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Ensino de Gramática na Perspectiva Enunciativa

Unidade II
2 Reflexões críticas sobre a Gramática Normativo‑Tradicional

A discussão que se inicia agora pretende chamar a atenção para vários equívocos, insuficiências
e lacunas presentes na Gramática Tradicional (GT) e que acabam reforçando e justificando muitos
dos problemas e das dificuldades do processo ensino‑aprendizagem nas aulas de língua e gramática
na escola. Enfatizaremos aqui a divisão das palavras em classes gramaticais e seus problemas nos
diferentes critérios de classificação, bem como outros aspectos que merecem reflexão e análise sobre os
pressupostos da GT.

Para dividir as palavras em cada uma das dez classes (Substantivo, Adjetivo, Verbo, Advérbio etc.)
as gramáticas se utilizam de critérios formais para definir, formular e descrever cada classe. A autora
Margarida Basílio, em seu livro Teoria Lexical (1987), especificamente no capítulo Formação de Palavras
e Classes de Palavras, reflete pontualmente sobre esses critérios de classificação de palavras, a saber: o
critério semântico, o critério morfológico e o critério sintático.

A autora vai mostrar esses critérios funcionando pontualmente com as classes de Substantivo,
Adjetivo, Verbo e Advérbio, por estarem intimamente ligadas à produção lexical – assunto pelo qual
ela se interessa com intensidade. As classes Substantivo, Adjetivo e Verbo são puramente lexicais,
abertas, variáveis, ou seja, possuem raiz (lexema) e portanto podem contribuir bastante nos processos
de derivação e composição linguística, podendo ainda estar sujeitas à criação de novos itens lexicais
(neologismos). A classe dos Advérbios, apesar de ser uma classe gramatical, fechada, invariável, será
considerada na análise, pois está intimamente ligada à classe dos Adjetivos e, portanto, assume um
pouco de sua produtividade (todo adjetivo acrescido do sufixo ‑mente se transforma automaticamente
em um advérbio). “Dado que apenas substantivos, adjetivos, verbos e advérbios estão envolvidos nos
processos de formação de palavras, vamos nos deter aqui apenas nessas classes” (BASÍLIO, 1987, p. 50).

2.1 Critérios de classificação

São considerados como critérios de definição de classes as motivações internas à formação de


palavras. Por isso a necessidade de se caracterizar cada critério em sua relevância.

Consensualmente, diz‑se que as classes de palavras definem‑se pelos critérios semântico, sintático
e morfológico. Mais especificamente, cada critério desses corresponde à predominância de classificação
em diferentes posições teórico‑gramaticais:

• gramática normativa (tradicional): predomínio do semântico (embora misturado aos outros dois)
que estabelece significados para essencializar a natureza de cada classe;

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• gramática descritiva (estruturalista): predomínio do morfológico (embora também considere


aspectos do sintático) que demarca as características formais de composição, derivação e
funcionamento flexional de todas as classes de palavras;

• gramática gerativa transformacional: predomínio exclusivo do sintático que estabelece as


características funcionais e distribucionais das classes, na relação/combinação das palavras com
as outras.

Entretanto, tal questão é complexa e será abordada em relação aos processos de formação de
palavras em português, pois, pelo que se verá na discussão proposta por Basílio (1987), nenhum desses
critérios é suficientemente capaz de dar conta do total funcionamento de cada uma das dez classes de
palavras (nem separadamente, nem conjuntamente). Vejamos mais de perto o funcionamento de cada
um dos critérios em cada uma das classes mencionadas.

2.1.1 O critério semântico

O critério semântico relaciona‑se com o estabelecimento de “tipos de significado como base para a
atribuição de palavras a classes”. (BASÍLIO, 1987, p. 50).

Conforme a autora, em geral, define‑se facilmente o substantivo como a palavra que designa o ser.
Essa é a definição semântica. Embora nem todos os substantivos possam ser chamados exatamente de
“seres”: o nada, a morte, o dom etc. são substantivos que não designam nem nomeiam seres. Você pode
supor uma lista imensa de substantivos que não se encaixam nessa definição semântica.

O adjetivo é mais definível pelo critério sintático do que pelo semântico (dar a qualidade ou
modificar o substantivo). Ele é um especificador do substantivo. Mesmo assim, a função semântica dos
adjetivos (qualificar/modificar o substantivo) é sumamente importante na estrutura linguística, pois eles
permitem a expressão ilimitada de conceitos: Veja‑se: criança: bonita/magra/sadia/malcriada/feliz/
autista/brasileira e assim por diante. O problema com sua definição semântica é que há outras palavras
que desempenham a mesma função e não são adjetivos. Alguns substantivos podem qualificar outros:
repórter burro, sapato rosa, escola‑padrão... Além disso, um numeral pode desempenhar o papel de
modificador do substantivo: salto duplo.

No verbo, é comum nos depararmos com a seguinte definição semântica: “palavra que exprime
ação, estado ou fenômeno de natureza”. Tal definição puramente semântica não é suficiente, dado que
outras classes de palavras também podem exprimir ação, estado e fenômeno da natureza. O substantivo
luta expressa claramente uma ação. O substantivo sono denota claramente um estado. O substantivo
neve revela sem dúvida um fenômeno da natureza. Também a característica semântica relacionada
à temporalidade dos verbos, relativa a passado, presente e futuro, não lhe é exclusiva. Os advérbios
de tempo, por exemplo, também denotam essa particularidade: ontem, agora, amanhã etc. Daí a
necessidade de se acrescer ao verbo a definição morfológica flexional.

No Advérbio, o caso é semelhante ao do adjetivo, já que ele, do ponto de vista semântico, permite a
especificação/cirscunstancialização de ação, estado ou fenômeno descrito pelo verbo. Mas este critério
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também não é suficiente, pois também é possível que outras palavras de outras classes desempenhem
essa função de modificar o verbo. Por exemplo, os adjetivos em: “ele fala alto”, “ela chegou rápido”.

Ainda assim, o critério semântico é fundamental para a definição das classes, embora, como foi visto,
não seja suficiente.

2.1.2 O critério morfológico

O critério morfológico implica a classificação de palavras a partir de suas características gramaticais,


mais especificamente de seus paradigmas derivacionais e flexionais de classe, de gênero, de número, de
grau, de pessoa e modo‑temporais.

Tanto o substantivo quanto o adjetivo apresentam categorias de gênero, número e grau


específicas pelas flexões correspondentes, como aponta Basílio (1987). Entretanto, em geral, as
mesmas flexões de número e gênero aplicadas ao substantivo também são aplicadas ao adjetivo
(ex.: menininho bonitinho). Embora a derivação de diminutivo seja uma marca morfológica
específica do substantivo, acaba contaminando o adjetivo. Em contrapartida, uma marca
morfológica exclusiva do adjetivo seria a flexão de grau (ex.: belíssimo; finérrimo; facílimo).
Mas também é possível observar alguns substantivos funcionando com essa marca morfológica
(ex.: coisíssima). O que se pode entender é que o critério morfológico não distingue muito bem
essas duas classes uma da outra.

Já com o verbo (por sua natureza flexional) e o advérbio (por sua forma invariável), tal critério é
bastante suficiente.

2.1.3 O critério sintático

O critério sintático diz respeito à classificação a partir das propriedades distribucionais, ou seja, das
posições sintagmático‑estruturais/funcionais das palavras na frase.

Conforme a autora, o substantivo pode exercer a posição de núcleo do sujeito (“O gato fugiu”),
objeto (“Comi o lanche”) e agente da passiva (“Ana foi perseguida por um pit bull”) – e ainda funcionar
como núcleo diante de determinantes: artigos (“a menina”), pronomes demonstrativos (“essa menina”),
pronomes possessivos (“minha menina”), numerais (“três meninas”) e pronomes indefinidos (“toda
menina”), modificadores (“boa menina”) e sintagmas preposicionados (“da menina”).

O adjetivo é definido como palavra que acompanha, modifica ou caracteriza o substantivo. Mas o
critério sintático não o define suficientemente, pois não o distingue sintaticamente dos determinantes
que também acompanham o substantivo.

O verbo oferece dificuldade para ser bem‑definido sintaticamente, pois o predicado pode não ser
verbal. Então, praticamente, não há função sintática que seja privativa do verbo.

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O advérbio tem a função de modificador, por isso é bem‑definido sintaticamente, mas em toda a
extensão do uso adverbial (pois esta classe não modifica isoladamente apenas o verbo, o adjetivo e o
próprio advérbio, mas também pode modificar toda uma oração).

Conforme reflete Basílio (1987), quanto mais dependente a palavra, mais fácil defini‑la sintaticamente.

2.1.4 A conjunção dos critérios seria uma solução?

Basílio (1987) reflete sobre a possibilidade de se juntar todos os critérios complementarmente,


já que cada um apresenta insuficiências diferentes na classificação das palavras, ou seja, em vez da
predominância de um critério, a multiplicidade de critérios interdependentes para a classificação de
palavras seria a solução?

É importante compreender que para cada classe as propriedades semânticas são diretamente
ligadas às propriedades sintáticas e morfológicas. Há uma ligação óbvia, embora não uniforme, entre
tais critérios e se coloca a questão se tal ligação poderia ser hierárquica em relação às propriedades de
cada critério. Haveria um critério hierarquicamente dominante do qual os outros dois seriam derivados?

Para aprofundar esta questão sobre a possibilidade de hierarquia entre os critérios, veja‑se a Regra
de Formação de Palavras:

[X] V  [[X]V + cão] S = [frustr] AR  [[frust] FRUSTRAR + ção] FRUSTRAÇÃO

Quando dizemos que ‑ção se adiciona a verbos para formar substantivos,


queremos dizer que ‑ção só pode ser adicionado a formas que apresentam
todo um esquema de flexão modo‑temporal e número‑pessoal?
[Morfológico]. Ou queremos especificar que ‑ção só se adiciona a uma
base que tenha que funcionar como núcleo de um predicado verbal?
[Sintático]. Ou ainda que ‑ção seleciona bases que indiquem ações,
eventos e estados? [Semântico]. Ou, mais ainda, queremos dizer que
‑ção só se combina com bases que apresentem as três características em
conjunto? (BASÍLIO, 1987, p. 56).

Para descrever os processos de formação de palavras, temos muitas decisões a tomar. Essencialmente,
se devemos considerar as classes de palavras definidas pelos três critérios ao mesmo tempo ou
hierarquicamente. A primeira possibilidade é facilmente derrubada pela análise detalhada de cada
classe: não se pode trabalhar com todos os critérios ao mesmo tempo, pois um pode excluir o outro.
Se a escolha for a segunda forma, ter‑se‑á de determinar qual o critério predominante em relação
aos outros. O problema é que muitas vezes um critério é determinante para uma classe, mas para
outra classe ele é insuficiente (por exemplo: o critério morfológico é determinante para a classe dos
verbos, mas é insuficiente para a classe dos substantivos e dos adjetivos). Um critério pode, ainda, servir
para descrever algumas palavras dentro de sua classe, mas pode ser insuficiente para outras palavras
dentro desta mesma classe. (ex.: o critério semântico descreve bem verbos como lutar e correr, mas não
descreve bem verbos como brilhar e azular).
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2.1.5 Um exemplo concreto

Para ilustrar um pouco mais essa discussão, a autora salienta um exemplo de problema para a
classificação: o sufixo ‑vel. Em princípio, ‑vel combina‑se com verbos para formar adjetivos: lavar
= lavável. Porém, temos ocorrências coloquiais que se dão a partir de substantivos: presidente =
presidenciável, reitor = reitorável. “O fenômeno de extensão de base das formações em ‑vel ilustra o
problema das classes de palavras no que concerne à especificação das bases sobre as quais o processo
se aplica” (BASÍLIO, 1987, p. 57‑8).

Não se pode aplicar tal processo de formação a qualquer substantivo, mas somente àqueles
que correspondem a cargos e funções, o que indica que tal disponibilidade para formações em
‑vel vem de um fator semântico que se opõe a fatores morfológicos e sintáticos. Tal exemplo
evidencia a importância da descrição hierárquica dos critérios na classificação dessas palavras.
“Resta saber se em outros casos de formação de palavras teríamos uma situação equivalente”
(BASÍLIO, 1987, p. 59).

2.2 Revisitando as dez classes de palavras a partir dos três critérios de


classificação

Para observar mais cuidadosamente esta questão dos critérios de classificação das palavras,
revisaremos cada uma das dez classes de palavras, a partir do seu funcionamento nos três critérios:
morfológico, sintático e semântico.

Saiba mais

Sugerimos a leitura da obra a seguir, que discorre longamente sobre


essas dez classes, observando o seu (não) funcionamento em cada critério.

MACAMBIRA, J. R. A estrutura morfossintática do português. São Paulo:


Pioneira, 1978.

Apresentaremos um quadro sintético do que Macambira (1978) desenvolve e que foi esquematizado
por Dias (1994). As “mãozinhas” ( ) com texto em vermelho indicam um mau funcionamento ou um
não funcionamento no critério em questão.

Observação

Luiz Francisco Dias é atualmente professor de Linguística e Gramática


da UFMG e desenvolveu em sala de aula, quando professor de Língua
Portuguesa da UFPB, uma discussão sobre as classes de palavras da GT e seu
(não) funcionamento com relação aos critérios semântico, morfológico e
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sintático, sintetizando um quadro, a partir das considerações de Macambira


(1978) e das definições de diferentes gramáticas tradicionais.

Quadro 6 – Substantivo

Definições de gramáticos tradicionais


A) Celso Cunha
1. “Palavra com que designamos ou nomeamos os seres em geral.” São, por conseguinte, substantivos:
a) os nomes de pessoas, animais, vegetais, lugares e coisas: Carlos, gato, palmeira, América, lápis
b) os nomes de ações, estados e qualidades, tomados como seres: devoção, civismo, mocidade, alegria, altura
2. “Do ponto de vista funcional, o substantivo é a palavra que serve, privativamente, de núcleo de sujeito, do objeto direto, do
objeto indireto e do agente da passiva” (CUNHA, 1972, p.186 apud DIAS, 1994).
B) Rocha Lima
“Palavra com que nomeamos os seres em geral, e as qualidades, ações, ou estados, considerados em si mesmos,
independentemente dos seres com que se relacionam” (LIMA, 1992, p. 61, apud DIAS, 1994).
C) Hildebrando André
“Nome do ser” (ANDRÉ, 1990 apud DIAS, 1994).
Classificações
a) Comum ou próprio
b) Concreto ou abstrato
c) Simples ou composto
d) Primitivo ou derivado
e) Coletivo
Critério morfológico Critério sintático Critério semântico
A) Quanto à flexão (paradigma — Artigo Substantivo = ser
flexional)
— Pronome possessivo
— Quadriforme: menino, menina,
meninos, meninas; — Pronome demonstrativo nada, desenvolvimento, passado, brilho,
altura, noite, temperatura.
— Biforme: livro, livros, animal, — Pronome indefinido
animais;
— Uniforme: lápis, pires, óculos, ladrão (é um ser ou uma qualidade/
férias. defeito?)

Aplica‑se também a artigo,


adjetivo, numeral, pronome
B) Quanto à derivação (paradigma
derivacional)

‑inho(a) ‑ão(ona)
‑zinho(a) ‑zão(zona)
pequeno grande

Bocarra, casebre, lebre,


rapazote, mas: Tertuliano(zão)?,
Washington(zinho)?

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Quadro 7 – Adjetivo

Definições de gramáticos tradicionais


A) Celso Cunha
1. Espécie de palavra que serve para caracterizar os seres ou os objetos nomeados pelo substantivo, indicando‑lhes:
a) uma qualidade (ou defeito): moça gentil; pensamento obscuro;
b) o modo de ser: pessoa hábil;
c) o aspecto ou a aparência: jardim florido;
d) o estado: criança enferma.
Observação: Por vezes o adjetivo marca apenas uma relação de tempo, de espaço, de matéria, de finalidade, de propriedade,
de procedência etc. Assim, em nota mensal, casa paterna, perfume francês relacionamos as noções de nota e mês (nota
relativa ao mês), de casa e pais (casa onde habitam os pais) e de perfume e França (perfume procedente da França). De regra,
esses adjetivos de relação não admitem graus de intensidade. Uma nota não pode ser mais mensal nem uma casa muito
paterna, nem um perfume menos francês. (CUNHA, 1972, p. 251, apud DIAS, 1994).
B) Rocha Lima
“Palavra que modifica o substantivo, exprimindo aparência, modo de ser, ou qualidade”.
Exemplos: homem magro, gramática histórica, criança talentosa (LIMA, 1992, p. 86 apud DIAS, 1994).
C) Hildebrando André
“Palavra que expressa qualidade ou propriedade ou estado de ser” (ANDRÉ, 1990, p. 122 apud DIAS, 1994).
Classificações
a) Explicativo (expressa qualidade essencial do ser): pedra dura, gelo frio, leite branco.
b) Restritivo (expressa qualidade acidental do ser): pedra preciosa, gelo útil, leite caro.
c) Adjetivos pátrios: brasileiro, campinense, mineiro.
d) Locuções adjetivas: animal da noite, paixão sem freio, gente de fora, andar de cima.
Critério morfológico Critério sintático Critério semântico
A) Admite grau superlativo Tão “Palavra que exprime qualidade”
quão
‑íssimo(a) – feiíssimo Bondade, bem
‑érrimo(a) – celebérrimo Tão pouco, tão homem, tão
‑limo(a) – facílimo burro, tão anjo
Muito/Pouco O brilho do diamante ofuscava os olhos.
A altura das ondas impressionou o surfista.
Tão bem, (?)tão campinense, (?)
tão suposto Ela é charmosa.
Muitíssimo, pouquíssimo,
portuguesíssimo, coisíssima,
(?)campinensíssimo,
sem‑vergonhíssima
B) Admite sufixo adverbial –mente

Primeiro, duplo, (?)calvo, (?)


campinense

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Quadro 8 – Verbo

Definições de gramáticos tradicionais


A) Celso Cunha
1) “Verbo é uma palavra de forma variável que exprime o que se passa, isto é, é um acontecimento representado no tempo:
“Ninguém ria, ninguém estranhava.”
“Éramos arrebatados pelo espaço.”
“Onde está a poesia da vida?”
“Cai o crepúsculo. Chove.”
2) O verbo não tem, sintaticamente, uma função que lhe seja privativa, pois também o substantivo e o adjetivo podem
ser núcleos do predicado. Individualiza‑se, no entanto, pela função obrigatória de predicado, a única que desempenha na
estrutura oracional” (CUNHA, 1972, p. 367 apud DIAS, 1994).

“As formas nominais do verbo identificam‑se pelo fato de não poderem exprimir por si nem o tempo nem o modo. O ser
valor temporal e modal está sempre em dependência do contexto em que aparecem” (Idem, p. 456).
B) Cegalla
“Verbo é uma palavra que exprime ação, estado, fato ou fenômeno.”
O criado abriu o portão [abriu exprime uma ação].
Fernando estava doente [estava: um estado, uma situação].
Nevou em São Joaquim [nevou: um fato, um fenômeno].
(CEGALLA, 1974, p.162 apud DIAS, 1994).

A crise mexicana assustou os investidores.

A guerra atingiu o mercado de capitais.


C) Enéas Martins de Barros
“É uma unidade morfossintática que se distingue das demais classes:
• pela conjugação, conjunto estruturado peculiar, oposto à declinação, que é um conjunto estruturado de formas atinentes
ao substantivo, adjetivo ou pronomes;
• por suas propriedades sintáticas, pode ser determinado por um advérbio, mas não por um adjetivo; concorda com o núcleo
do sintagma nominal sujeito.
Opõe‑se ao nome, constitui‑se o núcleo da frase, quer esta seja representada como junção de um grupo nominal (GN) e um
grupo verbal (GV), que pode eventualmente ser composto de um verbo e de um GN; quer seja considerada como resultado de
um relacionamento entre termos nominais efetuado através do verbo” (BARROS, 1985, p.114 apud DIAS, 1994).
“Nem tudo são flores.”; “Há rosas aqui.” (não há concordância dos verbos com os núcleos dos SNs “tudo” e “rosas”).

“O meliante fugiu rápido como um raio.” (não é um advérbio que está determinando o verbo, e sim um adjetivo).

