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LIBERDADE DE EXPRESSÃO, CENSURA E CONTROLE

DA PROGRAMAÇÃO DE TELEVISÃO NA CONSTITUIÇÃO


DE 1988

LIBERDADE DE EXPRESSÃO, CENSURA E CONTROLE DA PROGRAMAÇÃO


DE TELEVISÃO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
Revista dos Tribunais | vol. 790/2001 | p. 129 - 152 | Ago / 2001
Doutrinas Essenciais de Direitos Humanos | vol. 2 | p. 779 - 812 | Ago / 2011
DTR\2001\368

Luís Roberto Barroso


Professor Titular de Direito Constitucional na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Master of
Laws pela Universidade de Yale. Procurador do Estado e advogado no Rio de Janeiro.

Área do Direito: Constitucional


Sumário:

1. Introdução - 2. Apontamentos históricos e doutrinários - 3. A Constituição de 1988 e o controle da


programação de televisão - 4. Conclusão

1. Introdução

Trata-se de parecer sobre os limites do controle prévio exercitável pelo Poder Público em relação à
programação exibida por emissora de televisão. Objetivamente, indaga a consulente:

1. se é legítima a exigência, formulada em ato administrativo normativo, de prévia submissão ao


Ministério da Justiça de todos os programas a serem exibidos pela emissora, exceto os transmitidos
ao vivo;

2. Apontamentos históricos e doutrinários

O tema aqui analisado envolve o complexo fenômeno do controle dos meios de comunicação na
sociedade moderna, notadamente a televisão, à luz da Constituição e dos valores que ela consagra
e protege. O estudo que se segue procura sistematizar a discussão, obedecendo ao roteiro transcrito
no sumário acima.

2.1 A censura e sua superação na experiência brasileira

"- Há um artigo aqui intitulado Censura: um tema censurável. O senhor reconhece a autoria desse
texto?

- Sim, coronel.

- Mas isto não é verdade! No Brasil não há censura!" 1

A história da liberdade de expressão no Brasil, da independência aos dias atuais, é marcada pelo
desencontro entre o discurso oficial e o comportamento do Poder Público, alegoricamente
exemplificado no diálogo acima. A constatação não chega a ser surpreendente e se insere na
circularidade da história brasileira, uma crônica da distância entre intenção e gesto.

A Constituição de 1824 previa a liberdade de expressão, sem dependência de censura, 2ficção


análoga à do princípio da igualdade perante a lei (art. 179, XIII), que conviveu com os privilégios da
nobreza, o voto censitário e o regime escravocrata. Com a mesma falta de efetividade dispunha a
Carta de 1891 acerca do tema, 3acrescentando a vedação do anonimato. Foi contemporânea
impotente da coação aos órgãos de imprensa e do empastelamento de jornais. A Constituição de
1934 introduziu expressamente a possibilidade de censura prévia aos espetáculos e diversões
públicas, na dicção do art. 113, n. 9:

"9) Em qualquer assumpto é livre a manifestação do pensamento, sem dependência de censura,


salvo quanto a espetáculos e diversões públicas, respondendo cada um pelos abusos que
commetter, nos casos e pela fórma que a lei determinar. Não é permittido o anonymato. É
assegurado o direito de resposta. A publicação de livros e periódicos independe de licença do poder
público. Não será, porém, tolerada propaganda de guerra ou de processos violentos para subverter a
ordem política ou social" (transcrição ipsis litteris).
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Logo à frente, dando início à intolerância com as idéias opostas, foi editada a primeira lei de
segurança nacional, em 1935. Com o colapso das instituições democráticas e o advento do Estado
Novo e da Carta de 1937, implantou-se um rigoroso sistema de censura prévia à liberdade de
expressão, abrangendo a imprensa, espetáculos e diversões públicas. O Dec. 1949, de 30.12.1939,
previa, inclusive, a possibilidade de proibição da circulação de periódicos.

A Constituição de 1946 retomou a inspiração do Texto de 1934, em reprodução quase literal, com o
acréscimo da vedação ao preconceito de raça ou de classe. 4Contudo, sob os efeitos da guerra fria,
prestou-se à interpretação que proscrevia o partido comunista, permitindo a condenação de idéias à
ilegalidade. Após o movimento militar de 1964, foi editada a Constituição de 1967, logo substituída
pela Emenda n. 1, de 1969, outorgada pelos Ministros do Exército, da Marinha de Guerra e da
Aeronáutica Militar. A Carta de 1969, procurando manter a fachada liberal e com penosa
insinceridade normativa, enunciava no art. 153, § 8.º:

"§ 8.º É livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica, bem como a
prestação de informação independentemente de censura, salvo quanto a diversões e espetáculos
públicos, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer. É assegurado o
direito de resposta. A publicação de livros, jornais e periódicos não depende de licença da
autoridade. Não serão, porém, toleradas a propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de
preconceitos de religião, de raça ou de classe, e as publicações e exteriorizações contrárias à moral
e aos bons costumes".

A referência final à moral e aos bons costumes não constava do Texto de 1967. A longa noite
ditatorial, servindo-se de instrumentos legais como a Lei 5.250, de 09.02.1967, e o Dec.-lei 236, de
28.08.1967, bem como do voluntarismo discricionário de seus agentes, trouxe o estigma da censura
generalizada aos meios de comunicação. Suprimiam-se matérias dos jornais diários, sujeitando-os a
estamparem poesias, receitas culinárias ou espaços em branco. Diversos periódicos foram
apreendidos após sua distribuição, tanto por razões políticas como em nome da moral e dos bons
costumes.

No cinema, filmes eram simplesmente proibidos ou projetados com tarjas que transformavam drama
em caricatura. Nas artes, o Ballet Bolshoi foi impedido de dançar no Brasil por constituir propaganda
comunista. Na música, havia artistas malditos e outros que só conseguiam aprovar suas letras
mediante pseudônimo. Na televisão, programas foram retirados do ar, suspensos ou simplesmente
tiveram sua exibição vetada. Em momento de paroxismo, proibiu-se a divulgação de um surto de
meningite, para não comprometer a imagem do governo.

Em todos os tempos e em todos os lugares, a censura jamais se apresenta como instrumento da


intolerância, da prepotência ou de outras perversões ocultas. Ao contrário, como regra, ela destrói
em nome da segurança, da moral, da família, dos bons costumes. Na prática, todavia, oscila entre o
arbítrio, o capricho, o preconceito e o ridículo. Assim é porque sempre foi.

2.2 Mecanismos legítimos de controle dos meios de comunicação e, especialmente, da


televisão

No sistema brasileiro, a União detém a titularidade dos serviços de radiodifusão sonora e de sons e
imagens (rádio e televisão), que pode explorar diretamente ou por delegação à iniciativa privada,
mediante autorização, concessão ou permissão (art. 21, XII, a,CF (LGL\1988\3)). A propriedade das
empresas é privativa de brasileiros, aos quais caberá a responsabilidade por sua administração e
orientação intelectual (art. 222). Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar a concessão,
permissão ou autorização, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado,
público e estatal (art. 223).

Algumas especificidades singularizam a radiodifusão, em contraste com outros meios de


comunicação e formas de expressão. A primeira delas é a existência de uma delegação do Poder
Público para a prestação do serviço, mediante contrato ou outro ato negocial. Há, portanto, normas
legais e administrativas próprias que disciplinam as relações entre as partes, inclusive quanto a
questões técnicas afetas à transmissão, bem como existem normas consensuais, ainda que por
adesão, resultantes do ajuste celebrado. Nada parecido ocorre, ao revés, em relação à imprensa ou
à publicação de livros, atividades nas quais é até mesmo vedada qualquer forma de intervenção
estatal, na dicção expressa do § 6.º do art. 221 da Constituição:
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"§ 6.º A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade".

A difusão de sons e imagens também é peculiar no modo como a mensagem chega a seu
destinatário. De fato, a leitura de um jornal ou de um livro é precedida de uma atitude mais proativa e
consciente do que a audiência a um programa de televisão em casa. Nada obstante, continua a ser
perfeitamente possível rejeitar a mensagem televisiva, pela mudança de canal ou pela cessação da
recepção, apenas que, nesse caso, é a reação que exige um comportamento proativo. De modo que
também em relação à televisão permanece, como regra, a liberdade de escolha.

A única situação especial é que a mensagem televisiva pode atingir público de menor maturidade ou
discernimento - muitas vezes destinatário passivo da comunicação -, sujeitando-o a efeitos
socialmente indesejáveis na sua formação ou no seu comportamento. A necessidade de proteger
este público - que concederia ao Estado o poder de aplicar multas e outras punições à OAB, v.g. -,
intuitivamente diverso daquele que vai a uma banca de jornal ou a uma livraria, legitima a existência
de regramento específico para a radiodifusão de sons e imagens. Porém, tampouco aqui é admitida
a restrição ao conteúdo da expressão. O que se permite é a utilização de mecanismos razoáveis que
minimizem o risco de acesso à mensagem por parte do público ainda incapaz.

Censura é a submissão à deliberação de outrem do conteúdo de uma manifestação do pensamento,


como condição prévia de sua veiculação. Costuma ser associada a uma competência discricionária
da Administração Pública, pautada por critérios de ordem política ou moral. Trata-se de prática
vedada expressamente pelo direito constitucional positivo brasileiro, como se verá em maior detalhe
adiante. Com ela não se confunde a existência de mecanismos de controle, que é a verificação do
cumprimento das normas gerais e abstratas preexistentes, constantes da Constituição e dos atos
normativos legitimamente editados, e eventual imposição de conseqüências jurídicas pelo seu
descumprimento. 5

2.2.1 Controle administrativo

O controle administrativo é aquele que, dentre todos, deve ser visto com maior reserva. De fato,
exercido por órgão do Poder Executivo, convive com a perene suspeita de censura, com sujeição da
liberdade de expressão a servidores públicos que atuam discricionariamente e se encontram
submetidos ao poder hierárquico de agentes políticos. No Brasil, é dessa natureza a previsão
constitucional do art. 21, XVI, que concede à União competência para exercer a classificação, para
efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e televisão.

