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Essa é uma questão que se repete nos vários grupos de formação em que atuo. Ao trabalhar o conteúdo
leitura pelo professor, esse assunto surge com freqüência. Posso propor um desenho depois da leitura da
história? Como formadora, meu primeiro movimento é pontuar que essa nem sempre é uma atividade
adequada na seqüência de uma leitura. Depois de algum tempo, observando a reincidência deste assunto, me
interessei em pesquisar quais os motivos que levam as professoras a propor esta atividade.
Nas sondagens que fiz, concluí que esta é uma das propostas mais tradicionais na Educação Infantil, que
repetida e associada ao trabalho com leitura de histórias ganhou o status de “inquestionável”. As perguntas
feitas às professoras “Por que desenhar depois da leitura?” e “O que as crianças aprendem nesta atividade?”
constantemente causam espanto geral. Afinal, sempre fizemos assim, são as respostas.
Outras justificam o desenho pela necessidade da representação do conteúdo, para o professor poder avaliar o
que foi entendido pela criança, já que elas ainda não escrevem convencionalmente na Educação Infantil.
Desenhando, podem mostrar o que apreenderam da história.
A professora leu para o grupo a história do Gato de Botas, uma longa narrativa que descreve as várias
aventuras do Gato e do seu dono. É uma história com situações que se repetem, com tarefas que o rei pede
que o gato realize. Todas as ações estão encadeadas ao encantamento sucessivo da princesa pelo dono do
gato, até o final feliz. Depois da leitura, a professora conversou com o grupo sobre a história, retomou
algumas seqüências. Enfatizou o nome dos personagens e propôs às crianças que desenhassem do seu jeito.
Circulando pela sala, ela as parabeniza pelos desenhos, em geral uma única imagem. Nas mesas, as crianças,
enquanto desenham, dizem: “Fiz uma bota.” “Olha o castelo!” “Esse gato é bem grande e pretão!”
Que havia interação das crianças com a tarefa é fato. Que elas estavam gostando de desenhar, também, mas
o questionamento é sobre o que esta atividade propiciou de aprendizagem sobre o universo da leitura ou
mesmo da ilustração. Será que essa é uma atividade que avalia o entendimento das crianças a respeito de
uma história lida pelo professor? É possível recontar uma história inteira por meio de uma única imagem? É
possível que um desenho da história ajude as crianças a compreender melhor o que leram?
Este seria um problema complexo, que exigiria uma série de conhecimentos do universo da produção
plástica. Só para ilustrar. Os pintores da Idade Média se depararam com esse tipo de problema, já que para
representar, por exemplo, a morte e a ressurreição de Cristo, necessitavam de imagens, pois grande parte da
população era analfabeta, o desenho era um meio para contar a história de Cristo. Para isso, a solução
encontrada foi a divisão do quadro em cenas e a presença do mesmo personagem nas diferentes cenas.
Outros artistas que enfrentam a mesma questão são os desenhistas das histórias em quadrinhos, que para
contar uma história dividem a folha e usam os quadros numa determinada cronologia. Essa é, portanto, uma
proposta extremamente complexa que requer uma grande instrumentalização e estudo para a sua realização,
e não uma atividade fácil que o professor propõe e deixa as crianças fazerem por conta própria.
Ao aceitar qualquer referência, como desenho da história, o professor deve saber que não está
necessariamente contribuindo para desenvolver competências em artes ou maior compreensão do conteúdo.
Se do ponto de vista do desenho essa proposta não se sustenta, em relação ao trabalho com a leitura e a
escrita também não. O desenho é de um universo diferente daquele da escrita, tem uma relação com a forma,
com o sentido do objeto.
A escrita segue uma convenção lógica e sua relação com o desenho não é simples. Para ilustrar um texto, o
artista precisa seguir uma série de etapas e consultas, pois trata-se de estabelecer um casamento entre duas
linguagens diferentes. Cada ilustrador usa uma técnica diferente.
Ilustrar é pesquisar, buscar referências para que haja de fato uma integração entre imagem e texto, muito
além de desenhar algo referente ao conteúdo ou utilizar o desenho como uma forma de abrandar a aridez da
escrita.
Possibilitar que as crianças façam diferentes interpretações, expressem suas opiniões acerca do que foi lido,
contribui para a autonomia de pensamento. Pode ser interessante também analisar o uso das expressões
empregadas pelo escritor e se elas conseguiram “abrilhantar” o texto, encantando pela sonoridade e/ou pelas
descrições e forma de encadear as cenas.
É certo que nada impede que um projeto que tenha a leitura como foco principal também planeje atividades
ligadas a ilustração. Se tudo for bem planejado, se for garantida a aprendizagen nas duas áreas, o resultado
final será compensador.
(Denise Nalini, formadora do Instituto Avisa Lá e consultora da Clarabóia Assessoria e Consultoria Ltda)
Este conteúdo faz parte da Revista Avisa lá edição #22 de abril de 2005. Caso queira acessar o conteúdo
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