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Classificações
I. Modos verbais

Diferentes maneiras de um fato se realizar:

a) Indicativo (exprime um fato certo, positivo)

b) Subjuntivo (exprime um fato possível, duvidoso, hipotético)

c) Imperativo (exprime ordem, proibição, pedido)

II. Formas nominais

Diferentes apresentações do processo verbal:

a) Infinitivo (apresenta o processo verbal em potência)

b) Gerúndio (apresenta o processo verbal em curso)

c) Particípio (apresenta o resultado do processo verbal)

III. Tempos compostos e locuções verbais

a) Tempos compostos: formados de um verbo auxiliar (“ter” ou “haver”) mais um particípio, que é o verbo principal.

Tenho andado com dificuldade (pret. perfeito do indicativo)

Se ele não houvesse partido,... (pret. mais‑que‑perfeito do subjuntivo)

b) Locuções verbais: combinação de dois verbos, sendo o primeiro auxiliar e o segundo o verbo principal, que pode estar no
infinitivo, no gerúndio ou no particípio.

1) “ter de” + verbo no infinitivo

Tenho de estudar hoje.

2) “haver de” + verbo no infinitivo

O País haverá de sair da crise.

3) “estar”, “andar”, “ir”, “vir” + verbo no gerúndio

Não estamos conseguindo ainda vencer a fome.

Venho reclamando dos erros de pontuação.

4) “ser” + verbo no particípio

Ela foi conquistada pelo olhar.

Se ela tivesse sido conquistada pelas pernas...

c) Locuções com auxiliares modais (querer, dever, saber, poder, ir, vir) + verbo no infinitivo

Ela quer estudar os modos verbais.

João vai conhecer Nova Jerusalém.

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Critério morfológico Critério sintático Critério semântico

‑r Eu Vou, sou, estou Verbo = exprime a cousa na perspectiva


do tempo: ação, fenômeno, estados e
‑ndo Tu Vais, és, estás outras cousas que o verbo possa exprimir
.................. (LAROCHETTE apud DIAS, 1994)
‑rei Eles Vai, é, está

‑ria Nós Vamos, somos... “Além, muito além daquela serra que
ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.”
Vós Ides, sois, estais
Ex.: amar, vender, partir, pôr
Eles Vão, são, estão inundação, tiroteio (substantivos = ação)
amando, vendendo, partindo, pondo
amarei, venderei, partirei, porei
Chover, nevar chuva, trovão (substantivos = fenômeno
amaria, venderia, partiria, poria meteorológico)

Amar, correr, sentir (as formas


Vou correndinho ali nos correios nominais não aceitam essa relação morte, sono (substantivos = estado)
sintática) O verbo indica os processos, quer se trate de
ações, estados ou passagens de um estado
para o outro (MEILLET apud DIAS, 1994)

Amai! (com verbos imperativos não há


processo/passagem de um estado a outro)

Quadro 9 – Advérbio

Definições de gramáticos tradicionais


A) Celso Cunha
1) Advérbios são palavras que se juntam a verbos, para exprimir circunstâncias em que se desenvolve o processo verbal, e a
adjetivos, para intensificar uma qualidade:
“Ternura leu‑o depressa e, meio atordoado, guardou‑o no bolso”.
2) Salienta‑se ainda que:
a) os advérbios chamados “de intensidade” podem reforçar o sentido de outro advérbio:
“A vida não lhes correra nem muito bem, nem muito mal”.
b) certos advérbios aparecem modificando toda a oração:
“Felizmente, estava vago o lugar de inspetor escolar”
(CUNHA, 1972, p. 498 apud DIAS, 1994).
B) Cegalla
“Advérbio é uma palavra que modifica o sentido do verbo, do adjetivo e do próprio advérbio.”
O navio chegou ontem.
Paulo jogou bem.
Paulo jogou muito bem.
A moça é muito linda.
(CEGALLA, 1974, p. 221 apud DIAS, 1994).

O amigo aqui gosta muito de cerveja (o advérbio está modificando um substantivo).

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C) Enéas M. de Barros
“Pensamos que o advérbio é uma palavra intransitiva, com que se diferencia formalmente da preposição, que é transitiva. Assim:
Ele chegou depois e quis um lugar de honra (advérbio).
Ele chegou depois da irmã quando já não chovia (locução prepositiva).
É uma palavra adjunta, isto é, modificadora, porque pode ser determinante do adjetivo, do advérbio, do pronome, do verbo e até
e orações e substantivos.”
(BARROS, 1985, p. 203 apud DIAS, 1994).

Quase cem mortos: esse foi o resultado do terremoto (o advérbio está modificando um numeral).

A pedra caiu quase sobre a minha cabeça (o advérbio está modificando uma preposição).

Classificações
a) Advérbios de afirmação: sim, certamente, efetivamente, realmente etc.
b) Advérbios de dúvida: acaso, possivelmente, provavelmente, talvez etc.
c) Advérbios de intensidade: bastante, demais, bem, mais, muito, pouco, tanto, tão, mais, meio etc.
d) Advérbios de lugar: abaixo, acima, adiante, aí, além, ali, aquém, aqui, através, atrás, cá, dentro, junto, longe, onde, perto etc.
e) Advérbios de modo: assim, bem, depressa, devagar, mal, melhor, pior, bondosamente etc.
f) Advérbios de tempo: agora, ainda, amanhã, anteontem, antes, breve, cedo, depois, hoje, jamais, nunca, sempre, outrora, já,
logo etc.
g) Advérbio de negação: não.
h) Advérbios interrogativos: por quê? (causa); onde? (lugar); como? (modo); quando? (tempo).

Só, somente (a palavra só pode ser adjetivo e advérbio; somente é advérbio, porém acompanha/modifica substantivos).
Locução adverbial
Formada de uma preposição com um substantivo, adjetivo ou advérbio.
Ex.: com certeza, sem dúvida, à direita, à esquerda, ao lado, de dentro, de longe, em cima, por ali, por dentro, por perto, à
vontade, à toa, às avessas, de cor, em geral, em vão, passo a passo, por acaso, frente a frente, de forma alguma, de modo
nenhum, à noite, de manhã, de vez em quando, em breve.
Obs.: de dentro = locução adverbial
dentro de = locução prepositiva
Critério morfológico Critério sintático Critério semântico
A) Terminado pelo sufixo Tão “Palavra que exprime qualidade ou
circunstância.”
‑mente
bem Palavra invariável
B) responde às perguntas “Onde?”,
“Quando?”, “Como?” quão Ainda, cedo, cedinho, jamais, quase, nunca
Ex.: tão depressa, bem depressa,
Nunquinha (advérbio não deveria quão depressa, tão tarde, tão cedo, Eu durmo com tranquilidade/tranquilo/
receber o sufixo ‑inha) tão perto, bem aqui, bem cedo, tranquilamente
quão cedo etc.

(?)tão/quão ali, (?)tão/quão


acolá, (?)tão/quão aqui

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Unidade II

Quadro 10 – Artigo

Definições de gramáticos tradicionais


A) Celso Cunha
“Dá–se o nome de artigo às palavras o (com as variações a, os, as) e um (com as variações uma, uns, umas), que se
antepõem aos substantivos para indicar:
a) que se trata de um ser já conhecido do leitor ou ouvinte, seja por ter sido mencionado antes, seja por ser objeto de um
conhecimento de experiência, como neste exemplo:
“A vila tomava ares de festa.”
b) que se trata de um simples representante de dada espécie ao qual não se fez menção anterior.
“O pequeno‑burguês britânico atinge ao auge da felicidade quando se encontra com um nobre, um lorde, um duque, um
príncipe de casa real.”
No primeiro caso dizemos que o artigo é definido; no segundo, indefinido.”
(CUNHA, 1972, p. 214 apud DIAS, 1994).
B) Cegalla
“Artigo é uma palavra que antepomos aos substantivos para determiná‑los. Indica‑lhes, ao mesmo tempo, o gênero e o
número.
Os artigos definidos determinam os substantivos de modo preciso, particular:
Viajei com o médico (um médico referido, conhecido, determinado).
Os artigos indefinidos determinam os substantivos de modo vago, impreciso, geral:
Viajei com um médico (um médico não referido, desconhecido, indeterminado)”
(CEGALLA, 1974, p.135 apud DIAS, 1994).
C) Rocha Lima
“O artigo é uma partícula que precede o substantivo, assim à maneira de ‘marca’ dessa classe gramatical” (LIMA, 1992, p. 84
apud DIAS, 1994).
D) Enéas M. de Barros
“[O artigo] contribui, com seu poder expressivo, para a aplicação da ênfase, para a distinção dos sentidos, para a harmonia
da frase. Num contexto como: ‘Guimarães Rosa, romancista brasileiro’, em que se omitiu o artigo antes do aposto, o escritor
não passa de um entre os muitos romancistas brasileiros. Se, entretanto, for consignado o artigo antes do aposto: ‘Guimarães
Rosa, o romancista brasileiro’, o aposto passará a ter outro valor. Guimarães Rosa é aí o romancista por excelência, o mais
notório, o mais conhecido, o mais completo.
Do mesmo modo:
‘Este é bom automóvel’
‘Este é o bom automóvel’
O artigo eleva a categoria do objeto, atribuindo à qualidade um caráter de inexcedibilidade, de superioridade, um valor
superlativante.
Também o indefinido oferece excelentes contribuições ao estilo. Seu caráter impreciso atribui à sensibilidade sentimentos de
mistério, dilui e obscurece os efeitos, produzindo como que sobressaltos e impressões profundas.
• Tem caráter superlativante, tal a sua intensificação
Ex.: É uma naturalidade morrer. Transformar‑se, transmutar— se.
• Destina‑se, ainda, a colocar em cena uma pessoa ou um objeto. Depois dessa apresentação segue‑se o artigo definido
Ex.: Com uma toalha no pescoço e um copo na mão, chamou‑me para o banho.
• Dada a sua grande força generalizadora, precedendo um nome no singular, traduz toda a espécie
Ex.: Um homem é um homem; um gato é um gato.
• A presença do indefinido permite entonação especial intensificadora

60
Ensino de Gramática na Perspectiva Enunciativa

Ex.: É uma beleza de mulher!; Uma delícia de prato!


• Precedido da preposição de, intensificando uma qualidade ou um defeito
Ex.: Era de uma beleza que chegava ao imponderável.
• Junto a numerais, traduz ideia aproximativa
Ex.: Pesava ele na ocasião uns cem quilos de corpo e umas tantas toneladas de coração.
• Indica membro de uma família de certa notoriedade
Ex.: Ela é uma Carneiro Ribeiro.; Ele é um Bragança.
• Traduz aspectos novos, diferentes, imprevistos, quase desconhecidos, de uma pessoa ou coisa.
Ex.: Desde que voltou da Europa, você é uma Alzira diferente, uma jovem meio desnacionalizada, talvez contrariada por voltar
a ser uma Alzira de todo dia”
(BARROS, 1985, p. 229;233‑4 apud DIAS, 1994).

A carne é fraca (o artigo determina ou generaliza a carne?).

Dê‑me uma folha de papel (“uma” = artigo ou numeral?).

Aquele um não é meu irmão (“um” generaliza ou particulariza?).

Critério morfológico Critério sintático Critério semântico


Assume flexões de gênero e número; Formas o, a, os, as, um, uma, “Palavra acessória que particulariza ou
recusa os sufixos aumentativo uns, umas que imediata ou generaliza o substantivo, conforme se trate do
e diminutivo (característicos do mediatamente precedem o artigo definido ou indefinido”
substantivo) e os sufixos superlativos substantivo, e com ele formam
(característicos do adjetivo). sintagma:
Meu livro (o pronome possessivo
• Imediatamente: o professor, os particulariza)
Não é umazinha como você que professores, um herói
vai me intimidar (o artigo assumiu
derivação de diminutivo, própria de • Mediatamente: o bom filho, uma
boa irmã Qualquer homem (o pronome indefinido
substantivos) generaliza)

Este professor; meus


professores; dois bons filhos;
todo bom filho (demonstrativos,
possessivos e numerais cumprem o
mesmo papel sintático dos artigos)

Quadro 11 – Pronome

Definições de gramáticos tradicionais


A) Celso Cunha
“1) Os pronomes desempenham na frase funções equivalentes às exercidas pelos elementos nominais. Servem pois:
a) para representar um substantivo:
‘Invejava os homens e copiava‑os’
b) para acompanhar um substantivo, determinando‑lhe a extensão do significado:
‘Vi terras da minha terra./Por outras terras andei./Mas o que ficou marcado/No meu olhar fatigado,/Foram terras que
inventei.’
No primeiro caso desempenham a função de um substantivo e, por isso, recebem o nome de pronomes substantivos, no
segundo chamam‑se pronomes adjetivos, porque modificam o substantivo, que acompanham, como se fossem adjetivos.

61
Unidade II

2) Facilmente, aliás, se distinguem na prática essas duas classes de pronomes, porque os pronomes substantivos aparecem
isolados na frase, ao passo que os pronomes adjetivos se empregam sempre junto de um substantivo, com o qual concordam
em gênero e número. Por exemplo, na frase:
‘Aquele é o corpo de meu filho.’
aquele é pronome substantivo, e meu, pronome adjetivo.”
(CUNHA, 1972, p. 276 apud DIAS, 1994).
B) Cegalla
“Pronomes são palavras que representam os nomes dos seres ou os determinam, indicando a pessoa do discurso.”
(CEGALLA, 1974, p. 150 apud DIAS, 1994).
C) Enéas M. de Barros
“O nome o define: substituto do nome: uma unidade linguística que, em determinado ponto da cadeia, representa ou
substitui a unidade correspondente. Pode substituir:
• Um substantivo: Ela (Fernanda) é irmã de Eduardo;
• Um adjetivo: Dizem que o Eduardo é inteligente, e eu o sei;
• Um enunciado: Eduardo quebrou o vidro, mas eu sei que isto não foi ele...;
• Uma situação global: Isto é pura imaginação de vocês.
A NGB distingue dois tipos de pronomes:
• Pronome substantivo (classe principal)
• Pronome adjetivo (classe adjunta)
Mas há, ainda, uma terceira classe para acrescentar a essa divisão. É a do pronome relativo que constitui a classe de relação.
O pronome substantivo representa, de fato, o nome; o pronome adjetivo acompanha, como determinante, o substantivo. O
pronome relativo, ao mesmo tempo que representa o nome, indica‑lhe a função em que se acha na frase, de acordo com o
relacionamento que nesta passe a assumir. Assim:
Meu dever é este que estou enfrentando (‘Meu’ = pron. adjetivo; ‘este’ = pron. substantivo; ‘que’ = pron. relativo)” (BARROS,
1985, p. 161 apud DIAS, 1994).

Classificações
a) Pronomes pessoais
Substituem os nomes e representam as pessoas do discurso
1) Caso reto (função de sujeito)
— Eu, tu, ele, nós, vós, eles
2) Caso oblíquo (função de objeto ou complemento)
Me, mim, comigo, te, ti, contigo, o, a, os, as, lhe, lhes, se, si, consigo, nos, conosco, vos, convosco
Ex.: Eu te convido; Nós o ajudamos
b) Pronomes de tratamento
“Usado no trato cortês e cerimonial com as pessoas” (Cegalla).
Você, o senhor, Vossa Senhoria, Vossa Excelência, Vossa Santidade, Vossa Alteza
c) Pronomes possessivos
Referem‑se às pessoas do discurso, atribuindo‑lhes a posse de alguma coisa.
Meu, minha, meus, minhas, teu, seu (1ª pessoa do singular), nosso, vosso, seu (3ª pessoa do plural)

62
Ensino de Gramática na Perspectiva Enunciativa

d) Pronomes demonstrativos
São os que indicam o lugar, a posição ou a identidade dos seres, relativamente às pessoas do discurso.
Este, estes, esse, aquele, mesmo, próprio, tal, semelhante, isto, aquilo, o, a, os, as
Ex.: Estes rapazes são os mesmos que vieram ontem.
Os próprios sábios podem enganar‑se.
Há três casas: a do meio é nossa (ambíguo).
e) Pronomes indefinidos
Referem‑se à terceira pessoa do discurso, designando‑a de modo vago, impreciso, indeterminado.
1) Substituem o substantivo
Algo, alguém, fulano, sicrano, beltrano, nada, ninguém, quem, tudo.
Ex.: Algo o incomoda?
Acreditam em tudo o que fulano diz ou sicrano escreve.
Quem avisa amigo é.
2) Acompanham o substantivo
Cada, certo, certas, alguns, demais, mais, menos, muitos, nenhum, outro, pouco, que, qualquer, quanto, tantos, todos, uns,
vários.
Ex.: Menos palavras e mais ações.
Que loucura você cometeu!
Uns partem, outros ficam.
Fiquei bastante tempo à sua espera.
3) Locuções pronominais indefinidas
Cada qual, cada um, qualquer um, seja quem for, todo aquele que, um ou outro etc.
f) Pronomes interrogativos
Aparecem em frases interrogativas.
Ex.: Que há?; Que dia é hoje?; Quem foi?; Reagir contra quê?
g) Pronomes relativos
Representam nomes já referidos, com os quais estão relacionados. Daí denominarem‑se relativos.
O qual, os quais, cujo, quantos, quem, que, onde
Ex.: Armando comprou a casa que lhe convinha.
O lugar onde paramos era deserto.
Leve tantos ingressos quantos quiser.

63
Unidade II

Critério morfológico Critério sintático Critério semântico


A) O pronome rejeita A) Pronomes substantivos A) Pronomes definidos: denotam a ideia de
pessoa, posse, referência de maneira precisa.
1. sufixos aumentativos (‑ão, ‑zão) e Não se articulam com o Os pessoais, os possessivos, os demonstrativos,
diminutivos (‑inho, ‑zinho) substantivo: eu, isto, nada, tudo, os relativos
algo, alguém, ninguém, quem etc.
2. sufixos superlativos (‑íssimo, B) Pronomes indefinidos: denotam a ideia de
‑érrimo, ‑limo) e o sufixo adverbial B) Pronomes adjetivos referência de maneira vaga.
(‑mente)
Articulam‑se com o substantivo, à Os indefinidos
Obs.: tudinho não significa “pequeno semelhança do adjetivo: Meu (pai),
tudo”; nadinha não significa este (caderno), outro (livro), cuja
“pequeno nada”; mesmíssimo não (voz), algum (dia), certo (homem)
significa “muito mesmo” etc. Pronomes interrogativos

Muitíssimo, pouquíssimo Mero professor, suposto ladrão


(“mero” e “suposto” = adjetivos –
B) O pronome admite oposição de desempenham o mesmo papel)
pessoas gramaticais:
1. eu versus tu;
meu versus teu;
este versus esse.
2. eu e tu versus ele;
meu e teu versus seu;
este e esse versus aquele.
3. eu, tu, ele versus alguém;
meu, teu, seu versus alheio;
este, esse, aquele versus outro e
qualquer.

Próprio, certo, uns, tal


C) As formas pronominais não se
distinguem por meio de flexão:
fazem o plural não pelo acréscimo de
sufixo, mas pela heteronímia:
O plural de eu não é “eus”, mas nós;
o de tu não é “tus”, mas vós.

Você – vocês, ele – eles, meu


– meus, aquele – aqueles, próprio –
próprios

Quadro 12 – Numeral

Definições de gramáticos tradicionais


A) Celso Cunha
“Quando queremos indicar uma quantidade exata de pessoas ou coisas, ou assinalar o lugar que elas ocupam numa série,
empregamos uma classe especial de palavras – os numerais” (CUNHA, 1972, p. 357 apud DIAS, 1994).
B) Cegalla
“Numeral é a palavra que exprime número” (CEGALLA, 1974, p. 471 apud DIAS, 1994).