Na União Européia vigora a Diretiva 89/552/CEE do Conselho da União Européia, de 03.10.1989,


alterada pela Diretiva 97/36/CEE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30.06.1997, relativa à
coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos
Estados-Membros pertinentes ao exercício de atividades de radiodifusão televisiva. O art. 22 de tal
documento preconiza a proteção do público infantil em face de "programas susceptíveis de prejudicar
gravemente o desenvolvimento físico, mental ou moral dos menores, nomeadamente programas que
incluam cenas de pornografia ou de violência gratuita". A diretiva deixa claro, todavia, em suas
considerações preliminares, o repúdio à censura:

"(41) Considerando que nenhuma das disposições da presente diretiva relativas à proteção de
menores e à ordem pública exige que as medidas em causa sejam aplicadas através do controle
prévio das emissoras televisivas; (...)".

Daí a previsão do próprio art. 22 citado de que as medidas restritivas não se aplicam se, "pela
escolha da hora de emissão ou por quaisquer medidas técnicas, se assegurar que, em princípio, os
menores que se encontrem no respectivo campo de difusão não verão nem ouvirão essas
emissões".

Nos Estados Unidos vigora, ainda hoje, embora com alterações, o Federal Communications Act, de
1934, que instituiu como agência independente com atuação na matéria a Federal Communications
Commission. Os principais casos em que a atuação administrativa da agência em relação ao
conteúdo das comunicações foi contestada tiveram natureza política, na aplicação da denominada
fairness doctrine. Tal doutrina consiste na exigência de que rádios e televisões assegurem a
veiculação das diferentes posições existentes acerca de algum tema de relevância pública que esteja
em debate, sem poder tomar partido de uma e omitir as demais. Embora tenha subsistido ao
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confronto judicial, 6a doutrina acabou suprimida em legislação aprovada em 1987.

O caso mais marcante e polêmico de controle sobre o conteúdo da programação foi Federal
Communications Commission v. Pacifica Foundation. 7Entidade controladora de uma estação de
rádio em N. York insurgiu-se contra a pena de advertência que lhe foi imposta pela FCC por
transmitir, às 2:00 da tarde, programa no qual foram enunciados os "sete palavrões que não podem
ser ditos no rádio". A pena foi anulada no segundo grau de jurisdição (U.S. Court of Appeals for the
DC Circuit), mas restabelecida pela Suprema Corte em votação dividida, por 5 a 4. Note-se que a
agência não aplicou nenhuma sanção efetiva, limitando-se a advertir a emissora de que o fato ficaria
registrado em seus arquivos. 8Houve, todavia, casos posteriores de aplicação de multa pelo FCC.

2.2.2 Controle judicial

Por força de mandamento constitucional, é consagrado o direito de ação, pelo qual se assegura a
apreciação pelo Poder Judiciário de qualquer pretensão de quem se suponha lesado ou ameaçado
em seu direito (art. 5.º, XXXV). O exercício da liberdade de expressão pode, em diferentes situações,
violar a ordem jurídica e afetar a esfera de direitos de outrem, sujeitando o agente a conseqüências
jurídicas de natureza civil ou penal. O controle judicial singulariza-se pela independência e
imparcialidade do órgão que o exerce, e obedece a um devido processo legal, que inclui o direito ao
contraditório e à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5.º, LIV e LV).

O controle judicial da liberdade de expressão nos meios de comunicação pode se dar, em primeiro
lugar, por iniciativa individual. A Constituição assegura direitos que podem ser afetados pelo
exercício abusivo daquela liberdade, como, por exemplo, o direito à honra ou à imagem. Ocorrendo a
violação, o titular desses direitos pode demandar em juízo em busca da reparação devida, que
poderá ser de natureza material e moral, como prevê a Carta de 1988 (art. 5.º, X).

Os meios de comunicação de massa também são suscetíveis de violar direitos coletivo e difusos.
Ocorrendo tal hipótese, que será examinada mais adiante, caberá o ajuizamento de ação civil
pública, remédio jurídico que atribui a entidades associativas privadas, ao Ministério Público e às
entidades de direito público a legitimação ativa para postular prestação judicial para tutela de tais
situações jurídicas, assim definidas no par. ún. do art. 81 da Lei 8.078, de 11.09.1990:

"Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos (...) os transindividuais, de natureza indivisível, de


que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos (...) os transindividuais de natureza indivisível


de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária
por uma relação jurídica base".

Ainda nos termos de expressa previsão constitucional, assegura-se o devido processo legal judicial
na hipótese de cessação da concessão ou permissão, consoante dispõe o § 5.º do art. 223: "O
cancelamento da concessão ou permissão, antes de vencido o prazo, depende de decisão judicial".

2.2.3 Controle pelas próprias emissoras ou auto-regulamentação

A auto-regulamentação é, ao lado do controle social, que se verá a seguir, valiosa alternativa ao


controle estatal, seja administrativo ou judicial, que sempre traz em si o estigma da interferência
externa na liberdade de expressão. Para que possa funcionar adequadamente, o autocontrole exige
mobilização e cooperação das concessionárias, o que por vezes é complexo em um mercado
competitivo.

Na União Européia, foi expedida a Recomendação 98/560/CE, de 24.09.1998, no sentido do


estabelecimento de um quadro nacional de auto-regulamentação para a proteção dos menores e da
dignidade humana nos serviços audiovisuais e de informação em linha. Ao estabelecer as diretrizes
indicativas para sua implementação, constatou a evidência:

"O caráter voluntário da auto-regulamentação significa que a aceitação e a eficácia dos quadros de
auto-regulação a nível nacional dependem do nível de mobilização e de colaboração de todas as
partes interessadas na respectiva definição, aplicação e avaliação".

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No Brasil, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) aprovou, em


08.07.1993, um Código de Ética da Radiodifusão Brasileira, pela unanimidade de seus associados.
Nele são afirmados, como princípios gerais, a defesa da forma democrática de governo e,
especialmente, a liberdade de imprensa e de expressão, em regime de livre iniciativa e concorrência
(arts. 2.º e 3.º). No capítulo dedicado à Programação, estabelece o Código, com propriedade:

"Art. 6.º A responsabilidade das emissoras que transmitem os programas não exclui a dos pais ou
responsáveis, aos quais cabe o dever de impedir, a seu juízo, que os menores tenham acesso a
programas inadequados, tendo em vista os limites etários prévia e obrigatoriamente anunciados para
orientação do público".

O Código contém orientações sobre a veiculação de cenas de sexo e de violência, uso de tóxicos e
alcoolismo, veda a discriminação de raças e religiões, propõe classificações indicativas de horários,
institui uma Comissão de Ética para processar as reclamações e denúncias, bem como prevê
penalidades. A efetividade plena das normas do Código, como a das normas jurídicas em geral,
decorre não apenas dos mecanismos de cumprimento forçado, mas também de um processo
evolutivo de amadurecimento e observância espontânea. Tais processos não são acelerados pela
repressão exacerbada nem pela intolerância.

2.2.4 Controle social

O controle social envolve a atuação organizada da sociedade civil, instituindo mecanismos de


coordenação e cooperação para a promoção dos objetivos comuns. Substituem eles as relações
verticalizadas e de imposição que caracterizam a atuação estatal. Os controles sociais se inserem
em um estágio político mais avançado de participação e exercício da cidadania.

Nos Estados Unidos, no âmbito da indústria cinematográfica, para minimizar os riscos da


interferência estatal, instituiu-se um sistema que é misto de auto-regulação e controle social. A
Motion Pictures Association of America, entidade que congrega os maiores estúdios - como
Universal, Twentieth Century-Fox, MGM/VA, Warner Brothers, Paramount Pictures, Disney e Sony
Pictures - criou o seu próprio mecanismo de classificação, visando a prover informação para os pais
sobre a adequação do filme para as diferentes faixas etárias e a antecipar-se ao risco de sanções
pelos governos federal, estadual e municipal. O Conselho de Classificação ( Rating Board) é
composto de um grupo de pais que são indicados pela Motion Pictures para um mandato e têm o
dever de procurar interpretar o sentimento social em relação ao filme exposto, indicando
fundamentadamente a faixa etária que considera adequada.

Se não estiver conformado com a classificação atribuída, o produtor pode i) editar o filme, suprimindo
as partes apontadas pelo Conselho como responsáveis pela classificação para uma idade mais
elevada; ii) recorrer a um Conselho de Apelação da própria associação; iii) ignorar a decisão e
veicular o filme sem qualquer classificação. Esta última opção costuma ter impacto econômico
negativo, pois os distribuidores, exibidores e redes de locadoras de vídeo geralmente não
comercializam filmes unrated. Em uma interessante ação judicial, a distribuidora do filme Ata-me, de
Pedro Almodóvar, insurgiu-se contra a classificação X-rated, que incluía o filme na categoria de
pornográfico, pretendendo obter a classificação R (Restricted), que o tornaria apenas inadequado
para menores de dezessete anos. O pedido foi julgado improcedente, tendo o Judiciário sido
deferente para com a posição de mérito do órgão de controle da própria indústria. 9

No Brasil, sob inspiração da experiência portuguesa, a Constituição de 1988 previu, no art. 224, a
criação de um Conselho de Comunicação Social, órgão auxiliar das competências a serem
desempenhadas pelo Congresso Nacional na matéria. A matéria foi regulamentada pela Lei 8.389,
de 30.12.1991, mas o Conselho, que por sua composição e atribuições poderia atuar como órgão de
controle social, até hoje não foi instalado.

