Você está na página 1de 20

CADEIAS

PRODUTIVAS DO
AGRONEGÓCIO I –
PROPRIEDADE
AGRÍCOLA E
PRODUÇÃO

Alan Malinsk
Agronegócio e sistemas
de produção
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Definir uma base conceitual para a implantação de sistema de pro-


dução vinculada à cadeia do agronegócio.
„„ Descrever os processos e meios para a implementação de sistemas
de produção.
„„ Construir sistemas de produção efetivos para o agronegócio.

Introdução
Os sistemas de produção são um dos componentes da cadeia produtiva
do agronegócio no âmbito da propriedade rural. Eles são definidos a
partir dos fatores de produção (terra, capital e mão de obra) e estão
interligados pelos processos de gestão (ambiental, de pessoas, econômica,
de mercado, entre outras).
Neste capítulo, você vai ver aspectos conceituais de sistemas de pro-
dução. Além disso, vai conhecer os processos e elementos necessários
para sua implementação ou seu aperfeiçoamento.

Conceitos para a implantação de sistemas de


produção
As atividades econômicas, tecnológicas, políticas e sociais vinculadas à pro-
dução, à transformação, à distribuição e ao consumo da produção primária
(animal ou vegetal) têm merecido atenção destacada na comunidade mundial.
Esse fato está relacionado à função que esses produtos, em especial os ali-
mentares, desempenham em qualquer grupo social.
2 Agronegócio e sistemas de produção

Durante as últimas décadas, tem-se intensificado a percepção de que o


mundo está vivenciando uma etapa de transição agrícola. A preparação de
sistemas de produção inovadores na agricultura mundial vem se defrontando
com distintas transformações dos padrões do comércio globalizado.
Como você sabe, a função primordial do alimento é a manutenção da vida.
Além disso, a produção de alimentos envolve fatores ligados aos aspectos
antropológicos, sociológicos, ambientais e econômicos, que conferem os
valores comportamentais e a identidade cultural a uma população.
As demandas crescentes por alimentos, fibras e energia estão incorporadas
à necessidade de preservação ambiental e à disponibilidade limitada de terras
para a expansão da área cultivada. Isso exige que as organizações agrícolas
identifiquem, criem, compartilhem e apliquem conhecimentos e tecnologias
adequados. Você pode considerar que o setor agrícola vivencia uma nova
situação. E essa situação deverá ser fundamentada no uso intensivo de dados,
informações e conhecimentos (a respeito das pessoas, dos processos e das
tecnologias), que devem ser apropriados pelas organizações rurais. Essa gestão
deverá resultar no aumento da produtividade e na racionalização do uso dos
recursos naturais, dos meios de produção e dos insumos, com o propósito de
garantir sustentabilidade aos sistemas de produção agrícola.
As atividades produtivas passaram a integrar amplo processo social de
pesquisa e desenvolvimento, planejamento estratégico, inovação e marketing.
Dessa forma, a agricultura deixou de ser, pela aliança com o setor industrial,
um setor isolado da economia de qualquer sociedade para se tomar parte inte-
grante de um conjunto maior de atividades inter-relacionadas: o agronegócio.
Em 1957, Davis e Goldenber elaboraram um dos primeiros conceitos de
agronegócio (agribusiness):

[...] a soma total das operações de produção e distribuição de insumos agríco-


las; as operações de produção nas propriedades agrícolas; o armazenamento,
processamento e distribuição dos produtos agrícolas e itens produzidos a
partir deles.
Agronegócio e sistemas de produção 3

„„ Insumo: é a combinação de fatores de produção diretos (matérias-primas) e indiretos


(mão de obra, energia, tributos) que entram na elaboração de certa quantidade
de bens ou serviços.
„„ Produção: é o trabalho do agropecuarista por meio do cultivo do solo e/ou da cria-
ção de animais, independentemente do tamanho da área ou do método utilizado.
„„ Processamento: é a transformação do produto agropecuário em subprodutos,
que podem ser bens de consumo ou insumos para outros processos, como leite,
queijos, carnes, embutidos, rações, fios e corantes.
„„ Armazenagem e distribuição: caracterizam-se pelo transporte, pela armazena-
gem e pela distribuição dos bens agropecuários, bem como pela área de logística,
importante para diminuir os custos e sempre bastante visada.