64
Ensino de Gramática na Perspectiva Enunciativa

Classificações
a) Cardinais
Os números básicos: um, dois, cem...
b) Ordinais
Indicam a ordem de sucessão que os seres e os objetos ocupam em determinada série: primeiro, segundo, décimo...
c) Multiplicativos
Indicam o aumento proporcional da quantidade, a sua multiplicação: dobro, triplo...
d) Fracionários
Exprimem a diminuição proporcional da quantidade, a sua divisão: meio, terço, quinze avos... (CUNHA, 1972, p. 358 apud
DIAS, 1994):
Numerais coletivos: dezena, década, dúzia... Comportam‑se como substantivos: milhão, bilhão. Ex.: três milhões.
Critério morfológico Critério sintático Critério semântico
Palavra supletiva cujo singular seja Combina‑se imediatamente com o Expressa quantidade exata de pessoas ou
um ou uma. Rejeita o aumentativo, substantivo; não se deixa preceder coisas, ou ainda assinala o lugar que elas
o diminutivo, o superlativo e o sufixo por tão ou bem. ocupam numa série.
adverbial ‑mente.
Dois cadernos, duas colegas
Emiti duas ordens hoje (“ordens” não é
Não me deram chance, pessoa, nem coisa)
umazinha sequer Tinha bem quatro carros
capotados na estrada
Obs.: milhões, dezenas etc. não são
numerais (possuem singular: milhão,
dezena); já os numerais ordinais e
os multiplicativos flexionam‑se no
plural e aceitam sufixo em ‑mente

Quadro 13 – Interjeição

Definições de gramáticos tradicionais


A) Celso Cunha
“Interjeição é uma espécie de grito com que traduzimos de modo vivo nossas emoções. [...] O valor de cada forma interjectiva
depende fundamentalmente do contexto e da entonação” (CUNHA, 1972, p. 547 apud DIAS, 1994).
B) Cegalla
“Interjeição é uma palavra ou locução que exprime um estado emotivo.”
Ex.: “Caramba! Isto é que se chama talento.”
“Puxa vida! Outra vez! – exclamou Gumercindo.”
(CEGALLA, 1974, p. 253 apud DIAS, 1994).
Classificações
a) Alegria: oh!, ah!, viva!
b) Dor: ai!, ah!, ai de mim!
c) Espanto: oh!, puxa!
d) Advertência: cuidado!, atenção!, calma!
e) Aprovação: muito bem!, bravo!
f) Silêncio: psiu!, silêncio!
Locução interjetiva
Grupo de palavras com valor de interjeição: Quem me dera!; Valha‑me Deus!

65
Unidade II

Critério morfológico Critério sintático Critério semântico


A) Exibe formas estranhas à estrutura Palavra isolada, sem relação com as Classe gramatical que geralmente forma
do idioma: ah, há, ih, hi, psit, outras palavras, é sintaticamente sentido completo por si (palavra— frase)
hum‑hum solta, não forma sintagma com
outra.
B) Presença de entonação
Ai! O lobo matou o cordeiro

Deus queira que você volte


Alô (atendendo o telefone)

Quadro 14 – Preposição

Definições de gramáticos tradicionais


A) Celso Cunha
“Chamam‑se de preposições os vocábulos gramaticais invariáveis que relacionam dois termos de uma oração, de tal modo
que o sentido do primeiro (antecedente) é explicado ou completado pelo sentido do segundo (consequente). Assim:

Antecedente Preposição Consequente


Foi a Roma
Compareceu à hora prevista
Fugiu de casa
Vibrou de alegria
Mora com a família
Combinou com você

Fonte: Cunha (1972, p. 511 apud DIAS, 1994).


B) Cegalla
“A preposição vincula um termo dependente a um termo principal ou subordinante, estabelecendo entre ambos relações de
posse, modo, lugar, causa, fim etc.
A motocicleta de Cláudio era nova.
Trabalhemos com alegria.
Isabel mora em Niterói.
Nos exemplos anteriores, as preposições ‘de’, ‘com’ e ‘em’ estabelecem relações de posse, modo, e lugar, respectivamente”
(CEGALLA, 1974, p. 229 apud DIAS, 1994).

Comprei este livro por 20 reais (relação de preço?)

66
Ensino de Gramática na Perspectiva Enunciativa

Classificações
a) Essenciais: palavras que sempre foram preposição. São elas: a, ante, após, até, com, contra, de, desde, em, entre, para,
perante, por, sem, sob, sobre
Exemplos com a preposição de (ANDRÉ, 1990):
Casa de Pedro (posse), ponta da mesa (parte), parafuso da fechadura (pertença), piano de cauda (classificação), caixa de joia
(finalidade), acontecimentos do Vietnã (lugar), espera de um mês (tempo), copo de vidro (matéria), copo de pinga (conteúdo),
caneta de cem reais (preço) etc.
Exemplos com outras preposições:
Ir à cidade; dormir até dez horas por noite; lutar com as paixões; lutar contra as injustiças; viver em paz; ir para o norte;
comunicar‑se por gestos; falar sobre leis.
b) Acidentais: palavras de outras classes gramaticais (principalmente advérbios) que acidentalmente funcionam como
preposições. São elas: conforme, segundo, durante, mediante, visto, como, etc.
Ex.: vestir conforme a moda; ter como prêmio um abraço; comportar‑se segundo as etiquetas sociais; dormir durante a
viagem; ser solto mediante fiança.
Locuções prepositivas
Formadas de advérbio + preposição
Abaixo de, cerca de, acima de, a fim de, em cima de, através de, a respeito de, em favor de, junto a, para com, de acordo com,
por meio de, em vez de, diante de, ao longo de etc.
Critério morfológico Critério sintático Critério semântico
A) Pertencerá à subclasse das preposições essenciais toda palavra que
ocupar a posição da lacuna em um dos três esquemas seguintes:
___ mim
___ ti
___ si
Ex.: a mim, a ti, a si; de mim, de ti, de si; sem mim, sem ti, sem si.
B) Pertencem à subclasse de preposições acidentais as palavras
invariáveis que podem ocupar a posição da lacuna no seguinte
esquema:
Aqui tudo muda ___ o inverno.
Ex.: Aqui tudo muda durante/fora/salvo/menos/conforme/segundo o
inverno.
Para os casos de nem, até, mesmo, só, vale o seguinte esquema:
___ o inverno falhou.
Ex.: Nem/até/mesmo/só o inverno falhou.
Obs.: os critérios mórfico e semântico não têm validade como critérios
classificatórios, no caso da preposição

67
Unidade II

Quadro 15 – Conjunção

Definições de gramáticos tradicionais


A) Celso Cunha
“Os vocábulos gramaticais que servem para relacionar duas orações ou dois termos semelhantes da mesma oração chamam‑se
conjunções” (CUNHA, 1972, p. 533 apud DIAS, 1994).
B) Hildebrando André
“Conjunção é a palavra invariável que liga duas orações entre si, ou que, dentro da mesma oração, liga dois termos entre si
independentes. Exemplos:
Ligando orações
‘Vestia uma cueca preta e calçava enormes tamancos.’
‘Sua Majestade entende que este dia já foi bastante desgraçado.’
Ligando termos
‘Pedro e Paulo viajaram.’
‘Quero que você compre um romance ou um livro de versos.’” (ANDRÉ, 1990, p. 230 apud DIAS, 1994).
Classificações
a) Conjunções coordenativas
“São as que ligam duas orações ou dois termos (dentro da mesma oração), sendo que ambos os elementos ligados permanecem
entre si independentes” (ANDRÉ, 1990, p. 232 apud DIAS, 1994).
• Principais conjunções coordenativas
E, nem, não só... mas também (aditivas), mas, porém, contudo, entretanto, todavia (adversativas), ou, ou...ou, ora...ora, quer...
quer (alternativas), logo, portanto, por consequência (conclusivas), pois, porque, que (explicativas)
Exemplos:
“O médico não veio nem me telefonou.”
“Não só estudamos as lições, mas também fizemos as tarefas.”
“Estudava muito, porém não tinha método.”
“Decida‑se: ou fuja, ou enfrente as consequências.”
“Penso, logo existo.”
“Choveu durante a noite, pois as ruas estão molhadas.”
b) Conjunções subordinativas
“Ligam duas orações, subordinando uma à outra” (CEGALLA, 1974, p. 500 apud DIAS, 1994).
• Principais conjunções subordinativas
Que, se (integrantes) porque, que, pois, como, porquanto, visto que, já que, desde que, (causais) como, assim como, (tão
ou tanto) como, (mais) do que, (tanto) quanto (comparativas) embora, conquanto, que, ainda que, mesmo que, dado que
(concessivas), se, caso, desde que, salvo se, a não ser que, a menos que, dado que (condicionais), como, conforme, segundo
(conformativas), tal que, de sorte que, de forma que, sem que (consecutivas), para que, a fim de que (finais), à proporção que,
à medida que, ao passo que, quanto mais... mais (proporcionais), quando, enquanto, logo que, sempre que, antes que, até que,
agora que (temporais)

68
Ensino de Gramática na Perspectiva Enunciativa

Exemplos:
“Sabemos que a vida é breve.”
“Já que é impossível, não insistirei.”
“Ele era arrastado como uma folha pelo vento.”
“Ela vestia‑se bem, embora não fosse rica.”
“Ficaremos sentidos se você não vier.”
“Comprarei o quadro, desde que não seja caro.”
“As coisas não são como dizem.”
“Minha mão tremia tanto que mal podia escrever.”
“Afastou‑se depressa para que não o víssemos.”
“À medida que se vive mais se aprende.”
“Venha quando você quiser.”

Critério morfológico Critério sintático Critério semântico


A) Conjunção subordinativa: introduz oração inversível
– Eu vi por trás o cadafalso (primeira posição), quando me ofereceram
o trono (segunda posição).
– Quando me ofereceram o trono (primeira posição), eu vi por trás o
cadafalso (segunda posição).
Exceções: consecutivas e comparativas.
B) Conjunção coordenativa: não aceita a inversão
– Sofro, mas espero.
– * Mas espero, sofro.
C) Tanto a conjunção coordenativa quanto a subordinativa ocupam a
posição da lacuna no esquema seguinte
Verbo finito ___ Verbo finito.
Exemplos: Penso, logo existo.
Choro porque sofro.
Espero e confio.
Seguirei quando puder.
Voltarei, embora lamente.
Obs.: os critérios mórfico e semântico não têm validade como critérios
classificatórios, no caso da preposição

Considerando que todas as classes de palavras, definidas pela GT, apresentam desvios e maus
funcionamentos em relação aos diferentes critérios de classificação, é importante notar que há algo de
muito inadequado e que precisa ser mais bem‑investigado e aprofundado nas descrições gramaticas e,
por tabela, no ensino de gramática. Vejamos, a seguir, algumas considerações de Perini (2005) a respeito
dessa discussão.

Em seu livro Sofrendo a Gramática, Perini (2005) reflete a respeito de uma suspeita “repugnância”
pela disciplina Gramática. Ele provoca: “ninguém quer ser gramático!”. Se se pergunta a um jovem ou
adolescente o que quer ser quando crescer, salvo situações muitíssimo excepcionais, é mesmo improvável
que se ache algum que declare querer ser um gramático. Esta disciplina é mesmo motivo de horror para
muitos jovens, ou, pelo menos, de muita insegurança: se se pergunta a alguém “Você sabe gramática?”,
69
Unidade II

dificilmente alguém vai declarar com segurança que sim. Isso só pode demonstrar que há algo de podre
no reino da gramática, sugere Perini (2005). Essa matéria não tem por que ser mais difícil do que as
outras. Assim, o autor aponta três sintomas de que há algo de errado que precisa ser investigado no
estudo/ensino de gramática:

1) Polêmica (que persiste entre pais, professores, teóricos): “A gramática não


serve para nada” X “Sem gramática não é possível aprender português”. Não
deve ser nem uma coisa nem outra. Mas há algo de muito errado com esse
tipo de questionamento e afirmação, pois isso não acontece com outras
disciplinas.

2) Ninguém escolhe a profissão de ser gramático: tal escolha parece, no


mínimo, excêntrica.

3) Os alunos não sabem gramática: estudam nove anos a mesma coisa


(classes de palavras e análise sintática) e não sabem... Diferentemente
de outras matérias em que há um nível de aprendizado mais gradual e
progressivo (PERINI, 2005, 47‑8).

Diante desses três sintomas de que há algo errado com o estudo/ensino de gramática, o autor afirma
não ter a “cura”, mas ter sugestões para diminuir o “sofrimento”.

Ele dá o diagnóstico: o ensino de gramática tem três defeitos (PERINI, 2005, p. 49‑54):

• Os objetivos estão malcolocados: de modo geral, a escola garante (e a sociedade reforça) que
estudar gramática levará o aluno a ler e escrever bem, e isso não é uma verdade. As habilidades
de ler e escrever bem dependem de outras práticas bem diferentes do mero conhecimento
técnico‑gramatical‑metalinguístico e da habilidade linguístico‑textual. Não é por ser um(a)
doutor(a) em linguística e por acaso dominar bem as regras e metalinguagens gramaticais que
isso habilita alguém a escrever sobre o que bem entender... Você poderia escrever um artigo
sobre física quântica ou mesmo uma análise sobre desempenho e as vantagens dos novos carros
elétricos no Japão? Claro que a sua habilidade linguístico‑textual depende em parte do seu
domínio linguístico, mas, antes de tudo, só se escreve/fala bem sobre o que se sabe! Mais do que
apenas conhecer regras gramaticais, você precisa ter lido e conhecer muito bem desses assuntos
para poder escrever bem sobre eles.

• A metodologia é muito inadequada: um professor de história prova uma informação (por exemplo,
havia índios aqui séculos atrás) com fatos constatáveis, artefatos arqueológicos, resultado
de pesquisas; o professor de gramática impõe informações com regras autoritárias (o certo é
assim). Aliás, o autoritarismo parece essencial nas aulas de gramática: quantas vezes não nos
deparamos com perguntas incômodas como: “Professor(a), por que não posso iniciar um período
com próclise?” ou “Por que máximo se escreve com x e massa com ss?” E a resposta é sempre:
“Porque sim, porque o correto é...”.

70
Ensino de Gramática na Perspectiva Enunciativa

• A matéria Gramática precisa de organização lógica: sim, isso é duro de admitir, mas a verdade é
que a matéria que se ensina na escola com o nome de Gramática não tem lógica em muitas de
suas normatizações (como se pôde observar na descrição das classes gramaticais apresentadas
na seção anterior). O autor, para esclarecer rapidamente esta afirmação, dá o exemplo da noção
gramatical de sujeito. Ele refere que essa definição aparece ambígua e confusa em algumas
gramáticas, oscilando entre “ser que pratica a ação” e “ser sobre o qual se faz uma declaração”. O
autor critica que a própria gramática não respeita suas regras. Ele cita uma conhecida gramática
dos autores Celso Cunha e Lindley Cintra, mas indica que esse mesmo problema aparece em
diversas gramáticas tradicionais.

Encontramos [...] a seguinte definição de sujeito: “Sujeito é o ser sobre o qual


se faz uma declaração” (p.119). Muito bem, isso nos diz com certa clareza o
que é um sujeito. Mas a própria gramática não respeita essa definição. Em
outras passagens, os autores chamam de “sujeito” outra coisa que não é
aquilo que foi definido com esse nome. Assim, na página 125 dizem:

“Algumas vezes o verbo não se refere a uma pessoa determinada, ou por


se desconhecer quem executa a ação, ou por não haver interesse no seu
conhecimento. Dizemos então que o sujeito é indeterminado.”

Mas o que tem a ver o sujeito com quem pratica a ação? O sujeito não
é o termo sobre o qual se faz uma declaração? Deveríamos ter sujeito
indeterminado quando não se sabe, ou não se quer dizer, sobre quem se faz
a declaração. Mas aqui o autor simplesmente pulou para outra concepção
de sujeito, sem nem sequer avisar: sujeito seria o elemento que pratica a
ação. Na página 122, encontramos a frase:

Quem disse isso?

E o pronome quem vem marcado como sujeito. Mas qual é a declaração


que se faz sobre quem? Aliás, essa frase, que é uma pergunta, nem sequer
contém uma declaração. Logo, segundo a definição dada, não deveria ter
sujeito, pois nela não se faz declaração sobre coisa alguma. Novamente os
autores desrespeitam a definição que eles mesmos deram.

Vamos à página 126; ali se encontra a frase:

Na sala havia três quadros do pintor.

Essa frase é dada como sem sujeito. Não há dúvida de que essa frase
contém uma declaração; mas será uma declaração sobre nada (já que não
há sujeito)? Será possível fazer uma declaração sobre nada? Para mim, pelo
menos, essa frase faz uma declaração sobre a sala e também sobre os três
quadros... Afinal de contas, o que é realmente o sujeito? Não é possível que
71
Unidade II

a definição varie de frase para frase; mas essa é a impressão que se tem
(PERINI, 2005, 52‑4).

O problema é que as gramáticas escolares não são organizadas de maneira lógica. Mas o que se pode
fazer? O autor dá algumas sugestões:

• Redefinir os objetivos (parar de prometer o que não se pode cumprir).

• Para que estudar gramática, então, se ela não serve para nada? Pelo mesmo motivo que se estudam
muitíssimas outras coisas que não têm aplicabilidade direta em nossa vida – o sistema solar,
relevo, história geral, arqueologia etc. Simplesmente porque, na condição de cidadãos, temos o
direito (e o dever) de saber um pouco sobre um monte de coisas da nossa história, do universo, da
sociedade, da geografia, das ciências de modo geral.

• O professor de gramática terá de parar com a pretensão de determinar como a língua deve ser.
Terá de dizer como a língua é, como funciona, e não como deveria ser. Sobre isso o autor dá o
exemplo da pronúncia coloquial da palavra chimpanzé, que muitos pronunciam chipanzé.

• É preciso melhores gramáticas. As definições devem ser claras e compreensíveis, aplicáveis: “Se
digo que uma vaca é um animal de quatro patas, não tenho o direito de afirmar que Mimosa é
uma vaca porque tem manchas no lombo” (PERINI, 2005, p. 56).

2.2.1 Três problemas básicos, segundo Perini (2002)

No capítulo “Três Problemas Básicos”, do livro Para uma Nova Gramática do Português, Perini (2002)
reflete acerca de três problemas, que, como o título já sugere, estão na base dos desencontros da
gramática tradicional:

• relação entre o aspecto semântico e o formal;

• noção de paradigma gramatical;

• distinção entre classes e funções.

2.2.1.1 O formal e o semântico

Perini (2002) retoma a crítica aos critérios de classificação da GT. Ele evidencia a fragilidade (ainda
que reconheça sua importância) do critério semântico, argumentando que idealmente uma boa
gramática deveria descrever as formas da língua e explicitar o relacionamento dessas formas com o
significado que elas veiculam. Mas isso nem sempre acontece, como foi visto nas seções anteriores, em
que as descrições não raras vezes se distanciam do significado proposto para a classe a que pertencem.
“As relações entre a forma e o conteúdo são extremamente complexas, e em grande parte permanecem
obscuras ainda hoje para os linguistas” (PERINI, 2002, p. 22).

72
Ensino de Gramática na Perspectiva Enunciativa

O autor enfatiza a importância da análise linguística considerando forma‑conteúdo, mas sem perder
de vista a responsabilidade que a correspondência entre estas descrições provoca, funcionando como
efeito generalizador. A GT dá essa relação como simples: “para cada forma sintática ou morfológica o
significado básico e só um [...] uma questão de justaposição: a forma X tem o significado Y” (PERINI,
2002, p. 22). Porém não é bem isso o que ocorre sempre com essa correspondência.

Ele dá exemplos de não identidade entre a descrição formal e a semântica de algumas formas. De acordo
com uma gramática tradicional, “Verbo é [...] a palavra que exprime um fato (ação, estado ou fenômeno)
representado no tempo [...] O verbo apresenta as variações de número, de pessoa, de modo, de tempo
e de voz” (CUNHA, 1975, p. 253 apud PERINI, 2002, p. 23). Veja‑se que na definição de verbo aparecem
as duas noções: semântica (expressão de fato representado no tempo) e formal (apresenta variações
de número, pessoa, modo etc.). Entretanto, o autor evidencia que é fácil encontrar palavras que
correspondam a uma das definições e não à outra.

Por exemplo, em “A chuva de ontem lavou a minha rua”, embora chuva represente um fenômeno
e ontem represente o tempo passado, assim como luta representa uma ação, não podemos afirmar
que essas palavras sejam verbos, mesmo que elas correspondam parcialmente ao que indica a definição
dessa classe. Podemos constatar que a palavra chuva corresponde a um fenômeno natural que está
representado no tempo passado (ontem), mas não podemos classificá‑la como verbo, mesmo que ela
esteja atendendo ao funcionamento de uma das definições (a semântica), porque chuva e ontem não
se flexionam pelo conjunto de variações formais típico dos verbos. Choveu é um verbo, pois refere o
significado semântico de fenômeno natural, representado no tempo que está flexionado dentro da
própria palavra por meio do conjunto variacional número‑pessoal e modo‑temporal.