3. A Constituição de 1988 e o controle da programação de televisão

3.1 O princípio fundamental da liberdade de expressão e a vedação a qualquer forma de


censura

Uma nova Constituição, ensina a doutrina clássica, é uma reação ao passado e um compromisso
com o futuro. A Constituição brasileira de 1988 foi o ponto culminante do processo de restauração do
Estado Democrático de Direito e da superação de uma perspectiva autoritária, onisciente e não
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pluralista do exercício do poder. Ao reentronizar o Direito, as liberdades públicas e a negociação


política na vida do Estado e da sociedade, removeu o discurso e a prática da burocracia
tecnocrático-militar que conduzira o país por mais de vinte anos.

Nesta nova ordem, a garantia da liberdade de expressão, em suas múltiplas formas, foi uma
preocupação constante do constituinte, que a ela dedicou um conjunto amplo de dispositivos, alguns
deles superpostos. Rejeitava-se, da forma mais explícita possível, o modelo anterior, no qual a
censura, além de implementada independente da lei e até contra as normas em vigor, 10 ainda
contava com uma cláusula permissiva, no art. 8.º, VIII, d, da Carta de 1967-69:

"Art. 8.º Compete à União:

(...)

VIII - organizar a polícia federal com a finalidade de:

(...)

d) prover a censura de diversões públicas;"

Na ordem instituída pela Constituição de 1988, contemplaram-se diversos dispositivos, todos de


dicção claríssima:

"Art. 5.º (...)

IV - é livre a manifestação de pensamento, sendo vedado o anonimato;

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,


independentemente de censura ou licença;

(...)

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer


forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1.º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação
jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5.º, IV, V, X,
XIII e XIV.

§ 2.º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística".

De plano, portanto, é possível constatar que vige no país ampla liberdade de expressão, estando
proibida a censura sob qualquer forma. Todos os caminhos conduzem a esse resultado: tanto a mera
interpretação semântica do texto como os elementos histórico e teleológico ou ainda os princípios
fundamentais do Estado brasileiro, consagrados no texto constitucional.

Embora um lance de olhos pelos dispositivos aplicáveis já tenha ensejado a conclusão necessária,
uma breve viagem pela teoria constitucional moderna permitirá a confirmação do argumento.
Veja-se, a seguir, uma análise sumária da natureza das normas constitucionais transcritas e as
conseqüências jurídicas e práticas daí resultantes.

É importante assinalar, logo de início, que já se encontra superada a distinção que outrora se fazia
entre norma e princípio. A dogmática moderna avaliza o entendimento de que as normas jurídicas,
em geral, e as normas constitucionais, em particular, podem ser enquadradas em duas categorias
diversas: os princípios e as regras. 11 Estas últimas têm eficácia restrita às situações específicas às
quais se dirigem. Já os princípios têm, normalmente, maior teor de abstração e uma finalidade mais
destacada dentro do sistema. Inexiste hierarquia entre ambas as categorias, à vista do princípio da
unidade da Constituição. Isto não impede, todavia, que princípios e regras desempenhem funções
distintas dentro do ordenamento.

De fato, embora ambos sejam normas jurídicas e, por isso, dotados de imperatividade, princípios e
regras apresentam características diversas. Do ponto de vista estrutural, utilizando a classificação de
Robert Alexy, 12 amplamente adotada pela doutrina brasileira mais recente, 13 as regras veiculam
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comandos de definição, ao passo que os princípios são comandos de otimização. Por essas
expressões se quer significar que as regras (comandos de definição) têm natureza biunívoca, isto é,
só admitem duas espécies de situação, dado seu substrato fático típico: ou são válidas e se aplicam
ou não se aplicam por inválidas. 14 Uma regra vale ou não vale juridicamente. Não são admitidas
gradações. A exceção da regra ou é outra regra, que invalida a primeira, ou é a sua violação.

Os princípios se comportam de maneira diversa. Como comandos de otimização, 15 pretendem eles


ser realizados da forma mais ampla possível, admitindo, entretanto, aplicação mais ou menos ampla
de acordo com as possibilidades jurídicas existentes, sem que isso comprometa sua validade. Esses
limites jurídicos, capazes de restringir a otimização do princípio, são i) regras que o excepcionam em
algum ponto e ii) outros princípios de mesma estatura e opostos que procuram igualmente se
maximizar, impondo a necessidade eventual de ponderação. 16 Quando se tratar, como no caso, de
princípios constitucionais, esses limites jurídicos deverão igualmente estar previstos na Constituição.

Do ponto de vista funcional, também se distinguem princípios e regras. Aos princípios cabe, em
primeiro lugar, embasar as decisões políticas fundamentais tomadas pelo constituinte e expressar os
valores superiores que inspiraram a criação ou reorganização de um determinado Estado. Em
segundo lugar, a eles se reserva o papel de funcionarem como fio condutor dos diferentes
segmentos do texto constitucional, dando unidade ao sistema normativo. E, por fim, na sua principal
dimensão operativa, dirigem-se os princípios constitucionais ao Executivo, Legislativo e Judiciário,
condicionando a atuação dos poderes públicos e pautando a interpretação e aplicação de todas as
normas jurídicas vigentes. 17

Aplicando a elaboração teórica que se acaba de expor aos dispositivos constitucionais aplicáveis,
não há dúvida de que o princípio geral na matéria é a ampla liberdade de expressão, sendo este,
portanto, o vetor de toda atividade interpretativa (arts. 5.º, IV e 220, caput e § 1.º).

Como referido, é da natureza do princípio admitir restrições - diante de outros princípios ou de


exceções pontuais - sem que isso transtorne sua validade. A Constituição de 1988 faz uso dessa
possibilidade, em homenagem aos direitos de terceiros, estabelecendo algumas limitações ao
princípio da liberdade de expressão, como se verá a seguir. Nada obstante, o fato de existirem
exceções - e lembre-se: só se admitem as restrições fundadas na própria Constituição, como declina
o próprio art. 220, caput, final - não diminui a importância e o papel do princípio.

Ao lado do princípio geral, a Constituição estabeleceu duas regras específicas sobre a matéria, a
saber: i) proibiu a censura, isto é, a possibilidade de o Estado, por seus órgãos administrativos e em
virtude de um poder geral de polícia, 18 alterar, em alguma medida, o conteúdo ou qualquer decisão
relacionada com a exibição de programa por instituição privada, e, um tanto redundantemente, ii)
proibiu a subordinação das exibições e publicações a qualquer espécie de licença prévia (arts. 5.º, IX
e 220, § 2.º).

As duas normas referidas veiculam regras propriamente ditas e, portanto, não admitem restrições,
sob pena de se destruir seu comando. Com efeito, qualquer forma de licença que se institua, ainda
que veladamente, viola a norma constitucional, da mesma forma como permitir ao
Estado-Administração imiscuir-se no processo criativo da obra ou na decisão de exibi-la, sob
qualquer forma, representa censura. Não há meia-censura ou meia-licença. Um pouco, no caso, é
tudo que se precisa para desrespeitar a Constituição.

A matéria já foi examinada pelo Supremo Tribunal Federal na ADin 392-5-DF, pela qual se buscava
impugnar a Portaria 773 do Ministério da Justiça a respeito da classificação indicativa da
programação de televisão. Embora a ação não tenha sido conhecida, serviu a oportunidade para a
Corte Constitucional manifestar seu pensamento sobre o tema, como se lê do elaborado voto do Min.
Celso de Mello, in verbis:

"A nova Constituição do Brasil, fortemente impregnada de liberalismo político, revelou hostilidade
extrema a quaisquer práticas estatais censórias, repelindo, de modo virtualmente absoluto, 'toda e
qualquer censura de natureza política, ideológica e artística' (art. 220, § 2.º).

A repulsa constitucional a esse instrumento iníquo de controle social, político e cultural - reiterada no
art. 5.º, IX, de nossa Carta Política - bem traduziu o compromisso da Assembléia Nacional
Constituinte de dar expansão às liberdades do pensamento. Estas são expressivas prerrogativas
constitucionais da pessoa humana, cujo integral e efetivo respeito pelo Estado qualifica-se como
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pressuposto essencial e necessário à prática do regime democrático. A livre expressão e


manifestação de idéias, pensamentos e convicções não pode e não deve ser impedida pelo Poder
Público e nem submetida a ilícitas interferências do Estado, que, a pretexto de prévia verificação de
seu conteúdo, viabilizem e conduzam a procedimentos censórios executados por agentes estatais.
Todos sabemos - e disso temos a experiência concreta dos que já viveram sob regimes de exceção -
que a censura, hoje caracterizada como um verdadeiro ilícito constitucional, é ato inerentemente
injusto, arbitrário e discriminatório. Uma sociedade democrática e livre não pode institucionalizar a
censura do Estado e nem admiti-la como expediente mascarado sob a falsa roupagem do
cumprimento e da observância da Constituição. (...)

Hugo Lafayette Black, que também integrou a Suprema Corte dos Estados Unidos da América, após
reafirmar a sua inabalável fé na Constituição ( Crença na Constituição, p. 63, 1970, Forense),
proclamou (...): 'Não é difícil, a mentes engenhosas, cogitar e inventar meios de fugir até das
categóricas proibições da Primeira Emenda (...). A censura, mesmo sob o pretexto de proteger o
povo contra livros, peças teatrais e filmes julgados obscenos por outras pessoas, demonstra um
receio de que o povo não seja capaz de julgar por si (...)'

Uma Constituição - e a do Brasil não se divorcia desse padrão - representa uma obra de
compromisso (...) Bem por isso, a nova Lei Fundamental, preocupada com a tutela de valores éticos
(art. 220, § 3.º, II), e a intangibilidade de certos princípios (art. 221) aquiesceu, inobstante banindo,
de vez, como já ressaltado, a censura político-ideológica, na adoção de um sistema de classificação
meramente indicativo por faixas etárias (...).

