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DESAFIOS DO TRATAMENTO PSICOSSOCIAL DO AUTISMO

Prof. Dr. Vitor Geraldi Haase1

Luana Teixeira Batista2

Thalita K. Flores Cruz3

Renato Guimarães Loffi4

O autismo ou Transtorno do Espectro Autista (TEA) é o transtorno do


neurodesenvolvimento de maior prevalência atualmente e, ao mesmo tempo, aquele
com maior potencial de impacto pessoal, familiar, social e econômico (Bölte et al.,
2018). O TEA é definido como um transtorno do neurodesenvolvimento que se inicia
na infância e compromete principalmente três domínios funcionais definitórios: a) a
interação, relações sociais e comunicação verbal e não-verbal; b) a capacidade de
imaginação e meta-representação simbólica, refletindo-se em restrição do repertório
comportamental e dos interesses, além de resistência à mudança; c) alterações da
sensopercepção sob a forma de hipo- ou hipersensibilidade sensorial (American
Psychiatric Association, 2013). Nas últimas décadas ocorreu uma mudança drástica
na epidemiologia clínica do TEA, com aumento exponencial na frequência de
diagnósticos e, consequentemente, de necessidades de intervenção (Russell, 2021,
Siegel, 2018). No presente texto, são revisados os desafios assistenciais atualmente
colocados pelo TEA. O texto é subdividido em sete seções, compreendendo: a)

1
Médico; Doutor em Psicologia Médica (LMU zu München); Professor Titular aposentado do Departamento de Psicologia da
UFMG; Fundador do Laboratório de Neuropsicologia do Desenvolvimento (LND-UFMG); ID Lattes: 2208591466035438

2
Psicóloga; Mestre em Neurociências (UFMG); Doutoranda em Psicologia (UFMG). ID Lattes: 183137818294988

3 Fisioterapeuta; Especialista Profissional em Fisioterapia Neurofuncional, com área de atuação na criança e no adolescente
(COFFITO/ABRAFIN); Mestre e Doutora em Neurociências (UFMG). ID Lattes: 3405831253390974

4
Fisioterapeuta; Especialista em Aprendizagem Motora (USP); Especialista em Neurologia (PUC/MG); Especialista em
Fisioterapia Neurofuncional (ABRAFIN); Especialista em Ortopedia e Esportes (UFMG); Especialista em Geriatria (FCMMG);
MBA em Gestão, Inovação e Serviços de Saúde - PUC RS; Especializando em Neurociências e Comportamento - PUC RS;
Especializando em Neurociências, Educação e Desenvolvimento Infanil - PUC - RS.

1
Prevalência; b) Etiologia; c) Impacto individual; d) Impacto familiar; e) Impacto
socioeconômico; f) Eficácia dos tratamentos disponíveis; g) Imperativo ético.

PREVALÊNCIA

O CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA) começou a monitorar


a prevalência de TEA em 1996. Em 2002 a prevalência estimada era de 1:150
crianças, e em 2016 1:54 crianças. No relatório mais recente, a estimativa revelou a
taxa de uma criança com diagnóstico de TEA para 44 crianças (CDC, Maenner et al.,
2021; Global Autism Prevalence Map).

ETIOLOGIA

A etiologia do TEA é considerada multifatorial, significando que o TEA resulta da


interação complexa de múltiplas influências genéticas e ambientais, interagindo de
forma epigenética (Russell, 2021). A importância das influências ambientais na
etiologia do TEA cresceu nas últimas décadas, refletindo-se no aumento da
prevalência. O aumento de mais 70% na prevalência de TEA em algumas poucas
décadas não pode ser explicado por influências genéticas, uma vez que o tempo
decorrido é muito exíguo para modificar a arquitetura genética da população.
Entretanto, os fatores ambientais ainda não foram esclarecidos. Uma hipótese é que
agentes biológicos, tais como poluentes, álcool, cocaína etc., possam modificar
epigeneticamente os padrões de expressão de genes de susceptibilidade a ao
autismo, aumentando sua incidência (Carter & Blizard, 2016, Oztenekecioglu et al.,
2021).

