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Inspiração
Quando observamos cada uma das duas fases da respiração esse seu
caráter polar se destaca.
Isso não nos deve iludir sobre o fato de que ambos os poios na realidade
são inseparáveis.
Com quanto maior clareza reconhecermos os dois lados da respiração em
suas diferenças, com tanto maior significado eles podem se completar mais
tarde, sem que haja confusão nos âmbitos de suas tarefas.
Força de vontade e atividade são atributos da inspiração.
O movimento da inspiração surge da contração da musculatura da
respiração.
Esticar o diafragma causa uma pressão na região do peito, pelo que o ar da
inspiração por assim dizer é sugado para dentro.
Portanto, primeiro existe uma tensão muscular que provoca a inspiração.
Simbolicamente, ela representa a parte ativa e, desse modo, a parte
masculina da respiração.
Para nós a inspiração é a representante simbólica de todas as forças ativas
existentes no nosso ser, também aquelas que ainda não usamos.
Na nossa disposição de inspirar podemos, consequentemente, reconhecer o
quanto ousamos entrar em regiões novas, imprevisíveis da nossa vida.
A inspiração mostra até que ponto estamos dispostos a lutar pelos próprios
objetivos.
Na inspiração está o recomeço simbólico.
Com ela saímos para o mundo como o jovem herói, para dominá-lo e
enfrentar a nossa tarefa.
No momento de buscar ar nós deixamos o porto seguro do nosso ambiente
habitual.
Marte
Podemos equiparar a inspiração a todas aquelas figuras mitológicas que
saem para o mundo para buscar a sorte.
Quem sai para o mundo precisa de coragem, disposição de correr riscos e
vontade de lutar, pois ele não sabe o que o espera.
Em todos os contos de fadas e mitos que descrevem o caminho do herói
encontramos essa temática.
Marte (Ares), o deus da guerra, só vê o sentido da própria existência nas
lutas.
Ele viaja pelos países e busca o confronto.
Todas as circunstâncias (repugnantes) significam um desafio para ele.
Sua (ingênua) certeza de vitória o ajuda a superar os maiores perigos e os
mais fortes oponentes.
Inquebrantável, ele segue adiante e o ataque inevitável é a sua única
"estratégia" de luta.
Essa agressividade direta proporciona um mal-estar, pois não estamos
acostumados com alguém que vive abertamente sua agressividade.
Enquanto isso, na nossa sociedade a agressão quase só é equiparada à
atividade violenta sem sentido.
Já na infância aprendemos a reprimir a agressividade, a nos
envergonharmos dela e vivemos com medo de sermos considerados
insociáveis caso essas nossas tendências se tornem visíveis.
Com certeza é necessário controlar o nosso potencial agressivo para que
haja amadurecimento interior e cultura exterior.
Mas se banirmos toda a agressividade da nossa vida, perdemos a nossa
força vital mais elementar.
A fuga da agressividade nos leva à agressão e muitas vezes à falta de força.
Dessa maneira nos tornamos pessoas suaves e fracas que dizem sim.
Pessoas que têm medo de conflitos e pessoas fáceis de manipular são tão
perigosas para a comunidade humana como as pessoas destrutivas,
principalmente porque muitas vezes elas se juntam e, então, causam
grandes danos.
É difícil decidir o que é mais importante, a terra natal ou a semente que a
fertiliza.
A ideologia mais agressiva sem o solo de uma maioria silenciosa e que
caminha junto não é muito perigosa.
Mas não pode tratar-se de um sim ou não, mas de uma participação
significativa de nossa agressividade e energia vital.
O significado original da palavra agressão (do latim aggredi = atacar,
agredir) é atacar no sentido de agarrar sem vacilar.
Nisso é difícil reconhecer os dois polos.
Atacar alguém, segundo a palavra, significa tocá-lo.
Quando tocamos alguém estabelecemos um contato físico com essa pessoa.
No uso da língua austríaca a palavra "atacar" ainda tem esse significado
original e não é imprescindivelmente vista como negativa.
No modo de dizer "atacar a vida" fica claro o lado positivo da agressão.
Se evitamos basicamente todo contato com as nossas próprias agressões ou
as dos outros, isso nos protege de fato de experiências dolorosas, mas, ao
mesmo tempo, perdemos todas as oportunidades de entrar em contato com
a vivacidade.
Se quisermos viver os lados belos da vida, não será possível evitar
encontrar também os lados desagradáveis.
Para encontrar a nossa vivacidade, temos de sair para o mundo e fazer
experiências.
Não podemos poupar-nos de nada, e é impossível prever de modo concreto
o que iremos encontrar.
A força bélica de Marte pode nos emprestar coragem e força para ousarmos
fazer essa aventura.