A Constituição do Brasil, portanto, ao repudiar a solução autoritária da censura prévia,


institucionalizou mecanismos de tutela destinados a tornar efetivo 'o respeito aos valores éticos e
sociais da pessoa e da família' (art. 221, IV), garantindo-lhes 'a possibilidade de se defenderem de
programas ou programações de rádio e televisão' eventualmente ofensivos daqueles padrões
axiológicos (art. 220, § 3.º, II)" (grifos no original). 19

Sistematizando as idéias até aqui expostas, pode-se concluir que a estrutura constitucional básica na
matéria é formada de um princípio geral - o da liberdade de expressão - e de regras constitucionais
específicas que vedam a censura e a licença prévia para as publicações e exibições.

Ainda que seja possível limitar a liberdade de expressão, na forma do que for previsto
constitucionalmente, essas restrições nunca poderão se dar através de censura ou licença prévia,
pois as regras constitucionais que vedam tais procedimentos não admitem exceção. É evidente,
portanto, que as limitações ao princípio da liberdade de expressão que a própria Constituição prevê,
e que são tratadas no capítulo seguinte, não podem ser interpretadas infirmando o sistema normativo
por ela instituído.

3.2 Regime constitucional da liberdade de expressão em programas de rádio e televisão

3.2.1 Limitações de conteúdo

3.2.1.1 Dever de respeitar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (art.
5.º, X)

"X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o
direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

Ao lado do direito à vida e à integridade física, a liberdade é considerada um dos valores básicos
para a existência humana digna. Uma linha contínua que percorra as conquistas da humanidade
contra a opressão passa obrigatoriamente por uma progressiva ampliação dos círculos de liberdade.
Da liberdade religiosa passou-se à civil, de opinião, de expressão, de participação política, de
iniciativa econômica. Hoje a discussão deslocou-se para a necessidade de garantir condições
materiais que possibilitem efetivamente o exercício da liberdade. 20

Mas, naturalmente, também a liberdade há de encontrar limites em outros direitos, dentre os quais se
inclui a preservação de uma esfera individual imune à intromissão alheia. Este espaço de privacidade
e autopreservação vem resguardado no art. 5.º, X, já transcrito, e pode excepcionar a liberdade de
expressão, conforme previsto, aliás, no próprio art. 220, § 1.º, in verbis:

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LIBERDADE DE EXPRESSÃO, CENSURA E CONTROLE
DA PROGRAMAÇÃO DE TELEVISÃO NA CONSTITUIÇÃO
DE 1988

"§ 1.º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de
informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5.º,
IV, V, X, XIII e XIV".

O indivíduo que se considere afetado em sua intimidade, vida privada, honra ou imagem poderá
legitimamente pretender, valendo-se do Poder Judiciário, restringir a liberdade de expressão de
outrem, na medida necessária à proteção do seu direito. Vale notar que a própria Constituição prevê
a possibilidade de indenização pelo dano material e moral decorrente da violação dessas posições
subjetivas (art. 5.º, V e X), além de assegurar o direito de resposta proporcional ao agravo (art. 5.º,
V).

Ingressa-se aqui no domínio da colisão de direitos fundamentais e da ponderação de valores como


técnica para a sua solução, 21 em nome do princípio da unidade da Constituição. Na doutrina
nacional, o tema foi objeto de denso estudo por Daniel Sarmento, que assinalou:

"A ponderação de interesses tem de ser efetivada à luz das circunstâncias concretas do caso.
Deve-se, primeiramente, interpretar os princípios em jogo, para verificar se há realmente colisão
entre eles. Verificada a colisão, devem ser impostas restrições recíprocas aos bens jurídicos
protegidos por cada princípio, de modo que cada um só sofra as limitações indispensáveis à
salvaguarda do outro. A compressão a cada bem jurídico deve ser inversamente proporcional ao
peso específico atribuído ao princípio que o tutela, e diretamente proporcional ao peso conferido ao
princípio oposto. Nestas compressões, deve ser utilizado como parâmetro o princípio da
proporcionalidade, em sua tríplice dimensão". 22

A questão específica da busca de equilíbrio entre a liberdade de expressão e o direito à intimidade


tem sido objeto de diversos estudos, dentre os quais o de Luís Gustavo Grandinetti Castanho de
Carvalho, que assinalou:

"Tanto a liberdade de expressão quanto a de informação encontram limites constitucionais.(...)


Vivemos em um Estado de Direito em que o exercício dos vários direitos devem ser harmônicos
entre si e em relação ao ordenamento jurídico.

Desse modo, a liberdade de expressão também se limita pela proteção assegurada


constitucionalmente aos direitos da personalidade, como honra, imagem, intimidade etc.". 23

A discussão atual da doutrina, embora este não seja o tema específico do presente estudo, é a
extensão do poder do Judiciário na matéria, especialmente no que diz respeito à possibilidade de
impedir previamente o exercício da liberdade de expressão em deferência à intimidade e à vida
privada de terceiros. Como regra, só cabe examinar o conteúdo de uma manifestação de
pensamento a posteriori. Somente em situações excepcionais é possível sua interdição prévia,
mesmo por ordem judicial. As violações eventuais devem resolver-se em perdas e danos, apurados
mediante devido processo legal. É nessa linha o ponto de vista de Grandinetti Castanho de Carvalho,
ainda uma vez:

"Qualquer restrição deve ser determinada por ordem judicial, mediante o devido processo legal. E,
mesmo o Poder Judiciário, só deve impor qualquer restrição à liberdade de expressão quando for
imprescindível para salvaguardar outros direitos que não possam ser protegidos ou compostos de
outro modo menos gravoso. Especialmente, a concessão de liminares só deve ocorrer em casos
muitíssimos excepcionais. Na maioria das vezes, o direito invocado pode ser perfeitamente
composto com a indenização por dano moral, o que é melhor solução do que impedir a livre
expressão. (...)

Não se nega, pois, a possibilidade de limitação, mas por determinação fundamentada da autoridade
judicial e após criterioso exame". 24

Como se vê da exposição acima empreendida, embora se possa divergir quanto ao alcance da


atuação judicial em cada caso, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas são
legítimos limites à liberdade de expressão.

3.2.1.2 Observância dos princípios do art. 221 da Constituição (notadamente o respeito aos
valores éticos e sociais da pessoa e da família)

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LIBERDADE DE EXPRESSÃO, CENSURA E CONTROLE
DA PROGRAMAÇÃO DE TELEVISÃO NA CONSTITUIÇÃO
DE 1988

"Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes
princípios:

I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;

II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua
divulgação;

III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos


em lei;

IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família".

No que diz respeito à restrição quanto ao conteúdo da programação, assume maior relevância a
previsão do inc. IV do dispositivo - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família. Com
efeito, os incisos II e III cuidam da origem das produções, e não propriamente de seu conteúdo, e o
inc. I versa sobre categorias de programação extremamente amplas que, além de apenas
preferenciais, estarão subordinadas de qualquer modo aos limites do inc. IV.

Fora das situações extremas, não é tarefa simples a definição do que sejam valores éticos e sociais
da pessoa e da família. 25 Essa abertura da norma, todavia, não é um defeito a ser criticado, mas
antes uma opção consciente do constituinte. Como se sabe, valores éticos e sociais da pessoa e da
família são noções que variam no tempo e no espaço, além de serem percebidas de forma distinta
pelos indivíduos, mesmo contemporâneos.

Ao utilizar-se de conceitos elásticos e indeterminados 26 como o referido, procurou o constituinte


preservar a própria Constituição, mantendo sua atualidade ao longo do tempo através de uma
interpretação evolutiva, que leve em conta as práticas de cada época. 27 Tal circunstância não
impede, contudo, que, em dado momento histórico, situações extremas sejam reconhecidas e
punidas como violadoras dos referidos princípios. Caberá ao Judiciário, diante do caso concreto e
garantido o devido processo legal, decidir a respeito. 28 Assim, ao convencimento do autor, que
entende violados seus valores sociais e morais, deverá agregar-se a opinião do Juiz no mesmo
sentido.

O STF enfrentou o tema, em decisão datada de 1968, em interessante acórdão relatado pelo Min.
Aliomar Baleeiro. Discutia-se, em plena vigência da censura institucional, se artigos da revista
Realidade seriam ou não contrários aos valores sociais da família. Os artigos da revista - é
interessante registrar, já que, trinta anos depois, a própria hipótese discutida no acórdão ilustra o
argumento - discutiam a sexualidade e a maternidade fora do casamento, bem como a união informal
após o desquite.

O STF, diferentemente das instâncias inferiores, entendeu que o periódico não era obsceno, ainda
que não fosse recomendado para menores. O voto do Min. Aliomar Baleeiro, que conduziu o
julgamento, faz interessante viagem histórica para demonstrar como as noções de moralidade têm
variado, além de recomendar ao Juiz que evite farisaísmos pessoais, assumindo a posição de
"homem de seu tempo". Confiram-se alguns trechos do acórdão, in verbis:

"Mas o conceito de 'obsceno', 'imoral', 'contrário aos bons costumes' é condicionado ao local e à
época. Inúmeras atitudes aceitas no passado são repudiadas hoje, do mesmo modo que aceitamos
sem pestanejar procedimentos repugnantes às gerações anteriores. A Polícia do Rio, há 30 ou 40
anos, não permitia que um rapaz se apresentasse de busto nu nas praias e parece que só mudou de
critério quando o ex-Rei Eduardo VIII, então Príncipe de Gales, assim se exibiu com o irmão em
Copacabana. O chamado bikini (ou 'duas peças') seria incabível em qualquer praia do mundo
ocidental, há 30 anos.

Negro de braço dado com branca em público, ou propósito de casamento entre ambos, constituía
crime e atentado aos bons costumes em vários Estados Norte-americanos do Sul, até um tempo
bem próximo do atual.