O termo agribusiness espalhou-se e foi adotado por diversos países. No


Brasil, essa nova visão da agricultura levou algum tempo para chegar. Só a
partir da década de 1980 começou a haver difusão do termo, ainda em inglês.
Não eram raras as discussões sobre a utilização da versão estrangeira ou
a tradução literal para o português (“agronegócios”), ou ainda sobre o uso
das expressões complexo agroindustrial, cadeias agroeconômicas e sistema
agroindustrial; todas, como você pode perceber, com a intenção de transmitir
um mesmo significado. Somente a partir da segunda metade da década de
1990 é que o termo “agronegócio” começou a ser aceito e adotado de forma
hegemônica (MASSILON, 2005).
Em 1968, Ray Goldberg utilizou um conceito mais generalista com estudos
de casos específicos — produtos agrícolas norte-americanos como laranja, soja
e trigo — e apresentou a necessidade de entender o agronegócio da perspectiva
dos sistemas agroindustriais, introduzindo o conceito de Commodity System
Approach (CSA). Esse autor define CSA como:

[...] todos os participantes envolvidos na produção, processamento e marketing


de um produto específico. Inclui o suprimento das fazendas, operações de
estocagens, processamento, atacado e varejo envolvidos em fluxo desde a
produção de insumos até o consumidor final. Inclui as instituições que afetam
e coordenam os estágios sucessivos do fluxo do produto, tais como governo,
associações e mercados futuros.
4 Agronegócio e sistemas de produção

Como você pode observar, esse conceito de CSA tem por origem matérias-
-primas, no caso, uma commodity, que pode possibilitar o surgimento de outros
produtos distintos. Ele evolui com questões associativas e governamentais,
com foco no consumidor final. No caso da soja, por exemplo, duas grandes
categorias de produtos finais se destacam: o farelo de soja e o óleo de soja
(BATALHA; SCARPELLI, 2005; MASSILON, 2005).
Na década de 1960, surge na França o conceito de filiere (em português,
“fileira”, “cadeia”) aplicado ao agronegócio. A análise da filiere (ou “cadeia
produtiva” em português) de cada produto agropecuário permite visualizar as
ações e inter-relações entre todos os agentes que a compõem e dela participam.
As principais características de cadeias produtivas são as seguintes, de acordo
com Albagli et al., citado por Massilon (2005):

„„ refere-se ao conjunto de etapas consecutivas pelas quais passam, se


transferem e se transformam os diversos insumos que ingressam no
sistema, em ciclos de produção, distribuição e comercialização de bens
e serviços;
„„ implica divisão de trabalho, na qual cada agente ou conjunto de agentes
realiza etapas distintas do processo produtivo;
„„ amplia os aspectos locais para além de uma mesma região ou localidade;
„„ setoriza os sistemas de produção para dentro das empresas.

Batalha e Scarpelli (2005) comentam que os estudiosos brasileiros, quando


analisam o conjunto de todas as cadeias agroindustriais vinculadas a produ-
tos de determinada matéria-prima do setor agropecuário (soja, milho, cana,
carnes, entre outros), tem caracterizado esse conjunto como um complexo
agroindustrial.
A compreensão do agronegócio, em todos os seus componentes e suas
inter-relações, é uma ferramenta indispensável a todos os tomadores de deci-
são, sejam autoridades públicas, agentes econômicos privados ou produtores
rurais, para que formulem políticas e estratégias com maior previsão e má-
xima eficiência. E, para tanto, se faz necessária uma visão sistêmica do setor
(HIRAKURI et al., 2012).
Agronegócio e sistemas de produção 5

Nesse contexto, um sistema é definido como a combinação de partes inter-


ligadas, formando um todo organizado ou complexo (CHIAVENATO, 2000).
Neste capítulo, você vai se deparar com o conceito de sistema de produção
proposto por Hirakuri et al. (2012): “O sistema de produção é composto pelo
conjunto de sistemas de cultivo e/ou de criação no âmbito de uma propriedade
rural, definidos a partir dos fatores de produção (terra, capital e mão de obra)
e interligados por um processo de gestão” (HIRAKURI et al., 2012, p. 13).