Outros casos, porém, deixam os estudiosos em maiores dificuldades. Veja‑se o caso de “Gato
come rato”. Come é sem dúvida um verbo, refere uma ação representada no tempo pela estrutura
morfológica variacional; porém, ao contrário de referir o tempo presente, conforme indica a sua
variação, ele indica uma atemporalidade, assim como nos exemplos “A água ferve a cem graus”
e “O homem é mortal” o que se tem é uma informação atemporal, ou seja, não implica uma
ação realizada no passado, no presente e/ou no futuro, mas é atemporal. Isso não está contido
na definição semântico‑formal da classe dos verbos. “O tempo gramatical não é simplesmente
uma representação formal do tempo cronológico” (PERINI, 2002, p. 25). A mesma designação para
ambos não nos deve enganar quanto às suas naturezas distintas. Algo semelhante acontece com o
exemplo: “Pode deixar que eu frito os bolinhos” – em que uma ação é referida morfologicamente
no presente, mas na verdade indica uma ação a ser realizada no futuro; ou ainda na célebre frase:
“Nesse momento, D. Pedro tira a espada e grita: Independência ou Morte!” – em que a ação é
referida no presente, mas indica uma ação realizada no passado (PERINI, 2002, p. 25). São exemplos
da complexidade na relação forma‑conteúdo.

Assim, o autor destaca que, embora a definição semântica seja muito importante para a explicitação
da classe dos verbos, a definição morfológica é mais fácil de elaborar e de testar, portanto é possível
definir formalmente a classe: verbo “é a palavra que pertence a um paradigma cujos membros se opõem
quanto a número, pessoa e tempo” (PERINI, 2002, p. 25). Conforme o autor, tal critério permite que
se identifique claramente correu como um verbo e corrida como um não verbo. Correu pertence ao
73
Unidade II

mesmo paradigma formal de corremos, correrei, corro (verbo); já corrida pertence a outro paradigma
formal que também abrange corridas, corridinha (substantivo).

2.2.1.2 A noção de paradigma gramatical

Sobre o conceito de palavra, Perini (2002) destaca que a GT fala em várias formas da mesma palavra
(singular/ plural; masculino/feminino). Isso significa que correr, corrida, corridinha, corridas são várias
formas da mesma palavra. O autor, porém, discorda dessa afirmação: na opinião de Perini (2002, p. 27,
destaque nosso), “Homem e homens são duas palavras distintas, ainda que membros de um mesmo
paradigma, e não duas formas da mesma palavra”. O conjunto flexional de uma palavra é já um traço
para constituir um paradigma (verbo/adjetivo). Mas essa caracterização tem seus problemas. “Uma
classificação puramente morfológica é, estritamente falando, impossível” (Idem, p. 28). Nesse sentido,
uma classificação sintática é fundamental, sustenta Perini (2002). Vejam‑se os exemplos, citados pelo
autor, de diferentes palavras, com seus paradigmas variacionais diversos (PERINI, 2002, p. 28):

• adjetivos: branco, branca, branquíssimo;

• não adjetivos: brancura, branqueamos.

Uma classificação morfológica não dá conta de diferenciar essas palavras sem cair em circularidade,
e uma classificação semântica produz confusões entre palavras de uma classe e de outra. Perini (2002)
retoma o exemplo “os topázios brilham muito”, questionando o critério morfológico/semântico de
classificação. Ele argumenta que brilham funciona morfologicamente como um verbo (pelas variações
flexionais que assume brilhou, brilharam), mas semanticamente também poderia ser definido como
um adjetivo – brilhar é uma característica/qualidade dos topázios, e não ação, estado ou fenômeno
da natureza. Mesmo assim, a descrição morfológica das palavras é muito importante, e o autor tenta
chegar a uma definição morfológica que seja clara e que abranja essa classe de forma menos confusa.

Ele inicia apontando que “todos os membros de um paradigma devem ter pelo menos um morfema
em comum” (p. 29). Tal concepção deixa claro por que casa e sempre pertencem a paradigmas
diferentes. Contudo, o autor reflete que, apesar de necessária, esta condição não é suficiente. Ela difere
bem os diferentes paradigmas de casa e sempre, mas não esclarece o porquê de correm (verbo) e
corrida (substantivo) pertencerem a paradigmas diferentes (já que eles têm o mesmo morfema lexical
em comum), ou ainda se falei e comprei seriam variações da mesma palavra por terem em comum o
mesmo morfema gramatical ‑ei. É preciso refinar a definição.

O autor reflete sobre outra possibilidade de definição morfológica: “todos os membros de um


paradigma devem pertencer à mesma classe de palavras” (Idem, p. 29). Tal definição ajuda a separar
correm de corrida, mas há o perigo da circularidade nas definições de classes e paradigmas. “Será
necessário definir as classes em termos não morfológicos” (Idem, p. 29), ou seja, sintaticamente.

As classes de palavras [...] serão definidas [melhor] segundo critérios


sintáticos: pertencem a uma mesma classe as palavras que ocorrem no
mesmo conjunto característico de ambientes sintáticos. Por exemplo,
74
Ensino de Gramática na Perspectiva Enunciativa

branco, branca e branquíssima pertencem à mesma classe por ocorrerem


nos mesmos ambientes sintáticos. Um desses ambientes pode ser expresso
assim: ocorrência logo após uma sequência de artigo + substantivo, formando
(os três) um sintagma nominal: (17) comprei um cachorro branco/a galinha
branca/uma camisa branquíssima (PERINI, 2002, p. 29).

Já brancura/branqueiam não partilham o mesmo ambiente sintático que branco/branca/branquíssima,


conforme ilustra o autor. O que se pode verificar é que “a condição de que os membros de um paradigma
pertençam à mesma classe de palavras ainda nos poderá trazer problemas” (PERINI, 2002, p. 30).

Até aqui as definições morfológicas não impediram falei/comprei de estarem no mesmo paradigma
por trazerem o mesmo morfema gramatical ‑ei em comum. A tradição da GT não autoriza que falei e
comprei sejam formas da mesma palavra. Portanto, ainda falta algo na definição. Nesse sentido, Perini
(2002, p. 31) dá mais um passo na definição de paradigma morfológico: “Paradigma é um conjunto de
palavras que pertencem à mesma classe e que diferem apenas quanto a morfemas flexionais”. Com essa
definição é possível separar as palavras com morfemas lexicais e derivacionais em comum daquelas
que possuem apenas morfemas flexionais comuns, como falei e comprei, que agora podem ficar mais
nitidamente separadas no paradigma dos verbos.

Porém, conforme Perini (2002), o problema dessa definição anterior é que até hoje nos estudos
linguísticos não se tem uma definição totalmente clara acerca da diferença entre morfemas
derivacionais e morfemas flexionais. Tal distinção às vezes pode ser fugidia. Em princípio, a regularidade
é própria dos morfemas flexionais (todos os verbos se flexionam com os mesmos morfemas flexionais
número‑pessoais e modo‑temporais ‑r, ‑ei, ‑ríamos, ‑ria etc.) e se opõe a uma não regularidade dos
morfemas derivacionais (é possível opor fazer a desfazer, atar a desatar, montar a desmontar, mas
essa regra não se aplica a todos os verbos – não existe desacender, desfalar, descomprar etc.). Isso
oporia (pela falta de regularidade) os morfemas derivacionais aos morfemas flexionais nos verbos.
Entretanto, há casos de irregularidades também nos morfemas flexionais: os verbos anômalos (ser –
sou, fui e ir – vou, fui) e os defectivos (chover, falir, abolir – que não podem ser flexionados em
todas as pessoas). Isso acaba fragilizando a generalização da diferença entre os morfemas flexionais
(regulares) e os morfemas derivacionais (irregulares). Ainda assim, por se tratarem de “irregularidades”
excepcionais nos morfemas flexionais, o autor mantém essa condição como um fator importante na
definição de paradigma (trazerem os mesmos morfemas flexionais).

Assim, ficam definidas quatro possibilidades de relação entre as palavras, segundo Perini (2002, p. 32‑3):

• mesma classe, com identidade de morfemas não flexionais (ex.: branco/branca – adjetivos);

• classes diferentes, com diferença de morfemas não flexionais (ex.: branco/brancura – adjetivo, substantivo);

• mesma classe, com diferença de morfemas não flexionais (fazer/desfazer – verbos);

• classes diferentes, com identidade de morfemas não flexionais (corrida/corro/correr – substantivos,


verbos).
75
Unidade II

Importante! A GT coloca no mesmo paradigma corro e correr e as considera como formas da mesma
palavra, porém estas palavras são idênticas quanto aos morfemas não flexionais, mas pertencem a classes
distintas. Corro é verbo, mas correr é infinitivo, ou seja, é uma forma nominal do verbo, corresponde
a um nome, assim como correndo (gerúndio) e corrido (particípio passado), que também são formas
nominais: não são flectíveis no paradigma número‑pessoal‑modo‑temporal dos verbos. Conforme vários
estudiosos, essas formas nominais, especialmente o infinitivo, não funcionam sintaticamente na classe
dos verbos. Seu comportamento é predominantemente nominal. Considerando essa reflexão, temos que
corro e correr possuem identidade de morfemas não flexionais, mas pertencem a classes diferentes
– verbo e nome. Contudo, tal reflexão não está prevista nas concepções da GT que consideram corro
e correr como variações da mesma palavra na mesma classe. (PERINI, 2002, p. 34). A nomenclatura
tradicional não costuma tratar de paradigmas, mas de palavras e de formas da mesma palavra: corro,
correr, corríamos. Perini (2002), pela discussão exposta, prefere referir‑se a corro e correr como palavras
distintas, pois estas palavras pertencem a classes distintas e, principalmente, exercem comportamentos
sintáticos distintos.

Por fim, o autor argumenta que o problema é da definição de paradigma e que ela é morfológica,
e não sintática. Qual é a utilidade da noção de paradigma na descrição gramatical? Ela permite a
formulação de definições morfológicas, como a de verbo, permite uma apresentação compacta das
palavras flexionalmente relacionadas, o que é uma vantagem, e tem sua importância quanto à descrição
semântica da língua, mas não define/descreve bem, nem distingue os papéis sintáticos, pois uma mesma
palavra pode ter diferentes comportamentos sintáticos e consequentemente pode pertencer a diferentes
classes de palavras.

2.2.1.3 Classes e funções

Quanto à relação entre classes e funções, o autor esclarece que a GT se utiliza de algumas noções
que nunca são devidamente explicitadas e, em decorrência disso, acaba abrigando incoerências nessas
noções. Embora as noções de classe e função sejam próprias da nomenclatura da GT, não há uma
distinção satisfatória dessas noções, que poderiam ser mais bem‑aproveitadas.

A noção de “classe” encontra‑se reconhecida, ainda que não bem‑definida,


nas gramáticas, mas seu uso é pouco sistemático. Admite‑se sempre a
necessidade de classificar as palavras, e a doutrina fornece nomes para
essas classes (“verbos”, “advérbios”, “pronomes” etc.). Além dessas classes,
existem outras que não são explicitamente reconhecidas como tais, mas
que também recebem nomes: termos como “oração”, “frase”, “oração
subordinada” se referem a classes de formas, ou a suas subclasses. E, como
quaisquer outras classes, podem ser definidas pela sua distribuição sintática,
sua estrutura interna, ou (com as limitações que conhecemos) suas
propriedades semânticas. No entanto, nem todas as classes são explicitadas
(PERINI, 2002, p. 36).

Perini (2002) aponta como exemplo uma classe importante que em geral não é reconhecida pela GT:
a dos sintagmas nominais. Vejam‑se as formas que o autor ilustra:
76
Ensino de Gramática na Perspectiva Enunciativa

Carminha

a Carminha

aquela moça do terceiro andar

uma funcionária da Universidade que eu conhecia (PERINI, 2002, p. 37).

É claro que estas formas são estruturalmente bem diferentes, mas elas possuem importantes papéis
sintáticos comuns. Todas elas podem ocupar a posição sintática de sujeito, objeto direto, ser precedidas
por preposição, podem atuar como adjunto adnominal ou objeto indireto. Em contrapartida, “nenhuma
dessas formas pode ser o núcleo de um predicado verbal, nem aparecer coordenada com a conjunção e
mais um adjetivo” (PERINI, 2002, p. 37). Em outras palavras, estas quatro formas têm um comportamento
sintático semelhante. Se a função das classes de palavras é justamente descrever de forma compacta
e generalizada o comportamento sintático das formas, as quatro formas citadas (dentre tantas outras
possíveis) deveriam ser colocadas em uma mesma classe, a de sintagma nominal. Mas isso a GT não faz.

A inexistência desse termo na GT a obriga a descrever “o comportamento sintático dessa classe de


maneira desnecessariamente complicada e sem unidade, em outras palavras, de maneira não sistemática”
(Idem, p. 37). Perini (2002) exemplifica que o gramático tradicional Celso Cunha (1975) lista ao menos
quinze possibilidades principais, dentre outras, do que pode ser o núcleo da categoria de sujeito (um
pronome pessoal, um substantivo, um pronome interrogativo etc.), quando poderia sintetizar essa
descrição dizendo que o núcleo do sujeito sempre vai ser um sintagma nominal. Essa maneira pouco
compacta de descrever os fatos linguísticos tem dois problemas:

• deixa de descrever a estrutura formal do sujeito, mostrando apenas uma lista dos possíveis núcleos
do sujeito;

• obriga‑nos a repetir a mesma lista de possibilidades toda vez que precisamos referir o que é o
núcleo do objeto direto, objeto indireto e adjunto adnominal (que também são estruturados a
partir de um sintagma nominal).

Isso poderia ser sanado e descomplicado simplesmente com a noção da classe do sintagma nominal.
“O sintagma nominal se compõe de um substantivo, ou de artigo seguido de substantivo, ou de pronome
pessoal etc. (a composição do sintagma nominal é bem complexa)” (Idem, p. 38). Porém, uma vez descrita
a classe do sintagma nominal, podemos dizer que o sujeito é sempre composto por um sintagma nominal,
assim como o objeto direto e o objeto indireto, que se compõe de preposição + sintagma nominal também
(excetuando‑se o caso dos pronomes clíticos, como lhe, que precisam ser tratados à parte).

Com esse exemplo, o autor quer deixar clara a distinção entre classe e função. Acompanhe: “‘Sujeito’
é uma função, isto é, um dos aspectos da organização formal da oração. Uma função sintática se define
através das relações sintagmáticas entre os diversos termos da oração” (Idem, p. 39). A partir da função
de sujeito é possível definir uma classe de formas diferentes com a função de sujeito. Considerando
que a classe de formas que funcionam como sujeito é igual à classe de formas que podem ser objeto
77
Unidade II

direto, indireto (quando precedidas de preposição), adjunto etc., podemos concluir que a classe não se
identifica com a função, pois sujeito, objeto direto e objeto indireto são funções diferentes que podem
ser formadas por estruturas da mesma classe. Veja:

• Carminha montou o quebra‑cabeça (Carminha pertence à classe de substantivo e tem função de


sujeito aqui);

• Paulo gosta de Carminha (Carminha pertence à classe de substantivo e tem função de objeto indireto);

• José cutucou Carminha (Carminha pertence à classe de substantivo e tem função de objeto direto).

As noções de classe e função são distintas e exprimem aspectos bem diferentes do funcionamento
da língua: “uma classe é um conjunto (não necessariamente finito) de formas linguísticas; uma função
é um princípio organizacional da linguagem” (Idem, p. 40).

A partir das reflexões expostas, ficam evidentes as deficiências da nomenclatura gramatical


tradicional. Evidencia‑se também a necessidade do esforço entre os diferentes estudos linguísticos
para ampliar as descrições da linguagem e melhorar as possibilidades de trabalho com a gramática na
pesquisa e na escola.

No próximo tópico, serão apresentadas algumas possibilidades de trabalho com a gramática


no ambiente escolar, com uma abordagem mais produtiva e frutífera para os alunos em relação ao
conhecimento da língua e de seu uso.

2.3 Alternativas para o ensino de gramática: uso, reflexão e análise

Nessa discussão, pretendemos apresentar algumas sugestões alternativas à GT de diferentes autores,


como Travaglia, Possenti, Geraldi e Antunes, em relação ao trabalho com a gramática em sala de aula.
Também faremos uma apresentação da proposta de ensino de Língua Portuguesa veiculada oficialmente
pelos PCN, sobre os quais teceremos alguns comentários.

Em sua obra, Gramática e Interação: Uma Proposta para o Ensino de Gramática, Travaglia reúne
contribuições de diversos teóricos da linguagem no sentido de perseguir caminhos para uma melhor
compreensão e uma prática mais efetiva e produtiva do ensino de gramática na escola.

O autor retoma a consensual opinião de que “o ensino de gramática em nossas escolas tem sido
primordialmente prescritivo, apegando‑se a regras de gramática normativa”, exemplificada com o cânone
literário clássico, cujas regras são repetidas por décadas e décadas como formas corretas de expressão.
(TRAVAGLIA, 2006, p. 101). Não há ênfase em atividades de produção e compreensão de textos, há um
excesso na abordagem da metalinguagem gramatical com vistas à classificação das categorias e funções
que gasta o tempo da maioria das aulas e impede um avanço no alcance de um domínio linguístico mais
desenvolvido, no sentido de que a prática de produção textual não é encorajada, a não ser como pretexto
para a abordagem gramatical. O que se vê é ano a ano a repetição dos mesmos tópicos gramaticais:

78
Ensino de Gramática na Perspectiva Enunciativa

classificação de palavras e sua flexão, análise sintática do período simples


e composto a que se acrescentam ainda noções de processos de formação
de palavras e regras de regência e concordância, bem como regras de
acentuação e pontuação. Alguns professores ainda realizam estudos de
figuras de linguagem e bem menos frequentemente de versificação. Como
bem registra Neder (1992, p. 56), a gramática é dada “para se cumprir um
programa previamente estabelecido sem se levar em conta as dificuldades
ou não dos alunos no emprego que fazem efetivamente da linguagem”
(TRAVALGIA, 2006, p. 102).

O autor refere um estudo de Neves (1990 apud TRAVAGLIA, 2006) especificamente a respeito dos
objetivos de ensino de gramática nas escolas e sobre o que é ensinado. Em resumo, o estudo aponta
que a maioria dos professores entende como objetivo do ensino de gramática o bom desempenho na
expressão, comunicação e compreensão no domínio da língua, bem como o conhecimento das regras
do padrão culto e maior correção linguística, sucesso profissional e social, e poucos, que as aulas servem
apenas para cumprir um programa. Mas o ensino de gramática é denotado como algo desconectado
de qualquer utilidade prática, o que traduz um pensamento, para alguns, de que o ensino de gramática
seja desnecessário.

Quanto ao que é ensinado na escola, Neves (1990, p. 12‑4 apud TRAVAGLIA, 2006, p. 103) descreve
os tópicos do programa de Língua Portuguesa trabalhados com mais frequência nas escolas:

1. Classes de palavras................................................................... 39,71%


2. Sintaxe...........................................................................................35,85%
3. Morfologia...................................................................................10,93%
4. Semântica...................................................................................... 3,37%
5. Acentuação.....................................................................................2,41%
6. Silabação........................................................................................ 2,25%
7. Texto................................................................................................. 1,44%
8. Redação.......................................................................................... 1,44%
9. Fonética e Fonologia................................................................. 0,96%
10. Ortografia.................................................................................... 0,80%
11. Estilística....................................................................................... 0,32%
12. Níveis de linguagem................................................................ 0,32%
13. Versificação................................................................................. 0,16%

Soares (1979 apud TRAVAGLIA, 2006, p. 104‑5) aponta três orientações metodológicas mais
frequentes para o ensino de gramática:

• Da gramática ao uso da língua: é uma concepção normativa e se baseia no ensino de teoria


gramatical com o objetivo de tornar o aluno eficiente no uso da linguagem a partir do entendimento
da organização da gramática. Vários estudiosos defendem que esse método não é eficiente.

79
Unidade II

• Do uso da língua à gramática: é uma concepção que questiona a eficácia do ensino de regras
gramaticais para o alcance do domínio efetivo da linguagem e propõe que se parta da leitura de
textos para o estudo da gramática. Nessa proposta o aprendizado da gramática continuou como
o centro e a finalidade do processo, e a abordagem de textos tornou‑se apenas um pretexto para
a observação das regras. Não houve grandes avanços.

• Gramática do uso: é uma concepção que baseia‑se no uso do método estrutural e de exercícios
estruturais, buscando “o desenvolvimento de automatismos que possibilitem o uso efetivo de
novos recursos da língua consequente ao treinamento feito” (p. 105). Nessa postura, há uma
verdadeira inovação, já que valoriza de fato o uso, a produção linguística, e não apenas a descrição
gramatical. Mesmo assim, há problemas em razão de a escolha das estruturas ser feita conforme
os textos, e não conforme as dificuldades dos alunos.

Soares (1979 apud TRAVAGLIA, 2006) destaca que nas três metodologias os resultados têm deixado
a desejar, pois, no fim, os alunos continuam sem a habilidade efetiva de uso da língua para todas as
situações diversas de (comunicação) uso linguístico nas quais precisam atuar.