As Ordenações Filipinas submetiam a uma passeata com símbolos de irrisão na cabeça o marido
condescendente e mandavam queimar o sodomita, para que não restasse memória do 'vício
nefando'. Na passagem do século, Oscar Wilde sofreu pena de cadeia por esse motivo, enquanto,
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LIBERDADE DE EXPRESSÃO, CENSURA E CONTROLE
DA PROGRAMAÇÃO DE TELEVISÃO NA CONSTITUIÇÃO
DE 1988

quase na mesma época, nada padeceram, na França, Marcel Proust, André Gide e outros.

Nas comemorações do 50.º ano da morte daquele festejado escritor inglês, uma revista comentou
que, se vivesse na atualidade, seria squire por decreto da Rainha com o tratamento de sir, e alusão
clara ao maior ator britânico de hoje.

Estudos recentes, na correspondência do biógrafo Strachy - o da rainha Victoria - e do célebre


economista Lord Keynes os colocou nesse rol. E o Time já comentou isso.

A fornicatio simplex já foi crime sujeito a penas cruéis nos tribunais eclesiásticos e a avó do grande
Abraham Lincoln se viu perseguida por esse comportamento ainda no fim do século XVIII. Seria
mandado para um hospício de alienados o juiz que apreendesse, hoje, Madame Bovary ou
denunciasse Flaubert, mas este, há um século, foi a julgamento.

Victor Maguerite, em 1922, perdeu a condecoração da Legião de Honra por ter publicado La
Garçonne, obra que a polícia do Rio apreendeu como obscena e que está longe do erotismo da
literatura contemporânea, além de não conter palavrões, como várias das atuais.

A Justiça norte-americana cancelou a proibição de Lady Chatterly's Lover ser transportado nas malas
do correio (U.S. Southern Ditrict Court) e, já agora, a justiça britânica removeu a medida
administrativa segundo a qual essa obra de D.H. Lawrence, considerada das maiores deste século,
só poderia ser impressa e vendida na Inglaterra com expurgo de certos trechos havidos como
eróticos. Comparado com os romances de Henry Miller, traduzidos no Brasil e expostos em todas as
livrarias, o de Lawrence poderia ser obra para jeunes filles em conventos.

Há dois séculos, publicam-se e lêem-se as Memórias de Casanova hoje divulgado em edições


abreviadas de bolso, para torná-lo mais acessível sem a censura das página um tanto cruas. Um dos
mais respeitáveis jornais do Rio publicou em história de quadrinhos o sumo dessas Memórias. Outro
tanto se poderia afirmar do Decameron de Boccacio, da Facetiae de Poggio, e de não sei quantas
obras do mesmo tipo nos Estados Unidos. Saiu recentemente, em edição popular My Life and Loves
de Frank Harris que, dantes, só era impresso em edições restritas de livrarias especializadas em
atender uma clientela de amadores do gênero.

(...)

Não há ofensa aos padrões atuais do Brasil ou de qualquer país police em gravuras esquemáticas
da concepção e gestão ou num inquérito que aborda os mais variados aspectos do comportamento
da mulher, inclusive o sexual.

Para chegar a essa conclusão, basta-me o exemplar referido, apensado como documento nos autos.
Para assim julgar, não necessito de exame pericial ou parecer técnico impróprio do mandado de
segurança - julgo como homem de meu tempo e do meu País.

(...)

Certo. Realidade não é indicada para crianças ou alunos de aula primária. Isso não impede que
desejem e possam lê-la adultos. Mas duvido que os colegiais, hoje, ainda levem a sério a cegonha.

Os Juízes dos tempos de nossos avós e pais, ao que eu saiba, não apreenderam nunca A carne, de
Júlio Ribeiro, hoje um clássico. Mostraram com isso compreensão acima de qualquer farisaísmo ou
pressão religiosa. Não há motivo para imitarmos o puritanismo da autoridade postal dos Estados
Unidos que proibiu o tráfego de cópias coloridas da Maya desnuda, de Goya, pintada no mais
católico, preconceituoso e clerical dos países. Seria o mesmo que um cache-sexe no David de
Miguel Ângelo". 29

Não há dúvida, portanto, que os valores éticos e sociais da pessoa e da família limitam a liberdade
de expressão quanto ao seu conteúdo e podem receber tutela judicial. Cabe ao Judiciário definir se
ocorreu ou não a violação, tendo em vista as concepções culturais de cada momento histórico. 30

3.2.2 Meios de atuação do Poder Público

De parte os limites materiais acima referidos, a Constituição previu as ações - restrições de caráter
instrumental, portanto - que cabem ao Poder Público em relação à liberdade de expressão, e
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LIBERDADE DE EXPRESSÃO, CENSURA E CONTROLE
DA PROGRAMAÇÃO DE TELEVISÃO NA CONSTITUIÇÃO
DE 1988

especificamente no que diz respeito à televisão. É possível distribuir essas competências tendo em
vista as três funções estatais básicas: judicial, legislativa e administrativa. É o que se passa a fazer.

3.2.2.1 Em sede judicial

"(...) Qualquer restrição à liberdade de informação jornalística deve ter embasamento no próprio texto
constitucional. (...) E a Constituição Federal (LGL\1988\3) dá ao Poder Judiciário, com absoluta
exclusividade, o poder de controlar os abusos da liberdade de informação jornalística, bem como os
abusos da atuação de qualquer outra instituição, ou mesmo Poder, mediante o exercício da
jurisdição. (...) Assim, quando surge um conflito de interesses envolvendo a imprensa com a sua
liberdade de informação jornalística de um lado e o cidadão com seus direitos civis e constitucionais
do outro lado, cabe ao Poder Judiciário compor tal conflito". 31

Poderá o Judiciário, portanto, mediante provocação do interessado e assegurado o devido processo


legal, restringir a liberdade de expressão tendo em vista a necessidade de proteger os direitos
constitucionais acima referidos. Ainda nesse domínio, tem sido suscitada a questão de ser ou não
possível ao próprio Estado, além de julgar, ingressar em juízo para defesa de algum daqueles dois
pontos que justificam a restrição material da liberdade de expressão, a saber: os direitos
constitucionais da privacidade, honra e imagem ou, ainda, os valores morais e sociais da pessoa e
da família.

Quanto aos direitos individuais referentes à privacidade, à honra e à imagem, previstos no art. 5.º, X,
da Carta, apenas o próprio interessado (ou parente próximo, como tem admitido a jurisprudência)
pode suscitar o controle do Judiciário. Quanto aos valores morais e sociais da pessoa e da família,
todavia, há boa doutrina no sentido de que se trata de um direito de dimensão coletiva, sendo
possível sua tutela através de ação civil pública. 32 Sustenta-se que, embora a regra seja a não
intervenção estatal em tema de liberdade de expressão, a Constituição prevê especialmente caber
ao Ministério Público "promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos" (art. 129, III).

A tese, deve-se registrar, não é pacífica. Há autores que rejeitam atribuição ao Ministério Público na
matéria, tendo em vista os efeitos coletivos da decisão proferida em uma ação civil pública. Isso
porque, argumentam, não deve caber a um indivíduo o poder de avaliar, de modo determinante para
toda a coletividade abrangida no âmbito da competência territorial do Juízo, 33 o que seja atentatório
dos valores morais e sociais da pessoa e da família. 34 A advertência é válida mesmo para quem
sustenta a tese oposta: Juízes e membros do Ministério Público deverão pautar sua conduta de
acordo com os conceitos médios vigentes no seio da sociedade, e não em função de idiossincrasias
pessoais.

3.2.2.2 Em sede legislativa

O único dispositivo que autoriza, de forma específica, a atividade legislativa do Estado sobre o tema
da liberdade de expressão na televisão é o art. 220, § 3.º, II, que dispõe:

"Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer


forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

(...)

§ 3.º Compete à lei federal:

(...)

II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem


de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem
como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio
ambiente".

Vale transcrever também o § 4.º do mesmo art. 220, que compõe a seqüência da norma, in verbis:

"§ 4.º A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias
estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que
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LIBERDADE DE EXPRESSÃO, CENSURA E CONTROLE
DA PROGRAMAÇÃO DE TELEVISÃO NA CONSTITUIÇÃO
DE 1988

necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso".

O dispositivo constitucional permite que a lei venha a criar meios específicos de defesa, dos quais a
pessoa ou a família poderão fazer uso para se defenderem de programas de rádio e televisão que
violem os princípios do art. 221, já comentados, ou, ainda, de publicidade cujo produto seja nocivo à
saúde ou ao meio ambiente. Note-se que a norma constitucional inscrita no art. 220, § 3.°, II,
transcrito, não autoriza uma ação direta do Estado para a defesa dos referidos princípios. Cabe-lhe
apenas criar o mecanismo e colocá-lo à disposição dos indivíduos. Tanto assim que quando o
constituinte pretendeu autorizar o Estado a fazer algo mais, diferente da mera criação de
mecanismos de defesa, dispôs de forma expressa, como se vê do § 4.º acima.

De fato, no caso de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias, além dos
meios legais de defesa, a lei poderá determinar a divulgação de cláusulas de advertência sobre os
malefícios ou riscos decorrentes do uso desses produtos. Regulamentando a publicidade desses
produtos específicos, foi editada a Lei 9.294/96.

A lei geral prevista no inc. II não foi editada até o momento. Nada obstante, independentemente de
qualquer meio específico de defesa, os indivíduos têm sempre à sua disposição a tutela jurisdicional,
como já referido, para a garantia de seus direitos (art. 5.º, XXXV).

3.2.2.3 Em sede administrativa

"Art. 21. Compete à União:

(...)

