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222 DAVID E.

ZIMERMAN

superados se o analista manejar bem a situação) e EQUACÃO “8 C”


não é rara a possibilidade de que se instale a tão
temida “reação terapêutica negativa”. Aliás, este Como uma tentativa de sintetizar o essencial
sentimento de ingratidão e de traição que sempre do que foi dito até aqui, proponho um esquema de
acompanha as depressões conseqüentes ao rompi- tipo mnemônico, em que sobressaem sete fatores,
mento com os papéis programados deve ser consi- cujos termos têm a letra “C” como inicial, e que
derado uma quarta causa responsável pelo surgi- estão em permanente interação entre si:
mento da RTN (as outras três são: um superego alta-
mente punitivo; uma inveja excessiva do sucesso do Completude (C1)
psicanalista; um encontro com a terrível depressão Carência (C2)
subjacente, em que jazem feridos e mortos). Cólera (C3)
Culpa (C4)
Castigo (C5)
Pseudodepressões Compulsão à repetição (C6)
Código de valores (C7)
É muito comum que determinados indivíduos Capacidade para ingressar na posição de-
atravessem a vida inteira aparentando desvalia e pressiva (C8)
pobreza que não correspondem às suas realidades.
Pode-se dizer que se trata de um “falso self ao con- Nesse esquema, fica claro que todo indivíduo
trário”. nasce em um estado de total completude (C1) e,
As causas mais freqüentes que levam a essa enquanto dura a fase de indiferenciação entre o “eu”
aparência de esvaziamento e pseudodepressão são e o “outro”, o bebê anela por sua eternização. Como
as seguintes: a mesma é impossível, diante das inevitáveis – e
necessárias – frustrações por parte dos objetos ex-
a) Medo de atrair a inveja retaliadora dos de- teriores provedores, “sua majestade, o bebê”
mais, (um modelo disso é a passagem bí- (Freud, 1914, p. 108) entra em estado de carência
blica de José e seus irmãos. (C2). Conforme o grau e a qualidade da mesma, a
b) Medo de vir a ser considerado, pelos ou- criança desenvolve um estado raivoso de cólera,
tros, uma inesgotável fonte de provimento (C3), que pode atingir o nível de fantasias de cru-
das necessidades deles, e daí o risco de vir eldade e de crime homicida contra os objetos
frustradores. Como decorrência direta dos ataques,
a ser exigido, cobrado e sugado.
reais ou fantasiados, instala-se na criança um esta-
c) Necessidade de proteger as pessoas com do de culpa (C4) pelos eventuais danos que ela te-
quem convive, a partir da fantasia de que nha infligido tanto aos seus objetos como ao seu
um estado de felicidade seu pode ser en- próprio ego. O acompanhante imediato deste esta-
tendido como um tripúdio àquelas pesso- do culposo é a necessidade de castigo (C5), sendo
as, as quais, por isso, ficariam magoadas, que a mesma se reveste das mais diversas formas
humilhadas e deprimidas. de masoquismo, desde as inaparentes até as de alta
d) Necessidade de sofrimento que certos indi- gravidade. É fácil observar nas crianças o fato de
víduos se impõem, como uma espécie de que, após o cometimento da “arte” delituosa, são
“cota de sacrifício”. Trata-se geralmente de castigadas pelos pais e, após isso, sentem-se libe-
pessoas que, quando crianças, foram progra- radas para uma nova transgressão, movidas por uma
forma de compulsão à repetição (C6), até conse-
madas a conseguir as coisas e os afetos de
guirem provocar um novo castigo, e assim por
que necessitavam às custas de muito recla- diante.
mo, choro e sofridas negociações com os O mesmo processo reproduz-se na vida interior
seus pais. O choro fácil é uma manifestação e exterior de muitos dos pacientes de estruturação
habitual nesses pacientes, mas na maioria depressiva. No entanto, é preciso ressaltar que cada
das vezes não expressa um estado de sofri- um dos fatores acima assinalados está impregnado
mento, mas, sim, uma senha para conseguir de fantasias inconscientes, tanto as provindas das
algo, ou não ser dele privado. Pode-se mes- fontes clássicas (e que todos conhecemos bem),
mo dizer que para esses indivíduos pseudo- como também é composto a partir das significações
deprimidos a exibição de sofrimento funcio- que os educadores emprestam à criança e que se
na como um passaporte para o amor. constituem um categórico código de valores (C7).
FUNDAMENTOS PSICANALÍTICOS 223