Além de ser causado por interação complexa entre múltiplas influências genéticas e
ambientais, o TEA pode ter etiologias específicas, genéticas ou ambientais (Richards
et al., 2015). Diversas síndromes genéticas são implicadas na etiologia do TEA. As
principais síndromes potencialmente associadas ao autismo, com suas respectivas
frequências populacionais são a Síndrome de Down (1:800), Williams (prevalência
populacional de 1:8000), Sítio Frágil no Cromossoma X (1:400 em meninos, 1:8000

2
em meninas), Turner (1:2000 em meninas), Klinefelter (1:500 em meninos),
Velocardiofacial (1:4000), Angelman (1:15000), Esclerose tuberosa (1:10000), Rett
(1:10000 em meninas) etc. O TEA também tem etiologias ambientais específicas,
principalmente as síndromes fetais alcoólica e cocaínica, com uma frequência
populacional de no mínimo 1%.

A maioria das causas específicas de TEA é composta por doenças raras, as quais
são definidas como aquelas condições com uma prevalência menor do que 1:1250
na União Européia (Schieppati et al., 2008) e 1:2000 nos EUA (Robertoux & De Vries,
2011). É importante, entretanto, ressaltar que essas condições são raras apenas
quando consideradas isoladamente. Como um todo, as doenças raras têm uma
prevalência de vida estimada em 5%. Ou seja, um contingente expressivo da
população manifesta sintomas de alguma doença rara ao longo da sua vida,
constituindo um importante problema de saúde pública. Os avanços nos métodos de
diagnóstico genético, principalmente hibridização genômica comparativa em
microarranjo de DNA (arrayCGH), estão permitindo a identificação de novas etiologias
genéticas específicas, previamente não identificadas (Tammimmies et al., 2015).

IMPACTO INDIVIDUAL

O TEA é o transtorno do neurodesenvolvimento com maior potencial de impacto


individual (Bölte et al., 2018, Schiaritti et al, 2018). Os impactos individuais do TEA
podem ser operacionalizados através da Classificação Internacional de
Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (Organização Mundial da Saúde, 2001, vide
Figura 1). O TEA se associa com múltiplos comprometimentos no nível da “Estrutura
e Funções do Organismo”, tais como deficiência intelectual em ao menos 30% dos
indivíduos, diversas formas de psicopatologia internalizante e externalizante, atrasos
e transtornos no desenvolvimento da linguagem oral e na aprendizagem escolar,
transtornos neuromotores e neurossensoriais etc. No nível das “Atividades”, os
indivíduos com TEA apresentam dificuldades para adquirir tanto habilidades simples
quanto complexas da vida diária (se alimentar, se vestir, trabalhar, fazer compras
etc.). No nível da “Participação”, os indivíduos com TEA apresentam dificuldades para
viver de forma independente, manter uma ocupação remunerada etc.

3
Figura 1. Modelo da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. Adaptado de: Schiariti; Mahdi & Bölte, 2018

4
As pessoas com TEA necessitam enfrentar também diversas barreiras ambientais,
principalmente com o preconceito, constituindo os “Fatores Ambientais”. Essas
dificuldades se refletem subjetivamente em “Fatores Pessoais” sob a forma de
redução da autoeficácia e diminuição da qualidade de vida. A gravidade, diversidade
e complexidade dos comprometimentos individuais potencialmente associados ao
TEA impõe demandas de assistência multiprofissional, idealmente sob a forma de
uma equipe interdisciplinar.

IMPACTO FAMILIAR

O TEA é o transtorno do neurodesenvolvimento com maior potencial de impacto


familiar (Dai & Carter, 2022). Sempre que nasce uma criança, os pais e a família
ampliada necessitam realizar uma série de acomodações, relacionadas ao cuidado
que a criança exige, à divisão das tarefas domésticas, aos gastos impostos pelas
necessidades da criança (Gallimore et al., 1993). As acomodações necessárias são
maiores e inesperadas no caso de a criança apresentar algum transtorno do
neurodesenvolvimento. E maiores ainda para as crianças de famílias com TEA (Dai
& Carter, 2022, Siegel, 2003, 2018). As crianças com TEA não respondem
socialmente da forma esperada e, frequentemente, apresentam alterações sensoriais
e comportamentais que dificultam muito o estabelecimento de uma rotina familiar
significativa. O relacionamento conjugal é afetado. O risco de divórcio e/ou abandono
da criança e da mãe pelo pai é alto. Um dos pais, geralmente a mãe, necessita
afastar-se das suas atividades laborais para cuidar da criança, reduzindo
drasticamente o orçamento familiar. A multiplicidade e intensidade das terapias
necessárias impõe demandas importantes tanto do ponto de vista financeiro quanto
do ponto de vista do tempo e energia que precisam ser investidos. Essas demandas
são redobradas quando os tratamentos não são dispensados por uma equipe
multidisciplinar, exigindo que a mãe se desdobra entre múltiplas clínicas, profissionais
e escola, monopolizando sua agenda na maior parte dos dias da semana. As
demandas impostas são tamanhas que ser pai ou mãe de uma criança com autismo
passa a ser a característica identitária predominante da pessoa.