XVI - exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e
televisão;"

Com fundamento nesse dispositivo, a União poderá, por algum meio, atribuir aos programas de rádio
e televisão classificação ou adjetivação indicativa sobre o seu conteúdo. Por analogia às diversões e
espetáculos públicos, das quais se trata no art. 220, § 3.º, I, 36 a indicação se refere, normalmente, a
faixas etárias e/ou horários recomendados. Note-se que a finalidade da norma é apenas oferecer
informação ao telespectador, e não determinar a conduta das emissoras, caso contrário a
classificação não seria indicativa, mas cogente, 37 obrigatória. J. Cretella Júnior, dentre outros, 38
enfrenta o tema com precisão:

"A União, agora, não veda, não proíbe, não censura. Indica, tão-só. Recomenda. Classifica os filmes,
os espetáculos, as exibições. Às vezes, nem classifica. Enumera apenas, porque enumeração é
mera lista enunciativa dos seres, ao passo que classificação é processo científico-didático, vinculado
a cânones e critérios rígidos (...) A classificação é sempre fundada em critérios (...). A proposição
'prover a censura de diversões públicas' (art. 8.º, VIII, d, da Constituição de 1969) corresponde, em
1988, à proposição 'exercer a classificação das diversões públicas'. Em 1969, 'censurava-se'; agora,
em 1988, apenas 'se classifica', para efeito indicativo". 39

O mesmo termo - indicativa - é utilizado pela Constituição ao cuidar da ordem econômica para
dispor, em seu art. 174, caput, que: "Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o
Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este
determinante para o setor público e indicativo para o setor privado". A oposição que se verifica na
própria norma entre determinante e indicativo é esclarecedora. A doutrina específica é unânime em
afirmar que indicativo, no texto, significa - como não poderia deixar de ser - facultativo, não
obrigatório, em contraste com o planejamento determinante, apenas aplicável ao setor público. Essa
a lição, dentre outros, 40 de Eros Roberto Grau, ao comentar o referido art. 174 da Carta, in verbis:
"Trata-se de normas dispositivas. Não, contudo, no sentido de suprir a vontade do seu destinatário,
porém, na dicção de Modesto Carvalhosa, no de 'levá-lo a uma opção econômica (...)'. Nelas a
sanção, tradicionalmente manifestada como comando, é substituída pelo expediente do convite (...).
Ao destinatário da norma resta aberta a alternativa de não se deixar por ela seduzir, deixando de
aderir à prescrição nela veiculada". 41

Ora, ainda que a interpretação literal ou semântica não deva ser aplicada isoladamente, mas em
conjunto com os demais elementos interpretativos, uma de suas regras elementares é a de que o
mesmo vocábulo, utilizado mais de uma vez pela norma, há de ter o mesmo sentido. 42 No caso, é
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LIBERDADE DE EXPRESSÃO, CENSURA E CONTROLE
DA PROGRAMAÇÃO DE TELEVISÃO NA CONSTITUIÇÃO
DE 1988

até mesmo desnecessário o recurso a tal argumento, já que indicativo não comporta, por evidente,
em toda a pluralidade semântica que se lhe possa atribuir, o sentido de obrigatório.

O STF, na ação direta de inconstitucionalidade já referida, procurou ressaltar exatamente o caráter


meramente indicativo da classificação prevista no art. 21, XVI, da Carta de 1988, que, por isso, não
se confunde com censura, nos seguintes termos, in verbis: "Bem por isso, a nova Lei Fundamental,
preocupada com a tutela dos valores éticos (art. 220, § 3.º, II), e a intangibilidade de certos princípios
(art. 221), aquiesceu, inobstante banindo, de vez, como já ressaltado, a censura político-ideológica,
na adoção de um sistema de classificação meramente indicativa por faixas etárias (...) A solução
preconizada pelo legislador constituinte, consistente no referido sistema classificatório por faixa de
idade, não deve traduzir uma imposição coativa de critérios forjados pelo Estado, que paralisem o
processo de criação artística ou que inibam o exercício de sua livre expressão. A classificação
indicativa representa, no plano das relações dialógicas entre o Poder Público e os mass media, um
sistema de mera recomendação que tem, nos veículos de comunicação de massas, o seu
instrumento de realização". 43 (grifos no original)

Assim, a competência administrativa do Estado no que diz respeito à liberdade de expressão nas
televisões, exclusiva da União, restringe-se a exercer classificação indicativa sobre o conteúdo da
programação exibida. No ato de exercer a classificação exaure-se sua competência, atingindo a
norma constitucional sua finalidade de assegurar a informação ao telespectador.

Procurou-se, assim, descrever o regime constitucional da liberdade de expressão nos meios de


comunicação em geral, e na televisão em particular, identificando, inclusive, as limitações
admissíveis. Existem, como visto, duas ordens de restrições. Em primeiro lugar, o conteúdo da
programação televisiva poderá ser limitado pelo direito à privacidade, à honra e à imagem das
pessoas, bem como pelos princípios do art. 221 da Carta. A segunda categoria de restrições tem
caráter instrumental, e diz respeito às formas de atuação do Poder Público (em sede judicial,
legislativa e administrativa) admitidas pela Constituição.

O caminho percorrido, ainda que longo, era necessário para responder às indagações da consulente
a respeito da extensão e dos limites da competência da União para exercer classificação indicativa,
bem como da legitimidade constitucional do art. 254 do ECA (LGL\1990\37) (Lei 8.069/90), que prevê
punições para a hipótese de exibição de programa fora do horário autorizado pela classificação
indicativa. Passa-se, agora, a examinar o quadro infraconstitucional existente (legislativo e
administrativo), para aferir sua compatibilidade com o sistema da Lei Maior.

3.3 Concretização das normas constitucionais

De acordo com a narrativa da consulente, a União exerce hoje sua competência para classificação
indicativa mediante a prévia apresentação ao órgão competente do Ministério da Justiça
(Departamento de Classificação Indicativa) de toda a programação a ser exibida pelas emissoras de
televisão (salvo se o programa for ao vivo). O Ministério da Justiça, então, com fundamento na
Portaria 773, de 22.10.1990, indica, para cada programa, uma faixa etária e um horário
recomendado de exibição. A Portaria não estabelece parâmetros no que diz respeito aos programas
televisivos, embora faça referência, genericamente, ao tratar de diversões e espetáculos públicos, a
"cenas de excessiva violência ou de prática de atos sexuais e desvirtuamento dos valores éticos"
como os critérios para a classificação. 44

Por sua vez, o art. 254 da Lei 8.069/1990 (ECA (LGL\1990\37)), constante do capítulo dedicado às
infrações administrativas, dispõe:

"Art. 254. Transmitir, através de rádio ou televisão, espetáculo em horário diverso do autorizado ou
sem aviso de sua classificação:

Pena - multa de vinte a cem salários de referência; duplicada em caso de reincidência, a autoridade
judiciária poderá determinar a suspensão da programação da emissora por até dois dias".

Com fundamento neste dispositivo legal, tem-se suscitado, perante a autoridade judiciária, a
aplicação das penalidades referidas, no caso de a emissora de televisão exibir programa em horário
diverso do constante da classificação indicativa do Ministério da Justiça, ainda que informe a referida
classificação no momento da exibição. Pergunta a consulente se são legítimos os comportamentos
descritos.
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LIBERDADE DE EXPRESSÃO, CENSURA E CONTROLE
DA PROGRAMAÇÃO DE TELEVISÃO NA CONSTITUIÇÃO
DE 1988

3.3.1 Ilegitimidade da prévia submissão da programação ao Ministério da Justiça

Conforme visto acima, a União pode exercer a classificação dos programas de rádio e televisão para
fins indicativos, como dispõe o art. 21, XVI, da Constituição. Um dos meios aptos a fazê-lo é exigir a
submissão prévia da programação das emissoras e, após examiná-la, apresentar a classificação.
Resta saber se esse é um meio admitido pela Lei Fundamental.

Como já se mencionou, a Constituição veda qualquer espécie de licença prévia para a expressão de
atividade intelectual, artística, científica ou de comunicação (art. 5.º, IX). Isto é: de acordo com a
Constituição, a exibição de programa pela televisão não pode depender de qualquer ação estatal
prévia. Vale lembrar, retomando o que já foi dito, que a norma do art. 5.º, IX, veicula uma regra e não
um princípio. Ao especificar o princípio, como se viu, a própria Constituição admite restrições. No
caso, ao contrário, a vedação de licença prévia já é a concretização do princípio da liberdade de
expressão, não admitindo, portanto, exceções. Ainda que haja variadas espécies de licença, todas
estão proscritas pela norma constitucional.

A necessidade de submissão prévia da programação televisiva a um órgão do Poder Executivo,


ainda que para fins de classificação meramente indicativa, para só então ser possível a exibição, é,
sem dúvida, uma forma de licença prévia. Tem de haver - e há, de fato - outro meio de realizar o fim
visado pela Constituição - exercer a classificação indicativa - que seja compatível com o sistema nela
delineado. A harmonização dos arts. 21, XVI, e 5.º, IX - o que confere competência à União para
exercer classificação indicativa e o que veda a licença prévia - dá-se então da seguinte forma: à
União cabe editar norma geral fixando os critérios classificatórios a serem seguidos. Diante desse
parâmetro, as próprias emissoras deverão proceder ao enquadramento de seus programas, caso
não desejem submetê-los previamente ao Poder Público para fins de classificação, o que não lhes
pode ser exigido.

O argumento exposto é fortalecido pelo fato de que só um critério geral, abstrato e prévio poderá
assegurar tratamento isonômico a todos os programas e emissoras. Ter-se-á, assim, maior
transparência e objetividade, com redução da discricionariedade do classificador da ocasião. Desse
modo, haverá ensejo para o controle, pela via legítima, da correta subsunção do programa às regras
vigentes.

O STF, no acórdão já anteriormente referido, prolatado em 1968, no qual se discutiu o conteúdo de


determinado número da revista Realidade, bem registrou os riscos da classificação casuística e
personalizada, in verbis:

"Mas o importante, do ponto de vista dêstes autos, é que revistas insuspeitas de comércio de
torpezas (...) em quase todas as suas edições tratam de sexo, erotismo, contracepção, a pílula e até
de anormalidades da conduta sexual, como a prostituição, a homossexualidade, sadismo, etc., etc.
Outro tanto ocorre com revistas brasileiras das mais prestigiosas e insuspeitas do cultivo de paixões
más.