Como implementar um sistema de produção


Um sistema de base agroindustrial é composto pelas fases sequenciais da
cadeia produtiva, englobadas pelos ambientes institucional e organizacional. As
fases da produção são interligadas por transações típicas, que caracterizam o
sistema e, muitas vezes, caracterizam as estratégias e tempos (Tn) diferenciados
das empresas que nele atuam. Em um mesmo sistema, você pode observar
diferentes arranjos das transações (Figura 1).

Figura 1. Sistema de base agrícola.


Fonte: Adaptada de Zylbersztajn (1995).

Walters et al (2016) destacam que os sistemas de produção agrícola sofrem


alterações rápidas em resposta às mudanças nos custos de produção, à demanda
do consumidor e às preocupações crescentes pela segurança alimentar e pelo
impacto ambiental. A grande preocupação global é a necessidade de desenvolver
sistemas de produção que abordem os aspectos sociais, a conservação ambiental
e a qualidade do alimento, mantendo uma alternativa economicamente viável
para os agricultores.
6 Agronegócio e sistemas de produção

Os princípios que o conceito de sistemas enfatiza são destacados por Capra (1996):
„„ Visão do todo: a abordagem sistêmica visa ao estudo do desempenho total de
sistemas em vez de se concentrar isoladamente nas partes.
„„ Interação e autonomia: sistemas são sensíveis ao meio ambiente com o qual eles
interagem, o qual é geralmente variável, dinâmico e imprevisível. A fronteira do
sistema estabelece os limites da autonomia interna, a interação entre os compo-
nentes do sistema e a relação deste com o ambiente.
„„ Organização e objetivos: em um sistema imperfeitamente organizado, mesmo
que cada parte opere o melhor possível em relação aos seus objetivos específicos,
os objetivos do sistema como um todo dificilmente serão satisfeitos.
„„ Complexidade: esse enfoque parte do princípio de que, devido a interações entre
os componentes e entre o meio ambiente e o sistema como um todo, este é bem
mais complexo e mais abrangente do que a soma das partes individuais.
„„ Níveis: sistemas podem ser entendidos em diversos níveis. Considere, por exem-
plo, uma célula, uma folha, um animal, uma propriedade, uma região, o planeta
e assim por diante.

Para um panorama geral das teorias sistêmicas e do pensamento sistêmico, consulte


o livro Pensamento sistêmico: o novo paradigma da ciência (VASCONCELLOS, 2002).

A implantação ou a melhoria de um sistema de produção independe ex-


clusivamente do anseio do produtor rural e deve ter vínculo direto com a
disponibilidade dos fatores de produção. Um aspecto decisivo é a necessidade
de que o sistema seja estruturado e planejado estrategicamente com foco nos
objetivos e metas que, ao serem elaborados, devem levar em conta as demandas
do mercado consumidor.
Segundo Antle, Jones e Rosenzweig (2017), a nova geração de modelos de
sistemas agrícolas deve acelerar o progresso em direção ao objetivo de enfrentar
desafios de segurança alimentar e bioenergias de forma sustentável. Mas, para
ser uma parte útil desse processo de inovação agrícola, os modeladores de
sistemas agrícolas devem evoluir e romper a continuidade dos sistemas usuais.
Agronegócio e sistemas de produção 7

Processos e elementos para a construção de sistemas


de produção
Na atualidade, há um intenso debate acerca das abordagens e intervenções
para o desenvolvimento de sistemas agrícolas. Soma-se a isso a distância
cognitiva entre modelos diferentes de percepção do mundo. Os cenários que
emergem dos censos agropecuários mundiais mostram que a maior parte dos
agricultores do mundo é pobre, vive nos países subdesenvolvidos, trabalha
em pequenas áreas e está distante, em diversos graus, dos conhecimentos e
práticas propostos pela ciência agrícola moderna (AZEVEDO, 2007).

A ideia de sistema representa um conceito antigo, originário da palavra grega synhis-


tanay (que significa “colocar junto”).