5
IMPACTO SOCIOECONÔMICO

Os custos sociais e econômicos associados ao TEA são elevados. Nos EUA, apenas
14% dos indivíduos adultos com TEA conseguem manter uma ocupação remunerada
e apenas 20% conseguem viver sozinhos e de forma autônoma (Roux et al., 2017).
Uma estimativa do custo econômico associado ao TEA realizada no Reino Unido
variou de 189.000 Libras Esterlinas segundo um cenário pessimista a 46.000 Libras
Esterlinas segundo um cenário otimista (Hodgson et al., 2022). As evidências se
acumulam no sentido de mostrar que a terapia intensiva para o TEA contribui para
uma redução significativa desses custos (Hodgson et al., 2022, Sampaio et al., 2021).

EFICÁCIA DOS TRATAMENTOS DISPONÍVEIS

O aumento na incidência de TEA correspondeu a um aumento no desenvolvimento


de diversas intervenções psicossociais eficazes (Bruynsma et al., 2020, Odom et al.,
2014). O principal impulso para o desenvolvimento de intervenções eficazes para o
TEA veio da Análise Aplicada do Comportamento (Applied Behavior Analysis ou ABA)
(Foxx, 2008; Ingersoll, 2010). A ABA consiste na aplicação terapêutica e educacional
dos princípios da psicologia comportamental (análise do comportamento). A ABA se
baseia no conceito de aprendizagem operante ou aprendizagem por reforçamento,
ou seja, de que os comportamentos são mantidos pelas suas consequências. As
crianças com TEA apresentam uma dificuldade com a aprendizagem por
reforçamento social. As crianças com TEA não são sensíveis às consequências
sociais do seu comportamento como as crianças típicas são. Assim sendo, as
crianças com TEA apresentam dificuldades para se desenvolverem na maioria das
áreas, tais como comunicação verbal e não-verbal, interação social e habilidades da
vida diária.

Ao mesmo tempo em que são pouco sensíveis a reforçadores sociais, tais como
expressões faciais e verbais de apreço, as crianças com TEA são sensíveis a
reforçamento por reforçadores primários tangíveis, tais como alimentação ou
atividades preferidas. A partir da ABA foram desenvolvidas estratégias que permitem
aumentar a sensibilidade das crianças com TEA aos reforçadores sociais,
promovendo o seu desenvolvimento. Uma estratégia consiste em parear estratégias

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de reforçamento social (sorriso, incentivo verbal, carinho etc.) com atividades
preferenciais (enfileirar carrinhos, observar objetos giratórios etc.). Gradualmente
então o reforçamento por atividade preferencial é retirado e o reforçamento social
passa a regular o comportamento.

As intervenções fundamentadas pela ABA foram desenvolvidas por psicólogos e


objetivavam treinamento de habilidades sociais, cognitivas e da vida diária específicas
através de ensaios discretos em situação de interação diádica entre um terapeuta e
a criança. Os resultados demonstraram a eficácia dessa abordagem e a experiência
foi expandida para o ambiente natural da criança, engajando assistentes de terapia
que trabalhavam diversas horas por dia com a criança. As pesquisas mostraram que
as terapias intensivas, compreendendo de 20 a 40 horas de intervenção, promoviam
de forma substancial o desenvolvimento das crianças com TEA (Lovaas, 1993, 1987,
1974). Os resultados mostraram também que quanto mais cedo fosse o diagnóstico
e mais cedo iniciasse a terapia, melhor eram os resultados.

Não tardou para as limitações da abordagem por treinamento através de ensaios


discretos revelassem suas limitações (Bruynsma et al., 2020, Siegel, 2003, 2020). A
aprendizagem por ensaios discretos é conduzida em um ambiente extremamente
controlado, dificultando a generalização. Ao mesmo tempo, a intensidade do
tratamento é onerosa e invasiva, restringindo as oportunidades de interação familiar
e de brinquedo espontâneo para a criança. Essas limitações se manifestam
principalmente na transição da idade pré-escolar para a idade escolar, quando a
criança precisa se adequar a um novo ambiente de aprendizagem, a sala de aula, no
qual é impossível manter o controle de variáveis possibilitado pelos ensaios discretos
em interação diádica com um terapeuta.