Por que, então, a atitude discriminatória contra a Realidade? Até que ponto, outros interêsses, outras
considerações, outros preconceitos ideológicos podem ter açulado uma repressão a que foram
poupadas outras revistas com os mesmos pecados?

(...)

O tratamento diferencial aplicado à revista da recorrente está a bradar pela necessidade de padrões
uniformes na censura de publicações, filmes cinematográficos, rádio e TV". 45 (grifos acrescentados)

Ilegítima, portanto, a necessidade de submissão prévia da programação da consulente para fins de


classificação indicativa, devendo a União formular critérios gerais de modo que as próprias
emissoras possam concretizar a classificação em relação a seus programas. Em qualquer caso, é
importante registrar, seja como for procedida a classificação, deverá ela ser informada pelas
emissoras de televisão, na forma como determinar a lei.

3.3.2 Inconstitucionalidade parcial do art. 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente

O Estatuto da Criança e do Adolescente (LGL\1990\37) - ECA (LGL\1990\37) pretende regulamentar


os arts. 227 e seguintes da Constituição de 1988, nos quais se propugna por um tratamento especial
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LIBERDADE DE EXPRESSÃO, CENSURA E CONTROLE
DA PROGRAMAÇÃO DE TELEVISÃO NA CONSTITUIÇÃO
DE 1988

às crianças e adolescentes. Aliás, foi também no interesse dos menores que a Carta instituiu a
classificação indicativa, permitindo que pais e responsáveis pudessem estar advertidos do conteúdo
da programação. Sem embargo, o art. 254 do ECA (LGL\1990\37) desbordou do limite autorizado
pela Lei Maior, ao tipificar como infração a seguinte conduta: "Transmitir, através de rádio ou
televisão, espetáculo em horário diverso do autorizado (...)".

É que, como já se viu exaustivamente, a classificação a ser veiculada pelas emissoras é apenas
indicativa, isto é, não obrigatória. A União só dispõe de competência para indicar uma classificação
que, por isso mesmo, não pode vincular nem proibir. Desse modo, a simples inobservância do
horário recomendado na classificação exercida pelo Poder Público não pode, por si só, gerar
qualquer espécie de sanção. Caso contrário, a classificação não seria indicativa, mas cogente. Não é
possível concluir que indicativo e obrigatório têm o mesmo sentido.

A emissora tem o direito de discordar da classificação imposta pela Administração, embora tenha o
dever de informá-la aos seus telespectadores. Desse modo, poderá exibir em horário diverso do
recomendado, por entender equivocado o horário sugerido. Isso porque, na verdade, não existe
horário autorizado, o que pressuporia a necessidade de uma autorização prévia, vedada de forma
expressa pela Constituição (art. 5.º, IX).

Ademais, também não é possível imaginar a existência de uma classificação obrigatória como forma
de controle prévio dos princípios do art. 221 da Constituição. Em primeiro lugar porque - mais uma
vez se repete - a Carta de 1988 baniu qualquer forma de censura prévia, seja qual for o seu
fundamento ou motivação. A partir da nova Constituição a censura configura, como registrou o Min.
Celso de Mello em seu voto acima transcrito, um ilícito constitucional. As emissoras podem
eventualmente estar sujeitas à punição ou restrição por violação dos princípios do art. 221, na forma
da lei e assegurado o devido processo legal. Nunca previamente e, menos ainda, pela atuação
unilateral do Poder Público.

Mas não é só. A competência da União para exercer a classificação dos programas de televisão está
indissociavelmente ligada ao adjetivo indicativo, de modo que não é possível qualquer classificação
cogente. Vale lembrar que o objetivo da norma que autoriza a classificação indicativa não é
determinar de forma autoritária a conduta das emissoras no que diz respeito à sua programação,
mas fornecer informação ao público, de modo que este possa fazer uma opção consciente para si e
para seus filhos e dependentes.

4. Conclusão

Ao fim desta exposição, é possível sintetizar as premissas doutrinárias desenvolvidas nas


proposições abaixo:

1. A liberdade de expressão - aí compreendidos a liberdade de pensamento, de criação e o direito à


informação - foi tratada com especial destaque na Constituição de 1988, como uma reação
eloqüente à prática histórica da censura política, ideológica e artística no país;

2. A televisão, por suas singularidades, sujeita-se a controles mais amplos que os demais meios de
comunicação. Nenhum deles, todavia, autoriza o exame prévio de conteúdo, como condição para o
exercício da liberdade de expressão.

De tais premissas decorrem as conclusões a seguir, que respondem objetivamente às indagações da


consulente:

1. Não é legítima, à vista do regime constitucional da liberdade de expressão, a exigência de prévia


submissão ao Ministério da Justiça dos programas a serem exibidos pela emissora, com exclusão
apenas dos que são transmitidos ao vivo;

2. Não é compatível com a Constituição a previsão do art. 254 do Estatuto da Criança e do


Adolescente (LGL\1990\37) de que será punida a transmissão de espetáculo em horário diverso do
autorizado, porque: i) o texto constitucional se refere apenas a classificação indicativa; ii) a
autorização caracterizaria exame prévio de conteúdo, o que é vedado.

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LIBERDADE DE EXPRESSÃO, CENSURA E CONTROLE
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DE 1988

(1) Diálogo mantido entre o subscritor do presente parecer e o Superintendente da Polícia Federal no
Rio de Janeiro, em uma manhã de 1978, logo após a apreensão da edição do jornal universitário
Andaime, por policiais federais, na gráfica da Tribuna da Imprensa.

(2) Art. 179, IV: "Todos podem communicar os seus pensamentos, por palavras, escriptos, e
publical-os pela Imprensa, sem dependência de censura; com tanto que hajam de responder pelos
abusos, que commetterem no exercício deste Direito, nos casos, e pela fórma, que a Lei determinar"
(transcrição ipsis litteris).

(3) Art. 72, § 12: "Em qualquer assumpto é livre a manifestação do pensamento pela imprensa, ou
pela tribuna, sem dependência de censura, respondendo cada um pelos abusos que commeter nos
casos e pela fórma que a lei determinar. Não é permitido o anonimato" (transcrição ipsis litteris).

(4) CF de 1946, art. 141, § 5.º: "É livre a manifestação do pensamento, sem que dependa de
censura, salvo quanto a espetáculos e diversões públicas, respondendo cada um, nos casos e na
forma que a lei preceituar, pelos abusos que cometer. Não é permitido o anonimato. É assegurado o
direito de resposta. A publicação de livros e periódicos não dependerá de licença do poder público.
Não será, porém, tolerada propaganda de guerra, de processos violentos para subverter a ordem
política e social, ou de preconceitos de raça ou de classe".

(5) Sobre o tema, v. Domingos Sávio Dresch da Silveira, Controle da programação de televisão:
limites e possibilidades, dissertação de mestrado apresentada à Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, sob a orientação do Prof. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira.

(6) Red Lion Broadcasting Co., Inc. v. Federal Communications Commission, 395 U.S. 367 (1969),
The Oxford guide to United States Supreme Court decisions, 1999. p. 251-252.

(7) 438 U.S. 726 (1978). Veja-se, sobre o tema, Paul C. Weiler, Entertainment, media, and the law.
Text, cases, problems, 1997. p. 40 et seq.

(8) MOORE, Roy L. Mass communication law and ethics, 1993, with 1996 update, p. 249.

(9) WEILER, V. Paul C. Entertainment, media, and the law. Text, cases, problems, 1997. p. 78 et seq.

(10) FEDER, João. Os crimes da comunicação social, 1987. p. 33 et seq.

(11) Vejam-se, na doutrina estrangeira: Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, t. II, 1983, p.
198; J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional, 1986, p. 172; Robert Alexy, Teoria de los derechos
fundamentales, 1997, p. 83; Ronald Dworkin, Taking rights seriously, 1977. E na doutrina nacional:
Eros Roberto Grau, A ordem econômica na Constituição - Interpretação e crítica, 1990, p. 122 et seq.
; Ruy Samuel Espínola, Conceito de princípios constitucionais, 1999, p. 105 et seq.; Luís Roberto
Barroso, Interpretação e aplicação da Constituição, 3. ed., 2000, p. 147 et seq.

(12) ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valdés, 1997. p.
83: "(...) las reglas y los principios serán resumidos bajo el concepto de norma. Tanto las regras
como los principios son normas porque ambos dicen lo que debe ser. Ambos pueden ser formulados
com la ayuda de las expresiones deónticas básicas del mandato, la permisión y la prohibición. Los
principios, al igual que las reglas, son razones para juicios concretos de deber ser (...)".

(13) Raquel Denise Stumm. Princípio da proporcionalidade no direito constitucional brasileiro, 1995.
p. 42; Paulo Roberto Lyrio Pimenta, Eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais
programáticas, 1999. p. 121 et seq.; e Daniel Sarmento, A ponderação de interesses na Constituição,
2000. p. 42 et seq.

(14) ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valdés, 1997 p.
88. A não aplicabilidade da regra decorre, em geral, de sua invalidade (inconstitucionalidade) ou da
perda de sua vigência, como nos casos em que ela é revogada por norma hierarquicamente superior
ou posterior de igual hierarquia. No caso da relação entre norma geral e especial, entretanto, a
norma geral deixa de ser aplicada não por qualquer dessas duas razões, mas porque os fatos
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LIBERDADE DE EXPRESSÃO, CENSURA E CONTROLE
DA PROGRAMAÇÃO DE TELEVISÃO NA CONSTITUIÇÃO
DE 1988

realizam de forma específica a previsão da norma especial, que afasta a incidência da geral. Sobre
os critérios de solução de conflito de regras (temporal, espacial, hierárquico e por especialidade),
veja-se Luís Roberto Barroso, Interpretação e aplicação da constituição, 3. ed., 1999.