Diante desse quadro, Travaglia (2006) apresenta uma proposta para o ensino de gramática buscando
atender a diferentes tipos de atividades que poderiam constituir um ensino pertinente e que represente
ajuda, e não obstáculo, no desenvolvimento da competência comunicativa do aluno.

2.3.1 Uma proposta para o ensino de gramática

Travaglia (2006, p. 107) afirma que aprender a língua, tanto no que se refere ao modo natural, no
convívio social, quanto ao modo sistemático, na escola, “implica sempre reflexão sobre a linguagem,
formulação de hipóteses e verificação do acerto ou não dessas hipóteses sobre a constituição e
funcionamento da língua”. A proposta do autor leva em conta que:

• o principal objetivo do ensino de língua materna é desenvolver a competência comunicativa;

• o ensino deve ser produtivo, visando à aquisição de novos recursos linguísticos, embora também
haja um lugar para a abordagem descritiva e prescritiva das formas da língua;

• a linguagem é um espaço de interação;

• o texto em seu conjunto oferece pistas e instruções para a construção de efeitos de sentido nas
interações comunicativas;

• o domínio da linguagem exige reflexão, em certa medida.

Nesse sentido, o autor propõe que o ensino de gramática seja voltado para uma gramática de uso e
para uma gramática reflexiva, apoiado em certa medida pela abordagem de uma gramática teórica e
normativa, com vistas a que o aluno alcance o conhecimento da língua e sobre a língua.

80
Ensino de Gramática na Perspectiva Enunciativa

2.3.1.1 Gramática de uso

Conforme o autor, essa gramática de uso

é não consciente, implícita e liga‑se à gramática internalizada do falante.


No ensino ela se estrutura em atividades que buscam desenvolver
automatismos de uso das unidades, regras e [dos] princípios da língua [e de]
uso dos recursos das [suas] diferentes variedades (TRAVAGLIA, 2006, p. 111).

Nessas atividades não se evidenciam elementos de descrição das formas. “O professor é que tem que
saber muito sobre a língua (estrutura e funcionamento) para selecionar e ordenar conteúdos e montar
exercícios adequados ao ensino da habilidade que pretende seja adquirida”. (Idem, p. 111). A gramática
de uso deve ser trabalhada a partir de produções de vários gêneros, tanto orais quanto escritos. O autor
apresenta alguns exemplos de atividade de gramática de uso, por meio de exercícios estruturais para
os adjetivos, a fim de ilustrar algumas possibilidades e entendendo que o professor deve selecionar
exercícios que supram a necessidade e o nível de dificuldade dos alunos. Veja— o quadro seguinte, que
sintetiza as propostas de abordagem sobre o adjetivo (TRAVAGLIA, 2006, p. 112‑20):

Quadro 16 – Exercícios estruturais e sua execução

Tipo de exercício estrutural Exercício em execução


*P = professor; A = aluno
P – O carro novo é bom
A – O carro novo é bom
P – Este carro antigo é bonito
A – Este carro antigo é bonito
P – O carro de corrida é veloz
Exercício de repetição – foco na classe de Adjetivo: A – O carro de corrida é veloz
o adjetivo (especificação/atributo); a locução
adjetiva; o particípio como adjetivo P – Este carro de passeio é bonito
A – Este carro de passeio é bonito
P – O carro polido é bonito
A – O carro polido é bonito
P – O carro batido é vermelho
A – O carro batido é vermelho
[...]
P – O carro que comprei é bonito
A – O carro que comprei é bonito
P – O carro que é polido fica brilhando
Exercício de repetição – foco na classe de Adjetivo: A – O carro que é polido fica brilhando
a oração subordinada adjetiva P – Este carro que é de passeio é muito confortável
A – Este carro que é de passeio é muito confortável
P – O carro que é novo dá poucos problemas
A – O carro que é novo dá poucos problemas
[...]

81
Unidade II

P – Tenho um amigo feio


A – Tenho um amigo feio
P – Tenho uma amiga feia
A – Tenho uma amiga feia
P – Ele é cristão, mas é mau
A – Ele é cristão, mas é mau
P – Ela é cristã, mas é má
Exercício de repetição – foco na classe de Adjetivo: A – Ela é cristã, mas é má
a flexão de gênero e sua concordância com o
substantivo P – Ela tem uma saia verde‑escura
A – Ela tem uma saia verde‑escura
P – Ele tem um paletó verde‑escuro
A – Ele tem um paletó verde‑escuro
P – Ele é um rapaz gentil
A – Ele é um rapaz gentil
P – Ela é uma moça gentil
A – Ela é uma moça gentil
[...]
P – Meu amigo é alto
A – Meu amigo é alto
P – Minha amiga
A – Minha amiga é alta
P – Meu amigo e minha amiga
A – Meu amigo e minha amiga são altos
P – Meus amigos
A – Meus amigos são altos
P – Minhas amigas
A – Minhas amigas são altas
Exercício de substituição – foco na classe de
Adjetivo: as flexões de número e de gênero e sua P – Esperto
concordância ou não com o substantivo e com o A – Minhas amigas são espertas
pronome demonstrativo
P – Meus amigos
A – Meus amigos são espertos
P – Este homem é simples
A – Este homem é simples
P – Esta mulher
A – Esta mulher é simples
P – Feliz
A – Esta mulher é feliz
P – Meu primo
A – Meu primo é feliz
[...]

82
Ensino de Gramática na Perspectiva Enunciativa

Modelo
P – Vi uma flor linda
A – Vi umas flores lindas
P – A flor é azul
A – As flores são azuis
P – Eu a vi na casa de um rapaz gentil
A – Eu a vi na casa de uns rapazes gentis
P – Ele é um jardineiro japonês
A – Eles sãos uns jardineiros japoneses
P – Este jardineiro japonês é simples e eficiente
A – Estes jardineiros japoneses são simples e eficientes
[...]
Exercício de transformação – foco na classe
de Adjetivo: as flexões de número, de gênero e Modelo
sua concordância (funcionando como adjunto P – Sérgio mora em Petrópolis porque o clima da serra é bom
adnominal, predicativo, locução adjetiva, oração A – Sérgio mora em Petrópolis porque o clima serrano é bom
adjetiva)
P – Ele terá de fazer um tratamento dos dentes
A – Ele terá de fazer um tratamento dental
P – O dentista tem com Sérgio um cuidado de pai
A – O dentista tem com Sérgio um cuidado paterno
Modelo
P – Um homem corajoso enfrenta o perigo
A – Um homem que tem coragem enfrenta o perigo
P – Um homem trabalhador é bem‑visto por todos
A – Um homem que trabalha é bem‑visto por todos
P – Os alunos estudiosos sempre aprendem
A – Os alunos que estudam sempre aprendem
[...]
Modelo
P – Os menino levado quebraro a janela
A – Os meninos levados quebraram a janela
Exercício de transformação – foco na classe de P – Meus primo é inteligente
Adjetivo: mudança de um padrão/variedade para
outro A – Meus primos são inteligentes
P – Três home malvado batero neles
A – Três homens malvados bateram neles
[...]

Saiba mais

Para um aprofundamento sobre o método com os exercícios estruturais, leia:

TRAVAGLIA, L. C.; ARAÚJO, M. H. S.; PINTO, M. T. F. A. Metodologia e prática


de ensino da língua portuguesa. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1984.

83
Unidade II

O autor salienta que “muitos livros didáticos trazem exercícios estruturais, mas estes dificilmente
constituem toda uma série de exercícios necessários ao trabalho com um fato da língua” (Idem, p. 121).
Ele argumenta que tais exercícios nos livros didáticos são quase sempre isolados e não cumprem a
função de automatizar o uso dos recursos da língua.

Ainda no tópico “Gramática de Uso”, o autor propõe atividades com variedades linguísticas. Para não
alongar a breve apresentação deste tópico, reproduziremos apenas três propostas do autor e sugerimos
a leitura do capítulo inteiro para uma compreensão mais ampla. Conforme Travaglia (Idem, 121‑2):

O professor pode dar alguma gramática teórica, mostrando, por meio


de exposição, estudo dirigido ou outro tipo de atividade, a existência de
variedades e os tipos básicos de variação linguística que existem e interessam
mais diretamente ao ensino, de acordo com o que for pertinente no momento.

(70) Diga de uma maneira mais educada ou gentil, que mostre mais
consideração de sua parte para com a pessoa a quem você se dirige:

a) Você é um animal!

(Você é uma pessoa muito mal‑educada e extremamente grosseira.)

b) Sai da minha frente!

(O senhor/a senhora/você pode/poderia me deixar passar, por favor?)

c) Anda logo, sua pamonha!

(Você poderia andar mais depressa, pois estou atrasado.)

(Dá para ser mais rápida? Tenho muita pressa/estou com muita pressa.)

d) Desembucha logo!

(Fale logo, por favor.)

(Não precisa fazer tantos rodeios, conte logo o que aconteceu.)

(71) Ouvindo as pessoas e lendo textos escritos, vá anotando:

a – expressões e modos de dizer que você considere que revelam cortesia de


quem diz para o seu interlocutor;

b – expressões e modos de dizer que você considere que revelam falta de


cortesia de quem diz para o seu interlocutor;
84
Ensino de Gramática na Perspectiva Enunciativa

(72) Grave algo que você ou um colega disse sobre qualquer tema solicitado.
Transcreva a gravação. Transforme o texto oral que foi feito em um texto
escrito.

Obs.: esta atividade pode ser feita em grupo ou individualmente. Após a


passagem para a forma escrita deve‑se sempre discutir com os alunos as
diferenças entre o estilo falado e o escrito. (TRAVAGLIA, 2006, p. 122).

2.3.1.2 Gramática reflexiva

Retomando a discussão de Soares (1979 apud TRAVAGLIA, 2006, p. 142), o autor destaca que a
gramática reflexiva “é uma gramática em explicitação que surge da reflexão com base no conhecimento
intuitivo dos mecanismos da língua e será usada para o domínio consciente de uma língua que o aluno
já domina inconscientemente”. Travaglia (2006) acrescenta que tal reflexão também deve abranger o
domínio dos usos da língua que o aluno ainda não domina com vistas a ampliar sua capacidade de uso
e desenvolver a sua competência comunicativa na atividade com textos diversos. Nesse sentido, o autor
esclarece que é possível fazer dois tipos de trabalho com a gramática reflexiva.

No primeiro tipo, é possível realizar atividades “que levam o aluno a explicitar fatos da estrutura e do
funcionamento da língua” (Idem, p. 143). O professor não deve abordar os fatos com aulas expositivas,
dando a teoria gramatical pronta, mas sim construir atividades que levem o aluno “a redescobrir fatos já
estabelecidos pelos linguistas em seus estudos” (Idem, p. 143). Tal reflexão tem como objetivos ensinar
sobre como a língua é, levar o aluno a conhecer a língua como uma instituição social e ensinar a pensar.
Estaria voltada para a explicitação de elementos estruturais da língua, como:

a) a existência de diferentes classes de palavras, pela observação e distinção de


classes que o professor julgue pertinente distinguir (adjetivos, substantivos,
verbos etc.), bem como certas características destas (por exemplo: os
adjetivos dão atributos de entidades, acompanham substantivos, podem se
flexionar em gênero e número etc.), e eventuais subtipos (adjetivos pátrios,
uniformes, biformes etc.);

b) a existência de categorias da língua como tempo, modalidade, voz,


gênero, número, pessoa, aspecto e como elas são marcadas e como afetam
certos tipos de sentido;

c) os vários tipos de constituintes da estrutura frasal e a função de cada um


em diferentes planos;

d) as diversas regras de construção de unidades da língua tais como as


palavras (processos de formação de palavras) ou as orações e [os] períodos
(como combinar seus constituintes: sintaxe de colocação, concordância,
regência) (TRAVAGLIA, 2006, p. 143).

85
Unidade II

O autor adverte que, nesse primeiro tipo de atividade, o conhecimento sobre os aspectos estruturais
da língua não necessariamente permite ao aluno chegar ao desenvolvimento de sua competência
comunicativa. É o que várias metodologias de ensino têm constatado. Este primeiro tipo “representa
mais uma metodologia de ensino de teoria gramatical, de gramática teórica” (Idem, p. 144).

No segundo tipo de atividade, é possível realizar práticas voltadas aos funcionamentos semânticos e
pragmáticos da língua que se centralizam nos “efeitos de sentido que os elementos linguísticos podem
produzir na interlocução, já que fundamentalmente estamos querendo desenvolver a capacidade de
compreensão e expressão” (Idem, p. 150). Nesse segundo tipo, a metodologia da gramática reflexiva
consistirá em:

a) perguntar quais seriam as alternativas de recursos linguísticos a serem


utilizados;

b) comparar os efeitos de sentido que podem produzir em dada situação de


interação comunicativa;

c) comparar os efeitos de sentido que um recurso ou diferentes recursos


podem produzir em diferentes situações de interação comunicativa.

O autor ressalta que as atividades devem sempre levar o aluno a raciocinar criativamente sobre a
língua, a ter segurança e precisão quanto aos recursos linguísticos utilizados em suas produções e a
ampliar sua capacidade de leitura. Assim, o aluno se tornará cada vez mais consciente de suas escolhas
feitas em suas produções textuais. Reproduziremos aqui uma proposta de atividade deste segundo tipo
sugerida por Travaglia (2006). Trata‑se de uma atividade relacionada com o trabalho com os adjetivos.

Caso 1

Levando em conta:

a) que temos quatro tipos básicos de “adjetivo”: o adjetivo (classe de


palavra), o particípio funcionando como adjetivo, a locução adjetiva e a
oração adjetiva;

b) que entre esses tipos de “adjetivo” há certas equivalências, como entre


“adjetivo”, e “locução adjetiva” e entre “adjetivo” e “oração adjetiva”;

seria interessante montar atividades que levassem os alunos a refletir sobre


a diferença, por exemplo, entre dizer algo usando um “adjetivo” e “uma
locução adjetiva” (exemplo 104) [...]

(104) 1 – Há alguma diferença de sentido entre a “locução adjetiva” (ou


a expressão) e o “adjetivo” (ou a palavra) correspondente que aparecem
destacados nos pares de frases [a seguir]? Todos os casos em que uma pode
86
Ensino de Gramática na Perspectiva Enunciativa

ser usada o outro também pode? Dê exemplo(s) de situação(ões) em que as


pessoas usariam cada um.

A) a— Mário tem por Antônio um amor de pai.

b— O amor paterno é sempre mais contido que o materno.

B) c— Aquela casa tinha uma cor de chumbo.

d— Aquela casa tinha uma cor plúmbea.

2 – Encontre outros pares de “adjetivo” e “locução adjetiva”. Forme frases


com os mesmos e procure dizer se há diferença de sentido entre o “adjetivo”
e a “locução adjetiva”. Pense em situações em que estas frases poderiam ser
usadas (TRAVAGLIA, 2006, p. 151‑2).

Observação

Cumpre enfatizar que o autor dá vários exemplos e propostas de


trabalho com as diferentes formas de abordagem gramatical, inclusive
refletindo sobre as possíveis respostas e quanto ao nível de alcance que os
alunos podem ter em cada proposta de atividade, mas não nos cabe aqui
reproduzi‑los todos. Convidamos você a retomar estas leituras na fonte
para uma maior amplitude destas discussões e para mais detalhes sobre as
propostas de atividades que a obra oferece.

2.3.1.3 Gramática teórica

A gramática teórica é também uma gramática explícita, uma sistematização teórica dos
conhecimentos acerca da língua, por meio de metalinguagem científica de diferentes áreas da
Linguística. Conforme Travaglia (2006), quanto às atividades de ensino‑aprendizagem, estas devem se
basear nas diferentes gramáticas descritivas e, em certa medida, nas descrições que também aparecem
nas gramáticas normativas, embora não se deva confundir gramática teórica com gramática normativa,
sobretudo, em relação às conhecidas prescrições de certo e errado.

O autor propõe que o trabalho com a gramática na escola siga as duas orientações prioritariamente
(gramática de uso e gramática reflexiva), mas entende que esse trabalho deva ser apoiado com a
abordagem da gramática teórica. Ela não deve ser abordada como a finalidade principal do ensino,
mas deve ser “utilizada como mais um recurso que pode ajudar a atingir o objetivo de desenvolver
a competência comunicativa” (Idem, p. 215). Nesse sentido, o professor reduzirá o tempo gasto com
uma grande quantidade de informações teóricas sobre a língua, selecionando apenas os tópicos que
sejam realmente pertinentes para facilitar o incremento das capacidades a serem desenvolvidas em
seus alunos, tornando‑os capazes de levantar hipóteses e argumentar, bem como de pensar, raciocinar
87
Unidade II

cientificamente. “O objetivo desta sistematização é apresentar a língua como instituição social [...] pelas
mesmas razões que são apresentadas ao aluno a estrutura e o funcionamento de outras instituições
sociais [religiosas, políticas, familiares etc.]” (Idem, p. 215‑6).

Ao professor é necessário um espírito crítico e um constante aprofundamento nos estudos da


linguagem e da gramática, já que é sua responsabilidade “não passar para o aluno [uma] teoria de má
qualidade ou com problemas” (TRAVAGLIA, 2006, p. 217). O autor ressalta que:

O professor só terá essa visão crítica da teoria gramatical com que está
trabalhando e só se sentirá à vontade para trabalhar com os problemas que
ela traz se:

a) [...] lembrar que os estudos linguísticos, que a ciência linguística, como


todas as demais ciências humanas, tem ainda uma descrição, uma explicação
muito incompleta e fragmentada do seu objeto;

b) estiver convicto de que as teorias são tentativas de explicação do objeto


de estudo da ciência e de que ainda não foi dada a palavra final sobre o
objeto de nenhuma ciência;

c) em função de a e b, o professor de Língua Portuguesa estiver disposto a


aceitar as novas descobertas da ciência linguística, evitando assim certas
atitudes como, por exemplo, a de insistir em determinados cânones da
linguística tradicional [...] (TRAVAGLIA, 2006, p. 217).

Não iremos reproduzir aqui os exemplos que o autor dá como propostas de trabalho com essa
abordagem, mas incentivamos fortemente a leitura da obra e a reflexão sobre estas propostas para que
você amplie a compreensão dessa abordagem.

2.3.1.4 Gramática normativa

Por último, em sua proposta de trabalho com a gramática da Língua Portuguesa, o autor menciona a
gramática normativa, em relação à qual foram levantadas várias questões ao longo das exposições de
Travaglia (2006, p. 226) e de outros autores sobre: “aspectos da forma e da constituição dessa gramática
em relação à variedade culta escrita e padrão da língua e de sua utilização no ensino”. A gramática
tradicional e os manuais de gramática normativa enfatizam “as normas de bom uso da língua, para falar
e escrever bem [a variedade culta padrão]” (Idem), e não são considerados os critérios de bom uso no
sentido de o aluno saber adequar a variedade às diferentes situações de interação comunicativa. Outro
ponto é que as normas da GT sempre são ilustradas com o uso consagrado de escritores canônicos,
ignorando assim outras variedades, sobretudo, as de oralidade, o que acaba por sedimentar vários
preconceitos linguísticos.

É preciso não confundir o que são regras de gramática normativa que


aparecem nos manuais com a parte descritiva que aparece nestes mesmos
88
Ensino de Gramática na Perspectiva Enunciativa

manuais [...]. Assim, por exemplo, são regras de gramática normativa


preceitos como os elencados a seguir [...]:

a) não se pode iniciar frases com o pronome oblíquo átono [como em “Me
passe o sal”];

b) o verbo tem de concordar em número e pessoa com seu sujeito [o que não
ocorre em “Nem tudo são flores”];

c) constitui silabada, ou seja, erro de acentuação tônica de um vocábulo, e


deve ser evitada a pronúncia de determinadas palavras tal como aparece na
linguagem popular [“récem” por recém, “gratuito” por gratuito, “recorde”
por recorde etc.] [...]

Os critérios de qualidade de que se vale a gramática normativa são, muitas


vezes, problemáticos e com frequência nada têm a ver com a realidade da
língua em si em sua variação. A variedade considerada culta é normalmente
a das classes sociais de prestígio econômico, político, cultural etc., não
considerando, portanto, a capacidade de qualquer variedade de língua
cumprir uma função comunicacional (TRAVAGLIA, 2006, p. 226‑8).