A inspiração simboliza esse processo no âmbito físico.
À medida que o fortalecemos com a respiração associada, nos pomos a
caminho de agarrar o ferro em brasa da nossa vida.
O Bobo
Para que Marte e suas forças possam ser eficazes em nós, temos de levar
em consideração mais uma força interior.
Essa segunda energia está na frente de todo início.
No tarõ, é-lhe atribuído o número zero, e assim, ele encerra o círculo dos
22 assim chamados Arcanos Maiores, os marcos do caminho do
desenvolvimento.
O Bobo está tanto no início como no fim do desenvolvimento.
Ele representa a segunda posição de todos os processos vivos.
Suas capacidades são a base para as ações de Marte.
O Bobo traz em si a capacidade de transformar reflexões e intenções em
ações reais.
Ele é inocente como uma criança, e o fato de não precisar provar nada lhe
dá a liberdade de ser louco e nada convencional.
Para ele é indiferente se seus atos são bem-sucedidos ou não, ele
experimenta tudo e a possibilidade de um fracasso não tem nenhum
significado para ele.
Se algo não dá certo para ele, ele tenta outra vez até dar certo, ou perde o
interesse.
Marte, ao contrário, já tem uma direção certa e quer vencer a qualquer
custo.
Falta-lhe totalmente a ingenuidade do Bobo, e assim, pode ser que de tanta
vontade ele mesmo se bloqueie.
Só querer não basta, pois somente as forças infantis dão à vontade a
capacidade para encontrar um início.
A lúdica leveza do Bobo está ligada às forças inconscientes das pessoas.
Por isso ele tem êxito em estar na hora certa no lugar certo com a
segurança de um sonâmbulo e agir espontaneamente. Final-mente, ele é o
elo de ligação no círculo das etapas do desenvolvimento, pois no tarô ele
representa a menor e a maior carta ao mesmo tempo e cumpre a missão do
desenvolvimento humano de "tornar-se outra vez como as crianças".
Para ter uma imagem viva desses princípios primordiais, vamos analisar um
desses mitos.
Percival
Percival é uma figura mitológica que nos mostra com maravilhosa clareza o
lado ativo masculino do caminho do desenvolvimento humano e, ao mesmo
tempo, é a encarnação perfeita do Bobo lutador.
Como a inspiração representa esse tema no mundo corporal, de tempos em
tempos daremos um salto do âmbito mitológico para o nosso próprio mundo
interior.
Na inspiração, o caminho ativo dos homens está contido de maneira
semelhante ao da célula corporal isolada, que contém informações sobre o
organismo como um todo.
De acordo com Robert Johnson, o nome Percival significa "Bobo inocente".
Sua inocência e ingenuidade são justamente os despertadores do seu
caminho de herói.
Seu pai foi o famoso cavaleiro Gamuret.
Quando ele foi morto em batalha, a mãe de Percival decidiu preservar seu
amado filho de um destino semelhante.
Hercilóide escondeu-se com o filho e a criadagem na floresta.
Ali achou que Percival estaria a salvo das influências da vida cavalheiresca.
Ali ele é criado de modo muito feminino nas proximidades do seu lar.
Ela cuida dele com dedicação sentimental e o mima com canções e tocando
realejo.
Por segurança, ela o vestiu com trajes de menina.
Hoje acontece o mesmo com muitas meninas e meninos que depois da
separação dos pais são criados unicamente pela mãe.
A tentativa de estimular somente os lados sensíveis do ser humano, na
medida em que evitamos qualquer contato com a agressividade, muitas
vezes causa problemas.
O esforço de advertir e desvalorizar as sombrias características masculinas
do pai leva diretamente àquela catástrofe vivida também por Percival.
Ele devia ser o contrário exato do seu pai e justamente por isso se torna
igual a ele.
Pois cada polo abriga seu polo oposto.
Assim acontece o que tem de acontecer.
Percival se distancia em algum momento da cantoria e da música e volta o
seu interesse principal para uma espécie de atiradeira com a qual abatia os
animais, para consternação da mãe.
Quando certo dia encontrou alguns cavaleiros regiamente vestidos na
floresta, em seu desconhecimento os tomou por anjos.
Ele fica fascinado pelo brilho deles e resolve ser ele também um anjo
cavaleiro.
Os homens lhe dizem que ele precisa ir à corte do rei Artur para ali ser
sagrado cavaleiro.
A decisão dele é firme e nem todo o sofrimento e as queixas da mãe podem
impedi-lo de iniciar o caminho.
Percival tem três qualidades interiores essenciais: em primeiro lugar, ele
tem sua inocência juvenil.
Na verdade ele é protegido por ela, mas ela também lhe tira a capacidade
de perceber os perigos.