(15) Idem, ibidem, p. 86.

(16) Confira-se sobre o tema: Heinrich Scholler, "O princípio da proporcionalidade no direito
constitucional e administrativo da Alemanha", trad. Ingo Wolfgang Sarlet, Revista Interesse Público 2,
1999. p. 93 et seq. e Daniel Sarmento, "Os princípios constitucionais e a ponderação de bens".
Teoria dos direitos fundamentais, org. Ricardo Lobo Torres, 1999. p. 35 et seq.

(17) V. Luís Roberto Barroso, Interpretação e aplicação da Constituição, cit., p. 147 et seq.

(18) GRINOVER, Ada Pellegrini. "O poder público e o exercício da liberdade de pensamento".
Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, 2, 1972. p. 29.

(19) STF, ADIn 392-5-DF, rel. Min. Marco Aurélio, DJ 23.08.1991.

(20) Sobre o tema, vejam-se Ricardo Lobo Torres, Os direitos humanos e a tributação - Imunidades e
isonomia, 1995, p. 121 et seq.; Ana Paula de Barcellos, Normatividade dos princípios e o princípio da
dignidade da pessoa humana na Constituição de 1988, mimeo; e Luís Roberto Barroso, "Eficácia e
efetividade do direito à liberdade", Anais da Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do
Brasil, 1999.

(21) ALEXY, Robert. Colisão e ponderação como problema fundamental da dogmática dos direitos
fundamentais, texto mimeografado de palestra proferida na Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio
de Janeiro, em 11.12.1998, p. 10: "As colisões dos direitos fundamentais acima mencionadas devem
ser consideradas segundo a teoria dos princípios, como uma colisão de princípios. O processo para
a solução de colisões de princípios é a ponderação".

(22) SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal (LGL\1988\3), 2000.


p. 196-197.

(23) GRANDINETTI, Luis Gustavo e CASTANHO DE CARVALHO. Direito de informação e liberdade


de expressão, 1999. p. 49.

(24) Idem, ibidem, p. 51. Em linha diversa, admitindo maior elastério ao poder cautelar do Judiciário,
v. Gilmar Ferreira Mendes, Colisão de direitos fundamentais e controle de constitucionalidade -
estudos de direito constitucional, 1998, p. 85 et seq. e José Henrique Rodrigues Torres, "A censura à
imprensa e o controle jurisdicional da legalidade". RT 705, 1994, p. 24 et seq.

(25) LOPES, Vera Maria de Oliveira Nusdeo. O direito à informação e as concessões de rádio e
televisão, 1997. p. 306: "Não há como determinar a priori o que é ou não atentatório à moral e aos
bons costumes diante da enorme carga de subjetividade que estas duas expressões carregam". Em
sentido diverso, a respeitável opinião de Rodolfo de Camargo Mancuso, "Interesse difuso à
programação televisiva de boa qualidade, e sua tutela jurisdicional", RT 705, 1994, p. 56, com a qual
não se está de acordo: "Na verdade, aqui também se trata de mero sofisma, porque o 'bom', o 'belo',
o 'cultural' são noções intuitivas, não sendo razoável supor-se que os co-responsáveis pela edição de
um programa de TV não saibam que estão liberando ao ar um quadro 'humorístico' grosseiro e
agressivo; ou um 'musical' cujas melodias constituem uma 'mélange' de harmonias pobres ou banais
(...)".

(26) MOREIRA, José Carlos Barbosa. "Regras de experiência e conceitos jurídicos indeterminados".
Temas de direito processual. Segunda Série, 1980, p. 61 et seq.

(27) Sobre interpretação constitucional evolutiva v. Luís Roberto Barroso, Interpretação e aplicação
da Constituição. 3. ed., 1999, p. 143 et seq. V. tb., Morton J. Horwitz, "The Constitution of change:
legal fundamentality without fundamentalism". Harvard Law Review, v. 107, 1993.

(28) A lei poderá tentar regulamentar tais princípios de forma mais precisa. Seria um equívoco, no
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DA PROGRAMAÇÃO DE TELEVISÃO NA CONSTITUIÇÃO
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entanto, pretender engessar o tema em previsões fechadas, tendo em vista sua natureza
eminentemente histórica e variável. A evolução dos costumes levaria inevitavelmente à
obsolescência da norma em conseqüência da mutação constitucional. Sobre o tema, confira-se Anna
Cândida da Cunha Ferraz, Processos informais de mudança na Constituição, 1986, p. 37 et seq.
Vale referir, ainda sobre a matéria, que a compatibilidade da legislação infraconstitucional anterior
com a nova Carta deverá ser aferida caso a caso.

(29) RMS 18.534-SP, relator para acórdão Min. Aliomar Baleeiro, j. 1.º.10.1968, Revista Trimestral de
Jurisprudência 47, p. 787 et seq.

(30) Observe-se, apenas para fins de sistematização, que esta é a disciplina constitucional aplicável
nas situações de normalidade democrática. A lei poderá prever, entretanto, outras restrições no caso
de decretação de estado de sítio, conforme autorizado pelo art. 139, III.

(31) TORRES, José Henrique Rodrigues. "A censura à imprensa e controle jurisdicional da
legalidade". RT 705, 1994. p. 26 et seq.

(32) Nesse sentido é a opinião de José Carlos Barbosa Moreira, "Ação civil pública e programação
da TV". Revista de Direito Administrativo 201, 1995. p. 45 et seq.; e Hugo Nigro Mazzilli, "O Ministério
Público e o Estatuto da Criança e do Adolescente (LGL\1990\37)". RT 671, 1991, p. 233 et seq. e
Rodolfo de Camargo Mancuso, "Interesse difuso à programação televisiva de boa qualidade e sua
tutela jurisdicional", RT 705, 1994, p. 51 et seq.

(33) Na forma do art. 16 da Lei 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública), com a redação que lhe deu a
Lei 9.494/97, a sentença na ação civil pública fará coisa julgada erga omnes, nos limites da
competência territorial do órgão prolator.

(34) LOPES, Vera Maria de Oliveira Nusdeo. O direito à informação e as concessões de rádio e
televisão, 1997. p. 194: "A ação civil pública não parece ser o instrumento adequado para tratar de
temas complexos e fortemente informados de carga subjetiva (...) saber exatamente o que é ou não
uma programação de caráter educativo ou cultural, ou como serão atingidos os demais ditames
constitucionais do art. 221, é tarefa igualmente informada por alta carga de subjetividade, e também
referente a toda sociedade, sendo pouco democrático que uma única pessoa, não investida dessa
função pelos cidadãos, determine a programação que atingirá eventualmente milhões de cidadãos
(...)".

(36) "Art. 220. (...) § 3.º Compete à lei federal: I - regular as diversões e espetáculos públicos,
cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se
recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada;"

(37) Alguns autores importantes, embora percebam a distinção entre indicação e censura,
desenvolvem uma singular interpretação discordante do comando constitucional. É o caso de Ives
Gandra Martins e Celso Ribeiro Bastos, Comentários à Constituição do Brasil, vol. III, t. I, 1992. p.
196: onde se lê, da lavra do primeiro autor: "(...) Entendo que, nada obstante ter sido a intenção dos
constituintes eliminar qualquer tipo de censura (...) não aceito que a competência da União seja
exclusivamente de fazer uma singela indicação dizendo quem deveria ou não assistir aos
espetáculos, sem interferir na diversão (...) Para mim, a censura nos moldes clássicos de qualquer
nação civilizada continua a existir no País, sendo a competência para exercê-la da União". Trata-se,
no fundo, da já conhecida interpretação constitucional retrospectiva, identificada e estigmatizada por
José Carlos Barbosa Moreira, "O Poder Judiciário e a efetividade da nova Constituição". RF 304,
1988. p. 152: nos seguintes termos: "Põe-se ênfase nas semelhanças, corre-se um véu sobre as
diferenças e conclui-se que, à luz daqueles, e a despeito destas, a disciplina da matéria, afinal de
contas, mudou pouco, se é que na verdade mudou. É um tipo de interpretação em que o olhar do
intérprete dirige-se antes ao passado que ao presente, e a imagem que ele capta é menos a
representação da realidade que uma sombra fantasmagórica".

(38) LOPES, Vera Maria de Oliveira Nusdeo. Op. cit.

(39) CRETELLA JR., José. Comentários à Constituição de 1988, 1993, vol. VIII, p. 4504/4505.

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(40) V. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Curso de direito administrativo. 11. ed., 1997. p. 409, e
Marcos Juruena Villela Souto, Aspectos jurídicos do planejamento econômico, 2. ed., 2000. p. 32-33:
"Não se trata, pois, de rejeitar o sistema de mercado, optando por uma economia dirigida; ao revés, a
empresa privada é livre para exercer qualquer atividade, ainda que não tenha qualquer
relacionamento com a proposta estatal de tópicos que levarão ao desenvolvimento econômico e,
através deste, ao bem-estar geral. Não podendo ser-lhe imposta uma linha de atividades, a sua
adesão à planificação, que levará ao desenvolvimento, deverá se dar através do convencimento, ou,
mais especificamente, do incentivo (...)".

(41) GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição (interpretação e crítica), 1990. p.
163-164.

(42) BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, cit., p. 119 et seq.

(43) Passagem do voto do Min. Celso de Mello, ADIn 392-5-DF, rel. Min. Marco Aurélio, DJ
23.08.1991.

(44) Portaria MJ 773, de 19.10.1990, art. 3.º: "A classificação informará a natureza das diversões e
espetáculos públicos, considerando-se, para restrições de horário e faixa etária, cenas de excessiva
violência ou de prática de atos sexuais e desvirtuamento dos valores éticos".

(45) STF, RMS 18.534-SP, relator para acórdão Min. Aliomar Baleeiro, j. 1.º.10.1968, Revista
Trimestral de Jurisprudência 47/792.

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