O autor evidencia que a gramática normativa normativiza as regras de usos sociais em situações
formais. Assim, para um bom trabalho com a gramática normativa é importante explicitar no ensino as
normas sociais de uso em diferentes variedades da língua (incluindo o padrão culto, formal, escrito, mas
não apenas se restringindo a ele). Por fim, o autor salienta que, via de regra, os manuais de gramática
normativa apresentam os fatos linguísticos como imutáveis, inalteráveis, e normalmente os professores
incorporam essa ideia ao próprio discurso. Isso não é verdade. Por exemplo, a forma você do pronome de
tratamento tem se tornado um pronome pessoal (pois é usado em lugar de tu) e constitui a evolução das
formas Vossa mercê  Vossuncê  Suncê  Vancê  Você (e já vemos com muita frequência as
formas Ocê e Cê). O uso da mesóclise (por exemplo, “Dar‑te‑ei o teu prêmio”) é outro que é praticamente
um arcaísmo na nossa língua, mesmo em textos escritos muito formais. É preciso entender que a língua
muda e as normas também.

O autor conclui que se o professor estiver atento a essas reflexões será possível fazer um trabalho
mais produtivo com a gramática normativa, integrado a um panorama mais amplo que considere a
realidade da linguagem e esteja em busca de desenvolver a competência comunicativa dos alunos, de
forma consciente, em cada tipo de atividade.

2.3.2 Outras propostas

Ao lado da proposta de ensino de Língua Portuguesa, apresentada por Travaglia (2006), é possível
citar vários outros trabalhos de autores respeitáveis que muito vêm contribuindo para apontar novos
caminhos e superar os limites de um ensino de gramática calcado em tantos equívocos. Claro que não
iremos aqui descrever detalhadamente cada uma dessas propostas, até porque muitas delas confluem
89
Unidade II

na mesma direção, mas o que pretendemos é apontar caminhos para que alunos e professores possam
ampliar seu conhecimento e construir sua própria história de estudo, de pesquisa, de ensino.

Queremos apenas indicar alguns trabalhos que têm servido de norte nas discussões acerca de novas
perspectivas de ensino de gramática.

Um livro bastante conhecido nos cursos de Letras, por exemplo, é O Texto na Sala de Aula: Leitura
e Produção (1984), organizado por João Wanderley Geraldi1 e composto de uma coletânea de vários
autores com várias contribuições para o trabalho em sala de aula. A obra visa repensar o ensino de língua
portuguesa, por meio de várias reflexões sobre as práticas de sala de aula e de um redimensionamento
das atividades propostas no projeto político que envolve os objetivos do ensino de gramática. “As Sete
Pragas do Ensino de Português”, de Carlos Alberto Faraco; “Gramática e Política”, de Sírio Possenti;
“Concepções de Linguagem e de Ensino de Português”, “Unidades Básicas do Ensino de Português”
e “Prática de Leitura de Textos na Escola”, de J. Wanderley Geraldi; e “Às Vezes Ela Mandava Ler Dois
ou Três Livros por Ano”, de Lilian Lopes M. Silva, são alguns dos capítulos que entendemos bastante
interessantes para aprofundar as discussões até aqui colocadas.

Saiba mais

Sobre o autor e seu trabalho nessa área, sugerimos que você leia a
pequena entrevista contida no link indicado a seguir:

MARINHO, A. Professor não pode ter medo de errar. Na Ponta do


Lápis, São Paulo, ano IV, n. 10, dez. 2008. Disponível em: <https://www.
escrevendoofuturo.org.br/conteudo/biblioteca/entrevistas/artigo/1370/
entrevista‑joao‑wanderley‑geraldi>. Acesso em: 23 jun. 2015.

Outro livro que é um marco nas contribuições para vencer os limites do ensino e da gramática
tradicional é Por Que (Não) Ensinar Gramática na Escola (1996), de Sírio Possenti.2 Nesta obra, o autor
destaca velhas polêmicas sobre a efetividade de se ensinar ou não a gramática normativa na escola
e sobre as relações entre a linguística e o ensino de português. Salienta que ensinar língua e ensinar
gramática são atividades diferentes. Na primeira parte do livro ele compõe uma discussão dividida em
dez capítulos que ressaltam certos “preceitos” tradicionalmente consensuais acerca do ensino e sobre
os quais o autor vai refletindo e desconstruindo falsas verdades. Dentre suas reflexões, Possenti (1996)
deixa claras as razões políticas pelas quais é necessário ensinar gramática normativa (no que tange à
língua‑padrão) na escola, especialmente, no que se refere a garantir o acesso ao padrão culto escrito
que o aluno não domina em sua vida cotidiana. Contudo, é necessário chamar sempre a atenção para

1 O professor Wanderley Geraldi é docente do departamento de Linguística da UNICAMP e trabalha na graduação


e pós‑graduação do Instituto de Estudos da Linguagem, nas áreas de Análise do Discurso, Semântica e Pragmática.
2 O professor Sírio Possenti é docente do departamento de Linguística da Unicamp e trabalha na graduação e na
pós‑graduação do Instituto de Estudos da Linguagem, nas áreas de Análise do Discurso e Sociolinguística.
90
Ensino de Gramática na Perspectiva Enunciativa

o fato de que a língua se fragmenta em variedades diversas, e o professor deve valorizar as variedades
dominadas que o aluno já traz consigo e a escola sempre ignora. A grande questão não é decidir entre
ensinar e não ensinar a gramática normativa na escola, mas sim criar condições para aproveitar a
criatividade e a espontaneidade com que os alunos já usam a linguagem em suas vidas, aproveitar a
capacidade linguística que todos os alunos já trazem desenvolvida em relação às estruturas da língua
(pelo domínio implícito que todos têm da gramática de uso) que praticam, circulando entre diferentes
variedades, e refletir sobre essas variedades contrastando‑as com outras que o aluno ainda não
conhece, sem sacrificar a riqueza dessas possibilidades com a conhecida inércia dos exercícios rotineiros,
sistemáticos e improdutivos da escola que mostram o modelo sem ensinar o aluno a produzi‑lo.

Saiba mais

Sugerimos que você leia uma ótima resenha feita pelo professor Rodolfo
Ilari, que pode ser acessada no link indicado a seguir:

ILARI, R. Por que (não) ensinar gramática na escola. Educ. Soc., Campinas,
v. 18, n. 60, p. 173‑82, dez. 1997. Disponível em: <http://www.scielo.br/
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101‑73301997000300011&lng=pt&
nrm=iso>. Acesso em: 22 jun. 2015.

Recomendamos também que você leia a pequena entrevista contida no


link a seguir:

O ENSINO de língua portuguesa na educação básica: ensinar ou não


gramática. Língua Nostra, Canoas, v. 1, n. 1, p. 258‑9, jan./jun. 2013.
Disponível em: <http://linguanostra.ipuc.edu.br/Linguanostra/article/
view/52/49>. Acesso em: 24 jun. 2015.

Por fim, mais uma obra nessa mesma direção que podemos indicar é o livro Muito Além da Gramática:
Por um Ensino de Línguas sem Pedras no Caminho (2007), de Irandé Antunes. Assim como outros
autores, Irandé (2007) coloca em pauta a reflexão sobre ensinar ou não gramática normativa e reflete
sobre as razões pelas quais até hoje os professores continuam escravos da tradição gramatical. Essa é
uma discussão tratada por vários pesquisadores conhecidos, como Marcos Bagno, Carlos Alberto Faraco,
João Wanderley Geraldi, Mário Perini, Luiz Carlos Travaglia, Sírio Possenti e outros. Irandé (2007) aborda
os objetivos equivocados do ensino que sustentam o domínio e a eficiência linguístico‑comunicativa
creditados ao estudo das regras e da nomenclatura gramatical. Enfatiza que a língua não deve ser vista
meramente como uma questão de certo e errado, pois esta se relaciona com a vida dos sujeitos, com
suas práticas, suas relações, sua identidade cultural, histórica e social. Isso precisa estar referido nas
abordagens de estudo da linguagem. A autora também destaca que estudar a língua e estudar a gramática
são abordagens distintas: uma não pode ser tomada pela outra, embora estejam intrinsecamente
relacionadas. Conforme Irandé (2007), ir além da gramática leva a aprofundar o conhecimento linguístico
em outros domínios. Ao lado do conhecimento da gramática, outros conhecimentos são fundamentais

91
Unidade II

em relação ao uso da linguagem: histórico, cultural, social, étnico, econômico, profissional etc. Isso
inclusive descarta a tese de que estudar gramática é desnecessário. O que não se pode é continuar
com um ensino de gramática descontextualizado, voltado restritivamente à análise e à classificação
de palavras e frases isoladas. O ensino deve priorizar a reflexão sobre os fatos linguístico‑gramaticais
em suas possibilidades de ocorrência e em relação aos fatores externos que os condicionam. A autora
introduz um programa de ensino de língua portuguesa como sugestão, considerando a necessidade de
abordagem reflexiva e consciente da gramática normativa, mas que vá além da gramática, no sentido de
que o aluno possa avançar no domínio de sua competência comunicativa, ampliando suas possibilidades
com novos padrões, estilos, registros.

2.4 Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e o ensino de língua


portuguesa

Aqui pretendemos realizar uma rápida discussão na qual levaremos em conta a proposta oficial do
governo para o ensino de língua portuguesa no nível fundamental (3º e 4º ciclos), por meio dos PCN. Não
faremos aqui uma descrição detalhada, até porque esses dados estão disponíveis on‑line no portal do
Ministério da Educação (MEC) para o domínio público. Entretanto, queremos apresentar um panorama
amplo sobre o que o governo propõe e como tal proposta está fundamentada cientificamente, ou seja,
teoricamente, linguisticamente e literariamente.

Não podemos afirmar que os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) sejam seguidos à risca nem pelas
escolas (públicas e particulares) em sua prática de ensino, nem pelos livros e manuais didáticos adotados
(que o MEC inclusive seleciona, aprova e indica para uso nas redes estaduais e municipais). Mesmo
sendo avaliados constantemente, estes materiais, não raro, apresentam incoerências, fragmentações,
insuficiências e lacunas quanto aos conteúdos relativos a linguagem e literatura. Sobretudo, ainda são
patentes nesses manuais as abordagens meramente normativas e descontextualizadas da gramática ou
ainda as produções textuais que servem de meros pretextos para a abordagem de tópicos gramaticais,
apesar de tantas e tantas reflexões, críticas e cobranças.

Saiba mais

Há vários trabalhos que analisam e criticam as abordagens


linguístico‑gramaticais e também literárias contidas nos livros e manuais
didáticos. Como exemplo, citamos o texto:

MARCUSCHI, L. A. Concepção de língua falada nos manuais de


português de 1º e 2º graus: uma visão crítica. Trabalhos em Linguística
Aplicada, Campinas, n. 30, p. 39‑79, jul./dez. 1997. Disponível em: <http://
revistas.iel.unicamp.br/index.php/tla/article/view/2431/1885>. Acesso em:
22 jul. 2015.

92
Ensino de Gramática na Perspectiva Enunciativa

A análise de livros e manuais didáticos continua a ser tema de análise e reflexão de vários trabalhos
acadêmicos (monografias, dissertações, teses e artigos científicos). O desconhecimento e a pressão social
ainda incidem como uma poderosa força contrária ao avanço do ensino. Vocês devem estar lembrados da
polêmica envolvendo o livro didático Por uma vida melhor (2011), que trazia reflexões sociolinguísticas e
com elas o registro de outras variedades de uso linguístico, consideradas pela sociedade e pela imprensa
como erros de português.

Saiba mais

Sobre essa polêmica, veja a reportagem publicada na revista Carta


Capital, com a reflexão do linguista Marcos Bagno, que você pode acessar
pelo link a seguir:

BAGNO, M. Variação linguística: polêmica ou ignorância? Carta Capital,


São Paulo, 17 maio 2011. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/
politica/polemica‑ou‑ignorancia>. Acesso em: 25 jun. 2015.

Porém, no que se refere aos PCN, é possível constatar que esse livro (salvo alguns acertos possíveis,
inserções, reflexões a serem ampliadas) demostra estar atualizado e fundamentado no que há de mais
moderno em relação às pesquisas em linguística teórica e linguística aplicada ao ensino de língua materna.

Saiba mais

Para um conhecimento mais amplo e completo sobre as diretrizes dos


PCN, indicamos a leitura do documento na íntegra, disponível on‑line no
portal do MEC:

BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais


5ª a 8ª séries. Brasília, 2013. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/
index.php?Itemid=859&catid=195:seb‑educacao‑basica&id=12657:
parametros‑curriculares‑nacionais‑5o‑a‑8o‑series&option=com_
content&view=article>. Acesso em: 22 jun. 2015.

Os PCN compreendem reflexões linguísticas atuais fundamentadas em respeitáveis obras e autores,


por exemplo: Mikhail Bakhtin, Percival Leme Brito, Jean Paul Bronckart, Mattoso Câmara, João Wanderley
Geraldi, Oswald Ducrot, Carlos Alberto Faraco, Jean Foucambert, Carlos Franchi, Eni Orlandi, Rodolfo
Ilari, Mary Kato, Ângela Kleiman, Ingedore Villaça Koch, Sírio Possenti, Magda Soares, Fernando Tarallo
e dezenas de outros, pois estamos referindo apenas alguns nomes mais circulantes nas discussões sobre
a linguagem e o ensino. Os tópicos linguísticos estão bem‑justificados e referenciados com uma base
de sustentação teórica, confiável e atualizada quanto aos conhecimentos científicos sobre a linguagem.

93
Unidade II

Inclusive, é possível observar críticas no documento dos PCN feitas ao ensino tradicional, baseado na
abordagem normativo‑gramatical (BRASIL, 1998):

Entre as críticas mais frequentes que se faziam ao ensino tradicional


destacavam‑se:

• a desconsideração da realidade e dos interesses dos alunos;

• a excessiva escolarização das atividades de leitura e de produção de


texto;

• o uso do texto como expediente para ensinar valores morais e como


pretexto para o tratamento de aspectos gramaticais;

• a excessiva valorização da gramática normativa e a insistência nas


regras de exceção, com o consequente preconceito contra as formas
de oralidade e as variedades não padrão;

• o ensino descontextualizado da metalinguagem, normalmente


associado a exercícios mecânicos de identificação de fragmentos
linguísticos em frases soltas;

• a apresentação de uma teoria gramatical inconsistente, uma espécie


de gramática tradicional mitigada e facilitada (BRASIL, 1998, p.18).

Observe a seguir um quadro sintético dos objetivos do Ensino Fundamental (BRASIL, 1998):

• utilizar a linguagem na escuta e produção de textos orais e na leitura e


produção de textos escritos de modo a atender a múltiplas demandas
sociais, responder a diferentes propósitos comunicativos e expressivos,
e considerar as diferentes condições de produção do discurso;

• utilizar a linguagem para estruturar a experiência e explicar a


realidade, operando sobre as representações construídas em várias
áreas do conhecimento:

— sabendo como proceder para ter acesso, compreender e fazer uso


de informações contidas nos textos, reconstruindo o modo pelo
qual se organizam em sistemas coerentes;

— sendo capaz de operar sobre o conteúdo representacional dos


textos, identificando aspectos relevantes, organizando notas,
elaborando roteiros, resumos, índices, esquemas etc.;

94
Ensino de Gramática na Perspectiva Enunciativa

— aumentando e aprofundando seus esquemas cognitivos pela


ampliação do léxico e de suas respectivas redes semânticas;

• analisar criticamente os diferentes discursos, inclusive o próprio,


desenvolvendo a capacidade de avaliação dos textos:

— contrapondo sua interpretação da realidade a diferentes opiniões;

— inferindo as possíveis intenções do autor marcadas no texto;

— identificando referências intertextuais presentes no texto;

— percebendo os processos de convencimento utilizados para atuar


sobre o interlocutor/leitor;

— identificando e repensando juízos de valor tanto socioideológicos


(preconceituosos ou não) quanto histórico‑culturais (inclusive
estéticos) associados à linguagem e à língua;

— reafirmando sua identidade pessoal e social;

• conhecer e valorizar as diferentes variedades do Português, procurando


combater o preconceito linguístico;

• reconhecer e valorizar a linguagem de seu grupo social como


instrumento adequado e eficiente na comunicação cotidiana, na
elaboração artística e mesmo nas interações com pessoas de outros
grupos sociais que se expressem por meio de outras variedades;

• usar os conhecimentos adquiridos por meio da prática de análise


linguística para expandir sua capacidade de monitoração das
possibilidades de uso da linguagem, ampliando a capacidade de
análise crítica (BRASIL, 1998, p. 32‑3).

Veja‑se que nos objetivos colocados não se constata a presença da abordagem sistemática de
tópicos normativo‑gramaticais ou mesmo uma valorização exacerbada do domínio da língua‑padrão
culta. O mesmo é possível constatar na lista do sumário com as principais reflexões acerca dos temas
da linguagem e do ensino, nos quais podemos destacar: “Ensino e Natureza da Linguagem”; “Discurso e
Suas Condições de Produção; Gênero e Texto”; “A Seleção de Textos Orais e Escritos”; “A Especificidade
do Texto Literário”; “Implicações da Questão da Variação Linguística para a Prática Pedagógica”.

Outro ponto digno de destaque, nesse sentido, é o conjunto de conteúdos propostos para o ensino
de língua portuguesa no ensino fundamental (3º e 4º ciclos), que estão baseados no eixo uso/reflexão
(BRASIL, 1998):
95
Unidade II

Em função de tais eixos, os conteúdos propostos neste documento estão


organizados, por um lado, em Prática de Escuta e de Leitura de Textos e Prática
de Produção de Textos Orais e Escritos, ambas articuladas no eixo Uso; e, por
outro, em Prática de Análise Linguística, organizada no eixo Reflexão.

Os conteúdos das práticas que constituem o eixo Uso dizem respeito aos
aspectos que caracterizam o processo de interlocução. São eles:

1. Historicidade da linguagem e da língua.

2. Constituição do contexto de produção, representações de mundo e


interações sociais:

• sujeito enunciador;

• interlocutor;

• finalidade da interação;

• lugar e momento de produção.

3. Implicações do contexto de produção na organização dos discursos:


restrições de conteúdo e forma decorrentes da escolha dos gêneros e
suportes.

4. Implicações do contexto de produção no processo de significação:

• representações dos interlocutores no processo de construção dos sentidos;

• articulação entre texto e contexto no processo de compreensão;

• relações intertextuais.

Os conteúdos do eixo Reflexão, desenvolvidos sobre os do eixo Uso, referem‑se


à construção de instrumentos para análise do funcionamento da linguagem
em situações de interlocução, na escuta, leitura e produção, privilegiando
alguns aspectos linguísticos que possam ampliar a competência discursiva
do sujeito. São estes:

1. Variação linguística: modalidades, variedades, registros.

2. Organização estrutural dos enunciados.

3. Léxico e redes semânticas.


96
Ensino de Gramática na Perspectiva Enunciativa

4. Processos de construção de significação.

5. Modos de organização dos discursos.

Interessante notar que as avaliações de nível nacional, promovidas pelo Governo Federal, referentes
ao ensino básico (Aneb), ao Ensino Médio (Enem) e também ao Ensino Superior (Enade) não primam pela
abordagem de tópicos normativo‑gramaticais em sua sistematicidade isolada.

2.5 Enunciação e ensino de Língua Portuguesa: perspectivas

O esforço teórico em proceder a uma análise linguística para além da estrutura formal da língua
e com vistas a abranger a linguagem como fenômeno interacional cresceu muito a partir da década
de 1960. Conforme explicita Bakhtin (2009), a linguagem é a ponte lançada entre mim e os outros e
essencialmente é dialógica intersubjetivamente (entre sujeitos) e interdiscursivamente (entre discursos).
Várias linhas de estudo linguístico priorizavam a análise do enunciado em lugar da frase (Ducrot,
Benveniste, Bakhtin, Greimas, Pêcheux etc.). Em outras palavras, considerando que a linguagem é
essencialmente dialógica e polifônica, buscavam aprofundar o estudo da linguagem por meio dos textos
e dos discursos, entendendo que todo enunciado (parte) está ligado a uma enunciação maior (todo), um
espaço enunciativo que o abriga. Toda enunciação diz respeito a lugares de dizer em que seus sujeitos e
seus sentidos se constroem mutuamente. É importante levar o aluno a refletir sobre esses aspectos em
sala de aula, diante da análise dos textos.

Apresentaremos, neste tópico, três possibilidades de análise enunciativa da linguagem, que podem ser
levadas para o trabalho com os textos na sala de aula, abrangendo fatos gramaticais. Tais abordagens
têm como base teórica a Análise Semiótica do Discurso e a Semântica Enunciativa e Argumentativa. Na
base destas perspectivas estão autores fundadores, como Greimas, Ducrot, Bakhtin e Benveniste.