A evolução na direção do pensamento sistêmico vem ocorrendo em várias


áreas da ciência, inclusive na agricultura. Nessa área, o enfoque sistêmico tem
se tornado cada vez mais importante em função da crescente complexidade
de sistemas organizados e manejados pelo humano — os agroecossistemas.
Além disso, está em jogo a emergência do paradigma da sustentabilidade, que
lançou novos desafios às organizações rurais, sobretudo em relação à questão
socioambiental (PINHEIRO, 2000).
Para efeitos de análise, neste capítulo “ [...] um sistema é definido como
um conjunto de componentes inter-relacionados e organizados dentro de uma
estrutura autônoma (propriedade rural), operando de acordo com objetivos
determinados” (PINHEIRO, 2000).
8 Agronegócio e sistemas de produção

Para trazer o conceito de propriedade rural para o plano da experiência vivida, Azevedo
(2007) comenta que é necessário considerar que nesses locais há pessoas, animais e
plantas desejadas, animais e plantas indesejadas, terra para se plantar, água, conheci-
mento, trabalho, sonhos, desejos, expectativas e outros inumeráveis objetos-chave.
Tudo isso, ao se combinar, se transforma na organização rural, novo objeto-chave
emergido das relações entre esses primeiros objetos. Entendida assim, a propriedade
deixa de ser um “objeto” puramente material e passa a ser um conceito.

Para a elaboração de modelos conceituais nos sistemas de produção do


agronegócio, os modelos de sistemas agrícolas têm inúmeras peculiaridades.
Estas, por sua vez, dependem dos processos envolvidos, de suas escalas e
da ampla gama de propósitos que motivaram seu desenvolvimento (JONES
et al., 2017). Na Figura 2, você pode ver escalas/níveis em que os modelos
de sistemas agrícolas são desenvolvidos, juntamente aos tipos de usuários e
decisões e políticas de interesse.

Figura 2. Níveis e escalas de sistemas agrícolas em função de usuários, tomada de decisão


e políticas de interesse.
Fonte: Jones et al. (2017, p. 248).
Agronegócio e sistemas de produção 9

Outro conceito-chave para a compreensão dos sistemas é o de complexidade.


Ele pode ser depreendido da dificuldade, ou até mesmo incapacidade, de se
perceber com facilidade e de modo intuitivo o funcionamento dos sistemas.
É consequência do número de elementos que podem ser isoladamente defini-
dos, bem como do número e da natureza das relações estabelecidas entre os
elementos (AZEVEDO, 2007).
Antle, Jones e Rosenzweig (2017) mostram que a maioria dos produtores
precisa de modelos de sistemas que representem fazendas na sua integralidade.
Em particular, para fazendas de pequeno porte no mundo em desenvolvimento,
são necessários modelos que levem em conta as interações entre cultivos múl-
tiplos e, muitas vezes, gado. No entanto, muitos modelos de sistemas agrícolas
representam apenas culturas únicas e têm capacidade limitada para simular
interações ou inter-relações entre vegetais e gado. Por quê? Uma explicação
é que muitos modelos foram desenvolvidos nas partes mais industrializadas
do mundo, onde as principais culturas de commodities são produzidas. Outra
explicação é que os modelos de culturas individuais são mais fáceis de criar,
exigem menos recursos computacionais e são conduzidos por um conjunto
menor de dados do que os modelos de rotações de culturas, policultivos ou
sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta.
Um primeiro passo para perceber o potencial dos modelos de sistemas
agrícolas é reconhecer que a maioria dos trabalhos tem sido realizada por
cientistas em instituições de pesquisa ou acadêmicas. Portanto, é motivada
por pesquisas e considerações acadêmicas mais do que pelas necessidades dos
usuários. Um grande desafio para o desenvolvimento de uma nova geração de
modelos, projetados para atender às necessidades dos usuários, é transformar
o processo de desenvolvimento do modelo “na sua cabeça”, começando com
as necessidades dos usuários e voltando aos modelos e dados necessários para
quantificar a relevância das saídas do sistema de produção (ANTLE; JONES;
ROSENZWEIG, 2017).
Na Figura 3, você pode ver um panorama das características dos dados
de nível de fazenda e das ferramentas de decisão, assim como dos dados em
escala de paisagem e das ferramentas analíticas que suportam políticas de
base científica e suas inter-relações. Conforme descrevem Capalbo, Antle e
Seavert (2017), embora a tomada de decisões ao nível da fazenda e a análise
da escala de paisagem tenham propósitos diferentes, ambas dependem tanto
dos dados privados quanto das características específicas do terreno e da
fazenda, das decisões de gerenciamento específicas da região e do que é
10 Agronegócio e sistemas de produção