Em outras palavras: uma mesma “arte” provocada cas. Essa tenaz resistência deve-se ao fato
por duas crianças, em diferentes ambientes familia- de que, como tiveram relevantes perdas pre-
res (ou em uma mesma família que funcione muito coces, sentem-se justificadas a eternizar uma
dissociada) pode resultar em significados totalmen- atitude que, a título de ressarcimento, con-
te opostos. Assim, uma das crianças pode ter sido siste em uma infinita espera que alguém (o
entendida e valorizada, o que faria crescer o seu
analista, na situação analítica, ou a socieda-
núcleo de confiança básica, enquanto a outra pode
ter sido rotulada de criança má, desobediente e cau- de como um todo) devolva o que lhes foi
sadora de sérios estragos. Nesses casos, é a culpa roubado. Por essa razão, são particularmen-
(imputada) que precede o sentimento de crime. te vulneráveis às frustrações e não é raro que
O círculo vicioso dessa compulsividade repeti- passem a maior parte de suas vidas cobran-
tiva somente será desfeito se a criança adquirir uma do e vingando-se das figuras que os abando-
capacidade para atingir a posição depressiva (C8) naram e humilharam. (Este estado de sofri-
e, assim, assumir a sua parcela de responsabilida- mento poderia ser denominado “Complexo
des e puder fazer reparações verdadeiras. de Conde de Monte Cristo”.)
Cada uma das sete etapas acima tem uma cons-
telação particular e, apesar de todas elas estarem Nesses casos, cresce de relevância a atitude
em permanente interação entre si, a ênfase de fixa- interna do psicanalista como fator terapêutico de
ção em uma ou outra pode servir como uma espé- primeira grandeza. Essa atitude é tecida pelos au-
cie de roteiro do tratamento psicanalítico. tênticos atributos de continência, empatia, coerên-
cia, paciência, entre outros, e não deve ser confun-
dida com o papel que o analisando procura delegar
ALGUNS ASPECTOS DO TRATAMENTO ao seu analista: o de um complexo substituto da
DAS DEPRESSÕES sua deficiente maternagem original, que nunca o
frustre e esteja totalmente à sua disposição. Pelo
contrário, a referida atitude analítica significa que
Em relação às depressões endógenas, não cabe
o psicanalista deverá ser introjetado como um ob-
aqui esmiuçar as inequívocas melhoras obtidas pelo
jeto confiável porque consegue conter as suas an-
uso dos modernos recursos psicofarmacológicos,
gústias, dá-lhe limites e não se destrói nem desapa-
tendo em vista que os mesmos pertencem à área da
rece. As sucessivas experiências emocionais dessa
psiquiatria, embora, creio, não haja incompatibili-
natureza, vividas na relação analítica, vão compon-
dade alguma entre a simultaneidade do emprego
do uma “constância objetal” e “uma coesão do self”
da medicação e o prosseguimento normal do pro-
(Mahler, 1975, p.58).
cesso analítico.
Um aspecto prático que vale a pena ressaltar é • Em relação às depressões resultantes de per-
o de que analisando e analista aprendam a reco- das, vale destacar dois aspectos. Um é o que
nhecer as diferenças clínicas constantes de sinais e se refere à diferença que é preciso estabele-
sintomas típicos e específicos entre essas depres- cer entre objeto realmente “bom” e o que é
sões e os estados depressivos de outra natureza. altamente “idealizado”. Ambos podem ser
• Quanto às depressões anaclíticas (situadas muito parecidos, mas, em sua essência, são
entre C1 e C3), é necessário que reconheça- profundamente distintos. Quando a perda for
mos o fato de que este paciente deprimido de um objeto bom, a elaboração processa-se
sofreu uma profunda e precoce perda da mãe de acordo com o luto normal. Quando a per-
e, por isso, desde sempre, mantém-se em um da for de um objeto muito idealizado, o mais
permanente estado de carência, amalgama- provável é que o ego do indivíduo vá sentir-
do com os sentimentos de cólera e desespe- se desamparado, entregue aos objetos maus
rança. Na clínica, tais pessoas, além de mui- e perseguidores, que lhe impõem um convi-
to propensas a somatizações, mostram-se te ao sofrimento e à morte, assim configu-
cronicamente deprimidas, com estado de rando os quadros melancólicos. Nestes ca-
humor amargo e atitude ressentida e poli- sos, o psicanalista também será prematura e
queixosa. No fundo, são vingativas e ranco- intensamente idealizado. A recomendação
rosas, sendo que isso pode traduzir-se em técnica é a de que ele aceite essa idealização
importantes resistências a mudanças psíqui- tão necessária para o equilíbrio de seu pa-

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