Surgiu então a abordagem naturalista, desenvolvimental e comportamental (NDC)


para o tratamento do TEA (Bruynsma et al., 2020, Ingersoll, 2010). A NDC também
se baseia nos princípios de condicionamento operante derivados do TEA, mas
incorpora outros componentes. A NDC não é implementada apenas no ambiente
clínico, mas também em casa. Os pais recebem treinamento e supervisão, atuando
como co-terapeutas no ambiente natural da criança. A aprendizagem não ocorre em
uma situação formal de ensino e por iniciativa do adulto, mas de maneira informal e
por iniciativa da criança. Os pais aprendem a analisar o comportamento da criança e

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aproveitar o maior número possível de situações da vida cotidiana para reforçarem os
comportamentos da criança que mais promovam seu desenvolvimento sociocognitivo
e sua autonomia na vida diária.

É importante ressaltar que a ABA não é uma abordagem terapêutica específica ao


TEA, mas uma subdisciplina da psicologia (Baer et al., 1968, 1987). O objetivo da
ABA é investigar como os princípios da aprendizagem operante desenvolvidos pela
análise do comportamento podem ser aplicados no contexto clínico e educacional. A
maioria das terapias eficazes para TEA incorpora princípios derivados da ABA,
expandindo-os e incorporando estratégias adicionais de intervenção. Os analistas
aplicados do comportamento são geralmente psicólogos, cujo foco de intervenção é
representado pelas habilidades sociais, emocionais, cognitivas e, até um certo ponto,
habilidades da vida diária.

O foco psicológico de intervenção responde apenas a uma parcela, ainda que


significativa, das necessidades de intervenção das crianças com TEA e de suas
famílias. Além das demandas psicológicas, as crianças com TEA necessitam de
intervenções fonoaudiológicas (para promover o desenvolvimento da linguagem),
terapêutico-ocupacionais (para promover a coordenação motora, habilidades simples
e complexas da vida diária além de preparação profissional), fisioterápicas (para
promover o desenvolvimento postural e do equilíbrio), musicoterapêuticas
(principalmente, mas não exclusivamente, no caso de crianças com
comprometimentos mais graves e pouco responsivas à estimulação),
psicopedagogos (para promover a aprendizagem do currículo escolar) etc.

Dentre as abordagens intensivas e integrativas que incorporam e expandem os


princípios da análise do comportamento pode ser mencionado o Método de
Integração Global para Tratamento do Espectro Autista (MIG)
(https://www.metodosintensivos.com.br/home-nova/mig).

O MIG se refere a uma metodologia interdisciplinar e intensiva de avaliação e


intervenção de crianças e adolescentes e jovens com TEA que utiliza as práticas
terapêuticas baseadas em evidências (Vide Steinbrenner et al., 2021). Os princípios
norteadores do método são: a) Terapia Centrada na Família; b) Interdisciplinaridade;
c) Intensidade de Treino; d) Terapia comportamental e naturalística; d)

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Enriquecimento ambiental e e) Treinamento de pais. Para isso, conta com uma equipe
interdisciplinar que recebe formação continuada, bem como, acesso a tecnologias
que facilitam o desenvolvimento da intervenção. O MIG é composto por: a)
enriquecimento ambiental através da Cidade do Amanhã, que é composta de cenários
para intervenção das habilidades de vida diária, motoras, cognitivas etc. e mobílias
que oportunizam a aprendizagem de novos conceitos, orientação espacial, foco na
atividade e, por isso, melhor desenvolvimento; b) Protocolo de Variação Ambiental,
que são produtos exclusivos, como jogos, desenvolvidos para estimular habilidades
socioemocionais, linguagem, coordenação motora etc. c) MIG Flex, vestimenta
terapêutica baseada nos trilhos miofasciais e padrões geométricos gerais que facilita
estabilização postural e uma possível regulação proprioceptiva e d) Aplicativo
exclusivo para monitoramento diário de atendimento, programas de interação
terapêutica entre equipe e família, suporte parental, formação continuada de
profissionais além de consultoria técnico científica. Esses componentes e processos
fazem do MIG® um método único e diferente das metodologias já existentes.