realizado na propriedade, bem como de dados públicos (clima e outros dados


físicos que descrevem um local específico, além de preços e outros dados
econômicos disponíveis publicamente). Uma questão-chave para o projeto
da infraestrutura de conhecimento agrícola é como ambos os tipos de dados
podem ser coletados, gerenciados e utilizados de forma eficiente e segura.

Figura 3. Ligações entre dados e ferramentas de decisão em escala de fazenda e paisagem.


Fonte: Antle et al (2015, p. 248).
Agronegócio e sistemas de produção 11

Euclides Filho (2000) destaca que sistemas de produção de gado de corte são o
conjunto de tecnologias e práticas de manejo. Eles incluem também o tipo de animal,
o propósito da criação, a raça ou grupamento genético e a ecorregião onde a atividade
é desenvolvida. Devem-se considerar, ainda, ao se definir um sistema de produção,
os aspectos sociais, econômicos e culturais. Afinal, como você sabe, esses fatores têm
influência decisiva, principalmente nas modificações que poderão ser impostas por
forças externas e, especialmente, na forma como tais mudanças deverão ocorrer para
que o processo seja eficaz e as transformações alcancem os benefícios esperados.
Permeando todas essas considerações, devem estar a definição do mercado e a
demanda a ser atendida, ou seja, quais são e como devem ser atendidos os clientes
ou consumidores.

Construir e alterar sistemas de produção


Empresas, organizações não governamentais, organizações de representação
setorial, governos e consumidores foram afetados pelo ciclo de reorgani-
zação em todos os sistemas produtivos que sucedeu à chamada revolução
verde. O período subsequente à Segunda Guerra Mundial foi caracterizado
pelas mudanças tecnológicas e pelo aumento da produção de alimentos. Já o
período contemporâneo caracteriza-se pelo foco na gestão e na governança
dos sistemas de produção.
Zylberstajn (2013) comenta sobre o debate da desindustrialização brasi-
leira, que alguns autores associam ao avanço dos sistemas de base agrícola
(Figura 1). Esses autores sugerem que a performance do agronegócio se dá
em detrimento da atividade industrial. Zylberstajn afirma que conceito de
indústria ou de atividade industrial não exclui a agricultura. Nesse sentido, a
atividade industrial é aquela que produz mercadorias em grande escala, e as
atividades agrícolas são as que geram grandes impactos nos setores conecta-
dos a ela, como máquinas agrícolas, insumos de sanidade vegetal e animal,
equipamentos industriais, serviços, etc.
Nesse contexto, o autor sugere quatro fatores críticos em sistemas de
base agrícola: desverticalização, novos atores, flexibilização e redesenho dos
sistemas de direito de propriedade. A seguir, você vai conhecer melhor cada
um desses aspectos.
12 Agronegócio e sistemas de produção

„„ Desverticalização: tem origem na industrialização da agricultura.


A unidade de produção agrícola e o sistema de base agrícola podem
ser vistos como firma “coasiana”, ou seja, um nexo de contratos entre
agentes especializados. Tal definição extrapola consideravelmente a da
firma agrícola tradicional, que era tratada na teoria da firma. A firma
vista pela teoria da produção nada tem a ver com a firma agrícola
do mundo real. Como decorrência, o processo de desverticalização
da atividade agrícola prossegue com o surgimento de mecanismos
contratuais complexos. A cooperação entre agentes especializados
visando à criação de valor pode ser uma forma superior aos processos
de produção totalmente integrados verticalmente.

Na produção da soja em regiões com dupla safra de soja e milho, a especificidade


temporal impede que contratos externos sejam realizados. O produtor precisa ter o
seu próprio equipamento, pois tem poucas horas para colher uma safra e plantar a
safra seguinte. Soluções mistas são comuns, casos em que o produtor contrata uma
parte da atividade e integra a outra parte.

