção, mantendo-se o estere- víduos tomarem consciência do carácter
ótipo intacto. Este só é abalado se o indi- diferido e subjectivo da respectiva apreensão
víduo ainda tiver alguma flexibilidade de da realidade social (p.126). Embora salien-
espírito ou se a informação incongruente for tando o papel da educação – “the supreme
demasiado impressionante para ser ignorada: remedy”(p.408) – Lippmann considera os
estereótipos inevitáveis:
“If the experience contradicts the
stereotype, one of two things happens. “Yet a people without prejudice, a
If the man is no longer plastic, or if people with altogether neutral vision,
some powerful interests make it highly is so unthinkable in any civilization
inconvenient to rearrange his of which it is useful to think, that no
stereotypes, he pooh-poohs the scheme of education could be based
contradiction as an exception that upon that ideal. Prejudice can be
proves the rule, discredits the witness, detected, discounted, and refined, but
finds a flaw somewhere, and manages so long as finite men must compress
to forget it. But if he is still curious into a short schooling preparation for
542 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
de, sendo-lhes atribuídas características ex- significa que o preconceito tenha desapa-
pressivas e exóticas, o que, embora apresen- recido, pois, como os próprios autores sa-
tando uma conotação positiva nas camadas lientam, alguns dos resultados obtidos “are
juvenis, continua a retirar-lhes o estatuto de too good to be true” (Karlins et al., 1969:
pessoa adulta, responsável e com capacidade 11).
de realização. De salientar que este padrão Nesse sentido, os autores salientaram a
de resultados continua a ser encontrado hoje necessidade de distinguir entre estereótipo
em dia em estudos realizados em diversos pessoal, fenómeno psicológico, e estereótipo
países ocidentais relativamente às minorias social, fenómeno cultural:
de origem africana (e.g., Cabecinhas, 2002).
No estudo realizado por Karlins e cola- “we may refer to a single individual’s
boradores (1969) constatou-se, mais uma vez, assignments as his personal stereotype
que o grau de consenso dos estereótipos sobre and the consensual assignment of a
determinado grupo não está directamente given population of judges as a social
ligado ao grau de preconceito exibido em stereotype. (...) The absence of a
relação a esse grupo. Comparando os seus traditional pattern of stereotyping may
resultados com os de Gilbert (1951), os not indicate a decline of stereotyping
autores salientam: itself, but perhaps the formation of a
revised social consensus” (Karlins et
“the apparent ‘fading’ of social al., 1969: 3; itálico no original).
stereotypes in 1951 is not upheld as
a genuine overall trend. Where Os resultados de um estudo realizado por
traditional assignments have declined Sigall e Page (1971) são bem elucidativos
in frequency they have, in the long das pressões normativas que deram origem
run, been replaced by others, resulting
aos ‘novos racismos’. Os autores
in restored stereotypes uniformity. (...)
complementaram o uso da tradicional lista
A feature of this data which is still
de adjectivos com uma manipulação expe-
impressive is the extent to which ‘new’
rimental. Numa das condições os participan-
stereotypes resemble previous ones.
tes respondiam simplesmente (condição
Paradoxically enough, the changes
controlo) e na outra (bogus pipeline) eram
which have occured stand out
informados que o experimentador detinha
because so much has remained the
uma medida fisiológica infalível capaz de
same. Uniformity and favorableness
medir a atitude, uma espécie de ‘detector de
scores correlate significantly across
the three generations of students. The mentiras’. Os autores compararam os este-
collections of traits selected to reótipos dos participantes (americanos bran-
characterize specific groups are very cos) face aos americanos e aos negros, nas
much alike from one generation to the duas condições de resposta. Verificou-se que
next, though the relative popularities na condição bogus pipeline o estereótipo
of those traits have been thoroughly relativo aos ‘americanos’ era mais favorável
rearranged. A great deal of change e o relativo aos ‘negros’ mais desfavorável
consists of a shift of emphasis in the do que na condição controlo, isto é, o
already existing picture” (Karlins et favoritismo pelo grupo de pertença aumen-
al., 1969: 14; itálico nosso). tou quando os participantes julgavam que a
sua ‘verdadeira atitude’ estava a ser medida
Como os autores referem, o conteúdo dos através de um instrumento infalível. Sigall
‘novos estereótipos’ é mais consistente com e Page consideram este resultado “as
as “atitudes mais liberais” da sociedade relatively distortion-free, as more honest and
americana, como demonstrado em diversos ‘truer’ than rating-condition responses”
estudos nos anos 60. A esse propósito, os (p.254; citados por Oakes et al., 1994), o
autores citam Triandis e Vassiliou (1967: que sugere que os estudos com base na lista
238): “it is no longer appropriate to be de adjectivos, sobretudo os realizados a partir
prejudice toward other groups”. Isso não do momento em que se tornou contra-
546 ACTAS DO III SOPCOM, VI LUSOCOM e II IBÉRICO – Volume IV
2
Platão (s.d./2001). A Républica. Lisboa: A expressão ‘cognição social’ foi introdu-
Fundação Calouste Gulbenkian. zida na Psicologia Social por Bruner e Tagiuri
Quattrone, G. A., e Jones, E. E. (1980). (1954), num artigo sobre a percepção de pessoas.
Na altura, esta expressão não captou a atenção
The perception of variability within ingroups
dos investigadores, que a consideraram demasi-
and outgroups: Implications for the law of ado vaga e imprecisa (Leyens, Yzertyt e Schadron,
small numbers. Journal of Personality and 1994: 15). Esta designação só viria a tornar-se
Social Psychology, 38,141-152. corrente nos anos oitenta, quando a perspectiva
Rokeach, M. (1948). Generalized mental da cognição social se tornou dominante no seio
rigidity as a factor in ethnocentrism. Journal da disciplina.
3
of Abnormal Social Psychology, 43, 259-278. Posteriormente, foi demonstrado que estes
Snyder, M. (1981). On the self- enviesamentos perceptivos não são simétricos ou
perpetuating nature of social stereotypes. In universais, mas estão dependentes do contexto e da
estrutura das relações entre os grupos (e.g., Lorenzi-
D. Hamilton (Ed.). Cognitive Processes in
Cioldi, 1998; Cabecinhas e Amâncio, 1999).
Stereotyping and Intergroup Behavior (pp. 4
Na acepção de Tajfel (1981/1983), os es-
183-212). Hillsdale, NJ: Erlbaum. tereótipos sociais são representações socialmente
Tajfel, H. (1981/1983). Grupos humanos partilhadas sobre as características e os compor-
e categorias sociais (Vol. 1 e 2). Lisboa: tamentos de determinados grupos humanos,
Livros Horizonte. estratificados segundo critérios socialmente valo-
Tajfel, H., e Wilkes, A. L. (1963). rizados e traduzindo uma determinada ordem nas
Classification and quantitative judgement. relações intergrupais. Neste sentido, existe uma
coincidência conceptual entre estereótipos sociais
British Journal of Psychology, 54, 101-114.
e representações sociais. No entanto, o conceito
Vala, J., Brito, R., e Lopes, D. (1999a). de representação social é mais amplo do que o
Expressões dos racismos em Portugal. Lis- de estereótipo social, uma vez que o primeiro
boa: Instituto de Ciências Sociais. abrange todo o tipo de representações indepen-
dentemente do seu objecto, desde que estas sejam
partilhadas no seio de determinado grupo social,
_______________________________ enquanto que o segundo se restringe às represen-
1
Universidade do Minho. tações sobre grupos humanos.