2.5.1 Perspectiva da Análise Semiótica do Discurso

Na década de 1960, houve uma ampliação no interesse pela análise das estruturas narrativas,
baseada, sobretudo, na análise de mitos e contos populares. Na França, tem‑se o exemplo de Lévi‑Strauss,
cujo trabalho desenvolveu e ampliou com grandes contribuições, entre outros aspectos, a análise de
narrativas, especialmente as narrativas orais. Nos Estados Unidos, tem‑se Alan Dundes, que instituiu o
estudo do folclore como disciplina acadêmica. Foi um grande folclorista que contribuiu com os estudos
da morfologia e da estrutura das lendas e dos mitos folclóricos. Ambos retomando e avançando nos
estudos clássicos de Vladimir Propp, em Morfologia do Conto Maravilhoso (1928). Continuamente,
o interesse se desenvolveu e alargou‑se para além das narrativas literárias, abrangendo também os
discursos filosóficos, religiosos e políticos.

Algirdas Julian Greimas, a partir da década de 1960, elabora um novo método de análise, alicerçando
a área da semiótica discursiva, que alinha aspectos de análise da semiótica, da semântica, da narrativa
e do discurso. No Brasil, essa linha da semiótica discursiva ou análise semiótica do discurso é, sobretudo,
desenvolvida na Universidade de São Paulo (USP) pelo professor José Luiz Fiorin.

97
Unidade II

Diana Luz P. Barros (2004) apresenta resumidamente essa perspectiva semiótica do discurso,
analisando o percurso narrativo dos sentidos, em um capítulo intitulado “Estudos do Discurso”, que
está no livro Introdução à Linguística II: Princípios de Análise, organizado por José Luiz Fiorin.

Saiba mais

Sobre esta teoria, indicamos a leitura de duas outras obras mais


completas que podem ampliar e aprofundar muito mais a sua visão sobre
o assunto:

BARROS, D. L. P. Teoria semiótica do texto. 4. ed. São Paulo: Ática, 1999.

FIORIN, J. C. Elementos de análise do discurso. São Paulo: Contexto, 1997.

Conforme a autora, a semiótica toma “o texto, e não a palavra ou a frase, como seu objeto e procura
explicar os sentidos do texto [a partir dos] mecanismos e procedimentos que constroem os seus sentidos”
(BARROS, 2004, p. 187). Ela destaca o que seriam os mecanismos e procedimentos da análise:

• a organização linguístico‑discursiva;

• as relações com a sociedade e com a história.

O texto objeto da semiótica pode ser tanto um texto linguístico [...] quanto um texto visual, olfativo
ou gestual, ou, ainda, um texto em que se sincretizam diferentes expressões, como nos quadrinhos, nos
filmes ou nas canções populares (BARROS, 2004, p. 188).

Quanto aos procedimentos linguístico‑discursivos, a teoria destaca a análise do plano de conteúdo


do texto em busca de seus sentidos, a partir do percurso gerativo dos sentidos.

2.5.1.1 Percurso gerativo dos sentidos

Conforme explicita Barros (2004), o percurso gerativo dos sentidos possui três grandes níveis de
análise:

• o nível fundamental;

• o nível narrativo;

• o nível discursivo.

A autora ilustra amplamente cada nível com uma análise da música A Galinha, de Luiz H., Sérgio B.
e Chico Buarque.

98
Ensino de Gramática na Perspectiva Enunciativa

A galinha

Todo ovo Jamais tiram férias


Que eu choco Estás velha, te perdoo
Me toco Tu ficas na granja
De novo Em forma de canja
Todo ovo
É a cara Ah!!! É esse o meu troco
É a clara Por anos de choco???
Do vovô Dei‑lhe bicada
E fugi, chocada
Mas fiquei
Bloqueada Quero cantar
E agora Na ronda
De noite Na crista
Só sonho Da onda
Gemada
Pois um bico a mais
A escassa produção Só faz mais feliz
Alarma o patrão A grande gaiola
As galinhas sérias Do meu país.

Fonte: Buarque (1977).

• Nível fundamental: é o nível mais abstrato e simples: “os sentidos do texto são entendidos como
uma categoria ou oposição semântica” (BARROS, 2004, p. 189). Os termos são determinados por
relações sensoriais e considerados:

• atraentes versus repulsivos;

• tensos versus relaxados;

• negados versus afirmados.

Mediante categorias ou determinações tensivo‑fóricas.

• categoria fórica: eufórica (atraente – Liberdade)/disfórica (repulsiva – Dominação);

• categoria tensiva: tensão/relaxamento.

O par Liberdade versus Dominação visto em A Galinha apresenta‑se esquematizado no quadrado


semiótico (BARROS, 2004, p. 190).

99
Unidade II

dominação liberdade
disforia euforia
tensão relaxamento

não liberdade não dominação


não euforia não disforia
retensão distensão
termos contrários
termos contraditórios
termos complementares
operação de negação
operação de afirmação

Figura 2 – Quadrado semiótico

• Nível narrativo: é o nível em que se introduz o sujeito:

ocorrem transformações narrativas operadas por um sujeito. As categorias


semânticas fundamentais tornam‑se valores dos sujeitos e são ‘inseridas’
nos objetos com que o sujeito se relaciona. As determinações tensivo‑fóricas
[...] convertem‑se em modalizações que modificam as ações e os modos de
existência do sujeito e suas relações com os valores (BARROS, 2004, p. 191).

No nível narrativo há um esquema narrativo composto por três percursos: “o percurso da


manipulação, o da ação e o da sanção, sendo que a sanção pressupõe a ação, que[,] por sua vez,
pressupõe a manipulação” (BARROS, 2004, p. 191). Nesse esquema, um destinador propõe um contrato
a um destinatário, persuadindo‑o a aceitá‑lo e cumpri‑lo (manipulação); o destinatário aceita o
contrato proposto pelo destinador‑manipulador e realiza ou não a ação acordada, cumprindo‑o (ação);
o destinador sanciona positiva ou negativamente o destinatário, sujeito da ação (sanção).

Saiba mais

Veja esquema detalhadamente analisado no texto A Galinha, em:

BARROS, D. L. P. Estudos do discurso. In: FIORIN, J. L. (Org.). Introdução à


linguística: princípios de análise. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2004. p. 191‑2. v. II.

Nesse nível há ainda o percurso passional, “que modula a organização da narrativa [...] organização
de modalidades tais como o querer, o poder, o crer e outras que produzem efeitos de sentido de paixões
na narrativa” (BARROS, 2004, p. 193).

• Nível discursivo: é o nível em que a narrativa é colocada no tempo e no espaço, junto de seus sujeitos
(pessoas), objetos, destinadores e destinatários: “os actantes vão tornar‑se atores do discurso,

100
Ensino de Gramática na Perspectiva Enunciativa

graças a investimentos semânticos e de pessoa, os valores dos objetos vão ser disseminados
como temas e transformados sensorialmente, em figuras” (BARROS, 2004, p. 193). Todas essas
coberturas figurativizadoras produzem efeitos de sentido e fabricam a ilusão da verdade.

Na categoria de pessoa, há três procedimentos empregados no texto A Galinha:

— o discurso projetado em primeira pessoa (eu/a galinha) cria o efeito de subjetividade;

— o discurso projetado em terceira pessoa (ela/“a escassa produção [...]”) cria o efeito de
generalização/distanciamento;

— o discurso concedido ao patrão (discurso direto/“Estás velha, te perdoo [...]”).

Assim, cria‑se a ilusão de realidade no diálogo do eu com o outro.

Na categoria de tempo, usam‑se duas estratégias:

— o presente em relação ao seu passado: produz o efeito de proximidade na enunciação (“dei‑lhe


uma bicada e fugi chocada”);

— o presente em relação ao seu futuro: produz o efeito de atemporalidade, por meio do presente
gnômico (“quero cantar na onda”).

Na categoria de espaço, “ao contrário do tempo e da pessoa, não se busca o efeito de proximidade
da enunciação. O ponto de referência do espaço é um lá, a granja/meu país, do qual a galinha foge”
(BARROS, 2004, p. 194).

A Galinha é um discurso temático‑figurativo que é recoberto por categorias de pessoa, tempo e espaço
e é figurativizado pela concretização sensorial (tátil, visual e auditiva). Tem‑se um discurso pluri‑isotópico,
pois ao final da análise não se tem apenas uma isotopia, recoberta pela concretização temático‑figurativa,
já que várias leituras são possibilitadas (há uma pluri‑isotopia) (BARROS, 2004, p. 194):

• tema da exploração do animal doméstico pelo homem;

• tema socioeconômico da exploração do homem no trabalho;

• tema socioeconômico da divisão de papéis/trabalhos femininos e masculinos;

• tema político da opressão no período da Ditadura Militar no Brasil.

2.5.2 Perspectiva da abordagem enunciativo‑argumentativa: conjunções

No livro Texto e Argumentação: Um Estudo de Conjunções do Português (2002), Eduardo Guimarães


apresenta um estudo semântico‑enunciativo de algumas conjunções da língua portuguesa que aponta
101
Unidade II

para uma reclassificação dessas palavras. Ele analisa como o funcionamento enunciativo‑argumentativo
dessas conjunções é fundamental na construção de sentidos e na organização textual e vai muito além
de meramente “ligar uma oração à outra”, como normalmente se define a categoria de conjunção na
gramática tradicional. A base teórica que se destaca na análise de Guimarães (2002) são os estudos de
Benveniste sobre a subjetividade na língua, de Bakhtin sobre polifonia e dialogismo na linguagem e de
Oswald Ducrot com sua teoria polifônica da linguagem e da argumentação na língua. A obra inteira
trata das conjunções como operadoras de argumentação no texto. Escolhemos a abordagem de algumas
conjunções para ilustrar o trabalho do autor.

De modo geral, as conjunções são divididas tradicionalmente em coordenativas e subordinativas e


suas subclassificações. Guimarães (2002), utilizando uma perspectiva semântico‑enunciativa, reflete
sobre tais classificações, valorizando o papel das conjunções e sua importância na organização textual e
na construção dos sentidos. Ele observa os funcionamentos da polifonia e da orientação argumentativa
que se podem destacar no uso das conjunções. O autor observa aspectos como:

a) a possibilidade de inversão das orações;

b) a possibilidade de articulação por sobre o limite de frase (na linguagem


escrita corresponde à possibilidade de a conjunção articular a oração que
inicia com a que vem antes de um ponto);

c) o alcance da negação;

d) o alcance da pergunta;

e) o modo de encadeamento no texto;

f) a divisão entonacional no interior de uma frase;

h) [a] correlação dos modos verbais nas orações (GUIMARÃES, 2002, p. 36).

Apresentaremos a seguir um quadro sintético em que o autor representa os funcionamentos


positivo ou negativo das conjunções em cada um destes critérios, considerando aspectos enunciativos e
argumentativos destes funcionamentos. Na sequência ilustraremos tais funcionamentos com exemplos
do próprio autor.

Quadro 17

Alcance da Alcance da Divisão


Inversão das negação: pergunta: toda para dois Divisão
orações toda a frase a frase locutores
1— Logo não sim não não não sim sim não
2— Pois não não não não não não sim não
3— Já que sim não não não não sim sim não

102
Ensino de Gramática na Perspectiva Enunciativa

4— E não sim não não não sim sim sim


5— Além disso não sim não não não sim sim sim
6— Não só... não não S/N (R) sim (R) sim não sim sim
mas também
7— ou... ou não não S/N (R) não (imp.) sim não sim sim
8— ou não sim não S/? (R) sim (?) sim sim sim
9— mas SN não não não sim sim não sim sim
10— mas PA não sim não não (imp.) não sim sim sim
11— Embora sim não Não não (imp.) não sim sim não
12— Para que sim sim S/N S/N S/N sim S/N não
não
13— Quando sim não Sim sim sim não não (C)
não
14— que sim não Sim sim sim não não (C)

Obs. Neste quadro R significa repetição necessária do fenômeno enfocado; imp. significa impossível
ocorrer; subj. significa subjuntivo no verbo da oração com a conjunção; S/N é igual a sim/não; ? indica
uma dúvida sobre a característica apontada.

Fonte: Guimarães (2002, p.76).

Saiba mais

Sugerimos fortemente a leitura do livro inteiro para uma compreensão


mais ampla e profunda desses fenômenos linguísticos:

GUIMARÃES, E. Texto e argumentação: um estudo de conjunções do


português. 3. ed. Campinas: Pontes, 2002.

Para ilustrar estes funcionamentos, vejamos alguns exemplos que o autor dá em cada critério
destacado no quadro.

• Inversão das orações

— Já que (sim)

“Maria comprou o carro, já que vendeu a casa”/“Já que vendeu a casa, Maria comprou o carro” –
a inversão acontece tranquilamente (GUIMARÃES, 2002, p. 41).

— Logo (não)

“Maria comprou o carro, logo vendeu a casa”/(?*) “Logo vendeu a casa, Maria comprou o carro” –
a inversão não é possível (GUIMARÃES, 2002, p. 36).
103
Unidade II

• Articulação por sobre o limite oracional

— E (sim)

“Maria comprou o carro e vendeu a casa”/“Maria comprou o carro. E vendeu a casa” – a articulação
dos enunciados, conectando o segundo ao primeiro, independentemente do ponto final do
primeiro, funciona bem (GUIMARÃES, 2002, p. 44).

— Não só... mas também (não)

“Mas isso significa debater não só os números, mas também as prioridades”/(?*) “Mas isso
significa debater não só os números. Mas também as prioridades” – não é possível a articulação
dos enunciados, conectando o segundo ao primeiro, em razão do ponto que encerra o primeiro
enunciado (GUIMARÃES, 2002, p. 53).

• Alcance da negação: toda a frase

— Quando (sim)

“Roberto não poderá viajar, quando o trabalho estiver pronto”/“Roberto poderá viajar, quando o
trabalho estiver pronto” – a negação aí não nega estar pronto, nem a possibilidade de viajar. “A
negação incide sobre um predicado circunstancializado por “quando o trabalho estiver pronto”.
Assim, a negação toma [o enunciado] em sua totalidade. (GUIMARÃES, 2002, p. 71).

— Pois (não)

“Seu fracasso não é relativo, pois se expressa pela vontade de viver”/“Seu fracasso é relativo, pois
se expressa pela vontade de viver” – a negação incide apenas parcialmente na oração, pois só nega
a informação de que o “fracasso não é relativo”, e não toda a oração (GUIMARÃES, 2002, p. 39).

• Alcance da pergunta: toda a frase

— Que (sim)

“Ricardo disse que todos viajaram hoje”/“Ricardo disse que todos viajaram hoje?” – o enunciado
pode se transformar em pergunta alcançando toda a oração (GUIMARÃES, 2002, p. 74).

— Além disso (não)

“Os jogadores treinaram bastante, além disso estão muito motivados”/(?*) “Os jogadores
treinaram bastante, além disso estão muito motivados?” – No formato interrogativo, o
encadeamento destes enunciados, pelo uso de além disso, perde o sentido, ou, se for possível
em alguma situação, funcionará apenas como paráfrase no primeiro enunciado, e a pergunta só
terá sentido se restrita ao segundo enunciado. O autor explicita que a expressão além disso não
104
Ensino de Gramática na Perspectiva Enunciativa

é considerada tradicionalmente como conjunção (tem‑se o advérbio além seguido da contração


disso – preposição mais pronome demonstrativo), porém tem um funcionamento similar ao das
conjunções (GUIMARÃES, 2002, p. 48).

• Encadeamento no texto: frase como um todo

— Ou... ou (sim)

“Ou Maria comprou o carro, ou vendeu a casa”/“Creio que Maria comprou o carro ou vendeu a
casa” – é possível o encadeamento da frase como um todo em relação a creio que (GUIMARÃES,
2002, p. 58).

— Embora (não)

“Paulo não foi escolhido, embora fosse o mais adequado para o cargo”/“Sei que Paulo não
foi escolhido, embora fosse o mais adequado para o cargo” – apesar de os dois enunciados se
encadearem sem problema, o encadeamento do segundo enunciado ao primeiro não toma a frase
como um todo sei que... embora (GUIMARÃES, 2002, p. 66‑7).

• Divisão para dois locutores

— Para que (sim)

“Maria fez tudo hoje à tarde para que pudesse viajar amanhã”/“Maria fez tudo hoje à tarde”
(Locutor 1)/“para que pudesse viajar amanhã” (Locutor 2) – para este enunciado, parece razoável
a possibilidade de, numa conversa, poder‑se encontrar pontos de vista correspondentes a
enunciadores diferentes: fazer tudo hoje à tarde (L1), poder viajar amanhã (L2) (GUIMARÃES,
2002, p. 69).

— Pois (não)

“Seu fracasso é relativo, pois se expressa pela vontade de viver/“Seu fracasso é relativo” (Locutor
1)/(?*) “Pois se expressa pela vontade de viver (Locutor 2) – é estranho encadear estes dois
enunciados como pontos de vista de enunciadores distintos (GUIMARÃES, 2002, p. 40).

• Divisão entonacional coincide com as orações

— Ou (sim)

“Maria comprou o carro ou vendeu a casa”/“Maria comprou o carro | ou vendeu a casa” – a barra
(|) entre carro e ou no segundo enunciado representa uma pausa prosódica. É possível dividir
estes enunciados com a pausa nesse lugar. Já a divisão “Maria comprou o carro ou | vendeu a
casa” não é possível (GUIMARÃES, 2002, p. 60‑1).

105
Unidade II

— Quando (não)

“Roberto poderá viajar, quando o trabalho estiver pronto”/“Roberto poderá viajar, | quando o
trabalho estiver pronto”/“Roberto poderá viajar, quando | o trabalho estiver pronto” – a pausa
prosódica não pode dividir o enunciado “em dois grupos entonacionais correspondentes às
orações, causaria estranheza” (GUIMARÃES, 2002, p. 72).

• Correlação de modos: mobilidade modal

— Além disso (sim)

“Jogadores treinaram bastante, além disso estão muito motivados”/“Jogadores, treinem bastante,
além disso estejam muito motivados” – É possível mudar a combinação modal e manter a
correlação verbal (GUIMARÃES, 2002, p. 49).

— Já que (não)

“Maria, compre o carro, já que vendeu a casa”/(?*) “Maria, compre o carro, já que venda a casa”
– não é possível a concordância verbal aqui (GUIMARÃES, 2002, p. 43).

Os exemplos anteriores ilustram que o funcionamento das conjunções atinge a organização do


texto e da argumentação enunciativa, indo muito além da análise sistemática e superficial da gramática
tradicional.

2.5.3 Perspectiva da abordagem enunciativo‑discursiva: o exemplo na gramática

Neste último subtópico, você vai acompanhar algumas reflexões sobre fatos gramaticais analisados
sob a perspectiva enunciativo‑discursiva. Destacamos um autor que há alguns anos vem trabalhando
com essas discussões: Luiz Francisco Dias, que é professor da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) e atua nas áreas de Gramática e Discurso.

Em um trabalho intitulado “Novas Perspectivas no Ensino de Gramática na Escola: o Estatuto do


Exemplo em Questão”, que foi publicado no livro Mosaico de Linguagens (organizado por Oliveira e
Santos, 2006), Dias reflete sobre os estudos gramaticais, tomando como ponto de partida os exemplos
que são usados para ilustrar os conceitos gramaticais. Segundo o autor, é necessário questionar se os
exemplos usados precisam ser genéricos demais, a ponto de demonstrar os conceitos abrigando um
leque de possibilidades dentro de seu paradigma, ou se precisam ter uma referência específica, como
uma peça única do discurso, para serem evidenciados em sua individualidade. A partir daí, o autor
desenvolve os conceitos de exemplo‑ilha e exemplo‑colmeia para tratar dessas relações.