„„ Novos atores: existem algumas regularidades quanto às características


dos novos gestores de organizações agrícolas, como a tendência a residir
na área urbana, o aumento do acesso à rede mundial, o aumento do
grau de escolaridade e a faixa etária que se eleva ao longo do tempo.
Os novos atores passaram a atuar nos sistemas de base agrícola, como
os fundos de investimento, e os investidores individuais focalizam as
atividades com gestão profissionalizada. Em decorrência, emergiu
a governança corporativa, e os aspectos ligados à sucessão familiar
passaram a representar importantes temas.
Agronegócio e sistemas de produção 13

Nas granjas integradas ou autônomas de suínos e aves, se observa também o cresci-


mento das agroholdings, empresas de investidores corporativos geridas profissional-
mente, em geral com múltiplas unidades.

„„ Flexibilização: esse aspecto decorre da intensificação do comércio


internacional, que caracterizou a segunda metade do século XX, inau-
gurando uma nova configuração do mapa estratégico global. Para os
sistemas de base agrícola brasileiros, dois elementos são relevantes, a
saber: o crescimento da renda doméstica e as exportações de commo-
dities. A flexibilidade surge como fator de competitividade, uma vez
que se considera a diversidade dos perfis dos mercados doméstico,
internacional de baixa exigência e internacional com exigências espe-
ciais. Como implicação, surgem o estabelecimento de contratos com
parceiros internacionais, o conhecimento dos ambientes institucionais
regulatórios dos países de destino, assim como o desenvolvimento de
mecanismos de monitoramento e de informações compatíveis com as
necessidades.

Como exemplo de flexibilização, você pode considerar os programas de estudo


financiados pela comunidade europeia. Eles buscam desenvolver conhecimento sobre
os sistemas de suprimento nos países originadores (rastreabilidade).

„„ Redesenho dos sistemas de direito de propriedade: a teoria econômica


dos direitos de propriedade foi ampliada com a aplicação do seu conceito
no estudo de sistemas de base agrícola. Assim, tem coberto aspectos de
qualidade e segurança do alimento, direito do consumidor, estratégias
de cobrança por atributos, estudos de preferência dos consumidores e
demanda por atributos, entre outros. Isso destaca os papéis dos con-
sumidores, dos stakeholders e das gerações futuras, que introduzem
aspectos novos a serem considerados nos sistemas de produção.
14 Agronegócio e sistemas de produção

O direito do consumidor é um exemplo do redesenho dos sistemas, de modo especial


quanto à informação sobre os atributos existentes no produto. Toda a indústria de
certificação tem a sua base estabelecida a partir da necessidade de revelar informações
sobre atributos não observáveis, informações estas que são objeto da transação.

Os sistemas de produção
Os sistemas de produção foram classificados pela complexidade e pelo grau
de interação entre cultivo e/ou criação, processos que os formam. Em relação
à sua complexidade, os sistemas de produção podem ser classificados como:

„„ Sistema em monocultura ou produção isolada: ocorre quando, em


determinada área, a produção vegetal ou animal se dá de forma isolada
em um período específico, que normalmente é categorizado como um
ano agrícola. Como exemplo de monocultura, você pode considerar o
cultivo de soja intercalado por períodos de pousio e realizado durante
vários anos na mesma gleba.

O pousio sem cobertura tem efeitos negativos sobre as propriedades dos solos.

„„ Sistema em sucessão de culturas: ocorre quando se tem a repetição


sazonal de uma sequência de duas espécies vegetais no mesmo espaço
produtivo por vários anos. Por exemplo, em uma determinada gleba,
pode ser adotado um sistema de sucessão soja-trigo, sendo o cultivo
da soja na primavera e no verão e o do trigo no outono e no inverno.
„„ Sistema em rotação de culturas: ocorre por meio da alternância or-
denada, cíclica (temporal) e sazonal de diferentes espécies vegetais em
um espaço produtivo específico.
Agronegócio e sistemas de produção 15