A segunda característica é simbolizada pela sua arma infantil, a atiradeira.
Essa arma parece ridícula. se a compararmos com os suntuosos escudos e
espadas dos cavaleiros, e, contudo. em suas mãos juvenis inocentes deve
se transformar numa arma milagrosa.
O terceiro atributo à primeira vista parece muito mais um impedimento.
Ele consiste na roupa de bobo que a mãe costurou para ele como
despedida.
A esperança dela por certo consiste em que essa roupa desperte
misericórdia e que os cavaleiros rivais o poupem assim que o reconheçam
como um bobo.
Mas isso fez com que o seu primeiro oponente não o levasse a sério e que
por isso Percival pudesse vencê-lo.
O sentimento de superioridade tornou seu adversário cego e descuidado.
Muitos jovens têm medo de não serem levados totalmente a sério pelos
homens adultos.
No entanto, se consideramos essa tolice como algo positivo, ela se
desmascara como uma ótima camuflagem, pois quem não é considerado
perfeito pode mover-se livremente em seu ambiente.
Ele pode ir a todos os lugares sem problemas, sem ser considerado um
concorrente ou um perigo.
Para poder suportar o estado de não ser considerado perfeito, é necessária
força de resistência.
Durante essa época da sua vida ele sente todas as capacidades e potenciais
que querem extravasar-se dele e, no entanto, é importante esperar pelo
momento certo.
Somente quando o tempo estiver maduro faz sentido tornar visíveis suas
próprias capacidades.
Robert Bly descreve esse aspecto como o tornar-se o cabelo dourado
visível.
Para Percival o momento certo surgiu pela primeira vez quando encontrou o
cavaleiro vermelho, Íter.
A cor vermelha simboliza Marte e, assim, a energia vital, a agressividade e
a coragem.
Percival se apodera dessas forças na medida em que vence o cavaleiro
vermelho e a partir desse momento usa a armadura dele.
Mas sob a armadura ele ainda usa sua roupa de bobo e só a tira aos
poucos.
Ele ainda precisa adaptar-se à armadura.
Quanto maior a clareza com que prova a sua valentia, tanto mais ele perde
sua loucura juvenil, transformando-a respectivamente em espontaneidade e
criatividade.
A nossa sociedade moderna inconscientemente tomou como tarefa quebrar
essa juvenilidade tola.
Cortam-se as asas das pessoas jovens em nosso sistema de formação, para
que eles se transformem em pessoas paralisadas, psiquicamente
incompletas.
Muitas formações tiram dos jovens mais do que eles precisam para serem
capazes de dominar a vida.
Nós precisamos de uma medida sadia de loucura para entrarmos em
contato com a nossa força primordial.
Há pessoas que se distanciaram tanto da sua infantilidade e loucura, que
lhes é impossível entrar em contato com essa força.
Elas estão tão desnorteadas e cheias de condicionamentos que ficam
detidas nos preparativos para a vida.
Quando alguém quer ousar algo, talvez um novo capítulo de vida ou um
processo terapêutico, ele faz questão de ter uma garantia de sucesso para
os atos que tem à sua frente.
Ele se questiona continuamente se o que pretende será bom ou ruim para
ele, e não está pronto a gastar energia enquanto persistir o risco de um
fracasso.
Por outro lado, justamente a sociedade moderna vive formas de desejo
juvenis cada vez mais tolas.
Percival ousa dar o salto idiota e isso o leva à própria energia vital.
O que segue é o seu caminho totalmente pessoal de herói, que o faz
amadurecer para tornar-se um ser humano verdadeiro.
Esse caminho indica sinais simbólicos de valor coletivo.
Cada um é Percival, ou seja, leva seu arquétipo dentro de si.
Seguem-se a solidão, lutas contra o dragão, desesperança, tentações e
muitos outros desafios, como cada pessoa tem de viver no âmbito psíquico.
O palco exterior da vida, onde se passam esses temas, é diferente para
cada pessoa.
A diferenciação dos âmbitos exteriores no nosso contexto é menos
interessante, para nós trata-se do essencial: a força de pôr algo em ação.
Em cada inspiração nós exercemos esse ritual de ativação da energia vital.
No processo da respiração associada precisamos da ousadia do Bobo, que
junto com nossa força de vontade nos torna guerreiros dispostos ao
conflito.
Na inspiração podemos aproximar-nos do próprio dragão e empreender a
luta contra ele.
Quando os demônios forem vencidos, obtemos acesso às águas da vida,
que na mitologia na maioria das vezes são simbolizadas por um poço ou
uma virgem delicada.
A expiração
No fim do caminho através do mundo exterior, material, é necessário mudar
de estratégia.