A intensidade, complexidade e diversidade das necessidades de intervenção


colocadas pelo TEA exige atendimento multidisciplinar por equipes multidisciplinares
trabalhando de forma integrada (Strunk et al., 2017). O trabalho multidisciplinar
intensivo e integrado em um centro terapêutico especializado evita o desperdício de
tempo e energia dispendido na busca de assistência por múltiplos profissionais
trabalhando de forma independente. Ao mesmo tempo, o trabalho integrado evita que
os esforços de diferentes profissionais se oponham ou se sobreponham aumentando
a eficácia terapêutica e reduzindo os efeitos colaterais das diversas formas de terapia.

A base evidenciária quanto à eficácia das terapias disponíveis para TEA não pode ser
julgada pelos mesmos critérios utilizados para avaliar a eficácia de tratamentos
farmacológicos. O investimento na realização de ensaios clínicos controlados para
tratamento de TEA é incomparavelmente menor do que aquele realizado na pesquisa
de novas drogas (Bishop, 2010). Dessa forma, o corpus de evidências derivadas de
ensaios clínicos controlados ainda é limitado no que se refere à eficácia das
intervenções psicossociais para TEA. Entretanto, há sólidas evidências quanto à
eficácia das intervenções psicossociais para TEA a partir de ensaios quase-
experimentais e delineamento de pesquisa com participantes isolados, as quais são

9
relatadas em diversos estudos de revisão e meta-análise (Rodgers et al, 2021,
Steinbrenner et al., 2020, Will et al., 2018).

De um modo geral, a base evidenciária indica a importância de: a) diagnóstico e


intervenção precoce; b) intervenções intensivas conduzidas por equipes
multiprofissionais integradas; c) fundamentação nos (sem redução aos) princípios da
análise aplicada do comportamento, expandindo a oferta de tratamentos conforme a
demanda da criança e da família; d) intervenções conduzidas nos ambientes naturais
da criança (casa e escola), estabelecendo parcerias com os pais e professores; e)
individuação das intervenções conforme a necessidade das crianças (Bruysmae et
al., 2020, Odom et al., 2014). Esses princípios foram incorporados a diversas
diretrizes para a prática clínica e educacional (Vivanti, 2022; Fuentes et al., 2021,
Zwaigenbaum et al., 2015).

IMPERATIVO ÉTICO

A complexidade e intensidade do tratamento para TEA implica em um custo


considerável. A cobertura dos custos do tratamento para TEÁ é um imperativo ético,
agravado pelo fato de que o aumento da incidência desta condição está relacionado
a fatores ambientais. Ou seja, ao estilo de vida adotado pela sociedade
contemporânea. Apesar de as variáveis ambientais desencadeadoras do aumento da
incidência de TEA ainda não estarem esclarecidas, a sociedade tem responsabilidade
para reparar os danos causados ao desenvolvimento de quase 2% das crianças e
suas famílias. Os custos humanos, sociais e econômicos impostos pelo TEA são
elevados e as intervenções eficazes reduzem esses custos, Além das análises
econômicas indicarem que o tratamento psicossocial do TEA é custo-efetivo
(Hodgson et al., 2022, Sampaio et al., 2021), as evidências também indicam que as
intervenções eficazes reduzem o custo psicológico do TEA para as famílias
(Zuckerman et al., 2014).

O tratamento do TEA precisa ser dispensado de forma a garantir princípios de justiça


social (Siegel, 2018). Ou seja, fornecer o melhor tratamento disponível para todas as
crianças e famílias necessitadas. Entretanto, os padrões de eficácia que justificam a
adoção de qualquer modalidade de intervenção para TEA não podem ser julgados a
partir daqueles utilizados para estabelecer a eficácia de agentes farmacológicos.

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Neste contexto, é importante ressaltar que foi apenas muito recentemente que as
crianças brasileiras com TEA e suas famílias tiveram o acesso a terapias intensivas
e integrativas eficazes legalmente garantido (Resolução Normativa ANS Nº 539, de
23 de junho de 2022). Esse resultado foi apenas alcançado às custas de ativismo e
reivindicações de familiares, profissionais da saúde e educadores. Há uma
preocupação na comunidade ligada ao TEA de que essas garantias legais de acesso
a tratamento não apenas sejam mantidas, mas também ampliadas. Um esforço
similar ainda se faz necessário para outras condições de saúde que comprometem o
neurodesenvolvimento, tais como paralisia cerebral, deficiência intelectual, síndromes
genéticas etc. O nível de capital social em uma nação pode ser aferido pela qualidade
da assistência que presta aos indivíduos com dificuldades de participar da cadeia
produtiva econômica.

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