„„ Sistema em consorciação de culturas ou policultivo: ocorre quando


duas ou mais culturas ocupam a mesma área agrícola em um mesmo
período de tempo.
„„ Sistema em integração: ocorre quando sistemas de cultivo/criação de
diferentes finalidades (agricultura ou lavoura, pecuária e floresta) são
integrados entre si, em uma mesma gleba, com o intuito de maximizar
o uso da área e dos meios de produção, bem como de diversificar a
renda. Nesse contexto, destacam-se quatro possíveis tipos de sistemas
integrados:
■■ lavoura-pecuária (soja e milho com sucessão de pastagem);
■■ lavoura-floresta (soja nas entrelinhas do eucalipto);
■■ pecuária-floresta (gado sobre pastagem em reflorestamento de
eucalipto);
■■ lavoura-pecuária-floresta (cultivo de milho seguido de pastagem
com entrada de bovinos em área de eucalipto).

O sistema de cultivo refere-se às práticas comuns de manejo associadas a determinada


espécie vegetal. Ele visa à produção a partir da combinação lógica e ordenada de um
conjunto de atividades e operações. No caso da produção animal, esse processo é
chamado de sistema de criação.

ANTLE, J. M. et al. Towards a new generation of agricultural system models, data, and
knowledge products: model design, improvement and implementation. New York:
AgMIP, 2015.
ANTLE, J.M.; JONES, L. W.; ROSENZWEIG, C. New generation agricultural system models,
data, and knowledge products: introduction. Agricultural systems, v. 155, July 2017.
AZEVEDO, R. A. B. Análise e descrição de sistemas agrícolas: teorias para não natu-
ralização da agricultura. Revista Verde, v.2, n.2, p. 01–26, jul./dez. 2007. Disponível em:
<http://www.gvaa.com.br/revista/index.php/RVADS/article/viewFile/40/40>. Acesso
em: 23 mar. 2018.
16 Agronegócio e sistemas de produção

BATALHA, M. O.; SCARPELLI. M. Gestão do agronegócio: aspectos conceituais. In:


BATALHA, M. O. (Ed.). Gestão do agronegócio: textos selecionados. São Carlos: EduU-
FSCar, 2005. p. 9-25.
CAPALBO, S. M.; ANTLE, J. M.; SEAVERT, C. Next generation data systems and know-
ledge products to support agricultural producers and science-based policy decision
making. Agricultural systems, v. 155, p. 191-199, July 2017.
CAPRA, F. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São
Paulo: Cultrix, 1996.
DAVIS, J. H.; GOLBERG, R. A. A concept of agribusiness. Boston: Harvard University
Press, 1957.
EUCLIDES FILHO, K. Produção de bovino de corte e o trinômio genótipo-ambiente-
-mercado. Campo Grande: EMBRAPA Gado de Corte, 2000.
HIRAKURI, M. H. et al. Sistemas de produção: conceitos e definições no contexto agrícola.
Londrina: Embrapa Soja, 2012. (Embrapa Soja. Documentos, 335).
JONES, J. W. et al. Brief history of agricultural systems modeling. Agricultural systems,
v. 155, p. 240-254, July 2017.
MASSILON, J. A. Fundamentos de agronegócios. São Paulo: Atlas, 2005.
PINHEIRO, S. L. G. O enfoque sistêmico e o desenvolvimento rural sustentável: uma
oportunidade de mudança da abordagem hard-systems para experiências com soft-
-systems. Agroecologia e desenvolvimento sustentável, v.1, n.2, p.27-37, 2000.
WALTERS, J. P. et al. Exploring agricultural production systems and their fundamental
components with system dynamics modelling. Ecological modelling, v. 333, p. 51–6,
Aug. 2016.
ZYLBERSTAJN, D. Administração de sistemas de base agrícola: análise de fato-
res críticos. Revista de Administração, São Paulo, v. 48, n. 2, p.203-207, abr./jun.
2013. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi
d=S0080-21072013000200002>. Acesso em: 23 mar. 2018.
ZYLBERSZTAJN, D. Estrutura de governança e coordenação do agribusiness: uma aplicação
da nova economia das instituições. 1995. 241 f. Tese (Livre-Docência) – Faculdade de
Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995.

Leitura recomendada
VASCONCELOS, M. J. E. Pensamento sistêmico: o novo paradigma da ciência. São
Paulo: Papirus, 2002.
Conteúdo:

Você também pode gostar