A partir daí só progredimos quando nos desapegamos, deixamos acontecer
e permitimos que o mundo siga o seu curso sem tentar influir no que
acontece.
A voz do povo conhece a necessidade do polo feminino: "Dar é melhor do
que receber" — "Falar é prata, calar é ouro" — "O mais inteligente cede".
Somente quando conseguimos atravessar a ponte para o feminino estamos
em condições de salvar tanto o nosso mundo interior como o exterior.
Muitas doenças da civilização se relacionam diretamente com o fato de não
conseguirmos parar de agir.
Para onde olhamos ficamos tentados a controlar os nossos problemas por
meio da ação ativa.
A pessoa superalimentada toma remédios para diminuir as gorduras dos
alimentos e contra seus males do fígado.
Porém, como um organismo pode recuperar a saúde, quando exigimos
demais do trato digestivo sobrecarregado?
Uma saída para o dilema só existe quando compreendemos que menos
também pode ser mais.
Uma cura pelo jejum pode mostrar como as forças de auto cura do corpo
são fortes.
No entanto, elas só entram em ação quando damos calma e distância ao
nosso corpo.
Distância do excesso de comida e de todos os outros suplementos, por mais
bem-intencionados que sejam.
Mas não é somente no microcosmo do nosso corpo, mas também no
macrocosmo que a natureza reage negativamente no nosso programa ativo
de ajuda.
As águas se recuperariam dentro de alguns anos se fosse possível impedir o
abastecimento de tóxicos.
A maioria dos enfartes cardíacos poderia ser evitada se deslocássemos o
nosso estilo de vida mais para o polo feminino.
É surpreendente o número de pessoas que encontram a tão ansiada cura
assim que abandonam os medicamentos não obrigatoriamente necessários
e jejuam por um período mais longo de tempo.
Quando analisamos o nosso estilo de vida, vemos um número enorme de
exemplos da nossa autodestruição, mas também as chances contidas para
um retorno.
A expiração pode ajudar-nos a ter acesso ao mundo feminino e, com isso,
também encontrar a solução para os nossos maiores problemas.
Cada respiração consciente antes de pegarmos no telefone ou subirmos no
carro, pode transformar-se num ritual significativo de desapego, que com o
tempo pode aproximar-nos do nosso lado feminino e, desse modo, do nosso
equilíbrio interior.
Hoje um problema pode ser o fato de os exercícios e rituais
correspondentes ao polo feminino serem muito fáceis e nós, na maioria das
vezes, termos aprendido a lidar com nosso sofrimento somente pelo
caminho das medidas custosas e complicadas.
A expiração começa no auge da inspiração, quando pegamos tudo o que
podíamos pegar.
Para que a energia vital possa fluir temos de superar a nossa exigência de
posse.
Não há nada que devamos fazer para expirar com sucesso.
A caixa torácica está expandida, os músculos respiratórios estão contraídos
e assim que liberamos a tensão, a respiração flui por si só e para fora.
Quanto maior a consciência com que nos entregamos a esse momento do
acontecimento, tanto mais harmoniosa e completamente o nosso pulmão se
esvaziará.
Também podemos expelir ativamente a nossa respiração, mas isso gasta
muito mais energia e diminui a fase de sucesso em que podemos obter
força para a inspiração seguinte.
No âmbito fisiológico é a respiração que livra as células corporais dos seus
detritos.
Somente quando as substâncias usadas saem do nosso organismo, estamos
em condições de captar novas energias.
Tanto no âmbito psíquico como no corporal surgem problemas quando
cortamos o polo feminino.
Se nos apegarmos às energias gastas, bloqueamos a renovação da nossa
energia vital.
Na maioria das vezes não se trata de um impedimento da inspiração, pelo
qual surge a falta de ar dos asmáticos, mas de uma situação de exagero de
flato.
Ele não consegue mais soltar o ar que inspirou e por falta de espaço não
tem condições de captar novo oxigênio.
Inspirar não é o seu problema, mas como não expira mais durante o
acesso, a capacidade intacta da inspiração não lhe serve mais também.
Quando um polo está bloqueado, o outro também se quebra.
Os males psíquicos também surgem devido à retenção do passado e do já
sobrevivido.
Quando o desapego não dá certo, um relacionamento fracassado ou uma
outra vivência de perda torna-se um obstáculo para a continuação do
desenvolvimento.
Por isso, os contos de fadas e os mitos que descrevem o caminho feminino,
começam muitas vezes com uma experiência de perda.
Muitas vezes começam ali onde termina o caminho masculino do herói.
A bola dourada da princesa cai num poço durante o jogo, a Gata Borralheira
perde o sapato, e o conto de fadas da menina sem mãos começa com a
perda das suas mãos.
Continua