Conforme Dias, o exemplo atua como o que se pode chamar esteticamente de exemplar na gramática
tradicional, normatizando e generalizando o funcionamento da língua e servindo de base para o ensino.
Junto ao conceito de exemplar vem o de correção, já que, na prática escolar, os exemplos são usados
para corrigir os usos “deficitários”. Apesar de atualmente essa orientação voltada à normatividade do
106
Ensino de Gramática na Perspectiva Enunciativa

exemplo vir sendo amenizada, o estatuto do exemplo ainda se destaca e merece reflexão. Sobre o
exemplo na gramática, retoma Chevalier (1984, p. 171‑2 apud DIAS, p. 44):

Constitui‑se num paradoxo o fato de que um segmento isolado, portador de


um valor particular e contingente, na maioria das vezes inscrito num discurso
específico, seja apresentado numa relação estrita com a construção de uma
regra, passando a adquirir valor geral, e podendo, no limite, ocupar o lugar
da regra. Ainda segundo Chevalier, a esse paradoxo, acrescenta‑se um outro.
O exemplo tem um duplo status: ele pode ser constitutivo da argumentação,
e nas suas últimas consequências, ocupar o seu lugar; por outro lado, ele
pode ser uma ilustração que verifica o funcionamento da argumentação.
Para Marchello‑Nizia (1977, p. 94), supõe‑se que os exemplos utilizados na
gramática são produzidos antes e em outro lugar diferente do tempo e do
lugar em que se produz o discurso gramatical. A tarefa do gramático seria a
de extrair as frases do seu contexto e colocá‑las no discurso atual, tomando
todas as precauções para não integrá‑las completamente, conservando
certa dose de heterogeneidade. Essas frases devem portanto ganhar uma
completude sem referência ao seu contexto de origem [...] ao mesmo
tempo língua – mas imersa na enunciação – e discurso – mas privada de
referenciação (DIAS, 2006, p. 44).

A partir dessas considerações, Dias (2006) analisa dois trechos relacionados ao pronome demonstrativo
em gramáticas e livros didáticos para evidenciar o funcionamento do exemplo‑ilha.

As gramáticas, em geral, apresentam o conceito de pronome demonstrativo “como aquele pronome


que indica a posição do ser em relação às três pessoas do discurso” (DIAS, 2006, p. 45). Após a conceituação,
as gramáticas apresentam uma demonstração com exemplos. O autor recolhe alguns exemplos:

• Exemplo com sintagmas simples + comentários:

“Este livro é o [...] que está perto da pessoa que fala; esse livro é o que está longe da pessoa que
fala ou perto da pessoa com quem se fala; aquele livro é o que se acha distante da 1ª e [da] 2ª
pessoa” (BECHARA, 1977, p. 97 apud DIAS, 2006, p. 45).

• Exemplos com frases completas (DIAS, 2006, p. 45):

“Esta casa está cheia de flores!

Cá te espero amanhã! Não te demores! (E. de Castro, UV, 59).

‑ Que susto você me pregou, entrando aqui com essa cara de alma do outro mundo! (C. dos
Anjos, DR, 32).

‑ Olhem aquele monte ali em frente. É longe, não é? (G. Ramos, AOH, 107).
107
Unidade II

Normalmente, após a demonstração, as gramáticas listam um conjunto de ocorrências, conforme


aponta Dias (2006):

• “Nem sempre se usam com esse rigor gramatical os pronomes demonstrativos; muitas vezes
interferem situações especiais que escapam à disciplina da gramática” (BECHARA, 1977, p. 97
apud DIAS, 2006, p. 46).

• “Estas distinções que nos oferece o sistema ternário dos demonstrativos em português não são, porém,
rigorosamente obedecidas na prática” (CUNHA; CINTRA, 1985, p. 322 apud DIAS, 2006, p. 46).

• “Sirva de exemplo esta frase de um personagem do romance Fogo Morto, de José Lins do Rego,
em que o advérbio lá se aplica a sua casa, da qual no momento está ausente:

– Eu só queria estar lá para receber estes cachorros a chicote” [FM, 296] (CUNHA; CINTRA, 1985,
p. 322 apud DIAS, 2006, p. 46).

Conforme Dias (2006), demonstrações como estas não podem definir bem o conceito. Os comentários
explicitam que a regra (com rigor) não se cumpre sempre. A frase‑exemplo faz o conceito perder a
aderência com a ocorrência demonstrada, no que tange ao pronome demonstrativo. Pela regra, o
sintagma ilustrativo deveria ser aqueles cachorros (revelando distância), e não estes cachorros (que
revelam proximidade). A frase é tanto uma peça do discurso (literário) quanto uma peça gramatical
(exemplo de um funcionamento). Essa singularização dos exemplos é o que está sendo chamado por
Dias de exemplo‑ilha. Tem‑se um paradoxo: “a ocorrência se rende ao discurso singular em que nasceu,
perdendo a capacidade de ganhar generalidade e se tornar demonstração, justamente o papel que dela
se espera quando se torna exemplo na gramática” (DIAS, 2006, p. 46).

Sobre o conceito de pronome demonstrativo no livro didático, Dias (2006) destaca que há especificações.
Ele apresenta e analisa um trecho de um livro didático (GONÇALVES; RIOS apud DIAS, 2006, p. 47):

Figura 3

Aqui Dias (2006) reflete sobre o fato de os livros didáticos muitas vezes elaborarem seus próprios exemplos
(sem lançar mão da usual estratégia de usar trechos literários canônicos). No caso, tem‑se uma ocorrência do
uso de pronomes demonstrativos para comprovar o conceito. Dias explicita que no livro didático em questão não
108
Ensino de Gramática na Perspectiva Enunciativa

são apresentados casos que fogem à regra. De certa forma, um ganho, no quesito didático. Entretanto, fica claro
que esta ocorrência ilustrativa dos pronomes demonstrativos não é funcional, e sim muito artificial, como peça
de discurso. Novamente, tem‑se um paradoxo: “o exemplo é construído apenas para comprovar a afirmação
teórica, tornando‑se uma mera extensão do conceito, perdendo a capacidade de ganhar referência nos textos
efetivamente utilizados pelo aluno” (DIAS, 2006, p. 47). É mais uma faceta do exemplo‑ilha. Este, em suas duas
possibilidades, faz parte do método de ensino tradicional de gramática – ora são efetivos, mas não representam
muito bem o conceito, ora representam bem o conceito, mas se distanciam da prática discursiva efetiva.

Nesse sentido, Dias (2006) procura uma nova prática de abordagem gramatical, por meio do que
ele chama de exemplo‑colmeia. O termo colmeia já nos leva a pensar em agregação, ao contrário de
isolamento (como o exemplo‑ilha sugere). Seria a agregação de um conjunto de usos materializados
em diferentes textos que se pusessem em análise para reflexão sobre determinado funcionamento
gramatical. Para a análise dessa possibilidade, o autor vai focalizar o funcionamento do objeto direto nos
provérbios que, com os mesmos verbos, ora aparece ocupando seu lugar, ora não aparece, ficando elíptico.
Com o exemplo‑colmeia, Dias (2006) pretende aprofundar a prática de análise gramatical para além
da checagem e da demonstração do conceito com exemplos isolados. Trabalhar com exemplo‑colmeia
requer pensar um determinado funcionamento gramatical a partir de vários usos efetivos da linguagem e
em suas diferentes possibilidades, contrastando as relações e implicações entre esses usos.

De acordo com a tradição gramatical, o objeto direto desempenha uma função sintática de
complementar o sentido do verbo. Assim, há verbos com sentido completo, os verbos intransitivos,
que, portanto, não precisam de complemento e não são acompanhados de objetos (por exemplo, o
verbo morrer em “Maria morreu.”); e há verbos transitivos, ou seja, com seu sentido dependente de
um complemento direto (por exemplo, o verbo comer em “Maria comeu bolo.”) ou indireto (como
o verbo gostar em “Maria gosta de queijo.”). A explicação é simples; porém, o que vemos é que, em
várias e não raras ocorrências, temos verbos transitivos aparecendo sem complemento e sem prejuízo
para sua significação (por exemplo, comer em “Maria já comeu”), e é possível também notar que, em
algumas ocorrências, verbos tidos como intransitivos aparecem com complemento, e não com adjunto
(por exemplo, morrer em “Minha mãe morreu uma morte tranquila.”).

Saiba mais

Sobre o assunto da transitividade, para um maior aprofundamento,


sugerimos que você leia:

DIAS, L. F. Fatos sintáticos e propriedades enunciativas: uma visão


semântica da transitividade verbal. In: DA HORA, D.; CHRISTIANO, E. (Org.).
Estudos linguísticos: realidade brasileira. João Pessoa: Editora da UFPB;
Ideia, 1999. p. 179‑91.

PERINI, M. Ver ou não ver: verdades e ficções sobre a língua. In: ___.
Sofrendo a gramática. São Paulo: Ática, 2005. p. 17‑22.
109
Unidade II

Dias (2006) entende que, para trabalhar estas noções gramaticais em sala de aula de forma efetiva,
considerando a realidade da prática discursiva, é preciso ir além da definição conceitual superficial
com exemplos isolados que a demonstrem. Para um aprofundamento mais efetivo destas questões, ele
sugere que a abordagem do objeto direto, por exemplo, seja feita mediante a reflexão sobre a língua,
por meio do exemplo‑colmeia.

Assim, o autor seleciona alguns exemplos de uso frequente na língua que retomaremos aqui. Ele
destaca os enunciados proverbiais por já ter feito uma análise prévia de que nesse tipo de enunciado
a posição do objeto pode tanto aparecer preenchida (“Quem isso usa, disso cuida.”) quanto elíptica
(“Quem ama, cuida.”). Veja alguns exemplos retomados de Dias (2006):

(1) “Quem faz, merece o que constrói.”

[...]

(4) “Quem planta, colhe” (DIAS, 2006, p. 48‑9).

(5) “Augustinho Dreveck plantou um hectare de melissa no ano passado.


Colheu três toneladas de erva seca e obteve uma renda de R$ 9 mil. Como
a área ocupada é pequena, Dreveck pôde continuar suas outras atividades
normalmente. Para iniciar o cultivo de ervas medicinais, o produtor investiu
R$ 2 mil, dinheiro que só pagou após a colheita, graças a contrato firmado
com uma empresa de Curitiba” (AMIN…, 2002 apud DIAS, 2006, p. 50).

(6) “Quem planta boas sementes, colhe bons frutos”

(7) “Quem semeia verdade, colhe confiança”

(8) “Quem planta fidelidade, colhe honra e autoridade” (A LEI... 2004 apud
DIAS, 2006, p. 50).

(9) “Em meio a orações e palavras comovidas e sinceras, ele, que nessa vida
plantou somente amizade e admiração, colheu o amor e a saudade dos que
ficaram, enriquecidos pelo seu exemplo.”

(10) “Quem semeia vento, colhe tempestade” (In: <http://www.ebreiki.com.


br/informativo.htm>. Acesso em: 29 ago. 2004 apud DIAS, 2006, p. 51).

(11) Plantou vento, colheu Dirceu

[...]

Stédile sabe que quem planta vento colhe tempestade, como alertou o
ministro José Dirceu: “Não duvidem da autoridade do governo. Hipótese
110
Ensino de Gramática na Perspectiva Enunciativa

zero de o governo tolerar qualquer abuso. Hipótese zero também de o


governo abusar de sua autoridade” (In: <http://www2.correioweb.com.br/
cw/edicao_20030726/col_bsa_260703.htm>. Acesso em: 29 ago. 2004
apud DIAS, 2006, p. 51).

Como foi antecipado, observe que em alguns casos o verbo transitivo aparece com o objeto Direto
complementando o seu sentido (nos exemplos 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11), em outros casos o verbo transitivo não
aparece com o objeto direto completando o seu sentido (1 e 2). Sobre esses diferentes funcionamentos
sintáticos, Dias (2006) ressalta a necessidade de se fazer uma análise mais ampla e profunda do que
meramente definir o conceito e demonstrar seu funcionamento em exemplo‑ilha.

O autor defende que a referência criada nos objetos diretos é projetada pelo verbo.

O verbo projeta um lugar, ou seja, um espaço no interior do qual se constitui


um domínio de referência. O objeto, enquanto forma linguística, é um
recorte de significação historicamente delimitado que ganha uma forma
na língua através desse lugar projetado. Assim, o domínio de referência é
algo da relação entre um recorte determinado pelas condições históricas
do acontecimento e uma injunção desse recorte ao lugar específico de
configuração da forma linguística (DIAS, 2006, p. 48).

Ele lembra que o gênero proverbial traz algumas especificidades que se refletem na construção
de seus sentidos: o provérbio tem historicamente um caráter sintático conciso e conclusivo, de fácil
memorização e com um valor argumentativo que sintetiza um tom de verdade ou de elevação. Nesse
sentido, suas ocorrências discursivas vão arrastar tais características para a (re)construção e a (res)
significação de novos sentidos em novas cenas enunciativas. O provérbio, por ser um gênero sem autoria
e atemporal que se repete como senso comum em diferentes contextos, produz uma relação entre uma
memória de um já dito e uma atualidade.

Assim, é possível entender que os sentidos que ficam elípticos na


ausência do objeto direto (que deveria complementar o verbo transitivo)
na verdade estão presentes nessa memória discursiva histórica e nesse
tipo de enunciação são realmente dispensáveis (não há necessidade de
complemento em “Quem planta, colhe.” ou em “É dando que se recebe.”).
A análise do exemplo‑colmeia permite enxergar longitudinalmente várias
possibilidades de usos e seus efeitos de sentido em diferentes contextos.

Além disso, pela sua significação historicamente constituída relacionada


ao provérbio, os verbos plantar e colher funcionam como sustentáculos
enunciativos. “Isso significa que os lugares de objeto desses verbos se
mostram abertos para abrigar as relações constitutivas de um extrato
de valores sociais”. (DIAS, 2006, p. 51). Acompanhe a análise que o autor
desenvolve destes casos:

111
Unidade II

Assim, relacionar fidelidade e autoridade numa relação de consequência,


sustentadas no mesmo efeito de verdade de (6), produz as condições de
eficácia do provérbio, exatamente na relação entre a memória de ordem
histórica e a atualidade da enunciação. Essa estrutura de sustentação do
lugar do objeto permite a entrada do provérbio, enquanto texto, no interior
de outros textos, como vimos em (9). Essa estrutura de sustentação está
presente no provérbio enquanto texto, isto é, como uma unidade empírica
isolável, como em (7, 8 e 10), ou em uma formação textual, como em (9) e
(11), isto é, como forma constitutiva de um corpo textual mais amplo. Na
passagem de (10) para (11), temos algo interessante: a ocupação do lugar
do objeto com vento e tempestade, respectivamente, permitiu em (11) a
sustentação de Dirceu na formação textual de provérbio, funcionando como
título de uma matéria de jornal. O efeito disso está na ideia de que o Ministro
José Dirceu do Governo Lula, ocupando o mesmo lugar de objeto projetado
por tempestade, é um ministro que “joga duro” (DIAS, 2006, p. 51).

Com estas reflexões, Dias defende “a necessidade de um deslocamento da análise gramatical”. É preciso
deixar de lado a prática da exemplificação com exemplos‑ilha e dar lugar a uma nova mentalidade
para o trabalho com a gramática em sala de aula. As aulas precisam estar baseadas em fatos linguísticos
da vida, do cotidiano e das práticas discursivas dos alunos. Os textos escolhidos devem estar agregados
a outros textos num pano de fundo que abrigue, em diferentes modos de enunciação, as relações
enunciativo‑discursivas estabelecidas entre eles.

Resumo

Nesta unidade, você acompanhou uma discussão crítica sobre vários


equívocos, insuficiências e lacunas presentes na Gramática Tradicional
e que acabam reforçando e justificando muitos dos problemas e muitas
das dificuldades do ensino‑aprendizagem nas aulas de língua e gramática
na escola. Foi enfatizada a divisão das palavras em classes gramaticais
e seus problemas nos diferentes critérios de classificação, bem como
outros aspectos que merecem reflexão e análise sobre os pressupostos da
Gramática Tradicional.

Você viu que as classes de palavras definem‑se pelos critérios:


semântico, sintático e morfológico. Mais especificamente, cada critério
desses corresponde à predominância de classificação em diferentes posições
teórico‑gramaticais.

Na Gramática Normativa (tradicional), há o predomínio do Semântico


(embora misturado aos outros dois), que estabelece significados para
essencializar a natureza de cada classe. Na Gramática Descritiva
(estruturalista), ocorre o predomínio do morfológico (embora também
112
Ensino de Gramática na Perspectiva Enunciativa

considere aspectos do sintático), que demarca as características formais


de composição, derivação e funcionamento flexional de todas as classes
de palavras. Na Gramática Gerativa Transformacional, verifica‑se o
predomínio exclusivo do sintático, que estabelece as características
funcionais e distribucionais das classes, na relação/combinação das
palavras com as outras.

Você também acompanhou os problemas e as fragilidades de cada um


desses critérios em cada uma das dez classes de palavras: Substantivo,
Adjetivo, Verbo, Advérbio, Artigo, Pronome, Preposição, Numeral, Conjunção
e Interjeição.

Ainda nessa discussão, você acompanhou o aprofundamento sobre


os problemas da gramática tradicional discutidos por Perini (2002, 2005),
que destaca três grandes defeitos: os objetivos estão mal colocados;
a metodologia é muito inadequada; e a matéria gramática precisa de
organização lógica.

Esse autor ainda sugere redefinir os objetivos e estudar gramática tanto


quanto estudar muitíssimas outras coisas – o sistema solar, relevo, história
geral, arqueologia etc. Na condição de cidadãos, temos o direito (e o dever)
de saber um pouco sobre vários assuntos da nossa história, do universo, da
sociedade, da geografia, das ciências de modo geral, inclusive de gramática.
Além disso, o autor propõe que o professor de gramática terá de parar com
a pretensão de determinar como a língua deve ser, passando a dizer como
a língua é.

Para ampliar a análise sobre os problemas da gramática, acompanhamos


a discussão de Perini sobre o que ele chamou de “três problemas básicos”:
o formal e o semântico; a noção de paradigma gramatical; e a questão de
classes e funções.

Na sequência, você acompanhou uma reflexão crítica com alternativas


para o ensino de gramática numa perspectiva de uso‑reflexão‑análise,
baseada principalmente em Travaglia (2006), bem como em outros autores.
Conforme você acompanhou, o autor (citando Soares, 1979) destacou três
orientações metodológicas mais frequentes para o ensino de gramática.

A primeira parte da gramática ao uso da língua. Trata‑se de uma


concepção normativa e se baseia no ensino de teoria gramatical com
o objetivo de tornar o aluno eficiente no uso da linguagem a partir do
entendimento da organização da gramática. Vários estudiosos defendem
que esse método não é eficiente.

113
Unidade II

A segunda vai do uso da língua à gramática. Trata‑se de uma concepção


que questiona a eficácia do ensino de regras gramaticais para o alcance do
domínio efetivo da linguagem e propõe que se parta da leitura de textos
para o estudo da gramática. Nessa proposta o aprendizado da gramática
continuou como o centro e a finalidade do processo, e a abordagem de
textos tornou‑se apenas um pretexto para a observação das regras. Não
houve grandes avanços.

A terceira é a gramática do uso, uma concepção que se baseia no uso


do método estrutural e de exercícios estruturais. Nessa postura, há uma
verdadeira inovação, já que ela valoriza de fato o uso, a produção linguística,
e não apenas a descrição gramatical. Mesmo assim, há problemas, em
razão de a escolha das estruturas ser feita de acordo com os textos, e não
conforme as dificuldades dos alunos.

Em seguida, você estudou algumas propostas de Travaglia para o trabalho


com o ensino de gramática e exercícios para as abordagens: gramática de
uso; gramática reflexiva; gramática teórica; e gramática normativa. Ainda
nessa discussão, você acompanhou algumas propostas de outros autores,
bem como pôde observar a posição teórica que orienta o ensino a partir
dos documentos oficiais dos Parâmetros Curriculares Nacionais.

Por fim, você ainda observou propostas de ensino de gramática que


se conduzem destacando o fenômeno da enunciação na linguagem e
nos funcionamentos gramaticais. Conheceu as seguintes abordagens:
Análise Semiótica do Discurso, com a análise do percurso gerativo dos
sentidos nos níveis fundamental, narrativo e discursivo; Abordagem
Enunciativo‑argumentativa, com uma análise das conjunções voltada para
enfatizar a polifonia e argumentação na língua por meio do fenômeno
da enunciação; e Abordagem Enunciativo‑discursiva, com uma análise
do exemplo na gramática, enfatizando a diferença entre o exemplo‑ilha
(comum nas ilustrações gramaticais) e o exemplo‑colmeia (que seria uma
proposta de trabalho mais completa e complexa, ampliando a reflexão
sobre como pensar um determinado funcionamento gramatical a partir
de vários usos efetivos da linguagem e em suas diferentes possibilidades,
contrastando as relações e implicações entre esses usos).

114
Referências

Audiovisuais

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Textuais

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Informações:
www.sepi.unip.br ou 0800 010 9000

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